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CENTRO UNIVERSITÁRIO FARIAS BRITO

CURSO DE DIREITO

DIREITO DIGITAL E TECNOLÓGICO: O ORDENAMENTO JURÍDICO E A


NECESSIDADE DE REGULAÇÃO PERANTE A EVOLUÇÃO DA INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL

Geovane Plácido Silva

FORTALEZA
2021
CENTRO UNIVERSITÁRIO FARIAS BRITO
CURSO DE DIREITO

DIREITO DIGITAL E TECNOLÓGICO: O ORDENAMENTO JURÍDICO


E A NECESSIDADE DE REGULAÇÃO PERANTE A EVOLUÇÃO DA
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Geovane Plácido Silva

Monografia apresentada ao curso de


Direito do Centro Universitário Farias
Brito como critério parcial para a
obtenção do grau de Bacharelado em
Direito.

Orientador:

Prof. M.e Aldemar Monteiro da Silva Neto

FORTALEZA
2021
Esta monografia foi submetida ao curso de Direito do Centro Universitário Farias Brito
como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Na avaliação da banca, este trabalho obteve conceito ____________________,


conferido pelos avaliadores da banca e outorgada pelo referido Centro Universitário.

A citação de qualquer trecho desta monografia é permitida, desde que seja feita de
acordo com as normas científicas.

___________________________________________________
Geovane Plácido Silva

Banca Examinadora:

___________________________________________________
Prof. M.e Aldemar Monteiro da Silva Neto
ORIENTADOR

___________________________________________________
Prof. Renato Espindola Freire Maia

___________________________________________________
Prof. Dr. Samuel Miranda Arruda

Monografia avaliada em _____/_____/__________


Dedico este trabalho, ao meu avô Adairo
Plácido da Costa, na qual perdi durante o
desenvolvimento deste. Fica minha
homenagem à este grande homem.
Saudades eternas.
AGRADECIMENTOS

Certamente, nestas parcas linhas, não farão jus à todas as pessoas


importantes nessa fase tão importante na minha vida. Entretanto, aquelas que não
citei nominalmente, saibam que estão na minha mente e no meu coração , e terei
sempre o sentimento de mais forte gratidão.
Agradeço ao meu orientador Prof. Me. Aldemar, por sua profunda sabedoria
e sapiência, e que me guiaram até aqui.
À minha família, o meu cerne, que tanto estiveram ao meu lado nos momentos
mais difíceis da minha vida. Meus pais, pela tarefa de me guiarem nesse mundo tão
confuso, e que sempre me conduziram pelo caminho da retidão e honestidade. Às
minhas amadas irmãs, Geanne, Geanini e Lívia, pelo profundo amor que sempre
demonstraram comigo. À minha sobrinha, a doce Clara, que sirva de inspiração à você
no futuro. Aos meus cunhados, que são irmãos de outra mãe.
Devo o reconhecimento à minha família, pois acredito que sem o apoio deles
seria muito difícil vencer esse desafio. Aos meus avós, Adairo e Tereza, Vilma e
Gerson, que são os pilares da construção do meu caráter. Aos meus primos, que
foram os melhores amigos desde a tenra infância. Aos meus tios e tias, que tanto
apoio e incentivo me dispensaram.
Enfim, a todos os que por algum motivo contribuíram para a realização desta
tarefa, expresso aqui minha gratidão, pelas boas vibrações e os desejos de verem um
sonho se concretizar.
“Se o conhecimento pode criar problemas,
não é através da ignorância que podemos
solucioná-los.”
ASIMOV, Isaac, pai da robótica (1920-
1992)
RESUMO

Este trabalho tem como objetivo trazer à luz dos fatos o atual estágio de andamento da evolução
do ordenamento jurídico perante os avanços da Inteligência Artificial, com maior enfoque nas
possibilidades quanto ao cometimento de atos ilícitos, que atentem contra a proteção dos
estatutos legais aos bens juridicamente tutelados. Para tal, poderemos ver a evolução da
tecnologia conhecida como Inteligência Artificial, e as técnicas de Aprendizado Profundo, que
podem levar ao cometimento de delitos por parte destes dispositivos autônomos. O trabalho
realiza uma revisão dos estudos de caso no que tangem os aspectos legais, de casos concretos
que podem nos fazer pensar em um cenário onde tais situações poderão se tornar comuns, e que
nos leva ao questionamento, de o quão preparado o ordenamento jurídico brasileiro está para
enfrentar tais situações. Nesta senda, trazemos à baila, casos concretos que podem fornecer
subsídios legais e jurisprudência estrangeira , uma vez que tais eventos ocorridos, demandaram
um esforço legal de interpretação das normas vigentes de maneiras diversas, muitas vezes por
analogias, ou pelo puro bom senso. Além disso, o trabalho visa relatar a forma atual de visão
dos estudiosos acerca da culpabilidade de equipes, empresas e pessoas que desenvolvem tais
inteligências, e de que modo e até onde podemos definir autorias e analisar a culpabilidade de
terceiros em crimes cometidos por Inteligências Artificiais. Por fim, estudaremos o panorama
atual de nosso ordenamento, e quais iniciativas estão sendo previstas no curto e médio prazo
para abarcar possíveis lacunas legais deste aspecto tão atual .

Palavras-chave: Direito Digital, Inteligência Artificial, Autoria, culpabilidade


ABSTRACT

This work have a purpose bring to light some facts of the current state of progress of the
evolution of the legal system in the face of the advances of Artificial Intelligence, with a greater
focus on the possibilities regarding the commission of illegal acts, which attempt against the
protection of the legal statutes to the assets legally tutored. To this end, we can see the evolution
of the technology known as Artificial Intelligence, and the Deep Learning techniques, which
can lead to crimes by these autonomous devices. The work carries out a review of the case
studies in terms of the legal aspects, of concrete cases that can make us think of a scenario
where such situations may become common, and which leads us to question, how prepared the
Brazilian legal system is. is about to face such cases. In this path, we bring up concrete cases
that can provide legal subsidies and foreign jurisprudence, since such cases have required a
legal effort to interpret norms often by analogies, or by pure common sense. In addition, the
work aims to report the current view of scholars about the culpability of programmers,
companies and people who develop such intelligences, and how and to what extent we can
define authorship and analyze the culpability of third parties in crimes committed by Artificial
Intelligence. . Finally, we will study the current panorama of our order, and what initiatives are
being planned in the short and medium term to cover possible legal gaps in this very current
aspect.

Keyword: Digital Law, Artificial Intelligence, Authorship, culpability


SUMÁRIO
Introdução 09
1- Conceitos de Inteligência 15
1.1 Inteligência cognitiva a partir do ponto de vista de homens e máquinas 15
1.2 Aprendizado profundo de máquinas. 20
1.3 Aplicações práticas da IA 21
1.3.1 – Primeira Onda – IA da Internet 22
1.3.2 – Segunda onda – IA dos Negócios 24
1.3.3 – Terceira Onda – IA de Serviços 25

2- Legislação aplicada aos enfoques legais acerca de inteligência artificial, e seus


problemas atuais encontrados 25
2.1 Histórico da legislação no Brasil e Estatutos vigentes 26
2.2 Panorama futuro acerca da Legislação Específica sobre Inteligência
Artificial 36

3- Conceitos e teorias de autoria no ordenamento jurídico brasileiro. 38

4- A teoria doutrinária de culpabilidades e autoria de atos antijurídicos cometidos por


inteligência artificial 42

5- Considerações Finais 46
6- Referências 49
INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, percebeu-se o crescimento vertiginoso do uso do


computador para as diversas tarefas dos seres humanos. Até o início do século XIX,
as máquinas até então criadas, aumentavam nossos atributos físicos, como força e
velocidade. Porém, com o advento do computador, tivemos em mãos máquinas que
ampliavam a nossa capacidade de raciocínio e memória. Na visão de alguns
estudiosos, entende-se que estes novos tempos, nas quais estamos ainda vivendo,
estaríamos passando por uma nova revolução, desta vez da era digital, com impacto
de tamanha grandeza quanto a Revolução Industrial. De acordo com o pensamento
de QUINTARELLI(2019, pg 01), “a revolução industrial levou a uma profunda
reorganização social no que diz respeito ao modelo econômico anterior,
predominantemente agri cultural”. Os impactos são sentidos até hoje e inovaram as
áreas de atuação humana, como Direito, que passou a experimentar novos campos
de atuação. Relações trabalhistas, novas relações mercantis e diversas outras
interações que geram relações jurídicas requisitaram uma evolução na forma como a
lei interagia em nossos encadeamentos.

E, após um interlúdio de tempo relativamente curto, principalmente após a


Segunda Guerra Mundial, como analisa SANTANA (2015), houve um massivo
desenvolvimento de máquinas que impulsionaram ainda mais o conhecimento
humano e, neste esteio, teve lugar a computação atual. Foi, portanto, o início da era
digital. De acordo com a conceptualização de AZEVEDO (2017, p. 01), “entende-se
por Era Digital o movimento de inserção na sociedade de novas tecnologias e serviços
que utilizam desenvolvimentos recentes e que modificam a forma como o cidadão, a
sociedade como um todo, progride tecnologicamente”.

Esta era Digital citada pelo autor, é um período marcado por um cenário
mundial bastante volátil no que tange ao desenvolvimento de novos meios de
desenvolvimento, que se altera constantemente pelo fluxo imenso de informações ,
proporcionada pela imensa capacidade que os novos computadores ofertam, e
também, em decorrência de alterações contextuais que são frutos do progresso
tecnológico e científico tais como novas técnicas, novos métodos e estudos,
proporcionado por esta nova geração de máquinas.
11

Nesse contexto, essas máquinas começaram a fazer parte do imaginário


popular; já que, por adentrarem o campo da cognição humana, fizeram surgir novos
questionamentos acerca da imprevisibilidade desse desenvolvimento tecnológico.
Apenas a título de exemplificação, as reflexões sobre a temática giraram em torno das
seguintes questões: “E se as máquinas criarem consciência?”. “E se desenvolverem
algum tipo de inteligência?”. As incertezas acerca de como seria o futuro a partir de
então são amplamente exploradas pela literatura e pelo cinema.

Juntamente com essas ideias, a imaginação construída sobre a temática


permitiu o surgimento de outras indagações ligadas ao exercício do Direito, mais
especificamente sobre a possibilidade de as máquinas desenvolverem inteligência, ou
de serem capazes de cometer atos ilícitos, tais como roubos e até mesmo
assassinatos. Tais questionamentos já não estão distantes do nosso contexto atual.
A realidade de um mundo com máquinas inteligentes chegou, não está mais restrito
ao campo da ficção. Hoje, a situação em que vivemos, é que estamos cercados de
máquinas inteligentes, que podem aprender habilidades, automatizar tarefas e realizar
coisas que sequer estavam em nossa imaginação.

A indagação acerca de atos de ilicitude que pudessem ser lavados a cabo por
essas máquinas exige um esforço maior de reflexão, uma vez que o debate se
aprofunda, nos aspectos jurídicos e éticos vigentes em nossa sociedade. É cediço que
o direito deve estar atendo à evolução sociológica. Assim, conforme argumenta
AZEVEDO (2017, pg 01), “esse desenvolvimento tecnológico que cresce com
complexidade e rapidez faz aparecer riscos a sociedade e cada vez mais com maiores
impactos sem que possam ser limitados no tempo ou espaço”.

