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Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste - SEUNE

Curso de Direito

Ananete Bruna Cavalcante Gomes

A DEFICIÊNCIA AUDITIVA E O ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS MEDIANTE


RESERVA DE VAGAS EM CONCURSO PÚBLICO:
A NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DE ENTENDIMENTO DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Maceió
2018
Ananete Bruna Cavalcante Gomes

A DEFICIÊNCIA AUDITIVA E O ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS MEDIANTE


RESERVA DE VAGAS EM CONCURSO PÚBLICO:
A NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DE ENTENDIMENTO DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Monografia apresentada à Sociedade de


Ensino Universitário do Nordeste - SEUNE,
como parte dos requisitos para obtenção do
grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Me. Davi Antônio Gouvêa
Costa Moreira

Maceió
2018
Ananete Bruna Cavalcante Gomes

A DEFICIÊNCIA AUDITIVA E O ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS MEDIANTE


RESERVA DE VAGAS EM CONCURSO PÚBLICO:
A NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DE ENTENDIMENTO DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Monografia apresentada à Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste - SEUNE,


como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

_________________________________________________
Orientador: Prof. Me. Davi Antônio Gouvêa Costa Moreira

_________________________________________________
1º Examinador:

_________________________________________________
2º Examinador:

Data da aprovação: ______/______/______


RESUMO

Este trabalho tem o objetivo de fazer um estudo das legislações brasileiras que
regulamentam a questão da deficiência no País no tocante às dificuldades
enfrentadas pelas pessoas com deficiência auditiva, na tentativa de reconhecimento
judicial da sua limitação, principalmente em relação às reservas de vagas nos
concursos públicos, diante dos critérios estabelecidos com a edição do Decreto
Regulamentador nº 3.298/99. A partir da análise dos atos normativos, tem-se o
objetivo de mostrar ao leitor a evolução do conceito normativo e jurídico de
deficiente, bem como o comportamento jurisprudencial dos tribunais brasileiros, em
especial o Superior Tribunal de Justiça - STJ, em virtude das alterações
consolidadas com o advento da Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e, posteriormente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Para tanto, fora realizada pesquisa normativa, jurisprudencial e doutrinária, com o
fulcro de elucidar a necessidade de reformulação do entendimendo consolidado no
STJ, com o interesse de adequá-lo às novas disposições normativas.

Palavra-Chave: Conceito de deficiência. Deficiência Auditiva. Concurso Público.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 7

1 O TRATAMENTO NORMATIVO DESTINADO ÀS PESSOAS COM


DEFICIÊNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO......................... 9
1.1 Análise normativa da Lei nº 7.853/89 e o conceito de deficiente
expresso no Decreto Regulamentador nº 3.298/99........................................ 12
1.2 Do conceito de “deficiência” introduzido na Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e os novos mecanismos
de inserção do deficiente no mercado de trabalho e na sociedade............. 16
1.3 O estatuto da pessoa com deficiência e a consolidação dos novos
parâmetros na análise da deficiência.............................................................. 21
2. O ATUAL ENTENDIMENTO DA JUSTIÇA BRASILEIRA QUANTO AO
CONCEITO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA................................. 25
2.1 Análise da evolução de entendimentos do Superior Tribunal de
Justiça acerca da validade do art. 4º, inciso II, do Decreto nº
3.298/99............................................................................................................... 26
2.2 A divergência jurisprudencial nos Tribunais brasileiros......................... 31
2.3 Do projeto de lei nº 23/2016 que visa regulamentar a conceituação de
deficiência auditiva............................................................................................ 35
3 DOS MECANISMOS JURÍDICOS VÁLIDOS PARA EFETIVAR A
APLICAÇÃO DA CDPD E DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
EM FACE DO DECRETO Nº 3.298/99................................................................ 37
3.1 Da impossibilidade de análise da constitucionalidade do Decreto nº
3.298/99 via Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF........................... 37
3.2 Do controle de legalidade do Decreto nº 3.298/99 pelo STJ................... 38
3.2.1 A revogação tácita do art. 4º do Decreto nº 3.298/99 diante da
hierarquia constitucional da CDPD e do Estatuto da Pessoa com
Deficiência.......................................................................................................... 40
3.2.2 Da estrutura hierárquica da ordem jurídica........................................... 41
3.2.3 Das espécies de revogação no ordenamento jurídico brasileiro........ 43
3.3. Necessidade de mudança do entendimento consolidado no
ordenamento jurídico brasileiro....................................................................... 44
3.3.1 Dos precedentes como fonte de garantir a segurança jurídica........... 45
3.3.2 Da possibilidade de reformar um entendimento consolidado no
sistema jurídico brasileiro................................................................................ 48
3.3.3. Aplicação do overruling ao entendimento consolidado no STJ
sobre o conceito de pessoa com deficiência
auditiva............................................................................................................... 49
CONCLUSÃO...................................................................................................... 53
REFERÊNCIAS................................................................................................... 55
7

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo de analisar o atual cenário enfrentado


pelos deficientes auditivos na busca da efetivação dos seus direitos diante da
controvérsia existente nos tribunais quanto à aplicabilidade do Decreto nº 3.298/99,
que visa regulamentar o conceito de “pessoa com deficiência” no ordenamento
pátrio.
No primeiro capítulo será aprofundado o teor das principais legislações
brasileiras que tratam da quesão do deficiente, trazendo à baila os significativos
avanços no tratamento da matéria, desde a elaboração da Lei nº 7.853/89 até a
consolidação do Estatuto da Pessoa com Deficiênca, no ano de 2015.
Após, no capítulo segundo, o objeto do estudo serão os posicionamentos dos
tribunais brasileiros quanto à aplicabilidade dos referidos atos normativos e o atual
entendimento majoritário do conceito de pessoa com deficiência auditiva nos
julgados mais rescentes. Ademais, será analisado, outrossim, os entendimentos
divergentes que existem nos tribunais, abordando suas principais fontes
argumentativas.
Por fim, no terceiro capítulo, será efetivada uma análise constitucional acerca
da hierarquia das normas que regulamentam à matéria, bem como um estudo em
relação aos meios de superação de entendimento do STJ, com o intuito de adequar
seu posicionamento aos novos preceitos na normatização do deficiente.
A importância do estudo tem base nas dificuldades que um indivíduo com
deficiência tem na inserção tanto no mercado de trabalho quanto na vida em
sociedade, de modo que a legislação é um meio de garantir-lhes o pleno acesso a
todos os meios possíveis à sua inclusão.
Portanto, leis que garantem porcentagem de reservas de vagas às pessoas
com deficiência nos concursos públicos e nas empresas, fazem com que o direito ao
trabalho, ao auto sustento, à igualdade e à isonomia sejam assegurados, rompendo
“pré-conceitos” que enxergam o deficiente como uma pessoa incapaz de exercer
atividades cotidianas.
Desta forma, a conceituação incorreta da “pessoa com deficiência” pode
causar inúmeras injustiças no tratamento conferido a esses indivíduos, inclusive,
8

tirar-lhe uma chance de ocupar um cargo público ou um emprego na iniciativa


privada, pois o reconhecimento como deficiente é fundamental para o acesso às
políticas públicas.
Diante desse contexto, a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, introduziram na
análise da deficiência o estudo biopsicossocial, o qual visa, além dos critérios
clínicos, considerar, igualmente, os fatores ambientais e sociais, com o proposito de
garantir maior efetividade na aplicação das políticas públicas.
Dentro desse cenário, o Decreto nº 3.298/99, que trata a deficiência auditiva
com base unicamente no índice de perda de decibéis e na frequência sonora
encontra-se, atualmente, desatualizado com as demais normas jurídicas.
Os principais objetos de análise para a conclusão do presente trabalho são os
atos normativos que regulamentam a questão da deficiênca no Brasil e no plano
internacional bem como as decisões dos tribunais.
Com o estudo pretende-se mostrar que o atual entendimento do Superior
Tribunal de Justiça, de manter a aplicabilidade integral do Decreto nº 3.298/99, não
atende mais aos novos parâmetros normativos e sociais, de modo que é necessário
uma mudança de posiciosamento da Corte julgadora, a fim de garantir a efetividade
da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência - CDPD e do Estatuto
da Pessoa com Deficiência, para que ambos não se tornem “letra morta” no
ordenamento jurídico pátrio.
9

1 O TRATAMENTO NORMATIVO DESTINADO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA


NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E INTERNACIONAL

Nos dias atuais muito se discute sobre a evolução dos direitos concedidos às
pessoas com deficiência, a necessidade de inserção da categoria no mercado de
trabalho, bem como a necessidade de reconhecimento de que essas pessoas,
mesmo com limitações físicas, psíquicas ou sensoriais, podem e devem ser tratadas
com igualdade perante os demais, fez com que a antiga imagem de incapacidade
atribuída aos deficientes fosse substituída por um olhar inclusivo e acolhedor.
A legislação, às vezes de forma tardia, vem buscando acompanhar a
evolução no tratamento das pessoas com deficiência e trazendo mecanismos legais
que possibilitem a efetivação prática dos direitos das pessoas com deficiência, de
modo que a letra de lei não se torne apenas palavras sem aplicação e resultados
efetivos.
Uma das formas de aprimorar o alcance das normas que regulamentam a
matéria em tratativa foi o amadurecimento do conceito de “pessoa com deficiência”
no ordenamento jurídico brasileiro e internacional. Assim, a legislação brasileira,
bem como os tratados e convenções internacionais, nos últimos anos tem buscado
um conceito que amplie de forma significativa a abrangência do termo “deficiência”.
Portanto, para a melhor compreensão do tema, faz-se necessário uma análise
da evolução das principais normas jurídicas do ordenamento jurídico nacional e
internacional no tocante aos direitos das pessoas com deficiência.
Inicialmente, a Constituição Federal de 1988, seguindo o cenário mundial de
evolução no tratamento conferido às pessoas com deficiência, dispõe em seu art. 7º,
XXXI, que é defeso qualquer discriminação nos salários e critérios de admissão ao
trabalhador com deficiência; No âmbito da Administração Pública, o art. 37, VIII,
consagra que a lei deverá reservar cargos e empregos públicos aos deficientes, bem
como os critérios de sua admissão; Já o art. 203, inciso IV, elenca que um dos
objetivos da assistência social consiste na habilitação e reabilitação das pessoas
com deficiência e sua integração à comunidade; O art. 227, II, com redação dada
pela Emenda Constitucional nº 65/2010, atribui como dever do Estado à instituição
de programas que visem a “prevenção e atendimento especializado para as pessoas
10

portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social


do adolescente e do jovem portador de deficiência [...]” (BRASIL, 1988).
Assim, a Constituição vigente se preocupou em trazer para a seara
constitucional as obrigações que o Estado e a sociedade em geral têm de buscar a
inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho e no convívio social
em condições de igualdade com os demais.
Posteriormente, para regulamentar o texto constitucional, fora editada no ano
de 1989 a Lei Federal nº 7.853/89, que dispõe sobre “o apoio às pessoas portadores
de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – Corde [...]”. (BRASIL, 1989)
A referida legislação simboliza a gênese da evolução normativa na defesa dos
interesses das pessoas com deficiência, dispondo, desde o primeiro artigo, os
valores sociais aplicados na interpretação da lei, como a igualdade de tratamento e
oportunidade, a integração social, a justiça social, o bem-estar, dispondo, outrossim,
que a obrigação de zelar pelo cumprimento efetivo do texto legal está a cargo do
Poder Público e da sociedade. (BRASIL, 1989).
Portanto, a partir da edição da CF/88 e da Lei Federal nº 7.853/89, toda
sociedade passou a ser responsável direta pela efetivação dos direitos das pessoas
com deficiência, pela erradicação de todo preconceito e discriminação à categoria,
de forma a promover a integração social das minorias.
Seguindo à evolução normativa, no ano de 1999 fora publicado o questionável
Decreto nº 3.298, que regulamenta a Lei Federal nº 7.853/89, dispondo sobre as
políticas de integração das pessoas com deficiência. Fora este ato normativo que,
diante do silêncio no texto normativo da lei federal, trouxe a conceituação legal de
“deficiência”, bem como os requisitos necessários para o enquadramento legal do
indivíduo como deficiente, nos seguintes termos:

Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:


I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o
desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser
humano;
II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante
um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter
probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e
III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de
integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios
ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa
11

receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e


ao desempenho de função ou atividade a ser exercida. (BRASIL, 1999).

Sendo assim, o Decreto nº 3.298/99 consolidou os critérios que deverão ser


cumpridos para que o indivíduo que alega ser deficiente tenha acesso aos direitos
assegurados, incluindo a reserva de vagas em empresas, em cargo e emprego
público, aos programas de inclusão e integração social, dentre outros.
Apesar do grande avanço no tratamento normativo e social direcionado aos
deficientes com a vigência da CF/88 e da Lei Federal nº 7.853/89, ainda se buscava
um avanço ainda maior na concretização desses direitos no plano nacional e
internacional.
Nesse cenário de busca por um conceito de deficiência que promovesse
ainda mais a integração social, fora assinado no ano de 2007 e devidamente
promulgada no ano de 2009, a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas, devidamente
aprovada pelo Congresso Nacional na data de 09 de julho de 2008 e incorporada ao
ordenamento jurídico brasileiro com natureza de Emenda à Constituição, portanto,
com hierarquia às normas infraconstitucionais.
O texto da Convenção Internacional é muito avançado no tocante aos
conceitos, obrigações e princípios aplicáveis aos deficientes, trazendo inúmeras
medidas imediatas que deverão ser tomados pelos Estados Partes necessárias à
efetivação da Convenção, como “conscientizar toda a sociedade, inclusive as
famílias, sobre as condições das pessoas com deficiência e fomentar o respeito
pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência” (artigo 8º, 1.a); b)
“Combater estereótipos, preconceitos e práticas nocivas em relação a pessoas com
deficiência, inclusive aqueles relacionados a sexo e idade, em todas as áreas da
vida” (artigo 8º, 1.b); c) “Promover a conscientização sobre as capacidades e
contribuições das pessoas com deficiência” (artigo 8º, 1.c). (Brasil, 2009).
Com vista à aplicabilidade prática das obrigações assumidas pelo Brasil
quando da assinatura da referida Convenção, fora aprovada a Lei nº 13.146, de 6 de
julho de 2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, importante marco
na evolução normativa brasileira concernente aos direitos das pessoas com
deficiência.
12

Visando à melhor compreensão do tema, faz-se necessário estudar de forma


minuciosa os direitos, obrigações e diretrizes regulamentadas nas legislações acima
mencionadas.

