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Sociologia da

Educação
Profª. Ana Cláudia Moser
Prof. Márcio José Cubiak

2018
Copyright © UNIASSELVI 2018

Elaboração:
Profª. Ana Cláudia Moser
Prof. Márcio José Cubiak

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

306.43
M899s Moser, Ana Cláudia
Sociologia da educação / Ana Cláudia Moser, Márcio José
Cubiak – Indaial: UNIASSELVI, 2018.

211 p.; il.

ISBN 978-85-515-0165-8

1. Sociologia – Brasil
2. Educação – Sociologia
I. Cubiak, Márcio José
II. Centro Universitário Leonardo da Vinci
Apresentação
“A educação é a arma mais poderosa que podemos
usar para mudar o mundo”.
Nelson Mandela

Prezado acadêmico! Iniciaremos agora mais uma etapa de sua


jornada de formação com a disciplina Sociologia da Educação. Através dos
estudos desta disciplina, você será apresentado a um conjunto de conceitos
de teorias que contribuirão para ampliar seus conhecimentos acerca das
relações sociais que envolvem educação e sociedade, bem como contribuirão
para apresentar a você formas diferentes para analisar e compreender
os fenômenos educacionais dos processos mais amplos de socialização à
educação escolar.

Na Unidade 1 dedicaremos nossos esforços a compreender como se


constroem os problemas sociológicos, a escola e a educação como campos
de estudo da sociologia. Partindo desse cenário, apresentaremos as relações
entre sociedade e educação e o desenvolvimento das teorias que formaram
o campo da Sociologia da Educação. Na sequência, apresentaremos as
discussões que dão conta das noções de sala de aula, dos sujeitos da educação
e das relações entre sociedade e cultura.

O panorama das teorias sociológicas que abordam elementos


fundamentais para a Sociologia da Educação será apresentado na Unidade
2. Nesta unidade, você conhecerá as reflexões sobre educação e sociedade
nas teorias dos clássicos: Augusto Comte, Émile Durkheim, Karl Marx
e Max Weber; e dos contemporâneos: Talcott Parsons, Antônio Gramsci,
Louis Althusser, Karl Mannheim, Norbert Elias, Michel Foucault e Anthony
Giddens. Além destas teorias, apresentaremos o desenvolvimento teórico da
Sociologia da Educação no Brasil.

Na Unidade 3 serão abordados temas relevantes para a Sociologia


da Educação, como as questões que envolvem estudos culturais, pós-
colonialismo, Estado, instituições sociais, desigualdade social-escolar,
violência, trabalho e tecnologias.

Os autores

III
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 - RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO.................. 1

TÓPICO 1 - O OLHAR DA SOCIOLOGIA SOBRE SOCIEDADE,


ESCOLA E EDUCAÇÃO................................................................................................ 3
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 3
2 PROBLEMAS SOCIOLÓGICOS...................................................................................................... 3
3 MÉTODOS E PROBLEMAS SOCIOLÓGICOS............................................................................ 7
4 ESCOLA E EDUCAÇÃO COMO CAMPOS DA SOCIOLOGIA............................................... 15
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 22
RESUMO DO TÓPICO 1...................................................................................................................... 25
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 26

TÓPICO 2 - AS CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO................................ 29


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 29
2 A SOCIOLOGIA E A SOCIEDADE................................................................................................. 29
3 O QUE É A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO?.............................................................................. 35
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 40
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 42
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 43

TÓPICO 3 - OS DESDOBRAMENTOS DAS CONTRIBUIÇÕES DA


SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA COMPREENSÃO DOS
SUJEITOS E DA CULTURA NA EDUCAÇÃO......................................................... 45
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 45
2 SALA DE AULA E SUJEITOS DA EDUCAÇÃO.......................................................................... 45
3 SOCIEDADE E CULTURA................................................................................................................ 53
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 58
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 60
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 61

UNIDADE 2 - PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO...................... 63

TÓPICO 1 - PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS:


DURKHEIM, MARX E WEBER.................................................................................... 65
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 65
2 ÉMILE DURKHEIM............................................................................................................................ 66
2.1 DURKHEIM E A EDUCAÇÃO..................................................................................................... 72
3 KARL MARX (1818-1883)................................................................................................................... 74
3.1 MARX E A EDUCAÇÃO............................................................................................................... 78
4 MAX WEBER (1864-1920)................................................................................................................... 81
4.1 A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA DE WEBER....................................................................... 82
4.2 WEBER E A EDUCAÇÃO............................................................................................................. 87
RESUMO DO TÓPICO 1...................................................................................................................... 90
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 91

VII
TÓPICO 2 - GERAÇÃO DA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX:
MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESCOLA
DE FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER....................................................... 93
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 93
2 KARL MANNHEIM: PLANEJAMENTO E TÉCNICA SOCIAL................................................ 93
2.1 TALCOTT PARSONS: AÇÃO E SISTEMA SOCIAL................................................................. 96
2.2 NORBERT ELIAS: CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA
PROCESSUAL PARA A EDUCAÇÃO......................................................................................... 99
2.3 ANTONIO GRAMSCI: HEGEMONIA E EDUCAÇÃO HUMANÍSTICA............................. 101
2.5 ESCOLA DE FRANKFURT: A TEORIA CRÍTICA E AS CONTRIBUIÇÕES
DE ADORNO PARA A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO........................................................ 105
2.4 JURGEN HABERMAS: RACIONALIZAÇÃO E AÇÃO COMUNICATIVA......................... 107
2.5 LOUIS ALTHUSSER: IDELOGIA E APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO............... 110
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 113
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 119
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 120

TÓPICO 3 - GERAÇÃO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX:


BOURDIEU, HABERMAS E GIDDENS..................................................................... 123
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 123
2 PIERRE BOURDIEU............................................................................................................................ 123
2.1 ELEMENTOS PARA PENSAR A EDUCAÇÃO EM BOURDIEU........................................... 126
2.2 JÜRGEN HABERMAS: RACIONALIZAÇÃO E AÇÃO COMUNICATIVA......................... 129
2.3 ANTHONY GIDDENS................................................................................................................... 134
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 141
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 143
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 144

UNIDADE 3 - A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE................ 147

TÓPICO 1 - ESTUDOS CULTURAIS, MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO................... 149


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 149
2 ESTUDOS CULTURAIS E AS SUAS RELAÇÕES COM A EDUCAÇÃO................................ 150
2.1 OS ESTUDOS CULTURAIS........................................................................................................... 150
3 CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS CULTURAIS PARA O
CAMPO DA EDUCAÇÃO................................................................................................................. 158
4 MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO...................................................................................... 160
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 166
RESUMO DO TÓPICO 1...................................................................................................................... 169
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 170

TÓPICO 2 - A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL...................................................... 171


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 171
2 TEORIAS E PESQUISAS SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL ................................................... 171
3 CONTRIBUIÇÕES DE FLORESTAN FERNANDES PARA A
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL ............................................................................. 173
4 AS CONTRIBUIÇÕES DE FERNANDO DE AZEVEDO PARA A
COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO COMO FATO SOCIAL .................................................... 174
5 AS CONTRIBUIÇÕES DAS TEORIAS MARXISTAS NA SOCIOLOGIA
DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA ....................................................................................................... 176
6 EDUCAÇÃO E REPRODUÇÃO SOCIAL: O CASO DAS DESIGUALDADES
SOCIAIS E A EDUCAÇÃO NO BRASIL ....................................................................................... 177

VIII
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 181
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 188
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 189

TÓPICO 3 - TEMAS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO........................................................... 191


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 191
2 A RELAÇÃO EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA ................................................................................ 191
2.1 AVANÇOS E DESAFIOS DO ENSINO DE SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA ...... 196
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 200
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 201
REFERÊNCIAS........................................................................................................................................ 203

IX
X
UNIDADE 1

RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA,


SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta unidade tem por objetivos:

• compreender a construção dos problemas sociológicos;

• analisar a escola e educação como campos de estudo da sociologia;

• apresentar o contexto do desenvolvimento da Sociologia da Educação;

• conhecer as relações entre sociedade, educação e escola;

• analisar as relações entre sala de aula e os sujeitos da educação;

• compreender as relações entre sociedade e cultura.

PLANO DE ESTUDOS
A primeira unidade está dividida em três tópicos. Ao fim de cada um deles,
você encontrará um resumo dos conteúdos e autoatividades que contribuirão
para a reflexão e análise dos temas abordados.

TÓPICO 1 – O OLHAR DA SOCIOLOGIA SOBRE SOCIEDADE, ESCOLA


E EDUCAÇÃO

TÓPICO 2 – AS CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

TÓPICO 3 – OS DESDOBRAMENTOS DAS CONTRIBUIÇÕES DA SOCIO-


LOGIA DA EDUCAÇÃO NA COMPREENSÃO DOS SUJEI-
TOS E DA CULTURA NA EDUCAÇÃO

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

O OLHAR DA SOCIOLOGIA SOBRE


SOCIEDADE, ESCOLA E EDUCAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
O primeiro tópico da Unidade 1 apresentará a você o contexto de
desenvolvimento da Sociologia, as formas de construção dos problemas
sociológicos e as teorias produzidas para analisar esses questionamentos. A
educação e a escola como objetos de estudo da Sociologia também ganham
espaço nesse tópico. O objetivo central é proporcionar ferramentas teóricas que
permitam a você relembrar como a Sociologia constrói seus objetos e como o
desenvolvimento da Sociologia como ciência levou à compreensão das relações
entre sociedade e educação.

2 PROBLEMAS SOCIOLÓGICOS
Nesta primeira etapa de seu livro de estudos, vamos apresentar algumas
noções introdutórias e básicas para a compreensão da Sociologia. Tratar desta
disciplina implica adentrar o universo das ciências sociais, do qual ela faz parte.

DICAS

Newton Freire-Maia (1998, p. 24) diz que a ciência é um “[...] conjunto de


descrições, interpretações, teorias, leis, modelos etc., visando ao conhecimento de uma
parcela da realidade” pelo emprego de “metodologia especial”, a metodologia científica.
No modelo atual de ciência, o seu resultado deve ser a produção de conhecimento
reconhecido. Este tipo de conhecimento “distingue-se por um grau de certeza alto,
desfrutando assim de uma posição privilegiada com relação aos demais tipos de
conhecimento” (CHIBENI, 2004, p. 1).
FONTE: FREIRE-MAIA (1998); CHIBENI (2004)

As ciências sociais representam uma parte do campo científico no interior


da ciência. E como se divide a ciência? Não é possível encontrar um consenso
sobre esta identificação, sempre dependendo da posição do cientista. Para as

3
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

autoras Lakatos e Marconi (1995), é possível perceber a classificação da ciência


entre ciências formais e as factuais.

As primeiras são focadas no estudo de ideias, de situações abstratas, sem


necessariamente ter relações com a realidade, utilizando a lógica, fórmulas e
teoremas para comprovar suas hipóteses.

As segundas se referem às ciências dedicadas aos fatos naturais e sociais,


recorrendo às observações e experimentações. Seus resultados e suas hipóteses,
quase sempre, são provisórios.

Como podemos perceber, as ciências sociais são classificadas como


factuais. Observe a figura a seguir:

FIGURA 1 - CLASSIFICAÇÃO DA CIÊNCIA DE ACORDO COM LAKATOS E MARCONI

Lógica
FORMAIS
Matemática

Física
CIÊNCIAS NATURAIS Química
Biologia e outros

FACTUAIS Antropologia Cultural


Direito
Economia
SOCIAIS
Política
Psicologia Social
Sociologia

FONTE: Disponível em: <https://livrepensamento.com/2013/08/19/sobre-porque-a-ciencia-e-a-


unica-forma-de-conhecimento-que-vale-a-pena/>. Acesso em: 22 fev. 2018.

Mas, como perceber as Ciências Sociais? Esse conjunto de disciplinas


científicas se volta aos fenômenos sociais – coletivos ou individuais. Quer dizer,
o objeto das ciências sociais ou humanas é o homem na sociedade. Elas são
disciplinas autônomas, mas estão em complexo inter-relacionamento entre si,
havendo certa complementaridade (LAKATOS, 1990).

Para o professor Pérsio Santos de Oliveira (2001), as ciências sociais


pesquisam e estudam o comportamento humano social e suas várias formas
de organização. Seus objetivos se voltam à ampliação do conhecimento sobre
o ser humano em suas interações sociais, contribuindo para um entendimento
ampliado das sociedades e seus processos sociais.

4
TÓPICO 1 | O OLHAR DA SOCIOLOGIA SOBRE SOCIEDADE, ESCOLA E EDUCAÇÃO

E a Sociologia? Como dissemos, ela é uma das ciências sociais. Como as


demais disciplinas desse campo, seu interesse está nos fenômenos e processos
sociais. Mas o que lhe torna específica?

Ressaltamos duas formas de caracterizar e definir a Sociologia. Falamos


de seu objeto – sociedade, interações, comportamentos – e a maneira pela qual
percebe este objeto, empregando um olhar científico. Os autores que discutem
o que é a Sociologia, qual seu papel e objeto de estudo enfatizam essas duas
dimensões quando escrevem sobre esta disciplina. A Sociologia é o que é, possui
uma identidade própria, em razão de seu objeto e de seus métodos empregados.

Neste sentido, Pérsio Santos de Oliveira (2001) escreveu que a Sociologia


estuda as relações sociais e as maneiras pelas quais nos associamos a partir das
interações sociais. Ela abrangeria, ainda, o estudo da divisão dos grupos sociais,
das dinâmicas de mudanças sociais e dos processos de competição, cooperação
e conflitos presentes nas sociedades, porém, não é um consenso sociológico
aquilo que se considera como o essencial nessas relações, se é a sociedade ou
o indivíduo. Isto é, se as interações, relações ou estruturas sociais, ou as ações
ou comportamento social e individual. Para o sociólogo inglês Anthony Giddens
(2004, p. 24):

A Sociologia é o estudo da vida social humana, dos grupos e das


sociedades. [...] seu objeto de estudo é o nosso próprio comportamento.
A abrangência do estudo sociológico é extremamente vasta, incluindo
desde a análise de encontros ocasionais entre indivíduos na rua até a
investigação de processos sociais globais.

Como indicou Zygmunt Bauman (2010, p. 26), “[...] a Sociologia pensa de


forma relacional para nos situar em redes de relações sociais”. O que quer dizer
relacional? Tem a ver com relação, contato, interação, associação. Por meio deste
olhar relacional, a Sociologia promoveu um encontro entre indivíduo e sociedade,
sem necessariamente enfatizar um ou outro, mas sim, as suas redes ou teias de
relações, fundamentadas na interdependência.

Mas o comportamento e as instituições sociais são variados e historicamente


localizados. A interação social se desenrola no plano da vida concreta, real. E para
analisá-la e compreendê-la é preciso realizar um exercício de conceitualização
teórica; a partir disto, é possível manejar conceitos-chave para entender os
sistemas sociais (GIDDENS, 2004). Neste sentido, a natureza da Sociologia e
do conhecimento sociológico é complexa. Numa situação de interação social se
fazem presentes uma série de variações e combinações possíveis de pensamento
e de ação social e de maneira simultânea.

Além disso, existe uma série de instituições sociais que concorrem e


requerem a atenção do indivíduo, interferindo na sua forma de pensar e agir.
As causas dos fenômenos sociais e suas relações com os meios e os fins das ações
individuais e coletivas também estão sujeitas a essa pressão multidimensional.
Não existem causas únicas.

5
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

Desta forma, a Sociologia produz “um comentário permanente das


experiências surgidas em relações sociais e uma interpretação dessas experiências
com referência aos outros e às circunstâncias sociais em que as pessoas se
encontram” (BAUMAN, 2010, p. 285). Ela é um olhar disciplinado para como
as pessoas, instituições ou fenômenos sociais procedem no cotidiano, resultando
na produção de esquemas, de “mapas” teóricos que estão além de experiências
individuais e sociais, isto é, não se confundem com uma opinião.

É neste sentido que ressaltamos a dimensão científica da Sociologia.


Destarte, para além desse olhar para as interações, comportamentos, processos
e fenômenos sociais, ela tem um caráter científico, como já dissemos. Por isso,
podemos pensar a Sociologia como um conjunto de conceitos, de técnicas e de
métodos de investigação produzidos para explicar a vida social (MARTINS, 1994).

Raymond Aron (1999, p. 7) diz que:

A Sociologia é o estudo, que pretende ser científico, do social enquanto


social, seja no nível elementar das relações interpessoais, seja no nível
macroscópico de vastos conjuntos, como as classes, as nações, as civilizações,
ou, para empregar a expressão corrente, as sociedades globais.

Para este autor, a Sociologia se volta a aspectos micro ou macro do


comportamento e da vida social, sendo diferente do senso comum em razão dos
métodos e abordagens científicos que podem ser empregados. Ainda em relação
a essa dimensão da Sociologia, outro sociólogo, Zygmunt Bauman (2010, p. 11),
escreveu que ela é: “[...] uma prática disciplinada, dotada de um conjunto próprio
de questões nas quais aborda o estudo da sociedade e das relações sociais. [...].
Mas, também, representa considerável corpo de conhecimento acumulado ao
longo de sua história”. Portanto, a Sociologia é um campo autônomo de estudos
estruturado em torno de modelos teóricos, abordagens e métodos de pesquisa.
Isso implica reconhecer que a Sociologia é uma ciência que não tem um enfoque
apenas, uma única via, sendo marcada pela diversidade. Para a professora Eva
Maria Lakatos (1990, p. 22-23), a Sociologia é o estudo:

científico das relações sociais, das formas de associação, destacando-se


os caracteres gerais comuns a todas as classes de fenômenos sociais,
fenômenos que se produzem nas relações de grupos entre seres
humanos. Estuda o homem e o meio humano em suas interações
recíprocas. A Sociologia não é normativa, nem emite juízos de valor
sobre os tipos de associação e relações estudados, pois se baseia em
estudos objetivos que melhor podem revelar a verdadeira natureza
dos fenômenos sociais.

Assim, entre seu objeto e método, a Sociologia deve ser encarada como
“estudo do homem e do universo sociocultural tomando como e em suas inter-
relações analisando os diversos fenômenos sociais” (LAKATOS, 1990, p. 24).
Portanto, a Sociologia capta uma imagem mais ampla sobre “porque somos como
somos e porque agimos como agimos” (GIDDENS, 2004, p. 24). Tais práticas
dependem dos hábitos e modos de vida adotados pelos indivíduos. Não só eles

6
TÓPICO 1 | O OLHAR DA SOCIOLOGIA SOBRE SOCIEDADE, ESCOLA E EDUCAÇÃO

as “utilizam” em sua atividade, como também essas práticas de vida constituem


a própria atividade (GIDDENS, 2004).

É fundamental entender que em sociedade as pessoas interagem em


contextos de intensas relações sociais interdependentes. Daí, tendemos à rotinização
e padronização das nossas condutas através de mecanismos de socialização. Toda
atividade humana é sujeita à rotinização, a partir de sua repetição e padronização
na vida diária, seja comportamental ou institucional (BERGER, 1976). Da mesma
forma, tudo aquilo que se relaciona à dimensão humana social e cultural não pode
ser reduzido em sua complexidade. As condutas e os valores humanos possuem
múltiplas dimensões e podem ser estudados a partir de distintos pontos de vista.
Eles não são fixos e cada vez mais permeados por contextos transnacionais.

Em sua trajetória, é possível perceber que a Sociologia se volta o tempo


todo para os problemas que o homem enfrenta no dia a dia de sua vida em
sociedade (TOMAZI, 1993, p. 15), sendo uma espécie de ciência da crise. Mas a
natureza da Sociologia envolve um processo metodológico que resulta em olhar
além das fachadas e do senso comum. Essa perspectiva envolve a suspensão do
mundo ordinário para pensá-lo em termos relacionais, processuais e históricos
(BURKE, 2003). Dito de outra forma: o conhecimento sociológico não se confunde
com o senso comum, com opinião.

E é a respeito dos métodos e da natureza do conhecimento sociológico


que as páginas seguintes se ocupam.

3 MÉTODOS E PROBLEMAS SOCIOLÓGICOS


Anthony Giddens (2004, p. 510) ressalta que a Sociologia é um “esforço
científico, envolve métodos sistemáticos de investigação empírica, análise de
dados e avaliação à luz de evidências e argumentos lógicos”. Como se percebe,
é um trabalho realizado em distintas etapas a partir da escolha de um objeto de
interesse até sua publicação e discussão. 

A natureza da Sociologia está no tipo de conhecimento produzido pelo


emprego de métodos científicos sobre seu objeto de estudo. E para compreender
como se realiza a prática sociológica, é importante certa intimidade com a sua
linguagem, empregando adequadamente as categorias. O prisma sociológico
procura constituir panoramas amplos, abertos e emancipados da existência
diária. Ela tem um DNA muito característico da modernidade ocidental, um viés
crítico do cotidiano na direção da compreensão das interações e inter-relações
humanas (BERGER, 1976).

As Ciências Sociais, e a Sociologia em particular, surgem num ambiente


estimulado por ideias evolucionistas e positivistas de ciência. A inspiração
para os métodos que foram definidos para o trabalho e a perspectiva sociológica

7
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

foram aqueles que eram empregados pelas Ciências Naturais, como a Biologia. O
resultado foi a incorporação de algumas premissas elementares para a pesquisa
com caráter científico. Os primeiros sociólogos, pela tarefa que possuíam de
estabelecer as bases da disciplina, se ocuparam de traçar os objetivos e fronteiras
desse novo campo que emergiu no século XIX. A neutralidade e a objetividade
se tornaram regras metodológicas e posturas esperadas por parte do sociólogo.

DICAS

Evolucionismo 1. Nome genérico das diversas doutrinas ou teorias filosóficas


que utilizaram o transformismo biológico ou que se desenvolveram apoiadas nele. O que
têm em comum é o fato de constituírem um relativismo orientado no tempo para um
absoluto incognoscível (Spencer) ou místico (Teilhard de Chardin).
2. Concepção biológica segundo a qual todas as espécies derivam umas das outras por um
processo de transformação natural.
3. Doutrina filosófica segundo a qual a evolução constitui a lei geral dos seres (matéria, vida,
espírito e sociedades), capaz de reger, por conseguinte, tanto as ciências quanto a própria
moral.
4. Para Charles Darwin (1809-1882), célebre por ter criado a teoria segundo a qual "a luta
pela vida e a seleção natural são consideradas como os mecanismos essenciais da evolução
dos seres vivos", é a ideia de seleção natural que se encontra no cerne da questão da
evolução: os organismos vivos formam populações denominadas espécies e apresentam
"variações": graças a essas variações, certos indivíduos são melhor "adaptados" a seu meio
e engendram uma descendência mais numerosa. A seleção natural designa o conjunto
dos mecanismos que fazem a triagem entre os melhores indivíduos: assim, graças à “luta
pela vida, as populações evoluem lentamente, isto é, se transformam e se diversificam
produzindo formas cada vez mais complexas” (p. 70).

Positivismo (fr. positivisme) I. Sistema filosófico formulado por Augusto Comte, tendo como
núcleo sua teoria dos três *estados, segundo a qual o espírito humano, ou seja, a sociedade,
a cultura, passa por três etapas: a teológica, a metafísica e a positiva. As chamadas ciências
positivas surgem apenas quando a humanidade atinge a terceira etapa, sua maioridade,
rompendo com as anteriores. Para Comte, as ciências se ordenaram hierarquicamente da
seguinte forma: matemática, astronomia, física, química, biologia, sociologia; cada uma
tomando por base a anterior e atingindo um nível mais elevado de complexidade. A
finalidade última do sistema é política: organizar a sociedade cientificamente com base
nos princípios estabelecidos pelas ciências positivas.

2. Em um sentido mais amplo, um tanto vago, o termo "positivismo" designa várias doutrinas
filosóficas do séc. XIX, como as de Stuart Mill, Spencer, Mach e outros, que se caracterizam
pela valorização de um método empirista e quantitativo, pela defesa da experiência sensível
como fonte principal do conhecimento, pela hostilidade em relação ao *idealismo, e pela
consideração das ciências empírico-formais como paradigmas de cientificidade e modelos
para as demais ciências. Contemporaneamente, muitas doutrinas filosóficas e científicas
são consideradas "positivistas" por possuírem algumas dessas características, tendo este
termo adquirido uma conotação negativa nesta aplicação (p. 153).

FONTE: Marcondes e Japiassu (2001)

8
TÓPICO 1 | O OLHAR DA SOCIOLOGIA SOBRE SOCIEDADE, ESCOLA E EDUCAÇÃO

Para os positivistas, como Auguste Comte e Émile Durkheim, por exemplo,


a sociedade era regida por leis gerais que podiam ser apreendidas de maneira
objetiva, isto é, tornada uma coisa, um objeto, percebida como externa à própria
sociedade. Para isso, era fundamental a postura da neutralidade científica:

Significa que a concepção positivista é aquela que afirma a necessidade


e a possibilidade de uma ciência social completamente desligada de
qualquer vínculo com as classes sociais, com as posições políticas, os
valores morais, as ideologias, as utopias, as visões de mundo. Todo
esse conjunto de elementos ideológicos, em seu sentido amplo, deve
ser eliminado da ciência social (LÖWY, 1985, p. 39).

Portanto, para a corrente sociológica do positivismo, o sociólogo deve


despir-se de si mesmo, de sua subjetividade, deixar de lado suas origens e
experiências para dedicar-se objetivamente ao fato social estudado. Ele deve
se empenhar em mostrar a realidade da maneira mais fidedigna possível. O
pesquisador deve emancipar-se de suas pré-noções, sobrando apenas o indivíduo-
cientista.

Ainda do ponto de vista da Sociologia clássica, outra contribuição


pioneira foi dada por Max Weber em sua Sociologia compreensiva. Criticando
o pressuposto positivista da neutralidade, ele vai questionar esse exercício de
abstração de si que o sociólogo deveria realizar para as suas investigações em
torno do objeto estudado. Para Weber, a própria realidade já seria uma construção
social, impregnada de valores, portanto, a Ciência não estava livre dessas cargas
subjetivas (WEBER, 2001).

Com isso, podemos deduzir que as pesquisas de caráter científico sempre


realizam e têm início com uma seleção e recorte de determinadas dimensões
da realidade. Quando você, acadêmico, define o seu objeto de estudo, o curso
universitário que irá cursar, escolhe aquele que você conhece e lhe dá satisfação.
Ao definir o objeto de um Trabalho de Conclusão de Curso, por exemplo, não nos
dedicamos a pesquisar aquilo que nos é desconhecido ou desinteressante. Nós
fazemos escolhas com base em nossos valores.

Essas escolhas devem ser trabalhadas cientificamente. Para isso,


empregamos as abordagens e métodos. Eles são a base e o fundamento para dar
início à reflexão sistemática sobre determinados problemas sociológicos. E entre
a escolha e o problema sociológico, precisamos ter em mente que este não se
confunde com um problema social.

Qual é a diferença entre um problema sociológico e um problema social?

No interior desse espaço social, um problema sociológico liga-se a uma


extensa rede relacional de profissionais e outros problemas já elaborados. Ao
modelar seu objeto e problemática sociológica, o pesquisador precisa observar essa

9
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

bagagem de problemas anteriores. Isso porque os problemas não estão isolados,


mas, antes, articulados com o trabalho contínuo da Sociologia. Em alguns casos,
ao ler os trabalhos de seus pares, o sociólogo pode descobrir ou prestar atenção
para diferentes pontos de vista sobre o seu objeto de estudo (GIDDENS, 2004).

Um problema social pressupõe a existência de um esforço anterior, de um


‘trabalho social’ voltado ao seu reconhecimento e legitimação. Esses problemas
existem em relação a contextos sociais e históricos específicos, variando conforme
as épocas e regiões, podendo desaparecer. Para que seja considerado relevante,
não basta que um problema afete a vida de grupos, é fundamental que ele ganhe
dimensão pública. A partir de então, ele pode ser assumido pelo agente estatal, que
desenvolve iniciativas visando mitigá-lo na forma de políticas (LENOIR, 1998).

Por exemplo, o analfabetismo é um problema social. Mas um sociólogo não


pode, nem quer saber tudo acerca do analfabetismo. Ele delimita seu interesse.
O pesquisador, ao voltar-se para um problema, não está buscando a sua solução,
apesar de que o resultado de sua pesquisa possa contribuir para tal.

Desta forma, o problema sociológico de uma pesquisa deve fazer o papel


de fio condutor da pesquisa, a questão inicial deve ajudar a progredir nas leituras
e na coleta de dados exploratória. Para tanto, ele deve transformar esse problema
em uma questão com a qual o pesquisador tentará expressar o mais precisamente
possível o que ele busca conhecer, elucidar, compreender melhor (QUIVY;
CHAMPEGAUDT, 1998).

O que é o método? Segundo Lakatos e Marconi (1995, p. 83), trata-se de:

[...] um conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior


segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimento
válido e verdadeiro –, traçando o caminho a ser seguido, detectando
erros e auxiliando as decisões do cientista.

E existe um método comum compartilhado pela Sociologia? Segundo


Lakatos e Marconi (1990), os procedimentos próprios das Ciências Sociais são
variados. Em razão dessa amplitude, os autores sugerem pensar a questão dos
métodos a partir de dois níveis:

1) Métodos de abordagem
2) Métodos de procedimento.

Qual é a diferença entre eles? O primeiro é a abordagem de nível mais


amplo de uma pesquisa. É um recurso de abstração macro a respeito dos
fenômenos sociais. Vejamos o quadro a seguir:

10
TÓPICO 1 | O OLHAR DA SOCIOLOGIA SOBRE SOCIEDADE, ESCOLA E EDUCAÇÃO

QUADRO 1 - EXEMPLOS DE MÉTODOS DE ABORDAGEM

MÉTODO DESCRIÇÃO

A aproximação dos fenômenos caminha geralmente para


planos cada vez mais abrangentes, indo das constatações mais
particulares às leis e teorias (conexão ascendente). 
Exemplo de Método Indutivo:

Indutivo A ave 1 tem duas asas


A ave 2 tem duas asas
A ave 3 tem duas asas
A ave n tem duas asas
Conclusão: toda ave tem duas asas

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/pmQx3E>. Acesso em: 22 fev. 2018.

Ele parte das teorias e leis, na maioria das vezes prediz a


ocorrência dos fenômenos particulares (conexão descendente).
Exemplo de Método Dedutivo:

Dedutivo Todo homem é mortal


Pedro é homem
Logo, Pedro é mortal

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/vcqCdu>. Acesso em: 22 fev. 2018.

Ele se inicia pela percepção de uma lacuna nos conhecimentos,


acerca da qual formula hipóteses e, pelo processo de inferência
dedutiva, testa a predição da ocorrência de fenômenos
abrangidos pela hipótese.
Exemplo de Método Hipotético-Dedutivo:

- Toca o despertador e o dia está escuro;


- Hipótese de causa: amanheceu e o sol está encoberto;
- Efetivo secundário: se o sol está encoberto, é possível que haja
Hipotético- chuva;
dedutivo - Teste do efeito secundário: estende-se a mão. Se molhar, a
hipótese é válida, se não molhar, busca-se outra hipótese:
- o relógio está certo?
- apenas há nuvens e não está chovendo?
- falseamento da hipótese válida: há algo ou alguém jogando
água na minha mão, (ar condicionado, lavagem)?
- A hipótese continuará válida enquanto resistir aos testes.

FONTE: Disponível em: <https://image.slidesharecdn.com/16-omtodo-


cientfico-111015210455-phpapp02/95/16-o-mtodo-cientfico-21-728.jpg?-
cb=1318712731>. Acesso em: 22 fev. 2018.

11
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

Procura analisar o mundo dos fenômenos através de sua ação


recíproca, da contradição inerente ao fenômeno e da mudança
dialética que ocorre na natureza e na sociedade.
Exemplo de Método Dialético:

Antítese
Dialético - Ideia Inicial; - Junção Das
- Pergunta. - Nova Ideia; Ideias ;
- Resposta. - Conclusão.

Tese Síntese

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/HHH8cb>. Acesso em: 22 fev. 2018.

FONTE: Lakatos e Marconi (2001, p. 116)

O segundo indica os procedimentos que serão empregados para viabilizar


a pesquisa. São operações mais concretas de uma investigação, com finalidade
mais restrita em termos de explicação geral dos fenômenos.

QUADRO 2 - EXEMPLOS DE MÉTODOS DE PROCEDIMENTO

MÉTODO DESCRIÇÃO

“[...] o método histórico consiste em investigar acontecimentos,


processos e instituições do passado para verificar a sua influência
na sociedade de hoje, pois as instituições alcançaram sua forma
atual através de alterações de suas partes componentes, ao
longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular
de cada época” (LAKATOS; MARCONI, 2001, p. 107).
Histórico
Exemplo do Método Histórico:

Para compreender a noção atual de família e parentesco,


pesquisa-se no passado os diferentes elementos constitutivos
dos vários tipos de família e as fases de sua evolução social;

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/soX56J>. Acesso em: 22 fev. 2018.

12
TÓPICO 1 | O OLHAR DA SOCIOLOGIA SOBRE SOCIEDADE, ESCOLA E EDUCAÇÃO

“[...] este método realiza Comparações, com a finalidade


de verificar  similitudes  e explicar divergências. O método
comparativo é usado tanto para comparações de grupos no
presente, no passado, ou entre os existentes e os do passado,
quanto entre sociedades de iguais ou de diferentes estágios de
desenvolvimento” (LAKATOS; MARCONI, 2001, p. 107). 
Comparativo
Exemplo de Método Comparativo:

Modo de vida rural e urbana no Estado de São Paulo;


características sociais da colonização portuguesa e espanhola
na América Latina.

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/dUUqAw>. Acesso em: 22 fev. 2018.

“Partindo do princípio de que qualquer caso que se estude


em profundidade pode ser considerado representativo de
muitos outros ou até de todos os casos semelhantes, o método
monográfico consiste no estudo de determinados indivíduos,
profissões, condições, instituições, grupos ou comunidades, com
a finalidade de obter generalizações” (LAKATOS; MARCONI,
Monográfico 2001, p. 108). 

Exemplo de Método Monográfico:

Estudo de delinquentes juvenis; da mão de obra volante;


do papel social da mulher [PRESOTTO, Zélia Maria Neves]

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/sLVB7e>. Acesso em: 22 fev. 2018.

“[...] o método estatístico significa redução de fenômenos


sociológicos, políticos, econômicos etc. a termos quantitativos
e a manipulação estatística, que permite comprovar as relações
dos fenômenos entre si, e obter generalizações sobre sua
natureza, ocorrência ou significado” (LAKATOS; MARCONI,
2001, p. 108).
Estatístico
Exemplo do Método Estatístico:

Verificar a correlação entre nível de escolaridade e


número de filhos; pesquisar as classes sociais dos estudantes
universitários.

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/CfZgCo>. Acesso em: 22 fev. 2018.

13
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

De inspiração weberiana, “Apresenta certas semelhanças com o


método comparativo. Ao comparar fenômenos sociais complexos,
o pesquisador cria tipos ou modelos ideais, construídos a partir
da análise de aspectos essenciais do fenômeno. A característica
principal do tipo ideal é não existir na realidade, mas servir
de modelo para a análise e compreensão de casos concretos,
realmente existentes” (LAKATOS; MARCONI, 2001, p. 109).
Tipológico
Exemplo de Método Tipológico:

Estudo de todos os tipos de governo democrático,


do presente e do passado, para estabelecer as características
típicas ideais da democracia.

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/BUVmoS>. Acesso em: 22 fev. 2018.

Utilizado pelo antropólogo Bronislaw Malinowski, “o método


funcionalista estuda a sociedade do ponto de vista da função
de suas unidades, isto é, como um sistema organizado de
atividades” (LAKATOS; MARCONI, 2001, p. 110). 

Exemplo do Método Funcionalista:


Funcionalista
Análise das principais diferenciações de funções que
devem existir num pequeno grupo isolado, para que o mesmo
sobreviva; averiguação da função dos usos e costumes no
sentido de assegurar a identidade cultural de um grupo.

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/DVT2WH>. Acesso em: 22 fev. 2018.

Desenvolvido por Lévi-Strauss. O método parte da investigação de


um fenômeno concreto, eleva-se a seguir ao nível do abstrato, por
intermédio da constituição de um modelo que represente o objeto
de estudo, retornando  por fim ao concreto, dessa vez como uma
realidade estruturada e relacionada com a experiência do sujeito
social. [...] o método estruturalista caminha do concreto para o
abstrato e vice-versa, dispondo, na segunda etapa, de um modelo
para analisar a realidade concreta dos diversos fenômenos” (p. 111).
Estruturalista
Exemplo do Método Estruturalista:

Estudo das relações sociais e a posição que estas


determinam para os indivíduos e os grupos, com a finalidade
de construir um modelo que passa a retratar a estrutura social
onde ocorrem tais relações.

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/UJkDEM>. Acesso em: 22 fev. 2018.

FONTE: Lakatos e Marconi (2001)

14
TÓPICO 1 | O OLHAR DA SOCIOLOGIA SOBRE SOCIEDADE, ESCOLA E EDUCAÇÃO

Vale indicar outra distinção importante para as Ciências Sociais, no tocante


ao aspecto metodológico. Trata-se do enfoque de uma pesquisa. Como dissemos,
uma investigação na área da Ciência Política parte de um método mais geral, a
sua abordagem. E para a realização da pesquisa, existe uma outra diferenciação
que implica escolhas na definição dos métodos de procedimento. Esses enfoques
são o quantitativo e o qualitativo.

Segundo a pesquisadora Maria Cecília de Souza Minayo (2001), a


pesquisa qualitativa “responde a questões muito particulares”. Se interessa pelo
que não pode ser reduzido a quantidades. Aborda a qualidade dos fenômenos,
trabalhando

o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e


atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações,
dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis. Este enfoque “aprofunda-se no mundo
dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível
e não captável em equações, médias e estatísticas (MINAYO, p. 22-23).

A pesquisa quantitativa se interessa mais pela quantidade. Para João José


Saraiva da Fonseca (2002), os resultados da pesquisa quantitativa podem ser
quantificados. Trabalha-se com amostras grandes e consideradas representativas
da população, “os resultados são tomados como se constituíssem um retrato real
de toda a população alvo da pesquisa” (FONSECA, 2002, p. 20). Tem interesse na
objetividade. Influenciada pelo positivismo, considera que a realidade só pode
ser compreendida com base na análise de dados brutos, recolhidos com o auxílio
de instrumentos padronizados e neutros (FONSECA, 2002).

Para finalizar, indicamos a reflexão de Anthony Giddens (2004) a respeito


dessa falta de homogeneidade na Sociologia. Ele argumenta que essa falta de
unidade e sua imagem caótica não depõem contra a Sociologia, que se ocupa
dos indivíduos em sociedades. Pelas características do objeto da Sociologia, a
lógica das ciências naturais impede uma perspectiva mais ampla e, também, mais
restrita dos fenômenos sociais. Sendo o comportamento humano multifacetado,
é bastante improvável que fosse entendido em suas dinâmicas tomando apenas
um único tipo de análise. Da mesma forma, a variedade de visões sociológicas
estimula a capacidade imaginativa que é essencial ao trabalho do sociólogo.
Outro desdobramento positivo desta variedade é a reflexão constante dos dilemas
teóricos elementares do seu objeto.

4 ESCOLA E EDUCAÇÃO COMO CAMPOS DA


SOCIOLOGIA
Prezado acadêmico! Considerando o exposto no tópico anterior, vamos
buscar compreender as relações estabelecidas entre a Sociologia e a educação
considerando tanto a educação como a escola como campos de estudo.

15
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

Inicialmente, vamos relembrar que o objetivo da Sociologia reside na


compreensão das relações sociais, e as possibilidades de realizar tal tarefa podem
partir de análises micro ou macro. Por essa razão, vamos nos deparar com
diferentes caminhos para analisar as relações entre escola, educação e sociedade.
Em alguns desses caminhos, autores procuram partir de fenômenos sociais
específicos para compreender as relações sociais, e em outros casos buscam
compreender a influência exercida pela sociedade em relações específicas.

Tendo em vista essas características das análises sociais, nos deparamos


aqui com dois campos de estudo da Sociologia: escola e educação. Como a
sociedade é formada por um emaranhado de relações sociais – incluindo
interações e disputas –, é fundamental que ao refletir sobre a educação e escola
como campos de estudo, fiquemos atentos para não reduzir essas categorias a
espaços isolados. Não podemos colocá-los em caixinhas fechadas sem receber
e/ou exercer influência em relação às demais relações sociais, mas sim buscar
compreendê-los como elementos integrantes da sociedade e que exercem grande
influência em nossas vidas.

Nesse contexto, muitos estudos da Sociologia da Educação recorrem


ao conceito de reprodução social para dar conta das dinâmicas referentes à
escola e à educação. Por reprodução social entendemos os meios pelos quais são
produzidas e reproduzidas as relações sociais. Em outras palavras, a reprodução
social representa a forma pela qual a sociedade reproduz as relações que mantêm
as estruturas sociais já existentes.

A escola contribui para a reprodução social na medida em que são


compartilhados conteúdos, normas e valores que permitem a inserção do
indivíduo na vida em sociedade, e, ao fazer isso, reproduz os papéis, hierarquias
e desigualdades presentes na estrutura social.

E
IMPORTANT

A reprodução social merece atenção nesse momento, pois os trabalhos


desenvolvidos nesse sentido marcaram o início da produção sistemática de conhecimento
no campo da Sociologia da Educação. É importante considerar, ao vislumbrar escola e
educação como campos da sociologia, o reconhecimento dos esforços, especialmente
a partir do século XX, que levaram sociólogos como Pierre Bourdieu a compreender o
domínio da escola nas relações que configuram a reprodução social. Esses estudos
identificaram como a reprodução social nas escolas foi fundamental para a compreensão
dos processos de socialização dos jovens (SPOSITO, 2003).

16
TÓPICO 1 | O OLHAR DA SOCIOLOGIA SOBRE SOCIEDADE, ESCOLA E EDUCAÇÃO

TURO S
ESTUDOS FU

Na próxima unidade esses temas serão abordados de forma mais detalhada a


partir dos estudos das teorias de Pierre Bourdieu sobre a educação.

Prezado acadêmico! Você já parou para pensar na influência que a


educação exerce sobre sua vida? Nas diferentes possibilidades de aprender e
ensinar com as quais você teve contato ao longo de sua história? Na relevância
do papel desempenhado pelas escolas que você frequentou ao longo de sua vida
escolar? Ou ainda, na relevância da educação e da escola para a sociedade?

Como descrevemos até o momento, essas questões e outras tantas fazem


parte das reflexões acadêmicas que buscam analisar as múltiplas relações sociais
que influenciam e que exercem influência sobre a educação. Sobre a educação
como processo de socialização e sobre a educação escolar.

É importante levar em consideração que a educação, inicialmente


relacionada à escola, se desenvolve em outros espaços sociais. Ocorre ao longo de
nossa vida, afinal estamos sempre aprendendo e, especialmente com as crianças,
ocorre em todo momento em que elas, em contato com outros sujeitos, incorporam
padrões de comportamento. Outros pontos importantes para compreender a escola
e a educação como campos da Sociologia: a educação difere no tempo e no espaço e
a educação representa os esforços para a socialização das gerações futuras.

Quando nos referimos às diversas representações de educação, afirmamos


que, ao longo da história, observamos diferentes processos ligados à educação,
da mesma forma que em diferentes sociedades também observamos diferentes
formas de educar. Além disso, podemos identificar diferentes formas de educar
dentro de uma sociedade. Em outras palavras: não existe uma única educação.
Contudo, devemos destacar uma característica comum nas formas de educação:
todas buscam moldar o indivíduo para os padrões sociais vigentes. A concepção
da educação como socialização remete à noção do sujeito como ser social. Nesse
sentido, é através da educação que nos submetemos às regras, hierarquias e
padrões sociais para viver em grupo (PILETTI, 2004).

TURO S
ESTUDOS FU

Na próxima unidade, esses temas serão abordados de forma mais detalhada a


partir dos estudos das teorias de Émile Durkheim sobre a educação, bem como das diversas
teorias desenvolvidas no âmbito das Ciências Sociais, que nos auxiliam na compreensão da
educação em nossa sociedade.

17
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

É possível sintetizar os esforços para a compreensão da educação em


nossa sociedade – sem ambição de abranger a totalidade – diferenciando as
abordagens clássicas e as abordagens contemporâneas. Nas abordagens
tradicionais da Sociologia da Educação, a escola e a família são responsáveis
pela integração do indivíduo à sociedade e, por esta razão, a socialização possui
centralidade. Já nas análises contemporâneas, a centralidade muda de foco para
a integração de normas e culturas dominantes e para outras funções da escola,
como os processos de seleção e aprendizagem (BARRÉRE; SEMBEL, 2006).

Mesmo não havendo uma única forma de educar, a educação escolar


é fundamental para a concretização do processo de socialização e para a
conformação dos padrões sociais. Por esta razão, a escola é um espaço importante
para o desenvolvimento de tal tarefa. Nesse contexto, é natural questionar o papel
da escola e suas representações na sociedade, como podemos observar na tirinha
da personagem Mafalda:

FIGURA 2 - REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DA ESCOLA

FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/_PFSjpW_RCHU/THUwN3EKM5I/


AAAAAAAAAD8/JlQFtCskRhw/s1600/MAFA.jpg>. Acesso em: 22 jan. 2018.

18
TÓPICO 1 | O OLHAR DA SOCIOLOGIA SOBRE SOCIEDADE, ESCOLA E EDUCAÇÃO

Outra possibilidade de distinguir os trabalhos resultantes dos estudos


da Sociologia da Educação são as categorias de análise: a escola como categoria
analítica e a escola como unidade empírica. Essa diferenciação é importante para
compreendermos que o estudo sociológico da escola possui relevância mesmo
quando não é objeto de estudo empírico. E também é importante considerar a
influência dos fatores externos nas escolas quando ela se torna unidade empírica
de um estudo (SPOSITO, 2003).

As diferentes funções da escola também merecem nossa atenção:

A escola, como uma das instituições mais importantes do contexto social,


carrega importantes funções, dentre as quais podemos destacar a política,
organizacional e formativa, pois cabe a essa instituição o papel de educar
os cidadãos. Isto significa dizer que o projeto educacional de uma escola
deve visar, dentre outros objetivos, transmitir o conjunto de valores de
uma determinada cultura. Isso possibilita uma coesão e sincronia entre
os indivíduos de uma sociedade de modo a haver um consenso no
julgamento moral das ações cotidianas (ROBLE, 2008, p. 17).

Aqui resgatamos o reconhecimento de que na escola se desenvolvem


dois processos fundamentais para a sociedade, o compartilhamento dos saberes
acumulados através das gerações, especialmente na expectativa da inclusão
futura no mercado de trabalho, e a formação de um espaço de convivência com
outros indivíduos.

Além disso, a escola é uma instituição que regula a vida coletiva.

A escola, por exemplo, além de ser um espaço da teoria e da prática


pedagógica, é, antes, um local de convivência coletiva. Assim, até
mesmo essas teorias e práticas pedagógicas precisam compreender
as bases das relações entre os homens para poder melhor orientar as
ações referentes ao cotidiano escolar (ROBLE, 2008, p. 7).

O espaço da convivência pública se dá na escola. É na escola que se


desenrola grande parte de nossas lembranças da infância, isto porque nosso
primeiro contato com a sociedade sem o amparo de nossa família se dá na escola.
Enquanto na família, esfera privada, contamos com o apoio e aceitação, na escola,
esfera pública, percebemos que é necessário formar nossos espaços e a viver em
conjunto, bem como compreendemos que precisamos interagir com a hierarquia
social já estabelecida (ROBLE, 2008).

Prezado acadêmico! Vale aqui atentar para os conceitos de esfera pública e


privada. Assim como outros conceitos sociológicos, as noções de público e privado
recebem contornos diferentes de acordo com as interpretações de diferentes autores,
porém, de maneira geral, a noção de esfera privada diz respeito a espaços de
interação restritos e de certa liberdade, por exemplo, o espaço da casa e as relações
familiares, como também a noção de trabalho e empresas com fins lucrativos no
âmbito do capitalismo. Já a noção de público remete à variedade de interações
sociais, como as relações estabelecidas na escola, na política e com o Estado.

19
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

DICAS

Para compreender e/ou relembrar as noções de público e privado na teoria


sociológica, leia o artigo: “Esfera pública e esfera privada: uma comparação entre Hannah
Arendt e Jürgen Habermas”, de Lucas Correia Carvalho.

Resumo: Este artigo discute e compara as noções de esfera privada e esfera pública em
Hannah Arendt e Jürgen Habermas, tomando como base as concepções de práxis política
e ação comunicativa, respectivamente. Nesse sentido, os diferentes diagnósticos dos
autores referentes à esfera pública na sociedade contemporânea, “declínio” para Arendt
e “mudança estrutural” para Habermas, indicam, simultaneamente a esse processo, a
interferência de uma racionalidade técnica de adequação meio e fins na práxis política e na
ação comunicativa.

FONTE: CARVALHO, Lucas Correia. Esfera pública e esfera privada: uma comparação entre
Hannah Arendt e Jürgen Habermas. Revista Habitus: revista eletrônica dos alunos de
graduação em Ciências Sociais – IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 38-52, dez. 2008.
Semestral. Disponível em: http://www.habitus.ifcs.ufrj.br/. Acesso em: 14 fev. 2018.

A escola, entendida como espaço físico institucionalizado para a educação


formal, também é espaço da educação informal e da educação não formal. E como
podem se desenvolver ações de educação não formal nas escolas? Através das
formas institucionalizadas de participação, como conselhos, fóruns e assembleias.
No Brasil, essas instâncias de participação ainda são pouco articuladas. Na
maioria das vezes, organizadas pela gestão da escola, que elabora pautas, agenda
as reuniões etc. Então como, nesse contexto, ocorre a educação não formal?

O caráter educativo que essa participação adquire, quando ela ocorre


em movimentos sociais comunitários, organizados em função de causas
públicas, prepara os indivíduos para atuarem como representantes da
sociedade civil organizada. E os colegiados escolares são uma dessas
instâncias (GOHN, 2006, p. 33).

Dessa forma, entendemos como educação formal as atividades


educacionais desenvolvidas no contexto do sistema educacional – desde a
Educação Infantil ao Ensino Superior – submetidas à legislação vigente e
desenvolvidas no âmbito das políticas públicas educacionais. Já a educação não
formal remete a outros processos de socialização que ocorrem, por exemplo, na
família, onde são socializadas normas, valores e aspectos culturais fundamentais
para a vida em sociedade.

20
TÓPICO 1 | O OLHAR DA SOCIOLOGIA SOBRE SOCIEDADE, ESCOLA E EDUCAÇÃO

DICAS

Para conhecer mais sobre as discussões realizadas a partir das noções de


educação formal e não formal, leia o artigo intitulado “O papel da educação formal e
informal: educação na escola e na sociedade”, de Rosane Kloh Biesdorf.

Resumo: A educação informal sempre ocupou um papel fundamental na sociedade, é


ela que norteia o bom relacionamento entre os indivíduos. Já a educação formal possui
a função de preparar o educando para atuar efetivamente junto à sociedade, para tanto
oferece o conhecimento científico. Na atualidade, percebe-se que a educação informal
parece pouco importar, a família está deixando que a escola eduque os seus filhos, já a
escola está limitada e não preparada para esta função. O educador está preparado apenas
para atuar no processo de ensino-aprendizagem, quando este se depara com atos de
indisciplina em sala de aula, sente-se limitado, e seu trabalho é fortemente prejudicado.
Educandos, com problemas de relacionamento e indisciplina em sala de aula, são frutos
de uma sociedade onde a família está repassando à escola o papel de educar, estabelecer
limites, já a escola não está preparada e não possui autoridade para tal ato.
Fonte: BIESDORF, Rosane Kloh. O papel da educação formal e informal: educação na escola e na
sociedade. Itinerarius Reflectionis, [S.l.], v. 7, n. 2, p. DOI 10.5216/rir.v1i10.1148, ago. 2011. ISSN 1807-
9342. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/rir/article/view/20432>. Acesso em: 14 fev. 2018.

Como vimos até aqui, a escola e a educação são campos de estudo da


Sociologia e as análises desenvolvidas nesses trabalhos contribuem para
ampliar nossa reflexão a respeito das relações entre educação e sociedade. Os
questionamentos levantados são variados e dizem respeito desde questões mais
amplas até questões específicas das formas de socialização e do cotidiano escolar.
Bem como, questionam o papel da educação para a manutenção ou transformação
da estrutura social.

DICAS

Entre os muros da escola (2009) – Direção: Laurent Cantet


François Marin (François Bégaudeau) trabalha como professor de língua francesa em uma
escola de Ensino Médio, localizada na periferia de Paris. Ele e seus colegas de ensino
buscam apoio mútuo na difícil tarefa de fazer com que os alunos aprendam algo ao longo
do ano letivo. François busca estimular seus alunos, mas o descaso e a falta de educação
são grandes complicadores.

FONTE: Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-58151/>. Acesso em: 23 jan. 2018.

Escritores da liberdade (2007) – Direção: Richard La Gravenese


Uma jovem e idealista professora chega a uma escola de um bairro pobre, que está
corrompida pela agressividade e violência. Os alunos se mostram rebeldes e sem vontade
de aprender, e há entre eles uma constante tensão racial. Assim, para fazer com que os
alunos aprendam e também falem mais de suas complicadas vidas, a professora Gruwell
(Hilary Swank) lança mão de métodos diferentes de ensino. Aos poucos, os alunos vão
retomando a confiança em si mesmos, aceitando mais o conhecimento, e reconhecendo
valores como a tolerância e o respeito ao próximo.

21
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

Merlí (2015) – Criado por Héctor Lozano (2015).


Merlí Bergeron (Francesc Orella) é um professor de filosofia nada convencional, que precisa
reorganizar sua vida pessoal enquanto tenta de todas as formas mostrar para as pessoas
a importância da filosofia. Para alguns parentes e colegas de trabalho, no entanto, ele é
motivo de escândalo. Para seus alunos e seu filho gay, Merlí é uma inspiração.

LEITURA COMPLEMENTAR

Escola

[...] Vamos tentar entrar nessa instituição e analisar como se dão – em


alguns casos, como deveriam ser – as relações entre os públicos escolares e as
comunidades que a escola atende.

Em alguns momentos veremos nela mais que ensino e instrução. Veremos


educação, no sentido atribuído por Durkheim: uma geração adulta efetivamente
educando novas gerações para o trabalho e para a vida. Em outros momentos
veremos muita instrução e ensino, mas pouca educação. Em outros veremos
omissão e em outros, ainda, pura e simplesmente deseducação. Ou alguém
acha que pode ser chamada de instituição educacional uma escola que vende
diplomas?

Primeiramente, vamos olhar para a escola e entendê-la em suas relações


de trabalho. Posteriormente, vamos olhar para o os públicos escolares e como
se dão as relações entre eles e entre eles e a sociedade mais ampla. Por último,
perguntaremos pelo lugar da escola na estrutura social e dos profissionais
do ensino na educação, isto é, como a escola constitui ou não uma instância
educadora e como os professores se constituem – ou deveriam se constituir –
como mediadores culturais na escola.

Você trabalha ou estuda?

Observe como, de modo geral, as pessoas se referem à escola em relação


ao trabalho. Certamente você mesmo já perguntou a alguém ou alguém já
perguntou a você: “você trabalha ou só estuda?” Pode ser que, em resposta,
você possa dizer que só “trabalha” ou só “estuda”. Pode ser, também, que você
diga que o batente é mais pesado: “trabalha” e “estuda”. É até possível que você
conheça aquela pergunta de gosto mais que duvidoso que circula amplamente
em tom de brincadeira séria: “a sua mãe não trabalha, só dá aulas?”

É curioso como o senso comum formulou entre nós uma concepção de


“estudo” como não trabalho, o que não é difícil entender. A palavra “trabalho’
vem do latim vulgar trípãlíãre, que é o mesmo que torturar com o trípãlíum, que
quer dizer instrumento de tortura. O sentido original da palavra “trabalho”,
portanto, diz respeito ao sofrimento, ao castigo, à tortura. Mas nós encontramos

22
TÓPICO 1 | O OLHAR DA SOCIOLOGIA SOBRE SOCIEDADE, ESCOLA E EDUCAÇÃO

essa visão de trabalho como sofrimento e castigo também na matriz religiosa da


cultura judaico-cristã. Afinal, não está nas Sagradas Escrituras a descrição de que
Deus, por punição ou pelo pecado, condenou sua criatura a ganhar o pão com o
suor do próprio rosto?

Já a palavra “escola” vulgarmente conhecida como lugar onde se “estuda”,


tem sentido bem diferente. Originária do latim schola, que por sua vez deriva do
grego scholé, escola significava ócio dedicado ao estudo, ocupação literária. Ou
seja, somente podia ir para a escola ou dedicar-se ao cultivo do espírito quem
fosse ocioso, isto é, aquele que estivesse livre do trípãlíum.