Este trabalho, desse modo, visa à discussão do tema que se segue: Até que
ponto nosso ordenamento jurídico ˗ com base em nosso modelo de sociedade ˗ está
vislumbrando este futuro? No sentido de estar preparado para essa realidade. É um
questionamento que se torna necessário, pois já não se circunscreve mais apenas no
campo da imaginação, já existem casos práticos. Porém, para que se possa discutir
tais questões, alguns pontos relevantes devem ser levantados. Quando se procura a
definição e descrição típicas de crimes, sempre veremos a previsão do cometimento
12

de tais condutas, por uma ou mais pessoas, autor e partícipe, as ferramentas usadas,
as circunstâncias, as motivações.

Porém, e se o autor tiver sido um dispositivo autônomo, dotado de uma singular


inteligência, algo que possa compreender que suas ações, geram resultados, e
inclusive , esta inteligência deseja e espera aprimorar a forma na qual consegue seus
feitos?

Entretanto, existem definições que deveremos esclarecer antes de prosseguir.


Para tanto, além do conceito de autoria, motivação, modus operante, etc, que são
aderentes à teoria do Direito Penal, devemos regredir ainda mais, para no campo da
cognição humana, com o objetivo de definir o que é inteligência. A descrição dada
pelo mestre DALGALARRONDO (2008, pg 277, grifo nosso) nos traz que:

Pode ser definida como o conjunto das habilidades cognitivas do individuo, a


resultante, o valor final dos diferentes processos intelectivos. Refere-se à
capacidade de identificar e resolver problemas novos, de reconhecer
adequadamente as situações vivenciais cambiantes e encontrar
soluções, as mais satisfatórias possíveis para si e para o ambiente,
respondendo às exigências de adaptação

Apreende-se do fragmento selecionado que a definição de inteligência pode ser


bastante ampla. De certo modo, concordamos com o autor ao argumentar que a
definição de inteligência pode ser extremamente ampla. Porém, o enfoque nestes
casos nos impele a concordar como autor. A capacidade de identificar o problema, e
resolver tal situação, encontrando soluções, é o que podemos identificar como uma
inteligência. Há discordâncias quanto à esta visão, mais uma vez, pelo mesmo ser
extremamente amplo. Como um contraponto, podemos mencionar DESCARTES,
considerado o pai do pensamento científico, que defendia a ideia que a inteligência
era inerentemente humana. Segundo DESCARTES apud CHITOLINA (2009 , pg 12):

Conduz Descartes da descoberta do Cogito à descoberta de Deus e do


mundo permite ao filósofo derivar três conseqüências fundamentais: a) a
mente é de natureza imaterial (res cogitans); b) o corpo é de natureza material
(res extensa); c) o homem é o único ser dotado de corpo e alma (um
composto substancial). O sujeito cartesiano é de acordo com o procedimento
metafísico o fundamento primeiro de todo conhecimento. Ou seja, todo
13

pensamento pressupõe um sujeito que pensa. Assentada sobre fundamentos


metafísicos, a física é alçada à condição de ciência. Uma vez estabelecida a
diferença de natureza entre mente e corpo, o filósofo afirma que o
pensamento é uma propriedade da mente – uma prerrogativa humana.

Ou seja, para Descartes, era impossível haver uma reprodução da inteligência,


fora do corpo humano, pois era a este que se abriam os conhecimentos. E que
portanto, tanto os animais quanto às máquinas, desprovidos de alma, seriam
incapazes de desenvolver tal capacidade.

Todavia, a inteligência, no seu conceito mais abrangente, não se circunscreve


apenas ao aspecto humano. A capacidade de resolução de problemas é inata aos
animais, e com o desenvolvimento tecnológico, também as máquinas. O avanço é
espantoso, tanto em termos de velocidade e de precisão de cálculos ( conhecimentos
exatos e quantitativos) quanto na capacidade de memorização e armazenagem de
dados ( processos mecânicos). Portanto, dispondo de tais ferramentas, as máquinas
estão sendo dotadas de uma capacidade ímpar de resolução de problemas, nunca
antes vista.

Se na prática a capacidade das máquinas interagir com nosso mundo antes era
relegada apenas às obras literárias ou cinematográficas, do gênero de ficção
científica, - cito como exemplos os filmes Eu, Robô (1950), de Isaac Asimov, ou filmes
como 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, e o clássico Blade
Runner (1982), do diretor Ridley Scott nos quais a narrativa estava pautada em futuros
distópicos – hoje, está cada vez mais ganhando contornos de realidade, munindo o
mundo e a sociedade de grande ansiedade e expectativa, exigindo profundas
reflexões sobre a nova realidade que inaugura.

Nestas primeiras páginas, nos debruçaremos sobre a evolução histórica destas


tecnologias, e quais as respostas dos ordenamentos jurídicos para tais situações. É
cediço que o Direito, por mais que tenhamos evoluído, ainda progride de forma mais
lenta que as transformações da sociedade. Portanto, o vislumbre de tais situações,
evoca o medo de um lapso que transportem tais situações em um limbo jurídico.
Relembro aqui a icônica frase proferida por EUGÊNIO FACCHINI NETO e
14

CRISTIANO COLOMBO (2018, p. 45): “a célere tecnologia sempre corre à frente do


paquidérmico direito”.

Nas próximas páginas, poderemos ter uma noção de casos práticos que já
envolvem as máquinas e suas interações com os bens jurídicos tutelados. Os enredos
variam, porém, mantem a unificação no aspecto legal, na qual os ordenamentos
jurídicos terão o desafio de buscar no campo legal, os estatutos capazes de conseguir
interpretar os anseios de uma evolução que está só no começo. A expectativa, tendo
em vista a velocidade das revoluções, é de que será difícil acompanhar .

E cabe aqui ressaltar o pragmatismo reinante no ordenamento jurídico pátrio,


que relega para um posterior momento, mesmo que as evoluções estejam em curso.
Tais situações acabam colocando a capacidade de decisões uniformes em cheque,
uma vez que os diplomas jurídicos e normas infraconstitucionais defasam e impelem
o poder judiciário à decisões conflitantes, que no médio prazo poderão evocar uma
situação de insegurança. Isto se dá pelo motivo que o devido ao processo legislativo
brasileiro é moroso, frente à transformações que ocorrem no mundo digital, que por
sua natureza são aceleradas, e a roda do desenvolvimento parece não querer refrear-
se, contando inclusive, com diversos atores incentivando este novo campo. Atento à
esta realidade, e exemplificando uma realidade particular, da China, o estudioso KAI-
FU LEE argumenta que:

Com os incentivos do governo chinês, transformará a sociedade, trazendo a


tona novos problemas legais, novos segmentos sócio econômicos advindos
de uma estreita relação da IA com a geração de riquezas , onde o valor da
informação, a capacidade de transacionar tais dados, em uma relação O2O (
On-line to Off-line), definirá os rumos que a sociedade poderá seguir, e com
isso, novos desafios advindos desta nova realidade, moldará o formato de
lidar com conflitos até então inexistentes”.

Seguindo estes argumentos propostos por KAI FU LEE, poderemos constatar,


que pelos diplomas legais em vigor, e pelos projetos de lei em tramitação, ainda
teremos que avançar bastante. Somados à isto, temos segmentos da sociedade e do
meio jurídico ainda resistentes, na qual demonstra que o panorama atual é desafiador.
Ficará a impressão que alguns pontos deverão ser tratados com maior atenção, e que
a tutela jurisdicional do Estado deverá buscar através de um esforço, meios de
15

acompanhar as mudanças que objetivamente afetarão o andamento processual de


toda uma cadeia de processos judiciais, que serão uma realidade no médio prazo, e
que demandarão um esforço dos juristas e operadores no sentido de buscar o
entendimento necessário para tais casuísticos.

Para melhor entendimento e capacidade de abordagem, este trabalho utiliza


método de abordagem indutivo. Considerando esta premissa, nosso foco será
iniciando-se a partir casos particulares a serem descritos até o momento, com os
estudos de caso até então ocorridos, e objetivando chegar-se-á a uma conclusão que
possa ser entendida, em contraparte á um assunto tão novo e de abrangência ainda
restrita. E no que tange à aplicação em si, os procedimentos escolhidos para a
condução do trabalho, de forma mais direta, e que foram adotados serão a pesquisa
bibliográfica e documental, tendo como norteadores, a base doutrinária , o direito de
outros países comparado, os casos práticos em outros países e as notícias de casos
análogos atuais e passados, para que fomentem a capacidade de análise.

Portanto, a intensa inquietação derivada destas novas situações jurídicas,


motivou o presente trabalho, que se objetiva em descrever o panorama atual, os
casos concretos, e as discursões acerca do tema, que levanta ainda mais dúvidas
sobre o futuro, tanto no mundo, quanto em nosso país. Este trabalho busca dar a
devida importância ao tema, que poderá afetar o nosso futuro, tendo o mérito de
explorar um campo ainda desconhecido, na qual o pioneirismo poderá impor
limitações ,porém, sem deixar de lado que é importante o debate constante das
evoluções sociais.
1 CONCEITOS DE INTELIGÊNCIA

1.1 Inteligência cognitiva a partir do ponto de vista de homens e máquinas

Baseando-se da ideia defendida por BLANCO et al (2017, pg 15) apud Passos


e Ferreira (2016), o raiz etimológica do termo inteligência, deriva-se do latim
intelligentia, que combina os sufixos de inter e gentia, respectivamente sendo uma
tradução direta, os termos entre e escolher. Seria a capacidade de realizar uma
escolha julgando-se como a mais indicada ou a mais correta.

Se considerarmos apenas o campo biológico, poderíamos dizer que a


inteligência trata-se da capacidade de um cérebro, através de sinapses, e demais
estímulos elétricos, controlar diversos outros subsistemas físicos, sejam eles
músculos ou órgãos para superar um desafio. Para a pedagogia, seria perceber uma
situação, e através de uma experiência anterior, tomar uma atitude perante algum
problema encontrado. Como se pode perceber, existem inúmeras formas de se
conceituar inteligência. Os conceitos não são mutáveis, eles se expandem e se
contraem conforme o conhecimento sobre os temas evoluem.

Por muito tempo, creditou-se a capacidade de raciocínio apenas ao ser


humano, como um direito divino, uma dádiva que só seria possível devido a alma
concebida por Deus. Este era o pensamento vigente por filósofos que vão desde Santo
Agostinho, até René Descartes. Este, em sua obra Da razão pelo método, explicou
que a relação corpo-espírito, dotava o homem de capacidade de pensamento, e que
daí era concebida a inteligência. Ou seja, somente dotado dessa dualidade corpo-
alma era na qual os seres poderiam desfrutar de uma capacidade de intelecto. E que
portanto, animais e constructos, não teriam esta capacidade. Neste diapasão, é muito
bem colocado por CHITOLINA (p.255), acerca da metafísica cartesiana:

Não se pode atribuir ao homem o que é prerrogativa do ser soberanamente


perfeito.
Ao homem é dado gerar a vida humana, construir meios (instrumentos) que
possam aliviaro peso de seu trabalho e melhorar o seu bem-estar; porém,
não está em seu poder criar a
vida nem dotar de inteligência seres artificiais; ao homem (ao ser finito e
17

limitado)
correspondem poderes finitos e limitados. À diferença dos mecanismos
operacionais de uma máquina (que não podem se opor às determinações de
seu construtor), a razão, segundo Descartes, embora seja lógica e
ontologicamente determinada por seu criador, não opera como uma máquina.
Ou seja, não pode ser reduzida a um dispositivo automático. Seus processos
ou movimentos não são mecânicos (regidos pelas leis mecânicas). Ao
contrário, enquanto as máquinas produzem (quando não possuem defeitos),
invariavelmente sempre os mesmos resultados, a razão humana é livre para
querer e não querer, para acertar e errar, podendo, portanto, extrair
conclusões diferentes sobre o mesmo problema. É a capacidade de pensar e
de conhecer (aprender), ou seja, o fato de possuir uma mente, que permite
ao homem pensar criativamente. Disso se seque que se as máquinas não
podem pensar, é porque não possuem mente.(Grifo nosso)

A percepção de tal construção de definição da inteligência, foi sendo alterado


no decorrer do tempo, uma vez que, com base em pesquisas e estudos acerca da
cognição humana, esta visão foi sendo mudada. Estudiosos da área da psicologia e
da pedagogia não chegaram ainda a um consenso sobre o que é a inteligência e qual
a sua origem. A título meramente exemplificativo da complexidade do assunto,
citemos a Teoria das Múltiplas Inteligências, formulada por Howard Gardner, que
defende não uma, mas sim variados tipos de inteligência para diferentes contextos.
(RODRIGUES, 2015, pp. 7-9). É importante ressaltar que, por sua capacidade de
raciocínio e de resolução de problemas, o homem era a manifestação máxima de
inteligência. Porém, aos poucos, esse intelecto foi sendo superado pelas máquinas,
seja na capacidade de raciocínio matemático ou na capacidade de memorização.

