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SOCIOLOGIA
chamada Terceira Revolução Industrial, com o advento da Da contradição entre o trabalho e o capital, surgiram revoltas
energia nuclear e das tecnologias de informação. no continente europeu, como o Cartismo na Inglaterra, em
As novas tecnologias da Primeira e da Segunda Revolução 1835, além de uma onda de greves e revoltas que se espalhou
Industrial modificaram por completo a estrutura da sociedade por países como Alemanha, Itália e Rússia, sendo fortalecida
europeia ao desestruturar as bases econômicas do feudalismo. pelas revoluções operárias na Inglaterra e na França desde a
A produção de bens e riquezas passa a ser majoritariamente década de 1830 e culminando com a Primavera dos Povos em
industrial por meio da mecanização do trabalho. As máquinas a 1848.
vapor, a combustão ou elétricas substituem aos poucos o Concomitantemente, o imperialismo europeu já deixava
esforço humano, tanto no trabalho agrícola quanto nas profundas marcas nas suas colônias localizadas na África, Ásia
atividades laborais urbanas. O modo de produção capitalista se e Oceania. A elevada industrialização produzia necessidades de
consolida de forma definitiva, tendo, no liberalismo, uma mercado que a própria Europa não conseguia atender: por
doutrina política guardiã da visão de mundo dos detentores do exemplo, um maior dispêndio de matéria-prima, por um lado, e
capital. uma necessidade de um mercado consumidor maior para
O que devemos, de fato, considerar, para além das dicotomias escoamento de superprodução, por outro. Conforme observou o
entre os benefícios e malefícios advindos da Revolução escritor inglês Joseph Conrad acerca da colonização belga no
Industrial, tomando por base os aspectos econômicos, é Congo,
justamente analisar e compreender como as mudanças na base a conquista da terra (na maior parte dos casos, roubá-la a quem
econômica da sociedade feudal trouxeram alterações para o tem a cor de pele mais escura ou o nariz mais achatado) não é
modo como os indivíduos estabelecem suas relações com coisa bonita de se ver quando se olha muito de perto.
outros indivíduos, em um mundo capitalista. Há que se CONRAD, Joseph. O coração das trevas. São Paulo: Abril Cultural, 2010. p.
20. [Fragmento]
recordar que
a maioria dos habitantes da Inglaterra do século XVIII vivia em
áreas rurais, embora as cidades já começassem a expandir-se. Assim, a técnica e a ciência deixavam de cumprir seu papel
Em 1695, uma vez mais seguindo Gregory King, cerca de um esperado – de trazer a emancipação do homem – para reforçar
quarto da população da Inglaterra e do País de Gales habitava o controle de um sistema político-econômico que demonstrava
as cidades e vilas onde havia mercados, mas a maioria destas ser gerador de grandes desigualdades, tanto dentro quanto fora
últimas nada mais era do que burgos populosos. Além de da Europa.
Londres (com aproximadamente meio milhão de habitantes), Foram justamente esses impactos, oriundos de um mundo em
havia somente três cidades na Inglaterra com mais de 10 000 constante transformação social, que levaram os primeiros
habitantes: Norwich, Bristol e Birmingham. [...] Apenas um em cientistas sociais a desejarem interpretar as mudanças de uma
cada cinco ingleses viviam em cidades. forma sistemática e rigorosa.
DEANE, Phyllis. A Revolução Industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1973. Imbuídos de um espírito científico, nomes como Karl Marx e
p. 19-20. Émile Durkheim se dedicaram a estudar os mecanismos
sociais, econômicos e políticos dessa nova estrutura de uma
A vida humana se constrói socialmente à medida que o homem sociedade que passava a se sustentar por meio de máquinas e
se lança à natureza para daí elaborar sua existência. Logo, o fábricas, apresentando pobreza e exploração sob sua sombra.
desenvolvimento do sistema capitalista, ao se constituir em Ao se estabelecer enquanto uma ciência que busca
torno da exploração do trabalho assalariado, na posse da compreender as bases do mundo moderno, ou, em termos mais
propriedade e da constante criação de necessidades, rompe com específicos, entender de qual maneira o desenvolvimento da
a lógica que até então dominava a vida em sociedade nos sociedade capitalista gerou mudanças no modo como os
períodos pré-capitalistas. indivíduos se relacionam, a Sociologia tratou de temas
A classe burguesa, por exemplo, foi a classe que deteve – e considerados como grandes questões.
ainda detém – os meios de produção, para daí gerar os produtos Assim sendo, a nova e emergente ciência lançou seu foco sobre
que seriam apropriados por outros indivíduos no mercado diversas problemáticas, como a relação entre capital e trabalho,
capitalista. Logo, o mercado cria um novo espaço de interação tradicional e moderno, sagrado e profano, ideologia e utopia e,
social para os indivíduos. Assim, surge o trabalho assalariado, também, as diferenças entre comunidade e sociedade.
que nada mais é que a força de trabalho transformada em
mercadoria e, como tal, passível de ser negociada. AS FILOSOFIAS SOCIAIS DO SÉCULO XIX
O mundo moderno emerge baseado na crença de que a ciência A industrialização produziu uma série de modificações na
e a técnica são elementos capazes de conduzir a humanidade ao economia, consolidando o capitalismo industrial. As máquinas
progresso e, paralelamente, a um estado de felicidade e substituíram, em grande parte, a força de trabalho humana,
igualdade. A principal característica desse novo mundo é a aumentando a produtividade e reduzindo o tempo da produção
constituição de uma sociedade urbana e industrial dividida em e o custo operacional. Por outro lado, as vantagens trazidas
classes. pelo uso das máquinas vieram acompanhadas de problemas
Todavia, a superação do antigo regime pela nova ordem social sociais relevantes, especificamente: desemprego, miséria,
burguesa não se deu sem questionamentos e / ou lutas sociais. êxodo rural, inchaço urbano, exploração da mão de obra
O século XIX insere também o surgimento de uma nova figura operária, más condições de vida e trabalho, alta concentração
na construção da história humana: a classe proletária. Ao passo de renda e desigualdade social.
que a noção de liberdade individual foi de suma importância Nesse complicado contexto, começa a surgir um maior número
para a consolidação do capitalismo, esse mesmo modo de de iniciativas teóricas tanto para tentar compreender as
produção deixou para a classe operária uma situação de mudanças vivenciadas pela Europa, recém-industrializada,
opressão frente à força do capital burguês. quanto para explicar as novas realidades humanas em contato
através do imperialismo.
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Havia um grande afã em tentar entender a economia e a nova imperialismo. As comunidades científicas europeias sentiam
sociedade industrial, identificando seus elementos necessidade de explicar a enorme diversidade de povos, raças e
constituintes, porém era evidente que existia um espírito costumes ao redor do mundo, e, paralelamente, a antropologia
propositivo. Este último buscava estabelecer metas e ações evolucionista fornecia as explicações de um modo compatível
para produzir um futuro que se imaginava ainda “melhor” com os sistemas de crenças em voga na Europa.
(obviamente, segundo os ideais da classe social burguesa que A perspectiva do evolucionismo social – ou cultural – é a de
havia assumido o poder, ligados à industrialização e à classificar as culturas de acordo com seu desenvolvimento
implementação do modelo civilizacional europeu). tecnológico, adotando como padrão de julgamento o modelo
Logo, foram produzidas algumas filosofias sociais, que industrial europeu do século XIX. Segundo esse critério, a
procuravam, ao mesmo tempo, explicar e intervir na realidade cultura urbana industrial europeia é considerada superior, mais
social. Essas filosofias sociais estavam inspiradas pelos ideais avançada e desenvolvida do que as demais culturas.
científicos que faziam sucesso no século XIX, compartilhando A partir desse paradigma etnocêntrico, todas as demais
a euforia cientificista surgida após as descobertas realizadas no sociedades seriam julgadas e hierarquizadas.
âmbito da Física de Isaac Newton, da Química de Lavoisier e Os evolucionistas adotavam o método comparativo como
da Biologia de Lamarck e Darwin. procedimento de análise, porém os critérios estabelecidos
O que William Bottomore, em sua Introdução à Sociologia partiam do pressuposto da superioridade da raça europeia,
(1987), chama de “pré-história da sociologia”, isto é, sua apresentando como evidência principal dessa superioridade o
gênese como ciência, corresponderia a um período de grau de desenvolvimento tecnológico alcançado pelos povos
aproximadamente cem anos, em torno de 1750 a 1850, desde europeus. Para o evolucionismo social, todas as culturas
os escritos políticos de Montesquieu até os trabalhos de obedeceriam a uma linha evolutiva linear, universal e
Augusto Comte e Karl Marx. Nesse período, a Sociologia (no determinista, o que permitiria compará-las entre si e classificá-
caso, as filosofias sociais) era dotada de um caráter las segundo uma mesma hierarquia. As diferenças eram
enciclopédico – buscando abarcar a totalidade da vida social e consideradas marcações temporais, que enquadrariam a cultura
da história humana – sendo fortemente orientada pela noção de em um determinado estágio de progresso em relação ao estágio
evolução e concebida como ciência positiva, ou seja, de caráter considerado superior.
idêntico às ciências da natureza. Isto posto, os evolucionistas sociais, assim como os
Porém, as primeiras filosofias sociais não alcançaram o status positivistas, forneceram argumentos para a “Missão
de ciência. O darwinismo social e o evolucionismo, duas Civilizadora”, sustentando a tese de que os povos superiores
vertentes teóricas com ampla aceitação no decorrer do século possuiriam a obrigação moral de auxiliar os povos inferiores a
XIX, tiveram seu valor científico contestado por revelarem evoluírem e, consequentemente, a saírem de seu estado
comprometimentos ideológicos e também em razão de primitivo. Até a década de 1870, o discurso hegemônico
apresentarem graves erros conceituais e metodológicos, além acreditava na possibilidade de civilizar os povos inferiores; já
de terem estreita relação com a finalidade política de justificar no final do século XIX, a partir da influência do darwinismo
a dominação europeia durante o período colonial. social, passa-se a defender que alguns povos são
qualitativamente inferiores e, portanto, não poderiam ser
Evolucionismo social civilizados, devendo ser subjugados e, em alguns casos,
Entende-se por evolucionismo um conjunto de teorias sociais exterminados.
defensoras da tese de que as sociedades humanas se encontram O evolucionismo social hoje é considerado uma teoria
em um contínuo processo de desenvolvimento, que consiste na pseudocientífica, uma vez que esteve mais ligado às
passagem de estágios mais simples, ou “primitivos”, para justificações de ordem política para a dominação européia do
estágios mais avançados. É comum associar o evolucionismo à que a uma investigação realmente isenta e imparcial sobre as
Teoria da Evolução das Espécies de Charles Darwin, porém a sociedades humanas. As teorias sociais importadas
teoria social surgiu antes mesmo da publicação mais famosa de equivocadamente do método das ciências naturais produziram
Darwin. No entanto, não há como negar o grande impacto que doutrinas ideológicas com efeitos devastadores, como
a obra do naturalista britânico produziu nas teorias sociais após comprova a história do imperialismo europeu sobre a Ásia e
sua publicação, em 1859, fornecendo fundamentos “empíricos” a África.
extraídos da natureza para sustentar as teses sociais do
evolucionismo social. Darwinismo social
O evolucionismo social surgiu inicialmente a partir de estudos A teoria da evolução de Charles Darwin, publicada a partir de
da Antropologia, com Lewis Morgan (1818-1881) e Edward sua obra A origem das espécies, lançada em solo inglês em
Tylor (1832-1917), reforçados pelas teorias de Herbert Spencer 1859, tornou-se rapidamente um fenômeno nos círculos
(1820-1903), cuja popularidade foi ampla na Inglaterra intelectuais e científicos da Inglaterra e no mundo Europeu.
vitoriana. É interessante observar que autores como Morgan e Após uma extensa coleta de dados ao redor do mundo, a bordo
Tylor eram considerados “antropólogos de gabinete”, isto é, do navio Beagle, Darwin produziu sua teoria que propunha que
teóricos que se baseavam nos relatos de naturalistas e viajantes todas as espécies estavam submetidas a um processo contínuo e
para formular suas teorias, mas que não tiveram contato direto permanente de evolução, marcado pela seleção dos mais bem-
com os povos de que trataram. adaptados. Aqueles que não conseguissem se adaptar estariam
Por isso, não devem ser considerados “etnógrafos”, termo que fadados à extinção.
designa os pesquisadores de campo da Antropologia. A expressão “darwinismo social” foi cunhada pelo historiador
Prosseguindo, o evolucionismo social foi largamente utilizado britânico Richard Hofstadter, já no século XX, visando
como paradigma para estudar as sociedades não europeias que descrever os ramos do evolucionismo social, que passam a se
estavam sendo contatadas a partir do colonialismo e do sustentar em uma interpretação da Teoria da Evolução de
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Darwin, em que se pretendia fazer uma leitura da sociedade Ao mesmo tempo, o discurso evolucionista seria utilizado para
pelo viés das ideias do naturalista britânico. Os objetivos dos explicar as diferenças entre pobres e ricos na nova sociedade
darwinistas sociais eram explicar a transformação das capitalista industrial. Transpondo o raciocínio biológico para o
sociedades, a industrialização e a revolução tecnológica e sociológico, Spencer afirmava que as sociedades humanas
justificar as diferenças culturais entre os povos europeus e os funcionariam de modo similar à cadeia alimentar dos animais,
não europeus, valendo-se de forma específica da noção vigorando naquela as mesmas leis gerais desta. Assim, os
biológica de raça. indivíduos e as sociedades estariam submetidos à adaptação e à
O nome mais destacado do darwinismo social foi o economista sobrevivência do mais forte. Então, em uma sociedade
britânico Herbert Spencer, responsável por reunir a teoria competitiva como a capitalista, os ricos seriam os mais
biológica darwinista e a teoria econômica de Malthus para adaptados e, portanto, os mais fortes, enquanto os pobres
entender os mecanismos da sociedade com base em critérios seriam os menos adaptados e mais fracos. Seria natural,
evolucionistas. Com isso, ele pretendia explicar as grandes portanto, a dominação e a exploração do pobre pelo rico. Os
diferenças técnicas e tecnológicas entre a sociedade europeia e darwinistas sociais buscavam naturalizar o que era social,
os povos não europeus. Segundo Spencer, os povos africanos atribuindo a responsabilidade da desigualdade social à
seriam biologicamente inferiores em relação aos europeus e natureza, com o intuito de mascarar os jogos das forças
isso justificaria os seus atrasos tecnológicos. políticas e econômicas.
Em outras palavras, os africanos seriam uma raça menos
capacitada e menos adaptada às árduas exigências da vida em Racismo científico
sociedade. Nesse contexto, consolida-se o conceito de raça, O darwinismo social é parte do que ficou conhecido como
fundamentado em aspectos biológicos, que divide a espécie racismo científico, que consiste em um conjunto de teorias
humana em subgrupos possuidores de características físicas, marcadas pelo determinismo biológico e que propunham a raça
comportamentais e cognitivas específicas. como fator determinante para estabelecer diferenças e
Spencer faz uma interpretação própria da Teoria da Evolução hierarquias entre os grupos humanos. Além do darwisnimo
de Darwin. Enquanto o naturalista britânico afirmava como lei social, outras teorias similares tiveram grande repercussão no
da adaptação que “o mais apto sobrevive”, Spencer afirmava mundo ocidental, como a frenologia, a craniometria e a
que “o mais forte sobrevive”, privilegiando as dinâmicas de eugenia.
poder. A frenologia e a craniometria são especializações do
Esse poder seria essencialmente tecnológico-militar, tendo darwinismo social que utilizavam como método de
como ápice e paradigma a “civilização europeia”. A mudança investigação social a análise de crânios humanos. Postulando o
de perspectiva proposta por Spencer está intimamente determinismo biológico-racial, teóricos como Robert Knox
associada ao Imperialismo e à necessidade de se encontrar (1792-1862) e Cesare Lombroso (1835-1909) defendiam um
justificativas “científicas” para as ações de dominação vínculo direto e imediato entre características fisiológicas do
europeias. crânio de cada raça e as particularidades comportamentais,
O raciocínio dos darwinistas sociais se ampara em um morais e intelectuais dos indivíduos. O livro mais conhecido de
determinismo biológico. Ou seja, as características sociais, Robert Knox, publicado em 1850, resumia: Race is Everything
comportamentais e intelectuais dos indivíduos seriam (Raça é tudo). Em outras palavras, para frenólogos e
estabelecidas pela estrutura genética do grupo biológico ao craniometristas, seria possível “ler” por meio das medidas
qual pertencem. Isto é, os brancos possuiriam aptidões e cranianas (tamanho, volume, proporção, distâncias entre
virtudes quantitativa e qualitativamente diferentes dos negros e cavidades, formato, entre outras medidas) as características
de outras raças, virtudes essas que seriam inatas e permitiriam sociais próprias de cada raça, deduzindo, assim, o
estabelecer uma hierarquia entre as raças. comportamento individual a partir dos traços raciais.
Os brancos, por serem naturalmente mais inteligentes e Boa parte da criminologia – disciplina que se dedica a diversas
capazes, seriam senhores naturais das raças menos evoluídas, teorias do direito criminal e penal –, até meados do século XX,
logo, de todas as demais. Boa parte do discurso imperialista do ainda se baseava nesse pressuposto determinista, no qual se
século XIX se fundamentava nessa noção de superioridade buscava a verificação mediante pesquisas empíricas. Por
natural. Os europeus estariam submetidos ao “fardo do homem exemplo: entre dois indivíduos acusados de praticar um
branco”, isto é, à obrigação moral de “civilizar” os povos assassinato, o formato do crânio daquele que possuísse as
atrasados, ainda que esse processo de civilização implicasse o “características fisionômicas de um assassino” poderia ser
extermínio dos povos “primitivos”. decisivo para sua condenação.
A eugenia foi proposta como “ciência” a partir dos estudos do
francês Francis Galton (1822-1910), primo de Darwin,
publicados em 1883. O termo grego eugenia pode ser traduzido
por “bom nascimento” ou “boa origem” e foi utilizado por
Galton para descrever uma nova ciência que buscava, a partir
de uma seleção artificial, contribuir para aprimorar a herança
genética das raças humanas.
A eugenia visaria, portanto, acelerar o processo de seleção
natural, favorecendo as raças mais fortes e eliminando as raças
http://www.criacionism
mais fracas. Em outras palavras, significava favorecer os
o.com.br/2020/06/darwi
nismo-social-e- aspectos genéticos identificados com o dominador branco e
racismo.html suprimir as características consideradas inferiores das demais
raças, principalmente da raça negra.
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Até o início do século XX, a eugenia teve ampla aceitação no se resumindo à mera cientificidade objetiva, mas englobando
mundo ocidental, tendo sido registradas várias associações também aspectos subjetivos.
eugenistas na Europa, nos EUA e inclusive no Brasil, que E é também atribuída a Comte a criação do termo “sociologia”,
buscavam um “aprimoramento social” a partir do proposto no livro supra-citado, para descrever uma ciência
aprimoramento genético. Porém, sua função social foi específica cujo objeto seria a sociedade.
severamente questionada quando passou a ser apropriada pelo Em sua acepção, o positivismo defende que o único
nazismo, concedendo sustentação “científica” para os campos conhecimento verdadeiro é o resultante da ciência
de concentração e para o holocausto. O argumento utilizado experimental. Desse modo, qualquer outra forma de
pela ciência nazista para eliminar judeus, negros, ciganos, conhecimento – da fé religiosa à filosofia – é desconsiderada
homossexuais – e outros povos tidos como inferiores – era em nome do conhecimento positivo. Tudo o que não puder ser
justamente o de purificar a raça germânica-ariana, eliminando provado pela ciência será caracterizado como pertencente aos
as interferências que estes consideravam nocivas e distorcidas. domínios teológico e metafísico e, assim, não se constituirá
como ciência.
Críticas ao evolucionismo social e ao racismo Por isso, algumas das características do positivismo são o
científico “cientificismo” ou “culto à ciência” e a grande valorização da
A tentativa de transpor critérios físicos e biológicos para a tecnologia. Esta última é considerada o braço material da
interpretação da sociedade produziu leituras da realidade que ciência e permite realizar as ações necessárias para que o
levaram à disseminação de visões preconceituosas e à conhecimento se torne efetivo. Para Comte, a industrialização
legitimação de dominações políticas. O evolucionismo social, era vista como a forma superior de elaboração do trabalho e
incluindo as teorias do racismo científico, foi o braço teórico cumpriria finalidades que extrapolavam o domínio da
do imperialismo europeu, justificando as ações da Inglaterra, economia.
França, Bélgica e Itália por meio da tese da superioridade racial Ou seja, pela tecnologia e pela industrialização, a humanidade
europeia. Além disso, essas teorias buscavam apresentar poderia satisfazer as suas necessidades crescentes, superar as
justificações para as desigualdades econômicas, acentuadas desigualdades, acabar com a pobreza e reduzir o esforço do
durante a Revolução Industrial, tratando fenômenos sociais e trabalho. Dessa forma, o progresso industrial traria,
historicamente produzidos como se fossem biológicos, necessariamente, progresso social. Conforme afirma o lema
necessários e condicionados por forças naturais. positivista: “saber para prever, prever para agir”.
MAYOR, Federico. Ciência e poder.
O ápice da crítica a essas filosofias sociais ocorreu após a São Paulo: Unesco / Papirus. 1998, p. 55.
Segunda Guerra Mundial, momento em que as conseqüências
das doutrinas racistas atingiram seu apogeu com o nazismo. Inspirando-se na Física e na Matemática, dos séculos XVII e
Em razão de seus erros teóricos, metodológicos e seu XVIII, o positivismo comteano partia do pressuposto de que a
comprometimento ideológico, as doutrinas supramencionadas estrutura social obedecia a “leis naturais” similares às que
foram duramente criticadas e superadas do ponto de vista regem a natureza das coisas. A principal função das ciências
científico. Mas veremos em capítulos posteriores que sua seria a de descobrir essas leis, ou seja, as relações de causa e
influência ainda permanece bastante visível, especialmente na efeito universais e imutáveis que estariam por trás de todos os
questão racial, em que se percebe discursos de cunho fenômenos. Caberia à Física Social a incumbência de
darwinista social, possuindo espaços no senso comum e na desvendar as “leis naturais” que regem a vida em sociedade, da
própria política. mesma forma como a Física descobria as leis da mecânica.
O conhecimento dessas “leis sociais” permitiria aos seres
Positivismo humanos aprimorar a ordem natural.
O positivismo pode ser considerado um conjunto de teorias Dentre as leis naturais que regem a sociedade, é importante
políticas, científicas e sociais que foi fortemente influenciado destacar a lei do progresso. Essa lei corresponderia ao
pelo otimismo em relação à razão e à ciência, sentimento que desenvolvimento linear, necessário e universal das sociedades,
se difundia no século XIX em torno da industrialização e do partindo de estágios mais simples para estágios mais
imperialismo europeu. Inaugurado pelo francês Henri Saint- complexos. Por ser universal e necessário, todas as sociedades
Simon (1760-1825), o positivismo estabelece uma relação humanas estariam submetidas a ele. Paralelamente, por ser
ambígua com o Iluminismo: ao mesmo tempo que linear, todas as sociedades humanas evoluiriam seguindo as
compartilhava a crença no poder da razão e no progresso da mesmas etapas. O modelo de evolução seria, obviamente, o
humanidade, discordava da visão política iluminista, que padrão civilizacional europeu, obedecendo à sua história social.
criticava as instituições sociais e a legitimidade do Estado por Desse modo, todas as demais sociedades humanas seriam
considerá-las uma ameaça à liberdade. Simon chamou o avaliadas a partir do parâmetro das nações consideradas mais
Iluminismo de “filosofia negativa” e se opôs a ele criando o civilizadas, isto é, com maior desenvolvimento tecnocientífico:
positivismo. Inglaterra e França.
No entanto, foi somente com o filósofo francês Auguste Comte
(1798-1857) que o positivismo atingiu seu auge. Comte Princípios positivistas na obra de Comte.
formalizou as crenças positivistas e garantiu visibilidade à ▪ Busca por leis universais que regem todos os fenômenos;
doutrina, tornando-a conhecida ao redor do mundo. Seu livro ▪ Os fatos são a base da elaboração das leis;
Curso de Filosofia Positiva, lançado em 1848, tornou-se uma ▪ Objetividade e neutralidade;
espécie de “livro sagrado” do positivismo. ▪ Rejeição às explicações metafísicas e religiosas;
Nele, Comte defende as linhas mestras de sua doutrina, que ▪ O método científico (observação e experimento) é o
giram em torno do desenvolvimento do “espírito positivo”, não instrumento para alcançar o conhecimento.
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A lei dos três estados [...] Diante desse quadro social e político de crise, higienistas e
Segundo Comte, a humanidade se desenvolveria em três eugenistas entram em ação para pensar o social e “testar” suas
estágios sucessivos que corresponderiam ao nível de progresso teorias.
do espírito. Higienistas pregam a higiene moral da sociedade. Não somente
1. Estado teológico: as explicações sobre a realidade envolvem a saúde, mas também a conduta passa a ser objeto de estudo da
seres ou forças sobrenaturais (como os deuses). Procura pelo higiene.
“porquê” das coisas, busca da essência, do absoluto. O mito e a Nessa perspectiva, a doença torna-se um problema econômico
religião dominam esse estado. e requererá o isolamento e a exclusão dos menos adaptados.
2. Estado metafísico: inicia-se um caminho mais racional de
explicação, porém ainda sem o rigor da ciência. [...] As políticas de reformas urbanas e de educação moral
Mantêm-se a busca abstrata pelo absoluto e pela essência da higiênica não agradavam de modo algum a Francis Galton, o
realidade. A Filosofia assume o lugar da religião, mas mantém pai da eugenia, pois iam contra a lei da seleção natural.
a abstração. Melhorar as condições de vida dos grupos de degenerados era o
3. Estado positivo: etapa final e definitiva, não se busca mais o mesmo que incentivar a degeneração da “raça inglesa”.
“porquê” das coisas, mas sim o “como”, por meio da Londres tornou-se um mau exemplo de vida social e disciplina.
descoberta e do estudo das leis naturais e das relações de causa Ali morava todo o resíduo social, a escória, a multidão fora da
e efeito. O estudo do particular substitui a busca abstrata pela norma. Uma ameaça ao desenvolvimento econômico e
essência. A ciência toma o lugar da religião e da Filosofia. humano.
Mesmo com o surgimento das workhouses [casas de trabalho],
POSITIVISMO NO BRASIL instituição estatal que empregava “desocupados”
[...] O projeto sociopolítico de Comte pressupunha uma provisoriamente até a reintrodução ao mundo do trabalho, o
evolução ordeira da sociedade, incompatível com revoluções e assistencialismo ainda era muito mal visto. Até mesmo casas
mudanças bruscas. Curiosamente, no Brasil os ideais de caridade eram desqualificadas e consideradas uma muleta
positivistas serviram para alavancar uma troca de regime, com para aqueles “vagabundos” vistos como um “fardo social”. A
a Proclamação da República. partir desse ponto de vista sobre a multidão que estava fora da
O aparente paradoxo se explica, em parte, pelo fato de a vida regulada pelo trabalho foram elaboradas soluções mais
influência positivista ter resultado em pensamentos muito radicais para o problema inglês: eliminar todos aqueles que
diversos no Brasil, conforme se combinou com outras correntes contribuíam para a degeneração física e moral, impedindo-os
ideológicas. Nenhum setor teve maior presença da ideologia de procriar ou de se perpetuar na sociedade. O medo crescente
comtiana do que as Forças Armadas, de onde saiu o vitorioso da multidão amotinada reclamando direitos e melhores
movimento republicano e a ideia de adotar o lema “ordem e condições de vida era uma ameaça à burguesia. Muitas das
progresso”. Várias das medidas governamentais dos primeiros conquistas trabalhistas vieram dessas reivindicações. Nesse
anos da República tiveram inspiração positivista, como a contexto surgiu o Welfare State, [estado de bem-estar social], a
reforma educativa de 1891 e, no mesmo ano, a separação partir de pressões resultantes do crescimento capitalista que
oficial entre Igreja e Estado. O positivismo ficou de tal forma forçaram o Estado a se transformar estruturalmente para apoiar
conhecido no Brasil que o prenome de Comte foi de maneira socioeconômica as demandas da população.
aportuguesado para Augusto, e a corrente filosófica tornou-se Visava essencialmente criar organismos e serviços estatais de
tema de um samba de Noel Rosa e Orestes Barbosa. A canção, amparo aos indivíduos do corpus social.
intitulada “Positivismo” e lançada em 1933, termina com os Para os eugenistas, o Welfare State era antinatural, e permitir
versos: “O amor vem por princípio, a ordem por base / O que o menos apto viva, através do assistencialismo, era
progresso é que deve vir por fim / Desprezaste esta lei de considerado parasitismo.
Augusto Comte / E foste ser feliz longe de mim”. [...] Nesse sentido, combater esse tipo de parasitismo era contribuir
Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/186/auguste- para o progresso da sociedade, já que, com a eliminação do
comtepensador-frances-pai-positivismo>. Acesso em: 13 set. 2018.
fardo social que sobrecarrega o Estado, o progresso da
civilização estaria garantido. Isso quer dizer que o grande
HIGIENISMO SOCIAL E EUGENIA impedimento para o sucesso da eugenia dependia de poupar os
[...] Do ponto de vista social, a burguesia se inspirará na nascimentos daqueles que invariavelmente viveriam sob a
Biologia e nas teorias incertas sobre a hereditariedade para tutela do Estado, além de estimular os casamentos e a
consolidar o poder econômico recém-conquistado, reabilitando procriação daqueles que elevariam o conjunto da raça inglesa.
o direito de sangue, não mais em seu aspecto religioso como a DIWAN, Pietra. Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo.
nobreza pregava até então, mas do ponto de vista biológico e São Paulo: Contexto, 2007. p. 32-37.
científico. Os burgueses tornaram-se os mais capazes, os mais
fortes, os mais inteligentes e os mais ricos. CATECISMO POSITIVISTA
Será pela meritocracia que o mérito natural substituirá o sangue Sem deter-vos especialmente em cada fase enciclopédica,
azul. A superioridade hereditária burguesa fará contraponto como na nova educação ocidental, limito-me a pedir-vos que
também com a inferioridade operária e formará uma hierarquia aprecieis em separado as duas partes desiguais que compõem
social em que a aristocracia perderá sua primazia. O triunfo historicamente o conjunto da filosofia positiva. Esta divisão
burguês afasta a nobreza e os pobres com o respaldo da ciência. espontânea consiste em decompor a ordem universal em ordem
A partir de então, além da raça, etnia e cultura se tornarão exterior e ordem humana. A primeira, a que correspondem a
sinais da natureza que indicarão superioridade ou não, e tais cosmologia e a biologia, constituiu, sob o nome de filosofia
sinais justificarão a dominação de um grupo sobre o outro. natural, que se tornou vulgar na Inglaterra, o único domínio
científico da Antiguidade, que não pode mesmo senão esboçá-
lo sob o aspecto estático.
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SOCIOLOGIA
Além de o verdadeiro espírito teórico não comportar, então, um A jovem ciência assumia como tarefa intelectual repensar o
surto mais completo, o regime social devia repelir uma problema da ordem
extensão prematura, que por muito tempo só podia dar como social, enfatizando a importância de instituições como a
resultado comprometer a ordem inicial sem assistir realmente o autoridade, a família, a hierarquia social e destacando a sua
progresso final. Somente o gênio excepcional de Aristóteles, importância teórica para o estudo da sociedade.
depois de ter sistematizado, tanto quanto possível, a filosofia MARTINS, Carlos Benedito. O que é Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 2006.
p. 30.
natural, preparou a sã filosofia moral, esboçando
suficientemente as duas partes essenciais da estática humana, Com base nele, o surgimento da Sociologia foi motivado pelas
primeiro coletiva e depois individual. Por isso também ele só transformações das relações sociais ocorridas na sociedade
foi verdadeiramente apreciado na Idade Média, quando a europeia, nos séculos XVIII e XIX, contribuindo para
separação provisória dos dois poderes suscitou o surto direto de A) o aumento da desorganização social estabelecida pela
nossas principais especulações. Mas este precioso impulso Revolução Industrial.
social não podia dispensar o verdadeiro espírito filosófico do B) a organização de vários movimentos sociais controlados por
longo preâmbulo científico que ainda o separava de seu melhor pensadores como Saint-Simon e
domínio. Eis por que esta divisão provisória se prolongou até Comte.
nossos dias. Ela deve, assim, presidir à última transição da C) a elaboração de um conceito de sociologia incluindo os
razão ocidental, dirigida pelo positivismo. fenômenos mentais como tema de reflexão e
COMTE, Auguste. Catecismo Positivista. (Coleção os Pensadores). São Paulo: investigação.
Abril Cultural, 1978. p. 221. [Fragmento] D) a criação da corrente positivista, que propôs uma
transformação da sociedade com base na reforma
ATIVIDADES intelectual plena do ser humano.
E) o surgimento de uma “física social” preocupada com a
01. (UPE) Sobre a Revolução Industrial, é correto afirmar que construção de uma teoria social, separada das idéias de ordem e
ela compreendeu desenvolvimento como chave para o conhecimento da
A) o abandono da mecanização da indústria e da agricultura. realidade.
B) um processo de aceleração no desenvolvimento dos
transportes e das comunicações. 04. (UEG) A sociologia nasce no séc. XIX após as revoluções
C) a eliminação das desigualdades sociais. burguesas sob o signo do positivismo elaborado por Auguste
D) o fim da aplicação da força motriz à indústria. Comte. As características do pensamento comtiano são:
E) uma diminuição do controle capitalista no sistema A) a sociedade é regida por leis sociais tal como a natureza é
econômico. regida por leis naturais; as ciências humanas devem utilizar os
mesmos métodos das ciências naturais e a ciência deve ser
02. (Unicentro-PR) Considerando-se as grandes mudanças que neutra.
ocorreram na história da humanidade, aquelas que aconteceram B) a sociedade humana atravessa três estágios sucessivos de
no século XVIII – e que se estenderam no século XIX – só evolução: o metafísico, o empírico e o teológico, no qual
foram superadas pelas grandes transformações do final do predomina a religião positivista.
século XX. As mudanças provocadas pela revolução científico- C) a sociologia como ciência da sociedade, ao contrário das
tecnológica, que denominamos Revolução Industrial, ciências naturais, não pode ser neutra porque tanto o sujeito
marcaram profundamente a organização social, alterando-a por quanto o objeto são sociais e estão envolvidos reciprocamente.
completo, criando novas formas de organização e causando D) o processo de evolução social ocorre por meio da unidade
modificações culturais duradouras, que perduram até os dias entre ordem e progresso, o que necessariamente levaria a uma
atuais. sociedade comunista.
DIAS, Reinaldo. Introdução à Sociologia. São Paulo: Persons Prentice Hall,
2004.
Sobre o surgimento da Sociologia e as mudanças ocorridas na 05. (UFU) A respeito do contexto histórico de emergência da
modernidade, é correto afirmar: Sociologia, marque a alternativa correta.
A) A intensificação da economia agrária em larga escala nas A) A crescente legitimidade científica do saber sociológico,
metrópoles gerou o êxodo para o campo. produzido por autores como Auguste Comte e Émile
B) O aparecimento das fábricas e o seu desenvolvimento levou Durkheim, deveu-se à sua forte crítica ao Iluminismo.
ao crescimento das cidades rurais. B) A Sociologia consolidou-se, disciplinarmente, em resposta
C) O aumento do trabalho humano nas fábricas ocasionou a aos novos problemas e desafios desencadeados por
diminuição da divisão do trabalho. transformações sociais, políticas, econômicas e culturais, cujos
D) A agricultura familiar desse período foi o objeto de estudo marcos históricos principais foram a Revolução Industrial e a
que fez surgir as ciências sociais. Revolução Francesa.
E) A antiga forma de ver o mundo não podia mais solucionar C) Um dos principais legados do Iluminismo foi a crítica
os novos problemas sociais. severa às concepções científicas da realidade
social, combinada com a reafirmação de princípios e
interpretações de cunho religioso.
03. (UPE) Leia o texto a seguir:
D) Herdeira direta das transformações sociais desencadeadas
Enquanto resposta intelectual à “crise social” de seu tempo, os
pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa, a
primeiros sociólogos irão revalorizar
Sociologia ignorou os métodos racionais de investigação em
determinadas instituições que, segundo eles, desempenham
favor do conhecimento produzido pelo senso comum.
papéis fundamentais na integração e na coesão da vida social.
7
SOCIOLOGIA
06. (UEL) A ordem e o progresso constituem partes B) Incentivar o espírito crítico na sociedade e, dessa forma,
fundamentais da Sociologia de Auguste Comte. Com base nas colaborar para transformar radicalmente a ordem capitalista,
ideias comteanas, assinale a alternativa correta. responsável pela exploração dos trabalhadores.
A) A ordem social total se estabelece de acordo com as leis da C) Contribuir para a solução dos problemas sociais decorrentes
natureza, e as possíveis defi ciências existentes podem ser da Revolução Industrial, tendo em vista
retificadas mediante a intervenção racional dos seres humanos. a necessária estabilização da ordem burguesa.
B) A liberdade de opinião e a diferença entre os indivíduos são D) Tornar realidade o chamado “socialismo utópico”, visto
fundamentos da solidariedade na formação da estática social; como única alternativa para a superação das lutas de classe em
essa diversidade produz vantagens para a evolução, em que a sociedade capitalista estava mergulhada.
comparação com a homogeneidade.
C) O desenvolvimento das forças produtivas é a base para o 09. (Enem) Parecia coisa de encanto. A gente deixava de ir uns
progresso e segue uma linha reta, sem poucos meses num lugar e quando aparecia lá ficava de boca
oscilações e, portanto, a interferência humana é incapaz de aberta vendo tudo mudado: casas novas, negócios sortidos
alterar sua direção ou velocidade. como os da Corte, igreja, circo de cavalinhos, botica, e o mato,
D) O progresso da sociedade, em conformidade com as leis o que é dele? Trem de ferro ia comendo tudo, tal e qual como
naturais, é resultado da competição entre os na terra brava depois do roçado quando a plantação brota.
indivíduos, com base no princípio de justiça de que os mais COELHO NETTO. Banzo. Porto: Lello e Irmão, 1912.
aptos recebem as maiores recompensas. O relato do texto ressalta o uso da técnica como um
E) O progresso da sociedade é a lei natural da dinâmica social instrumento para
e, considerado em sua fase intelectual, é A) simplificar o trabalho humano.
expresso pela evolução de três estados básicos e sucessivos: o B) registrar os hábitos cotidianos.
doméstico, o coletivo e o universal. C) aumentar a produtividade fabril.
D) fortalecer as culturas tradicionais.
07. (UEL) A Sociologia é uma ciência moderna que surge e se E) transformar os elementos paisagísticos.
desenvolve juntamente com o avanço do capitalismo. Nesse
sentido, reflete suas principais transformações e procura 10. (Enem) A eugenia, tal como originalmente concebida, era a
desvendar os dilemas sociais por ele produzidos. Sobre a aplicação de “boas práticas de melhoramento” ao
emergência da Sociologia, considere as afirmativas a seguir: aprimoramento da raça humana. Francis Galton foi o primeiro
I. A Sociologia tem como principal referência a explicação a sugerir com destaque o valor da reprodução humana
teológica sobre os problemas sociais decorrentes da controlada, considerando-a produtora do aperfeiçoamento
industrialização, tais como a pobreza, a desigualdade social e a da espécie.
concentração populacional nos centros urbanos. ROSE, M. O espectro de Darwin. Rio de Janeiro: Zahar, 2000 (Adaptação).
II. A Sociologia é produto da Revolução Industrial, sendo Um resultado da aplicação dessa teoria, disseminada a partir da
chamada de “ciência da crise”, por refletir sobre a segunda metade do século XIX, foi o(a)
transformação de formas tradicionais de existência social e as A) aprovação de medidas de inclusão social.
mudanças decorrentes da urbanização e da industrialização. B) adoção de crianças com diferentes características físicas.
III. A emergência da Sociologia só pode ser compreendida se C) estabelecimento de legislação que combatia as divisões
for observada sua correspondência com o cientificismo sociais.
europeu e com a crença no poder da razão e da observação, D) prisão e esterilização de pessoas com características
enquanto recursos de produção do conhecimento. consideradas inferiores.
IV. A Sociologia surge como uma tentativa de romper com as E) desenvolvimento de próteses que possibilitavam a
técnicas e métodos das ciências naturais, na análise dos reabilitação de pessoas deficientes.
problemas sociais decorrentes das reminiscências do modo de
produção feudal. GABARITO
Estão corretas apenas as afirmativas: 01. B
A) I e III 02. E
B) II e III 03. D
C) II e IV
04. A
D) I, II e IV
E) I, III e IV 05. B
06. A
08. (UFU) Surgida no momento de consolidação da sociedade 07. B
capitalista, a Sociologia tinha uma importante tarefa a cumprir 08. C
na visão de seus fundadores, dentre os quais se destaca 09. E
Auguste Comte. Assinale a alternativa correta quanto a essa 10. D
tarefa: 11. B
A) Desenvolver o puro espírito científico e investigativo, sem
maiores preocupações de natureza prática,
deixando a solução dos problemas sociais por conta dos
homens de ação.
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SOCIOLOGIA
A SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA DE ÉMILE pouco mais do que um “produto do meio” sendo determinado o
DURKHEIM (1858-1917) longo da sua vida e do seu processo de socialização ligado aos
padrões considerados “normais” pelo grupo social ao qual
Émile Durkheim é considerado pertence.
por mitos como o “fundador da Em seu livro ‘Da divisão do trabalho social’, de 1893,
Sociologia Moderna” ou como o Durkheim reconhecia a existência de duas consciências.
“pai da Sociologia”. Apesar de a Segundo ele:
disciplina ter surgido décadas antes,
foi esse intelectual francês o "...em cada uma de nossas consciências há duas consciências:
principal responsável pela sua uma, que é conhecida por todo o nosso grupo e que, por isso,
institucionalização como ciência e não se confunde com a nossa, mas sim com a sociedade que
como disciplina acadêmica na vive e atua em nós; a outra, que reflete somente o que temos de
universidade de Bourdeaux, em pessoal e de distinto, e que faz de nós um indivíduo. Há aqui
1887, tendo sido o primeiro duas forças contrárias, uma centrípeta e outra centrífuga, que
professor a lecionar Sociologia não podem crescer ao mesmo tempo".
formalmente na história das ciências humanas. Preocupado Para Durkheim, o social é modelado pela Consciência
com a aceitação da Sociologia como ciência, Durkheim se Coletiva, que é uma realidade social resultante do contato
inspirou nos paradigmas positivistas, que eram amplamente social. Essa consciência difere da consciência individual,
aceitos no cenário científico da época, e dedicou boa parte de pertencendo a todos enquanto integrados e a nenhum em
seus estudos à criação de princípios e métodos de investigação particular. Os fenômenos sociais refletem a estrutura do grupo
que assegurassem rigor e contabilidade à pesquisa social, o que social que os produz.
foi materializado na sua obra de referência As regras do É nesse sentido que Durkheim concebe o conceito de
método sociológico, de 1895. consciência coletiva. Embora todo indivíduo possua uma
consciência individual, ele é fortemente influenciado e
CONSCIÊNCIA COLETIVA E COESÃO SOCIAL determinado pelas formas padronizadas de comportamento do
Dentre os pesadores da Sociologia, Durkheim é aquele que grupo social, que corresponde à consciência coletiva determina
apresenta maior influência do positivismo em sua obra. Assim a consciência individual.
como Comte, Durkheim também entendia que a sociedade Em outras palavras, a consciência coletiva, para Durkheim,
assemelhava a uma grande máquina (metáfora mecanicista, é um sistema, cuja existência se manifesta fora das
extraída da física) ou organismo vivo (metáfora organicista, consciências individuais, isto é, fora dos indivíduos, mas que
extraída da biologia). Para esse pensador, o fator que fazia com os controla por meio da pressão moral e psicológica, ditando,
que os indivíduos se mantivessem unidos em sociedade, era assim, as maneiras de comportamento esperadas pela
justamente um conjunto de leis naturais, crenças e sentimentos sociedade.
comuns a todos os seus membros. Assim, a consciência coletiva exercerá maior ou menor
Esse conjunto de crenças seria como um grupo de regras, influência sobre o indivíduo, de acordo com o tipo de
normas, padrões de conduta e sentimentos que não estão sociedade no qual ele se insere. Quanto maior a influência da
presentes na consciência individual, mas sim dispersos na consciência coletiva, maior a coesão social. Em sociedades que
própria sociedade. Logo, eles se tornam presentes na vida do apresentam maior divisão social do trabalho, a consciência
indivíduo mediante as instituições sociais, que são comum se torna mais reduzida, abrindo mais espaço para o
encarregadas de fazer com que os indivíduos internalizem tais desenvolvimento das personalidades individuais.
regras a fim de que seja possível a vida em sociedade. Um Mesmo com a maior possibilidade de haver
claro exemplo de instituição social é a família, que, por ser o individualização, a coesão não sofre grandes abalos, pois a
primeiro grupo no qual socializamos, é muito importante para a independência passa a ser calcada na diferenciação entre os
nossa compreensão das formas de convivência e comunicação indivíduos. Por esse motivo, as sociedades industriais
na sociedade na qual nos inserimos. precisariam criar uma nova ordem moral, para que a coesão
social possa ser possível em um contexto em que há maior
Instituição Social diferenciação entre os indivíduos, ao contrário do que ocorria
Uma das noções mais importantes da Sociologia de Durkheim nas sociedades pré-industriais, que apresentavam menor
é a de instituição social. As instituições sociais correspondem a diferenciação individual.
conjuntos de regras, comportamentos e valores que são parte da
consciência coletiva e tornam-se referência para os
comportamentos do indivíduo, normatizando a vida social. A
família, o Estado, a religião e a escola são exemplos mais
usuais de instituições sociais, mas não são únicos. Cada
sociedade pode ter uma grande variedade de instituições e elas
pode variar ao longo do tempo. Porém, as mudanças tendem a
ser mais lentas porque qas instituições funcionam como pilares
de sustentação da vida social, ancorando-se em tradições e
costumes arraigados.
Fica evidente na obra de Durkheim que ele considera a Podemos afirmar que a Sociologia, para Durkheim, assim
existência de uma predominância da coletividade sobre a como para Comte, é uma ciência comprometida com as
individualidade. Em outras palavras, o indivíduo seria um transformações práticas. A busca por explicações objetivas e
9
SOCIOLOGIA
científicas para os fatos sociais é um passo necessário para o “É preciso sentir a necessidade da experiência, da observação,
aprimoramento da vida social, cujo aspecto central se assenta ou seja, a necessidade de sair de nós próprios para aceder à
na noção de coesão social. escola das coisas, se as queremos conhecer e compreender”.
Sua Sociologia receberá o nome de Funcionalista Émile Durkheim
(Positivismo Funcionalista) justamente porque busca explicar o
todo em razão de suas partes, identificando as funções De acordo com Durkheim, o objeto da Sociologia não é a
específicas que são cumpridas por cada parte da sociedade em “sociedade”. Ele formulou o tipo de acontecimentos sobre os
benefício da coesão social. Seu método de análise, de cunho quais o sociólogo deveria se debruçar: os fatos sociais. Estes
cartesiano, procurava isolar a parte do todo, analisá-la constituiriam o objeto da Sociologia, já que a “sociedade” é um
minuciosa e metodicamente e, depois, reintegrá-la ao todo para conceito amplo e vago, não passível de recorte e captura pela
enxergar sua função experiência empírica.
Além disso, o sociólogo deveria tratar os fatos sociais
O OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA: OS FATOS como coisas.nos moldes de Durkheim, a explicação para isso é
SOCIAIS que, reduzido a coisa, o fato social pode ser apreendido e
compreendido pelo sociólogo. E ainda, Durkheim, ao tratar os
O método positivista imperou nas ciências naturais durante fatos sociais como coisas, queria alegar que a vida social pode
todo o século XIX e foi o paradigma científico norteador do ser estudada de forma tão sistemática quanto os fenômenos e
surgimento da Sociologia. objetos analisados pelas ciências naturais.
Durkheim entendia que, em rigor, a Sociologia deveria se Devemos ainda considerar que os fatos sociais não podem
ocupar do estudo dos fatos sociais, que elucidaremos mais ser confundidos com fatos psicológicos ou orgânicos porque,
adiante. Isso significa que a Sociologia deve se concentrar na ao contrário destes, são construções sociais, adquiridos pelo
busca pelos mecanismos, pela origem e pelo funcionamento indivíduo ao longo do processo de socialização. Como já
das instituições sociais, das crenças, valores e comportamentos vimos, Durkheim entende que a Sociologia deve se preocupar
que mantêm os indivíduos vivendo em sociedade. Na realidade, em compreender os elementos que permitem ao homem em
as instituições sociais exercem grande influência sobre os viver em sociedade, sendo essa a prerrogativa dos fatos sociais.
indivíduos. Logo, para Durkheim, o fato dos indivíduos se
manterem vivendo em grupos está mais relacionado a essa O Fato Social é diferente do Fato Psicológico (individual/
força externa do que propriamente à vontade individual dos emocional) e do Fato Orgânico (determinação biológica).
sujeitos. Contudo, de qual maneira seria possível para a
Sociologia compreender, de modo satisfatório, a forma como FATO SOCIAL Representação
se procede a ação dessa força externa sobre os indivíduos? O coletiva
conceito de fato social pode nos ajudar a compreender essa
questão.
Em sua obra ‘As regras do Método Sociológico’ publicada Não se reduz ao
primeiramente em 1895, Durkheim procura estabelecer as individual
fronteiras entre a Sociologia e as demais ciências, Para Émile Durkheim, fatos sociais são maneiras de agir,
especificamente as ciências naturais. A confecção da pesquisa pensar e sentir exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder
social teria como modelo o método científico desenvolvido das coercitivo e compartilhadas coletivamente. Variam de cultura
ciências experimentais, guardando, contudo, as especificidades para cultura e tem como base a moral social, estabelecendo um
próprias dos fenômenos sociais. conjunto de regras.
O grande mérito desse pensador está em dar autonomia, Para definir o que pode ser considerado fato social,
rigor e objetividade para a pesquisa social separando-a das Durkheim discrimina três características que precisam
demais ciências e conferindo maior respeitabilidade dentro do coexistir: a coercitividade, a exterioridade e a generalidade.
cenário científico do século XX. Durkheim entendia que a COERCITIVIDADE – os fatos sociais se impõem sobre o
sociedade era um fenômeno que se estabelecia a partir de leis indivíduo, exercendo grande pressão para uma adesão
gerais e permanentes. A sociedade seria uma síntese de partes daquilo que o grupo considera bom, certo ou normal. A
interdependentes que, ao executarem suas funções, coerção social se manifesta por meio das “sanções legais”
contribuiriam para o funcionamento do todo, tal qual um ou “espontâneas”, claramente visíveis quando alguém tenta
organismo vivo. Porém, para Durkheim, as partes só fazem se comportar de forma diferente do grupo. O próprio grupo
sentido em função do todo, em nome do papel que social é um agente de socialização coercitivo, pois “força” a
desempenham para a coesão social. Por isso, o “todo” é mais adequação dos indivíduos ao padrão adotado.
importante do que as partes consideradas separadamente. EXTERIORIDADE – os fatos sociais existem independe
Para ele, era importante também estabelecer o papel e a da vontade ou adesão consciente do indivíduo. Desde o
postura do sociólogo diante do seu objeto de pesquisa. nascimento, este é exposto à regras, valores,
Primeiramente o cientista social deveria se afastar de quaisquer comportamentos, que existiam antes dele e aos quais ele
prenoções ao investigar um fenômeno social, possuindo uma será coagido a se adequar. O indivíduo não cria seu
relação de exterioridade com o seu objeto. Assim, na comportamento nem adere a ele de forma espontânea e
perspectiva durkheiniana, é fundamental para a pesquisa intencional. Ele simplesmente assimila e reproduz o que é
científica a posição de objetividade e neutralidade do praticado pelos outros ao seu redor.
sociólogo, para que suas idéias e opiniões não interfiram na GENERALIDADE – os fatos sociais não se resumem a
análise do social. alguns eventos isolados nem a algumas pessoas específicas.
Uma das características mais marcantes é justamente o fato
de eles envolverem uma grande coletividade e se repetirem
10
SOCIOLOGIA
ao longo do tempo. Os fatos mais comuns e assíduos os indivíduos se colocarem em relação social uns com os
revelam-se mais relevantes para o estudo, uma vez que outros. Esse fato é de suma importância para a Sociologia de
definem as práticas e os comportamentos do conjunto da Durkheim. Ele denomina como “divisão social do trabalho”
sociedade, por isso eles têm natureza coletiva. não apenas as especializações das funções econômicas típicas
do modo de produção capitalista, mas também o surgimento de
"É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível instituições especializadas, como o Judiciário, o sistema
de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, educacional, entre outras.
toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma Para Durkheim, a divisão social do trabalho é um
sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência fenômeno que tem o poder de servir de moral a ser seguida
própria, independente de suas manifestações individuais”. pelos indivíduos, já que, quanto mais acentuada for a divisão
Fonte: DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 2.ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1999, p. 13. [Fragmento] social do trabalho, maior a interdependência dos indivíduos
nas sociedades modernas. O trabalho é uma categoria
Dessa forma, fica bem claro que os fatos sociais podem ser fundamental para se entender a sociedade. Ao longo da
cristalizados em determinada sociedade, por exemplo, as leis e História e nas diferentes sociedades, os homens se dividiram e
as regras jurídicas; ou mais flexíveis, como determinadas se organizaram em diferentes funções sociais para fornecer as
correntes de opinião que podem existir em uma sociedade em necessidades básicas de sobrevivência. Essa organização ficou
determinado momento. A principal característica do fato social conhecida como divisão social do trabalho.
é ser exterior à consciência individual e não depender dela para A categoria trabalho ganha um significado especial na obra
existir. de Durkheim. Por romper com as estruturas das sociedades
Os fatos sociais que são regulares em uma determinada tradicionais, a sociedade pós-Revolução Industrial era
sociedade podem ser considerados “normais”, enquanto os entendida por Durkheim como uma sociedade anômica, por
fatos sociais atípicos, ou que fogem à regularidade, são não ter formado ainda uma moral capaz de manter a coesão
considerados “patológicos”. Essa distinção não é valorativa, social.
mas analítica: os fatos sociais podem ser normais mesmo que Na concepção de Durkheim, a nova ordem moral da
sejam considerados ruins do ponto de vista moral. Por sociedade industrial estaria ligada ao trabalho, uma vez que os
exemplo, uma certa taxa de crimes em uma cidade é normal, valores da sociedade moderna estariam ligados ao
porque é regular dentro de um determinado período em certas industrialismo. Para ele, a divisão social do trabalho tem a
condições. Porém, sua variação brusca pode indicar um quadro importante missão de estimular a solidariedade entre os
patológico e exigir medidas sócio-políticas específicas. Aliás, o indivíduos. Solidariedade, para Durkheim, é o modo como os
uso da expressão “patológico” denuncia a influência das indivíduos se colocam em relação e, consequentemente, dão
ciências biológicas na teoria de Durkheim. Por isto, o autor, em significado às ações individuais. Existem dois tipos de
seus estudos, tende a enxergar a sociedade a partir do modelo solidariedade: a solidariedade mecânica e a solidariedade
organicista e ver qualquer ruptura com a ordem estabelecida orgânica.
como “doença” que exige um diagnóstico e um respectivo O fio condutor do processo evolutivo que liga as sociedades
tratamento. mais simples às sociedades mais complexas, para Durkheim, é
Uma sociedade pode fugir ao seu estado “normal” e entrar o progresso da divisão social do trabalho. Por conseguinte, as
em quadro de anomia social quando suas bases sociais e sociedades mais simples seriam caracterizadas pela existência
valorativas entram em crise e os laços sociais ficam de uma solidariedade mecânica; e as mais desenvolvidas, por
“afrouxados”, deixando de oferecer suporte psicossocial aos uma solidariedade orgânica.
seus membros. Em um quadro anômico, tendem a ocorrer mais Na solidariedade mecânica, o trabalho e as relações sociais
fatos sociais patológicos. eram organizados com base na tradição e nos costumes, como
Partindo do princípio de que o objetivo máximo da vida os laços de parentesco e as oficinas de artesanato. Essa forma
social é promover a harmonia da sociedade consigo mesma e de organização é predominante nas sociedades pré-capitalistas,
com as demais sociedades, e que essa harmonia é conseguida como no feudalismo europeu. Note que, nas sociedades pré-
através do consenso social, a ‘saúde’ do organismo social se industriais os níveis de especialização não são tão altos; assim,
confunde com a generalidade dos acontecimentos e com a a divisão do trabalho recai sobre aspectos como o sexo e a
função destes na preservação dessa harmonia. Em outras idade, por exemplo. Nesse contexto, a família e a religião são
palavras, quando um fato põe em risco a harmonia, o acordo, o as grandes instituições que contribuem para a coesão social, e
consenso e, portanto, a adaptação e evolução da sociedade, os indivíduos se mantém em grupo devido às semelhanças
estamos diante de uma sociedade doente. Normal é aquele fato entre si. Logo, o que assegura a coesão social do grupo em
que não extrapola os limites dos acontecimentos mais gerais de sociedades de Solidariedade Mecânica é, justamente, a
uma determinada sociedade e que reflete os valores e as correspondência de valores pelos membros.
condutas aceitas pela maior parte da população. Patológico é Já a solidariedade orgânica predomina no capitalismo e se
aquele que se encontra fora dos limites permitidos pela ordem configura como uma maior divisão social do trabalho, em que
social e pela moral vigente. os indivíduos atuam de forma mais participativa e cria laços de
interdependência social e econômica. Nas sociedades
DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO E FORMAS DE modernas, as profissões assumem um papel importante no
SOLIDARIEDADE tocante à manutenção da coesão de uma sociedade, pois a
A Revolução Industrial gerou vários impactos na vida solidariedade orgânica é típica das sociedades com uma
social européia no século XIX, além de deslocar a população divisão social do trabalho mais acentuada. Por meio das
do âmbito rural para a cidade, introduziu, por meio do profissões que os indivíduos desempenham, a divisão social
desenvolvimento do sistema capitalista, diferente das formas de do trabalho cria um sistema de direitos e deveres pautados na
ética do trabalho. Assim, a coesão social propiciada pela
11
SOCIOLOGIA
solidariedade orgânica se baseia na diferenciação entre os estreitos tendência a uma maior autonomia individual,
indivíduos. Ao mesmo tempo, a coesão social está assentada pela especialização de atividades.
nos códigos e regras de conduta que são estabelecedores de - influência menor da consciência coletiva, portanto.
direitos e deveres, cuja expressão se manifesta por meio de - é fruto das diferenças sociais, já que são essas diferenças
normas jurídicas: em outras palavras, o direito. que unem os indivíduos pela necessidade de troca de
Como resultado da divisão do trabalho social a sociedade serviços e pela sua interdependência.
obtém: - Os membros da sociedade onde predomina a Solidariedade
1) Aumento da força produtiva. Orgânica estão unidos em virtude da divisão do trabalho
2) Aumento da habilidade do trabalho. social. O meio natural e necessário a essa sociedade é o
3) Permite o rápido desenvolvimento intelectual e meio profissional, onde o lugar de cada um é estabelecido
material das sociedades. pela função que desempenha e a estrutura dessa sociedade é
4) Integra e estrutura a sociedade mantendo a coesão complexa. O indivíduo, nessa sociedade é socializado
social e tornando seus membros interdependentes. porque, embora tenha sua individualidade profissional,
5) Traz equilíbrio, harmonia e ordem devido a depende dos demais e, por conseguinte, da sociedade
necessidade de união pela semelhança e pela resultante dessa união.
diversidade. - Na solidariedade orgânica, o direito é restitutivo,
6) Provoca a solidariedade social. cooperativo. O Direito Restitutivo cooperativo é
preventivo. Evita, previne a repressão, a dor. O contrato é
Podemos tornar estes conceitos mais fáceis de uma forma de prevenir que a transgressão seja muito
serem entendidos a partir de um exemplo: imaginemos um grande. Quanto mais civilizada for uma sociedade, maior o
professor que necessite formar grupos para desenvolver o número de contratos dele, que servirá para prevenir
tema da aula. O professor pode querer a formação dos desobediências.
grupos a partir de dois critérios: ele pode pedir aos alunos - Os costumes são a fonte do direito, mas tudo aquilo que é
que formem grupos livremente, a partir da amizade mais importante para a consciência coletiva, torna-se
existente entre eles. Uma segunda opção é pedir aos direito, regra.
alunos para formarem grupos de forma que em cada um
dos grupos fique uma pessoa que saiba digitação, uma Durkheim admite que a solidariedade orgânica é
outra que saiba desenhar, outra que tenha experiência de superior à mecânica, pois ao se especializarem as funções, a
redação, e, por fim, uma que domine bem o conteúdo das individualidade de certo modo, é ressaltada, permitindo maior
aulas que seja o coordenador do grupo. liberdade de ação.
