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Florianópolis
2021
FÁBIO CÉSAR MELCHIOR
Florianópolis
2021
FÁBIO CÉSAR MELCHIOR
______________________________________________________
Professor e orientador WÂNIO WIGGERS, MSC.
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Profa. DANIELLE MARIA ESPEZIM DOS SANTOS, DRA
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Prof. HERCILIO EMERICH LENTZ, ESP.
Universidade do Sul de Santa Catarina
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de
Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de Conclusão de Curso.
Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso
de plágio comprovado do trabalho monográfico.
____________________________________
NOME ALUNO
Para Sofia.
“O anjo salva-se pelo conhecimento,
o animal pela ignorância;
entre os dois o homem permanece em litígio.” (Rumi).
RESUMO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 9
2 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ..................................................................................... 12
2.1 DEFINIÇÃO .................................................................................................................... 13
2.2 BREVE HISTÓRICO ...................................................................................................... 15
2.3 APRENDIZADO DE MÁQUINA .................................................................................. 19
2.4 PROCESSSAMENTO DE LINGUAGEM NATURAL ................................................. 22
3 DIREITOS FUNDAMENTAIS ....................................................................................... 27
3.1 CONCEITUAÇÃO .......................................................................................................... 28
3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ......................................................................... 30
3.3 CLASSIFICAÇÃO .......................................................................................................... 33
3.4 FUNÇÕES ....................................................................................................................... 38
3.5 LIBERDADES PÚBLICAS ............................................................................................ 40
3.5.1 Princípio da celeridade processual ............................................................................ 40
4 IA E O PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL ........................................... 43
4.1 A PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL: PROBLEMAS
ENFRENTADOS ..................................................................................................................... 44
4.2 RISCOS PARA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS JURISDICIONADOS ........ 48
4.3 A UTILIZAÇÃO DA IA NA ATIVIDADE JURISDICIONAL ..................................... 53
4.3.1 Utilização nos tribunais brasileiros ........................................................................... 55
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 59
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 62
9
1 INTRODUÇÃO
tange o exercício dos Direitos Fundamentais, com foco na celeridade processual? Para atingir
tal finalidade, vislumbra analisar o ecossistema formado pelo Direito e Inteligência Artificial,
bem como levantar as técnicas aplicadas na solução dos problemas cotidianos do Poder
Judiciário e evidenciar os impactos – positivos e negativos – dessas abordagens na sociedade,
com o foco no Princípio da Celeridade Processual.
Acerca dos procedimentos metodológicos, primeiramente a respeito dos objetivos,
este trabalho utilizará pesquisa exploratória, com a meta de clarificar o objeto de estudo (relação
entre Direito e Inteligência Artificial). Quanto aos procedimentos técnicos, empregar-se-á a
produção científica dos principais centros acadêmicos na área delimitada anteriormente, por
meio de bibliografia pertinente.
Por sua vez, o método dedutivo será adequado para partir de teorias e leis amplas
que descreverão e analisarão fenômenos particulares. Já o método de procedimento será o
monográfico, por apresentar o estudo um caráter investigativo em profundidade, porém, capaz
de avaliar diferentes vieses do mesmo problema. O universo a ser pesquisado é o delimitado
pelo Direito Brasileiro frente a aplicação das técnicas de IA, que por vezes são decorrentes de
produtos e pesquisas internacionais. Já a técnica para coleta de dados será baseada em dados
secundários – testes, artigos e demais publicações científicas – fato que evidencia o caráter de
pesquisa bibliográfica deste. Por fim, a análise e interpretação dos dados culminará em
respostas que podem ser interpretadas de forma global, expansíveis para todo o ordenamento
jurídico nacional.
Nesse sentido, a presente pesquisa será dividida em 5 (cinco) capítulos, sendo o
primeiro deles a introdução.
O segundo capítulo discorre sobre a tecnologias que viabilizam a utilização da
Inteligência Artificial em diversos setores econômicos, em especial o Direito. Após a definição
- em linhas gerais - desta área de pesquisa, trata-se do seu histórico – desde o advento do termo
até a aplicação em larga escala das técnicas mais modernas. Em seguida, é apresentado o estado
da arte na aplicação de IA ao Direito, consubstanciado em técnicas de aprendizado de máquina
e processamento de linguagem natural.
Na sequência, o terceiro capítulo elucida a base teórica jurídica sobre o qual este
trabalho se debruça: os princípios e garantias fundamentais, em especial o princípio da
celeridade processual. Para tal, são apresentadas as questões históricas que culminaram nos
direitos fundamentais, complementadas pelo arcabouço teórico que a doutrina solidificou em
relação ao tema.
11
2 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
1
BRITO, T. S.; FERNANDES, R. S. Inteligência Artificial e a Crise do Poder Judiciário: Linhas Introdutórias
sobre a Experiência Norte-Americana, Brasileira e sua Aplicação no Direito Brasileiro. Revista Acadêmica
da Faculdade de Direito do Recife, p. 88.
13
2.1 DEFINIÇÃO
2
GONÇALVEZ, L. R. A tutela jurídica de trabalhos criativos feitos por aplicações de inteligência artificial no
Brasil, p. 109.
3
Para maiores informações, veja https://www.ibm.com/br-pt/watson-health. Acesso em: 03/04/2021.
4
RUSSELL, Stuart. Q&A: The Future of Artificial Intelligence. Disponível em:
<http://people.eecs.berkeley.edu/-russell/temp/q-and-a html>. Acesso em 11 de out de 2020
5
CORMEN, Thomas H. et al. Introduction to algorithms, p. 17.
14
particularidades, sendo a principal é que a linguagem utilizada deve ser capaz de transmitir
instruções para o computador – aqui tem-se as linguagens de programação que operam sob
diversos paradigmas, com o intuito de aproximar-se da linguagem humana; porém, no final do
processo, todas as instruções são convertidas para zeros e uns, que são os símbolos que os
computadores realmente interpretam.
Neste contexto, definir os algoritmos usados para criar sistemas de Inteligência
Artificial passa por quatro abordagens distintas: a) agir de forma humana – materializado do
ponto de vista conceitual no teste de Turing (simular o comportamento humano de forma que
um interlocutor não seja capaz de discernir se interage com um humano ou uma máquina); b)
modelagem cognitiva: determina-se o modo do pensar humano e replica-se a forma estabelecida
para o programa (os cientistas baseiam-se em processos de introspecção, experimentos
psicológicos e/ou imagens cerebrais); c) leis do pensamento: os sistemas inteligentes são
construídos através de enunciados da lógica formal, desenvolvida no século XIX; d) por fim,
tem-se a abordagem do agente racional: o objetivo é agir para alcançar o melhor resultado
esperado, num cenário de incertezas6.