Porém, apenas o raciocínio matemático, a memorização, ou talento artístico,


aspectos notadamente considerados humanos, separadamente não constituíam uma
inteligência por si, mas atributos que poderiam ser desenvolvidos em uma máquina.
Porém, como se verá a seguir, houve o momento de ruptura, na qual os atributos
foram somados, e as máquinas puderam utilizar todo este potencial. A partir deste
pressuposto, temos o nascimento da área da tecnologia de informação chamada
Inteligência Artificial, sendo também objetivo deste trabalho delimitar o que é a
Inteligência Artificial e suas diversas ramificações.
18

Antes de pretender mimetizar o pensamento humano em um meio artificial, os


homens, em especial os filósofos, tentavam primeiramente entender como operava o
pensamento humano (RUSSELL e NORVIG, 2004, p. 3). Esta tentativa de entender ,
como um amontoado de carbono, dotados de um órgão capaz de sinapses, consegue
manipular um mundo muito maior que ele. E além disso, como em um período de 10
mil anos, este amontoado de carbono, conseguiu replicar sua forma de raciocinar e
implantar isso para meios totalmente artificiais, e deu-lhes o nome de Inteligência
Artificial. Miles Brundage (2018, p. 13) define “Inteligência Artificial como um corpo de
pesquisa e engenharia focado em utilizar tecnologia digital para criar sistemas
capazes de desempenhar tarefas que requerem o uso de inteligência, normalmente
desempenhadas por indivíduos humanos”. Brundage (2018, p. 14), em seu ensaio,
sustenta que:

“ há muitos usos possíveis do termo para esgotar sua capacidade de


entendimento, e para essa tecnologia, como por exemplo desempenhar
tarefas que sejam consideradas tediosas ou que demandam uma grande
quantidade de tempo para realizá-las. A título exemplificativo, as máquinas
que traduzem texto (como a da Google) se enquadram nessa categoria.”

Porém, temos que entender que esta ruptura, de máquinas dotadas de atributos
como memória e processamento, para o advento da capacidade de emulação do
raciocínio, houve uma evolução constante. E que o tema de IA já não se restringe
mais aos meios acadêmicos nem presos à uma parte do mundo, mas em qualquer
lugar no globo hoje, a IA é debatida. Nas palavras de KAI FU LEE (2019, pg 13), “a IA
tende a ser a 3º Revolução Industrial, que poderá ser muito mais rápida que as
demais”.

A primeira revolução que teve as máquinas como protagonistas, foi durante o


advento dos motores a vapor, iniciada na Inglaterra, no século XVII, e que demorou
aproximadamente 200 anos para exaurir-se.

A segunda, a Revolução, chamada de tecnológica, pode ser datada com o fim


da Segunda Guerra Mundial, na qual os computadores primitivos de uso prático foram
inventados, a destacar o ENIAC nos EUA (1945), e o COLOSSUS no Hut 8, na
Inglaterra, por Alan Turing.
19

Desde então, em menos de 80 anos, a humanidade assiste um avanço


assombroso no desenvolvimento de computadores. A capacidade de processamento
e armazenamento de dados evoluíram e possibilitaram feitos incríveis, tais como a era
espacial, e o advento da internet.

E por último, assentada sobre a Revolução Tecnológica e seus


desdobramentos, desde a década de 80, pioneiros da Inteligência Artificial tomaram
pra sim, um desafio monstruoso: recriar a inteligência humana em máquina. Esta
combinação extremamente clara e complexa, foi iniciada por Marvin Minsky e Herbert
Simons (KAI FU LEE, pg 19). A abordagem nos primórdios da IA encaminhou-se por
dois caminhos: a tese de IA baseada por regras, e abordagem por redes neurais. A
ideia dos pesquisadores baseados em regras, era simples: através de sistemas
simbólicos, tentavam ensinar a máquina a tomar decisões, utilizando regras lógicas:
se X for válido, então tomar ação Y. Esta abordagem era muito eficaz em jogos
simples, porém desmorona quando confrontada com situações imprevistas.

Já as redes neurais, utiliza uma abordagem de ao tentar ensinar as decisões à


máquina, tenta-se recriar o cérebro humano, como teias emaranhadas de camadas
de neurônios, construindo “neurônios” artificiais, que se comportam recebendo
estímulos e transmitindo informações. Ao contrário do sistema de regras, as redes
neurais não determinam regras para a AI. Ela dá exemplos de determinados
fenômenos, como jogos de xadrez, tipos de imagens, e deixam que as redes neurais
estabeleçam padrões dentro dos dados recebidos. Quanto menor a interação
humana, melhor. Resumindo, para exemplificar, em um caso prático: identificar um
gato em uma imagem. Na abordagem de regras, a máquina baseada em diversas
regras de “SE e SENÃO” tomaria uma decisão (SE há duas formas triangulares em
cima de uma forma circular, ENTÃO provavelmente é um gato).Esta forma, é mais
rápida, mais direta, porém, se a foto houver outras formas semelhantes, levaria a
Inteligência Artificial ao erro. Já por meio da abordagem de rede neural, esta deveria
receber milhares de fotos de gatos, e por si só, tentaria achar um padrão , para
responder e tomar uma decisão. Ou seja, a IA deveria ser treinada, o que demandaria
tempo. Porém, é muito mais precisa.
20

Desta abordagem, é que o impulso maior foi dado. De acordo com JORGE
MUNIZ BARRETO (1997, p. 64), “a construção de redes neurais artificiais tem
inspiração nos neurônios biológicos e nos sistemas nervosos”. Neste mesmo
contexto, é importante ressaltar que, na opinião do mesmo estudioso, “as redes
neurais artificiais consistem em sistemas complexos, cujos elementos são os
neurônios constitutivos e as conexões que eles realizam” (1997, p. 69). Portanto,
agindo desta forma, as unidades individuais ( que seriam os “neurônios”) como
entrada de dados, são inseridos os inputs de outras unidades, além de, no mesmo
sistema, passam a repassar outputs para demais “neurônios”, atuando assim, de uma
forma bem rudimentar, mimetizando as reações eletroquímicas, que são feitas em
nossos troncos cerebrais, semelhantes as alterações que ocorrem nas sinapses do
sistema nervoso humano, difundindo “informação” por toda a rede.

Neste primeiro impulso, as pesquisas avançaram bastante, mas logo no fim da


década de 60 estagnou-se. Segundo PEIXOTO apud FLEMMER (2020, pg 148), isso
se deve ao foco maior em sistemas de maior poder de processamento bruto, na qual
o IA era o oposto. Então a evolução foi se dando por ondas. Em 1988, o Modelo Oculto
de MARKOV, iniciou uma nova onda de aprendizado de máquinas, utilizando redes
neurais para realizar reconhecimento de voz. Mas não foi suficiente para a indústria
como um todo voltar os olhos para esta área.

Mesmo com a negligência da indústria em não olhar profundamente a evolução,


os meios acadêmicos já estavam se movimentando. Conforme cita MARQUES
(2021,pq 01), popularizando após conferências de tecnologias o adotarem por meio
de uma abstração, como durante uma conferência, em 1956, na Dartmouth College,
prestigiada instituição acadêmica nos Estados Unidos, em New Hampshire. Na
ocasião, foi definido que o significado de Inteligência Artificial se dá como a "ciência e
engenharia de produzir máquinas inteligentes". Se para tal intento, hoje em dia já soa
como um termo futurista, imagina à época dos fatos narrados. Porém, esta evolução
era lenta, conforme se avançava, os progressos eram insipientes.

Entretanto, dois fatores no fim dos anos 90 foram impulsionadores de uma nova
onda de progresso: a massificação de dados decorrente do crescimento da internet e
o machine deep learning.
21

1.2. Aprendizado profundo de máquinas.

Neste novo salto, uma nova área totalmente nova surgiu para a capacidade de
tomada de decisão por máquinas. Segundo SHABBIR e ANWER (2015, pg 33), se a
inteligência artificial se refere à capacidade de reprodução artificial da capacidade de
adquirir e aplicar diferentes habilidades e conhecimentos para solucionar problemas,
resolvendo-o e raciocinando, ela também deveria aprender com as situações. Esse
aparato, deveria estar suportado com êxito a partir do envolvimento de funções tais
como linguagem, atenção, percepção, planejamento, memória e direcionamento, tudo
de forma artificial. Tudo isso, foi aprimorado em uma técnica chamada deep learning,
na qual, para MAINI e SABRI (2017), isto é uma subárea da IA, destinada a permitir
que computadores possam aprender por conta própria, utilizando algoritmo de
identificação de padrões em dados fornecidos.

Temos portanto, que machine learning, nas palavras de Fabiano Hartmann


Peixoto e Roberta Zumblick (2018, p. 89), “consiste na habilidade de sistemas de IA
adquirirem conhecimento próprio ao extrair padrões de dados não processados”. Por
trás deste conceito baseado na premissa explicada anteriormente, o fundamento
desta técnica, decorrente dos avanços não só IA, mas também de capacidade de
processamento e armazenagem de dados, invoca a ideia de que se possa ter como
base, o aprendizado completo por parte do dispositivos ou algoritmo, e este possa,
por meio de tentativa e erro, adquirir friamente o objetivo final e contornar o problema.
Esta visão é uma forma que possibilita a área de pesquisa alcançar que os
computadores aprendam de forma independente sem intervenção humana. Assim, o
machine learning seria uma forma dos computadores melhorarem sua performance
através da experiência, desde que devidamente programadas para aprenderem
(RUSSELL, 2016).

Portanto, retomando o debate acerca de inteligência, se as máquinas podem


resolver problemas, dadas as variáveis propostas, tomando decisões , inerentes ao
seu código, a evolução da técnica de deep learning, foi a disponibilização da
capacidade de aprendizado por essas inteligências artificiais. Se temos a inteligência
artificial como a tecnologia disponível para tal, o aprendizado de máquina, foi a técnica
que alavancou a Inteligência artificial para o patamar que hoje estamos presenciando.
22

1.3- Aplicações práticas da IA

KAI FU LEE aponta que a Inteligência artificial, após a evolução com o


aprendizado profundo, apresentará modificações profundas em nosso tecido social.
Nas palavras dele, as aplicações práticas, no cotidiano das pessoas, irão trazer as
implementações online para o nosso mundo offline. Com o gabarito de ser um dos
fundadores da Zhongguancun, a sede chinesa das potências tecnológicas, o autor
credita que a inteligência artificial virá em ondas. Estas ondas virão somadas às
preocupações inerentes ao ordenamento jurídico, que por sua vez preocupam-se com
os bens jurídicos tutelados.