No primeiro caso, o que uniu os alunos no grupo
foi um sentimento, a amizade, de onde teríamos a O SUICÍDIO
solidariedade mecânica. No segundo caso, o que uniu Um dos fatos sociais que Durkheim se propõe a estudar de
os alunos em grupo foi a dependência que cada um tinha forma inédita é o suicídio. Em primeiro lugar, a própria idéia
da atividade do outro: a união foi dada pela especialização de que o suicídio constitui um fato social era controversa. Isso
das funções, de onde teríamos a solidariedade orgânica. porque a visão predominante era a moral/ religiosa, e ela
atribuía ao suicídio uma decisão puramente individual de
Nesse sentido, sistematizamos assim: pessoas consideradas mentalmente doentes ou fracas de caráter.
SOLIDARIEDADE MECÂNICA : é a solidariedade por Logo, afirmar que o suicídio era um fato social significava
semelhança, predominante nas sociedades pré-capitalistas. postular que esse fenômeno possui causas sociais e que suas
- influência marcante do peso coercitivo da consciência motivações não residem exclusivamente no indivíduo.
coletiva, que moldava os indivíduos através da família, da Na extensa obra, publicada em 1897, intitulada “O
religião, da tradição e dos costumes; suicídio”, Durkheim aplica seu método sociológico explicativo
- maior independência e autonomia individual em relação à para identificar as diversas relações de causa e efeito que estão
divisão do trabalho social; por trás de uma decisão tida como individual. O sociólogo
- Os membros da sociedade em que domina a Solidariedade verificou que o suicídio é prática recorrente em praticamente
Mecânica estão unidos por laços de parentesco. todas as sociedades, sendo presente em praticamente todas as
- O meio natural e necessário a essa sociedade é o meio épocas. Orem, nessa prática é possível perceber a existência de
natal, onde o lugar de cada um é estabelecido pela regularidades entre a decisão individual e fatores como o sexo,
consanguinidade e a estrutura dessa sociedade é simples. idade, condição social, religião e contextos históricos.
- Na solidariedade mecânica, o direito é repressivo (Penal). Assim, Durkheim diferenciou três tipos de suicídios:
Crime é tudo aquilo que diz respeito a consciência SUICÍDIO EGOISTA – tipo de suicídio predominante no
coletiva, ao consenso. O crime é o rompimento de uma mundo moderno. Se caracteriza pela ruptura de vínculos
solidariedade social. entre indivíduo e sociedade. O indivíduo não se sente
integrado aos grupos sociais, faltando-lhe laços emocionais
SOLIDARIEDADE ORGÂNICA : é a solidariedade por para viver. Não é raro que este tipo de suicídio,
dessemelhança, típica das sociedades capitalistas: marcadamente individualista, seja acompanhado de
- grande interdependência entre os indivíduos, como sintomas psicossociais como a depressão. Países como o
resultado da acelerada divisão do trabalho. Essa Japão, com grande presença do individualismo, alta
interdependência é o principal elo de união social, ao invés competitividade, pressão sobre o desempenho individual e
das tradições, dos costumes e dos laços sociais mais isolamento social, possuem taxas muito elevadas de
suicídio do tipo egoísta.
12
SOCIOLOGIA
SUICÍDIO ALTRUÍSTA – diferentemente do egoísta e domínio se confundiria com o da biologia e da psicologia. Mas,
mais raro nas sociedades ocidentais, o suicídio altruísta na realidade, há em toda sociedade um grupo determinado de
seria definido pela subsunção do indivíduo à sociedade, à fenômenos que se distinguem por caracteres definidos daqueles
uma causa coletiva ou à uma crença. Nessa modalidade, o que as outras ciências da natureza estudam. Quando
indivíduo “doa” a sua vida em nome de uma coletividade desempenho minha tarefa de irmão, de marido ou de cidadão,
ou idéia que concede sentido à sua existência particular. quando executo os compromissos que assumi, eu cumpro
Os pilotos Kamikases japoneses na Segunda Gierra deveres que estão definidos, fora de mim e de meus atos, no
Mundial e os homens-bombas de alguns grupos políticos- direito e nos costumes. Ainda que eles estejam de acordo com
religiosos radicais podem ser considerados exemplos de meus sentimentos próprios e que eu sinta interiormente a
suicídios altruístas. realidade deles, esta não deixa de ser objetiva; pois não fui eu
SUICÍDIO ANÔMICO – o suicídio anômico é mais uma que os fiz, mas os recebi pela educação. Aliás, quantas vezes
classificação quantitativa do que qualitativa, podendo não nos ocorre ignorarmos o detalhe das obrigações que nos
apresentar traços tanto do suicídio egoísta quanto do incumbem e precisarmos, para conhecê-las, consultar o Código
suicídio altruísta. É identificável em quadro de anomia e seus intérpretes autorizados! Do mesmo modo, as crenças e
social – crises econômicas, guerras, fases de instabilidade as práticas de sua vida religiosa, o fiel as encontrou
social –, quando as taxas normais de suicídio tendem a inteiramente prontas ao nascer; se elas existiam antes dele, é
apresentar grandes variações. que existem fora dele. O sistema de signos de que me sirvo
Exemplo de suicídio anômico ocorreu durante o Crash da para exprimir meu pensamento, o sistema de moedas que
Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, quando parte emprego para pagar minhas dívidas, os instrumentos de crédito
significativa da população perdeu dinheiro, bens e que utilizo em minhas relações comerciais, as práticas
empregos, o que gerou um caos econômico e grande observadas em minha profissão, etc., funcionam
instabilidade psicossocial entre os indivíduos. independentemente do uso que faço deles. Que se tomem um a
Algo similar se repetiu no ano de 2008, com a crise um todos os membros de que é composta a sociedade; o que
imobiliária que levou muitas pessoas e empresas à falência. precede poderá ser repetido a propósito de cada um deles. Eis
aí, portanto, maneiras de agir, de pensar e de sentir que
Durkheim reforça a conclusão de que o suicídio não é um apresentam essa notável propriedade de existirem fora das
fenômeno meramente individual, mas um fator que possui consciências individuais.
várias causas sociais que se impões sobre a decisão dos Esses tipos de conduta ou de pensamento não apenas são
indivíduos. Os estudos de Durkheim acerca da possibilidade de exteriores ao indivíduo, como também são dotados de uma
contágio social vêm sendo confirmados em estudos atuais força imperativa e coercitiva em virtude da qual se impõem a
sobre o chamado “efeito de contágio”. O IPEA (Instituto de ele, quer ele queira, quer não. Certamente, quando me
Pesquisa Econômica e Aplicada) realizou pesquisa de âmbito conformo voluntariamente a ela, essa coerção não se faz ou
nacional em 2013, com dados coletados entre 1989 e 2009, e pouco se faz sentir, sendo inútil. Nem por isso ela deixa de ser
observou que o Índice de Mídia (exposição de casos e dados um caráter intrínseco desses fatos, e a prova disso é que ela sê
estatísticos de suicídio na grande imprensa) é o terceiro afirma tão logo tento resistir. Se tento violar as regras do
motivador de suicídio, depois de desemprego e violência, para direito, elas reagem contra mim para impedir meu ato, se
todos os tipos de pessoas. O modelo estimado mostra que o estiver em tempo, ou para anulá-lo e restabelecê-lo em sua
aumento de 1% no Índice de Mídia eleva a taxa de suicídios de forma normal, se tiver sido efetuado e for reparável, ou para
homens jovens (entre 15 e 29 anos) em 5,34%. fazer com que eu o expie, se não puder ser reparado de outro
Disponível em: modo. Em se tratando de máximas puramente morais, a
HTTP://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_contet&view=article consciência pública reprime todo ato que as ofenda através da
&id=19662>. Acesso em: 17 de set. 2018. [fragmento adaptado]
vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos e das penas
Em razão desses dados, a maior parte dos órgãos de especiais de que dispõe.
comunicação adota um acordo tácito, extraoficial, de não dar Em outros casos, a coerção é menos violenta, mas não deixa de
ampla repercussão a casos de suicídio e evitar a divulgação de existir. Se não me submeto às convenções do mundo, se, ao
dados estatísticos sobre o tema, para que a consciência coletiva vestir-me, não levo em conta os costumes observados em meu
não admita a normalidade do suicídio e não estimule novos país e em minha classe, o riso que provoco, o afastamento em
indivíduos a realizar o ato, mantendo os mecanismos de relação a mim produzem, embora de maneira mais atenuada, os
controle das taxas desse fenômeno. mesmos efeitos que uma pena propriamente dita. Ademais, a
coerção, mesmo sendo apenas indireta, continua sendo eficaz.
O que é um fato social? Não sou obrigado a falar francês com meus compatriotas, nem
Antes de procurar qual método convém ao estudo dos fatos a empregar as moedas legais; mas é impossível agir de outro
sociais, importa saber quais fatos chamamos assim. A questão modo. Se eu quisesse escapar a essa necessidade, minha
é ainda mais necessária porque se utiliza essa qualificação sem tentativa fracassaria miseravelmente. Industrial, nada me
muita precisão. Ela é empregada correntemente para designar, proíbe de trabalhar com procedimentos e métodos do século
mais ou menos todos os fenômenos que se dão no interior da passado; mas, se o fizer, é certo que me arruinarei. Ainda que,
sociedade, por menos que apresentem, com uma certa de fato, eu possa libertar-me dessas regras e violá-las com
generalidade, algum interesse social. Mas, dessa maneira, não sucesso, isso jamais ocorre sem que eu seja obrigado a lutar
há, por assim dizer, acontecimentos humanos que não possam contra elas. E ainda que elas sejam finalmente vencidas,
ser chamados sociais. Todo indivíduo come, bebe, dorme, demonstram suficientemente sua força coercitiva pela
raciocina, e a sociedade tem todo o interesse em que essas resistência que opõem. Não há inovador, mesmo afortunado,
funções se exerçam regularmente. Portanto, se esses fatos cujos empreendimentos não venham a deparar com oposições
fossem sociais, a sociologia não teria objeto próprio, e seu desse tipo.
13
SOCIOLOGIA
Eis portanto uma ordem de fatos que apresentam características B) entender a fundo os processos sociais que formam a
muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de realidade social do homem, atentando principalmente aos
sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder aspectos gerais, e não aos individuais.
de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por C) descobrir e tratar todos os males humanos que afligem a
conseguinte, eles não poderiam se confundir com os sociedade, tendo como objetivo a formação de uma raça
fenômenos orgânicos, já que consistem em representações e em humana perfeita.
ações; nem com Os fenômenos psíquicos, os quais só têm D) a criação de uma seita científica, com o objetivo de
existência na consciência individual e através dela. Esses fatos construir o verdadeiro conhecimento em busca da perfeição
constituem portanto uma espécie nova, e é a eles que deve ser humana.
dada e reservada a qualificação de sociais. Essa qualificação
lhes convém; pois é claro que, não tendo o indivíduo por 03. (UEL-2013) Sentir-se muito angustiado com a ideia de
substrato, eles não podem ter outro senão a sociedade, seja a perder seu celular ou de ser incapaz de ficar sem ele por mais
sociedade política em seu conjunto, seja um dos grupos de um dia é a origem da chamada “nomofobia”, contração de
parciais que ela encerra: confissões religiosas, escolas políticas, no mobile phobia, doença que afeta principalmente os viciados
literárias, corporações profissionais, etc. Por outro lado, é a em redes sociais que não suportam ficar desconectados. Uma
eles só que ela convém; pois apalavra social só tem sentido parte da população acha que, se não estiver conectada, perde
definido com a condição de designar unicamente fenômenos alguma coisa. E se perdemos alguma coisa, ou se não podemos
que não se incluem em nenhuma das categorias de fatos já responder imediatamente, desenvolvemos formas de ansiedade
constituídos e denominados. Eles são portanto o domínio ou nervosismo.
próprio da sociologia. É verdade que a palavra coerção, pela (Adaptado de: O medo de não ter o celular à disposição cria nova fobia. 2012.)
qual os definimos, pode vira assustar os zelosos defensores de Com base no texto e nos conhecimentos sobre socialização e
um individualismo absoluto. Como estes professam que o instituições sociais, na perspectiva funcionalista de Durkheim,
indivíduo é perfeitamente autônomo, julgam que o diminuímos assinale a alternativa correta.
sempre que mostramos que ele não depende apenas de si A) A nomofobia reduz a possibilidade de anomia social na
mesmo. Sendo hoje incontestável, porém, que a maior parte de medida em que aproxima o contato em tempo real dos
nossas idéias e de nossas tendências não é elaborada por nós, indivíduos, fortalecendo a integração com a vida social.
mas nos vem de fora, elas só podem penetrar em nós impondo- B) As interações sociais via tecnologias digitais são uma forma
se; eis tudo o que significa nossa definição. Sabe-se, aliás, que de solidariedade mecânica, pois os indivíduos uniformizam
nem toda coerção social exclui necessariamente a seus comportamentos.
personalidade individual'. C) O que faz de uma rede social virtual uma instituição é o fato
DURKHEIM. Emile, As regras do método sociológico. São Paulo: Martins de exercer um poder coercitivo e ao mesmo tempo desejável
Fontes, 2017. pp. 1-4. sobre os indivíduos.
D) O uso de interações sociais por recursos tecnológicos
constitui um elemento moral a ser compreendido como fato
ATIVIDADES social.
E) Para a nomofobia ser considerada um fato social, faz-se
01. (UEL-2008) De acordo com Florestan Fernandes: necessário que esteja presente em uma diversidade de grupos
A concepção fundamental de ciência, de Emile Durkheim sociais.
(1858-1917), é realista, no sentido de defender o princípio
segundo o qual nenhuma ciência é possível sem definição de 04. (UFU-2013) Durkheim caracteriza o suicídio – até então
um objeto próprio e independente. considerado objeto de estudo da epidemiologia, da psicologia e
(FERNANDES, F. Fundamentos empíricos da explicação sociológica. Rio de
da psiquiatria – como fato social e, por isso, dotado das
Janeiro: Cia Editora Nacional, 1967. p. 73).
Assinale a alternativa que descreve o objeto próprio da características da coercitividade, da exterioridade, da
Sociologia, segundo Emile Durkheim (1858-1917). generalidade. É tomado, pois, como objeto de estudo
A) O conflito de classe, base da divisão social e transformação sociológico, em virtude do fato de
do modo de produção. A) variar na razão inversa ao grau de integração dos grupos
B) O fato social que é geral, exterior e coercitivo em relação à sociais de que faz parte o indivíduo, ou seja, quanto maior o
vontade dos indivíduos. grau de integração ao grupo social, mais elevada é a taxa de
C) A ação social que define as inter-relações compartilhadas de mortalidade-suicídio da sociedade.
sentido entre os indivíduos. B) ser possível observar uma certa predisposição social para
D) A sociedade, produto da vontade e da ação de indivíduos fornecer determinado número de suicidas, ou seja, uma
que agem independentes uns dos outros. tendência constante, marcada pela permanência, a despeito de
E) A cultura, resultado das relações de produção e da divisão variações circunstanciais.
social do trabalho. C) configurar-se como uma morte que resulta direta ou
indiretamente, consciente ou inconscientemente de um ato
02. (UFU-2014) A sociologia, para Durkheim, deveria ocupar- executado pela própria vítima.
se do estudo das sociedades no intuito de: D) depender, exclusivamente, do temperamento do suicida, de
A) conhecer a fundo o ser humano e suas diversas facetas seu caráter, de seu histórico familiar, de sua biografia, uma vez
perante a sua interação com o outro, priorizando sua que não deixa de ser um ato do próprio indivíduo.
individualidade.
05. (Uncisal-2012) O modo de vestir determina a identidade de
grupos sociais, simboliza o poder e comunica o status dos
indivíduos. Seu caráter institucional assume grande
14
SOCIOLOGIA
GABARITO
01. B
02. B
03. D
04. B
05. A
06. B
Moldado pelo contexto social e cultural em que o ator se 07. A
insere, o corpo é o vetor semântico pelo qual a evidência da 08. B
relação com o mundo é construída: atividades perceptivas, mas 09. E
também expressão dos sentimentos, cerimoniais dos ritos de 10. A
interação, conjunto de gestos e mímicas, produção da 11. B
aparência, jogos sutis da sedução, técnicas do corpo, exercícios 12. A
físicos, relação com a cor, com o sofrimento etc.
LE BRETON, D. A sociologia do corpo. Petrópolis: Vozes, 2007. p.7.
A tirinha e o texto evocam referências do lugar socialmente
ocupado pelo corpo. O físico e a estética corporal são temas da
vida cotidiana na sociedade moderna e, enquanto tais, são
suscetíveis de ressignificações, como também de uma
multiplicidade de representações.
Com base nos conhecimentos contemporâneos sobre o corpo e
as corporalidades, produzidos pelas ciências sociais, considere
as afirmativas a seguir.
I. Os usos que homens e mulheres fazem de seu físico e a
construção dos julgamentos sobre as aparências dependem de
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SOCIOLOGIA
para produzir sua ciência. As crenças pessoais estão embutidas tal fenômeno. Essa pesquisa gerou uma de suas principais
no fazer científico e não podem ser completamente extirpadas, obras, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1905).
de modo que toda pesquisa científica se revela parcial por Para Weber, a crença de que o êxito no trabalho seria um
assumir um ponto de vista prévio, ainda que de forma indicativo da predestinação do indivíduo ao reino dos céus
inconsciente. contribuiu, e muito, para que o sistema capitalista se
Também cabe lembrar que o conhecimento da totalidade da consolidasse na Europa.
vida social é impossível em razão de sua amplitude. Por isso,
para o cientista social, só é possível selecionar um fragmento TIPOS DE DOMINAÇÃO E CONCEPÇÃO DE ESTADO
específico para estudar, e, ao fazer isso, acaba por remeter aos EM WEBER
seus próprios valores e crenças. Weber também se ocupou da Ciência Política, produzindo
Em outras palavras, o cientista, como todo indivíduo em ação, algumas das mais aguçadas interpretações sobre o Estado
age guiado pela sua cultura, tradição ou motivação. Sendo Moderno e suas instituições. A sua definição de Estado se
assim, as preocupações do cientista orientam a seleção e a tornou uma referência constante na compreensão da política
relação entre os elementos da realidade a ser analisada. atual: o Estado é uma relação de homens que dominam seus
Por conseguinte, a análise do social sempre envolve uma iguais, mantida pela violência considerada legítima.
questão de subjetividade, compreensão e interpretação. Porém, Assim, o Estado é considerado um aparato administrativo e
o reconhecimento de que há componentes subjetivos na político que detém o monopólio da violência legítima,
pesquisa social não retira a legitimidade da sociologia como considerando-se um determinado território e uma população
ciência. que aceite a submissão por considerá-la legítima.
Apesar de não poder ser lida como uma ciência da natureza, a A teoria do Estado de Weber vem acompanhada de sua teoria
sociologia deve ser vista como uma ciência, porém uma ciência da dominação. A dominação sempre revela uma desigualdade
humana, uma ciência social, que é necessariamente diferente de poder que estabelece a existência de pelo menos dois
devido ao seu objeto de pesquisa: o ser humano em sociedade. grupos: um dominante e um dominado. A dominação é
O rigor e a seriedade são obtidos mediante a adoção de legítima quando existe algum nível de concordância e aceitação
métodos de investigação que minimizem a influência da por parte de quem é subordinado ao poder dominante.
subjetividade. Para Weber, há três tipos ideais que exprimem formas puras de
Desse modo, um fragmento da realidade estudado por um dominação legítima: a dominação tradicional, a dominação
investigador constitui um esforço de sua parte para tentar racional-legal e a dominação carismática.
compreender essa realidade a partir da reconstrução das • Dominação tradicional: caracteriza-se pela obediência à
relações de causa e efeito de determinado fenômeno. tradição e aos costumes, normalmente identificados pela
Ao fazer esse trabalho dentro dos pressupostos científicos, o presença do poder patriarcal ou do poder dos mais velhos, que
investigador consegue extrapolar o âmbito pessoal em sua são considerados naturais e espontâneos.
própria investigação. Por esse motivo, a Sociologia deve se • Dominação racional-legal: modelo típico das instituições
valer do método compreensivo em suas investigações. modernas, caracteriza-se pela obediência a um sistema de
O método compreensivo se destaca por sua abordagem regras racionalmente elaborado em concordância com os
qualitativa, em contraposição à abordagem quantitativa do integrantes do grupo. A dominação racional--legal (ou
método explicativo adotado pela escola sociológica francesa de simplesmente dominação legal) dá início à burocracia: um
Durkheim. Mas como se dá a relação entre o recorte feito em aparato técnico-administrativo formado por profissionais
uma realidade social por parte do investigador e a explicação especializados, selecionados segundo critérios racionais, e que
de um determinado fenômeno? Essa relação é mediada pelo se caracteriza pela impessoalidade do poder. O Estado
conceito de tipo ideal. Moderno é um grande exemplo da aplicação da dominação
racional--legal e do modelo burocrático.
O TIPO IDEAL • Dominação carismática: caracteriza-se pela crença nas
O método de pesquisa de Weber inaugura uma nova categoria qualidades do líder, que podem ser da ordem da coragem, do
que servirá de instrumento para a interpretação da sociedade: o heroísmo, dos dons sobrenaturais, da inteligência ou da
tipo ideal. Essa categoria foi criada como um conceito teórico e simpatia, e geralmente são atreladas a uma grande capacidade
abstrato para representar um conjunto de características que são oratória e ao uso da propaganda ideológica. Alguns exemplos
comuns e recorrentes em um dado fenômeno social. Desse são os grandes líderes políticos, como: Getúlio Vargas,
modo, o tipo ideal vai constituir uma ferramenta para o Mussolini e Hitler.
cientista, pois permitirá a comparação do fenômeno em
particular com o tipo ideal construído, destacando as Refletir sobre Durkheim e Weber enquanto fundadores da
semelhanças e as singularidades. Sociologia clássica implica diferenciá-los pelo método, porém
O tipo ideal não existe concretamente, serve apenas de não se deve atribuir uma hierarquia a eles, do melhor para o
referência comparativa para o pesquisador e é, por isso, um pior.
importante instrumento de análise empírica da sociedade. As diferenças metodológicas verificadas no decorrer deste
No entanto, o fato de não encontrar existência na vida real não capítulo e a própria diferença no tipo de pesquisa que cada
diminui a eficácia dos tipos ideais no que tange à explicação do autor optou por realizar (o primeiro, a pesquisa quantitativa; e
mundo social. O tipo ideal é um modelo que simplifica a o segundo, a pesquisa qualitativa) devem ser encaradas como
realidade e atende às concepções do próprio pesquisador. modelos consistentes de realização de pesquisas com coerência
Ao analisar as condições de surgimento e consolidação do na aplicação dos métodos e clareza nas explicações /
sistema capitalista, Weber utilizou sua metodologia compreensões resultantes. [...]
compreensiva e a construção de tipos ideais para compreender A pesquisa quantitativa de Durkheim sobre o suicídio segue a
rigor sua proposição metodológica de considerar as taxas de
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SOCIOLOGIA
suicídios como um fenômeno social, logo, possuidor das rígida. Nessa visão, o lucro e a riqueza eram condenados como
características de um fato social (coercitivo e exterior), o que fonte de pecado, e o trabalho era visto como fruto da
acaba por explicar o fenômeno supra enquanto um fenômeno condenação pela desobediência de Adão e Eva, logo, um
social sofrimento. A reforma protestante trouxe uma nova perspectiva
presente nas consciências coletivas, ou seja, algo a ser estudado de homem e de mundo, com maior valor dado ao indivíduo e à
/pesquisado e explicado pela Sociologia, ciência que o autor razão. Com a ascensão do capitalismo, o lucro não é mais visto
está fundando. [...] como fonte de pecado, e a riqueza passa a ser considerada sinal
O mesmo rigor que Durkheim apresenta no desenvolvimento da graça divina. Essa mudança de “mentalidade” é
de sua pesquisa Weber apresenta na elaboração de sua pesquisa acompanhada, na doutrina calvinista, da valorização da
qualitativa, que visa à compreensão de quais motivações disciplina; de uma vida simples, austera e recatada; da
estariam orientando as ações dos indivíduos para o dignidade associada à produtividade e à utilidade; e, também,
desenvolvimento singular do espírito do capitalismo no da ascese (evolução espiritual) ligada ao trabalho.
ocidente e não em outras civilizações. Para tal, Weber cria O protestante calvinista dedica-se intensa e disciplinadamente
algumas classificações e tipologias para melhor compreender ao trabalho, mas não consome seus lucros de forma leviana.
essa relação multicausal, orientando determinadas ações que, Apoiado em ações sociais racionais (com relação a valores e a
por sua vez, acabam por definir um novo tipo de estilo de vida fins), realiza poupanças ou investe na produção, estimulando a
e, por conseguinte, um novo padrão de relações sociais mais economia de base capitalista. Em suma, enquanto o católico
racionalizadas, ocasionando um desencantamento do mundo. trabalha para viver, o protestante vive para trabalhar.
Tanto o primeiro autor (Durkheim) quanto o segundo (Weber) Os valores éticos do calvinismo, destacados anteriormente, não
têm contribuições relevantes à Sociologia e às Ciências Sociais são a causa do capitalismo nos Estados Unidos, mas devem ser
como um todo. Seja nas pesquisas de cunho quantitativo ou lidos como um dos seus elementos fundamentais. Esse vínculo
qualitativo, seja pela forma de explicar para depois íntimo entre religião e economia trouxe um novo olhar sobre as
compreender ou de primeiro compreender para depois poder complexas relações sociais das sociedades contemporâneas.
explicar, enfim, ambos corroboram de forma essencial para a
pesquisa sociológica ainda na atualidade. QUADRO COMPARATIVO ENTRE DURKHEIM E
O que acaba por reforçar que os esforços em realizar pesquisa WEBER
(quantitativa ou qualitativa) nas ciências sociais têm sua
validade e viabilidade quando sustentados por abordagens DURKHEIM WEBER
teórico-metodológicas, capazes de responder a determinados História Evolucionista Multilinear, inúmeras
fatos / fenômenos sociais. Ou seja, metodologias capazes de, a possibilidades de
partir das particularidades das formas de tratamento da relação trajetórias
sujeito / objeto das Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia Indivíduo Condicionado pela As ações sociais, dos
e Ciência Política), não perder de vista o princípio da refutação consciência coletiva indivíduos interagindo
concedem a dinâmica da
e, ao mesmo tempo, validar hipóteses e, consequentemente,
vida social
conseguir explicar / compreender determinados fenômenos /
Objeto Os fatos sociais O sentido das ações
fatos sociais sociais
presentes em determinados momentos históricos. Sociedade Passagem da Processo de
LEME, Alessandro André. A Sociologia de Max Weber e Émile Durkheim:
questões preliminares acerca dos métodos. Fragmentos de cultura, Goiânia, v.
Moderna solidariedade mecânica racionalização, avanço
18, n. 9 / 10, p. 725-744, set. / out. 2008. para a solidariedade por todos os campos da
orgânica vida social
A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO Correntes Funcionalismo- Sociologia
sociológicas positivismo compreensiva,
CAPITALISMO interacionismo
A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo é o título de simbólico
um dos maiores clássicos da sociologia, publicado em 1905, e Método de Explicação Interpretação
parte de um grande esforço de Weber por estudar análise
sistematicamente as religiões e suas diversas relações sociais.
Nessa obra, o sociólogo concentrou sua atenção na história dos CONCEPÇÃO DE ESTADO DE MAX WEBER
Estados Unidos, desenvolvendo a tese de que a economia Se inexistissem estruturas sociais fundadas na violência, teria
capitalista estadunidense foi fortemente influenciada pela ética sido eliminado o conceito de Estado e emergiria uma situação
de base calvinista, oriunda dos imigrantes puritanos britânicos que mais adequadamente designaríamos como anarquia, no
que chegaram ao Novo Mundo a partir do século XVII. sentido específico da palavra. Naturalmente, a força não se
Os calvinistas baseavam-se na interpretação do protestantismo constitui no meio único do Estado – ninguém jamais o
reformista de João Calvino (1509-1564), cujo eixo se afirmaria –, porém a força constitui-se num elemento
encontrava na tese da predestinação. Enxergando a salvação específico do Estado.
como dádiva divina, e não como mérito humano, restava a Na época atual, a relação entre violência e Estado é
busca por uma vida digna e disciplinada por meio do trabalho. profundamente próxima. No passado, associações tão
O código moral calvinista se articula em torno do trabalho, diferenciadas – começando pela família – utilizaram como
valorizando as ações individuais. instrumento de poder a força física como algo inteiramente
O mundo medieval feudal tinha a religião católica como normal. Entretanto, atualmente, devemos dizer que um Estado
predominante e apoiava-se num conjunto de valores é uma comunidade humana que se atribui (com êxito) o
tradicionais baseados, especificamente, na submissão do monopólio legítimo da violência física, nos limites de um
indivíduo à instituição, à doutrina e à estrutura estamental território definido. Observem que o território constitui uma das
19
SOCIOLOGIA
características do Estado. No período contemporâneo, o direito indivíduos, assim como os valores pelos quais os indivíduos
ao emprego da coação física é assumido por outras instituições compreendem suas próprias intenções pela introspecção ou
à medida que o Estado o permita. Considera-se o Estado como pela interpretação da conduta de outros indivíduos.
fonte única do direito de recorrer à força. Consequentemente, Sobre a sociologia compreensiva de Max Weber, é correto
para nós, política constitui o conjunto de esforços tendentes a afirmar que
participar da divisão do poder, influenciando sua divisão, seja A) segundo o método da sociologia compreensiva de Max
entre Estados, seja entre grupos num Estado. Weber, há uma ênfase metodológica sobre a sociedade como a
Tal definição corresponde ao uso quotidiano do conceito. unidade inicial da explicação para se chegar a significados
Quando se afirma que um problema é político ou que um objetivos de ação social.
ministro de um gabinete ou um oficial é um funcionário B) na sociologia compreensiva de Max Weber, a primeira
político, ou quando se afirma que uma decisão é politicamente tarefa da sociologia é reformar a sociedade ou gerar algum tipo
determinada, faz-se referência ao fato de existirem interesses de teoria revolucionária. Weber herda efetivamente um ponto
na distribuição, na manutenção ou na transferência do poder, de vista sociológico compreensivo imputado à escola marxista.
fatores decisivos na solução daquela questão, na determinação C) para Max Weber, a sociologia está voltada unicamente para
da decisão ou no âmbito de atuação do funcionário. Os que a compreensão dos fenômenos sociais. Na sociologia
atuam na política aspiram ao poder ou como meio para atingir compreensiva o homem não consegue compreender as
outros fins, abstratos ou individuais, ou como poder pelo poder, intenções dos outros em termos de
para desfrutar da sensação de status que ele proporciona. suas intenções professadas.
Tal como as instituições políticas que o precederam D) no método compreensivo de Weber, os fenômenos sociais
historicamente, o Estado é uma relação de homens que são considerados como a simples expressão de causas
dominam seus iguais, mantida pela violência legítima (isto é, exteriores que se impõem aos indivíduos. Weber define a
considerada legítima). Para que o Estado exista, os dominados sociologia compreensiva em termos de fatos sociais e não em
devem obedecer à suposta autoridade dos poderes dominantes. termos de atividade ou ação.
Daí as seguintes perguntas: quando e por que obedecem aos E) Max Weber entende por sociologia compreensiva uma
homens? Ora, em que justificações intrínsecas ou extrínsecas ciência que se propõe compreender a atividade social e, deste
se baseia essa dominação? modo, explicar causalmente seu desenrolar e seus efeitos. Para
Para iniciarmos, em princípio existem três justificações explicar o mundo social, importa compreender também a ação
internas como fundamentos da legitimação da dominação. Em dos seres humanos do ponto de vista do sentido e dos valores.
primeiro lugar, a autoridade do passado eterno, ou seja, dos
costumes consagrados por meio de validade imemorial e da 02. (UEM) Sobre o conceito de Estado Moderno, defendido
disposição de respeitá-los. É a dominação tradicional exercida pelo sociólogo alemão Max Weber, assinale o que for correto.
pelo patriarca ou pelo príncipe patrimonial de outrora. Há 01. O Estado Moderno deve ser definido estritamente em
também a autoridade do dom da graça, em que se fundam os relação aos seus fins.
poderes extraordinários de um indivíduo (carisma). Essa 02. A característica fundamental do Estado é o monopólio do
dominação tem como fundamento a devoção e confiança uso da violência legítima dentro de um determinado território.
absolutamente pessoais na revelação, no heroísmo ou em 04. A manutenção da autoridade estatal ocorre pela necessária
outras qualidades de caráter pessoal. Essa é a dominação combinação entre o emprego da força física e a busca pela
carismática, tal como é exercida pelo profeta – ou no campo da legitimidade junto aos cidadãos.
política – pelo chefe guerreiro eleito, pelo governante 08. Como dimensão superestrutural da sociedade capitalista, o
empossado por plebiscito, pelo grande demagogo e pelo chefe Estado é um instrumento de dominação da classe dos
de um partido político. Finalmente, temos a dominação imposta proprietários.
por meio da legalidade, fundada na crença na validade do 16. A legitimidade do Estado Moderno deriva, principalmente,
estatuto legal e da competência funcional baseada em normas do reconhecimento da validade legal e da competência
racionalmente definidas. Essa é a dominação exercida pelo funcional, baseadas em normas racionalmente estabelecidas.
moderno servidor do Estado e por todos os detentores do poder Soma ( )
a ele assemelhados.
Supõe-se na realidade que a obediência dos súditos é 03. (UFU) Para Weber, “A dominação, ou seja, a probabilidade
determinada pelo temor ou pela esperança temor da vingança de encontrar obediência a um determinado mandato, pode
exercida pelos poderes mágicos ou daquele que exerce o poder fundar-se em diversos motivos de submissão.”
ou pela esperança de recompensa neste ou noutro mundo. COHN. 1991. p. 128.
Interesses dos mais diversificados podem condicionar a Nesse sentido, as ações de Mahatma Gandhi, líder no
obediência. Todavia, ao considerarmos os fundamentos de movimento de independência da índia, representam qual tipo
legitimação dessa obediência, sem dúvida nos deparamos com de dominação na análise weberiana?
esses três tipos puros que indicamos: dominação tradicional, A) Dominação legal.
carismática e legal. B) Dominação anômica.
WEBER, Max. A política como vocação. Brasília: Editora UnB, 2003. p. 9-11. C) Dominação carismática.
[Fragmento] D) Dominação altruísta.
E) Fim do monoteísmo como condição para a consolidação da
ATIVIDADES ciência.
01. (Unioeste) A Sociologia de Max Weber é considerada uma 04. (UNISC) Max Weber estuda a sociedade de seu tempo,
ciência compreensiva e explicativa. Na sua concepção, buscando entender os mecanismos e processos relevantes da
compete ao sociólogo compreender e interpretar a ação dos vida social; ele conclui que a sociedade contemporânea,
20
SOCIOLOGIA
tomada pela burocracia, substituiu as antigas formas de D) afastamento de crenças tradicionais como uma característica
dominação por uma nova, cuja eficácia supera os controles das da modernidade.
sociedades anteriores. E) fim do monoteísmo como condição para a consolidação da
Alguns dos enunciados a seguir poderão estar relacionados ao ciência.
texto anterior.
1. Regulação do trabalho industrial em seus processos de 07. (Unicentro) “A ação social (incluindo tolerância ou
produção. omissão) orienta-se pela ação de outros, que podem ser
2. O auge do espírito racional é o Romantismo do século XIX. passadas, presentes ou esperadas como futuras (vingança por
3. A burocracia está presente na indústria, na educação e na ataques anteriores, réplica a ataques presentes, medidas de
guerra. defesa diante de ataques futuros). Os ´outros` podem ser
4. O avanço crescente da formação técnica e exigência individualizados e conhecidos ou uma pluralidade de
profissional no trabalho. indivíduos indeterminados e completamente desconhecidos”
5. Regulação pública das profissões. (Max Weber. Ação social e relação social. In M.M. Foracchi e J.S Martins.
Sociologia e Sociedade. Rio de Janeiro, LTC, 1977, p.139).
Assinale a alternativa correta.
A) Todos os enunciados estão corretos. Max Weber, um dos clássicos da sociologia, autor dessa
B) Todos os enunciados estão incorretos. definição de ação social, que para ele constitui o objeto de
C) Somente os enunciados 1 e 2 estão corretos. estudo da sociologia, apontou a existência de quatro tipos de
D) Somente os enunciados 3 e 5 estão corretos. ação social. Quais são elas?
E) O único enunciado incorreto é o 2. A) Ação tradicional, ação afetiva, ação política com relação a
valores e ação racional com relação a fins.
05. (Unicentro-PR) Do ponto de vista do agente, o motivo é o B) Ação tradicional, ação afetiva, ação racional e ação
fundamento da ação; para o sociólogo, cuja tarefa é carismática.
compreender essa ação, a reconstrução do motivo é C) Ação tradicional, ação afetiva, ação política com relação a
fundamental, porque, da sua perspectiva, ele figura como a valores, ação política com relação a fins.
causa da ação. D) Ação tradicional, ação afetiva, ação racional com relação a
Numerosas distinções podem ser estabelecidas e Weber fins, ação racional com relação a valores.
realmente o faz. No entanto, apenas interessa assinalar que, E) Ação tradicional, ação emotiva, ação racional com relação a
quando se fala de sentido na sua acepção mais importante para fins e ação política não esperada.
a análise, não se está cogitando da gênese da ação, mas sim
daquilo para o que ela aponta, para o objetivo visado nela; para 08. (Ufu 2013) – Em artigo intitulado “Clientelismo ainda
o seu fim, em suma. domina política no interior do Brasil”, da BBC, de 27 de
COHN, Gabriel (Org.). Max Weber: sociologia. São Paulo: Ática, 1979. outubro de 2002, o jornalista Paulo Cabral desenha o painel de
A categoria weberiana que melhor explica o texto em evidência parte da política nacional. Ele destaca que, em comício de uma
está explicitada em: certa deputada, um grande churrasco foi oferecido para os
A) A ação social possui um sentido que orienta a conduta dos eleitores de uma vila: “Sob um sol escaldante, um caminhão de
atores sociais. som tocava o jingle – forró da candidata a todo o volume, a
B) A luta de classes tem sentido porque é o que move a história população sentia o cheiro da carne sendo assada trancada
dos homens. dentro de uma casa. Comida, só quando chegasse a candidata”.
C) Os fatos sociais não são coisas, e sim acontecimentos que A relação descrita entre os eleitores e a candidata aproximase,
precisam ser analisados. na matriz teórica weberiana, de um tipo puro de relação de
D) O tipo ideal é uma construção teórica abstrata que permite a dominação, uma vez que
análise de casos particulares. A) inscreve-se como relação de poder em que a candidata
E) O sociólogo deve investigar o sentido das ações que não são aproveita-se de uma probabilidade de impor sua vontade, ainda
orientadas pelas ações de outros. que sem legitimidade.
B) estabelece-se, retirando das relações os elementos não
06. (Enem–2015) A crescente intelectualização e racionais, isto é, em evidente processo de desencantamento do
racionalização não indicam um conhecimento maior e geral das mundo.
condições sob as quais vivemos. Significa a crença em que, se C) sua natureza remonta uma tradição inimaginavelmente
quiséssemos, poderíamos ter esse conhecimento a qualquer antiga e conduz ou orienta a ação habitual do eleitor para o
momento. Não há forças misteriosas incalculáveis; podemos conformismo.
dominar todas as coisas pelo cálculo. D) expõe características típicas das formas carismáticas de
WEBER, M. A ciência como vocação. In: GERTH, H., MILLS, W. (Org.). dominação, demonstrada pelo dom da graça extraordinário e
Max Weber: ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1979 (Adaptação). pessoal manifesto nas práticas clientelistas.
Tal como apresentada no texto, a proposição de Max Weber a
respeito do processo de desencantamento do mundo evidencia GABARITO
o(a) 01. E
A) progresso civilizatório como decorrência da expansão do 02. 22
industrialismo. 03. C
B) extinção do pensamento mítico como um desdobramento do 04. E
capitalismo. 05. A
C) emancipação como consequência do processo de 06. D
racionalização da vida. 07. D
08. C
21
SOCIOLOGIA
22
SOCIOLOGIA
Socialismo científico e materialismo histórico Marx, o trabalho tem a capacidade de emancipar o ser humano,
Se para Durkheim a sociedade era uma entidade acima dos uma vez que
indivíduos, e para Weber ela se constitui a partir das ações é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem,
individuais, Marx entende que uma sociedade somente pode independente de todas as formas de sociedade, eterna
ser compreendida por meio das condições materiais de sua necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem
existência. e natureza e, portanto, da vida humana.
MARX, K. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural,
Isso significa dizer que o modo como cada sociedade
1985. p. 50. [Fragmento]
transforma a natureza e divide o trabalho entre seus membros No modelo capitalista, no entanto, o caráter humanizador do
determina a maneira como os indivíduos se relacionam trabalho, ou seja, a possibilidade que o trabalho oferece para o
socialmente. Paralelamente, determina também a própria homem de criar o seu mundo social, é substituído por jornadas
consciência dos indivíduos sobre si e sobre o mundo ao seu de trabalho exaustivas, tendo como única preocupação a
redor. produção do lucro. Assim sendo, temos a exploração da classe
Karl Marx (1818-1883) contou com o apoio de seu amigo operária, que vende sua força de trabalho, pela classe burguesa,
Friedrich Engels (1820-1895) para produzir uma extensa obra, que é detentora dos meios de produção. Logo, o capitalismo
sistemática e rigorosa, que conciliou filosofia, economia, acabou por transformar o trabalho em mercadoria, pois o
política e direito para fabricar a crítica mais consistente ao proletário vende sua força de trabalho ao capitalista.
modelo capitalista-liberal, com amplo alcance no mundo até os Karl Marx desenvolveu um método de análise conhecido como
dias atuais. A obra conjunta Manifesto do Partido Comunista, materialismo histórico. Sua pretensão é explicar o
de 1848, tornou-se uma bandeira para os movimentos sindicais, desenvolvimento histórico da sociedade, desde a sua origem, a
para a criação de partidos políticos de orientação socialista e partir das relações de produção da vida material, ou seja, a
para a organização de revoluções proletárias, como a economia. Para Marx, a categoria central pela qual a história
Revolução Russa e a Revolução Chinesa, no início do século humana pode ser compreendida é a categoria “trabalho”, que
XX. Porém, a obra fundamental do socialismo / comunismo é o permite ao homem se diferenciar dos animais e construir o
livro O Capital, com publicação inicial em 1867, dividido em 2 mundo em que vive. O mundo humano é, essencialmente, o
longos tomos. Nessa obra, Marx elaborou, detalhadamente, sua mundo do trabalho. A categoria “trabalho”, na teoria marxiana,
crítica ao capitalismo industrial e as bases para a formação de nos ajuda a compreender a concepção materialista da história e
uma sociedade comunista – pautada pela divisão comunal da se opõe à concepção idealista, proposta por Hegel. Enquanto o
propriedade e das riquezas sociais. filósofo idealista George Friedrich Hegel (1770-1831)
Antes de traçarmos, com mais detalhes, os conceitos propunha que a realidade é um produto das ideias, Marx
fundamentais da teoria de Marx, é necessário compreender o defendia que as ideias é que são produto da realidade.
que o autor entende por meio de produção e por modo de O enunciado básico do materialismo histórico de Marx e
produção. Engels afirma que
O modo de produção deve ser entendido como a forma de não é a consciência dos homens que determina a realidade, mas
organização socioeconômica vinculada a uma etapa do a realidade que determina a consciência dos homens.
desenvolvimento das forças produtivas e também das relações MARX, Karl. Contribuição para a crítica da economia política. Lisboa:
de produção. Por exemplo, atualmente vigora o modo de Estampa, 1973. p. 28. [Fragmento]
produção capitalista. Mas, fazendo um resgate histórico, temos Por meio do trabalho, o indivíduo se produz, desenvolvendo as
a presença do modo de produção feudal. Para Marx, as forças suas capacidades e contribuindo para o desenvolvimento da
produtivas e as relações de produção se alteram ao longo do própria humanidade. Portanto, podemos notar aqui uma crítica
percurso histórico, afetando os meios de produção. Devemos de Marx à Filosofia europeia. Esta última entendia que, além
entender meio de produção como tudo aquilo que permeia a do mundo em que podemos viver, existiria um mundo real que
relação entre trabalho humano e natureza, no processo de iria além daquilo que poderíamos observar em nossa vida.
transformação da natureza em si. Ou seja, seria um conjunto Logo, os fenômenos existentes na vida social seriam apenas
formado pelos meios do trabalho e o objeto de trabalho. Dessa reflexos daquilo que aconteceria no plano das ideias.
maneira, os meios de trabalho seriam, por exemplo, Prosseguindo, entre as categorias mais importantes na teoria de
ferramentas e máquinas; e o objeto do trabalho, as matérias Karl Marx se encontra a noção de proletário, encarada sob uma
primas e os recursos naturais. perspectiva inédita dos pontos de vista social e político.
Para melhor explicitar a relação entre modo de produção e a
maneira como os indivíduos se relacionam socialmente, Marx A DIALÉTICA MATERIALISTA
elaborou o conceito de relações sociais de produção. Tal Para Marx, em todas as sociedades humanas em que há
conceito se refere justamente às formas como os indivíduos se propriedade privada, existiria uma oposição básica entre os
organizam para produzir os bens materiais necessários à grupos que detém a propriedade privada e os que não são
sobrevivência, levando em consideração as ferramentas detentores desta. Marx opta por designar os grupos sociais sob
disponíveis, o nível de tecnologia, as matérias--primas e como a nomenclatura de “classe social”, denominando a parcela da
se procede a distribuição da produção. Enfim, para Marx, as coletividade que possua características sociais, econômicas e
relações sociais de produção definem toda a organização de políticas similares, com ênfase especial na sua relação com a
uma sociedade. propriedade privada. Portanto, toda sociedade poderia ser
Por esse motivo, Marx entende que os aspectos materiais de reduzida a duas classes sociais antagônicas: na antiguidade
uma sociedade não podem ser considerados como algo dado romana, patrícios e plebeus; na idade média, nobreza e
pela natureza, mas sim construídos pela ação do homem, por camponeses; no capitalismo, burguesia e proletariado. Essas
isso a importância da categoria trabalho em sua teoria. Para classes antagônicas possuiriam características e interesses
distintos, o que faria existir uma luta de classes entre elas.
23
SOCIOLOGIA
Dessa luta de classes, para Marx, emergiria toda a dinâmica expressam a visão de mundo da classe dominante. Assim, o
histórica. trabalhador não se reconhece naquilo que produz, pois
Melhor dizendo, encontra-se alienado do resultado do seu próprio esforço. Sua
a história de todas as sociedades que existiram até hoje tem ignorância em relação ao próprio trabalho e a situação em que
sido a história da luta de classes. Homem livre e escravo, vive é uma das bases do triunfo do capitalismo.
patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e A noção de alienação é fundamental no pensamento marxista,
companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em pois ela apresenta o estado psicossocial primordial ao qual o
constante oposição, tem vivido numa guerra ininterrupta, ora operário é submetido no modo de produção capitalista.
aberta, ora disfarçada [...]. Enquanto nos modos de produção anteriores, como no feudal, o
MARX, K; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Global, trabalhador livre conhecia todas as etapas do seu trabalho e, em
1988. p. 75-76.
alguma medida, usufruía do que produzia, no capitalismo o
No capitalismo, esse antagonismo teria atingido o seu ápice operário industrial não só não conhece toda a cadeia produtiva,
devido à concentração de renda, à desigualdade e à exploração como também se encontra impossibilitado de usufruir do que
do trabalho, que, para os socialistas científicos, estão na base produz, devido à especialização da indústria. O operário
do sistema, marcando uma diferença essencial entre as classes industrial fica relegado à abstrata relação de assalariamento, e o
dominante (burguesia) e dominada (proletariado). trabalho perde sua função existencial, passando a ser uma
O termo “dialética”, nas palavras do filósofo Henri Lefebvre, relação de dominação. O trabalho alienado é fundamental para
Significa a obtenção da mais-valia, uma vez que o operário, ignorante da
ciência que mostra como as contradições podem ser longa cadeia produtiva que é controlada pelos detentores do
concretamente idênticas, como passam uma na outra, capital, não dispõe de meios materiais e simbólicos para refletir
mostrando também porque a razão não deve tomar essas e criticar sua posição de dominado.
contradições como coisas mortas, petrificadas, mas como
coisas vivas, móveis, lutando uma contra a outra em e através INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA
de sua luta. Podemos dizer, a partir da leitura de Marx sobre o modo de
LEFEBVRE, H. Lógica Forma, Lógica Dialética. São Paulo: Civilização
produção capitalista, que a sociedade é dividida em duas
Brasileira, 1969. p. 15. [Fragmento]
Marx inspirou-se na concepção de dialética idealista de Hegel, grandes partes que se encontram em relação constante: a
mas concedeu a ela uma nova significação ao demonstrar que a infraestrutura e a superestrutura. A infraestrutura seria a parte
história humana é produzida a partir de pontos que se opõem – da sociedade relacionada aos meios de produção da vida
teses –, que se digladiam e fabricam novos estágios – síntese – material, isto é, a economia; enquanto a superestrutura
a partir dos anteriores. corresponderia aos sistemas ideológicos que visam, sobretudo,
O ensinamento básico da dialética marxista tange ao fato de manter a infraestrutura. A superestrutura seria composta por
que a história das sociedades não é estática e linear, mas sim dois grandes aparatos: o aparato jurídico-político, em que estão
dinâmica e construída por forças antagônicas. incluídos o Estado e as leis, e o aparato ideológico, composto
por todo o conjunto de crenças, regras, valores morais,
MAIS-VALIA E ALIENAÇÃO educação, religião e cultura que representam os interesses da
Marx entende que a realidade social é determinada pelas bases classe social dominante.
materiais de uma determinada sociedade delimitada Marx e Engels perceberam que o próprio Estado faz parte do
historicamente. Pensemos, por exemplo, no modo de produção aparato ideológico da superestrutura. Se for fato que o poder
capitalista e no modo de produção imediatamente anterior a ele político deriva do poder econômico, torna-se evidente que as
historicamente, o feudalismo. As bases materiais entre os dois elites econômicas se encontram no topo da hierarquia política e
eram bastante distintas, pois, enquanto no feudalismo o impõem a forma de organizar a sociedade que lhes é mais
trabalho em vigor era o artesanal, o modo de produção conveniente. Por isso, por mais democrático que pareça ser, o
capitalista introduziu o trabalho fabril. Evidentemente, as Estado sempre se encontra a serviço da classe dominante.
diferenças entre feudalismo e capitalismo foram ocasionadas Na teoria marxista, a disputa das classes sociais pelo poder
em razão de contextos históricos distintos, que possibilitaram a político é determinada pela esfera econômica.
derrocada de um e o surgimento de outro. Desse modo, o poder político seria parte da superestrutura de
Na concepção de Marx, o capitalismo se sustenta na exploração uma determinada sociedade, e como o sistema social moderno
da força produtiva da classe proletária pelo industrial burguês, capitalista, na concepção de Marx, é resultado do poder da
uma vez que aquele vende sua força de trabalho em troca da classe burguesa sobre o restante da sociedade, a política seria o
remuneração. No entanto, o sistema capitalista oculta do reflexo da supremacia econômica dessa classe.
operário a sua real situação: o seu trabalho rende mais ao O objetivo da teoria marxista é justamente compreender como
empregador do que a ele mesmo; a ordem social burguesa é mantida. O sistema capitalista opõe
o excedente do trabalho operário se torna mais-valia nas mãos a classe burguesa à classe operária, sendo a condição de
do empregador. A mais-valia é a diferença entre o valor que é exploração da primeira em relação à segunda entendida como
produzido pelo operário e o valor recebido por ele enquanto algo natural e não historicamente condicionado. Na teoria
salário. Essa diferença é apropriada pelo empregador, sendo a marxiana, o foco de análise recai sobre as classes sociais e as
mola propulsora do sistema capitalista, pois é o que permite relações de produção, e não há, portanto, considerações a
aos burgueses obterem o lucro e também reinvestirem o capital respeito das ações individuais, da maneira como acontece na
na sua produção. sociologia weberiana. Para Marx, as ações individuais somente
A lógica do trabalho capitalista, portanto, se basearia em uma possuem sentido se atentarmos para as ideologias que
relação de exploração e de dominação sobre o proletariado. sustentam as ações das classes sociais às quais pertencem os
Este último é mantido ignorante sobre sua situação pela indivíduos.
ideologia – o conjunto de ideias, valores, instituições e leis que
24
SOCIOLOGIA
Segundo Marx, a sociedade não é um todo que vive em das décadas de 1960 e 1970.
harmonia. A oposição entre capital e trabalho é o motor da Não é nosso objetivo discutir se as ideias marxistas chegaram,
história, pois a realidade capitalista deverá ser superada com ou não, a ser realizadas nos países que adotaram o socialismo
o advento do comunismo, quando a divisão da sociedade em como orientação político-econômica, mas é fundamental
classes será abolida. Esse movimento revolucionário se dará a termos em mente o compromisso da análise social de base
partir do momento em que os trabalhadores tomarem marxista com as mudanças na sociedade.
consciência de sua posição de classe dominada e buscarem
o fim da propriedade privada. FETICHISMO DA MERCADORIA, VALOR DE USO E
VALOR DE TROCA
REVOLUÇÃO PROLETÁRIA E COMUNISMO Na análise da economia capitalista, realizada por Marx,
No livro Teses sobre Feuerbach, publicado em 1888, Marx é destaca-se a posição privilegiada que é ocupada pelas
enfático ao afirmar o papel prático-político da sua teoria: “os mercadorias, isto é, o produto material do trabalho humano,
filósofos se limitaram a interpretar o mundo, cabe a nós muda- destinado a ser comercializado em um mercado. Para o
lo”. Isto é, a teoria tem um duplo papel: analisar a realidade e pensador alemão, as mercadorias são vistas como dotadas de
fornecer os fundamentos para sua mudança. Por isso, a teoria vida própria, que é independente de seu processo produtivo.
social de Marx está intimamente associada à política, Por isso, a mercadoria se encontra em uma relação de fetiche:
propondo-se como ferramenta a serviço de uma mudança um fetiche é um objeto a que se atribui características mágicas.
radical na estrutura da sociedade. No capitalismo, a mercadoria – qualquer que seja – é vista
Ao contrário dos socialistas utópicos, que acreditavam em como provida de uma importância que extrapola a sua utilidade
mudanças gradativas, reformas parciais e negociações políticas, material, ou seja, dá-se mais importância ao seu valor de troca
Marx defendia que somente uma revolução proletária poderia do que ao seu valor de uso.
alterar a infraestrutura da sociedade. Essa revolução Para esclarecer, é bom retomarmos essas duas noções básicas
aconteceria a partir da mobilização da classe operária, que, da teoria econômica de Marx. Para o filósofo, o valor de uma
organizada coletivamente independente de sexo, raça ou mercadoria é definido, principalmente, pelo tempo de trabalho
nacionalidade, iniciaria um processo de deposição do poder que é socialmente necessário para a sua produção.
burguês e instauração de um Estado proletário de caráter O valor de uso é a importância prática que uma mercadoria
inicialmente socialista. Esse Estado seria voltado para a possui, em função da sua utilidade, e está associada às suas
promoção da igualdade por meio da estatização dos meios de propriedades físicas. O valor de troca é a importância
produção. Assim, quando a economia coletivizada e a simbólica, geralmente atribuída em termos monetários, que
organização democrática dispensassem a própria existência de uma mercadoria assume em um mercado quando pode ser
um Estado, ele passaria a ser comunista. intercambiada por outras mercadorias.