1.1. Análise normativa da Lei. 7.853/89 e o conceito de deficiente expresso no


Decreto Regulamentador nº 3.298/99

Consoante disposto alhures, a Lei. 7.853/89, ainda que de forma sucinta, foi
um importante marco histórico na defesa dos direitos dos deficientes, principalmente
no tocante ao direito ao trabalho e a formação profissional.
Isto porque em seu art. 2ª, parágrafo único, inciso III, alíneas a, b, c, d, in
verbis, a legislação traz as medidas a serem efetivadas pelos órgãos e entidades da
administração pública direta e indireta no âmbito da formação profissional e do
trabalho, incluindo a obrigatoriedade de edição de lei específica para regulamentar a
“reserva de mercado de trabalho” na Administração Pública e no setor privado:

Art.2º [...]
a) o apoio governamental à formação profissional, e a garantia de acesso
aos serviços concernentes, inclusive aos cursos regulares voltados à
formação profissional;
b) o empenho do Poder Público quanto ao surgimento e à manutenção de
empregos, inclusive de tempo parcial, destinados às pessoas portadoras de
deficiência que não tenham acesso aos empregos comuns;
c) a promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores
públicos e privado, de pessoas portadoras de deficiência;
d) a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de
trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas entidades da
Administração Pública e do setor privado, e que regulamente a organização
de oficinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho, e a situação,
nelas, das pessoas portadoras de deficiência; (BRASIL, 1989)

No entanto, apesar da importância da legislação em tratativa, essa fora


omissa quanto à conceituação de deficiência para fim de aplicabilidade da norma, o
que só veio a ocorrer com a edição do Decreto nº 3.298/99, que em seu art. 3º
conceitua deficiência como “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de
atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”. (BRASIL,
1999).
A importância do conceito legal de deficiente extrai-se do fato de que os
parâmetros incluídos na norma serão utilizados, dentre outros, para a destinação
das vagas reservadas em concursos públicos a ser preenchido pela cota legal de
13

deficientes, assim, qualquer equívoco na elaboração do conceito ou dos parâmetros


a serem observados pela Administração Pública direta e indireta para a admissão
das pessoas com deficiência aos cargos públicos, pode ocasionar uma série de
injustiças para àqueles que não estão abarcados pelo ato normativo.
Atualmente, os critérios objetivos para a inserção do indivíduo no conceito de
deficiente estão disciplinados no art. 4º do Decreto nº 3.298/99, com as alterações
inseridas pelo Decreto nº 5.296/04, o qual traz as seguintes categorias:

Art. 4o É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra


nas seguintes categorias:
I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais
segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função
física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia,
monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia,
hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro,
paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou
adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam
dificuldades para o desempenho de funções;
II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um
decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ,
1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;
III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor
que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que
significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor
correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual
em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea
de quaisquer das condições anteriores;
IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente
inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações
associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
a) comunicação; b) cuidado pessoal; c) habilidades sociais; d) utilização dos
recursos da comunidade; e) saúde e segurança; f) habilidades
acadêmicas; g) lazer; e h) trabalho; V - deficiência múltipla – associação de
duas ou mais deficiências. (BRASIL, 2004)

Denota-se que os critérios estabelecidos seguem um conceito médico de


deficiência, o que muitas vezes não transparece as reais dificuldades que são
enfrentadas no dia a dia por aquelas pessoas que possuem algum tipo de limitação
e que, muitas vezes, não preenchem os requisitos estabelecidos no Decreto
mencionado.
Considerando que o conceito de “pessoa com deficiência” sempre fora um
tema de alarga divergência na justiça brasileira, tendo em vista o caráter singular
das limitações enfrentadas pelos deficientes e os inúmeros atos normativos que
tentam regulamentar, algumas vezes de forma errônea e equivocada, muito se
discute acerca da legalidade da normatização imposta no referido Decreto
14

regulamentar, principalmente se considerar os novos parâmetros legislativos, como


a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o
Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Atualmente, um dos temas mais discutidos no tocante à matéria em tratativa
nos tribunais brasileiros se refere ao conceito e critérios legais para o
enquadramento do indivíduo como deficiente auditivo, principalmente, no que
concerne ao acesso aos cargos públicos mediante concurso público, por intermédio
da reserva legal de vagas às pessoas com deficiência.
Isto porque, inicialmente, a legislação regulamentou a questão com a edição
do Decreto nº 3.298/99, o qual conceituava a deficiência auditiva com base no grau
de perda sonora variando de 25 decibéis até a perda total da audição, de forma
parcial ou total, da seguinte maneira:

Art. 4o É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra


nas seguintes categorias:
[...]
II - deficiência auditiva – perda parcial ou total das possibilidades auditivas
sonoras, variando de graus e níveis na forma seguinte:
a) de 25 a 40 decibéis (db) – surdez leve;
b) de 41 a 55 db – surdez moderada;
c) de 56 a 70 db – surdez acentuada;
d) de 71 a 90 db – surdez severa;
e) acima de 91 db – surdez profunda; e
f) anacusia; (BRASIL, 1999)

Desta forma, o ato normativo não diferenciava quanto à surdez bilateral ou


unilateral, de modo que a aferição da presença da deficiência era realizada com
base efetiva na variação de graus e níveis da limitação sonora, de sorte que o ato
normativo tinha abrangência desde o que possuía surdez moderada até a surdez
profunda.
Diante das inúmeras críticas por parte dos especialistas na área, sobretudo
por entenderem que o conceito inserido no Decreto nº 3.298/99 tem como base o
princípio da “normalização do indivíduo”, o qual tem o objetivo encontrar a “fórmula
perfeita” para inserir a pessoa com deficiência em um patamar de igualdade com os
demais, de acordo com critérios de tipo ou grau de deficiência, ou seja, a partir de
critérios unicamente clínicos, os pesquisadores e estudiosos da área começaram a
buscar uma melhor definição para substituir os parâmetros estabelecidos. (GUGEL,
2016. p. 54).
15

Neste cenário, Gugel (2016) questionou a ideia de buscar a “normalização da


pessoa”, de forma a fundamentar que o referido princípio não enxerga a pessoa com
deficiência como um “sujeito de direitos” e que, portanto, deve-se buscar um
conceito que não reduza a pessoa com deficiência à uma doença com “incapacidade
para a vida independente”. Sendo assim, defende que o conceito inserido no
Decreto n° 3.956/01, que promulgou a Convenção Interamericana para a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência
e que considera a deficiência como uma “restrição física, mental ou sensorial, de
natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais
atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico
e social” é mais adequado para o regulamento da matéria, fato que, na visão da
pesquisadora, teria revogado o disposto no Decreto nº 3.298/99.
Assim entende a Douta Pesquisadora:
A concepção de normalidade da pessoa, ainda que considerada um avanço,
não reflete o reconhecimento de que a pessoa com deficiência é sujeito de
direitos e, portanto, deve gozar das mesmas, e todas, oportunidades
disponíveis na sociedade, independentemente do tipo ou grau de sua
deficiência. É necessário construir um novo conceito que se afaste em
definitivo do conceito de doença e de incapacidade para a vida
independente.

Seguindo nessa nova diretriz, o Decreto n° 3.956, de 8/10/2001 que


promulga a Convenção da Guatemala ou a Convenção Interamericana para
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência, assim define deficiência: uma restrição física,
mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a
capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária,
causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. É esta a definição
de deficiência válida e que, entende-se, revogou aquelas relativas à
deficiência, deficiência permanente e incapacidade do artigo 3º, do Decreto
nº 3.298/1999.

Assim, diante das inúmeras críticas, fora editado o Decreto nº 5.296/04 que,
consoante exposto, considera a deficiência auditiva de acordo a junção da perda dos
elementos graus de decibéis e frequências sonoras, sendo, mesmo que imperfeito,
mais justo do que a antiga regulamentação, a qual abrangia aqueles que tinham
perda auditiva mínima.
Em que pese à mudança normativa, o Decreto nº 5.296/04 trouxe à tona outro
problema no tocante ao enquadramento da pessoa com deficiência auditiva:
diferentemente da antiga redação que incidia sobre os que tinham perda auditiva
ínfima, a nova regulamentação acabou por afastar da aplicação da norma pessoas
que, apesar de não cumprirem os novos requisitos, possuem acentuada perda
16

auditiva, como os surdos unilaterais e bilaterais que não possuem perda de 41dB em
um dos ouvidos.
Assim, conforme será analisado no capítulo subsequente, existe grande
demanda dos deficientes auditivos unilaterais bem como daqueles que têm perda de
mais de 41db em um dos ouvidos, porém, no outro não contém a perda auditiva
suficiente para a aplicabilidade das normas protetoras, pelo reconhecimento da
condição de deficiente, a fim de ter seus direitos efetivados.
De tal modo, conforme se verá adiante, a Convenção Internacional Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência e o Estatuto da Pessoa com Deficiência
introduziram ao ordenamento jurídico brasileiro um novo parâmetro para a análise
da deficiência, o qual reconhece que a deficiência é um conceito ainda em evolução
e que deve ter como base a análise biopsicossocial do indivíduo.

1.2. Do conceito de “deficiência” introduzido na Convenção Internacional


Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e os novos mecanismos de
inserção do deficiente no mercado de trabalho e na sociedade

A Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência –


CDPD fora finalmente promulgada e incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro
com a edição do Decreto nº 6.949, em 25 de agosto de 2009, trazendo um
arcabouço jurídico moderno no tratamento conferido às pessoas com deficiência.
Como forma de tornar ainda mais efetivo os direitos inseridos na CDPD, o
Brasil optou, quando da promulgação da Convenção, seguir o rito constitucional
inserido no art. 5º, § 3º da CF/88, o qual traz importante mecanismo para a
efetivação dos direitos humanos no país, dispondo que os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados segundo os critérios
estabelecidos no artigo terão natureza equivalente às emendas constitucionais.
(BRASIL, 1988).
Neste sentido, a constitucionalização da CDPD traz inúmeros efeitos práticos
na efetivação dos direitos e obrigações inseridos na norma, dentre eles, destaca-se
que as leis e atos normativos infraconstitucionais deverão estar em consonância
com o conteúdo da convenção, ou seja, os atos normativos contrários à CDPD
17

estarão revogados em tudo o que lhe for incompatível, devido à hierarquia da norma
constitucional.
Além da própria CF/88 prever que as leis e atos normativos deverão,
obrigatoriamente, obedecer às disposições inseridas no texto constitucional, a
CDPD, igualmente, tem menção expressa à obrigatoriedade que os Estados Partes
têm de “adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar
ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem
discriminação contra pessoas com deficiência” (artigo 4, 1. b), bem como de “Abster-
se de participar em qualquer ato ou prática incompatível com a presente Convenção
e assegurar que as autoridades públicas e instituições atuem em conformidade com
a presente Convenção” (artigo 4, 1.d). (BRASIL, 2009).
Assim, todas as disposições da CDPD têm aplicação hierárquica no
ordenamento jurídico brasileiro, de forma que os demais atos normativos inferiores,
tais como decretos, portarias, regulamentos, da mesma maneira as leis
infraconstitucionais, no tocante à regulamentação da matéria em tratativa, devem ter
como base o texto da Convenção.
Exposto e fundamentado a constitucionalização e hierarquia da Convenção
Internacional, passa-se à análise dos conceitos, objetivos, princípios, metas e
obrigações inseridos na CDPD.
Inicialmente, a CDPD insere no preâmbulo importante dispositivo ao
reconhecer que a deficiência ainda é um conceito em evolução, o que denota que
ainda há muito que se pesquisar para alcançar um conceito de deficiência que reflita
à evolução da sociedade e os interesses e necessidades desses indivíduos.
Eis o disposto no preâmbulo da CDPD, item ‘e’:

[...] e) Reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a


deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras
devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva
participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades
com as demais pessoas. (BRASIL, 2009).

Assim, diferentemente do conceito objetivo e clínico utilizado como base para


a edição do Decreto nº 3.298/99, a CDPD aderiu a um conceito que valoriza os
“elementos biopsicossociais” para a configuração da deficiência, como a análise do
meio onde o indivíduo vive, a interação, as barreiras enfrentadas, dentro outros que
inviabilizam ou fragilizam a inserção do indivíduo na sociedade.
18

Além disso, a CDPD se preocupou em inserir no texto normativo os conceitos


básicos dos termos necessários para a efetivação dos objetivos a serem alcançados
a partir da promulgação da Convenção. Neste sentido, dentre outras, há a
conceituação de “descriminação por motivo de deficiência” como:

qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com


o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o
desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos
âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange
todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável
(BRASIL, 2009).