1.3.1 – Primeira Onda – IA da Internet

A primeira onda, é a onda da Internet, que já está em vigor. Trata-se da


composição de algoritmos que otimizam as buscas, e fazem com que o usuário seja
sugestionado a consumir determinados conteúdos. Através do histórico de pesquisa,
estes algoritmos automaticamente já buscam correlações perceptíveis nos seu
comportamento e traçam estratégias para que o usuário esteja sendo sugestionado à
compra de produtos, ou visualização de conteúdos baseados nas escolhas que o
mesmo teve. Segundo o autor, essa aplicação é chamada de “motores de
recomendação, sistemas que aprendem nossas preferências pessoais e em seguida
veiculam conteúdos escolhidos a dedo para nós”.

A potência destes mecanismos de inteligência artificial depende dos dados


digitais aos quais têm acesso. Possivelmente, veremos em um futuro próximo, que a
quantificação e precificação destes dados, irão promover uma revolução ao tornar
estes dados, unidades monetárias, e por conseguinte, bens juridicamente tutelados.
Porém, como esse mundo é totalmente novo, ainda não existe base legal para definir
o valor do bem intangível baseado em dados coletados pelas redes, e rotulado como
padrões. Afinal, de quem são estes dados? Ainda não há uma resposta para isto, mas
este trabalho busca entender o fenômeno.

Nestes casos, dados rotulados não significam que eles foram necessariamente
gerados por um ser humano de forma consciente. As vezes basta apenas seu intuito
de navegar. Os próprios dispositivos fazem uma correlação de interesses, baseados
23

em informações que talvez o usuário nem mesmo faça ideia. Por exemplo, um estudo
citado por MARQUEZ (2020, pg 12), cita que o Alibaba, site bastante difundido de
compras online na China, sabe que consumidoras chinesas, com idades entre 24 e
40 anos, que moram na região de Wubei, a partir das 20:00 da noite, em meses de
calor, tendem a comprar mais lingerie às terças-feiras. Com essas informações,
obtidas por Inteligência Artificial, traçadas por algoritmos que aprenderam com
toneladas de dados brutos, e por meio de diversas interações, conseguem rastrear e
encontrar esses paralelos. Com isso, o Alibaba, faz promoções a anúncios
direcionados nas terças feiras à noite, sugestionando às suas consumidoras, uma
maior oferta de produtos que agradem à este comportamento, sem explicação lógica,
mas que pela força dos hábitos traçados pela inteligência artificial, se mostram
poderosas ferramentas de propulsão de vendas.

Porém, existe o limite ético que deve ser observado. O aumento das teorias de
conspiração, propagadas por sites da Alt Rigth (direita alternativa, em tradução livre:
grupos de direita que utilizam de blogs, e sites para propagação de notícias falsas e
teorias conspiratórias) americana, utilizando o Youtube, mostra que a inteligência
artificial pode ser também um potente motor na propagação de discurso de ódio, de
fake news e radicalização de pessoas que , sem noção daquilo que consomem nas
redes, vão aprofundando cada vez mais neste universo. Segundo o estudo de
HEWEISS e ABBOTT (2020, pg 12), o algoritmo do YouTube, na ânsia de perceber
que deve manter o seu usuário ainda mais conectado em sua plataforma, sugere
vídeos cada vez mais obscuros. Esta otimização traduziu-se em fortes aumentos de
tráfego em perfis antes desconhecidos, que ganharam força a partir do momento que
a aprendizagem profunda de máquinas entregou aos usuários, materiais que eles
pesquisaram. Antes, talvez uma grande parcela de indíviduos não chegariam aos
cantos mais obscuros de teorias da conspiração, se a Inteligência artificial desta onda
não tivesse chegado aos computadores de tais indivíduos.

Segundo LEVISTKY e ZIBLATT ( 2018, pg 83-98), em seu aclamado livro Como


as democracias morrem, discorrem que, adotando esses mesmos métodos em
contexto diferente, a empresa Cambridge Analytica usou os dados do Facebook, para
entender melhor e atingir os eleitores norte americanos durante a campanha
presidencial de 2016. De maneira reveladora, Robert Mercer , fundador da Cambridge
24

Analytica, foi acusado de manipulação de comportamento com o intuito de fraudar ou


atingir da democracia nos EUA. O processo está em andamento, e infelizmente, o
processo tramita em segredo de justiça, pois se trata de conteúdo taxado pela Lei se
segurança dos EUA.

1.3.2 – Segunda onda – IA dos Negócios

Pois chegamos agora á segunda onda, que é a IA de negócios, que nas


palavras de KAI FU LEE (2020, pg 136), a inteligência artificial tira proveito das
empresas tradicionais etiquetam seus dados, e com isso conseguem aumentar a
inteligência ao combinar dados, e por conseguinte, analisar melhor alguns dados que
não são abertos. Isso se traduz em aplicações que analisam milhares de contratos de
empréstimos, apólices de seguros, concessão de benefícios e conseguem determinar
com maior exatidão probabilidades de sucesso ou erro. Isso porque humanos se
baseiam em predições fortes, no máximo 10 ou 11 parâmetros (KAI FU LEE, pg 136),
pontos de dados altamente relacionados a um resultado específico, quase sempre
baseados em ocorrências do tipo causa e efeito. Um exemplo disso ao prever a
possibilidade de alguém desenvolver diabetes, analisando seu peso, altura e idade,
podemos avaliar com certa facilidade. No entanto, algoritmos de inteligência artificial
conseguem analisar milhares de outras características fracas: pontos de dados
periféricos que parecer não ter relação com o resultado final, mas contêm algum poder
de predição se combinados com outros fatores. Esta é a força da segunda onda, na
qual o mundo dos negócios poderá ser afetado.

Porém, já houveram questionamentos muito fortes acerca de tais práticas. O


maior questionamento, é quanto ao viés discriminatório que algumas inteligências
artificiais desenvolveram.

No artigo publicado por BARBOSA (2021, pg 01), ele cita:

Os métodos estatísticos utilizados no processamento de dados por algoritmos


podem reproduzir vieses já existentes e levar a resultados discriminatórios,
até porque nexo de causalidade e correlações são definidos pelos
controladores de dados, que acabam transmitindo vieses existentes nos
processos tradicionais de tomadas de decisões. A discriminação algorítmica
decorre do fato de que nessas operações por algoritmos alguém pode
25

pertencer a determinado grupo e ser julgado a partir das características


generalizada desse grupo, onde as características individuais de uma pessoa
são desconsideradas, sendo vista apenas como membro de um dado
conjunto de pessoas. A ocorrência da discriminação se torna melhor
explicável quando se conceitua generalizações em consistentes (universais
e não universais) e inconsistentes. As generalizações consistentes podem
ser subdividias em universais e não-universais. Nas universais tem-se como
destaque o exemplo utilizado por Aristóteles de que “Todos os humanos são
mortais”, o que significa que a totalidade da raça humana um dia, de fato,
morre, de modo que essa generalização se mostra verdadeira em 100% dos
casos. Nas não universais a generalização não se presta a descrever a
totalidade de um grupo, mas sim uma característica compartilhada da maioria
dos indivíduos daquele grupo, o que pode utilizado com grupo de indivíduos
de determinada localidade. Generalizações inconsistentes são as que falham
em preencher os parâmetros anteriormente definidos.

Percebe-se que, podem haver distorções na qual a tutela do poder judiciário


deverá atuar. A discriminação para com determinados grupos podem surgir desta
nova onda, na qual a avaliação de crédito, conceção de benefícios poderá se basear
em aprendizado de máquina que adquire viés discriminatórios. Este problema já foi
uma realidade encontrada, na qual a segunda onda da IA, que deverá ser aprimorada
a fim de evitar discriminações de raça, ou estratos sociais. Os desenvolvedores de
aplicações deverão se atentar, uma vez que é notadamente ilegal um conduta
discriminatória.

1.3.3 – Terceira Onda – IA de Serviços

A terceira onda, será a IA de serviços, na qual serviços considerados essenciais


hoje, poderão ser afetadas pelas aplicações práticas. De acordo com GLASER( 2017),
os princípios semelhantes no poder de decisão se dará no sistema legal dos países.
Empresas como a iFlyTek desenvolveram soluções que aplicam a inteligência artificial
nos tribunais. Construindo ferramentas e executando pilotos que executam tarefas
guardadas aos magistrados , usando casos na zona judicial de Xangai julgados
anteriormente, para auxiliar juízes nas provas e sentenças. Um sistema de referência
cruzada é utilizado para comparar provas, analisar o reconhecimento de fala, e o
processamento de linguagem natural para comparar diversas provas acostadas, tais
como testemunhos, depoimentos, materiais de apoio, fotos, etc, e conseguem com
26

uma exatidão impressionante, apontar falhas e lacunas factuais contraditórios. E


então, alerta o magistrado para o fato, sugerindo uma maior atenção no apontamento.

Além disso, no estudo de Sarah Dai (2017), analisando as ferramentas


disponíveis na zona de julgados de Xangai, outra ferramenta já está disponível para
os juízes da zona de Xangai. O assistente de sentenças desenvolvida pela Tecent,
começa com padrões factuais, tais como ficha criminal do acusado, idade, danos
causados, e assim por diante. No entanto, ao mesmo tempo analisa milhares de casos
semelhantes , e assim, utilizando indicadores que são impossíveis para os humanos,
sugere ao magistrado o tamanho da pena, tempo de prisão e multas, considerando o
resultado efetivo em outros casos semelhantes.

Tais exemplos, trouxeram ao poder judiciário chinês, um processo que cria


consistência ao se analisar que mais de 100 mil juízes obtém um padrão de sentença
que torna efetiva o cumprimento da sentença. Tudo isso, com resultados práticos, que
desde 2014 já foi alimentado inúmeras vezes, que cada vez tornam o algoritmo
altamente preciso. Segundo Stern (2017), a ideia é extremamente válida: com o
passar do tempo, a grande disponibilidade de dados pode ajudar e facilitar sua
disseminação para os outros domínios legais. Isso traria uma agilidade aos sistemas
legais.

2 LEGISLAÇÃO APLICADA AOS ENFOQUES LEGAIS ACERCA DE


INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, E SEUS PROBLEMAS ATUAIS
ENCONTRADOS

Após entender que o conceito de inteligência é bastante amplo, que envolvem


as questões cognitivas que não podem ser restritas apenas ao campo da mente
humana, vimos um histórico bastante resumido da Inteligência artificial, e também
suas aplicações práticas já em voga.

Antes porém, é importante ressaltar os desafios inerentes. Como já explicado,


toda esta evolução está em curso, e quaisquer cenários desenhados aqui seriam
meras conjecturas. Não há nenhum cenário claro no momento, apenas experiências
27

de países como EUA e Cina, que hoje são disparados os líderes em IA. Ambos,
possuem um aparato legal que estimulam o desenvolvimento de IA. Porém, pode-se
ver uma leve vantagem chinesa neste quesito. Hoje, a IA é uma política de Estado, e
os chineses avançam em passos largos no intuito de automatizar sua economia, gerar
riquezas e garantir um ambiente competitivo. Mas mesmo nestes países, os desafios
são os mesmos que deveremos ter aqui no Brasil. No estudo de FARO (2019, pg 01),
“A busca por uma regulamentação adequada das relações humanas em ambiente
digital enfrenta diversos desafios, que não podem ser apartados da tecnologia e do
Direito. O primeiro problema que deveremos lidar é a Insegurança Jurídica gerada
pela ausência de legislações especificas. FARO (2019,pg 01) diz “O cenário atual está
cercado por dúvidas sobre como pensar o Direito em uma sociedade tecnológica e
cada vez mais ampla. Sem contar que as leis responsáveis por regulamentar as
relações digitais ainda são escassas e carecem de maior clareza.” Outro fator
complicador é a Agilidade das Transformações, uma vez que o nível de
desenvolvimento está impressionante. A cada dia novos paradigmas são quebrados,
e as barreiras de onde a Inteligência Artificial pode chegar não estão claras.
Associadas à estes fatores, ainda está uma visão pragmática e tradicionalista do
Direito. Nos dias de hoje, o apego formal aos conceitos sedimentados poderá ser uma
sentença fatal, que poderá causar muitos problemas.