O tempo passou e a concepção de “trabalho” mudou radicalmente. Do


sentido original de sofrimento e castigo ficou a crítica marxista à forma alienada
de trabalho no sistema capitalista. Foi com a ética calvinista, a partir da Reforma
Protestante, no século XVI, que começou a haver um deslocamento do sentido
original de punição e tortura para uma concepção de trabalho como vocação,
esforço e recompensa. Para os calvinistas, a recompensa do trabalho incessante
e da riqueza acumulada pelo trabalho era o Reino dos Céus. O trabalho, dizia
Calvino, dignifica e enobrece o homem, e o resultado do trabalho bem realizado
poderia ser indício de manifestação da graça divina. Ao trabalho, portanto,
porque o ócio é o maior dos pecados!

Entretanto, apesar de a escola moderna ter nascido temporaneamente à


afirmação do calvinismo na Europa, de essa escola ter se constituído como um
espaço de disciplina, organização e método, ela não se livrou do entendimento
original de lugar do ócio, o avesso do trabalho. Entre nós essa imagem é ainda
muito forte, inclusive porque até recentemente a escola era lugar apenas daqueles
que não precisavam investir grande parte do seu tempo na provisão de subsistência
e porque é frágil a nossa herança calvinista. Quais são as implicações disso?

Em primeiro lugar, deve-se ter clareza de que os exercícios de reflexão,


produção e sistematização e conhecimento são trabalho, e trabalho pesado,
trabalho intelectual-braçal! Como ainda é frágil essa percepção, prevalece entre
nós uma sumária desvalorização do trabalho pedagógico como trabalho intelectual
produtivo. Podemos observar que há um paradoxo no debate sobre a educação
e escola no Brasil manifesto num amplo discurso que diz valorizar a educação
como instrumento fundamental de reconstrução social, mas num contexto de
intensa precarização das condições de trabalho docente, de desvalorização do
professor como profissional da educação, de uma cultura escolar assentada na
concepção de magistério como sacerdócio, tudo isso combinado com um brutal
estado de desigualdades sociais e econômicas.

Em segundo lugar, é preciso desvincular a produção de conhecimento dos


usos imediatos que dele são feitos. É forte entre nós uma visão impregnada de
um pragmatismo mecanicista que não vê sentido em se ocupar com questões que
não se ligam ao imediatamente vivido. No mundo das sociedades sem escolas a
educação está voltada para o atendimento das necessidades imediatas, mas as

23
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

sociedades modernas exigem mais que a solução de problemas imediatos. Quanto


maior o espaço de mobilidade geográfica (trânsito entre ambientes diferentes)
e de mobilidade social (trânsito entre diferentes esferas sociais), menor é o
domínio do tipo de questão que cada qual vai enfrentar logo adiante. No mundo
globalizado, esses problemas estão sempre se renovando e a reflexão sistemática
é a única forma de se preparar para enfrentá-los. Nesse contexto, a produção
e sistematização de conhecimento não podem ficar restritas às necessidades
imediatas, o que resultaria inevitavelmente no seu empobrecimento, reduzido a
mera informação mercadológica, instrumento utilitário das ações conjunturais.

Em terceiro lugar, é forçoso reconhecer que o trabalho é ação e reflexão


sobre a natureza e sobre nós mesmos. Ora concentramos os componentes do
trabalho nas atividades físicas e mecânicas, ora os concentramos nos elementos
intelectuais, ou ainda, acumulamos as duas dimensões do trabalho. Não se
pode diminuir a importância do trabalho intelectual para o entendimento das
complexas teias de relações que se estabelecem no mundo moderno. Compreender
essas teias não é apenas entender como as ideias se relacionam, mas sobretudo
entender qual é o mundo do qual essas ideias brotam e como elas podem ou não
exercer influências nele.

FONTE: SOUZA, João Valdir Alves de. Introdução à sociologia da educação. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2015.

24
RESUMO DO TÓPICO 1
Nesse tópico você estudou que:

• A Sociologia é um dos campos das Ciências Sociais.

• A Sociologia se ocupa de pensar e refletir sobre as relações sociais e as


maneiras de interação, associação, conflito e mudança nas sociedades e entre
os indivíduos. Ela é um olhar científico, metodológico e relacional a respeito
da dimensão social dos grupos humanos.

• Para realizar suas investigações, a Sociologia emprega métodos científicos,


voltados a delimitar o interesse do sociólogo e do seu objeto de pesquisa. Isso
implica em distinguir a natureza do conhecimento sociológico do senso comum.

• Escola e educação são campos da Sociologia, porém não podem ser considerados
isoladamente. É necessário compreender a influência da educação e da escola
na formação dos indivíduos e na estrutura social e as influências dos fatores
externos sobre a escola e a educação.

• A escola representa o espaço mais comum da educação, porém não é o único.


A educação está presente em outros espaços sociais, nas diferentes formas de
socialização.

• A educação pode ser analisada através de teorias tradicionais com foco na


socialização e através das teorias tradicionais com foco na socialização, e
através das teorias contemporâneas com a incorporação de discussões acerca
da integração de normas e culturas e das funções da escola.

• A escola pode ser entendida como categoria analítica ou como unidade


empírica. Essa diferenciação é fundamental para atender à relevância do
estudo sociológico da escola.

25
AUTOATIVIDADE

1 A afirmação “não existe uma única educação” remete à compreensão da


diversidade de atores e processos envolvidos na educação. Além disso, remete
à compreensão da diversidade da educação em diferentes tempos e espaços.
Partindo desse princípio, assinale a alternativa correta:

a) ( ) As diferentes formas de educação têm em comum a formação do


indivíduo para se adequar à sociedade.
b) ( ) Cada período histórico é representado por diferentes objetivos e
padrões estabelecidos através da educação.
c) ( ) O objetivo da educação varia em cada sociedade, porém as formas de
educar se repetem.
d) ( ) A noção de socialização representa uma categoria analítica oposta à
de educação em todas as sociedades.

2 A escola é considerada uma das instituições de maior relevância na


sociedade, pois apresenta funções política, organizacional e formativa e recai
sobre ela a responsabilidade de educar os cidadãos para a vida em sociedade
através da transmissão do conjunto de valores de uma determinada cultura.
Considerando esse contexto, assinale as sentenças com V para verdadeiras e
F para falsas:

( ) A transmissão de valores contribuiu para a coesão e sincronia dos


indivíduos na sociedade.
( ) Ao educar os cidadãos, a escola se concentra na formação para o mercado
de trabalho, deixando outras relações em segundo plano.
( ) Através das ações desenvolvidas na escola é formado um consenso
coletivo para o julgamento de questões morais.
( ) A escola é espaço da teoria e da prática pedagógica e também um local da
convivência coletiva.

Agora assinale a alternativa que representa a alternativa correta:

a) ( ) F – F – V – F.
b) ( ) V – F – V – V.
c) ( ) F – V – F – F.
d) ( ) V – V – F – V.

3 A produção do conhecimento sociológico exige o emprego de métodos


científicos. Uma das primeiras tarefas no processo de investigação é definir
e delimitar o problema sociológico. Este, por sua vez, não se confunde com
um problema social. Em relação a essa discussão, associe os itens, utilizando
o código a seguir:

26
I – Problema sociológico.
II – Problema social.

( ) Diz respeito a uma estratégia, delimitando um fio condutor que permite


a progressão das etapas exigidas pela investigação científica.
( ) Diz respeito menos ao objetivo de encontrar soluções para os problemas
do que a questão dos resultados planejados e produzidos.
( ) Diz respeito a um esforço ou trabalho social de construção coletiva voltada
a chamar a atenção de autoridades e atores sociais de uma comunidade.

Agora, assinale a sequência que apresenta a alternativa CORRETA:

a) ( ) II, I e II.
b) ( ) I, I e II.
c) ( ) I, II e I.
d) ( ) II, II e I.

27
28
UNIDADE 1
TÓPICO 2

AS CONTRIBUIÇÕES DA
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
O segundo tópico será dedicado à apresentação dos caminhos percorridos
pela Sociologia da Educação como campo do saber. Nossa ambição, nesse
material, é apresentar a você, prezado acadêmico, enfoques teóricos, partindo da
Sociologia da Educação que contribuam para a sua formação acadêmica e futura
atuação profissional. Por esta razão, apresentaremos o cenário das investigações
no âmbito da educação e algumas teorias que contribuíram para a formação desse
campo do saber.

2 A SOCIOLOGIA E A SOCIEDADE
Aquilo que se concebe como sociedade depende do tipo de abordagem
e enfoque sociológico. Já comentamos que esta ciência não possui uma unidade
teórica, nem mesmo metodológica. Seria possível, até mesmo, falar em sociologias,
no plural. Isso resultou em conceitos e destaques diferenciados para caracterizar
a sociedade.

Do ponto de vista da Sociologia clássica, o papel da sociedade está em


direta relação com outra categoria elementar: a de indivíduo. De certa forma,
essa discussão sobre a força da sociedade ou do indivíduo foi e ainda é um dos
motores da Sociologia. Trata-se de uma discussão complexa, representando um
dos aspectos mais importantes da Sociologia.

Em relação a esta dicotomia, segundo a Sociologia pioneira, podemos


indicar a existência de duas maneiras iniciais de perceber a sociedade: uma
perspectiva holista e outra, individualista. Na primeira, encontramos autores
como Auguste Comte, Émile Durkheim e Karl Marx; na segunda, o exemplo é
Max Weber. Mas, o que significam estes dois termos?

Primeiro, eles representam dois paradigmas. O que significa isso?

29
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

DICAS

Um paradigma é uma categoria que nos auxilia a pensar a história e as dinâmicas


da ciência. De acordo com um dos conceitos mais conhecidos, elaborado por Thomas
Kuhn, ele pode ser entendido como tipos de “realizações científicas universalmente
reconhecidas que, por um certo tempo, fornecem problemas e soluções-modelo para
uma comunidade de profissionais” (KUHN, 1997, p. 13). Noutras palavras, os paradigmas
científicos representam modelos que se tornaram referências básicas no interior de
um campo da ciência. Por este caminho, o holismo e o individualismo metodológico
representaram modelos para a produção do conhecimento sociológico (KUHN, 1997).

Desta explicação inicial, voltamos à questão do que é a sociedade para a


Sociologia clássica. Tomando esses paradigmas, podemos indicar que para Durkheim,
Comte e Marx, a sociedade prevalecia sobre o indivíduo. Para Weber, no entanto, o
indivíduo teria um papel ativo, percebido a partir de um enfoque individualista em
que a sociedade se relacionava com os indivíduos, mas estes não eram “invisíveis”.
Vamos explicar mais detalhadamente. Trata-se do paradigma holista.

O paradigma holista

Auguste Comte (1798-1857) percebia a sociedade a partir de um modelo


mecânico, em que as partes dessa mecânica se encaixam e permitem o seu
funcionamento. Mas uma forma mais adequada seria a de pensar a sociedade
como um organismo que pode tanto ser saudável como doente. A articulação
funcional dessas partes interdependentes é o que determinaria a saúde-doença
das sociedades. Elas seriam constituídas por núcleos permanentes, como a família
e a propriedade, que devem promover o progresso.

Entender racionalmente a sociedade implicava, na perspectiva positivista,


apontar intervenções ou reformas sociais para a boa saúde do organismo
‘sociedade’. A Sociologia deveria apontar soluções para os dilemas e problemas
sociais que afetavam a funcionalidade e a ordem das sociedades, que levariam à
desordem, ao conflito e revolução. A Sociologia daquela época tinha uma função
mais ideológica ou intervencionista. Auguste Comte pensou a aplicação dos
conhecimentos positivos na resolução de conflitos e na reorganização e reforma
das sociedades.

A ideia da Sociologia comteana era de intervenção social. A imagem de


uma sociedade em transformação levou Comte a indicar, através de sua reflexão,
formas para superar tais problemas e reorganizar a sociedade. Ele procurou
conciliar, em sua proposta política de reforma social, elementos da política
conservadora, como a defesa da ordem, e da corrente liberal ou progressista,
como a necessidade de progresso (MARCONDES; JAPIASSU, 2001).

30
TÓPICO 2 | AS CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Para dar conta dessa complexidade, Comte dividiu a Sociologia em dois


campos de estudo: a estática e a dinâmica social.

- A sociologia da estática social se debruça sobre a ordem e a coesão das sociedades.


Procura investigar aquilo que mantém as sociedades unidas. Se interessa pelo
estudo do consenso social, apontando os elementos que o determinam.

- A sociologia das dinâmicas sociais se volta para as mudanças e os progressos


sociais em torno das leis gerais das sociedades. Se volta para as diversas etapas
do desenvolvimento histórico, voltando-se para as causas das mudanças
sociais (COMTE, 1988).

Émile Durkheim (1858-1917) foi influenciado por ideias de Comte e de


sua filosofia positivista. A partir de sua sociologia, como Durkheim entendia
o indivíduo e a sociedade? A pergunta que Durkheim tenta responder é sobre
como é possível a sociedade? Para nos debruçarmos na sua obra e ideia de método
sociológico, devemos entender que o indivíduo só pode ser explicado pela sua
inserção numa sociedade. E esta prescinde do indivíduo, já que quando este
nasce encontra a sociedade "pronta". Ou, conforme ressaltou Raymond Aron
(1999, p. 464), "[...] o indivíduo nasce da sociedade, e não a sociedade nasce do
indivíduo”. O indivíduo perde-se no interior dessa totalidade social. Ela antecede
e é independente do indivíduo.

A sociedade pode ser percebida como um grande organismo social que


deve funcionar corretamente. Esta ideia de organismo mostra o impacto das
ciências naturais no vocabulário e linguagem da Sociologia naquele período
do século XIX e início do XX. Da mesma forma, as sociedades eram realidades
que podiam ser apreendidas objetivamente, empregando métodos adequados.
Ou, nas palavras de Durkheim, ela "considera os fatos sociais como explicáveis
naturalmente" (DURKHEIM, 2007, p. 21).

Para explicar a coesão na sociedade moderna, ele elabora a distinção entre


solidariedade mecânica e orgânica. As primeiras estão ligadas às sociedades
com menor divisão social do trabalho, ao passo que as segundas resultam da
ampliação da interdependência social e da diferenciação.

DICAS

A solidariedade mecânica é típica de sociedades mais homogêneas e que têm


uma consciência coletiva mais coercitiva, exercendo maior pressão sobre o indivíduo com
regras mais rígidas.
Na solidariedade orgânica, a consciência coletiva é menos totalizante e mais fragmentada.
A pressão sobre o indivíduo é mais difusa e as regras e normas tendem a ser mais sutis.
Nestas sociedades, a divisão social do trabalho e a diferenciação entre as formas de
associação e os indivíduos são mais heterogêneas.

31
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

Podemos pensar esses padrões de solidariedade relacionados às divisões


mais simples ou complexas como molduras sociais, que procuram atirar o
indivíduo ao seu interior, estruturando assim tanto a sociedade como a ação
do indivíduo. Ela é um componente vital nas interações sociais. Através das
instituições e dos fatos sociais, os padrões de solidariedade indicam o grau
de pressão dos constrangimentos externos sobre o indivíduo. A solidariedade
enquadra o indivíduo a uma moral.

Em seu viés positivista, Durkheim construiu uma visão evolucionista


das sociedades de onde as primeiras eram estruturadas pelo clã, tribo ou
hordas, formas igualitárias simples de organização e associação. A partir da
maior diversidade de tarefas e funções internas, do aumento das populações, é
necessária maior coordenação entre as formas de interação social. Nas sociedades
modernas, este tipo de relacionamento social tendia a estimular uma maior
liberdade ao indivíduo.

Karl Marx (1818-1883) nunca teve a autoconsciência de sua condição de


sociólogo como tinham Comte, Durkheim e Weber. Mesmo assim é considerado
um sociólogo cuja obra foi impactante na sua época, promovendo uma nova
maneira de pensar as relações sociais. Marx entendeu que a sociedade prevalecia
sobre os indivíduos, sendo fundamental para a ação individual. Interpretando
essas relações a partir de uma dimensão econômica, ele escavou as características
da nascente sociedade capitalista de sua época, investigando suas bases. Marx
considerava que não se pode pensar a relação indivíduo-sociedade separadamente
das condições materiais em que essas relações se apoiam. Ainda estamos, portanto,
no universo do paradigma holista (ARON, 1999; TOMAZI, 1993).

Segundo Aron (1999), o pensamento de Marx é uma análise e uma


compreensão da sociedade capitalista no seu funcionamento atual, na sua
estrutura presente e no seu devir necessário. Em Marx, as condições materiais de
toda a sociedade condicionam as demais relações sociais. Em outras palavras, para
viver, os homens têm que, inicialmente, transformar a natureza, ou seja, comer,
construir abrigos, fabricar utensílios etc., sem o que não poderiam existir como
seres vivos. Por isso, o estudo de qualquer sociedade deveria partir justamente
das relações sociais que os homens estabelecem entre si para utilizar os meios de
produção e transformar a natureza (TOMAZI, 1993).

Um conceito importante para entender as bases econômicas do capitalismo


é a de classe social. Segundo Marx, a sociedade capitalista estava dividida entre
burgueses (proprietários dos meios de produção) e os proletários (trabalhadores
assalariados). Ao comparar a sociedade capitalista com as anteriores, Marx
entendeu que a história das sociedades é, também, a história da luta de classes.
Assim, as condições materiais das sociedades exercem importante e decisiva
força sobre a ação dos indivíduos e dos grupos sociais dentro de um determinado
sistema de relações sociais (ARON, 1999; MARX, 1985).

32
TÓPICO 2 | AS CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Paradigma individualista

Para Max Weber (1864-1920), o foco da Sociologia estava na relação que o


indivíduo e a sua ação estabelecem com o conjunto das instituições que compõem
uma sociedade (FREUND, 1987). Não haveria uma oposição entre sociedade e
indivíduo, porém, a sociedade não estava acima, nem era superior ao indivíduo.
Ela deveria ser percebida como o conjunto de ações dos indivíduos em situação
de relações sociais, uma espécie de teia que ligava os indivíduos entre si. Aqui
temos um exemplo do paradigma individualista.

A sua Sociologia dava foco ao processo de compreensão da ação


social. Weber criticou a ideia da sociedade como uma ‘coisa’ que poderia ser
objetivamente analisada, como sugeriu Durkheim. Para Weber, o destaque estava
nas dimensões subjetivas dessas relações e intenções individuais.

A sua preocupação enquanto sociólogo estava em compreender a ação


social individual. Essa ênfase no indivíduo torna sua Sociologia distinta da maneira
como os nomes anteriormente estudados. Enquanto para Marx, Durkheim e Comte
a Sociedade era o foco, Weber deu relevância ao papel dos valores na construção
dos sentidos de uma ação, de uma escolha. Para ele, as pessoas seriam capazes de
interpretar suas realidades sociais, de atribuir um “sentido subjetivo” a determinados
aspectos delas e de empreender ações independentes (KALBERG 2010).

Vinculadas ao pensamento sociológico weberiano, como os tipos ideais,


este alemão indicou três formas de sociedades que podiam ser encontradas ao
longo da história: a tradicional, a carismática e a racional-burocrática.

Apontamos brevemente alguns sociólogos clássicos e suas abordagens


a respeito da sociedade. Mas, ressaltamos que estas são atualmente pontos de
partida para a reflexão. Tais olhares clássicos foram postos à crítica ou revisão
pelas gerações seguintes de sociólogos. Isso porque, no caso das Ciências Sociais,
e da Sociologia, a discussão epistemológica é elementar. Faz parte da própria
dinâmica e reflexividade da Sociologia ocupar-se de seus sentidos, limites e
dilemas. Neste sentido, aquilo que era relevante no momento do surgimento da
Sociologia é, em muitos casos, algo ultrapassado, epistemologicamente criticado
ou refutado. A Sociologia clássica difere, portanto, da Sociologia contemporânea.

A Sociologia desenvolvida nos seus primórdios e a das últimas décadas


podem ser diferentes entre si, mas estão fortemente inter-relacionadas. As
abordagens clássicas ainda orientam as reflexões sobre a sociedade. Mas,
num mundo em constante movimento, receberam contribuições e críticas que
renovaram ou ampliaram seus fundamentos. O olhar que os sociólogos pioneiros
ou contemporâneos lançaram para a sociedade e os tipos de preocupações que
orientaram sua curiosidade científica estão localizados nos quadros sociais de
mudanças percebidas.

33
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

DICAS

As sociedades e a educação

Os autores clássicos da Sociologia se ocuparam de pensar o papel da educação no


interior das sociedades. Desse pensamento clássico, podemos pensar a educação como
uma atividade básica de qualquer sociedade humana. Ela diz respeito a uma questão até
mesmo de sobrevivência dos grupos sociais, pois, através dela, ocorrem os necessários
processos de socialização e de integração dos indivíduos nos valores e nos modos de ser,
pensar e agir desses grupos (OLIVEIRA, 1998).

Atualmente, temos um processo educativo que difere substancialmente dos primeiros


modelos que foram utilizados pelas sociedades humanas. De uma maneira geral, podemos
dividir esses processos em educação assistemática/informal e sistemática/formal. Essa
classificação se dá em razão de diferenças quanto aos recursos empregados, quanto à
própria sistematização e maneira de transmissão dos conhecimentos. Indica, também,
uma separação temporal, uma vez que a educação assistemática está ligada a grupos
humanos mais simples e tradicionais (tribos, clãs, comunidades tradicionais etc.), ao passo
que a educação sistemática se vincula à própria ideia de racionalidade moderna.

E qual é a diferença entre estes dois modelos? Segundo Pérsio Santos de Oliveira (2001, p.
164-165), a educação assistemática:

[...] é a que acontece, no correr da vida diária, pelo aprendizado


das tarefas normais de cada grupo social, pela observação do
comportamento dos mais velhos, pela convivência entre os
membros de uma sociedade. É realizada sem qualquer plano,
sem local ou hora determinada. Todas as pessoas, todos os
grupos, todas as sociedades participam.

A educação sistemática, por sua vez, está vinculada às sociedades urbanas, industriais ou
também conhecidas como sociedades complexas.

A divisão do trabalho e a extrema especialização exigem das


crianças a passagem pela escola, onde recebem educação
formal e sistemática. Esta é, portanto, a que é dada nas escolas
e visa apenas a transmissão de determinados conhecimentos,
técnicas ou modos de vida. É uma forma seletiva de educação.
Dentro da cultura, escolhem-se certos elementos considerados
essenciais ou mais necessários para serem transmitidos na
escola, por pessoas especializadas (OLIVEIRA, 2001, p. 165).

Na primeira situação, as pessoas e integrantes de um determinado grupo – principalmente,


as mais velhas e adultas – participam quase que integralmente dos processos educativos.
Na segunda, temos a educação como algo especializado, ligado aos valores dominantes
nas ciências em geral, nas dinâmicas culturais de um país e nos processos de racionalização
da vida social.

A principal questão que devemos observar é que as duas formas de educação não são
excludentes. A educação assistemática, todavia, foi relegada a outras instituições sociais,
como a família, ao passo que a educação sistemática foi direcionada às escolas e às
universidades.

34
TÓPICO 2 | AS CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

3 O QUE É A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO?


Tendo como ponto de partida as teorias sociais elaboradas ao longo do
tempo, podemos afirmar que a Sociologia da Educação propõe a investigação a
partir de duas questões norteadoras: como a sociedade forma os cidadãos e como
a escola se relaciona com a estratificação social expressando e reproduzindo as
desigualdades sociais? (BERRÉRE, SEMBEL, 2006).

Caro acadêmico! Aproveite esse momento para refletir sobre as questões


apresentadas observando a charge a seguir. Procure relembrar suas experiências
e os relatos e análises sobre a educação a que você já teve contato. Se possível,
compartilhe com seus colegas suas reflexões.

FIGURA 3 - ESCOLA, FORMAÇÃO E ESTRATIFICAÇÃO

FONTE: Disponível em: <http://www.marcelo.sabbatini.com/educacao-em-charges-2/>.


Acesso em: 23 jan. 2018.

Seguindo no sentido de elucidar tais questionamentos, a Sociologia


da Educação busca aliar as teorias e pesquisas elaboradas por especialistas às
experiências dos atores sociais para compreender um sistema educacional cada
vez mais complexo (BERRÉRE, SEMBEL, 2006).

Nesse sentido, também podemos afirmar que a Sociologia da Educação


propõe a investigação da educação enquanto instituição e como processo
educativo presente em todas as sociedades. A perspectiva da educação enquanto
instituição se deve à sua constituição enquanto necessidade e atividade humana.
Nesse sentido, constitui um conjunto de normas, regras, valores e atitudes que

35
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

compõem a estrutura social. Enquanto processo educativo, por sua vez, representa
o caráter não institucionalizado da educação que toma espaço nas diferentes
sociedades (BONETI, 2008).

Se, por um lado, a educação é um campo de estudo da Sociologia, não


podemos esquecer o que a Sociologia representa para a educação. Na medida
em que os estudos e teorias elaborados nessa área do saber nos permitem
compreender a educação como fenômeno social e elucidar as relações entre
educação e sociedade (BONETI, 2008).

Caro acadêmico! Como mostramos acima, não há uma única forma de


investigar a natureza das relações entre educação e sociedade e, por consequência,
não encontraremos uma única teoria que dá conta de todos os desdobramentos
dessa relação.

Para pensar a educação no contexto da sociedade moderna e da produção


teórica da Sociologia, precisamos ter em mente que os processos culturais colocam
sob a responsabilidade das ciências as explicações para o mundo. A educação
passa a deixar de lado valores religiosos e refletir valores baseados na ciência
(NERY, 2013).

No desenvolvimento da sociedade industrial, a escola passa a ser


responsabilidade da escola. Desloca-se o centro da educação da família e da igreja
(sociedade feudal) para a escola (sociedade capitalista). Transformam-se os atores
pedagógicos e a estrutura de ensino para formar um número cada vez maior de
indivíduos. A escola passa a preparar o indivíduo para se adequar ao sistema
social (NERY, 2013).

E
IMPORTANT

Para aprofundar seus estudos sobre essa temática, faça a leitura complementar
do Tópico 2: Relação entre o nascer de uma ciência e de uma instituição social e as
mudanças na estrutura social.

Ao longo da história da Sociologia nos deparamos com diferentes


propostas teórico-metodológicas que elucidaram aspectos relevantes da relação
entre educação e sociedade. Apresentaremos a seguir exemplos de teorias que
abordaram aspectos da relação educação e sociedade.

36
TÓPICO 2 | AS CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

E
IMPORTANT

A proposta aqui não é esgotar as teorias sobre sociedade e educação, mas


apresentar a você reflexões que instiguem outros olhares sobre a educação a partir da
perspectiva sociológica.

De modo geral, quando se busca estabelecer certo ordenamento nas


teorias sociais que se debruçam sobre a educação, inicialmente nos deparamos
com as elaborações de Émile Durkheim. Ao propor uma análise da sociedade
a partir do conceito de fatos sociais (e do método positivista), ele nos mostrou
a educação como socialização. Para Durkheim, a educação é responsável pela
socialização, processo pelo qual os mais jovens aprendem normas, costumes
e valores que os permitirão o convívio social, ou seja, a sociedade determina
o comportamento do indivíduo, e a educação – como socialização – contribui
para essa determinação.

A educação, nessa concepção, garante o vínculo social que estabelecemos


com outros sujeitos.

É isso que permite viver em sociedade, é isso que permite que a


sociedade viva em nós e é isso que permite à sociedade continuar viva:
sermos iguais e diferentes ao mesmo tempo. Só a educação pela qual
passamos é capaz de nos fazer assim. E é por isso que a educação é um
processo social (RODRIGUES, 2007, p. 29).

A contribuição de Karl Marx para elucidar a relação entre educação e


sociedade remete às questões ligadas aos condicionantes das relações sociais
no desenvolvimento do capitalismo e a formação (e lutas) das classes sociais.
Ao desenvolver sua teoria, Marx nos apresenta o trabalho como elemento
central para compreender as relações sociais e a formação das classes sociais e,
consequentemente, da desigualdade entre as classes, e mostra como as relações
entre os homens se dão a partir da ideologia. A ideologia dominante garante a
manutenção do sistema social.

Na sociedade descrita por Marx a educação não é um processo único, na


medida em que é influenciada pela luta de classes. Isso significa que a educação
da classe dominante é diferente da educação oferecida à classe dominada – aos
filhos dos trabalhadores. Como nos mostra Rodrigues (2007, p. 42), para Marx e
Friedrich Engels, não há uma educação geral: “Conforme o conteúdo de classe
ao qual estiver exposta, ela pode ser uma educação para a alienação ou uma
educação para a emancipação”.

Max Weber, por sua vez, apresentou uma premissa diferente da


determinação social sobre o indivíduo proposta por Durkheim e Marx. Weber

37
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

elaborou sua teoria social considerando que a sociedade não é algo exterior ao
indivíduo, mas que é formada no contexto das interações entre os indivíduos.
Logo, sua sociologia buscou compreender o sentido da ação social.

Na sociologia weberiana a educação pode ser entendida no processo de


racionalização e de burocratização da sociedade:

[…] a racionalização e a burocratização alteraram radicalmente os


modos de educar. E alteraram também o status, o reconhecimento e
o acesso a bens materiais por parte dos indivíduos que se submetem
à educação sistemática. Educar no sentido da racionalização passou
a ser fundamental para o Estado, porque ele precisa de um direito
racional e de uma burocracia montada em moldes racionais. Educar
no sentido da racionalização também passou a ser fundamental para
a empresa capitalista, pois ela se pauta pela lógica do lucro, do cálculo
de custos e benefícios, e precisa de profissionais treinados para isso
(RODRIGUES, 2007, p. 65).

No século XX se desenvolveram uma série de explicações impulsionadas


pelas transformações sociais que buscaram compreender novas formas de
organização do sistema escolar e, também, atualizar o pensamento elaborado
pelos autores clássicos no passado.

No contexto social do pós-guerra ganham destaque as contribuições


dos funcionalistas, especialmente de Talcott Parsons, entre as décadas de 1950
e 1960. Objetivando identificar o fundamento de uma nova ordem social, ele
analisou as variáveis que condicionariam o funcionamento dos sistemas
escolares (SPOSITO, 2003).

A partir dos anos 1960 desenvolveu-se um conjunto de análises críticas


que, mais tarde, ficaram conhecidas como Sociologia da Educação. Nesse cenário
ganharam destaque as obras de Pierre Bourdieu e Louis Althusser.

Bourdieu se dedicou a compreender a educação, inicialmente, a partir


da teoria de Durkheim e do estruturalismo e, posteriormente, incorporando
contribuições marxistas e weberianas. Podemos destacar nas análises de Bourdieu
a noção de violência simbólica como imposição da concepção cultural das classes
dominantes sobre toda a sociedade através da educação.

Nesse sentido, a educação – ensino institucionalizado – representa um


processo que molda os indivíduos para a reprodução das condições que mantêm
as classes dominantes no poder, pois

Na medida em que o educando interioriza os princípios culturais que


lhe são impostos pelo sistema de ensino – de tal modo que, ao mesmo
depois de ter terminada sua formação escolar, ele os tenha incorporado
aos seus próprios valores e seja capaz de transmiti-los aos demais –
Bourdieu diz que ele adquiriu um habitus (RODRIGUES, 2007, p. 74).

38
TÓPICO 2 | AS CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

A abordagem de Althusser foi elaborada por uma perspectiva do marxismo


estruturalista buscando demonstrar como as desigualdades sociais vivenciadas
no capitalismo se expressam também nas escolas e conformam desigualdades
escolares (SPOSITO, 2003).

Outras análises que ganharam destaque no universo da Sociologia da


Educação foram as elaboradas por Antônio Gramsci, ao desenvolver a atualização
do pensamento marxista ao capitalismo europeu do século XX. Sua análise propõe
uma compreensão do poder para além do Estado, afirmando que nas sociedades
ocidentais o poder está presente na trama das relações sociais.

Tendo em vista a presença do poder na multiplicidade das relações


sociais, considera a necessidade de promover a transformação social através
da transformação no campo das ideias. Essa transformação se dá na luta pela
hegemonia, na qual lutam os que procuram manter a ordem social estabelecida e
aqueles que buscam estabelecer uma nova hegemonia.

Na luta pela hegemonia agem os intelectuais, divididos por ele em


intelectuais orgânicos e intelectuais tradicionais, que contribuem para a
manutenção da estrutura social e das relações de poder. Esses intelectuais são
formados nas escolas:

Quer dizer, para vir a ser um dia um intelectual orgânico ou um intelectual


tradicional e desempenhar funções de organização da cultura, o indivíduo
precisa passar por uma formação escolar que lhe dê acesso especial a esta
cultura. Daí que Gramsci tem se preocupado com as características do
sistema escolar de seu tempo (RODRIGUES, 2007, p. 78).

Enquanto Gramsci desenvolveu seu pensamento a partir da teoria de


Marx, Karl Mannheim desenvolveu suas explicações a partir da teoria de Max
Weber. Essas explicações foram elaboradas tendo como ponto de partida os tipos
de educação de Weber na busca pela compreensão do pensamento das pessoas.
Em sua concepção, se, por um lado, o excesso de racionalidade levou a uma
espécie de crise no sistema educacional, por outro, a democratização permitiu a
expansão de novas ideias.

Apontou através de seus estudos a centralidade da Sociologia para a


compreensão da educação, na medida em que se desenvolveu o processo de
racionalização da vida e da necessidade de um processo educacional em que os
sujeitos estejam conscientes do contexto social que os cerca:

Portanto, para este autor, nem os objetivos do processo educacional


nem as metas que ele visa podem ser concebidos sem a consideração do
contexto social, pois eles são socialmente orientados. As perguntas que a
Sociologia obriga a fazer, lembra ele, são, portanto: Quem ensina quem?;
Para qual sociedade?; Quando e como ensina? (RODRIGUES, 2007, p. 82).

39
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

TURO S
ESTUDOS FU

Na Unidade 2 abordaremos essas teorias com maior profundidade, bem como


apresentaremos outras contribuições teóricas da Sociologia da Educação.

Nos anos de 1970, um novo conjunto de teorias marca uma nova fase na
Sociologia da Educação. Nesse contexto podemos destacar a Nova Sociologia
da Educação na Inglaterra, através dos estudos sobre currículo e linguagem
desenvolvidos por Michael Young e Basil Bernstein. Ao longo dos anos de
1980 ganharam espaço as análises interacionistas e etnográficas, dando ênfase
para as características dos métodos de ensino e aprendizagem, a seleção dos
conteúdos e as formas de interação nas salas de aula, as relações de poder que,
para além das desigualdades estruturais, incorporam aspectos étnicos e de
gênero (SPOSITO, 2003).

Prezado acadêmico! Esse panorama dos estudos da Sociologia da


Educação pode parecer confuso em uma primeira leitura, mas fique tranquilo.
Essas teorias serão apresentadas com maior detalhamento nas Unidades 2 e 3
deste material, afinal, buscamos aqui apresentar a você, de forma sintética, as
diferentes possibilidades de compreensão da educação através da Sociologia.

LEITURA COMPLEMENTAR

Relação entre o nascer de uma ciência e de uma instituição social e as


mudanças na estrutura social

Para pensarmos a Sociologia da Educação, devemos pensar e


compreender o contexto histórico e fundamental da Sociologia como ciência.
Esta surgiu no século XIX, como uma resposta intelectual para os problemas que
a sociedade estava apresentando. Nesse sentido, temos elementos importantes
para considerar. Um deles é, justamente, a significação do século XVIII para o
surgimento da Sociologia como ciência. Esse século é o período em que temos a
presença de uma dupla revolução: a Revolução Industrial, de caráter econômico
e social, e a Revolução Francesa, de caráter eminentemente político, por meio da
qual a burguesia, como classe social, toma o poder na França e expande-se para
todo o mundo, internalizando-se.

Outro elemento a considerar é que os processos dessas duas revoluções


são significativos, porque foram a força motriz da consolidação do modo de
produção capitalista, que tem como característica básica a posse privada dos
meios de produção. Afirma Meksenas (2005, p. 29):

40
TÓPICO 2 | AS CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Esse modo de produção que se originou do comércio e da manufatura


foi responsável pelo desenvolvimento de novas invenções, técnicas,
aumento das atividades produtivas, dando origem à moderna
indústria. A intensa urbanização do nosso século é fruto desse
processo e o aparecimento de classes sociais também o é. Agora, sob
a sociedade capitalista, a fonte de riquezas não é mais a terra, mas
sim a propriedade de fábricas, máquinas, bancos, isto é, a propriedade
dos meios de produção. Assim, os poucos proprietários dos meios de
produção se constituem na classe empresarial (burguesia) enquanto
uma imensa maioria de pessoas não proprietárias se constitui na
classe trabalhadora (proletariado), que, para sobreviver, troca sua
capacidade de trabalho por salário.

Ou seja, tudo o que uma sociedade necessita para produzir seus bens
é controle privado, posse particular de uma minoria – os detentores dos meios
de produção. Esse aspecto é de fundamental importância, na medida em que
essa transformação no contexto das sociedades contemporâneas, principalmente
das sociedades do mundo ocidental, fez com que a sociedade se tornasse um
problema, existindo muitas questões de ordem social para serem resolvidas.
Então, no século XIX surge a Sociologia como uma resposta intelectual para os
problemas que a sociedade estava a apresentar.

Temos assim, a partir do século XIX, notadamente em 1839, ano em que


Augusto Comte nomeou sociologia a então física social, o surgimento de uma
ciência com objeto e métodos de investigação, que buscaria responder às principais
questões que se apresentavam no universo social da época. Era uma sociedade
marcada por contradições, consequentemente por crises de caráter econômico,
político e também cultural; era uma sociedade em que se percebia a vigência do
conflito. Outro não poderia ser o contexto de surgimento da Sociologia, como
dissemos anteriormente.

Podemos verificar que a Sociologia, em seu primeiro momento, tinha um


caráter conservador, na medida em que se encontrava preocupada com a ordem
que se perde com o advento do modo de produção capitalista. Nesse sentido,
a grande preocupação era com o restabelecimento da antiga ordem. Segundo
Meksenas (2005, p. 29, podemos afirmar que a Sociologia é fruto de uma época,
de uma nova organização social, de uma transformação social. A nova ordem
social está instaurada; portanto, é necessário ser explicada, entendida.

FONTE: NERY, Maria Clara Ramos. Sociologia da educação. Curitiba: InterSaberes, 2013, s.p.

41
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico você aprendeu que:

• A sociedade e suas formas de estratificação e classificação social foram objetos


da Sociologia desde o surgimento desta disciplina. Essa preocupação era a
central na reflexão dos clássicos, como Comte, Marx e Durkheim, que pensaram
a sociedade dentro de um paradigma holista, e Weber, que é um exemplo de
paradigma individualista.

• Para Comte, Marx e Durkheim, a sociedade prevalecia sobre os indivíduos,


que determinavam os comportamentos, ações, normas e punições para
os transgressores. No outro polo, Weber indicou sua preocupação para o
indivíduo e sua ação dotada de sentido, prevalecendo o indivíduo sobre a
sociedade.

• Do ponto de vista clássico da Sociologia, podemos pensar a relação entre


sociedade e educação como sendo assistemática e sistemática. A primeira
forma se liga às sociedades mais simples, ao passo que a sistemática se vincula
ao próprio surgimento das escolas.

• As teorias produzidas a partir da Sociologia da Educação procuram investigar


a educação enquanto instituição e a educação enquanto processo educativo.

• As contribuições das teorias clássicas permitiram o desenvolvimento das


análises sobre educação. A teoria social de Émile Durkheim foi fundamental
para o desenvolvimento da Sociologia da Educação ao compreender a
educação como socialização. As contribuições de Karl Marx nos mostraram
como a educação é influenciada pelos condicionantes do capitalismo, como a
luta de classes. E Max Weber apresentou em sua teoria a educação no contexto
da burocratização e racionalização da sociedade.

• Nas abordagens contemporâneas podemos destacar as teorias de Pierre


Bourdieu com a noção de reprodução social, de Louis Althusser e sua análise
das influências das desigualdades sociais, de Antônio Gramsci com as análises
do poder nas relações sociais e de Karl Mannheim com o desenvolvimento da
racionalização e da burocracia.

42
AUTOATIVIDADE

1 A Sociologia da Educação representa um conjunto de teorias que, ao


explicar questões referentes à sociedade, elucidaram aspectos importantes
da educação. Entre as teorias mais conhecidas estão as teorias clássicas de
Durkheim, Marx e Weber e uma diversidade de autores contemporâneos
que procuraram atualizar as teorias clássicas, como Gramsci, Althusser e
Mannheim. Considerando essas teorias, assinale as sentenças com V para as
verdadeiras e F para as falsas.

( ) Gramsci procurou compreender o funcionamento dos sistemas escolares.


( ) Durkheim se dedicou às análises da educação como socialização.
( ) Althusser buscou demonstrar a influência das desigualdades sociais na
educação.
( ) Marx mostrou a presença da racionalização e burocratização na educação.

Agora assinale a alternativa que representa a sequência correta:

a) ( ) V – V – F – V.
b) ( ) F – F – V – V.
c) ( ) V – V – F – F.
d) ( ) F – V – V – F.

2 Os conhecimentos produzidos a partir da perspectiva da Sociologia


da Educação partem de diferentes proposições, pois não há uma única
teoria ou metodologia que seja capaz de abarcar todas as dimensões dos
fenômenos sociais ligados à educação, tampouco seja capaz de realizar
todos os questionamentos referentes a esse universo. Entre as possibilidades
de investigação, podemos destacar aquelas que se dedicam a compreender
a educação enquanto instituição e aquelas que se dedicam a compreender
a educação como processo educativo integrado à sociedade. Partindo das
proposições desses conjuntos de investigação, analise as sentenças a seguir:

I – Educação enquanto instituição remente a aspectos da necessidade e


atividade humana.
II – Enquanto instituição, a educação compõe uma esfera independente da
estrutura social.
III – A educação como atividade humana representa a presença de processos
educativos em espaços diversos da sociedade.
IV – Como atividade humana, a educação é responsável pela transmissão de
um conjunto de normas, valores e atitudes.

Agora assinale a alternativa que representa a sequência correta:

43
a) ( ) As sentenças I, III e IV estão corretas.
b) ( ) As sentenças III e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.

3 A Sociologia Clássica abordou como problema sociológico central as relações


macro entre indivíduo e sociedade. Podemos apontar o paradigma holista,
que incluiu autores como Comte, Marx e Durkheim. A respeito da visão destes
autores da sociedade, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I – Auguste Comte.
II – Karl Marx.
III – Émile Durkheim.

( ) Este sociólogo clássico construiu uma visão evolucionista das sociedades,


de onde as primeiras eram estruturadas pelo clã, tribo ou hordas, formas
igualitárias simples de organização e associação.
( ) Este sociólogo clássico percebia a sociedade a partir de um modelo
mecânico, onde as partes dela se encaixam e permitem o seu
funcionamento, sendo como um organismo que pode tanto ser saudável
como doente.
( ) Este sociólogo clássico considerava que não se pode pensar a relação
indivíduo-sociedade separadamente das condições materiais em que
vivem, sendo que estas condicionam as relações sociais.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) II, I e III.
b) ( ) III, I e II.
c) ( ) III, II e I.
d) ( ) I, III e II.

44
UNIDADE 1
TÓPICO 3

OS DESDOBRAMENTOS DAS CONTRIBUIÇÕES DA


SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA COMPREENSÃO
DOS SUJEITOS E DA CULTURA NA EDUCAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico nos dedicaremos à compreensão de aspectos relevantes
para a análise da sala de aula e dos sujeitos da educação através das abordagens
da Sociologia da Educação. Com destaque para a percepção da diversidade de
relações vivenciadas no espaço da sala de aula e da relevância de observarmos
o espaço físico como representação das relações sociais e espaço de interações e
contradições.

Outra temática apresentada nesse tópico diz respeito aos desdobramentos


da Sociologia da Educação em relação à compreensão das interfaces entre cultura
e educação. Buscamos, assim, resgatar as noções de cultura para, através delas,
compreender as relações e desafios que envolvem os sujeitos na escola e nos
processos educativos mais amplos, como a socialização.

2 SALA DE AULA E SUJEITOS DA EDUCAÇÃO


Por que dedicamos nosso olhar e nossas análises ao espaço da sala de
aula? Quando analisamos as vivências no interior das salas de aula, podemos
vislumbrar como se dão as relações entre alunos e professores, como essas
relações são influenciadas pelo mundo exterior: pela organização escolar, pela
gestão, pelas políticas públicas, pela estrutura social, entre outros. Na sala de aula
se conformam expectativas e se desenvolvem ações a partir do relacionamento
entre os alunos da turma e entre alunos e professores.

Os estudos que passaram a considerar as relações entre alunos e


professores trazendo luz para os alunos enquanto sujeitos remetem à década de
1950. No período, o desenvolvimento teórico foi dedicado à compreensão dessas
relações para além das formas institucionalizadas. Em outras palavras, a relação
entre professores e alunos vai além do processo de ensino e aprendizagem. Nesse
contexto ganhou espaço a concepção de que questões externas à escola exercem
influência sobre as relações desenvolvidas dentro desse espaço.

45
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

Esse cenário permitiu o desenvolvimento de investigações tendo o aluno


como objeto, contemplando a noção de que não se nasce aluno, mas torna-se
aluno. E, afinal das contas, o que isso significa? Através desses estudos foi possível
compreender três pressupostos, vamos a eles?

Em primeiro lugar, a diferenciação entre ensino e aprendizagem e o uso


da noção de trabalho escolar como aquele que é realizado por crianças e jovens;
em segundo, a mudança na forma de compreender a relação de expectativas
entre alunos e professores, pois o trabalho do aluno vai além das exigências
presentes nas regras institucionais e o reconhecimento das percepções dos alunos
formadas em outras formas de socialização, como a família, e a influência de
questões sociais, étnicas e de gênero; e, por fim, o reconhecimento da infância e
adolescência como fases específicas no ciclo da vida e dos estudos desenvolvidos
sobre essas etapas específicas (SPOSITO, 2003).

Prezado acadêmico! Você já deve ter se deparado em algum momento com


uma história de sucesso envolvendo um professor e/ou gestor que foi capaz de
transformar a realidade de um aluno, de uma escola ou até de uma comunidade
através da educação, certo?

Vamos conhecer um desses exemplos?

UNI

A Escola da Ponte

"A escola não é um edifício, são as pessoas", diz idealizador da Escola da Ponte

A aprendizagem não depende de edifício, salas de aula, quadro ou giz. Não precisa sequer
de aulas no modelo tradicional. A escola é feita de pessoas e é nessas pessoas que todo o
sistema de educação deve focar. Este conceito educacional, que mais parece utopia, vem
sendo colocado em prática em escolas no Brasil e no restante do mundo. O professor
José Francisco de Almeida Pacheco é um dos que mostrou que é possível educar de
maneira inovadora e inclusive melhorar indicadores educacionais com esses métodos. 
Ele é o idealizador da chamada Escola da Ponte, em Portugal, um projeto educacional que
tem como base uma escola sem séries, sem prova e focada na autonomia e protagonismo
do aluno. Pacheco é português, mas acredita que é do Brasil que partirão as ideias que
poderão transformar a educação no mundo.

[…]

Agência Brasil: O que é necessário para se ter uma educação de qualidade?

José Pacheco: O que é preciso é acesso à informação e um mediador chamado professor.


Quando falamos em escola pensamos no edifício, a escola não é um edifício, a escola são
as pessoas. O que uma criança em idade escolar aprende dentro do edifício da escola
que não pode aprender fora dela? Não perca muito tempo pensando. Nada. No Brasil,

46
TÓPICO 3 | OS DESDOBRAMENTOS DAS CONT. DA SOC. DA EDU. NA COMP. DOS SUJEITOS E DA CULTURA NA EDUCAÇÃO

o [antropólogo e educador] Tião Rocha fez uma escola debaixo de uma mangueira, que
nem edifício tem. Há cursos a distância, que nem edifício têm. Então, por que temos que
pensar que todos têm que ir para lá? Pior do que isso, em muitas áreas rurais fecham-se
escolas e os alunos levantam-se às 4 horas da manhã, com sono, para entrar no ônibus,
para andar três horas, por caminho de terra, para receber quatro horas de aula e voltar. A
fortuna que se gasta em compra, com manutenção, combustível,  seguro, pagamento ao
motorista etc., às vezes, leva quase metade do orçamento da educação.

Leia a entrevista na íntegra no portal Agência Brasil.

Fonte: Agência Brasil. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noti-


cia/2016-04/escola-nao-e-um-edificio-sao-pessoas-diz-idealizador-da-escola-da-ponte>.
Acesso em: 8 jan. 2018.

As transformações que levaram à construção da história de sucesso da


Escola da Ponte são muitas, porém aqui vamos atentar para um elemento entre
elas: a organização da escola e da sala de aula. Isso mesmo, a organização do
espaço físico da escola. O ambiente escolar exerce influência significativa sobre o
processo de ensino e aprendizagem.

Alguns aspectos merecem destaque quando nos dedicamos a compreender


a sala de aula como objeto de estudo. Iniciamos com a organização da classe. Caro
acadêmico! Você já observou uma sala de aula considerando a seguinte questão:
Esse espaço promove autonomia ou opressão?

Como nos mostra Esteban (2006, p. 8), existe a idealização de um modelo


de sala aula.

Uma dentre tantas possíveis, que escolho por me parecer expressão do


que, com muita frequência, se apresenta como sala de aula desejável.
Lugar de ordem, portanto, com papéis e processos definidos no qual
transitam professores, professoras, que ensinam, e alunos, alunas que
aprendem.

Essa descrição remete a um retrato comum quando imaginamos uma sala


de aula. Porém, será esse o único modelo possível? Será esse o retrato cotidiano
das salas de aula Brasil afora? Se parece com o retrato das salas de aula pelas quais
você, acadêmico, passou ao longo de sua vida escolar? A descrição da ordem da
sala com papéis definidos é usualmente o padrão considerado ideal, mas deixa
escapar inúmeras representações reais das vivências escolares.

Observe com atenção as imagens a seguir. A disposição das carteiras,


o lugar dos alunos e o lugar do professor incentivam o desenvolvimento da
autonomia? Ou contribuem para um contexto de opressão?

47
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

FIGURA 4 - DIFERENTES FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DAS CARTEIRAS NA SALA DE AULA

FONTE: Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=20281>.


Acesso em: 8 jan. 2018.

Nas imagens acima podemos identificar padrões diferentes. O padrão em


que as carteiras estão dispostas em fileiras e o padrão em que as carteiras estão
organizadas em grupos ou em um semicírculo (ou formato em U).

O padrão com a disposição em fileiras e o professor em posição de


destaque em relação aos alunos é o padrão mais comum em nossas salas de aula.
Com essa disposição se constrói uma visão de unidade e ordem, se delimita o
foco de atenção da turma no professor e se espera que os alunos sigam nessa
posição e atentos ao professor.

48
TÓPICO 3 | OS DESDOBRAMENTOS DAS CONT. DA SOC. DA EDU. NA COMP. DOS SUJEITOS E DA CULTURA NA EDUCAÇÃO

Dentro dessa organização tradicional, geralmente se espera que


os alunos permaneçam imóveis em suas carteiras, realizando
individualmente o trabalho que lhes é imposto pelo professor. Esse
pode movimentar-se pela sala de aula, entre as fileiras, controlando
e supervisionando os alunos. Essa organização física da sala de aula
resulta de uma concepção de educação centralizada no professor - um
ser superior, investido de autoridade, a quem cabe tomar as decisões e
impor um sistema de trabalho. Aos alunos cabe ouvir o professor, fazer
o que lhes é exigido e, nas provas, devolver a matéria exatamente como
a receberam. O resultado parece ser o individualismo, a passividade e
a submissão dos alunos (PILETTI, 2004, p. 11).

São diversos os elementos que dificultam o desenvolvimento da


autonomia e do pensamento crítico dos alunos nesse cenário. A necessidade de
permanecerem imóveis e na posição de ouvintes desencoraja a construção de
um diálogo com o professor e com os colegas, elemento que contribui para a
construção do conhecimento e para a valorização dos saberes dos alunos.

O foco no desenvolvimento de atividades individuais e autoridade do


professor como detentor único do saber leva, em diversas situações, à construção
de obstáculos para o desenvolvimento da solidariedade e da criatividade.

A repetição dos conteúdos exatamente da forma como foram passados


não contribui para o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias
para seu desenvolvimento pessoal e – futuramente – profissional.

Considerando as características expostas acima, identificamos formas


amplamente utilizadas na rotina das escolas que representam práticas
contraditórias aos objetivos propostos nas políticas públicas e nos projetos político-
pedagógicos (PPP) de cada escola. Nos textos das políticas e dos PPP destacam-se
o desenvolvimento da autonomia, da criticidade, da capacidade de trabalhar em
grupo, da valorização dos saberes dos alunos e da valorização das especificidades
da comunidade, porém as práticas pedagógicas que se desenvolvem no cotidiano
de grande parte das escolas contribuem para a formação de sujeitos bem diferentes
do proposto em seus objetivos.

Contudo, a disposição em fileiras não é a única forma possível de


organizar o espaço físico da sala de aula. Nas imagens mostradas anteriormente
identificamos o segundo tipo de distribuição das carteiras, seja em grupos ou em
semicírculo, contribuem para mudar a relação entre os alunos – incentivando a
cooperação e o diálogo – e entre alunos e professor – que passa a circular entre os
alunos numa posição que contribui para a representação do papel de orientador.

Essas duas disposições espaciais de sala de aula, em vez de reprimir,


estimulam a comunicação entre os alunos, o trabalho cooperativo e a
participação do professor de igual para igual com os educandos, como
alguém que, tendo mais experiência, pode orientar a aprendizagem.
Aqui os objetivos da educação parecem ser a solidariedade, a
participação e a independência dos alunos. Mais do que a unidade
de pontos de vista, que coincide com o ponto de vista do professor e é
análoga à unidade física da sala de aula, organizações alternativas aqui
propostas favorecem o desenvolvimento da pluralidade de ideias, da
discussão, da compreensão do aluno como sujeito da própria educação
(PILETTI, 2004, p. 11-12).

49
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

Destacamos aqui a relevância de observar o espaço da sala de aula como


o espaço de expressão das relações sociais. Compreendendo que não são apenas
carteiras, fileiras ou posições, mas são representações das expectativas em relação
ao papel que deverá ser desenvolvido por cada sujeito enquanto estiver na escola.
Dessa forma, a organização da sala de aula pode contribuir para a consolidação
de práticas de caráter opressor ou para desenvolver a autonomia, o pensamento
crítico e a solidariedade.

Um segundo elemento que devemos considerar quando falamos sobre a


sala de aula é o tempo. A divisão do tempo se expressa de variadas formas no
contexto escolar, desde o calendário escolar ao tempo destinado às atividades
propostas pelo professor.

O calendário escolar define os dias letivos, as férias, os bimestres/


trimestres/semestres. Cada escola organiza a distribuição das atividades nos dias
letivos: turnos (matutino, vespertino, noturno, integral), tempo das aulas (sem
troca de professor ou com troca de professor), tempo de recreio (tempo dentro e
fora da sala de aula). Cada professor organiza o tempo para o desenvolvimento
de cada atividade dentro da sala de aula. Ou seja, cria-se uma rotina escolar.

Tantas divisões de períodos em parte de tempo distintos e dedicados


a atividades diversas podem acarretar uma certa rotinização do
trabalho escolar. Este torna-se mais ou menos automático, tanto
para o professor quanto para os alunos, e o resultado parece ser um
excesso de formalismo em que a aprendizagem e a formação das
pessoas, objetivos primeiros da atividade escolar, são deixados em
segundo plano. Resta a impressão de que se dá mais importância ao
cumprimento dos ritos estabelecidos – horários de entrada e saída,
pontos a serem ensinados, posição dos alunos na sala, etc. – do que à
educação propriamente dita (PILETTI, 2004, p. 13).

Nesse cenário é imprescindível estarmos atentos para essas palavras de


Piletti (2004): a rotina é capaz de se sobrepor à educação. O risco de naturalizar
esses processos é deixar o propósito de estar em sala de aula de lado. O objetivo
da escola e, consequentemente, o por que estar em sala de aula é a educação,
é a construção do conhecimento. Não se fala aqui em ignorar a rotina ou a
organização dos processos escolares, mas sim de estar atento para que o foco siga
na educação, no processo de ensino e aprendizagem.

Outro motivo para dedicarmos atenção em relação à rotinização do


trabalho escolar é à liberdade do professor.

Essa rotinização e essa ritualização das atividades de sala de aula


podem chegar ao ponto de tolher toda e qualquer liberdade dos alunos
e do próprio professor. Este já recebe a matéria apostilada, com seus
respectivos exercícios, tudo planejado para o tempo de aula, 45 ou 50
minutos. Ou limita-se a reproduzir, muitas vezes em forma de ditado,
a matéria tal qual está no livro didático. A discussão de dúvidas ou
de outros assuntos trazidos pelos alunos acarreta “perda de tempo”
com o consequente término do período de aula sem que a matéria
apostilada ou do manual tenha sido transmitida integralmente.