Dessa forma, seria possível afirmar que a revolução proletária O valor de troca leva em conta o valor de uso, mas também é
seria composta de dois momentos: o primeiro seria chamado afetado por outras importâncias simbólicas e socialmente
socialismo; e o segundo, comunismo. instituídas sobre uma mercadoria, como o status que confere
O comunismo seria uma evolução do socialismo, marcado pela a quem possui.
abolição do Estado. No socialismo, a sociedade controlaria a
produção e a distribuição dos bens em sistema de igualdade e MARXISMO APÓS MARX
cooperação. Esse processo levaria ao comunismo, no qual Não cabe, neste capítulo, uma análise histórica dos impactos da
todos os trabalhadores seriam os proprietários de seu trabalho e teoria de Marx ao longo do século XX. Certamente, isso será
dos bens que produzem. feito mais detalhadamente na disciplina de História. Porém, é
É importante ressaltar que em nenhuma das duas fases se importante frisar que, apesar das críticas aos modelos políticos
defende o primitivismo econômico, isto é, o retorno a estágios que ousaram se basear no socialismo /comunismo, o marxismo,
anteriores da industrialização, nem uma vida ascética dos como teoria social, teve e ainda tem grande importância nas
trabalhadores, isto é, que se viva somente com o essencial. Karl ciências humanas e sociais.
Marx defende que a produção industrial seja ampliada e que Foram muitas as escolas de pensamento e os teóricos de
beneficie a todos, não só o pequeno grupo dos que possuem o diferentes áreas influenciados, em diferentes medidas, pela
capital. teoria marxista. Ao mesmo tempo, também é importante ter em
Diversos partidos políticos, de inspiração marxista, adotaram mente que a teoria marxista passou por inúmeras críticas,
ora socialismo ora comunismo em seu nome, de acordo com os revisões, aprofundamentos e reformulações, seja por
variados segmentos que surgiram internamente após os adversários ou por partidários, sem que seus princípios básicos
encontros das Internacionais Comunistas do século XIX. As perdessem sua vitalidade na análise da complexidade social do
Internacionais Comunistas foram uma série de reuniões mundo atual.
públicas de organizações, sindicatos e partidos de Para mencionar alguns, destacam-se as obras do italiano
trabalhadores, iniciadas com a Associação Internacional dos Antônio Gramsci (1891-1937), com profunda análise sobre os
Trabalhadores (Primeira Internacional Comunista), de 1864 a modos pelos quais a ideologia e o Estado perpetuam as
1876, com o intento de organizar a classe proletária ao redor do relações de poder instauradas na economia; o filósofo húngaro
mundo e discutir planos de ação política. György Lukács (1885-1971); o psicanalista argelino-francês
A Segunda Internacional, chamada de Internacional Operária Louis Althusser (1918-1990), que aprofundou os estudos
e Socialista, durou de 1889 a 1914; a Terceira Internacional acerca dos aparelhos ideológicos do Estado, sendo a escola um
ficou conhecida como Comintern, pela abreviação do termo dos mais importantes instrumentos a serviço da dominação; o
russo, e perdurou de 1919 a 1943, sendo liderada por Stálin. historiador britânico Eric Hobsbawm (1917--2012); os teóricos
Enquanto a Quarta Internacional foi encabeçada por Trotsky, da Escola de Frankfurt (Theodor Adorno, Max Horkheimer,
a partir de 1938, com forte presença nos movimentos sociais Herbert Marcuse e Walter Benjamin), que realizaram
25
SOCIOLOGIA
profundas análises sobre a relação entre ideologia, a cultura e a atuam, como produzem materialmente e, portanto, tal como
indústria cultural; o linguista estadunidense Noam Chomsky desenvolvem suas atividades sob determinados limites,
(1928-); e, mais recentemente, o economista francês Thomas pressupostos e condições materiais, independentes de seu
Piketty (1971-), com sua releitura atualizada de O Capital. arbítrio.
No Brasil, o pensamento de base marxista também teve ampla A produção de ideias, de representações, da consciência está,
repercussão, apesar das perseguições ideológicas realizadas em em princípio, imediatamente entrelaçada com a atividade
diferentes momentos da nossa história. Boa parte da material e com o intercâmbio material dos homens, com a
historiografia e da sociologia brasileiras foi construída em base linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio
materialista histórico-dialética, elegendo os aspectos espiritual dos homens ainda aparecem, aqui, como emanação
econômicos como primordiais para se estudar as relações direta de seu comportamento material. [...] A consciência
sociais. Na sociologia destacam-se nomes como de Florestan [bewusstsein] não pode jamais ser outra coisa do que o ser
Fernandes (1920-1995), Francisco de Oliveira (1933-), Ruy consciente [bewusstsein], e o ser dos homens é o seu processo
Braga (1972-), Jessé Souza (1960-). de vida real.
Se, em toda ideologia, os homens e suas relações aparecem de
Quadro comparativo cabeça para baixo como numa câmara escura, este fenômeno
capitalismo x socialismo / comunismo resulta do seu processo histórico de vida, da mesma forma
como a inversão dos objetos na retina resulta de seu processo
de vida imediatamente físico.
Totalmente ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu à
terra, aqui se eleva da terra ao céu. Quer dizer, não se parte
daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam,
tampouco dos homens pensados, imaginados e representados
para, a partir daí, chegar aos homens de carne e osso; parte-se
dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida
real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos
ideológicos e dos ecos desse processo de vida. Também as
formações nebulosas na cabeça dos homens são sublimações
necessárias de seu processo de vida material, processo
empiricamente constatável e ligado a pressupostos materiais. A
moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, bem
como as formas de consciência a elas correspondentes, são
privadas, aqui, da aparência de autonomia que até então
possuíam. Não têm história, nem desenvolvimento; mas os
homens, ao desenvolverem sua produção e seu intercâmbio
materiais, transformam também, com esta sua realidade, seu
pensar e os produtos de seu pensar.
Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que
determina a consciência. No primeiro modo de considerar as
coisas, parte-se da consciência como do indivíduo vivo; no
segundo, que corresponde à vida real, parte-se dos próprios
indivíduos reais, vivos, e se considera a consciência apenas
como sua consciência.
MARX, K; ENGELS, F. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia
alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo
alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). Tradução de Rubens Enderle,
Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007. p.
93-94.
O TRABALHO ALIENADO
Consideramos até aqui a alienação, a espoliação do operário,
só sob um aspecto, o de sua relação com os produtos de seu
trabalho.
Ora, a alienação não aparece somente no resultado, mas
A IDEOLOGIA ALEMÃ também no ato da produção, no interior da própria atividade
O fato é, portanto, o seguinte: indivíduos determinados, que produtora.
são ativos na produção de determinada maneira, contraem entre Como o operário não seria estranho ao produto de sua atividade
si estas relações sociais e políticas determinadas. A observação se, no próprio ato de produção, não se tornasse estranho a si
empírica tem de provar, em cada caso particular, mesmo?
empiricamente e sem nenhum tipo de mistificação ou Com efeito, o produto é só o resumo da atividade de produção.
especulação, a conexão entre a estrutura social e política e a Se o produto do trabalho é espoliação, a própria produção deve
produção. A estrutura social e o Estado provêm constantemente ser
do processo de vida de indivíduos determinados, mas desses espoliação em ato, espoliação da atividade, atividade que
indivíduos não como podem aparecer na imaginação própria ou espolia. A alienação do objeto do trabalho é só o resumo da
alheia, mas sim tal como realmente são, quer dizer, tal como alienação, da espoliação, na própria atividade do trabalho.
26
SOCIOLOGIA
Ora, em que consiste a espoliação do trabalho? Primeiro, no Em relação à doutrina social marxista, assinale a alternativa
fato de que o trabalho é exterior ao operário, isto é, que não correta.
pertence ao seu ser; que, no seu trabalho, o operário não se A) A alta burguesia é uma classe considerada revolucionária,
afirma, mas se nega; que ele não se sente satisfeito aí, mas pois foi capaz de resistir à ideologia totalitária através do
infeliz; que ele não desdobra aí uma livre energia física e controle dos meios de comunicação.
intelectual, mas mortifica seu corpo e arruína seu espírito. É B) A classe média, integrante da camada burguesa, foi
por isso que o operário não tem o sentimento de estar em si identificada com os ideais do nacional-socialismo por defender
senão fora do trabalho; no trabalho, sente-se exterior a si a socialização dos meios de produção.
mesmo. É ele quando não trabalha, e, quando trabalha, não é C) A pequena burguesia ou camada lúmpen é revolucionária,
ele. Seu trabalho não é voluntário, mas imposto. Trabalho identificando a alta burguesia como sua inimiga natural a ser
forçado, não é a satisfação de uma necessidade, mas somente destruída pela revolução.
um meio de satisfazer necessidades fora do trabalho. A D) A pequena burguesia ou classe média é uma classe
natureza alienada do trabalho aparece nitidamente no fato de antirrevolucionária, pois, embora esteja mais próxima das
que, desde que não exista imposição física ou outra, foge-se do condições materiais do proletariado, apoia a alta burguesia.
trabalho como da peste. O trabalho alienado, o trabalho no qual E) O proletariado e a classe média formam as classes
o homem se espolia, é sacrifício de si, mortificação. Enfim, o revolucionárias, cuja missão é a derrubada da aristocracia e a
operário ressente a natureza exterior do trabalho pelo fato de instauração do comunismo.
que não é seu bem próprio, mas o de outro, que não lhe
pertence; que no trabalho o operário não pertence a si mesmo, 03. (UPE-2018) Na Europa ocidental, a burguesia surge entre
mas a outro. [...] os séculos X e XI, sob a forma mercantil, isto é, composta por
Chega-se então a esse resultado, que o homem (o operário) só comerciantes, cambistas e emprestadores de dinheiro, sendo
tem espontaneidade nas suas funções animais: o comer, o beber aumentada logo em seguida com a participação dos artesãos
e a procriação, talvez ainda na habitação, o adorno, etc.; e que, urbanos. Durante muito tempo, o poder político esteve nas
nas suas funções humanas, só sente a animalidade: o que é mãos da nobreza, dos grandes senhores de terras, o que não
animal torna-se humano e o que é humano torna-se animal. impediu o crescimento e enriquecimento da burguesia. Com a
Sem dúvida, comer, beber, procriar, etc., são também funções formação das monarquias absolutistas, unificando territórios,
autenticamente humanas. Contudo, separadas do conjunto das mercados, leis, moedas e tributos, o poder político se
atividades humanas, erigidas em fins últimos e exclusivos, não concentrou nos reis. Bastante enriquecida, uma parte da
são mais que funções animais. burguesia começou a comprar terras, conquistar títulos de
MARX, Karl. ébauche d’une critique de l’économie politique. Tome II. nobreza e, inclusive, a assumir cargos nos governos.
Gallimard, Bibliothèque de la Pléiade, p. 60-61 apud VV. AA. Os filósofos MIGLIOLI, Jorge. Dominação burguesa nas sociedades
através dos textos: de Platão a Sartre. São Paulo: Paulus, 1997. p. 250-251. modernas.Fonte: https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_bibliot
eca/artigo205Artigo1.pdf / Adaptado.
01. (UNESP) A condição essencial da existência e da Para conquistar o domínio sobre os demais membros da
supremacia da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas sociedade, o grupo descrito no texto se utiliza de diversos
mãos dos particulares, a formação e o crescimento do capital; a instrumentos, tendo-se como principal
condição de existência do capital é o trabalho assalariado. [...] A) a divisão de riquezas.
O desenvolvimento da grande indústria socava o terreno em B) a utilização dos militares.
que a burguesia assentou o seu regime de produção e de C) a abertura do mercado nacional.
apropriação dos produtos. A burguesia produz, sobretudo, seus D) o controle dos meios de produção.
próprios coveiros. Sua queda e a vitória do proletariado são E) o fechamento do comércio ao mercado externo.
igualmente inevitáveis.
(Karl Marx e Friedrich Engels. “Manifesto Comunista”. Obras escolhidas, vol. 04. (UECE) O século XIX foi marcado pelo surgimento de
1, s/d.)
correntes de pensamento que contestavam o modelo O século
Entre as características do pensamento marxista, é correto citar XIX foi marcado pelo surgimento de correntes de pensamento
A) o temor perante a ascensão da burguesia e o apoio à que contestavam o modelo capitalista de produção e
internacionalização do modelo soviético. propunham novas formas de organizar os meios de produção e
B) o princípio de que a história é movida pela luta de classes e a distribuição de bens e riquezas, buscando uma sociedade que
a defesa da revolução proletária. se caracterizasse pela igualdade de oportunidades.
C) a caracterização da sociedade capitalista como jurídica e No que diz respeito a essas correntes, assinale a afirmação
socialmente igualitária. verdadeira.
D) o reconhecimento da importância do trabalho da burguesia A) O socialismo cristão buscava aplicar os ensinamentos de
na construção de uma ordem socialmente justa. Cristo sobre amor e respeito ao próximo aos problemas sociais
E) a celebração do triunfo da revolução proletária europeia e o gerados pela industrialização, mas apesar de vários teóricos
desconsolo perante o avanço imperialista. importantes o defenderem, a Igreja o rejeitou através da
Encíclica Rerum Novarum, lançada pelo Papa Leão XIII.
02. (UEL-PR) A ópera-balé Os Sete Pecados Capitais da B) No socialismo utópico, a doutrina defendida por Robert
Pequena Burguesia, de Kurt Weill e Bertold Brecht, composta Owen e Charles Fourrier, prevaleciam as ideias de transformar
em 1933, retrata as condições dessa classe social na derrocada a realidade por meio da luta de classes, da superação da mais
da ordem democrática com a ascensão do nazismo na valia e da revolução socialista.
Alemanha, por meio da personagem Anna, que em sete anos vê C) O socialismo científico proposto por Karl Marx e Friedrich
todos os seus sonhos de ascensão social ruírem. A obra Engels, através do manifesto Comunista de 1848, defendia uma
expressa a visão marxista na chamada doutrina das classes.
27
SOCIOLOGIA
interpretação socioeconômica da história dos povos, A) Existe entre as classes uma relação de dominação
denominada materialismo histórico. estabelecida a partir do lugar que os indivíduos ocupam nas
D) O anarquismo do russo Mikhail Bakunin defendia a religiões.
formação de cooperativas, mas não negava a importância e a B) As classes sociais estruturam a sociedade e por meio delas
necessidade do Estado para a eliminação das desigualdades. são construídas as relações de interesses harmônicos entre os
grupos sociais.
05. (UFU-MG) Para Marx, o materialismo histórico é a C) Classe social é uma invenção teórica e não tem
aplicação do materialismo dialético ao campo da história. correspondência com a dinâmica de estruturação das
Conforme Aranha e Arruda (2000) “Marx inverte o processo sociedades contemporâneas.
do senso comum que pretende explicar a história pela ação dos D) Uma classe social é um grupo de pessoas que se encontra
‘grandes homens’ ou, às vezes, até pela intervenção divina. em uma relação comum com os meios de produção por meio
Para o marxismo, no lugar das ideias, estão os fatos materiais; dos quais elas extraem seu sustento.
no lugar dos heróis, a luta de classes”. Assim, para
compreender o homem é necessário analisar as formas pelas 08. (UERJ-2020)
quais ele reproduz suas condições de existência, pois são estas MUITA GENTE SEM CASA,
que determinam a linguagem, a religião e a consciência. MUITA CASA SEM GENTE
(ARANHA, M. L. de A. e MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à A Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade de 2001
filosofia. São Paulo: Moderna, 2000, p. 241.)
contemplam a função social da cidade. O problema é que, com
A partir da explicação acima e dos seus conhecimentos sobre o a desindustrialização das metrópoles, a cidade deixou de ser o
pensamento de Karl Marx, assinale a alternativa que indica, lugar de produção de bens e virou o próprio objeto da produção
corretamente, os dois níveis de “condições de existência” para econômica. Em consequência dessa mudança, o número de
Marx. imóveis vazios supera e muito o de famílias com problemas de
A) Infraestrutura (ou estrutura), caracterizada pelas relações moradia, como indicam os gráficos abaixo.
dos homens entre si e com a natureza; e superestrutura,
caracterizada pelas estruturas jurídico-políticas e ideológicas.
B) Infraestrutura (ou estrutura), caracterizada pelas relações
dos homens entre si e com a natureza; e materialismo dialético,
que é na verdade a forma pela qual o homem produz os meios
de sobrevivência.
C) Modos de produção, caracterizados pelo pensamento
filosófico dos socialistas utópicos; e o imperialismo,
característica máxima do capitalismo industrial.
D) Imperialismo, característica do capitalismo industrial; e
infraestrutura (ou estrutura), caracterizada pelas relações dos
homens entre si e com a natureza.
29
SOCIOLOGIA
privilegiadas que podem ser convertidas em poder. Essas como se fossem naturais e determinadas por alguma ordem
dimensões do capital se encontram interligadas, pois externa. Como afirma o sociólogo Roger Chartier:
geralmente quem advém de uma família abastada (capital
econômico) e influente (capital social / simbólico) tende a ter [...] a construção da identidade feminina se enraíza na
um acesso privilegiado à educação (capital cultural), fato que interiorização pelas mulheres, de normas enunciadas pelos
reforça seu poder, ao mesmo tempo, econômico e social e, por discursos masculinos. [...] Definir a submissão imposta às
outro lado, reforça a posição de subalternidade daqueles grupos mulheres como uma violência simbólica ajuda a compreender
cujo o acesso a essas formas de capital é menor. como a relação de dominação, que é uma relação histórica,
O conjunto desses capitais seria compreendido a partir de um cultural e linguisticamente construída, é sempre afirmada como
sistema de disposições de cultura (nas suas dimensões material, uma diferença de natureza, radical, irredutível, universal.
simbólica e cultural, entre outras), denominado por ele de CHARTIER, Roger. Diferenças entre os sexos e dominação simbólica (nota
crítica). Cadernos Pagu, Campinas, n. 4, p. 40-42, 1995.
habitus, que configura o repertório social de valores
disponíveis para o indivíduo.
O conceito de habitus é uma tentativa de Bourdieu para fugir Isto posto, este conceito de Bourdieu – violência simbólica –
da dicotomia clássica entre indivíduo e sociedade. trata-se da dominação consentida, ou seja, a aceitação de
O habitus seria, então, um sistema aberto de ações, percepções crenças e regras partilhadas como se fossem algo “natural”.
e disposições adquiridos pelos indivíduos, com o passar do Paralelamente, trata, também, da incapacidade de perceber o
tempo, em suas relações sociais. Ou ainda, o habitus seria um caráter arbitrário dessas regras, crenças e códigos de conduta,
sistema de esquemas individuais, determinado pela posição do que são impostos pelos agentes dominantes no campo.
indivíduo, que permite que os agentes pensem, sintam, vejam e Uma das faces da violência simbólica é a violência de gênero,
ajam nas mais variadas situações. Nas palavras de Bourdieu, o que
habitus
funciona a cada momento como uma matriz de percepções, [...] se expressa com força nas nossas instituições sociais
de apreciações e de ações – e torna possível a realização de (falamos então de violência institucional de gênero) e, de
tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências maneira mais sutil, embora não menos constrangedora, na
analógicas de esquemas. nossa vida cultural, nos atacando (ou mesmo nos
BOURDIEU, P. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIZ, Renato (Org.). bombardeando) por todos os lados, sem que tenhamos plena
Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. p 65. [Fragmento] consciência disso. Diariamente, ouvimos piadinhas, canções,
poemas, ou vemo-nos diante de contos, novelas, comerciais,
Portanto, o indivíduo não pode ser interpretado de forma anúncios, ou mesmo livros didáticos (ditos científicos!), de
isolada e independente dos grupos sociais a que pertence. A toda uma produção cultural que dissemina imagens e
família e a escola seriam duas instituições fundamentais para a representações degradantes, ou que, de uma forma ou de outra,
aquisição desse habitus, fornecendo os parâmetros básicos de nos diminuem enquanto mulheres. Essas imagens acabam
saberes, gostos, valores e possibilidades ao indivíduo. Bourdieu sendo interiorizadas por nós [...], muitas vezes sem que nos
considera que o gosto e as práticas de cultura de cada um de demos conta disso. Elas contribuem sobremaneira na
nós são resultados de um feixe de condições específicas de construção de nossas identidades / subjetividades, diminuindo,
socialização. inclusive, nossa autoestima. Isso tudo se constitui no que
É na história das experiências de vida dos grupos e dos chamamos de violência simbólica de gênero, uma forma de
indivíduos que podemos apreender a composição de gosto e violência que é, indubitavelmente, uma das violências de
compreender as vantagens e desvantagens materiais e gênero mais difíceis de detectarmos, analisarmos e, por isso
simbólicas que assumem. Em uma sociedade de massas, na mesmo, combatermos.
qual a mídia e a indústria cultural desempenham papel SARDENBERG. C. M. B. A violência simbólica de gênero e a lei
“antibaixaria” na Bahia. Disponível em: <http://www.observe.
preponderante na economia e no entretenimento, não se pode
ufba.br/noticias/exibir/344>. Acesso em: 03 set. 2018.
negar que os gostos individuais são fortemente pressionados
por tendências de mercado e pelos ditames da moda.
A DOMINAÇÃO MASCULINA
Porém, nem sempre o poder é visível. Há uma dimensão
Arbitrária em estado isolado, a divisão das coisas e das
simbólica no poder (poder simbólico) que se encontra nas
atividades (sexuais e outras) segundo a oposição entre o
entrelinhas do discurso, das artes, da cultura, de vários signos
masculino e o feminino recebe sua necessidade objetiva e
sociais que são aceitos socialmente e cumprem a função de
subjetiva de sua inserção em um sistema de oposições
manter as desigualdades sociais, disfarçando-as de construções
homólogas, alto / baixo, em cima / embaixo, na frente / atrás,
naturais e imutáveis. Com isso, o poder simbólico exerce uma
direita / esquerda, reto / curvo (e falso), seco / úmido, duro /
violência simbólica – forma de violência que está implícita no
mole, temperado / insosso, claro / escuro, fora (público) /
discurso e que perpetua as relações de dominação. Bourdieu
dentro (privado), etc., que, para alguns, correspondem a
investigou em seu livro A dominação masculina (1992) vários
movimentos do corpo (alto / baixo / subir / descer / fora /
mecanismos discursivos que reforçam e naturalizam as
dentro / sair / entrar). Semelhantes na diferença, tais oposições
desigualdades de gênero nas sociedades ocidentais. As
são suficientemente concordes para se sustentarem
mulheres são submetidas a uma socialização pautada,
mutuamente, no jogo e pelo jogo inesgotável de transferências
majoritariamente, pelos valores do grupo dominante (homens
práticas e metáforas; e também suficientemente divergentes
brancos) e acabam por internalizar os valores que as subjugam.
para conferir, a cada uma, uma espécie de espessura semântica,
A própria linguagem se incumbe de reforçar as desigualdades.
nascida da sobre determinação pelas harmonias, conotações e
Como a gramática é considerada o “modo único e certo” de
correspondências. Esses esquemas de pensamento, de aplicação
pronunciar a língua, ela normatiza e prescreve as desigualdades
universal, registram como que diferenças de natureza, inscritas
31
SOCIOLOGIA
na objetividade, das variações e dos traços distintivos (por consciência) revelaram-se mais fluidas e voláteis do que se
exemplo, em matéria corporal) que eles contribuem para fazer imaginava. Muitos princípios, valores, regras, crenças e
existir, ao mesmo tempo que as “naturalizam”, inscrevendo-as métodos que orientam as visões de mundo dos indivíduos se
em um sistema de diferenças, todas igualmente naturais em dissolveram e foram desconstruídos, sendo substituídos por um
aparência; de modo que as previsões que elas engendram são sentimento de incerteza e inconstância que tende a caracterizar
incessantemente confirmadas pelo curso do mundo, sobretudo a chamada pós-modernidade. Na frase do filósofo francês
por todos os ciclos biológicos e cósmicos. Assim, não vemos Jean-Francois Lyotard (A condição pós-moderna, 1979), o
como poderia emergir na consciência a relação social de século XX testemunhou o “fim das grandes metanarrativas”,
dominação que está em sua base e que, por uma inversão isto é, as teorias e doutrinas (religiosas, políticas, míticas) que
completa de causas e efeitos, surge como uma aplicação entre antes fundamentavam a história sofreram fortes abalos em
outras, de um sistema de relações de sentido totalmente razão dos próprios acontecimentos trágicos presenciados ao
independente das relações de força. O sistema mítico-ritual longo do “século da civilização”.
desempenha aqui um papel equivalente ao que incumbe ao A metáfora da liquidez é oportuna e se opõe à solidez e à
campo jurídico nas sociedades diferenciadas: na medida em segurança das metanarrativas anteriores. O que é líquido é
que os princípios de visão e divisão que ele propõe estão fluido, não possui forma definida, é moldável conforme
objetivamente ajustados às divisões preexistentes, ele consagra diferentes pressões externas e pode se dissolver ou evaporar.
a ordem estabelecida, trazendo-a à existência conhecida e O imediatismo substitui o planejamento de longo prazo; a
reconhecida, oficial. sobrevivência em uma sociedade competitiva e predatória faz
A divisão entre os sexos parece estar “na ordem das coisas”, os valores individuais serem moldados às necessidades da
como se diz por vezes para falar do que é normal, natural, a conveniência e aos desejos individuais ditados pelo instante da
ponto de ser inevitável: ela está presente, ao mesmo tempo, em moda e da mídia de massa.
estado objetivado nas coisas (na casa, por exemplo, cujas Em uma sociedade cada vez mais complexa e com menos
partes são todas “sexuadas”), em todo o mundo social e, em referenciais comuns, há uma supervalorização do indivíduo
estado incorporado, nos corpos e nos habitus dos agentes, (individualização), contudo isso não se traduz em maior
funcionando como sistemas de esquemas de percepção, de liberdade ao indivíduo. Ao contrário, o indivíduo se encontra,
pensamento e de ação. [...] É a concordância entre as estruturas cada vez mais, submetido a forças externas (mídia, mercado,
objetivas e as estruturas cognitivas, entre a conformação do ser consumo) que não fornecem a ele parâmetros sólidos de
e as formas do conhecer, entre o curso do mundo e as conduta e ação. O resultado é a criação de um sujeito líquido,
expectativas a esse respeito, que tornam possível esta cuja identidade é frequentemente contraditória e composta de
referência ao mundo que Husserl descrevia com o nome de fragmentos de discursos variados, sem que haja
“atitude natural” ou de “experiência dóxica” – deixando, necessariamente uma coesão interna. Da mesma forma, as
porém, de lembrar as condições sociais de sua possibilidade. relações sociais tendem também a se liquefazer, sendo
[...] marcadas pela superficialidade, pela instantaneidade e pela
A força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela falta de laços sólidos. As redes sociais contemporâneas são
dispensa justificação: a visão androcêntrica impõe-se como testemunhas dessa liquidez.
neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos que E por isso Bauman falará de amor líquido para tematizar as
visem a legitimá-la. A ordem social funciona como uma mudanças nas relações afetivas que decorrem das
imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação transformações experimentadas na história. Nas relações
masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão social do sociais predomina a lógica da conexão. Esse termo é relevante
trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a porque descreve relações frágeis e voláteis, nas quais o que
cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus conta é o número de conexões e não o seu grau de
instrumentos; é a estrutura do espaço, opondo o lugar de profundidade. Ao mesmo tempo, o termo “conexão” mostra a
assembleia ou de mercado, reservados aos homens, e a casa, presença da “vantagem” de se poder desconectar sem que haja
reservada às mulheres; ou, no interior desta, entre a parte prejuízo ou custo.
masculina, com o salão, e a parte feminina, com o estábulo, a O pressuposto desse formato de relações é a transformação de
água e os vegetais; é a estrutura do tempo, a jornada, o ano sujeitos em mercadorias. Metaforicamente, as pessoas ficam à
agrário ou o ciclo de vida, com momentos de ruptura, disposição em “prateleiras” para serem escolhidas por sua
masculinos e longos períodos de gestação, femininos. aparência, para depois serem consumidas e dispensadas a
BOURDIEU, P. A dominação masculina. São Paulo: Bertand Brasil, 2012. p. qualquer momento. Mas, o vazio dessas relações entra em
16-18.
choque com as expectativas pessoais de afeto, atenção e
estabilidade, fazendo os sentimentos de frustração, insegurança
A MODERNIDADE LÍQUIDA, SEGUNDO ZYGMUNT e angústia cada vez mais comuns, especialmente em grandes
BAUMAN centros urbanos, onde esses tipos de liquidez se manifestam de
A modernidade é um tema constante de reflexão das teorias forma mais intensa.
sociológicas e objeto de muitos autores diferentes. Um dos As reflexões de Bauman se estendem por vários domínios da
maiores nomes nessa discussão é o do sociólogo polonês vida social, demonstrando como a lógica da liquidez
Zygmunt Bauman (1925-2017), autor de vasta obra sobre a “contaminou” os modos de funcionamento da vivência em
modernidade. Seu livro mais famoso explicita sua tese básica: a comunidade (o individualismo tende a suplantar a comunidade
Modernidade Líquida (2000). Na tentativa de interpretar o e desagregar a cultura tradicional), do trabalho (o mercado
desenrolar histórico que ocorre após as duas grandes guerras competitivo “exige” maior flexibilidade, que resulta em
mundiais, Bauman identifica que muitas categorias sociais redução de direitos e garantias ao trabalhador) e até mesmo do
consideradas sólidas e estáveis ao longo da história da sexo (o ato sexual sucumbe à lógica do consumo, perdendo seu
humanidade (nação, Estado, socialismo, mercado, indivíduo, valor agregador e de relação íntima para se tornar um
32
SOCIOLOGIA
mecanismo de satisfação individualista e egoísta, em que o se se prefere, um tipo de condição humana), enquanto que
outro é reduzido a mero objeto sexual). Ademais, o medo é “pós-modernismo” se refere a uma visão de mundo que pode
fruto de uma incorporação social. surgir, mas não necessariamente da condição pós-moderna.
Em sua obra Medo Líquido, Bauman apresenta três categorias Procurei sempre enfatizar que, do mesmo modo que ser um
de medo, derivadas da lógica predominante na modernidade ornitólogo não significa ser um pássaro, ser um sociólogo da
líquida: primeiro, medo de não garantir trabalho ou se sustentar pós-modernidade não significa ser um pós-modernista, o que
no futuro; segundo, medo de não conseguir “ser alguém” na definitivamente não sou. Ser um pós-modernista significa ter
estrutura social, sendo relegado a posições de menor prestígio uma ideologia, uma percepção do mundo, uma determinada
ou subalternas; e, terceiro, medo quanto à integridade física. hierarquia de valores que, entre outras coisas, descarta a idéia
Todas essas três formas fazem com que a segurança seja de um tipo de regulamentação normativa da comunidade
substituída pela proteção. Enquanto segurança e insegurança humana e assume que todos os tipos de vida humana se
são disposições psíquicas, interiores, proteção, que diz respeito equivalem, que todas as sociedades são igualmente boas ou
a um conjunto de instrumentos para tentar garantir a segurança, más; enfim, uma ideologia que se recusa a fazer julgamentos e
é externa. A proteção envolve agentes e instituições a quem se a debater seriamente questões relativas a modos de vida
atribui a responsabilidade de garantir a integridade física e, viciosos e virtuosos, pois, no limite, acredita que não há nada a
principalmente, a propriedade privada. ser debatido. Isso é pós-modernismo.
Na lógica da proteção, tudo o que é diferente e estranho é visto PALLARES-BURKE, M. L. Entrevista com Zygmunt Bauman. Revista Tempo
Social. São Paulo, v. 16, n. 1, p. 21, jun. 2004. [Fragmento]
como uma possível ameaça, o que justificaria a tomada de
medidas mais radicais para garantir o que se deseja proteger:
aumentar os muros das casas, colocar grades nas janelas, MINORIAS
espalhar câmeras nos ambientes públicos e privados, aumentar Questão Étnico-racial
o policiamento, enfim, instituir uma situação de vigilância No século XIX, com o desenvolvimento da biologia, do
permanente que tem a pretensão de se proteger do outro, do positivismo e do evolucionismo social, surgiram as chamadas
estranho, do diferente. Obviamente, o próprio medo passa a teorias do racismo científico ou racialismo, que postulavam
constituir um importante elemento para subsidiar um tipo uma relação determinista entre raça e progresso.
específico de consumo ligado à “indústria da segurança”. De Para teóricos como os britânicos Herbert Spencer, Robert Knox
acordo com dados da Associação das Indústrias de Segurança e Samuel George Morton, parecia evidente que o segredo do
do Brasil, tal mercado é responsável por movimentar cerca de sucesso civilizacional europeu se encontrava na genética
1,8 bilhões de reais e cresce aproximadamente 20% ao ano, privilegiada das raças brancas, ao contrário das raças de pele
somente no Brasil. É interessante observar que tal mercado é, escura, que estavam biologicamente fadadas a serem
de certa maneira, alimentado pelos jornais sensacionalistas e subordinadas por sua inferioridade. O discurso da
pelo reforço da insegurança patrimonial e física. superioridade natural dos brancos, autoatribuída pelos próprios
Por isso, uma das consequências da modernidade líquida é o brancos, estava na base das ciências racialistas que
crescimento de discursos fundamentalistas e reacionários. Tais alimentavam as fileiras dos defensores da missão civilizadora
discursos reagem à liquidez e buscam alguma fixidez na do imperialismo europeu. No Brasil, esse discurso alimentou
obediência à tradição ou a textos sagrados, na força física, no a tese do “branqueamento racial” (ou “embranquecimento
nacionalismo exacerbado, na rejeição aos “de fora”. racial”), materializado nos vários incentivos dados à imigração
A sustentação simbólica que era garantida pelas “sólidas” europeia, com finalidade de reduzir os efeitos da “má
instituições sociais cede espaço para uma grande insegurança influência” genética negra e indígena, que não permitiam ao
psíquica e social, contra o que reagem algumas posições Brasil se civilizar.
conservadoras. Os discursos xenofóbicos e discriminatórios No Brasil, o racismo científico teve muita força e foi a
que têm se intensificado no mundo e no Brasil, em particular, principal teoria para tentar explicar as relações raciais advindas
tendem a manifestar a sensação de insegurança social e desde o Período Colonial. Com isso, até a década de 1930, para
econômica, que é característica dessa fase da modernidade, e os adeptos dessa pseudociência, a mestiçagem (mistura racial)
canalizá-la para um alvo socialmente mais frágil e era vista como um mal porque produzia raças impuras e
historicamente discriminado. imperfeitas, manchadas pela presença do sangue negro.
Por exemplo, movimentos de cunho neonazista e neofascista na Foi somente a partir do sociólogo pernambucano Gilberto
Europa culpam os imigrantes africanos / asiáticos pela crise Freyre, seguidor do antropólogo culturalista alemão Franz
econômica, apesar de a Europa depender da imigração para a Boas, que a questão da mestiçagem passou a ganhar conotação
manutenção da sua economia. Além disso, a população daquele positiva. Crítico da visão determinista, pregada pelo racialismo,
continente se “esquece” de que o fenômeno atual da imigração Freyre defendia que as relações sociais são construções sociais,
é uma herança advinda, em certa medida, das atividades submetidas às forças históricas e culturais, e não ditadas pela
imperialistas predatórias realizadas há séculos pelos próprios genética. Em livros como Casa-grande e senzala (1933) e
europeus na África e na Ásia. Sobrados e mucambos (1936), Freyre defendia que o grande
valor do Brasil se encontrava na mistura, ao mesmo tempo,
Bauman evita usar o termo pós-modernidade: racial e cultural. Tal mistura, para Freyre, permitiu o
Uma das razões pelas quais passei a falar em “modernidade surgimento de uma cultura híbrida e única desde o Período
líquida” em vez de “pós-modernidade” (meus trabalhos mais Colonial. A miscigenação seria o que o Brasil possuiria de
recentes evitam esse termo) é que fiquei cansado de tentar mais próprio, único e identitário.
esclarecer uma confusão semântica que não distingue No entanto, uma interpretação equivocada (e conveniente) de
sociologia pós-moderna de sociologia da pós-modernidade, Gilberto Freyre acabou por defender a tese de que, em função
entre “pós--modernismo” e “pós-modernidade”. No meu da miscigenação, haveria uma convivência pacífica e
vocabulário, “pós-modernidade” significa uma sociedade (ou, harmônica entre todas as raças e, portanto, não existiria
33
SOCIOLOGIA
racismo no Brasil. Essa tese ficou conhecida como democracia Entre as ações afirmativas adotadas encontra-se a política de
racial, sendo alvo de severas críticas de diversas leituras cotas sociorraciais para acesso às universidades públicas. Tal
científicas posteriores, por se mostrar insustentável, sob todos política foi iniciada, em experiência piloto, na UnB em 2006 e
os pontos de vista, principalmente a partir das estatísticas que expandida em 2013 para a totalidade das universidades
mostram com facilidade o abismo social existente entre federais, a partir da declaração de sua legalidade constitucional
brancos e negros quanto ao acesso a política, cultura, bens pelo Supremo Tribunal Federal.
econômicos, trabalho, assim como na relação com a polícia, a Apesar de sua declarada constitucionalidade, as políticas de
justiça e a violência. cotas raciais não são uma unanimidade, principalmente porque
A valorização da miscigenação não ocultava, no entanto, as elas reorganizam o acesso às universidades, o qual, até então,
relações de dominação e desigualdade produzidas por séculos era e, de certa maneira, ainda é majoritariamente ditado por um
de escravidão e racismo. A situação social do negro, após a sistema meritocrático sustentado pela posição social
abolição da escravidão, permanecia ainda de pobreza, exclusão privilegiada de alguns indivíduos. Entre os críticos da política
e falta de poder político. Florestan Fernandes, sociólogo e de cotas raciais encontra-se o sociólogo Demétrio Magnoli,
professor da USP, adotando um viés materialista histórico, faz que acusa esse sistema de ferir o princípio da igualdade ao
uma leitura mais aprofundada das relações entre raça favorecer um grupo em detrimento de outro.
eFacilidade no Brasil em seu livro A integração do negro na Porém, baseando-se na diferença entre igualdade formal
sociedade de classes (1964). Para Fernandes, o negro possui (abstrata) e a igualdade material (real, efetiva), teóricos como a
oportunidades desiguais em relação ao branco, uma vez que é historiadora Lilia Moritz Schwarcz (O espetáculo das raças,
inserido em uma “ordem social competitiva” – formação das de 1996) e o sociólogo congolês Kabengele Munanga,
classes sociais no capitalismo periférico-dependente – e não atualmente professor da USP, sustentam que as ações
consegue alcançar uma autonomia de classe social necessária afirmativas são medidas necessárias por um espaço de tempo
ao seu projeto político de emancipação de raça e de classe – determinado para que o abismo social, produzido ao longo de
perspectivas indissociáveis. Nas palavras de Florestan séculos, seja gradualmente minimizado.
Fernandes: Segundo Lilian Schwarcz, o Brasil seria palco de um tipo
específico de racismo. Diferentemente do racismo explícito
“[...] a convicção de que as relações entre ‘negros’ e ‘brancos’ praticado nos EUA por instituições da sociedade civil, como a
corresponderiam aos requisitos de uma democracia racial Ku Klux Klan, e também pelas leis de segregação, como as
não passa de um mito”. chamadas de Jim Crow, em vigor até a década de 1960, o
FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. 3. ed. São racismo no Brasil esteve majoritariamente disfarçado nas
Paulo: Ática, 1978. p. 262.
práticas sociais sob o véu de uma falsa “democracia racial”.
Com isso teríamos um racismo à brasileira, que não se
proclama explicitamente, mas que está presente nas diferenças
Pouco depois, o historiador estadunidense radicado no Brasil, de oportunidades de emprego, na reprodução da pobreza, na
Thomas Skidmore, publicou o livro Preto no Branco: raça e discriminação, na desigualdade de acesso à justiça, no
nacionalidade no pensamento Brasileiro (1976), no qual tratamento diferenciado nas abordagens policiais.
interpreta a persistência do racismo e da escravidão em formas Enfi m, ainda que o brasileiro não se declare racista, nossa
modernas. Por exemplo, a empregada doméstica (quase sempre confi guração de sociedade admite a manutenção de práticas
negra, da periferia, com baixa escolaridade e em posição de racistas em várias instâncias da vida civil e da vida pública.
subalternidade demarcada pelos uniformes que explicitam seu No entanto, vários episódios recentes mostram que o racismo
lugar de inferioridade social) seria uma forma moderna da ama “latente” por vezes se manifesta de forma explícita.
de leite, a escrava antes incumbida de cuidar da casa do patrão No futebol, os vários casos de racismo, como os gritos de
branco. torcedores do Grêmio contra o goleiro Aranha do Santos, em
Na década de 1940, começam a efervescer vários movimentos Porto Alegre, no ano de 2014, mostram que a discriminação
negros no Brasil e no mundo – exemplo disso é a criação do racial encontra-se naturalizada e ainda é um componente
Teatro Experimental do Negro, de Abdias do Nascimento – que comum da vida social. Por isso, uma das bandeiras dos
preconizavam as lutas sociais que vão se desencadear na movimentos negros é a da intensifi cação da punição contra
década de 1960. Nessa década, considerada o auge das lutas crimes raciais. Embora a legislação brasileira já possua
identitárias no mundo como um todo, destacam-se os instrumentos para punir com severidade, como é o caso da Lei
movimentos negros dos EUA, tendo como expoentes Malcolm nº 7.716, em vigor desde 1989, poucos foram os casos de
X e os Panteras Negras e Martin Luther King e suas racismo julgados a partir dela, tendo sido, em sua maioria,
bandeiras que, além de lutarem contra o racismo e contra a revertidos para o artigo 140 do Código Penal (Injúria), que
violência praticada, exigiam igualdade política. prevê penas muito mais brandas.
Durante a Ditadura Militar, de 1964 a 1985, os movimentos
sociais, no Brasil, foram abafados, mas, com a
redemocratização, na década de 1980, ganharam novo fôlego e Questão de gênero
passaram a pressionar o Estado por igualdade de direitos e O termo gênero implica diretamente dois temas: a questão
maior visibilidade para problemas sociais que haviam ficado feminista e a questão da homossexualidade. Essas duas
em segundo plano. Experiências com políticas de ações questões estão intimamente associadas e se desenvolvem à
afirmativas, cuja pretensão é criar mecanismos sociais para medida que a discussão sobre a noção de gênero se constitui de
diminuir as diferenças historicamente produzidas entre forma mais aprofundada. A origem dessa discussão se dá com
brancos, negros e outros setores menos favorecidos, tornaram- o surgimento do feminismo, que é geralmente dividido em três
se mais frequentes a partir de iniciativas nascidas nos Estados fases históricas, marcadas pela predominância de certas
Unidos. concepções fi losófi cas, biológicas e sociais sobre o gênero.
34
SOCIOLOGIA
Como resultado dos estudos aprofundados sobre o tema, um debate mais aprofundado sobre as questões de gênero e
compreende-se que a sexualidade humana não está restrita nem sexualidade, com disciplinas obrigatórias que tratem do tema.
é determinada pela genética ou pela anatomia genital, o que É fundamental também que se desconstruam as resistências
não significa afirmar que a sexualidade seja escolhida de forma para se falar da diversidade sexual e das diferenças, bem como
livre, espontânea e consciente pelo indivíduo. Por isso, não se das desigualdades persistentes e estruturais em nossa sociedade
deve falar em “opção sexual”, mas sim em orientação sexual, que são, sim, produtoras das violências”, disse.
sabendo-se que a formação do desejo é um processo Plano Municipal de Educação
psicossocial complexo que envolve múltiplos fatores, mas que O tema da educação para a diversidade foi bastante debatido no
não está sob controle do indivíduo. ano passado durante a formulação dos Planos Municipais de
Um dos desafios assumidos pela terceira onda do feminismo é Educação (PME), projeto que tem o objetivo de nortear o
a da discussão sobre o sexismo /machismo presente na planejamento da educação para a cidade nos próximos 10 anos.
linguagem comum. A língua seria a principal instituição social Na capital paulista, após muitas discussões e protestos
a materializar relações de poder, porque a cultura influencia na favoráveis e contrários, o projeto de lei que trata do PME foi
configuração da língua (tanto do ponto de vista sintático quanto aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo, em agosto de
semântico), e, num círculo, a linguagem influencia o 2015, mas o texto não incluiu questões de gênero e
desenvolvimento da cultura. sexualidade.
O fato de não existir gênero neutro na Língua Portuguesa, mas Na época, o vereador Ricardo Nunes se referiu ao assunto
somente dois – masculino e feminino –, já é sintoma de uma como “ideologia de gênero” e justificou a retirada do tema do
determinada concepção acerca da sexualidade humana, PME com referências a Deus e à religiosidade. Ele acredita que
cisgênero. a educação relacionada à sexualidade cabe à família.
A preponderância do masculino sobre o feminino na linguagem Já a vereadora Juliana Cardoso ressaltou os diferentes modelos
(na formação do plural, por exemplo) evidencia o machismo de família que existem hoje. Algumas têm mulheres como
implícito na cultura e reforça seus valores sexistas, uma vez chefes de família, pais homossexuais ou heterossexuais,
que a linguagem comum “naturaliza” o costume, passando a somente pai ou somente a mãe, avós como referência materna e
impressão aos falantes de que as palavras são um espelho da paterna, entre outros casos. “Essas famílias precisam ser
realidade e vice-versa. Uma tentativa que tem sido explorada é visibilizadas na escola, porque refletem a realidade brasileira”,
a de criar um gênero neutro, que evite a dicotomia masculino / disse na ocasião.
feminino. Por exemplo, “alun@s” ou “alunxs” para escapar ao Ela elencou ainda algumas mentiras, que estariam sendo
determinismo linguístico. disseminadas sobre a inclusão de gênero no PME, e disse que
a exclusão de banheiros separados, os professores ensinando os
Pesquisa mostra que discriminação contra alunos a serem transexuais e a destruição da família não
homossexuais está presente em escolas correspondem à realidade: “queremos discutir gênero nas
Pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Carlos escolas para garantir respeito à diversidade.” [...]
(UFSCar), no interior de São Paulo, mostrou que 32% dos BOEHM, Camila. EBC – Agência Brasil. Disponível em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-03/pesquisa-mostra-
homossexuais entrevistados afirmaram sofrer preconceito que-discriminacao-contra-homossexuaisesta-presente-em>. Acesso em: 03 set.
dentro das salas de aula e também que os educadores ainda não 2018.
sabem reagir apropriadamente diante das agressões, que podem
ser físicas ou verbais, no ambiente escolar. Cotas: 10 anos de inclusão nas universidades públicas
Os dados, segundo os pesquisadores, convergem com aqueles brasileiras
apresentados em pesquisa do Ministério da Educação que Em audiência pública com mais de três horas de duração, nesta
ouviu 8.283 estudantes na faixa etária de 15 a 29 anos, no ano segunda-feira (19), senadores, militantes e especialistas
letivo de 2013, em todo o país, e constatou que 20% dos alunos debateram os dez anos de existência do sistema de cotas raciais
não quer colega de classe homossexual ou transexual. para ingresso em universidades públicas brasileiras. A
A professora do Departamento de Ciências Humanas e conclusão dos participantes dessa reunião da Comissão de
Educação (DCHE) da Ufscar, que é uma das autoras do estudo, Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) foi
Viviane Melo de Mendonça, afirma que o entendimento desse unânime: depois de uma década, a ação afirmativa mostrou ser
cenário e a busca por estratégias capazes de revertê-lo não são bem-sucedida ao promover significativa e relevante inclusão da
questões do movimento LGBT, mas sim uma questão da população negra brasileira no ensino superior público.
educação que deve ser defendida e compreendida por todos os Para os participantes, as ações afirmativas são um instrumento
educadores. [...] legítimo para a busca da “igualdade material” preconizada pela
Segundo ela, este e outros estudos de gênero e sexualidade Constituição de 1988. Eles também argumentaram a favor de
“contribuem para levantar questões e pensar em ações na programas como o Prouni e o Fies, que, na opinião deles,
escola em uma perspectiva da educação para diversidade e, proporcionam o acesso ao ensino superior a parcelas
desse modo, para uma educação que combata a discriminação e populacionais que historicamente ficaram de fora das
preconceitos, as violências de gênero, violência contra mulher universidades. [...]
e a violência homo, lesbo e transfóbica”. Para a pesquisadora, a Primeiro a falar, o diretor-executivo da organização não
escola tem que ser um espaço aberto à reflexão e de governamental Educafro, frei David Santos, explicou que o
acolhimento aos alunos em sua individualidade e liberdade de sistema de cotas raciais é apenas um dos tipos de ações
expressão. Para a promoção da diversidade e dos direitos afirmativas atualmente em uso no Brasil.
humanos nas escolas, de acordo com a pesquisadora, é Salientou que existem no país sistemas específicos para
necessária a formação de educadores para a questão. “É ingresso no ensino superior para estudantes de escolas
necessário que a formação de professoras e professores tenham públicas, negros, indígenas, pessoas com deficiência,
36
SOCIOLOGIA
Na letra da canção, o compositor estabelece vínculos entre D) Estudos sobre civilização e cultura não interessam à
diferentes temporalidades. Sociologia, por ser uma disciplina acadêmica vinculada
Esses vínculos explicitam uma relação de causalidade entre os apenas aos problemas de gestão do aparato estatal.
seguintes elementos:
A) processo histórico e estrutura social 04. (Unesp 2015) A decisão de uma prefeitura nos arredores
B) origem geográfica e violência urbana de Paris de distribuir mochilas escolares azuis para os meninos
C) doutrina religiosa e fundamentação ideológica e rosa para meninas provocou polêmica na França. Nas bolsas
D) movimento pendular e segregação residencial distribuídas pela prefeitura de Puteaux, há também um kit para
construir robôs, para os meninos, e miçangas para fazer
02. (Uerj 2020) APÓS 70 ANOS, SIMONE DE BEAUVOIR bijuterias, para as meninas. A distinção causou polêmica no
AINDA MOSTRA CAMINHO DA LIBERDADE momento em que o governo implementa na rede educacional
FEMININA um programa para promover a igualdade entre homens e
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. A célebre frase que mulheres e lutar contra os estereótipos.
abre o segundo volume de O segundo sexo, de 1949, sintetiza (“Distribuição de mochilas escolares azuis e rosas causa polêmica na França”.
www.bbc.co.uk. Adaptado.)
as teses apresentadas por Simone de Beauvoir nas mais de 900
páginas de um estudo fascinante sobre a condição feminina. A polêmica citada pela reportagem envolve pressupostos sobre
Beauvoir admite que as diferenças biológicas desempenham a sexualidade que podem ser definidos pela oposição entre
algum papel na construção da inferioridade feminina, mas fatores
defende que a importância social dada a essas diferenças é A) comunitários e individuais.
muito mais determinante para a opressão. Ser mulher não é B) metafísicos e empiristas.
nascer com determinado sexo, mas, principalmente, ser C) teológicos e materiais.
classificada de uma forma negativa pela sociedade. É ser D) antropocêntricos e teocêntricos.
educada, desde o nascimento, a ser frágil, passiva, dependente, E) biológicos e sociais.
apagada, delicada, discreta, submissa e invisível.
MIRIAN GOLDENBERG Adaptado de www1.folha.uol.com.br, 10/03/2019. 05. (Uerj 2019)
As reflexões de Simone de Beauvoir na obra O segundo sexo
continuam presentes nos debates atuais referentes ao
feminismo e às condições de vida das mulheres, em diversas
sociedades.
De acordo com o texto de Mirian Goldenberg, a abordagem
realizada por Simone de Beauvoir valoriza princípios do
seguinte tipo:
A) étnico-raciais
B) político-religiosos
C) histórico-culturais
D) econômico-científicos
com o senso comum e estabelece uma fronteira entre o C) o bullying é um fenômeno restrito ao universo escolar e
pensamento formal e o senso comum, é correto afirmar que possui pouca relação com a banalização da violência
A) a Sociologia se distingue do senso comum por fazer existente nos dias atuais.
afirmações corroboradas por evidências não verificáveis, D) a violência é instintiva, podendo ser considerada como um
baseadas em ideias não previstas e não testadas. mecanismo de autodefesa do indivíduo utilizado nos
B) o pensar sociologicamente caracteriza-se pela descrença na momentos em que este se encontra inseguro ou coagido.
ciência e pouca fidedignidade de seus argumentos. O senso E) a violência não se restringe à agressão física. Como observa
comum, ao contrário, evita explicações imediatas ao Pierre Bourdieu, existem práticas de violência simbólica
conservar o rigor científico dos fenômenos sociais. presentes no cotidiano e que são caracterizadas pela
C) pensar sociologicamente é não ultrapassar o nível de nossas tentativa de imposição de valores, costumes e padrões de
preocupações diárias e expressões cotidianas, enquanto o comportamento de um grupo a outro.
senso comum preocupa-se com a historicidade dos
fenômenos sociais. 09. (Uel 2017) No pensamento sociológico clássico e
D) o pensamento sociológico se distingue do senso comum na contemporâneo, as dimensões igualdade, diferença e
explicação de alguns eventos e circunstâncias, ou seja, diversidade assumem importância para estudos relacionados à
enquanto o senso comum se preocupa em analisar e cruzar questão das desigualdades sociais.
diversos conhecimentos, a Sociologia se preocupa apenas Com base nos conhecimentos sobre as perspectivas
com as visões particulares do mundo. sociológicas que explicam a desigualdade social, no cotidiano
E) um dos papéis centrais desempenhados pela Sociologia é a das sociedades capitalistas, assinale a alternativa correta.
desnaturalização das concepções ou explicações dos A) A sociologia weberiana, quando analisa as modernas
fenômenos sociais, conservando o rigor original exigido no sociedades ocidentais, demonstra que os fatores econômicos
campo científico. e os antagonismos entre as classes determinam as
hierarquias de poder e os tipos de dominação.
07. (Uerj 2019) A origem operária do 8 de março B) As análises de Marx defendem a ideia de que as mudanças
Para muitos, o 8 de março é apenas um dia para dar flores e mais recentes na ordem mundial capitalista alteraram a
fazer homenagens às mulheres. Mas, diferentemente de outras preeminência das classes na explicação das assimetrias
datas comemorativas, esta não foi criada pelo comércio. sociais e diversidades culturais.
Oficializado pela Organização das Nações Unidas em 1975, o C) Na sociologia de Bourdieu, os fatores econômicos,
chamado Dia Internacional da Mulher era celebrado muito simbólicos e culturais, a exemplo da renda, do prestígio e
tempo antes, desde o início do século XX. E se hoje a data é dos saberes, incorporados pelos agentes em seu cotidiano e
lembrada como um pedido de igualdade de gênero e com em sua trajetória de vida, são responsáveis pela
protestos ao redor do mundo, no passado nasceu diferenciação de posições nos campos sociais.
principalmente de uma raiz trabalhista. Foram as mulheres das D) No pensamento funcionalista, a origem da desigualdade
fábricas nos Estados Unidos e em alguns países da Europa que social encontra-se nas contradições econômicas e políticas
começaram uma campanha dentro do movimento socialista entre os agrupamentos, que mantêm relações uns com os
para reivindicar seus direitos – as condições de trabalho delas outros para produzir e reproduzir a estrutura social.
eram ainda piores do que as dos homens à época. E) Para os pensadores críticos do neoliberalismo, a mobilidade
Adaptado de bbc.com. dos indivíduos de um estrato social para outro, no Brasil, é
Com base na reportagem, a criação do Dia Internacional da acompanhada igualmente por mudanças na estrutura de
Mulher tem origem nas manifestações sociais em defesa de: classes sociais, na medida em que pobres e ricos se
A) ampliação da cidadania aproximam.