Por isso, deve-se verificar o histórico do ordenamento jurídico brasileiro, que


tentou nos últimos quarenta anos, acompanhar a evolução tecnológica. Passemos à
apresentação dos dispositivos legais que, regem o ramo do direito tecnológico no
Brasil, e que no futuro, poderão reger aspectos da inteligência artificial em nosso
ordenamento jurídico pátrio.

2.1-Histórico da legislação no Brasil e Estatutos vigentes

Para chegarmos aos projetos de lei em tramitação, uma vez que a matéria aqui
discutida ainda não possui nenhum diploma legal específico, é importante ressaltar
que o Direito digital, comumente conhecido no Brasil, já possui um histórico que
remota à 1976 no Brasil, onde os primeiros estudos começaram por volta de 1976,
com Mario G. Losano.
28

Visando elucidar o tema, segundo DELGADO (2002, pg 01), “Não se pode


ignorar os fenômenos vivenciados, na atualidade, pela sociedade e que estão ligadas
a fatos decorrentes do uso da informática, exigindo, conseqüentemente, a presença
de regras jurídicas para discipliná-las.”. Ou seja, havia-se a necessidade premente de
tentar acompanhar a evolução dos primórdios da tecnologia em nosso ordenamento
pátrio. Tarefa esta que necessitava de um grande entendimento da área da
informática, e do Direito.

Sabendo dos desafios, em sua obra Informática Jurídica , de 1976, o mestre


Mário Losano, se deparou com a dificuldade de se acompanhar uma ciência tão
rápida. Cita-se que desde a invenção do telefone, demorou-se mais de 100 anos para
chegar ao número de 300 milhões de linhas instaladas. Já a informática, necessitou
de menos de 20 anos para alcançar o mesmo número de pessoas com acesso aos
computadores pessoais. Portanto, a agilidade é imensa, e o desafio do Direito é
acompanhar tal evolução. Na visão de LOSANO (1976,pg12), os aspectos a serem
observados deveriam ser:

a) o de que o mundo do Direito, na sua totalidade, deve ser considerado "um


subsistema em relação ao sistema social" e, por isso, devem ser "estudadas
as inter-relações entre os dois, conforme um modelo cibernético";

b) no mundo do Direito estudado como um sistema normativo, dinâmico e


auto-regulador, cabe inserir os problemas gerados pelo uso da informática;

c) os modelos jurídicos cibernéticos, em geral, deveriam ser idealizados tendo


em vista a sua utilização em máquinas cibernéticas.

Estes aspectos, nos levariam ao entendimento, que o Direito Digital, enquanto


disciplina subordinada , e autônoma, seriam essenciais ao prover ao estudo do Direito
ferramentas que pudessem proteger os novos bens que estavam surgindo, em
especial, os dados, tão caros ao novo ordenamento social. Nas palavras do mesmo
ilustre mestre, sua idéia de novo ramo do Direito, defendia que:

Há, portanto, campo aberto para que o Direito Informático surja, com absoluta
autonomia, possuindo princípios específicos e abrangendo o disciplinamento,
com regras próprias, das seguintes situações fáticas:a) as fraudes
provocadas por manipulação de dados e programas;b) o furto, a apropriação
29

indébita e o estelionato no âmbito da informática;) a prática de crimes do


colarinho branco por via da utilização dos computadores; idem os contra a
liberdade individual, a intimidade ou o sigilo das comunicações;d) os delitos
na área dos direitos autorais;e) os crimes contra a propriedade industrial, a
proteção de marcas de indústria e comércio (espionagem ou sabotagem
industrial);f) a delimitação da responsabilidade civil pelos danos causadas por
vírus introduzidas no computador;g) a configuração de crime par ao fato de
enviar vírus, haja vista que o delito, na atualidade, não se ajusta, pelas suas
proporções, ao dano como configurado pelo Direito Penal;h) os atentados às
redes de telecomunicações nacionais e internacionais;i) a formação dos
negócios jurídicos, o momento de sua consumação, a execução, a simulação,
a aplicação do direito do consumidor, etc.

Pode-se perceber a preocupação, com os atentados e crimes que poderiam vir


a ocorrer. Os meios de propagação de informação, e a materialização da geração de
valor inerentes à estas novas técnicas, seriam um terreno fértil para toda uma nova
leva de crimes. E isto, à época, só foram consideradas as infrações cometidas por
seres humanos, utilizando os computadores para obter seu intento criminoso.

E desde então, houveram adaptações, do Direito Analógico para o Direito


Digital, quanto ao cometimento de crimes. Porém, sempre foram adaptações tímidas,
principalmente considerando o tamanho da movimentação de dados, valores e
pessoas integrantes do mundo digital. As primeiras leis específicas, datam apenas da
década de 2000. A primeira delas, foi a Lei nº 12.737 de 2012, que tipificou os crimes
cibernéticos e alterou o código penal para prever infrações no âmbito do Direito
Digital. Foi popularmente chamada como a Lei Carolina Dieckmann, famosa atriz que
sofreu com o vazamento de fotos íntimas, e que motivou o referido diploma legal. O
âmbito desta lei, foi proteger a privacidade e a integridade dos dados pessoais dos
usuários. A mesma produziu a previsão legal ao inserir no Código Penal, três tipos
penais específicos , que se encontravam na seara dos crimes informáticos: a) invasão
ou quebra de segurança de dispositivo eletrônico de dados de terceiros( Art. 154-A,
CP); b) perturbação de continuidade ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico,
informático, telemático ou de informação de utilidade pública (Art 266, §§ 1º e 2º do
CP); e c) utilização falsamente de cartão de crédito ou débito (Art. 298 do CP);
30

LIMA (2014), cita em seu artigo, que além da referida Lei, ainda na mesma
época, no esteio das alterações promovidas pelo diploma legal citado, vieram novas
regulamentações que buscaram ampliar a segurança jurídica dos consumidores que
estavam já adotando o comércio eletrônico para realizar suas compras. O Decreto Nº
7.962/2013, veio de encontro aos anseios que se esperavam os consumidores, que
pela primeira vez , tiveram um dispositivo que pudesse versar sobre os novos meios
de compras. O decreto, homologado, trouxe a regulamentação do Código de Defesa
do Consumidor, com o objetivo de “dispor sobre a contratação no comércio eletrônico.
Traz diversos esclarecimentos sobre atendimento ao consumidor em relação às
compras realizadas pela internet, direito de arrependimento em comércio eletrônico,
abordando até mesmo o tema das compras coletivas;”

Portanto, mais um passo importante para a regulamentação de trocas e


proteção da parte hipossuficiente. Porém, não impediu-se o aumento de casos de
fraudes, e cometimento de diversos tipos de crimes. O poder legislativo, movimentou-
se mais uma vez, e trouxe em seu bojo, após inúmeros debates, a Lei nº 12.965, de
2014. Tal leio veio no esteio e crescimento do Wikileaks, um repositório de
informações vazadas de diversos governos, e que identificou-se uma tentativa do
Governo dos EUA em obter informações de diversos países, inclusive aliados.
Demonstrou-se cabalmente, que o valor das informações, e a fragilidade dos
sistemas, poderiam comprometer inclusive a Segurança Nacional. Motivados por tais
preocupações os legisladores brasileiros votaram e homologaram o Marco Civil da
Internet, importante dispositivo legal. Citando LIMA, resume que :

Lei Nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) - Estabeleceu princípios,


garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, tanto para
provedores de conexão, provedores de aplicação e usuários da Internet. É
um marco mundial, no que concerne ao tratamento da Internet sob a ótica do
Direito Civil, sendo referenciado por alguns como a "Constituição da Internet",
tendo em vista o caráter principiológico da norma. Tem sido objeto de várias
discussões, especialmente no que concerne à futura regulamentação que o
Poder Executivo fará à norma, tratando, entre outros, do tema da neutralidade
de rede, o que ocorrerá, após as consultas públicas do Comitê Gestor da
Internet e da Agência Nacional de Telecomunicações;
31

Desde o Marco Civil da Internet, foi importante a movimentação da OAB no


sentido de manter o tema em foco. Através de comitês próprios, a OAB manteve a
pressão no Poder Legislativo, antevendo a necessidade da proteção aos dados
pessoais, e o imenso aumento de crimes virtuais. Segundo um levantamento da
CyberNews, citado por KLEINA(2020, pg 01), além dos inúmeros crimes já em
transcurso, o mês de Maio de 2020, foi o mês recordista na qual os crimes
cibernéticos foram cometidos. A pandemia de COVID-19, aumentou o número de
pessoas trabalhando em casa, o que aumentou em mais de 40% o nível de tráfego
sobre a Internet, e conseguinte, novas oportunidades para o cometimento de fraudes
de toda natureza. Além disso, em Abril de 2020, o FBI , órgão de investigação federal
dos EUA, notificaram que durante a pandemia, os crimes virtuais quadruplicaram.

Neste contexto, ressalta-se a promulgação da última lei voltada para o mundo


cibernético. A conhecida como LGPD, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
(Lei nº 13.709, datada de 14 de agosto de 2018), fora aprovada em 2018,e após
alguns reveses, entrou em vigor a partir de 14 de agosto de 2020. Segundo o STJ,
a lei tem como princípios:

I – o respeito à privacidade;II - a autodeterminação informativa;II – a liberdade


de expressão, de informação, de comunicação e de opinião;IV – a
inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; – o desenvolvimento
econômico e tecnológico e a inovação;VI – a livre-iniciativa, a livre
concorrência e a defesa do consumidor;VII – os direitos humanos, o livre
desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania
pelas pessoas naturais.

A LGPD é aplicável a qualquer operação de tratamento realizada por pessoa


natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado,
independentemente do meio, do país de sua sede ou do país no qual estejam
localizados os dados, desde que a operação de tratamento de dados seja
realizada no Brasil; a atividade de tratamento tenha por objetivo a oferta de
bens ou serviços ou o manejo de dados de indivíduos localizados no país; ou,
ainda, que os dados pessoais objeto do tratamento tenham sido coletados
em território nacional. Entretanto, estão excluídos da aplicação da lei alguns
meios de tratamentos de dados, a exemplo daqueles realizados para fins
exclusivamente jornalísticos, artísticos e acadêmicos, além de informações
relacionadas exclusivamente à segurança pública, defesa nacional,
32

segurança do Estado e a atividades de investigação e repressão de infrações


penais.

Percebe-se que LGPD busca proteger os dados pessoais. No entanto, é o


primeiro diploma a proteger também os metadados, que são determinados pelo
comportamento do usuário e seus indicadores, que são tão valiosos para a
Inteligência Artificial. Defende AMBRÓSIO(2021, pg 01), que os possuidores da
mineração de dados de navegação, hábitos, etc, se tornarão cada vez mais
poderosos, uma vez que a economia voltada para a otimização causada pela
inteligência artificial, dependerá da comercialização e armazenagem de dados. De
fato, a inteligência artificial depende da montanha de dados gerados para , por si só
aprender. Cito o caso da empresa TESLA. Ela é civilmente responsável pelos dados
de direção de todos seus clientes, uma vez que a cada recarga dos carros autônomos
e elétricos da empresa, são transmitidos para a sede da empresa, no Texas. E por
isso, o Tribunal do Circuito de Austin, nos EUA, determinou que , mesmo que os
usuários e clientes da TESLA, cientes das cláusulas de compartilhamento de dados
por parte de seus carros, que tem o intuito de aprimorar as tecnologias de Inteligência
Aritificial presente em seus carros, ainda assim, a TESLA é obrigada a fornecer aos
clientes sempre que solicitado, cópias dos indicadores que utilizam. Podemos ver, que
o A LGPD poderá caminhar neste sentido, quando e se tais avanços chegarem no
Brasil.