50
TÓPICO 3 | OS DESDOBRAMENTOS DAS CONT. DA SOC. DA EDU. NA COMP. DOS SUJEITOS E DA CULTURA NA EDUCAÇÃO

O professor é advertido para o fato de não cumprir o programa.


Nestes exemplos, verifica-se a ritualização completa do ensino: o
professor é transformado em “maquininha de ensinar”, que atua por
controle remoto, e os alunos são tratados como meros receptores de
informações. A educação, enquanto formação humana, não tem vez na
escola (PILETTI, 2004, p. 13).

Vamos destacar aqui que o risco de transformar a educação em uma forma


de opressão não está somente na organização da disposição da sala de aula, mas
também da submissão de alunos e professores ao tempo. É preciso seguir à risca
o plano da aula nos 45 ou 50 minutos previstos, é preciso “vencer” o conteúdo
proposto no plano de curso. Com esses objetivos tão claros, corre-se o risco de
perder pelo caminho momentos importantes de aprendizado ao sanar dúvidas,
ao trocar experiências, ao buscar compreender o tempo dos alunos e da turma.
Mais uma vez, é preciso estar atento para que o foco siga na educação.

Por que dedicamos nossos olhares e atenção a esses elementos presentes


na sala de aula? Porque é na sala de aula, no contexto descrito até aqui, que se
desenvolvem diversas relações sociais. Vamos refletir agora sobre as relações
entre os sujeitos que estão dispostos na organização das carteiras? Considerar
os diálogos que ocorrem, ou não, nos tempos determinados pela rotina escolar?

Pois bem, podemos levantar mais uma questão sobre o espaço da sala
de aula: qual espaço ocupa a diversidade entre espaços e rotinas tão bem
delimitados? Aqui chegamos a outro aspecto da educação revelado pela sala de
aula: a normatização da diferença.

Atentemos para as palavras de Esteban (2006, p. 8):

Na sala de aula há, necessariamente, diálogos entre os diferentes com


suas diferenças. Diálogos atravessados por consensos, confrontos,
acordos, conflitos. Diálogos buscados; diálogos que não se deseja
travar, diálogos que se prefere esquecer; diálogos que as palavras
não são capazes de mediar; diálogos interrompidos/constituídos por
intensos ruídos, por longos silêncios, por breves olhares, por gestos
contraditórios. Diálogos monológicos e assim tecidos por muitos
outros diálogos.

A descrição da autora sobre a diversidade de diálogos nos leva a refletir


sobre as formas de naturalizar comportamentos considerados normais ou, ainda
esperados, e, por consequência, constituir um processo educacional que ao
normatizar a diferença exclui sujeitos, práticas, culturas. A normatização pode
levar ao desenvolvimento de tensões e conflitos na sala de aula. Nesse ponto
chegamos a situações que ganham contornos opostos aos esperados em um
ambiente que deveria promover o aprendizado de todos:

51
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

Ainda nesses casos observamos a representação negativa da


diferença. Nas salas de aula a diferença é vista como algo a ser
retificado, normatizado, ou seja, algo que não cabe no espaço escolar:
“a diferença adquire um valor negativo, devendo, portanto, ser
eliminada para proporcionar um desenvolvimento satisfatório dos
sujeitos e suas relações, necessário à aprendizagem dos conteúdos
escolares, em especial daqueles que configuram o currículo oculto”
(ESTEBAN, 2006, p. 9).

A escola também precisa ser entendida no contexto do trabalho. Vamos


retomar a discussão apresentada no Tópico 2: no senso comum, a escola – como
espaço da educação – ocupa uma esfera social diferente, até oposta, daquela
destinada ao trabalho.

Quem nunca ouviu o questionamento: Você trabalha ou só estuda/dá


aula? Nessa questão fica explícita uma visão que separa o trabalho do estudo e
da escola. Mesmo diante das mudanças na concepção de trabalho ao longo do
tempo, a contraposição escola x trabalho permanece.

Entretanto, apesar de a escola moderna ter nascido contemporaneamente


à afirmação do calvinismo na Europa, de essa escola ter se constituído como um
espaço de disciplina, organização e método, ela não se livrou do entendimento
original de lugar do ócio, o avesso ao trabalho. Entre nós essa imagem ainda
é muito forte, inclusive porque até recentemente a escola era lugar apenas
daqueles que não precisavam investir grande parte do seu tempo na provisão
da subsistência e porque é frágil nossa herança calvinista (SOUZA, 2015, p. 105).

Essa visão desvaloriza o trabalho pedagógico. Reflexão, produção e


sistematização de saberes são tarefas que exigem esforço e dedicação, são formas
de trabalho intelectual-braçal. Este ponto nos leva a um paradoxo presente nas
concepções de educação comuns aos brasileiros, pois a educação é considerada
o caminho para a superação dos desafios sociais estruturais, enquanto é
extremamente precária em termos de condições de trabalho (SOUZA, 2015).

É fundamental desvincular a produção do conhecimento da solução


imediata de problemas. A produção do conhecimento nas sociedades
modernas não pode estar ligada somente a questões imediatas. No contexto
da globalização é essencial a produção sistemática de conhecimento. Outro
esforço fundamental é o de reflexão sobre a natureza e sobre nós mesmos.
Não se pode negar como é fundamental comprender as complexas relações do
mundo moderno (SOUZA, 2015).

E
IMPORTANT

Para aprofundar essa dicussão, retome a Leitura Complementar do Tópico 1: Escola.

52
TÓPICO 3 | OS DESDOBRAMENTOS DAS CONT. DA SOC. DA EDU. NA COMP. DOS SUJEITOS E DA CULTURA NA EDUCAÇÃO

Por fim, pela perspectiva do homem como ser histórico, a educação


é entendida como um processo. As noções de ensinar e aprender passam a
considerar as relações de poder presentes na sociedade e também passam a
conceber a educação como critério político: “Em nosas práticas educativas,
saibamos nós explicitá-las ou não, sempre expressamos as visões de ser humano
e de educação que temos” (PEREIRA, 2012, p. 26).

As relações entre trabalho e educação nas sociedades industriais remetem


à concepção da produção da existência humana através do trabalho. Para que
a realização humana ocorra através do trabalho é preciso educar o indivíduo.
Educá-lo tanto para o mundo, quanto para o trabalho (PEREIRA, 2012).

TURO S
ESTUDOS FU

Prezado acadêmico! O desenvolvimento da sociedade industrial e a constante


ampliação da divisão do trabalho levaram à construção da educação escolar. Esses aspectos
serão discutidos mais adiante neste livro.

3 SOCIEDADE E CULTURA
Discutimos em outros momentos que a sociedade é um dos objetos
mais centrais da Sociologia. Esse produto humano pode ser percebido como
“formas de vida dos membros”, [...] um sistema de inter-relações que conecta os
indivíduos uns com os outros” (GIDDENS, 2004). Essa categoria expressa, ainda,
uma dicotomia, apontando sempre para o indivíduo.

Uma forma de explorar essa relação, ora próxima ora distante, é através
do conceito de cultura. Trata-se de uma noção que surgiu junto à Antropologia,
sendo apropriada e ressignificada pela Sociologia.

Da mesma maneira, a cultura é elementar para os estudos na área da


Sociologia da Educação. O motivo é que a cultura, sendo a expressão material
e imaterial das potencialidades humanas, ela é fortemente relacionada com
os processos de produção, manutenção, reprodução e transformação social.
A educação, portanto, assume um papel preponderante nos processos de
socialização e transmissão das heranças culturais de todos os grupos humanos.

53
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

DICAS

Existe uma polissemia de significados em torno do conceito de cultura e essa


multiplicidade das definições acompanha a diversidade de interesses institucionais. Mas,
também, existem alguns consensos, dos quais podemos indicar:

a) Recusa do determinismo biológico;


b) Recusa do determinismo geográfico;
c) Cultura é uma construção histórica a partir da existência de relações entre os grupos
humanos, sendo apreendida socialmente, carregando significados, convenções,
mentefatos e artefatos que tornam inteligível a vida em grupo;
d) A percepção de que a cultura tem natureza dinâmica, mutável e plural e;
e) A pluralidade e a diversidade cultural não se compadecem de lógicas hierarquizantes,
sendo esses resultados do etnocentrismo (não há cultura melhor ou pior).

FONTE: Os autores

Atualmente, a cultura é uma das expressões mais empregadas por


sociólogos, antropólogos, políticos, movimentos sociais etc., nos propondo um
importante cenário contemporâneo. De acordo com Williams (2007), a palavra
cultura, da antiguidade até meados do século XV, ligava-se à expressão latina
colere, vinculada a habitar, cultivar, proteger, venerar. Este período que vai
até o século XV é marcado pela separação conceitual de certas palavras que se
confundiam com cultura, ao passo que a própria palavra “cultura” vai se ligando,
exclusivamente, à ideia de cultivo e atenção.

Naquele momento da história, a cultura se apresentava como substantivo


de um processo, noção que começou a ser transformada em um substantivo
independente a partir do século XVI. Isto porque o foco, então, passou do
“crescimento natural” para o desenvolvimento humano, coletivo e individual. O
processo diz respeito ao hábito de cultivar a admiração pelo belo, a refletir sobre
estética e modos de vida que resultam num indivíduo “erudito”, cujo espírito foi
se modelando a partir do contato com determinados bens, materiais e simbólicos,
considerados eruditos (WILLIAMS, 2007).

A partir da modernidade a cultura apareceu, em países como França e


Inglaterra, mais como um vocábulo que sintetiza a “encarnação última do espírito
ilustrado”, historicamente localizado entre os séculos XVII a XIX, em que a
cultura aparecia, também, como um substantivo de civilização. Para os franceses
e ingleses, “A cultura é a soma dos saberes acumulados e transmitidos pela
humanidade, considerada como totalidade, ao longo de sua história” (CUCHE,
1999, p. 21). Tal visão sugeria a cultura como o resultado de um espírito educado
e cultivado, com bases nos ideais iluministas do progresso e da razão. A cultura,
assim como a civilização, arrancaria a humanidade da ignorância.

Para os alemães, a cultura foi delimitada de maneira distinta, como o


“conjunto de características artísticas, intelectuais e morais que constituem
o patrimônio de uma nação, considerado como adquirido definitivamente e

54
TÓPICO 3 | OS DESDOBRAMENTOS DAS CONT. DA SOC. DA EDU. NA COMP. DOS SUJEITOS E DA CULTURA NA EDUCAÇÃO

fundador de sua unidade” (CUCHE, 1999, p. 28). Nesta perspectiva, cultura é o


repertório simbólico que faz uma nação ser única, apontando sua originalidade e
genialidade, ressaltando uma perspectiva particularista.

De acordo com Michel de Certeau, a cultura é “[...] todo complexo que


inclui os saberes, as crenças, as artes, a moral, as leis, os costumes e outras
tantas capacidades adquiridas pelo homem enquanto membro da sociedade”
(CERTEAU, 1995, p. 141).

Em meio a essas visões históricas, podemos indicar a discussão de Terry


Eagleton (2005), que partindo das reflexões de Raymond Williams (2007, p.
29), sintetiza três grandes “versões” de cultura, que nortearam a reflexão nesta
pesquisa: a cultura enquanto modo de vida, artes e crítica utópica.

[...] na primeira variação importante da palavra cultura é a crítica


anticapitalista, e a segunda um estreitamento e, concomitantemente,
uma pluralização da noção a um modo de vida total, a terceira é a sua
gradual especialização às artes.

Mas, o que devemos apreender dessa discussão etimológica?

Que a cultura está ligada aos grupos humanos e suas características,


dependendo de laços sociais e das dinâmicas de socialização, próprias de cada
sociedade. Destaca-se a importância e a ligação da cultura com as instituições
sociais e das normas e valores comuns e compartilhados. Diferente de outros
animais, o ser humano tem a capacidade de criar cultura, de transmiti-la às
próximas gerações, assegurando a sua reprodução.

O homem, que por meio das interações recíprocas cria um sem-número


de instituições, organizações e fenômenos sociais, ao nascer, já encontra
o grupo estruturado com uma quantidade incontável de valores,
normas, costumes, etc. E pela transmissão cultural aprende a viver em
sociedade, transformando-se de um animal da espécie humana em um
ser humano culturalmente definido (DIAS, 2005, p. 119).

Sociedades sem cultura não existem! O entendimento a respeito dos


grupos, comunidades e sociedades passa pela compreensão das culturas que
lhes são específicas. Mesmo que atualmente sentimos o peso da globalização
cultural e das ideias de uma sociedade global que impactam a vida individual
e social, encontramos características que estão ligadas à história das sociedades
e dos seus territórios.

Não foi à toa que na década de 1960 cultura relacionou-se com outros
fenômenos típicos da época, como a ascensão de reivindicações de corte identitário
no impulso dos movimentos sociais de gênero, ecológico, pacifistas, muitos deles
referindo-se a si próprios como minorias culturais. Foi neste período (1960) que
ocorreu o que Stuart Hall (1997) chama de a “centralidade da cultura”, indicando
um crescente interesse pela cultura junto às Ciências Sociais (“epistemológica”),
mas, também, para os movimentos sociais (“substantiva"). O que isso significa?
Segundo Hall (1997, p. 21):

55
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

Primeiro, consideramos a expansão substantiva da cultura — sua


crescente centralidade nos processos globais de formação e mudança,
sua penetração na vida cotidiana e seu papel constitutivo e localizado
na formação de identidades e subjetividades. Então nos voltamos à
centralidade epistemológica da cultura – sua posição constitutiva
nas humanidades e nas ciências sociais de hoje e as modificações na
teorização e na análise relacionadas à – virada cultural ‖. Procuramos
rever o que significa a afirmação trazida por esta – virada ‖ conceitual
de que cada prática social ocorre – no interior da cultural.

Neste sentido, a cultura aparece como elemento constitutivo de muitos


processos sociais, não apenas a sua aparência. A cultura passou a ser, de maneira
geral, como construção histórica apreendida socialmente, carregando hierarquias,
significados, relações de poder, convenções, mentefatos e artefatos que tornam
inteligível a vida em grupo, sendo mutável, plural e carregada de relações de
poder. É construída e reconstruída socialmente, através das relações sociais,
sendo que sua transformação corresponde a um movimento complexo entre
interior e exterior de um grupo, território ou sociedade.

Outro autor, George Yúdice (2006), aponta para a transformação da


cultura num recurso, um tipo de instrumento performativo e de poder simbólico
mobilizado na persecução de objetivos diversos por atores distintos. Desta
forma, as reivindicações de cidadania, muitas vezes, possuem teor cultural ou
beneficiam-se do discurso cultural.

O pesquisador Albino Rubim (2007) destaca movimentos de ampliação


dos usos possíveis da cultura. Aponta fenômenos, entre outros, como o de
politização da cultura, resultado das dinâmicas de democratização das sociedades
ocidentais, primeiramente na Europa e EUA, em que a cultura passou a ser
fonte de legitimação social para a disputa da hegemonia na sociedade, vide os
discursos nacionalistas; a mercantilização da cultura representa outro movimento
fundamental para entender as dinâmicas culturais da contemporaneidade, pois o
avanço do capitalismo sobre a produção e circulação de bens simbólicos resulta
num capitalismo do tipo que incorpora e agrega a cultura como valor de troca e;
mais recentemente, o fenômeno da culturalização da política, com a reivindicação
de territorialidades múltiplas, marcadas por processos originados nas relações
conflitantes entre globalização e contextos locais, nas quais as demandas de
movimentos sociais (e suas práticas, comportamentos e sociabilidade) possuem
teor cultural, produzindo agendas políticas que são incorporadas pelos partidos
políticos, pelo Estado e pelo mercado.

Neste sentido, a cultura possui um valor simbólico que se apresenta


como recurso para promover a inclusão social, para requalificar centros urbanos,
para potencializar o turismo, para contribuir com a redefinição e requalificação
do desenvolvimento etc., para melhorar a educação, como bandeira em greves,
disputas identitárias e outras lutas sociais. Ela tornou-se um conceito estratégico
central para a definição de identidades e de alteridades no mundo contemporâneo,
um recurso para a afirmação da diferença e da exigência do seu reconhecimento
e um campo de lutas e de contradições. A “cultura será, assim, encarada não

56
TÓPICO 3 | OS DESDOBRAMENTOS DAS CONT. DA SOC. DA EDU. NA COMP. DOS SUJEITOS E DA CULTURA NA EDUCAÇÃO

como uma esfera num conjunto de esferas e práticas diferenciadas, mas como
um terreno em que a política, a cultura e o econômico formam uma dinâmica
inseparável” (SANTOS, 2003, p. 35).

Desta forma, é possível abordar a cultura e a relação com a educação e a


escola de forma muito diversificada. É importante refletir sobre a cultura na escola,
de forma a “[...] examinar nos estabelecimentos escolares as características ou
manifestações socioculturais específicas ou a diversidade e as diferenças étnico-
culturais marcantes entre o corpo docente e discente” (DAYRELL, 1999, p. 21).

Podemos explorar a dimensão da cultura escolar, tomada como:

[...] conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e


condutas a inculcar; ou ainda, um conjunto de práticas que permitem
a transmissão de conhecimentos e a incorporação de comportamentos,
normas e práticas, coordenadas a finalidades (religiosas, sociopolíticas
ou simplesmente de socialização) que podem variar segundo as épocas
históricas (JULIA, 2001, p. 10).

São muitas as perspectivas capazes de se tornarem objeto e problema


sociológico. Alguns dos desdobramentos da relação cultura, educação, escola e
seus atores serão discutidas nas unidades a seguir.

DICAS

Os estudantes que derrubaram a reestruturação das escolas de São Paulo

Como os estudantes de São Paulo, inspirados na revolta secundarista do Chile, usaram a


reorganização da rede escolar para impor uma derrota ao governo Geraldo Alckmin.

FLÁVIA YURI OSHIMA E VINICIUS GORCZESKI

O estopim foi o atraso do passe estudantil. Não era a primeira vez. Estudantes secundaristas
revoltados com o governo foram às ruas. A passeata tomou corpo. A polícia reprimiu.
Foram, então, para dentro de suas próprias escolas. Não para ter aula. Mas para protestar. O
passe escolar era só um detalhe a essa altura. A pauta se ampliara para tudo o que tivesse
impacto na educação.

Assim também começou A Rebelião dos Pinguins, a maior revolta estudantil da história do
Chile. Entre abril e outubro de 2006, 1 milhão de estudantes (com o uniforme escolar “de
pinguim”, que consiste em camisa branca com colete preto) invadiram as ruas e tomaram
as escolas do país. O movimento derrubou o ministro da Educação, o da Segurança e
alterou uma série de regras da educação do país, de forma sem precedentes.

FONTE: Disponível em: <http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/12/os-estudantes-


que-derrubaram-reestruturacao-das-escolas-de-sao-paulo.html>. Acesso em: 23 fev. 2018.

57
UNIDADE 1 | RELAÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO

LEITURA COMPLEMENTAR

Os profissionais do ensino como mediadores culturais na escola

O que a discussão sobre essas acepções da cultura nos diz sobre o trabalho
dos professores na escola? Segundo Forquin, quando se fala da função de
transmissão cultural da educação que cabe mais precisamente à escola, é preciso
verificar duas coisas.

A primeira, é que a acepção tradicional é “demasiado unilateral”, por


supor que existe um componente valorativo unificador da cultura tomada como
sinônimo de erudição. Em outras palavras, é como se existisse um único modelo
de cultura que a escola deveria impor a todos indistintamente. A segunda, é que
a acepção descritiva é demasiado genérica, por não supor nenhuma referência a
partir da qual se pudesse mobilizar as pessoas para avançarem em relação ao seu
próprio nível cultural. É como se houvesse um vale-tudo em que todos os bens
culturais pudessem ser tomados como se tivessem o mesmo valor.

Ora, diz Forquin, “é preciso reconhecer que sempre, e por toda a parte, a
educação implica um esforço voluntário com vistas a conferir aos indivíduos (ou
ajudar os indivíduos a adquirir) as qualidades, competências, disposições, que se
têm por [...] desejáveis, e que para isso nem todos os componentes da cultura no
sentindo sociológico são de igual utilidade, de igual valor” (FORQUIN, 1993, p.
11). Isso significa que, quando uma instituição, como a escola, está a serviço da
transmissão cultural, é preciso que certos aspectos da cultura sejam reconhecidos
como mais relevantes que outros para que possam ocupar um lugar privilegiado
como objeto de ensino.

Mas é exatamente aí que residem problemas fundamentais, que serão


apenas apontados por enquanto. Quem define o que é mais relevante para compor
os currículos e os respectivos conteúdos que se ensinam nas escolas? Que relações
de poder se estabelecem entre aqueles que definem a constituição das redes de
escolarização? Que possibilidades e limites têm os praticantes no interior das
estruturas sociais, sobretudo numa sociedade tão marcada pela desigualdade
como a nossa? Qual é o papel dos professores nessa relação?

Questões como essas não têm respostas fáceis, mas não há dúvida de que
é nesse momento que deve ser valorizado o papel do professor como mediador
cultural na escola. Ele deve ter capacidade para analisar criticamente não apenas
os conteúdos que ensina, mas o próprio lugar da escola no contexto das relações
sociais mais amplas. Como se vê, não é uma tarefa fácil para o professor. Dele se
espera que, além de dominar bem os conteúdos que cabem à escola difundir, seja
capaz de ter clareza do significado mais amplo da sua ação pedagógica.

Pode-se supor que os instrumentos dos quais se lança mão para formar
os profissionais da educação os legitimam, também, perante a sociedade, para
tomar as decisões acerca do que deve e do que não deve ser ensinado nas escolas.
58
TÓPICO 3 | OS DESDOBRAMENTOS DAS CONT. DA SOC. DA EDU. NA COMP. DOS SUJEITOS E DA CULTURA NA EDUCAÇÃO

Mas isso significaria poder supor, também, que haveria meios de se estabelecer
um consenso quanto à escola ideal, se a da República, a confessional (escolas
religiosas) ou a empresa educacional privada. Longe, entretanto, de se encontrar
aí qualquer consenso quanto à legitimidade dos especialistas do ensino e à
eficácia das redes de escolarização, o amplo debate pedagógico não deixa escapar
qualquer postura que não se submeta ao crivo da crítica.

Portanto, mesmo reconhecendo e respeitando como legítimas (quase)


todas as manifestações culturais, cabe aos profissionais do ensino recortar e
selecionar aquilo que pode ser considerado mais relevante para ser ensinado nas
escolas. Isso, porém, não deriva de um posicionamento neutro no interior das
escolas, são as relações sociais, que são perpassadas de interesses econômicos,
sociais, políticos, culturais e ideológicos. Quanto maior a diversidade cultural,
maiores os desafios da educação e, por conseguinte, dos profissionais que se
ocupam dela.

FONTE: SOUZA, João Valdir Alves de. Introdução à sociologia da educação. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2015.

59
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico você aprendeu que:

• As análises dedicadas aos aspectos da educação na sala de aula permitiram a


compreensão da organização do espaço físico, do tempo e das relações sociais
presentes nas escolas.

• As relações sociais presentes na sala de aula devem levar em consideração as


implicações dos diversos contextos sociais e a multiplicidade dos sujeitos.

• A cultura é um importante conceito para inúmeros campos das ciências


humanas. Surgida na antropologia, a sociologia tem empregado de diversas
formas essa categoria para acessar o universo das relações sociedade-indivíduo.
Da mesma forma, a cultura é empregada no subcampo da Sociologia da
Educação, dando ênfase aos atores envolvidos no processo educativo e suas
manifestações culturais.

60
AUTOATIVIDADE

1 A sala de aula é um dos espaços de desenvolvimento da educação escolar.


Nela se desenvolvem as relações entre professor e aluno, nela são aplicadas
as diversas metodologias do processo de ensino e aprendizagem e, também,
na sala de aula podemos observar o desenrolar de múltiplas relações sociais.
Nesse contexto, não podemos esquecer o espaço físico da escola e das
representações das relações sociais explícitas nesse espaço. Considerando o
espaço físico da sala de aula, assinale a alternativa correta:

a) ( ) As salas de aula podem ser organizadas de diferentes maneiras,


porém a disposição em fileiras é ideal para o aprendizado.
b) ( ) O espaço físico representa as expectativas em relação aos papéis dos
professores e alunos.
c) ( ) O processo de ensino e aprendizagem promove a autonomia
independentemente de características como o espaço físico.
d) ( ) A promoção da solidariedade é o fator crucial na escolha dos espaços
físicos das escolas.

2 As questões que se referem à sala de aula e aos sujeitos que a ocupam


também dizem respeito ao universo do trabalho. Nesse contexto, destacamos
a expectativa em relação à finalidade da produção do conhecimento
subentendida à lógica produtiva de nossa sociedade. Partindo desse
pressuposto, analise as sentenças a seguir:

I – A produção do conhecimento na sociedade moderna leva à autonomia


do sujeito.
II – A globalização levou à produção sistemática do conhecimento.
III – O conhecimento produzido é direcionado à solução imediata de
problemas.
IV – O ato de produzir conhecimento é amplamente voltado à reflexão sobre
nós mesmos.

Agora assinale a alternativa que representa a sequência correta:

a) ( ) As sentenças I e II são verdadeiras.


b) ( ) As sentenças II, III e IV são verdadeiras.
c) ( ) As sentenças II e III são verdadeiras.
d) ( ) As sentenças III e IV são verdadeiras.

3 A cultura é um conceito fundamental para entender as dinâmicas sociais.


Neste sentido, o interesse pela cultura não está restrito a pesquisadores
ou acadêmicos. Ela ganhou destaque e importância também no mundo da
política. Acerca dos movimentos de politização da cultura e culturalização da
política, relacione os itens a seguir, utilizando o código a seguir:

61
I – Culturalização da política.
II – Politização da cultura.

( ) A cultura passou a ser fonte de legitimação social nas lutas sociais.


( ) A cultura entrou na agenda de políticas públicas dos governos nacionais.
( ) A cultura aparece nos discursos para melhorar a qualidade do
desenvolvimento.
( ) A cultura passou a ser um recurso importante para as mobilizações
sociais.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) II, I, I, II.
b) ( ) II, II, I, II.
c) ( ) I, I, II, I.
d) ( ) II, I, II, I.

62
UNIDADE 2

PERCURSOS TEÓRICOS DA
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta unidade tem por objetivos:

• compreender os percursos teóricos da teoria social e suas contribuições


para a Sociologia da Educação;

• apresentar o contexto do desenvolvimento e consolidação da Sociologia


da Educação;

• conhecer as contribuições de diferentes abordagens sociológicas para a


compreensão da relação entre educação e sociedade;

• analisar as diferentes possibilidades de abordagens teórico-metodológi-


cas para compreensão dos fenômenos sociais ligados à educação

PLANO DE ESTUDOS
A segunda unidade está dividida em três tópicos e ao fim de cada tópico
você encontrará um resumo dos conteúdos e autoatividades que contri-
buirão para a reflexão e análise dos conteúdos abordados.

TÓPICO 1 – PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS: DURKHEIM,


MARX E WEBER

TÓPICO 2 – GERAÇÃO DA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX:


MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESCOLA DE
FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER

TÓPICO 3 – GERAÇÃO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX:


BOURDIEU, FOUCAULT E GIDDENS

63
64
UNIDADE 2
TÓPICO 1

PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS:


DURKHEIM, MARX E WEBER

1 INTRODUÇÃO
Na Unidade 1, ao situar alguns sociólogos pioneiros, discutimos as suas
contribuições como sendo clássicas. Noutra ponta, indicamos que existiriam
sociologias contemporâneas. A intenção era destacar algumas diferenças entre
os primeiros e os atuais sociólogos. Tais diferenças incluem o cenário da época
em que viveram, os temas e objetos de estudos e os métodos e instrumentos de
investigação.

Na Unidade 2, adentramos propriamente o campo da Sociologia da


Educação, apresentando e sistematizando autores clássicos e contemporâneos.
Mas, como é complexo traçar uma linha, apresentamos agora estes nomes a
partir do conceito de geração. Para isso nos apropriamos do conceito de geração
construído pelo sociólogo húngaro Karl Manheim.

Uma geração traz a ideia de um vínculo geracional, de pessoas nascidas


numa mesma época, que cresceram e se educaram nas mesmas décadas e
experimentaram dilemas e cenários sociais razoavelmente comuns. Em alguns
casos, esses indivíduos se associam e formam grupos ou movimentos geracionais.
Disso resulta uma consciência comum e uma potencialidade de lidar e refletir
sobre temas similares. Elas captam possíveis mudanças e descontinuidades,
trazendo-as para o nível da experiência individual. Elas podem romper com as
gerações anteriores, incentivando a mudança. Assim, uma geração é marcada
por forte identidade histórica, partilhando ideias, conceitos, cenários e desafios
sociais (MANHEIM, 1976; WELLER, 2010; SARMENTO, 2005).

Desta maneira, os primeiros sociólogos que abordamos nas próximas


páginas podem ser pensados como a primeira geração de sociólogos. Nela,
estudamos Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber. Eles nasceram e viveram
parte de sua vida no século XIX, momento de rupturas com o mundo da tradição
e de ascensão da vida moderna. O historiador inglês Eric Hobsbawm (1989)
considera o século XIX repleto de transformações ou novidades. Além dos ecos
das revoluções científicas, industriais e políticas percebidas em países europeus,
o avanço da tecnologia promoveu uma intensa onda de otimismo no progresso.

65
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Foi um século cheio de certezas e verdades, quase todas atualmente abaladas


ou sob suspeita. E, com isso, acontecem modificações coletivas e individuais de
base política, material e psicológica, correlatas com a ascensão do modo de vida
urbano, a degradação ambiental e a massificação das experiências sociais. As bases
culturais das sociedades sofreram impactos desestruturantes e reestruturantes:
pode-se indicar a secularização das pessoas e sociedades; a democratização da
educação e ciência e o surgimento da cultura de massas (SZTOMPKA, 1998).

DICAS

Vejamos o significado dos conceitos de secularização e de cultura de massas.

O primeiro se refere ao declínio do papel e centralidade da religião ou do pensamento


mágico diante da autonomia das diversas esferas da vida social, onde a religião perde
força e autoridade sobre a vida privada e cotidiana (PIERUCCI, 1998). Sobre o processo de
secularização, Max Weber (1991) – como veremos nas próximas páginas – relacionou esse
processo à desmagificação do mundo pela força da racionalidade e da razão.

Cultura de massas é um conceito mais moderno no âmbito da reflexão sociológica. Liga-


se ao tema da Escola de Frankfurt, cujas características são discutidas ainda nesta Unidade
2. Em termos gerais, ‘cultura de massas’ é a:

[...] produção industrial de um universo muito grande de


produtos que abrange setores como a moda, o lazer no
sentido mais amplo incluindo os esportes, o cinema, a
imprensa escrita, falada e televisionada, os espetáculos
públicos, a literatura, a música, enfim, um número muito
grande de eventos e produtos que influenciam e caracterizam
o atual estilo de vida do homem contemporâneo no meio
urbano-industrial (CALDAS, 1987, p. 16).

Tem origem com o avanço do capitalismo e dos meios de comunicação como um grande
e rentável negócio ao longo do século XX e da massificação de bens e produtos diversos.

2 ÉMILE DURKHEIM
Tratamos agora de um importante clássico nos dias de hoje. Se Auguste
Comte geralmente é lembrado pela ciência positiva e as discussões iniciais sobre
o objeto da sociologia, Émile Durkheim elaborou algumas das bases do trabalho
do sociólogo. Trata-se de uma paternidade compartilhada entre ambos.

66
TÓPICO 1 | PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS: DURKHEIM, MARX E WEBER

FIGURA 1 - ÉMILE DURKHEIM

FONTE: Dispoinível em: <https://goo.gl/xcW2xF>. Acesso em: 1 mar. 2018.

Como característico desses pioneiros da Sociologia, viveu e sentiu as


transformações em torno da expansão do capitalismo e a ampliação dos conflitos
entre o capital e os trabalhadores, o colonialismo europeu e o crescimento das
cidades. Da mesma forma, ele assistiu à I Guerra Mundial explodir, em meio ao
crescimento e intensificação das relações entre as nações europeias, morrendo
antes de terminar esta guerra. Além disso, a França – que era seu país – viu-se entre
guerras e dívidas com a Alemanha, o divórcio era adotado, a educação laica era
oficializada pelo Estado, tornando-se obrigatória para crianças entre seis e 13 anos.

Neste período, o cenário intelectual era bastante agitado. Foi um momento


de lutas pela posição de estabelecer os limites da disciplina. Foi, também, o
momento em que a sociologia foi incorporada às universidades, sendo ofertada
na forma de disciplina. Inclusive, Durkheim foi o primeiro professor da Cátedra
de Sociologia na Universidade de Sorbonne, na França, única no país naquela
ocasião, em 1902. Suas reflexões sobre a sociologia e seus métodos ganharam
respeito e legitimidade no final do século XIX.

Todas essas manifestações da mudança social foram analisadas nas suas


investigações e seu olhar sobre a relação indivíduo e sociedade e sobre a sociologia
e seus métodos. Em termos gerais, para Émile Durkheim se deve partir de que a
sociologia não toma partido nas situações sociais, mas ocupa-se das causas dos
fenômenos sociais.
67
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

E como Durkheim percebia a sociologia?

[...] é ela própria uma ciência distinta e autônoma e a noção de


especificidade da realidade social é de tal modo necessária ao sociólogo
que só uma cultura especialmente sociológica pode prepará-lo para a
compreensão dos fatos sociais. Pensamos que este progresso é o mais
importante dos que restam à sociologia compreender (DURKHEIM,
2007, p. 154).

A categoria de FATOS SOCIAIS indica muito da visão deste sociólogo


sobre a sociedade. Eles surgem das relações de associação entre os indivíduos. Para
existir um fato social é necessário que também exista uma organização coletiva.
Um fato social é algo comum a todos. E eles possuem um poder de coerção, em
virtude do qual estes fatos se impõem como norma à existência individual. Um
FATO SOCIAL é:

[....] toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o


indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é
geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui
uma existência própria, independentemente de suas manifestações
individuais" (2007, p. 13).

Os fatos sociais possuem a propriedade de existir fora das consciências


individuais, apresentando-se objetivamente como maneiras de agir, pensar e
sentir exteriores ao indivíduo. E que exemplos podemos dar? As regras jurídicas;
educação; criminalidade; formas de se vestir; moralidade coletiva; língua;
regras de trânsito; casamento; família; todos são fatos sociais, na perspectiva de
Durkheim.

Para o sociólogo francês, os fatos sociais possuem três características:

QUADRO 1 - FATOS SOCIAIS NA PERSPECTIVA DE DURKHEIM

COERÇÃO SOCIAL EXTERIORIDADE GENERALIDADE


Pode ser direta ou in- Eles não dependem da Eles se apresentam de
direta. Mecanismos ex- vontade dos indivíduos, maneira generalizada
-ternos impostos aos nem são por eles estabe- na sociedade, sendo re-
indivíduos e sobre sua lecidos. Existem exter- correntes à maioria dos
conduta. Ela assume a namente, atuando sobre grupos sociais.
forma de sanções. os indivíduos.
Exemplo: obedecer a
Exemplo: usar uniforme Exemplo: usar roupas. uma lei.
na escola.
FONTE: Durkheim (2007)

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TÓPICO 1 | PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS: DURKHEIM, MARX E WEBER

Para estudar os fenômenos sociais, o sociólogo deve pensar o fato social


como uma "coisa", como "objeto", ressaltando os caracteres exteriores que lhe
são comuns. De acordo com o francês, é objeto "tudo o que é dado, tudo o que
se oferece, ou antes, se impõe à observação. Tratar dos fenômenos como coisas
é tratá-los na qualidade de data que constituem o ponto de partida da ciência"
(DURKHEIM, 2007, p. 100).

Assim, Durkheim indica que o princípio da sociologia é ocupar-se dos


fatos sociais. Mas, o que significa tomarmos os fatos sociais por "coisas"?

[...] reconhece-se principalmente uma coisa pelo sinal de que não pode
ser modificada por um simples decreto da vontade. Não que ela seja
refratária a qualquer modificação. Mas, para produzir uma mudança
nela, não basta querer, é preciso além disso um esforço mais ou menos
laborioso, devido à resistência que ela nos opõe e que nem sempre,
aliás, pode ser vencida. Ora, vimos que os fatos sociais têm essa
propriedade. Longe de serem um produto de nossa vontade, eles a
determinam de fora; são como moldes nos quais somos obrigados a
vazar nossas ações (2007, p. 29).

Para Durkheim, sociologia deveria considerar os fatos sociais isolados


das manifestações individuais, apontando para a generalidade dos fenômenos.
Para isso, é necessário empregar um método objetivo, percebendo os fatos sociais
como coisas. Esse método deve ser sociológico, apesar de influenciado pelas
ciências naturais. Quer dizer, as causas dos fatos sociais devem ser encontradas e
explicadas pela dimensão social (DURKHEIM, 2007).

A partir de sua sociologia, como Durkheim entendia o indivíduo e a


sociedade? Para nos debruçarmos na sua obra e ideia de método sociológico
devemos entender que o indivíduo só pode ser explicado pela sua inserção numa
sociedade. E esta prescinde do indivíduo, já que quando este nasce encontra a
sociedade "pronta". Ou, conforme ressaltou Raymond Aron (2008, p. 464), "[...] o
indivíduo nasce da sociedade, e não a sociedade nasce do indivíduo”. O indivíduo
perde-se no interior dessa totalidade social. Ela antecede e é independente do
indivíduo.

DICAS

A sociedade pode ser percebida como um grande organismo social que deve
funcionar corretamente. Esta ideia de organismo mostra o impacto das ciências naturais
no vocabulário e linguagem da sociologia naquele período do século XIX e início do XX. Da
mesma forma, as sociedades eram realidades que podiam ser apreendidas objetivamente,
empregando métodos adequados. Ou, nas palavras de Durkheim, ela "considera os fatos
sociais como explicáveis naturalmente" (DURKHEIM, 2007).

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UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Mas a sociedade não era somente a pura soma e adição de indivíduos.


Para Durkheim, ela é um sistema de inter-relação de formas de associações. O
que é característico deste sociólogo é que a consciência coletiva não pode ser
deduzida tão somente através da consciência individual. A força do coletivo
sempre prevalece sobre o indivíduo, exercendo pressão social na forma de um
conjunto de sanções. Daí que a sociologia deve privilegiar a análise do social, não
do individual (DURKHEIM, 2007).

Daí, podemos pensar Émile Durkheim como um sociólogo preocupado


com o consenso social e com a funcionalidade e normalidade das sociedades.
Encontramos uma sociologia que, numa perspectiva positivista, tratou de como
as sociedades permanecem unidas. Ele elabora diversos conceitos para tanto,
como consciência coletiva, representações coletivas, solidariedade, enfocando o
universo das interações sociais. Ele reflete sobre a normalidade e patologia nas
sociedades modernas, amparando-se em métodos sociológicos que ele conformou
ou aperfeiçoou. Ainda no espírito positivo, Durkheim (como seu colega Comte)
ocupava-se das especificidades do reino social, objeto da sociologia.

Outro aspecto importante que se desdobra dessa visão de sociologia é sua


preocupação com aquilo que gera solidariedade nas sociedades. A pergunta que
Durkheim tenta responder é sobre como é possível a sociedade?

Uma primeira forma de responder a essa questão é através de seu


conceito de CONSCIÊNCIA COLETIVA. De acordo com Durkheim, em A
divisão do trabalho social (2012), essa categoria “indica o conjunto de crenças e
dos sentimentos comuns à média dos membros de uma sociedade, forma um
sistema determinado que tem vida própria. A esses fenômenos ele dá o nome de
consciência coletiva”. É a moral vigente numa sociedade.

Podemos vê-la como as regras, normas e comportamentos que


orientam a conduta dos indivíduos. Ela é uma espécie de crivo, de juízo social,
estabelecendo padrões adequados para as interações. É a força coletiva que se
exerce continuamente sobre um indivíduo para viver de acordo com as normas
da sociedade na qual está inserido.

Um segundo aspecto importante sobre o qual Durkheim se debruçou


para entender como as sociedades são possíveis reside nas dinâmicas da divisão
do trabalho, cujo objetivo é o de integrar o corpo social, assegurar-lhe a unidade.
As sociedades mais simples, tradicionais, como as tribos e os clãs, possuíam
baixa divisão do trabalho. Já no caso da sociedade moderna, há a especialização
das funções sociais, a expansão do capitalismo alargou a divisão do trabalho,
resultando em sociedades internamente mais diferenciadas.

E essa divisão do trabalho não é específica do mundo econômico:


ela se encontra em outras áreas da sociedade, como nas funções políticas,
administrativas, judiciárias, artísticas, científicas, entre outras. Ela contribui para
a própria organização da sociedade (QUINTANEIRO, 2003).

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TÓPICO 1 | PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS: DURKHEIM, MARX E WEBER

Disso resultam seus conceitos de SOLIDARIEDADE MECÂNICA E


ORGÂNICA. As primeiras estão ligadas às sociedades com menor divisão social
do trabalho, ao passo que as segundas resultam da ampliação da interdependência
social e da diferenciação.

A SOLIDARIEDADE MECÂNICA é típica de sociedades mais


homogêneas e que têm uma consciência coletiva mais coercitiva, exercendo maior
pressão sobre o indivíduo com regras mais rígidas.

Já em relação à SOLIDARIEDADE ORGÂNICA a consciência coletiva é


menos totalizante e mais fragmentada. A pressão sobre o indivíduo é mais difusa
e as regras e normas tendem a ser mais sutis. Nestas sociedades, a divisão social
do trabalho e a diferenciação entre as formas de associação e os indivíduos são
mais heterogêneas.

QUADRO 2 - TIPOS DE SOLIDARIEDADE EM ÉMILE DURKHEIM

Tipos de Solidariedade, segundo E. Durkheim


MECÂNICA ORGÂNICA
Sociedade simples Sociedades complexas
As funções sociais dos indivíduos são As funções sociais dos indivíduos são
semelhantes especializadas e interdependentes
Não há significativa divisão social do A divisão social do trabalho é
trabalho bastante complexa
Predomínio de mecanismo de Predomínio de mecanismos de coerção
coerção imediata, violenta e punitiva formais, exercido de forma mediada
Predomínio do Direito punitivo Predomínio do Direito restitutivo
Sociedades economicamente simples Sociedade economicamente complexas
FONTE: Disponível em: <http://cafecomsociologia.com/wp-content/uploads/2011/01/Captura-
de-Tela-2016-09-20-%C3%A0s-13.41.06.png>. Acesso em: 22 mar. 2018.

Podemos pensar esses padrões de solidariedade relacionados às divisões


mais simples ou complexas como molduras sociais, que procuram atirar o
indivíduo ao seu interior, estruturando assim tanto a sociedade como a ação
do indivíduo. Ela é um componente vital nas interações sociais. Através das
instituições e dos fatos sociais, os padrões de solidariedade indicam o grau
de pressão dos constrangimentos externos sobre o indivíduo. A solidariedade
enquadra o indivíduo a uma moral.

Em seu viés positivista, Durkheim construiu uma visão evolucionista


das sociedades de onde as primeiras eram estruturadas pelo clã, tribo ou
hordas, formas igualitárias simples de organização e associação. A partir da

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UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

maior diversidade de tarefas e funções internas, do aumento das populações, é


necessária maior coordenação entre as formas de interação social. Nas sociedades
modernas, este tipo de relacionamento social tendia a estimular uma maior
liberdade ao indivíduo.

Daí, também, a importância de Émile Durkheim para a Educação. Isso


porque ele destacou que a Educação é fato social básico para a manutenção
da coesão das sociedades. Segundo Durkheim (2007, p. 48), toda a educação
“consiste num esforço contínuo para impor às crianças maneiras de ver, de sentir
e de agir às quais elas não chegariam espontaneamente".

2.1 DURKHEIM E A EDUCAÇÃO


Durkheim se orientou pelos seus estudos e pesquisas sobre o ensino francês.
Ele foi defensor de uma educação laica e pública, sob responsabilidade do Estado.
Naquela época, a educação pública ainda era um fenômeno em gestação. Segundo
o sociólogo, esse papel de destaque para o Estado se deve em função de que:

[...] se a sociedade não estiver sempre presente e vigilante, para


obrigar a ação pedagógica a exercer-se em sentido social, essa se porá
ao serviço de interesses particulares e a grande alma da pátria se
dividirá, esfacelando-se numa multidão incoerente de pequenas almas
fragmentárias, em conflito umas com as outras [...] (DURKHEIM,
1978, p. 48).

Como este sociólogo entendia a educação? Dos nossos três sociólogos da


primeira geração, é aquele que mais se envolveu e publicou obras e textos ligados
diretamente à educação. Para o francês Durkheim, a educação é:

A ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se


encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar
e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais
e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo
meio especial a que a criança, particularmente, se destine (DURKHEIM,
1978, p. 41).

A educação, apesar de ser um fato social, não é percebida socialmente como


uma coerção. As sociedades a percebem como uma função natural. Por meio da
educação, as sociedades reproduzem as representações sociais mais importantes
para manter a unidade grupal. Essas representações são internalizadas pelos
alunos. Neste sentido, a educação tem um papel moralizador muito poderoso.
Na perspectiva durkheimiana, a educação é o processo que nos ‘ensina’ as formas
e regras de convívio social.

Em sua análise sobre a educação ao longo dos tempos, Durkheim (1978)


distinguiu três fases principais da teoria e da prática educacional a partir da Idade
Média, são elas:

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TÓPICO 1 | PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS: DURKHEIM, MARX E WEBER

(a) A FASE ESCOLÁSTICA, que vai do século XII à Renascença, na qual são
estabelecidas as bases do sistema educacional moderno, com as primeiras
escolas, faculdades, universidades, além de um sistema de exames e diplomas.

(b) A FASE HUMANISTA, surgida a partir da desintegração do cristianismo


como sistema moral unitário, que se estende até meados do século XVIII,
marcada por novos ideais educativos em oposição aos valores religiosos
tradicionais.

(c) A FASE REALISTA, que compreende o período posterior às revoluções


liberais, nas quais se dá a introdução de ideias seculares e científicas que,
gradualmente, passam a integrar os currículos escolares.

Voltando à definição de Educação em Durkheim, o sociólogo entendia que


desde os primeiros tempos da sua vida, mandamos as crianças a comer, a dormir
e a beber a horas regulares. “Coagimo-la à limpeza, à calma, à obediência; mais
tarde, coagimo-la a ter em conta os outros, a respeitar os usos, as conveniências,
a trabalhar, etc.” (DURKHEIM, 2007, p. 89).

Por esse caminho, a educação é uma “ação deliberada” de uma geração


mais velha e socialmente preparada sobre uma geração mais jovem, visando
fornecer a esta os elementos morais e comportamentais necessários para a vida
em sociedade.

Segundo Lopes (2012), Durkheim e sua sociologia indicavam que a


criança pertencia ao domínio das paixões e habita entre os selvagens, havendo
um fosso profundo entre ela e os adultos. Neste sentido é preciso instigar a
obediência que o dispositivo pedagógico transforma em espírito de disciplina,
onde as tendências das crianças são vigiadas, medidas, avaliadas, instigadas e
fortalecidas aos moldes do adulto civilizado.

O ser social é criado no indivíduo justamente pela educação, já que não


nasce com o indivíduo, já que é um produto social. Assim, cada nova geração
é uma “tábula rasa” a ser moldada pela sociedade, via educação, que “cria no
homem um ser novo” (DURKHEIM, 1978, p. 42).

Para o autor, a educação também “deve conduzir-nos a ultrapassar a


natureza individual: só sob esta condição, a criança tornar-se-á um homem. Ora,
não podemos elevar-nos acima de nós mesmos, senão por esforço mais ou menos
penoso” (DURKHEIM, 1978, p. 42). Para ele, não existe “nada em nossa natureza
congênita que nos predisponha a tornar-nos, necessariamente, servidores de
divindades, ou de emblemas simbólicos da sociedade, que nos leve a render-lhes
culto, a nos privarmos em seu proveito ou em sua honra” (DURKHEIM, 1978, p.
42). Por isso, a educação também estava voltada à criação de um ser novo, “entre
os cidadãos, uma comunhão de ideias e de sentimentos sem os quais qualquer
sociedade é impossível” (DURKHEIM, 1978, p. 61).

73
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

A educação, neste sentido, nas sociedades de solidariedade orgânica, de alta


divisão social do trabalho, tem um papel de mediação entre as relações indivíduo-
sociedade em torno de duas funções: homogeneizadora e diferenciadora. Ao
mesmo tempo em que a educação atua na integração permanente de novos
cidadãos, ela é central enquanto motor (e reprodutor) de diferenciação social.

Em tempos atuais, a educação apresenta suas faces mais dinâmicas. Isso


porque, de acordo com a complexidade da organização da sociedade em que
ocorre, a educação está ligada à criação da diversidade humana necessária para
o funcionamento da cooperação social. Ela não é um fenômeno estático, parado.
Era um fato e uma instituição social determinante na sociedade moderna, e, por
isso mesmo, relacionada a uma ampliação crescente da grande divisão social do
trabalho.

3 KARL MARX (1818-1883)


Karl Marx foi e continua sendo uma figura histórica cuja herança promove
controversas e polêmicas. Marx escreveu do ponto de vista da economia política,
da história e da filosofia.

Suas ideias começaram a ser legitimadas e reconhecidas somente depois de


sua morte. Ele não se enxergava um sociólogo, porque esse profissional ainda não
existia (foi com Auguste Comte que o termo foi criado). Sua construção intelectual
foi trazida à disciplina por sociólogos, especialmente, graças a originalidade
empregada por Marx na análise das relações sociais das sociedades modernas.

FIGURA 2 - KARL MARX

Diante disso, como sintetizar a


contribuição de Marx para a sociologia?
Apesar da enorme dificuldade inerente
a um pensador complexo e com uma
obra extensa, vamos indicar algumas
ideias mais fundamentais, especialmente,
o ângulo de sua análise da sociedade
moderna. E, então, articular com os
aspectos ligados à educação.

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/Qi66HP>. Acesso em: 22 mar. 2018.

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TÓPICO 1 | PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS: DURKHEIM, MARX E WEBER

Seja no período em que viveu ou nos dias atuais, Marx é um ‘espectro’


causador de simpatias e antipatias. E qual é a razão disso? Sem apontar respostas
simplificadoras, temos a impressão de que seja pelo tipo específico de olhar a
respeito da sociedade moderna, observada e analisada por meio do método
materialista-dialético.

Por isso, o conjunto da obra de Karl Marx não se restringe ao campo


da sociologia apenas, mas abrange ainda sobretudo os campos da história, da
ciência política e da economia. “O pensamento de Marx desenvolve-se a partir do
contato com a obra dos economistas ingleses como Adam Smith e David Ricardo,
e da ruptura com o pensamento hegeliano e com a tradição idealista da filosofia
alemã” (MARCONDES; JAPIASSU, 2001, p. 126).

Partindo deste universo científico plural, uma das contribuições decisivas


de Marx foi a maneira como observou a sociedade e suas relações. Ele quebrou
uma tradição metafísica, isto é, aquelas explicações filosóficas. Marx trouxe a
explicação da sociedade para as suas bases materiais, rompendo com a filosofia
do mundo da especulação e das essências universais.

Para o metafísico, as coisas e suas imagens no pensamento, os conceitos,


são objetos isolados de investigação, objetos fixos, imóveis, observados
um após o outro, cada qual por si, como algo determinado e perene.
O metafísico pensa em toda uma série de antíteses desconexas: para
ele, há apenas o sim e o não e, quando sai desses moldes, encontra
somente uma fonte de transtornos e confusão. [...], não reflete sobre
sua gênese e sua caducidade; concentrado em suas condições estáticas,
não percebe a sua dinâmica; obcecado pelas árvores, não consegue ver
o bosque (ENGELS, 1990, p. 20-21).

A tradição filosófica dominante na Europa até o início da modernidade


pressupunha a existência, além do mundo sensível e histórico, de uma outra
dimensão mais real e povoada de substâncias ou de essências imutáveis que
seriam os verdadeiros objetos do conhecimento (QUINTANEIRO, 2003, p. 25-26).

Para produzir esse rompimento, Marx construiu e empregou o método


Materialista histórico. Tratava-se de algo inovador, no sentido de que era uma
análise da práxis, das dinâmicas e movimentos da História. Este foi empregado
como método analítico e uma perspectiva dialética das sociedades, com base nas
contradições e mudanças que elas permitiam.

75
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

DICAS

O materialismo histórico percebe as relações sociais como determinadas pela


satisfação das necessidades da vida humana, não sendo apenas uma forma, dentre outras,
da atividade humana, mas a condição fundamental de toda a história. Para os materialistas,
essas relações são a base de todo estudo sobre o homem, sua vida social e sua expressão
cultural. Grande parte das obras de Marx foi escrita em colaboração com Engels, sendo por
vezes difícil separar as ideias de um e as de outro (MARCONDES; JAPIASSU, 2001, p. 126).

O modo dialético de pensar não procura nos objetos de sua


investigação essências eternas, fixas e independentes. Se
há uma essência na realidade objetiva ou subjetiva, esta é
dinâmica, contraditória, relacional, ou seja, o que for, contanto
que não imutável, eterna, etc., como a vê a metafísica
(SCHAEFER, 1985, p. 40-41).

O materialismo histórico e dialético marxista se pretende, ao mesmo tempo, como método


de análise teórica, como de ação prática política, voltada à superação da sociedade de
classes capitalista. Na perspectiva marxista, essa análise dialética tornaria transparente as
relações, os processos e as estruturas capitalistas (IANNI, 1996).

Marx procurou refletir sobre as características da Modernidade. E por


meio de seu método, ele destacou a ascensão da burguesia e do capitalismo
como eixo desse momento. Mas, em cada período da história percebeu um modo
específico de produção que orientou e determinou as forças sociais e produtivas.

A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem


sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício
e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa
palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido
numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra
que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária, da
sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta (MARX;
ENGELS, 1998, p. 7).

A burguesia aparecera como classe no deslocamento e passagem do


mundo feudal para o moderno, porém, o ápice de sua luta pela hegemonia se
deu com a Revolução Francesa e Revolução Industrial. O advento das condições
modernas para o modo de produção capitalista na França e Inglaterra alçou a luta
de classes, observada nas lutas das ligas na Inglaterra e nas questões fundiárias.
Na Alemanha, quando o modo de produção capitalista chegou à maturidade,
depois da França e Inglaterra, o proletariado já possuía uma consciência teórica
de classe mais decidida do que a burguesia alemã. As questões do proletariado
ganharam adesões entre os mais rigorosos científicos.

A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal,


não aboliu os antagonismos de classe. Não fez senão substituir novas classes.
Daí a existência de uma luta de classes, tendo como antagonistas burgueses e
proletários (MARX; ENGELS, 1998).

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TÓPICO 1 | PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS: DURKHEIM, MARX E WEBER

A luta de classes seria superada com a vitória política e revolucionária


dos proletários, com o surgimento do comunismo. Por meio do trabalho, o ser
humano põe “em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporeidade:
seus braços e pernas, cabeça e mãos”, e assim, atuando “sobre a natureza externa
e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua
própria natureza” (MARX, 1998, p. 149).

DICAS

O capitalismo, na visão marxista, é um sistema de mercantilização universal e


de produção de mais-valia.

O sistema capitalista é aquele no qual se aboliu da maneira mais


completa possível a produção com vistas à criação de valores de
uso imediato, para o consumo do produtor: a riqueza só existe
agora como processo social que se expressa no entrelaçamento
da produção e da circulação (MARX, 1998, p. 573).

Desta forma, as duas características que distinguem o capitalismo de outros modos de


produção residem justamente nesses dois elementos. Ele está voltado à transformação da
natureza em mercadorias, inclusive o próprio trabalhador; e volta-se à acumulação através
do mecanismo da mais-valia. Segundo Hilton & Japiassu (2001, p.124), a mais-valia é um:

Conceito fundamental utilizado por Marx para sublinhar a


exploração imposta ao proletariado pelo proprietário dos
meios de produção: a força de trabalho dos operários é o
único valor de uso capaz de multiplicar o valor. Ao vender sua
força de trabalho ao empregador, em troca de um salário, ela
se torna um valor da troca como qualquer outra mercadoria:
"o valor da força de trabalho é determinado pela quantidade de
trabalho necessária à sua produção".

Fica claro que Marx privilegiou as relações econômicas das sociedades.


Todavia, ele não reduz os fenômenos sociais a esta dimensão. Para ele, as
relações econômicas e políticas estão intimamente determinadas, engendrando
antagonismos e estruturando a própria sociedade (IANNI, 1996).