Para este trabalho a abordagem do teste de Turing7 é bastante relevante
principalmente por envolver a manipulação de linguagem natural – ou seja, a utilizada por
humanos. Já do ponto de vista conceitual – mesmo após sessenta anos de sua elaboração – sua
relevância reside em definir quatro capacidades que norteiam o estudo da IA: aprendizado de
máquina, processamento de linguagem natural, representação do conhecimento e raciocínio
automatizado; os dois primeiros são tratados neste trabalho. No teste não existe interação direta
entre humano e máquina – os questionamentos são realizados por mensagens de texto - já que
a proposição de Turing acertadamente discerniu que a inteligência prescinde de simulação
física. Todavia, o teste de Turing total é uma variante que engloba interação direta entre o
interrogador e a máquina; tem-se, portanto, mais dois campos definidos para averiguar a
percepção do agente inteligente: visão computação (para perceber objetos) e robótica (para
movimentar-se e manipular os itens de interação). Contudo, em regra os estudiosos da área não
se dedicam com afinco na aprovação pelo teste de Turing (total ou parcial), mas sim nos
fundamentos e princípios que viabilizem a evolução da Inteligência Artificial.
6
RUSSEL, S.; NORVING, P. Artificial Intelligence: a modern approach, p. 4.
7
HODGES, Andrew. Alan Turing: a short biography. 1995. Disponivel em:
<https://www.turing.org.uk/publications/dnb.html>. Acesso em: 03 abr. 2021
15
O termo Inteligência Artificial foi criado em 1956, com uma proposta de trabalho
acadêmico conjunto para o verão daquele ano, na universidade de Dartmouth. Apesar de, do
ponto de vista de pesquisa, não ocorrerem grandes descobertas, os 10 participantes -
pesquisadores estadunidenses interessados em redes neurais, teoria dos autômatos e estudo da
inteligência - obtiveram durante o seminário a apresentação mútua das personalidades que se
tornaram os grandes nomes da pesquisa relacionada pelas próximas décadas.
Desde então a IA passou por diversas fases (marcadas por uma grande empolgação
inicial, seguida de descrédito) até que a partir dos anos 80 começou a ser utilizada em escala
industrial. Ela abrange diversos subcampos, do geral (aprendizagem e percepção) até tarefas
específicas, como jogos, demonstração de teoremas, arte, diagnóstico de doenças e direção
automobilística. A IA é relevante para qualquer tarefa intelectual; é verdadeiramente um campo
universal.
A gestação da Inteligência Artificial ocorreu entre 1943 e 1955. O primeiro artigo
reconhecidamente foi elaborado em 1943, por Walter Pitts e Warren McCulloch. Baseado em
fisiologia dos neurônios no cérebro, lógica proposicional e a teoria da computação de Turing,
os autores propuseram um modelo de neurônios artificiais (cada um deles poderia estar ligado
ou desligado, de acordo com o estímulo recebido pelos vizinhos). Em 1949 Donald Hebb
demonstrou uma regra – chamada de aprendizado de Hebb, academicamente relevante até hoje
– para modificar as intensidades de conexão entre os neurônios. Mas foi em 1950 que Alan
Turing propôs em seu artigo Computing, Machinery and Intelligence o influente teste de Turing
conceitos como aprendizagem de máquina, algoritmos genéticos e aprendizagem por reforço8.
O período compreendido entre 1956 e 1966 foi marcado por grandes expectativas.
Em 1958 a linguagem de programação LISP – a mais popular na pesquisa do ramo – foi criada
por John McCarthy. Em 1959 o termo “aprendizado de máquina” foi cunhado por Arthur
Samuel, em um contexto que possibilitou a um computador jogar damas (e melhorar as
habilidades no jogo); e em 1966 foi criado o primeiro chatbot, chamado ELIZA9.
8
RUSSEL, S.; NORVING, P. Artificial Intelligence: a modern approach., p. 41.
9
LAGE, F. C. Manual de Inteligência Artificial no Direito, p. 31.
16
10
Adaptado de LAGE, F. C. Manual de Inteligência Artificial no Direito. p. 30.
17
interpretada como “a vodca é boa mas a carne é podre” em inglês11. Ainda assim em 1972 foi
criado o WABOT-1, que se acredita ter a faculdade mental de uma criança de um ano e meio12.
Na linha do tempo, de 1969 até 1979 os experimentos foram baseados em
conhecimento: foca-se em especialidades mais estritas, com agentes inteligentes versados em
determinada área do conhecimento. A título de ilustração da especialização proposta, a
literatura traz o programa DENDRAL, desenvolvido em Stanford em 1969 por um time
composto por um filósofo que se tornou cientista da computação (Bruce Buchanan), um
geneticista ganhador do Prêmio Nobel (Joshua Lederberg) e um aluno de Herbert Simon (Ed
Feigenbaum). Bastante eficiente, o DENDRAL tinha como missão de inferir a estrutura
molecular a partir das informações fornecidas por um espectrômetro de massa13. Contudo, em
1973 o relatório Lighthill, que reivindicava que os resultados entregues pelas pesquisas do
campo não correspondiam às grandes promessas realizadas. Tal fato reduziu drasticamente o
financiamento governamental para os estudos: caracterizava-se o primeiro inverno da
inteligência artificial.
A partir de então, a IA migrou do âmbito acadêmico e tomou proporções industriais.
Apesar de algumas empresas não cumprirem as promessas feitas – fato que as relegou ao
esquecimento - durante a década de 80, o volume de investimentos na área cresceu de alguns
milhões de dólares para alguns bilhões. Na mesma década, a IA se consolidou como ciência –
mediante a utilização de experimentos empíricos, com a replicação dos resultados. Contudo de
1987 a 1993 ocorreu o segundo inverno da IA, impulsionado pela ascensão dos computadores
de mesa da Apple e IBM – que prejudicaram o mercado de hardware especializado em IA –
bem como no encarecimento da manutenção dos sistemas especialistas (carro chefe da
indústria, bastante restritos às suas áreas de atuação), acarretou o fechamento de mais de 300
empresas do ramo14.
Provavelmente o feito mais marcante da Inteligência Artificial na década de 90 foi
em 1997, com a vitória do sistema da IBM, o Deep Blue, sobre o campeão mundial de xadrez,
Gary Kasparov. O surgimento dos agentes inteligentes, que são utilizados hodiernamente, entre
outros, massivamente na Internet – bots, mecanismos de pesquisa, sistemas de recomendação e
agregadores de conteúdo de construção de sites. Outra aplicação famosa é a dos carros
11
RUSSEL, S.; NORVING, P. Artificial Intelligence: a modern approach, p. 46.
12
WABOT-1 (1970-1973). Humanoid Robotics Institute. Waseda University. Japão, Disponível em: <http://
www.humanoid.waseda.ac.jp/booklet/kato_2.html>. Acesso em: 05 abr. 2021.
13
RUSSEL, S.; NORVING, P. Artificial Intelligence: a modern approach. p.47.
14
LAGE, F. C. Manual de Inteligência Artificial no Direito, p. 34.
18
15
REVISTA VEJA, 7 de maio de 1997. Disponível em <https://veja.abril.com.br/blog/reveja/demasiado-
humano-ha-20-anos-kasparov-era-esmagado-por-deep-blue/>. Acesso em 12/03/2021
16
LAGE, F. C. Manual de Inteligência Artificial no Direito. p. 35.