Os efeitos já se fizeram sentir. O STF já começou a julgar os casos com base


na LGPD. Cito aqui, o voto da ilustre ministra Rosa Weber, em ação em tramitação na
qual o voto foi baseado já na legislação citada.

Embargos de declaração em mandado de segurança. Corregedoria Nacional


de Justiça. Pedido de Providências. Provimento nº 88/2019. Ausência de ato
concreto a ser examinado na perspectiva da suposta violação de direito
líquido e certo. Impetração voltada ao exame de ato normativo em tese.
Súmula nº 266/STF. Não conhecimento da impetração. Inicial indeferida (art.
10 da Lei nº 12016/09). Alegação de obscuridade, omissão e erro material.
Vícios inexistentes. Embargos declaratórios rejeitados. Vistos etc. 1. Trata-se
de embargos declaratórios contra decisão monocrática (doc. 15) por meio da
qual indeferi a inicial (art. 10 da Lei nº 12016/09) do mandado de segurança
impetrado por Juliana Patu Rebello Pinho e Marília Patu Rebello Pinho,
33

titulares de serventias extrajudiciais no Estado de São Paulo, contra ato


praticado pela eminente Corregedora Nacional de Justiça. 2. Em síntese, as
autoras sustentaram que, na qualidade de delegatárias de serviços
extrajudiciais, são controladoras de dados pessoais e, em decorrência, por
estes responsáveis (art. 5º, VI, da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
– LGPD, em conjunto com o item 129 do Capítulo XIII do Tomo II das Normas
de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo).
Estaria, contudo, o Provimento nº 88 da Corregedoria Nacional de Justiça
(publicado em 1º.10.2019), a obrigá-las ao compartilhamento de tais
informações em hipóteses reputadas desconformes com os limites
estabelecidos pela LGPD (Lei nº 13.709/2018). Nesse contexto, as autoras
ajuizaram, no CNJ, o Pedido de Providências de nº 0010321-
26.2020.2.00.0000., mas até o momento a autoridade apontada como coatora
teria apenas determinado, em despacho de 31.12.2020, “que se oficie o
Colégio Notarial do Brasil para que se manifeste no prazo de 15 dias” (inicial,
fl. 3). No entender das impetrantes, tal circunstância tornaria imperativo o
manejo do mandado de segurança, uma vez em vigência a LGPD desde o
dia 17.9.2020, a ensejar o escoamento total do prazo de decadência em
14.01.2021. 3. No mais, as razões vertidas na inicial referiram as seguintes
questões: (i) o Provimento nº 88 teria criado o Cadastro Único de Clientes do
Notariado – CCN, aos cuidados do Colégio Notarial do Brasil (CNB), uma
instituição de classe dos notários (de caráter privado, portanto), para
congregar todas as informações pessoais cadastradas, incluindo biometria,
cartões de autógrafo e imagens de documentações; (ii) esses dados poderão
(no entender das impetrantes) ser acessados por qualquer um dos mais de
13 mil titulares de cartórios do Brasil e por todos os funcionários por eles
autorizados a acessar o sistema (fl. 6); (iii) tal medida não respeitaria as
restrições derivadas de demonstração prévia da necessidade de acesso
previstas na LGPD; (iv) nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal
suspendeu eficácia da Medida Provisória nº 954/2020, que previa o
compartilhamento de dados de usuários de telecomunicações com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a produção de estatística
oficial durante a pandemia da Covid-19 (ADI nº 6387/DF), em situação de
potencial ofensivo aos direitos individuais cuja proporção era inferior ao que
se vislumbra a partir da Resolução impugnada; (v) muito embora a Resolução
tenha por objetivos declarados a necessidade de prevenção à lavagem de
dinheiro e ao financiamento do terrorismo, a própria LGPD exigiria, em seu
art. 4º, § 1º, que a criação de bancos de dados para repressão de infrações
penais venha a ser realizada a partir de medidas proporcionais e estritamente
necessárias ao atendimento do interesse público, observados o devido
34

processo legal, os princípios gerais de proteção e os direitos do titular (fl. 15);


(vi) a LGPD atribuiria aos serviços notariais e de registro exercidos por
delegação o mesmo tratamento dispensado aos entes públicos na ocasião
de tratamento de dados pessoais (fl. 16), estando previsto o
compartilhamento de dados notariais apenas a outros órgãos públicos, nos
termos do art. 23, § 5º, e mediante demonstração da persecução do interesse
público em tal providência (art. 23, caput), além do respeito aos princípios da
finalidade, adequação e necessidade (art. 6º), o que não se verificaria em
relação à entidade privada CNB; (vii) dados biométricos, em especial, são
catalogados expressamente como de natureza sensível (art. 5º, II), “só sendo
possível deles dispor a partir de consentimento explícito da pessoa e para fim
expressamente definido” (fl. 18), restrição que se justifica pelo fato de serem
imutáveis; em outras palavras, em caso de vazamento, não podem ser
substituídos ou alterados pelo titular, ao contrário do que ocorre, v.g., com
uma senha; (viii) a centralização de dados daria ensejo ao incremento do
risco de ataques cibernéticos; (ix) em resumo, a criação do banco de dados,
conforme previsto no Provimento 88 do CN/CNJ, deveria ter justificativa
fortemente embasada no interesse público, não bastando apenas a alegação
de seu eventual auxílio na prevenção da lavagem de dinheiro e do terrorismo.
Seria necessária (sempre segundo a manifestação inicial) razão específica a
demonstrar que a privacidade, direito constitucionalmente garantido, deveria
suportar sacrifício em prol de uma finalidade pública maior, finalidade esta
obscurecida no Provimento nº 88/2019 (fl. 21); diante disso, se tornaria
necessário dimensionar que, nos termos do art. 236 da Constituição Federal,
(x) os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por
delegação do Poder Público para pessoa física, que será responsável pelos
seus atos civil e criminalmente, sob fiscalização do Poder Judiciário (fl. 23) e,
nos termos do art. 42 da LGPD, “o controlador responde pelos danos
patrimoniais, morais, individuais ou coletivos, sendo obrigado a repará-lo” (fl.
25). 4. Na decisão embargada, consignei: (i) a competência desta Suprema
Corte para análise de mandados de segurança quanto ao Conselho Nacional
de Justiça depende da demonstração de que há, efetivamente, ato ou
omissão a ser considerado sob a perspectiva da ilegal violação de direito
líquido e certo; (ii) no caso, o único ato emanado da Corregedora Nacional
que foi juntado aos autos diz com pedido de informações ao Colégio Notarial
do Brasil; (iii) dessa forma, tem-se impetração contra ato em tese (Súmula nº
266/STF), à consideração da contagem do prazo decadencial a partir da
entrada em vigor da LGPD, esta contrastada, em sua essência, ao anterior
Provimento nº 88, com o objetivo de retirar, deste, a compatibilidade com o
ordenamento. 5. Nestes embargos declaratórios, sustenta-se ocorrência de
35

obscuridade, omissão e erro material, pois o ato impugnado não diria respeito
à atuação da Corregedora Nacional de Justiça no âmbito do Pedido de
Providências de nº 0010321-26.2020.2.00.0000, mas sim à própria edição do
Provimento nº 88/2019, pela mesma Corregedoria. Assim recolocada a
questão, entende afastado o óbice da Súmula nº 266/STF, porque, nos
termos da petição de embargos, “o citado Provimento (...) já está produzindo
efeitos na medida em que criou o referido banco de dados e delegou poderes
ao Colégio Notarial do Brasil” (doc. 19, fl. 3). Nesse contexto, afirma-se,
ainda, que “a cada dia de vigência do Provimento 88, pratica-se violação a
garantias constitucionais” (fl. 4), e que “o efeito concreto é inerente ao próprio
ato impugnado” (fl. 10). É o relatório. Decido. 1. Tratando-se de embargos de
declaração opostos contra decisão unipessoal de minha lavra e com
apontamento de supostos vícios de obscuridade, omissão e erro material,
previstos nos incisos do art. 1.022 do CPC/2015, cabe-me examiná-los
também de forma monocrática, consoante expressamente disciplinado no art.
1.024, § 2º, do CPC/2015. 2. Em absoluto ressente-se a decisão embargada
dos vícios que se lhe imputam. A lide foi decidida a partir do que estritamente
veiculado na petição inicial, à consideração dos dados ali oferecidos.
Estabelecido óbice ao conhecimento do pedido conforme antes deduzido,
verifica-se que os presentes embargos propõem, na verdade, sensível
alteração no panorama fático-jurídico da impetração, em tentativa de
superação das razões de não conhecimento ensejadoras da extinção sem
resolução do mérito do writ. 3. A petição inicial havia destacado o fato de que
as impetrantes ajuizaram Pedido de Providências perante o Conselho
Nacional de Justiça e que, até o momento da impetração, havia sido
determinada, apenas, a notificação do Colégio Notarial do Brasil para
manifestação. Nesse contexto específico, a inicial salientou que, no entender
das impetrantes, haveria risco de perecimento do direito, porque a alegada
incompatibilidade entre o Provimento nº 88/2019 e a Lei Geral de Proteção
de Dados estaria a completar, no momento da impetração, cento e vinte dias
(contados, portanto, da data da entrada em vigor da LGPD – fls. 3 e 4 da
inicial), em clara referência ao prazo decadencial da impetração.
Textualmente, está consignado na inicial: “Não obstante o ato atacado
(Provimento 88 do CN/CNJ) seja de 01/10/2019, sua afronta à LGPD surge a
partir da sanção desta pela Presidência da República, aos 17/09/2020 (…).
Como o prazo de 120 (cento e vinte) dias para o ajuizamento do presente
Mandado de Segurança se encerra no dia 14 de janeiro deste ano de 2021,
aguardar a requisição de informações requisitada pela Corregedora Nacional
de Justiça implicaria no decorrimento do prazo para ajuizamento deste
mandamus” (fl. 4). A inicial, portanto, havia escolhido determinada causa e
36

momento de caracterização da ilegalidade. A decisão embargada se limitou


a retirar as consequências jurídicas decorrentes de tal escolha. Ante o
exposto, rejeito os embargos declaratórios. Publique-se. Brasília, 29 de
janeiro de 2021. Ministra Rosa Weber Relatora(STF - MS: 37636 DF
0036489-15.2021.1.00.0000, Relator: ROSA WEBER, Data de Julgamento:
29/01/2021, Data de Publicação: 02/02/2021)

2.2 – Panorama futuro acerca da Legislação Específica sobre Inteligência


Artificial

Apesar de certa morosidade, tanto na implantação prática de políticas públicas


que incentivem o desenvolvimento de um ambiente de negócios que estimule os polos
de desenvolvimento tecnológico de Inteligência Artificial em nosso país, existem
iniciativas concorrentes neste sentido. Cito primeiramente, o Projeto de Lei nº
240/2020, de autoria do Deputado Leo Moraes (PSB-PE). Com um histórico de ser
um entusiasta de tecnologia, o mesmo vê com bons olhos que o poder público
estimule e crie um ambiente de desenvolvimento da tecnologia, observado os
princípios éticos e morais que envolvem a tecnologia. Nos termos do próprio autor,
que em sua justificativa apresenta:

As tecnologias cognitivas têm um potencial inovador significativo, a ser


concretizado nos próximos 10 anos. Por enquanto, as soluções ainda
oferecem escopo limitado, pouco integradas e com escassa mão de obra
especializada. No entanto, é necessário que as empresas e os países que
possuem visão estratégica de desenvolvimento, iniciem, o quanto antes, o
processo de absorção dessas tecnologias, bem como a instituição de marcos
regulatórios, de modo a se preparar para obter os benefícios de longo prazo.