As relações sociais deveriam ser procuradas e entendidas à luz das relações


de produção de determinada época. Disse este autor que a história é exatamente a
história da transformação ininterrupta das formas de objetivação que moldam a
existência do homem (MARX; ENGELS, 1998). Disso se destaca a importância da
categoria trabalho para este autor.

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UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

DICAS

Filme: O Jovem Karl Marx (2017).


Produção: França. Bélgica, Alemanha.

Sinopse: Aos 26 anos, Karl Marx embarca com a mulher, Jenny, para o exílio. Em Paris, eles
conhecem Friedrich Engels, filho do dono de uma fábrica e que estudou o nascimento
do proletariado inglês. Engels traz a Marx a peça que faltava para o quebra-cabeça de sua
visão de mundo. Juntos, em meio à censura, greves e agitação política, eles vão liderar uma
completa transformação política e social do mundo.

FONTE: Disponível em: <http://www.itaucinemas.com.br/filme/o-jovem-karl-marx>.

Segundo Marx e Engels, o trabalho é um elemento fundamental no


processo de humanização. É transformação criativa. Por meio do trabalho, o ser
humano põe “em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporeidade:
seus braços e pernas, cabeça e mãos”, e assim, atuando “sobre a natureza externa
e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua
própria natureza” (MARX, 1998, p. 149).

Karl Marx, como se percebe de sua análise materialista das relações


capitalistas, destacou a categoria de trabalho, essencial para entender como
se desnuda o capitalismo e suas dinâmicas de expansão e acumulação. No
capitalismo, o trabalho tornou-se alienante. Como característica do capitalismo,
o trabalho assalariado “constitui uma condição necessária para a formação de
capital e se mantém como premissa necessária e permanente da produção
capitalista” (MARX, 1998, p. 73).

3.1 MARX E A EDUCAÇÃO


Karl Marx não escreveu diretamente sobre a educação. Todavia, dentro do
método dialético de análise da sociedade e das suas bases materiais, a educação
foi objeto de discussão em alguns textos deste autor. Porém, pela importância
de Marx no cenário intelectual e político em todo o mundo, essas reflexões
estimularam novas, o que levou à produção de um interessante campo de análise
marxista para a Educação.

A sociedade capitalista é contraditória. A dominação da burguesia é


realizada por meio da base material, mas, também, da base intelectual das
sociedades. Neste sentido, a educação carrega em si a própria contradição
inerente às relações sociais capitalistas. Ela não é uma educação neutra, estando
principalmente a serviço da reprodução do capital.

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TÓPICO 1 | PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS: DURKHEIM, MARX E WEBER

Além disso, tomando a sociologia proposta por Marx, teve origem uma série
de categorias relevantes para explicar a sociedade que ainda possuem destaque
no cenário intelectual. Como discutimos anteriormente, conceitos como classe
social, capitalismo, luta de classes são empregados por inúmeros autores em suas
investigações. No caso da educação, conforme Moacir Gadotti (2000, p. 10):

As categorias ‘contradição’, ‘determinação’, ‘reprodução’, ‘mudança’,


‘trabalho’, práxis’, ‘necessidade’, ‘possibilidade’ aparecem frequente-
mente na literatura pedagógica contemporânea, sinalizando já uma
perspectiva da educação, a perspectiva da pedagogia da práxis. [...]
A dialética constitui-se, até hoje, no paradigma mais consistente para
analisar o fenômeno da Educação. [...].

Mas, em quais obras ou textos Marx escreveu sobre a educação? Podemos


citar algumas obras ou textos onde é possível encontrar referências à educação,
nas seguintes obras e textos de Karl Marx:

- O capital, 1867.
- Teses sobre Feuerbach, 1845.
- Manifesto do Partido Comunista, 1848.
- Instruções aos delegados do Conselho Central Provisório da Associação
Internacional dos Trabalhadores, de 1868.
- Crítica ao Programa de Gotha, 1875.

E o que Marx escreveu sobre a educação? Em primeiro lugar, existe uma


relação entre a educação e a bases das relações sociais capitalistas. Pensar a
educação e a escola é encontrar uma instituição que repassa os valores dominantes
para os seus operários, que os reproduzem ou não. A escola e a educação estavam
a serviço da reprodução das ideologias burguesas e da sua divisão social do
trabalho. Neste sentido, Marx e Engels eram contrários à educação conduzida
pelo Estado ou pela Igreja, apesar de defender a escola pública. Eles escrevem
que era “preciso rejeitar peremptoriamente uma ‘educação popular a cargo do
Estado’ [...] É preciso antes banir toda a influência sobre a escola, tanto de parte
do governo quanto da Igreja” (MARX, 2006, p. 127).

O que nos leva a destacar um segundo ponto em relação ao pensamento de


Marx com a educação? Trata-se de sua visão de união do trabalho produtivo com
a educação. Como dissemos, Marx pensava o trabalho como atividade vital do ser
humano e que, sob o modo de produção capitalista, tornou-se uma mercadoria
através da qual o trabalhador apenas assegura os meios de sua sobrevivência
e reprodução. Desta maneira, o trabalhador se via cada vez mais distanciado,
estranho e alienado dos meios de produção, aparecendo o trabalho como forçoso
ou uma obrigação, tornando o trabalhador infeliz.

Do ponto de vista da educação burguesa, os sistemas de ensino e as


escolas reproduziam essas contradições, por meio de uma educação unilateral,
voltada apenas às necessidades da divisão social do trabalho e da geração de
mais-valia. A educação capitalista, conforme Nildo Viana (2004, p. 11), “buscaria
domesticar a força de trabalho e prepará-la para o trabalho no processo de
produção capitalista, visando ao preparo técnico e disciplinar”.

79
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Por isso Marx destaca a formação politécnica e a formação omnilateral,


articulando mais do que a união de instrução e trabalho, mas, sim, a instrução
enquanto elemento da crítica da forma histórica que o trabalho assumiu, ganhando
um contorno revolucionário. A educação em Marx tinha três papéis essenciais:

Por educação nós entendemos três coisas:


1) Educação mental.
2) Educação corporal, tal qual é produzida pelos exercícios ginásticos
e militares.
3) Educação tecnológica, abrangendo os princípios gerais e científicos
de todos os processos de produção e, ao mesmo tempo, iniciando
as crianças e os adolescentes na manipulação dos instrumentos
elementares de todos os ramos da indústria. A divisão das crianças e dos
adolescentes em três categorias, de 9 a 18 anos, deve compreender um
curso graduado e progressivo para a sua educação intelectual, corporal
e politécnica. Os custos destas escolas politécnicas devem ser em parte
cobertos pela venda das suas próprias produções (MARX, 1978, p. 223).

DICAS

OMNILATERALIDADE

[...] Embora não haja em Marx uma definição precisa do conceito de omnilateralidade, é
verdade que o autor a ela se refere sempre como a ruptura com o homem limitado da
sociedade capitalista. Essa ruptura deve ser ampla e radical, isto é, deve atingir uma gama
muito variada de aspectos da formação do ser social, portanto, com expressões nos
campos da moral, da ética, do fazer prático, da criação intelectual, artística, da afetividade,
da sensibilidade, da emoção, etc. Essa ruptura não implica, todavia, a compreensão de uma
formação de indivíduos geniais, mas, antes, de homens que se afirmam historicamente, que
se reconhecem mutuamente em sua liberdade e submetem as relações sociais a um controle
coletivo, que superam a separação entre trabalho manual e intelectual e, especialmente,
superam a mesquinhez, o individualismo e os preconceitos da vida social burguesa.

O homem omnilateral não se define pelo que sabe, domina, gosta, conhece, muito menos
pelo que possui, mas pela sua ampla abertura e disponibilidade para saber, dominar, gostar,
conhecer coisas, pessoas, enfim, realidades – as mais diversas. O homem omnilateral é aquele
que se define não propriamente pela riqueza do que o preenche, mas pela riqueza do que
lhe falta e se torna absolutamente indispensável e imprescindível para o seu ser: a realidade
exterior, natural e social criada pelo trabalho humano como manifestação humana livre.
[...]

FONTE: Disponível em: <http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/omn.html>.

A EDUCAÇÃO POLITÉCNICA foi a forma que o alemão empregou


para articular essas duas noções, trabalho e educação, rompendo com a educação
voltada apenas para a preparação de mão de obra. Para Marx e Engels (1983, p. 60),
a combinação do trabalho produtivo pago com a educação mental, os exercícios
corporais e a aprendizagem politécnica, deveria elevar “a classe operária bem
acima do nível das classes burguesa e aristocrática”.

80
TÓPICO 1 | PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS: DURKHEIM, MARX E WEBER

DICAS

Os principais vetores da concepção marxista de educação são:

1. Educação pública, gratuita, obrigatória e única para todas as crianças e jovens, de forma
a romper com o monopólio por parte da burguesia da cultura, do conhecimento.
2. A combinação da educação (incluindo-se aí a educação intelectual, corporal e tecnológica)
com a produção material com o propósito de superar o hiato historicamente produzido
entre trabalho manual (execução, técnica) e trabalho intelectual (concepção, ciência) e,
com isso, proporcionar a todos uma compreensão integral do processo produtivo.

A formação omnilateral (isto é, multilateral, integral) da personalidade de forma a tornar o


ser humano capaz de produzir e fruir ciência, arte, técnica.

A integração recíproca da escola à sociedade com o propósito de superar o estranhamento


entre as práticas educativas e as demais práticas sociais.

FONTE: Disponível em: <http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/edupol.html>.


Acesso em: 22 mar. 2018.

4 MAX WEBER (1864-1920)


Vamos aprofundar a discussão sobre os clássicos da sociologia e suas
visões a respeito da educação e da escola. Partimos para o universo da sociologia
compreensiva de Max Weber.

DICAS

Max Weber

Este alemão, nascido em Erfurt no ano de 1864, foi um filósofo, jurista, economista e, nos
últimos anos de sua vida, sociólogo. Como nossos outros dois clássicos aprofundados
(Durkheim e Marx), Weber viveu esse período conturbado e de grandes mudanças sociais
ocorridas no século XIX. Morreu em 1920, após presenciar a violência e destruição da I
Guerra Mundial.

Weber era proveniente de uma família bastante apegada ao protestantismo. Seu pai, Max
Weber, era jurista e político, tendo laços e relações que faziam de sua residência espaço
de visitas ilustres, de intelectuais, políticos, artistas, figuras que participaram da infância e
juventude de Weber, o sociólogo. Sua mãe, Helene Weber, foi responsável por acompanhar
sua educação protestante. Casou-se com Marianne Weber, feminista e também socióloga,
em 1893. Um fato interessante é que no início de sua atividade intelectual e acadêmica,
Weber não se dedicava à sociologia, cujo interesse foi reorientado intensamente somente
a partir de 1910. Após sua morte, em 1920, Marianne Weber escreveu sua biografia, um
documento importante sobre esse personagem da trajetória sociológica.

81
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Essa formação familiar teve impacto na construção intelectual de Weber, influenciando


sua perspectiva sociológica. É quase um senso comum considerá-lo um pensador
pessimista. Esta visão sobre o conjunto de sua obra sociológica é resultado da análise que
ele empreendeu do mundo moderno, cuja principal característica era a racionalização.

FONTE: Cohn (1977)

Apesar de não ter sido seu interesse principal, Weber pensou de uma
maneira menos direta os fenômenos da educação e a escola. Mas, para entender
essa contribuição, é necessário compreender a análise weberiana desse mundo
moderno racional e burocrático. Isto é, sua visão sobre a escola-educação não está
divorciada da perspectiva sociológica original configurada por Max Weber.

4.1 A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA DE WEBER


O nome de Max Weber está entre os principais responsáveis pela formação
do pensamento sociológico, sobretudo do ponto de vista metodológico e de
uma epistemologia das Ciências Sociais. Segundo sua visão, era elementar que
a sociologia tivesse um modelo de explicação próprio, diferente do das ciências
naturais (MARCONDES; JAPIASSU, 2001).

FIGURA 3 - MAX WEBER

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/H8FQqs>. Acesso em: 1 mar. 2018.

82
TÓPICO 1 | PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS: DURKHEIM, MARX E WEBER

A sua sociologia tinha por objetivo a pesquisa científica em torno do


significado cultural das estruturas sociais da vida humana e das suas formas de
organização históricas. O sociólogo considerava que uma ação significativa era
bastante complexa, envolvendo uma expectativa em relação ao comportamento
de o ator atribuir sentido a sua conduta.

Por isso, então, a sociologia deveria se ocupar com a ação social, voltando-
se para as atividades significativas das pessoas que ecoam e reverberam em
outros indivíduos e nas próprias instituições. Podemos pensá-lo como o sociólogo
interessado nas ações e valores dos indivíduos.

[...] Sociologia (no sentido aqui entendido desta palavra empregada


com tantos significados diversos) significa: uma ciência que pretende
compreender interpretativamente a ação social e assim explicá-la
causalmente em seu curso e seus efeitos (WEBER, 1991, p. 3).

A sociologia de Weber tinha interesse na COMPREENSÃO da ação social.


Por isso dissemos ‘sociologia compreensiva’. Mas, o que significa esse conceito
neste autor?

‘Compreensão’ significa em todos esses casos: apreensão interpretativa


do sentido ou da conexão de sentido: a) efetivamente visado no caso
individual (na consideração histórica), ou b) visando em média e
aproximadamente (na consideração sociológica em massa, ou c) o
sentido ou conexão de sentido a ser construído cientificamente (como
‘ideal-típico’) para o tipo puro (tipo ideal) de um fenômeno frequente
(WEBER, 1991, p. 6).

Caberia ao sociólogo não explicar, mas interpretar e compreender o sentido


dessas ações. Segundo Weber (1991), para estabelecer uma ação significativa,
o indivíduo deveria se orientar pelos comportamentos dos outros, exigindo
interação e contato. Caberia ao sociólogo compreender o ponto de vista da ação e
de quem a executou (KALBERG, 2010).

E como Weber pensou a AÇÃO SOCIAL? Primeiro, devemos entender


que seu interesse estava voltado à ação significativa, quer dizer, dotada de
sentido e significado. Ações repetitivas ou não refletidas não eram consideradas
em seus estudos. A ação de uma pessoa se organiza em relação social, isto é, em
sociedade e associação. Para Raymond Aron (2008, p. 803), “[...] há uma relação
social quando o sentido de cada ator, de um grupo de atores que age, se relaciona
com a atividade do outro, de modo que suas ações são mutuamente orientadas"
(ARON, 2008, p. 803).

Mas, para Max Weber, a ação social significava uma “ação que, quanto ao
sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao comportamento de outros,
orientando-se por este em seu curso” (WEBER, 1991, p. 3).

83
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

DICAS

A ação social se orienta pelas ações dos outros, passadas, presentes ou futuras.
Esses ‘outros’ podem ser pessoas, grupos, associações conhecidos ou desconhecidos. A
ação só é social quando ela está orientada em razão da expectativa das reações dos outros
envolvidos numa relação social (WEBER, 1991).

Na sua análise sobre a ação social dotada de significado, Max Weber estruturou quatro tipos
de ações, que procuram indicar e exemplificar:

Típología das ações socíaís


Ação racional com relação valores: Esta associada à
fidelidade aos valores individuais (ético/religioso),aos
princípios do indivíduo.

Ação emacíonal/afetíva: é definida por uma reação


emocional ou humor do suj eito.

Açõo Tradícional: aquele estabelecido pela crença nos


hábitos e/ou costumes.

Ação racíonal com relação a fíns: determinada pelo


calculo racional previamente definido;obj etivo.

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/DLAekP>. Acesso em: 11 mar. 2018.

Vamos a alguns exemplos das ações sociais weberianas.

Relaxar aos Domingos A utilização de


Ação Tradicional
talheres

Comemorar a vitória de um time Mãe


Ação Afetiva
maltrata seu filho ao corrigi-lo

Ação Racional com Ir a Igreja A escolha de um partido


Relação a valores político

Ação Racional com Transações econômicas Buscar uma


Relação a Fins aprovação em um concurso

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/t4wS8g>. Acesso em: 19 fev. 2018.

Weber tinha o interesse em desenvolver técnicas e recursos que pudessem


fazer a sociologia progredir como ciência. Para isso, Weber desenvolveu uma
série de conceitos – tipos ideais – que orientaram a sua reflexão (FREUND, 2003;
ARON, 2008).

Mas, o que é um tipo ideal?

84
TÓPICO 1 | PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS: DURKHEIM, MARX E WEBER

O TIPO IDEAL pode ser entendido como recurso empregado ao longo


da investigação visando auxiliar o sociólogo na construção de hipóteses. São
construções teóricas ou hipóteses explicativas que destacam certos aspectos de
uma realidade. É um exercício de abstração e de seleção, cuja intenção é procurar e
evidenciar repetições e padrões, singularizando-o e procurando conexões e causas.
Ele se refere, então, a um modelo formulado pelo investigador (WEBER, 1991).

DICAS

São exemplos de tipos ideais o partido político, a dominação ou o capitalismo.


Tomando a educação como exemplo, entendemos, de uma maneira geral, o que ela seja
no Brasil ou na China. Tanto lá como aqui, ela possui certos traços destacados. Mas, como
um tipo ideal não é um conceito geral, Weber recomendaria traçar o tipo brasileiro e chinês
de educação. Assim, o tipo ideal auxilia a traçar comparações, indicar características mais
próprias de algo em estudo.

FONTE: Weber (1991)

A partir deste recurso, Weber construiu uma série de tipos ideais voltados
a sua compreensão sociológica. Essa intenção tinha um forte empenho em
compreender o mundo moderno. Um deles e muito relevante é o de dominação.
Segundo Weber (1991), as pessoas vinculam-se a relações de autoridade e
subordinação que nem sempre são fisicamente violentas. Elas são legitimadas
pela obediência que é construída a partir das relações de poder. Weber formulou
três tipos de dominação.

FIGURA 4 - TRÊS TIPOS DE DOMINAÇÃO EM WEBER

Dominação Carismática Dominação Tradicional Dominação Legal


Tipos puros: profeta, Tipo puro: dominação Tipo puro: burocracia
herói guerreiro, grande patriarcal
demagogo Tipo superior: profissional
Vínculo entre domina-
Vínculo entre dominador dor e dominado: fideli- Vínculo entre dominador
e dominado: devoção afe- dade e dominado: disciplina
tiva (irracionalidade) (racionalidade)
Estrutura puramente
Dependência do senhor patriarcal: sultanato, Dominação não apenas
em relação ao seu qua- despotismos / súditos burocrática, apesar de
dro administrativo predominar a burocracia
Estrutura estamental:
império da honra

85
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Caráter unipessoal, mas Dominação patriarcal: Há burocracias eletivas e


torna-se cotidiana quan- chefe da parentela / fun- corporações colegiadas
do converte-se para d. cionário doméstico
tradicional; o quadro ad-
ministrativo passa a legal
ou estamental; ocorre a
sucessão
FONTE: Disponível em: <http://slideplayer.com.br/slide/3127718/11/images/6/Max+Weber+e+os+tr%-
C3%AAs+tipos+puros+de+domina%C3%A7%C3%A3o+leg%C3%ADtima.jpg>. Acesso em: 22 mar. 2018.

Dissemos que Weber orientava seu olhar sociológico para a compreensão


dos fenômenos individuais e coletivos da sociedade moderna. Em sua obra, a
racionalização apareceu como uma marca das sociedades ocidentais modernas,
que impulsionaram a imagem de uma ciência e técnica cujo foco era a previsão
e o controle (WEBER, 1991). Segundo Julien Freund, a racionalização foi
concebida como:

[...] resultado da especialização científica e da diferenciação técnica.


Consiste na organização da vida, por divisão e coordenação de
diversas atividades com base em um estudo preciso das relações entre
os homens, com seus instrumentos e meios, com vistas à maior eficácia
e rendimento" (FREUND, 2003, p. 19).

Como consequência da difusão da ideia de racionalização, Weber (1991)


indicou o fenômeno do "desencantamento do mundo", resultando na perda de
sentidos e de explicações místicas, religiosas ou mágicas do mundo. A ideia de
desencantamento e “desmagificação” do mundo pela ciência e as engrenagens da
racionalidade dão um tom negativo às análises weberianas da época moderna.
Do ponto de vista identitário, as implicações foram muitas. A modernidade está
ligada ao que se conhece por “desencantamento” (desmagificação) do mundo,
isto é, quando “os valores do mundo foram racionalizados e sublimados em
termos de suas próprias leis” (WEBER, 1982, p. 274).

Significa principalmente, portanto, que não há forças misteriosas


incalculáveis, mas que podemos, em princípio, dominar todas as
coisas pelo cálculo. Isto significa que o mundo foi desencantado. Já não
precisamos recorrer aos meios mágicos para dominar ou implorar aos
espíritos, como fazia o selvagem, para quem esses poderes misteriosos
existiam. Os meios técnicos e os cálculos realizam o serviço (WEBER,
1982, p. 165).

Neste mundo racionalizante, o sagrado, ou excepcional, desapareceu,


expulso pelos homens. Neste mundo material, desencantado, a religião tem de
se retirar para a intimidade da consciência, ou escapar para além de um deus
transcendente e um destino individual depois da existência terrena (ARON, 2008).

Outra face da racionalização foi a burocratização das sociedades ocidentais.


A burocracia se situa ao nível da dominação racional-legal, comum às nossas

86
TÓPICO 1 | PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS: DURKHEIM, MARX E WEBER

sociedades modernas. A burocracia moderna é um tipo de dominação, mas não é


total, já que os cargos mais elevados são sempre políticos, não burocráticos.

A dominação burocrática significa socialmente: (1) a tendência de


nivelamento através da possibilidade de recrutamento dos mais
qualificados profissionalmente. (2) Tendência à plutocratização
justificando uma formação profissional mais longa (durando o maior
tempo possível — frequentemente até o final da trintena). (3) A
dominação da impessoalidade formalista SINE IRA ET STUDIO, sem
ódio e sem paixão, ou seja, sem “amor”, sem “entusiasmo”, submetida
tão-somente à pressão do dever estrito. Sem consideração das pessoas,
formalismo igual para todos, isto é, para todos os interessados que
se encontrem na mesma situação de fato. Assim conduz sem ofício o
funcionário ideal (WEBER, 1991, p. 179-180).

Agora vejamos como essa sociologia weberiana percebia a educação e


como esta abordagem pode ser útil à sociologia da educação.

4.2 WEBER E A EDUCAÇÃO


Como Max Weber pensava a educação? Dentro dos aspectos de sua
sociologia compreensiva, Weber refletiu em alguns textos e obras sobre a educação
na sociedade moderna. Aqui temos um elemento fundamental para Weber: o
mundo moderno.

Neste autor, indicamos duas entradas possíveis no tema da educação.


Em primeiro lugar, indicamos sua tipologia de educação, conforme seus estudos
sobre a China antiga. Existe um exercício de construção de tipos ideais, por meio
dos quais ele pensou a educação como uma importante dimensão na socialização
dos indivíduos em sociedade.

Da mesma forma, os sistemas de ensino modernos precisavam preparar


indivíduos para assumir funções no Estado e no comando da burocracia.

A Educação sistemática, na análise de Weber, tornou-se um “conjunto”


de conteúdos e regras direcionadas para a qualificação de pessoas
que demonstrassem reais possibilidades de gerenciar o Estado, as
empresas e a política, de maneira “racional”. A Educação, segundo
o modelo ideal weberiano, é socialmente conduzida a três tipos de
finalidades:
1. Despertar o carisma (não estabelece exatamente uma pedagogia, pelo
fato de não se destinar a pessoas simples, mas tão somente àquelas com
capacidade de demonstrar qualidades excepcionais: características
dos heróis guerreiros da antiguidade e do mundo medieval, que eram
educados para adquirir uma “nova alma”, renascer);
2. Preparar o aluno para uma conduta de vida (Weber chama de
pedagogia do cultivo, pois propõe-se a formar o homem culto, cujo
ideal de cultura seja condicionado ao meio social para o qual está
sendo preparado, implicando sua preparação para algumas formas de
comportamento);

87
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

3. Transmitir conhecimento especializado (pedagogia do treinamento:


que ocorre com a racionalização da vida social, o aumento do
processo de burocratização do aparelho estatal, dominação política
e do corporativismo capitalista privado. Neste processo, a educação
deixa gradualmente de ter como objetivo a formação do homem
para o exercício da cidadania no contexto social, mas para formar o
especialista funcional que o capital precisa) (WEBER, 1982, p. 482).

Weber entende a educação como um conceito amplo; em suas obras,


encontramos considerações sobre a educação religiosa, a educação familiar,
a educação filosófica, a educação carismática, a educação literária, a educação
política e a educação especializada. Dentro desse sentido, a educação se tornou
um espaço de estratificação social, onde a racionalização e a burocratização
alteraram radicalmente o modo de educar e o status que é o reconhecimento e
o acesso a bens materiais por parte dos indivíduos que se submetem à educação
(RODRIGUES, 2001).

Por esse caminho, em Weber (2004), a educação é um recurso que promove


a seleção social e possui fins diferentes de acordo com a forma de dominação
existente numa referida sociedade. Vale ressaltar que a dominação ocorre em
diferentes instituições, inclusive na escola. O que nos leva a outra entrada possível
numa Sociologia da Educação com base em Weber. Ou, como disse o autor:
“Naturalmente, essas certidões ou diplomas fortalecem o 'elemento estamental'
na posição do funcionário” (WEBER, 1982, p. 233).

Os diplomas, certificados e títulos tornam-se recursos de poder, voltados a

[...] as pretensões de serem admitidas em círculos que seguem


“códigos de honra”, pretensões de remuneração “respeitável” ao invés
da remuneração pelo trabalho realizado, pretensões de progresso
garantido e pensões na velhice e, acima de tudo, pretensões de
monopolizar cargos social e economicamente vantajosos (WEBER,
1982, p. 172).

A escola pode ser vista como uma organização burocrática. Numa


organização desse tipo, as rotinas, os manuais, as leis, os estatutos e as técnicas
legitimam e dão base para a ação dos funcionários. Estes são escolhidos a partir
de critérios que são definidos em concursos e formas controladas de acesso.
Da mesma maneira, a organização burocrática possibilitava a sintonização dos
diversos setores, agilizando os trabalhos.

Em segundo lugar, a conexão íntima entre sua visão e análise do mundo


moderno e dos seus eixos determinantes de ação, como a racionalização. A Escola
Moderna deu origem ao tipo de educação sistemática, voltada não apenas a
socializar e integrar os indivíduos, mas prepará-los para exercer essa racionalidade
em suas possibilidades presentes e futuras no interior do capitalismo. Portanto, a
educação moderna tratava de potencializar não um indivíduo abstrato, mas um
tipo específico, racional e capitalista, voltado à crescente racionalização e divisão
social do trabalho.

88
TÓPICO 1 | PRIMEIRA GERAÇÃO DE SOCIÓLOGOS: DURKHEIM, MARX E WEBER

Aqui voltamos com a discussão sobre o desencantamento do mundo, essa


tese weberiana importante de sua sociologia. A ciência ocidental moderna teve
como principal consequência o “desencantamento do mundo” (WEBER, 2002, p.
97). O que isso significa? Que o mundo tornou as explicações racionais, lógicas,
possíveis de verificação e demonstração, dando pouco lugar para as explicações
místicas, sobrenaturais, religiosas. Da mesma forma, o Estado moderno seria um
agrupamento de dominação que apresenta caráter institucional e que procurou
monopolizar, nos limites de domínio e que, tendo esse objetivo, reuniu nas mãos
dos dirigentes os meios materiais de gestão (p. 62). Por este motivo é que Weber
entende que o Estado moderno é todo fundamentado no modelo racional.

Por esse caminho, a Sociologia de Weber nos permite entender a


presença da especialização no cenário de nossa vida atual. A educação moderna,
sistemática, é voltada a treinar os estudantes a realizar tarefas consideradas úteis às
instituições públicas e privadas, repassando conhecimento especializado, parcial,
fragmentado. Tratava-se, portanto, de um treinamento racional e especializado,
reforçando outras dimensões racionalizadas da sociedade e atuando como
formadora de estratificação social. O capitalismo moderno educaria e criaria para
si mesmo os sujeitos econômicos de que necessita (WEBER, 2004). No caminho
inverso, diminuíram os espaços de ação de indivíduos ou grupos e instituições no
sentido da educação como formação humana mais geral.

89
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico você estudou que:

• O Tópico 1 tratou da relação entre a sociologia e a educação na perspectiva dos


sociólogos da primeira geração, também conhecidos como clássicos, dando
ênfase a Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber.

• Foram sociólogos que viveram e escreveram ao longo do século XIX, tendo


vivido as fortes mudanças sociais provocadas pela Revolução Francesa e
Revolução Industrial, pelo capitalismo e o crescimento da urbanização.
Ao mesmo tempo, assistiam ao declínio da tradição e a emergência da
Modernidade.

• Émile Durkheim foi o sociólogo da primeira geração que mais diretamente


tratou do tema da educação. Ele a percebia como um fato social e uma
instituição social central para a socialização e integração das novas gerações e
da difusão da moral social. Ele defendia uma escola pública e laica.

• Karl Marx não tratou diretamente da educação, mas em diversos textos discutiu
o seu papel numa sociedade capitalista, a partir do seu método materialista-
histórico e da dialética. Para Marx, a educação burguesa não estava voltada
à ampliação da capacidade humana. Ele defendia a escola pública, laica e
articulada com o trabalho.

• Max Weber indicou interessantes caminhos para pensar a relação entre


sociologia e educação. Através de seu método compreensivo, ele indicou que
a educação na Modernidade era uma tarefa especializada, burocratizada e
refletia os valores das classes dominantes.

90
AUTOATIVIDADE

1 Karl Marx não tratou diretamente da educação. Mas, em diversos textos,


discutiu o seu papel numa sociedade capitalista, a partir do seu método
materialista-histórico e da dialética. Para Marx, a educação burguesa não
estava voltada à ampliação da capacidade humana. Ele defendia a escola
pública, laica e articulada com o trabalho. Um conceito importante da reflexão
de Marx é sobre a educação num perfil omnilateral. A respeito da educação
omnilateral, analise as afirmativas a seguir, indicando a alternativa CORRETA:

a) ( ) A educação omnilateral indica a escola como uma organização


burocrática, organizando as rotinas, as leis, os estatutos e as técnicas
que legitimam e dão base para a ação dos funcionários.
b) ( ) A educação omnilateral tem um sentido multilateral e integral,
estando voltada ao estímulo da personalidade de forma a tornar o ser
humano capaz de produzir e fruir ciência, arte, técnica.
c) ( ) A educação omnilateral significa que educação é uma “ação
deliberada” de uma geração mais velha e socialmente preparada
sobre uma geração mais jovem, fornecendo os elementos morais para
a vida em sociedade.
d) ( ) A educação omnilateral indica o peso da ideologia na escola,
percebendo-a como um aparelho ideológico que exerce influência nas
formas de pensar e agir dos indivíduos, sejam alunos ou profissionais.

2 Émile Durkheim foi o sociólogo da primeira geração que mais diretamente


tratou do tema da educação. Ele a percebia como um fato social e uma
instituição social central para a integração das novas gerações e da difusão da
moral social. A respeito de como Durkheim percebia a educação, analise as
afirmativas a seguir, indicando a alternativa CORRETA:

a) ( ) A educação moderna tratava de potencializar não um indivíduo


abstrato, mas um tipo específico, racional e capitalista, voltado à
crescente racionalização e divisão social do trabalho e para assumir
postos na administração.
b) ( ) Educação e a escola repassam os valores dominantes para os seus
operários, que os reproduzem ou não, estando elas a serviço da
reprodução das ideologias burguesas e da sua divisão social do
trabalho.
c) ( ) A educação é uma “ação deliberada” de uma geração mais velha
e socialmente preparada sobre uma geração mais jovem, visando
fornecer a esta os elementos morais e comportamentais necessários
para a vida em sociedade.
d) ( ) Educação é a principal força de desenvolvimento no que se refere ao
capital humano e capital social, aparecendo como o mais importante
investimento público no sentido de estimular a eficiência e a coesão
social.

91
3 Max Weber é um dos sociólogos pioneiros. Sua reflexão sobre o papel da
educação nas sociedades modernas acompanha a produção sociológica
weberiana que enfatizava os aspectos racionalizantes do mundo moderno.
A respeito da educação moderna no cenário de racionalização proposto por
Weber, analise as afirmativas a seguir, indicando a alternativa CORRETA:

a) ( ) A educação moderna reproduz as contradições da sociedade em geral,


favorecendo o desempenho escolar de certos alunos familiarizados
com os conteúdos e códigos escolares, cultivados por famílias
previamente socializadas nesses valores.
b) ( ) A educação moderna é sistemática, sendo voltada a treinar os
estudantes a realizar tarefas consideradas úteis às instituições
públicas e privadas, repassando conhecimento especializado, parcial,
fragmentado.
c) ( ) A educação moderna, por meio de seus sistemas de ensino e das
escolas, está voltada apenas às necessidades da divisão social do
trabalho e da geração de mais-valia, ampliando o capitalismo.
d) ( ) A educação moderna consiste num esforço contínuo e sem pausas
para impor às crianças e jovens as maneiras de ver, de sentir e de agir
às quais elas não chegariam espontaneamente.

92
UNIDADE 2 TÓPICO 2
GERAÇÃO DA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX:
MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESCOLA DE
FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER

1 INTRODUÇÃO
De uma maneira intermediária, focamos numa geração de sociólogos que
nascem no século XIX, mas que se lançaram ao estudo das sociedades ao longo da
primeira parte do século XX. Chamamos esses sociólogos de geração da primeira
metade do século XX.

O contexto histórico envolvendo o grupo de pensadores que integram


a chamada geração da primeira metade do século XX é marcado por intensas
tensões sociais decorrentes da Primeira e da Segunda Guerra Mundial. Na obra
de Hobsbawn sobre o século XX (A era dos extremos), esse período foi descrito
como a era da catástrofe que combinou a calamidade imposta pelas guerras que
envolveram as grandes potências mundiais e, consequentemente, abalaram as
estruturas do que se entendia até então como civilização; da ascensão econômica
dos EUA, da Revolução Russa; da crise de 1929 e uma nova configuração das
grandes forças mundiais (HOBSBAWN,1995).

Consideramos, então, estudos desenvolvidos e fortemente influenciados


por esse cenário social para apresentar a seleção de contribuições para a sociologia
da educação, que você acompanhará a seguir. Lembramos que nossa ambição
aqui não é esgotar as teorias sociais do período ou descrever com profundidade
os estudos desenvolvidos, mas sim apresentar a você, prezado acadêmico,
contribuições para a sociologia da educação a partir da teoria social da primeira
metade do século XX.

2 KARL MANNHEIM: PLANEJAMENTO E TÉCNICA SOCIAL


Inicialmente é importante lembrar que assim como outros sociólogos que
se dedicaram à compreensão das relações entre educação e sociedade, Mannheim
reconhece as influências exercidas pela sociedade na escola e, também, as
influências da escola para a sociedade.

A sociologia de Karl Mannheim (1893-1947), inspirada na teoria de


Weber, tem como foco uma proposta de intervenção através de um planejamento
racional:

93
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Para que essa intervenção racional possa ocorrer, Mannheim defende


a ideia de que haja nas sociedades modernas um planejamento
democrático que possibilite a coordenação racional de diferentes
técnicas sociais, como a educação, a administração, a propaganda etc.
(PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 44).

Nesse sentido, a educação é considerada pelo autor como uma técnica social
que deverá ser utilizada na elaboração racional do planejamento democrático.
Através da educação, assim como da administração e da propaganda, será
possível intervir nas sociedades modernas.

NOTA

A teoria de Mannheim sobre a educação foi apresentada na Unidade 1. Aproveite


esse momento para relembrar seus estudos.

Então, o que seriam as técnicas sociais? Na concepção de Mannheim, as


técnicas sociais são meios para exercer um controle social adequado e métodos para
influenciar o comportamento do indivíduo, visando à integração do indivíduo aos
padrões de interação e organização sociais (PILETTI; PRAXEDES, 2010).

Seguindo pela compreensão da educação como técnica social, “[...] a


educação é caracterizada por ele como uma possibilidade de desenvolvimento
e construção do equilíbrio social, em que, contudo, seja transformada em uma
técnica de manipulação dos grupos sociais” (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 44).

Mannheim preocupava-se com as mudanças e transformações das escolas


para adaptação aos padrões das sociedades modernas e com o planejamento
dos processos de socialização das novas gerações para adequação à sociedade
planificada. E afirmava que a função da escola em uma nova sociedade é
fundamental devido à diminuição do protagonismo da família e da comunidade
nos processos de educação (PILETTI; PRAXEDES, 2010).

Na concepção de Mannheim é necessário não somente explicar o que é a


educação, mas também o que a educação pretende ser.
A definição do que é educação envolve a análise de técnicas, e a
definição de suas metas refere-se a uma determinação de valores que
ajuda a decidir, entre outras coisas, quais métodos devem ser usados.
Dessa maneira, ao mencionar a diferença entre uma discussão de
métodos educacionais e metas educacionais, desejo também acentuar
as relações recíprocas entre ambos (MANNHEIM; STEWART, 1972,
p. 30-31).

94
TÓPICO 2 | GERAÇÃO DA PRI. MET. DO SÉC. XX: MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESC. FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER

Ao elaborar a distinção e as relações entre métodos e metas, Mannheim


descreve desafios nas escolhas e decisões tomadas por professores no que
diz respeito à influência da educação no indivíduo, aos limites de atuação do
professor e ao significado da educação.
Quando dizemos que tencionamos ensinar um conjunto de ideias a
crianças, enfrentamos imediatamente o problema de ordenar essas
ideias com alguma precisão e as nossas razões para apresentá-las.
Em segundo lugar, defrontamos também com o problema da escolha
dos meios pelos quais apresentaremos as ideias. E, em terceiro lugar,
cumpre-nos considerar qual o efeito que podem ter, tanto o método de
apresentar ideias quanto as próprias ideias. Significará o educar uma
inculcação ou doutrinação firme e definitiva ou envolverá apenas uma
orientação? Talvez seja uma coisa ou outra em diferentes ocasiões.
Temos em mente a forma desejada na qual esperamos que cresça o
organismo, ou damos destaque ao próprio crescimento, seja qual for
o caminho escolhido pelo aluno dentro dos limites da sociedade?
(MANNHEIM; STEWART, 1972, p. 31).

Agora que sabemos a função atribuída para a escola em uma nova


sociedade e os questionamentos levantados por ele a respeito dos métodos e
metas, podemos nos questionar sobre a função que o sociólogo atribui para a
escola na sociedade moderna. Pois bem, podemos identificar três funções para
a escola: transmissão de informações, formação dos sujeitos e formação para o
mercado de trabalho.

A TRANSMISSÃO DE INFORMAÇÕES diz respeito à seleção e


compartilhamento de conteúdos culturais e técnicos compartilhados com as
novas gerações para possibilitar sua adequação à ordem social. A FORMAÇÃO
DE SUJEITOS decorre da necessidade de formar indivíduos com valores e
atitudes que incentivem a busca por conhecimento para a vida em sociedade. E a
FORMAÇÃO PARA O MERCADO DE TRABALHO representa a necessidade
de desenvolver comportamentos e adquirir conhecimentos que permitam a
inserção no mercado de trabalho (PILETTI; PRAXEDES, 2010).

E a sociologia? Quais contribuições a teoria social pode oferecer para a


compreensão dos processos educativos? Para Mannheim (1976), a sociologia na
busca pela compreensão da sociedade moderna elabora reflexões que auxiliam
a problematização das influências sociais exercidas sobre os sujeitos através das
instituições.

[...] A Sociologia também está ligada ao estudo da educação porque


trata do funcionamento da sociedade em particular. É importantíssimo
reconhecer esse tipo de influência que uma sociedade exerce sobre
seus membros através de suas instituições e situações que elas criam.
(MANNHEIM; STEWART, 1972, p. 30-31).

Para além de uma visão restrita da educação no espaço escolar e no


contexto da sala de aula, Mannheim destaca o caráter social da educação.

95
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

A educação, tal e qual ocorre nas escolas e outras instituições, é


sobretudo um assunto social. É um processo dinâmico, baseado
na plasticidade da natureza humana e que colima a seleção de
experiências sociais e pessoais para apresentação concentrada.
Quando nos referimos ao estudo da educação tendemos a pensar
que ele deveria ocupar-se apenas das técnicas da sala de aula, mas
não é assim. A sala de aula e os assuntos nela ensinados são, é claro,
vitalmente importantes, mas além disso, também nos interessa a
aprendizagem, tal como a compreende cada um de nós, e todas as
influências educacionais que participam da formação dos meios a que
cada pessoa reage (MANNHEIM; STEWART, 1972, p. 31).

Em outras palavras, é essencial a dedicação em compreender fenômenos,


relações e hierarquias estabelecidos no espaço da escola, contudo não podemos
considerá-la como um espaço fechado dos métodos e das técnicas. É fundamental
dedicar ao percurso educativo e à forma como os indivíduos se transformam
nesse processo.

É fundamental dedicar ao percurso educativo e à forma como os indivíduos


se transformam nesse processo.

NOTA

Para Mannheim (1976), a filosofia, a psicologia e a sociologia apresentam


contribuições essenciais para a compreensão da educação, pois a educação molda o
indivíduo tanto para se adequar à sociedade, quanto para a construção da autonomia.

De maneira geral, destacamos as contribuições de Mannheim no sentido


do desenvolvimento de um planejamento racional capaz de promover um
processo de democratização. A educação é entendida como técnica social com
capacidade de conduzir a sociedade para o equilíbrio. Nesse sentido, a função
da escola se concentra na formação dos indivíduos através da transmissão de
informações.

2.1 TALCOTT PARSONS: AÇÃO E SISTEMA SOCIAL


As contribuições da teoria funcionalista para a sociologia da educação
podem ser consideradas como representantes das análises que fazem uso da
noção de sistema social. Compreendendo a sociedade como um conjunto de
elementos interdependentes que formam uma estrutura complexa.

96
TÓPICO 2 | GERAÇÃO DA PRI. MET. DO SÉC. XX: MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESC. FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER

NOTA

A teoria de Parsons sobre a educação foi apresentada na Unidade 1. Aproveite


esse momento para relembrar seus estudos.

Talcott Parsons (1902-1979) é considerado o principal representante


do funcionalismo. O sociólogo ficou conhecido por afirmar que as estruturas
sociais são formadas pelos sistemas: cultural, social, personalidade e organismo
e por diferenciar as sociedades tradicionais e modernas através de um processo
contínuo e gradual de mudança (GOMES, 1983).

NOTA

Funcionalismo
Parsons considera que as sociedades estão estruturadas com base em quatro sistemas: o
cultural, o social, o da personalidade e o do organismo, este nos aspectos que se relacionam
ao comportamento (PARSONS, 1951). O sistema cultural tem como unidade básica de
análise o significado. A ação humana não é possível sem sistemas simbólicos relativamente
estáveis, ou seja, sem valores compartilhados que, entre outras coisas, definem o que é
bom e mau, certo e errado, inferior e superior etc. Tais valores são internalizados através da
socialização, ou seja, do processo pelo qual as pessoas se preparam para exercer papéis na
sociedade e se integram à vida social (LEVY, 1965). Desta forma, a socialização – que inclui
em seu bojo a educação formal – é uma poderosa força integrativa da sociedade.

O sistema social, por sua vez, inclui uma pluralidade de indivíduos que interagem entre si.
Como tais indivíduos desempenham papéis sociais, eles são chamados atores. Os atores
atuam num "palco", ou seja, num ambiente, que delimita a situação onde a interação
ocorre. A relação dos atores com as situações é definida e mediatizada pelos símbolos
compartilhados do sistema cultural. Os atores são motivados por uma tendência a otimizar
as gratificações que recebem. Por exemplo, as pessoas numa festa desempenham papéis
sociais, agem de acordo com determinados valores e se comunicam através de símbolos
que têm significados comuns. O "palco" pode ser um clube. No entanto, o sistema social
pode incluir, como atores, grupos e não só indivíduos, a exemplo dos países membros da
Organização das Nações Unidas.

Já o sistema de personalidade tem no ator individual sua unidade básica. Os indivíduos
têm suas próprias necessidades, atitudes e motivações, como a motivação no sentido de
maximizar suas gratificações.

Por fim, o organismo, em seus aspectos que se relacionam ao comportamento, inclui o


organismo biológico propriamente dito (que permite a interação social) e o meio físico em
que o organismo vive.

FONTE: GOMES, Candido A. C. Enfoques teóricos da sociologia da educação. Disponível


em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/fe/article/viewFile/60672/58911>. Acesso
em: 9 mar. 2018.

97
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

É importante considerar que parte significativa dos estudos do funcionalismo


se dedicou às questões relativas à educação. Afinal, “o funcionalismo enfatiza a
integração social e a educação é um dos sistemas integradores responsáveis pela
socialização” (GOMES, 1983, p. 17).

E
IMPORTANT

Para compreendermos as análises de Parsons é importante relembrar os


conceitos de ação social e sistema social presentes em sua teoria:

A ação consiste em estruturas e processos através dos quais os seres humanos formam
intenções significativas e, com maior ou menor êxito, as executam em situações concretas.
A palavra “significativa” supõe o nível simbólico ou cultural de representação e referência.
Consideradas em conjunto, as intenções e a implementação implicam uma disposição do
sistema de ação – individual e coletivo – para modificar sua relação com sua situação e
ambiente numa direção desejada.

O ponto de partida fundamental é conceito de sistemas sociais de ação [...] A interação


de atores individuais ocorre sob tais condições que é possível tratar desse processo de
interação como um sistema, no sentido científico, e submetê-lo à mesma ordem de análise
teórica que, com êxito, é aplicada aos outros tipos de sistema em outras ciências.

FONTE: CASTRO, Ana Maria de; DIAS, Edmundo Fernandes de. Introdução ao pensamento
sociológico: Durkheim, Weber, Marx e Parsons. 18. ed. São Paulo: Centauro, 2005.

O entendimento da socialização como processo de aprendizagem está


presente na obra do sociólogo:

A aprendizagem dos padrões de comportamento característico


da cultura adulta requer novos tipos de generalização, incluindo
símbolos tirados de situações particulares e que se referem à classes de
objetos por meio da linguagem [...] Para aprender tais generalizações,
devem ser substituídas as fixações particulares, essenciais nas etapas
iniciais do desenvolvimento. [...] concorda-se em considerar que o
desenvolvimento da identificação com os objetos dos adultos seja um
mecanismo essencial no processo de socialização (PARSONS apud
CASTRO; DIAS, 2005, p. 228).

Logo, o processo de socialização através do compartilhamento de novas


generalizações para substituir as generalizações particulares permite adequar o
indivíduo para convivência no mundo adulto. É fundamental para a socialização
esse processo de identificação com as referências que fazem sentido para os adultos.

Como se dá a apropriação das novas generalizações? “Para o presente


propósito, a característica mais significativa da identificação consiste em que
a criança aceite os valores do adulto nos contextos apropriados, isto é, o que o
adulto quer para a criança, esta chega a querer para si mesma” (PARSONS apud
CASTRO; DIAS, 2005, p. 228).
98
TÓPICO 2 | GERAÇÃO DA PRI. MET. DO SÉC. XX: MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESC. FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER

Considerando a relevância do processo de socialização para o sistema


social, Parsons nos mostra, ao elaborar a teoria funcionalista da estratificação
social, que a sala de aula é um espaço no qual são moldadas as personalidades no
âmbito técnico e motivacional para cumprirem seu papel na sociedade.
A sala de aula desenvolve nos indivíduos cometimento à implementação
dos valores sociais e ao desempenho de tipos específicos de papéis na
estrutura social. Desenvolve também a competência ou as habilidades
necessárias aos papéis individuais. Além disso, a sala de aula
institucionaliza uma progressiva diferenciação de status em bases não
biológicas, ou seja, fundamentada no aproveitamento dos alunos. Em
consequência, a sala de aula deve ser considerada como uma agência
de alocação de mão de obra (GOMES, 1983, p. 18).

Essa visão corresponde à crença na educação como propulsora de uma


sociedade democrática baseada na meritocracia e na competência técnica. A
realização é o elemento-chave nessa sociedade: o status é conferido pela realização
e não por atributos. A sociedade teria uma base justa considerando a seleção dos
mais capazes. Os papéis sociais se tornam complexos e as habilidades devem ser
desenvolvidas através da educação formal. Dessa forma, “os mais motivados e
preparados preencherão as posições mais altas” (GOMES, 1983, p. 18).

Nesse sentido, temos a função da socialização, que “pode ser resumida


como o desenvolvimento dos comprometimentos e capacidades do indivíduo,
que são pré-requisitos fundamentais de seu futuro desempenho de papéis”
(PARSONS apud CASTRO; DIAS, 2005, p. 228).

Enfatizamos aqui a contribuição de Parsons para uma análise funcionalista


da sociedade compreendendo a educação como parte do sistema social responsável
pela socialização. Cabe à educação moldar os sujeitos para se adequarem aos
padrões sociais (técnicos e morais) no contexto de um processo de seleção social
baseado na meritocracia.

2.2 NORBERT ELIAS: CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA


PROCESSUAL PARA A EDUCAÇÃO
A sociologia de Norbert Elias (1897-1990), conhecida como sociologia
processual, nos permite desenvolver um olhar sociológico sobre os processos
civilizatórios. Ao analisar o desenvolvimento desse processo, buscou a superação
da polaridade entre indivíduo e sociedade presente nas abordagens clássicas.
Como Elias analisou a sociedade sem fazer uso da polarização indivíduo e
sociedade? Através da compreensão dos aspectos dinâmicos das relações sociais.
Dedicou-se ao estudo de temas variados pela perspectiva do conjunto das relações
sociais e da interdependência dessas relações.

Para realizar tal tarefa ele fez uso de dois conceitos pelos quais ficou
conhecido: configuração ou figuração e habitus. Esses conceitos permitiram
ao autor demonstrar que há uma determinação social, porém também existem

99
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

relações de interdependência que formam configurações sociais. Nem todas as


nossas ações são propositais, ao tempo que o habitus representa a formação de
padrões repetidos e esperados dos indivíduos (NERY, 2013).

E
IMPORTANT

A compreensão do conceito de figuração utilizado por Elias é fundamental


para nos apropriarmos de suas análises. Nas palavras de Ribeiro (2010, p. 165): [...] as
figurações são redes de interdependência humanas moldadas por formas estruturais
específicas, porém flexíveis e sujeitas a constantes transformações. Podemos considerar,
por exemplo, escolas, exércitos, famílias, nações como figurações sociais específicas. Essas
redes de interdependência são constituídas pelos indivíduos que se ligam, voluntária e
involuntariamente, por meio de suas inclinações e necessidades. Um argumento básico,
porém eficaz, é que as pessoas precisam viver em sociedade para sobreviver, tanto
individualmente, como em grupo.

Você já deve se perguntar: Elias se dedicou à temática da educação?


Como posso fazer uso dessa abordagem para compreender a educação? Pois
bem, vamos lá! Elias não desenvolveu uma teoria específica sobre a educação,
muitos manuais de Sociologia da Educação não costumam apresentar o autor e
suas obras como contribuições nesse campo. Contudo, estudiosos da educação
identificaram contribuições significativas da sociologia processual de Elias para
o estudo do campo.

Nas palavras de Nery (2013, p. 134):

A sociologia processual de Elias possibilita a realização de uma


análise de caráter psicossociológico, que será sempre necessária para
que possamos abordar os processos educativos e a própria função
social da educação no contexto das sociedades contemporâneas.
A abrangência de sua abordagem sociológica pode nos permitir
compreender a escola, ou a instituição escolar, como estrutura que
abriga personalidades individuais e, como estas estão em relação de
interdependência, é possível compreender também a formação de uma
segunda natureza que pode estar a influenciar maneiras de pensar, de
sentir, de agir e padrões comportamentais em processos interativos,
como é o processo educacional.

Vamos destacar alguns pontos importantes nesse sentido: primeiramente, a


contribuição de Elias no propósito de olhar a educação como processo e sua função na
medida em que vê a relação entre personalidade e estrutura social. Os esforços para
entender as relações de interdependência favorecem a compreensão da educação na
complexidade das sociedades atuais. Em segundo lugar, o entendimento da escola
(instituição) enquanto estrutura que comporta a diversidade dos sujeitos. Abre-se
aqui a possibilidade de atentar para a influência da escola no comportamento dos
indivíduos ao conformar saberes, práticas e valores.

100
TÓPICO 2 | GERAÇÃO DA PRI. MET. DO SÉC. XX: MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESC. FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER

Ainda no campo da educação, as formas de apropriação da cultura também


são contempladas pelas análises do processo civilizatório de Elias. A apropriação
da cultura pode ser considerada no sentido dos modos de leitura e na relação dos
indivíduos com os livros. Outro ponto diz respeito à referência dos bens simbólicos
no espaço social e nos processos em que ações de constrangimento fazem parte do
processo de socialização. A noção de civilização faz referência a uma pedagogia
do comportamento para adequação social, aprendemos boas maneiras como
aprendemos gramática e ortografia (LEÃO, 2007).

A compreensão das relações estabelecidas no condicionamento do sujeito


também integram as análises de Elias, contribuindo para reflexões acerca do ser
professor. Nos escritos do sociólogo, os sujeitos representam seus papéis nas
relações sociais influenciados por relações de força, por exemplo, as relações
construídas entre professor, alunos, pais, gestão etc. Dessa forma, para analisar
o que é ser professor devemos considerar essas relações de forças que envolvem
questões políticas, religiosas, educacionais e familiares que exercem influência
sobre a educação (HUNGER et al., 2011).

A teoria elaborada por Elias nos leva a diferentes reflexões quando


direcionamos nosso olhar para a educação. Destacamos aqui a reflexão a respeito
da relação entre personalidade e estrutura, do reconhecimento das diversidades,
das formas de apropriação dos bens culturais no processo civilizatório e também
nas relações de poder no contexto escolar.

2.3 ANTONIO GRAMSCI: HEGEMONIA E EDUCAÇÃO


HUMANÍSTICA
Antonio Gramsci (1891-1937) ficou conhecido por seus posicionamentos
políticos de caráter marxista revolucionário que o levaram a elaborar uma análise
original sobre a educação. Tanto do ponto de vista de uma crítica à educação no
capitalismo, quanto da proposição de uma educação para o socialismo.

Cabe aqui uma breve menção ao contexto histórico no qual Gramsci


desenvolveu sua abordagem, afinal sua obra mais conhecida, Cadernos do
Cárcere, é formada pelo conjunto de anotações produzidas por ele enquanto
preso político do fascismo italiano. Logo, o cenário observado e vivenciado por
ele foi do período entre a Primeira e a Segunda Guerra. Em decorrência de seu
posicionamento político, se dedicou ao projeto de sociedade socialista.

A proposição de uma escola unitária afirma a necessidade de humanizar


os processos educacionais. Defende uma educação humanista voltada para uma
sociedade igualitária e livre.

Considerando a crítica elaborada pelo sociólogo e a proposição de


outra forma de educação, qual seria a função da escola? Segundo ele, a escola é

101
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

responsável pela formação dos indivíduos que desempenham funções intelectuais


na sociedade.

Sobre os intelectuais, afirma que existem dois tipos: os tradicionais e os


orgânicos:

As sociedades modernas capitalistas necessitam na sua época – e as


sociedades socialistas necessitarão no futuro – que sejam formados
trabalhadores intelectuais orgânicos, com competência organizativa
e administrativa, hábeis no emprego das novas tecnologias, e não
mais um trabalhador intelectual tradicional formado em um ensino
retórico, por meio da pedagogia dos jesuítas que valorizava a
aprendizagem do grego e do latim (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 62.
Grifo nosso).

As transformações sociais implicam a necessidade de adaptação do


sistema escolar. Esse fato não é algo novo, pois quando pensamos na escola como
responsável pela socialização ou quando vislumbramos a escola pela perspectiva
da reprodução social, fica evidente que mudanças sociais significam mudanças
na escola.

NOTA

A teoria de Gramsci sobre a educação foi apresentada na Unidade 1. Aproveite


esse momento para relembrar seus estudos.

Prezado acadêmico! Vamos parar um instante para verificar as experiências


escolares que conhecemos? A escola mudou, porém não mudou na mesma
velocidade que a sociedade. Vamos pensar em um exemplo desse processo: os
alunos que estão em fase escolar nesse momento histórico são nativos digitais.
Entretanto, muitos de seus professores não tiveram contato com tecnologias
como computadores, internet e smartphones durante a maior parte de suas vidas.
Muitos até hoje não incorporaram essas tecnologias a suas rotinas de trabalho.

Não estamos aqui fazendo a defesa ou condenando o uso das tecnologias


em sala aula, estamos mostrando um exemplo do descompasso entre a escola e
a sociedade. E, também, dos reflexos da desigualdade social nas escolas. Parte
significativa dos estudantes brasileiros passa o tempo fora de escola interagindo
com recursos tecnológicos bem diferentes e avançados em relação àqueles
encontrados em seus ambientes escolares. Outra parte, por sua vez, mesmo
fazendo parte de uma geração de nativos digitais, não tem acesso às tecnologias.