B) expansão da liberdade
C) promoção da diversidade 10. (Unesp 2015) Texto 1
D) valorização da pluralidade O livro Cultura do narcisismo, escrito por Christopher Lasch
em 1979, é um clássico. O texto de Lasch mostra como o que
08. (Unioeste 2012) Segundo Cristina Costa, “chamamos de era diagnosticado como patologia narcísica ou limítrofe nos
violência à agressão premeditada sistemática e por vezes anos 50 torna-se uma espécie de “normalidade compulsória”
mortal de um indivíduo ou um grupo sobre outro”. Sobre o depois de duas décadas. Para que alguém seja considerado
fenômeno da violência, é correto afirmar que “bem-sucedido”, é trivialmente esperado que manipule sua
A) o desenvolvimento da indústria e a expansão dos padrões de própria imagem como se fosse um personagem, com a
vida e de acumulação existentes no modo de produção consequente perda do sentimento de autenticidade.
capitalista não possuem nenhuma relação com a ampliação DUNKER, Christian. “A cultura da indiferença”. www.mentecerebro.com.br.
dos níveis de violência visualizados no mundo Adaptado.
contemporâneo. Texto 2
B) a única maneira de controlar a explosão de violência Zigmunt Bauman: Afastar-se da percepção de mundo
vivenciada na contemporaneidade é ampliação dos consumista e do tipo de atitude individualista contra o mundo e
mecanismos de defesa existentes na sociedade. Assim, o as pessoas não é uma questão a ponderar, mas uma obrigação
aumento do policiamento e dos estabelecimentos penais determinada pelos limites de sustentabilidade desse modelo da
representa o único caminho de superação das dificuldades vida que pressupõe a infinidade de crescimento econômico.
encontradas. Segundo esse modelo, a felicidade está obrigatoriamente
vinculada ao acesso a lojas e ao consumo exacerbado.
“Lojas são alívio a curto prazo, diz o sociólogo Zigmunt Bauman”.
www.mentecerebro.com.br. Adaptado.
39
SOCIOLOGIA
O CONCEITO DE PODER
O tema deste capítulo é o estudo do Estado, da Democracia
e da sociedade civil, por isso iniciaremos nosso percurso pela
definição do que é poder, tratando, também, de sua influência
nas relações sociais, especialmente naquelas de cunho político.
Nesse sentido, tem poder quem (podemos nos referir a pessoas,
grupos sociais, objetos ou fenômenos naturais) possui a
capacidade ou a possibilidade de agir e, por meio de sua ação,
produzir efeitos.
Porém, conhecer o significado de poder em termos sociais,
além do fato de nos remeter à capacidade de ação, auxilia-nos a
compreender a competência que certos indivíduos ou grupos
possuem para determinar o comportamento de outros
indivíduos. Assim, a noção de poder social nos faz pensar que
os sujeitos não são apenas portadores da capacidade de agir,
mas, também, sofrem a ação decorrente dessa capacidade.
Nesse sentido, o poder é um fenômeno que se manifesta de
forma relacional, ou seja, para que exista uma relação de poder,
temos de ter, de um lado, indivíduos ou grupos que exercem o
domínio, e, do outro, grupos ou indivíduos que recebem esse
O anúncio publicitário da década de 1940 reforça os seguintes domínio ou são induzidos a se comportar de acordo com a
estereótipos atribuídos historicamente a uma suposta natureza vontade daqueles que desempenham papéis de dominação.
feminina: Logo, o poder não é algo que se possui como se fosse um
A)Pudor inato e instinto maternal. objeto, mas um fenômeno que ocorre e se estabelece dentro das
B)Fragilidade física e necessidade de aceitação. relações sociais.
C)Isolamento social e procura de autoconhecimento. Outro aspecto de suma importância para compreendermos
D)Dependência econômica e desejo de ostentação. as relações de poder é atentarmos para o contexto em que estas
E)Mentalidade fútil e conduta hedonista. são estabelecidas, pois, em cada esfera social, o poder se
manifesta de uma maneira distinta. O poder de um chefe de
12. (Enem 2019) Em sentido geral e fundamental, Direito é a família, do gerente de algum setor comercial ou de um
técnica da coexistência humana, isto é, a técnica voltada a professor, por exemplo, só faz sentido dentro de um contexto
tornar possível a coexistência dos homens. Como técnica, o específico.
Direito se concretiza em um conjunto de regras (que, nesse O filósofo Michel Foucault (1926-1984) foi muito
caso, são leis ou normais); e tais regras têm por objeto o importante por demonstrar como o poder macropolítico
comportamento intersubjetivo, isto é, o comportamento (configurado no Estado) se ramifica e é exercido em dimensões
recíproco dos homens entre si. menores, cotidianas, aparentemente inofensivas. É o que ele
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. chama de microfísica do poder. Mesmo ações diárias que
O sentido geral e fundamental do Direito, conforme foi aparentemente são destituídas de qualquer conotação política,
destacado, refere-se à acabam por reforçar no nível micro as relações de dominação
A) aplicação de códigos legais. encontradas no nível macro, reatualizando as estruturas de
B) regulação do convívio social. controle sobre os indivíduos.
C) legitimação de decisões políticas. Neste capítulo, o tipo de poder que nos interessa em nossos
D) mediação de conflitos econômicos. estudos é o poder político e, portanto, cabe a nós compreender
E) representação da autoridade constituída. quais são as bases sociais em que se fundaram o poder dos
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SOCIOLOGIA
Estados e como o advento deste propiciou o surgimento da modernas. Durante o processo de constituição dos Estados
sociedade civil. Nacionais, as teorias mais influentes sobre a origem do Estado
Podemos considerar o Estado como uma instituição que foram aquelas do chamado contrato social.
detém o domínio sobre uma determinada comunidade política e Entre os principais pensadores contratualistas, podemos
um território específico, por meio do uso legítimo da violência citar Hobbes, Locke e Rousseau, que entendiam as sociedades
e da coerção. Mas, para que a relação de dominação seja, de humanas a partir da dicotomia estado de natureza versus estado
fato, estabelecida, é necessário que os indivíduos reconheçam o de sociedade. Olhando-se por esse prisma, temos, de um lado, a
poder do Estado. Nesse sentido, a principal formulação oposição de um modo de vida em que os indivíduos são
sociológica a respeito do poder e de sua legitimidade foi governados por seus instintos em busca da satisfação de suas
proposta por Max Weber (1864-1920). Para Weber, ao longo necessidades, e, do outro, um modo de vida em que os sujeitos,
da história, a legitimidade e o reconhecimento do poder por por meio de um “contrato”, abrem mão de suas liberdades para
parte dos indivíduos se basearam em três tipos específicos: o serem protegidos pelo Estado.
poder tradicional, que era aquele exercido pelos senhores Desse modo, a figura do Estado como regulador da vida
feudais, calcado nos costumes e nas tradições das sociedades social não foi a única preocupação dos contratualistas, que
do período medieval; o poder carismático, que designa o também refletiram a respeito da constituição da chamada
papel de dominação àqueles que possuem dons específicos e sociedade civil. De acordo com tal corrente, o surgimento do
extraordinários, conferindo a tais indivíduos uma aura Estado implica a separação entre o Estado e a sociedade, uma
messiânica; e, por fim, o poder racional-legal, que é vez que passam a coexistir duas esferas sociais: a esfera
característico dos Estados Modernos, por ser pautado em um política e a esfera civil. A primeira é formada pelas instituições
estatuto legal, fundado em regras racionalmente estabelecidas, estatais que garantem seu poder soberano. Já a sociedade civil
o que leva os indivíduos a obedecerem a tais normas. seria o fundamento da vida social.
Em função de ter o seu poder fundado na lei, o Estado Uma visão completamente distinta daquela proposta pelos
assume, na modernidade, a concepção de instituição política contratualistas é a noção de sociedade civil em G. Hegel
fundamental. Para Max Weber, são duas as principais (1770-1831). Se, para os contratualistas, o Estado é fruto de um
características dos Estados Modernos: a territorialidade e o consenso entre os indivíduos, para Hegel, o Estado é o
monopólio da violência legítima. resultado do alto grau de racionalidade atingido pelo ser
humano. Assim, o Estado é o instrumento máximo de coesão
[…] a violência não é o único instrumento de que se vale o
social, por meio do qual os indivíduos adquirem a possibilidade
Estado – não se tenha a respeito qualquer dúvida –, mas é o
de constituir uma sociedade política que, por sua vez, é um
seu instrumento específico. Na atualidade, a relação entre o
estágio de agrupamento social superior à sociedade civil.
Estado e a violência é particularmente íntima. […] nos dias de
Como pudemos notar até o momento, a noção de sociedade
hoje devemos conceber o Estado contemporâneo como uma
civil surgiu com a modernidade europeia. Na Grécia Antiga,
comunidade humana que, dentro dos limites de determinado
por exemplo, a pólis era, ao mesmo tempo, uma comunidade
território, reivindica o monopólio do uso legítimo da violência
civil e política. O grande vetor de transformações sociais a
física.
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. Tradução de Jean Melville. partir da modernidade europeia foi o desenvolvimento do
São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 60. capitalismo, em especial o estabelecimento do mercado como
um novo espaço para a interação social. O mercado de bens
Desde a Antiguidade, com a formação dos Impérios, o colocava os indivíduos em várias redes de interação,
Estado se apresenta como uma instituição que demonstra a dinamizando as relações entre eles, sendo estas coordenadas
maneira pela qual a distribuição do poder dentro de uma por leis unificadas pelos Estados Nacionais.
comunidade política acontece. No entanto, não se pode negar Assim, o dinamismo conferido pelo mercado se explicava
que, a partir do Iluminismo, o Estado, além de ser uma pelo fato de que a vida social deixava de ter como único
evidência histórica, passou a ser considerado como um fundamento os desígnios dos governantes, fossem eles chefes
resultado da racionalidade humana em controlar os meios de de um clã, príncipes, reis, entre outras autoridades políticas.
distribuição do poder no seio de determinada sociedade. Por Além do desenvolvimento da sociedade civil, o capitalismo
esse motivo, o Estado passou a fazer parte das reflexões também foi importante para a consolidação do Estado-nação,
filosóficas, especialmente entre os chamados filósofos conforme veremos ainda neste capítulo.
contratualistas, que buscavam compreender os fundamentos
do poder do Estado. A FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS
Consolidado o modo de produção capitalista, a figura do
Estado se modificou, uma vez que novas esferas sociais, como No processo de transição entre a Idade Média, marcada
a Nação e a sociedade civil, passaram a controlar a atividade do pelo modo de produção feudal, para a Era Moderna, marcada
Estado com o fim do Estado Absolutista. No que se refere a tal pelo desenvolvimento e consolidação do sistema capitalista,
contexto, a seguir, estudaremos mais detidamente o percurso temos o surgimento da primeira forma de Estado Moderno, que
histórico das transformações que permearam a relação entre é o Estado Absolutista. O Estado Absolutista surge, então,
Estado e sociedade civil. como um contraponto à fragmentação política do Período
Medieval, em que cada feudo tinha seu próprio governo. Nesse
O CONTRATO SOCIAL E A CONSTRUÇÃO DA formato de Estado, o poder se concentrava nas mãos de um
SOCIEDADE CIVIL monarca, que o exercia sem o controle de nenhuma outra esfera
de poder.
A gênese dos Estados Nacionais se deu com a crise do Assim sendo, no início do desenvolvimento capitalista, não
feudalismo durante o século XVI, e, desde então, vários apenas as relações feudais de trabalho coexistiam com o
pensadores se dedicaram a refletir sobre a legitimidade dessa trabalho assalariado ainda incipiente, como também o Estado
instituição que surgiu para regular politicamente as sociedades
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SOCIOLOGIA
Absolutista ainda contava com um segmento social dirigente especializadas, isto é, a formação de Estados no sentido
que se constituiu no modo de produção feudal. Logo, também ocidental da palavra, através dos quais a vida do indivíduo
no âmbito do Estado, era possível enxergar a dualidade entre ganhou, aos poucos, maior “segurança”. O aumento da
estruturas feudais e modernas, uma vez que, ainda que fosse divisão de funções, porém, colocou também maior número de
comandado por dirigentes provenientes do Período Feudal, o pessoas, e áreas habitadas sempre maiores, em dependência
Estado Absolutista já apresentava algumas características recíproca, exigiu e instilou maior contenção no indivíduo,
típicas de um Estado Moderno. Sobre esse processo, podemos controle mais rigoroso de suas paixões e conduta, e
dizer que: determinou uma regulação mais estrita das emoções e – a
partir de determinado estágio – um autocontrole ainda maior.
As monarquias absolutas introduziram exércitos regulares, ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Formação do Estado e da Civilização.
uma burocracia permanente, o sistema tributário nacional, a Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993, p. 256.
codificação do direito e os primórdios de um mercado
unificado. Todas estas características parecem ser Max Weber também identificou na racionalização uma
eminentemente capitalistas. Uma vez que elas coincidem com o característica do processo de modernização do Ocidente e,
desaparecimento da servidão, [...] a propriedade agrária consequentemente, um elemento importante na formação dos
aristocrática impedia um mercado livre na terra e a Estados Modernos. O Estado Moderno passou, então, a se
mobilidade efetiva do elemento humano – em outras palavras, pautar e ser regulado por leis, e a funcionar com o auxílio de
enquanto o trabalho não foi separado de suas condições um aparato de funcionários especializados, como militares,
sociais de existência para se transformar em “força de políticos e servidores, o que Weber definiu como burocracia.
trabalho” –, as relações de produção rural permaneciam Sendo assim, o Estado Moderno é, ao mesmo tempo, uma
feudais. Com a comutação generalizada das obrigações, instituição organizacional que legisla e tributa os membros de
transformadas em rendas monetárias, a unidade celular de uma sociedade e uma instituição normativa, pois também é o
opressão política e econômica do campesinato foi gravemente próprio ordenamento jurídico que garante as leis que cria.
debilitada e ameaçada a dissolução (o final desse processo foi Além dos aspectos sociais e políticos, é importante nos
o “trabalho livre” e o “contrato salarial”). O poder de classe atentarmos para os aspectos culturais que contribuíram para a
dos senhores feudais estava assim diretamente em risco com o formação dos Estados Nacionais. O Estado Moderno, inclusive
desaparecimento gradual da servidão. O resultado disso foi o absolutista, apresenta-se como uma construção artificial, em
um deslocamento da coerção político-legal no sentido que um povo, unido por um sistema cultural em comum e
ascendente, de uma cúpula centralizada e militarizada – o ocupando um determinado território, organiza-se para legitimar
Estado Absolutista. um centro de poder que rege a vida social. A reunião desses
ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. 3. ed. 1ª reimpressão. elementos deu origem ao Estado-nação.
São Paulo: Brasiliense. 1998, p. 17-19. Por Estado-nação, devemos entender que se trata de uma
unidade político-territorial, na qual os membros compartilham
O período de transição entre o feudalismo e o capitalismo
uma história comum, organizada politicamente para a
não foi importante apenas em termos políticos com a
realização de objetivos, como a manutenção interna da ordem,
centralização do poder nas mãos do Estado Absolutista. De
segurança em relação a perigos externos, busca pelo
acordo com o sociólogo alemão Norbert Elias, no aspecto
desenvolvimento econômico, autonomia nacional, entre outros.
social, a formação dos Estados Nacionais foi importante por
Os Estados-nação são, portanto, organizações políticas típicas
desencadear um processo civilizador que mudou por completo
do sistema capitalista.
os modos e os costumes das pessoas durante esse período. Com
A consolidação do sistema capitalista foi importante para o
a ascensão econômica da burguesia, os membros dessa classe
desenvolvimento dos Estados-nação, uma vez que, a partir do
passaram a comprar títulos nobiliárquicos em busca do
momento em que os territórios europeus passaram a ser
prestígio social. Desse modo, burguesia e nobreza passaram a
delimitados por fronteiras fixas, os Estados, na condição de
ter um convívio social mais próximo, fazendo com que aqueles
organizações burocráticas e sistemas normativo-jurídicos,
incorporassem uma série de preceitos e costumes considerados
puderam implementar políticas que favorecessem o
refinados para se equipararem, em termos de prestígio social,
crescimento das burguesias industriais por meio do avanço
aos nobres.
tecnológico, além de tal definição territorial ter contribuído
Esse controle das condutas comportamentais aos poucos foi
para a criação de um mercado consumidor interno.
sendo disseminado pelo tecido social, se transformando em
O Estado Absolutista e o Estado-nação possuem diferenças
estruturas psicológicas que moldavam o comportamento dos
que são importantes salientarmos em termos sociológicos.
indivíduos, evitando as pulsões individuais e reprimindo
Enquanto o Estado Absolutista se preocupava primordialmente
comportamentos que eram considerados inadequados. Portanto,
em cobrar impostos para a sua manutenção, não desenvolvendo
para Elias, juntamente com a centralização do poder estatal, o
políticas específicas de integração econômica e cultural, a
controle sobre os princípios de conduta individual foi algo que
questão fundamental para os Estados-nação seria o seu papel
também não escapou ao processo de racionalização que marca
na competição internacional, não apenas no quesito econômico,
o mundo moderno.
mas também no contexto militar, mediante o aumento de seu
Com a divisão de funções, aumentou a produtividade do poderio em outros territórios.
trabalho. A maior produtividade era precondição para a Por esse motivo, a busca por uma unificação cultural em
elevação dos padrões de vida de classes que cresciam em seus territórios é uma característica importante dos Estados-
número; com a divisão de funções, acentuou-se a dependência nação. Essa busca se dá, por exemplo, por meio da adoção de
das classes superiores; e só num estágio muito adiantado uma língua comum, bem como de uma educação que garanta a
dessa divisão de funções que, finalmente, tornou-se possível a expansão de um universo simbólico partilhado por toda a
formação de monopólios mais estáveis de força física e população.
tributação, dotados de administrações altamente
42
SOCIOLOGIA
Além disso, o desenvolvimento do sistema capitalista Ao fim das revoluções liberais, em especial a Revolução
passou a exigir dos governos uma maior condução do Francesa e a Revolução Gloriosa, que ocorreram em solo
desenvolvimento econômico por meio de políticas que europeu, a temática da liberdade se tornou um importante ideal
estimulassem tal desenvolvimento, como a estabilidade de político das sociedades europeias a partir do século XVIII. O
preços em um mercado específico e políticas industriais que ideal de liberdade se adequava ao pensamento burguês da
favorecessem as empresas nacionais. Assim, o Estado época, uma vez que o prestígio social dessa classe se pautava
Absolutista foi, aos poucos, dando espaço para outra forma de no acúmulo material proporcionado pelo sucesso no comércio e
Estado, o Estado Liberal. no âmbito industrial, por meio da iniciativa individual dessa
classe emergente. Logo, o ideário de liberdade e igualdade
AS CULTURAS NACIONAIS COMO COMUNIDADES
dizia mais sobre os interesses da burguesia do que
IMAGINADAS
propriamente da sociedade de modo geral.
No mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se
Por esse motivo, o Estado Liberal recebeu fortes críticas de
constituem em uma das principais fontes de identidade cultural.
Karl Marx. Para Marx, o Estado Liberal nada mais é do que a
Ao nos definirmos, algumas vezes dizemos que somos ingleses
expressão de um estado burguês, tendo como principal ideal a
ou galeses ou indianos ou jamaicanos. Obviamente, ao fazer
manutenção dos privilégios dessa classe. Segundo Marx, as
isso estamos falando de forma metafórica. Essas identidades
normas jurídicas, bem como as forças militares empregadas
não estão literalmente impressas em nossos genes. Entretanto,
para manter a ordem social, somente existem para garantir o
nós efetivamente pensamos nelas como se fossem parte de
domínio burguês na sociedade.
nossa natureza essencial.
O Estado Liberal que se formou no contexto capitalista é a
[...]
expressão das relações entre dominantes e dominados, que se
As culturas nacionais são uma forma distintivamente moderna.
estabelece nas interações sociais e, na concepção marxiana, nas
A lealdade e a identificação que, numa era pré-moderna ou em
econômicas. Por esse motivo, ao contrário dos contratualistas,
sociedades mais tradicionais, eram dadas à tribo, ao povo, à
Marx não considera a sociedade civil como uma esfera
religião e à região, foram transferidas, gradualmente, nas
separada do Estado, visto que toda a formação do Estado é
sociedades ocidentais, à cultura nacional.
reflexo da luta de classes que se dá no âmbito da sociedade.
[...]
Logo, de acordo com Marx, o Estado não representa uma
A formação de uma cultura nacional contribuiu para criar
instituição social que se sobrepõe e supera a sociedade civil, ao
padrões de alfabetização universais, generalizou uma única
contrário, o Estado Liberal é um reflexo das relações sociais
língua vernácula como o meio dominante de comunicação em
estabelecidas na sociedade civil. Na concepção do filósofo,
toda a Nação, criou uma cultura homogênea e manteve
pensar que o Estado seria uma instituição social, com uma
instituições culturais nacionais, como, por exemplo, um
lógica interna própria de funcionamento, tal qual pensavam os
sistema educacional nacional. Dessa e de outras formas, a
filósofos contratualistas, contribuiria para esconder os
cultura nacional se tornou uma característica-chave da
mecanismos da dominação social.
industrialização e um dispositivo da modernidade.
STUART, Hall. As culturas nacionais como comunidades imaginadas. In: A Desse modo, o que a postura liberal entende como algo
identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&A Editora, 2003. p. natural do ser humano acaba por ignorar a construção histórica
47-48. das desigualdades, as quais ficam cada vez mais explícitas com
o desenvolvimento e a consolidação do sistema capitalista.
A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO LIBERAL Porém, novas formas de compreender a sociedade civil já
O embate entre burguesia e aristocracia na busca pelo poder foram propostas, tentando, justamente, adequar melhor os
político rendeu ao mundo três revoluções que ficaram conceitos apresentados por Hegel, Marx e também pelos
conhecidas como revoluções liberais. A Revolução Gloriosa na contratualistas.
Inglaterra (1688), a Revolução Americana nos Estados Unidos A forma de intercâmbio, condicionada pelas forças de
(1776) e a Revolução Francesa (1789) tinham em comum a luta produção existentes em todas as fases históricas anteriores e
para que o Estado garantisse os direitos individuais dos que, por sua vez, as condiciona, é a sociedade civil [...]. A
cidadãos, o que significava a limitação do poder estatal. sociedade civil abrange todo intercâmbio material dos
Assim, o Estado Liberal surge com o declínio do modelo indivíduos, no interior de uma fase determinada de
absolutista de Estado, tendo como características fundamentais desenvolvimento das forças produtivas. Abrange toda a vida
a consolidação dos direitos civis e políticos. Esse processo de comercial e industrial de uma dada fase e, neste sentido,
consolidação de tais direitos foi conseqüência da submissão das ultrapassa o Estado e a nação, se bem que, por outro lado, deve
monarquias absolutistas à Constituição e, também, da extensão se fazer valer frente ao exterior como nacionalidade e
dos direitos de votar. Nessa nova configuração, o rei era organizar-se no interior como Estado. A sociedade civil
controlado pelo parlamento, que era controlado por meio de aparece no século XVIII, quando as relações de propriedade já
mecanismos democráticos. se tinham desprendido da comunidade antiga e medieval. A
O Estado Liberal surge, então, da limitação dos poderes que sociedade civil, como tal, desenvolve-se apenas com a
o Estado detinha no período do absolutismo. Essa limitação burguesia; entretanto, a organização social que se desenvolve
não se deu apenas na questão do poder do Estado sobre a imediatamente a partir da produção e do intercâmbio e que
sociedade, mas, também, na própria concepção de quais seriam forma em todas as épocas a base do Estado e do resto da
suas funções. Se o Estado agora deveria estar submetido à superestrutura idealista foi sempre designada, invariavelmente,
Constituição, suas funções de legislar, tributar e julgar também com o mesmo nome.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã – Feuerbach. Trad.
deveriam estar em mãos de órgãos estatais separados, Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. 5 ed. São Paulo: HUCITEC, 1986, p.
interdependentes e com poderes de fiscalização mútua. 52-53.
43
SOCIOLOGIA
compreendermos não apenas a formação dos Estados que entende os indivíduos como seres que, ao buscarem o
Modernos, como também a própria noção de democracia. próprio interesse, produzem o bem para toda a coletividade.
A superação do Estado Absolutista na Europa é uma Em contraponto ao Estado Liberal, que contribuiu para a
conseqüência direta da Revolução Gloriosa na Inglaterra expansão do sistema capitalista, existe o Estado Social, que foi
(1688), que, além de proclamar a Bill Of Rights, que defendia a uma configuração do poder estatal que buscava ser mais atento
liberdade individual frente aos desmandos dos governantes, às desigualdades sociais criadas pelo capitalismo, em especial,
também submeteu o poder dos reis à Constituição. Outro às condições precárias em que viviam e trabalhavam os
importante aspecto dessas transformações foi o fato de a operários durante a consolidação das grandes indústrias na
Revolução Francesa (1789) institucionalizar o chamado Estado Europa. Foi justamente a Revolução Russa de 1917 que, pela
de Direito Liberal, que se tornou a primeira forma de Estado primeira vez, rompeu com os fundamentos do Estado Liberal.
capitalista. Devemos entender Estado como a estrutura política Assim, o Estado Russo pós-revolução garantiu maior
e jurídica de uma sociedade, e, nesse sentido, o Estado Liberal participação do Estado na economia, tentando conter a
tornou objetivas as novas relações sociais e econômicas, contínua exploração do proletariado. A ação mais importante
advindas da ascensão da burguesia com seu poderio econômico do Estado Social, porém, esteve na busca em promover a
e a perda de influência da nobreza. Nesse sentido, os direitos a justiça social, ao reconsiderar a igualdade jurídica formal entre
serem assegurados pelo nascente Estado Liberal deveriam ser os indivíduos, pregada pelo Estado Liberal, e propor a
aqueles que garantissem a manutenção da ordem burguesa: a igualdade material entre os indivíduos.
defesa da liberdade para expansão dos negócios e a igualdade Podemos entender a igualdade material como a busca em
jurídica de modo que todos os indivíduos fossem equiparados equiparar os indivíduos, levando em consideração suas
perante a lei, visando, principalmente, que a aristocracia, ainda desigualdades. Isso quer dizer que, se não levarmos em
detentora do poder político, não excedesse em suas imposições consideração as desigualdades de oportunidades e de acesso
à burguesia e em seu ímpeto econômico. aos recursos sociais entre os indivíduos, iremos tratar a
Além da menor participação na economia e do zelo pela igualdade como algo fictício, isto é, uma forma de
igualdade jurídica dos cidadãos independentemente da classe a compreender as relações econômicas, políticas e sociais sem
que estes pertencessem, o Estado Liberal seria regido pela considerar as condições objetivas que contribuem para a
Constituição, que, além de garantir direitos individuais, formação dos seres sociais.
limitaria o poder dos governantes e determinaria a divisão do Esses dois modelos de Estado que se consolidam no regime
poder estatal em três: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, capitalista expressam, também, dois modelos distintos de
que seriam poderes independentes entre si e harmônicos, democracia: a democracia liberal, que vincula a cidadania às
exercendo o controle uns sobre os outros. liberdades individuais, ou seja, os direitos civis e representados
Essa nova estruturação do Estado na modernidade abriu pela liberdade de expressão, de ir e vir e de igualdade perante a
espaço para uma nova concepção de governo, o representativo, lei, entre outros; e a democracia social, que acrescenta a
uma vez que a forma direta de governo não mais se adequava a cidadania aos direitos individuais, trabalhistas e de cunho
um mundo com novas instituições políticas. Na modernidade, a social, que devem ser prestados pelo Estado na forma de direito
relação entre Estado, Nação e sociedade civil tem como núcleo à educação, à saúde e à previdência social, por exemplo.
fundamental a supremacia da lei, o consentimento dos Como afirma T. H. Marshall (1893-1981), os direitos civis,
governados e também a representação do poder e seu exercício. sociais e políticos surgem a partir da tensão entre a busca da
Ao contrário da ideia de poder divino dos reis, no Estado igualdade dos indivíduos e a constante produção de
Moderno, os governantes não são mais os donos do poder, mas desigualdades sociais próprias do sistema capitalista. Ao
recebem do povo, este sim titular do poder e da delegação para contrário do Estado Absolutista e Monárquico, que não
exercê-lo. Sendo assim, em vez de súditos do poder real, temos consideravam em hipótese alguma a participação popular, fosse
cidadãos portadores de direitos que delegam aos governantes o por meio de eleições, fosse por meio de controle do poder
exercício do poder. Essa nova configuração da relação entre estatal pela sociedade civil, o Estado Moderno, ao trazer de
Estado, Nação e sociedade civil criou as condições necessárias volta o regime democrático para a política, passa a ser alvo de
para o retorno da democracia ao cenário político moderno. maior controle e suas ações passam a ter como condição inicial
Como você já sabe, a democracia surge na Grécia Antiga, o fundamento na Constituição.
mais precisamente na pólis de Atenas, por volta do ano 508 Essa evolução dos direitos é acompanhada pela Declaração
a.C. A principal característica da democracia grega era Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações
justamente a possibilidade de participação dos cidadãos no Unidas (ONU), de 1948, logo após o fim da Segunda Guerra
governo da pólis, modelo de democracia que ficou conhecida Mundial. Os direitos humanos abrangem uma série de
como a democracia direta. No entanto, com o desenvolvimento categorias de direitos, que passam a ser considerados
dos direitos individuais, da complexidade das sociedades prerrogativas das Democracias Modernas e obrigações dos
modernas e da constituição do Estado de Direito, a democracia Estados para com seus cidadãos.
no mundo moderno não pode mais ser exercida nos moldes da Fazem parte dessas obrigações os direitos políticos e civis,
Grécia Antiga. além dos direitos econômicos, sociais e culturais, que são
Assim, a democracia representativa moderna é fruto de uma expostos em trinta artigos assinados por 42 países no contexto
concepção individualista de sociedade, em que a constituição pós-Segunda Guerra Mundial. Os direitos humanos são
da vida política de uma sociedade é resultado das vontades dos considerados direitos fundamentais dos indivíduos e das
indivíduos. Essa perspectiva individualista surge não apenas coletividades, especialmente dos grupos sociais considerados
com a filosofia contratualista, que entendia a sociedade civil em situação de vulnerabilidade social ou que se encontram
como um acordo entre os indivíduos para garantia das política e socialmente excluídos das sociedades democráticas.
liberdades individuais, mas, também, com o desenvolvimento A expansão e garantia dos direitos são parte constituinte do
da economia e a consequente concepção de homo economicus, conceito de democracia representativa, que veremos adiante.
45
SOCIOLOGIA
Regime Liberal
REGIMES POLÍTICOS Os regimes liberais são variados, mas têm em comum a
Seguindo a taxonomia proposta pelo cientista político premissa de priorizar as liberdades individuais e econômicas,
Robert Henry Srour, em seu livro Classes, Regimes e valorizando, assim, a estrutura de mercado acima da própria
Ideologias (1987), vamos diferenciar quatro tipos de regimes noção de Estado. Nessas acepções o Estado deve ser mínimo,
políticos, destacando as relações entre Estado e sociedade civil evitando intervir na economia. O mercado deve se autorregular,
em cada um deles. ditando suas próprias regras de acordo com a lei da oferta e da
procura. Cabem ao Estado as funções de legislar para proteger
Regime Totalitário a propriedade privada e as liberdades individuais, assim como a
O regime totalitário se distingue das tiranias autoritárias e manutenção da ordem pública através dos seus aparatos
das ditaduras militares, burocráticas, cesaristas, oligárquicas e coercitivos (polícia).
teocráticas – todas variantes de um regime autoritário – porque Diferentemente dos regimes autoritário e totalitário, nos
tende a estabelecer uma dominação total sobre o conjunto da quais o poder raramente é exercido com legitimidade, no
sociedade. Com isso, almeja o grau máximo de centralização e regime liberal há maior abertura para a participação política da
de concentração de poder, suprimindo toda a autonomia da sociedade civil, uma vez que o surgimento do liberalismo está
sociedade civil, cooptando todas as organizações para se intimamente associado à luta pela liberdade e pela participação
colocarem a serviço do Estado, perseguindo e dissolvendo seus no poder.
adversários. Robert Srour identifica pelo menos quatro variações do
Na cena totalitária, exemplificada pelos regimes nazista regime liberal: a) na forma liberal-oligárquica, o poder político
alemão e fascista italiano nos anos 1930, a sociedade civil é é exercido principalmente pelos grandes proprietários
vista como um mero prolongamento do Estado. O Estado industriais e latifundiários, que detêm o controle sobre os
maximizado exerce seu poder por meio da violência física mecanismos de poder. A sociedade civil é forte, porém restrita,
(polícias e exército) e pelo controle ideológico (mídia, porque está associada aos grupos de poder econômico. Foi uma
propaganda, escolas). Esse controle ideológico exerce forte das formas mais constantes na história brasileira, excetuando-
pressão sobre os indivíduos e, por vezes, traduz-se em se os regimes autoritários; b) na forma liberal-militar há uma
manifestações de consenso popular, fruto da manipulação “tutela velada” das forças armadas, que tendem a ter controle
ideológica. político de bastidores e sobre a sociedade civil. Boa parte dos
O poder executivo possui mais força que os demais governos militares brasileiros nas décadas de 1960 e 1970
aparatos estatais e controla o legislativo e o judiciário. Dessa tiveram características desta forma de regime liberal,
forma, a elaboração das leis e o seu cumprimento passam a ser favorecendo consideravelmente a penetração de capital
aparelhadas (isto é, dispostas para servir) ao duce ou ao führer. estrangeiro e de empresas multinacionais; c) a forma liberal-
ampliada tende a ter uma sociedade civil ampla, porém fraca e
Regime Autoritário fragmentada, em que não raras vezes é favorecido o surgimento
Os regimes autoritários se caracterizam por um Estado de populismos e figuras carismáticas; d) na forma liberal-
forte, que necessita consolidar seu poder pela violência física democrática a sociedade civil é ampla e está em processo de
(polícias) e exclui a sociedade civil do domínio político. fortalecimento em relação ao Estado. Conta nos seus quadros
Mesmo que seu controle ideológico seja menor do que em um com partidos políticos que possuem programas ideológicos
estado totalitário, em regimes como ditaduras militares ou bem definidos e não são meramente fisiologistas ou partidos de
burocráticas há um intenso patrulhamento ideológico para que aluguel, que pressionam o poder instituído e os próprios grupos
as organizações ou os indivíduos da sociedade civil não de poder em nome de direitos e interesses coletivos. Esta seria
interfiram na condução da política. a forma predominante nos EUA atualmente.
Com isso, a sociedade civil fica bastante enfraquecida Porém, o Estado liberal ainda não deve ser entendido como
perante o Estado, tendo pouca possibilidade de resistir ao plenamente democrático. As disparidades sociais decorrentes
domínio político e legislativo. O poder encontra-se centralizado da distribuição desigual da propriedade privada impedem que
e concentrado, geralmente, no Executivo. Este pode ser todos os setores da sociedade exerçam sua participação política
controlado pelas Forças Armadas, por uma oligarquia, por um de forma equânime, o que faz com que os princípios básicos da
autocrata que encarna os interesses dos grupos dominantes ou democracia não se materializem totalmente.
por uma figura carismática.
Pode haver algum grau de participação política em regimes Regime Democrático
autoritários, mas tende a ser bastante restrito ou meramente Há uma diferença qualitativa entre os regimes liberal e
formal. Partidos políticos, quando existem, tendem a ser democrático: enquanto o primeiro favorece as classes
regidos por interesses de sobrevivência e não por um programa proprietárias, o segundo se concentra na ampliação dos direitos
ideológico. Clientelismo, cooptação, chantagem, individuais e na consolidação de igualdades materiais entre os
corporativismo e falta de transparência são comportamentos indivíduos. O Estado democrático, baseado na isonomia entre
recorrentes neste tipo de regime, em que a oposição é bastante os indivíduos, é um regime aberto, em que muitas associações
restrita ou inexistente. coletivas e entidades livres da sociedade civil têm capacidade
No caso brasileiro, tanto o Estado Novo de Getúlio Vargas, de intervir na esfera pública, participando ativamente das
quanto os Regimes Militares entre 1964 e 1985 devem ser decisões da coletividade. As instituições políticas e sociais são
considerados autoritários porque centralizaram o poder em fortes, mas são exercidas mediante a intervenção popular
torno do Executivo, retiraram direitos políticos e sociais da através de mecanismos de participação, sendo o voto somente
sociedade civil e enfraqueceram qualquer possibilidade de um deles – mas não o único.
resistência ao poder Estatal. Neste cenário o Estado não é um controlador da sociedade
civil, ao contrário, é ela que passa a ter controle sobre a esfera
46
SOCIOLOGIA
política e sobre os seus representantes, mantendo com eles relação às leis, a igualdade material diz respeito à realidade, à
diálogo efetivo e responsável. Falaremos mais sobre a efetivação da igualdade nas condições reais da vida dos
democracia nos próximos tópicos. indivíduos.
Logo, a igualdade perante a lei (igualdade formal) será
A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA maior em determinada sociedade quanto menos forem as
O retorno da democracia ao cenário político moderno não discrepâncias de poder entre os integrantes dessa sociedade
ocorreu do mesmo modo que a democracia direta ateniense. (igualdade material). Isso inclui assimetrias de poder
O desenvolvimento do Estado Liberal ensejou a criação de um ocasionadas pelo dinheiro, pelo acesso a recursos como
novo regime democrático, a democracia representativa. De educação e saúde e até em relação à capacidade de mobilização
acordo com o filósofo político Norberto Bobbio (1909-2004), a para reivindicar direitos. Conforme pudemos acompanhar, por
democracia representativa significa que as deliberações a meio da análise histórica da formação do Estado Liberal e do
respeito de fatos que tangem à coletividade são tomadas por retorno da democracia ao cenário político, haverá sempre uma
pessoas que foram escolhidas pelos membros de tal tensão entre o Estado de Direito e o Estado Social. Enquanto o
coletividade. Assim: primeiro representa a manutenção do status quo de uma
[...] as democracias representativas que conhecemos são sociedade, o segundo diz respeito ao dinamismo da vida social
democracias nas quais por representante entende-se uma e às constantes lutas por igualdade e justiça social.
pessoa que tem duas características bem estabelecidas: Tendo em vista a evolução da relação entre democracia
a) na medida em que goza da confiança do corpo eleitoral, uma representativa, Estado de Direito e Estado Social no continente
vez eleito não é mais responsável perante os próprios eleitores europeu, analisaremos agora como se deu essa relação no
e seu mandato, portanto, não é revogável; Brasil e também como procedeu a evolução do conceito de
b) não é responsável diretamente perante os seus eleitores cidadania em nosso país.
exatamente porque é convocado a tutelar os interesses gerais da
sociedade civil e não os interesses particulares desta ou daquela DEMOCRACIA E CIDADANIA NO BRASIL
categoria. Do Império à República Velha (1822-1930)
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia – uma defesa das regras do jogo. A história da cidadania no Brasil está vinculada ao
São Paulo: Paz e Terra, 1986. p. 42.
desenvolvimento das Constituições do país desde o ano de
Dada a complexidade das sociedades modernas, em que os 1824, quando a primeira foi proposta ainda no Governo
indivíduos se encontram em uma multiplicidade de papéis Imperial, dois anos após a Declaração de Independência do
sociais – sejam eles de gênero, de classe, de categorias Brasil em relação à Coroa Portuguesa. Desse modo, podemos
profissionais, entre outras questões que confrontam a coesão afirmar que a concepção de cidadania em nosso país surge
social – a democracia representativa, além de regular a antes da noção de democracia.
distribuição do poder nas complexas sociedades modernas, Porém, na Constituição de 1824 somente há o
também é um sistema que sofre pressões das desigualdades prevalecimento de um modelo oligárquico e restritivo de
impostas pelo sistema capitalista. cidadania, baseado no voto censitário – em que só podiam
No que tange à distribuição do poder, a democracia participar das votações aqueles que possuíam renda superior a
moderna recorre a procedimentos e mecanismos que compõem cem mil réis. Isso significava, na prática, menos de 1% da
o processo de representação. Esses mecanismos se ligam a dois população total. A quase totalidade dos brasileiros se
processos históricos distintos, de acordo com o filósofo político encontrava excluída do processo político.
Giovanni Sartori (1924-2017): a formação dos partidos Somente após 1889, com a Proclamação da República e a
políticos a partir do surgimento dos parlamentos como escrita de uma nova Constituição, em 1891, o Estado brasileiro
controladores dos governantes e a expansão dos votos e, se assumiu como republicano, dividindo-se em três poderes e
consequentemente, dos direitos políticos. É justamente a abolindo o poder moderador até então exercido pela figura do
ampliação dos direitos políticos que garante a participação do imperador. Nesse novo contexto, a cidadania se expandiu um
povo de forma mais direta no sistema democrático, que, além pouco mais em relação ao Período Imperial, mas ainda
das eleições, pode participar por meio de plebiscitos, de permaneceu tímida e restrita a poucos grupos privilegiados,
referendos e da produção de leis de iniciativa popular. pois, a despeito da abolição do voto censitário, o sufrágio
No que se refere às pressões do sistema capitalista sobre o continuou restrito às elites e aos homens alfabetizados.
sistema democrático, as desigualdades sociais atingem um dos Desse modo, o processo eleitoral era manipulado
pilares da democracia, que é a igualdade entre os indivíduos. abertamente pelo coronelismo, que se valia de diversas
Nesse sentido, não podemos entender a defesa de direitos se estratégias no voto de cabresto, incluindo o uso da violência,
não levarmos em consideração as condições socioeconômicas para fazer valer seu comando regional.
em que os indivíduos conduzem suas vidas. Se, além da A experiência de cidadania vivenciada nos períodos do
igualdade, a democracia se baseia na liberdade e, nesse sentido, Brasil Império (1822-1889) e da República Velha (1889-1930)
nega qualquer tipo de privilégio destinado a uma parcela dos foi claramente restrita e precária, o que nos leva à conclusão de
indivíduos, há aí uma tensão entre a perspectiva individualista que o sistema se constituía em uma pseudodemocracia: o
e a necessidade de reconhecer direitos sociais que primam, discurso democrático entrava em choque com a realidade
justamente, por dar um tratamento diferenciado àqueles que oligárquica e coronelista.
estão em condições sociais desfavoráveis. Os direitos sociais,
portanto, representam não apenas a participação no poder Getúlio Vargas e o Estado Novo (1934-1945)
político, mas também a busca pela maior e mais justa O governo de Getúlio Vargas foi marcado por dois
distribuição social da riqueza produzida pela sociedade. Essa é momentos significativos para o processo de construção da
a distinção entre igualdade formal e igualdade material. cidadania no Brasil. O primeiro foi a redação da Constituição
Enquanto a igualdade formal é presumida e abstrata, em de 1934, considerada progressista quando comparada às
47
SOCIOLOGIA
anteriores devido à incorporação de uma série de direitos Ato Institucional 3 – Estabelece eleições indiretas para os
sociais, como os direitos trabalhistas e políticos, ligados à governadores dos estados; prefeitos de capitais e de
criação da Justiça Eleitoral e à permissão do voto feminino, “municípios considerados área de segurança nacional” passam
além da instauração do sigilo no voto. a ser nomeados pelos governadores.
Três anos após a Constituição, até então a mais Ato Institucional 4 – Convoca o Congresso Nacional para
democrática, foi instaurado o Estado Novo pelo próprio discutir, votar e promulgar o estabelecimento de uma nova
Getúlio Vargas, em que passou a vigorar uma nova Carta Constitucional, revogando a Constituição de 1946.
Constituição, promulgada no mesmo ano do golpe e que Ato Institucional 5 – Fecha o Congresso Nacional, suspende
possuía traços autoritários e centralizadores em torno da garantias constitucionais, como as liberdades individuais e
Presidência da República. O Poder Legislativo foi extinto em concede poder ao Executivo para legislar sobre todos os
todos os níveis (nacional, estadual e municipal), várias assuntos.
liberdades individuais foram cassadas em nome da Segurança O mais grave de todos os documentos foi, sem dúvida, o
Nacional e direitos sociais garantidos pelo próprio presidente AI-5, que revogou direitos civis, sociais e políticos
foram revogados, violando-se várias premissas do Estado fundamentais dos cidadãos e instaurou um Estado de
Democrático. permanente suspeição sobre qualquer pessoa. Os resultantes
desse processo foram: perseguições, prisões, sessões de tortura,
A retomada da democracia (1946-1964) julgamentos e condenações sumárias, além de uma série de
Com o fim do Estado Novo em 1946, o Brasil passou por violações aos direitos humanos e constitucionais que já haviam
um período mais promissor na sua até então limitada sido reconhecidos e legitimados pelo Estado Moderno.
experiência democrática. Uma Assembleia Constituinte foi
formada para elaborar uma nova Constituição, que resgatou O período de redemocratização e a Constituição Cidadã
aquela de 1934, que havia sido revogada pelo golpe de Getúlio. O período ditatorial no Brasil perdurou oficialmente até
Uma série de liberdades foram restituídas aos cidadãos e a 1985. Porém, no final dos anos 1970 iniciou-se a abertura
tripartição do Estado nos poderes Executivo, Legislativo e política que visava retomar gradualmente a democracia. Nesse
Judiciário foi retomada. movimento, a participação popular foi decisiva para pressionar
Porém, apesar dos significativos avanços do período, o Estado autoritário em direção à retomada dos direitos que
estima-se que somente 24% da população adulta votou nas haviam sido cassados. Em 1979, o pluripartidarismo foi
eleições de 1962 – o que indica um acesso ainda muito restrito readmitido no Congresso Nacional.
à efetiva participação política. Em 1984, uma série de manifestações sociais de oposição
ao Regime Militar ganhou as ruas, reivindicando o retorno da
O Período Ditatorial (1964-1985) votação direta para presidente no movimento “Diretas Já”, pois
Em 1° de abril de 1964 teve lugar a autoproclamada as primeiras eleições para presidente realizadas em 1985 foram
“revolução democrática”, que, sob a influência política indiretas. Porém, a formação da Assembleia Constituinte e a
estadunidense no contexto da Guerra Fria, depôs o então elaboração da Constituição de 1988 foram um ganho
presidente João Goulart, que havia sido eleito inestimável para os defensores da redemocratização. A
democraticamente como vice-presidente na chapa de Jânio legislação máxima aprovada naquele ano foi chamada, não sem
Quadros. Após a deposição, o Poder Executivo foi assumido razão, de “A Constituição Cidadã”, em função do espírito
por uma junta militar, que revogou uma série de direitos civis e progressista que assumiu.
políticos que vigoravam desde 1946. Apesar de se Nesse documento foram incorporadas reivindicações de
autoproclamar uma revolução, o regime instaurado possuía movimentos sociais e sindicais, além de direitos que já haviam
características absolutamente ditatoriais, visto que várias vigorado em outras épocas, mas tinham sido revogados pela
medidas antidemocráticas foram tomadas em nome da Ditadura Militar. Entre as garantias políticas restabelecidas
Segurança Nacional, especialmente na Constituição de 1967 e pela Constituição Cidadã, estão o direito ao voto direto para os
nos Atos Institucionais e Complementares que se seguiram. A cargos dos poderes Executivo e Legislativo, em todas as
Constituição de 1967 revogou direitos dos cidadãos e instâncias da federação (federal, estadual e municipal);
modificou a estrutura política democrática, voltando, como no estabelecimento do direito ao voto para analfabetos, definição
período do Estado Novo, a concentrar o poder nas mãos do do voto facultativo para jovens entre 16 e 18 anos e ratificação
Executivo, retirando uma série de prerrogativas do Poder do pluripartidarismo; quanto aos direitos civis,
Legislativo, estabelecendo eleições indiretas para presidente, restabelecimento das liberdades individuais, inclusive
criminalizando qualquer forma de oposição ao governo militar, expressão e sigilo, além do decreto ao fim da censura imposta
instituindo a limitação da liberdade individual e da liberdade de sobre a imprensa e às artes. Do ponto de vista dos direitos
imprensa, submetendo informações e obras artísticas a sociais, o Estado passou a garantir o acesso universal e
processos de censura. igualitário à educação, à saúde (com a criação do Sistema
No entanto, além do texto da Constituição, os militares se Único de Saúde), à moradia, ao emprego e à previdência social.
valeram dos Atos Institucionais – dezessete durante todo o A concepção de cidadão enunciada pela Constituição de
período – para garantir a manutenção do regime, à revelia dos 1988 é a mais abrangente e democrática da história do país,
direitos democráticos. Os Atos Institucionais mais conhecidos atribuindo uma série de direitos novos e reafirmando garantias
são os cinco promulgados entre 1964 e 1968: antigas. Contudo, se do ponto de vista formal – isto é, na letra
Ato Institucional 1 – Autoriza a cassação de políticos e da lei – a concepção de cidadania é progressista, a democrática,
cidadãos opositores ao Regime Militar. do ponto de vista real, ainda permite uma enorme desigualdade
Ato Institucional 2 – Extingue os partidos existentes e valida o de acesso aos direitos constitucionais por significativas
bipartidarismo. parcelas da população. A partir da década de 1990, o desafio
do Estado e da sociedade civil não se limita somente à luta pelo
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SOCIOLOGIA
D) direitos políticos e concorrência empresarial que se pode perceber pelas pressões internacionais para a
implantação e manutenção de regimes democráticos nos
diferentes países do mundo. A defesa das instituições políticas,
03. (UFU-MG–2017) Um sistema político democrático do Estado, da liberdade de expressão, da liberdade política, da
contemporâneo é aquele que tolerância religiosa e principalmente os direitos dos cidadãos
A) estabelece o direito ao voto como única forma de ao voto são questões centrais para a democracia.
participação política. Sobre a democracia no Brasil, é correto afirmar que
B) controla e limita a participação política de determinados A) a democracia brasileira é recente, sendo relevante para essa
grupos da sociedade civil. análise considerar a experiência democrática de 1930 a 1964
C) garante apenas aos cidadãos letrados o acesso aos debates como o principal momento de fortalecimento das instituições
no espaço público. políticas no país.
D) permite a elaboração de direitos políticos universalizáveis. B) estamos vivendo o maior período de experiência
democrática brasileira desde o processo de redemocratização
na década de 1980. As eleições e o sufrágio universal são duas
04. (Unioeste-PR) Segundo a filosofia política clássica, mesmo características importantes desse processo.
considerando a diversidade de concepções de contrato C) a democracia no Brasil foi instaurada e mantida desde a
partilhada por seus principais representantes (Hobbes, Locke e Proclamação da República.
Rousseau), a constituição do estado civil ou sociedade política D) Getúlio Vargas, João Figueiredo, José Sarney, Fernando
marcaria uma ruptura profunda no ordenamento da sociedade Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva foram alguns
humana. Com base na ideia de contrato defendida por estes dos presidentes eleitos via democracia representativa no Brasil.
autores, é correto afirmar que a constituição do estado civil ou
sociedade política representaria
A) a superação do estado de natureza. 07. (UNICAMP)
B) a redenção teológica da humanidade. Sinto no meu corpo
C) um retorno à idílica Idade de Ouro da história humana. A dor que angustia
D) uma regressão da vida em sociedade ao estado de A lei ao meu redor
selvageria. A lei que eu não queria
E) a superação da exploração do homem pelo homem e o fim Estado violência
da propriedade privada dos meios de produção. Estado hipocrisia
A lei que não é minha
A lei que eu não queria
05. (UERJ–2016) (“Estado Violência”, Charles Gavin, em Titãs, Cabeça
Dinossauro, WEA, 1989.)
A letra dessa música, gravada pelos Titãs,
A) critica a noção de Estado e sua ausência de controle,
aspectos comuns ao liberalismo e ao marxismo.
B) constata que o corpo físico e o corpo político se relacionam
em sociedades de controle.
C) critica o autoritarismo policial e o modelo de regulação
proposto pelo anarquismo.
D) constata que o Estado autoritário, mesmo com boas leis, é
sabotado pela figura do policial.
D) possibilitada pela aceitação social de sociedades Mais sóbrio – e talvez mais pessimista – é olhar para quanto
politicamente fascistas e socialmente democráticas. cada grupo se apropriou do crescimento total: os 10% mais
ricos da população global se apropriaram de 60% de todo o
crescimento do mundo entre 1988 e 2008. Uma grande massa
09. (UEMA–2016) Até meados de 1970, mais de dois terços de de população melhorou de vida, é verdade, mas o que esse
todas as sociedades do mundo poderiam ser consideradas dado demonstra é que poderia ter melhorado muito mais se o
autoritárias. Atualmente menos de um terço das sociedades é resultado do crescimento não terminasse tão concentrado nas
de natureza autoritária. A democracia não está mais mãos dos ricos. O que está em jogo é mais do que dinheiro. Em
concentrada nos países ocidentais, ela agora é defendida, ao um mundo globalizado, os estados nacionais perdem força. Um
menos em princípio, em muitas regiões do mundo. grupo pequeno de pessoas com muita riqueza tem grande poder
GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, de colocar as cartas a seu favor. Em casos extremos, a
2005. desigualdade é uma ameaça à democracia.
Um exemplo de situação vivenciada em países democráticos é MEDEIROS, Marcelo. O mundo é o lugar mais desigual do mundo. Disponível
em: <http://piaui.folha.uol.com.br>. Acesso em: jun. 2016 (Adaptação).
A) a disseminação das expressões artísticas, literárias e
musicais, para que a população se adeque às estratificações O confronto entre os dois textos permite concluir corretamente
sociais. que
B) a possibilidade de consulta popular, em forma de plebiscito, A) ambos manifestam um ponto de vista liberal em termos
para que o povo expresse suas opiniões a respeito de uma ideológicos, pois repercutem as vantagens da valorização do
questão específica. livre mercado e da meritocracia.
C) a redução de oportunidades, para que o cidadão possa B) o texto 1 pressupõe concordância com o liberalismo
intervir em aspectos da vida pública, junto com o Governo. econômico, enquanto o texto 2 integra problemas econômicos
D) a concentração de riquezas nas mãos do Estado, para que o com tendências de retrocesso político.
governo possa aumentar as igualdades sociais. C) o texto 1 critica o progresso entendido como
E) o grande número de partidos políticos, para que os políticos aperfeiçoamento contínuo da humanidade, enquanto o texto 2
usem, de forma ilimitada, o poder. valoriza a globalização econômica.
D) ambos apresentam um enfoque crítico e negativo sobre os
efeitos do neoliberalismo econômico e suas fortes tendências
de diminuição dos gastos públicos.
01. (UFF-RJ) Desde a Idade Moderna, quase todas as E) ambos manifestam um ponto de vista socialista em termos
sociedades enfrentaram o dilema de optar entre duas ideológicos, pois enfatizam a necessidade de diminuição da
concepções distintas e opostas sobre o poder. Dois concentração de renda mundial.
filósofos ingleses, Thomas Hobbes e John Locke, foram
responsáveis por sintetizarem essas concepções.
Segundo Thomas Hobbes, o ser humano em seu estado 11. (ENEM-2019) O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
natural é selvagem e cada um é inimigo do outro; realizou 248 ações fiscais e resgatou um total de 1590
mas, quando o ser humano abre mão de sua própria trabalhadores da situação análoga à de escravo, em 2014, em
liberdade e a autoridade plena do Estado é estabelecida, todo o país. A análise do enfrentamento do trabalho em
passam a predominar a ordem, a paz e a prosperidade. condições análogas às de escravo materializa a efetivação de
Para John Locke, o ser humano já é dotado em seu estado parcerias inéditas no trato da questão, podendo ser referenciadas
natural dos direitos de vida, liberdade e felicidade e, assim, ações fiscais realizadas com o Ministério da Defesa, Exército
a autoridade do Estado só é legítima quando reconhece Brasileiro, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
e respeita esses direitos e, para que isso se concretize, Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de
é necessário limitar os poderes do Estado. Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Disponível em: http://portal.mte.gov.br. Acesso em: 4 fev. 2015 (adaptado).
Assinale a alternativa que apresenta as duas concepções A estratégia defendida no texto para reduzir o problema social
políticas associadas, respectivamente, a esses filósofos. apontado consiste em:
A) Mercantilismo e Fisiocracia. A) Articular os órgãos públicos.
B) Classicismo e Barroco. B) Pressionar o Poder Legislativo.
C) Absolutismo e Liberalismo. C) Ampliar a emissão das multas.
D) Subjetivismo e Objetivismo. D) Limitar a autonomia das empresas.
E) Nacionalismo e Internacionalismo. E) Financiar as pesquisas acadêmicas.
10. (Unesp–2017)
Texto 1 12. (Enem–2017) Plebiscito e referendo são consultas ao povo
Nunca houve no mundo tanta gente vivendo com suas para decidir sobre matéria de relevância para a nação em
necessidades básicas atendidas, nunca uma porcentagem tão questões de natureza constitucional, legislativa ou
alta da população mundial viveu fora da miséria – uma vitória administrativa. A principal distinção entre eles é a de que o
espetacular, num planeta com 7 bilhões de habitantes. Nunca plebiscito é convocado previamente à criação do ato legislativo
houve menos fome. Nunca tantos tiveram tanta educação nem ou administrativo que trate do assunto em pauta, e o referendo
tanto acesso à saúde. é convocado posteriormente, cabendo ao povo ratificar ou
GUZZO, José Roberto. Um mundo de angústias. Veja, 25 jan. rejeitar a proposta. Ambos estão previstos no art. 14 da
2017. Constituição Federal.
PLEBISCITOS E REFERENDOS. Disponível em: <www.tse.jus.br>. Acesso
Texto 2 em: 29 jan. 2015 (Adaptação).
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SOCIOLOGIA
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SOCIOLOGIA
podem ser locais, regionais, nacionais e internacionais, sendo consciência dos seus componentes ideológicos, a depender da
comum a utilização dos meios de comunicação. sua história, do seu caráter e dos membros que os constituem.