O legislador, reconhece a importância e a rapidez na qual a técnica está


avançando. Porém, seu projeto de lei , é focado nas premissas de fomento e criação
de regras de como o Estado poderá estimular que nosso país consiga acompanhar
países mais avançados. Porém, o paquidérmico Estado brasileiro, ainda não conta
nem com estudos dedicados para o tema. Em audiência pública na Comissão de
Tecnologia da Câmara dos Deputados, realizada em Abril de 2020, o titular da pasta
Ministro Marcos Pontes reconheceu o estado defasado das pesquisas neste sentido.
37

Ademais, além das legislações aqui citada, é necessário trazer à luz dos fatos,
que existem outros projetos em tramitação no Poder Legislativo que versam sobre
Inteligência Artificial. A proposta, de autoria do Deputado Eduardo Bismarck (PDT-
CE), foi apresentada e está em tramitação para conclusão dos relatórios, e será
analisada em caráter conclusivo, elaborado pelas comissões de Ciência e Tecnologia,
Comunicação e Informática; Trabalho, de Administração e Serviço Público; e
Constituição e Justiça e de Cidadania.

Em apartada síntese, o Projeto de Lei Nº 20/2020, que traz em seu bojo de


prêambulo (via Agência Câmara):

Estabelece princípios, direitos e deveres para o uso de inteligência artificial


no Brasil, e dá outras providências. – PL que cria o marco legal do
desenvolvimento e uso da Inteligência Artificial (IA) pelo poder público, por
empresas, entidades diversas e pessoas físicas. estabelece princípios,
direitos, deveres e instrumentos de governança para a IA. A proposta
estabelece que o uso da IA terá como fundamento o respeito aos direitos
humanos e aos valores democráticos, a igualdade, a não discriminação, a
pluralidade, a livre iniciativa e a privacidade de dados.

Trata-se de um projeto bastante avançado e detalhista. Em resumo, segundo a


AGÊNCIA CÂMARA, em reportagem de VIANA (2020), “o texto apresentado por
Bismarck é bem detalhado. Ele prevê a figura do agente de IA, que pode ser tanto o
que desenvolve e implanta um sistema de IA (agente de desenvolvimento), como o
que opera (agente de operação)”. Uma das perguntas centrais deste trabalho,
poderão encontrar abrigo nestas abstrações: determinar as pessoas envolvidas. No
referido projeto, deverão os agentes de Inteligência Artificial, cumprir uma gama de
deveres inerentes à atividade, tais como, a responsabilização legal, pelas decisões e
considerações de aprendizado que serão decididas objetivamente pelo sistema de IA,
mas que de alguma forma, forem aprendidas por meio do algoritmo. Além disso, cada
sistema desenvolvido deverá assegurar que os dados coletados , rotulados e
processados, além de utilizados, em regra deverão obrigatoriamente respeitar a
LGPD. Tal mecanismo foi instituído no mesmo espírito legal pelo qual já citamos, que
é o tratamento de dados pessoais de clientes e usuários, e promover a transparência
destas informações e metadados, tanto de empresas do setor público e privado.
38

Ainda segundo a reportagem de VIANA (2020), “a proposta também prevê os


direitos dos agentes de IA e de todas as pessoas afetadas pelos sistemas de
inteligência artificial (chamadas no projeto de “partes interessadas”). Entre eles, o
acesso à forma de uso, pelos sistemas, de dados pessoais sensíveis, como dados
genéticos.”

Neste interim, verificou-se o primor com a questão legal, estipulando um marco,


que assim que concluir sua tramitação, poderá contribuir com um entendimento e será
uma luz que poderá guiar os julgados do Poder Judiciário, estabelecendo um padrão
que poderá ser seguido. Entretanto, ainda assim, pela natureza complexa do tema,
mesmo no projeto de lei já bem detalhista do Deputado Bismark, esbarram-se ainda
questões, sobre as tratativas das autorias de crimes cometidos pelos dispositivos.
Necessitará ainda de regulamentação que se possa determinar com clareza alguns
pontos obscuros, que serão debatidos no próximo capitulo.

3. Conceitos e teorias de autoria no ordenamento jurídico brasileiro.

Considerando que este ritmo de desenvolvimento tecnológico alucinante irá se


manter, ou até acelerar, não é difícil imaginar um cenário em que , algoritmos dotados
de inteligência artificial, que se tornarão ainda mais presentes, eventualmente poderão
cometer algum tipo de infração legal. Isto não é só uma possibilidade como um fato.
Já ocorreram eventos na qual a autoria de um ilícito foi um dispositivo de inteligência,
e que desafiaram as capacidades dos diplomas legais em vigor. Porém antes de entrar
nesta seara, é mister esclarecer o conceito de crime e de autoria em nossos
dispositivos penais vigentes.

Crime, de acordo com Juarez Cirino dos Santos, as definições formais mostram
o crime como violação da norma penal respectiva – por exemplo, o homicídio como
violação da norma não deves matar. Segundo o mesmo autor, definições materiais
mostram o crime como lesão do bem jurídico protegido – por exemplo, o homicídio
como destruição da vida humana.
39

Havendo o fato, há uma divergência com relação às estruturas (pressupostos


de punibilidade) do fato punível. Todavia, majoritariamente, adota-se um conceito
tripartido: fato típico + antijuridicidade (ilicitude) +culpabilidade. E quem atua nestas
condições é considerado o autor.

Nas palavras de BARCELLOS(2018, pg 01), autor é quem executa ilícito penal


definido em lei (autor imediato), ou se serve de instrumento para agir (autor mediato),
cometendo por intermédio de outra pessoa o ato de execução do tipo penal. Seguindo
esta linha de raciocínio, CAPEZ (2009, pg 12), define que o conceito de autoria, dá-
se ao ato de estabelecer a imputação ocorrida inerente ao agente ou indivíduo que se
demostra responsável por uma conduta tipicamente onerosa á um bem juridicamente
tutelado.

Em suma, a doutrina de CAPEZ narra com bastante lucidez, que baseado neste
paradigma, na qual é identificada como a Teoria finalista da ação ou Teoria do
Domínio do Fato, há o fato autoral quando o agente que por sua ação ou omissão,
pratica o tipo penal previamente previsto em lei, e ainda, quando o mesmo age ciente
e com convicção do fato e dos efeitos que poderão advir de sua conduta, ciente de
sobre a função do fato criminoso, configura-se plenamente o conceito de autoria.

Na doutrina de FRANCO apud BARCELLOS( 2018, pg 01) , é o executor


material do fato criminoso.

Neste contexto, é pertinente citar, que é identificada a pessoa do co-autor,


explicada por GRECO:

coautores serão aqueles que têm o domínio funcional dos fatos, ou seja,
dentro do conceito de divisão de tarefas, serão coautores todos os que
tiverem uma participação importante e necessária ao cometimento da
infração, não se exigindo que todos sejam executores, isto é, que todos
pratiquem a conduta descrita no núcleo do tipo

Ainda temos, nas palavras de NUCCI (2017), o autor é aquele que realiza a
função executiva, qual seja, a função principal do delito, a ação típica nuclear, sendo
que aquele que induziu ou auxiliou, não é partícipe, é autor mediato. Na mesma linha
de raciocínio, a autoria dentro de um sistema diferenciador, não pode-se ser limitada
40

apenas a quem pratica pessoal e diretamente a figura do fato delitivo, mas também a
quem compreender para aquele que se serve de outros ou de instrumentos para
realização do fim delitivo.

Na verdade, estamos avaliando as questões que envolvem o mandante e o


mandatário. Para GRECO, o mandante é o autor mediato. Mesmo que o agente não
faça os atos diretamente, ainda assim pode ser considerado o autor. Este conceito é
importante, devido à natureza dos aspectos da inteligência artificial.

Afinal, um programador, que desenvolva um inteligência, e a mesma, aprenda


que, para conseguir superar os desafios pela qual foi proposto, ela deverá utilizará de
todos os meios para conseguir seu intento. Se no transcurso desta atividade, a mesma
utilizar meios tipificados no código penal, como poderia ter a autoria apurada neste
caso?

Este provavelmente será um dos desafios do futuro. Como poderiam ser


determinados a autoria em crimes na qual o agente executor for um dispositivo de
inteligência artificial. Como exemplo, podemos citar , algoritmos que possam operar
no mercado de capitais. Para obter seu intento, um algoritmo, poderá aprender que
ao manipular de forma artificial o mercado, seus ganhos poderão ser maximizados.
Então, por meio de suas interações autônomas, aprendesse e agisse dentro do fato
típico de manipulação de mercado com fins de obtenção de lucro que fira os
dispositivos legais seriam infringidos. Porém, o objetivo do programador muitas vezes
não fora este, então como culpabilizar em uma esfera penal tal delito?

Outro exemplo, foi um caso concreto. A empresa UBER, obteve junto ao


governo do Estado do Arizona, a autorização para testes de carros autônomos, com
a presença de um motorista guardião, que circulariam pela região de Tempe, no
estado do Arizona. No dia 18 de Março de 2018, Elaine Herzberg, uma moradora do
subúrbio de Tempe, próximo às 22:00 da noite, atravessou a rodovia em local escuro,
em local proibido para travessia de pedestres, sob efeito de meta anfetaminas, sendo
a vítima costumaz usuária conhecida da região e das autoridades. Na rodovia,
trafegava um veículo Volvo XC90 , um SUV dotado de sensores e do assistente de
inteligência artificial da UBER, que estava em modo automático, desde as 21:39, cerca
41

de 9 minutos antes da colisão, com uma motorista guardiã, Rafaela Vasquez, que no
momento do choque, estava distraída, olhando para o celular.

Uma série de fatores desencadeou o acidente. A culpa concorrente da vítima,


a desatenção da motorista guardiã, o local sem luminosidade em alta hora da noite.
Elaine empurrava sua bicicleta, o que no primeiro momento, de acordo com os
registros de log do veículo, confundiu a IA, que interpretou a vítima como um carro.
Segundo dados da telemetria do carro, constante em reportagem do The Times, de
autoria de Alex Pavia, faltando 1.7 segundos para o impacto, a IA interpretou como
um obstáculo de metal. 0.6 segundo antes do impacto, a IA identificou como um ser
humano em rota de colisão e tentou frear o veículo, mas foi insuficiente. Elaine morreu
a caminho do hospital.

Este caso é emblemático, e ainda está em tramitação na justiça americana. Os


efeitos imediatos foram a suspensão imediata dos testes dos carros da UBER, e
investigações foram iniciadas. A responsabilidade civil foise discute. Porém, e a
responsabilidade penal? Seria a empresa culpada? A equipe de desenvolvedores?
Ou a motorista guardiã?