Outro conceito importante para a inserção da pessoa com deficiência é o de


“desenho universal”, que visa buscar uma universalidade na concepção dos
“produtos, ambientes, programas e serviços”, os quais devem atender, dentro do
possível, ao maior número de pessoas, sem a necessidade de uma adaptação
específica para atender aos deficientes, ressalvando as necessidades dos grupos
específicos.
Igualmente, traz o significado do termo “adaptação razoável”, o qual traduz
que as eventuais modificações ou ajustes necessários à inserção da pessoa com
deficiência não devem acarretar um ônus desproporcional ou indevido, de modo a
assegurar “em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os
direitos humanos e liberdades fundamentais”.
Quanto aos princípios que regem a matéria, estes estão inseridos no art. 3º
da Convenção Internacional, quais sejam “a) O respeito pela dignidade inerente, a
autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a
independência das pessoas”; “b) A não-discriminação”; “c) A plena e efetiva
participação e inclusão na sociedade”; ”d) O respeito pela diferença e pela aceitação
das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade;
“e) A igualdade de oportunidades’; “f) A acessibilidade”; “g) A igualdade entre o
homem e a mulher”; “h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das
crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua
identidade”. (BRASIL, 2009).
Conclui-se, da análise dos princípios mencionados, uma grande preocupação
em garantir a plena autonomia da pessoa com deficiência, como forma de efetivar a
igualdade existente entre os indivíduos, independentemente da existência de
19

limitações, físicas, psíquicas ou sensoriais. Além disso, há uma busca por quebrar o
“pré-conceito” existente de que a deficiência é uma doença ou uma anormalidade,
bem como a concepção de que a presença de uma limitação é pretexto para a
exclusão da liberdade de escolha do indivíduo e da sua capacidade física e mental
para interagir com os demais em igualdade de condições.
Pode parecer, em primeira análise, que incluir como princípios basilares da
CDPD o “respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como
parte da diversidade humana e da humanidade”, bem como “o respeito pela
dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias
escolhas, e a independência das pessoas” não traria quaisquer efeitos práticos,
tendo em vista que no Brasil, principalmente, há uma grande dificuldade em efetivar
na prática os direitos e princípios fundamentais dos cidadãs.
No entanto, com base nesses princípios, fora dado um grande avanço na
consolidação da autonomia das pessoas com deficiência, quando, na edição do
Estatuto da Pessoa com Deficiência, fora reconhecido em seu art. 6º que a
“deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa”, excluindo,
acertadamente, os deficientes do conceito de incapacidade civil, seja ela relativa ou
absoluta.(BRASIL, 2015)
Portanto, as novas disposições da Convenção Internacional Sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência, inclusive, o novo conceito de “pessoa com deficiência”
são um importante marco histórico no reconhecimento da igualdade entre os
indivíduos que integram a sociedade.
Gugel (2016), brilhantemente, fez um estudo acerca do novo modelo de
concepção da deficiência introduzido pela CDPD e, posteriormente, pelo Estatuto da
Pessoa com Deficiência, indicando que o novo modelo tem como base a
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que visa
“descrever situações relacionadas à funcionalidade da pessoa e suas restrições,
causadas pela estrutura do corpo (caso de deficiência) em relação ao ambiente
físico, social e de trabalho” , conforme abaixo transcrito:

Conforme se percebe, com o advento da Convenção sobre os Direitos da


Pessoa com Deficiência e da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), Lei n° 13.146/2015, um
novo modelo é apresentado para dizer quem é a pessoa com deficiência em
relação ao meio (acessível ou não) onde vive. Para tanto, a convenção e a
lei, indicam, quando necessário, avaliar a deficiência frente aos elementos
20

biopsicossocial e a ser realizada por diferentes profissionais da área da


deficiência (artigo 2º, parágrafo 1º, itens I-IV da Lei n° 13.146/2015): [...]”
O novo modelo está baseado na concepção Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), cujos parâmetros básicos são
importantes para compreender o cenário da caracterização das deficiências.
A nova definição de deficiência já existe com eficácia de norma desde a
Convenção da Guatemala, de 2001, devidamente ratificada pelo Brasil, e
que está repetida na CDPD, de 2006. Tal concepção está assentada na
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF),
da OMS, que não se refere a pessoas com incapacidades e sim “a todas as
pessoas. A saúde e os estados relacionados à saúde associados a todas as
condições de saúde” (CIF, 2003, p. 18).
A CIF há muito é utilizada em diversos países e contempla uma linguagem
única para descrever as consequências e os aspectos sociais de
deficiência. O objetivo da CIF como instrumento de avaliação é descrever
situações relacionadas à funcionalidade da pessoa e suas restrições,
causadas pela estrutura do corpo (caso de deficiência) em relação ao
ambiente físico, social e de trabalho. A CIF pode ser aplicada “como uma
ferramenta de política social – no planejamento dos sistemas de previdência
social, sistemas de compensação e projeto de implementação de políticas
públicas”. (GUGEL,2016, p. 68-69).

Nesse contexto, entende-se que a Convenção Internacional buscou trazer um


conceito mais inclusivo da deficiência que, além de considerar as limitações clínicas
de todos os tipos de deficiência, igualmente, considerasse os aspectos
“biopsicossociais” na definição de deficiência, os quais serão analisados com mais
profundidade quando for abordado o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Fonseca (2012) traz importantes considerações a respeito do novo conceito
de deficiência da CDPD, senão, vejamos:

a) O novo conceito de pessoa com deficiência, constitucionalmente adotado


pelo Brasil por força da ratificação da Convenção Internacional da ONU
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, transcende o aspecto
meramente clínico e assistencialista que pautava a legislação anterior.
Ressalta o fator político para que se reconheça a necessidade de
superarem-se as barreiras sociais, políticas, tecnológicas e culturais.
b) As pessoas com limitações físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais
apresentam tais atributos que são equiparados a qualquer qualidade
inerente à diversidade humana como gênero, etnia e orientação sexual. A
deficiência, porém, não reside em tais atributos, decorre da interação destes
com as barreiras sociais, o que possibilita afirmarse que a deficiência está
na sociedade, desde que não propicie os meios para que os atributos
humanos contemplados pela Convenção em estudo sejam acolhidos por
políticas públicas que viabilizem a extensão do conjunto de direitos
humanos às 600 milhões de pessoas com deficiência de todo o mundo.
c) A elaboração da Convenção e sua ratificação pelo Brasil, com status
constitucional, resultaram da atuação direta das pessoas com deficiência
tanto na construção do texto do tratado quanto na decisão do Congresso
brasileiro que o fez constitucional, fato inédito em nossa história. O sucesso
dos objetivos almejados pela Convenção, por sua parte, também
dependerá, acima de tudo, tanto da conscientização social sobre o alcance
revolucionário da nova Convenção quanto da persistente atuação política
dos Estados Partes e dos cidadãos, por meio dos mecanismos políticos e
jurídicos.
21

Diante do exposto, conclui-se que a CDPD tratou o conceito de pessoa com


deficiência de forma diversa daquele normativizado no Decreto nº 3.298/99,
incluindo novas concepções, as quais devem ser obrigatoriamente consideradas
quando da análise individual da deficiência, prinpalmente, diante da
constitucionalização da CDPD.

1.3.O Estatuto da Pessoa com Deficiência e a consolidação dos novos


parâmetros na conceituação da deficiência

A CDPD fora promulgada no Brasil em 25 de agosto de 2009, no entanto,


apenas em 2015, 06 (seis) anos após, foi publicada a lei que consolida os principais
aspectos da Convenção Internacional. Trata-se do Estatuto da Pessoa com
Deficiência, principal norma regulamentadora da questão da deficiencia no
ordenamento jurídico nacional.
Inicialmente, no art. 1º são inseridos os objetivos os quais se destinam a
norma, nos seguintes termos:

É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto


da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em
condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades
fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e
cidadania (BRASIL, 2015)

Posteriomente, em seu art. 2º, o Estatuto traz o conceito de “pessoa com


deficiência” e os critérios de avaliação a serem utilizados quando necessário para a
aferiação da deficiência no indivíduo. Logo de início percebe-se que a conceituação
inserida no Estatuto da Pessoa com Deficiencia é semelhante ao conceito da
CDPD, senão, vejamos:

Art. 2o Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento


de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual,
em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas
§ 1o A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial,
realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:
I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III - a limitação no desempenho de atividades; e
IV - a restrição de participação.
§ 2o O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência
(BRASIL, 2015).
22

Ademais, o Estatuto trouxe importantes lições na busca pela inclusão da


pessoa com deficiência. Primeiramente, determinou a obrigatoriedade de realizar
uma avaliação para eferiação da deficiência, executada por uma equipe
multidisplinar e interdisciplinar, os quais deverão na efetivação da análise considerar
os elementos trazidos pelo próprio dispositivo, com destaque para os incisos II e IV,
que trazem para avaliação os “fatores socioambientais, psicológicos e pessoais” e
averiaguação da “restrição de participação”.(BRASIL,Lei nº 13.146, 2015).
Os fatores em destaque são de suma importância no afastamento da
concepção de que a deficiência está unicamente relacionada à doença. Conforme
fora exposto no tópico anterior, a CDPD cuidou de afastar o conceito de deficiência
apenas com base em estudos médicos, passando para uma nova dimensão ao
introduzir na compreensão da deficiência as barreiras a serem enfrentadas capazes
de limitar à sua participação em igualdade com as demais pessoas.
Portanto, atualmente, quaisquer tentativas de condicionar o reconhecimento
da deficiência apenas com base em conceitos médicos, não traduzem mais a nova
percepção da matéria e não devem ser consideradas na aplicação das politicas
públicas, tanto pelo Estado quando pelos particulares, principalmente, por parte do
Poder Judiciário, o qual tem deve de resguardar todos os direitos assegurados no
texto legal.
Para melhor compreensão dessa nova dimensão de direitos, faz-se preciso
um breve estudo acerca do significado de fatores “biopsicossocial”. De antemão, os
elementos “biopsicossocial” são aqueles que na aferição do grau da deficiência são
analisados os aspectos clínicos, ambientais e sociais.
Na lição Farias (2017):

A avaliação biopsicossocial é aquela que considera aspectos sociais que


circundam o deficiente, além, por óbvio, de dados médicos capazes de
demonstrar sua incapacidade. Na avaliação biopsicossocial há, portanto, a
junção desses dois aspectos na abordagem do deficiente, superando-se,
nessa linha de raciocínio, o simples modelo biológico, para se considerar,
em acréscimo, fatores sociais outros como nível de escolaridade, profissão,
composição familiar, etc.

Assim, os fatores ambientais estão relacionados com as barreiras existentes


que obstam a participação efetiva da pessoa com deficiência na sociedade em
relação ao meio no qual o indivíduo tem sua vida comunitária, tem-se como
exemplo um deficiente físico que reside em um alto morro, onde não há qualquer
23

estrutura que garanta a sua plena locomoção em igualdade com os demais, o que
suprime de forma considerável a qualidade de vida e inclusão social, tendo em vista
que o indivíduo não conseguiu acesso às escolas, às creches, dentre outras
atividades rotineiras. Assim, esse entrave deverá ser considerado na análise do grau
de deficiência por parte do Poder Público, de sorte a permitir que este indivíduo
tenha todos os seus direitos assegurados e supridos.
Quanto aos fatores sociais, estes dizem respeito às particularidades que cada
indivíduo enfrenta na vida particular e social, as quais tornam ainda mais difícil
enfrentar os limites impostos pela deficiência, tem-se como exemplo uma pessoa
que sofre com deficiência na audição ou na fala, porém, diante da situação de
pobreza em que vive, nunca houve um estimulo para o seu desenvolvimento, bem
como não teve acesso ao tratamento adequado para minimizar as consequência das
limitações, esses fatores devem ser compreendidos quando do exame do grau de
deficiência, de forma que o estudo do grau da deficiência não deve ter como base
apenas o grau da perda auditiva e da frequência sonora.
É importante destacar que o próprio Estatuto trouxe um prazo de 02 (dois)
anos a partir de 03 de janeiro de 2018 para a entrada em vigor do dispositivo que
instituiu a avaliação biopsicossocial da deficiência, assim, a partir de 03 de janeiro
de 2018 é preciso que todos os Entes Públicos tenham criado mecanismo para a
efetivação da avaliação biopsicossocial. (BRASIL, 2015)
Desta forma, considerando que o dispositivo já se encontra vigente no
ordenamento jurídico, a análise da deficiência deve se dar nos moldes traçado pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, com a promoção de uma equipe multidisciplinar
capaz de observar os diversos fatores de medição do grau da deficiência, garantindo
o acesso às políticas públicas de inclusão social por todos os indivíduos que se
encontram em estado de desigualdade física, mental ou sensorial em relação às
demais pessoas.
A importância de se efetivar a avaliação biopsicossocial é primordial à
inclusão dessas pessoas no convívio social, principalmente, ao considerar que é
destinado às pessoas com deficiência reserva de vagas em concurso público, em
todos os âmbitos da administração pública e, conforme exposto, não é raro
encontrar nos tribunais brasileiros processos que tratam do enquadramento da
24

pessoa como deficiente, com o fim de garantir o acesso ao cargo público


previamente aprovado em concurso público.
Assim, diante da nova conjutura normativa, faz-se mister uma análise do
atual cenário jurisprudencial das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de
Justiça e demais Cortes inferiores, a fim da melhor compreensão e análise do tema.
25