[...] A organização: normalmente, os movimentos sociais possuem
As análises sobre a mudança social desenvolvidas por alguns algum tipo de organização hierárquica, que pode ser
pensadores do século XIX, tais como Comte, Spencer e Marx, centralizada em torno de uma liderança explícita ou pode estar
estavam marcadas por uma visão linear e teleológica. A descentralizada e distribuída
tradição marxista considerava que os movimentos sociais eram entre segmentos, subgrupos e demais participantes do
meras expressões de condições estruturais de classe e suas movimento.
contradições, que seriam suprimidas com o fim da sociedade A estrutura de organização de um movimento social produz
capitalista. impactos relevantes com relação à sua atuação e possui
[...] reflexos em seu sucesso ou fracasso. Cada movimento possui
Diferencia-se dessa interpretação Georg Simmel (1983), que uma demanda própria de organização, não sendo possível
deu um sentido sociológico ao confl ito, identificando sua estabelecer, a princípio, como cada estrutura deve ser
função social. Deste modo, o conflito é pensado como um constituída. Porém, a organização interna se reflete nas
processo fundamental para a mudança de uma forma de estratégias, na articulação entre as ações e no nível de
organização à outra, como necessário à vida do grupo, pois age harmonia entre seus membros. Há o risco de dois extremos: de
como um elemento que possibilita sua coesão, já que suscita a um lado, a desarticulação completa entre projeto, ideologia e
busca pelo consenso. organização, o que frequentemente gera ações espontâneas,
MIRANDA, Ana Paula Mendes de. Movimentos sociais, a construção de desarticuladas e desorganizadas, fato que pode enfraquecer a
sujeitos de direitos e a busca por
luta social; por outro lado, a imposição de poder por parte das
democratização do Estado. Lex Humana, Petrópolis, n. 1, p. 218. 2009.
lideranças, o que pode levar os demais participantes a
Características dos movimentos sociais desempenhar o papel de “massa de manobra”, servindo a
Uma das mais importantes intérpretes dos movimentos interesses pouco nítidos ou objetivos secundários.
sociais na atualidade é a socióloga brasileira e professora da Um outro aspecto que deve ser considerado ao se analisar
Unicamp Maria da Glória Gohn. Em diversos trabalhos, os movimentos sociais diz respeito à sua ação pública, marcada
como em Teoria dos Movimentos Sociais (1997), ela busca por diferentes táticas, estratégias e ações de enfrentamento.
estabelecer critérios para interpretar adequadamente esse Cada movimento, conforme sua identidade, sua demanda e de
fenômeno acordo com o adversário a que se coloca, lança mão de
plural e complexo. Apesar de muito diversificados, é possível diferentes meios para se fazer ouvir. Em geral, as formas mais
afirmar que os movimentos sociais compartilham algumas comuns estão associadas à desobediência civil, consagrada
características básicas, que são apresentadas a seguir: pelo filósofo americano Henry David Thoureau (1817-1862),
O projeto: consiste na proposta do movimento, podendo ter o ainda no século XIX, como principal meio de enfrentamento
objetivo de mudar ou de conservar as relações sociais vigentes. não violento em prol de direitos. Passeatas, manifestações,
O projeto pode ser relacionado diretamente às metas e aos carreatas, buzinaços, panelaços, campanhas de conscientização
objetivos do movimento social, bem como às suas estratégias ou panfletagens fazem parte do rol de estratégias que são
de ação. Ele é um conjunto de procedimentos mais ou comumente utilizadas por diversos movimentos para chamar a
menos definidos por meio do qual o grupo buscará alcançar atenção da sociedade civil e das autoridades para sua pauta.
seus objetivos. É bem verdade que existe uma grande Juntamente com essas ações consideradas não violentas,
diversidade de métodos de organização e mobilização entre os algumas organizações podem adotar medidas mais incisivas,
movimentos sociais, sendo possível encontrar grupos com como a ocupação de prédios e de espaços públicos ou privados,
maior ou menor capacidade de definir rigorosamente seu a resistência violenta ou a adoção de táticas de guerrilha
projeto. Cada movimento social define suas estratégias urbana. A estratégia a ser adotada depende, em grande parte,
conforme seus objetivos, o contexto em que se insere e o seu do grupo contra o qual o movimento se posiciona e da reação
opositor. Historicamente foram utilizadas muitas estratégias e das autoridades diante da atuação do movimento. Como não
táticas, sendo que algumas se tornaram clássicas, por exemplo: são raros os casos de repressão violenta por parte das polícias
as greves (movimentos sindicais), passeatas, protestos, em manifestações populares, também não são raros os casos de
ocupações, acampamentos e, em alguns casos, a luta armada. reação enérgica por parte dos manifestantes com os
A ideologia ou teoria subjacente: corresponde à visão de instrumentos que possuem à disposição.
mundo predominante no movimento social, que delimita a Porém, como afirmava o ativista norte-americano Malcolm
concepção de sociedade, os ideais e as propostas que vigoram X (1925-1965), “não podemos confundir a reação do agredido
entre seus membros. É possível dizer que todo movimento com a violência do agressor”. Muitas vezes, ações noticiadas
social, como todo grupo, possui uma ideologia, ainda que de como bárbaras, agressivas ou violentas pela mídia são o único
forma implícita. É necessário esclarecer que a definição de meio encontrado por grupos para se fazerem ouvir, após
ideologia adotada equivale à sua concepção mais geral, que se sucessivas tentativas fracassadas de diálogos e negociações
refere a um conjunto qualquer de ideias que expressa uma com as autoridades.
determinada visão de mundo, e não necessariamente à visão
marxista de ideologia, que atribui um sentido permanentemente MOVIMENTOS SOCIAIS E A DEMOCRACIA
negativo ao termo, associando-o à dominação de classe. É a Os movimentos sociais são expressão da cidadania nas
ideologia que fundamenta os projetos e as práticas dos sociedades contemporâneas, uma vez que tendem a ser
movimentos e define o sentido de suas lutas, estabelecendo os alimentados pelos próprios cidadãos que se organizam e se
parâmetros teóricos e o próprio sentido da existência da luta mobilizam em torno de interesses comuns, os quais, em geral,
social. Alguns movimentos sociais podem ter mais ou menos dizem respeito à busca por melhores condições sociais ou por
direitos. Essa busca pode ser qualificada como uma forma de
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SOCIOLOGIA
ativismo político, ainda que não faça uso das formas políticas Copa do Mundo de 2014 e, em menor escala, para as
institucionalizadas, como os partidos políticos, os Olimpíadas de 2016. Nesse contexto, convém ressaltar que boa
representantes e os órgãos governamentais. Nesse sentido, o parte da mobilização aconteceu por meio das redes sociais,
britânico Anthony Giddens (1938-), em obras como A como o Facebook, demonstrando o grande poder de
constituição da Sociedade (1984) e Consequências da disseminação de informações e articulação social que os meios
Modernidade (1990), considera os movimentos sociais “a alma digitais possuem na atualidade. Tratou-se de um fenômeno
da democracia”, uma vez que servem como termômetro da notável, no entanto muitos analistas brasileiros e estrangeiros
participação efetiva da população e de sua liberdade política, ainda têm dificuldade de fazer uma leitura precisa de tudo o
contribuindo para a expansão de direitos e para a promoção de que aconteceu, dada a grande complexidade das manifestações.
debates sobre temas de interesse público. A enorme variedade de grupos, tendências e ideologias que
Os movimentos sociais podem ser locais, regionais, ocupou as ruas mostra a diversidade democrática e, ao mesmo
nacionais ou mesmo internacionais, ultrapassando as fronteiras tempo, a existência de interesses conflitantes no cenário
dos países. Em um mundo globalizado e integrado pelos meios público.
de comunicação de massa cada vez mais rápidos, não é de se As manifestações de 2013, chamadas de Jornadas de Junho
surpreender o crescimento dos movimentos em escala global, ou Copa das Manifestações, ganharam atenção dos noticiários,
especialmente daqueles ligados a causas políticas e ambientais, principalmente a partir dos protestos organizados por
alimentados pelas redes sociais – como ficou evidente nos movimentos sociais estudantis, como o Movimento Passe Livre
eventos de 2011 relacionados à Primavera Árabe, quase (MPL), que criticavam o aumento dos preços das passagens de
completamente articulados via Internet por membros na ônibus em vários municípios brasileiros, como São Paulo,
Tunísia, Argélia e Egito. Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre. A frase “Não é pelos 20
Um dos fatores mais importantes a serem mencionados centavos, é por nossos direitos” ganhou as ruas rapidamente,
sobre o crescimento de movimentos reivindicatórios ao redor gerando adesão de sindicatos e outros movimentos sociais.
do mundo diz respeito à crítica à capacidade dos governos de Mas, rapidamente, aconteceu um processo de catalisação de
darem respostas rápidas e satisfatórias à população, que tem insatisfações de outras ordens. Esse processo foi potencializado
acesso cada vez maior à informação e ao debate. Temas de pelo fato de o Brasil, conforme já mencionado, estar se
interesse global, como guerras, meio ambiente, alternativas preparando para grandes eventos, como a Copa do Mundo de
energéticas, alimentos transgênicos, mobilidade urbana, 2014 e as Olimpíadas de 2016. A Copa das Confederações,
desigualdade social, entre outros, têm despertado cada vez mais evento-teste realizado nas cidades-sede da Copa do Mundo
o interesse da sociedade civil, que se recusa a permanecer FIFA, em junho de 2013, forneceu o pano de fundo para atrair
passiva e cobra posturas mais contundentes por parte das a visibilidade da imprensa internacional e para reunir críticas
instituições políticas, embora nem sempre receba as respostas e contra muitos aspectos da vida político-social brasileira.
as ações que espera. Esse cenário de crítica à capacidade dos Sob os brados de “O gigante acordou!” e “Vem pra rua,
Estados de satisfazer às necessidades da população tem vem!”, milhões de brasileiros participaram dos protestos, que
incitado o surgimento de novos sujeitos políticos, que dialogam foram os mais relevantes numericamente no Brasil desde os
com as formas tradicionais e forçam novas práticas de Caras Pintadas, em 1992. Mas o fenômeno é complexo. Como
enfrentamento de dilemas. analisou o sociólogo espanhol Manuel Castells, em seu livro
As ONGs, os coletivos, os cidadãos, as manifestações e os Redes de Indignação e Esperança (2013), os movimentos
movimentos sociais, em geral, são expressões desse anseio de aconteceram “de forma confusa, raivosa e otimista” (p. 185),
participação nas decisões referentes aos rumos tomados pela sem lideranças aparentes e pouca participação inicial de
sociedade e, ao mesmo tempo, figuram como formas de crítica partidos políticos e sindicatos. De certa maneira, tais
aos modelos políticos tradicionais, que vêm apresentando movimentos demonstraram uma insatisfação generalizada
desgaste e insuficiência. contra a política profi ssional, os partidos políticos e o modelo
Não há como ignorar a atual crise de representatividade de democracia representativa.
na política, diagnosticada por vários cientistas sociais desde o Desde o início de 2013 até as primeiras semanas do mês de
fim do século passado. Percebida como um fenômeno mundial, junho daquele ano, as lutas sociais possuíam uma pauta com
esta crise de representatividade é evidenciada pelos características que tangiam à esquerda (ou de cunho social-
mecanismos de participação das democracias representativas e democrata), posicionando-se contra o aumento das passagens
pelos modelos de representação tradicionais (contidos nas de ônibus e em favor da melhoria de serviços públicos, como
figuras dos presidentes, senadores, deputados, partidos saúde e educação (em vários cartazes, podiam ser vistos os
políticos), denunciando seu distanciamento em relação aos dizeres: “Queremos saúde e educação padrão FIFA”). A
verdadeiros interesses da população e os constantes desvios de intensa repressão policial em vários estados brasileiros
poder que se instauram na política profissional. Por esse contribuiu para alimentar a empatia de outros manifestantes
motivo, desde o início dos anos 2000, muitos movimentos – para com as passeatas estudantis. Até aquele momento, a
como o “Occupy Wall Street”, nos EUA; e o “Podemos”, na grande imprensa havia adotado uma postura editorial de
Espanha – se organizaram para lutar contra o atual sistema desvalorização e crítica às manifestações.
liberal-democrático em voga em várias partes do mundo. Entretanto, no decorrer do mês de junho e com o ingresso
No Brasil, verificou-se situação semelhante principalmente de muitos outros manifestantes que não estavam vinculados
no ano de 2013, que se tornou emblemático em virtude da diretamente às pautas iniciais, houve a ampliação das temáticas
grande quantidade de manifestações que tomaram as ruas em e das reivindicações, que passaram a abranger, por exemplo, a
diversas cidades brasileiras. Muitos movimentos expressaram crítica à corrupção política. A partir daquele momento, grupos
sua indignação contra as formas de representatividade do de oposição ao governo, incluindo partidos políticos (liberais e
liberalismo-democrático e acusaram a política de subserviência conservadores) e a própria imprensa, começaram a participar
à economia, por ocasião da discussão sobre as obras para a mais ativamente das manifestações, ampliando seu destaque
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SOCIOLOGIA
nos noticiários e, inclusive, demonstrando apoio aos protestos. e pela sua presença ainda na atualidade, seja reivindicando
Havia vários grupos, por outro lado, que defendiam que as novos direitos, seja lutando pela manutenção daqueles que
manifestações deveriam ser “apartidárias”, o que desencadeou foram arduamente conquistados. É o caso do MST (Movimento
posturas de hostilidade com relação a pessoas e a movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e das organizações de
que levantavam bandeiras partidárias. direito LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais), além
Ainda é difícil pesar adequadamente os pontos positivos e dos movimentos sindical, feminista, estudantil, negro
negativos das manifestações. Vários teóricos argumentam que (afrodescendente), entre muitos outros de cunho local, regional
a insatisfação generalizada da população teria sido direcionada ou nacional.
contra um único partido político, o que a transformou em Cada um dos movimentos citados foi e continua sendo
massa de manobra para outros interesses políticos. Outros responsável por uma grande quantidade de ações coletivas que
teóricos enxergam nas manifestações um legado de expansão explicitam tensões na sociedade e exigem reflexões mais
da consciência democrática, o que permitiu um exercício de aprofundadas com relação a uma série de elementos da
ativismo que muitos sujeitos políticos nunca haviam estrutura social. É o caso do MST, que desde a década de 1980
experimentado. De qualquer modo, as manifestações de 2013 luta pela promoção da reforma agrária em uma sociedade
trouxeram novas perspectivas à sociedade brasileira no que fortemente marcada pela concentração de terras, situação
tange à participação política. acentuada pelo modelo econômico do agronegócio e do
latifúndio vigente no país. Por essa razão, tal movimento
Classificações dos movimentos sociais enfrenta grandes dificuldades políticas e jurídicas para ter suas
Não é fácil criar tipologias para os movimentos sociais, reivindicações reconhecidas e atendidas pelo poder público e
pois eles assumem muitas formas e possuem uma grande por grande parcela da sociedade civil.
diversidade de projetos e organizações, conforme já foi
mencionado. Porém, com a finalidade de sistematizar os Os novos movimentos sociais
estudos e facilitar a compreensão, os movimentos sociais serão As análises clássicas sobre os movimentos sociais são
divididos, neste capítulo, em três categorias. geralmente derivadas do modelo marxista de análise, o que
• Movimentos sociais reivindicatórios: são aqueles que significa dizer que eles eram vistos como resultado do
exigem mudanças mais imediatas em determinada estrutura descontentamento dos grupos sociais com um sistema
– normas, processos ou legislações específicas, por produtivo específico, a saber, o capitalismo.
exemplo –, a fim de que situações insatisfatórias à Nesse sentido, podemos dizer que as primeiras análises
população sejam alteradas. sociológicas sobre os movimentos sociais atentavam para
• Movimentos sociais políticos: são aqueles cujo objetivo é aspectos macroestruturais, ou seja, a economia e a política
produzir discussões mais amplas em torno da participação seriam as esferas que exerceriam maior influência sobre a vida
política, além de sugerir mudanças de maior alcance na dos indivíduos. Logo, os movimentos sociais seriam resultado
estrutura política. do descontentamento destes com os desmandos políticos e as
• Movimentos sociais de classe: caracterizam-se pela forte crises econômicas. Sob essa perspectiva marxista, os
consciência da desigualdade socioeconômica. Tais movimentos sociais se constituiriam a partir de classes sociais
movimentos objetivam consolidar a noção de classe e definidas, como o proletariado ou os trabalhadores
questionar a ordem econômica, podendo adotar, muitas camponeses, ou surgiriam de organizações institucionalizadas,
vezes, ações de cunho revolucionário. como os partidos políticos.
Também é possível dividir os movimentos sociais quanto à No entanto, a partir dos anos 1960, a perspectiva marxista
sua posição em relação à situação social vigente, conforme de análise dos movimentos sociais passou a ser questionada
mostrado a seguir: dentro da teoria sociológica. Durante o referido período, novas
• Movimentos reformistas: buscam mudanças pontuais na formas de ações coletivas ganharam espaço na cena política,
estrutura social, sem, no entanto, pretender alterá-la por especialmente na Europa e nos Estados Unidos, chegando mais
completo; tarde ao Brasil. Esses novos movimentos sociais tinham como
• Movimentos revolucionários: visam a mudanças pontos a serem criticados as visões totalizadoras da sociedade,
estruturais profundas na sociedade, de modo a transformar a que negavam, por exemplo, a existência de diferenças
ordem vigente e a implementar outra, considerada superior; individuais, e também as reivindicações que visavam atender
• Movimentos reacionários: objetivam reagir contra apenas a uma determinada classe social.
mudanças sociais que estão em curso, almejando a Portanto, o foco dos novos movimentos sociais recairia
manutenção de determinada estrutura social ou o retorno a sobre a construção de identidades coletivas e os problemas da
um estágio anterior da sociedade. vida cotidiana dos indivíduos, ou seja, aspectos ligados ao
âmbito da cultura e não apenas restritos ao universo da política
Movimentos Sociais emblemáticos no Brasil e da economia. Nesse sentido é que surgem os movimentos
Conforme afirmado no início do capítulo, o conceito de sociais feministas, os de defesa do meio ambiente, os que lutam
movimento social é aplicado de forma mais direta no contexto em prol das causas étnicas, etc. Enfim, passou a existir uma
da consolidação do Estado Moderno, republicano e pluralidade de reivindicações que ampliaram o modo de
democrático, que ocorre no século XX. Porém, se desejarmos conceber e fazer política.
fazer uma abordagem mais ampla, é possível falar de A prática política passa a estar dispersa nos mais variados
movimentos sociais desde o Período Colonial brasileiro, como espaços sociais, como na família, no trabalho, no lazer, e não
as muitas revoltas e insurreições que ocorreram no país desde o apenas na relação entre Estado e sociedade civil. Portanto, os
início de sua formação. novos movimentos sociais buscam lutar contra o poder
No panorama do século XX, diversos movimentos sociais estabelecido no nível micro das relações sociais, e, mais
se destacam pela importância que tiveram ao longo da história importante que isso, são movimentos que buscam evidenciar as
55
SOCIOLOGIA
diferenças entre determinados grupos sociais, em vez de adotar O quadro a seguir resume alguns dos aspectos das fases do
discursos universalistas. Nesse sentido, os conflitos políticos se movimento negro no Brasil, segundo a concepção de Petrônio
transferem para o âmbito da cultura, pois, em muitos Domingues:
momentos, o que está em voga na luta dos movimentos sociais
é a elaboração de identidades e também a ampliação de temas Primeira fase do Movimento Negro Brasileiro (1889-1937)
que possam ser considerados políticos.
Dessa maneira, os movimentos que despontaram após a Tipo de discurso racial Moderado
predominante
década de 1960 apresentaram, ao mesmo tempo, pautas Estratégia cultural de Assimilacionista
políticas e culturais, lutando por causas identitárias. “inclusão”
Frequentemente associados a grupos sociais minoritários (isto Principais princípios Nacionalismo e defesa das
é, com menor poder político), os novos movimentos sociais ideológicos e posições políticas forças políticas de “direita”, nos
pretendiam criticar as desigualdades, fomentar o debate sobre anos 1930
Principais termos de Pessoas de cor, negro e preto
as formas de exclusão social e propor alternativas para incluir autoidentificação
grupos que estavam sendo socialmente marginalizados. Nesse Solução para o racismo Pela via educacional e moral,
contexto, alguns dos movimentos mais emblemáticos são o nos marcos do capitalismo ou
movimento negro, o movimento LGBT, o movimento da sociedade burguesa .
feminista e o indígena. Métodos de lutas Criação de agremiações negras,
palestras, atos públicos
“cívicos” e publicação de
Movimentos negros jornais.
O movimento negro no Brasil surgiu durante o Período
Colonial, a partir das várias comunidades quilombolas que se Segunda fase do Movimento Negro Brasileiro (1945-1964)
organizaram contra a escravização. Mas foi somente com a
Tipo de discurso racial Moderado
instauração de um Estado Republicano, em 1889, que começou predominante
a haver lutas por direitos propriamente ditos. Desde o final do Estratégia cultural de Integracionista
século XIX, diversos grupos da sociedade civil se organizaram “inclusão”
para denunciar as profundas diferenças entre brancos e negros Principais princípios Nacionalismo e defesa das
no Brasil, herdadas do período escravista e pouco alteradas ideológicos e posições políticas forças políticas de “centro” e
de direita, nos anos 1940 e
pela fase republicana. Foram criadas associações e entidades 1950
civis por “homens de cor”, como os negros eram chamados à Principais termos de Pessoas de cor, negro e preto
época, voltadas para a promoção de atividades recreativas, autoidentificação
culturais e políticas. Na década de 1930, surgiram também Solução para o racismo Pela via educacional e cultural,
jornais e revistas advindos da denominada “imprensa negra”, eliminando o complexo de
inferioridade do negro
cujo objetivo era denunciar as situações vivenciadas pela reeducando racialmente o
população negra e dar destaque a temas ligados à população branco, nos marcos do
periférica, os quais eram pouco explorados pela imprensa capitalismo ou sociedade
tradicional. Ademais, diversos grupos contribuíram para a burguesa.
Métodos de lutas Teatro, imprensa, eventos
discussão estética acerca da questão racial, trazendo à tona o “acadêmicos” e ações visando
debate sobre racismo e discriminação também para o domínio à sensibilização da elite branca
artístico. Exemplo disso é o Teatro Experimental do Negro para o problema do negro no
(TEN), criado em 1944 pelo político, professor, escritor e país .
ativista Abdias Nascimento (1914-2011).
Primeira fase do Movimento Negro Brasileiro (1978-2000)
O golpe militar de 1964 enfraqueceu a luta política dos
negros, desarticulando a coalizão de forças que enfrentava o Tipo de discurso racial Contundente
“preconceito de cor” no país. Com isso, o movimento negro predominante
organizado entrou em refluxo, as ações de resistência passaram Estratégia cultural de Diferencialista (igualdade na
a ser criminalizadas e seus militantes foram estigmatizados e “inclusão” diferença)
acusados pelos militares de criar um problema que Principais princípios Internacionalismo e defesa das
ideológicos e posições forças políticas da esquerda
supostamente não existia: o racismo no Brasil. A repressão políticas marxista, nos anos 1970 e 1980
policial desmobilizou as lideranças negras, lançando-as numa Principais termos de Adoção “oficial” do termo
espécie de semiclandestinidade. autoidentificação “negro”. Posteriormente usa-se,
Somente a partir do início da redemocratização, em 1978, é também, o “afro-brasileiro” e
“afrodescendente”
que os movimentos sociais em geral, e o movimento negro em
Solução para o racismo Pela via política (“negro no
particular, voltaram a se organizar e se mobilizar. poder!”), nos marcos de uma
Impulsionados pela luta do movimento negro norte-americano sociedade socialista, a única que
da década de 1960, liderada por Martin Luther King, Malcolm seria capaz de eliminar com
todas as formas de opressão,
X e os Panteras Negras, entre outros, diversos movimentos inclusive a racial.
brasileiros começaram a se articular em nome de uma defesa Métodos de lutas Manifestações públicas,
mais incisiva da igualdade de direitos para brancos e negros.A imprensa, formação de comitês
Constituição brasileira de 1988 refletiu essa luta, dando de base, formação de um
destaque aos artigos de promoção da igualdade e de combate a movimento nacional.
DOMINGUES, Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos
todas as formas de discriminação.
históricos. Revista Tempo, v. 12, n. 23, p. 117-118. 2007.
56
SOCIOLOGIA
58
SOCIOLOGIA
movimento LGBT, assim como movimentos em torno do sociais evidenciam a questão do desemprego, da violência
combate à violência e da defesa do meio ambiente. [...] institucional e do agravamento no processo de marginalização.
A influência da sociedade na democratização e no desenho de Nesse contexto, o povo convive e se acomoda pacificamente
novas políticas públicas não foi um processo linear e isento de com a miséria cotidiana, sem perspectiva de mudança. A partir
conflitos. É justamente esta uma das características centrais da desse raciocínio, identifique os conceitos sociológicos
política – a disputa (civilizada) entre propostas, derivadas de relacionados a movimentos sociais no Brasil.
diferentes visões a respeito da sociedade e de seus problemas. A) Cidadania; indústria cultural; identidade; individualismo;
[...] resistência social.
FARAH, M. Política e sociedade: as manifestações de rua de 2013 e 2015. B) Participação política; violência; desmobilização; alienação;
Disponível em: <http://politica.estadao.com. br/blogs/gestao-politica-e-
individualismo.
sociedade/politica-e-sociedadeas-manifestacoes-de-rua-de-2013-e-
2015/>.Acesso em: 01 fev. 2019. C) Ideologia; participação política; cidadania; identidade;
projeto político.
D) Identidade; comportamento de massa; propriedade;
ATIVIDADES cidadania; alienação.
E) Projeto político; cidadania; propriedade; alienação;
01. (FUVEST) O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem identidade.
Terra (MST) foi criado em 1984, inserido em um contexto de
A) abertura política democrática no Brasil e de crescente
insatisfação com as políticas agrárias nacionais então vigentes. 04. (EBMSP-2018) Os movimentos culturais organizam-se e
B) fortalecimento da ditadura militar brasileira e de aumento da se processam em maior ou menor grau conforme a identidade e
imigração estrangeira para o país. os interesses dos sujeitos sociais. Hoje em dia, os movimentos
C) declínio da oposição armada à ditadura militar brasileira e culturais orientam-se por duas tendências. A primeira envolve
de aumento da migração das cidades para o campo. os movimentos “instituídos”, ou seja, as instituições e
D) aumento da dívida externa brasileira e de disseminação da movimentos do Estado e as demais instituições culturais
pequena propriedade fundiária em todo o país. dominantes, como as religiões e as empresas da indústria
E) crescimento de demanda externa por commodities cultural. A segunda tendência envolve os movimentos
brasileiras e de grandes progressos na distribuição de terra, no “instituintes”, ou seja, os movimentos da sociedade civil cuja
Brasil, a pequenos agricultores. iniciativa nasce aleatoriamente ao interesse do Estado e das
instituições e empresas dominantes.
Disponível em: <http://sociologiajkpp.blogspot.com.br/2010/04/>. Acesso em:
ago. 2017. Adaptado.
02. (UNIOESTE) Considerando-se o texto, podem ser considerados movimentos
culturais “instituídos” e “instituintes”, respectivamente,
A) a invasão do território brasileiro pelas tropas da Inglaterra,
gerando a Guerra do Paraguai, na década de 60 do século XIX,
e a vitória do arraial de Canudos, no final do século XIX,
contra as manobras da Igreja que condenavam os milagres do
Padre Cícero.
B) a Semana de Arte Moderna, em 1922, que decretou os
novos rumos da arte brasileira, segundo os modelos importados
da Europa, no campo da literatura, das artes plásticas e da
música, e a campanha pelo voto secreto e eleições diretas
O símbolo acima reproduzido ficou nacionalmente conhecido desenvolvida em todo o Brasil, no período dos governos
após uma série de manifestações públicas que ocorreram em republicanos militares do século XIX.
junho de 2013 e representa o Movimento Passe Livre: um C) o movimento popular em defesa da PETROBRAS, na
movimento social que luta pela implantação da 'tarifa zero' no década de 20 do século XX, denominado “o petróleo é nosso”
transporte público, como forma de garantir o acesso ao e a “marcha da família com Deus pela liberdade” em protesto
transporte para todas as camadas da população. Tendo em vista contra o golpe militar de 1964.
aqueles acontecimentos, assinale qual das alternativas abaixo é D) a promulgação das Constituições de 1937 e 1967 em favor
CORRETA. do estado democrático brasileiro e a decretação do feriado
A) Os movimentos sociais deveriam ser proibidos porque nacional de 12 de outubro em homenagem à padroeira do
provocam tumultos e depredações. Brasil, Nossa Senhora Aparecida.
B) Os movimentos sociais são movimentos de oposição aos E) as reformas do Ensino Médio planejadas pelo governo
governos. federal, em 2016 e os movimentos em defesa da consciência
C) Os movimentos sociais só acontecem em épocas de crise. negra e de proteção à mulher contra o feminicídio, gerados nas
D) Os movimentos sociais são importantes instrumentos na luta quatro últimas décadas
pelo reconhecimento de novos direitos.
E) Os movimentos sociais têm como objetivo a conquista do 05. (UFU-2018) Observe as figuras a seguir:
Estado.
As formas de ativismo on-line e off-line, no Brasil, campo dos direitos da coletividade, visando o bem-estar geral,
demonstram a emergência, na sociedade civil, de novos atores no âmbito do direito público.
políticos, que se articulam por meio de ações coletivas em rede. JELINEK, R. O princípio da função social da propriedade e sua repercussão
sobre o sistema do Código Civil. Disponível em: www.mp.rs.gov.br. Acesso
Com base no texto e nos conhecimentos sobre as recentes
em: 20 fev. 2013.
formas de mobilização dos atores da sociedade civil, assinale a Os movimentos em prol da reforma agrária, que atuam com
alternativa correta. base no conceito de direito à propriedade apresentado no texto,
A) As ações coletivas em rede podem ser comparadas aos propõem-se a
movimentos sindicais brasileiros da década de 1970, por A) reverter o processo de privatização fundiária.
adotarem práticas de organização e de mobilização em defesa B) ressaltar a inviabilidade da produção latifundiária.
da esfera privada contra a opressão estatal. C) defender a desapropriação dos espaços improdutivos.
B) As manifestações políticas organizadas em redes de D) impedir a produção exportadora nas terras agriculturáveis.
movimentos caracterizam-se pela participação de diversos E) coibir o funcionamento de empresas agroindustriais no
grupos e de múltiplos atores imersos na vida cotidiana, com campo.
militância parcial e efêmera.
C) O atual ativismo político no Brasil, a exemplo do mundo, 12. (ENEM - 2017) No Brasil, assim como em vários outros
mobiliza entidades e organizações ideologicamente unificadas países, os modernos movimentos LGBT representam um
e com práticas comuns no mercado, a fim de obter vantagens desafio às formas de condenação e perseguição social contra
coletivas trabalhistas e salariais. desejos e comportamentos sexuais anticonvencionais
D) O ciberativismo, na contemporaneidade, envolve, como no associados à vergonha, imoralidade, pecado, degeneração,
passado, a mobilização das grandes classes e a afirmação do doença. Falar do movimento LGBT implica, portanto, chamar
movimento operário como principal protagonista das a atenção para a sexualidade como fonte de estigmas,
transformações socioeconômicas. intolerância, opressão.
E) Os sujeitos dos movimentos favoráveis às políticas SIMÕES, J. Homossexualidade e movimento LGBT: estigma, diversidade e
neoliberais, na atualidade brasileira, organizam-se em rede para cidadania. In: BOTELHO, A.; SCHWARCZ, L. M. Cidadania, um projeto em
a defesa da intervenção e da regulação da economia e das construção. São Paulo: Claro Enigma, 2012 (adaptado).
relações de trabalho, pelo Estado. O movimento social abordado justifica-se pela defesa do
direito de
10. (UEL) O vídeo Kony 2012 tornou-se o maior sucesso da A) organização sindical.
história virtual, independente da polêmica causada por ele. Em B) participação partidária.
seis dias, atingiu a espantosa soma de 100 milhões de C) manifestação religiosa.
espectadores, aproximadamente. No primeiro dia na Internet, o D) formação profissional.
vídeo foi visto por aproximadamente 100.000 visitantes. E) afirmação identitária.
(Adaptado de: PETRY, A. O Mocinho vai prender o bandido... e 100 milhões
de jovens querem ver. Veja, ano 45, n.12, 2261.ed., 21 mar. 2012.) GABARITO
A Internet revelou-se um poderoso instrumento para a ação 01. A
política de ONGs e de movimentos sociais. A respeito das 02. D
formas de expressão de necessidades coletivas no mundo 03. C
globalizado, assinale a alternativa correta. 04. E
A) As ONGs e os novos movimentos sociais têm como 05. B
característica comum a construção de estruturas hierarquizadas 06. B
e rígidas para a realização das lutas coletivas. 07. D
B) Como toda luta política, a conquista do poder de Estado é o 08. B
referencial a partir do qual se constroem as ações das novas 09. B
reivindicações coletivas de ONGs e movimentos sociais. 10. E
C) Demandas ligadas ao trabalho perderam sua importância 11. C
para as novas lutas coletivas expressas pelas ONGs e 12. E
pelos recentes movimentos sociais.
D) Nas novas lutas coletivas há o predomínio dos novos
sujeitos sociais, os grupos sociologicamente minoritários, com O UNIVERSO DA CULTURA
um projeto definido e uniforme de construção da sociedade.
E) O ativismo de ONGs e de movimentos sociais nas redes CIVILIZAÇÃO E A VISÃO ILUMINISTA DA CULTURA
virtuais diversifica as agendas políticas e as práticas Desde a Antiguidade, era conhecida a grande diferença de usos
que buscam inovar o modo de fazer política. e costumes entre os povos, porém a discussão era centrada no
terreno da ética, em que a preocupação estava centrada na
11. (ENEM-2020) A propriedade compreende, em seu tentativa de construir um sistema de valores que pudesse ser
conteúdo e alcance, além do tradicional direito de uso, gozo e considerado universal. Em relação à percepção dessas
disposição por parte de seu titular, a obrigatoriedade do diferenças, a história dos povos antigos do mundo ocidental foi
atendimento de sua função social, cuja definição é inseparável marcada pela presença de uma visão etnocêntrica, como atesta
do requisito obrigatório do uso racional da propriedade e dos a própria palavra “bárbaro”, utilizada pelos antigos gregos e,
recursos ambientais que lhe são integrantes. O proprietário, posteriormente, pelos romanos, para se referir aos estrangeiros,
como membro integrante da comunidade, se sujeita a isto é, a quaisquer povos que não fossem originários de sua
obrigações crescentes que, ultrapassando os limites do direitos própria cultura.
de vizinhança, no âmbito do direito privado, abrangem o
61
SOCIOLOGIA
No século XVIII, o Iluminismo afirmava que o ser humano Ao contrário da noção francesa de civilization, que
racional, livre e consciente era o apogeu da realização da pressupunha um padrão universal de comportamento, os
essência humana. O modelo de sociedade europeu – urbano, alemães defendiam, com a noção de kultur, que os costumes e
industrial, republicano e democrático – era visto como superior hábitos de um grupo social não podem ser provenientes de
e o mais avançado sistema de vida coletiva da história humana. nenhum outro povo, devendo estar ligados à sua identidade
Dessa forma, o modelo cultural europeu, autodenominado cultural e às suas tradições.
“civilização”, foi tomado como o modelo ideal e utilizado O antropólogo inglês Edward Tylor (1832-1917), em seu
como parâmetro de comparação com as formas culturais dos estudo sobre o que até então se entendia por culturas
outros povos. primitivas, uniu as perspectivas francesa e alemã e propôs uma
O ideal iluminista de cultura revela uma visão universalista que nova acepção para o termo cultura (do vocábulo inglês
defende que todas as culturas devem se desenvolver da mesma culture), concebendo-a como toda a gama de conhecimentos,
forma em direção a um mesmo objetivo: a civilização. Essa crenças, produção artística, leis, moral, ou seja, todos os
concepção se desenvolveu sistematicamente ao longo do século aspectos simbólicos que envolvem a vida em sociedade. Desse
XIX, em diversas filosofias sociais que defendiam o progresso modo, abriu-se o caminho para o surgimento de um conceito
tecnológico e a racionalização como critérios de superioridade científico de cultura, ainda que a perspectiva de Tylor
cultural. apresentasse um caráter evolucionista, como veremos a seguir.
Para os iluministas, o termo “cultura” se refere ao cultivo do
espírito humano, um estado em que o indivíduo se encontra
após adquirir educação e instrução, usando sua racionalidade
em prol do desenvolvimento pessoal e intelectual.
Nesse sentido, o estado de cultura se opõe ao estado de
natureza, uma vez que, no estado de natureza, os indivíduos
não dispõem dos elementos de civilidade que per-mitem a vida
em sociedade. Para os pensadores iluministas, a cultura se
relaciona ao conhecimento científico, à evolução e ao
progresso.
Essa relação entre cultura e civilização, no entanto, guarda
grandes diferenças semânticas quando pensamos nas classes
burguesas e aristocráticas da França e da Alemanha nos séculos
XVIII e XIX. As elites aristocráticas francesas acreditavam, tal
qual os iluministas, que a noção de civilização estava EVOLUCIONISMO CULTURAL
diretamente atrelada ao progresso, representando as realizações
e o desenvolvimento de um povo, de uma coletividade e, no O evolucionismo cultural é um
caso das sociedades industriais, o desenvolvimento industrial e conjunto de teorias antropológicas,
tecnológico. Para os franceses, cultura era um atributo inspiradas na Teoria da Evolução de
individual, fruto da erudição e do refinamento em relação aos Charles Darwin, defensoras da tese
modos de convivência. de que a sociedade seria similar aos
Até meados do século XIX, a Alemanha não era um país organismos vivos (organicismo) e
unificado politicamente. Assim, para se criar um sentimento de estaria submetida às mesmas leis
unidade para a construção da Alemanha como um Estado- naturais da evolução, da adaptação
nação, seria necessário buscar características particulares que e da seleção natural. Entre os
somente diriam respeito a um povo que habita um território principais evolucionistas encontra-
específico. se o antropólogo inglês Edward
As elites alemãs do período foram responsáveis por criar uma Tylor (1832-1917).
noção particularista da cultura. Os intelectuais alemães Em seu livro Primitive Culture
entendiam a relação entre cultura e civilização de um modo (1871), Tylor afirma que a cultura é um fenômeno natural e,
distinto dos pensadores iluministas e franceses. Para os como tal, possui causas e regularidades passíveis de serem
intelectuais alemães, kultur era justamente aquilo que os apreendidas pelos métodos científicos próprios das ciências
indivíduos tinham de mais autêntico, de mais singular e puro, naturais.
enquanto civilization era entendida como hábitos e costumes Desse modo, o universo da cultura estaria sujeito a leis gerais a
artificiais. Mas, como essa distinção era construída? serem descobertas pelos antropólogos. Na concepção de Tylor,
Os intelectuais alemães entendiam que os hábitos e costumes os grupos humanos se diferenciariam apenas pelo grau de
dos nobres e aristocratas alemães eram imitações dos hábitos e civilização em que se encontram. Portanto, sob essa
costumes dos aristocratas franceses. Evidentemente, os nobres perspectiva, a diversidade cultural estaria atrelada à
alemães consideravam seus hábitos mais sofisticados que os desigualdade de estágios evolutivos entre os distintos grupos
hábitos de vida das classes populares. No entanto, os humanos.
intelectuais alemães entendiam que os costumes da nobreza Desse modo, as diferenças entre as culturas eram pensadas em
eram artificiais, justamente por serem copiados da elite comparação com as sociedades europeias. As sociedades de
francesa. Portanto, para a construção da Alemanha como outras partes do mundo eram sempre consideradas menos
Estado-nação, seria necessário buscar a essência do verdadeiro evoluídas, pois não apresentavam os mesmos valores já
espírito alemão, que somente poderia ser encontrada nas estabelecidos na Europa, cuja representação era a de apogeu da
classes populares, uma vez que elas eram consideradas civilização.
detentoras das principais características de uma coletividade.
62
SOCIOLOGIA
determinada comunidade se consolidaram ao longo do tempo. como o idioma, os gestos, a alimentação, os ritos, os valores e
Boas defendia a necessidade de se interpretar cada cultura os comportamentos, são, acima de tudo, sistemas simbólicos.
conforme suas múltiplas possibilidades de desenvolvimento. Por serem fruto de construção humana, as culturas são diversas
Em razão dessa abordagem, essa perspectiva ficou conhecida e variadas, uma vez que elas se relacionam com agrupamentos
como particularismo histórico. humanos específicos, localizados no tempo e no espaço. Cada
Apesar de ainda conter traços etnocêntricos, em sua teoria, grupo social desenvolve uma cultura específica, que possui
Franz Boas representou uma mudança significativa na seus próprios elementos, signos, valores e sentidos.
compreensão da diversidade cultural humana, dando início a Refletir sobre o universo da cultura é refletir sobre a dicotomia
estudos que intensificaram a crítica ao etnocentrismo, ao entre o material e o simbólico. Os objetos que existem no
racismo e às formas de dominação cultural que eram mundo ao nosso redor não apresentam um significado
dominantes no evolucionismo, no positivismo e predominantes predeterminado. São os seres humanos, com sua capacidade de
no senso comum. Tendo emigrado para os Estados Unidos, no dar significados simbólicos aos objetos que possuem existência
final do século XIX, foi o principal responsável pelo material, que os provê de utilidades e significados. A nossa
surgimento da corrente que ficou conhecida como culturalismo existência como seres sociais é totalmente dependente dessa
ou antropologia cultural. Entre seus ilustres alunos e seguidores capacidade de simbolizar o mundo ao nosso redor. Por esse
se encontrava o brasileiro Gilberto Freyre. motivo, o antropólogo Clifford Geertz entende que o ser
humano:
ANTROPOLOGIA
A Antropologia está interessada no estudo das diversidades [...] é um animal amarrado a teias de significados que ele
culturais e sociais, ou seja, nas diferentes maneiras com que se mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua
apresenta a vida humana, em todos os tempos e lugares. Trata- análise; portanto, não como uma ciência experimental em
se, portanto, de uma perspectiva que não se satisfaz com a busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura
simples observação de culturas ou sociedades isoladas, mas do significado.
avança no sentido de oferecer instrumentos que permitam GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
p. 15.
compreender a constituição simbólica de diferentes
sociabilidades, os significados com os quais indivíduos e seus
coletivos interpretam e organizam os contatos, os encontros e Para Geertz, o homem é um animal amarrado a teias de
mesmo os conflitos em que se envolvem. [...] A investigação significados que ele mesmo teceu, portanto, esse antropólogo
dos processos de construção e de produção das diferenças, assume a cultura como sendo essas teias e sua análise. Dessa
para isso, volta sua atenção a um emaranhado complexo de forma, a Antropologia não é uma ciência experimental, mas
dados recolhidos de experiências, expressões e práticas dos uma ciência interpretativa, à procura de significados. Sua
atores situados em variados contextos. definição de cultura assenta-se, então, na possibilidade de
Disponível em: <http://www.ufjf.br/ graduacaocienciassociais/sobre-o-curso/ interpretação desses significados.
apresentacao/bacharelado/antropologia/>. Acesso em: 23 ago. 2018. Logo, é crucial pensar a Antropologia como uma ciência que
[Fragmento] busca o conhecimento por meio do “outro”, isto é, por
intermédio do entendimento da alteridade. Assim, a
O CARÁTER SIMBÓLICO DA CULTURA antropologia se configura como uma forma de conhecimento
sobre a diversidade cultural, ou melhor, é a busca do que nós
somos através do espelho do “outro”. Nos termos de Eduardo
Viveiros de Castro (2002), esse outro é “outrem”, ou seja, “é a
expressão de um mundo possível”.
VIVEIROS DE CASTRO, E. O Nativo Relativo. Mana, Rio de Janeiro, v. 8,
n.1, 2002. p. 113-148.
[...]
A cultura é, então, uma noção de comportamento apreendido. É
através do fluxo do comportamento que as formas culturais
A grande diferenciação entre os homens e os animais ocorreu a encontram articulação, mas também em várias espécies de
partir do momento em que o cérebro humano passou a ser artefatos e vários estados de consciência. A interpretação
capaz de produzir símbolos. Nossa espécie se caracteriza, em antropológica, neste contexto, irá construir a leitura do que
grande parte, por sua capacidade de abstração e de acontece − é a descrição densa, elaborada pelo antropólogo,
simbolização. São justamente tais capacidades que possibilitam que levará à essência da cultura analisada.
a construção e a partilha de significados, conferindo sentidos à [...]
vida e à realidade. Nesta análise da cultura, a posição de Geertz é manter a análise
Logo, os comportamentos humanos se baseiam no uso dos das formas simbólicas [...] de modo mais estreito possível com
símbolos. Por esse motivo, o filósofo alemão Ernst Cassirer os acontecimentos sociais e ocasionais concretos, organizando
(1864-1945) definiu o ser humano como homo simbolicus em as formulações teóricas com as interpretações descritivas. Para
vez de homo sapiens, para acentuar a capacidade simbólica Geertz, é fundamental olhar as dimensões simbólicas da ação
humana como o elemento que mais nos destaca em relação aos social − arte, religião, ideologia, ciência, lei, moralidade, senso
outros seres. Somos capazes de produzir signos artificiais que comum – e não se afastar dos dilemas existenciais da vida, e
possuem um significado intencionalmente atribuído, sim mergulhar no meio deles.
significado este que pode ser ensinado aos outros indivíduos e PINTO, Suely Lima de Assis. A cultura e as diferentes concepções apreendidas
nas determinações históricas. Itinerarius Reflections, [S.l.], v. 3, n. 1, p. 11-13,
passado de geração em geração. Todos os sistemas humanos, set. 2008.
64
SOCIOLOGIA
Naquele período, as manifestações culturais das pessoas que que um determinado aspecto da cultura é essencialmente
viviam no campo eram tidas como mais “autênticas” e “puras” popular ou essencialmente erudito. O que lhes dá esse tipo de
se comparadas aos costumes das classes que viviam na cidade, significação é justamente a disputa de poder entre os grupos
uma vez que estas estavam permeadas pelos costumes próprios sociais para significá-los. Qualquer forma de hierarquia social
das sociedades industriais. A cultura popular era marcada pela no plano político ou econômico ensejará também uma
oralidade e informalidade, ao contrário da cultura erudita, que hierarquia no plano cultural. No entanto, o dinamismo da
era marcada pelo letramento, pelo embasamento na ciência e cultura permite um alto fluxo entre os diversos âmbitos
racionalidade, nos moldes do pensamento iluminista. culturais, o que torna definições como cultura popular e cultura
A cultura popular ou tradicional é definida como o conjunto erudita sujeitas a grandes variações.
de manifestações, valores, comportamentos, saberes e crenças
que são originais de um grupo social, contribuindo para formar As noções de folclore e de cultura popular‚ e com elas os fatos
sua identidade cultural e fazendo parte da sua história. culturais que designam, são produtos históricos. Resultam de
A cultura popular ou tradicional particulariza um povo, atribui um longo processo, que atravessa a Idade Moderna ocidental,
a ele história e personalidade, insere-o em um contexto de afastamento das elites européias de um universo cultural
histórico específico e dá sentido à sua existência. A cultura amplo do qual até então também participavam. O discurso
popular surge das tradições e dos costumes de um povo e está sobre a cultura popular ganhou seus contornos atuais no
intimamente associada à sua história, garantindo profundidade momento em que se reconheceu a existência de uma distância
de vínculo entre o indivíduo, o grupo e a sua cultura. entre o saber das elites e o saber do “povo”. O propiciador
Porém, cabe observar que a expressão “cultura popular” dessa novidade foi o Romantismo, poderosa corrente de
também recebeu outras denotações ao longo do tempo, sendo pensamento que se desenvolveu a partir da Europa na segunda
associada às manifestações das classes mais baixas, o “povo”. metade do século XVIII. Valorizando a diferença e a
Essa associação entre cultura e classe é fundamental para particularidade, o Romantismo associou-se aos movimentos
compreendermos a noção de cultura erudita, que visa nacionalistas europeus em oposição ao ideal de uma razão
distinguir e classificar algumas manifestações e bens culturais intelectual universal valorizado pelo Iluminismo.
como superiores, mais sofisticados que outros. Por isso, a Na visão romântica, o povo seria o elemento primitivo,
expressão “cultura erudita” faria referência a um certo tipo de comunitário e autêntico, encontrado, sobretudo, no mundo
cultura que é considerado mais elaborado e está fortemente rural. O folclore e a cultura popular abrigariam
associada à estrutura de poder predominante na sociedade. nostalgicamente a totalidade integrada da vida com o mundo,
Vimos anteriormente que o termo “cultura” passou a ser rompida no mundo moderno. Nessa perspectiva, folclore /
utilizado num contexto de mudança de poder da aristocracia cultura popular e cultura de elite opõem-se, ainda que de modo
para a burguesia no século XVIII, mas a maior parte das complementar. A questão pode tornar-se ainda mais complexa
referências de valores e comportamentos da burguesia estava se introduzirmos nesse quadro de reflexão o grande demônio
ligada à nobreza e à aristocracia, a quem ela tentava “imitar”. corruptor geralmente denominado cultura de massa, com
Por isso, boa parte do que chamamos de cultura, no senso relação ao qual ambos os níveis de cultura – popular ou de elite
comum, ainda permanece ligado às grandes artes aristocráticas – exibiriam uma aura de relativa pureza. Com essa observação,
dos séculos XVIII e XIX: pintura, escultura, dança, música podemos também imediatamente perceber como toda essa
erudita (orquestra), poesia. A noção de cultura erudita define, discussão está perpassada por valores morais geralmente
em geral, os bens culturais que são valorizados pela classe preconcebidos. Na atualidade, o modelo interpretativo “de duas
dominante e se opõe à noção de cultura popular (entendida camadas” (cultura popular / folclore versus cultura de elite)
como cultura das classes baixas). está unanimemente superado, e mesmo estudiosos e
Ainda no que tange ao tema, convém ressaltar outro aspecto pesquisadores que se veem filiados à tradição romântica, são
muito importante, que é o que diz respeito à cultura de massa. unânimes em afirmar que [...] as culturas do “povo” e as
Tende a se apropriar de parte da cultura popular (inclusive de culturas das elites são variadas [...] e que a fronteira entre elas é
aspectos tradicionais) e a transformá-la em objeto de consumo, imprecisa e permeável. Por isso, mesmo a atenção analítica
seguindo a lógica do capitalismo de mercado. Nesse sentido, a deve se concentrar não na oposição, mas na interação existente
noção de cultura de massa confere mais dinamismo e entre níveis e circuitos culturais distintos. [...]
complexidade ao debate sobre cultura, por esse motivo, será CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Entendendo o folclore e a
cultura popular. Rio de Janeiro. Disponível em:
abordada de forma mais específica no próximo capítulo.
<http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=100>. Acesso em: 13 set.
É inegável a relação, bastante próxima, que a cultura popular 2018.
possui com a vida cotidiana das camadas mais pobres da
população. No entanto, não devemos esquecer que a dicotomia É importante perceber que as distinções entre cultura
rígida entre cultura letrada e cultura popular, tal qual proposta tradicional, cultura de massa e cultura erudita não são absolutas
pelos pensadores alemães, deve ser relativizada no contexto nem estanques. Ao contrário, é cada vez mais comum que essas
atual. O fato de a cultura popular ser própria das classes noções estejam misturadas e apresentem-se de forma mais
dominadas, se pensarmos em termos de poderio econômico no complexa quando analisamos fenômenos culturais
atual estágio do capitalismo, não quer dizer que seja uma contemporâneos.
cultura que deva ser compreendida pela perspectiva da falta. Novos estudos trouxeram mais elementos para pensar a questão
Isso quer dizer que ela não deve ser compreendida como uma cultural, como as noções de capital cultural e capital
versão defasada da chamada cultura erudita, ou em um estágio simbólico, desenvolvidas pelo sociólogo francês Pierre
que um dia alcançará o patamar de cultura “oficial”. Bourdieu, na década de 1960. Para ele, a quantidade e o tipo de
O que devemos ter em mente é que “culturas dominantes” e manifestações culturais que são assimiladas pelos indivíduos
“culturas dominadas” são termos que denotam realidades estão intimamente associados (mesmo que não exclusivamente)
culturais que estão sempre em relação. Nunca podemos dizer
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SOCIOLOGIA
ao capital econômico que possuem, o que faz com que a cultura A Antropologia foi se desenvolvendo e criando novas áreas de
seja também utilizada como instrumento de poder. estudo não só ligadas às populações “exóticas”, mas também
Além disso, a perspectiva dos Estudos Culturais e dos tomando por objeto a vida urbana das grandes cidades. Após a
Estudos Pós-Coloniais, a partir da década de 1960, passaram a década de 1970, além de olhar para “o outro de fora”, também
evidenciar como as dinâmicas de poder afetam de forma passou a se interessar pelos muitos “outros” que estão “dentro”
decisiva as permanências e as mudanças culturais, gerando um e para o “nós”. Um dos ramos mais interessantes é o da
amplo debate sobre os diferentes impactos que os processos de antropologia urbana, no qual se destaca o antropólogo carioca
colonização trouxeram para as culturas das sociedades Gilberto Velho (1945-2012), considerado um dos pioneiros dos
colonizadas (especialmente nas Américas e na África). Por estudos sobre as complexas relações entre indivíduo, sociedade
exemplo, o crítico literário palestino Edward Said (1935-2003), e modo de vida urbano.
em seu livro Orientalismo (1979), demonstrou como a visão Velho chama a atenção para as práticas culturais que nos são
que se difundiu no Oriente (no Oriente Médio, principalmente) “familiares”, mas que ocultam significados, histórias e relações
foi moldada e distorcida pelo olhar europeu, conforme seus que merecem maior atenção. Dedicou-se a estudar fenômenos
preconceitos e estereótipos. O mesmo pode ser dito de todas as como a violência nos grandes centros urbanos, as práticas
culturas que passaram pelo processo de colonização, como as culturais de grupos juvenis, o individualismo, o consumismo e
culturas dos povos africanos e da Oceania. A partir da década as relações familiares.
de 1960, falar de cultura implica, necessariamente, falar de Um dos teóricos de maior destaque na antropologia urbana
poder político-econômico, de discriminação racial, de contemporânea é o cientista político e antropólogo fluminense
desigualdade de gênero e de classe. Luiz Eduardo Soares (1954-), coautor do famoso livro Elite da
Tropa (2005), que inspirou os filmes Tropa de Elite 1 (2007) e
ANTROPOLOGIA E CULTURA NO BRASIL Tropa de Elite 2 (2010), dirigidos por José Padilha. Luiz
Em razão da grande diversidade cultural dos povos nativos, o Eduardo Soares, em seus estudos sobre as relações entre a
Brasil atraiu os olhares de antropólogos do mundo todo, violência, a criminalidade, a mídia e o Estado, destaca como o
interessados em desvendar os segredos da diversidade das próprio poder político corrompido produz e sustenta a
culturas humanas. Desde o século XVII, foram muitos os criminalidade, explicitando também como a mídia contribui
naturalistas que chegaram, ao território brasileiro, para registrar para alimentar o espetáculo da violência urbana.
em textos e imagens os usos e costumes dos povos indígenas. O antropólogo Roberto Damatta (1936-), atualmente professor
Porém, a Antropologia, no Brasil, só se alavanca de fato após do Museu Nacional do Rio de Janeiro, buscou compreender
as expedições do Marechal Cândido Rondon, nas décadas de diversas formas culturais que se instauram no meio urbano
1930 e 1940, com a missão de desbravar e integrar todo o brasileiro: o carnaval, a figura do malandro, o jeitinho
território nacional. A partir delas é que os povos que haviam brasileiro e a prática do “você sabe com quem está falando?”.
resistido e escapado ao genocídio colonial e à catequese Consagrou-se com obras como Carnavais, malandros e heróis
eclesiástica foram contatados. A pretensão do governo Vargas (1979) e A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no
– sob o qual boa parte das expedições se realizou – era a de Brasil (1984).
unificar o território sob o prisma de uma única cultura nacional
brasileira. A concepção vigente, nesse período, era a INTÉRPRETES DO BRASIL
evolucionista, que via o índio como um “atrasado” que Até o início do século XX, não havia uma sociologia
precisava ser “civilizado”. Assim, os índios deveriam propriamente brasileira. As teorias que vigoravam aqui eram
abandonar gradativamente sua cultura “primitiva” em nome de aquelas desenvolvidas em solo europeu, aplicadas com poucas
uma cultura considerada superior: de matriz cristã, branca- adaptações ou modificações. Havia grande aceitação,
europeia, capitalista e urbana. principalmente, das doutrinas do racismo científico
A partir da década de 1940, a antropologia brasileira passou a (racialismo), como o evolucionismo social, o darwinismo
ser influenciada principalmente pelo culturalismo, de Franz social e a eugenia, adotadas como modelos de explicação para
Boas, e pelo estruturalismo, de Claude Lévi-Strauss. Nesse a sociedade brasileira. A partir dos pressupostos racialistas, a
contexto, destacam-se também nomes como os de Orlando e “culpa” do atraso brasileiro, em relação às civilizadas nações
Cláudio Villas Bôas, cujo trabalho junto a vários grupos de europeias, era dos componentes negros e indígenas em nosso
indígenas amazônicos foi fundamental para a mudança de uma sangue e em nossa cultura. Autores consagrados como
compreensão integracionista – típica do evolucionismo – para Monteiro Lobato e Euclides da Cunha, bem como pensadores
uma compreensão preservacionista, que vai ser predominante sociais como Oliveira Viana e Raimundo Nina Rodrigues
na FUNAI e na demarcação de terras indígenas; o de Gilberto expressavam essa visão eurocêntrica e apoiavam causas
Freyre e seus estudos sócio-históricos em Casa-grande e eugenistas, como os incentivos governamentais para a
senzala, Sobrados e mucambos, entre outros muitos livros imigração europeia no país, com a finalidade de
sobre a miscigenação como origem da cultura brasileira; o de “embranquecê-lo”.