Em outras palavras, a escola não tem sido capaz de desenvolver


competências e habilidades que permitam ao sujeito a inserção competitiva
no mercado de trabalho e, muitas vezes, sequer proporciona aos seus alunos o
102
TÓPICO 2 | GERAÇÃO DA PRI. MET. DO SÉC. XX: MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESC. FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER

acesso às tecnologias. Como nos mostra Gramsci, é preciso formar intelectuais


orgânicos, sujeitos capazes de se adequar à organização social e transformar a
sociedade.

Nesse contexto, Gramsci comenta sobre o processo de especialização dos


indivíduos que ocorre na escola:

Nas sociedades modernas, a organização escolar é responsável pelo


aprofundamento e pela ampliação da “intelectualidade de cada
indivíduo”, multiplicando e aperfeiçoando as funções intelectuais
e direcionando-as para algum tipo de especialização. É por meio da
escola que se formam os intelectuais que irão realizar atividades mais
complexas, e isso pode ser atestado pelo grau de especialização das
várias escolas, bem como por sua hierarquização. Segundo Gramsci,
a complexidade da vida cultural e civilizatória de uma sociedade
é representada pela diversificação das instituições escolares nela
existentes (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 63).

A especialização das atividades, fundamental para a organização da


sociedade moderna, é moldada na escola. Ao receber a educação escolar, o
indivíduo passa a desenvolver múltiplas atividades voltadas para o desempenho
de uma função especializada na sociedade. A necessidade de tornar complexa a
formação dos indivíduos para corresponderem às expectativas sociais levou à
ampliação da especialidade e da hierarquia na escola.

Ainda a respeito da especialização, ela representa uma expressão da


diversidade cultural e civilizatória das sociedades. Quanto maior for o grau de
complexidade de uma sociedade, maior será a diversificação das instituições
escolares.

Ao analisar as escolas de seu tempo, Gramsci percebeu uma crise na


educação, pois as escolas técnicas possuíam maior prestígio em relação às escolas
voltadas para uma formação ampla de seus alunos. O questionamento de Gramsci
expõe o seguinte paradoxo: nas sociedades industriais avançadas as escolas estão
voltadas para a formação técnica, fato que contribui para a manutenção das
estruturas de produção e, como consequência, contribui para a permanência e
reprodução das desigualdades sociais (PILETTI; PRAXEDES, 2010).

Para superar essa realidade, propôs uma reunificação da educação. Uma


escola capaz de formar na teoria e na prática. Ou seja, reconhecendo o valor da
formação ampla e da profissionalização. Sem a necessidade de aprofundar um
modelo em detrimento de outro (PILETTI; PRAXEDES, 2010).

A educação, no contexto da teoria de Gramsci, contribui para a construção


da hegemonia política:

As instituições educativas, a família, as igrejas, as organizações culturais


fazem parte da sociedade civil e podem educar para a submissão aos
dominantes ou para a construção de uma crítica à hegemonia que
comanda a sociedade e a construção de uma nova hegemonia, uma
vez que difundem uma concepção de mundo, ou ideologia favorável
ou desfavorável aos poderosos (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 64).

103
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

A contribuição para a hegemonia reside na capacidade das instituições


educativas de moldar o comportamento e a ação dos indivíduos para adequação
à estruturas sociais estabelecidas ou para criticá-las e construir uma nova
hegemonia. Ou seja, a escola é capaz de contribuir para a manutenção das relações
sociais existentes ou para sua transformação.

E
IMPORTANT

O conceito de hegemonia de Grasmci contribui para compreender a função da


escola, como nos mostra em seu trabalho Jesus (1985, p. 2-3):

A “hegemonia’ é escolhida como a categoria que vai permitir resolver as contradições


fundamentais existentes na superestrutura, conforme a teoria de Grasmci, tanto em nível
de dominantes, quanto em nível de dominados. Manter ou modificar a superestrutura
implicará o exercício da “hegemonia”, onde a função educativa se torna importante e
imprescindível. Falar em hegemonia implica simultaneamente as questões da educação
e cultura e da “sociedade civil” em sua relação principal com a sociedade política ou o
Estado. A “hegemonia”, se é capacidade de “direção” cultural ou ideológica de uma classe
sobre o conjunto da sociedade, é também direção de “dominação” entre dirigentes e
dirigidos, responsável pela formação de um grupo orgânico e coeso em torno de princípios
e necessidades defendidos pela classe dominante [...] Assim toda relação pedagógica é
hegemônica, então a educação só tem sentido integrada ao processo de transformação da
sociedade, presente à totalidade histórica e cooperando no processo de incorporação de
novos grupos e de indivíduos ao processo hegemônico.

Qual seria então a função da escola? Para Gramsci, a função da escola é a


reprodução da ideologia dominante.

A função educacional da escola é exatamente essa difusão da ideologia


das classes dominantes pelos intelectuais tradicionais. Mas isso não
impede – ao contrário, até favorece – que as classes subalternas
formulem para si a estratégia que Gramsci denomina “guerra de
posições”, a fim de se contrapor à hegemonia das classes dominantes,
por meio da construção de uma nova hegemonia política e cultural,
para a qual os intelectuais orgânicos atuariam na formulação e na
difusão de uma ideologia portadora de uma nova concepção de
sociedade (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 65).

Em outras palavras, a função da escola é reproduzir a ideologia dominante,


porém isso não significa que a escola é incapaz de levar a transformações. Ao
compreender como a reprodução ideológica se dá através da educação é possível
elaborar uma contra-hegemonia capaz de transformar a estrutura social.

Ganharam destaque para nossos estudos as contribuições de Gramsci


que colocam luz sobre a formação dos intelectuais e a construção das formas de
hegemonia e contra-hegemonia. Bem como, sobre o entendimento da função da
escola como espaço para a reprodução da ideologia dominante.

104
TÓPICO 2 | GERAÇÃO DA PRI. MET. DO SÉC. XX: MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESC. FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER

2.5 ESCOLA DE FRANKFURT: A TEORIA CRÍTICA


E AS CONTRIBUIÇÕES DE ADORNO PARA A
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
A teoria crítica ficou conhecida como o conjunto de pesquisas elaboradas
por teóricos marxistas na Alemanha a partir da década de 1920. Entre eles
destacamos as contribuições de Max Horkeimer (1895-1973), Hebert Marcuse
(1898-1979), Theodor Adorno (1903-1969), Walter Benjamin (1892-1940) e Jürgen
Habermas (1929-). Os trabalhos desses intelectuais levantaram discussões a
respeito de temas relacionados a aspectos filosóficos, sociais, culturais, estéticos
e psicológicos.

Entre as temáticas desenvolvidas pela teoria crítica que colaboram para


as reflexões sobre a educação estão: 1) a função educativa da reflexão e do ato
de repensar; 2) a questão da emancipação em relação à crítica aos poderes
estabelecidos; 3) a desbarbarização social através da educação e da escolarização
baseadas na autocrítica; 4) o reconhecimento das experiências sombrias da história
visando iluminar o presente e a criação de uma resistência à violência; e 5) a
responsabilidade dos intelectuais com a educação e com os meios de comunicação
em massa no sentido da desbarbarização da sociedade (PUCCI, 2001).

Especialmente em referência à desbabarização da sociedade, ganha


destaque a reflexão realizada por Adorno em seu artigo Educação depois de
Auschwitz. Neste trabalho, a educação representa uma esperança para impedir
que os erros do passado se repitam no futuro. Aqui a educação representa o
caminho para a emancipação e a autonomia do sujeito.

A educação, para Adorno, é o caminho para construir formas concretas


de resistência. Essas formas podem se desenvolver na educação, na formação
cultural e até em formas adequadas de uso dos meios de comunicação – ainda
que a crítica à indústria cultural se faça presente em suas obras. É fundamental
que as estratégias educacionais sejam direcionadas à emancipação e ao combate
do autoritarismo (SANTIAGO, 2005).

Outra questão que ganha espaço na teoria crítica são as contribuições de


Adorno a respeito da técnica. Sabe-se que o desenvolvimento tecnológico avançou
de forma significativa e, por essa razão, as reflexões de Adorno contribuem para a
compreensão desse fenômeno.

A lei da pura funcionalidade apaga a história constituinte de cada


objeto, coisifica as pessoas, transforma-as em máquinas, em que a
precisão, o tempo veloz, a utilidade imediata, são os elementos que
contam e têm valor nas relações sociais. E o processo educacional,
amparado pelas mais modernas invenções que invadem a escola e
as salas de aulas, é direcionado na formação dessas novas virtudes,
funcionais e utilitárias, que a implantação das novas tecnologias
educacionais impõe aos docentes e discentes. A experiência formativa,
resultante de um tempo de maturação, sem pressa, que exige
recolhimento, silêncio, afinidade eletiva com os objetos, empobrece-se
paulatinamente pelo seu anacronismo, por não produzir coisas úteis
para formação e para o mercado (PUCCI, 2001, p. 14).

105
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

É importante considerar com atenção a descrição de Adorno para o


processo que transforma pessoas em coisas. Afinal, estamos condicionados à
lógica produtiva. A educação, consequentemente, está subordinada a essa mesma
lógica. A tecnologia ganha espaço na escola e os currículos e metodologias se
voltam à formação de competências e habilidades que proporcionem a adequação
dos alunos aos novos critérios sociais. O tempo do percurso formativo já não
corresponde à velocidade exigida pela modernidade. É como se a escola – da
forma como conhecíamos – e a sociedade não caminhassem no mesmo compasso.

O posicionamento dos professores em relação ao uso das tecnologias


também deve ser observado:

Os professores e os formadores de professores têm nas tecnologias


educacionais um instrumental extraordinário para potencializar
a educação de seus alunos e devem ser competentes ao máximo no
conhecimento e na utilização desse instrumental. Ao mesmo tempo,
devem superar a postura laudatória do uso das tecnologias mais
avançadas e ter acuidade e a percepção das virtudes específicas que
estão subjacentes à essa utilização e desenvolver atividades outras
que busquem compensar as falhas e os prejuízos causados por elas
(PUCCI, 2001, p. 15).

Em outras palavras, é necessário estar atento para fazer proveito das


tecnologias e integrá-las ao processo pedagógico, bem como para suprir as
necessidades que não são contempladas com o uso desses recursos.

A educação na visão de Adorno se desenvolve no terreno complexo entre


o ato de moldar indivíduos e transmitir conhecimento:

[...] gostaria de apresentar a minha concepção inicial de educação.


Evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas, porque
não temos o direito de modelar pessoas a partir do seu exterior; mas
também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja característica
de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a produção de uma
consciência verdadeira. Isto seria inclusive da maior importância
política; sua ideia, se é permitido dizer assim, é uma exigência
política. Isto é: uma democracia com o dever de não apenas funcionar,
mas operar conforme seu conceito, a pessoas emancipadas. Uma
democracia efetiva só pode ser imaginada enquanto uma sociedade
de quem é emancipado (ADORNO, 1995, p. 14).

Nesse sentido, o propósito da educação reside no desenvolvimento da


emancipação para que se garanta a existência da democracia. Isto porque não há
democracia de fato sem a emancipação dos indivíduos.

106
TÓPICO 2 | GERAÇÃO DA PRI. MET. DO SÉC. XX: MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESC. FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER

E
IMPORTANT

Emancipação e autonomia para Adorno

Para Adorno, quando a educação não é capaz de possibilitar a autonomia dos indivíduos
ela se torna um perigoso instrumento de manipulação. [...] Permanecer na menoridade,
portanto, é não querer assumir a própria condição racional, ou seja, é aceitar ser movido
pelos costumes e tradições. A autonomia, ao contrário, é sinônimo da liberdade, e, desse
modo, permite que os caminhos sejam guiados pela reflexão, e não por quaisquer formas
de autoritarismo condicionado. [...] Desenvolver a autonomia é ser capaz de acabar com
os discursos coletivistas (ou individualistas), como se a escola fosse uma fábrica em que
todos devessem seguir as ordens do diretor ou do encarregado. Como nos lembra Adorno,
um dos riscos a que a educação está sujeita, sobretudo nos estabelecimentos de ensino,
é a manutenção de discursos coletivistas. A educação tem uma função política altamente
importante. [...] Este papel faz com que ela se volte para a destruição das ideologias vigentes
e proporcione uma reflexão crítica sobre a própria realidade na qual está inserida.

Fonte: ZAMBEL, Luciana; LASTÓRIA, Luiz Antônio Nabuco. Educação e emancipação em


T. W. Adorno: contribuições para a formação de professores. Revista Ibero-Americana de
Estudos em Educação, v. 11, n. 4, p. 2205-2218, 2016. Disponível em: <http://seer.fclar.unesp.
br/iberoamericana/article/viewFile/8794/6054>. Acesso em: 21 fev. 2018.

Entre o complexo conjunto de teorias desenvolvidas a partir da Escola


de Frankfurt, apontamos com destaque para as análises de Adorno no contexto
do desenvolvimento tecnológico e suas relações com as mudanças sociais e,
consequentemente, as novas configurações estabelecidas no espaço escolar. Assim
como a afirmação do caráter político da educação na direção da emancipação.

2.4 JURGEN HABERMAS: RACIONALIZAÇÃO E AÇÃO


COMUNICATIVA
Jurgen Habermas (1929-) parte dos estudos da teoria crítica elaborados
por Adorno e Horckeimer na Escola de Frankurt para apresentar suas análises da
educação com sua teoria da ação comunicativa.

Para Habermas é importante refletir sobre a relação intersubjetiva dos


sujeitos através do diálogo: “Nesse processo, segundo a reflexão habermesiana,
a ação educativa pode prestar a contribuição de socializar as novas gerações
para a construção de identidades de acordo com padrões éticos de convivência e
solidariedade” (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 97).

O conceito de esclarecimento desenvolvido pela teoria crítica da Escola de


Frankfurt foi retomado por Habermas. Lembramos que a noção de esclarecimento
representa o desencantamento do mundo produzido pela emancipação do sujeito
em relação ao pensamento mítico.

107
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

O processo que decorre da racionalização da filosofia e da ciência conduz


a um mundo administrado. Nesse processo, o esclarecimento se torna positivismo
e ideologia produzindo progresso tecnológico. Contudo, o progresso tecnológico
não chega à mesma proporção para todos e acaba por promover desigualdades
sociais. Essas desigualdades, por sua vez, decorrem da apropriação dos avanços
da produção material pela classe dominante. Ao mesmo tempo em que desenvolve
as forças produtivas, acaba anulando os indivíduos que se tornem meras partes
do sistema (PILETTI; PRAXEDES, 2010).

O processo de socialização representa as formas de adequação dos


indivíduos aos padrões da ordem social, pois para atender às exigências do
mercado, os indivíduos se submetem a processos nos quais são moldados
para atender às demandas de mercado. Nesse sentido, não sobra espaço para a
emancipação (PILETTI; PRAXEDES, 2010).

Nesse âmbito atua a ação pedagógica: para permitir a adequação dos


indivíduos às inovações tecnológicas visando ao desempenho eficiente no
mercado de trabalho. Com essa ação as inovações transformam as formas de
produzir, porém reforçam os padrões de desigualdades entre as classes sociais.

Na visão da teoria crítica, as tecnologias são centrais ao reduzir “a


necessidade de força de trabalho e são utilizadas pelas classes proprietárias
do capital como mais um meio para submeter a massa de trabalhadores,
transformados em excedentes e rebaixados a uma condição de objeto do sistema
administrativo” (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 98).

Logo, além de não deixar espaço para o desenvolvimento da autonomia,


o desenvolvimento tecnológico evidencia a hierarquia social, pois reduz cada vez
mais a necessidade de força de trabalho. Sem a necessidade da força de trabalho, o
trabalhador se torna uma espécie de excedente no processo produtivo, assumindo
o papel de objeto.

A formação da identidade é abordada por Habermas como elemento


educativo:

[...] a formação das identidades é um processo social que depende


do contato e das características físicas, cognitivas, afetivas, sexuais,
culturais e étnicas dos seres humanos envolvidos em situações
educativas [...] Assim, as diferenças expressam-se nos contatos entre
identidades distintas umas das outras em circunstâncias sociais
determinas (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 102).

Além disso, o desenvolvimento da identidade é entendido como um


processo de aprendizagem de determinadas competências: competência linguística
para a comunicação; competência cognitiva para apropriação dos saberes essenciais
para viver em sociedade; e a competência de interação para convívio em grupo e
participação nas relações sociais. Nos processos educativos essas três dimensões
devem ser desenvolvidas igualmente (PILETTI; PRAXEDES, 2010).

108
TÓPICO 2 | GERAÇÃO DA PRI. MET. DO SÉC. XX: MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESC. FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER

Por fim, trazemos a noção de agir comunicativo, entendido como:

[...] agir comunicativo é orientado para o acordo intersubjetivo e


depende da emissão de um discurso com “pretensões de validade”
do qual fazem parte, em resumo, a compreensibilidade da expressão
simbólica do emissor pelo receptor, um presumido conteúdo de
verdade na mensagem veiculada e a veridicidade de intenção do autor.
A pretensão de validade é o que torna possível a compreensão mútua
entre os sujeitos, podendo levar à formação de uma racionalidade que
resulte em um agir e interagir consensual. A linguagem é o meio para
o acordo intersubjetivo, uma vez que medeia o processo de interação
que visa o entendimento. É a aprendizagem de convicções morais, de
um saber prático e do agir comunicativo que possibilita o aprendizado
e a prática da regulamentação consensual dos conflitos de ação, que,
por sua vez, levam à integração social fundada na “identidade do Eu”
e na identidade coletiva (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 103).

O agir comunicativo representa uma forma de comunicação desenvolvida a


partir de um acordo intersubjetivo, isso significa que para o sucesso da comunicação
é necessária a compreensão da informação compartilhada, presunção de verdade
e a intenção de verdade por parte do ator que transmite essa informação. O fato de
se assumir a validade permite que a interação seja bem-sucedida. A linguagem é o
meio pelo qual as informações são compartilhadas e permite o acordo intersubjetivo.
A aprendizagem conjunta dos valores morais, dos conhecimentos práticos e da
regulação dos conflitos que levam à integração social.

E
IMPORTANT

A ação comunicativa para Habermas

O conceito de razão comunicativa de Habermas pressupõe, portanto, uma diferenciação


entre os mundos objetivo, social e subjetivo. Esta diferenciação, segundo ele, é que
distingue o pensamento moderno do modo de pensar mítico. Ao contrário do último, o
primeiro assume que as interpretações variam com relação à realidade social e natural e
que as crenças e valores variam em relação ao mundo objetivo e social.

Outra consequência deste conceito é que ele pressupõe o abandono da relação cognitiva
sujeito-objeto por um procedimento cognitivo de natureza intersubjetiva, numa relação
sujeito-outro sujeito e que só é possível com a progressiva descentração de nossa visão
egocêntrica de mundo. [...] Em síntese, podemos dizer então que, para Habermas, a ação
comunicativa surge como uma interação de, no mínimo dois sujeitos, capazes de falar e
agir, que estabelecem relações interpessoais com o objetivo de alcançar uma compreensão
sobre a situação em que ocorre a interação e sobre os respectivos planos de ação com
vistas a coordenar suas ações pela via do entendimento.

FONTE: PINTO, José Marcelino de Rezende. A teoria da ação comunicativa de Jürgen


Habermas: conceitos básicos e possibilidades de aplicação à administração escolar. Paidéia
(Ribeirão Preto), Ribeirão Preto, n. 8-9, p. 77-96,  Aug. 1995. Disponível em: <http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X1995000100007&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 21 fev. 2018.

109
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Na obra de Habermas se destacou a retomada da noção de esclarecimento


no sentido da compreensão crítica da realidade que cerca o sujeito, permitindo
sua emancipação; das discussões a respeito da adequação dos indivíduos para
o mercado de trabalho no contexto da ampliação constante das inovações
tecnológicas e, também, das contribuições da noção de agir comunicativo para a
compreensão da relação entre linguagem, a educação e a integração social.

2.5 LOUIS ALTHUSSER: IDELOGIA E APARELHOS


IDEOLÓGICOS DE ESTADO
Louis Althusser (1918-1990) recorreu ao pensamento teórico de Marx para
mostrar como a escola é responsável por promover a aceitação das formas de
dominação e de exploração no contexto capitalista. Em sua teoria dos aparelhos
ideológicos de Estado ele destacou processos que levaram à estruturação da
educação escolar nas sociedades modernas.

E
IMPORTANT

Como Althusser descreve os Aparelhos ideológicos de estado? Vamos às


palavras do sociólogo:

Que são os aparelhos ideológicos de Estado (AIE)? Não se confundem com o aparelho
(repressivo) de Estado. Lembremos que na teoria marxista, o Aparelho de Estado (AE)
compreende: o governo, a administração, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões etc.,
que constituem aquilo a que chamaremos a partir de agora o Aparelho Repressivo de
Estado. Repressivo indica que o Aparelho de Estado em questão “funciona pela violência”
– pelo menos no limite (porque a repressão, por exemplo administrativa, pode revestir
formas não físicas). Designamos por aparelhos ideológicos de Estado um certo número de
realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituições distintas
e especializadas. Propomos uma lista empírica destas realidades [...] podemos desde já
considerar como Aparelhos Ideológicos de Estado as instituições seguintes (a ordem pela
qual enunciamos não tem qualquer significado particular):

- O AIE religioso (o sistema das diferentes igrejas),


- O AIE escolar (o sistema das diferentes escolas públicas e particulares),
- O AIE familiar,
- O AIE jurídico,
- O AIE político (o sistema político de que fazem parte os diferentes partidos),
- O AIE sindical,
- O AIE da informação (imprensa, rádio-televisão etc.),
- O AIE cultural (letras, belas artes, desportos etc.).

FONTE: ALTHUSSER, 1974, p. 43-44.

110
TÓPICO 2 | GERAÇÃO DA PRI. MET. DO SÉC. XX: MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESC. FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER

Na compreensão de Althusser, educação escolar

[...] difunde as ideologias que formam as concepções e práticas dos


sujeitos em sociedade, contribuindo, assim, para a reprodução das
relações sociais de produção, uma vez que torna inevitável e até
“natural” a divisão em classes sociais, e determinando a posição de
cada ser humano na engrenagem da produção capitalista, como patrão,
administrador ou operário braçal (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 69).

Nesse sentido, compreende a educação como elemento central para a


manutenção e naturalização das relações de exploração presentes no sistema
capitalista. É na escola que o indivíduo aprende conteúdos fundamentais para a
interação social e no mercado de trabalho, mas também contribui para a manutenção
das relações de classe. O indivíduo aprende o necessário para desempenhar uma
função específica na sociedade: patrão ou empregado, por exemplo.

Questiona a forma como a escola ensina, além dos conteúdos, um padrão


disciplinar que permite a adequação do indivíduo ao sistema. A escola forma para
o desenvolvimento das atividades nas diferentes profissões e para naturalizar as
relações sociais existentes.

Althusser defende que a aprendizagem escolar – além das


competências de leitura, escrita e cálculo, das técnicas e da chamada
cultura humanística segmentada de acordo com a camada social a que
pertencem os educandos, se virão a ser trabalhadores ou dirigentes,
por exemplo – é destinada ao ensino do respeito à ordem social, que se
inicia com o aprendizado das regras de conduta, da moral dominante
e das leis do Estado, segundo preceitos que interessam às classes
dominantes (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 69).

Devemos atentar para a forma como Althusser mostra a influência das


classes sociais na educação escolar. Ao longo de sua vida escolar, o indivíduo será
moldado para exercer o papel de dominante ou dominado no contexto das relações
de classe. Uma das formas pelas quais se dá esse processo é no aprendizado das
normas de conduta que naturalizam as desigualdades.

Outro ponto importante para a compreensão da teoria dos aparelhos


ideológicos de Estado é a ideologia. A ideologia permite a manutenção e a reprodução
da estrutura social. Por esta razão, promove a aceitação das desigualdades e a
formação dos indivíduos para ocuparem posições no mercado de trabalho. Ao
ocuparem esses postos, os indivíduos estão preparados com competência técnica e
disciplina, aceitam a hierarquia do mercado de trabalho e incorporam o lucro como
objetivo. Uma forma de entender a ideologia é compreendê-la como a forma como
entendemos o funcionamento do mundo social, nosso lugar nele e como devemos
agir nesse mundo (PILETTI; PRAXEDES, 2010).

111
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

E
IMPORTANT

O conceito de ideologia assume diferentes concepções de acordo com a teoria


em que é aplicado. De forma usual, faz referência a um conjunto de ideias nas esferas
econômica, política ou social. Na teoria de Althusser, o conceito de Ideologia faz referência
às ideias que contribuem para manter e reproduzir a estrutura social. Além disso, o conceito
contribui para sua crítica ao capitalismo, pois demonstra como a classe dominante – através
da ideologia – exerce influência sobre a forma como os indivíduos são preparados para
integrar a sociedade e desempenhar papéis específicos na hierarquia social.

A escola, como aparelho ideológico, exerce influência nas formas de


pensar e agir dos indivíduos:

[...] difundem as ideologias que reproduzem as relações sociais de


produção, quando os agentes incorporam e colocam em prática
tais ideologias. Para Althusser, em síntese, as condutas práticas são
orientadas por ideologias que formam as nossas ideias. Toda prática é
resultado da ideologia que seu autor interiorizou no inconsciente por
meio da experiência na vida familiar, nas escolas, fábricas, igrejas, etc.
Sempre agimos de acordo com uma ideologia, quer sejamos favoráveis
ou contrários à sociedade capitalista ou a determinada religião. É a
ideologia que dá um significado aparentemente coerente para uma
decisão que tomamos (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 71).

A ideologia é tão importante porque ela está presente em nossas ações,


mesmo quando não nos apercebemos de sua influência. Está presente na
interiorização de experiências em espaços como a família, a igreja, a escola ou a
fábrica. Além disso, é a ideologia, em seus diferentes contextos, que dá significado
para nossas ações.

E
IMPORTANT

A ideologia, para um Althusser profundamente influenciado pelo pensamento


de Antonio Gramsci, é um meio para formar consciências dos seres humanos na vida em
sociedade, e não apenas uma falsa consciência ou ilusão (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 71).

A forma como Althusser diferencia a violência dos aparelhos repressivos


de Estado para os aparelhos ideológicos de Estado evidencia os processos pelos
quais as instituições contribuem para manter a ordem social. Nesse contexto,

112
TÓPICO 2 | GERAÇÃO DA PRI. MET. DO SÉC. XX: MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESC. FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER

[...] a escola seria constituída no aparelho ideológico responsável pela


difusão da ideologia que possibilita a construção de uma hegemonia
da burguesia nas sociedades capitalistas, tomando o lugar que cabia à
Igreja Católica na ordem social feudal [...] a escola funciona como um
aparelho ideológico do Estado, uma vez que contribui decisivamente
para a manutenção das relações sociais de produção que garantem
a exploração dos trabalhadores pela classe capitalista (PILETTI;
PRAXEDES, 2010, p. 71).

Cabe aqui destacar mais uma vez o papel da escola para a manutenção
da estrutura social ao condicionar ideologicamente os indivíduos para que
incorporem as normas e condutas pertinentes à ordem social.

Como aparelho ideológico de Estado a escola não é única, porém tem


protagonismo no que diz respeito à forma como molda comportamentos desde
a infância:

Embora cada aparelho ideológico, como igrejas, sindicatos e meios


de comunicação, por exemplo, desempenhe uma função que lhe é
peculiar, cabe à escola o papel dominante nas sociedades capitalistas,
pois, desde a mais tenra idade das crianças, vai lhes incutindo os
valores próprios das classes dominantes [...] (PILETTI; PRAXEDES,
2010, p. 72).

Em outras palavras, a escola é a instituição responsável por orientar as


crianças e adolescentes para que exerçam sua função no sistema de produção. Ao
realizar essa tarefa compartilha informações que moldam o entendimento que o
indivíduo tem do mundo e, consequentemente, sua ação.

A compreensão da escola como aparelho ideológico de Estado é


desenvolvida com ênfase nos trabalhos de Althusser conduzindo a uma
interpretação do fenômeno educacional no sentido da reprodução da ideologia
dominante e da manutenção das estruturas sociais.

LEITURA COMPLEMENTAR

Zygmunt Bauman: entrevista sobre a educação. Desafios pedagógicos e


modernidade líquida
 
Alba Porcheddu
Tradução: Neide Luzia de Rezende e Marcello Bulgarelli
  
Zygmunt Bauman  (Polônia, 1925).  Sociólogo, catedrático emérito de
Sociologia nas Universidades de Leeds e Varsóvia, autor de diversos ensaios, entre os
quais se encontram: Globalização: as consequências humanas (1999), Vida para consumo:
a transformação das pessoas em mercadoria (2008), Em busca da política (2000),
Modernidade líquida (2001), Vidas desperdiçadas (2005). Seus trabalhos contribuíram
para a edificação de um complexo e completo instrumental conceitual em torno da sociedade

113
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

moderna. Embora seja frequentemente mencionado como um pensador "pós-moderno",


seus livros não representam uma visão entusiasmada do pós-modernismo; aliás, ele se
distancia da separação dicotômica modernidade versus pós-modernidade, argumentando
que ambas as configurações coexistem como os lados de uma mesma moeda. Para dar conta
desse fenômeno, cunhou os conceitos de "modernidade sólida" e "modernidade líquida".
[...]

P.:  Das suas reflexões sobre educação parece emergir a tese de que a prática
educativa deve abandonar os modelos fortemente estruturados, em favor de um
processo formativo aberto. É possível projetar uma intervenção formativa sem
poder determinar desde o início objetivos didáticos e educacionais precisos?
R.: Desde que os antigos sábios gregos inventaram a noção de Paideia foi preciso
mais de dois mil anos para transformar a ideia de "educação permanente", de
oxímoro (contradição dos termos) em pleonasmo (do tipo "manteiga amanteigada",
"ferro metálico"...). Entretanto, a atestação dessa notável transformação ocorreu
recentemente – nos últimos dez anos – sob o impacto da mudança acelerada do
ambiente social no qual os protagonistas principais da educação (tanto professores
como educandos) deviam agir.

Contemporaneamente, também em outros setores, mas com a mesma


modalidade acelerada, surgiram outras mudanças.

Para os mísseis balísticos, no momento em que começam a "se mover", a


direção e a distância de sua viagem já são decididas pela forma e pela posição do
canhão; pela quantidade de pólvora no projétil, é possível calcular, com margem
mínima ou inexistente de erro, o ponto de aterrissagem, ou até mesmo alterá-lo,
modificando a posição do canhão ou a quantidade de pólvora do disparo. Essa
propriedade dos mísseis balísticos os torna armas ideais para se utilizar em caso
de uma guerra de posição, ou quando os alvos se encontram entrincheirados ou
nos bunkers e os mísseis são os únicos corpos em movimento.

As mesmas qualidades os tornam entretanto também inúteis uma vez que


os alvos começam a se mover, tornando-se invisíveis às armas, sobretudo quando
esses alvos se movem mais rapidamente do que os mísseis podem "voar" e, ainda
mais, se se movem de um modo irregular ou imprevisível, que desnorteiam todos
os cálculos preliminares da trajetória requerida. É então necessário um míssil
inteligente, que possa modificar a sua direção em voo com base na evolução
dos eventos, que possa individualizar imediatamente os movimentos dos alvos,
aprender tudo o que for necessário sobre a direção e a velocidade real do alvo e
identificar, a partir das informações recolhidas, o ponto para o qual direcionar a sua
trajetória. Durante a viagem, esses mísseis inteligentes não podem interromper,
muito menos finalizar, a coleta e a elaboração das informações, já que os alvos
continuam a se mover e a modificar suas direções e velocidades, e o ponto de
encontro observado deve ser constantemente atualizado e retificado.

Podemos dizer que os mísseis inteligentes seguem a estratégia da


"racionalidade instrumental", entendida na sua versão líquida, fluida; isto
significa que se abandona o pressuposto de que o objetivo seja estabelecido, fixo

114
TÓPICO 2 | GERAÇÃO DA PRI. MET. DO SÉC. XX: MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESC. FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER

e irremovível durante toda a duração do lançamento e que portanto devem ser


calculados e manipulados somente os instrumentos de voo. Também a utilização
de mísseis ainda mais inteligentes não será limitada a alvos preestabelecidos, mas
a alvos escolhidos no ar. Tais mísseis serão sobretudo guiados considerando-se
o máximo que podem atingir dadas suas capacidades técnicas e o número de
alvos que potencialmente podem acertar de acordo com seu equipamento. Em
suma, podemos dizer que este seria justamente o caso contrário à "racionalidade
instrumental": os alvos são selecionados com os mísseis no ar e são os meios
disponíveis que decidirão qual será, ao final, a "meta" a se escolher. [...]

Os mísseis inteligentes, portanto, diferentemente dos velhos artefatos


balísticos, aprendem no ar. Assim, devem ser inicialmente dotados da capacidade
de aprender e de aprender de modo rápido. Isso é óbvio. O que é menos
evidente, se bem que não menos importante dentro de uma rápida capacidade
de aprendizagem, é todavia a capacidade de esquecer instantaneamente o
que se aprendeu antes. Os mísseis inteligentes não seriam inteligentes se não
fossem capazes de "mudar de ideia", ou de revogar as "decisões" precedentes,
sem pensar duas vezes e sem remorsos... Não deveriam se preocupar com as
informações adquiridas e por nenhuma razão deveriam desenvolver um hábito
comportamental sugerido pelas informações. Todas as informações obtidas
"envelhecem" rapidamente e ao invés de fornecerem um guia confiável, podem
desviar do caminho se não forem prontamente ignoradas. Aquilo que os "cérebros"
dos mísseis inteligentes não devem nunca esquecer é que o conhecimento
adquirido é eminentemente eliminável, somente eficaz até uma nova ordem e útil
apenas temporariamente, e que a demonstração do sucesso está em não deixar
escapar o momento em que o conhecimento adquirido não é mais útil e deve ser
eliminado, esquecido e substituído.

Deixe-me extrair desse exemplo muito articulado a seguinte consideração:


os filósofos da educação da era sólido-moderna consideravam os professores
como lançadores dos mísseis balísticos e os instruíam sobre como se assegurar
que seus produtos seguissem rigorosamente na rota preestabelecida, determinada
desde o início pela quantidade de movimentos do lançamento. E não é de se
surpreender, visto que os mísseis balísticos eram, durante a primeira fase da
era moderna, a invenção tecnológica humana mais avançada. Estes serviram
impecavelmente a quem quisesse conquistar e governar o mundo, como declarou
Hilaire Belloc  referindo-se aos nativos africanos. "Qualquer coisa que ocorra
temos a metralhadora Maxim e eles não a têm" (a metralhadora Maxim era uma
arma capaz de lançar um grande número de projéteis balísticos em pouco tempo
e era muito eficaz, mas somente se se possuía um grande número de projéteis).

Em realidade, essa visão da tarefa do professor e do destino do aluno


é muito anterior à ideia de "míssil balístico" e da era moderna que a inventou
- como diz um antigo provérbio chinês de mais de dois mil anos antes do
advento da modernidade mas ainda citado pela Comissão Europeia em apoio ao
programa Lifelong Learning, no limiar do século XXI: "Quando planejas por um
ano, semeias o grão. Quando planejas por uma década, plantas árvores. Quando
planejas por uma vida inteira, formas e educas as pessoas".

115
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Somente com o advento dos tempos líquido-modernos a antiga sabedoria


perdeu seu valor pragmático e as pessoas envolvidas no âmbito da aprendizagem
e da promoção da aprendizagem, âmbito conhecido com o nome de "educação",
têm deslocado sua atenção dos mísseis balísticos para aqueles inteligentes.

A educação e a aprendizagem no ambiente líquido-moderno, para ser


úteis, devem ser contínuas e durar toda a vida. Nenhum outro tipo de educação e/
ou aprendizagem é concebível; a "formação" do próprio eu, ou da personalidade, é
impensável de qualquer outro modo que não seja aquele contínuo e perpetuamente
incompleto.[...]

P.: O senhor falou de "comercialização da educação em curso" e do diálogo já quase


exclusivo do mundo da formação com o mundo do trabalho e com as dinâmicas
econômicas. As inquietações dos pedagogos quanto a esse cenário emergem em
todos os âmbitos da pesquisa acadêmica. Essas inquietações se referem à questão
da necessidade de mudança da abordagem educativa diante da liquefação dos
modelos de referência, e também ao problema da "individualização" da questão
pedagógica, fenômeno que ganha sempre maior terreno. Em que sentido e como
é possível que a educação se reduza a ser quase exclusivamente "formação para o
trabalho" inclusive no nível das diretivas europeias?
R.: As inquietações têm fundamento. É simples traçar as extraordinárias afinidades
entre a abordagem utilizada pela Comissão Europeia e as intenções e demandas
declaradas abertamente por autores que escreveram explicitamente em nome e
em prol dos executivos de empresas. Estes seguem com algumas modificações o
modelo de raciocínio exemplificado por um compêndio muito popular e influente
no pensamento empresarial (Fombrun, Tichy, Devana, 1984), segundo o qual o
objetivo da educação é o de "desenvolver trabalhadores, ou seja, aumentar sua cota
atual de trabalho e prepará-los para as tarefas que poderão desenvolver no futuro."
Esse desenvolvimento deve sempre ser determinado pela "individualização das
competências necessárias e pela gestão ativa do aprendizado do trabalhador para
um futuro a longo prazo, em relação com estratégias empresariais explícitas". Raili
Moilanen (2004), depois de ter analisado os conteúdos dos documentos submetidos
à Terceira Conferência Internacional de Pesquisa sobre o Trabalho e a Aprendizagem
que representavam o ponto de vista dos trabalhadores, conclui que "o aprendizado
e o desenvolvimento parecem ser importantes para as organizações sobretudo por
razões de eficácia e competitividade", enquanto "o ponto de vista do ser humano
como tal parece não ser importante".[...]

Os apelos ao papel central do desenvolvimento dos recursos humanos


(Human Resources Development) baseados na "individualização das competências
necessárias para o mercado de trabalho" foram feitos inúmeras vezes antes com
exemplar coerência; com regularidade igualmente monótona os gerentes dos
"recursos humanos" não conseguiam antecipar quais seriam as "exigências" do
"mercado de trabalho" no momento em que a "força de trabalho" tivesse completado a
formação e estivesse presumivelmente pronta para o emprego. Os desenvolvimentos
imprevistos da demanda do mercado não são facilmente prognosticáveis, tanto
que os especialistas de previsões não são ingênuos e os seus prognósticos são

116
TÓPICO 2 | GERAÇÃO DA PRI. MET. DO SÉC. XX: MANNHEIM, PARSONS, ELIAS, GRAMSCI, ESC. FRANKFURT, HABERMAS E ALTHUSSER

metodologicamente previstos. Os erros de previsão da demanda do mercado


causam terror e provavelmente representam o mal incurável de todas as "previsões
científicas" das progressões sociais; mas nesse caso, em que as perspectivas de vida
humana estão em risco, juízos errados são extraordinariamente nocivos. Confiar
os esforços pessoais em prol da imposição e do desenvolvimento de si mesmo a
visões essencialmente imprevisíveis - e assim declaradamente pouco confiáveis –
das exigências futuras do mercado mutável e caótico, faz pressagiar um grande
sofrimento humano associado a frustração, esperanças vãs e vida desperdiçada.
Os cálculos preventivos do "poder humano" requerem uma autoridade que não
possuem, fazem promessas que não podem manter e consequentemente assumem
responsabilidades que não podem sustentar.

Provavelmente, tudo isso ocorre também porque os programas de


"educação permanente" tendem a ser remanejados, imperceptivelmente e sem
explicações explícitas, exaltando-se a "aprendizagem permanente". Isso se torna
portanto um "auxílio" às responsabilidades associadas à seleção e à aquisição das
competências e, em particular, associadas às consequências das escolhas erradas
por aqueles que são parte receptora dos "mercados de trabalho", notoriamente
fluidos e mutáveis. Borg e Mayo estão no caminho certo quando concluem
que ...nestes tempos rigorosamente neoliberais, a noção de aprendizagem
autogestionada se presta a um discurso que consente ao Estado a renúncia de sua
responsabilidade de fornecer a educação de qualidade que cada cidadão de uma
sociedade democrática tem o direito de possuir.

Deixe-me ainda evidenciar que essa não é a primeira nem a última


função que o Estado gostaria de eliminar de bom grado do reino da política e,
consequentemente, das suas responsabilidades. Deixe-me acrescentar ainda
que a ênfase mutável, que se desloca da categoria da "educação" para a de
'"aprendizagem", está em harmonia com uma outra tendência, comum entre
os empresários contemporâneos: a inclinação a descarregar sobre as costas dos
trabalhadores todas as suas responsabilidades, mas sobretudo os efeitos negativos
e, mais geralmente, a responsabilidade do "fracassado crescimento da mudança".

Dada a contínua convergência desses dois caminhos tempestuosos


que dirigem, na era líquido-moderna, as relações de poder e a estratégia de
domínio, as perspectivas de retomada do percurso controvertido e errático do
desenvolvimento do mercado, bem como aquelas de cálculos mais realistas para os
"recursos humanos" são escassas na melhor das hipóteses e, mais provavelmente,
nulas. No ambiente líquido-moderno, a "incerteza produzida" é o instrumento de
domínio mais importante quando a política de precarização, usando o termo de
Pierre Bourdieu (um conceito que se refere às manobras resultantes da situação
em que os sujeitos se tornam mais inseguros e vulneráveis e por isso ainda
menos previsíveis e controláveis), se torna rapidamente o núcleo da estratégia
de domínio. O mercado e a "planificação da vida" são antitéticos e uma vez que
a política se deixa guiar pela "economia", entendida como jogo livre das forças
de mercado, o equilíbrio do poder entre os dois se desloca decididamente em
direção ao primeiro.

117
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Tudo isso não é de bom augúrio para a "concessão dos poderes aos
cidadãos", definido pela Comissão Europeia como o objetivo principal da educação
permamente. Segundo o consenso geral, a "outorga dos poderes" (expressão
utilizada nas atuais bases de dados e intercambiável por "autorização") se obtém
quando as pessoas adquirem a capacidade de controlar, ou ao menos de influir
sobre as forças individuais, políticas, econômicas e sociais que poderiam incidir
no curso de suas vidas. Para dizer francamente, uma "autorização" autêntica
requer não apenas a aquisição das capacidades que consentiriam em fazer parte
do jogo criado por outros, mas também a aquisição de poderes tais que permitam
influenciar os objetivos, os lugares e as regras do jogo. Obviamente, falamos de
capacidades não apenas individuais mas também sociais.

FONTE: PORCHEDDU, Alba. Zygmunt Bauman: entrevista sobre a educação. Desafios pedagógicos
e modernidade líquida. Cad. Pesqui.,  São Paulo,  v. 39, n. 137, p. 661-684, Aug. 2009. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742009000200016&lng=
en&nrm=iso>. Acesso em: 22 fev. 2018.

118
RESUMO DO TÓPICO 2
• As teorias apresentadas nesse tópico foram desenvolvidas no contexto
social da primeira metade do século XX e marcadas pelas consequências dos
grandes conflitos mundiais, da crise econômica e da polarização das potências
mundiais.

• Karl Mannheim apresenta a educação como técnica social, ou seja, identifica


na educação uma forma de controle social visando moldar o comportamento
individual para integração aos padrões sociais.

• Talcott Parsons desenvolve uma análise social que vê na educação um sistema


de integração que busca, através da socialização, o equilíbrio social baseado na
democracia e na meritocracia.

• A sociologia de Norbert Elias, especialmente através dos estudos sobre a


civilização e figuração, permitem a análise da formação da personalidade e
adequação do sujeito ao contexto social, assim como a respeito do controle
social exercido pelo processo civilizatório.

• O conceito de hegemonia e as análises da educação no capitalismo elaboradas


por Antonio Gramsci abordam o processo de reprodução das ideologias
dominantes através da educação e o papel exercido por ela na manutenção
das estruturas desiguais de poder econômico e social na sociedade capitalista.

• As contribuições de Adorno acerca da relação entre educação e emancipação,


dos desdobramentos do desenvolvimento tecnológico para as transformações
sociais e para os processos de socialização desenvolvidos no espaço escolar se
destacaram entre o conjunto de estudos desenvolvidos no âmbito da Escola da
Frankfurt.

• Habermas retoma os estudos desenvolvidos por colegas da Escola de


Frankfurt para compreender o processo de socialização das novas gerações
através da educação, dando destaque para a noção de esclarecimento e de agir
comunicativo.

• A escola como Aparelho Ideológico de Estado foi objeto de estudo de Louis


Althusser. Como resultado, o sociólogo apresentou uma análise da educação
como responsável pela adequação dos indivíduos à sua posição esperada no
capitalismo.

119
AUTOATIVIDADE

1 As abordagens da sociologia desenvolvidas na Escola de Frankfurt


apresentam contribuições significativas para a compreensão do papel da
educação na sociedade capitalista e os desdobramentos da influência do
capitalismo sobre o contexto escolar. Sobre essas abordagens, assinale a
alternativa correta:

a) ( ) Destacam o papel da educação enquanto sistema que promove a


integração social.
b) ( ) Evidenciam a educação responsável por verificar o caráter
emancipatório da educação no capitalismo.
c) ( ) Descrevem o caráter político da educação como promotora da
autonomia dos indivíduos.
d) ( ) Apresentam uma crítica ao uso de inovações tecnológicas por
professores e alunos no ambiente escolar.

2 Podemos identificar elementos comuns nas abordagens de autores como


Gramsci, Habermas e Althusser quando considerando que ambos retomaram
reflexões de Karl Marx para analisar a sociedade de seu tempo e elaborar uma
crítica à educação no contexto do capitalismo. Considerando esses pensadores,
analise as sentenças fazendo uso do código a seguir:

I – Gramsci
II – Habermas
III – Althusser

( ) A escola é um Aparelho Ideológico de Estado que busca moldar o


comportamento dos sujeitos para inserção na estrutura social.
( ) O agir comunicativo promove a aprendizagem de valores morais, de
conhecimentos práticos e da regulação de conflitos.
( ) A educação é um elemento central para a naturalização das relações
sociais de exploração no capitalismo.
( ) A educação deve ser defendida em sua forma humanística voltada para
a promoção da democracia e da liberdade.

Agora assinale a alternativa que corresponde à sequência correta:

a) ( ) III – II – III – I.
b) ( ) II – I – I – III.
c) ( ) I – III – III – II.
d) ( ) II – II – I – III.

3 As influências do pensamento clássico de Max Weber podem ser identificadas


nas teorias de Mannheim, Parsons e Elias indicando a presença de discussões
que dão conta da análise da ação social em diferentes contextos e as formas
de socialização para adequação ao sistema social. Partindo dessa referência
comum, analise as afirmações a seguir:

120
( ) Para Mannheim, a função da escola se tornaria cada dia mais essencial
com a diminuição do protagonismo da família na sociedade moderna.
( ) Parsons se dedicou a analisar a ação individual dos sujeitos ao longo do
processo de socialização.
( ) A sociologia processual de Elias contribuiu para os estudos da relação
entre personalidade e estrutura social.
( ) Mannheim considerava a educação como uma técnica social, ou seja, um
meio para exercer o controle social sobre os indivíduos.

Agora assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:

a) ( ) F – F – V – V.
b) ( ) F – V – F – F.
c) ( ) V – V – F – F.
d) ( ) V – F – V – V.

121
122
UNIDADE 2
TÓPICO 3

GERAÇÃO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX:


BOURDIEU, HABERMAS E GIDDENS

1 INTRODUÇÃO
Contemporaneamente, novos autores e novas abordagens contribuíram
para a própria redefinição deste campo, seus limites e objetos. Aqui, abordamos
as visões clássicas, construídas entre o século XIX e XX. Elas ainda orientam as
reflexões sobre a sociedade. Mas, desde então, receberam contribuições e críticas
que renovaram ou ampliaram seus fundamentos. Novamente são sociólogos que
se formaram e iniciaram suas trajetórias a partir dos anos 1950-1960, portanto,
podemos indicá-los como sendo da geração da segunda metade do século XX.
Aqui, estudamos Pierre Bourdieu, Jürgen Habermas e Anthony Giddens.

Eles viveram e enfrentaram os problemas sociológicos nascidos da


globalização, do avanço do capitalismo financeiro, do crescimento do poder
da mídia e da indústria cultural, o fim do colonialismo, da importância dos
movimentos sociais, entre outros fenômenos que promoveram radicais mudanças
sociais. Nasceram durante ou logo ao final da Segunda Guerra Mundial,
experimentando dilemas que surgiram desse evento dramático.

É desta forma que destacamos essas gerações. A maneira como esses


nomes discutiram o papel da Sociologia e da Educação no interior das sociedades
traz em comum as experiências vividas. Disso resulta uma variedade de olhares
para o fenômeno da educação.

2 PIERRE BOURDIEU
Pierre Bourdieu nasceu em Denguin, na França, em 1902. Sociólogo
mundialmente conhecido, Bourdieu iniciou suas reflexões e publicações a
partir de 1960 em colaboração com outros autores. Esse francês tinha origens
camponesas e humildes, iniciando seus estudos nos anos 1950.

O conjunto de sua obra é vasto, tendo repercussão na sociologia, na


antropologia, nas artes, na história e na educação. Sua produção intelectual é
longa, complexa e polêmica, sendo um autor cuja leitura e releitura merecem
toda a atenção. Sem sombra de dúvidas, foi um autor clássico no universo das
ciências sociais. O sociólogo francês morreu em 2002.

123
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Pierre Bourdieu produziu uma sociologia original num cenário marcado


por perspectivas sociológicas que enquadravam a ação dos indivíduos e dos
grupos em dois polos – objetivista e subjetivista –, Bourdieu elaborou uma nova
entrada possível, por meio do conhecimento praxiológico. Ao mesmo tempo em
que se orientava pela obra de autores clássicos, especialmente, Émile Durkheim,
Max Weber e Karl Marx – Pierre Bourdieu realizou um exame crítico das teorias
propostas por estes autores, daí a sua originalidade.

DICAS

Sociologia Objetivista – Subjetivista, o conhecimento praxiológico e Habitus:

Em meio a estas duas perspectivas, Pierre Bourdieu propõe um modelo alternativo,


baseado numa sociologia reflexiva e no conhecimento praxiológico. Segundo o autor, o
conhecimento praxiológico:

[…] tem por objeto não apenas o sistema das relações objetivas
que o modo de conhecimento objetivista constrói, mas
também as relações dialéticas entre estas estruturas objetivas
e as disposições estruturadas pelas quais elas se atualizam
e que tendem a reproduzi-las, vale dizer duplo processo
de interiorização da exterioridade e de exteriorização da
interioridade […] (BOURDIEU, 1992, p. 39).

A partir deste recurso, Bourdieu elaborou um conceito fundamental para a sociologia,


inclusive para os dias atuais: HABITUS. Esse conceito procurava distanciar-se desses dois
paradigmas dominantes que eram comuns à sua época. Segundo o autor, o HABITUS
torna possível a prática dos agentes, mas, também, as relações sociais que tornam possível
essa ação, ligando-se aos processos de “interiorização” e “exteriorização” nas figurações
indivíduo-sociedade. Isto é, trata-se das formas e maneiras configuradas de adequação
entre a força do social e a ação do agente em um campo com instituições objetivadas.
Inclui sistemas de classificação sociais sustentando-se a partir e através desses mesmos
“esquemas generativos” que, dentro de um campo de força específico, dão margem a
escolhas e as ações dos agentes (BOURDIEU, 2005).

O HABITUS encontra-se “depositado nos corpos e mentes de agentes sob a forma de uma
matriz durável de práticas e representações” segundo as condições e posições do indivíduo
no meio de um campo, operando “abaixo do nível da linguagem e da consciência reflexiva”
(BOURDIEU, 2005).

Desta forma, ele é tanto individual quanto social, onde os indivíduos internalizam as
representações objetivas tomando como referência sua posição nos campos sociais e seus
recursos e capitais à disposição, num ciclo de reprodução simbólica, sem “existência de um
maestro”.

O HABITUS traduz, dessa forma, estilos de vida, julgamentos políticos, morais e estéticos,
além de ser também um meio de ação que permite criar ou desenvolver estratégias
individuais ou coletivas (BOURDIEU, 1989).

124
TÓPICO 3 | GERAÇÃO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: BOURDIEU, HABERMAS E GIDDENS

Como entender o papel da Sociologia para Pierre Bourdieu? Que relação


o conjunto de sua obra mantém com a educação?

Apesar da dificuldade de responder à primeira questão, procuramos


nas próximas páginas destacar algumas das principais reflexões bourdiesianas
e os conceitos por ele elaborados. Já com relação à segunda pergunta, foco
deste material, podemos indicar que a trajetória de Pierre Bourdieu começou
justamente com dois estudos clássicos sobre a educação e o sistema de ensino da
França: primeiro, em 1964, publicou ‘Os herdeiros’, em parceria com Jean-Claude
Passeron; esta dupla também publicou um clássico da Sociologia da Educação em
1970, intitulado ‘A reprodução’.

Pierre Bourdieu pensava a sociedade em torno da ideia de campos. O que


é um campo? Novamente, a utilização deste recurso se apresentou como uma
alternativa analítica para a oposição ao subjetivismo e o objetivismo no interior
das disputas teóricas nas ciências sociais, que ou ampliam em demasia o papel do
agente ou reduzem a mero reflexo da sociedade (BOURDIEU, 1989).

Os indivíduos estão fortemente vinculados aos universos sociais que


partilham. E o que são esses universos senão os campos sociais? Bourdieu (2011)
nomeou-os como espaços de relações que têm o poder de construir realidades
relacionais de sentido acerca do mundo. É um instrumento analítico de pesquisa
visando delimitar esses territórios relativamente autônomos por onde circulam
agentes, instituições, regras, normas, poderes determinados. No seu interior,
os agentes disputam o monopólio de saberes específicos, acionando estratégias
de assimilação, legitimação e de exclusão desferidas em lutas simbólicas pela
produção das crenças e das regras. Assim, cada campo possui suas próprias
instâncias de consagração. Elas são, portanto, variadas e sempre relacionadas
diretamente com o que põe em movimento no jogo jogado.

O que é um campo social? Podemos percebê-lo como um espaço não


necessariamente material, mas de relações sociais entre agentes e instituições
diversas. A partir de Bourdieu, um campo social é uma rede de relações objetivas
construindo um espaço estruturado a partir de posições de poder e disputas
simbólicas (BOURDIEU, 2003; 2004). Em outras palavras, um campo social pode ser
observado pela sua singularidade e autonomia em relação a outros campos, como
econômico, ou o político, existindo e fazendo sentido senão “relacionalmente, por
meio do jogo de oposições e distinções”, diz Bourdieu (2003, p. 27).

Esse microcosmo é dotado de suas próprias leis (BOURDIEU, 2004),


sendo relativamente autônomo porque ainda supõe que obedeça a leis sociais
do macrocosmo, isto é, do mundo social. Porém, o grau de sua autonomia
depende do volume e estrutura de capital acumulado pelos agentes e, portanto,
pelo próprio campo. Quanto mais dependente dos outros campos, menor sua
capacidade de “refração”. Neste sentido, a autonomia indica a capacidade de
refratar essas externalidades em maior ou menor grau, a ponto de mitigar essas
interferências (BOURDIEU, 2004).

No interior de “campo de forças”, existe uma luta concorrencial pelo


monopólio e domínio sobre o próprio campo, aquilo que faz parte ou não. Em

125
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

outras palavras, trata-se de uma luta simbólica pela produção das crenças e das
regras do campo, assim como pela definição de suas fronteiras. Como cada campo
é relativamente autônomo, ele estabelece suas próprias instâncias de consagração.

O grau de sua autonomia depende do volume de capital e poder acumulado


pelos agentes e, portanto, pelo próprio campo. Para poder participar das dinâmicas
do campo, o agente precisa mobilizar os seus capitais disponíveis, sejam eles
o capital econômico, o capital cultural/informacional, social ou simbólico. A
primeira modalidade diz respeito ao patrimônio, bens, dinheiro e riqueza que um
agente dispõe para si. O segundo relaciona-se com o aspecto utilitário relacionado
à posse de determinadas informações, aos gostos e atividades culturais (OLINTO,
1996, p. 24), podendo ser “incorporado” ou “institucionalizado”. O capital social
diz respeito à pose de redes de relações e acessos duráveis de interconhecimento
(BOURDIEU, 2008). O capital simbólico é o acúmulo positivo dos outros capitais
(THIRY-CHERQUES, 2006), ligado ao prestígio e à autoridade.