2.O ATUAL ENTENDIMENTO DA JUSTIÇA BRASILEIRA ACERCA DO


CONCEITO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA

Diante de tudo o que fora exposto até o momento, concluiu-se que a


deficiência deve ser analisada sob os aspectos médicos e sociais, pois foi superado
qualquer ato normativo que vincule a deficiência aos critérios clínicos..
Em que pese o novo tratamento destinado às pessoas com deficiencia, com a
promulgação da CDPD e da aprovação do Estatuto da Pessoa com Deficiência,
ainda se encontra nos tribunais brasileiros intensa discussão acerca da validade dos
critérios para se estabelecer o enquadramento da pessoa como deficiente auditivo.
O atual dilema teve gênese com a publicação do Decreto nº 5.296/04, que
alterou o Decreto 3.298/99, e passou a dispor que a deficiência auditiva é aquela
que atinge ambas audições, de forma parcial ou total, de quarenta e um decibéis
(dB) ou mais, auferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ,
2.000Hz e 3.000Hz. Com isso, restaram por excluídos das políticas públicas os
surdos unilaterais e os surdos bilaterais, que não se adequam à disposição
normativa vigente. (BRASIL, 2004).
A partir desse momento houve considerável mitigação do conceito de
deficiência auditiva, de modo que indivíduos que antes tinham acesso às medidas
sociais, que visam à inclusão e igualdade das pessoas com deficiência, como
acesso aos cargos públicos por meio de cotas, reservas de vagas de emprego nas
empresas, dentre outras, foram excluídos pelo novo ato normativo, o que gerou
enorme insegurança jurídica nos tribunais brasileiros, principalmente após o advento
da CDCD e do Estatuto da Pessoa com Deficiência, tendo em vista que alguns
tribunais, como é o caso do Tribunal Superior do Trabalho, afastou a aplicabilidade
do art.4º, inciso II, do Decreto 3.298/99.
No entanto, nem todos os tribunais estão seguindo este entendimento, como
é o caso do Superior Tribunal de Justiça, que até o momento não tem precedente
que afaste a validade do dispositivo ora em análise, a fim de considerar o teor da
novel legislação.
Assim, faz-se preciso um estudo aprofundado acerca dos atuais
posicionamentos dos tribunais brasileiros, para aferir as divergências existentes,
bem como os fundamentos que sustentam as decisões.
26

2.1. Análise da evolução do entendimento do Superior Tribunal de Justiça


acerca da validade do art. 4º, inciso II, do Decreto 3.298/99

Inicialmente, com a alteração do Decreto 3.298/99 no ano de 2004, que


reformulou os parâmetros de configuração da deficiência, o Superior Tribunal de
Justiça – STJ passou a divergir quanto à aplicabilidade do dispositivo retro, tendo
em vista que o entendimento anterior à edição do ato normativo era de que a surdez
unilateral, bem como os diversos graus de surdez, caracterizava a deficiência
auditiva. Assim, durante anos, o entendimento do STJ era no sentindo de garantir o
amplo acesso às políticas públicas por parte das pessoas com deficiência auditiva.
(BRASIL, STJ)
Com a mudança do regramento legal no ano de 2004, consequentemente, as
decisões da Corte tiveram que se adequar ao novo ato normativo, passando a dispor
de forma diversa acerca da abrangência da caracterização da deficiência auditiva,
de sorte a restringir demasiadamente o alcance do dispositivo.
A partir desse momento houve grande movimentação jurídica por parte
daqueles que foram excluídos da proteção legal, principalmente, os que possuem
deficiência auditiva unilateral total, o que ensejou inúmeras demandas judiciais com
o mesmo teor: o reconhecimento da deficiência.
Diante desse cenário e das inúmeras controvérsias existentes nos tribunais, o
STJ editou a súmula 552, que consagrou a exclusão da deficiência auditiva unilateral
do conceito de “pessoa com deficiência”, o que fez consolidar sobremaneira a
aplicação do art. 4º, inciso II do Decreto 3.298/99. Porém, ainda assim, alguns
tribunais continuaram a dispor de forma diversa à Súmula em questão, bem como a
garantir o pleno acesso às políticas públicas por aqueles que não cumpriam os
requisitos do ato normativo em análise, fato que se agravou após a vigência da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e do Estatuto da Pessoa
com Deficiência.
Em que pese o novo regramento legal, nas decisões do Superior Tribunal de
Justiça proferidas após a alteração do Decreto houve grande divergência nas
Turmas da Corte acerca da legalidade do dispositivo, ressalvando os casos de
direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, conforme determina o art.5º,
inciso XXXVI, da Constituição Federal vigente, ou seja, aqueles que à época da
27

edição do Decreto nº 5.296/04 haviam sido aprovados em concurso público nas


vagas reservadas tiveram o seu direito resguardado pela Corte.
Assim, observa-se que, de forma acertada, o STJ interpretou a aplicação do
dispositivo garantindo a conservação do ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa
julgada, tendo em vista que à época inúmeros deficientes auditivos se inscreveram
em concursos públicos com base na legislação anterior e, de forma temerosa e
desproporcional, tiveram seus direitos infringidos no momento da perícia técnica.
É o que se extrai, por exemplo, do Recurso Especial nº 1.124.595 – RS, no
qual a Segunda Turma do STJ reconheceu o direito de nomeação ao candidato
aprovado em concurso público nas vagas reservadas às pessoas com deficiência,
em razão de o mesmo ser deficiente auditivo unilateral, considerando que, no caso
em liça, o edital do concurso público fora publicado na vigência da antiga redação do
Decreto nº 3.298/99, em que a Corte entendeu que à época não havia diferenciação
da perda auditiva ser bilateral ou unilateral, in verbis:

Não há como se admitir que o candidato que se inscreveu no concurso


público na vaga de deficiente físico, em razão de perda auditiva unilateral,
deixe de ser assim considerado porque a legislação posterior ao edital
passou a reconhecer a deficiência somente na hipótese de perda auditiva
bilateral (BRASIL, STJ, 2009)

Ainda no ano de 2012, perpassados 08 anos da edição do Decreto nº


5.296/04, havia forte divergência no Superior Tribunal de Justiça, de modo que, por
exemplo, reiteradas decisões garantiram o direito à nomeação em cargos públicos
aos deficientes auditivos unilaterais, inclusive, fundamentando que o art.4º do ato
normativo deve ser interpretado conjuntamente com o art. 3º do mesmo diploma
legal, que traz o conceito de deficiente, conforme adiante:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. POSSE


DE DEFICIENTE AUDITIVO UNILATERAL. POSSIBILIDADE. 1. Hipótese
em que o Tribunal de origem, embora reconheça a surdez unilateral, julgou
improcedente o mandamus, considerando que a impetrante não se
enquadra no conceito de deficiente físico preconizado pelo art. 4º do
Decreto 3.298/1999, com redação dada pelo Decreto 5.296/2004 (vigente
ao tempo do edital). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
firmou-se no sentido de que, no concurso público, é assegurada a reserva
de vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais acometidos
de perda auditiva, seja ela unilateral ou bilateral. 3. Reexaminando os
documentos anexos à exordial, depreende-se que, segundo o laudo médico
emitido, a candidata tem Mal formação congênita (deficiência física) na
orelha e perda auditiva no ouvido direito, o que caracteriza a certeza e a
liquidez do direito ora vindicado, na espécie. 4. Agravo Regimental não
provido. (BRASIL, STJ, 2012)
28

Fora o mesmo entendimento exposto na decisão in verbis:


ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. DECRETO Nº 3.298/99. REDAÇÃO DO DECRETO Nº
5.296/04. DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL. RESERVA DE VAGA
AOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS CONCEDIDA.
POSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A reserva de vagas aos
portadores de necessidades especiais, em concursos públicos, é prescrita
pelo art. 37, VIII, da CF/88, regulamentado pela Lei nº 7.853/89 e, esta,
pelos Decretos 3.298/99 e 5.296/04. 2. Os exames periciais demonstraram
que o recorrente possui total ausência de resposta auditiva no ouvido
esquerdo, com audição normal no outro. 3. Com efeito, a surdez unilateral
não obsta o reconhecimento do caráter de portador de necessidades
especiais, uma vez que o art. 4º, II, do Decreto 3.298/99, que define as
hipóteses de deficiência auditiva, deve ser interpretado em consonância
com o art. 3º do mesmo diploma legal, de modo a não excluir os portadores
de surdez unilateral da disputa às vagas destinadas aos portadores de
deficiência física. Precedentes. 4. Recurso não provido. (BRASIL, STJ,
2012).

Diante da enorme controvérsia interna nos julgados do Superior Tribunal de


Justiça e do cenário de instabilidade que se propagou nos tribunais, com inúmeros
processos com idêntico objetivo de reconhecer a deficiência da surdez unilateral
para fim de reserva de vagas em concurso público, fora aprovada e publicada, em
04/11/2015 a Súmula 552 do STJ, a qual insere que “o portador de surdez unilateral
não se qualifica como pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas
reservadas em concursos públicos”. (BRASIL, STJ, 2015).
Fora apenas com a edição da referida Súmula que a divergência no STJ
cessou em relação à perda auditiva unilateral, trazendo, de certa forma, mais
segurança jurídica aos que ingressavam com ações judiciais visando o
reconhecimento da deficiência, tendo em vista que se tornou notório o entendimento
majoritário do Superior Tribunal de Justiça.
Da análise das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, pode-se
extrair que os argumentos daqueles que visam o afastamento da aplicabilidade do
art. 4º, inciso II, do Decreto nº 3.298/99, consistem na alegação de que o dispositivo
é uma afronta à isonomia de tratamento entre os deficientes, ao fim social para qual
a norma é destinada, bem como a violação ao Estatuto da Pessoa com Deficiência e
a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
incorporada ao direito brasileiro com status de Emenda à Constituição, tendo em
vista que todo o ordenamento jurídico que regulamenta a questão da deficiência,
visa, dentro outros fins, a inserção no mercado de trabalho, a diminuição da
discriminação, à igualdade de oportunidades,
29

Quanto aos fundamentos utilizados para defender a aplicabilidade dos limites


imposto na legislação, extrai-se a obrigatoriedade de observância das leis e atos
normativos pelo Poder Judiciário, do mesmo modo que alegam a impossibilidade do
Poder Judiciário fixar, em tese, novos parâmetros de caracterização da deficiência
auditiva em contrapartida ao que dispõe o Decreto regulamentador, em razão do
princípio da Separação dos Poderes e da segurança jurídica.
Eis o teor das decisões mais recentes do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 50.764 - SE


(2016/0109647-3) RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO RECORRENTE : JONIS DOS SANTOS MELO ADVOGADO :
MARIA JOSÉ COUTO BEZERRA E OUTRO (S) - SE002272 RECORRIDO
: ESTADO DE SERGIPE PROCURADOR : CRISTIANE TODESCHINI E
OUTRO (S) - SE003752 DECISÃO PROCESSO CIVIL E
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. SURDEZ UNILATERAL.
CONCORRÊNCIA À VAGA DESTINADA AOS PORTADORES DE
DEFICIÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ORDINÁRIO
DESPROVIDO. 1. Trata-se de Recurso Ordinário em Mandado de
Segurança interposto por JONIS DOS SANTOS MELO, com fundamento
no art. 105, II, b da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo
egrégio TJSE, assim ementado: MANDADO DE SEGURANÇA.
IMPETRANTE PORTADOR DE SURDEZ UNILATERAL. CONCURSO
PÚBLICO. VAGAS DESTINADAS A PORTADORES DE DEFICIÊNCIA.
ORDEM CONCEDIDA. [...] A surdez unilateral não obsta o
reconhecimento do caráter de portador de necessidades especiais, uma
vez que o art. 4o. , II, do Decreto 3.298/99, que define as hipóteses de
deficiência auditiva, deve ser interpretado em consonância com o art. 3o.
do mesmo diploma legal, de modo a não excluir os portadores de surdez
unilateral da disputa às vagas destinadas aos portadores de deficiência
fisica (fls. 25). 2. Irresignada, alega a parte recorrente que apesar do
requerente ter a princípio defendido a tese da surdez unilateral de grau
profundo (100db) ensejador do direito a vaga de portador de deficiência e
assim ser enquadrado no art. II, do Decreto 3.298/99, que define as
hipóteses de deficiência auditiva, os exames periciais demonstraram
claramente que o recorrente possui total ausência (grau profundo e
irreversível) de resposta auditiva no ouvido direito, e com audição
comprometida em grau leve no ouvido esquerdo (com tendência a
progredir), ou seja, apresenta surdez em ambos os ouvidos, devendo ser
acobertado pelo mencionado Decreto, e em conformidade a Constituição
Federal que prevê a proteção aos portadores de deficiência física (fls. 85).
3. Aduz que a questão em debate é definir se a deficiência auditiva
bilateral, profunda em um ouvido (total) e leve no outro (parcial), é
suficiente para o enquadramento do requerente na condição de deficiente
físico, a fim de lhe assegurar o direito líquido e certo, na posse em
definitivo no cargo de Papiloscopista. 4. É o relatório. 5. Cinge-se a
controvérsia a definir se a surdez unilateral total é reconhecida como
deficiência física apta a permitir a inclusão do candidato nas vagas
destinadas aos portadores de deficiência. 6. O Superior Tribunal de
Justiça, alinhando-se em o entendimento do Supremo Tribunal Federal
(STF-MS 29.910/AgR, DJe 1o./8/2011), concluiu que o candidato em
concurso público com surdez unilateral não tem direito a participar do
certame na qualidade de deficiente auditivo. 7. Isso porque o Decreto
5.296/04 alterou a redação do art. 4o., II, do Decreto 3.298/99 - que dispõe
sobre a Política Nacional para Integração de Pessoa Portadora de
30

Deficiência - e excluiu da qualificação deficiência auditiva os portadores de


surdez unilateral. [...] 8. Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso
Ordinário. 9. Publique-se. 10. Intimações necessárias. (BRASIL, STJ,
2018).