Darcy Ribeiro com seus estudos sobre a formação cultural do No entanto, o movimento estético-cultural do Romantismo,
Brasil a partir do hibridismo de três matrizes, culturais com sua pretensão nacionalista nos finais do século XIX, assim
diferentes, apresentados no livro O povo brasileiro; o de Luís como o Modernismo, inaugurado em 1922, trouxeram um novo
da Câmara Cascudo e seu esforço de pesquisa e catalogação de olhar sobre a configuração étnico-cultural brasileira. Em vez de
práticas culturais, alimentos, folclore e mitos regionais criticar os elementos não europeus, inicia-se uma busca pela
brasileiros; e, mais recentemente, o de Eduardo Viveiros de identidade própria do brasileiro, a nossa “brasilidade”. Essa
Castro com sua obra A inconstância da alma selvagem, em que brasilidade passará a ser fortemente associada à mestiçagem
estuda de forma detalhada diversas manifestações culturais de (ou miscigenação).
povos indígenas atuais. O surgimento da Sociologia como disciplina científica no
Brasil, na década de 1930, está imbuída dessa leitura que
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SOCIOLOGIA
busca, ao mesmo tempo, identificar a “brasilidade” e valorizá- A cultura material consiste em toda a sorte de artefatos,
la. É o caso de Gilberto Freyre (1900-1987), que se dedicou a objetos, instrumentos, construções, obras arquitetônicas,
estudar a formação histórico-social do Brasil desde o período utensílios que são produzidos no interior de uma determinada
colonial e foi o primeiro grande defensor da mestiçagem como cultura e que se distinguem por serem concretos, tangíveis.
sendo a grande contribuição do Brasil para o mundo. Sua obra- Uma igreja histórica, uma arma de guerra ou um utensílio
prima, Casa-grande e senzala, publicada em 1932, tornou-se doméstico podem ser considerados exemplos de materiais da
um dos marcos do nascimento da Sociologia do país e um dos cultura.
ícones da interpretação da sociedade brasileira. Já a cultura imaterial se refere a elementos que não são
O historiador e diplomata Sérgio Buarque de Holanda (1902- tangíveis, isto é, que se caracterizam pela sua abstração. Os
1982), pai do músico Chico Buarque, inspirou-se em Freyre e bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes, às
propôs uma das teses mais debatidas nas ciências sociais: a tese habilidades, às crenças, às práticas, ao modo de ser das
do Homem Cordial. Para Holanda, uma das características mais pessoas. Dessa forma, podem ser considerados bens imateriais:
marcantes da “alma” brasileira (leia-se, dos comportamentos conhecimentos enraizados no cotidiano das comunidades;
culturais brasileiros) teria sido desenvolvida a partir da manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
influência do modo de ser ibérico (lusitano), que tende a rituais e festas que marcam a vivência coletiva da religiosidade,
valorizar mais a emoção do que a razão. Em seu livro Raízes do entretenimento e de outras práticas da vida social.
do Brasil (1936), Holanda defende que o brasileiro seria O patrimônio cultural designa o conjunto de bens materiais ou
“cordial”, isto é, submetido ao coração: paixões, afetos, imateriais que são considerados de interesse para a
empatia e humor. Por isso, tenderia a valorizar mais as relações coletividade, por resguardarem a identidade cultural de um
familiares e afetivas do que a frieza das leis; daria mais grupo social. No Brasil, o órgão responsável pela conservação
importância ao domínio privado do que ao público; seria mais patrimonial é o IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e
afeito à aventura do que ao planejamento calculista e racional. Artístico Nacional).
Por esse motivo, seria tão festivo e hospitaleiro – São exemplos do Patrimônio Imaterial brasileiro: o queijo de
características destacadas por todos os estrangeiros que chegam Minas Gerais; o frevo e o maracatu de Pernambuco; o ofício
por aqui. das paneleiras do Espírito Santo; o samba de raiz do Rio de
A tese do Homem Cordial foi a base de explicação para muitos Janeiro; o ofício das Baianas do Acarajé da Bahia; a viola de
comportamentos culturais vistos no país, como a malandragem, cocho do Mato Grosso. São exemplos do patrimônio material
o “jeitinho brasileiro” e a própria corrupção. Inspirou muitos brasileiro: as igrejas do centro histórico de Ouro Preto, em
teóricos posteriores na tentativa de compreender as Minas Gerais; os Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro; o
manifestações culturais brasileiras. O antropólogo carioca Convento Beneditino de São Paulo; o Pelourinho, em Salvador;
Roberto DaMatta, por exemplo, parte dessa categoria para o Cristo Redentor carioca.
analisar a cultura brasileira, em seu livro Carnavais, malandros
e heróis, na tentativa de decodificar os modos de navegação VOCÊ TEM CULTURA?
social que são socialmente validados na nossa cultura. Outro dia ouvi uma pessoa dizer que “Maria não tinha
As teorias de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda cultura”, era “ignorante dos fatos básicos da política, economia
sofreram muitas críticas, ligadas principalmente ao e literatura”. Uma semana depois, no museu onde trabalho,
reducionismo, ao essencialismo e à generalização, mas são conversava com alunos sobre “a cultura dos índios Apinayé
importantes pelo esforço de compreensão, pela influência que de Goiás”, que havia estudado de 1962 até 1976, quando
exerceram e pelo debate que geraram posteriormente. publiquei um livro sobre eles (Um mundo dividido). Refletindo
sobre os dois usos de uma mesma palavra, decidi que esta
DARCY RIBEIRO E O POVO BRASILEIRO seria a melhor forma de discutir a ideia ou o conceito de
Um dos nomes mais importantes dos estudos antropológicos do cultura tal como nós, estudantes da sociedade, a concebemos.
Brasil é o do mineiro Darcy Ribeiro (1922-1997), natural de Ou, melhor ainda, apresentar algumas noções sobre a cultura e
Montes Claros. Seus estudos etnográficos se iniciam na esteira o que ela quer dizer, não como uma simples palavra, mas como
dos Irmãos Villas Bôas e buscam encontrar os traços da uma categoria intelectual, um conceito que pode nos ajudar a
“brasilidade” por meio da miscigenação de três matrizes compreender melhor o que acontece no mundo à nossa volta.
culturais básicas: indígenas (matriz tupi), portugueses (matriz Retomemos os exemplos mencionados porque eles encerram os
lusitana) e africanos (matriz africana). Dessas três matrizes, dois sentidos mais comuns da palavra. No primeiro, usa-se
postas em contato físico, econômico e cultural, por meio da cultura como sinônimo de sofisticação, de sabedoria, de
colonização, é que resultou na intensa mestiçagem étnico-racial educação no sentido restrito do termo. Quer dizer, quando
e cultural que caracteriza o povo brasileiro. Em sua obra prima falamos que “Maria não tem cultura”, e que “João é culto”,
intitulada O povo brasileiro, publicada ao fim de sua vida, em estamos nos referindo a um certo estado educacional destas
1997, Darcy Ribeiro mostra como esse caldeirão cultural foi pessoas, querendo indicar com isto sua capacidade de
marcado tanto por relações amistosas quanto por conflitos, compreender ou organizar certos dados e situações. Cultura
violência e relações de dominação. No entanto, a despeito de aqui é equivalente a volume de leituras, a controle de
tudo isso (ou por causa de tudo isso), a cultura brasileira se informações, a títulos universitários e chega até mesmo a ser
revela ímpar em inúmeros aspectos, pelo fato de elementos confundida com inteligência, como se a habilidade para
culturais muito diversos terem encontrado solo para que realizar certas operações mentais e lógicas (que definem de
integrassem e se tornassem parte de uma cultura híbrida e fato a inteligência) fosse algo a ser medido ou arbitrado pelo
ressignificada. número de livros que uma pessoa leu, as línguas que pode
falar, ou aos quadros e pintores que pode, de memória,
PATRIMÔNIO CULTURAL MATERIAL E IMATERIAL enumerar.
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SOCIOLOGIA
Como uma espécie de prova desta associação, temos o velho outras palavras, a cultura permite traduzir melhor a diferença
ditado informando que “cultura não traz discernimento”... ou entre nós e os outros e, assim fazendo, resgatar a nossa
inteligência, como estou discutindo aqui. Neste sentido, cultura humanidade no outro e a do outro em nós mesmos. Num
é uma palavra usada para classificar as pessoas e, às vezes, mundo como o nosso, tão pequeno pela comunicação em escala
grupos sociais, servindo como uma arma discriminatória contra planetária, isso me parece muito importante. Porque já não se
algum sexo, idade (“as gerações mais novas são incultas”), trata somente de fabricar mais e mais automóveis, conforme
etnia (“os pretos não tem cultura”) ou mesmo sociedades pensávamos em 1950, mas desenvolver nossa capacidade para
inteiras, quando se diz que “os franceses são cultos e enxergar melhores caminhos para os pobres, os marginais e os
civilizados” em oposição aos americanos, que são “ignorantes oprimidos. E isso só se faz com uma atitude aberta para as
e grosseiros”. Do mesmo modo, é comum ouvir-se referências formas e configurações sociais que, como revela o conceito de
à humanidade, cujos valores seguem tradições diferentes e cultura, estão dentro e fora de nós.
desconhecidas, como a dos índios, como sendo sociedades que Num país como o nosso, onde as formas hierarquizantes de
estão “na Idade da Pedra” e se encontram em “estágio cultural classificação cultural sempre foram dominantes, onde a elite
muito atrasado”. sempre esteve disposta a autoflagelar-se dizendo que não temos
A palavra “cultura”, enquanto categoria do senso-comum, uma cultura, nada mais saudável do que esse exercício
ocupa, como vemos, um importante lugar no nosso acervo antropológico de descobrir que a fórmula negativa – esse dizer
conceitual, ficando lado a lado de outras, cujo uso na vida que não temos cultura – é, paradoxalmente, um modo de agir
cotidiana é também muito comum. Estou me lembrando da cultural que deve ser visto, pesado e talvez substituído por uma
palavra “personalidade” que, tal como ocorre com a palavra fórmula mais confiante no nosso futuro e nas nossas
“cultura”, penetra o nosso vocabulário com dois sentidos bem potencialidades.
diferenciados. No campo da Psicologia, personalidade define o Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.
php/4254059/mod_resource/content/1/voce%20tem%20 cultura.pdf>. Acesso
conjunto dos traços que caracterizam todos os seres humanos.
em: 23 ago. 2018.
É aquilo que singulariza todos e cada um de nós como uma
pessoa diferente, com interesses, capacidades e emoções ATIVIDADES
particulares.
Mas, na vida diária, personalidade é usada como um marco 01. (Ufu-MG) Dentre as várias interpretações sobre a
para algo desejável e invejável de uma pessoa. Assim, certas brasilidade, destaca-se aquela que atribui a nós, brasileiros,
pessoas teriam “personalidade”, outras não! É comum se dizer os recursos do jeitinho, da cordialidade e da malandragem.
que “João tem personalidade” quando de fato se quer indicar De acordo com as leituras weberianas aplicadas à realidade
que “João tem magnetismo”, sendo uma pessoa “com brasileira (por autores tais como: Sérgio Buarque de
presença”. Do mesmo modo, dizer que “João não tem Holanda, Gilberto Freyre, Roberto Damatta), a
personalidade” quer apenas dizer que ele não é uma pessoa malandragem significaria
atraente ou inteligente. A) a manifestação prática do processo de miscigenação que
Mas, no fundo, todos temos personalidade, embora nem todos combinou elementos genéticos pouco inclinados ao trabalho.
possamos ser pessoas belas ou magnetizadoras como um artista B) a consagração do fracasso nacional representado pela
da Novela das Oito. Mesmo uma pessoa “sem personalidade” incapacidade de desenvolver formas capitalistas de relações
tem, paradoxalmente, personalidade na medida em que ocupa sociais.
um espaço social e físico e tem desejos e necessidades. Pode C) a inovação de um estilo especial de se resolver os próprios
ser uma pessoa sumamente apagada, mas ser assim é problemas, que tem sua origem nas tradições ibéricas.
precisamente o traço marcante de sua personalidade. D) a materialização da oposição popular ao trabalho e ao
No caso do conceito de cultura, ocorre o mesmo, embora nem imperialismo europeu, como característica de resistência de
todos saibam disso. De fato, quando um antropólogo social fala classe.
em “cultura”, ele usa a palavra como um conceito chave para a
interpretação da vida social. Porque para nós ‘’cultura” não é 02. (Uenp-PR) Na madrugada de 1º de novembro de 2009,
simplesmente um referente que marca uma hierarquia de morre na França o etnólogo e antropólogo Claude Lévi-
“civilização”, mas a maneira de viver total de um grupo, Strauss aos 101 anos de idade. Sua morte teve grande
sociedade, repercussão no Brasil, sobretudo porque foi um dos
país ou pessoa. Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, primeiros professores de Sociologia da Universidade de São
um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas Paulo, logo na sua fundação, tendo feito várias expedições
de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o ao Brasil Central. Seu pensamento influenciou gerações de
mundo e a si mesmas. filósofos, antropólogos e sociólogos. É correto afirmar:
[...] A) A corrente estruturalista, da qual Lévi-Strauss é o principal
O conceito de cultura, ou a cultura como conceito, então, teórico, surgiu na década de 40 com uma proposta diferente do
permite uma perspectiva mais consciente de nós mesmos. funcionalismo, predominante até então. O funcionalismo se
Precisamente porque diz que não há homens sem cultura e preocupava com o funcionamento de cada sociedade e em
permite comparar culturas e configurações culturais como saber como as coisas existiam na sua função social. O
entidades iguais, deixando de estabelecer hierarquias em que estruturalismo queria saber do trabalho intelectual. Olhar para
inevitavelmente existiriam sociedades superiores e inferiores. os povos indígenas e buscar uma racionalidade e uma reflexão
Mesmo diante de formas culturais aparentemente irracionais, propriamente nativa.
cruéis ou pervertidas, existe o homem a entendê-las – ainda B) Lévi-Strauss não encontrou evidências de que os povos
que seja para evitá-las, como fazemos com o crime –; é uma nativos desenvolvessem um pensamento selvagem nem que
tarefa inevitável que faz parte da condição de ser humano e
viver num universo marcado e demarcado pela cultura. Em
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SOCIOLOGIA
ocorresse a passagem de homem natural para o homem cultural III. As fases de desenvolvimento cultural de cada sociedade
entre os povos indígenas. particular podem ser percebidas, comparadas e avaliadas
C) Lévi-Strauss acreditava que o homem não é uma espécie quando vemos os processos de imitação e reprodução cultural,
transitória e sugeriu uma visão essencialista do ser humano, já que levam as culturas subdesenvolvidas ao desenvolvimento.
que o mundo existe quando o homem o interpreta, chegando a IV. Sem afrontar os argumentos do texto, podemos aceitar pelo
afirmar, em várias passagens, que “o mundo começou com o menos que o sedentarismo e o nomadismo são experiências
homem e vai terminar com ele”. sequenciais do desenvolvimento de todas as sociedades e
D) Lévi-Strauss concorda com Sartre que não existe oposição culturas do planeta, tal como provam os historiadores.
entre sociedades com história e sociedades sem história, sendo A) Apenas I é correta.
que isso é demonstrando pela Sociologia e pela etnografia B) II, III e IV são corretas.
contemporâneas ao constatarem que toda sociedade se C) I, II e III são corretas.
desenvolve no curso de uma história específica. D) Apenas III é correta.
E) Não pode ser atribuído ao legado de Lévi-Strauss o respeito
ao pensamento dos chamados povos primitivos, em especial 05. (UFG-GO–2014) Leia a receita apresentada a seguir:
dos povos indígenas da América, pelas diferenças culturais e Tacacá
pela diversidade, sem as quais a criatividade humana cessa e, 2 litros de tucupi temperado
por tudo que há no mundo, antes e depois da passagem do 4 dentes de alho
humano pela Terra. 4 pimentas de cheiro
4 maços de jambu
03. (UFPA) Sobre patrimônio material e imaterial no Brasil, é 1/2 kg de camarão
correto afirmar: 1/2 xícara de goma de mandioca
A) As práticas e expressões culturais, para serem consideradas Sal a gosto
como bens imateriais, devem apresentar associação entre os Modo de servir: muito quente, em cuias, temperado com
objetos, artefatos e os lugares onde são desenvolvidas. pimenta.
B) O Palacete Pinho, o Parque Zoobotânico do Museu Emilio Disponível em: <www.receitastipicas.com/receita/ tacaca.html>. Acesso em:
09 set. 2013.
Goeldi e o Complexo do Ver-o-Peso são considerados como
patrimônios imateriais do Brasil por resguardarem a memória Comer é um ato social, histórico, geográfico, religioso,
dos povos indígenas. econômico e cultural. O preparo dos alimentos, a escolha dos
C) Os recursos naturais são bens culturais de patrimônio ingredientes e a maneira de servir identificam um grupo social
imaterial, por isso é grande o risco de desaparecerem caso não e ajudam a estabelecer uma identidade cultural. Essa receita,
sejam preservados por políticas sociais. “Tacacá”, comida muito apreciada na culinária paraense,
D) O Ofício das Baianas de Acarajé agrega diferentes classes demonstra
socioeconômicas, promovendo a equidade e a justiça social, e é A) uma interação cultural, com a incorporação de ingredientes
caracterizado apenas como patrimônio material. advindos de tradições culinárias distintas.
E) Os bens materiais têm que apresentar uma prática cultural B) um modo de preparo espontâneo, associado aos padrões
regular tal como ocorre, por exemplo, com o Círio de Nossa culinários da colônia.
Senhora de Nazaré, com o Complexo Cultural do Bumba meu C) um modelo ritualista de servir, vinculado ao formalismo
boi do Maranhão e com a Roda de Capoeira. religioso africano.
D) um modo de utilizar os ingredientes provenientes do
04. (UFU-MG) Leia o texto e o comentário apresentados a extrativismo, associado ao nomadismo dos quilombos.
seguir: Apesar da existência de tendências gerais E) uma imposição de identidade cultural, pelo uso de produtos
constatáveis nas histórias das sociedades, não é possível cultivados em áreas sertanejas.
estabelecer sequências fixas capazes de detalhar as fases
por que passou cada realidade cultural. Cada cultura é o 06. (UFPA) A cultura popular corresponde às práticas
resultado de uma história particular, e isso inclui também cultivadas de maneira tradicional porque
suas relações com outras culturas, as quais podem ter A) está relacionada à tradição oral, coletiva e, muitas vezes, é
características bem diferentes. marcada pela relação das pessoas com seu ambiente.
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 12. B) atinge simultaneamente as pessoas pelos meios de
Santos argumenta, ainda, que não se pode relacionar e comunicação eletrônica, como ocorre, por exemplo, nos
comparar sociedades e culturas segundo critérios vigentes programas de rádio.
apenas em uma delas, quando investigamos suas realizações C) sua forma de difusão é a escrita, repassada de geração a
culturais. geração desde tempos remotos.
Com base nesses argumentos, assinale a alternativa correta D) representa a cosmovisão das classes tradicionalmente
quanto às seguintes afirmações: dominantes.
I. O conceito de evolução nas Ciências Sociais é relativo a E) é comercializada e consumida em larga escala devido às
experiências históricas diversas e não deve servir à atuais técnicas de reprodução.
hierarquização das sociedades por fases sucessivas de
desenvolvimento a partir de critérios e sequências 07. (Unesp)
etnocêntricas. Texto 1
II. O desenvolvimento das forças produtivas é o critério de O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal
evolução mais aceito em todas as teorias das Ciências Sociais Federal (STF), negou pedido de juiz do Rio de Janeiro que
e, por isso, tem validade científica irrefutável como bem o reivindica que a Justiça obrigue os funcionários do prédio onde
demonstra Max Weber. esse juiz mora a chamá-lo de “senhor” ou de “doutor”, sob
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SOCIOLOGIA
pena de multa diária. Na ação judicial, o juiz argumenta que foi casamentos, de mudanças de residências, ou de negócios
chamado pelo porteiro do condomínio de “você” e de “cara” e em andamento ou, ainda, salões de beleza com movimento
que ouviu a expressão “fala sério!” após ter feito uma normal para “mudanças de visual”. Considerando o
reclamação. enunciado anterior e o conceito antropológico de cultura,
OLIVEIRA, M. Ministro do STF nega pedido de juiz que quer com>. Acesso marque a alternativa correta.
em: 22 abr. 2014 (Adaptação).
A) Só há pureza e autenticidade nas manifestações provindas
Texto 2 da zona rural, não contaminadas pelas vertiginosas
O “Você sabe com quem está falando?” não parece ser uma transformações do mundo urbano.
expressão nova, mas velha, tradicional, entre nós. Na medida B) As práticas culturais não são congeladas no tempo, são
em que as marcas de posição e hierarquização tradicional, partes integrantes da história e estão em processo de
como a bengala, as roupas de linho branco, o anel de grau e a transformação com a própria história.
caneta-tinteiro no bolso de fora do paletó se dissolvem, C) As manifestações culturais populares passam por um
incrementa-se imediatamente o uso da expressão separadora de processo de descaracterização, pois, para permanecerem
posições sociais para que o igualitarismo formal e legal, mas autênticas e tradicionais, devem reproduzir integralmente o
cambaleante na prática social, possa ficar submetido a outras passado e evitar mudanças.
formas de hierarquização social. D) As verdadeiras práticas tradicionais não se alteram com o
DAMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis, 1983. (Adaptação).
tempo e são reproduzidas da mesma forma como foram
Considerando a análise do antropólogo Roberto da Matta, o
originadas.
fato descrito no texto 1 pode ser corretamente interpretado
como resultante
10. (Unioeste-PR) A respeito dos estudos antropológicos da
A) da contradição entre igualitarismo liberal e autoritarismo
cultura, assinale o item que melhor responde à pergunta:
cultural.
qual seria sua importância para os homens?
B) da plena assimilação cultural dos ideais iluministas de
A) Ela serve como um mapa, orientando as ações de indivíduos
cidadania.
e povos, no que diz respeito às ideias, saberes e técnicas.
C) das tendências estatais de controle totalitário da existência
B) Ela é o conjunto formado pelas artes e formação
cotidiana.
educacional.
D) da superação das hierarquias sociais pela universalização
C) Na realidade não tem tanta importância, pois ela é apenas
ética.
uma ideologia.
E) da hegemonia ideológica da classe operária sobre a classe
D) A compreensão da organização social, já que estudar a
burguesa.
cultura é o mesmo que estudar a sociedade.
E) Ela proporciona unicamente as capacidades artísticas dos
08. (UEL-PR) A cultura constitui, portanto, um processo pelo
indivíduos e as manifestações destas.
qual os homens orientam e dão significado às suas ações
através de uma manipulação simbólica, que é atributo
11. (Enem–2017) Uma área de cerca de 101,7 mil metros
fundamental de toda prática humana. Nesse sentido, toda
quadrados, com um pátio ferroviário e uma série de
análise de fenômenos culturais é necessariamente análise da
armazéns de açúcar abandonados pelo poder público. Quem
dinâmica cultural, isto é, do processo permanente de
olha de fora vê apenas isso, mas quem conhece a história do
reorganização das representações na prática social,
Cais José Estelita sabe que o local faz parte da história de
representações estas que são simultaneamente condição e
Recife, sendo um dos cartões-postais e um dos poucos
produto desta prática.
DURHAM, E. R. A dinâmica cultural da sociedade moderna. Ensaios de espaços públicos que restam na capital pernambucana. E é
Opinião, São Paulo, n. 4, p. 13. 1977. por isso que um grupo está lutando para evitar que as
Com base no texto anterior, é correto afirmar que: construções sejam demolidas por um consórcio de grandes
A) Cultura significa a manipulação da prática humana que construtoras para construção de prédios comerciais e
reorganiza e dinamiza os fenômenos sociais. residenciais.
B) Dinâmica cultural é a reprodução de toda prática humana BUENO, C. Ocupe Estelita: movimento social e cultural defende marco
histórico de Recife.
em fenômenos culturais.
A Ciência forma de atuação do movimento social relatado
C) Fenômenos culturais são dinâmicos porque são
evidencia a sua busca pela
representações de práticas sociais que estão em permanente
A) revitalização econômica do lugar.
reorganização.
B) ampliação do poder de consumo.
D) Práticas sociais são dinâmicas porque a cultura é uma
C) preservação do patrimônio material.
manipulação simbólica, sujeita a variações simultâneas de
D) intensifi cação da geração de empregos.
significados por parte dos homens.
E) criação de espaços de autossegregação.
E) Dinâmica cultural é a manipulação simultânea de
significados simbólicos por parte dos homens.
12. (Enem–2017) Os guaranis encontram-se hoje distribuídos
pela Bolívia, Paraguai, Uruguai, Brasil e Argentina. A
09. (UFU-MG) Uma das superstições características da cultura
condição de guarani remete diretamente para a ideia de
popular é a relativa ao mês de agosto, considerado mês de
pertencimento e para as relações de parentesco. Daí a
mau agouro, quando nenhuma decisão importante deve ser
importância da concepção de território como espaço de
tomada: não se deve fechar negócios, nem marcar
comunicação. Eles têm parentes nos diversos países e
casamentos ou fazer mudanças de qualquer espécie. O
seguem se visitando regularmente. Os guaranis seguem
jornal Correio de Uberlândia, em agosto de 2008, publicou
com noções e conceitos próprios de fronteira, uma ideia
reportagem que atestava mudanças desse comportamento,
mais sociológica e ideológica, que inclui, exclui e define
durante o referido mês, tais como: realizações de
71
SOCIOLOGIA
quem pertence e quem não pertence a determinado grupo A constituição da sociedade de massas ocorre
social. concomitantemente ao processo de consolidação do
O dilema das fronteiras na trajetória guarani. Entrevista especial com Antônio capitalismo e, sendo assim, todos os aspectos da existência
Brand. Disponível em: <www.ihuonline. unisinos.br>. Acesso em: 15 ago.
humana se tornam passíveis de se transformarem em
2013 (Adaptação).
De acordo com o texto, o processo de demarcação das terras mercadorias. Inclusive o universo da cultura, que reúne
reivindicadas por esse povo enfrenta como dificuldade o(a) características denotadoras da nossa diferença em relação aos
A) valor de desapropriação das áreas legalizadas. outros seres vivos do planeta, torna-se mercadoria. Mas, como
B) engajamento de jovens na luta pela reforma agrária. se dá o processo de mercantilização dos bens culturais em um
C) escassez de zonas cultiváveis nas regiões contíguas. contexto capitalista?
D) tensão entre identidade coletiva e normatizações das nações Como já vimos, a divisão social do trabalho, proposta pelo
limítrofes. capitalismo, por meio do processo produtivo, aliena o
E) contradição entre sustento extrativista e desmatamento das indivíduo de sua condição. No momento em que o indivíduo
florestas tropicais. não está diretamente envolvido com seu trabalho, ele passa a
necessitar de alguma diversão, algo que lhe permita descansar.
GABARITO Portanto, as opções de lazer oferecidas a esses indivíduos
01. C tomam a forma de produtos pensados, justamente, para serem
02. A consumidos nesse período em que o indivíduo não se dedica ao
03. A trabalho. Desse modo, a lógica capitalista do consumo de bens
04. A se torna presente, inclusive, no momento em que o indivíduo
05. A não se dedica a um processo produtivo. É fácil perceber que o
06. A sistema capitalista deixa de ser apenas um modo de produção
07. A para se tornar uma forma de organização social, na medida em
08. C que transforma em mercadoria os aspectos subjetivos da
09. B existência humana.
10. E Entretanto, por qual motivo a padronização dos bens culturais
11. C seria um problema tão grande nas sociedades modernas? A
12. D questão é que, se as formas e padrões culturais passam a ser
produzidos, tendo em vista o mercado, há, então, uma
diminuição da capacidade dos seres humanos de criarem e
interpretarem os seus próprios símbolos.
A CULTURA E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, a difusão
de bens culturais ganhou contornos até então desconhecidos na
A CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE DE MASSAS história da humanidade. A velocidade com que as informações
O conceito de sociedade de massa surge, no início do século são dispostas ao público se torna cada vez maior. Esse processo
XX, como fruto do crescente processo de industrialização que teve início, mais especificamente, após a Primeira Guerra
aconteceu nas sociedades modernas, a partir do final do século Mundial (1914-1918), quando pesquisadores estadunidenses
XVIII, com o advento da Revolução Industrial. Além do passaram a estudar o efeito da difusão de informações por meio
desenvolvimento dos transportes e do comércio, as sociedades do rádio e do cinema sobre a população.
modernas também se caracterizam pela difusão de ideais, como A intenção dessas pesquisas, financiadas pelo governo dos
a liberdade e a igualdade, considerando-as valores universais. EUA, era a de convencer a população dos Estados Unidos a
O termo “massa” refere-se, especificamente, ao apoiar a participação do país em conflitos armados. Para tanto,
enfraquecimento dos laços que mantinham a coesão social nas era necessário ter certeza de que os meios de comunicação
sociedades tradicionais. A vida comunitária, os pesos das seriam capazes de produzir esse convencimento nas massas.
crenças religiosas sobre as ações dos indivíduos, entre outros Nesse período, ganharam importância pesquisadores como
fatores, foram substituídos por novas formas de sociabilidade, Harold Lasswell, criador do termo “comunicação de massas”,
tendo como principal característica a vida nas grandes cidades em 1927.
marcadas pelo desenvolvimento capitalista. O crescimento cada vez mais amplo desses meios de
Segundo Karl Marx, o modo de produção capitalista, em que os comunicação foi capaz de torná-los um dos grandes centros de
trabalhadores não são proprietários dos meios de produção e, poder das sociedades modernas. Por esse motivo, a partir da
assim, não se reconhecem no seu trabalho, é responsável por década de 30, os Estados Unidos se valeram desse recurso e da
gerar o processo de alienação. A força de trabalho, fundadora propaganda para criar um consenso em relação à participação
da condição humana, é, no sistema capitalista, apenas mais do país nos conflitos bélicos mundiais. Contudo, o
uma mercadoria que é vendida aos burgueses pelo proletariado. desenvolvimento dos meios de comunicação e a crescente
A alienação ocorre quando o trabalho deixa de ser a força influência dos Estados Unidos no mundo geraram efeitos, no
produtora da realidade humana e se torna uma mercadoria. Ao campo cultural, para além das fronteiras desse país.
não se reconhecer em seu trabalho, o indivíduo deixa de Após a Segunda Guerra Mundial, ocorrida entre 1939 e 1945, o
reconhecer também a realidade em que vive. É nesse contexto, mundo ocidental conheceu uma nova ordem, baseada na
marcado pelo fato de as relações sociais serem permeadas pelas polaridade política e econômica entre a URSS, potência
relações de produção capitalistas, que se desenvolve o socialista soviética, e os Estados Unidos, nação capitalista.
individualismo, pois os laços de coesão entre os indivíduos se Essa polarização resultou em uma divisão cultural no ocidente:
sustentam em torno das necessidades materiais criadas com o no bloco capitalista, desenvolveu-se a cultura de massa sob
advento do capitalismo. forte influência do mercado e comandada pelos Estados
Unidos, enquanto no bloco socialista, a economia e a cultura se
72
SOCIOLOGIA
encontravam sob o domínio do Estado soviético e, em função antigas culturas na Europa, o Papai Noel moderno (barbudo, de
do direcionamento político, alheio à indústria cultural. roupas vermelhas, bonachão) é uma versão modificada dos
Foi nesse contexto que, a partir da segunda metade do século mitos antigos de São Nicolau, estilizada pela publicidade da
XX, o mundo ocidental passou a se desenvolver sob a forte Coca-Cola no início do século XX, e que é responsável por
presença do modelo estadunidense conhecido como American alimentar o imaginário infantil e estimular práticas de
way of life. De fato, tal modelo se baseava na relação entre consumismo. Uma vez consolidado pela publicidade ao longo
consumo, liberdade individual e felicidade, resultando na do século XX, Papai Noel tornou-se o grande símbolo cultural
estimulação do consumismo e da produção em larga escala. do Natal no capitalismo, tão ou mais lembrado do que o
Diretamente atrelado a esse fenômeno, o desenvolvimento dos próprio menino Jesus da tradição cristã-ocidental. A cultura de
meios de comunicação de massa serviu como uma alavanca massa é, portanto, o maior efeito das sociedades globalizadas
para o consumo: o rádio, a televisão, a mídia impressa e a do capitalismo contemporâneo, voltadas para o consumo em
Internet se tornaram os principais canais de comunicação entre larga escala e com forte presença dos meios de comunicação de
o mercado e os consumidores, nutrindo-se das relações de massa.
consumo para crescer e se impor como uma das mais influentes
instituições socializadoras da contemporaneidade. O largo TEORIA CRÍTICA DA INDÚSTRIA CULTURAL
alcance das mass media, como a televisão, o rádio, o cinema e
a Internet, faz desses meios poderosos instrumentos de
divulgação e, por conseguinte, de disseminação de modelos
econômicos, valores morais, padrões comportamentais e de
ideias, exercendo forte influência sobre os indivíduos. E é
justamente dessa influência que surge a cultura de massa.
A CULTURA DE MASSA
Apesar de, em muitas ocasiões, os termos “cultura de massa” e
“cultura popular” serem utilizados como sinônimos,
permaneceremos adotando a distinção estabelecida no capítulo
anterior, que considera a cultura de massa um fenômeno
específico do contexto do capitalismo pós-industrial, marcado
pela forte presença dos meios de comunicação de massa e dos No ano de 1920, um grupo de pensadores das ciências humanas
efeitos da globalização, enquanto a cultura popular estaria, a – Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin e
princípio, mais relacionada à cultura “original” e espontânea de Herbert Marcuse – fundou o Instituto de Pesquisa Social
um dado grupo social. vinculado à Universidade de Frankfurt, na Alemanha, com o
Assim sendo, o conceito amplo de cultura de massas designa intuito de produzir conhecimento sobre a nova realidade social
todo um conjunto de ideias, comportamentos, atitudes, imagens que se construía, desde o final do século XIX, no contexto pós-
e outros fenômenos que integram o mainstream (a corrente Revolução Industrial e pós-revoluções burguesas.
principal e hegemônica) de uma dada cultura. Este se O foco desse grupo se encontrava no estudo das sociedades
caracteriza pela produção em larga escala e pela consequente advindas do capitalismo pós-industrial, fortemente marcadas
uniformização dos indivíduos, formando um público amplo, pela presença dos meios de comunicação de massa e pelo
que tende à homogeneização e é fortemente influenciado pela prevalecimento da lógica do consumo. Em uma definição
mídia e pelo mercado. simples e direta, a indústria cultural consiste no processo
De acordo com Edgar Morin: capitalista de transformar a arte e a cultura em mercadorias.
Logo, é também o termo utilizado para definir o modo de
Cultura de massa, isto é, produzida segundo as normas maciças produzir cultura a partir da lógica de produção industrial. Dessa
da fabricação industrial; propagada pelas técnicas de difusão maneira, mediante a repetição de padrões, a indústria cultural
maciça (que um estranho neologismo anglo--latino chama de visa à formação de uma estética, ou percepção comum,
mass media); destinando-se a uma massa social, isto é, um orientada para o consumismo. Portanto, o propósito de
aglomerado gigantesco de indivíduos compreendidos aquém e produção da arte passa a ser o lucro.
além das estruturas internas da sociedade (classe, família, etc.). Adorno e Horkheimer, na obra Dialética do esclarecimento
MORIN. Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. 3. ed. (1985), usaram o conceito “indústria cultural” para contrapor à
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1975. [Fragmento] noção de cultura de massas. Mas qual seria a diferença entre os
dois termos? Para Adorno e Horkheimer, a chamada cultura de
A filósofa alemã Hannah Arendt, em seu livro A crise da massa é pensada e produzida para o mercado – porém é
cultura (1972), acusa o mercado e a mídia de se valerem do apresentada como algo espontâneo –, como se fosse uma
entretenimento como forma de dominação cultural que visa à versão contemporânea da cultura popular, ainda que também
alienação pelo lazer e incentiva o consumo. Nas sociedades de seja uma mercadoria capitalista. Ao ser orientado para o
massas, os indivíduos tendem a ter acesso a conteúdos mercado, todo o processo criativo que envolve a produção de
padronizados e ter os seus próprios gostos e opiniões uma obra de arte, por exemplo, perde-se em prol de uma
domesticados e pasteurizados. Dessa forma, certos produção mecanizada que conforma o gosto das pessoas.
comportamentos construídos historicamente passam a ser A arte, ao ser transformada em mercadoria, perde três
vistos como naturais e necessários, transformando-se em características essenciais: em vez de ser expressiva, torna-se
socialmente aceitos e indiscutíveis. Um exemplo desses uma simples mercadoria; em vez de ser criativa, passa a ser
comportamentos está na figura do Papai Noel e na prática repetitiva; e, em vez de ser inovadora, torna- se reprodutiva.
natalina de troca de presentes. Ainda que seja oriundo de Obedientes à lógica do mercado, a arte e a cultura são
73
SOCIOLOGIA
massificadas e dissipam grande parte de seu valor humano, capitalistas, que se beneficiam da formação de um público
existencial e social. O potencial revolucionário, inerente à consumidor massificado, passivo e alienado.
cultura popular, cede espaço para a repetição e para a Nesse contexto, devemos atentar para uma particularidade do
estagnação, que serão recorrentes no comportamento passivo e pensamento de Adorno e Horkheimer: para eles, tanto os meios
resignado que é construído pelos meios de comunicação de de comunicação quanto a produção cultural – veiculada por tais
massa. meios – servem para manipular a audiência, aliená-la e mantê-
Por esse motivo, Adorno e Horkheimer identificaram o la subjugada dentro do sistema capitalista. Segundo esses
surgimento de uma pseudo-arte: o kitsch. Este corresponde ao pensadores:
produto artístico – criado pela indústria cultural – voltado para
o público considerado de elite ou de classe média que almeja Filme e rádio se autodefinem como indústrias, e as cifras
um status cultural superior. Porém, o kitsch também é uma publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais tiram
mercadoria, tanto quanto os produtos culturais considerados qualquer dúvida sobre a necessidade social de seus produtos.
“populares” ou “de massa” voltados para as classes com menor HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor. A indústria cultural: o iluminismo
como mistificação das massas. In: LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da cultura
poder aquisitivo. Ou seja, a indústria cultural produz a ilusão
de massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p. 170. [Fragmento]
de uma divisão de fruição artística, pelo poder econômico, e,
com isso, consegue atingir um público amplo e reproduzir as É importante salientar que, para Adorno, o ser humano, nessa
distinções de status e poder vigentes na sociedade. indústria cultural, não passa de mero instrumento de trabalho e
O mesmo processo de mercantilização das obras de arte é de consumo. Isto é, o indivíduo não é um sujeito, mas um
efetuado pela indústria cultural em relação à cultura popular, ao objeto, cuja capacidade crítica se encontra atrofiada. O
substituir os vínculos espontâneos e profundos da cultura indivíduo, ao se ver alijado de sua capacidade crítica, torna-se
popular por um ideal homogêneo, superficial e rotativo de propenso à influência ideológica dos meios de comunicação.
cultura submetido à transitoriedade e à instantaneidade da Por exemplo, segundo Adorno, o nazismo se valeu da
moda. As tendências representadas pela moda incluem fragilidade subjetiva dos indivíduos para, a partir de uma
comportamentos, ideias, opiniões, vestimentas, gestos, intensa propaganda nos meios de comunicação, angariar o
linguagens e até doutrinas, que se encontram submetidas a apoio dos cidadãos alemães ao regime.
pressões econômicas. Nessas condições, o indivíduo é tão bem manipulado e
Devemos levar em consideração que, para Adorno e submetido a ideologias que até o seu lazer se torna uma
Horkheimer, indústria cultural não é um sinônimo para meios extensão do seu trabalho, favorecendo a lógica capitalista e
de comunicação. A indústria cultural se refere a um processo atendendo aos interesses dos grupos dominantes. A indústria
que transforma e vulgariza a cultura, representando o domínio cultural, que tem como guia a racionalidade técnica
técnico sobre a natureza. Paralelamente, a técnica passa a ter esclarecida, prepara as mentes para um esquematismo
domínio do homem à medida em que ultrapassa a esfera oferecido pela indústria da cultura. Assim funciona o clichê:
econômica e chega ao âmbito da cultura e da subjetividade. seja no cinema, na televisão, na moda, no jornalismo, há
Nesse sentido, é importante nos atermos ao conceito de esquemas prontos e disponíveis que podem ser usados sem
ideologia. Esse conceito é proveniente da escola marxista de qualquer comedimento.
pensamento e significa, para Marx, a maneira pela qual as A obediência a padrões predeterminados é uma das
ideias passam a ser percebidas como elemento fundador da características centrais da indústria cultural. Facilmente, pode-
realidade social. Notemos que a ideologia, como um conceito se observar nos roteiros cinematográficos e nas novelas que: as
marxiano, retoma a concepção idealista da história e, por isso, tramas refletem uma visão extremamente superficial dos
é objeto de crítica por parte de Karl Marx. Para Marx, conflitos humanos, normalmente acentuando a ação sobre a
ideologia seria uma falsa consciência da realidade. reflexão, envolvendo dicotomias simplistas e maniqueístas,
No entanto, outros pensadores influenciados pelo pensamento como “bem” e “mal”, “herói” e “bandido”, e se resolvendo em
de Karl Marx, sobretudo Lênin, passaram a ter uma outra finais felizes que vendem uma imagem falsa de felicidade.
definição para o conceito de ideologia. Para Lênin e estes A explosão dos reality shows, como a franquia Big Brother
pensadores, ideologia constituía qualquer forma de pensamento (em clara alusão à obra distópica 1984, do escritor indo-
que ocultasse os reais interesses de uma determinada classe britânico George Orwell, que previa uma sociedade totalitária
social. No sistema capitalista, a ideologia se presta a produzir controlada por meio da técnica e da ideologia), consolida a
um imaginário social que faz com que todos os conflitos de noção de Sociedade do Espetáculo, criada pelo filósofo francês
classes sejam ocultados. Desse modo, os interesses das classes Guy Debord, em que a realidade ficcional veiculada pelos
dominantes são entendidos como os interesses de toda a meios de comunicação passa a se sobrepor à realidade efetiva,
sociedade. É sob essa condição que a ideologia cumpre sua organizando a vida psíquica dos indivíduos e a própria vida
função de conservar a dominação de classes, pois naturaliza as social em torno dos valores e da dinâmica ditados pela
desigualdades sociais ao não evidenciar as razões históricas sociedade de consumo.
que a formaram. Assim, a ideologia se refere a uma Contudo, para Adorno e Horkheimer, existe saída: a formação
consciência falsa e parcial da realidade social. de indivíduos críticos e conscientes possuidores de ferramentas
Portanto, podemos dizer que a indústria cultural traz consigo intelectuais para identificar e resistir à dominação. Isto é, pela
todos os elementos característicos do mundo industrial educação e pela formação crítica, os indivíduos poderiam
moderno e nele exerce um papel específico: o de portadora da deixar de ser meros objetos do mercado e passar a assumir sua
ideologia dominante, a qual outorga sentido a todo o sistema. condição de sujeitos ativos na vida social. Todavia, os filósofos
Há uma forte presença ideológica nos meios de comunicação de Frankfurt sabiam que essa tarefa era, e ainda é,
de massa e nos conteúdos que são veiculados por eles: os mass extremamente árdua, especialmente pelo fato dos meios de
media se encontram a serviço das elites econômicas comunicação de massa responderem por grande parte do
74
SOCIOLOGIA
processo de socialização dos indivíduos nas sociedades indústrias de bens duráveis, como fábricas de automóveis e
contemporâneas. eletrodomésticos, JK contribuiu enormemente para um novo
Finalizando, a indústria cultural, então, seria uma espécie de contexto nacional, em que a necessidade do consumo passou a
sistema político e econômico com o intuito de produzir bens de ser imperativa em uma classe média crescente.
cultura – filmes, livros, músicas – na qualidade de mercadorias As atividades industriais e comerciais se diversificaram e se
e como estratégias de controle social. Logo, os filmes e multiplicaram intensamente, a vida urbana se expandiu,
músicas, por exemplo, são vendidos não como bens culturais formando uma classe média economicamente mais ativa, que
ou artísticos, mas sim como produtos de consumo. obedecia ao modelo social e econômico importado dos EUA: o
Consequentemente, tais mercadorias manteriam os indivíduos American way of life. A aquisição de produtos industrializados,
alienados da realidade, em vez de auxiliarem na formação de como eletrodomésticos, passou a ser vista como uma revolução
cidadãos mais críticos. da vida privada, prometendo dias melhores para as famílias e
para os trabalhadores.
A televisão se tornou o meio de comunicação mais influente no
Brasil, na segunda metade do século XX, e grande parte desse
sucesso estava ligado ao papel exercido pela Rede Globo de
Televisão, fundada no início da Ditadura Militar, em 1965,
pelo jornalista Roberto Marinho.
Atingindo, ainda na década de 1980, praticamente a totalidade
dos lares brasileiros, a televisão se transformou no meio de
comunicação mais universal do país. Esse imenso poder de
acesso torna-se essencial para compreender a socialização do
indivíduo e a formação sociocultural da nação, uma vez que o
entretenimento básico da população passa a ser assistir a
programas de auditório, filmes, novelas e programas
esportivos. Além disso, a própria informação veiculada nos
noticiários se encontra submetida à influência das pressões
internas das empresas de comunicação e seus acionistas e
INDÚSTRIA CULTURAL E MÍDIA NO BRASIL
clientes.
No Brasil, a modernização dos meios de comunicação, a partir
Outra questão importante se encontra na relação entre mídia e
da década de 1930, durante o governo de Getúlio Vargas deu
política no Brasil. Desde os governos de Getúlio Vargas,
início também ao fenômeno da indústria cultural. Até esse
passando pelo período da Ditadura Militar e tendo continuidade
período, a sociedade brasileira possuía uma economia
na história recente, com o caso de Fernando Collor de Mello, a
marcadamente rural, em cujo meio permanecia parte
mídia vem exercendo um importantíssimo e controverso papel
significativa da população. A Revolução de 30, liderada pelo
de formação (ou, mais apropriadamente: deformação) da
gaúcho Getúlio Vargas, fomentou uma série de iniciativas de
opinião pública em favor de algum grupo político. É conhecido
modernização com a finalidade de aumentar a industrialização
o fato de que o governo ditatorial extraiu grande proveito da
em solo nacional.
exploração imagética da Copa do Mundo de 1970, vencida pelo
O Governo Vargas, classificado como populista, soube utilizar
Brasil no México. Também é conhecido o notório episódio da
os meios de comunicação de massa a seu favor. O rádio foi
edição de imagem e textos durante um debate entre os
utilizado como instrumento político, produzindo um discurso
candidatos à presidência da República Luís Inácio Lula da
homogêneo e apelativo para a formação de uma identidade
Silva e Fernando Collor de Mello, em 1989, quando uma
político-cultural brasileira, contribuindo, dessa maneira, para a
grande emissora de televisão visivelmente beneficiou um dos
formação de uma unidade nacional.
candidatos, influenciando a opinião pública, o que interferiu no
Esse quadro é considerado pelo sociólogo Florestan Fernandes
resultado das eleições.
como a “revolução burguesa brasileira”. Para Florestan,
Esse episódio foi denunciado pela rede pública inglesa BBC no
intensificou-se a mudança de um modelo oligárquico agrário
documentário Brazil: beyond citizen Kane (Brasil: muito além
para um cenário urbano-industrial, que começou a se mostrar
do cidadão Kane), divulgado em 1993 e proibido de ser exibido
voltado para o consumo e fortemente influenciado pelos meios
em solo nacional por iniciativa de Roberto Marinho. Além
de comunicação de massa. Durante o segundo Governo Vargas,
disso, soma-se o fato de que os canais de comunicação no
a televisão foi desenvolvida no Brasil, no início da década de
Brasil são, em sua maior parte, pertencentes a pequenos grupos
1950. Por ser o aparelho de TV muito caro nesse período,
privados que obtiveram, não raras as vezes, direitos de
dificultando o acesso das famílias, as empresas que exploravam
transmissão por intermédio de influência política, o que traz à
o potencial das imagens transmitidas só foram se desenvolver
tona a questão da influência econômica e do clientelismo sobre
cerca de uma década mais tarde.
a programação e os conteúdos veiculados na mídia nacional.
Durante os anos 1950, a pioneira TV Tupi incorporava, em sua
Desde muito tempo, discutem-se no Brasil propostas de
programação, o entretenimento fortemente inspirado nos
regulamentação da mídia, que visa normatizar e estabelecer
padrões de vida e consumo estadunidenses, deixando entrever a
marcos regulatórios para o exercício da comunicação em solo
forte influência recebida pelo Brasil dos EUA durante o jogo
brasileiro. Assim, estariam garantidos os princípios e práticas
bipolar da Guerra Fria.
que sejam favoráveis para a democracia e para a liberdade de
Foi somente com o governo de Juscelino Kubitschek, no final
comunicação, assegurando idoneidade, isenção e compromisso
dos anos de 1950, que se pôde falar propriamente da formação
com a informação – o que nem sempre vemos em nossas telas.
de uma sociedade de massa brasileira. Com sua política
Porém, a discussão sobre esse tema ainda será longa, porque
desenvolvimentista, voltada para a implementação de
uma parte considerável da população e dos grupos da grande
75
SOCIOLOGIA
mídia enxergam as iniciativas de regulamentação como formas tecnologias de informação enseja também novas formas de
de censura da liberdade de expressão. Contudo, a discussão pensamento e, por conseguinte, novas formas de organização
sobre a qualidade da mídia e sobre a sua importância para a social.
sociedade atual é mais do que urgente, haja vista sua A perspectiva adotada por McLuhan nos faz pensar, portanto,
permanente influência na construção e divulgação de ideias que mudanças no universo simbólico causam mudanças não
e comportamentos na contemporaneidade. apenas nos aspectos culturais, como também políticos e sociais.
Pensemos, por exemplo, no momento em que passou a ser
Há que se mencionar uma peculiaridade da cultura de massas possível o registro de documentos escritos. A partir desse
no Brasil, desde os seus primórdios: considerando-se que o momento, os seres humanos passaram a desenvolver uma
cinema – diferentemente do rádio – não havia sido priorizado cultura que tem por base o armazenamento de informações
pelo poder público (talvez por ter repercussões ideológicas escritas, o que evidentemente causou efeitos nas relações
menos imediatas), ele se tornou, desde sua maior interpessoais. Se, anteriormente, a oralidade era um fator
profissionalização na década de 1930, um médium preponderante para se estruturar uma sociedade, podemos
complementar – para não dizer parasitário – com relação ao supor que havia indivíduos encarregados de transmitir
rádio. Sua função era mostrar, tanto nas cidades maiores determinadas informações, e essa posição lhes conferia poder.
quanto nos rincões mais distantes do país, como era a aparência Com o desenvolvimento da escrita, esses indivíduos perderam
das pessoas, cujas vozes eram já bastante familiares aos o seu poder, e novas relações entre os indivíduos e o
ouvintes: o cinema mostrava como os artistas do rádio eram conhecimento foram estabelecidas.
“de verdade”. Naturalmente, a televisão eliminou a necessidade O desenvolvimento dos meios de comunicação e das
dessa sinergia entre o rádio e o cinema, e a transmissão em tecnologias de informação também possui um aspecto
rede via satélite para todo país, iniciada pela TV Globo na transformador, especialmente no tempo e no espaço das
década de 1970, lançou tanto o rádio quanto o cinema sociedades contemporâneas. A possibilidade de se encurtar as
comerciais numa crise ainda mais profunda do que aquela em distâncias espaciais e temporais através dos meios de
que eles já se encontravam desde o advento da televisão no comunicação recriou o mundo social sob a perspectiva de uma
Brasil, em 1950. Essas informações, introduzidas quase aldeia global. Para McLuhan, esse conceito representa um
aleatoriamente, já são suficientes para mostrar que a defasagem mundo interconectado onde os indivíduos coabitam um mesmo
entre a consolidação da cultura de massas no Brasil, ainda que espaço, ainda que existam distâncias geográficas e diferenças
com um modelo bem próprio, foi de aproximadamente uma culturais.
década e que, desde então, ela nunca parou de evoluir e de se A aldeia global é um novo espaço de interação e sociabilidade.
adequar aos momentos político e tecnológico de suas Atualmente, esse conceito ganha uma nova força,
congêneres nos países mais desenvolvidos. Um exemplo disso especialmente se pensarmos no conceito de ciberespaço
é o fato de que já há, desde alguns anos, transmissão de TV proposto pelo teórico francês Pierre Lévy.
digital de alta definição nas capitais e grandes cidades do
interior do país. Outro exemplo: considerando que também a CIBERCULTURA
Internet se tornou um medium importante da indústria cultural, Pierre Lévy, sociólogo francês radicado no Canadá, tornou-se
é oportuno relembrar que o Brasil se encontra entre os países referência para pensar os impactos das tecnologias de
do mundo com maior número de conexões à web e perde para comunicação ligadas à Internet sobre a organização da vida
poucos outros em número de horas semanais de uso desse social e da cultura. Suas noções de cybercultura (ou
recurso. Por tudo isso, podemos dizer, sem medo de errar: yes, cibercultura) e cyberespaço (ou ciberespaço) são fundamentais
we do have culture industry. para compreender a contemporaneidade virtual. O ciberespaço
DUARTE, Rodrigo. A estética e a discussão sobre indústria cultural no Brasil. se refere aos espaços de interação formados pelos
Ideias, Campinas, v.3, n. 1(4), p. 83-84, jan. / jun. 2012. [Fragmento]
computadores interconectados pela Internet e pela
convergência das mídias digitais. O ciberespaço é onde se cria
OUTRA VISÃO SOBRE A MÍDIA: MARSHALL a chamada cibercultura, em que cada indivíduo ou grupo de
MCLUHAN E A ALDEIA GLOBAL indivíduos tem a possibilidade de ser também um emissor de
conteúdo, o que lhe confere novas possiblidades de ação no
O teórico canadense mundo virtual.
Marshall McLuhan Nas palavras do próprio sociólogo, o termo [ciberespaço]
(1911-1980) possuía especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação
uma visão divergente da digital, mas também o universo oceânico de informação que ela
defendida pelos teóricos abriga, assim como os seres humanos que navegam e
da Teoria Crítica em alimentam esse universo. Quanto ao neologismo
relação aos meios de “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas
comunicação de massa. (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos
Em seus livros O meio é
a mensagem (1967) e de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente
Guerra e paz na aldeia global (1970), McLuhan apresenta uma com o crescimento do ciberespaço.
visão positiva da mídia e da própria indústria cultural, LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora Golitora 34, 1999. p. 17.
destacando suas importantes contribuições no século XX. As [Fragmento]
reflexões de McLuhan recaíam sobre os usos que os indivíduos
fazem dos meios de comunicação e, consequentemente, como No entanto, Lévy, assim como McLuhan, havia preconizado a
conseguem alterar o ambiente em que vivem por meio dessa mudança de postura em relação ao meio de comunicação, que
interação. McLuhan entende que o surgimento de novas engendra novas formas de comunicação entre seres e também
76
SOCIOLOGIA
novas relações entre pessoas e o conhecimento. Cada vez mais datado e situado historicamente e que, embora muito próximo
imersos no ciberespaço, seria necessária uma reformulação das de nós, já faz parte do passado. [...] De outro lado, o mesmo
práticas sociais para comportar a nova dinâmica de relações, termo pode também se referir a alguma coisa mais geral, mais
cada vez mais modificadas pelo ciberespaço. abstrata, um certo espírito, um certo modo de contestação, de
enfrentamento diante da ordem vigente, de caráter
O que é preciso aprender não pode mais ser planejado nem profundamente radical e bastante estranho às forças mais
precisamente definido com antecedência. [...] Devemos tradicionais de oposição a esta mesma ordem dominante. Um
construir novos modelos do espaço dos conhecimentos. No tipo de crítica anárquica – esta parece ser a palavra-chave –
lugar de representação em escalas lineares e paralelas, em que, de certa maneira, “rompe com as regras do jogo” em
pirâmides estruturadas em “níveis”, organizadas pela noção de termos de modo de se fazer oposição a uma determinada
pré-requisitos e convergindo para saberes “superiores”, a partir situação. [...] Uma contracultura, entendida assim, reaparece
de agora devemos preferir a imagem em espaços de de tempos em tempos, em diferentes épocas e situações, e
conhecimentos emergentes, abertos, contínuos, em fluxo, não costuma ter um papel fortemente revigorador da crítica social.
lineares, se reorganizando de acordo com os objetivos ou os PEREIRA, Carlos Alberto M. O que é contracultura. São Paulo: Brasiliense,
1992. p. 20.
contextos, nos quais cada um ocupa posição singular e
evolutiva.
LÉVY, Pierre, 1999. p. 158. Muitos teóricos consideram que o auge das contraculturas
ocorreu nas décadas de 1960 e 1970, época em que os
As concepções de McLuhan e Lévy sobre os meios de movimentos possuíam caráter político e transformador. Nas
comunicação encontraram eco nos recentes eventos décadas 1980 e 1990, no entanto, os movimentos de
envolvendo alguns países árabes nos anos de 2010 a 2012, no contracultura já teriam sido, em parte, incorporados pela lógica
que está sendo conhecido como Primavera Árabe. Na Líbia, no de mercado e passado a representar estereótipos juvenis
Egito, na Tunísia e na Síria, para citar alguns exemplos, parte explorados comercialmente pela Indústria Cultural. O
da população se apropriou da Internet e das redes sociais para sociólogo Michel Maffesoli observou que, ainda assim, as
difundir informações e organizar movimentos de protesto em contraculturas continuavam a inspirar os grupos juvenis no
oposição aos regimes ditatoriais que comandavam seus países. fenômeno das tribos urbanas, cada vez mais recorrente nas
Esses eventos mostram como a Internet, um meio de metrópoles ocidentais. Para Maffesoli, as tribos urbanas
comunicação de massa, desempenha um papel decisivo na continuariam sendo formas identitárias de organização
configuração desses e de outros movimentos sociais e políticos coletiva, porém mais voltadas para uma atuação estética do que
do início do século XXI. para a prática política.