Isso implica que cada agente no interior de um campo está ligado aos
capitais e acúmulo de poder que possui. Isto define sua posição – dominante ou
dominado – no interior desse espaço social. Segundo Bourdieu, o poder indica
processos onde um agente, uma instituição com acúmulo dos diferentes tipos de
capital, tem a capacidade de tornar-se hegemônico, através das quais relações de
força são atualizadas em relações de sentido, de cognição, de reconhecimento e
de comunicação (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 119).

Deste viés, um campo pode ser observado pela sua singularidade e


autonomia em relação a outros campos, como econômico, ou o político. Um
campo existe e faz sentido apenas “relacionalmente, por meio do jogo de
oposições e distinções”, diz Bourdieu (2003). Para o autor, os campos possuem
três características principais: autonomia relativa; capacidade de retradução
do mundo social exterior e; uma lógica própria que faz com que os limites e a
definição do campo sejam objeto de conflito e de lutas. Isso faz com que os campos
tenham condições de criar suas formas de reprodução.

O campo é um microcosmo dotado de suas próprias leis (BOURDIEU,


20040). É relativamente autônomo porque ainda supõe que obedeça a leis sociais
do macrocosmo, isto é, do mundo social. O grau de autonomia de um campo vai
depender do volume e estrutura de capital dominante acumulado pelos agentes e,
portanto, pelo próprio campo. O campo é um espaço social de interdependência
mútua entre diversos agentes e instituições. Mas isso não quer dizer que um campo
não está sujeito a interferências externas que possam modificar as relações internas.

O sociólogo Pierre Bourdieu pensava a educação como um desses


campos sociais.

2.1 ELEMENTOS PARA PENSAR A EDUCAÇÃO EM BOURDIEU


As suas pesquisas e livros (no contexto de nosso livro de estudos, as obras
‘Os herdeiros’ e ‘A Reprodução’, principalmente) evidenciam a falta de coerência
do discurso igualitário existente em torno da Escola e aquilo que os dados e

126
TÓPICO 3 | GERAÇÃO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: BOURDIEU, HABERMAS E GIDDENS

informações coletadas traziam. A partir destas obras, voltar-se para o universo


da Educação e da Escola era adentrar o terreno da reprodução das desigualdades
sociais e da dominação da elite.

A produção intelectual de Pierre Bourdieu dos anos 1960 representou uma


crítica original e fundamentada para o problema das desigualdades escolares. Até
o momento em que escreveu suas pesquisas sobre educação, as ciências sociais
nesse campo se orientavam por uma visão positivista da educação e de seu papel
na sociedade (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002).

De acordo com Cláudio Marques Martins Nogueira e Maria Alice


Nogueira, essa perspectiva dava um destaque otimista, em que a Educação e
a escolarização tinham um papel “central no duplo processo de superação do
atraso econômico, do autoritarismo e dos privilégios [...] e de construção de uma
nova sociedade, justa (meritocrática) e democrática (fundamentada na autonomia
individual” (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p. 16).

Em “Os herdeiros”, Pierre Bourdieu, em parceria com Passeron, desloca a


discussão até então existente em torno do tema da educação. Ali foi denunciada
a precariedade das políticas de democratização de acesso preconizadas pelo
sistema francês de ensino. Eles colocaram em xeque os discursos de que a
educação francesa oferecia bases igualitárias para todos os seus estudantes. Como
resultado, a escola tratava diferentes de forma igual, onde os estudantes tinham
oportunidades diferentes, a depender da sua origem familiar e pertencimento a
uma classe social (VALLE, 2013).

FIGURA 5 - PIERRE BOURDIEU

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/PA7Pz6>. Acesso em: 1 mar. 2018.

127
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Em “A Reprodução: elementos para uma teoria do ensino”, também escrita


em parceria com Jean-Claude Passeron, e publicada em 1970, aprofundaram a
reflexão sobre o funcionamento do sistema de ensino francês (VALLE, 2013).

As análises de Bourdieu e Passeron demonstraram que o desempenho


escolar não dependia somente dos dons dos alunos, mas, principalmente, da
origem social dos alunos segundo sua classe social, etnia, sexo, entre outros.
A posse de capital cultural favoreceria o desempenho escolar de certos alunos
devido à familiaridade e proximidade com os conteúdos e códigos escolares,
cultivados por famílias previamente socializadas nesses valores (NOGUEIRA;
NOGUEIRA, 2002).

“O ator da Sociologia da Educação de Bourdieu não é nem o indivíduo


isolado, consciente e reflexivo, nem o sujeito determinado, mecanicamente
submetido às condições em que ele age” (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p. 21).

Uma das teses centrais da Sociologia de Bourdieu é a de que os


alunos não são indivíduos abstratos que competem em condições
relativamente igualitárias na escola, mas atores socialmente
constituídos que trazem, em larga medida incorporada, uma bagagem
social e cultural diferenciada e mais ou menos rentável no mercado
escolar. O grau variado de sucesso alcançado pelos alunos [...] não
poderia ser explicado por seus dons pessoais –, [...] mas por sua origem
social, que os colocaria em condições mais ou menos favoráveis diante
das exigências – escolares (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p. 18).

Dentro da visão positivista da educação, as pessoas tinham as mesmas


chances, competindo dentro do sistema de ensino em condições iguais.
Aqueles que se destacavam, seguiam para o ensino superior. A escola era um
espaço ‘neutro’, uma instituição voltada à difusão do conhecimento racional,
selecionando seus alunos com base em critérios também racionais (NOGUEIRA;
NOGUEIRA, 2002). A escola transmite a cultura dominante dando uma cara de
‘cultura universal’, reafirmando privilégios da elite (VALLE, 2013).

As reflexões resultantes dessa obra impactaram as teses da meritocracia


escolar, isto é, de que apenas o empenho do estudante e sua originalidade ao tratar
dos assuntos estudados bastavam por si mesmos (VALLE, 2013). Os estudantes de
origem burguesa (os herdeiros) aderem mais fortemente à ideologia do dom, no
seu próprio dom. São beneficiados pelo capital cultural herdado do meio familiar,
empregando-o no ambiente escolar. Para as classes desfavorecidas, os seus filhos
devem assimilar uma cultura que lhes é estranha, distante de sua classe social de
origem ou com que estão pouco familiarizados. Os conteúdos e exames aparecem
mais como obstáculos (VALLE, 2013).

Bourdieu nos oferece “um novo modo de interpretação da escola e da


educação”, indicando que, ao contrário do discurso otimista, o que se verificava
na prática e na realidade era que ambas eram instituições de reprodução e
legitimação das desigualdades sociais por meio da qual “se mantém e se legitimam
privilégios sociais” (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p. 17).

128
TÓPICO 3 | GERAÇÃO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: BOURDIEU, HABERMAS E GIDDENS

Neste sentido, o fracasso escolar “não é uma disfunção do sistema de


ensino, mas está implicitamente ligado a ele, sendo “socialmente necessário num
sistema encerrado em relações de dominação” (VALLE, 2013, p. 423).

A leitura de suas obras nos indicam que as “desigualdades sociais


são multiplicadas pela escola (conservadora), perenizando uma verdadeira
aristocracia escolar, que tende a desenvolver estratégias de auto(re)produção”
(VALLE, 2013, p. 426).

Comentando a obra de Bourdieu, Ione Ribeiro Valle (2013, p. 417) diz


que “ao pôr em prática uma série de mecanismos de seleção e de classificação,
a escola distancia os detentores de capital herdado dos que não o possuem”, a
educação e a escola reforçariam e reproduziriam as diferenças sociais, culturais
e educacionais de origem. As reflexões de Bourdieu e Passeron evidenciaram a
distância entre aquilo que era a realidade escolar e os princípios que orientavam
as políticas de educação.

Segundo Pierre Bourdieu, o poder exercido no Sistema de Ensino é um


tipo de poder simbólico, isto é, um tipo de “poder invisível que só pode se exercer
com a cumplicidade daqueles que não querem saber que a ele se submetem ou
mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1977, p. 31). Dessa reflexão, Bourdieu (1977)
discorre sobre o papel da educação como um espaço de imposições arbitrárias,
um tipo de violência simbólica.

A violência simbólica indica aquelas ideias e comportamentos impostos aos


indivíduos no cotidiano de suas relações sociais. São ideias arbitrárias, mas, como
no caso da educação, dissimulados pelo seu reconhecimento no mundo moderno.
Na lógica de Boudieu, a violência simbólica legitima os discursos e valores
dominantes, dissimulando-os como ‘naturais’. Um exemplo disso é a relação
entre conhecimento científico e popular. Na lógica atual, o saber produzido pelas
ciências tem mais valor e reconhecimento que aqueles ligados ao senso comum,
que são desvalorizados. Assim, e pensando a sua discussão sobre herança familiar
no sucesso escolar, as classes populares têm maior dificuldades de lidar com o
conhecimento escolar, uma vez que este se encontra mais distante e estranho em
seu cotidiano. A classe dominante, por seu turno, em razão de sua íntima relação
com o HABITUS escolar e acadêmico, tem maiores chances de sucesso.

2.2 JÜRGEN HABERMAS: RACIONALIZAÇÃO E AÇÃO


COMUNICATIVA
Jürgen Habermas parte dos estudos da teoria crítica elaborados por
Adorno e Horckheimer na Escola de Frankurt para apresentar suas análises
da educação com sua teoria da ação comunicativa. Jürgen Habermas, filósofo
e sociólogo alemão nascido em 1929, fala da Modernidade como um projeto.
E mais, um projeto inacabado. Para o autor, a Modernidade incorpora eventos
como a Reforma Protestante, o Iluminismo e a Revolução Francesa. Esses eventos
dão início à Modernidade europeia.

129
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

DICAS

Jürgen Habermas nasceu na cidade de Düsseldorf, na Alemanha, curiosamente


no mesmo ano em que foi fundada a Escola de Frankfurt, 1929.

FIGURA 6 - JÜRGEN HABERMAS

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/zX5tQ6>. Acesso em: 1 mar. 2018.

Em 1954, aos 25 anos, graduou-se com o trabalho intitulado “O absoluto e a História, sobre
Schelling”. Ainda no mesmo ano Habermas tornou-se assistente de Adorno, a quem assistiria
durante os próximos cinco anos, até 1959, no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, a
chamada Escola de Frankfurt.

Aos 31 anos, Habermas passou a lecionar Filosofia em Heidelberg e em 1961 publicou


a famosa obra “Entre a filosofia e a ciência – o marxismo como crítica”, inserida em “O
estudante e a política”. Jürgen Habermas passou, então, a lecionar Filosofia e Sociologia na
Universidade de Frankfurt.

Várias obras e artigos foram publicados pelo filósofo nos anos seguintes, entre os quais se
destacam: Evolução estrutural da vida pública, em 1962; a famosa Teoria e práxis, em 1963;
Lógica das ciências sociais, em 1967; e Técnica e ciência como Ideologia, e Conhecimento
e interesse, ambas em 1968.

Em 1968 Habermas mudou-se para Nova York e tornou-se professor da New York School
for Social Research. Mas já em 1972 mudou-se novamente, desta vez para Starnberg,
assumindo a direção do Instituto Max-Planck. Contudo, em 1983 Habermas tornou,
novamente, a lecionar na Universidade de Frankfurt.

130
TÓPICO 3 | GERAÇÃO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: BOURDIEU, HABERMAS E GIDDENS

Por fim, em 1994, Habermas aposentou-se, porém sem nunca deixar de contribuir para
o arcabouço do conhecimento através de contínuas palestras, obras publicadas e outros
trabalhos.

Autor de vasta obra, que compreende hermenêutica jurídica; críticas ferrenhas ao


positivismo em sua expressão resultante, o tecnicismo; análise do marxismo e muitos
outros temas, Jürgen Habermas é representante da segunda fase da Escola de Frankfurt.

FONTE: Disponível em: <http://intervox.nce.ufrj.br/~ballin/habermas.doc>. Acesso em: 1


mar. 2018.

A modernidade abrange, assim, as transformações ocorridas no “Ocidente”


nas várias dimensões da vida em sociedade entre os séculos XVIII-XX. Com base
nesses processos, os filósofos, intelectuais e cientistas promoveram nesse período
um salto nas ciências, ao mesmo tempo em que estimularam uma noção de ética
universal e não particular de uma única sociedade (mesmo que, no fim, estas
reforçavam a visão do mundo a partir de um olhar europeu). Essa perspectiva de
Aufklärung (Iluminismo) propunha a ciência em benefício da organização racional
da vida e da liberdade (HABERMAS, 1992).

A Modernidade de Habermas refere-se às mudanças e novas formações


sociais específicas desses tempos modernos. É quando fica mais observável
a existência de uma “consciência” acerca das diferenças com o passado e sua
história, instituições e mentalidades. Mais importante, ainda, a Modernidade está
fortemente apegada à centralidade que a razão ocupou nesses séculos passados e
a sua promessa de futuro glorioso para as civilizações.

É a razão – racionalidade ocidental que representa a Modernidade. Além


disso, os princípios da ciência moderna estavam sendo estruturados para servir
de instrumentos conceituais voltados ao controle e domínio da natureza. Isso
resultou na ampliação do poder das forças produtivas pela via do progresso
técnico (HABERMAS, 1968). O conceito de esclarecimento desenvolvido pela
teoria crítica da Escola de Frankfurt foi retomado por Habermas. Lembramos que
a noção de esclarecimento representa o desencantamento do mundo produzido
pela emancipação do sujeito em relação ao pensamento mítico.

O processo que decorre da racionalização da filosofia e da ciência conduz


a um mundo administrado. Nesse processo, o esclarecimento se torna positivismo
e ideologia produzindo progresso tecnológico. Contudo, o progresso tecnológico
não chega à mesma proporção para todos e acaba por promover desigualdades
sociais. Essas desigualdades, por sua vez, decorrem da apropriação dos avanços
da produção material pela classe dominante. Ao mesmo tempo em que desenvolve
as forças produtivas, acaba anulando os indivíduos que se tornam meras partes
do sistema (PILETTI; PRAXEDES, 2010).

131
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Para compreender com mais propriedade a racionalização constante no


projeto da Modernidade, Habermas utiliza-se de dois conceitos que auxiliam na
definição e diferenciação da sociedade: SISTEMA e MUNDO DA VIDA.

O SISTEMA indica uma complementaridade com o mundo vivido,


ligando-se às maneiras e formas de reprodução da vida material, isto é, ao
trabalho, dinheiro, o poder etc. Nele, predomina a razão instrumental, técnica.

Já o MUNDO VIVIDO é a maneira como nós percebemos a


realidade, a existência individual e comum. Aqui, predomina a razão
comunicativa.

FONTE: Habermas (1992)

Para Habermas é importante refletir sobre a relação intersubjetiva dos


sujeitos através do diálogo: “Nesse processo, segundo a reflexão habermesiana,
a ação educativa pode prestar a contribuição de socializar as novas gerações
para a construção de identidades de acordo com padrões éticos de convivência e
solidariedade” (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 97).

O processo de socialização representa as formas de adequação dos


indivíduos aos padrões da ordem social, pois para atender às exigências do
mercado os indivíduos se submetem a processos nos quais são moldados para
atender às demandas de mercado. Nesse sentido, não sobra espaço para a
emancipação (PILETTI; PRAXEDES, 2010).

Nesse âmbito é que atua a ação pedagógica: para permitir a adequação dos
indivíduos às inovações tecnológicas visando desempenho eficiente no mercado
de trabalho. Com essa ação as inovações transformam as formas de produzir,
porém reforçam os padrões de desigualdades entre as classes sociais. Na visão da
teoria crítica, as tecnologias são centrais ao reduzir:

[...] a necessidade de força de trabalho e são utilizadas pelas classes


proprietárias do capital como mais um meio para submeter a massa
de trabalhadores, transformados em excedentes e rebaixados a uma
condição de objeto do sistema administrativo (PILETTI; PRAXEDES,
2010, p. 98).

Logo, além de não deixar espaço para o desenvolvimento da autonomia,


o desenvolvimento tecnológico evidencia a hierarquia social, pois reduz cada vez
mais a necessidade de força de trabalho. Sem a necessidade da força de trabalho, o
trabalhador se torna uma espécie de excedente no processo produtivo, assumindo
o papel de objeto.

A formação da identidade é abordada por Habermas como elemento


educativo.

132
TÓPICO 3 | GERAÇÃO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: BOURDIEU, HABERMAS E GIDDENS

[...] a formação das identidades é um processo social que depende


do contato e das características físicas, cognitivas, afetivas, sexuais,
culturais e étnicas dos seres humanos envolvidos em situações
educativas [...]. Assim, as diferenças expressam-se nos contatos entre
identidades distintas umas das outras em circunstâncias sociais
determinadas (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 102).

Além disso, o desenvolvimento da identidade é entendido como um


processo de aprendizagem de determinadas competências: competência linguística
para a comunicação; competência cognitiva para apropriação dos saberes essenciais
para viver em sociedade; e a competência de interação para convívio em grupo e
participação nas relações sociais. Nos processos educativos, essas três dimensões
devem ser desenvolvidas igualmente (PILETTI; PRAXEDES, 2010).

Por fim, trazemos a noção de agir comunicativo entendido como:

[...] agir comunicativo é orientado para o acordo intersubjetivo e


depende da emissão de um discurso com “pretensões de validade”
do qual fazem parte, em resumo, a compreensibilidade da expressão
simbólica do emissor pelo receptor, um presumido conteúdo de
verdade na mensagem veiculada e a veridicidade de intenção do autor.
A pretensão de validade é o que torna possível a compreensão mútua
entre os sujeitos, podendo levar à formação de uma racionalidade que
resulte em um agir e interagir consensual. A linguagem é o meio para
o acordo intersubjetivo, uma vez que medeia o processo de interação
que visa o entendimento. É a aprendizagem de convicções morais, de
um saber prático e do agir comunicativo que possibilita o aprendizado
e a prática da regulamentação consensual dos conflitos de ação, que,
por sua vez, levam à integração social fundada na “identidade do Eu”
e na identidade coletiva (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 103).

O agir comunicativo representa uma forma de comunicação


desenvolvida a partir de um acordo intersubjetivo, isso significa que para
o sucesso da comunicação é necessária a compreensão da informação
compartilhada, presunção de verdade e a intenção de verdade por parte do ator
que transmite essa informação. O fato de se assumir a validade permite que a
interação seja bem-sucedida. A linguagem é o meio pelo qual as informações
são compartilhadas e permite o acordo intersubjetivo. A aprendizagem
conjunta dos valores morais, dos conhecimentos práticos e da regulação dos
conflitos que levam à integração social.

A grande questão é que a Modernidade criou uma disjunção entre sistema


e mundo da vida e é em torno disso que Habermas constrói sua Teoria da Ação
Comunicativa. Com a predominância da economia e do Estado, ocorreu que a
“razão instrumental” tornou hegemônica, balizando as relações sociais. Ele fala
em desengate do sistema e do mundo da vida. A eficácia torna-se um fim em si
próprio, desvinculado de qualquer contexto. Desta maneira, as forças econômicas
e do Estado parecem ser naturais. A razão deixa de ser instrumento de crítica
para se tornar poder e acumulação de capitais.

133
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

E
IMPORTANT

A ação comunicativa para Habermas

O conceito de razão comunicativa de Habermas pressupõe, portanto, uma diferenciação


entre os mundos objetivo, social e subjetivo. Esta diferenciação, segundo ele, é que
distingue o pensamento moderno do modo de pensar mítico. Ao contrário do último, o
primeiro assume que as interpretações variam com relação à realidade social e natural e
que as crenças e valores variam em relação ao mundo objetivo e social.

Outra consequência deste conceito é que ele pressupõe o abandono da relação cognitiva
sujeito-objeto por um procedimento cognitivo de natureza intersubjetiva, numa relação
sujeito-outro sujeito e que só é possível com a progressiva descentração de nossa visão
egocêntrica de mundo. [...] Em síntese, podemos dizer então que, para Habermas, a ação
comunicativa surge como uma interação de, no mínimo dois sujeitos, capazes de falar e
agir, que estabelecem relações interpessoais com o objetivo de alcançar uma compreensão
sobre a situação em que ocorre a interação e sobre os respectivos planos de ação com
vistas a coordenar suas ações pela via do entendimento.

FONTE: PINTO, José Marcelino de Rezende. A teoria da ação comunicativa de Jürgen


Habermas: conceitos básicos e possibilidades de aplicação à administração escolar. Paideia
(Ribeirão Preto), Ribeirão Preto, n. 8-9, p. 77-96, Aug. 1995. Disponível em: <http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X1995000100007&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 21 fev. 2018.

Na obra de Habermas se destacou a retomada da noção de esclarecimento


no sentido da compreensão crítica da realidade que cerca o sujeito, permitindo
sua emancipação. Das discussões a respeito da adequação dos indivíduos
para o mercado de trabalho no contexto da ampliação constante das inovações
tecnológicas. E, também, das contribuições da noção de agir comunicativo para a
compreensão da relação entre linguagem, a educação e a integração social.

2.3 ANTHONY GIDDENS


Anthony Giddens (1938) é um sociólogo e professor britânico, reconhecido
por sua Teoria da Estruturação e por sua visão holística das sociedades modernas.
Foi um dos pioneiros do conceito de Terceira Via. Ele nasceu em Edmonton, em
Londres, Inglaterra, no dia 18 de janeiro de 1938, está vivo e ativo intelectualmente
em nossos dias. É um dos sociólogos vivos mais conhecidos e debatidos atualmente
mundo afora em razão de suas análises institucionais da Modernidade.

Para José Maurício Domingues (2001), Giddens é um dos autores que,


a partir dos anos 1970, tentaram realizar uma síntese na teoria sociológica entre
as tendências anteriores que enfatizavam a ação e o sujeito (subjetivismo) ou o

134
TÓPICO 3 | GERAÇÃO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: BOURDIEU, HABERMAS E GIDDENS

sistema e a estrutura (objetivismo). Ele tentou fazer uma síntese em torno de


teorias sociológicas clássicas. De acordo com Groppo e Martins (2001, p. 218), na
Teoria da Estruturação:

Os atores sociais, nesta teoria, são considerados sempre como reflexivos,


ou seja, eles podem mudar seu comportamento a qualquer momento,
gestando um processo contínuo de “estruturação”. Tais atores seriam
sempre hábeis na vida prática social, mesmo sem conhecer mais
profunda e conceitualmente toda a realidade (de modo análogo ao uso
que todos fazemos da linguagem, mesmo sem conhecer ou dominar
todas as regras da língua), pois se trata da consciência prática. Enfim,
é muito importante em sua teorização a noção de “consequências não
intencionais da ação” dos sujeitos.

Quais são as principais ideias de Giddens a respeito do mundo moderno?


Para ele, a Modernidade é um período ao desenvolvimento do Ocidente. Para
Giddens (2002, p. 21):

[...] o termo "modernidade" num sentido muito geral para referir-me


às instituições e modos de comportamento estabelecidos pela primeira
vez na Europa depois do feudalismo, mas que no século XX se tornaram
mundiais em seu impacto. A "modernidade" pode ser entendida como
aproximadamente equivalente ao "mundo industrializado" desde
que se reconheça que o industrialismo não é sua única dimensão
institucional.

Giddens desenvolve, em suas obras, formas diversas de análises


institucionais da Modernidade, daí resultando nessa distinção. Mas isso não reduz
as contribuições do britânico. Para o autor, as consequências da modernidade estão
se tornando mais radicalizadas e universais como nunca antes. Os modos de vida
estimulados pelas forças da modernidade desvencilharam os indivíduos e grupos
sociais de todos os tipos tradicionais de ordem social, de uma maneira inédita, sem
precedentes. Além disso, a modernidade produz certas formas sociais distintas,
das quais a mais importante é o estado-nação (GIDDENS, 2002, p. 21).

Segundo o autor, a modernidade é composta de algumas dimensões


analíticas. O capitalismo é uma força fundamental da Modernidade. Segundo
Giddens (1991, p. 61), “o capitalismo é um sistema de produção de mercadorias,
centrado sobre a relação entre a propriedade privada do capital e o trabalho
assalariado sem posse de propriedade, esta relação formando o eixo principal
de um sistema de classes”. Intimamente relacionado ao capitalismo, temos o
industrialismo, caracterizado como o uso de fontes inanimadas de energia
material na produção de bens utilizando máquinas para a produção. Uma terceira
dimensão da Modernidade são os aparatos de vigilância. Num mundo reflexivo
e complexo, a vigilância sobre os indivíduos tornou-se direta e indireta e bastante
diferente das sociedades tradicionais. Por fim, o controle dos meios de violência,
associado à concentração e centralização unitária do poder do Estado-nação
moderno dentro de seu território. Todas essas dimensões afetam a produção
social da identidade e da diferença.

135
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Giddens (1991) aponta que a Modernidade, através dos movimentos de suas


dimensões, produziu descontinuidades. Elas são a base da própria Modernidade.
Nesse processo, as ideias de “lugar” e “espaço” “são gradualmente destruídas
por um cada vez maior conceito de tempo universal”. O resultado é o desencaixe
do “espaço-tempo”, representando mecanismos que deslocam as relações sociais
de seus lugares específicos, recombinando-as através de grandes distâncias no
tempo e no espaço. As interações sociais são separadas das particularidades do
lugar. Quer dizer, o local está cada vez mais subordinado às dinâmicas do global.

FIGURA 7 - DIMENSÕES DA MODERNIDADE SEGUNDO GIDDENS

Vigilância
(Controle da informação
e supervisão social)

Capitalismo Poder militar


(Acumulação de (Controle dos meios de
capital no contexto de violência no contexto da
trabalho e mercados de industralização da guerra)
produtos competitivos)

Industrialismo
(Transformação da natureza: desenvolvimento
do "ambiente criado")
FONTE: Guiddens (1991)

As descontinuidades que Giddens aponta são: “o ritmo de mudança que


a modernidade põe em movimento; ao escopo da mudança, isto é, ao seu alcance
global e; a natureza intrínseca das instituições modernas”, quer dizer, específicas
de nossa época (GIDDENS, 1991, p. 14-15).

Desta forma, as descontinuidades provocadas pela Modernidade são


reforçadas por mecanismos de desencaixe. Para Giddens (2002), esses mecanismos
servem para “desqualificar aspectos da vida cotidiana”, estendendo-se até às
próprias relações sociais e às intimidades do eu. Elas deslocalizam nossa vida.
Tiram nossa autonomia, já que para relacionar-se socialmente utilizamos esses
mecanismos.

136
TÓPICO 3 | GERAÇÃO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: BOURDIEU, HABERMAS E GIDDENS

Anthony Giddens aponta para dois tipos de mecanismos de desencaixe:


“as fichas simbólicas” e os “sistemas peritos” (1991). Os primeiros dizem respeito
aos meios de troca que têm um valor padrão, sendo intercambiáveis. É o exemplo
do dinheiro. Com dólares em sua carteira, você pode deslocar-se pelo mundo, não
depende de viver apenas nos Estados Unidos. Os “sistemas peritos” são formas
especializadas resultantes da ciência e da tecnologia. A TV a cabo, por exemplo, em
que você assiste a notícias em tempo real de todos os cantos do planeta.

Giddens (1991) aponta a reflexividade da vida social específica da


modernidade, estando essa na própria base da reprodução do sistema. Esta
indicaria que “as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas
à luz da informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim
constitutivamente seu caráter”. Num sentido mais direto, a reflexividade
institucionaliza o princípio da dúvida radical e insiste em que todo conhecimento tome a
forma de hipótese, isto é, seja verificado, examinado, testado (GIDDENS, 1991, p. 10).

A modernidade altera radicalmente a natureza da vida social cotidiana


e afeta os aspectos mais pessoais de nossa existência. É aquela situação: a crise
econômica europeia de nossa época não afeta apenas a vida de um europeu. Em
razão da conexão entre as diversas partes do globo, lugares centrais ou periféricos
são atingidos, mesmo que em diferentes proporções.

Segundo Giddens (1991; 2002), a modernidade deve ser entendida em um


nível institucional, isto é, mais macro. Todavia, as transformações introduzidas
pelas instituições modernas se entrelaçam de maneira direta com a vida individual
e, portanto, com o eu. Influências globalizantes de um lado e disposições pessoais
de outro.

[...] surgimento de novos mecanismos de autoidentidade que são


constituídos pelas instituições da modernidade, mas que também
as constituem. O eu não é uma entidade passiva, determinada por
influências externas; ao forjar suas autoidentidades, independente
de quão locais sejam os contextos específicos da ação, os indivíduos
contribuem para (e promovem diretamente) as influências sociais
que são globais em suas consequências e implicações. [...] o eu, como
os contextos institucionais mais amplos em que existe, tem que ser
construído reflexivamente (GIDDENS, 2002, p. 9-11).

Você já ouviu que não se deve parar de aprender, de se informar nunca!


Faz parte da reflexividade analisar nossas profissões, buscar novas ideias, inovar.
Ser criativo. Os ambientes de reflexividade impactam a conformação do eu, ao
passo que o eu, como os contextos institucionais mais amplos que existem, tem
que “ser construído reflexivamente” (GIDDENS, 1991, p. 10). Ou, perguntas
do tipo "como devo viver? Como agir? O que fazer?” têm de ser respondidas
cotidianamente, gerando respostas na forma de comportamentos, roupas, comida
(GIDDENS, 2002, p. 20-21). Para o sociólogo britânico:

137
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

O projeto reflexivo do eu, que consiste em manter narrativas biográficas


coerentes, embora continuamente revisadas, tem lugar no contexto
de múltipla escolha filtrada por sistemas abstratos. Na vida social
moderna, a noção de estilo de vida assume um significado particular.
Quanto mais a tradição perde seu domínio, e quanto mais a vida diária
é reconstituída em termos do jogo dialético entre o local e o global,
tanto mais os indivíduos são forçados a escolher um estilo de vida a
partir de uma diversidade de opções (GIDDENS, 2002, p. 12-13).

Pense você: muito difícil imaginar que uma pessoa comum que viveu a
Idade Média tivesse “projetos de vida”. Nós, por sua vez, a cada final de ano
“avaliamos nossos projetos” ou pontuamos novos. Na nossa época, o planejamento
estratégico da vida assume especial importância. Como os padrões do estilo de
vida, os planos de vida de um tipo ou de outro são como que concomitantes
inevitáveis das formas sociais pós-tradicionais (GIDDENS, 2002, p. 19).

E o que seria esse “eu”, essa autoidentidade? Para Giddens (2002, p. 54):

A autoidentidade não é um traço distintivo, ou mesmo uma pluralidade


de traços, possuído pelo indivíduo. É o eu compreendido reflexivamente
pela pessoa em termos de sua biografia. A identidade ainda supõe
a continuidade no tempo e no espaço: mas a autoidentidade é essa
continuidade reflexivamente interpretada pelo agente. Isso inclui o
componente cognitivo da pessoidade [personhood]. Ser uma "pessoa"
não é apenas ser um ator reflexivo, mas ter o conceito de uma pessoa
(enquanto aplicável ao eu e aos outros). O que se entende por "pessoa"
certamente varia nas diferentes culturas, embora haja elementos dessa
noção que são comuns a todas elas. A capacidade de usar "eu" em
contextos diferentes, característica de toda cultura conhecida, é o traço
mais fundamental das concepções reflexivas da pessoidade.

Esse “eu”, essa “autoidentidade” é encarnada, possui uma dimensão


corporal. Nos ambientes de alta reflexividade, o corpo também é alvo de uma
tentativa de controle “mais ativo”. Ele passa a ser acompanhado, reflexivamente
monitorado, alinhando-se com os estilos de vida. Para Giddens (2002, p. 57), o
corpo é experimentado como um modo prático de enfrentar situações e eventos
exteriores, não sendo algo passivo.

A alta modernidade em Anthony Giddens.

Para Anthony Giddens (1991) a modernidade não acabou, estando


agora radicalizada na alta modernidade.

A alta modernidade é caracterizada pelo ceticismo generalizado


juntamente à razão providencial, em conjunto com o reconhecimento de que
a ciência e a tecnologia têm dois gumes, criando novos parâmetros de risco
e perigo ao mesmo tempo em que oferecem possibilidades benéficas para a
humanidade. Quer dizer, é uma época de incertezas globais.

FONTE: Disponível em: <http://www.ecoprofile.se/db/images/post15894.jpg>. Acesso em: 23 mar. 2018.

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TÓPICO 3 | GERAÇÃO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: BOURDIEU, HABERMAS E GIDDENS

E quais são as ideias principais de Anthony Giddens em relação à


educação? Sua visão a respeito da educação está intimamente vinculada à sua
visão de ‘reflexividade”. Segundo o autor:

A educação é um conceito mais amplo do que o ensino escolar formal,


e também pode deixar de ser considerado um estágio de preparação
que antecede o ingresso do indivíduo no mercado de trabalho. À
medida que muda a tecnologia, mudam as habilidades, e mesmo
se a educação for vista a partir de um ponto de vista puramente
vocacional – como capaz de proporcionar habilidades relevantes para
o trabalho – a maioria dos observadores concorda que, no futuro, os
indivíduos precisarão de uma educação que se estenda por toda a
vida. (GIDDENS, 2001c, p. 421).

Conforme discutimos anteriormente, Giddens não percebe o atual


momento de profundas transformações sociais como algo negativo, a ser
combatido. Nesse mundo destradicionalizado, o indivíduo pode e deve se
beneficiar da atual ‘reflexividade’. Muitas vezes, nossa época é qualificada como
era do conhecimento, resultando em sociedades do conhecimento. Ao invés do
tradicional modelo industrial, as dinâmicas de nosso presente disponibilizam
uma série de informações. Estas são distribuídas pelos meios de comunicação,
pela internet, pela educação. Giddens indica que as pessoas devem se beneficiar
desse fluxo de informações e atuar no mundo a partir dele, captando suas
oportunidades, melhorando a democracia etc.

Na teoria de Giddens, os indivíduos possuem um destaque fundamental.


Eles, a par desse mundo reflexivo, são capazes de lidar e controlar – mais ou
menos – suas atividades em distintas situações. Neste sentido, para o sociólogo
inglês, a educação tem esse papel: de contribuir decisivamente para exercitar a
reflexividade nos indivíduos e coletividades, lidando com saberes e conhecimentos
em seu cotidiano. Daí as escolas e as universidades são algumas instituições
responsáveis por esse treino. Mas não são as únicas. Por isso, Giddens (2001c, p.
422) enfatiza o aprendizado.

A ideia de uma educação – que implica a transmissão estruturada


do conhecimento dentro de uma instituição formal – vem dando
passagem a uma noção mais ampla de “aprendizado” que ocorre em
uma diversidade de ambientes. O deslocamento da “educação” para
o “aprendizado” não é irrelevante. Os aprendizes são atores sociais
curiosos, ativos, que podem extrair insights de uma multiplicidade de
fontes, não apenas dentro de um cenário institucional. A ênfase sobre
o aprendizado reconhece que as habilidades e o conhecimento podem
ser adquiridos por meio de todos os tipos de contato – com amigos e
vizinhos, em seminários e museus, em conversas no bar da esquina,
através da internet e outros meios de comunicação, e assim por diante.

As ideias e sociologias de Giddens reverberaram na política. Em torno


dele e de outros intelectuais, consolidou-se a ideia da Terceira Via. Dentro desse
grupo, que procurou sintetizar ideias liberais e sociais de economia e política, a
Educação virou uma espécie de discurso comum.

139
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Educação e treinamento tornaram-se o novo mantra para os políticos


socialdemocratas. Numa expressão famosa, Tony Blair descreve suas
três principais prioridades no governo como ‘educação, educação,
educação’. A necessidade de melhores qualificações educacionais
e de treinamento em habilidades é evidente na maioria dos países
industrializados, particularmente no que diz respeito aos grupos
mais pobres. Quem poderia negar que uma população bem-formada
é desejável para qualquer sociedade? O investimento em educação
é um imperativo do governo hoje, como uma base essencial da
‘redistribuição de possibilidades’ (GIDDENS, 2001a, p. 119).

DICAS

TERCEIRA VIA

Desde o final dos anos 1990, a Terceira Via vem sendo o principal discurso político-ideológico
a referendar a práxis hegemônica das elites dominantes e dirigentes do capitalismo global.
Trata-se de um renovado discurso que flexibiliza alguns dos dogmas do neoliberalismo
predominante até então, o que nos permite chamá-lo de “neoliberalismo de Terceira Via”.
Um de seus traços mais paradoxais é o de ter sido abraçado, como discurso e/ou programa
político, por alguns dos principais partidos e governos ditos de “esquerda” ou progressistas,
a começar pelo Novo Trabalhismo Inglês e o governo de Tony Blair. Esta metamorfose
intrigante das forças da esquerda “moderada”, assumindo discursos e práticas da direita
neoliberal, ainda que em um tom heterodoxo, como Terceira Via, é o assunto inicialmente
discutido neste texto (GROPPO; MARTINS, 2008, p. 216).

FONTE: Groppo e Martins (2008)

Para ele, a educação era a principal força de desenvolvimento no que se


refere ao capital humano e capital social (recorde a discussão que fizemos em
Bourdieu e os tipos de capitais). Segundo Giddens, a educação seria “o principal
investimento público que pode estimular a eficiência e a coesão social” (GIDDENS,
2001b, p. 78). Neste cenário:

A nova economia do conhecimento não triunfou completamente, mas


está a ponto de conseguir tal vitória. Em combinação com os aspectos
mais amplos da globalização, ela assinala uma transição importante na
natureza da atividade econômica. [...] Sociedades ou regiões inteiras
podem passar de agrárias para uma economia do conhecimento sem
atravessar uma fase de industrialização ao velho estilo (GIDDENS,
2001b, p. 74-75).

Por isso, em nosso mundo globalizado e reflexivo, a educação teria de


acompanhar tais mudanças, se concentrando em capacidades que os indivíduos
podem empregar e desenvolver ao longo da vida, numa lógica de aprendizagem
contínua, sem estar restrito à escola ou à universidade.

140
TÓPICO 3 | GERAÇÃO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: BOURDIEU, HABERMAS E GIDDENS

LEITURA COMPLEMENTAR

Mészáros: a educação para além do capital

As pesquisas educacionais contemporâneas de inspiração marxista


contam também com a obra já consolidada, mas ainda em construção, do filósofo
húngaro István Mészáros (1930-). Ao publicar livro e viajar para dar conferências
em vários países, entre eles o Brasil, Mészáros difunde a sua abordagem crítica
das formas de educação alienantes das sociedades capitalistas e propõe uma
perspectiva política socialista “para além do capital”.

A obra de Mészáros vem se constituindo em um referencial importante


para a abordagem marxista na pesquisa educacional. Combinando a pesquisa
filosófica com a defesa de uma perspectiva política socialista, sua concepção
educativa parte da crítica à educação voltada para os interesses das classes
dominantes do capitalismo, para propor uma educação “para além do capital”.
Para Mészáros (1981, p. 261), “a tarefa de transcender as relações sociais de
produção capitalistas, alienadas, deve ser concebida na estrutura global de uma
estratégia educacional socialista”.

A pesquisa em sociologia da educação pode apropriar-se da obra de


Mészáros, a qual apresnta aos pesquisadores uma perspectiva que considera
a educação uma dimensão do ser social, inserida no conjunto da vida social, e
não um fator isolado próprio de uma fase específica de formação dos membros
da sociedade, ou processos de educação formal promovidos nas instituições
escolares. Assim analisada, a educação deve ser tanto pesquisada como projetada,
visando à construção de uma forma de sociabilidade livre de alienação, e não a
perpetuação do domínio do capital e das sociedades capitalistas. “Por isso que
é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação
de uma alternativa educacional significativamente diferente”, propõe Mészáros
(2005, p. 27), uma alternativa que supere a concepção segundo a qual a educação
deve ser tratada como um serviço e vendida no mercado como qualquer outra
mercadoria, com o objetivo de qualificar os indivíduos para o trabalho nas
organizações capitalistas.

A “lógica do capital” a que se refere o filósofo foi extensamente estudada


na clássica obra Para além do capital – Rumo a uma teoria da transição, na qual a
sociedade capitalista é entendida como um sistema socioeconômico baseado na
relação social de alienação que separa o trabalho, realizado diretamente pelos
trabalhadores, do controle administrativo e político, realizado pelas classes
dominantes e seus representantes sobre o trabalho, graças à sustentação legal,
administrativa e policial que o Estado garante para a manutenção da divisão
hierárquica do trabalho. Para Mészáros, a sociedade capitalista foi formada
historicamente pelo capital, pelo trabalho e pelo Estado, que se combinam em
uma totalidade social complexa com a qual os seres humanos devem contribuir
direta ou indiretamente para a acumulação capitalista. O sistema se constitui
de modo a controlar as variáveis produtivas que lhe garantirão a reprodução

141
UNIDADE 2 | PERCURSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

ampliada do capital, englobando, para tanto, desde as pequenas empresas até


as corporações de empresas transnacionais em um sistema metabólico que gera
sempre um maior fortalecimento dos que em si já são mais fortes, causando
a alienação dos trabalhadores, transformados em meros objetos do sistema
econômico (ANTUNES, 2002, p. 17).

Educação, competência técnica e valores

Os processos educacionais nas sociedades capitalistas destinam-se a


reproduzir as competências necessárias para o funcionamento das empresas e
também os valores individualistas, consumistas, competitivos e hierárquicos que
orientam os indivíduos na vida cotidiana. Mészáros denomina esse processo
de “interiorização” pelos indivíduos das pressões exteriores das sociedades de
mercado, tornando-os seres alienados em seus sentidos físicos e mentais, pois
se voltam para a preocupação individualista com o “ter”, ou seja, com a posse
de propriedades, e não com o cultivo do seu “ser” por meio da convivênvia e do
desenvolvimento livre de seus sentidos. Segundo a concepção crítica de Mészáros
(2005, p. 35), a educação promovida pelos sistemas escolares nas sociedades
capitalistas produz e transmite aqueles saberes que, uma vez colocados em
prática pelos trabalhadores educados no sistema, contribuem para a reprodução
ampliada do capital. Esses sistemas também difundem as ideologias que legitimam
os interesses dominantes, ao promover a substituição dos trabalhadores à ordem
hierárquica das organizações capitalistas.

Manifestando uma influência recebida do pensamento de Gramsci,


Mészáros defende também que, nesse processo de interiorização de competências
técnicas e valores, “os indivíduos contribuem para a manutenção de uma
concepção de mundo e para a manutenção de uma forma específica de intercâmbio
social, que corresponde àquela concepção de mundo” (MÉSZÁROS, 1981, p. 260).

Uma sociologia da educação baseada no referencial téorico proposto por


Mészáros orienta a investigação de valores e habilidades que contribuem para a
manutenção da dependência do trabalho ao capital, tanto nos processos educativos
informais como por meio da educação escolar. A investigação evidencia, assim,
como a educação se torna profundamente problemática sob o capitalismo, pois
contribui para a desumanização dos seres humanos. Para tanto, identifica e critica
as concepções educativas e os mecanismos práticos com os quais os processos
educativos se subordinam à racionalidade da lógica da competição pelo lucro e
pela propriedade nas sociedades capitalistas.

Mas a sociologia da educação pode também investigar as alternativas


propostas para a superação da divisão hieráquica do trabalho e da dependência
do trabalho em relação ao capital, com uma “progressiva devolução às pessoas dos
poderes alienados de decisão política” (MÉSZÁROS, 2002, p. 30), tendo em vista a
construção de um sistema de controle social que instaure uma sociedade igualitária.

FONTE: Disponível em: <https://docslide.com.br/documents/meszaros-istvan-para-alem-do-


capital-rumo-a-uma-teoria-da-transicao.html>. Acesso em 19 abr. 2018.

142
RESUMO DO TÓPICO 3
• Neste tópico, estudamos os sociólogos que indicamos como partes da geração
da segunda metade do século XX, destacando Pierre Bourdieu, Jürgen
Habermas e Anthony Giddens.

• Pierre Bourdieu é um autor muito importante no campo da Sociologia da


Educação. Suas reflexões, em conjunto com Passeron, promoveram uma
ruptura metodológica e teórica em torno de como a educação era concebida.
Eles enfatizaram aspectos como a falsa neutralidade da escola e seu papel na
reprodução dos discursos dominantes e das desigualdades estruturais das
sociedades.

• Jürgen Habermas retoma os estudos desenvolvidos por colegas da Escola de


Frankfurt para compreender o processo de socialização das novas gerações
através da educação, dando destaque para a noção de esclarecimento e de agir
comunicativo.

• Anthony Giddens, sociólogo inglês, é conhecido por sua Teoria da Estruturação


Social e pelas suas análises institucionais da Modernidade. Em sua discussão
sobre a educação, ele destaca o papel da reflexividade no atual contexto social
de relações globais.

143
AUTOATIVIDADE

1 Entre os autores discutidos nos tópicos 2 e 3, podemos identificar elementos


comuns nas abordagens de autores como Gramsci, Habermas e Althusser
quando considerando que ambos retomaram reflexões de Karl Marx para
analisar a sociedade de seu tempo e elaborar uma crítica à educação no
contexto do capitalismo. Considerando esses pensadores, analise as sentenças
fazendo uso do código a seguir:

I – Gramsci
II – Habermas
III – Althusser

( ) A escola é um Aparelho Ideológico de Estado que busca moldar o


comportamento dos sujeitos para inserção na estrutura social.
( ) O agir comunicativo promove a aprendizagem de valores morais, de
conhecimentos práticos e da regulação de conflitos.
( ) A educação é um elemento central para a naturalização das relações
sociais de exploração no capitalismo.
( ) A educação deve ser defendida em sua forma humanística voltada para
a promoção da democracia e da liberdade.

Agora assinale a alternativa que corresponde à sequência CORRETA:

a) ( ) III – II – III – I.
b) ( ) II – I – I – III.
c) ( ) I – III – III – II.
d) ( ) II – II – I – III.

2 Pierre Bourdieu é um dos mais destacados sociólogos no campo da


Educação. Sua postura face às questões escolares produziu uma revolução na
maneira como se tratava a educação e suas relações com a sociedade. Sobre
o pensamento de Bourdieu em relação à educação, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) Pierre Bourdieu é considerado um dos principais teóricos da Sociologia


Contemporânea, ao pensar a escola como um Aparelho Ideológico de
Estado, dando sequência na discussão realizada por Louis Althusser.
b) ( ) Pierre Bourdieu pode ser considerado um dos principais teóricos
da Sociologia da Educação, porque em suas análises ele aponta a
importância do afeto e do carinho na criação das crianças, pensando
cada menino e menina como uma flor em um jardim.
c) ( ) Pierre Bourdieu pode ser considerado um dos principais teóricos da
Sociologia da Educação porque possuiu uma visão extremamente
crítica do sistema escolar francês, denunciando seu caráter reprodutor
dos valores dominantes.
144
3 (ENADE, 2017, questão modificada). O sociólogo Anthony Giddens é
um dos pensadores que têm se dedicado ao debate das características e
mudanças das sociedades na contemporaneidade, buscando compreender
qual é a pertinência do conceito de modernidade para analisá-las. Ao refletir
sobre os aspectos institucionais e epistemológicos da modernidade, o autor
problematiza algumas leituras dominantes sobre o tema na sociologia, a fim
de compreender as intensas transformações nas sociedades contemporâneas.
A partir dessa contextualização, avalie as afirmações a seguir, relativas ao
pensamento de Giddens sobre as sociedades contemporâneas e o conceito de
modernidade.

I – Giddens defende que os tempos atuais não podem ser considerados


como ‘pós-modernos’, mas como um período no qual as consequências da
modernidade têm se tornado mais radicalizadas e universalizadas.
II – Segundo o autor, a modernidade caracteriza-se pela relação de proximidade
e unicidade entre o tempo e o espaço, que possibilita a reprodução, em caráter
global, de fórmulas de mediação e do registro do tempo.
III – Esse autor afirma que a modernidade se caracteriza pela constante
reflexão sobre as práticas sociais, examinadas e reformadas à luz de
informação renovada, o que altera seu caráter, em um processo que ele chama
de reflexividade.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) I e II.
b) ( ) II e III.
c) ( ) I e III.
d) ( ) I.

145
146
UNIDADE 3

A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA
CONTEMPORANEIDADE

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta unidade tem por objetivos:

• discutir a presença dos Estudos Culturais e do Multiculturalismo no cam-


po da educação;

• apresentar o contexto do desenvolvimento da Sociologia da Educação no


Brasil; 

• analisar as relações entre sociedade, educação e escola a partir de temas


da sociologia da Educação;

PLANO DE ESTUDOS
A Unidade 3 está dividida em três tópicos e ao fim de cada um deles você
encontrará um resumo dos conteúdos e questões de autoatividade que
contribuirão para a reflexão e análise dos conteúdos abordados.

TÓPICO 1 – ESTUDOS CULTURAIS, MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO

TÓPICO 2 – A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL 

TÓPICO 3 – TEMAS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

147
148
UNIDADE 3
TÓPICO 1

ESTUDOS CULTURAIS,
MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
A intenção deste tópico é abordar alguns fenômenos contemporâneos
de interesse sociológico e com repercussões no campo da educação. Para
dar conta deste interesse, indicamos duas formações teóricas e políticas que
se desenvolveram ao longo das últimas oito décadas: os estudos culturais e o
multiculturalismo.

São duas respostas intelectuais e de luta política frente a questões trazidas


pelas grandes mudanças sociais experimentadas ao longo do século XX. Uma
dessas mudanças está ligada às transformações de sentido da palavra cultura,
bem como suas implicações no campo das disputas sociais e econômicas. Da
mesma forma, a realidade de duas guerras mundiais, que alteraram o mapa
da geopolítica do poder, e os efeitos da globalização, estimularam que a partir
de 1960 ocorre um movimento que deu centralidade à dimensão da cultura no
contexto das sociedades.

Uma das mais impactantes é a sua aproximação com a política. A


territorialização da cultura por parte da política, e vice-versa, a partir dos
profundos deslocamentos conceituais que ocorreram no último século e no início
deste, resultou na ampliação dos usos possíveis da cultura, considerada agora
importante recurso mobilizado por uma infinidade de agentes sociais, públicos,
privados e estatais, urbanos, rurais ou tradicionais para os mais diversos fins e
justificativas.

Neste sentido, as propostas e respostas teóricas apontadas por essas


duas formações intelectuais e políticas reverberam na educação. Como vimos na
Unidade 2, inúmeras foram as contribuições que retiraram o véu de neutralidade
tanto da educação quanto das instituições escolares. Pesquisas como as levadas a
cabo por Pierre Bourdieu e J. Passeron indicaram quão desiguais são os processos
educacionais, a partir do caso francês. Além de desiguais, esses mecanismos
tinham ainda o poder de apagar a diferença.

Assim, os estudos culturais e o multiculturalismo se debruçaram sobre


os processos e os produtos culturais, a recepção das mensagens das mídias de
massa, bem como, da produção social das identidades e da diferença.

149
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

2 ESTUDOS CULTURAIS E AS SUAS RELAÇÕES


COM A EDUCAÇÃO
Dentro da proposta de discutir temas atuais e relacionados à Sociologia
da Educação, exploramos duas disciplinas que contribuíram para a reorientação
do olhar sobre os processos da educação: os Estudos Culturais e os Estudos Pós-
coloniais.

Essas duas disciplinas são maneiras de pensar as relações sociais, o


indivíduo, a sociedade e as novas configurações globais que surgiram no século
XX. Os Estudos Culturais apareceram entre as décadas de 1940 e 1950, ao passo
que os Estudos Pós-coloniais tiveram relevância a partir dos anos 1960.

Estes campos de pesquisa e de investigação surgiram como respostas aos


movimentos de mudanças globais e que transformaram as relações sociais.

Trata-se de um período bastante intenso do século XX. A década de 1950


assistiu ao avanço da indústria cultural e da cultura de massas, enquanto os anos
1960 consolidaram a independência de inúmeros países na África e Ásia de países
europeus. É neste cenário que estas linhas de pesquisas surgiram no interior de
campos como a Sociologia, a Literatura, a História e/ou a Antropologia.

2.1 OS ESTUDOS CULTURAIS


O que são os Estudos Culturais (EC)? Qual é a sua origem e foco de
interesse? O que representa esse movimento intelectual para as Ciências Humanas
e Sociais? São questões sobre as quais procuramos dar algumas pistas para uma
reflexão adequada.

Os EC representam um movimento ou uma formação teórica, intelectual


e política que agregou alguns autores em torno da discussão a respeito da
cultura e das produções culturais no interior da sociedade inglesa. Têm origem
no Reino Unido a partir de alguns autores que se tornaram conhecidos como os
‘fundadores’ dos EC, a saber:

- Raymond Williams: Cultura e sociedade (Culture and society, 1780-1950,


publicado em 1958).
- Richard Hoggart: Os usos da literatura (The uses of literacy, publicado em 1957).
- Edward E. Thompson: A formação da classe operária inglesa (The making of
English working class, 1963).

150
TÓPICO 1 | ESTUDOS CULTURAIS, MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO

DICAS

Os três fundadores dos EC e suas primeiras reflexões.

FIGURA 1 - RICHARD HOGGART (1918-2014)

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/gQhCyE>. Acesso em: 28


mar. 2018.

Na pesquisa realizada por Hoggart, o foco de atenção recai sobre materiais culturais,
antes desprezados, da cultura popular e dos meios de comunicação de massa, através
de metodologia qualitativa. Esse trabalho inaugura o olhar de que no âmbito popular não
existe apenas submissão, mas também resistência, o que, mais tarde, será recuperado
pelos estudos de audiência dos meios massivos. Tratando da vida cultural da classe
trabalhadora, transparece nesse texto um tom nostálgico em relação a uma cultura
orgânica dessa classe.

FIGURA 2 - RAYMOND WILLIAMS (1921-1988)

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/w7EnJ5>. Acesso em: 28 mar. 2018.

151
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

A contribuição teórica de Williams é fundamental para os Estudos Culturais a partir de


Culture and Society (1958). Através de um olhar diferenciado sobre a história literária,
ele mostra que cultura é uma categoria-chave que conecta a análise literária com a
investigação social. Seu livro The Long Revolution (1961) avança na demonstração da
intensidade do debate contemporâneo sobre o impacto cultural dos meios massivos,
mostrando um certo pessimismo em relação à cultura popular e aos próprios meios de
comunicação.

FIGURA 3 - EDWARD THOMPSON (1924-1993)

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/X7zEm5>. Acesso em: 28


mar. 2018.

Em relação à contribuição de Thompson, pode-se dizer que ele influencia o


desenvolvimento da história social britânica de dentro da tradição marxista. Para ambos,
Williams e Thompson, cultura era uma rede vívida de práticas e relações que constituíam
a vida cotidiana, dentro da qual o papel do indivíduo estava em primeiro plano. Mas, de
certa forma, Thompson resistia ao entendimento de cultura enquanto uma forma de vida
global. Em vez disso, preferia entendê-la enquanto um enfrentamento entre modos de
vida diferentes.

FONTE: Escosteguy (1998)

O cenário que deu origem aos EC é marcado por alterações experimentadas


pela sociedade inglesa do pós-Segunda Guerra Mundial, com o fim do colonialismo
britânico e nas modificações das estruturas de classes sociais. As suas primeiras
pesquisas e publicações têm início no final dos anos 1950, sendo incorporados
às universidades britânicas nos anos 1960, a partir do Centro para Estudos
Culturais Contemporâneos (Centre for Contemporary Cultural Studies - CCCS), da
Universidade de Birmingham (CEVASCO, 2003; ESCOSTEGUY, 2001). Dentro do
ambiente universitário, o principal foco de interesse dos EC foram:

As relações entre a cultura contemporânea e a sociedade, isto é, suas


formas culturais, instituições e práticas culturais, assim como suas
relações com a sociedade e as mudanças sociais, vão compor o eixo
principal de observação do CCCS (ESCOSTEGUY, 2003, p. 27).

152
TÓPICO 1 | ESTUDOS CULTURAIS, MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO

Estes autores e obras deram início a um campo teórico hoje em expansão,


abrindo uma nova perspectiva em torno da percepção sobre as relações entre
cultura e sociedade. Os EC, neste sentido, indicam uma posição teórica que:

[...] se distingue por pensar as características da arte e da sociedade


em conjunto, não como aspectos que devem ser relacionados, mas
como processos que têm diferentes maneiras de se materializar, na
sociedade e na arte. Os projetos artísticos e intelectuais são constituídos
pelos processos sociais, mas, também, constituem esses processos na
medida em que lhe dão forma (CEVASCO, 2003, p. 64).

Os EC não configuram uma “disciplina”, mas uma área onde diferentes


disciplinas interagem, estudando aspectos culturais da sociedade. Podem ser
vistos como um campo de estudos em que diversas disciplinas se interseccionam
no estudo de aspectos culturais da sociedade contemporânea, constituindo um
trabalho historicamente determinado (ESCOSTEGUY, 2003).

Segundo Renato Ortiz (2004, p. 121), os EC se caracterizam por sua


dimensão multidisciplinar, a quebra das fronteiras tradicionalmente estabelecidas
nos departamentos e nas universidades. O interesse central dos estudos culturais é
perceber as intersecções entre as estruturas sociais e as formas e práticas culturais
(ESCOSTEGUY, 2003).