Eis decisão com o mesmo teor argumentativo:


ADMINISTRATIVO. CONCURSO. SURDEZ UNILATERAL.
IMPOSSIBILIDADE DE CONCORRÊNCIA COMO PORTADOR DE
NECESSIDADES ESPECIAIS. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM A
JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. I - É de se ressaltar que o acórdão objeto
do recurso ordinário, considerou que a surdez da parte impetrante seria
unilateral, e tal fato não foi impugnado por embargos de declaração, nem
em recurso ordinário. Logo, preclusa a possibilidade de alteração de tal
premissa nesta Corte. II - A Corte Especial deste Tribunal Superior, no
julgamento do MS 18.966/DF, decidiu que a surdez unilateral não
possibilita a seu portador concorrer a vaga de concurso público destinada
a portadores de deficiência (MS 18.966/DF, Rel. Min, CASTRO MEIRA,
Rel. p/ Acórdão Min. HUMBERTO MARTINS, Corte Especial, DJe
20.3.2014). III - Isso porque o Decreto nº 5.296/2004 alterou a redação do
art. 4º, inciso II, do Decreto nº 3.298/1999, que dispõe sobre a Política
Nacional para Integração de Pessoa Portadora de Deficiência, e excluiu
da qualificação "deficiência auditiva" os portadores de surdez unilateral.
Nesse sentido: AgRg no AgRg no AREsp 27458 / DF, 2011/0165677-7,
Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, T1-PRIMEIRA TURMA,
julgado em 07/03/2017, DJe 17/03/2017; AgInt no RMS 50567 / RS,
2016/0092557-7, Relator Ministor Mauro Campbell Marques, T2-
SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 19/12/2016; AgRg no
AREsp 831382 / DF, 2015/0318841-5, Relatora Ministra Ministra Diva
Malerbi (desembargadora convocada TRF 3ª Região, T2-SEGUNDA
TURMA, julgado em 12/04/2016, DJe 19/04/2016. IV - Diante do
mencionado entendimento, esta Corte editou a Súmula 552, in verbis: "O
portador de surdez unilateral não se qualifica como pessoa com
deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos
públicos" V - Agravo interno improvido. (BRASIL, STJ, 2018)

Consequentemente, nota-se que após a vigência da Convenção Internacional


Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e do Estatuto da Pessoa com
Deficiência, não houve evolução no STJ para adequar à sua jurisprudência aos
novos preceitos legais, mantendo-a em todos os seus termos.
Diante do exposto, conclui-se que a jurisprudência do STJ consolidou no
sentindo de que apenas aqueles que cumprem todos os requisitos inseridos no
art.4º, inciso II, do Decreto 3.198/99, com redação dada pelo Decreto 5.296/04,
podem concorrer às vagas destinadas às pessoas com deficiência nos concursos
públicos.
Por fim, passa-se à análise jurisprudencial nos Tribunais Brasileiros.
31

2.2. A divergência jurisprudencial nos Tribunais Brasileiros acerca do Decreto


nº 3.298/99

Em que pese haver entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça


no sentindo de não afastar a incidência do Decreto nº 3.298/99, os Tribunais de
Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho e o Tribunal
Superior do Trabalho divergem quanto à aplicabilidade e legalidade do dispositivo
para regulamentar a deficiência auditiva.
Inicialmente, o Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas – TJ/AL, concedeu
nos autos do processo de nº 0002202-36.2011.8.02.0000 o direito à nomeação ao
cargo público à candidata aprovada no concurso público promovido pela Companhia
de Abastecimento D'Água e Saneamento do Estado de Alagoas – CASAL, nas
vagas reservadas às pessoas com deficiência, diante da presença de perda total na
audição esquerda e perda parcial de 25dB na audição direita, características que
não se adequam aos teor do decreto, posto que o mesmo determina a perda mínima
de 41dB em ambos os ouvidos.
Ao apreciar a demanda e os argumentos das partes processuais, no voto do
Desembargador Relator, Alcides Gusmão da Silva, fora salientado que deve ser
observado, no caso concreto, se se trata de “uma deficiência que gere uma
desigualdade em relação aos seres humanos inseridos numa situação de
normalidade.”, fundamento que está em consonância com a CDPD e com o
Estatuto da Pessoa com Deficiência. Assim, o TJ/AL tem forte precedente no
sentido de que a aplicação do ato normativo deve se efetivar em consonância com
as demais normas vigentes no ordenamento jurídico, inclusive a Lei nº 7.853/89, à
qual o decreto visa regulamentar..
Eis a Ementa do julgado em tratativa:

ACÓRDÃO N º 1-1264 /2011 AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE


INSTRUMENTO. ART. 527, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC.
IMPOSSIBILIDADE DE RECURSO A DECISÃO CONCERNENTE A
EFEITO SUSPENSIVO. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. É patente a
impossibilidade de recorrer de decisão inerente à efeito suspensivo. 2.
Recurso não conhecido. À unanimidade. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
CONCURSO PÚBLICO. CASAL. CARGO DE ASSISTENTE
ADMINISTRATIVO. CANDIDATA CONSIDERADA INAPTA PARA
CONCORRER ÀS VAGAS DESTINADAS A DEFICIENTES. RECURSO
CONHECIDO E PROVIDO. UNANIMIDADE. 1.Da análise percuciente dos
autos, constata-se que a Recorrente possui a perda total da audição
quanto à orelha esquerda e parcial, na proporção de 25dB, no tocante ao
32

ouvido direito, consoante se abstrai dos documentos acostados às fls.


105/106, quais sejam, laudos fornecidos pela Associação dos Deficientes
Físicos de Alagoas - ADEFAL; 2. Urge salientar que a Recorrente faz jus a
seu pedido, uma vez que o inciso II do art. 4º do Decreto nº 3.298/99 (que
regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a
Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência,
consolida as normas de proteção, e dá outras providências), ao
estabelecer que pessoa portadora de deficiência auditiva é aquela na qual
se percebe perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB)
ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ,
2.000Hz e 3.000Hz, não pode ser interpretado de maneira dissociada do
previsto no inciso I do art. 3º daquele mesmo diploma normativo, o qual
predica que se considera deficiência toda perda ou anormalidade de uma
estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere
incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão
considerado normal para o ser humano. 3. Nessa perspectiva, a melhor
exegese é a de que não se exige que a perda da audição seja superior a
quarenta e um decibéis (dB) nos dois ouvidos, especialmente quando em
um deles está a se falar de surdez absoluta, sendo cobrado, apenas, que
se depreenda do caso concreto uma deficiência que gere uma
desigualdade em relação ao seres humanos inseridos numa situação de
normalidade; [...] (TJ/AL, 2011)

O caso deste processo é um excelente espelho para enxergar na prática a


divergência existente nos tribunais brasileiros. Isto porque a Requerente que alega
a deficiência e teve o direito à nomeação concedido pelo TJ/AL, ingressou com
ação similar perante o Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF 5ª (Processo
nº 0801147-15.2017.4.05.8000) diante da aprovação no concurso público
promovido pela Universidade Federal de Alagoas, no qual, igualmente fora negado
o seu direito à nomeação no cargo por parte da comissão do certamente, diante da
alegação de violação aos requisitos do Decreto nº 3.298/99.(TRF 5ª, 2017)
Ao analisar e julgar a demanda, o TRF – 5ª negou provimento ao Mandado
de Segurança com o argumento de que a perda auditiva total em uma audição e de
25dB na outra não é suficiente para garantir o acesso ao cargo público por meio da
reserva de vagas, posto ser necessário a perda auditiva bilateral mínima de
41dB.(TRF 5ª, 2017).
A discrepância de tratamento quanto ao enquadramento da Requerente
como pessoa com deficiência no Tribunal de Justiça de Alagoas e no Tribunal
Regional Federal traz à baila as dificuldades enfrentadas pelos deficientes no
reconhecimento dos seus direitos na justiça brasileira, bem como a incerteza
jurídica que a demanda judicial promove para aqueles que estão pleiteando
judicialmente à nomeação em cargo público.
É imperioso destacar que o entendimento do TJ/AL não é singular entre os
Tribunais, posto que o Tribunal Superior do Trabalho – TST, igualmente, defende
33

que a alteração inserida no Decreto nº 5.296/2004 deve ser interpretada de acordo


com os fins sociais a que se dirige a norma, de forma a compatibilizar o dispositivo
em liça com todo o ordenamento jurídico e “viabilizar a implementação de políticas
públicas de ações afirmativas”. (BRASIL, TST, 2017)
É o que se depreende do julgado recente abaixo transcrito:

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. TÉCNICO


JUDICIÁRIO, ÁREA ADMINISTRATIVA. DEFICIÊNCIA AUDITIVA
UNILATERAL TOTAL. DIREITO DE CONCORRER À RESERVA DE
VAGA DESTINADA ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. É incontroverso
que a impetrante é acometida de surdez unilateral total e que esta se
caracteriza como deficiência em seu sentido amplo, uma vez que acarreta
incapacidade para o desempenho de atividades, considerando-se o
padrão normal para o ser humano, consoante preconizam o art. 3º, inciso
I, do Decreto nº 3.298/99 e o art. 1º da Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporado ao nosso ordenamento
jurídico pelo Decreto nº 6.949/2009 com status de emenda constitucional,
na esteira do artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal. Nesse sentido, o
artigo 4º, inciso II, do Decreto nº 3.298/99, com a redação conferida pelo
Decreto nº 5.296/2004, ao definir como hipótese de deficiência auditiva a
"perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais" ,
deve ser interpretado de acordo com os fins sociais a que se dirige a
norma e com as exigências do bem comum, segundo regra de
hermenêutica prevista no artigo 5º da LINDB, de forma a compatibilizá-la
com todo o ordenamento jurídico e a viabilizar a implementação das
políticas públicas de ações afirmativas, com a eliminação das distorções
acarretadas pela desvantagem física. Assim, a pessoa com surdez
unilateral, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, deve ser considerada
deficiente auditiva para o fim de reserva de vagas nos concursos públicos,
com vistas a lhe possibilitar a participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas (precedentes deste
Órgão Especial no mesmo sentido). Recurso ordinário conhecido e provido
para conceder a segurança.(BRASIL, TST, 2017).

No mesmo sentido, decisões similares foram proferidas nos seguintes


processos julgados no TST: TST-AIRR-293-05.2014.5.19.0008; TST - RO:
1396420185120000; TST - RO: 3276920175200000; dentre outros.
Embora os argumentos formulados contrários à aplicação literal do Decreto nº
3.298/99 possuam forte cunho jurídico plausível de reformular o atual cenário
jurisprudencial, principalmente ao considerar que a busca pela inclusão das pessoas
com deficiência no mercado de trabalho é um dos temas mais discutidos no âmbito
dos direitos humanos, fato este que está repaginando o tratamento jurídico brasileiro
destinados aos deficientes, ainda há forte resistência por parte dos tribunais em
reformular sua atual jurisprudência.
Desta forma, em contrapartida aos entendimentos que prezam pela
interpretação conjunta de todo o ordenamento jurídico que regulamenta a matéria, a
34

linha argumentativa dos Tribunais que aplicam à integralidade do dispositivo,


inserem que “muitas vezes a anacusia unilateral não é sequer notada, nem traz
dificuldade de integração para quem a porta” (BRASIL, TJ-PE, 2014), sem
qualquer análise técnica do caso concreto para chegar à conclusão; bem como que
“não é dado ao Judiciário invadir critérios e normas que expressa e previamente
definem, para efeito de reserva de vaga em concurso” (BRASIL, TRF-2, 2012).
Diante da constante alteração de entendimento nos Tribunais brasileiros
surgiram dois problemas a serem enfrentados pelos deficientes auditivos na justiça
a) a ausência de segurança jurídica, tendo em vista que muitos são nomeados em
caráter precário ao cargo público, com o risco de a qualquer momento ter o direito
revisto pela Justiça com a consequente perda do cargo; b) a paridade de
tratamento, considerando que parte dos candidatos que não se enquadram nos
requisitos do Decreto consegue o direito à nomeação, enquanto que outra parte
tem o direito negado, ou seja, o candidato fica à mercê da interpretação efetuada
pelo Tribunal competente.
. Quanto à violação à segurança jurídica, fora apreciado caso interessante
pelo Tribunal de Contas da União – TCU, nos autos do processo 015.897/2010-9, o
qual tratava de revisão de ofício da admissão de servidor público em vaga reservada
à pessoa com deficiência, sem o cumprimento dos requisitos legais elencados no 4º,
inciso II, do Decreto nº3.298/99. (BRASIL, TCU, 2017)
No julgamento realizado na data de 06/09/2017 fora proferida decisão no
sentido de que, apesar da interpretação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, a
questão ainda não se encontra consolidada nos tribunais, havendo uma busca por
pronunciamento que considere a inserção das pessoas com deficiência no mercado
de trabalho, conforme as convenções internacionais incorporadas ao direito
brasileiro.(BRASIL, TCU, 2017).
Por fim, para solucionar a controvérsia dos autos, o TCU argumentou que
deve ser levado em consideração o fato de o servidor se encontrar prestando
serviço ao órgão judiciário por tempo superior há 05 (cinco) anos, o que remeta à
incidência dos princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança,
escolhendo por manter a legalidade do ato de admissão do servidor público. .
(BRASIL, TCU, 2017).
35

Assim, conclui-se que os tribunais enfrentam hoje a dificuldade de ponderar e


encontrar uma solução para a colisão entre as normas e princípios que
regulamentam à matéria, de forma a reformular a atual jurisprudência e garantir o
cumprimento dos direitos das pessoas com deficiência auditiva, pondo fim à
insegurança jurídica.