19
17
Hoffmann, A. F. Direito e tecnologia: a utilização de inteligências artificiais no processo decisório, p. 36.
18
Ibidem.
19
SCHADE, G. Machine learning, 2018. Disponível em: <https://gabrielschade.github.io/2018/01/17/ azure-
machine-learning-2.html>. Acesso em: 06 abr. 2021.
20
O primeiro passo é, para valer-se da aptidão de assimilação a partir dos dados a eles
submetidos, reunir um conjunto de dados e, assim, construir um modelo baseado
estatisticamente a partir do conjunto. Então, submetê-lo a treinamento para resolver o problema
concreto. Com a elaboração e treinamento do modelo, a capacidade de aprendizado para
execução de diferentes tarefas autonomamente resta garantida, já que com a sua exposição a
novos dados, eles se adaptam com a experiência de operações anteriores, o que culmina em
padrões que se moldam para oferecer respostas confiáveis às novas informações. Todo esse
processo ocorre de forma iterativa, com retroalimentação do sistema por várias vezes até que
um padrão confiável seja encontrado20.
Anteriormente definiu-se que os dados aos quais se submetem os algoritmos de IA
são muito relevantes para o resultado. Nesse sentido, depara-se com problemas fundamentais
na tomada de decisões por algoritmos:
Em um momento em que cada vez mais decisões tipicamente humanas são relegadas
a algoritmos, é fundamental refletir sobre as situações em que a automação da decisão
pode gerar resultados incorretos, injustificados ou injustos. Neste trabalho, serão
abordadas três dificuldades: (i) o emprego de data sets viciados; (ii) a opacidade dos
algoritmos não programados; (iii) a discriminação que pode ser gerada por algoritmos
de machine learning21.
20
BRITO, T. S.; FERNANDES, R. S. Inteligência Artificial e a Crise do Poder Judiciário: Linhas Introdutórias
sobre a Experiência Norte-Americana, Brasileira e sua Aplicação no Direito Brasileiro. Revista Acadêmica
da Faculdade de Direito do Recife, p. 88.
21
FERRARI; BECKER; WOLKART. ArbitrumExMachina: panorama, riscos e a necessidade de regulação das
decisões informadas por algoritmos, p. 7.
21
Portanto, resta evidente - ainda que não esteja explícito em sua codificação – a
possibilidade de formação de vieses inconscientes dos desenvolvedores do algoritmo; tal
situação tem o condão de acarretar discriminações sociais passíveis de perpetuar a injustiça
social, já que o sistema inteligente reflete os valores humanos implícitos dos que participaram
22
FERRARI; BECKER. DIREITO À EXPLICACÃO E DECISÕES AUTOMATIZADAS: REFLEXÕES
SOBRE O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO, p.14
23
O'NEIL, C. Weapons of math destruction. Chapter 1 - Bomb parts: What is a Model?
24
NUNES, MARQUES. Inteligência artificial e direito processual: vieses algoritmos e os riscos de atribuição de
função decisória às máquinas, p. 7.
22
25
BRITO, T. S.; FERNANDES, R. S. Inteligência Artificial e a Crise do Poder Judiciário: Linhas Introdutórias
sobre a Experiência Norte-Americana, Brasileira e sua Aplicação no Direito Brasileiro. Revista Acadêmica
da Faculdade de Direito do Recife, p. 91.
26
ROSA, J. L. G. Fundamentos da inteligência artificial, p. 145.
27
ROSA, J. L. G. Fundamentos da inteligência artificial, p. 137.
23
Uma extensão desse teste seria o Teste de Turing Jurídico. Nesse novo teste o
sistema de PLN é especializado em escrever sentenças judiciais sem intervenção humana; a
28
LAGE, F. C. Manual de Inteligência Artificial no Direito, p. 69.
29
ROSA, J. L. G. Fundamentos da inteligência artificial, p. 138.
24
A figura a seguir amplia o que foi descrito no parágrafo anterior. Para diferentes
tipos de entrada (voz, escrita manual ou teclado) o processador de linguagem extrai palavras,
frases e conceitos. As estruturas criadas – leia-se conhecimento inteligível pela máquina -
podem ou não ser armazenadas em banco de dados (eles facilitam a recuperação posterior da
informação) mas servem de insumo para criação das aplicações.
30
VALENTINI, R. S. Para além do teste de Turing jurídico? Breves apontamentos sobre os sistemas
automatizados de decisão e suas potencialidades para elevar a qualidade da prestação jurisdicional. In:
NUNES, et al. Inteligência Artificial e Direito Processual. Salvador, BA: JusPODIVM, 2021. Cap. 26, p.683-
702.
31
ROSA, J. L. G. Fundamentos da inteligência artificial, p. 145.
25
32
FARINON, João Luís. Análise e classificação de conteúdo textual. Curso de Ciência da Computação, 2015.
Disponível em:
https://repositorio.unisc.br/jspui/bitstream/11624/1038/1/Jo%C3%A3o%20Lu%C3%ADs%20Farinon.pdf.
Acesso em: 05 abr. 2021.
33
LAGE, Fernanda de Carvalho. Manual de Inteligência Artificial no Direito, p. 67.
26
34
LAGE, Fernanda de Carvalho. Manual de Inteligência Artificial no Direito. p. 67.
27
3 DIREITOS FUNDAMENTAIS
35
CINTRA, A. C. A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria geral do processo, p. 27-32.
36
PAULO, V.; ALEXANDRINO, M. Direito Constitucional Descomplicado, p. 93.
28
Pelo que já ficou dito, compreende-se que o Estado moderno deve o seu poder para a
solução de conflitos interindividuais. O poder estatal, hoje, abrange a capacidade de
dirimir os conflitos que envolvem as pessoas (inclusive o próprio Estado), decidindo
sobre as pretensões apresentadas e impondo as decisões37.
3.1 CONCEITUAÇÃO
37
CINTRA, A. C. A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria geral do processo, p. 32.
38
MENDES, G. F. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, p. 2.
39
MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional, p. 136.
29
contém raízes nos direitos naturais – concretizada sobre um processo de laicização do Estado,
que não concebe, logo, que determinados direitos são herdados da própria divindade. Passaram,
portanto, a representar uma perspectiva internacional inerente a condição humana, porém sem
pressuposição de origem no Cristianismo medieval, já que tal conteúdo é ausente de
normatividade jurídico.
Em suma, o processo de constitucionalização moderno tem como produto a
conversão dos direitos humanos – historicamente justificados – em direitos fundamentais.
Nesse sentido, a própria mutabilidade constitucional prevê não estagnação e reconstrução dos
direitos fundamentais (expressa, por exemplo, em novas dimensões que são assimiladas), já que
- além de sua caraterística de serem oponíveis contra o Estado, em uma leitura reducionista de
sua função – são meios para fruição de todos os demais direitos previstos no ordenamento
jurídico40.