Ainda nesse sentido, os EC podem ser percebidos como um campo de


estudos que trata “especialmente das análises que abordam as relações entre
comunicação e cultura” (ESCOSTEGUY, 2001, p. 20). Desta forma, os estudos
ligados aos EC procuram refletir sobre a “cultura midiática, incluindo tanto os
meios, os produtos e as práticas culturais – ou seja, referem-se tanto à natureza e
à forma dos produtos simbólicos quanto ao circuito de produção, distribuição e
consumo (p. 22).

De acordo com Raymond Williams (1969), os Estudos Culturais


preocupam-se com o nível micro das relações sociais, isto é, com as práticas e
produções culturais manifestas, requerendo, na sua abordagem global, observar
os meios materiais de produção cultural e as suas ligações com as formas culturais
concretas.

Os EC, como dissemos, mostraram-se um empreendimento teórico


original a seu tempo. Segundo Escosteguy (2001, p. 19), eles representam “uma
tendência importante da crítica cultural”, questionando as relações entre cultura
e sociedade, criticando as perspectivas elitistas de cultura. Estas visões criticadas
estabeleciam “hierarquias entre formas e práticas culturais, estabelecidas a
partir de oposições como cultura ‘alta’ ou ‘superior’ e ‘baixa’ ou ‘inferior’”. Os
EC britânicos, então, se aproximaram da cultura dos “de baixo”, enfatizando,
principalmente, a cultura popular.

153
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

DICAS

Cultura popular

A cultura popular nos indica inúmeros fenômenos, manifestações e expressões de


cunho cultural que têm origem nos segmentos populares, isto é, no povo. Tem um
caráter espontâneo e é resultado das interações entre diversos grupos populares,
estando associada ao conhecimento popular, ao senso comum. Geralmente, representa
expressões cujos produtores se encontram na parte de baixo das estruturas sociais e
econômicas das sociedades. É encontrada em todos os países.
No caso brasileiro, pela sua formação social, podemos perceber inúmeras expressões
populares, como o carnaval, o samba, o nosso folclore, as festas populares e religiosas,
danças e gastronomia.

De uma maneira geral, está em oposição à “cultura erudita” ou “alta cultura”, associada
à cultura universal, legitimada e difundida por instituições como o Estado e a escola.
Os produtos da alta cultura estão ligados ao universo das camadas sociais dominantes,
consideradas ‘superiores’ à cultura popular.

FIGURA 4 - FESTA JUNINA, EXEMPLO DE CULTURA POPULAR BRASILEIRA

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/4NdQoL>. Acesso em: 28 mar. 2018.

O que os EC ingleses nos indicaram foi uma centralidade para a cultura


no interior das sociedades. Eles procuraram se afastar ou criticar as perspectivas
que pensavam a cultura em termos abstratos ou ligados somente ao cultivo do
espírito, que apenas reforçariam as ligações entre cultura e civilização. Neste
sentido, a cultura aparece nos EC como um fenômeno complexo e heterogêneo,
não restrito à herança e à tradição recebidas de gerações passadas. A cultura
foi percebida como uma dimensão fundamental das sociedades e da realidade
social, carregada de relações de poder e de onde os indivíduos e grupos sociais
modificam constantemente o seu sentido.

154
TÓPICO 1 | ESTUDOS CULTURAIS, MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO

O deslocamento principal ficou caracterizado pelo fato de que não é mais


através da dicotomia Cultura Erudita versus Cultura de Massas que se desenvolve
o debate cultural, mas sim numa esfera mais política, a da produção das identidades e
das relações de poder.

Os EC contribuíram para mudar uma perspectiva de consumo cultural


passivo. Os temas tratados pelos EC se caracterizaram por enfatizar a atividade
humana e sua produção ativa da cultura. A consequência desse debate foi “a
revisão dos cânones estéticos ou mesmo de identidades regionais e nacionais
que se apresentam como universais ao negarem ou encobrirem determinações de
raça, gênero e classe” (ESCOSTEGUY, 2003, p. 47).

Neste sentido, a cultura aparece como elemento constitutivo de muitos


processos sociais, não apenas a sua aparência. Não foi à toa que nos anos 1950-1960
a cultura se relaciona com outros fenômenos típicos da época, como a ascensão
de reivindicações de corte identitário no impulso dos movimentos sociais de
gênero, ecológico, pacifistas, muitos deles referindo-se a si próprios como
minorias culturais.

FIGURA 5 - CULTURA, ESTUDOS CULTURAIS, CULTURA MATERIAL E COTIDIANA

FONTE: Disponível em: <https://i.ytimg.com/vi/YMJVkkikI2I/maxresdefault.jpg>. Acesso


em: 28 mar. 2018.

155
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

DICAS

CULTURA, SOCIEDADE E OS ESTUDOS CULTURAIS

A palavra cultura e aquilo que ela indica e significa vêm se modificando ao longo do
tempo. As primeiras referências à cultura não possuíam os sentidos que atualmente mais
empregamos. Até o século XVI, a cultura era percebida como algo ligado ao cultivo da terra
ou a habitar um espaço, tendo origem na palavra latina ‘colere’.

A partir do século XVIII, a cultura passou a ser percebida, também, na forma de uma metáfora
para indicar o cultivo de mente e do espírito a partir do estudo e da reflexão e consumo
de produtos culturais elevados. Ao mesmo tempo, nessa época, a cultura se aproximou
da definição de ‘civilização’. Somente os povos civilizados possuíam cultura, por exemplo.
Assim, ao final do século XVIII, cultura tinha o sentido de cultivo (como de tomates), mas,
também, para “designar um processo geral de progresso intelectual e espiritual tanto na
esfera pessoal quanto social (CEVASCO, 2003, p. 9).

Durante o século XIX, a cultura passou por novos sentidos, especialmente, a partir da
contribuição da Antropologia. Foi nessa disciplina que apareceu o primeiro conceito
científico de cultura, elaborado por Edward Tylor em 1871, que definiu a cultura como “um
todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer
outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”
(TYLOR, 1871 apud LARAIA, 1986, p. 25). Tylor entendia a cultura como um fenômeno
natural, e como tal poderia ser analisado sistematicamente, visando à formulação de leis
que explicassem sua gênese e transmissão. Com isso, a cultura, além dos significados
anteriormente indicados, passou a ter uma perspectiva que se tornou crítica, num ambiente
de aceleradas mudanças sociais (CEVASCO, 2003).

Já no século XX, a cultura passou a ser associada, ainda, a um campo autônomo das
sociedades, ligando-se ao universo das Artes. Incluem-se nesses sentidos os produtos
culturais como obras visuais, musicais, literárias etc. Para Loïc Wacquant (2005), o campo
artístico é “esta arena particular, ou espaço estruturado de posições e tomadas de posição,
onde indivíduos e instituições competem pelo monopólio sobre a autoridade artística à
medida que esta se autonomiza dos poderes econômicos, políticos e burocráticos” (p. 117).
O campo artístico representa um “campo de força” que tem determinado monopólio sobre
saberes específicos, acionando estratégias de legitimação e de rompimento, mas sempre
de assimilação por esta “rede de determinações objetivas”. Assim, para entender a lógica
de funcionamento do campo de produção cultural é necessário identificar quais poderes
são acionados e questionados, que estruturas e instituições são criadas, conservadas ou
desmanteladas, bem como trajetórias artísticas individuais reforçam ou contestam posições
dentro do campo.

Já nos anos 1960, em pleno século XX, a cultura ganhou centralidade, sendo percebida
cada vez mais como “culturas”, no plural, influenciadas pelos meios de comunicação, pelas
dinâmicas da globalização ou pelos padrões de mudanças identitárias. Neste cenário, os
Estudos Culturais aparecem como fundamentais para essa mudança e centralidade da
cultura, onde, “a Cultura, com maiúscula, é substituída por culturas no plural. O foco não é
mais a conciliação de todos nem a luta por uma cultura em comum, mas as disputas entre
as diferentes identidades nacionais, étnicas, sexuais ou regionais” (CEVASCO, 2003, p. 24).

FONTE: Cevasco (2001); Laraia (1986)

156
TÓPICO 1 | ESTUDOS CULTURAIS, MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO

Todavia, mesmo que Williams, Hogart e Thompson tenham trabalhado


juntos em instituições e projetos educacionais e de abordarem aspectos ligados
às relações “cultura e sociedade’, os EC não possuem uma direção teórica única,
nem mesmo, um único objeto de estudo. Como indicou Cevasco (2003, p. 64), os
EC se “caracterizam pela polêmica e pela falta de direções consagradas”.

Atualmente, as pesquisas que se intitulam EC têm crescido mundo afora.


Depois de emergir no Reino Unido e de ter uma importante recepção nos EUA,
hoje é possível encontrar investigações nessa linha em todos os continentes e
países, como é o caso da América Latina e do Brasil.

Segundo Cevasco (2003), o mundo presente é marcado pela mercantilização


de suas relações sociais, onde a vida em sociedade está cada vez mais dominada
pela mercadoria e pelas técnicas de marketing. Diante desse avanço dos meios de
comunicação e da indústria cultural, ocorreu a homogeneização, a padronização de
valores e produtos culturais, tornados mercadorias apropriadas pelos mercados.
Dentro deste contexto, o entendimento de como os produtos culturais modelam
e informam as identidades sociais, os EC aparecem como um importante “projeto
intelectual às modificações que marcam a sociedade contemporânea dos meios
de comunicação de massa” (CEVASCO, 2003, p. 166).

DICAS

Meios de comunicação de massa, produtos culturais e a indústria cultural

“Indústria cultural” é um termo cuja origem está na Escola de Frankfurt, nas figuras de
Theodor Adorno e Max Horkheimer, na obra “Dialética do esclarecimento”.

É fruto da estandardização de bens e objetos ditos culturais, através de sua massificação


utilizando-se de mecanismos de tipo racional, da organização empresarial, de distribuição
desses produtos.

Conforme Teixeira Coelho (1993, p. 6), existem fortes vínculos entre os conceitos de
"Indústria cultural, os meios de comunicação de massa, e a cultura de massa, expressões
hoje comuns e que fazem parte obrigatória de todo discurso sobre esta área”. A televisão e
o rádio foram fundamentais.

FONTE: Coelho (1993); Adorno e Horkheimer (1985)

157
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

A América Latina é um espaço de heterogeneidades culturais, pluralidades


étnicas, diversidades econômicas, experiências diferentes e desigualdades
estruturais. Num universo multicultural, os Estudos Culturais se consolidam
nesta parte do globo a partir dos anos 1980-1990. Os principais nomes ligados
aos EC na América Latina são os pesquisadores Jesús Martín-Barbero e Néstor
García Canclini. Os EC latino-americanos se desenvolvem a partir do espaço
acadêmico, no interior das universidades. Apesar de consolidados, a posição
desses estudos – se comparada com a sua inserção nos EUA e Europa – é precária,
ligando-se a linhas de pesquisas em programas de mestrado e de doutorado. O
foco das suas investigações se direcionou para os meios de comunicação e para os
aspectos da cultura popular. Em tempos mais recentes, os EC latino-americanos
se aproximaram dos estudos de gênero e da construção social das identidades
(ESCOSTEGUY, 2003).

No Brasil, o campo dos EC se consolidou apenas em 1990. Mas, pensando


o contexto universitário brasileiro e a inserção das ciências sociais, foi somente a
partir de 1930 que Sociologia ou Antropologia, por exemplo, foram integradas às
nossas universidades. Não compunham uma área disciplinar, estavam ligadas
aos núcleos centrais da produção dos EC – Inglaterra e EUA – e com algum
diálogo com os EC latino-americanos (ORTIZ, 2004).

Discutidas as bases e premissas elementares para o entendimento dos


Estudos Culturais, passamos agora a discutir outra linha teórica ou formação
intelectual ligada ao próprio desenvolvimento dos Estudos Culturais: Os Estudos
Pós-coloniais.

3 CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS CULTURAIS PARA O


CAMPO DA EDUCAÇÃO
Na história dos Estudos Culturais britânicos aparece desde o princípio
o tema da Educação. Aliás, eles ganham contornos a partir de um experimento
de esquerda voltado à educação de adultos. Por meio da Worker´s Education
Association (WEA), Hoggart, Williams e Thompson lecionaram para grupos de
trabalhadores por meio de um projeto didático experimental, interdisciplinar e
carregado de engajamento político. Segundo Cevasco (2003, p. 62):

A WEA defendia uma educação pública e igualitária que promulgasse


os valores de uma cultura em comum, em contraposição aos esforços
elitistas dos adeptos de uma cultura de minoria [...]. Parte importante
dessa iniciativa era pensar uma nova consciência social e uma nova
civilização que influísse a classe trabalhadora como um todo. [...] e a
educação era a ocasião de troca entre intelectuais e trabalhadores, cada
um educando o outro [...].

Mas o papel dos Estudos Culturais na educação não se resume a este


experimento associativo de cunho pedagógico. Os temas propostos pelos EC no

158
TÓPICO 1 | ESTUDOS CULTURAIS, MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO

tocante ao papel da cultura na vida social, dos produtos culturais e dos meios de
comunicação, bem como da questão identitária, tornaram-se importantes linhas
de pesquisa no interior da educação.

Vejamos o caso da identidade e da diferença.

FIGURA 6 - EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E INCLUSÃO

FONTE: Disponível em: <https://escolapt.files.wordpress.com/2015/06/educac3a-


7c3a3oinclusiva1.png>. Acesso em: 29 mar. 2018.

Do ponto de vista da produção social das identidades e das diferenças, os


EC foram bastante produtivos. Como indicou Stuart Hall (2014), somos herdeiros
de um tipo de identidade social unificada e estável. Esse formato de identidade
se confundia, também, com uma espécie de identidade nacional. No entanto, as
dinâmicas atuais têm levado à fragmentação das identidades experimentadas
pelos indivíduos, ganhando outros contornos.

Neste sentido, atualmente, a percepção é de que todas as identidades


seriam “contingentes às condições históricas, sociais, culturais, políticas”
(BURITY, 1997, p. 139-140). As identidades essencialistas, por sua vez, são “não
contemporâneas com o seu tempo e fazem mal aos corpos dos que as carregam”
(BURITY, 1997, p. 145).

Denys Cuche, em “A noção de cultura nas ciências sociais” (1997), afirma que
a identidade de um indivíduo é uma construção que se elabora em uma relação
que opõe um grupo aos outros grupos:

159
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

[...] se caracteriza pelo conjunto de suas vinculações em um sistema


social: vinculado a uma classe sexual, a uma classe de idade, a uma
classe social, a uma nação, etc. A identidade permite que o indivíduo
se localize em um sistema social e seja localizado socialmente (CUCHE,
1997, p. 177).

Para Cuche (1997, p. 183), “não há identidade em si, nem mesmo


unicamente para si, ela existe sempre em relação a uma outra”, portanto, a
identidade não pode ser concebida como fechada em si, uma unidade essencial.

O que queremos dizer quando argumentamos que as identidades têm


origem em processos sociais de produção e diferenciação de sentidos? A produção
social e a percepção de identidades estão vinculadas às condições sociais, simbólicas
e materiais em que se inserem os indivíduos e grupos (WOODWARD, 2015).

Um elemento importante nesse processo social de identidades é a


diferença. A produção social da identidade é marcada pela diferença, sustentada
pela exclusão dos diferentes, sendo sustentada e reproduzida pela linguagem
e por meio de símbolos (WOODWARD, 2015). Mas, o que é a diferença dentro
desse jogo que é produção e identificação que é a identidade da gente?

Em geral, consideramos a diferença como um produto derivado da


identidade. Nesta perspectiva, a identidade é a referência, é o ponto
original relativamente ao qual se define a diferença. Isso reflete a
tendência a tomar aquilo que somos como sendo norma pela qual
descrevemos ou avaliamos aquilo que não somos. [...]. Numa visão
mais radical [...] considerar a diferença não simplesmente como
resultado de um processo, mas como o processo mesmo pelo qual
tanto a identidade quanto a diferença são produzidas. [...] como ato ou
processo de diferenciação (SILVA, 2015, p. 76).

Desta forma, os EC contribuíram para problematizar as visões tradicionais


que eram direcionadas aos agentes escolares, como professores, estudantes
e comunidades. Essas discussões abriram espaço e privilegiaram as relações e
interações que se estabeleciam no ambiente e na cultura escolar. Proporcionou
debater as inúmeras identidades geracionais, de gênero ou étnicas que são
percebidas na Escola, principalmente a pública.

4 MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO
Embalados pelos Estudos Culturais e Pós-coloniais, que levaram a outro
nível as discussões sobre o papel e o significado das culturas, foram investigadas
as relações entre estas formações teóricas e o campo da educação. No bojo desses
movimentos intelectuais, emergiu o conceito de MULTICULTURALISMO,
bastante relevante e pertinente para a pesquisa na educação.

160
TÓPICO 1 | ESTUDOS CULTURAIS, MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO

O multiculturalismo se destaca como uma das preocupações dos


Estudos Culturais. A multiplicidade de culturas e a pluralidade
de identidades, em face de relações de poder assimétricas, geram
a necessidade de questionar e desafiar práticas silenciadoras de
identidades culturais. Particularmente, as questões de racismos,
machismos, preconceitos e discriminações, tão importantes para a
escola e o currículo, só podem ser analisadas produtivamente sob uma
perspectiva que leve em conta as contribuições dos Estudos Culturais
(SILVA; BRANDIM, 2008, p. 62).

O que é o multiculturalismo? O multiculturalismo tem origem nas


lutas sociais dos movimentos negros e de gênero nos EUA. Noutras palavras, a
origem e o conceito de multiculturalismo estão relacionados “com a política das
diferenças e com o surgimento das lutas sociais contra as sociedades racistas,
sexistas e classistas” (TORRES, 2001, p. 196).

Procurando caracterizar o que é multiculturalismo, Stuart Hall (2003, p.


52) indica que:

Multicultural é um termo qualificativo. Descreve as características


sociais e os problemas de governabilidade apresentados por qualquer
sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e
tentam construir uma vida em comum, ao mesmo tempo em que
retêm algo de sua identidade “original”. Em contrapartida, o termo
“multiculturalismo” é substantivo. Refere-se às estratégias e políticas
adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e
multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais.

Para a compreensão do multiculturalismo, é necessário saber que este campo


de estudos surge num ambiente social permeado pela proliferação de identidades,
marcado ainda pelas inúmeras dimensões da globalização, principalmente, a
globalização econômica e cultural. O impacto dessas transformações no cotidiano
das sociedades mundo afora foi desigual. Em países e regiões mais pobres, no
desenrolar de guerras e crises diversas, milhares de pessoas e de culturas foram
deslocadas de seus territórios, tornando-se refugiados. Essas situações colocaram
culturas em aproximação ou enfrentamento. Todo esse contexto, ainda, se deu
num momento de profusão de produtos culturais pelos mais diversos meios de
comunicação contemporâneos.

Quer dizer, o multiculturalismo emerge num cenário de centralidade das


culturas e na afirmação de diferenças nas explicações a respeito das sociedades e
suas relações sociais e de poder. O multiculturalismo e suas implicações teóricas
e políticas serviram para unir grupos étnicos e raciais, porém, hoje, abrangem
outras formas de diversidade (classe, gênero e sexualidade). Através dele, se
procurou enfatizar a opressão como multidimensional, ocorrendo na interseção
das raças, etnicidade, classes, gêneros, sexualidades, religiões, entre outros
(GESTRADO, 2018).

O multiculturalismo, então, pode ser visto como um movimento tanto


teórico como político em torno da ênfase na diversidade e pluralidade cultural

161
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

e identitária. Enquanto luta política, o multiculturalismo é associado a contextos


das lutas levadas a cabo por grupos culturalmente oprimidos. Seu sentido
político atira-se contra o etnocentrismo, o xenofobismo, a segregação e a violência
identitária em torno da cidadania e democracia (SILVA; BRANDIM, 2008).

Como campo teórico, o multiculturalismo:

[...] questiona os conhecimentos produzidos e transmitidos pelas


instituições escolares, evidenciando etnocentrismos e estereótipos
criados pelos grupos sociais dominantes, silenciadores de outras
visões de mundo. Busca, ainda, construir e conquistar espaços para
que essas vozes se manifestem, recuperando histórias e desafiando
a lógica dos discursos culturais hegemônicos. Os estudos sobre os
fenômenos culturais partem da necessidade de compreensão dos
mecanismos de poder que regulam e autorizam certos discursos e
outros não, contribuindo para fortalecer certas identidades culturais
em detrimento de outras (SILVA; BRANDIM, 2008, p. 61).

No avanço do debate multicultural, constatou-se a existência de inúmeros


“multiculturalismos possíveis” ou vertentes. Hall (2003, p. 53) identifica várias
concepções diferentes de multiculturalismo na atualidade: o conservador, o liberal,
o pluralista, o comercial, o corporativo e o crítico. Vejamos o quadro a seguir:

QUADRO 1 - VERTENTES DO MULTICULTURALISMO SEGUNDO STUART HALL

VERTENTES MULTICULTURALISMO
Conservador Ênfase na assimilação da diferença às tradições e costumes
da maioria. A minoria é deslegitimada.
Liberal Tolerância dos diferentes grupos culturais de forma igual
à sociedade majoritária.
Pluralista A diferença convive separadamente, dentro de uma ordem
nacional.
Corporativo A diversidade/diferença deve ser administrada, a fim de
que as diferenças minoritárias não sejam problema para a
cultura majoritária.
Comercial A diferença cultural é percebida como uma necessidade a
ser tratada pelo mercado.
Crítico Enfatiza as relações de poder, o privilégio, a hierarquia
das opressões e os movimentos de resistência.
FONTE: Hall (2003)

162
TÓPICO 1 | ESTUDOS CULTURAIS, MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO

DICAS

Vejamos alguns conceitos importantes:

Assimilação: processo social em virtude do qual indivíduos e grupos diferentes aceitam e


adquirem padrões comportamentais, tradição, sentimentos e atitudes de outra parte. É um
ajustamento interno e indício da integração sociocultural, ocorrendo principalmente nas
populações que reúnem grupos diferentes. Em vez de apenas diminuir, pode terminar com
o conflito.

Aculturação: processo pelo qual duas ou mais culturas diferentes, entrando em contato
contínuo, originam mudanças importantes em uma delas ou em ambas.

Quando dois ou mais grupos entram em contato direto e contínuo, geralmente ocorrem
mudanças culturais nos grupos, pois verifica-se a transmissão de traços culturais de uma
sociedade para outra. Alguns traços são rejeitados e outros aceitos, incorporando-se,
frequentemente com alterações significativas, à cultura resultante. É a fusão de culturas
diversas, dando origem a uma nova cultura.

FONTE: Disponível em: <http://eebdomjoaquim.blogspot.com.br/2009/04/dicionario-


sociologico-basico.html>. Acesso em: 24 abr. 2018.

E qual sua inserção no Brasil e nos países da América Latina? Os estudos


multiculturais tiveram boa recepção e desenvolvimento em nossa região. E
por quê? Em nosso caso latino-americano e brasileiro, estamos marcados por
contextos nacionais repletos de diversidade étnica e cultural, herança do passado
autóctone e colonial. Grupos indígenas e comunidades de afrodescendentes,
todavia, sofreram e ainda sofrem diversos tipos de violências, físicas e simbólicas.
E devemos levar em consideração o passado escravocrata, onde o elemento não
branco foi aprisionado e teve negada sua humanidade, porém, este passado
colonial violento contra povos nativos, africanos e afrodescendentes continua
presente ainda hoje nas persistentes estruturas sociais, como é o caso de nosso
país. Preconceito racial ou étnico, exclusão social e violência estatal se cruzam,
atingindo em cheio essas populações.

De acordo com Praxedes (2004), as nossas sociedades atuais são marcadas


pela diversidade e pluralidade, isto é, podem ser observadas como cultural,
social e economicamente heterogêneas. Neste sentido, o multiculturalismo, em
suas versões mais críticas, está em rota de colisão com a chamada “epistemologia
monocultural” (SEMPRINI, 1997), cujo horizonte foi uma visão eurocêntrica,
onde certas nações europeias e seus processos civilizadores representavam a
civilização e a modernidade. Qual foi o impacto disso na educação?

Primeiramente, neste cenário de pluralidade e heterogeneidade social


e cultural, os processos educacionais demandam tomar consciência dessas
diferenças. Isso traz implicações aos currículos, à formação dos professores e ao
163
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

cotidiano das escolas, por exemplo. Como afirma Candau (2002, p. 58), a “existência
de uma enorme pluralidade cultural” implica a “necessidade de trabalhá-la
pedagogicamente”. E dessa constatação surgem questões fundamentais, como as
apontadas por Gonçalves e Silva (2000, p. 62):

como lidar com a diversidade cultural em sala de aula? É possível


escapar de um modelo monocultural de ensino? Poderão professores
incluir a equidade de oportunidades educacionais entre seus objetivos?
Como socializar, através do currículo e de procedimentos de ensino,
para atuar em uma sociedade multicultural?

O multiculturalismo na educação e nos processos escolares procura dar


respostas aos desafios postos por esse cenário de diversidade, enfatizando as
identidades como uma porta de reconhecimento da pluralidade no contexto
escolar (MOREIRA; CÂMARA, 2008). Segundo Praxedes (2004):

[...] a escola é um espaço público para a convivência fora da vida


privada, íntima, familiar. Ao nos capacitarmos para a convivência
participativa na escola, participamos de um processo de aprendizagem
que também nos ensina como atuar no restante da vida social.

Partindo das reflexões propostas por Philippe Perrenoud (2001) de que a


educação e a escola estão investindo contra as diferenças culturais, num processo
de ocultamento e generalização de preconceitos, ao invés de expor e dar espaço
às diferenças, como pensar a ação multicultural na educação?

Segundo Ana Canen e Ângela Oliveira (2002), a educação multicultural


pode ser vista a partir de duas dimensões:

a) A equidade educacional, com a valorização da cultura dos atores escolares,


principalmente, os alunos e seus familiares, investindo contra a ideologia do
fracasso escolar.
b) A quebra de preconceitos para aqueles que são observados e estereotipados
como ‘diferentes’, voltado à superação futura das situações de desrespeito à
pluralidade cultural e a valorização das diferenças.

Como nos indica Praxedes (2004), a escola que respeita a diferença é uma
escola pluralista que ensina a viver em uma sociedade que também é heterogênea.
Como indicou Fleuri (2003), a noção multicultural pode ser percebida como uma
categoria descritiva, analítica, sociológica ou histórica para explicar e destacar
a relação entre diferentes grupos sociais. A escola pública, pela sua condição
democratizante, é um espaço social de encontro desses grupos que precisam
conviver. A percepção e a reflexão crítica em torno da maneira como são discutidas
a diversidade na escola, num sentido multicultural, devem ser sustentadas por
uma proposta de “educação para a alteridade”, reconhecendo os direitos dos
grupos sociais distintos.

Uma educação com enfoque plural de cultura não se restringe apenas


a apreender o caráter de várias culturas, nem tolerar sua existência. Deve,

164
TÓPICO 1 | ESTUDOS CULTURAIS, MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO

principalmente, compreender os sentidos culturais dos diferentes grupos num


olhar relativista, assumindo o olhar nativo para o entendimento de seus padrões
culturais.

DICAS

Multiculturalismo no filme “Crash: no limite” (2004)

FIGURA 7 - CRASH, MATERIAL "Em Los Angeles ninguém te toca. Estamos sempre
DO FILME atrás do metal e do vidro. Acho que sentimos tanta falta
desse toque, que batemos uns nos outros, só para sentir
alguma coisa". (Frase de Crash). Partindo de tal premissa,
Crash é um filme que demonstra o retrato de uma
sociedade marcada pelo preconceito. Este, no entanto,
não é refletido na ingênua fórmula preto-branco, mas
antes é demonstrado como uma realidade multicolorida
e complexa: negros, brancos, muçulmanos, latinos,
pobres, ricos.
Tudo começa a partir do roubo de um carro de uma
mulher rica. A partir de então, uma série de incidentes
acaba por aproximar habitantes de diversas origens
étnicas e classes sociais de Los Angeles: um veterano
policial racista e seu jovem parceiro passivo em relação
às suas atitudes, um detetive negro e seu irmão traficante
de carros roubados, um bem-sucedido diretor de cinema
negro que finge ser budista para não ter exposta sua
origem afrodescendente, um imigrante persa que possui
um pequeno comércio que vive sendo assaltado, um
trabalhador latino que luta para sustentar sua família.
FONTE: Disponível em: <http:// Todos estão lá como peões num intrincado tabuleiro de
image.tmdb.org/t/p/w342/6N- emoções que afloram conforme eles se encontram, ou
melhor, se esbarram no acaso da vida do dia a dia. Nesses
JceWhDI7j78JgesTkpI3aPeGA.
encontros, os personagens tomam consciência de quem
jpg>. Acesso em: 24 abr. 2018. realmente são e a maneira como conduzem suas vidas,
muitas vezes, patéticas. O sentimento que serve de fio
condutor é o racismo presente nos Estados Unidos da
América do Norte.

FONTE: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Crash_(2004>. Acesso em: 24 abr. 2018.

165
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

LEITURA COMPLEMENTAR

O Estado e o multiculturalismo

Livio Sansone

No Brasil, o debate sobre o multiculturalismo tem sido o palco de distância


entre discurso e prática social. Precisamos contextualizar tal discurso, histórica
e sociologicamente. Uma forma de fazer isso é analisar como este fenômeno
surgiu enquanto ideal de sociedade em alguns países europeus, que há muito
tempo estão tentando lidar com diferença étnica, racial e cultural a partir de um
conjunto de medidas públicas. Nas considerações sobre o multiculturalismo
e o Brasil, é importante aproveitar tanto o debate como o olhar "de fora", sem
reduzir a reflexão, comparando apenas Estados Unidos e Brasil. Interessa enfocar
os países europeus que receberam uma forte imigração, sobretudo a partir do
segundo pós-guerra, as assim chamadas sociedades multiculturais, nas quais
existe uma relação orgânica entre discursos, leis e práticas multiculturais. Refiro-
me concretamente a Alemanha, França, Bélgica, Holanda e Inglaterra. Nesses
países, na base do multiculturalismo encontram-se três fontes clássicas.

PACTO SOCIAL: Em primeiro lugar, há o pacto social – o compromisso


do Estado e parte das elites de cuidar dos excluídos e dos pobres. Nesse sentido,
se pensa os pobres – as categorias de excluídos – como passíveis de medidas
legislativas particulares, como redistribuição de renda, mas num processo de
incorporação seletiva de uma parte dos pobres. Nem todos os pobres podem e
devem ser ajudados, somente aqueles que se submetem às regras do convívio
estabelecidas pelo pacto social. Na Holanda, o primeiro seguro-desemprego foi
instituído em 1522 e logo foi preciso definir quem era digno de recebê-lo. Para
isso, instituíram-se direitos especiais, mesmo dentro do contexto da legislação
universalista. O objetivo substancial era – e ainda é – prevenir ou, pelo menos,
administrar o conflito.

PASSADO COLONIAL: A segunda fonte importante é o passado colonial.


Nesse sentido, pode-se falar de diferentes estilos de colonialismo: a) o sistema
britânico do indirect rule, ou governo indireto; b) o sistema das sociedades plurais,
por exemplo, a do Império holandês, que se baseia na existência de um direito
étnico. Assim, no Suriname, até os anos 1930, o direito civil e, em alguns casos, o
penal variavam segundo o grupo étnico. Um sistema não muito diferente valia na
África do Sul sob o regime do apartheid – não por acaso, uma palavra holandesa; e
c) no extremo oposto, existia a versão do colonialismo do Império francês, que era
baseada na noção de francité, de universalismo na "boca do fuzil" e na atratividade
de uma ocidentalização possível, embora a altos custos (ou duras penas), para
uma parcela da população "nativa". Práticas e teorias divergiam em muitos casos
e todo colonialismo, pelo menos na África, em algum momento lançou mão de
ambos os tipos de domínio, o direto e o indireto.

166
TÓPICO 1 | ESTUDOS CULTURAIS, MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO

Todos esses estilos de colonialismo previam a institucionalização de


algum tipo de etnicidade dos direitos e deveres, embora muitas vezes associados
a um discurso de igualdade e de respeito à diferença. De qualquer forma, os três
estilos levaram a hábitos étnicos e culturais, e a consensos que se mostraram
tenazes e capazes de influenciar bastante a época pós-colonial. Nos últimos
anos, porém, esses sistemas estão sendo colocados em discussão pelo contexto
de internacionalização que altera a relação entre colônia e metrópole a partir
das grandes migrações e da globalização das culturas. Nas últimas duas ou
três décadas, é a colônia que vem à metrópole e, ao mesmo tempo, a metrópole
permanece na colônia, até se enraizando nela mais ainda. Nunca se falou tanto o
holandês no Suriname e o francês no Mali como hoje em dia.

REGIONALISMO: A terceira fonte clássica é a tradição que diz respeito


às formas de se lidar com as diferenças étnicas e regionais internas desses países
europeus. Trata-se do assim dito "regionalismo" de alguns países que se afirmam
como Estados-nação na Europa a partir de um compromisso com as diferenças
culturais regionalizadas, redistribuindo recursos e poder político para minorias e
"colônias" internas. Refiro-me aos catalães, bascos, bretões, galeses, sardos, corsos etc.

É evidente que nem todo país da Europa é atingido da mesma forma


por esses três fenômenos: pacto social, passado colonial e regionalismo. Um
determinado país pode dar prova de generosidade e tolerância com relação ao
pacto social, mas não ao regionalismo. E vice-versa.

O Conselho da Europa, num esforço de pragmatismo e postura


ecumênica, optou por dividir, de outra forma, os países europeus com relação
à multiculturalidade, salientando o fator variedade. Por um lado, haveria os
países nos quais a nacionalidade é vista como o começo da integração, como a
França e, por outro lado, países, como a Alemanha, onde a nacionalidade é vista
como o resultado final do processo de integração. Na Alemanha, Suíça e França,
a ênfase seria na cidadania, enquanto na Holanda, Suécia, Noruega e Dinamarca,
no pluralismo cultural. A Inglaterra é um caso à parte, pois a ênfase não é no
pluralismo cultural, mas na luta contra o racismo. Nesse sentido, a Inglaterra é o
único país europeu onde as agências governamentais falam de relações raciais,
em lugar de relações interétnicas.

De qualquer forma, em todos esses países, a diversidade étnica, resultado


da imigração, apresentou-se como um choque porque colocou em discussão
o pacto social. Nesse sentido, a imigração de massa tem tido um efeito quase
revolucionário sobre a realidade social dos países em questão.

Depois da Segunda Guerra Mundial, nos países analisados, a Inglaterra


foi a que primeiro recebeu uma imigração maciça, já a partir dos anos 1940 e 1950.
Nesse país, já no final dos anos 1960 chega à idade adulta a "segunda geração"
de descendentes de imigrantes do pós-guerra – os filhos dos trabalhadores
contratados no Caribe anglófono. Na Holanda, somente em 1978 o governo

167
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

reconhece, pela primeira vez, que o país é de imigração. Na França, isso se dá nos
anos 1980, com Mitterand. E, no final dos anos 1990, na Alemanha, finalmente, a
legislação é alterada para permitir a dupla nacionalidade.

O PAPEL DA ESCOLA PÚBLICA: Além de se tratar de países com culturas


distintas, é preciso acrescentar que, hoje, as políticas que dizem respeito à diferença
etnocultural mostram, em cada país, com relação ao passado e as três fontes
clássicas mencionadas antes, tanto continuidade como descontinuidade. Um forte
elemento de continuidade depende do "enraizamento" do multiculturalismo na
história do Estado social e do ensino obrigatório. Se o serviço público é o âmbito
em que se experimentam medidas em prol de minorias, como quotas, programas
de treinamento e planos de carreira, a escola pública é o palco principal do discurso
pró-diversidade do multiculturalismo. Sobretudo na Holanda, na Alemanha e
na Inglaterra, os respectivos ministérios da Educação investiram muito dinheiro
e recursos na implementação de medidas multiculturalistas, implementando
políticas afins nas escolas e estimulando os professores a formarem uma visão
de mundo um pouco mais tolerante e cosmopolita do que antes (embora com
princípios discutíveis, nos quais as culturas de maioria e minoria coexistem em
estilo mosaico ou  patchwork). Na maior parte dos casos, trata-se de um esforço
feito com grande seriedade. Nesses cinco países – Holanda, França, Alemanha,
Inglaterra e Bélgica – o Estado gerencia as medidas e articula os discursos acerca
do multiculturalismo. De fato, este surge como vontade e resposta do Estado,
muitas vezes até contra os interesses da iniciativa privada. Hoje, a efetivação do
multiculturalismo está, muitas vezes, colocada em discussão pela própria crise da
máquina estatal, característica desta época nos cinco países mencionados. Embora,
neles, o Estado continue muito presente nas políticas sociais e não pareça estar
transformando-se em uma máquina punitiva com relação à pobreza – ao contrário
do que parece acontecer nos Estados Unidos –, seu poder de intervenção é
severamente afetado pelos cortes dos gastos públicos e a privatização de serviços.

Os efeitos das medidas e práticas multiculturalistas, ademais, são


diferenciados. Podem ser um, com relação aos trabalhadores imigrados, outro,
com relação às minorias originárias das ex-colônias – que, na maioria dos casos,
estão mais familiarizadas com a língua, a religião e a cultura da metrópole –
e ainda um terceiro, no caso das minorias regionais. Assim, um país pode ser
generosamente multicultural com uma minoria e pouco tolerante com uma outra.

Finalizando, hoje a integração dos "estrangeiros" nesses países se dá


em um contexto mais fluido com relação ao passado, definido por cidades e
regiões mais do que por Estados, e caracterizado tanto pela hétero quanto pela
homogeneização cultural.

FONTE: SANSONE, Livio. O Estado e o multiculturalismo. Cienc. Cult. São Paulo, v. 57, n. 3, p. 4-5, Sept. 
2005. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-
67252005000300002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 29 mar.  2018.

168
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você viu:

• Os Estudos Culturais surgiram no Reino Unido nos anos 1950, articulando


autores que colocaram em destaque as práticas e as produções culturais, bem
como a recepção e significado desses materiais no interior de uma sociedade.
Como resultado dos esforços intelectuais, a própria noção de cultura foi
problematizada e renovada pelos Estudos Culturais.

• Os Estudos Culturais preocupam-se com o nível micro das relações sociais,


isto é, com as práticas e produções culturais manifestas, requerendo, na sua
abordagem global, observar os meios materiais de produção cultural e as suas
ligações com as formas culturais concretas.

• Os temas propostos pelos EC no tocante ao papel da cultura na vida social,


dos produtos culturais e dos meios de comunicação, bem como da questão
identitária, tornaram-se importantes linhas de pesquisa no interior da
educação.

• No multiculturalismo, a noção multicultural pode ser percebida como


uma categoria descritiva, analítica, sociológica ou histórica para explicar e
destacar a relação entre diferentes grupos sociais e suas lutas sociais contra
a desigualdade social e a exclusão e violência cultural. Tiveram início a partir
das lutas sociais dos movimentos negros e de gênero nos EUA nos anos 1960.

• O multiculturalismo emerge num cenário de centralidade das culturas e na


afirmação de diferenças nas explicações a respeito das sociedades e suas
relações sociais e de poder.

• Do ponto de vista das relações entre a educação e multiculturalismo, essa


perspectiva prioriza as relações entre as diferentes culturas e identidades
no interior da escola e dos processos educacionais mais gerais. Estimula o
reconhecimento e a afirmação da diferença e critica a ideia de uma educação e
escola monocultural.

169
AUTOATIVIDADE

1 O multiculturalismo, em suas relações com a educação, estimula uma


nova postura por parte da escola e dos sistemas de ensino, por meio de um
discurso de teor cultural. A respeito da ênfase na dimensão cultural proposta
pelo multiculturalismo, analise as sentenças a seguir, indicando a alternativa
CORRETA:

a) ( ) O multiculturalismo, em geral, visa estimular a tolerância em relação


às diferenças, voltando-se a assimilar essas populações diferentes.
b) ( ) O multiculturalismo pressupõe a crítica às relações de poder e às
hierarquias sociais do ponto de vista da identidade e da diferença.
c) ( ) O multiculturalismo é um termo surgido para explicar as lógicas do
mercado no tratamento dispensado aos diferentes grupos sociais.
d) ( ) O multiculturalismo indica uma forma de luta social exclusiva dos
grupos sociais minoritários, que se esforçam em subir na vida.

2 Os Estudos Culturais (EC) promoveram importantes alterações do ponto


de vista teórico para o papel da cultura, dos produtos e produtores culturais
nas sociedades. Deslizando entre questões surgidas do avanço dos meios de
comunicação, os EC modificaram o sentido da cultura, especialmente, no
tocante a:

a) ( ) Os Estudos Culturais contribuíram para viabilizar o sistema colonial


inglês, voltando sua atenção para grupos e culturas localizadas na
Ásia e na África.
b) ( ) Os Estudos Culturais contribuíram para um novo olhar para os meios
de comunicação e seus efeitos na realidade, por meio do conceito de
Indústria Cultural.
c) ( ) Os Estudos Culturais contribuíram decisivamente para abalar a visão
tradicional que dividia a cultura entre “Alta Cultura” e “Cultura
Popular”, legitimando esta última.
d) ( ) Os Estudos Culturais contribuíram para mudar a educação britânica,
por meio da criação de centenas de escolas noturnas voltadas à
educação de jovens e adultos.

170
UNIDADE 3
TÓPICO 2

A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
Prezado acadêmico! Depois de conhecermos um conjunto de teorias
representativas na Sociologia da Educação elaboradas por pesquisadores
originários dos países desenvolvidos, chegou o momento de olharmos com maior
atenção para as especificidades da educação brasileira. 

Inicialmente lembremo-nos da noção de reprodução social apresentada


por Bourdieu. No caso brasileiro a educação reproduzirá as relações, hierarquias,
padrões e comportamentos presentes em nossa estrutura social. Entre essas
características destacamos as desigualdades sociais e as formas como a educação
é simultaneamente afetada e reprodutora das desigualdades. 

2 TEORIAS E PESQUISAS SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL 


As pesquisas no campo da sociologia da educação ganharam espaço
na academia brasileira com a formação dos programas de pós-graduação.
Inicialmente, as pesquisas desenvolvidas na primeira metade do século XX
apresentavam forte influência do positivismo e, com o passar do tempo, através
do desenvolvimento da autonomia no campo teórico, passaram a incorporar
outras influências (BRANDÃO, 2001). 

Podemos destacar nas décadas de 1950 e 1960 o desenvolvimento de


estudos voltados para a função da escola e sua relação com a estratificação, com a
burocracia e com o planejamento. Bem como uma contribuição considerada atual
para a época na análise da relação entre educação escolar e desenvolvimento
econômico. Além disso, é importante perceber a influência microssociológica da
Escola de Chicago (BRANDÃO, 2001). 

Nas décadas de 1960 e 1970, a produção da sociologia da educação


desenvolveu trabalhos focados na influência da estratificação social sobre a
estrutura escolar. Entre os pesquisadores que desenvolveram essas pesquisas
– mostrando o caráter antidemocrático de nossas escolas –  através da análise
de dados demográficos e indicadores socioeconômicos estão Anísio Teixeira,
Florestan Fernandes e J. Roberto Moreira (BRANDÃO, 2001). 

171
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Vale destacar a influência da ditadura militar nesse período, que levou à


redução na produção da sociologia da educação e ao aumento da produção com
caráter ensaístico e teórico. O foco se encontrava na administração escolar, no
planejamento escolar e na tecnologia educacional (BRANDÃO, 2001). 

NOTA

No âmbito da sociologia da educação, entretanto, a obra de maior impacto,


na perspectiva macroteórica, foi Educação e Desenvolvimento Social no Brasil (CUNHA,
1975). Cunha trabalha simultaneamente dados e indicadores econômicos e educacionais
para contestar a tese de Carlos Langoni de que a concentração de renda no período militar
teria ocorrido por deficiências de escolarização da população. Numa análise inspirada,
entre outros, na perspectiva de Bourdieu e Passeron, traça um quadro dos mais completos
sobre as características da escola brasileira e da política educacional implantada pelo
regime militar a partir do final da década de 1960 (CAMPOS, 2001, p. 160). 

Na década de 1980 foi desenvolvido o primeiro estado da arte sobre


evasão e repetência no Brasil a pedido do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (Inep). Esse relatório foi elaborado buscando uma perspectiva que
dê conta de analisar o contexto socioeconômico e político para além do fatalismo
e incorporando a noção de totalidade (BRANDÃO, 2001). 

NOTA

O estudo acima referido intitulado O fracasso escolar: o estado do


conhecimento sobe evasão e repetência no ensino de 1º grau no Brasil (1971-1981), de
autoria de Anna Maria Bianchini Baeta, Any Dutra Coelho da Rocha e Zaia Brandão, pode
ser encontrado no site do Inep.

Ao longo da década de 1980, as pesquisas passaram por uma transformação


no sentido da crítica ao positivismo e ao caráter genérico das enquetes estatísticas
(surveys). Consideravam-se os resultados dessas pesquisas distantes da realidade
dos desafios das salas de aula. Por esta razão ganharam força estudos de caso,
observação participante e demais estratégias qualitativas de pesquisa, fazendo com
que etnografias, histórias de vida e entrevistas em profundidade dominassem a
pesquisa em educação, demonstrando a preferência por abordagens microssociais.
Já os debates das últimas décadas no contexto da adoção de políticas neoliberais e
aprofundamento das políticas de democratização têm conduzido a pesquisas que
elaborem uma ligação entre pesquisas macro e microssociais (BRANDÃO, 2001). 

172
TÓPICO 2 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

3 CONTRIBUIÇÕES DE FLORESTAN FERNANDES PARA A


SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL 
No que se refere aos aspectos profissionais do ensino de sociologia,
Fernandes levantou questões resultantes de sua prática como professor,
especialmente da cadeira Sociologia I na Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da Universidade de São Paulo (USP). Partindo da sua vivência,
diferenciou os objetivos da pesquisa como fazer crescer o saber, e do ensino,
como fazer crescer o aluno. Essa distinção evidencia uma crítica à organização
de conteúdos baseadas em escolhas arbitrárias dos professores, afinal é preciso
estar atento para o caráter pedagógico dos processos de ensino e aprendizagem,
para além das escolhas dos professores.  

Segundo Saviani (1996, p, 73), ao definir a essência da educação pode-se


observar, na concepção de Florestan, a educação como “transformação interna dos
sujeitos pela incorporação de elementos que não são dados naturalmente e nem
adquiridos espontaneamente, mas que, uma vez incorporados pela mediação da
ação educativa, passam a operar como se fossem naturais”.  

Essa definição remete ao que Florestan chamou de segunda natureza


humana, na qual se confundem o professor e o sociólogo, e o levou a entender
a educação no sentido da segunda natureza de Gramsci e de habitus de Bourdieu.
Através desses conceitos, a educação ganha contornos de ação que produz a
humanidade (SAVIANI, 1996). 

DICAS

Para conhecer da obra de Florestan Fernandes, assista ao documentário


Florestan Fernandes – O mestre.
  
A história do engraxate, garçom, professor, deputado, constituinte, que fez da vida uma
verdadeira aula. Este documentário recebeu, em 2004, o Prêmio Vladimir Herzog, a mais
importante premiação jornalística da área de direitos humanos do país. 

FONTE: Disponível em: <goo.gl/sRKYS6>. Acesso em: 23 mar. 2018.

Outro ponto da relação entre a sociologia e a educação elaborado por


Fernandes diz respeito à importância da pesquisa para o desenvolvimento da
sociologia. A realização da pesquisa científica possui influência significativa na
formação profissional e, consequentemente, no ensino (SAVIANI, 1996). 

173
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Ao longo da década de 1950 e 1960, Fernandes elaborou uma série de


estudos sobre a educação no Brasil. Entre as preocupações presentes nessas obras
estão: i) a esperança em relação à transformação do sistema de ensino em relação
à vida política nacional, a criação de condições para a consolidação da democracia
e de efeitos socializadores uniformes através do ajustamento social; ii) a ciência
aplicada e a educação como fatores sociais construtivos, a racionalidade na
mudança cultural espontânea e a racionalidade na mudança social controlada,
essas análises caracterizarão o dilema educacional brasileiro; e iii) uma análise
extensa da relação entre educação e sociedade no Brasil entre as décadas de 1940
e 1960 (SAVIANI, 1996). 

NOTA

Dilema educacional brasileiro foi a forma como Florestan Fernandes descreveu


a determinação do subdesenvolvimento que leva à necessidade de intervenção na
educação e, também, as consequências dessa intervenção para o sistema educacional.
Nesse sentido, o sistema educacional de ensino é formado por instituições deficientes que
necessitam de intensas transformações, porém não há meios e intervenção suficientes
para dar conta dessa necessidade (SAVIANI, 1996).

Entre as contribuições de Fernandes para a sociologia brasileira podemos


destacar: 

A sociologia da educação brasileira realizada por Florestan Fernandes


a partir dos anos 1950 enfatiza uma crítica severa ao privilégio social
dos grupos que têm acesso ao ensino de qualidade, e por isso não
possibilita o desenvolvimento econômico e político-democrático do
país (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 159). 

Considerando essa análise, fica evidente a compreensão da educação


como elemento no processo de reprodução social, ou seja, a estrutura social
desigual exerce influência significativa sobre a organização dos sistemas de
ensino, inviabilizando não somente a melhoria da qualidade da educação em si,
como também tornando obstáculo para o desenvolvimento econômico e para a
consolidação da democracia.

4 AS CONTRIBUIÇÕES DE FERNANDO DE AZEVEDO PARA


A COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO COMO FATO SOCIAL 
As contribuições da Sociologia da Educação elaboradas por Fernando de
Azevedo foram responsáveis por introduzir no debate teórico brasileiro a teoria
de Émile Durkheim, especialmente em relação às análises pertinentes à Sociologia
da Educação. 
174
TÓPICO 2 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

Foi responsável pela inserção da Sociologia no currículo das escolas


normais do Estado de São Paulo. Em seu entendimento, o ensino da Sociologia
permitiria a formação de professores com base científica sólida para compreender
e analisar fatos sociais racionalmente interligados. Além disso, a compreensão
das instituições e dos fatos sociais promoveria o entendimento da questão
educacional (PILETTI; PRAXEDES, 2010). 

Seu embasamento na teoria de Durkheim fica evidente quando trata


da natureza sociológica dos fenômenos educacionais. Ao realizar essa análise,
se dedica ao estudo dos fatos e instituições educacionais e sua função para a
educação:
 
A pesquisa em sociologia educacional deveria priorizar a instituição
social escola, sua estrutura interna e as relações entre os grupos sociais
que se dão em seu interior, sem descuidar do estudo das relações
entre a escola e a sociedade, e do grau em que as teorias pedagógicas
são adequadas para a nossa sociedade e influenciadas pela economia
(PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 152). 

Considerando a metodologia usada por Azevedo para compreender os


fenômenos educacionais, fica evidente a influência do pensamento de Durkheim.
Afinal, a análise das instituições e de sua função na sociedade permitiu ao sociólogo
compreender o desenvolvimento e a organização da educação brasileira, sem
perder de vista as influências externas. 

DICAS

Para conhecer mais sobre a contribuição de Fernando de Azevedo para a


educação, assista ao documentário GRANDES EDUCADORES – Anísio Teixeira, Lourenço
Filho, Fernando de Azevedo. 

Documentário conta um pouco da história dos precursores do movimento da Escola Nova


no Brasil e que estiveram à frente das principais reformas educacionais do país. Quer mediante
suas produções em Psicologia, Pedagogia, Sociologia e Filosofia, quer pela participação
direta nas políticas públicas (criação do MEC, universidades, Institutos de Educação e a
CAPES), os três “cardeais” da Educação Brasileira transformaram e consolidaram o sistema
educacional no país. O programa é conduzido pela Prof.ª Diana Vidal. 

FONTE: Disponível em: <goo.gl/mBmXHP>. Aceso em: 23 mar. 2018. 

Além da análise inspirada em Durkheim, Azevedo ficou conhecido pela


reforma educacional que promoveu no Distrito Federal entre 1927 e 1930, com
foco na instrução primária e nas escolas normais. Buscou modernizar o sistema
de ensino travando uma batalha contra os interesses dos poderosos no Conselho
Municipal – por esta razão chegou a sofrer um atentado. 

175
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Quais foram então os princípios dessa reforma que levou a debates


tão acalorados? Vamos a eles: "[...] escola única, não uniforme, mas
adaptada ao meio; escola do trabalho, ao mesmo tempo conteúdo
curricular e método pedagógico; e escola-comunidade ou escola do
trabalho em cooperação" (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 153). 

Considerando os esforços de sua Sociologia da Educação e das propostas


da reforma educacional, podemos destacar quatro grandes contribuições de
Azevedo para a educação: a reforma do ensino no sentido da primeira tentativa
de modernização do sistema educacional brasileiro; o Manifesto dos Pioneiros da
Educação, documento elaborado a muitas mãos e que representa até os dias de
hoje legitimidade nos debates educacionais; a publicação da obra Cultura brasileira,
que se tornou um marco para a compreensão das transformações culturais no
país, e seu protagonismo na criação da Universidade de São Paulo, referência na
produção acadêmica no Brasil. 

5 AS CONTRIBUIÇÕES DAS TEORIAS MARXISTAS NA


SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA 
As teorias marxistas ganharam destaque no desenvolvimento das teorias
da Sociologia da Educação nas últimas décadas em nosso país. Inicialmente é
essencial ter em mente que não existe uma só vertente marxista. A diversidade
das análises realizadas nesse âmbito é uma das características marcantes do
pensamento marxista sobre a educação. 

Considerando o desenvolvimento histórico das pesquisas nessa área,


podemos destacar as publicações na década de 1930, de Paschoal Lemme, a
respeito do ensino de adultos; as obras publicadas nas décadas de 1940 e 1950 por
Caio Prado Júnior analisando a sociedade brasileira pela ótica marxista, e também
a publicação em 1957 da análise da literatura nacional de Antonio Candido; e o
estudo sistemático das obras de Marx capitaneado a partir de 1958 por intelectuais
como José Artur Giannoti e Roberto Schwartz (PILETTI; PRAXEDES, 2010). 

Vale lembrar que apesar do desmonte causado pela ditadura militar ao


realizar reforma no ensino superior, visando ao desenvolvimento econômico
através da intervenção estatal e da internacionalização, além da aposentadoria
compulsória de vários professores que desenvolviam estudos na área, foi possível
observar uma descentralização das produções. Ou seja, mesmo diante do regime
militar, seguiram sendo produzidos estudos marxistas que davam conta de temas
como movimentos sociais, vida política, tendências ideológicas e dependência,
por exemplo (PILETTI; PRAXEDES, 2010). 

A fim de sintetizarmos tais contribuições, podemos identificar, no quadro


a seguir, três vertentes da análise marxista da educação, que tomaram formas a
partir da década de 1970: 

176
TÓPICO 2 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

QUADRO 2 – TRÊS VERTENTES DA ANÁLISE MARXISTA

Demerval Saviani  Luiz Antonio Cunha 


Moacir Gadotti 
Carlos Cury  Barbara Freitag 
Pedagogia Progressista 
Concepção dialética da Tendência crítico-repro-
Pedagogia crítico-social
educação.  dutivista. 
dos conteúdos.
Incorporação da meto-
Metodologia dialética  dologia marxista através
Realização de uma edu-
Abordagem dos fenôme- da mediação das inter-
cação e pedagogia base-
nos educacionais em ter- pretações de Baudelot,
adas no marxismo. 
mos histórico-críticos. Establet, Gramsci e Al-
thusser.
FONTE: Adaptado de Piletti e Praxedes (2010) 

6 EDUCAÇÃO E REPRODUÇÃO SOCIAL: O CASO DAS


DESIGUALDADES SOCIAIS E A EDUCAÇÃO NO BRASIL 
Vamos refletir sobre a determinação das desigualdades sociais sobre a
educação: qual é a situação das escolas públicas no país? O que representa em
termos de mobilidade social a escolaridade no Brasil? O que nos mostram os
dados de fracasso e evasão escolar?  

Prezado acadêmico! Antes de iniciarmos nossa análise das questões


relativas às desigualdades sociais, pare um momento e analise a charge a seguir.
Reflita sobre a realidade da maioria das crianças e jovens que estão nesse momento
nas escolas brasileiras. 

FIGURA 8 - EDUCAÇÃO E DESIGUALDADES SOCIAIS 

FONTE: Disponível em: <goo.gl/iEWm7N>. Acesso em: 23 mar. 2018. 

177
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

De maneira geral, as desigualdades sociais levam à desqualificação de


indivíduos e grupos. Esse fato é justificado por um dos principais problemas
da educação brasileira: o fracasso escolar. Esse fracasso persiste mesmo no que
entendemos por era digital, ou seja, o fracasso escolar persiste diante da existência
de uma variedade sem precedentes de recursos tecnológicos que contribuem para
a educação (NERY, 2003).  