2.3. Do Projeto de Lei nº 23/2016 que visa regulamentar o conceito de


deficiência auditiva

No mesmo sentido, com o intuito de intervir e regulamentar o conceito de


deficiente auditivo aos novos pilares principiológicos e normativos, fora
apresentado pelo Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP), o Projeto de
Lei nº 1361/2015, cujo objetivo é promover a adequação do conceito atual de
deficiência auditiva para os novos parâmetros legislativos.
Na justificação apresentada pelo Deputado na apresentação do projeto de
lei, insere-se a necessidade de compreensão da deficiência auditiva como uma
barreira na regular inserção do indivíduo no mercado de trabalho, bem como pelo
fato de haver precedentes no Poder Judiciário que acolhem a ideia defendida.
A louvável proposta legislativa fora aprovada pela Câmara dos Deputados e,
igualmente, na data de 08/08/2018 o texto foi aprovado pelo plenário do Senado
Federal, com a inclusão de 02 (duas) emendas feitas pela Comissão de Direitos
Humanos e Legislação Participativa, dentre as alterações, destaca-se o dispositivo
que determina que a Lei apenas tenha vigência até que se efetivem os
mecanismos de avaliação de deficiência previstos no Estatuto da Pessoa com
Deficiência.
Diante da aprovação do texto com alterações pelo Senado Federal, a
matéria voltou à análise da Câmara dos Deputados e, caso aprovado o projeto de
lei nos termos inseridos pelo Senado, a deficiência auditiva passará a ser
conceituada como “limitação de longo prazo da audição, unilateral ou bilateral,
parcial ou total, a qual, em interação com uma ou mais barreiras impostas pelo meio,
obstrui a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade, em igualdade de
condições com as demais pessoas.”.
36

Assim, caso o texto venha a ser aprovado em todos os seus termos, haverá
grande evolução na tratativa das pessoas com deficiência no ordenamento jurídico
brasileiro, de sorte a garantir a melhor interpretação da matéria e ao acesso amplo
às políticas públicas.
37

3. DOS MECANISMOS JURÍDICOS VÁLIDOS PARA EFETIVAR A APLICAÇÃO


DA CDPD E DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA EM FACE DO
DECRETO Nº 3.298/99

Neste capítulo serão analisados os institutos jurídicos cabíveis para garantir a


aplicação da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com
deficiência e do Estatuto da Pessoa com Deficiência aos julgamentos judiciais
referentes a discussão da legalidade do conceito de deficiente auditivo do Decreto nº
3.298/99.
Conforme elucidado ao longo da pesquisa o STJ mantém seu entendimento
em declarar válidos os critérios estabelecidos para caracterizar os deficientes
auditivos mesmo diante da alteração e evolução das normas regulamentadoras da
matéria.
É cediço que a estabilização dos precedentes e da jurisprudência é primordial
na garantia da segurança jurídica na Justiça, de modo que a alteração de
entendimento apenas deve ocorrer em casos excepcionais, quando devidamente
fundamentado pelo aplicador do direito.
Assim, será demonstrado de forma argumentativa como o STJ pode
reformular seu entendimento sem invadir o seio da segurança jurídica, da certeza do
direito e da legalidade.

3.1 – Da impossibilidade de análise da constitucionalidade do Decreto nº


3.298/99 via ação direta de inconstitucionalidade

A priori, é importante esclarecer algumas considerações a respeito da


impossibilidade da análise da inconstitucionalidade do ato normativo via controle
concentrado de constitucionalidade.
Cunha Jr apud Jorge Miranda (2013), argumenta que os conceitos de
inconstitucionalidade e constitucionalidade expressam uma relação de
“conformidade ou desconformidade” com a “Constituição e o comportamento
estatal”, ou seja, a desconformidade deve se dar em relação a uma norma “certa e
determinada”, a qual deve “necessariamente” conter uma afronta direta e certa à
Constituição.
38

Neste passo, o controle de constitucionalidade dar-se-á de duas formas: ou


controle concentrado de constitucionalidade ou por meio do controle difuso.
Pertinente a primeira modalidade, a análise é feita por meio de ações constitucionais
constituídas diretamente para esse fim, isto é, a inconstitucionalidade do ato
normativo é o próprio pedido da demanda.
Além disso, as ações são processadas e julgadas diretamente pelo tribunal
competente, sendo competência do Supremo Tribunal Federal quando houver
violação direta à Constituição Federal de lei ou ato normativo federal ou estadual,
ou, competência dos tribunais de justiça no caso de violação de lei estadual ou
municipal em face da própria constituição estadual. (BRASIL,1988).
No tocante ao controle difuso, a sua base constitucional se encontra
disciplinada no art. 102, III, da Carta Magna, a qual autoriza a análise da
constitucionalidade de lei ou ato normativo por meio de recurso extraordinário, neste
caso, operar-se-á no seio de qualquer demanda judicial e em qualquer grau de
jurisdição, sendo a alegação de inconstitucionalidade mera causa de pedir da
demanda e não o seu pedido principal. (BRASIL,1988).
Quanto aos atos normativos, mais especificamente aos decretos, os mesmos
são divididos em decretos autônomos ou regulamentares. Em que pese a enorme
discussão jurídica e doutrinária a respeito da constitucionalidade do decreto
autônomo, inserido na CF/88 por meio da EC nº 32/2001, este destina-se, em regra,
a suprir lacunas existentes na legislação. D'outro lado, os decretos regulamentares
visam a “complementação e detalhamento das leis”, ou seja, sua execução.
(CARVALHO FILHO, 2017).
Essa breve explanação é importante para justificar a impossibilidade de
submeter o Decreto nº 3.298/99 ao controle concreto de constitucionalidade. Isto
porque, tratando-se de decreto regulamentar, como é o caso do ato normativo em
liça, que visa regulamentar a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, o STF decidiu
que não é cabível o controle de constitucionalidade via ADIN de decretos
regulamentares, mas sim o controle de legalidade com base na lei que visa
regulamentar.
Este é o entendimento que se extrai do informativo nº 662 do STF, do
julgamento da ADI 3239, no qual a Corte Suprema ponderou que:
39

[...] O Min. Cezar Peluso, Presidente e relator, preliminarmente, conheceu


da demanda. Rememorou jurisprudência da Corte, segundo a qual a
aferição de constitucionalidade dos decretos, na via da ação direta, só seria
vedada quando estes se adstringissem ao papel secundário de
regulamentar normas legais, cuja inobservância ensejasse apenas conflito
resolúvel no campo da legalidade. Ocorre que o caso cuidaria de decreto
autônomo, de maneira que o ato normativo credenciar-se-ia ao controle
concentrado de constitucionalidade. (BRASIL, STF, 2015)

Sendo assim, diante da impossibilidade de submissão do Decreto nº 3.298/99


ao controle de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, será estudada
adiante a competência do STJ para proferir ao exame da legalidade do ato
normativo, com o fim de determinar sua inaplicabilidade ao caso concreto.

3.2. Do controle da legalidade do Decreto nº 3.298/99 pelo Superior Tribunal de


Justiça

Inicialmente, cumpre estabelecer o regramento jurídico que autoriza o


Superior Tribunal de Justiça a adentrar no mérito da legalidade dos atos normativos
e afastar a aplicabilidade daqueles que infringem norma jurídica de natureza
infraconstitucional, no caso do presente estudo, o Estatuto da Pessoa com
Deficiência.
A priori, o decreto regulamentar, objeto do presente estudo, fora emanado
pelo Chefe do Poder Executivo à época, tratando-se, assim, do exercício do Poder
Regulamentar conferido ao agente político competente, nos termos do art. 84,
incisos IV e VI, da CF/88. (BRASIL, 1988).
Assim, os decretos emitidos pelos agentes políticos no exercício da função
pública têm natureza jurídica de ato administrativo, os quais contem “regras gerais e
abstratas que se dirigem a todas as pessoas que se encontram na mesma situação”.
(DI PIETRO, 2014, p.244-245).
Tratando-se de ato administrativo, é plenamente possível o controle de
legalidade por parte dos tribunais brasileiros. Este é, inclusive, o seio do
ordenamento pátrio, que adotou o sistema de jurisdição una, sendo este
caracterizado pelo monopólio da jurisdição pelo Poder Judiciário. (DI PIETRO,
2014).
Di Pietro (2014, p. 827) expressa que:
40

o controle judicial constitui, juntamente com o princípio da legalidade, um


dos fundamentos em que repousa o Estado de Direito. De nada adiantaria
sujeitar-se a Administração Pública à lei se seus atos não pudessem ser
controlados por um órgão dotado de garantias de imparcialidade que
permitam apreciar e invalidar os atos ilícitos por ela praticados.

A par disso, o controle jurisdicional dos atos administrativos não é ilimitado,


podendo ser exercido sob os aspectos da legalidade e da moralidade do ato
administrativo, com fundamento nos artigos 05º, inciso LXXIII e 37, ambos da CF/88,
sendo vedada a apreciação do denominado mérito administrativo. (CARVALHO
FILHO, 2017).
Neste sentido, expõe Carvalho Filho (2017, p.1.087):

O controle judicial sobre os atos da Administração é exclusivamente de


legalidade. Significa dizer que o Judiciário tem o poder de confrontar
qualquer ato administrativo com a lei ou com a Constituição e verificar se há
ou não compatibilidade normativa. Se o ato for contrário à lei ou à
Constituição, o Judiciário declarará a sua invalidação de modo a não
permitir que continue produzindo efeitos ilícitos.

Isto posto, é competência do Poder Judiciário analisar os atos administrativos


pertinente à sua legalidade e moralidade, declarando a ilegalidade daqueles que não
estão em consistência com a ordem jurídica vigente. Desta forma, em que pese o
Judiciário fundamente à aplicabilidade integral do Decreto nº 3.298/99 no princípio
da legalidade, o mesmo princípio autoriza-o a afastar seus mandamentos.
Sendo assim, considerando tudo o que fora exposto, será aprofundado no
tópico subsequente a estrutura hierárquica das normas no ordenamento brasileiro e
a relação do Decreto nº 3.298/99 com a CDPD e com o Estatuto da Pessoa com
Deficiência, no que concerne aos aspectos de validade e eficácia.

3.2.1 A revogação tácita do Decreto nº 3.298/99 diante da hierarquia


constitucional da CDPD e do Estatuto da Pessoa com Deficiência

Neste subtópico será analisado a estrutura da ordem jurídica no ordenamento


jurídico pátrio, a fim de determinar a hierarquia e prevalência das normas que
regulamentam a deficiência no Brasil, tendo em vista a existência de
incompatibilidade material entre os atos normativos.
Do mesmo modo, tratar-se-á das espécies de revogação, expressa ou tácita,
nos casos em que norma posterior e de hierarquia superior regulamenta a matéria
41

de modo diverso da normatividade anterior, de sorte a fundamentar a


inaplicabilidade dos conceitos de deficiente auditivo do Decreto nº 3.298/99.

3.2.2. Da estrutura hierárquica da ordem jurídica

O sistema jurídico brasileiro, inspirado na “pirâmide de Kelsen”, adotou a


ideia de hierarquia das normas, através da qual as normas inferiores devem,
obrigatoriamente, encontrar-se em sintonia com as normas superiores, sendo estas
às derivadas do Poder Constituinte Originário e que não podem ser objeto de
declaração de inconstitucionalidade.
Dessarte, ao dialogar acerca da “estrutura escalonada” das normas jurídicas,
ensinou Kelsen (1999):

[...] A relação entre a norma que regula a produção de uma outra e a norma
assim regularmente produzida pode ser figurada pela imagem espacial da
supra-infra-ordenação. A norma que regula a produção é a norma superior,
a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior. A
ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo
plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção
escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. [...] Se
começarmos levando em conta apenas a ordem jurídica estadual, a
Constituição representa o escalão de Direito positivo mais elevado. A
Constituição é aqui entendida num sentido material, quer dizer: com esta
palavra significa-se a norma positiva ou as normas positivas através das
quais é regulada a produção das normas jurídicas gerais [...].

No direito brasileiro, a “estrutura escalonada” pode ser caracterizada da


seguinte maneira: Constituição; Emendas à Constituição e Tratados Internacionais
sobre Direitos Humanos com natureza de EC; Tratados Internacionais sobre Direitos
Humanos; Leis Complementares; Leis Ordinárias; Medidas Provisórias; Decretos;
outras normas.
Moraes (2018) discorreu acerca da relação entre o Estado de Direito e a
Democracia, nos seguintes termos:

Importante salientar que a premissa básica que justifica a legitimidade da


justiça constitucional parta da ideia de completariedade entre Democracia e
Estado de Direito, pois enquanto a Democracia consubstancia-se no
governo da maioria, baseado na soberania popular, o Estado de Direito
consagra a supremacia das normas constitucionais, o respeito aos direitos
fundamentais e o controle jurisdicional do Poder Estatal, não só para a
proteção da maioria, mas também, e basicamente, dos direitos da minoria.