Para tornar evidente tal afirmação, apresentam-se alguns direitos fundamentais
expressos no artigo 5º da Constituição Federal – o rol não é taxativo, já que há expressão em
outros dispositivos legais. Primeiramente, no caput, o direito fundamental à vida é, obviamente,
um pressuposto elementar para gozo de qualquer outro direito. Nesse sentido, além da
existência física – que implica em proibição à pena de morte e aborto, bem como na promoção
da saúde – há expectativa de vida digna, baseada na dignidade da pessoa humana (com
condições mínimas materiais e espirituais). Concomitantemente, a combinação dos que estão
previstos nos incisos LIV (devido processo legal), LV (plenitude do contraditório e da ampla
defesa), XXXV (inafastabilidade da jurisdição) e XXXVII e LIII (juízo natural)
consubstanciam a princípios norteadores para todo o processo brasileiro41.
Paralelamente, em complementação à ideia de serem oponíveis contra o Estado,
bem como possibilitarem o exercício dos demais direitos, a expansão dos direitos fundamentais
e sua afirmação, quando colocados à prova em juízo, denotam o grau de democracia de um
determinado Estado. Quando algum direito fundamental sofre lesão, a sociedade é prejudicada.
Por exemplo, para os direitos fundamentais ulteriormente citados, é impossível imaginar um
Estado Democrático de Direito que não respeita o processo legal; que nega o contraditório e a
ampla defesa; que nega a jurisdição de lides específicas (ou propostas por determinadas pessoas
ou grupos); que constitui tribunais de exceção para julgar casos específicos.
40
FERNANDES, B. G. Curso de direito constitucional, p. 231.
41
PAULO, V.; ALEXANDRINO, M. Direito Constitucional Descomplicado, p. 114-173.
30
42
PAULO, V.; ALEXANDRINO, M. Direito Constitucional Descomplicado, p. 95.
43
CUNHA JÚNIOR. D. Curso de Direito Constitucional, p. 534.
44
BOBBIO, N. A Era dos Direitos, p. 05.
31
45
PAULO, V.; ALEXANDRINO, M. Direito Constitucional Descomplicado, p. 94.
32
Como seu objetivo não foi apenas mudar um governo antigo, e sim abolir a forma
antiga da sociedade, a Revolução Francesa teve de atacar simultaneamente todos os
poderes estabelecidos, demolir todas as influências reconhecidas, apagar as tradições,
46
LIMA, C. A. S. Revoluções burguesas: contribuições para a conquista da cidadania e dos direitos
fundamentais. p. 111.
47
CUNHA JÚNIOR. D. Curso de Direito Constitucional, p. 546 – 550.
48
LIMA, C. A. S. Revoluções burguesas: contribuições para a conquista da cidadania e dos direitos
fundamentais, p. 107.
33
renovar os costumes e os usos e, por assim dizer, esvaziar o espírito humano de todas
as ideias nas quais se haviam fundamentado até então o respeito e a obediência49.
3.3 CLASSIFICAÇÃO
49
TOCQUEVILLE, Alexis. O antigo regime e a revolução. p, 11.
50
PAULO, V.; ALEXANDRINO, M. Direito Constitucional Descomplicado, p. 94.
51
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 574.
34
modelo são Manoel Gonçalves Ferreira Filho e José Afonso da Silva. Restam assim
classificados e mapeados conforme os artigos da Constituição de 198852:
A) Direitos individuais e coletivos: art. 5º;
B) Direitos sociais: art. 6º a art. 11;
C) Direitos de nacionalidade art. 12;
D) Direitos políticos: art. 14 a art. 16; e
E) Direitos de organização em partidos políticos: art. 17.
Entretanto, tal classificação ignora a existência de direitos fundamentais
posicionados em outras partes da lei maior. Além do Título II, encontra-se, por exemplo, os
direitos ambientais (no artigo 225) e o direito à educação (no artigo 225). Além disso:
52
FERNANDES, B. G. Curso de direito constitucional, p. 232.
53
Ibidem.
35
propriedade privada foi expandido para atender à ideia de que deve também atender à sua
função social; por fim, com o reconhecimento dos direitos fundamentais de terceira dimensão,
além do viés exposto anteriormente, deve também respeitar as leis ambientais54.
No que tange ao próprio amadurecimento dos direitos fundamentais na sociedade,
há que se considerar que inicialmente residiam exclusivamente na moral, até mesmo por serem
passíveis confusão com o direito natural; posteriormente, o foco foi em sua positivação
constitucional. Atualmente, a principal preocupação reside na sua efetivação. De fato, resultam
de lesões graves que impedem, ao longo da história, a expressão da dignidade da pessoa
humana55. Para melhor elucidar o tema, a figura abaixo apresenta um esquema das três
principais dimensões de direitos fundamentais e suas características essenciais:
54
PAULO, V.; ALEXANDRINO, M. Direito Constitucional Descomplicado, p. 99.
55
CUNHA JÚNIOR. D. Curso de Direito Constitucional, p. 577
56
PAULO, V.; ALEXANDRINO, M, op. cit, p. 100
36
Para além da finalidade estatal de proteger os direitos humanos fundamentais (art. 2º),
o constitucionalismo sempre exigiu que o Estado se organizasse em função dessa
finalidade. Por isso que a Declaração francesa, dando um conceito liberal de
Constituição, exigia dela a garantia dos direitos fundamentais. Assim, a sociedade em
que não esteja assegurado o exercício dos direitos fundamentais, nem estabelecida a
separação dos poderes, não tem Constituição (art. 16°). Aliás, esse artigo da
Declaração sintetiza os propósitos do constitucionalismo moderno de instituir
governos limitados, com a divisão das funções estatais entre órgãos distintos do poder
e a elaboração de um catálogo de direitos fundamentais. É o reconhecimento - não é
exagero dizer - por parte de uma Declaração de profunda inspiração jusnaturalista da
necessidade da positivação jurídico-constitucional dos direitos do homem.57
57
CUNHA JÚNIOR. D. Curso de Direito Constitucional, p. 555.
58
PAULO, V.; ALEXANDRINO, M. Direito Constitucional Descomplicado, p. 98.
37
meios de produção (sem nenhuma obrigação imposta referente, por exemplo, as condições de
trabalho, horários e salários) oprimiam os (muitos) fracos. Opressão esta que debilitava a
dignidade humana. São direitos típicos do século XX, positivados nos pós Primeira Guerra,
com prevalência do lema Igualdade da Revolução Francesa.
Ainda que os direitos de segunda dimensão sejam sociais, eles ainda consideram o
homem individualmente. Comportamento diferente espera-se dos direitos de terceira dimensão.
São direitos coletivos em essência. O lema da Revolução Francesa presente é a fraternidade;
encontram-se ainda em fase inicial, poucos foram constitucionalmente codificados, outros estão
previstos em tratados internacionais. Como exemplos pode-se citar os direitos à segurança, ao
meio ambiente equilibrado, de comunicação e à solidariedade. Estão, portanto, destinados a
todos os seres humanos, como um todo conectado, tendo titularidade coletiva e caráter
transindividual59.