Nery (2013) segue sua reflexão questionando: como o fracasso persiste


com tantas oportunidades disponíveis? E afirma que o fracasso persiste porque
configura um problema estrutural resultante da reprodução da estrutural social.
Parte significativa da população brasileira não tem acesso a recursos como o
computador em casa. Além disso, apresenta uma forte relação com a estrutura
familiar. A forma como os pais veem a educação impacta na relação dos filhos
com a escola, assim como a falta de condições materiais está ligada a questões
relativas não só ao fracasso, mas também à evasão. 

E
IMPORTANT

Os filhos dos trabalhadores, no contexto da sociedade brasileira, muito cedo


deixam seus estudos para se integrarem ao mercado de trabalho. Foi também por essa
razão que foram criados os denominados ensinos supletivos. O objetivo era atender às
necessidades dos segmentos sociais subalternos da população, já que os segmentos
dominantes não tinham e não têm essa necessidade específica (NERY, 2013, p. 154).

Falamos do fracasso escolar relacionado à estrutura social e à estrutura


familiar, porém é fundamental resgatarmos outro ator que exerce papel de
protagonista em muitas discussões sobre os problemas educacionais no Brasil:
o Estado. Historicamente a educação pública recebeu montantes insuficientes
de investimento estatal, formando o cenário que conhecemos hoje, com pouca
infraestrutura, professores mal pagos e estudantes desmotivados.  

A falta de investimentos compromete o desenvolvimento: 

O Brasil ainda é um dos países que menos investe no setor,


considerando-se outros países latino-americanos. No contexto da
atualidade, as escolas públicas não estão recebendo investimentos
suficientes, funcionando em condições precárias. Se associamos
educação a desenvolvimento, podemos verificar que, levando em
conta os investimentos feitos em educação no Brasil, ainda estamos
carecendo de melhor aproveitamento dos recursos produzidos
socialmente, de políticas públicas que priorizem o universo
educacional e que permitam o acesso à instituição escolar por parte de
considerável contingente da população brasileira (NERY, 2013, p. 153). 

178
TÓPICO 2 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

Em outras palavras, a falta de investimentos é acompanhada pela falta de


comprometimento em relação ao uso eficiente dos gastos públicos. Além de baixos,
os investimentos não são alocados de forma a promover melhorias significativas
no sistema educacional. As políticas públicas da educação seguem pelo mesmo
caminho, na medida em que não são capazes de promover transformações
significativas na qualidade da educação. E, por fim, o ideal de acesso universal à
educação pública e de qualidade ainda está distante de ser a realidade de todos
os brasileiros. 

Nesse cenário, mais uma vez observamos o distanciamento entre os mais


ricos e os mais pobres, afinal, a escola que cada um frequenta é muito diferente da
frequentada pelo outro. Aqui chegamos a mais um ponto importante sobre a educação
no Brasil: a crença na educação como forma de promover a mobilidade social. 

No contexto de uma sociedade marcadamente excludente como a


nossa, as determinações da estrutura socioeconômica da população
são fatores contribuintes para um certo grau de declínio da educação,
em especial no ensino fundamental [...] parece não haver vontade
política de melhorar substancialmente o sistema educacional
brasileiro, fato contraditório no contexto de um mundo globalizado
em que a qualificação é essencial. Podemos perguntar então: Como
teremos profissionais devidamente qualificados na sociedade se o
ensino fundamental não é atendido em suas necessidades mais básicas
pelo Estado? (NERY, 2013, p. 157). 

O questionamento levantado pela autora nos faz refletir sobre as


implicações das características apresentadas até aqui como determinantes da
estrutura social excludente que forma nossa sociedade. Faz-nos refletir ainda
mais ao chamar atenção para a aparentemente fraca atuação e articulação política
no sentido de qualificar o sistema educacional e ao trazer para luz os desafios
da qualificação profissional diante da falta de recursos e suas consequências na
educação básica.  

NOTA

Prezado acadêmico! Leia atentamente o texto da reportagem a seguir que


mostrava em 2013 um comparativo da taxa de evasão escolar do Brasil com outros países.
Considere as reflexões elaboradas até o momento e busque identificar os fatores sociais
que influenciaram os índices de evasão escolar. 

Brasil tem 3ª maior taxa de evasão escolar entre 100 países, diz Pnud 

Um a cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no Brasil abandona a escola antes
de completar a última série. É o que indica o Relatório de Desenvolvimento 2012, divulgado
nesta quinta-feira (14) pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). 
Com a taxa de 24,3%, o Brasil tem a terceira maior taxa de abandono escolar entre os
100 países com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), só atrás da Bósnia

179
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Herzegovina (26,8%) e das ilhas de São Cristovam e Névis, no Caribe (26,5%). 


Na América Latina, só Guatemala (35,2%) e Nicarágua (51,6%) têm taxas de evasão
superiores. Não foi divulgado o índice do Haiti. 
No relatório, o organismo da ONU sugere que o país adote "políticas educacionais
ambiciosas" para mudar essa situação, por causa do envelhecimento da população
brasileira, que deve se intensificar nas próximas décadas e reduzir o percentual de
trabalhadores ativos. 

O documento divulgado nesta quinta-feira (14) mostra que apesar de ter avançado nas
últimas duas décadas, o Brasil ainda tem um IDH menor que a média dos países da América
Latina e Caribe. O país está na posição 85ª do ranking, que leva em conta a expectativa de
vida, o acesso ao conhecimento e a renda per capita. 

Anos de estudo: o relatório do Pnud também revelou que o Brasil tem a menor média de
anos de estudo entre os países da América do Sul. Segundo dados de 2010, a escolaridade
média do brasileiro era de 7,2 anos – mesma taxa do Suriname – enquanto são esperados
14,2 anos. No continente, quem lidera esse índice é o Chile, com 9,7 anos de estudo por
habitante, seguido da Argentina, com 9,3 anos, e da Bolívia, com 9,2 anos.  

Os dados de escolaridade são contestados pelo Ministério da Educação. Por meio de nota,
o Inep (Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) afirmou que o censo do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2011 aponta uma escolaridade média de
7,4 anos por habitante, o que deixaria o país à frente da Colômbia e do Suriname.  

O instituto alega que o Pnud desconsidera 4,56 milhões de crianças de 5 anos matriculadas
na pré-escola e em classes de alfabetização, o que elevaria a expectativa de anos estudados
no país para 16,7. 

FONTE: Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/noticias/2013/03/14/brasil-tem-3-


maior-taxa-de-evasao-escolar-entre-100-paises-diz-pnud.htm>. Acesso em: 7 fev. 2018.

Como então acreditar numa educação que promove a mobilidade social


quando a educação está reproduzindo uma estrutura desigual e excludente? Na
prática, o acesso ao ensino básico não é capaz de garantir mudanças significativas
na vida das camadas mais baixas de nossa sociedade. No cenário de competição
do mercado de trabalho, a educação pública, em grande parte das situações, não
faz frente à educação privada, por exemplo, no caso dos exames de seleção das
universidades públicas.  

Desigualdades, fracasso, investimentos, mobilidade, será que não estamos


nos esquecendo de outra característica importante da sociedade brasileira
presente na educação? As desigualdades sociais e raciais conformam diversas
formas de preconceito nas escolas. 

A segregação social, racial e educacional integra o contexto escolar. 

180
TÓPICO 2 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

A escola, de certa forma, [...] reproduz o que se encontra presente no


contexto da estrutura social. Há preconceitos fortes em nossa sociedade
com relação à pobreza; parece que temos no imaginário coletivo uma
associação entre miséria e criminalidade. Esse tipo de preconceito
perpassa as paredes das salas de aula. O mesmo podemos falar em
relação ao preconceito racial, que é presente no Brasil de forma sub-
reptícia, que é velado, mas se manifesta em muitas formas de expressão,
como em piadas relacionadas aos negros. Em suma, não vivemos em
uma democracia racial e, segundo autores da sociologia da educação,
esse fato se expressa fundamentalmente nos indicadores sociais do país,
em especial aqueles que dizem respeito à educação e à remuneração
salarial. Há também profundas diferenças de gênero, principalmente no
que concerne à remuneração pelo trabalho. São fatores, repetimos, que
perpassam as paredes das salas de aula (NERY, 2013, p. 159). 

Mais uma vez é preciso relembrar que a escola não consiste em um espaço
isolado das relações sociais e, especialmente, das relações de poder que determinam
a hierarquia social. Muito pelo contrário, expressões da questão social, vivenciadas
em diferentes cenários sociais, também estão presentes na escola. 

Desse modo, também nas escolas são vivenciadas situações que expressam
formas de segregação social, como aquelas decorrentes das visões sobre violência
e criminalidade, especialmente nas escolas de periferia, vistas, muitas vezes, como
inferiores às demais; da segregação racial em suas mais variadas expressões –
inclusive nas veladas; e também nas questões de gênero expressas, por exemplo,
na menor remuneração recebida pelas mulheres nos ambientes de trabalho.

LEITURA COMPLEMENTAR

EDUCAÇÃO NA E PARA A DEMOCRACIA NO BRASIL:


CONSIDERAÇÕES A PARTIR DE J. DEWEY E J. HABERMAS 

Guilherme Perez Cabral 

Modernidade, democracia e educação na Constituição de 1988 

A Constituição Federal de 1988 integra as linhas do projeto emancipatório


da modernidade. Apreendendo o ser humano como valor-fonte da experiência
jurídica (LAFER, 1988, p. 19), resguarda duas ideias fundamentais do direito
moderno: a soberania do povo e os direitos humanos (HABERMAS, 2012a, p. 133). 

A primeira delas é afirmada logo no dispositivo inaugural, após a


instituição da República Federativa do Brasil como Estado Democrático de
Direito: todo o poder emana do povo, sendo por ele exercido diretamente ou
por representantes eleitos. O texto rompe, dessa maneira, com a tradição
constitucional brasileira que, desde 1934, restringia a democracia ao modelo
representativo de exercício do poder em nome do povo. Estabelece, em seu lugar,
o regime democrático semidireto. Combina a representação — com a eleição

181
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

periódica de representantes — e mecanismos de participação direta na definição


de políticas, destacando, aqui, a iniciativa popular de projetos de lei, o plebiscito
e o referendo (BENEVIDES, 2003, p. 18-19). 

O Estado Democrático de Direito, assim concebido, é alicerçado, então,


em vigoroso sistema de direitos. Incorpora, de forma robusta, as três dimensões
dos direitos humanos, afirmados na modernidade, reconhecendo extensas
propriedades que constituem o ser humano como pessoa. Assegura direitos e
liberdades individuais (vida, privacidade, propriedade, igualdade, liberdade
de pensamento e de expressão, dentre outros). Garante direitos sociais à saúde,
moradia, trabalho, educação, etc. Protege direitos transindividuais à preservação
da cultura, ao desenvolvimento científico e tecnológico, ao meio ambiente
equilibrado. Estabelece os direitos de participação política. 

Projeta-se a emancipação, que, ambientada na democracia e apoiada nos


direitos fundamentais, resguarda a formação racional da pessoa, assegurando-
lhe, ao mesmo tempo, para sua constituição plena, como sujeito histórico capaz,
a participação na vida social e política. Direciona, destarte, uma práxis de
autolegislação, na qual os sujeitos de direito movem-se num medium jurídico do
qual são, também, autores (HABERMAS, 2012a, 159). 

A educação, como direito social fundamental, adquire papel destacado,


sendo tratada com grande desvelo na Constituição. Visa, nos termos do Art.
205, ao pleno desenvolvimento da pessoa, à qualificação para o trabalho e ao
preparo para o exercício da cidadania, voltando-se, ante esse último escopo, à
promoção da experiência democrática (RANIERI, 2009, p. 380). No âmbito do
Estado Democrático de Direito, está prevista, constitucionalmente, a educação
para a democracia. 

A inexperiência da democracia no Brasil 

O projeto constitucional, porém, é arremessado no curso de uma história


de inexperiência da democracia. Contrapõe-se aos 20 anos de ditadura militar
que, mais uma vez, institucionalizara relações autoritárias entre o Estado e
a sociedade, renovando padrões de interação pautados no não diálogo, na
repressão, no emprego imediato da violência. 

Não obstante o inegável valor como “marco jurídico da transição


democrática, bem como da institucionalização dos direitos humanos no país”
(PIOVESAN, 2003, p. 328), a Constituição não pode antecipar a vida social ainda
não experimentada. A experiência da democracia e dos direitos humanos não se
promulga com leis. 

O Brasil tem vivenciado progressos significativos nos campos econômico,


social e político. Ocupa a posição de sétima maior economia do mundo.
Experimentou sensíveis avanços no campo dos direitos fundamentais, elevados
ao status de política pública, com os Planos Nacionais de Direitos Humanos
(PIOVESAN, 2003, p. 346). Atualiza inegável estabilização dos procedimentos
político-eleitorais, não tendo sido acometido, até agora, por tentativas golpistas
de usurpação do poder. 

182
TÓPICO 2 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

Porém, a democracia brasileira sofre, ainda, em sua incipiente experiência,


com graves e históricos problemas.  

De um lado, o reconhecimento do amplo rol de direitos é contraposto


à facticidade de sua ineficácia e sistemático desrespeito. O país carrega os
infortúnios da aguda desigualdade e exclusão social; da extrema pobreza; da
violência; da oferta inadequada de serviços públicos como saúde, saneamento
básico e educação. 

De outro, na vivência política, prevalece o patronato governamental,


que persiste sobranceiro e alheio à sociedade civil (FAORO, 1995, p. 739 e 747).
A colagem patrimonialista ao poder e seu exercício não dialógico, com traços
populistas e paternalistas, mais ou menos acentuados (CARVALHO, 2010, p.
221), renovam a antipatia à ampliação e ao fortalecimento dos procedimentos
democráticos. Vivemos menos a horizontalidade da linguagem, mais a
formalidade democrática, coabitando com padrões de conduta unilateralizados
e verticalizados.  O esvaziamento da esfera pública reduz a participação política
ao exercício isolado do voto, decaída no eleitorismo. O poder que emana do povo
permanece a ele ligado, muito mais, na retórica política cínica e autolegitimadora,
dele se descolando, em seu exercício irresponsável pelos agentes governamentais
(WEFFORT, 1984, p. 53; MOISÉS, 1995, p. 35; BENEVIDES, 2003, p. 25). 

Faz-se presente o dilema legitimatório que opõe à “fraqueza da sociedade


civil e da esfera pública” a primazia do poder ilegítimo, delas desvinculado, de modo
que a comunicação pública segue o fluxo invertido (HABERMAS, 2011, p. 121-122). 

Num ciclo vicioso, a sociedade brasileira experiencia um processo perverso.


A precariedade dos direitos humanos, intimamente ligada à inexperiência da
democracia, prejudica o enriquecimento da experiência democrática. Prejudica,
assim, a experiência que, alicerçada nos direitos humanos, constitui, ao
mesmo tempo, o mecanismo fundamental para o reconhecimento, ampliação e
concretização desses direitos. 

Eis o lugar do qual se fala, a ambiência sobrecarregada de tarefas


democratizantes herdadas do passado “inexaurível, pesado, sufocante” (FAORO,
1995, p. 748). É nela que se vive e revive os sentidos jurídico-constitucionais,
construindo em versões discursivas os objetos sobre os quais se discorre
(HESPANHA, 2009, p. 657; BITTAR, 2010, p. 142). 

Contudo, se a inexperiência que conforma e empobrece o conteúdo da


democracia, no Brasil, é fruto de um continuum histórico-cultural, a experiência
enriquecida, na moldura jurídico-constitucional de 1988, também pode ser. Ainda
que sem metanarrativa a predizer ou determinar o sentido da história. 

A democracia, como prática que “não foge à história” (HABERMAS,


2011, p. 122), depende, fundamentalmente, da atuação dos sujeitos históricos. A
questão que se coloca é a da medida de nossa impotência. Em que ponto deve
alquebrar-nos em conformismo; até que ponto desautoriza ao movimento crítico
em direção a uma experiência melhor. 
[...] 

183
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Diretrizes de uma educação na e para a democracia no Brasil 

No cenário em que aos exigentes pressupostos comunicativos opõe-se a


inexperiência democrática, aclara-se a significância da educação como mecanismo
fundamental, embora não exclusivo, para a consolidação da democracia. 

A democracia está indissociavelmente vinculada a processos de


aprendizagem que precisam ser atualizados em sua própria experiência, com
todos seus vícios e imperfeições. 

O fim do “tempo das revoluções sistêmicas” (BAUMAN, 2001, p. 12)


sinaliza a abertura da filosofia aos ensinamentos da psicologia social: não se pode
mais negligenciar a força das experiências na formação dos hábitos de pensar,
agir e conviver, por meio dos quais tais experiências podem ser transformadas,
recorrendo-se justamente aos aprendizados e instrumentos por meio dela
construídos. É temerário insistir, sem mais, na crença em transformações
profundas e de uma só vez, criando a nova ordem social, a partir de uma tabula
rasa (DEWEY, 1991, p. 162). 

Não dá para pensar em democracia, sem a educação. E pensar a educação


para a democracia é pensar a educação na democracia. 

Para sua fundamentação, a pedagogia progressiva de Dewey e a filosofia


social habermasiana oferecem importantes contribuições. É bem verdade que
Habermas não possui uma reflexão acabada sobre o assunto. No entanto, a
teoria do agir comunicativo e a releitura do processo de desenvolvimento da
consciência moral, à luz de uma ética do discurso, permitem a referência, sem
nenhum desconforto, a uma pedagogia da ação comunicativa (BOUFLEUER,
2001). E aludidos elementos justificadores de uma proposta educacional por ele
não afirmada diretamente, aproximam-se significativamente do pensamento
deweyano, onde se encontram mais profundas e diretas reflexões sobre o tema. 

Sob esse referencial, toma-se a educação como o processo de constituição


social da individualidade, orientado ao desenvolvimento pleno da pessoa, no
desenrolar experiencial e no desabrochar intelectual e moral, a partir de sua
reflexão e interação no mundo. 
Remete ao crescimento que tem lugar na contínua ampliação e
enriquecimento das experiências, reciprocamente referidas ao mundo subjetivo
do educando e ao universo exterior, nele refletido. Na interação com o ambiente,
mediada pela linguagem, o sujeito reorganiza permanentemente seus recursos
intelectuais. Pode expandir e aprofundar o significado de suas experiências.
Pode,  então, desenvolver a habilidade de um melhor controle, aproveitamento
e direção do curso das experiências subsequentes, em termos comunicativos,
cognitivos e morais (DEWEY, 1916, p. 63, 89 e 90). 

Pode, enfim, desenvolver competências e hábitos de pensar, agir e


conviver, dispondo-se ao discurso como instância de solução de problemas
enfrentados no percurso experiencial e de construção cooperativa do saber. Em
termos morais, o educando atravessa a heteronomia convencional e alcança o

184
TÓPICO 2 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

estágio da autonomia pós-convencional, referido à práxis discursiva. Capacita-se,


enfim, à intersubjetividade que marca a experiência democrática. 

A educação adquire, portanto, um sentido bastante ampliado, referida


ao tecido inesgotável de experiências comunicativas que compõem a vida
(TEIXEIRA, 1980, p. 115). De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases, o terceiro
Plano Nacional de Direitos Humanos e o Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos, abrange os processos formativos que ocorrem em todos os âmbitos
da convivência: na vida familiar e privada; no trabalho; no envolvimento em
movimentos populares e em associações da sociedade civil; na atuação política,
na vida cultural; no lazer; e, também, na escola. 

A experiência educativa, com tal significação, concebida sob a perspectiva


da filosofia social dos dois autores, abrange as seguintes diretrizes: 

• Educação dialógica. A perspectiva comunicativa da formação da personalidade


e da construção do saber e da moral demanda que a experiência educativa, tal
como a democrática, assuma, como paradigma, o discurso. 

É a partir da experiência renovada do diálogo, em condições cada vez mais


efetivas e plenas de sentido, que o sujeito em crescimento pode, internalizando-a,
habilitar-se e habituar-se à sua práxis competente. 

Dificilmente aprenderemos a conversar a partir de uma experiência


imunizada contra o discurso. O diálogo — que, na vida democrática, assume a
forma da participação cidadã — não pode ser ensinado e institucionalizado, a
partir de um sentido não experimentado. 

A aprendizagem há de se constituir na bilateralidade e à horizontalidade


do diálogo, favorecendo uma perspectiva existencial participante, de todos os
envolvidos, na medida de suas capacidades, no âmbito de um processo linguístico
e hermenêutico compartilhado, em que são renovados, corrigidos e enriquecidos
os sentidos das situações intersubjetivamente vivenciadas. 
Note-se, ademais, que, ao se realizar no discurso, a educação que se abriu
à intersubjetividade tem de se abrir, também, à interdisciplinaridade. Fixa-se
o diálogo interdisciplinar como premissa filosófica e princípio da organização
didático-pedagógica. Referido ao saber partilhado pelos participantes da
comunicação, aparece, sob essa perspectiva, como mecanismo emancipador das
“grades de disciplinas” que não conversam entre si, da cartesiana degeneração
pela singularização (HABERMAS, 2003, p. 32-33; HABERMAS, 2009, p. 96). 

• Desenvolvimento da capacidade cognitiva. Os potenciais racionais vinculados


à comunicação não se realizam sem o crescimento cognitivo da pessoa que
conversa. Em Dewey, isso corresponde ao desenvolvimento dos hábitos
reflexivos do pensar, na linha da atitude científica, que propugna: o pensamento
solucionador de problemas, de modo ativo e metódico, na condição de
participante na práxis da busca cooperativa da verdade (MEAD, 1992, p. 308;
JOAS, 1993, p. 19 e 20; DEWEY, 1989, p. 111). A inteligência, enfim, refere-se
menos à quantidade de informações depositadas na mente do educando; mais
à sua habilidade de resolver as dificuldades presentes em sua experiência. 

185
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Para tanto, acompanhando a perspectiva que passa por Dewey, Piaget,


Kohlberg, até ser assimilada por Habermas, o crescimento cognitivo é apreendido
construtivamente, no âmbito de uma aprendizagem baseada em problemas: um
“processo de solução de problemas no qual o sujeito que aprende está ativamente
envolvido” (HABERMAS, 2003, p. 50). 

Nele, as estruturas do pensamento se desenvolvem e se lapidam, na


medida em que são sobrecarregados por problemas na experiência. Os recursos
intelectuais adquiridos e aperfeiçoados em cada experiência alteram o olhar do
sujeito sobre as experiências ulteriores, cada vez mais complexas. Doravante, ele
se depara com novos objetos e problemas, antes não percebidos e que impõem,
novamente, o reajustamento de suas perspectivas e estruturas cognitivas.
Requerem novas capacidades, novos conhecimentos, cujo desenvolvimento, a
partir de seu exercício, faz reiniciar, continuamente, o processo de crescimento
cognitivo e de reconstrução do universo experiencial (DEWEY, 2004, p. 51;
DEWEY, 2010, p. 76). 

• Desenvolvimento da consciência moral. O desenvolvimento da capacidade


intelectual e da competência e da disposição comunicativa, a partir do diálogo
direcionado — com o pensar reflexivo — para solução de problemas, conflui
ao processo de desenvolvimento moral, sob a abordagem cognitivista. 

O crescimento moral é compreendido como um crescimento cognitivo que


capacita e habitua o sujeito, num estágio pós-convencional, ao discurso prático
sobre o valor da conduta humana. Conforme o modelo proposto por Dewey e
incorporado por Habermas, na revisita a Kohlberg, corresponde a um percurso
incerto composto de três estágios. Primeiro, a amoralidade pré-convencional
da criança. Distinguindo, no mundo exterior em construção, o outro com
quem interage, ela avança, aqui, ao ponto de conseguir coordenar sua ação na
concretude da relação eu-tu, sem a percepção, porém, do mundo social em que
estão inseridos. No estágio convencional, o sujeito ingressa no mundo social,
internalizando e participando heteronomamente de seus valores e perspectivas.
Finalmente, com o continuum experiencial de reconstrução de seus recursos
mentais, a pessoa pode atingir o estágio pós-convencional da consciência moral.
Distanciando-se das convenções em que se constituiu, assume, perante elas, um
olhar hipotético e crítico. A moralidade descola-se das instituições internalizadas
pela criança e passa a radicar procedimentalmente no discurso. Somente nele
pode ser resgatada a pretensão justiça das normas sociais (FREITAG, 1989, p. 36;
HABERMAS, 2003, p. 156 e 195; DEWEY, 2008, p. 12). 

Em Dewey e em Habermas, a autonomia moral-cognitiva, projetada


pelo iluminismo, é fruto de um processo de aprendizagem. E aparece como
a participação competente na intersubjetividade da linguagem em que a
moralidade, tal como a verdade, é racionalmente construída (DEWEY, 1980, p. 29
e 39; HABERMAS, 2003, p. 197). Dá, assim, o sentido diretivo da educação para
a democracia. 

• A participação da sociedade civil na educação. A experiência educativa, por


tudo isso, não pode ser tragada pelo sistema político e, com isso, coordenada
pela mediação do poder, contaminada e direcionada pelas pressões e interesses

186
TÓPICO 2 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

do aparelho governamental. Também não pode, por outro lado extremo, ser
assimilada pela estrutura do mercado e, decodificada pelo meio dinheiro,
reduzida a propriedade privada da empresa capitalista, meio para a obtenção
de lucro (BOUFLEUER, 2001, p. 90; HABERMAS, 2007, p. 278; HABERMAS,
2012c, p. 330 e 587). 

Nesse sentido, sobressai a atuação fundamental da sociedade civil,


concebida como a base comunicativa que precede e direciona o sistema político-
institucional, sem se confundir com a sociedade econômica. Cumpre-lhe, assim,
além de prestar o ensino, diretamente, por meio de associações “não estatais e não
econômicas”, atuar, em qualquer caso, na formulação e implantação da legislação
e das políticas públicas, promovendo a “estruturação pedagógica” da educação
nacional (HABERMAS, 2011, p. 22; HABERMAS, 2012c, p. 667). 

Considerações finais 

À luz da filosofia social de Dewey e de Habermas, a experiência educativa


consolida a democracia na medida em que promove o crescimento cognitivo e
moral da pessoa, no ambiente do discurso. 

Concebida a experiência democrática como forma de vida racional e


moralmente autônoma, sob o discurso, a educação que promove, dialogicamente,
o pleno desenvolvimento da pessoa, não se distingue daquela que prepara
para o exercício da cidadania. É educação na e para a democracia, ligando
indissociavelmente os objetivos previstos na Constituição. É formação para a
emancipação. 
Trata-se, de qualquer forma, de experiências – a educação e a democracia
– que, recusando meta-histórias, não tem metagarantias de êxito. Em sua
incompletude dinâmica, são potencialmente transformadoras. Mas são, também,
inevitavelmente arriscadas, delicadas, falíveis. Por isso, um desafio a ser
enfrentado. 

FONTE: CABRAL, Guilherme Perez. Educação na e para a democracia no Brasil: Considerações a partir
de J. Dewey e J. Habermas. Educ. Soc. Campinas, v. 37, nº 136, p. 873,889, jul.-set., 2016. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302016000300873&lng=e
n&nrm=iso>. Acesso em: 7 mar. 2018. 

187
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você viu:

• As pesquisas em Sociologia da Educação no Brasil foram marcadas por


teorias micro e macrossociológicas, variando de acordo com o contexto social
e científico de cada período. Nos últimos anos observa-se a influência das
políticas neoliberais e das políticas de democratização que levaram à ligação
entre as análises micro e macrossociológicas. 

• A produção teórica e a trajetória profissional fazem de Florestan Fernandes


um marco para a Sociologia brasileira, bem como para a compreensão da
educação à luz da teoria social. Nesse cenário ganha destaque a compreensão
da educação como segunda natureza elaborada pelo sociólogo.

• As contribuições de Fernando de Azevedo representam um marco na


introdução das análises educacionais elaboradas a partir da teoria de Émile
Durkheim, especialmente na análise da educação com foco na escola como
instituição e nas propostas de reforma educacional.

• A educação brasileira, especialmente a educação pública, configura um


grande desafio social. Da forma como está constituída, representa um espaço
de reprodução social no qual as desigualdades sociais afloram e, em grande
medida, são reproduzidas. Esse processo é resultado de diversos fatores,
como a estrutura social desigual e a falta de investimentos e, ao mesmo tempo,
contribuem para tornar cada vez mais onerosos os projetos de mudança.

188
AUTOATIVIDADE

1 A produção teórica da Sociologia da Educação, no Brasil, ficou marcada


nas décadas de 1960 e 1970 por dois elementos: pela análise da influência da
estratificação escolar sobre a escola e pela ditadura militar, contudo, diante de
contexto social tão conflitante, os estudos ganharam novos contornos. Sobre
os estudos desenvolvidos nesse período, assinale a alternativa correta: 

a) ( ) As análises da Sociologia da Educação produziram um número maior


de estudos no período da ditatura militar. 
b) ( ) Pesquisas realizadas por Anísio Teixeira, Florestan Fernandes e
J. Roberto Moreira fundamentaram os princípios da educação no
governo militar. 
c) ( ) As pesquisas ensaísticas e teóricas tinham foco na administração
escolar, no planejamento e na tecnologia educacional. 
d) ( ) O período foi marcado pela crítica ao uso de dados demográficos e
indicadores socioeconômicos na Sociologia da Educação. 

2 O termo fracasso escolar se faz presente em parte significativa das


discussões realizadas na Sociologia da Educação, especialmente quando
analisamos indicadores como índices de aprovação/reprovação e outros
que revelam aspectos referentes à qualidade da educação em nosso país.
Nesse contexto, o Estado é considerado um ator protagonista devido às
características da educação em nosso país. Sobre esse aspecto, analise as
sentenças a seguir, assinalando V para verdadeiras e F para falsas: 

( ) A falta de investimentos, de infraestrutura e os baixos salários dos


professores no Brasil são consequências da atuação do Estado. 
( ) O Estado brasileiro, ainda que invista pouco na educação, é um dos
países que mais destina investimentos públicos para as escolas. 
( ) A falta de investimentos vem acompanhada da baixa eficácia no uso do
dinheiro público destinado à educação. 
( ) É possível afirmar que, diante do contexto desfavorável, se faz necessário
pensar a superação do fracasso escolar independentemente do
investimento estatal. 

Agora assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: 

a) ( ) V – F – V – F. 
b) ( ) F – V – F – V. 
c) ( ) F – F – V – V. 
d) ( ) V – V – F – F.  

189
3 A educação na concepção de Florestan Fernandes é entendida como um
processo de transformação dos sujeitos a partir dos elementos que não são
percebidos naturalmente, mas incorporados através da ação educativa.
Considerando a concepção de educação de Florestan Fernandes, assinale a
alternativa CORRETA: 

a) ( ) O sociólogo faz uso dos conceitos de segunda natureza de Gramsci


e de habitus de Bourdieu para explicar como a educação produz a
humanidade. 
b) ( ) O processo de construção do saber decorre da imposição de saberes
incorporados naturalmente pelo sujeito através da socialização. 
c) ( ) A noção de educação como segunda natureza foi amplamente criticada
por Florestan Fernandes em suas obras. 
d) ( ) A educação, segundo Florestan Fernandes, só pode ser concebida
quando os elementos adquiridos na ação pedagógica não são
naturalizados pelo sujeito.

190
UNIDADE 3
TÓPICO 3

TEMAS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Prezado acadêmico! A relação entre educação e tecnologia promove
intensos debates e uma ampla possibilidade de teorias e conceitos que nos
auxiliam a compreender a implicação dessa relação a partir do contexto da
Sociologia da Educação. Nosso propósito aqui não é apresentar um estado da arte
das pesquisas sobre essa temática, buscamos apresentar um conjunto de reflexões
que incentive sua reflexão a respeito dessa relação. 

Para iniciarmos nossas reflexões, vamos partir das implicações da


globalização para as transformações sociais e, consequentemente, para a
educação. Quando consideramos os reflexos da globalização na sociedade, é
fundamental recordar de aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais que
sofreram intensa influência da superação das fronteiras nacionais. 

2 A RELAÇÃO EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA 


Essas transformações implicam em novos recursos que ganham espaço
nas escolas, como as tecnologias; em influências internacionais em temas como
currículo e avaliação; em novos contornos para a noção de preparação para o
trabalho; e, de modo geral, percebe-se uma mudança em relação à expectativa
social a respeito da função da escola e da educação básica e superior. 

NOTA

Globalização  

A globalização já foi analisada de muitas maneiras. O aspecto central de todas as abordagens


atuais é a concepção de que muitos dos mais importantes problemas contemporâneos
não podem ser estudados adequadamente no nível dos Estados nacionais, ou seja, em
termos de sociedade nacional ou de relações internacionais. Em vez disso, precisam
ser teorizados como processos globalizantes (transnacionais) que ultrapassam o nível
do Estado-nação. É útil distinguir a globalização geral (genérica) de sua atual forma
predominante (globalização capitalista) e de formas alternativas. 

A globalização genérica pode ser definida por quatro fenômenos que emergiram ou se
intensificaram desde meados do século XX: 

191
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

A) A revolução eletrônica, que transformou a base tecnológica e o escopo global dos


meios de comunicação de massa e grande parte da infraestrutura material do mundo
atual. 
B) A descolonização da maior parte da África, Ásia e Caribe, com impactos importantes
sobre as atividades econômicas e culturais transfronteiriças e sobre as formas de migração
e pós-colonialismo. 
C) A criação de espaços sociais transnacionais.
D) Formas qualitativamente novas de cosmopolitismo, que permitem que pessoas e
grupos construam múltiplas identidades. 

Essas características da globalização genérica se manifestam mais claramente na


predominância da globalização do capitalismo, que tem sido estudada de muitas maneiras,
mediante concepções divergentes, como as abordagens dos sistemas-mundo, e da
cultura, da política, da sociedade e do capitalismo globais. 

FONTE: SKLAIR, Leslie. Globalização. In: SCOTT, John (Org.). Sociologia: conceitos-chave.
Rio de Janeiro: Zahar, 2010. 

Agora, olhando para as implicações dessas transformações na educação,


vamos destacar quatro pontos a partir da perspectiva de Moreira e Kramer (2007):
a flexibilidade da educação, a influência do neoliberalismo, a homogeneização
cultural e o uso das tecnologias da informação e comunicação (TICs). 

A flexibilidade da educação faz referência a mudanças no cotidiano do


sistema escolar no sentido do uso de novas tecnologias e da preparação para o
mundo do trabalho. Espera-se dos professores o uso de recursos e metodologias
ligados à tecnologia, e dos alunos se espera adequação aos padrões do universo
corporativo atual para inserção no mercado de trabalho. 

A influência do neoliberalismo diz respeito ao espaço tomado pela lógica


empresarial no contexto educacional. A influência de organismos internacionais
na avaliação do sistema de ensino e, consequentemente, nos currículos e
metodologias. A educação passa a ser entendida como um negócio. O propósito é
adequar o sistema de ensino à lógica das grandes corporações. 

A homogeneização cultural leva à construção de um tipo de conhecimento


oficial através do controle simbólico do conhecimento. Devido às questões
apresentadas acima (flexibilidade e neoliberalismo), caminha-se para uma espécie
de unificação do currículo através de políticas curriculares semelhantes dentro de
sistemas nacionais e internacionais. 

Todo esse processo é permeado no contexto escolar pelo uso das tecnologias
da informação e comunicação, chamadas de TICs. É comum a atribuição das TICs
como caminho para a modernização e qualificação do ensino. Por vezes, parece
que as tecnologias exercem uma espécie de mágica capaz de atualizar e adequar a
educação aos padrões sociais vigentes. Além disso, observa-se uma crença de que
o uso das TICs permitirá a consolidação da chamada sociedade da informação ou
sociedade do conhecimento. 
192
TÓPICO 3 | TEMAS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

NOTA

Sociedade da informação e sociedade do conhecimento 

Sociedade da informação 

Na década passada, “sociedade da informação” foi, sem dúvida, a expressão que se


consagrou como o termo hegemônico, não porque expresse necessariamente uma
clareza teórica, mas graças ao batismo que recebeu nas políticas oficiais dos países mais
desenvolvidos e a glorificação que significou ter uma Cúpula Mundial dedicada à sua honra.  

Os antecedentes do termo, contudo, datam de décadas anteriores. Em 1973, o sociólogo


estadunidense Daniel Bell introduziu a noção da “sociedade de informação” em seu livro
O advento da sociedade pós-industrial [1]. Neste livro, ele formula que o eixo principal
desta sociedade será o conhecimento teórico e adverte que os serviços baseados no
conhecimento terão de se converter na estrutura central da nova economia e de uma
sociedade sustentada na informação, onde as ideologias serão supérfluas. 

Esta expressão reaparece com força nos anos 1990, no contexto do desenvolvimento da
Internet e das TIC. A partir de 1995, foi incluída na agenda das reuniões do G7 (depois, G8,
onde se reúnem os chefes de Estado ou governos das nações mais poderosas do planeta). Foi
abordada em fóruns da Comunidade Europeia e da OCDE (os 30 países mais desenvolvidos
do mundo) e foi adotada pelo governo dos Estados Unidos, assim como por várias agências
das Nações Unidas e pelo Banco Mundial. Tudo isso com uma grande repercussão mediática.
A partir de 1998, foi escolhida, primeiro na União Internacional de Telecomunicações e, depois,
na ONU para nome da Cúpula Mundial programada para 2003 e 2005. 

Neste contexto, o conceito de “sociedade da informação” como construção política e


ideológica se desenvolveu das mãos da globalização neoliberal, cuja principal meta foi
acelerar a instauração de um mercado mundial aberto e “autorregulado”. Política que contou
com a estreita colaboração de organismos multilaterais como a Organização Mundial do
Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, para que os
países fracos abandonem as regulamentações nacionais ou medidas protecionistas que
“desencorajassem” o investimento; tudo isso com o conhecido resultado da escandalosa
intensificação dos abismos entre ricos e pobres no mundo. 

Na verdade, no final do século, quando a maioria dos países desenvolvidos já havia


adotado políticas de desenvolvimento da infraestrutura das TIC, ocorre o espetacular
auge do mercado de ações da indústria das comunicações. Entretanto, os mercados
do Norte começam a se saturar. Assim, intensificam-se as pressões com relação aos
países em desenvolvimento para que deixem a via livre ao investimento das empresas
de telecomunicações e informática em busca de novos mercados para absorver
seus excedentes de lucros. Neste contexto convocado pela CMSI, esse panorama se
modifica, entretanto, uma vez que a bolha do mercado de ações estoura, a partir do ano
2000. No entanto, esta realidade e o papel-chave que as tecnologias da comunicação
desempenharam na aceleração da globalização econômica, sua imagem pública, estão
mais associados aos aspectos mais “amigáveis” da globalização, como a Internet, a telefonia
celular e internacional, a TV via satélite etc. Assim, a sociedade da informação assumiu a
função de “embaixadora da boa vontade” da globalização, cujos “benefícios” poderiam
estar ao alcance de todos, se pelo menos fosse possível diminuir o “abismo digital.” [2] 

193
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Sociedade do conhecimento  

A noção de “sociedade do conhecimento” (knowledge society) surgiu no final da década


de 1990. É empregada, particularmente, nos meios acadêmicos como alternativa que
alguns preferem a “sociedade da informação”. 

A UNESCO, em particular, adotou o termo “sociedade do conhecimento” ou sua variante


“sociedades do saber” dentro de suas políticas institucionais. Desenvolveu uma reflexão em
torno do assunto que busca incorporar uma concepção mais integral, não ligada apenas
à dimensão econômica. Por exemplo, Abdul Waheed Khan (subdiretor-geral da UNESCO
para Comunicação e Informação) escreve [3]: “A Sociedade da Informação é a pedra
angular das sociedades do conhecimento. O conceito de “sociedade da informação”,
a meu ver, está relacionado à ideia da “inovação tecnológica”, enquanto o conceito de
“sociedades do conhecimento” inclui uma dimensão de transformação social, cultural,
econômica, política e institucional, assim como uma perspectiva mais pluralista e de
desenvolvimento. O conceito de “sociedades do conhecimento” é preferível ao da
“sociedade da informação”, já que expressa melhor a complexidade e o dinamismo das
mudanças que estão ocorrendo. [...] o conhecimento em questão não só é importante
para o crescimento econômico, mas também para fortalecer e desenvolver todos os
setores da sociedade”. 

Um detalhe neste debate, que apenas diz respeito aos idiomas latinos, é a distinção
entre “conhecimento” ou “saber” (em inglês, ambos são traduzidos como “knowledge
society”). A noção de “saberes” implica certezas mais precisas ou práticas, enquanto que
conhecimento abarca uma compreensão mais global ou analítica. André Gorz considera
que os conhecimentos se referem aos “conteúdos formalizados, objetivados, que não
podem, por definição, pertencer às pessoas... O saber está feito de experiências e práticas
que se tornaram evidências intuitivas e costumes” [4]. Para Gorz, a “inteligência” abarca
toda a gama de capacidades que permite combinar saberes com conhecimento. Sugere,
então, que “knowledge society” seja traduzida por “sociedade da inteligência”.

Em todo caso, geralmente, neste contexto, utiliza-se indistintamente sociedade do


conhecimento e do saber, embora em espanhol, pelo menos, conhecimento pareça ser
mais comum. 

FONTE: AMBROSI, A.; PEUGEOT, V.; PIMIENTA, D. (Coord) Desafios de palavras: enfoques
multiculturais sobre as sociedades da informação. Caen-France: C & F Éditions, 2005.
Disponível em: <http://vecam.org/article591.html>. Acesso em: 23 mar. 2018.

Nesse contexto é fundamental considerar o espaço da diversidade diante


da constante imposição de padrões sociais e culturais. 

Não se suprimem formas antigas de diversidade cultural por meio


de condições tecnológicas avançadas. A expansão uniformizada de
aparatos tecnológicos não elimina a diversidade das relações sociais
entre indivíduos, assim como das relações desses indivíduos com o
conhecimento, com o dinheiro e com seus corpos. Tampouco propicia o
desaparecimento de desigualdades econômicas. Assim, as diferenças,
as desigualdades, as divergências e as discrepâncias persistem. É nesse
panorama que a fetichização das novas tecnologias, na sociedade e na
educação, insiste em perdurar (MOREIRA; KRAMER, 2007, p. 1043). 
 

194
TÓPICO 3 | TEMAS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Outro aspecto importante a ser considerado nesse contexto diz respeito


à relação entre educação, tecnologia e poder. A escola representa uma forma de
exercício de poder referente aos saberes e tecnologias que medeiam professores,
alunos e conteúdos (KENSKI, 2015). 

Os indivíduos buscam na escola um espaço onde encontrarão


conhecimentos que permitam a adequação às mudanças cada vez mais
frequentes e velozes que ocorrem em nossa sociedade. A escola realiza a seleção
dos conteúdos considerados socialmente relevantes para o exercício e atualização
profissional. Além disso, a socialização das novas tecnologias também se dá
através da educação (KENSKI, 2015). 

Cabe resgatar aqui o papel central que a ciência e tecnologia desempenham


em nossa sociedade. Nesse contexto de intensa produção tecnológica observa-se
a crença na ciência e na tecnologia como formas de superar problemas sociais e
promover o desenvolvimento econômico e social. A consequência desse processo
pode ser verificada no cientificismo que leva à supervalorização da ciência e à
crença no mito da neutralidade científica.  

Para compreender esse cenário é essencial ainda destacar a função


ideológica de dominação da ciência e da tecnologia. Como nos mostram
Santos e Mortimer (2002), essa reflexão foi elaborada por Habermas e Marcuse
ao demonstrarem como a ciência e técnica legitimam a dominação, pois essas
metodologias levam à dominação da natureza e, na medida em que ampliam sua
eficácia, permitem a dominação do homem sobre o homem. 

Cabe ainda destacar os processos de resistência à padronização


comprometida com os valores não hegemônicos (KENSKI, 2015). Nesse universo
ganham destaque as lutas em defesa da escola pública de qualidade que procuram
levantar discussões a respeito de temáticas como a tecnologia e garantir a educação
como direito de todos e dever do Estado.  

Nesse emaranhado de relações e influências é fundamental considerar


de forma crítica os discursos prontos a respeito da incorporação das TICs na
educação e, ao mesmo tempo, compreender que as transformações nas formas de
produção, de comunicação e na socialização capitaneadas pelas tecnologias são
parte da sociedade – enquanto objeto de estudo da Sociologia – e da educação
tanto em relação à socialização, quanto em relação à expectativa da formação de
jovens preparados para inserção no mercado de trabalho. 

195
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

2.1 AVANÇOS E DESAFIOS DO ENSINO DE


SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA 
A consolidação do ensino de Sociologia na Educação Básica é fato recente
na história da educação brasileira. Diversos são os desafios diante da tarefa de
ensinar Sociologia para jovens nas escolas: a formação dos professores – boa parte
dos professores de Sociologia não é habilitada na área –, a presença da disciplina
apenas na etapa do Ensino Médio e com pouca carga horária em relação às demais
disciplinas do currículo, as opções limitadas de material didático, a dificuldade
do entendimento, por parte da comunidade escolar, da relevância da disciplina,
entre outros. 

Contudo, prezado acadêmico, esses desafios não devem formar imperativos


que justifiquem a baixa qualidade no ensino de Sociologia. Observaremos também
uma série de avanços – conquistados na busca pela qualificação do ensino da
Sociologia –, como a legislação que prevê o ensino da disciplina na educação
básica, a expansão dos cursos de licenciatura em Sociologia e Ciências Sociais
pelo país, a tímida, mas crescente, produção de materiais didáticos. 

Dito de outra forma, o reconhecimento desses fatores que configuram


desafios conduziu avanços e nos auxiliará no desenvolvimento de nossa prática
pedagógica e contribuirão a longo prazo no fortalecimento e qualificação do
ensino de Sociologia na Educação Básica. 

Para compreender esses desafios, vale lembrar três aspectos apresentados


por Guimarães Neto et al. (2002), ao refletirem sobre a contribuição do ensino da
Sociologia para a formação do cidadão. 

O primeiro aspecto diz respeito à formação da Sociologia enquanto ciência.


O campo sociológico é marcado pela multiplicidade de debates e interpretações
que desafiam a conformação de campos específicos como o ensino da disciplina.
Nesse contexto reside a necessidade de buscar a objetividade, no sentido de
entender os conteúdos ensinados na Sociologia como conhecimento científico
e a vigilância epistemológica, buscando o processo de criar estranhamentos e
familiarizar-se com o estranho (GUIMARÃES NETO et al., 2012). 

NOTA

Vigilância epistemológica é o nome dado por Bourdieu et al. (2000) ao exercício


de constante revisita a seus conceitos e métodos que cabe ao sociólogo realizar em
nome da objetividade de sua análise. Também é algo importante de se fazer em qualquer
exercício de ensino, na medida em que ensinar é algo que não se viabiliza senão nas
condições de diálogo e da reflexão mútua que envolve professor e alunos. Da parte do
professor, é fundamental que se mantenha na condição de um eterno aprendiz, evitando,
assim, o engessamento das ideias e a obsolescência dos métodos de ensino (GUIMARÃES
NETO et al., 2012, p. 17). 

196
TÓPICO 3 | TEMAS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

O segundo aspecto remete à formação da Sociologia enquanto profissão.


Decorrente da necessidade de compreender os desafios impostos pelas
consequências das revoluções no século XIX, a Sociologia analisa, explica e, em
alguma medida, propõe soluções à questão social.

Disso resulta que a Sociologia nunca foi apenas um saber. Além de


ser uma área do conhecimento comprometida em sua natureza
com a efetividade de suas descobertas, hoje bastante consolidada
como um importante campo da ciência,  a Sociologia também se
qualifica como profissão multifacetada, cujo exercício abrange vários
nichos metodológicos e, como tal, permite que a sociedade construa
diferentes noções e reputações associadas ao trabalho do sociólogo
(GUIMARÃES NETO et al., 2012, p. 18). 

Nesse universo desvendado pela análise sociológica da realidade


podemos encontrar sociólogos atuando em diversas áreas, como nos setores
público e privado – inclusive no terceiro setor, em ONGs, por exemplo –, na área
de planejamento e gestão de políticas públicas e, principalmente, na educação.
Nesse campo sociólogo atuam como professores na Educação Básica, no Ensino
Superior e também na academia, produzindo análises sociológicas, como na área
da Sociologia da Educação. 

Além disso, observa-se no campo de trabalho da Sociologia um fenômeno


chamado de concorrência interprofissional. Esse tipo de concorrência ocorre
porque se estende a profissionais formados em outras áreas, mas que ocupam
postos de trabalho nas áreas descritas acima porque aliam sua formação ao
desenvolvimento dessas tarefas (GUIMARÃES NETO et al., 2012).

Esse fato é resultado da interdisciplinaridade característica da Sociologia.

Toda essa longa experiência de diversidade, complexidade e


interdisciplinaridade proporciona à Sociologia um lugar privilegiado
para o exercício da mediação educativa. O que, doravante, chamamos
de imaginação sociológica abrange modos de ler o emaranhado
de situações relacionais que nos envolve cotidianamente de grande
aplicabilidade na educação do indivíduo e de grupos que queremos
preparar para enfrentar, de forma consciente e fundamentada, os
desafios de nosso tempo (GUIMARÃES NETO et al., 2012, p. 20-21). 

E, por fim, o terceiro aspecto faz referência à Sociologia como disciplina.


Desde o curso criado por Émile Durkheim, na França, em 1887, até os dias de hoje,
foi um longo percurso que tomou diferentes formatos até sua afirmação atual
nos currículos escolares da Educação Básica e do Ensino Superior. Em termos
de conteúdo, a Sociologia, da forma como a vemos nos currículos, é responsável
juntamente com a Filosofia de garantir o caráter humanístico da educação e,
também, de contextualizar a produção acadêmica, configurando uma espécie de
conteúdo complementar à iniciação científica (GUIMARÃES NETO et al., 2012). 

Prezado acadêmico! É fundamental compreender, apesar de ser tradição


nos currículos do Ensino Superior, na Educação Básica, a realidade é diferente.
Podemos verificar, desde o século XIX com Ruy Barbosa, tentativas de criar a

197
UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

disciplina, o que não garantiu o sucesso ou a continuidade de sua existência.


Verificamos também várias idas e vindas da disciplina no currículo escolar
e também diversas construções equivocadas em relação ao conteúdo que a
disciplina se propõe a contemplar. 

Na República Velha, de forma mais precisa na era Vargas, a influência


positivista levou o aporte moral da Sociologia para a disciplina Educação Moral
e Cívica. 

Essa proposta, que atingiu seu apogeu no Estado Novo, não nos
parece nem um pouco adequada ao que realmente se pode esperar
dos conteúdos ministrados por uma disciplina como essa. Assim
confundida com o lado moral e cívico do positivismo, a Sociologia
fez alguma história em nossos currículos passados, figurando
predominantemente como disciplina optativa, o que inclusive aparece
na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB n. 4.024/61
(GUIMARÃES NETO et al., 2012, p. 22). 

Na ditatura seguinte observa-se uma mudança na forma como a disciplina


é considerada tanto pelo poder público, quanto pela opinião pública. De disciplina
responsável por ensinar a moralidade, passa a ser combatida pelo caráter militante
e pela presença, em todo mundo, do desenvolvimento da vertente marxista entre
os anos 1950 e 1970. Nesse contexto, a disciplina permanece "de fora" do currículo
do Ensino Médio (GUIMARÃES NETO et al., 2012). 

O processo de redemocratização levou então às tentativas de reinserção


da Sociologia no ensino básico. 

A partir da abertura política e da retomada do caminho da democracia,


começam longas discussões que resultam na nova LDB, a Lei n. 9.394/96,
ao mesmo tempo que amadurece a proposta de obrigatoriedade da
Sociologia como disciplina no Ensino Médio. Isto porque essa Lei
determina, no artigo 36, § 1º, inciso III, que "ao fim do Ensino Médio,
o educando deve apresentar domínio de conhecimentos de Filosofia e
Sociologia necessários ao exercício da cidadania". Contudo, somente
12 anos depois, período em que se deu um grande debate sobre a
real necessidade de se introduzir a disciplina na matriz curricular de
Ensino Médio, foi sancionada a Lei n. 11.684, que alterou o artigo 36
da LDB vigente e trouxe, definitivamente, a disciplina para as escolas
(GUIMARÃES NETO et al., 2012, p. 22-23). 

Porém, como mencionamos anteriormente, a obrigatoriedade do ensino


de Sociologia ainda representa um grande desafio quando se consideram
elementos como a formação de professores na área, a produção de materiais
didáticos e o reconhecimento da relevância do ensino de Sociologia no Ensino
Médio – especialmente em tempos de extrema valorização do caráter técnico e
profissionalizante do Ensino Médio. 

A questão da cidadania é essencial para refletirmos sobre o conteúdo a ser


contemplado pela Sociologia no Ensino Médio. 

198
TÓPICO 3 | TEMAS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Como mencionado, legalmente, a Sociologia no Ensino Médio deve se


orientar contemplando conhecimentos necessários para o exercício da
cidadania. Segundo a visão iluminista que funda e institui a concepção
de cidadania, ser cidadão, mais que estar contido na sociedade, é,
fundamentalmente, contê-la, no sentido de que o indivíduo só pode
se sintonizar com essas necessidades de uma sociedade na medida em
que toma consciência do todo que faz parte (GUIMARÃES NETO et
al., 2012, p. 23). 

De modo geral, a luta pela presença da Sociologia se confunde com a


luta pela democracia e pelo direito à cidadania no decorrer da história brasileira.
Como ciência da sociedade, a Sociologia sofreu com suas transformações e com os
constantes golpes à democracia em nosso país. Entretanto, o ensino de Sociologia
segue vital para a garantia da formação crítica e autônoma de nossa juventude.

199
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você viu:

• Os desdobramentos da globalização marcaram de diferentes formas a estrutura


social e, no que diz respeito à relação entre tecnologia e educação, conduziram
processos de flexibilidade da educação, incorporação da agenda neoliberal nas
práticas e currículos, a homogeneização cultural e o uso e a fé nas TICs como
promotoras de educação de qualidade.  

• Os avanços e desafios do ensino de Sociologia no Brasil foram marcados de


forma significativa pela constante luta pela democracia em nosso país e são
marcados pela busca da objetividade na Sociologia, pela profissionalização da
Sociologia como profissão e pela consolidação da Sociologia como disciplina
no Ensino Superior e na Educação Básica. 

200
AUTOATIVIDADE

1 Os desafios que configuram o ensino de Sociologia no Brasil são diversos


e decorrem de múltiplos fatores que podemos compreender analisando
a história da Sociologia no país. De maneira geral, podemos destacar três
elementos que nos auxiliam na compreensão desse processo: a constituição
da Sociologia como ciência, a Sociologia como profissão e a Sociologia como
disciplina. Considerando esse contexto, classifique as sentenças usando o
seguinte código: 

I – Sociologia como ciência. 


II – Sociologia como profissão. 
III – Sociologia como disciplina. 

( ) A redemocratização brasileira levantou a discussão a respeito do ensino


de Sociologia na educação básica. 
( ) O sociólogo pode atuar em diferentes áreas dos setores público e privado,
porém a área com maior presença desses profissionais é na educação. 
( ) A Sociologia no contexto dos currículos é responsável por promover
a autonomia e o pensamento crítico, fundamentais para o exercício da
cidadania. 
( ) A vigilância epistemológica marca a busca pela objetividade na produção
científica no campo da Sociologia. 

Agora assinale a sequência CORRETA: 

a) ( ) II – I – III – I. 
b) ( ) I – II – III – II. 
c) ( ) III – I – III – II. 
d) ( ) III – II – III – I. 
 
2  Os debates a respeito da relação entre educação e tecnologia ganham
diferentes contornos de acordo com as questões observadas, contudo
podemos destacar quatro aspectos: a flexibilidade da educação, a influência
do neoliberalismo, a homogeneização cultural e o uso das tecnologias da
informação e comunicação (TICs). Considerando esses debates, classifique as
sentenças fazendo uso do código a seguir: 

I – Flexibilidade da educação. 
II – Influência neoliberal. 
III – Homogeneização cultural. 
IV – Uso das TICs. 
 
( ) As TICs são consideradas ferramentas para a modernização e qualificação
do ensino. 

201
( ) O uso de novas tecnologias e a preparação para o mundo do trabalho
levam à adequação em relação aos padrões corporativos. 
( ) Fazer uso das tecnologias impõe uma flexibilização das atividades
desenvolvidas na escola visando a preparação para o trabalho. 
( ) Observa-se um processo de unificação do currículo visando a construção
de um conhecimento oficial adequado às expectativas do mercado de
trabalho. 

Agora assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: 

a) ( ) II – III – IV – I. 
b) ( ) IV – II – I – III. 
c) ( ) I – II – III – IV. 
d) ( ) III – IV – II – I. 

202
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