Conforme exaustivamente elucidado neste trabalho, a Emenda Constitucional


nº 45/2004, incorporou à CF/88 a possibilidade de os tratados ou convenções
42

internacionais sobre direitos humanos serem aprovados com natureza de emenda à


constituição, desde que aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos membros, situando-se, assim, em posição
superior na pirâmide de Kelsen.
Por conseguinte, há de se destacar que a CDPD, quando fora promulgada no
ordenamento jurídico brasileiro, ingressou com natureza jurídica de Emenda à
Constituição, tendo em vista que sua aprovação obedeceu ao rito da EC nº 45/2004,
da Carta Magna. No mesmo sentido, o Estatuto da Pessoa com Deficiência é uma
Lei Complementar de abrangência nacional, ou seja, deve ser aplicada em todos os
estados da federação.
Ramos (2018) debatendo acerca da estrutura hierárquica dos tratados
internacionais de direitos humanos na visão do STF concluiu que fora adotada no
Brasil a teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos humanos, de modo que a
Corte Suprema, no julgamento da constitucionalidade da prisão civil do depositário
infiel, proferiu entendimento no sentido de que os tratados internacionais subscritos
pelo Brasil tem natureza normativa supralegal, assim, tornando inaplicável a
legislação infraconstitucional com ele conflitante.
Neste sentido, acerca da teoria do duplo estatuto, dispõe o autor supracitado:

Ficou consagrada a teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos


humanos: natureza constitucional, para os aprovados pelo rito do art. 5º, §
3º; natureza supralegal, para todos os demais, quer sejam anteriores ou
posteriores à Emenda Constitucional n. 45 e que tenham sido aprovados
pelo rito comum (maioria simples, turno único em cada Casa do Congresso).
(RAMOS, 2018).

Ao examinar a estrutura hierárquica do Decreto Regulamentar nº 3.298/99 em


relação à CDPD e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, conclui-se que,
diferentemente ao que vem decidindo os tribunais brasileiros, inclusive o STJ, deve
haver prevalência na aplicabilidade das normas superiores em face do decreto em
tratativa, o que não vem sendo executado nos julgamentos dos processos que
abordam a matéria, em total desacordo com o sistema brasileiro de hierarquia das
normas constitucionais.
A existência de hierarquia entre as normas tem ligação direta com o plano de
validade e eficácia dos atos normativos. Isto porque, os atos normativos inferiores
devem obedecer às regras gerais das normas superiores. Nos casos em que há
incompatibilidade entre normas de hierarquias diversas, deve-se atentar para a
43

revogação do ato de normatividade inferior, conforme será demonstrado


posteriormente.

3.2.3. Das espécies de revogação no ordenamento jurídico brasileiro

O instituto da revogação encontra-se resguardado no art. 2º, §§§ 1, 2 e 3, do


Decreto – Lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro –
LINDB), dispondo que a lei terá vigor até que outra a revogue ou a modifique.
Acerca da revogação, insere: “§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando
expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule
inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior” e “§ 2o A lei nova, que
estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem
modifica a lei anterior.”. (BRASIL, 1942).
Nestes termos, a LINDB elenca três formas de revogar um ato normativo: a)
quando expressamente declarada à revogação; b) quando há incompatibilidade
entre as normas; e c) quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei
anterior. (BRASIL, 1942).
Posteriormente, fora editada a Lei Complementar nº 95/98, que “dispõe sobre
a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina
o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a
consolidação dos atos normativos que menciona” (BRASIL, 1998), e determina em
seu art. 13, § 2º, inciso XI, a obrigatoriedade de cláusula expressa de revogação. A
partir deste momento cresceu a discussão doutrinária acerca da existência ou não
da revogação tácita.
Sanches (2012, apud Moussallem, 2007) traduz as várias moldagens que o
termo revogação enseja no mundo jurídico, da seguinte maneira:

(1)ato; (2) efeito de tal ato e suas variantes; (2a) expulsão da norma do
sistema (perda da validade); (2b) perda da vigência; (2c) perda da eficácia;
(2d) perda da possibilidade de ser aplicada; (3) fato jurídico da repristinação
(também como efeito do ato de revogação); (4) ab-rogação; (5) derrogação;
(6) anulação; (7) conflito de normas; (8) nulidade; (9) negação; (10)
dessuetude; (11) ato jurídico unilateral (revogação de mandato); (12) ato
administrativo discricionário (no direito administrativo); (13) expressão
descritiva como “a norma A foi revogada pela norma B

Há autores que defendem a inexistência do instituto da revogação tácita,


tendo em vista que a Lei Complementar n. 95/98 determinou a obrigatoriedade de
44

haver cláusula expressa de revogação, em contrário ao que preceitua a LINDB.


Nesta linha argumentativa, defende Sanches (2014), que a revogação tácita, por ter
que ser demonstrada com argumentos sólidos, não haveria o que se falar em
revogação e sim em “atividade interpretativa destinada à solução de antinomia”. Ou
seja, não haveria no caso concreto uma revogação literal, mas sim uma
interpretação do ordenamento jurídico.
D’outro lado, Sanches (2014 apud Gonçalves, 2012), denota que a revogação
tácita ocorre quando a lei nova “mostra-se incompatível com a lei antiga ou regula
inteiramente a matéria”. Nestes termos, haveria a revogação de um ato normativo
quando comprovado a incompatibilidade entre as normas, de forma que se torne
inviável ou desproporcional a aplicação de ambas no mundo jurídico.
Apesar da discussão doutrinária o instituto da revogação tácita é reconhecido
pelos tribunais brasileiros, conforme depreende-se dos seguintes julgados: REsp
1498200 PR 2014/0303334-2; AC 70077095677 RS/2018; REsp 1495749 SP
2014/0294241-9.
Diante do que fora exposto, há no presente caso, notoriamente, a revogação
tácita do art. 4º, do Decreto nº 3.298/99, em virtude da incompatibilidade com os
preceitos introduzidos posteriormente com a edição da CDPD e do Estatuto da
Pessoa com Deficiência, principalmente no tocante a inclusão da análise das
barreiras ambientais e sociais enfrentadas pelos deficientes na averiguação da
limitação, com a determinação do estudo biopsicossocial, excluindo, integralmente, a
aferição da deficiência com base apenas em termos clínicos, como é o caso do
Decreto nº 3.298/99.
Assim, conforme será analisado posteriormente, há a necessidade de novo
posicionamento acerca da matéria por parte do STJ, que inclua na fundamentação a
aplicação dos novos atos normativos.

3.3. Necessidade de mudança do entendimendo consolidado no Superior


Tribunal de Justiça

Considerando o que fora exposto no tópico anterior, é notório que as decisões


dos tribunais, incluindo do STJ, que optam por manter o entendimento defasado de
que a audiencia auditiva opera-se com o preenchimentos dos requisitos impostos
45

pelo Decreto nº 3.298/99, com fundamento na necessidade de obediência à


jurisprudência consolidada, na segurança jurídica e na separação dos poderes,
ignoram o fato de que, apesar do sistema jurídico buscar a consolidação dos seus
entendimentos, é possivel, desde que fundamentado, a alteração de precedente, a
fim de adequar as decisões judiciais às novas conjunturas jurídicas.
Assim, será demonstrado adiante como se dá, na prática, a funcionalidade do
sistema de precedentes no direito brasileiro, à sua relação com a segurança jurídica
e, por fim, os meios existentes para possibilitar ao STJ a reformulação do
entendimento majoritário da Corte, no tocante à pessoa com deficiência auditiva.
Desta forma, o objeto central da análise será a correta aplicação da técnica
de superação de precedentes, denominada de overruling, em face dos argumentos
aduzidos pelo STJ e tribunais inferiores, que não mais estão de acordo com a ordem
normativa atual.

3.3.1. Dos precedentes como fonte de garantir a segurança jurídica

Conforme vastamente salientado, um dos fundamentos utilizados pelos


tribunais para manter a aplicabilidade integral do Decreto nº 3.298/99 é a
obrigatoriedade da observância do entendimento consolidado no Superior Tribunal
de Justiça.
É notório que a obediência aos precedentes pelos juízes e tribunais é medida
que cada vez mais ganha força no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente
após as alterações efetivada pelo Código de Processo Civil de 2015 no tocante ao
respeito pelos julgadores aos precedentes, súmulas e jurisprudências.
Dentre outras, pode-se destacar os seguintes dispositivos: art. 489, incisos V
e VI, que não considera fundamentada a decisão judicial que “se limitar a invocar
precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos
determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles
fundamentos” e “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso
em julgamento ou a superação do entendimento”; art. 926, o qual determina que “ os
tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e
coerente”; Por fim, o art. 927 dispõe acerca dos entendimentos vinculantes e de
observação obrigatória pelos juízes e tribunais (BRASIL, 2015).
46

Eis o inteiro teor do art. 927, do Código de Processo Civil, supracitado:


Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução
de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e
especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria
constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem
vinculados (BRASIL, 2015)

Assim, nota-se o amadurecimento no tratamento dos precedentes no direito


brasileiro, assemelhando-se aos praticado na família do common law, no qual
encontra a base do direito nos precedentes judiciais. (NOGUEIRA, 2016).
Nogueira (2016) fundamenta em sua obra as vantagens e desvantagens dos
precedentes como fonte do direito, agrupando na seguinte maneira: a) vantagens:
segurança jurídica, igualdade, previsibilidade, corrupção e rapidez; b) desvantagens:
engessamento do direito, independência do juiz, legitimidade democrática do
Judiciário, injustiça do precedente, precedente formado por corrupção.
É certo que a busca pela segurança jurídica é o principal fundamento para o
amadurecimento dos precedentes nos países que tem por base o sistema do civil
law, como é o caso do Brasil. Portanto, o que se vê, atualmente, é uma maior
aproximação entre o cammon law e o civil law, tendo em vista que a lei, em regra,
não traz as respostas para todos os casos enfrentados pela Justiça. (NOGUEIRA,
2016).
No âmbito nacional é evidente pelos aplicadores o direito o desrespeito à
segurança jurídica nos nossos tribunais, incluindo, nessa análise, o Superior
Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. O que se vê, na verdade, é que
as Cortes não respeitam seus próprios precedentes, bem como a divergência
evidente entre as próprias Turmas julgadoras ao apreciar matérias iguais.
Tem-se como exemplo as inúmeras decisões divergentes no tocante à
aplicabilidade dos índices de correção monetária; ao direito subjetivo à nomeação
em cargos públicos; constrição de bens da empresa que se encontra em
recuperação judicial em sede de execução fiscal; dentre outros que incumbe ao
operador do direito a difícil missão de lidar com a insegurança jurídica propagada
por quem deveria proporcionar maior segurança aos interessados.
47

Assim, o sistema de precedentes no Brasil ainda se encontra em construção,


o qual ainda deve enfrentar inúmeras problemáticas até alcançar um status de maior
confiabilidade, como a necessidade de analisar as circunstâncias fáticas ao invocar
um precedente, a ausência de fundamentação das decisões judiciais, dentre outros.
(PEIXOTO, 2015).
Segundo Peixoto (2015, p.150) essa situação pode ser explicada em razão
das diferenças existentes no tratamento do precedente nos sistemas do common e
civil law, trazendo à baila a seguinte concepção:

Enquanto no common law há uma cuidadosa análise das circunstâncias


fáticas do precedente invocado e do caso concreto em discussão, no civil
law, a tendência é que o jurista busque apenas os conclusões do julgado, a
regra geral, ignorando as particularidades fáticas, Isso sem fazer menção à
falta de cuidado na formação dos precedentes, em que a argumentação das
Cortes e sua posterior aplicação costumeiramente tende a ignorar os
argumentos das partes.