A existência de direitos de quarta e quinta dimensão ainda é controversa.
Influenciada pela globalização política e econômica – mesmo sem positivação jurídica interna
ou internacional - os de quarta dimensão pavimentam a formação de uma sociedade do futuro,
aberta além do campo estatal em direitos à informação, pluralismo e democracia direta, bem
como os relacionados à biotecnologia. Por sua vez, na quinta dimensão o direito à paz é
promovido da terceira para última dimensão, capaz de orientar persecução da dignidade humana
no início do século XXI60. Todavia, as novas dimensões padecem por críticas que, sob a
perspectiva histórica (que fundamenta o estudo das dimensões de direitos humanos) não
ocorreram rupturas que indiquem um novo prisma para surgimento das novas dimensões – ou
pelo menos as rupturas ainda não são identificáveis61.
Por fim, resta a reflexão sobre a possibilidade de implementar e garantir o exercício
dos direitos fundamentais, em especial os sociais. De aplicabilidade imediata, conforme o artigo
5º, § 1º da Constituição, é conferido a estes a maior eficácia possível; contudo, apresentam-se
dois problemas: de um lado, os direitos de segunda dimensão - que se encontram em uma crise
de observância e execução - pressupõem atuação estatal para garantir a prestação do que se
propõem (saúde, habitação, educação etc.); de outro, a positivação de alguns direitos
fundamentais depende de regulamentação legal para atingimento de sua plena eficácia (como é
59
ABRAÃO, R. M. Interesses difusos e coletivos, p. 26.
60
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 524.
61
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 59.
38
o caso dos - constitucionalmente previstos - incisos XX, XXI, XXIII e XXVII do artigo 7º e
VII, XXXII e XXXVIII do artigo 5º62.
3.4 FUNÇÕES
Por todo o exposto até então, em especial pelo caráter diretivo que os direitos
fundamentais tecem sobre todo o ordenamento jurídico para possibilitar a sua correta fruição
por todos, fica evidente que é indissociável a relação entre sociedade e direito. Assim:
Indaga-se desde logo, portanto, qual a causa dessa correlação entre sociedade e direito.
E a resposta está na função que o direito exerce na sociedade: a função ordenadora,
isto é, de coordenação dos interesses que se manifestam na vida social, de modo a
organizar a cooperação entre pessoas e compor os conflitos que se verificarem entre
os seus membros.
A tarefa da ordem jurídica é exatamente a de harmonizar as relações sociais
intersubjetivas, a fim de ensejar a máxima realização dos valores humanos com o
mínimo de sacrifício e desgaste. O critério que deve orientar essa coordenação ou
harmonização é o critério do justo e do equitativo, de acordo com a convicção
prevalente em determinado momento e lugar63.
62
PAULO, V.; ALEXANDRINO, M. Direito Constitucional Descomplicado, p. 108.
63
CINTRA, A. C. A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria geral do processo, p. 27.
64
MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional, p. 144.
39
fundamentais como direitos de defesa, como normas de proteção de institutos jurídicos, como
garantias positivas do exercício das liberdades e como Garantias Institucionais. Passa-se, então,
à discussão de cada um deles.
Os direitos fundamentais como direitos de defesa estão centrados no conceito de
Estado Liberal e representam meios de proteção da liberdade centrada no indivíduo contra
invasões do Poder Público por meio da limitação estatal. Representam simultaneamente
liberdades negativas – no sentido em que proíbem comportamentos invasivos por parte do
Estado – e garantem exercício positivo dos poderes do indivíduo – no sentido de poder exigir
do Estado comportamento omissivo. Caso ocorra a violação, restam as pretensões de abstenção,
de revogação ou de anulação65.
Por sua vez, os direitos fundamentais como normas de proteção de institutos
jurídicos defendem, por exemplo, o tribunal do júri, o casamento, a imprensa, a propriedade
etc. O legislador tem um autêntico dever constitucional de elaborar dispositivos jurídicos para
efetivação concreta dos institutos – leia-se um complexo organizado de normas66.
Já os direitos fundamentais como garantias positivas do exercício das liberdades
pressupõem atuação estatal para consecução do que Jellinek chamou de status positivo. Em
oposição ao absenteísmo estatal para não intervenção na liberdade individual, tem-se
procedimento ativo por parte do Estado. São dependentes de programas de políticas para sua
plena efetivação (como é o caso da promoção da educação e saúde). Há também o complemento
à essa categoria de direitos – ligadas às prestações positivas - que são relevantes para este
trabalho: direito à organização (providências estatais para estabelecimento de órgãos,
repartições e setores) e ao procedimento (por exemplo, as garantias processuais-constitucionais
como as previstas no artigo 5º, incisos XVII, XXXVII e LV)67.
Por fim, para o estudo dos Direitos Fundamentais como Garantias Institucionais,
primeiramente, conceitua-se as Garantias Institucionais como as que protegem os bens jurídicos
preservadores do que é considerado como primordial por uma sociedade. Assim, concretiza-se,
por exemplo, a proteção institucional à imparcialidade do Poder Judiciário por meio do direito
ao juízo natural (vedando os tribunais de exceção).68
65
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 405.
66
MENDES, G. F. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, p. 4.
67
MENDES, G. F. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, p. 8.
68
LENZA, P. Direito constitucional esquematizado. p, 589.
40
69
PETERS, A. S. Direito à celeridade processual à luz dos direitos fundamentais. p. 37.
70
CINTRA, A. C. A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria geral do processo, p. 34.
41
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação 71.
Fica evidente que o acesso à justiça não é garantido por meio do mero ingresso de
demandas perante o Poder Judiciário. É necessário que a decisão, além de tecnicamente correta,
seja tempestiva. No enfretamento dessa situação, aliada às dificuldades dos custos associados
– preparo, honorários, perícias – os processualistas modernos têm procurado meios alternativos
de solução de conflitos, tal como mediação, arbitramento e conciliação. Tais soluções
71
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
72
PAULO, V.; ALEXANDRINO, M. Direito Constitucional Descomplicado, p. 199.
73
MORAES, A. Direito constitucional. p. 85.
42
74
CINTRA, A. C. A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria geral do processo, p. 34.
75
MORAES, A. Direito constitucional. p. 86.
76
Para maiores informações, veja: https://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao-e-comunicacao/justica-4-0/
43
77
CUEVA, R. V. B. Inteligência Artificial no Judiciário. p. 82.
78
PAOLINELLI, C. M.; AZIZ ANTÔNIO, N. S. Dilemas processuais do século XXI: entre os cérebros
eletrônicos e a implementação de garantias-processuais –sobre como assegurar decisões legítimas. p. 371.
44
milhões de casos novos em formato eletrônico79. Há que se ressaltar também que em tempos de
pandemia do Corona Vírus a tecnologia propiciou que o trabalho dos operadores jurídicos fosse
efetivamente realizado sem interrupção, ainda que com alguns ajustes comportamentais.