No entanto, uma parte da identidade de muitos adolescentes
CONTRACULTURA E TRIBOS URBANAS tende a ser formada no interior desses grupos, que nascem em
O termo “contracultura” se refere a um amplo espectro de torno de interesses em comum, nutrindo um certo sentimento
tendências, correntes e manifestações culturais que, de alguma de pertença e de exclusivismo por parte de seus membros.
forma, representam uma reação e uma oposição à cultura de Mesmo assim, a partir da década de 1990, percebe-se uma
massa dominante nas sociedades ocidentais. Essa oposição ao maior fluidez de participação entre tribos. Emos, headbangers,
mainstream faz com que as contraculturas sejam alocadas de metaleiros, funkeiros, skinheads e rappers são exemplos dessas
forma marginal nas manifestações culturais, por isso não é raro comunidades urbanas de grande importância para a formação
a referência a elas como culturas underground. da identidade juvenil.
Normalmente, associa-se o surgimento da contracultura à
efervescência dos anos 1960, quando eclodem muitos A IDENTIDADE CULTURAL NA PÓS-MODERNIDADE
movimentos juvenis de oposição à política econômica A partir da década de 1970, desenvolvem-se vários estudos
capitalista, às guerras (especialmente à Guerra do Vietnã), e sobre a cultura no cenário da pós-modernidade. Stuart Hall
contra a rígida moral conservadora de matriz cristã. Noções (1932-2014), sociólogo jamaicano, identificou que a formação
básicas da sociedade ocidental, como o trabalho, a disciplina, o da identidade cultural no período pós-moderno possui
patriotismo, passam a ser alvo de críticas e de atitudes críticas. características bastante específicas e complexas em razão da
Soma-se a isso o despontar de novas tendências de multiplicidade de influências sobre o indivíduo. Cada vez mais
comportamento e de estilo contrárias à estética convencional, urbano, o indivíduo é bombardeado por informações, imagens,
as quais passam a caracterizar subgrupos na ordem urbana, que valores, crenças, comportamentos e consumo. O cenário
são denotados por preferências musicais e de vestimentas caótico e fragmentado da pós-modernidade produz uma crise
identitárias. de identidade cultural, afetando tanto os indivíduos quanto as
É neste contexto que surgem os principais movimentos de sociedades em geral.
contracultura: hippie, punk e hip-hop, assim como o Em seu livro A identidade cultural na pós-modernidade
Tropicalismo no Brasil, cada um associado a um grupo e a (1992), Hall identifica que as sociedades do final do século XX
identidades ideológicas e estéticas específicas, mas têm sofrido uma mudança estrutural: as “paisagens culturais”,
comungando uma rejeição aos mesmos “inimigos”. Como antes sólidas e estáveis, como o gênero, a sexualidade, a etnia,
resumiu o sociólogo Carlos Alberto Pereira: a raça e a nacionalidade, passam a se fragmentar em inúmeras
outras categorias sociais e culturais. Impactados por muitas
De um lado, o termo “contracultura” pode se referir ao influências controversas e contraditórias, as pessoas ficam
conjunto de movimentos de rebelião da juventude [...] que divididas, periodicamente, entre os velhos e novos padrões.
marcaram os anos 60: o movimento hippie, a música rock, uma Ao longo do século XX, diversas teorias colocaram em xeque a
certa movimentação nas universidades, viagens de mochila, autonomia e a estabilidade da noção de sujeito, fundada no eu
drogas e assim por diante. [...] Trata-se, então, de um fenômeno racional do Iluminismo. Em vez de sermos os autores
77
SOCIOLOGIA
conscientes e livres da história, nos vemos cada vez mais “A indústria cultural sobrevive do que é recalcado na
atrelados a forças inconscientes ou a poderes de ordem capacidade de percepção estética das pessoas”, analisa
macrossocial (política, economia, mídia), que impossibilitam filósofo da ufmg.
a livre-realização do eu. Na primeira metade do século 20, nomes como Theodor W.
Além disso, a globalização intensificou e acelerou a difusão de Adorno e Max Horkheimer trataram de teorizar uma completa
ideias e a interação entre culturas. Consequentemente, a partir crítica às nefastas influências que o capitalismo passava a
do movimento acima explicitado, surge um hibridismo exercer sobre as relações entre o ser humano e a sua produção
cultural, isto é, as culturas se misturam e se ressignificam, cultural. [...] o professor Rodrigo Duarte, do Departamento de
porém não de forma livre e espontânea, e sim segundo uma Filosofia da Fafich [...] fala sobre [...] o funcionamento da
lógica de poder e dominação. Um dos riscos desse hibridismo indústria cultural como dispositivo de geração e manutenção de
está na submissão de culturas de povos com menor poder conformidade, as novidades advindas da tecnologia para a
político-econômico e a consequente homogeneização cultural. reflexão sobre a indústria cultural, os caminhos da arte diante
Essa homogeneização opera de forma desigual, logo, as da mercantilização da cultura.
culturas das nações industrializadas promovem uma Como surge a indústria cultural?
“ocidentalização” que se impõe sobre os países periféricos. Quando o capitalismo monopolista surgiu, entre o fim do
Isso pode resultar num fortalecimento de identidades locais século XIX e o início do século XX, países que tinham tradição
(como reação defensiva contra os grupos dominantes) ou a democrática como França, Inglaterra e, depois, Estados Unidos
produção de novas identidades híbridas (o que comumente tem tiveram que desenvolver mecanismos para garantir que a
se verificado). A história do Brasil é marcada por essas dominação econômica advinda desse novo modelo econômico
identidades híbridas, que surgiram e continuam a surgir do persistisse coexistindo com algum tipo de liberalismo político.
sincretismo advindo da confluência de diversas matrizes A indústria cultural surgiu neste contexto, com o papel de
culturais (indígena, africana, europeia). Manifestações culturais facilitar essa convivência entre capitalismo não concorrencial
como as festas de Congado, em Minas Gerais, possuem na economia e liberalismo no âmbito político. De certa forma,
elementos tanto do cristianismo trazido com os portugueses a indústria cultural nasce com a tarefa sistêmica de salvar esse
quanto de rituais político-religiosos da região central da África, capitalismo. E ela sempre desempenhou bem esse papel.
misturados, reelaborados, ressignificados em função do Desempenhou e até hoje desempenha. Na verdade, cada vez
contexto próprio vivenciado pelos negros escravizados no mais a indústria cultural pode ser considerada como a ponta de
Brasil. lança do capitalismo.
Nesse cenário, as identidades nacionais se tornam cada vez Como ela funciona, propriamente?
mais deslocadas e fragilizadas, deixando de conceder suporte Uma indústria tem a tarefa de gerar lucro; dar retorno ao
para a sustentação de projetos de unificação de um povo ou capital investido. Para gerar lucro, é preciso gerar
nação, sendo substituídas por projetos mercadológicos ou conformidade: é a conformidade gerada hoje que garante o
midiáticos. O indivíduo moderno, portanto, acaba por ter que lucro de amanhã. Então a indústria cultural tem essa tarefa de
construir sua própria identidade de forma fragmentada, instável gerar conformidade. Em última instância, assegurar o lucro de
e contraditória, imerso em um cenário cada vez mais amanhã tem a ver com a manutenção do capitalismo tal como
complexo. ele existe.
Como funciona essa geração de conformidade?
A publicidade, que é uma decorrência do conceito de Desde seu surgimento, um dos principais trunfos da indústria
propaganda, é também persuasiva, mas com objetivo comercial cultural é a sua capacidade de estar próxima do público o
bem caracterizado. Portanto, a publicidade é definida como a suficiente para perscrutá-lo em relação às suas demandas
arte de despertar no público o desejo de comprar, levando-o à latentes, potenciais: aquelas que são pouco conhecidas até por
ação. A publicidade é um conjunto de técnicas de ação ele mesmo. A partir desse conhecimento, as principais agências
coletivas, utilizadas no sentido de promover o lucro de uma da indústria cultural passam a oferecer respostas para essas
atividade comercial, conquistando, aumentando ou mantendo demandas. No entanto, essas respostas são dadas não em
clientes. conformidade com as questões e problemas que a sociedade
A propaganda [é a] expressão que abrange a divulgação do está formulando, mas em acordo com as necessidades do
nome de pessoas (propaganda eleitoral ou profissional), de capital. Neste aspecto, a indústria cultural não mudou
coisas à venda (mercadorias, imóveis, etc.) e também de ideias praticamente nada desde Adorno e Horkheimer.
(propaganda dos evangelhos, do comunismo, do nazismo, etc.). Poderia exemplificar?
Quando tem objetivos comerciais, chama-se preferencialmente Vou dar um exemplo dos primeiros anos da indústria cultural,
“publicidade”. em que essa sintonia com a demanda dos públicos era ainda
Segundo Eugênio Malanga (professor universitário e escritor), bem artesanal. Estou pensando na época da fundação de
“A propaganda pode ser conceituada como: atividade que tende Hollywood por aqueles já então magnatas – antigos pobres
a influenciar o homem, com o objetivo religioso, político ou imigrantes judeus, oriundos do leste europeu, que aportaram
cívico. A propaganda, portanto, é a propagação de ideias, mas nos Estados Unidos na virada do século XIX para o XX. Um
sem finalidade comercial. deles, Samuel Goldwyn (fundador da Metro-Goldwyn-Mayer),
Secretaria da Edução do Governo do Estado do Paraná. Disponível em: quando lançava um filme, ia para o cinema assisti-lo de costas
<http://www.sociologia.seed.pr.gov.br/
para a tela, observando pessoalmente cada reação do público.
modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=345>. Acesso em: 03 set. 2018.
[Fragmento] Suas percepções sobre o que havia funcionado e o que não
havia funcionado no filme serviriam para balizar as próximas
produções do seu estúdio. A partir de então, quando ele
recebesse a proposta de uma nova produção, ele diria sim ou
não para ela em função da percepção tida por ele da demanda.
78
SOCIOLOGIA
Certa vez, Adorno disse que os produtores mais argutos da Para Adorno e Horkheimer, formados no contexto de uma
indústria cultural eram “engenheiros de emoções”. chamada alta cultura europeia, era muito clara a diferença entre
Eles já têm praticamente um catálogo de emoções e de efeitos uma obra de arte e uma mercadoria cultural – embora estas,
que suscitem determinadas emoções. Daí eles criam ou claro, muitas vezes se valessem conteudisticamente das obras
supervisionam criações que levam em consideração esses de arte.
catálogos. São os “criadores” da indústria cultural. Mas elas tinham características muito específicas. Nesse
Desde a fundação de Hollywood, o mundo mudou demais. sentido, a dupla usou o parâmetro dessa “grande obra de arte
É de se imaginar que tais mudanças impactaram a burguesa europeia” para balizar suas críticas às mercadorias
indústria cultural nessa sua característica de perscrutar culturais. De lá para cá, no entanto, as mercadorias culturais
demandas latentes e ao mesmo tempo atendê-las em foram se sofisticando, deixando de ser tão vagabundas como
conformidade com as necessidades do capital... eram a princípio.
A primeira proposta de crítica radical à indústria cultural, feita Em contrapartida, vários artistas entenderam que precisariam
por Adorno e Horkheimer na Dialética do Esclarecimento, é da dialogar, de algum modo, com a produção mercantil no
década de 1940, isto é, durante a Segunda Guerra Mundial. contexto da cultura. Isso tudo fez com que a diferenciação
De lá para cá, houve mudanças geopolíticas muito importantes. entre obra de arte e mercadoria cultural tenha se tornado mais
[...] Por outro lado, houve também uma inimaginável evolução problemática nos dias de hoje. Não que tenha deixado de
tecnológica nos meios de produção e difusão audiovisual. [...] existir. É que o limite entre uma coisa e outra é mais tênue. [...]
Esses dispositivos tecnológicos modificaram, sim, a relação da Quais seriam os critérios contemporâneos para fazer essa
indústria cultural com o seu público. A pergunta, neste sentido, distinção?
seria: daquele primeiro modelo crítico estabelecido por Adorno Para o crítico, para o esteta, para o filósofo da arte, é preciso
e Horkheimer, o que poderia ser aproveitado para se abordar a muito mais feeling que qualquer outra coisa. Para não se deixar
indústria cultural atualmente? Conforme citei, o que a indústria enganar. Ele precisa ter uma espécie de “faro”, porque há
cultural tem de essencial é uma apropriação de meios produções nos dois campos que estão muito próximas umas
tecnológicos para garantir um tipo específico de dominação das outras.
política e econômica que coexista com democracias liberais. Que exemplo pode dar?
Isso, a despeito das incríveis mudanças tecnológicas e Ocorre-me agora o caso do Romero Britto. Não conheço
geopolíticas que aconteceram, não mudou de lá para cá. Todas nenhum crítico de arte que seja sério e que considere o Romero
as mudanças foram sendo capitalizadas como mais um Britto um grande artista; nem mesmo um “artista”. Trata-se de
elemento para a apropriação das demandas do público. alguém que aprendeu a fazer certo tipo de grafismo e que
Não parece surpreendente essa capacidade da indústria começou a produzir isso - ou a permitir a produção disso - em
cultural de se adaptar a tantas mudanças tecnológicas e larga escala, em massa. E que ficou rico com isso. É uma
geopolíticas e conseguir continuar se apropriando das produção que já está claramente colocada do lado da cultura de
demandas do público? massa, da mercadoria cultural. Já a pop art reúne um tipo de
O que ocorre é que o próprio capitalismo sempre foi bem- expressão artística mais complexa, que poderia ser confundida
sucedido em se reinventar para continuar existindo. [...] Antes com cultura de massa e que em algumas ocasiões até foi
que o capitalismo acabasse, ele se reinventou. Ele se tornou confundida; mas que não é cultura de massa. Isso é algo que o
monopolista, oligopolista. O capitalismo se adaptou ao trabalho do Arthur Danto mostrou bem. Existe, sim, uma
surgimento de dois blocos de forte influência durante a Guerra apropriação da pop art pela cultura de massa. Mas o Andy
Fria, se moldou à queda do muro de Berlim, se adaptou ao fim Warhol, por exemplo, é um artista muito mais profundo e
dessa bipolaridade, se reinventou com o surgimento da muito mais sério do que a imagem que ele construiu para si
globalização econômica e, por tabela, política. próprio e buscou demonstrar. Nesse sentido, para se distinguir
Com o advento da internet, despontou certa esperança de entre obra de arte e mercadoria cultural, é preciso perceber
que ela, com a transição da passividade para a atividade, aqueles casos em que não há nada por trás do flerte que tal
finalmente propiciasse uma emancipação dos sujeitos em produção faz com a arte.
relação a essa ingerência da indústria cultural nas Disponível em: <https://www.ufmg.br/online/arquivos/034508>. Acesso em:
03 set. 2018.
demandas sociais por cultura. No entanto, pensadores já
fazem hoje a reflexão de que nem mesmo a internet escapou
de ser tragada pela indústria cultural... Publicidade brasileira tem visão preguiçosa sobre a mulher
Exatamente. Em vez de fomentar essa emancipação, a internet Propagandas ainda são machistas e racistas, embora haja
se configurou como um meio de tornar contínua essa pesquisa sinais de mudança, diz Carla Alzamora, diretora da
da indústria cultural em relação à demanda de seu público. agência Heads
Na verdade, por meio da tecnologia, a internet tornou essa Há quem diga que o mundo da publicidade está ficando chato e
pesquisa muito mais exata. Hoje, se você faz uma busca no politicamente correto no Brasil, tamanho ‘policiamento’ sobre
Google, nos dias seguintes, senão no mesmo dia, você começa algumas mensagens emitidas por empresas na mídia e sobre
a receber publicidade relacionada ao que você estava ações de marketing. Mas como poderia ser diferente? A
procurando. Isso é exatamente o mecanismo que caracterizou a publicidade se acostumou a repetir padrões que já não fazem
indústria cultural desde sempre: o de se manter próxima à mais sentido para quem vive em pleno século XXI. Que o
demanda do seu público e de oferecer produtos que supram digam as marcas de cerveja que ainda estampam o clichê das
essas demandas em conformidade com os interesses do capital. mulheres com corpões esculpidos para garantir que aquela
O Google faz isso de um jeito totalmente diabólico e cerveja é melhor. Para Carla Alzamora, diretora de
automatizado. planejamento da agência Heads, “existe um lugar comum na
Como diferenciar, nos dias de hoje, obra de arte e publicidade onde contamos as mesmas histórias e usamos as
mercadoria cultural? mesmas referências, sem olhar para a realidade”. No fundo,
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SOCIOLOGIA
uma visão preguiçosa da realidade. Dessa forma, continuam a eletromiogramas – para detectar a atividade dos músculos –,
ser produzidas propagadas que abusam, por exemplo, do ressonâncias magnéticas funcionais, sistemas de eye-tracking –
racismo e do machismo. [...] para detectar onde o olhar se fixa – ou o estudo das respostas
A publicidade, e o marketing de uma maneira geral, ainda orgânicas da pele, como a sudorese”, comenta Navarro.
insiste em padrões de comportamento diferentes para homens e “Queremos ver a influência real do que está sendo narrado e
mulheres, observa a diretora da HEADs. Enquanto a como está sendo narrado”.
propaganda de barbeador mostra um homem como um super “Existem até encefalogramas portáteis, espécies de capacetes
herói pronto para salvar o mundo, a propaganda de remédio que vão registrando a atividade cerebral enquanto o indivíduo
para dor de cabeça exibe a mulher em situação limites, está comprando”, diz Francis Blasco, coordenadora acadêmica
tentando dar conta de rotina dupla, prestes a ter um chilique. do mestrado em Neuromarketing e Comportamento do
Para piorar, há ainda a ditadura de um padrão de beleza. Consumidor da Universidade Complutense de Madri. “Estamos
A presença de homens e mulheres brancos é excessiva, já que tentando entender o padrão neuronal da compra”, acrescenta. O
53% da população brasileira que se declara negra, segundo o objetivo? Conhecer as preferências dos compradores (muitas
IBGE. “De acordo com 67% dos posts monitorados no das quais eles nem têm consciência) para ajudar as empresas a
Facebook, as mulheres são representadas como a Bruna aperfeiçoar seus processos de comunicação e produção, dizem
Marquezine. No caso dos homens, 64% dos posts descrevem os os especialistas da área. Querem olhar dentro de nossos
homens como Justin Bieber”, afirma Carla Alzamora, da cérebros para vender mais.
Heads, agência que que desenvolveu o estudo TODXS? – Uma Por que nos deixamos convencer?
análise da representatividade na publicidade brasileira. Pedro Bermejo, neurologista e presidente da Associação
[...] A boa notícia é que já começa a ganhar destaque um Espanhola de Neuroeconomia (Asocene), explica que, cada vez
movimento contrário, focado em dialogar com as mulheres. O que tomamos uma decisão, “duas partes de nossos cérebros
conjunto de anúncios que ambicionam uma quebra de podem ser ativadas, a do sim e a do não”. Em função de qual
paradigma e focam no empoderamento feminino recebeu das duas tendências prevaleça sobre a outra, estaremos mais ou
investimento de 12 milhões de reais [...]. Esse é um movimento menos inclinados a gastar dinheiro naquilo que um vendedor,
novo e tão carente de informação, que muitas empresas têm um anúncio ou um político nos oferece. “Coloca-se o
buscado nas ONGs feministas um suporte para acertar em suas consumidor num aparelho de ressonância magnética e começa-
escolhas. É o caso da ONG Think Olga, que ficou conhecida a se a vender os produtos. Pode-se saber o que dirá três ou quatro
partir da campanha Chega de Fiu Fiu, contra o assédio em segundos antes que ele responda, porque o cérebro denuncia”,
locais públicos, e a campanha #Meuprimeiroassédio. afirma o cientista. [...]
Para atender a demanda das empresas, a ONG decidiu ampliar Podemos fazer algo para evitar que outros tomem as decisões
suas ações e criou o Think Eva, um núcleo que planeja destacar por nós? “Precisamos nos informar: a única maneira para nos
para marcas e empresas a nova realidade das mulheres dos defendermos é ter conhecimento e tomar as decisões com
novos tempos. A Avon foi uma das empresas que procurou a tempo. O conselho: nunca compre na correria”, conclui
ONG, interessada em utilizar o empoderamento feminino no Bermejo.
discurso da marca no Brasil. “A Olga faz a mudança de fora FEMMINE, Laura. Disponível em: <https://brasil.elpais.
com/brasil/2015/07/06/economia/1436181514_967391.html>. Acesso em: 03
para dentro e a Eva de dentro para fora”, explica Nana Lima,
set. 2018.
sócia do Think Olga. [...]
OLIVEIRA, Regiane. Disponível em: <https://brasil.elpais.
com/brasil/2016/12/09/politica/1481316857_826950. html>. Acesso em: 03
set. 2018. ATIVIDADES
Os anúncios entram na sua cabeça, embora às vezes você 01. (Unesp–2018) A mídia é estética porque o seu poder de
não perceba convencimento, a sua força de verdade e autoridade, passa
A pesquisa neuronal e sensorial por trás da publicidade é por categorias do entendimento humano que estão pautadas
cada vez mais sofisticada na sensibilidade, e não na racionalidade. A mídia nos
Quantas vezes a expressão edição limitada na embalagem de influencia por imagens, e não por argumentos. Se a
algum produto acelera sua vontade de comprá-lo? Os produtos propaganda de um carro nos promete o dom da liberdade
vendem mais se forem promovidos por pessoas atraentes? Um absoluta e não o entrega, a propaganda política não vai ser
aroma pode fazer você sacar o cartão de crédito? Nada é mais cuidadosa na entrega de suas promessas simbólicas,
casual: as técnicas utilizadas para saber o que atrai o mesmo porque ela se alimenta das mesmas categorias de
consumidor são cada vez mais sofisticadas, mesmo que às discurso messiânico que a religião, outra grande área de
vezes apelem para os instintos mais primitivos. “Para fazer venda de castelos no ar.
pesquisa de mercado, antes eram usados os típicos FIANCO, F. O desespero de pensar a política na sociedade do espetáculo.
Disponível em: <http://revistacult.uol.com.br, 11.01.2017> (Adaptação).
questionários, e o entrevistado era confrontado pelo
entrevistador. Agora se pode perguntar diretamente ao Considerando o texto, a integração entre os meios de
cérebro”, resume José Manuel Navarro, diretor do mestrado em comunicação de massa e o universo da política apresenta como
Neuromarketing da Escola Superior de Comunicação implicação
Marketing (ESCO). O neuromarketing é essa disciplina que A) a redução da discussão política aos padrões da propaganda e
explora as reações neuronais e sensoriais dos consumidores do marketing.
diante de determinados estímulos, lastreada pela certeza de que B) a ampliação concreta dos horizontes de liberdade na
a grande maioria das nossas decisões de compra se baseia nas sociedade de massas.
emoções. “São usadas técnicas neurofisiológicas aplicadas, C) o fortalecimento das instituições democráticas e dos direitos
como eletroencefalogramas, eletrocardiogramas, de cidadania.
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aceitação das novelas na esfera dos críticos da mídia, o D) O progresso técnico-científico pode ser entendido como um
reality show segue agora como gênero televisivo mundial, meio que a indústria cultural usa para formar indivíduos
transmitido em horário nobre, e principal símbolo da perda críticos.
de qualidade do conteúdo televisivo na sociedade pós- E) A expressão “indústria cultural” indica uma cultura baseada
moderna. Os reality shows personificam as novas formas de na ideia e na prática do consumo de produtos culturais
identificação dos sujeitos nas sociedades pós-modernas. fabricados em série.
Programas como o BBB são movidos pelas engrenagens de
uma sociedade exibicionista e consumista, que se mantém
vendendo ao mesmo tempo a proposta de que cada um pode 09. (UEM-PR–2018) Observe a foto a seguir:
sair do anonimato e conquistar facilmente fama e dinheiro.
Sousa , Sávia Lorena B. C. de. O reality show como objeto de reflexão
cultural. Disponível em: <observatoriodaimprensa.com.br>.
Sobre a relação entre os meios de comunicação de massa e o
público consumidor, é correto afirmar que
A) a qualidade da programação da tv não é condicionada pelas
demandas e desejos dos consumidores culturais.
B) o reality show é uma mercadoria cultural relacionada com
processos emocionais de seu público.
C) os critérios estéticos independem do nível de autonomia
intelectual dos consumidores.
D) no caso dos reality shows, a televisão estimula a capacidade
de fruição estética do público consumidor.
E) os programadores priorizam aspectos formativos relegando
o entretenimento a uma condição secundária.
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SOCIOLOGIA
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o período das duas guerras mundiais e o desenvolvimento da República. A umbanda reúne, sincreticamente, elementos de
globalização e sua relação com o fenômeno do religiões espiritualistas de matriz africana, mais a doutrina
multiculturalismo. A seguir, estudaremos cada um desses espírita de Allan Kardec (espiritismo kardecista), cuja origem é
eventos. francesa e se inspira em uma leitura racional e científica da
espiritualidade. Segundo o historiador José Henrique de
COLONIALISMO, IMPERIALISMO Oliveira, a umbanda expressaria a
E ETNOCENTRISMO
O domínio europeu sobre suas colônias, no Novo Mundo, tinha preocupação em edificar uma religião centrada na possibilidade
como pressuposto uma postura civilizadora, em que os de manifestação de espíritos oriundos das três etnias que
europeus, portadores de uma cultura supostamente superior, formam a nação brasileira, foi certamente influenciada pelo
seriam responsáveis por “civilizar” os nativos do mundo novo. intenso nacionalismo do regime de Vargas e pelo esforço de
Desde o século XV, quando diferentes povos europeus criar uma cultura nacional como base para a unificação do
iniciaram o processo colonial, passando pelo neocolonialismo povo brasileiro.
(ou imperialismo) dos séculos XIX e XX, as diversas culturas OLIVEIRA, J. H. M. Das macumbas à Umbanda: A construção de uma
religião brasileira. Limeira: Editora do Conhecimento, 2008. p. 109.
humanas passaram a estar em contato mais próximo, ainda que
sob relações de dominação e exploração. Por meio dessa
investida em novos territórios, o colonialismo e o Com isso, a umbanda sintetiza o hibridismo cultural,
neocolonialismo europeus puseram em contato diferentes apresentando-se como uma nova religião em um novo cenário
povos e diferentes culturas. Mas, paralelamente, reforçaram a histórico-cultural, relacionando e reorganizando sistemas de
imposição política, econômica e cultural baseada no modelo crenças de outras religiões já existentes.
ocidental de civilização. Porém, anteriormente à década de 1970 e às teorias derivadas
A existência de práticas de dominação, por parte dos europeus, dos Estudos Culturais e dos Estudos Pós-Coloniais, quase não
estava embasada em pressupostos etnocêntricos. Já vimos que havia consideração a respeito das diferenças culturais entre os
o etnocentrismo consiste em uma postura que estabelece europeus e os povos africanos e indígenas. Pautados no
critérios para as diferentes culturas do mundo serem etnocentrismo, os europeus muitas vezes assumiam uma
compreendidas tendo como parâmetro a cultura daquele que as postura de dominação sobre as culturas que lhes eram
interpreta. Sendo assim, cada cultura se enxerga como se fosse estranhas.
o centro do universo e, desse modo, diferenças morais,
religiosas, estéticas, entre outras, são desqualificadas pela Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio
cultura tomada como parâmetro. No caso específico europeu, o grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são
etnocentrismo pode ser chamado de eurocentrismo. pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos
Por ser um fenômeno advindo do encontro entre culturas modelos, nossas definições do que é a existência. No plano
distintas, o elemento central do etnocentrismo é o intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a
estranhamento entre as culturas. Pois, nesse contato, as noções diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza,
como “nós” e “outro” são produzidas, e uma série de medo, hostilidade, etc.
representações sobre grupos sociais diferentes são criadas. [...]
Desse modo, todo o universo simbólico dos colonizados Como uma espécie de pano de fundo da questão etnocêntrica
passava a ser permeado pela cultura europeia e cristã, apoiada temos a experiência de um choque cultural. De um lado,
na ideologia da superioridade da raça branca. Os europeus conhecemos um grupo do “eu”, o “nosso” grupo, que come
chegaram às Américas, assim como à África, à Ásia e à igual, veste igual, gosta de coisas parecidas, conhece
Oceania, em condição de domínio absoluto, gerando, problemas do mesmo tipo, acredita nos mesmos deuses, casa
evidentemente, reflexos na esfera cultural. igual, mora no mesmo estilo, distribui o poder da mesma
Não é correto utilizarmos o termo “aculturação” para designar forma, empresta à vida significados em comum e procede, por
o processo de assimilação cultural ocorrido entre as culturas muitas maneiras, semelhantemente. Aí, então, de repente, nos
indígenas, africanas e europeia. Isso porque “aculturação” deparamos com um “outro”, o grupo do “diferente” que, às
supõe a substituição de uma cultura por outra, o que não vezes, nem sequer faz coisas como as nossas ou quando as faz
acontece. O que ocorre é um processo de trocas culturais. é de forma tal que não reconhecemos como possíveis.
Como a civilização europeia aportou em terras americanas para E, mais grave ainda, esse “outro” também sobrevive à sua
dominar os povos nativos, sua visão de mundo (etnocêntrica) maneira, gosta dela, também está no mundo e, ainda que
acabou se impondo com mais intensidade sobre as demais, mas diferente, também existe.
não as eliminou por completo. Em muitos lugares, como no [...]
Brasil, testemunhamos o surgimento de culturas híbridas e O grupo do “eu” faz, então, da sua visão a única possível ou,
complexas, com referências culturais misturadas e mais discretamente, se for o caso, a melhor, a natural, a
ressignificadas. Afinal, as culturas não são estáticas, mas superior, a certa. O grupo do “outro” fica, nessa lógica, como
dinâmicas, mutáveis e adaptáveis. Atualmente, pensadores sendo engraçado, absurdo, anormal ou ininteligível. Este
como o jamaicano Stuart Hall (1932-2014) e, especialmente, o processo resulta num considerável reforço da identidade do
argentino Néstor Canclini (1939-) se dedicam a estudar a “nosso” grupo. No limite, algumas sociedades chamam-se por
hibridização cultural, cujo foco se concentra nas interseções – nomes que querem dizer “perfeitos”, “excelentes” ou, muito
fusões, conflitos, contradições, ressignificações – entre as simplesmente, “ser humano” e ao “outro”, ao estrangeiro,
culturas na modernidade. chamam, por vezes, de “macacos da terra” ou “ovos de
Um dos exemplos de cultura híbrida no Brasil é a umbanda. piolho”.
Ela teve origem no Rio de Janeiro, entre o final do século XIX
e início do século XX, no contexto de urbanização do início da
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SOCIOLOGIA
De qualquer forma, a sociedade do “eu” é a melhor, a superior. Os dois grandes conflitos mundiais, ocorridos nos anos de 1914
É representada como o espaço da cultura e da civilização por 1918 e entre 1939 e 1945, são de fundamental importância para
excelência. É onde existe o saber, o trabalho, o progresso. compreendermos a questão da diversidade cultural e a sua
A sociedade do “outro” é atrasada. É o espaço da natureza. São relação com os direitos humanos.
os selvagens, os bárbaros. São qualquer coisa menos humanos,
pois estes somos nós. O barbarismo evoca a confusão, a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS
desarticulação, a desordem. O selvagem é o que vem da HUMANOS
floresta, da selva que lembra, de alguma maneira, a vida 1. Todos nós nascemos livres e iguais
animal. 2. Não discriminar
O outro” é o “aquém” ou o “além”, nunca o “igual” ao “eu”. ROCHA, 3. O direito à vida
Everardo. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 7- 4. Nenhuma escravatura
22. 5. Nenhuma tortura
6. Tu tens direitos, não importa aonde vás
DESCOLONIZAÇÃO E 7. Somos todos iguais perante a lei
ESTUDOS PÓS-COLONIAIS 8. Os direitos humanos são protegidos por lei
Terminada a Segunda Guerra Mundial, em 1945, acelera-se o 9. Nenhuma detenção injusta
processo de descolonização de territórios que estavam sob 10. O direito a julgamento
domínio das nações europeias, especialmente na África, na 11. Estamos sempre inocentes até prova em contrário
Ásia e na Oceania. Com as lutas por independência em vários 12. O direito à privacidade
países – como na Índia, que se libertou politicamente da Grã- 13. Liberdade para mover
Bretanha em 1947, liderada por Mahatma Gandhi –, 14. O direito a asilo
começaram a ser reveladas as atrocidades cometidas pelos 15. Direito a uma nacionalidade
europeus em nome da exploração econômica, assim como as 16. Casamento e família
profundas mudanças culturais impostas pelo processo colonial 17. O direito às tuas próprias coisas
aos povos colonizados. 18. Liberdade de pensamento
A subjugação material e cultural levou à extinção de vários 19. Liberdade de expressão
povos milenares e produziu narrativas que contaram a história 20. Direito de ajuntamento público
a partir do olhar do colonizador, silenciando as vozes dos 21. O direito à democracia
dominados e invisibilizando as possibilidades de resistência e 22. Segurança social
enfrentamento do processo colonial. 23. Direitos dos trabalhadores
Porém, a partir da década de 1970, surge um novo campo de 24. O direito à diversão
estudos nas ciências humanas cuja pretensão é a de estudar os 25. Comida e abrigo para todos
efeitos políticos, econômicos e culturais da colonização e do 26. O direito à educação
imperialismo europeu, apontando os “perigos de uma história 27. Direitos de autor
única” e dando voz à resistência à dominação: os Estudos Pós- 28. Um mundo justo e livre
coloniais ou Pós-Colonialismo. O pós--Colonialismo é uma 29. Responsabilidade
práxis social, política, econômica e cultural que busca 30. Ninguém pode tirar-lhe os seus direitos humanos
responder e resistir tanto ao colonialismo quanto ao
eurocentrismo, responsáveis por moldarem o mundo moderno Ainda que a Primeira Guerra Mundial tenha colocado em
em torno dos valores culturais de alguns determinados povos. evidência a questão do etnocentrismo, já que uma de suas
Seus propositores são, principalmente, escritores e intelectuais, causas foi a disputa das grandes potências europeias por novas
oriundos de nações colonizadas, que reivindicam o direito de colônias, foi a Segunda Guerra Mundial que trouxe
narrar sua própria história a partir da posição de subalternidade questionamentos ainda mais profundos sobre o modo como são
a que foram relegados. São importantes nomes como o do tratadas as diferenças culturais. Isso se deve a um evento
filósofo afro-americano Frantz Fanon (Peles negras, máscaras específico: o Holocausto praticado pelo regime nazista,
brancas); do filósofo Aimé Cesaire, da Martinica (Discurso responsável pela dizimação de judeus, ciganos, negros e outras
sobre o colonialismo); do crítico literário palestino Edward etnias.
Said (Orientalismo, Cultura e Imperialismo); do crítico No âmbito político, o Holocausto provocou uma preocupação
literário indiano Hommi Bhabba (O Local da Cultura); da maior com a defesa dos direitos individuais, na esfera
também indiana e filósofa Gayatri Spivak (Pode o subalterno internacional, colocando em pauta a questão do respeito à
falar?), que trazem à tona os efeitos da colonização através da diversidade cultural. A discussão perpassava a necessidade de
ótica de quem a sofreu, ao invés da de quem se beneficiou. criar mecanismos de defesa dos direitos humanos que fossem
Com isso, colocam-se novos olhares sobre a história e sobre as supranacionais, ou seja, não restritos às legislações nacionais.
relações entre colonizador / colonizado, mostrando muitas Esse posicionamento questiona a concepção liberal de Estado,
nuances e complexidades que se refletem na geopolítica da que entende os seres humanos como iguais, cabendo ao esforço
atualidade. individual a única variável possível para a superação das
Assim sendo, novos temas surgem na literatura e nos estudos desigualdades sociais e para o reconhecimento de direitos.
sociais: escravidão, hibridismo cultural, diáspora, migração, Uma vez que a busca por instrumentos legais para garantir os
deslocamento cultural, colonização / descolonização do direitos humanos enseja uma maior atuação do Estado na vida
imaginário, lugar pós-colonial. social, os adeptos do liberalismo social e econômico se
colocam contra esse tipo de atuação estatal.
AS GUERRAS MUNDIAIS E A DECLARAÇÃO Desse modo, em 1948, é criada a Organização das Nações
UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Unidas e adotada a Declaração Universal dos Direitos
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SOCIOLOGIA
Humanos, visando justamente garantir o respeito à diversidade perspectiva foram docentes universitários afro-americanos que,
cultural em todo o mundo. Mas, de que modo poderíamos por meio de seus estudos nas áreas de Ciências Sociais,
conceber uma postura universal de defesa da diversidade levantaram importantes questões sociais, políticas e culturais,
cultural, visto que esta nos remete justamente à particularidade denunciando a exclusão dos negros na sociedade americana e a
e não à universalidade? subalternidade de grupos sociais minoritários e colonizados.
É nesse aspecto que temos o embate de duas correntes distintas Esses apontamentos foram de fundamental importância para
a respeito dos direitos humanos: o universalismo e o que a igualdade de direitos fosse extensiva também aos negros,
multiculturalismo. na sociedade estadunidense, abrindo caminhos para que outras
O universalismo entende que a condição humana pressupõe formas de exclusão social pudessem ser politizadas, ou seja,
uma forma de dignidade que deve ser garantida a todo e pudessem ser trazidas ao debate público para que fossem
qualquer custo. Essa dignidade da pessoa é representada por reconhecidas. Nesse viés, para a perspectiva multiculturalista, o
padrões mínimos de respeito entre os indivíduos, devendo ser Estado tem um papel de extrema importância, pois é ele quem
garantidos entre as nações que aderirem aos tratados garante as políticas que visam à proteção e ao reconhecimento
internacionais. de grupos que se encontram excluídos e vulneráveis em relação
Note que o princípio da dignidade humana passa a ser, ao restante da sociedade.
hierarquicamente, uma norma superior às outras, tornando-se a Se pensarmos, no caso brasileiro, as políticas de cotas raciais
base da atividade política em cada uma das coletividades que para ingresso no funcionalismo público e nas universidades
existem no mundo. Essa perspectiva estaria embasada numa federais, bem como o ensino de História da África, inserem-se
visão de que nesse contexto de reconhecimento cultural e na tentativa de
correção das desvantagens sociais que incidiram sobre a
os direitos dos homens nascem como direitos naturais população negra no Brasil.
universais, desenvolvem-se como direitos positivos Portanto, o multiculturalismo surge, primordialmente, como
particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização uma estratégia política, visando conceder representação aos
como direitos positivos universais. grupos sociais minoritários da sociedade e, assim sendo, não
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 1. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. pode ser compreendido fora do contexto das lutas sociais.
p. 30.
Nesse sentido, questões relacionadas a etnia, raça, religião,
sexualidade, gênero, entre outras, passam a ganhar grande
A Declaração de Viena, de 1993, reafirma essa postura, como relevância na esfera política.
fica claro no seu parágrafo 5º: Dessa maneira, podemos pontuar que o projeto cosmopolita
moderno, aquele baseado na crença da superioridade europeia,
Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, não se cumpriu. Além disso, fez crescer a noção de que a
interdependentes e inter-relacionados. A comunidade justiça social não se faz apenas com a busca por igualdade
internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de jurídica, entre grupos sociais e indivíduos, mas,
maneira justa e equânime, com os mesmos parâmetros e com principalmente, pelo respeito às diferenças, às identidades e
igual ênfase. pela valorização das culturas que, ao longo do processo de
As particularidades nacionais e regionais e bases históricas, modernização, foram desconsideradas por diferirem do cânone
culturais e religiosas devem ser consideradas, mas é obrigação europeu. Nesse contexto, então, abre-se o caminho para o
dos Estados, independentemente de seu sistema político, surgimento do multiculturalismo, que se difundiu em conjunto
econômico e cultural, promover e proteger todos os direitos com o fenômeno da globalização.
humanos e as liberdades fundamentais.
CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE DIREITOS HUMANOS, 1993, Viena.
Declaração e Programa de Ação de Viena. CRÍTICAS À DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS
DIREITOS HUMANOS
A perspectiva universalista, portanto, entende que a realidade Como vimos anteriormente, a universalidade da Declaração
social é única e absoluta, sendo sua existência independente Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é discutível, não
das representações dos seres humanos a respeito dos existindo de fato um consenso em torno de quais valores e
fenômenos da vida social. Por esse motivo, torna-se normas abrangem todos os povos e culturas ao redor do
problemático considerar certas práticas como violadoras dos mundo.
direitos universais, uma vez que elas apenas são consideradas Uma das críticas mais contundentes veio do mundo islâmico,
com base nos valores daqueles que analisam a prática por meio de uma série de documentos que criticavam a visão
violadora. Um dos maiores riscos que a perspectiva ocidental, eurocêntrica e cristã da Declaração Universal dos
universalista corre é a de adotar uma postura etnocêntrica, que Direitos Humanos proposta pela Assembleia Geral da ONU de
toma como referência a visão de mundo de um grupo e a 1948.
imponha como universal a todos os demais. Destacam-se dois documentos: A Declaração Islâmica
É nesse sentido que a visão multiculturalista se diferencia da Universal dos Direito Humanos (DIUDH), de 1981, e a
visão universalista dos direitos humanos. Para os Declaração do Cairo sobre Direitos Humanos no Islã (DDHI),
multiculturalistas, os direitos universais seriam uma construção de 1990, também conhecida como Carta do Cairo. Ambas
tipicamente ocidental que não encontraria parâmetros nas foram propostas e assinadas pelos 57 países-membros da
demais culturas. Desse modo, não é possível falar em proteção Organização da Conferência Islâmica, voltada para a defesa da
dos direitos humanos sem considerarmos as particularidades de matriz cultural baseada na fé maometana e para o diálogo com
cada contexto cultural. as demais culturas.
A perspectiva multiculturalista surge já com um grande viés As duas declarações paralelas não se opõem à DUDH, mas
político. Pois, os primeiros intelectuais a se dedicarem a essa pretendem apresentar valores e normas também considerados
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SOCIOLOGIA
universais sob uma ótica islâmica e em consonância com os Ao contrário, eles devem ser explicitados e tematizados em
textos sagrados muçulmanos. nome da convivência da diferença. Em sua obra,
Comparando-se os três textos, percebe-se que há consonância Multiculturalismo, Semprini (1999) destaca o
em relação a vários aspectos (proteção à infância e regulação multiculturalismo como sendo constituinte de uma ruptura
do trabalho, por exemplo), mas há discordância quanto a vários epistemológica com o projeto da modernidade.
outros, especialmente no que diz respeito às questões morais. Ou seja, ao invés de estar relacionado com as ideias, oriundas
Por exemplo, as cartas árabes adotam a postura tradicionalista da modernidade, em que a homogeneidade cultural e a
islâmica quanto ao padrão familiar, devendo a mulher ser vista evolução “natural” da humanidade levariam as sociedades à
como subordinada ao homem e com acesso restrito a direitos. construção universal do progresso e da civilização, o
Há restrições também à homossexualidade, entendida como multiculturalismo está no bojo de um ponto de vista pós-
“prática antinatural”, e há a defesa da pena de morte como moderno de sociedade. Então, a diversidade, a diferença e a
alternativa jurídico-legal. descontinuidade são entendidas como categorias fundamentais
Constata-se que existem proximidades e afastamentos entre as pelos adeptos da perspectiva multicultural. Paralelamente, o
Declarações Islâmicas e a DUDH. Aproximam-se porque multiculturalismo, diferentemente da concepção moderna e
consagram direitos muito análogos de natureza civil, política, iluminista da identidade (vista como uma essência, estável,
social e econômica. Porém, também se distanciam porque universal e fixa), entende-a imersa em um movimento de
todos esses direitos estão limitados à sua própria visão de constante construção e reconstrução. Logo, a identidade, nos
mundo, construída sobre solos culturais específicos e termos do multiculturalismo, é múltipla e descentrada.
compreendidos como universais por seus propositores. A ampliação dos canais de comunicação entre os indivíduos
O intenso debate em torno da existência, ou não, de valores e facilita o intercâmbio de ideias e, consequentemente, cria novas
normas universais não deve, contudo, levar ao abandono ou à possibilidades para a manifestação política. Por esse motivo, a
rejeição de propostas de regulação internacional e de proteção diversidade e o intercâmbio cultural tornam-se uma questão de
aos indivíduos e às suas culturas. Ainda que não haja consenso grande relevância política, pois a existência de diversas
quanto a vários aspectos específicos, é possível perceber que culturas em um mesmo país, por exemplo, exige do Estado
determinados valores fundamentais estão presentes de alguma mais atenção em termos de respeito à diversidade.
forma: valorização da vida, condenação da tortura, abominação Podemos entender, então, que o respeito à diferença é a
do estupro, direito ao habeas corpus, direito a refúgio e asilo principal questão para o multiculturalismo, ao contrário do
político, condenação de crimes de guerra, proteção de universalismo, que se preocupa com os pontos de contato entre
liberdades individuais. Esses princípios são muito importantes diferentes sistemas culturais.
para que indivíduos e grupos sociais tenham algum amparo A grande contribuição política do multiculturalismo reside no
jurídico contra abusos de poder e contra as várias formas de fato de que ele não apenas aponta a importância de se refletir
violência cometidas por outros indivíduos, corporações ou sobre as diferenças entre os distintos segmentos da sociedade,
pelos próprios Estados, mesmo que haja dissensos quanto aos mas, também, busca modos amparados na lei e nas políticas
seus limites e aplicabilidades. públicas de produzir um sistema político e social em que as
diferenças sejam respeitadas e as desvantagens sociais sejam ao
O MULTICULTURALISMO NA ERA DA menos atenuadas.
GLOBALIZAÇÃO Por esse motivo, a formação de identidades culturais se torna
O mundo globalizado encurtou as distâncias geográficas e fundamental para que os grupos sociais organizem suas
também diminuiu a noção de tempo à medida que as novas demandas políticas e exprimam seus pontos de vista perante a
tecnologias de comunicação permitiram a troca de sociedade em geral e diante do poder público. A coesão social
informações, em tempo real, a partir de pontos distantes da somente é possível quando ocorre a identificação cultural e o
Terra. Essas novas possibilidades de interação fizeram com que respeito à alteridade. Assim, a formação de identidades sociais
culturas e visões de mundo distintas encontrassem outras facilita o intercâmbio de reivindicações e o reconhecimento de
maneiras de estabelecer contato, propiciando um novo olhar grupos desfavorecidos socialmente.
para a diversidade cultural do mundo. Uma das expectativas criadas em torno da Globalização foi a
A maior evidência das diferenças culturais propiciada pela de que uma homogeneidade cultural seria criada, tendo como
globalização obriga, sobretudo o Ocidente, a repensar suas base a cultura hegemônica dos países centrais, sendo que nesse
atitudes e posicionamentos frente a outros sistemas culturais. processo as culturas minoritárias estariam fadadas ao
Em função do caráter de urgência que essas questões tomaram, desaparecimento. O que se viu, porém, foi o surgimento de
a sociedade civil passou a elaborar ainda mais demandas de novos conflitos sociais, em virtude da grande politização de
cunho cultural, tornando a relação entre cultura e política ainda aspectos da vida cotidiana (luta por moradia, direitos dos
mais estreita. Por esse motivo, a Globalização se articula de idosos, das donas de casa, etc.), que foram potencializados pela
modo tão forte com o fenômeno do multiculturalismo. facilidade de troca de informações, permitindo, assim, que
De acordo com vários estudiosos do multiculturalismo, esse novos atores políticos passassem a apresentar novas demandas
fenômeno se dá com a coexistência de diversas práticas e a construir novas identidades políticas.
culturais distintas que conformam uma mesma sociedade. Em
outras palavras, compreender a sociedade como composta pela MAS, AFINAL, O QUE É DIVERSIDADE CULTURAL?
pluralidade de identidades, baseadas na heterogeneidade e na Pelo percurso que traçamos até o momento, você já aprendeu
diversidade de etnias, classes sociais, valores, gêneros, padrões que as diferenças culturais entre os indivíduos foram mote para
culturais e outros traços identitários, é o que o a construção da perspectiva cosmopolita, para o surgimento do
multiculturalismo destaca como fundamental. Ademais, os fenômeno do multiculturalismo, além de terem servido para
marcadores identitários, para o multiculturalismo, não devem justificar atrocidades como o Holocausto.
ser escamoteados em busca de uma pretensa homogeneização.
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SOCIOLOGIA
O conceito de diversidade cultural aponta justamente para as Defensores de direitos humanos, principalmente nas áreas
diferenças das expressões culturais entre os diversos povos do rurais, continuaram a ser ameaçados, atacados e assassinados.
planeta, mas não apenas isso. A noção de diversidade cultural O Pará e o Maranhão estavam entre os estados nos quais os
se relaciona com dois fenômenos distintos: podemos nos referir defensores corriam maior perigo. Segundo o Comitê Brasileiro
tanto a formações sociais diferentes, como nações, tribos de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, uma
indígenas, civilizações antigas, como também podemos nos coalizão da sociedade civil, 62 defensores foram mortos entre
referir às dimensões culturais que ganharam importantes janeiro e setembro, mais do que no ano anterior.
contornos políticos no mundo atual, como os movimentos A maioria foi morta em conflitos por terras e recursos naturais.
negros, movimentos pelos direitos dos homossexuais, pelos Cortes no orçamento e falta de vontade política para priorizar a
direitos ambientais, entre outros. Por isso a questão da proteção aos defensores de direitos humanos resultaram no
diversidade cultural e do multiculturalismo não é periférica e desmonte do Programa Nacional de Proteção, deixando
relegada somente ao domínio da moral pessoal. Ao contrário, centenas de pessoas expostas a um alto risco de ataques. [...]
ela é profundamente politizada e entra em choque com a DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS,
homogeneização, que é característica da globalização, TRANSGÊNEROS E INTERSEXOS
difundida pelo mercado e pela indústria cultural como Segundo o Grupo Gay da Bahia, 277 pessoas LGBTI foram
estratégia de formação de consumidores em larga escala. assassinadas no Brasil entre 1 de janeiro e 20 de setembro, o
Em tempos de globalização, o que vemos é uma profusão de maior número registrado desde que o grupo começou a
identidades políticas sendo elaboradas, demarcando os compilar esses dados em 1980. [...]
conflitos existentes em nossa sociedade que se valem da LIBERDADE DE RELIGIÃO E CRENÇA
facilidade e agilidade de troca de informações para que tais Durante todo o ano, locais de culto (terreiros) das religiões de
identidades se tornem visíveis. Essa pluralidade de demandas matriz africana, como a umbanda e o candomblé, no estado do
políticas fez com que a diversidade cultural se tornasse uma Rio de Janeiro foram alvos de vários ataques cometidos por
questão social de suma importância. particulares, por gangues criminosas e por integrantes de outras
O termo diversidade cultural significa a possibilidade de pensar religiões. Em agosto e setembro, pelo menos oito centros
condições para que os indivíduos tenham acesso ao exercício religiosos foram atacados e destruídos, a maioria na cidade do
efetivo de seus direitos sociais, seja por meio de políticas Rio de Janeiro e nos municípios da Baixada Fluminense, na
públicas, de acesso a canais democráticos de apresentação de região metropolitana do Rio.
demandas sociais, ou qualquer outro elemento que culmine no ANISTIA INTERNACIONAL. Informe 2017/18: O estado dos direitos
humanos no mundo. Disponível em: <https://anistia.org.br/wpcontent/
reconhecimento da sua condição cidadã.
uploads/2018/02/informe2017-18-online1.pdf>. Acesso em: 18 fev. 2019.
MONITORAMENTO INTERNACIONAL
A situação dos direitos humanos no Brasil foi examinada pela ATIVIDADES
terceira vez de acordo com o processo de Revisão Periódica
Universal da ONU. O Brasil recebeu 246 recomendações, entre 01. (UFU) A humanidade cessa nas fronteiras da tribo, do
outras: com relação aos direitos dos povos indígenas à terra; grupo linguístico, às vezes mesmo da aldeia; a tal ponto,
aos homicídios cometidos por policiais; à tortura e às que um grande número de populações ditas primitivas se
condições degradantes nas prisões; e à proteção aos defensores autodesigna com um nome que significa ‘os homens’ (ou às
de direitos humanos. Em maio, a Corte Interamericana de vezes – digamo-lo com mais discrição? – os ‘bons’, os
Direitos Humanos emitiu uma sentença contra o Brasil por sua ‘excelentes’, ‘os completos’), implicando assim que as
omissão em fazer justiça pelos homicídios de 26 pessoas, outras tribos, grupos ou aldeias não participam das virtudes
cometidos pela polícia na favela Nova Brasília, no Complexo ou mesmo da natureza humana, mas são, quando muito,
do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro, em outubro de 1994 e compostos de ‘maus’, ‘malvados’, ‘macacos da terra’ ou de
maio de 1995. [...] ‘ovos de piolho’.
CONDIÇÕES PRISIONAIS LÉVI-STRAUSS, C. Raça e História. Antropologia Estrutural Dois. São
O sistema prisional continuou superlotado e os presos eram Paulo: Tempo Brasileiro, 1989: 334.
mantidos em condições degradantes e desumanas. A população Nesse trecho, o antropólogo Claude Lévi-Strauss descreve a
carcerária era de 727.000 pessoas, das quais 55% tinham entre reação de estranhamento que é comum às das sociedades
18 e 29 anos e 64% eram afrodescendentes, segundo o humanas quando defrontadas com a diversidade cultural. Tal
Ministério da Justiça. Uma parcela significativa dos internos – reação pode ser definida como uma tendência
40% no âmbito nacional – estava detida provisoriamente, A) etnocêntrica.
situação em que costumam permanecer por vários meses até B) iluminista.
serem julgados. C) relativista.
No estado do Rio de Janeiro, as condições prisionais D) ideológica.
desumanas foram ainda mais degradadas pela crise financeira,
pondo em risco o abastecimento de comida, água e 02. (Unesp) Cada cultura tem suas virtudes, seus vícios, seus
medicamentos para mais de 50.800 presos. A tuberculose e as conhecimentos, seus modos de vida, seus erros, suas
doenças de pele atingiram proporções epidêmicas nas prisões ilusões. Na nossa atual era planetária, o mais importante é
do estado. No dia 2 de outubro, transcorreu o 25° aniversário cada nação aspirar a integrar aquilo que as outras têm de
do massacre do Carandiru, em que 111 homens foram mortos melhor, e a buscar a simbiose do melhor de todas as
pela polícia na Casa de Detenção de São Paulo, conhecida por culturas. A França deve ser considerada em sua história não
Carandiru. Os responsáveis pelo massacre ainda não haviam somente segundo os ideais de Liberdade-Igualdade-
sido responsabilizados. [...] Fraternidade promulgados por sua Revolução, mas também
DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS segundo o comportamento de uma potência que, como seus
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SOCIOLOGIA
vizinhos europeus, praticou durante séculos a escravidão As diferentes percepções do Rio de Janeiro, retratadas em cada
em massa, e em sua colonização oprimiu povos e negou letra, podem ser associadas, respectivamente, às ideias de
suas aspirações à emancipação. Há uma barbárie europeia A) ostentação da beleza natural – reformulação da segurança
cuja cultura produziu o colonialismo e os totalitarismos pública.
fascistas, nazistas, comunistas. Devemos considerar uma B) mistificação da relevância política – caracterização da
cultura não somente segundo seus nobres ideais, mas desordem urbana.
também segundo sua maneira de camuflar sua barbárie sob C) enaltecimento da tranquilidade social – valorização da
esses ideais. integração étnica.
MORIN, E. Le Monde, 08 fev. 2012. D) glorificação da identidade local – reconhecimento da
No texto citado, o pensador contemporâneo Edgard Morin diversidade cultural.
desenvolve
A) reflexões elogiosas acerca das consequências do 04. (Unioeste-PR) Do ponto de vista sociológico, a expressão
etnocentrismo ocidental sobre outras culturas. “diversidade cultural” sustenta
B) um ponto de vista idealista sobre a expansão dos ideais da A) o processo por meio do qual as classes dominantes
Revolução Francesa na história. combatem as formas de expressão dos grupos populares.
C) argumentos que defendem o isolamento como forma de B) a pluralidade de manifestações e expressões como: rituais,
proteção dos valores culturais. práticas, comemorações, lamentações, produtos, hábitos dos
D) uma reflexão crítica acerca do contato entre a cultura grupos que constituem uma sociedade.
ocidental e outras culturas na história. C) ideologia subjacente ao exercício da cidadania das classes
E) uma defesa do caráter absoluto dos valores culturais da sociais hegemônicas.
Revolução Francesa. D) apenas a defesa dos direitos de negros, mulheres e
indígenas.
E) apenas os direitos de membros das classes subalternas da
03. (UERJ) sociedade.
Cidade maravilhosa
Cidade maravilhosa 05. (UEL-PR) O etnocentrismo pode ser definido como uma
Cheia de encantos mil “atitude emocionalmente condicionada que leva a
Cidade maravilhosa considerar e julgar sociedades culturalmente diversas com
Coração do meu Brasil critérios fornecidos pela própria cultura. Assim,
Berço do samba e de lindas canções compreende-se a tendência para menosprezar ou odiar
Que vivem n’alma da gente culturas cujos padrões se afastam ou divergem dos da
És o altar dos nossos corações cultura do observador que exterioriza a atitude etnocêntrica.
Que cantam alegremente [...] Preconceito racial, nacionalismo, preconceito de classe
[...] ou de profissão, intolerância religiosa são algumas formas
André Filho e Silva Sobreira, 1935. de etnocentrismo”.
Disponível em: <http://letras.mus.br>. WILLEMS, E. Dicionário de Sociologia. Porto Alegre: Globo, 1970. p. 125.