Assim, em que pese a busca por um sistema de precedentes consolidado no


direito brasileiro, com o fim de manter a estabilidade das decisões judiciais, há a
necessidade de maior cautela dos tribunais na formação de um precedente, caso
contrário, há o risco de trazer maior insegurança jurídica em vez de segurança
jurídica.
D’outro lado, a buscar incessante por segurança jurídica não pode impedir a
evolução do direito, de forma a manter as decisões judiciais desgastadas e,
consequentemente, causar o engessamento do direito, impossibilitando a
aplicabilidade dos novos argumentos fáticos e jurídicos na solução do caso concreto.
Portanto, no estudo do presente trabalho, nota-se que o entendimento
consolidado no STJ e repetido nos demais Tribunais inferiores no que se refere à
conceituação de deficiente auditivo carece de reformulação do entendimento com o
propósito de garantir às pessoas com deficiência a maior efetivação dos seus
direitos.
Assim, será objeto de análise no tópico posterior como o Superior Tribunal de
Justiça pode reformular o seu entendimento, afastando o precedente consolidado e,
mesmo assim, manter à segurança jurídica que demanda à atividade jurisdicional.
48

3.3.2. Da possibilidade de reformar um entendimento consolidado no sistema


jurídico brasileiro

Conforme salientado, apesar do sistema de precedentes ter sido inserido no


ordenamento jurídico brasileiro com o intuito de trazer maior segurança jurídica e
previsibilidade nas decisões judiciais, é possível que, desde que fundamentado e
argumentado, o tribunal possa reformular o entendimento anteriormente consolidado
para adequá-lo à nova realidade.
Os doutrinadores vêm estudando a aplicabilidade dos institutos de utilização
dos precedentes judiciais desenvolvidos nos países que adotam o sistema do
common law ao sistema brasileiro. Trata-se, enfim, do overruling e do distinguishing.
Segundo Peixoto (2016, p.197), o overruling é a principal técnica de utilização
dos precedentes, sendo um instituto utilizado com o fim de superar um
“entendimento anterior sobre o mesmo objeto agora em julgamento; técnica que é
essencial para qualquer sistema de precedentes, permitindo que o sistema possa
evoluir”.
Nas palavras de Abboud (2015):

A vinculação por precedente é flexível, principalmente nos Estados Unidos,


onde é permitido ao juiz aplicar a overruling constitutional decisions, que lhe
possibilita reconhecer as especificidades e as necessidades de atualização
da atividade interpretativa em razão das mudanças sociais na aplicação dos
precedentes. Catanheira Neves ensina que a vinculação advinda dos
precedentes não é fixa e definitiva, permitindo equilíbrio entre a estabilidade
e a continuidade jurídica de um lado e a abertura e a liberdade
jurisdicionais, por outro lado, mediante a utilização do distinguishing e do
overruling

Vale e Máximo (2018) inserem que a vinculação do precedente não deve ser
“justificativa para engessar o direito e chancelar decisões descompassadas com a
realidade esquadrinhada em um novo contexto fático”, portanto, diante da
necessidade de “contínua interpretação do direito” os autores defendem a
“possibilidade de realização do overruling ou superação total do precedente judicial,
que exige, em face da proteção do histórico institucional decisório do Tribunal,
razões sérias e fortes para a sua ocorrência.
Peixoto (2016, p.200-201) denota que, em regra, deverar-se-á buscar a
manutenção do entendimento, sendo a superação a “última opção a ser feita pela
Corte”, tendo em vista que a reformulação de um entendimento tende a causar forte
“instabilidade no ordenamento jurídico”.
49

Ataíde Junior (2012, p.95) pondera que “os requisitos básicos para a
revogação de um precedente são a perda da congruência social e o surgimento de
inconsistência sistêmica”.
Segundo Peixoto (2016, p.203):

O precedente não teria mais congruência social a partir do momento em


que há uma incompatibilidade entre esse entendimento e a própria
mudança fática da sociedade. A congruência sistémica seria a relação entre
determinado entendimento e o ordenamento jurídico como um todo. Deverá
demonstrar o julgador que a concepção atual do direito não é mais capaz de
sustentar o precedente a ser superado. [...].”.

O dever de argumentação para a revogação de um precedente está


expressamente inserido no art. 927, §4º, do Código de Processo Civil de 2015, ao
dispor que a modificação de precedente “observará a necessidade de
fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança
jurídica, da proteção da confiança e da isonomia” (BRASIL, 2015).
Desta forma, a superação de um precedente predispõe a existência de farta
argumentação, de sorte a justificar a sobreposição do novo entendimento em face
do anteriormente aplicado, não devendo ser aplicada a técnica aos casos em que os
juizes e tribunais apenas discordam do entendimento majóritário, sem que haja
verdadeira roptura dos fundamentos da ratio decidendi consolidada.

3.3.3. Aplicação do overruling ao entendimento consolidado no STJ sobre o


conceito de deficiente auditivo

Diante do que fora vastamente exposto, denota-se que ratio decidendi do STJ
e dos tribunais inferiores para manter efetivo o conceito de deficiente auditivo do
Decreto nº 3.298/99 não contém mais congruência social e sistêmica que
fundamente à sua vigência.
Isto porque a base da ratio decidendi dos acórdãos do STJ é a necessidade
observência à jurisprudência consolidada, sem adentrar no mérito dos novos atos
normativos que regulamentam a matéria, conforme os seguintes julgados: Agravo
Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 484.787 – ES; Agravo Interno em
Recurso Especial nº 1.475.401 – SE; Recurso Especial nº 1.525.686 – CE.
Ao observar os julgados da Corte é perceptível a ausência de fundamentação
analítica nas suas decisões, não apreciando os novos argumentos deduzidos pelas
50

partes, sequer há argumentação para a negativa de aplicabilidade da CDPD e do


Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Corte simplesmente não adentra no mértido
dessas questões, o que acaba por tornar inviável a rediscussão da matéria no
âmbito do STJ.
A fundamentação analítica é um dever dos juízes e tribunais e um direito do
jurisdicionado, tendo em vista que o art. 93, inciso IX, da Carta Magna, dispõe que
todos os julgados do Poder Judiciário serão públicos e fundamentados, sob pena de
nulidade.(BRASIL, 1988).
O Código de Processo Civil de 2015 objetivando consolidar o texto
constitucional, em seu art. 489, § 1º, trouxe um rol de situações em que a sua
inobservância torna não fundamentada a decisão judicial, a saber:

Art. 489
[...]
§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem
explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo
concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo
capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem
identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o
caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente
invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do entendimento. (grifo nosso)

A atual conjutura nos julgamentos do STJ incide nas hipóteses inseridas nos
incisos IV e V, retro, ausentando-se de enfrentar os argumentos inseridos pelas
partes e limitando-se a invocar precedente sem identificar seus fundamentos
determinantes, contrariando o contraditório substancial e dificultando o exercício da
ampla defesa pelas partes processuais.(BRASIL, 2015).
É difícil, senão impossível, encontrar um julgado no STJ que trate da
congruência social e sistêmica do Decreto nº 3.298/99 em face da CDPD e do
Estatuto da Pessoa com Deficiência. Portanto, a melhor fundamentação dos
julgados do STJ é primordial para a evolução da matéria em tratativa nos tribunais
brasileiro.
O que se vê é uma Corte que insiste na aplicabilidade de um precedente
superado tanto no meio social quanto no ordenamento jurídico como um todo, com o
51

fundamento de respeito à segurança juridica e ao princípio da separação dos


poderes, em face dos direitos garantidos às pessoas com deficiência.
Vale e Máximo (2018) ao analiserem entendimento do TJ/AL que negou
aplicabilidade ao disposto no art. 537, § 3º, do novo CPC, em razão da existência de
precedente no STJ que teve por base o CPC revogado, proferiam a seguinte
acertiva:

[...] Da leitura do exposto, ao destacar a impossibilidade de os Tribunais de


Justiça superarem precedentes obrigatórios firmados pelas Cortes
superiores, fica clara a premente necessidade de que os julgadores das
instâncias inferiores, bem como todos aqueles que atuam em juízo, se
familiarizem com a técnica do anticipatory overruling. Veja-se que a
antecipação da superação de entendimento não pressupõe a revogação
formal do precedente do Superior Tribunal de Justiça, mas apenas a sua
inaplicabilidade, mormente no caso em análise, no qual o legislador trouxe a
lume enunciado normativo contrário ao precedente vinculante.
Com efeito, não se pode conceber que as instâncias inferiores neguem
vigência ao enunciado normativo do Código de Processo Civil, sob a
justificativa insustentável da existência de um precedente vinculante do STJ
frontalmente contrária à novel legislação processual. Pergunta-se: O
precedente, nesse caso, tem valor superior à disposição legal? Parece-nos
que não, haja vista que, até mesmo em países como Estados Unidos, a
legislação tem que ser tomada como referência primeira para a análise dos
casos.

Além disso, alguns tribunais, como é o caso do TJ/AL e do TST, estão


aplicando nas suas decisões o denominado antecipatorry overruling que, segundo
Peixoto (2016), trata-se de uma técnica utilizada pelos tribunais inferiores nos casos
em que há forte probabilidade da Corte superior modificar seu entendimento
consolidado, levando, assim, ao afastamento do precedente.
Assim, é imprencindível que deve ser levado em consideração pelo STJ ao
apreciar e julgar à matéria a existência de afronta à congruência social nos seus
posicionamentos atuais, a qual tem por base os novos anseios sociais de inclusão e
igualdade das pessoas com deficiência, afastando a antiga concepção de incapaz
atribuída a esses indivíduos e criando possibilidades de novas oportinades de
inserção delas no convívio social. Por conseguinte, a deficiência deve ser analisada
sob um aspecto social e humanitário, de forma que excluir considerável número de
pessoas com deficiência da oportunidade de ingresso em cargo público e outras
políticas socais apenas com fundamento em um decreto datato de 1999 e alterações
de 2004 é, nitidamente, contrário a nova concepção de deficiente.
52

Igualmente, deve ser observado a afronta à congruência sistêmica,


considerando que a conceituação do Decreto nº 3.298/99 não mais se adpta aos
novos parâmetros legislativos (CDPD e Estatuto da Pessoa com Deficiência), sendo
notória a impossibilidade de sustentar o atual entendimento contrapondo o melhor
interesse das pessoas com deficiência.
Portanto, da análise do presente trabalho conclui-se que os fundamentos do
Superior Tribunal de Justiça para manter vigente o entendimento que exclui do
conceito de deficiência auditiva os surdos unilaterais e surdos bilaterais com perda
auditiva inferior a 41dB não mais se adequam aos novos preceitos sociais e
normativos, de modo que nada impede que a Corte Superior reveja seu
posicionamento e supere seu precedente consolidado, sem que fique configurado
afronta à segurança jurídica diante da necessidade de adequação do seu
posicionamento aos novos preceitos normativos.
53

CONCLUSÃO

No presente trabalho fora exposta uma análise acerca do atual cenário


enfrentado pelas pessoas com deficiência auditiva na tentativa de reconhecimento
como pessoa com deficiência na via administrativa e jurisdicional, principalmente ao
tentar ingressar em cargo público por meio das vagas reservadas à categoria nos
concursos públicos.
Inicialmente, demonstrou-se a evolução normativa das leis e demais atos que
visam a regulamentação da matéria, tendo como foco o Decreto nº 3.298/99, que
regulamenta a Lei no 7.853/99 e, os principais, a Convenção Internacional Sobre os
Direitos da Pessoa com Deficiência e o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Da análise dos dispositivos, concluiu-se que o Decreto nº 3.298/99 conceitua
a pessoa com deficiência auditiva apenas com base em estudos clínicos, limitando a
abrangência do dispositivo, o que causa inúmeros casos de injustiças perante a
classe. Além disso, houve uma enorme mudança na concepção jurídica e social do
conceito de pessoa com deficiência, notadamente com a promulgação da CDPD e
aprovação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em que ambos incluíram na
concepção do conceito os fatores biopsicossociais.
Em que pese as novas diretrizes normativas notou-se que a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça encaminhou no sentido de aplicar integralmente o
conceito do Decreto nº 3.298/99, excluindo os deficientes auditivos unilaterais e os
bilaterais que não atingem, em ambos os ouvidos, a perda mínima de 41dB.
Ocorre que os precedentes e a jurisprudência do STJ não vem sendo
aplicada por todos os tribunais brasileiros, como é o caso do Tribunal de Justiça do
Estado de Alagoas e do Tribunal Superior do Trabalhos, de modo que ambos têm
precedentes relativizando a aplicabilidade do decreto em tratativa.
Desta forma, insere que não há consenso jurisprudencial acerca da validade
do Decreto nº 3.298/99, fato que vem colaborando para o aumento da insegurança
jurídica por parte dos interessados ao pleitearem seus direitos juntos aos órgãos
jurisdicionais, de forma que deve-se buscar um entendimento que melhor atenda
aos novos preceitos normativo, resguardando ao máximo as garantias e políticas
públicas destinadas às pessoas com deficiência.
54

Foi nesse sentido que o presente estudo demonstrou que o entendimento


dominante no STJ não atende mais a nova realidade fática e jurídica, tendo em vista
que houve considerável evolução no tratamento destinado à classe, no entanto, a
Corte não alcançou essa evolução, mantendo seu posicionamento intocável e
abstendo-se de trazer à baila dos julgamentos as novas normas regulamentadores.
Assim, considerando que o entendimento da Corte se encontra, atualmente,
defasado, não há porque manter vigente jurisprudência normativamente superada
com o argumento de necessidade de garantir a segurança jurídica e estabilidade do
direito, posto que apesar da importância de tais institutos, estes não devem
prevalecer diante da existência de alteração legislativa e fatos novos trazidos pelas
partes.
Para tanto, mostrou-se a possibilidade de aplicação do instituto do overruling,
que consiste na mudança de entendimento de um tribunal, quando comprovado que
o precedente-base não possui mais congruência social ou sistêmica, de modo que a
sua aplicação seria mais prejudicial do que a possível insegurança jurídica que
poderia advir da mudança do entendimento da Corte.
Assim, conclui-se que ao STJ é conferido o dever de rever os seus
entendimentos diante da alteração do contexto fático e jurídico que fundamentaram
a consolidação do precedente na Corte, o que deve ser considerado no julgamento
dos processos judiciais referentes ao reconhecimento da deficiência auditiva, a fim
de adequar suas decisões ao Estatuto da Pessoa com Deficiência e a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
55

REFERÊNCIAS

ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos


Tribunais, 2016

ALAGOAS. Tribunal de Justiça de Alagoas. Agravo de Instrumento nº 0002202-


36.2011.8.02.0000. Recorrente: Raizza de Souza Vasconcelos Pimentel. Recorrido:
Companhia de Abastecimento D'Água e Saneamento do Estado de Alagoas –
CASAL. Relator: Des. Alcides Gusmão da Silva. Portal do TJ/AL. Disponível em <
https://www2.tjal.jus.br/cjsg/getArquivo.do?conversationId=&cdAcordao=10450&cdF
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V4ly9VXtl0Qpu5BH2swbrapRzYOjyY44XjKoX5V3AEQdkpaFNdoY3M_8PsgcVidzw1
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ATAÍDE JUNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes Vinculantes e


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