Nessa seara, este trabalho advoga a ampliação das iniciativas tecnológicas para a
utilização de Inteligência Artificial – em conformidade com as diretrizes éticas – para obter
maior celeridade processual, sem prejuízo aos demais direitos fundamentais. Contudo, no que
diz respeito à busca da celeridade, o eminente processualista Nelson Nery Júnior alerta:
A busca da celeridade e razoável duração do processo não pode ser feita a esmo, de
qualquer jeito, a qualquer preço, desrespeitando outros valores constitucionais e
processuais caros e indispensáveis ao estado democrático de direito. O mito da rapidez
acima de tudo e o submito do hiperdimensionamento da malignidade da lentidão são
alguns dos aspectos apontados pela doutrina como contraponto a celeridade e a
razoável duração do processo que, por isso, devem ser analisados e ponderados
juntamente com outros valores e direitos constitucionais fundamentais, notadamente
o direito ao contraditório e a ampla defesa. O que se deve buscar não é uma "justiça
fulminante", mas apenas uma "duração razoável do processo", respeitados os demais
valores constitucionais80.
79
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2019: ano-base 2018, Brasília, CNJ, 2018,
p.95.
80
NERY JUNIOR, N. Princípios do processo na Constituição Federal, p. 333.
45
marcada pela grande fila de processos que aguardam julgamento – que tende ao crescimento
além da capacidade de resolução por parte do Poder Judiciário – resultando na difusão de uma
sensação de insatisfação do jurisdicionado. Defende-se que essa crescente judicialização de
demandas, capaz de congestionar a prestação jurisdicional, no contexto atual da sociedade
(marcadamente orientada a informatização), torna o suporte tecnológico aos tribunais uma
necessidade concreta:
81
CUEVA, R. V. B. Inteligência Artificial no Judiciário. p. 79 - 82
82
SADEK, M. T. O Uso da Justiça e o Litígio no Brasil. Relatório encomendado pela Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB). Coordenação Maria Tereza Sadek. Disponível em:
<http://www.amb.com.br/wp-content/uploads/2018/05/Pesquisa-AMB-10.pdf>. Acesso em 12 de out. 2020.
83
SADEK, M. T. Op. cit.
84
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2018: ano-base 2017, Brasília, CNJ, 2018, p.
125.
46
85
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2019: ano-base 2018, Brasília, CNJ, 2018,
p.79.
86
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Op. cit., p. 80.
87
BRITO, T. S.; FERNANDES, R. S. Inteligência Artificial e a Crise do Poder Judiciário: Linhas Introdutórias
sobre a Experiência Norte-Americana, Brasileira e sua Aplicação no Direito brasileiro. Revista Acadêmica da
Faculdade de Direito do Recife, p. 86.
88
DA ROS, L. O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória. p. 4
47
Importante aqui ressaltar que a fonte de tais quantias são os tributos pagos pelo
cidadão brasileiro, uma vez que somente 11,61% da despesa total provem do pagamento de taxas e
emolumentos daqueles que efetivamente se utilizam do Poder Judiciário90.
Logo, o quadro retratado pelos dois pilares da crise do Poder Judiciário afronta
diretamente o princípio processual constitucionalmente previsto da duração razoável do
processo. Esse princípio – derivado de um princípio maior, acesso à justiça – prevê,
simultaneamente, o respeito ao tempo desde a propositura da ação até seu trânsito em julgado
e a adoção de meios alternativos de solução de conflitos (com o objetivo de aliviar a carga de
trabalho da justiça, otimizando o seu tempo de resposta)91.
Na lição de Nelson Nery Junior:
A complexidade da causa pode exigir dilação probatória, como, por exemplo, perícia
múltipla, que fará com que a duração razoável, para esse caso, seja maior do que a de
um caso simples. O excesso de trabalho, o número excessivo de processos, o número
insuficiente de juízes ou de servidores, são justificativas plausíveis e aceitáveis para a
duração exagerada do processo, desde que causas de crise passageira. Quando se tratar
de crise estrutural do Poder Judiciário ou da Administração, esses motivos não
justificam a duração exagerada do processo caracterizam ofensa ao princípio estatuído
na CF 5° LXXVIII92.
89
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2019: ano-base 2018, Brasília, CNJ, 2019, p.
p. 67
90
FERRARI; BECKER; WOLKART. ArbitrumExMachina: panorama, riscos e a necessidade de regulação das
decisões informadas por algoritmos, p. 84.
91
NERY JUNIOR, N. Princípios do processo na Constituição Federal, p. 329.
92
NERY JUNIOR, N. op. cit, p. 330.
48
Todo cenário delineado pela Crise do Poder Judiciário requer superação do Estado
na prestação jurisdicional. A sociedade moderna, habituada com as facilidades propiciadas pela
TI em seu cotidiano, materializa sua expectativa frente ao Estado em efetividade e eficiência
do que está constitucionalmente proposto. Nesse debate, as possibilidades previstas pela
Inteligência Artificial ocupam o ponto central da pauta de desenvolvimento dos serviços
necessários ao adequado funcionamento dos ordenamentos jurídicos de vários países, já que –
conforme anteriormente demonstrado - a mera informatização (apesar de prover ganhos) não
93
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Judiciário ganha agilidade com uso de inteligência artificial,
Brasília, CNJ, 2018.
94
CUEVA, R. V. B. Inteligência Artificial no Judiciário. p. 79 - 82.
49
Se, numa demonstração de retórica jurídica, se podia dizer que "no processo o tempo
e algo mais do que ouro: é justiça", com muito maior razão se pode afirmar que a
justiça tem de ser feita da forma mais rápida possível, sempre observados os preceitos
constitucionais que devem ser agregados ao princípio da celeridade e razoável duração
do processo, como o devido processo legal, a isonomia, o contraditório e a ampla
defesa, o juiz natural (administrativo e judicial) etc. A razoabilidade da duração do
processo deve ser aferida mediante critérios objetivos, já que não se afigura possível
o tratamento dogmático apriorístico da matéria. Comporta, portanto, verificação da
hipótese concreta95.
95
NERY JUNIOR, N. Princípios do processo na Constituição Federal. p. 330
96
PAOLINELLI, C. M.; AZIZ ANTÔNIO, N. S. Dilemas processuais do século XXI: entre os cérebros
eletrônicos e a implementação de garantias-processuais –sobre como assegurar decisões legítimas. p. 371
50
97
BAHIA, A. Reserva Legal e a Implantação do Juiz-robô no Brasil. p. 443-444
98
LAGE, F. C. Manual de Inteligência Artificial no Direito. p. 54 - 55
51
Não há dúvidas que os algoritmos, aliados as máquinas cada vez mais potentes e
sofisticadas, representam um motor do desenvolvimento científico em todos os
campos do conhecimento humano. Contudo a preocupação, sempre presente, com
possíveis efeitos danosos e desregrados que a utilização dos algoritmos pode causar
fez que, em 2017, a Association for Computing Machinery US Public publicasse o
Statement on Algorithmic Transparency and Accountability, a Declaração sobre
Transparência Algorítmica e Responsabilidade99. Tal declaração contém restrições e
recomendações sobre o uso dos algoritmos enfatizando a ideia de responsabilidade e
controle dos seus resultados, sob o título Princípios para transparência e
responsabilização algorítmica100.