Rio 40 graus Com base no texto e nos conhecimentos de Sociologia, assinale
Rio 40 graus a alternativa cujo discurso revela uma atitude etnocêntrica.
Cidade maravilha A) A existência de culturas subdesenvolvidas relaciona-se à
Purgatório da beleza presença, em sua formação, de etnias de tipo incivilizado.
E do caos B) Os povos indígenas possuem um acúmulo de saberes que
[...] podem influenciar as formas de conhecimentos ocidentais.
O Rio é uma cidade C) Os critérios de julgamento das culturas diferentes devem
De cidades misturadas primar pela tolerância e pela compreensão dos valores, da
O Rio é uma cidade lógica e da dinâmica própria a cada uma delas.
De cidades camufladas D) As culturas podem conviver de forma democrática, dada a
Com governos inexistência de relações de superioridade e inferioridade entre
[misturados elas.
Camuflados, paralelos E) O encontro entre diferentes culturas propicia a humanização
Sorrateiros das relações sociais, a partir do aprendizado sobre as diferentes
Ocultando comandos... visões de mundo.
[...]
Gatilho de disket 06. (UNISC-RS) As considerações sobre cultura nos levam a
Marcação pagode, funk uma importante conclusão: a existência de uma imensa
De gatilho marcação diversidade cultural – tanto nos níveis regionais e nacionais
De samba-lance como na sociedade global – implica a existência de
Com batuque digital diferenças, mas não de desigualdades. Em outras palavras, a
Na sub-uzi musical Antropologia nos ensina hoje que sociedades e grupos
De batucada digital sociais cujos valores, práticas e conhecimentos não são
[...] iguais aos nossos não são primitivos ou inferiores: são
Fernanda Abreu, 1992. diferentes. As diferenças só passam a ser sinônimo de
As letras das canções “Cidade maravilhosa”, de 1935, e “Rio desigualdade quando estão inseridas em relações de
40 graus”, de 1992, parecem não retratar a mesma cidade. dominação e exploração.
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SOCIOLOGIA
SANTOS, Rafael José. Antropologia para quem não vai ser antropólogo. A) iluminismo e racionalismo.
Porto Alegre: Tomo Editorial, 2005. p. 32-33.
B) democracia e estados de exceção.
Considerando a ideia de diversidade cultural apresentada no C) cristianismo e islamismo.
texto anterior, avalie as seguintes afirmativas: D) relativismo e universalidade.
I. A diversidade cultural existe porque as diferentes sociedades E) multiculturalismo e antropologia.
encontram-se em estágios diferentes de evolução social.
II. Estudo e reconhecimento da diversidade cultural não 09. (UFU) Todo sistema cultural tem a sua própria lógica e não
permitem a classificação de sociedades em primitivas e passa de um ato primário de etnocentrismo tentar transferir
evoluídas. a lógica de um sistema para outro.
III. As diferenças biológicas entre os seres humanos LARAIA, Roque. Cultura, um conceito antropológico. 8. ed. Rio de Janeiro:
determinam as diferenças de hábitos e costumes culturais. Jorge Zahar, 1993.
IV. As diferenças culturais são transformadas em Considerando o texto acima, marque a alternativa correta
desigualdades culturais quando duas ou mais culturas são acerca das afirmações a seguir:
colocadas em contato por relações de força. I. As sociedades tribais são tão eficientes para produzir cultura
Assinale a alternativa correta. quanto qualquer outra, mesmo quando não possuem certos
A) Somente a afirmativa I está correta. recursos culturais presentes em outras culturas.
B) Somente as afirmativas II e III estão corretas. II. As sociedades selvagens são capazes de produzir cultura,
C) Somente as afirmativas I e IV estão corretas. mas estão mal adaptadas ao meio ambiente e, por isso, algumas
D) Todas as afirmativas estão corretas. nem sequer possuem o Estado.
E) Somente as afirmativas II e IV estão corretas. III. As chamadas sociedades indígenas são dotadas de recursos
materiais e simbólicos eficientes para produzir cultura como
07. (UEG-GO) Não quero que a minha casa seja cercada de qualquer outra, faltando-lhes apenas uma linguagem própria.
muros por todos os lados, nem que minhas janelas sejam IV. As chamadas sociedades primitivas conseguiram produzir
tapadas. Quero que as culturas de todas as terras sejam cultura plenamente, ao longo do processo evolutivo, quando
sopradas para dentro de minha casa, o mais livremente instituíram o Estado e as instituições escolares.
possível. Mas recuso-me a ser desapossado da minha por A) I e II estão corretas.
qualquer outra. B) Apenas I está correta.
GANDHI, M. Relatório do desenvolvimento humano 2004. In: TERRA, Lygia; C) I e III estão corretas.
COELHO, Marcos de A. Geografia geral. São Paulo: Moderna, 2005. p. 137.
D) I e IV estão corretas.
Considerando-se as ideias pressupostas, o texto
A) afirma que a globalização aumentou, de modo sem 10. (UEM-PR) Considerando a temática da diversidade étnica,
precedente, os contatos e a união entre os povos e seus valores, assinale o que for correto.
reforçando o respeito às diferenças socioculturais. 1. A abordagem sociológica da cultura dos diferentes grupos
B) critica a intolerância com relação a outras culturas, gerando étnicos exige que o pesquisador não crie hierarquias entre eles.
assim os conflitos comuns neste novo século. 2. O olhar etnocêntrico é aquele que vê a cultura do outro a
C) indica o reconhecimento à diversidade cultural, além das partir de referências dadas pela sua própria cultura.
necessidades de afirmação e de identidade, seja étnica, seja 4. A concepção de que a Europa tem uma cultura mais
cultural, seja religiosa. avançada do que a do “Novo Mundo” legitimou as ações
D) nega a existência da exclusão cultural e ressalta a colonialistas, que visavam à dominação de diversos povos e de
homogeneização mundial e a superação/eliminação de suas culturas.
fronteiras culturais. 8. A análise crítica da cultura dos povos indígenas e dos grupos
étnicos que habitam as regiões Norte e Nordeste do Brasil
confere centralidade aos aspectos climáticos que determinam
08. (Unesp) Projeto no Iraque reduz a idade mínima de suas práticas culturais.
casamento para xiitas mulheres para 9 anos. Xiitas 16. A diversidade cultural se explica em razão do processo
iraquianas, caso o texto seja aprovado, só poderão sair de histórico de singularização das culturas dos diversos grupos
casa com autorização do marido e deverão estar sempre sociais que integram uma mesma sociedade.
disponíveis para relações sexuais. Esse tipo de notícia Soma ( )
coloca em xeque os ungidos multiculturalistas ocidentais. 11. (Enem) Em algumas línguas de Moçambique não existe a
Como, segundo estes, não há culturas atrasadas mas apenas palavra “pobre”. O indivíduo é pobre quando não tem
“diferentes”, e porque a democracia, entendida apenas parentes. A pobreza é a solidão, a ruptura das relações
como escolha da maioria, é um valor absoluto, por que familiares que, na sociedade rural, servem de apoio à
condenar quando a maioria de um povo escolhe por voto a sobrevivência. Os consultores internacionais, especialistas
sharia*? Chegamos ao impasse dos multiculturalistas: em elaborar relatórios sobre a miséria, talvez não tenham
aceitam que cada cultura seja “apenas diferente” e que, em conta o impacto dramático da destruição dos laços
portanto, não há bárbaros, ou constatam o óbvio, ou seja, familiares e das relações de entreajuda. Nações inteiras
que certas sociedades ainda vivem presas a valores abjetos, estão tornando-se “órfãs”, e a mendicidade parece ser a
que ignoram completamente as liberdades básicas dos única via de uma agonizante sobrevivência.
indivíduos. Qual vai ser a opção? COUTO, M. E se Obama fosse africano? & outras intervenções. Portugal:
CONSTANTINO, Rodrigo. Pedofilia? No Iraque islâmico é permitido por lei! Caminho, 2009 (Adaptação).
Disponível em: <http://www.veja.com.br>.
Em uma leitura que extrapola a esfera econômica, o autor
Acesso em: 02 maio 2014 (Adaptação).
*Sharia: lei islâmica. associa o acirramento da pobreza à
Para o autor, o conflito suscitado opõe essencialmente A) afirmação das origens ancestrais.
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SOCIOLOGIA
B) fragilização das redes de sociabilidade. pública para que não incorramos em modelos fundamentalistas,
C) padronização das políticas educacionais. autoritários e discriminatórios, como ocorreu tantas vezes na
D) fragmentação das propriedades agrícolas. história da humanidade. Não seria por outro motivo que se tem
E) globalização das tecnologias de comunicação. debatido bastante atualmente acerca da legitimidade das
religiões, da necessidade de que o Estado Moderno seja laico,
12. (Enem) Muitos países se caracterizam por terem populações da pluralidade de manifestações religiosas e do
multiétnicas. Com frequência, evoluíram desse modo ao fundamentalismo religioso, especialmente relacionado aos
longo de séculos. Outras sociedades se tornaram atentados terroristas. Discutir esse tema é de fundamental
multiétnicas mais rapidamente, como resultado de políticas importância para as sociedades modernas, cada vez mais
incentivando a migração, ou por conta de legados coloniais diversificadas, com grande variedade de credos e doutrinas, em
e imperiais. nome de uma convivência mais harmônica e respeitosa.
GIDDENS. A. Sociologia. Porto Alegre: Penso, 2012 (Adaptação).
Do ponto de vista do funcionamento das democracias O SAGRADO E O PROFANO
contemporâneas, o modelo de sociedade descrito demanda, A relação do ser humano com um plano transcendente ao seu
simultaneamente, mundo físico é uma constante em todo e qualquer grupo
A) defesa do patriotismo e rejeição ao hibridismo. humano. Portanto, não podemos deixar de considerar esse
B) universalização de direitos e respeito à diversidade. aspecto como de fundamental importância para
C) segregação do território e estímulo ao autogoverno. compreendermos o modo como se dá a coesão entre os
D) políticas de compensação e homogeneização do indivíduos em um grupo social e, igualmente, como a crença
idioma. religiosa serve de substrato para ações dos indivíduos no
E) padronização da cultura e repressão aos particularismos. mundo.
Mas de qual maneira a religião estabelece os fundamentos para
GABARITO uma vida em sociedade? Essa prerrogativa está baseada na
01. A forma como a crença institui a divisão entre duas categorias
02. D distintas: o sagrado e o profano. Nesse sentido, o sagrado surge
03. D como uma esfera separada do mundo físico, remetendo ao
04. B extraterreno, ao metafísico e ao intangível. Já o profano é
05. A aquilo que é comum na vida cotidiana, secular, destituído de
06. E um significado transcendente e, portanto, impuro.
07. C Essa oposição entre o sagrado e o profano organiza a vida
08. D social, estabelecendo uma hierarquia entre os assuntos e as
09. B práticas cotidianas. Podemos considerar, sob essa perspectiva,
10. 23 que o âmbito do sagrado se configura como o centro
11. B organizador de uma determinada cultura religiosa, que sempre
12. B se coloca como externo ao universo cotidiano dos membros da
coletividade. Esse centro organizador pode ser um deus, o
RELIGIÃO E SOCIEDADE cosmos, entre outras divindades ou formas religiosas.
como o universo foi criado, assim como o ser humano e a Enquanto, para Durkheim, a religião tem a função de agregar
realidade surgiram, atualizando o passado, contextualizando o os indivíduos, Max Weber entende que, nas sociedades
presente e dando direcionamento ao futuro de uma determinada modernas, as crenças religiosas são o resultado da crescente
comunidade religiosa. Já os ritos são dramatizações, formas racionalização das ações individuais. Por esse motivo, Weber
que os indivíduos encontram para vivenciar a sua relação com procurava enxergar as práticas religiosas como ações racionais
o sagrado, e ocorrem por meio de cerimônias, danças, que visavam a objetivos específicos. A religião, ao influenciar
sacrifícios, entre outras ações. a ação dos indivíduos, faz com que determinados valores e
As religiões, assentadas sobre seus mitos, são as principais atitudes sejam incorporados à vida prática.
fornecedoras das regras morais que organizam as noções de Ao contrário de Durkheim, para quem a religião teria suas
bom e ruim, de certo e errado, de bem e mal, na maioria das características generalizáveis a qualquer sociedade, uma vez
sociedades humanas. Seja pelo temor ou pelo amor a um ou que era fundamental para garantir a coesão social, Weber não
mais deuses, os seres humanos encontram na religião as se preocupou em formular uma teoria geral a respeito da
normas para orientar suas vidas, as respostas para suas dúvidas religião. Para ele, as religiões também seriam um componente
e o consolo para suas angústias. importante na vida social, porém deveriam sempre ser tomadas,
Conhecendo como as religiões estabelecem os padrões de interpretadas e compreendidas em relação ao contexto histórico
comportamento entre seus seguidores, é cabível, agora, saber em que são praticadas. Portanto, ao contrário dos pensadores
como os principais pensadores da Sociologia enxergam a positivistas, que viam na religião um elemento estranho à
relação entre a religião e o mundo moderno. ordem social moderna, Weber a entende como um fator
fundamental na constituição do mundo moderno. Por esse
A RELIGIÃO PARA DURKHEIM, WEBER E MARX motivo, a relação entre religião e economia, por exemplo, era
As primeiras reflexões sociológicas a respeito da religião um dos objetos principais da sociologia da religião desse
levavam em consideração o advento da modernidade como pensador.
ponto de partida para se pensar sobre a importância da religião Weber dedicou uma atenção especial ao fenômeno do
para a vida social em um contexto completamente distinto protestantismo, estudando não só sua origem histórica, mas
daquele que existia nas sociedades tradicionais. Nestas, a também seu impacto na formação das sociedades ocidentais
religião possuía a função de garantir a ordem social, uma vez modernas. Em sua obra A ética protestante e o espírito do
que detinha um grande peso sobre as ações individuais. capitalismo (1902), Weber analisa a grande importância que
Desse modo, devido à grande influência do positivismo na teve o modo de pensar dos protestantes na consolidação do
constituição da Sociologia, a religião era vista como uma forma capitalismo na Europa. Ao contrário dos católicos, os
de conhecimento da realidade que deveria ser superada pelo protestantes, em geral, e calvinistas, em particular, defendiam a
conhecimento científico. Essa era a visão de pensadores como liberdade, o individualismo, a democracia, o progresso e o
Auguste Comte, Edward Tylor e Herbert Spencer. Ainda sob livre-comércio, valorizando sobremaneira o mérito individual
forte influência do pensamento positivista, Émile Durkheim, por meio do trabalho e, por conseguinte, a acumulação de
em seus estudos sobre a religião, buscava encontrar aquilo que capital. Esse processo foi tratado por Weber como
havia em comum entre todas as religiões e, para tanto, iniciou “racionalização religiosa”, que corresponde a um
seus estudos com a religião dos povos aborígines da Austrália. desencantamento do mundo, verificado pela crescente
Posteriormente, ele generalizou suas conclusões para as outras intervenção da racionalidade na configuração de algumas
religiões do mundo moderno, definindo a religião como religiões cristãs na modernidade, especialmente no calvinismo
do século XVII.
Um sistema de crenças e práticas em relação ao sagrado, que O desencantamento do mundo, propiciado pelo crescimento da
unem em uma mesma comunidade moral todos os que a ela racionalização, do individualismo e da ciência, fazia com que
aderem. as ações sociais de tipo racional (com relação a valores e com
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema relação a fins) passassem a ser predominantes em detrimento
totêmico na Austrália. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 79.
da ação social tradicional, que era mais comum nas religiões
tradicionais, como o catolicismo.
Em sua concepção, a religião era um fato social e, portanto, Assim, as práticas cotidianas dos protestantes buscavam
estava além da consciência individual. Logo, a religião é assegurar a salvação (temporal e eterna) não por meio de ritos,
fundamental para que as pessoas se mantenham agregadas nem por uma fuga mística do mundo ou por um ascetismo
socialmente. É nesse sentido que devemos entender os vínculos transcendente, mas se afirmando no mundo material por
morais que a religião ajuda a estabelecer, pois, para que os intermédio do trabalho, da profissão, da inserção social. Nesse
indivíduos constituam grupos, deve sempre haver valores que contexto, os dogmas religiosos e sua interpretação por parte
sejam superiores aos individuais. dos indivíduos são componentes integrantes dessa nova visão
Para Durkheim, tanto as religiões antigas (como o totemismo) de mundo. Weber entende que:
quanto as modernas são representações da consciência coletiva
que possuem enorme importância para a organização da vida [...] para os calvinistas, o controle constante da conduta moral
social, ditando valores e normas que orientam as ações dos foi precondição psicológica para a instauração de um
indivíduos. Esses valores e normas são atualizados e reforçados racionalismo econômico. Esse ativismo econômico puritano,
pelos ritos, que normalmente são públicos, regulares e sem dúvida, foi um poderoso fator de desenraizamento do
produzem o reforço da fé e a coesão social do grupo. homem de sua conduta tradicional, que possibilitou a formação
No entanto, com a complexificação das sociedades e a do homem capitalista moderno. [...] Weber conclui que haveria
mudança no tipo predominante de solidariedade, da mecânica uma “afinidade eletiva” entre o protestantismo ascético e o
para a orgânica, as religiões foram perdendo espaço na ordem espírito do capitalismo, e seu resultado foi a formação de uma
social para outras instituições, como o trabalho e a economia. classe de empreendedores e homens de negócios, bem como
92
SOCIOLOGIA
uma classe de artesãos e operários, para os quais o uso racional do poder eclesiástico [...]. Ela afeta a totalidade da vida cultural
do tempo e do trabalho, para a obtenção de lucro, consistia no e da ideação e pode ser observada no declínio dos conteúdos
fim em si mesmo. religiosos nas artes, na filosofia, na literatura e, sobretudo, na
GRACINO JÚNIOR, Paulo. Dos interesses weberianos dos sociólogos da ascensão da ciência, como uma perspectiva autônoma e
religião: um olhar perspectivo sobre as interpretações do pentecostalismo no
inteiramente secular, do mundo.
Brasil. Horizonte, Belo Horizonte, v. 6, n. 12, p. 69-92, jun. 2008.
Mais ainda, subentende-se aqui que a secularização também
A importância dada à religião por Durkheim e Weber, como tem um lado subjetivo. Assim como há uma secularização da
objeto de estudo, não foi acompanhada por Karl Marx, sendo sociedade e da cultura, também há uma secularização da
relegada ao segundo plano em seus estudos. Para Marx, a consciência.
BERGER, Peter. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da
realidade humana é produzida no processo de transformação da religião. São Paulo: Paulinas, 1985. p. 118-119.
natureza por meio do trabalho. Sendo assim, a essência do ser
humano está atrelada à produção do mundo material. Qualquer No entanto, ao contrário do que previam os positivistas e
aspecto da existência humana que não tenha relação direta com defensores do cientificismo, as religiões não foram extintas
o processo produtivo faz parte da superestrutura da sociedade com o avanço da industrialização. Dados mostram que o
e, assim, sua única função é manter o processo de dominação fenômeno é bem mais complexo: ao mesmo tempo em que há
da classe burguesa em uma sociedade capitalista. um aumento do número de pessoas que se identificam com o
Logo, a religião seria um instrumento de dominação da agnosticismo e o ateísmo, nota-se um recrudescimento do
burguesia, uma vez que participaria do processo de alienação. sentimento religioso, principalmente nas classes mais
Dessa forma, faria com que as classes dominadas acreditassem populares.
em um esquema interpretativo da realidade que ocultasse o Sociólogos como Peter Berger entendem, inclusive, que o
modo como se dá a dominação social, nesse caso, por meio das próprio processo de secularização é o responsável pela grande
posições de classes, instituídas a partir da revolução diversidade de crenças religiosas no mundo moderno. Segundo
econômica. Ao contrário de Weber, para quem a religião pode Berger, o que acontece é, de fato, um processo de
impulsionar comportamentos individuais que resultem em secularização, mas que não leva à extinção das religiões. Esse
mudanças na esfera social, como é o caso da superação da processo ocorre de modo distinto em diferentes esferas da
ordem econômica feudal para a economia capitalista, Marx sociedade e se torna uma característica do mundo moderno.
entende a religião como uma força conservadora que contribui Desse modo, podemos entender que a constituição do Estado
para manter o privilégio das classes abastadas. apresenta um processo de secularização mais acentuado que o
A famosa frase de Marx “a religião é o ópio do povo”, presente âmbito da família, por exemplo. Essa situação denota um
no livro Crítica à Filosofia do Direito de Hegel (1844), resume processo caro à religião no mundo atual, que é o de sair da
a visão do teórico socialista acerca do fenômeno religioso: esfera pública e se fazer valer de modo mais forte no âmbito
assim como o ópio anestesia o corpo, impedindo que o privado. Se, nas sociedades tradicionais, a religião determinava
indivíduo sinta dor e busque combater sua causa, para ele, a fortemente a identidade dos indivíduos em função de sua maior
religião anestesia a consciência dos indivíduos, impedindo que presença na cultura, as sociedades modernas atribuem ao
eles reconheçam a dominação a que estão submetidos e tentem indivíduo a possibilidade de ele próprio construir sua
lutar contra ela. Seja o cristianismo ou qualquer outra religião, identidade, e, assim, a religião passa a se relacionar a questões
a crença em uma esfera transcendente faz com que os de foro privado.
indivíduos se resignem às injustiças da vida material, deixando Portanto, a religião nas sociedades modernas não tem o papel
de se indignar com as causas reais de toda injustiça: a de unificar todos os indivíduos em torno de um significado
acumulação da propriedade privada dos meios de produção por religioso, o que possibilita a maior pluralidade de crenças
uma classe, que submete as demais à exploração do trabalho. religiosas no mundo atual.
Por isso, para Marx, a religião é um componente da ideologia Porém, por mais que a religião se torne mais importante no
que acaba por reforçar a dominação de classe. âmbito privado que na esfera pública, ela não deixa de gerar
efeitos em toda a sociedade. Na visão de Berger, o pluralismo
SECULARIZAÇÃO E PLURALISMO RELIGIOSO religioso enseja uma competição entre as religiões em busca de
Como já vimos, a religião cumpria uma função importante nas novos seguidores.
sociedades tradicionais, que era justamente a de manter a Como você pode perceber, essa competição é fruto direto do
coesão social. Porém, com o desenvolvimento das sociedades deslocamento da religião para a esfera privada. Como afirma o
capitalistas, muito se questionou a respeito do papel da religião próprio Berger, as religiões, de certa forma, se tornam
nesse novo contexto. De acordo com alguns pensadores mercantilizadas, pois passam a buscar a preferência dos
positivistas, como Comte e Spencer, a religião sofreria um indivíduos, e não mais atuam de forma coercitiva nas
paulatino processo de perda de sua importância nas sociedades sociedades modernas. Assim, enquanto, nas sociedades
modernas, chegando, inclusive, ao seu desaparecimento. Esse tradicionais, as religiões detinham o poder de legitimar o
processo ficou conhecido como secularização. mundo exterior, na modernidade, a disputa é pela legitimidade
de universos particulares, da subjetividade de cada indivíduo.
Por secularização entendemos o processo pelo qual setores da
sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das A característica-chave de todas as situações pluralistas,
instituições e símbolos religiosos. Quando falamos sobre a quaisquer que sejam os detalhes de seu pano de fundo
história ocidental moderna, a secularização manifesta-se na histórico, é que os ex-monopólios religiosos não podem mais
retirada das Igrejas cristãs de áreas que antes estavam sob seu contar com a submissão das populações. A submissão é
controle e influência: separação da Igreja e do Estado, voluntária e, assim, por definição, não é segura. Resulta daí que
expropriação das terras da Igreja, ou emancipação da educação a tradição religiosa, que antigamente podia ser imposta pela
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SOCIOLOGIA
autoridade, agora tem que ser colocada no mercado. Ela tem exacerbada a sua vertente fundamentalista, na realidade,
que ser “vendida” para uma clientela que não está mais produz uma identidade que é utilizada para se opor a uma
obrigada a “comprar”. Nelas as instituições religiosas tornam- determinada configuração social e política.
se agências de mercado e as tradições religiosas tornam-se O fundamentalismo religioso se apresenta quando uma
comodidades de consumo. orientação religiosa é utilizada para a ação direta no mundo
BERGER, Peter. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da social e político, não raro buscando intervenções diretas na
religião. São Paulo: Paulinas, 1985. p. 149
realidade. Em um mundo onde os fluxos culturais são
constantes, as religiões, muitas vezes, são elementos para a
Por esse motivo, um dos fenômenos que mais tem chamado a defesa de um ponto de vista particular da realidade, em
atenção dos sociólogos contemporâneos diz respeito aos novos oposição a uma situação opressora.
meios utilizados pelas religiões para conseguir novos adeptos. Nesse caso, o fundamentalismo passa a ser o principal
Em uma era fortemente influenciada pelos meios de responsável pela intolerância religiosa, que dificulta o
comunicação de massa, muitas religiões têm aderido às novas reconhecimento da diversidade e da legitimidade de outras
tecnologias de comunicação para transmitir suas mensagens, crenças, podendo gerar um ambiente hostil ao diálogo e à
doutrinar e ganhar novos fiéis. Seja pela transmissão ao vivo de convivência.
cultos ou rituais, por programas de socorro espiritual ou pelo
domínio de canais inteiros, com transmissão de conteúdo O fundamentalismo, em geral, não é somente uma forma de
religioso em tempo integral, várias denominações religiosas teologia, é antes uma ideologia que se alia a interesses sociais e
disputam um mercado de comunicação que antes estava políticos de grupos identificáveis, contrários a qualquer tipo de
associado somente aos setores comerciais e de entretenimento. pluralismo. O seu empenho não se limita unicamente a
Obviamente, esse fenômeno não escapa da leitura realizada preservar a fé, mas deseja transformar o mundo de tal maneira
pela Teoria Crítica, pois ele apresenta as mesmas que a fé possa ser mais facilmente preservada. Na sua
características de qualquer outro produto da indústria cultural, manifestação mais profunda, o fundamentalismo não reconhece
especialmente a midiatização e a espetacularização. Essa uma linha divisória entre religião e política. A religião não é
relação está intimamente associada à mercantilização da fé: em concebida como algo privativo do indivíduo tal como propicia
um mundo capitalista e voltado para o consumo, a fé e seus a modernidade.
benefícios (como os milagres) muitas vezes são anunciados GARCIA RUÍZ, M. Fundamentalismo. In: MORENO VILLA, Mariano
como produtos ou serviços e recebem um tratamento (Coord.). Dicionário de pensamento contemporâneo. Tradução coordenada por
mercadológico, incluindo investimento em propaganda Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 2000. p. 364.
publicitária e garantia de satisfação.
Geralmente, o senso comum associa o fundamentalismo
FUNDAMENTALISMO E GLOBALIZAÇÃO religioso à religião islâmica, em razão dos eventos envolvendo
Ao pensarmos a relação entre cultura e religião, não podemos atentados suicidas praticados por fiéis muçulmanos nas últimas
deixar de refletir sobre o papel da religião em uma cultura décadas. Nesse contexto, o atentado às Torres Gêmeas em
globalizada como aquela em que vivemos. Por globalização, Nova Iorque, no ano de 2001, tornou-se emblemático. O
devemos entender o estágio atual das sociedades modernas e fundamentalismo, porém, não é um fenômeno exclusivo do
pós-industriais, em que há um intercâmbio cada vez maior de mundo islâmico. As leituras radicais e intolerantes são
capitais, símbolos, valores, costumes e instituições sociais, constantes em várias religiões ao redor do mundo.
propiciado pela rapidez de veiculação de conteúdos e imagens Em um mundo cada vez mais global, em que o
e pela potencialização dos contatos entre pessoas de culturas multiculturalismo se mostra uma realidade inescapável, a
distintas. Como esse contexto pode afetar a dinâmica das intolerância religiosa é um problema de proporções
religiões? consideráveis por interferir diretamente na estabilidade da
As religiões apresentam um caráter dual em relação à estrutura social. Exatamente por esse motivo, as iniciativas
globalização. Ao mesmo tempo em que elas podem ser usadas governamentais e civis têm sido intensificadas – inclusive
como um elemento identitário, valorizando uma cultura promovidas por muitas instituições religiosas – e voltadas para
particular e servindo, inclusive, de referência para ações a promoção de uma educação religiosa que valorize o
políticas, podem também fazer parte de um discurso que busca conhecimento da história das religiões, as noções de cultura
expandir uma religião específica para outros povos e para religiosa e o reconhecimento da diversidade natural intrínseca
outras culturas. Por esse motivo, são tão presentes, nos dias ao universo humano, incentivando o respeito e a tolerância para
atuais, os discursos que remontam ao fundamentalismo com a liberdade nesse âmbito.
religioso. Uma das iniciativas atuais é a do ecumenismo: movimento de
O fundamentalismo consiste, basicamente, no apego ao integração de várias denominações cristãs, que busca valorizar
cumprimento estrito e literal dos preceitos e normas contidos os aspectos em comum entre elas em vez de acentuar suas
nos textos sagrados. Essa postura, também chamada de divergências. Fazem parte do movimento ecumênico brasileiro:
fanatismo religioso, não é recente na história da humanidade, a Igreja Católica Apostólica Romana, A Igreja Cristã Ortodoxa,
porém tem se tornado um grande problema nas sociedades a Igreja Evangélica Luterana e a Igreja Anglicana.
contemporâneas devido ao processo de globalização.
Conforme afirma o sociólogo espanhol Manuel Castells, em RELIGIOSIDADE, AGNOSTICISMO E ATEÍSMO
seu livro O Poder da Identidade (1999), quando o Alguns teóricos, como o sociólogo George Simmel e o filósofo
fundamentalismo toma conta do discurso religioso, entramos André Comte-Sponville, fazem uma distinção interessante
em um âmbito em que a religião passa a ser algo muito maior entre religiosidade e religião. Eles afirmam que a religiosidade
que a possiblidade de conforto espiritual para as corresponde a um fenômeno psíquico ligado à disposição
imprevisibilidades da vida. Uma religião, quando tem individual para a crença religiosa. Contudo, não
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SOCIOLOGIA
necessariamente, a religiosidade está associada a alguma IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
instituição religiosa específica. Não é incomum em pesquisas anonimato;
sobre religião pessoas se manifestarem crentes em algo VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença
sobrenatural, mas sem se identificar com algum sistema de religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as
crenças ou determinada doutrina. invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
Outro elemento importante ao tratar da questão religiosa diz recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
respeito ao crescimento daqueles que se proclamam “sem Artigo 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
religião” ou “sem fé”. Normalmente, tais indivíduos são aos Municípios:
divididos em dois grupos: ateus e agnósticos, e, nesse contexto, I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,
é importante diferenciá-los. embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus
O ateísmo é a postura religiosa que afirma a inexistência de um representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada,
deus. Já o agnóstico – do grego gnose (conhecimento) mais a na forma da lei, a colaboração de interesse público.
(partícula de negação) – considera que não é possível que a BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.
humanidade, com o conhecimento que detém, afirme se Deus
existe ou não, sendo mais adequada uma postura cética, de
suspensão do juízo. Para um agnóstico, sua vida e seus valores Apesar de a Constituição de 1891 já estabelecer as bases de um
não dependem da existência ou da inexistência de Deus. Estado laico e secular, não há como negar que o Brasil se
É interessante observar que tanto o ateísmo quanto o constituiu como um país de maioria católica, e essa herança foi
agnosticismo (nem sempre as pesquisas diferenciam um do fundamental para definir nossa consciência coletiva e nossa
outro) tendem a ser crescentes em países com maior nível de moral. No desenvolvimento da história da religião no Brasil,
escolarização e alto IDH, como Suécia, Finlândia e Noruega, fica evidente o sincretismo, isto é, a fusão de doutrinas de
por exemplo. Esse número também vem crescendo no Brasil. diversas origens, misturando crenças, elementos, símbolos e
Segundo o Censo de 2010, cerca de 8% da população brasileira ritos diversos, frequentemente contraditórios, numa mesma
se declarou “sem religião”, contra 0,8% na década de 1970. confluência religiosa polissêmica e híbrida.
Mas ainda faltam dados mais específicos sobre qual
porcentagem desse grupo equivale a ateus e agnósticos CATOLICISMO
propriamente ditos. O Brasil é considerado o maior país católico do mundo, com
Um dado relevante apurado pela revista Veja em 2007 diz cerca de 130 milhões de pessoas se autodeclarando fiéis ao
respeito à grande rejeição sofrida pelos ateus no Brasil, Vaticano. Porém, apesar de ainda ser um país de maioria
configurando-se como um grupo alvo de discriminação católica, é evidente o declínio quanto à proporção de fiéis nas
religiosa. Segundo essa pesquisa, últimas décadas: segundo o Censo de 1970, 91,8% dos
brasileiros eram católicos, contra 64,6% em 2010.
[...] cerca de 84% dos brasileiros votariam em um negro para O catolicismo no Brasil é bastante peculiar, pois, além dos ritos
presidente; 57%, em uma mulher; 32%, em um homossexual... que compõem o cânone e a liturgia romana oficial, também se
e apenas 13%, em um ateu. [...] agregaram muitos elementos de fé popular, misticismo e
Disponível em: <http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/ os-ateus-no-brasil-e- sincretismo, criando uma forma de catolicismo que ganha
seu-medo-de-sair-do-armario>. Acesso em: 01 fev. 2019. contornos regionais e próprios.
Há de se considerar, por exemplo, uma grande quantidade de
BRASIL: RELIGIOSIDADE E SINCRETISMO indivíduos que se dizem “católicos não praticantes”, o que
Como se sabe, o Brasil surgiu da confluência entre várias pode ser considerado uma categoria paradoxal, mas deixa
matrizes culturais, sendo as mais expressivas: a indígena, a entrever os modos particulares da religiosidade popular no
lusitana (portuguesa) e a africana. Cada uma delas é composta Brasil.
de uma grande variedade de grupos étnicos (especialmente as Não há como negar a enorme influência que o catolicismo
matrizes indígena e africana), cada qual com seu conjunto exerceu sobre a cultura brasileira, em função de ter sido a
cultural, seus credos e rituais. religião oficial do período colonial. Essa influência, que se
Porém, ao longo da constituição do Brasil como nação, a manifesta nos costumes, nas festas populares, no calendário,
matriz de origem europeia obteve hegemonia econômica e nos símbolos, no vocabulário e foi apropriada pela fé popular
política e, por conseguinte, domínio cultural. Em razão disso, a de modos muito diversos e ricos, revela-se uma questão
religião cristã católica trazida pelos portugueses se tornou problemática para a política, em um Estado democrático que se
oficial no país, congregando maior número de fiéis. A proclama laico. Os limites entre religião e política no Brasil
Constituição Brasileira de 1824 estabelecia em seu artigo 5º: ainda são muito tênues.
“A religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a No final do século XX, surgiram movimentos pentecostais na
Religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas Igreja Católica, dentre os quais se destaca a Renovação
com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso Carismática, com práticas e ritos que se assemelham aos das
destinadas, sem forma alguma exterior ao Templo”. Porém, já a igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais. Essa nova
Constituição Republicana de 1891 defendia que “nenhum culto forma tem atraído uma grande quantidade de fiéis,
ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de especialmente pela promessa de um contato pessoal com Deus
dependência ou aliança com o Governo da União ou dos e pelo uso intenso dos meios de comunicação de massa.
Estados”, o que foi ratificado pela Constituição democrática de
1988, em que fica claro que: PROTESTANTISMO
Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que “evangélico”
Artigo 5º (Caput). pode designar uma grande variedade de praticantes de
diferentes instituições protestantes. O protestantismo não é uma
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SOCIOLOGIA
instituição religiosa, mas designa uma vertente que é composta O candomblé é uma religião que tem suas origens na África,
por uma série de subgrupos que não possuem identidade e porém foi recriada pelos africanos trazidos para o Brasil em
uniformidade entre si. condição de escravidão ao longo de mais de trezentos anos,
O protestantismo clássico ou tradicional é composto por entre os séculos XVI e XIX.
denominações que derivam diretamente da Reforma Esses africanos provinham das mais diferentes partes da África
Protestante do século XVI, tendo chegado ao Brasil ainda no e eram de diversas etnias, porém os grupos que mais
Período Colonial. Incluía luteranos, anglicanos e metodistas, de influenciaram a cultura brasileira foram os bantos, de língua
origem alemã e inglesa, principalmente. Ainda no século XIX, iorubá, até o século XVIII.
o Brasil recebeu uma grande leva de protestantes de Os grupos religiosos recriavam as relações de hierarquia,
denominações Batista, Presbiteriana e Episcopal. subordinação e lealdade baseadas nos padrões familiares e de
Porém, foi somente no século XX que aconteceu uma expansão parentesco existentes na África, fazendo da família de santo
considerável de religiões protestantes, graças às denominações uma espécie de miniatura simbólica da família iorubá original.
pentecostais e neopentecostais. Esses grupos, que incluem a A mais antiga casa de candomblé, a Casa Branca, foi fundada
Igreja Universal do Reino de Deus, a Assembleia de Deus, a por volta de 1830 na cidade de Salvador, na Bahia, por três
Igreja do Evangelho Quadrangular, a Igreja Internacional da escravas libertadas vindas de Kétu, Adetá, Ìyá Kalá e Ìyá Nasò,
Graça e muitas outras, crescem em número de fiéis e em e foi chefiada pela última. Segundo o Censo de 2010, há cerca
expressão política, defendendo uma visão religiosa mais de 167.000 praticantes de candomblé no Brasil.
espiritualista, que professa a luta direta contra o mal, o contato Já a umbanda é uma religião também de origem brasileira, que
pessoal com o divino e a possibilidade do milagre pela fé. mistura, de forma sincrética e heterodoxa, referências do
Utilizando-se largamente dos recursos midiáticos, como rádio, cristianismo, do espiritismo kardecista e de religiões de origem
TV e Internet, tais grupos têm atraído muitos fiéis. Segundo o africana.
Censo de 2010, 22% da população brasileira se declarou crente As religiões de matriz africana são alvo de preconceito cultural
de alguma denominação protestante, e as religiões pentecostais/ e racial desde o período colonial, tendo sido proibida a sua
neopentecostais, foram as que registraram as maiores taxas de manifestação em grande parte da história nacional. A visão
crescimento. religiosa tradicional, aliada ao racismo presente em toda nossa
história, foi responsável por alimentar um imaginário popular
ESPIRITISMO negativo e inverídico acerca das religiões de matriz africana.
O espiritismo, também chamado de kardecismo por causa da Afetados por uma profunda ignorância, ainda hoje são os
importância de Allan Kardec, considerado seu fundador no grupos religiosos que mais sofrem discriminação e atos de
século XIX, é a terceira maior religião do país, com quase 4 violência por parte de grupos fundamentalistas.
milhões de adeptos, segundo o Censo de 2010. A doutrina
espírita abrange o segmento social mais escolarizado e de MATRIZ INDÍGENA
maior renda no país. Justamente pelo sincretismo, característico do Brasil, ocorreu o
Tendo sido concebido como uma doutrina filosófica por Allan surgimento de novas religiões, originalmente brasileiras,
Kardec, por meio de seu O livro dos espíritos, de 1857, o híbridas e sincréticas. O melhor exemplo para tal situação é o
espiritismo foi incorporado à cultura brasileira de forma Santo Daime. Criada em plena Floresta Amazônica, no início
ressignificada, assumindo um caráter fortemente religioso e do século XX, o Santo Daime tem por singularidade a ingestão
místico. Nomes como Bezerra de Menezes e Chico Xavier da ayahuasca. Essa bebida é preparada a partir da combinação
popularizaram e difundiram a crença espírita em território entre o cipó jagube (Banisteriopsis caapi) e as folhas de
nacional. chacrona (Psychotria viridis).
A configuração da doutrina do Santo Daime é diversa.
RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS: CANDOMBLÉ E Conforme apontam pesquisadores da área como Labate (2004),
UMBANDA Macrae (1992) e Ramos Filho (2016), ela foi edificada a partir
Durante o Período Colonial e boa parte do Brasil Império, era das mais diversas ressignificações e reelaborações simbólicas
vetado aos africanos e a seus descendentes, trazidos na entre o esoterismo e o catolicismo europeu, matrizes afro-
condição de escravos, manifestar livremente suas crenças e brasileiras, elementos new age e xamanismo ameríndio. Antes
realizar seus rituais. Lutando para preservar sua identidade e restrita apenas à região Norte do Brasil, hoje o Santo Daime já
suas crenças, como solução para esse problema, os diversos se expandiu para todo o território nacional e até para outros
grupos afrodescendentes adotavam o culto católico oficial, países.
porém continuavam cultuando seus próprios deuses de forma No que tange a essa questão, é interessante destacar que o
disfarçada. Essa prática de resistência e sobrevivência cultural Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD)
deu origem a uma enorme e incomparável riqueza religiosa, realizou estudos sobre a ayahuasca e concluiu que seu uso em
que não se limitava a reproduzir as religiões de matriz africana, contexto religioso é legal perante a legislação do Brasil.
mas que também produzia uma cultura religiosa híbrida e Portanto, a adoção da substância para tal fim é regulamentada
sincrética. em território brasileiro.
Na segunda metade do século XIX, surgiram, em diversas Há ainda outras religiões brasileiras, como a Barquinha e a
cidades do Brasil, grupos organizados de escravos que União do Vegetal, que utilizam a bebida, de origem indígena,
recriavam cultos religiosos, reproduzindo não somente a considerada sagrada por seus adeptos.
religião africana, mas também outros aspectos de sua cultura na Em suma, o Santo Daime, pelas suas peculiaridades de
África. Nascia uma religião autenticamente brasileira, o formação, é um ótimo exemplo para evidenciar a dinâmica do
candomblé, primeiramente na Bahia, posteriormente no Rio de campo religioso brasileiro. Tanto esse campo quanto a referida
Janeiro e, por fim, pelo território nacional onde houvesse religião são sincréticos, fluídos e operam por meio de
afrodescendentes.
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SOCIOLOGIA
ressignificações simbólicas, justamente pela configuração STECK, J. Intolerância religiosa ainda é desafio à convivência democrática.
Disponível em:
híbrida e plural da nossa cultura.
<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/04/16/intolerancia-
religiosa-e-ainda-e-desafio-a-convivencia-democratica>. Acesso em: 01 fev.
O DESAFIO DA TOLERÂNCIA RELIGIOSA 2019.
Um dos maiores desafios que a modernidade enfrenta, tanto no
Brasil quanto no restante do mundo, diz respeito à intolerância O Brasil é apontado pela pesquisa como um país com baixo
religiosa. grau de restrição religiosa, em razão de nossa legislação estar
O assunto é de enorme importância e foi tema, inclusive, da associada à Declaração dos Direitos Humanos e valorizar o
proposta de redação do Enem em 2016. Entre os textos pluralismo religioso. Porém, isso não significa que não
motivadores, destaca-se o gráfico que revela que as religiões tenhamos problemas com a intolerância religiosa. Práticas de
de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, são as que perseguição, principalmente a religiões de matriz africana,
mais sofrem discriminação religiosa no Brasil. herdadas do Período Colonial, ainda persistem na atualidade.
A intolerância religiosa é definida pela legislação brasileira Outro tema de discussão em nosso país diz respeito à presença
como majoritária do cristianismo no Estado brasileiro, seja pela
presença de símbolos religiosos em prédios públicos, seja pelas
[...] um conjunto de ideologias e atitudes ofensivas a crenças e principais datas comemorativas nacionais, seja pela realização
práticas religiosas ou a quem não segue uma religião. [...] de cultos religiosos durante sessões do Congresso. A
Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/ Constituição brasileira de 1988 assegura a laicidade do Estado
materias/2013/04/16/intolerancia-religiosa-e-ainda-edesafio-a-convivencia-
e garante aos indivíduos a liberdade de crença e culto.
democratica>. Acesso em: 01 fev. 2019.
A intolerância configura uma ação de ódio, que fere a LIBERDADE RELIGIOSA É DIREITO CONSTITUCIONAL
Declaração Universal dos Direitos Humanos e viola os DOS CIDADÃOS
princípios básicos de convivência democrática e plural. [...] A Constituição Federal serve como orientação para como
Muitas vezes, a intolerância é praticada sob pretexto de todos os brasileiros devem se portar: é um direito dos
liberdade de expressão, porém é importante diferenciar uma da brasileiros escolher o credo que mais condiz com seus valores.
outra. A crítica a dogmas ou a encaminhamentos religiosos é [...]
permitida pela legislação brasileira, sustentada pelas liberdades Segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia
de opinião e de expressão, desde que não seja ofensiva, e Estatística (IBGE), existem 40 grupos religiosos no País.
desrespeitosa nem estimule o ódio ou a violência contra algum Naquele ano, 64,6% dos brasileiros se declararam católicos.
indivíduo ou grupo. Igualmente, não pode acontecer tratamento Outros 22,2% se disseram evangélicos e 2% eram espíritas. O
diferenciado ou discriminatório em relação a alguém em levantamento ainda registrou que 0,3% eram seguidores da
ambiente público em razão de sua crença religiosa. umbanda e do candomblé. Essa diversidade demanda que o
respeito à crença religiosa seja a tônica das relações sociais.
Restrições religiosas atingem 75% da população mundial
Uma pesquisa mundial feita em 2009 e 2010 indicou o O que diz a lei sobre a intolerância religiosa?
aumento da intolerância religiosa. Segundo o Instituto Pew A discriminação motivada pela religião é considerada crime no
Research Center, com sede nos Estados Unidos, 5,2 bilhões de Brasil. A Lei 9.459/2007 pune com multa e até prisão de um a
pessoas (75% da população mundial) vivem em locais com três anos quem zombar ou ofender outra pessoa por causa do
restrições a crenças. credo que ela professa ou impedir e atrapalhar cerimônias
[...] religiosas. Nesses casos, não cabe sequer o pagamento de
Mesmo nos países com nível moderado ou baixo de restrições, fiança para que o acusado responda ao processo em liberdade.
houve aumento da intolerância. Na Suíça, foi proibida a Além disso, esse tipo de crime não prescreve. Deste modo, os
construção de novos minaretes (torres em mesquitas). O acusados podem ser responsabilizados independentemente da
aumento dessas restrições foi atribuído a fatores como data da denúncia.
crescimento de crimes e violência motivada por ódio religioso.
[...] o que é o preconceito religioso?
É quando as pessoas são humilhadas por causa da religião que
seguem. Em 2017, o Disque 100 recebeu 537 denúncias de
intolerância religiosa. O mecanismo para registro de
ocorrências funciona 24 horas por dia e recebe as denúncias via
telefone e Internet. Quando há violência nessas agressões, o
artigo 208 do Código Penal prevê que a pena para os
condenados seja ampliada em um terço.
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SOCIOLOGIA
O que é liberdade de expressão religiosa? D) A crença no sobrenatural não é universal, existindo grupos
É o direito de exercer livremente sua religião, em um ambiente sociais que não apresentam nenhuma manifestação de
de respeito às diversas crenças, religiões, ritos e símbolos espiritualidade.
sagrados. Por isso, em 21 de janeiro é celebrado o Dia E) A religião é chamada magia quando pratica um cerimonial
Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data marca coletivo.
justamente a luta para que a expressão religiosa possa ocorrer
sem qualquer tipo de constrangimento. Isso porque, nos anos 03. (EBMSP) O Estado Islâmico demoliu três tumbas na cidade
2000, a Iyalorixá Mãe Gilda morreu vítima de um infarto, após histórica síria de Palmira, disse ontem, 4 de setembro de 2015,
o terreiro comandado por ela ser atacado e outros seguidores o diretor de antiguidades do país, Maamoun Abdulkarim. A
agredidos.[...] informação é divulgada dias após o grupo radical destruir
BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Liberdade templos que eram dois dos mais antigos e venerados locais
religiosa é direito constitucional dos cidadãos. Disponível em:
religiosos do Oriente Médio.
<http://www.brasil.gov.br/noticias/cidadania-e-
inclusao/2019/01/liberdadereligiosa-e-direito-constitucional- Nesta semana, o grupo detonou explosivos no Templo de Bel,
doscidadaos>.Acesso em: 18 fev. 2019. que tinha 2 mil anos de idade, em sua campanha para destruir
monumentos antigos e artefatos considerados por eles
ATIVIDADES contrários ao Islã.
EI destrói três tumbas históricas em Palmira. Estadão Conteúdo, in A TARDE.
Salvador: A TARDE, 05 set. 2015, Caderno B-9. (Adaptação).
01.(Unioeste-PR) As religiões são manifestações sociais que
atuam na organização social. Suas origens remetem às A violência cultural executada pelo Estado Islâmico pode ser
primeiras comunidades humanas, nas quais, por meio de rituais identificada, também, no Brasil,
e expressões, os homens daquela época procuravam manifestar A) na violência urbana, em que o cidadão é continuamente
o culto a uma ou mais divindades, portanto, o fenômeno assaltado por marginais que agem fora do controle dos órgãos
religioso ajuda no entendimento das sociedades humanas. responsáveis pela segurança da sociedade.
Levando-se em consideração as visões de Karl Marx, Max B) na ação de milícias e grupos de extermínio que perseguem,
Weber e Emile Durkheim sobre religião, é incorreto afirma que sem descanso, os traficantes e usuários de drogas.
A) Durkheim, ao analisar os fenômenos religiosos, percebeu C) nos conflitos de terras que atingem povos indígenas,
que uma religião é um sistema solidário de crenças e práticas populações quilombolas e posseiros contra fazendeiros e
relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, interditas, crenças grandes proprietários de terras.
e práticas que unem em uma mesma comunidade moral, D) nas lutas religiosas entre católicos e protestantes pela
chamada igreja, todos aqueles que a ela aderem. conquista de maior número de adeptos nas grandes cidades
B) para Durkheim, a grande característica da religião é o seu contemporâneas.
poder de unir um determinado grupo social em função de um E) nos ataques de extremistas e fundamentalistas religiosos a
sistema de crenças comuns. Dessa forma, para ele, a religião terreiros e símbolos religiosos do candomblé, expressão da
não deixa de ser uma manifestação da própria organização religiosidade afro-brasileira.
social, pois ela reflete no convívio das pessoas as crenças que
elas possuem. 04. (UFU) Quando de longe observamos o mundo árabe e o
C) Max Weber, ao estudar o espírito do capitalismo, percebeu mundo judeu, vemos o contraste entre duas religiões – a
que parte do comportamento social típico que ajudou no judaica, baseada no Tanakh (da qual a Torá é parte) e a
desenvolvimento daquele sistema tinha suas origens nas muçulmana, baseada no Alcorão ou no Corão. Menos comum é
práticas puritanas dos burgueses protestantes. vermos as semelhanças tal como o ritual de circuncisão
D) para Max Weber, os burgueses protestantes acreditavam masculina que, em ambas as religiões, se realiza a partir dos
que o trabalho duro, a economia do dinheiro e uma conduta oito dias de vida e representa o pacto entre Deus e os homens.
severa diante da sociedade eram importantes formas de servir a Por isso, entre sistemas com diferenças, também pode haver
Deus. Essa ética protestante possibilitou o desenvolvimento do semelhanças e, para abarcar essa dupla realidade, as Ciências
espírito do capitalismo ou seus valores básicos. Sociais criaram o conceito de
E) Karl Marx, ao escrever sobre o fenômeno da religião, A) religiosidade como propensão particular a crenças divinas
percebe que o Estado e a Igreja colocavam-se em polos universais.
opostos. O clero não concordava com as ações do Estado e B) identidade como sistemas de diferenças culturais internas.
manifestava-se em favor dos explorados e Marx entendeu que a C) alteridade como direito particular às diferenças universais.
Igreja servia para emancipar as pessoas. D) cultura como conjuntos de sistemas simbólicos.
02. (Unicentro-PR) A respeito dos estudos sociológicos sobre 05. (Unesp) A República Islâmica do Irã abençoa e incentiva
religiões, é correto afirmar: operações de troca de sexo, em nome de uma política que
A) Quatro características são importantes para conceituar considera todo cidadão não heterossexual como espírito
religião: ser monoteísta, identificar preceitos morais, explicar nascido no corpo errado. Com ao menos 50 cirurgias por ano, o
as modificações do mundo e estar relacionada com o país é recordista mundial em mudança de sexo, após a
sobrenatural. Tailândia. Oficialmente, gays não existem no país. Ficou
B) As religiões envolvem um conjunto de símbolos, que famosa a frase do presidente Mahmoud Ahmadinejad dita a
invocam sentimentos de reverência ou temor, e estão ligadas a uma plateia de estudantes nos EUA em 2007, de que “não há
rituais ou cerimônias. homossexuais no Irã”. A homossexualidade nem consta da lei.
C) A religião, na modernidade, deixou de desempenhar um Mas sodomia é passível de execução. […] Uma transexual
papel importante, o que refletiu a diminuição do número das operada confidenciou um sentimento amplamente
igrejas, templos e santuários.
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compartilhado em silêncio: “Não teria mutilado meu corpo se a A) estímulo à migração de fiéis, institucionalizando a criação
sociedade tivesse me aceitado do jeito que eu nasci”. de novos templos.
ADGHIRNY, S. Operação antigay. Folha de S.Paulo, 13 jan. 2013. B) obrigatoriedade do ensino religioso na educação básica,
O incentivo a cirurgias de troca de sexo no Irã é motivado por favorecendo a conversão.
A) tabus sexuais decorrentes do fundamentalismo religioso C) capacitação de funções de liderança, priorizando a formação
hegemônico naquele país. superior de pastores.
B) critérios de natureza científica que definem o que é uma D) ampliação de práticas missionárias, mobilizando os meios
“sexualidade normal”. de comunicação de massa.
C) uma política governamental fundamentada em princípios
liberais de cidadania. 08. (UEM) A busca racional do lucro era um dos aspectos
D) influências ocidentais ocasionadas pelo processo de essenciais do modelo que Max Weber (1864-1920) construiu
globalização cultural pela Internet. para compreender a origem do capitalismo moderno. Segundo
E) pressões exercidas pelos movimentos sociais homossexuais Everaldo Lorensetti (2006), o sociólogo alemão considerava
pelo direito à cirurgia. que essa característica teve como uma de suas origens a ação
social dos protestantes, especialmente dos calvinistas, que
06. (Unioeste-PR) Por meio de seus estudos a respeito da “tinham uma ética de vida voltada ao trabalho e à disciplina
religião, Émile Durkheim aponta, para além dos aspectos muito forte, pois acreditavam que trabalho e sucesso seriam
básicos de qualquer instituição social: coesão social, indícios de que além de estarem glorificando a Deus estariam
fortalecimento social, solidariedade, etc., que garantindo a sua salvação”.
A) toda religião, ao expressar os mais altos valores de uma LORENSETTI, Everaldo. As teorias sociológicas na compreensão do
determinada sociedade, faz com que não haja nenhuma que presente. In: LORENSETTI, Everaldo et al. Sociologia: ensino médio.
Curitiba: SEED-PR, 2006 p. 42.
seja falsa.
B) para ele, a religião, ao servir-se dos homens e apaziguar a A partir dessa afirmação, é correto afirmar que: 1. Weber
sociedade, é apenas um aspecto da construção ideológica da desmereceu a importância da religião para o nascimento do
sociedade contemporânea. capitalismo.
C) a religião nada mais é que um fóssil cultural, daí a 2. Weber destacou a importância da religião para diminuir a
perpetuação da religião primitiva, o que pode ser facilmente ânsia capitalista por lucro.
visto pela sua pouca ou nenhuma relevância social no mundo 4. Weber considerou que, apesar da importância da
contemporâneo. religiosidade na vida das pessoas, ela não teve influência sobre
D) seus estudos sobre religião são mínimos e pouco relevantes, a origem do capitalismo moderno.
pois seu foco foi os fenômenos sociais, aos quais denominava 8. Weber destacou uma relação de influência da ética da
fatos sociais. religião calvinista sobre o objetivo de acumulação de riquezas
E) a religião como prática social está subordinada aos aspectos por parte dos indivíduos nas sociedades capitalistas.
econômicos, estes sim determinantes das ações sociais dos 16. Para Weber, a ética religiosa pode ter uma influência
indivíduos e explicativos das visões de mundo adotadas pelas decisiva sobre a vida econômica.
sociedades. Soma ( )
07. (UFRJ) 09. (UEM) Considere o texto a seguir e assinale o que for
correto sobre o fenômeno religioso. Transe, possessão e
mediunidade são fenômenos religiosos recorrentes na
sociedade brasileira. No candomblé, na umbanda, no
espiritismo, no pentecostalismo e em outros grupos religiosos,
entidades, guias, o Espírito Santo, orixás descem ou sobem, se
incorporam, se comunicam, etc. através de cavalos, aparelhos,
ou do que costumamos denominar de indivíduo agente
empírico, unidade significativa da sociedade ocidental moderna
nos termos de Louis Dumont.
VELHO, Gilberto. Indivíduo e religião na cultura brasileira. In: VELHO,
Gilberto. Projeto e Metamorfose. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 53.
1. Os sistemas de crença são construções sociais criadas pelos
indivíduos para organizar o mundo em que vivem.
2. A análise sociológica das crenças e de seus sistemas de
representação nos permite compreender as ligações entre os
mundos sagrado e profano.
4. As religiões e os cultos anteriormente mencionados revelam
pluralidades de técnicas corporais e visões de mundo expressas
por seus seguidores.
O censo de 2010 revelou mudanças significativas na escolha de 8. Por ser o Brasil um país majoritariamente católico, o respeito
religião pelos brasileiros, como se pode observar no gráfico. A e a tolerância pelas mais diversas religiões não conseguem
mudança registrada nos percentuais de evangélicos para o obter amparo legal.
período 1980-2010 se explica principalmente pelo seguinte 16. Na abordagem anteriormente apresentada, o indivíduo
fator: agente empírico é o personagem das dramatizações religiosas,
sendo, dessa forma, o sujeito da investigação sociológica.
Soma ( )
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