99
ASSOCIATION FOR COMPUTING MACHINERY US PUBLIC. Statement on Algorithmic Transparency
and Accountability, 2017. Disponível em http://www.acm.org/binaries/content/assets/public-
policy/2017_joint_statement_algorithms.pdf. Acesso em: 31 mai. 2021.
100
LAGE, F. C. Manual de Inteligência Artificial no Direito. p. 54 - 55
52
Fica claro o teor do direcionamento ético que o CNJ afirma com a resolução
supracitada, capaz de afastar julgamentos e processos como o de Eric Loomis. Contudo,
evidencia-se o prejuízo gravíssimo que a opacidade de um algoritmo de Inteligência Artificial
representa para o contraditório e ampla defesa, capaz de comprometer toda a legalidade
processual.
Ainda assim, com aprimoramento das técnicas de inteligência artificial,
conscientização dos desenvolvedores por meio de diretrizes éticas e treinamento dos usuários
para uso responsável da tecnologia é possível utilizar a IA de forma salutar. Nos próximos
tópicos identifica-se vantagens de sua utilização, bem como são demonstradas as iniciativas nos
tribunais brasileiros.
101
LIPTAK, A. Sent to prison by a software program’s secret algorithns. NY Times. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/2017/05/01/us/politics/sent-to-prison-by-a-software-programs-secret-
algorithms.html>. Acesso em: 28 de mai. 2021.
102
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Resolução n. 332, de 21 de agosto de 2020.
53
103
LAGE, F. C. Manual de Inteligência Artificial no Direito. p. 47 - 48
104
RABINOVICH-EINY, Orna; KATSH, Ethan. The new new courts. American University Law Review, vol.
67. 2017. p. 166-167. Disponível em: < http://www.aulawreview.org/au_law_review/wp-
content/uploads/2017/12/03-RabinovichEinyKatsh.to_.Printer.pdf >. Acesso em: 30 de mai. 2021.
54
Toda essa tecnologia tem o condão de otimizar o trabalho dos juristas. Contudo,
quando se trata da utilização de IA no processo decisório, em especial na confecção de decisões,
o tema se torna bastante controverso; é necessário regulamentação emanada do Poder
Legislativo. Portanto, por enquanto tratam-se apenas de ferramentas de classificação, triagem,
identificação de processos que atendam a determinadas características, entre (poucas) outras
opções. Objetivo é aprimorar a prestação da atividade jurisdicional por meio da diminuição do
congestionamento processual (fato que impacta diretamente na almejada celeridade), com
diminuição de custos. 106
É importante ressaltar que a evolução das ferramentas jurídicas de IA apresentam
também aos operadores do direito a contrapartida de retirar deles o monopólio sobre a
informação deste ramo do conhecimento. Toda a abordagem tradicional da advocacia tende a
ser revista, já que as legaltechs e seus produtos diminuiriam consideravelmente esse monopólio.
A democratização do direito extrapola as possibilidades de maior acesso ao Poder Judiciário
pela revolução causada pela Inteligência Artificial: os cidadãos têm a possibilidade de
utilizarem as ferramentas para consultoria jurídica, elaboração de contratos, verificação da
possibilidade de êxito de suas demandas perante o judiciário etc. Nesse sentido, ressalta-se o
caráter estatístico e matemático das soluções preditivas; ainda padecem de críticas, contudo,
nada mais fazem que avaliar as decisões que os tribunais proferiram historicamente, encontrar
105
PAOLINELLI, C. M.; AZIZ ANTÔNIO, N. S. Dilemas processuais do século XXI: entre os cérebros
eletrônicos e a implementação de garantias-processuais –sobre como assegurar decisões legítimas. p. 380.
106
CUEVA, R. V. B. Inteligência Artificial no Judiciário. p. 82.
55
padrões e enfatizá-los: não basta conhecer as regras (leis), mas sim as regras de aplicação das
regras frente os casos concretos.107.
Nas palavras de Ricardo Villas Bôas Cueva:
Na busca por uma melhor prestação jurisdicional, ainda que exista muita resistência
no judiciário pela utilização das novas tecnologias abordadas neste trabalho, muitos tribunais
no Brasil começaram a se utilizar de ferramentas de Inteligência Artificial. Klaus Schwab -
107
CUEVA, R. V. B. Op. cit., p. 84.
108
CUEVA, R. V. B. Inteligência Artificial no Judiciário. p. 81.
109
LAGE, F. C. Manual de Inteligência Artificial no Direito. p. 101–104.
56
110
PICCOLI, A. M. Judiciário Exponencial: sete premissas para acelerar a inovação e o processo de
transformação do ecossistema da justiça. São Paulo: Vidaria Livros, 2018, p. 76.
111
ROSA, A. M.; GUASQUE, B. O avanço da disrupção nos tribunais brasileiros. p. 98.
112
ROSA, A. M.; GUASQUE, B. Op. cit. p. 100.
113
ROSA, A. M.; GUASQUE, B. Op. cit. p. 104.
114
ROSA, A. M.; GUASQUE, B. Op. cit. p. 105.
115
TJRR JUSTIÇA 4.0: Soluções tecnológicas do TJRR facilitam atendimento, promovem qualidade de vida e
inclusão social. Disponível em: <https://www.tjrr.jus.br/index.php/noticias/noticias/3899-justica-4 36.-0-
solucoes-tecnologicas-do-tjrr-facilitam-atendimento promovem-qualidade-de-vida-e-inclusao-social>.
Acesso em: 27 mai. 2021.
57
Em 2020, o STJ contou com uma Plataforma de Inteligência Artificial (ATHOS), que
foi treinada com a leitura de aproximadamente 329 mil ementas de acórdãos do STJ,
entre 2015 e 2017, e indexou mais de 2 milhões de processos com 8 milhões de peças,
possibilitando o agrupamento por similaridade semântica, a busca por similares, o
monitoramento de grupos, a pesquisa textual e a recuperação de jurisprudência. Com
o intuito de focar cada vez mais nessas ferramentas que usam IA, está prevista no
Plano de Gestão 2020-2022, a elevação do uso de IA, com a expectativa de aumento
de produtividade como também uma triagem mais inteligente dos processos e um
possível reaproveitamento de decisões em vários processos. Para isso, existem seis
iniciativas: Automação da área de triagem de recursos repetitivos; Criação de equipes
de curadoria de modelos de IA; Evolução do modelo de IA do projeto Athos;
Incremento da base de dados de treinamento dos modelos de IA; Criação de comitê
de ética de inteligência artificial; Expansão da capacidade de infraestrutura de TI para
processar modelos de IA; Adesão à plataforma nacional integrada de IA dos
tribunais118.
116
TJRN. ESMARN. Inteligência artificial no direito vira prioridade da ESMARN na formação de servidores
Disponível em: <https://www.esmarn.tjrn.jus.br/index.php/comunicacao/noticias/83-inteligencia artificial no-
direito-tema-vira-prioridade-da-esmarn-na-formacao-de-servidores>. Acesso em: 27 mai. 2021.
117
LAGE, F. C. Manual de Inteligência Artificial no Direito. p. 170.
118
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Relatório de Gestão do Exercício de 2020. Superior Tribunal de
Justiça. 2021. Disponível em: https://transparencia.stj.jus.br/wp-
content/uploads/Relatorio_gestao_2020.pdf>. Pag. 41. Acesso em 28/05/2021
119
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DE MÃOS DADAS: MAGISTRATURA E CIDADANIA. Plano de
Gestão 2020/2022. Disponível em:
https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/planoEstrat/article/view/10056/10191. p.52-54.
Acesso em 28/05/2021.
58
Por fim, no Supremo Tribunal Federal foi criado, em parceria com a UnB o sistema
inteligente Victor; recebeu esse nome em homenagem ao Ministro Victor Nunes Leal, que
compôs a Corte entre 1960 e 1969 – seu trabalho possibilitou a sistematização da jurisprudência
em súmula, facilitando a aplicação de precedentes judiciais aos recursos 121. Ele é baseado nas
técnicas de processamento de linguagem natural. Seu trabalho principal é classificar os recursos
extraordinários que são submetidos ao Tribunal em um dos temas reconhecidos de repercussão
geral122; integra projeto estratégico do STF chamado MJE (Módulo de Gestão Estratégico), que
tem por objetivo final disponibilizar aos tribunais de origem uma ferramenta para aprimorar
(em agilidade e eficiência) o primeiro juízo de admissibilidade de recursos extraordinários e
especiais123. Sua performance aferida indicou queda no tempo da classificação das peças
processuais (de 15 minutos para 4 segundos), com acurácia de 94%; já na análise da repercussão
geral, o grau de certo foi 84% e o tempo caiu de 11 minutos para 10 segundos124.
Portanto, ficam retratados alguns dos experimentos relevantes de IA que estão em
curso em diversos tribunais brasileiros. Ainda que em parcela significativa esteja em fase
embrionária, já que se utiliza apenas das rotinas de classificação em listas predefinidas para
automatização de recursos e procedimentos, representam um direcionamento para utilização da
inteligência artificial para otimização da prestação jurisdicional. Os ganhos são significativos e
denotam incremento substancial na celeridade (e na assertividade) do exercício da jurisdição.
120
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Relatório de Gestão do Exercício de 2020. Superior Tribunal de
Justiça. 2021 Disponível em: https://transparencia.stj.jus.br/wp-content/uploads/Relatorio_gestao_2020.pdf.
p. 40. Acesso em: 28 mai. 2021.
121
LAGE, F. C., Manual de Inteligência Artificial no Direito. p. 265.
122
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Op. cit. p. 80.
123
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Op. cit. p. 32
124
ROSA, A. M.; GUASQUE, B. O avanço da disrupção nos tribunais brasileiros. p. 109.
59
5 CONCLUSÃO
natural, pois a utilização de IA nos tribunais há pouco tempo era fruto da própria iniciativa dos
Tribunais, apenas recentemente é disciplina por meio de resolução do Conselho Nacional de
Justiça (tal situação é passível de críticas, já que as resoluções emanadas pelo Órgão não têm
capacidade inovativa e, portanto, impossibilitadas de criar direitos, obrigações e principalmente
restringir direitos e garantias fundamentais); assim, o juiz robô constituiria um tribunal de
exceção, situação constitucionalmente vedada (ainda que não se trate de sistema inteligente que
prolate sentenças, sem configuração de um caráter no qual a Inteligência Artificial
consubstancia-se em essência na própria personificação do tribunal, mas apenas impulsione o
processo, realize triagem e classificação das demandas e atividades similares).
Contudo, são iniciativas decorrentes de experiências bem-sucedidas em
ordenamentos jurídicos estrangeiros, elaboradas com o intuito de enfrentar a crise do judiciário;
é numericamente comprovado (por ter a produtividade aferida nos diversos casos práticos
realizados nos tribunais brasileiros), que os sistemas de inteligência artificial abordados neste
trabalho trouxeram incremento de produtividade substancial no exercício da jurisdição. A
assertividade também foi um ponto de destaque, já que a taxa de acerto mensurada foi bastante
elevada. Mas vale reafirmar que as iniciativas nos tribunais brasileiros são anteriores à
regulamentação legal – frise-se, emanada pelo Poder Legislativo - e mesmo com a Resolução
332/2020 do CNJ não foi possível dirimir as divergências doutrinárias, a situação que endossa
as críticas relacionadas ao afrontamento do princípio da legalidade.
Assim, com reservas, defendeu-se ao longo desse trabalho a utilização de sistemas
inteligentes, ainda que para realização de tarefas maçantes e repetitivas pode desonerar
magistrados e servidores, redirecionando sua força de trabalho para empenhar-se em tarefas
mais dispendiosas do ponto de vista cognitivo, em situações em que os robôs (ainda) não têm
vantagem. Contudo, o congestionamento processual no Poder Judiciário não pode ser utilizado
como pretexto para buscar a celeridade a qualquer custo. Reforça-se tal posicionamento, bem
como ressalta-se que o regramento pertinente para concretizar a realidade da IA no Poder
Judiciário pátrio deve ser resultado de uma discussão ampla e profunda com todos os setores
sociais, confeccionada pelo Poder Legislativo e totalmente orientada na transparência
algorítmica.
Nesse sentido, entende-se, na verdade, que a revolução digital é uma realidade
cotidiana. Todos os setores sociais são impactados pela tecnologia e os benefícios que esta
proporciona. O Direito, intrinsicamente ligado à sociedade, está fadado a modernização em
simetria ao que ocorreu (e ocorre) nos demais ramos do conhecimento. Uma vez que tal
processo é irreversível (ainda que postergável) e de natureza disruptiva, cabe aos operadores
61
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho, Rio de
Janeiro: Campus, 1992.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
CUEVA, Ricardo Villas Bôas. Inteligência Artificial no Judiciário. In: Dierle Nunes, Paulo
Henrique dos Santos Lucon e Erik Navarro Wolkat (orgs.). Inteligência Artificial e Direito
Processual: os impactos da virada tecnológica no direito processual. 2ª ed. rev. atual. e ampl.
Salvador: Editora Juspodivm, 2021. p. 79-91.
GONÇALVEZ, Lukas Ruthes A tutela jurídica de trabalhos criativos feitos por aplicações
de inteligência artificial no Brasil. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do
Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-graduação em Direito. Curitiba, 2019.
Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/60345/R%20-%20D%20-
%20LUKAS%20RUTHES%20GONCALVES.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em:
10 out. 2020.
IRES, Thatiane Cristina Fontão; SILVA, Rafael Peteffi da. A responsabilidade civil pelos
atos autônomos da inteligência artificial: notas iniciais sobre a resolução do Parlamento
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