O fato levanta uma série de questionamentos. Ficou claro que houve uma série
de fatores relevantes que culminaram com o fatídico acidente. Porém este é um
exemplo de que , sem a legislação adequada, e os princípios norteadores para o
desenvolvimento de algoritmos que possam ser orientados para obedecer ao critério
de transparência, outros fatos típicos poderão ser cometidos no futuro, com ou sem
intenção. No caso em tela, considera-se que não houve dolo da equipe de
desenvolvimento. Porém, poderá ser apurada a culpa, pois o softwares necessitou de
ajustes. Segundo BUSATO (2017), a essência da CULPA é, junto à ausência de
compromisso com o resultado (falta de intenção ou dolo), a infração de um dever
específico de cuidado. Dever de cuidado que corresponde ao atuar diligente, ao agir
de acordo com a experiência comum, com as normas socioculturais e normativa
vigente, que prescrevem uma atuação de acordo com ela, para afastar os perigos
derivados da conduta. Neste caso porém, a motorista guardiã, foi indiciada pelo
homicídio culposo, pois sua conduta displicente foi evidenciada ao rever as câmeras
internas do carro. O processo está em tramitação no Condado de Tempe.
42

Também há outro caso concreto que deveremos considerar. O


desenvolvimento militar de tecnologias de inteligência artificial não mais é um cenário
reservado aos filmes. Hoje, mais de 30 empresas ao redor do mundo já desenvolvem
tecnologias que visam eliminar um inimigo do campo de batalha. O DARPA¹ (Defense
Advanced Research Projects Agency, em tradução livre, Agência de defesa para
projetos de pesquisas avançadas) promoveu em Agosto de 2020, uma competição
para que diferentes equipes de IA competissem entre si em um combate simulado ar-
ar, para que a vencedora simulasse um combate frente um piloto humano. A
vencedora, foi a equipe da Heron, fabricante de armas israelense, enfrentou em um
combate simulado um piloto de F-16 da marinha dos EUA. E o resultado foi
avassalador. A IA da Heron Systems venceu o piloto humano por 5 abates a 0. Sem
as limitações de força G, e sem as caraterísticas humanas, tais como medo, pânico,
etc, a IA saiu-se vitoriosa. O resultado assombrou até mesmo os organizadores, nas
palavras de CARDOSO (2020, pg 01),

o piloto humano teve oportunidade de analisar os combates de todas as IAs,


viu como o sistema da Heron combatia. Não adiantou nada. A Inteligência
Artificial não tinha noção do que era um avião, combate, nada. Ela sabia que
era recompensada quando não era destruída e quando colocava o avião
inimigo dentro do cone de tiro de seu canhão. Todo o resto era irrelevante. A
IA manobrava a menos de 30 metros do inimigo, mantendo curvas de até 9gs
e mudando de direção quando achava melhor. Sozinha a IA aprendeu que
um combate aéreo é um grande jogo de gerenciamento de energia, onde
velocidade é trocada por altitude e vice-versa. Pela quantidade de elogios
feitos ao piloto antes do combate, a vitória da IA parece ter sido uma surpresa
para o pessoal do projeto também, mas isso é só a ponta do Iceberg. O piloto
humano teve a vantagem que não estar sendo afetado pela gravidade, ele
jamais conseguiria manter as curvas fechadas num avião de verdade.

Em uma analogia fria, podemos entender que IA competiu para matar um ser
humano. Mesmo que em um combate simulado, o objetivo era claro: enquadrar seu
inimigo da mira, e eliminar. Ou seja, foi uma IA pensada com o objetivo claro de tirar
a vida de um ser humano. Neste caso, a intenção é clara. Há o dolo desde o
nascimento da IA. Segundo SANTOS (2015), o DOLO é a vontade consciente de
realizar um crime – ou, mais tecnicamente, vontade consciente de realizar o tipo
objetivo de um crime. O dolo é composto de um
43

elemento intelectual (consciência, ou representação psíquica) e de um elemento


volitivo (vontade, ou energia psíquica), como fatores formadores da ação típica dolosa.
Portanto, neste caso em tela, prevaleceria a vontade objetiva do desenvolvedor em
causa um dano (no caso simulado), porém um dolo de segundo grau, na qual o
resultado é obtido como consequência necessária à produção do fim, isto é,
compreende as consequências típicas representadas como certas ou necessárias
pelo autor.

Pensando nestes cenários, é que alguns teóricos já preconizam o futuro dos


julgados que levarão à definição de autoria de crimes cometidos por IA’s.

4. A TEORIA DOUTRINÁRIA DE CULPABILIDADES E AUTORIA DE ATOS


ANTIJURÍDICOS COMETIDOS POR INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Com foco nestes problemas debatidos, estudiosos começaram a debates as


implicações de cenários onde a responsabilização penal deveria ser aventada. Um
dos pioneiros foi HOPKINS(2017), onde defendia um modelo de apuração de autoria
de crimes na qual pudessem entender a intenção do dolo do agente criador da
inteligência artificial.

Além disso, MEDON (2020, pg 01), ressalta que os debates do parlamento


europeu são hoje, leituras obrigatórias no que tange o rumo dos fundamentos jurídicos
que norteiam a tecnologia:

Quer se concorde, quer se discorde de suas proposições, não se pode negar


a sua importância. E o Parlamento aprovou, neste mês de outubro, por meio
de três relatórios, iniciativas para melhor regulamentar a IA na União
Europeia, a fim de estimular a inovação, os princípios éticos e a confiança na
tecnologia. O primeiro, de iniciativa legislativa de Iban García del Blanco,
pretende estabelecer um código ético para a IA. O segundo, de autoria de
Axel Voss, dispõe sobre a responsabilidade civil pelos danos causados por
IA. Por fim, o terceiro, redigido por Stéphane Séjourné, coloca em evidência
os direitos de propriedade intelectual.
44

Os relatórios da Comissão Europeia para IA, ressalta que as diretrizes de IA


"nocivas para a vida, a saúde, a integridade física, danosas para a propriedade, ou
que possam causar danos imateriais significativos que resultem numa 'perda
económica verificável', deverão obrigatoriamente responsabilizar seus autores. Como
ressaltaram também na ocasião, ainda não existem IA’s que ameacem e apresentem
um alto risco para humanidade. Mas este panorama poderá se alterar.

Como ressalta ainda MEDON:

Se o que se tem visto, e os relatórios europeus apontam nesse sentido, é


uma imensa dificuldade em se auditar a "caixa-preta" dos algoritmos,
mergulhando nas inúmeras camadas de programação de suas redes neurais,
como tolerar a ausência de obrigação de uma revisão por pessoa humana?
Em última análise, ao se negar semelhante obrigação, cria-se um direito de
revisão impotente, "um sino sem badalo", já que diante de uma decisão com
efeitos discriminatórios, a vítima pedirá a sua revisão

São dois lados aventados. Se há a necessidade de um código ético, para que


se possa auditar, os programadores persistem em realizar algoritmos cada vez mais
obscuros, leva-se a necessidade regulamentação, não só para a forma de se construir
dispositivos eticamente confiáveis, mas também, auditáveis para que perceba a
autoria de possíveis delitos.

Neste contexto, o professor Gabriel Hallevy, do Ono Academic College,


debruçou-se sobre assunto, e teorizou um modelo de perpetração da autoria de
crimes cometidos por IA. Nos termos de HALLEVY, o escopo humano nos diz que a
forma como os humanos lidam com as violações da ordem legal é por meio do direito
penal, operado pelo sistema de justiça criminal.

Assim, as sociedades humanas sempre definiram crimes e operam


mecanismos sociais para aplicá-los. É assim que funciona o direito penal. Entretanto,
esta forma de proceder foi projetado por humanos e para humanos. No entanto,
conforme a tecnologia se desenvolveu, o criminoso causador dos delitos poderá não
mais ser humano.
45

A primeira hipótese aventada por HALLEVY, expõe um modelo que não


considera nenhuma característica humana do sistema de IA. Para ele, o sistema de
IA é considerado um agente inocente. Assim, devido a esse ponto de vista jurídico,
uma máquina é uma máquina, e nunca um ser humano, e portanto, incapaz de ter
responsabilização.

Trazendo em nosso contexto, evocando os ensinamentos de GRECO, não há


nenhum diploma legal em nosso ordenamento jurídico que imponha a autoria à
máquina. Dá se o esvaziamento da culpabilidade. Refere-se, nesta acepção, ao fato
de ser possível ou não a aplicação da pena ao autor de um fato típico e antijurídico,
isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de uma série de
requisitos – imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de
conduta diversa –, que constituem os elementos positivos específicos do conceito
dogmático de culpabilidade.

Então, quando um crime é cometido por um agente inocente, como quando é


cometido por um menor, ou um indivíduo mentalmente incapaz, ou uma pessoa que
não tem um estado de consciência para engajar a conduta, esvazia-se a punibilidade.
O crime ocorreu, porém, o agente é incapaz. Existem as pessoas envolvidas, como
programador e o usuário. Porém, se nenhum dos dois tiveram a intenção de causar o
dano, eles não poderão ser responsabilizados, e nem a IA. A conduta entraria na seara
de mero acidente.

O segundo cenário, segundo Hellavy, é quando há a intenção clara, ou do


programador, ou de um usuário em cometer um delito. O elemento interno exigido no
específico ato ilícito já existe na mente de um dos agentes, mesmo que ele não
execute. O programador tem a intenção em relação ao cometimento de um crime,
como por exemplo, ao criar um robô que, ao avaliar não ter ninguém em uma fábrica,
coloca fogo nas instalações. Seria um incêndio criminoso, mascarado pela intenção
do programador em fazer tal conduta. Assim, também o é no caso do usuário que
pretende cometer alguma agressão utilizando este mesmo robô.

Mesmo que factualmente não tenha sido executado nenhum ato direto, o
cometimento desses atos realizados por meio de um robô, que é um sistema de
Inteligência Artificial, configuraria a autoria dos agentes, e o uso instrumental de um
46

agente inocente é considerado a perpetração da vontade do agente em realizar a


conduta ílícita. Este modelo de responsabilidade não atribui qualquer capacidade
mental humana, para o sistema de IA. De acordo com este modelo, não há diferença
legal entre um sistema de IA e uma chave de fenda ou um animal sem capacidade de
decisão. A "ação" da chave de fenda é, na verdade, do agente. Isto é a mesma
situação legal de quando se usa um animal instrumentalmente. Uma agressão
cometida por um cachorro devido à ordem de seu mestre é, na verdade, uma agressão
cometida pelo mestre. Portanto, neste caso há a responsabilização e configura-se a
autoria.

O modelo de avaliação se concentra no próprio sistema de IA e permite


derivar a responsabilidade criminal dos círculos com mais precisão. A
responsabilidade criminal por um crime específico é principalmente
combinado fora do elemento externo e o elemento interno dessa agressão.
Qualquer pessoa, que ambos os elementos da ofensa específica são
atribuídos , é considerada criminalmente responsável por essa ofensa.
Nenhuma outra qualificação é necessária para impor responsabilidade
criminal . Para impor responsabilidade criminal a qualquer tipo de entidade,
esses requisitos devem ser comprovados como existia na entidade
específica. Quando for comprovado que uma pessoa cometeu a relevante
conduta acompanhada de conhecimento ou intenção relevante, a pessoa é
criminalmente responsável pela ofensa específica. A questão relevante para
a responsabilidade criminal dos sistemas de IA é como essas entidades
podem formular esses requisitos relevantes de responsabilidade criminal.
São sistemas de IA diferentes de pessoas humanas neste
contexto?(Tradução nossa)

Por último, segundo HELLAVY, ainda teríamos mais um cenário, aquele na qual
a inteligência artificial comete deliberadamente o crime, visando alcançar seus
objetivos.

Se durante a execução de suas missões diárias, o sistema de IA compromete


um bem jurídico, para realizar suas tarefas, e neste contexto, os programadores ou
usuários não sabiam sobre a prática, eles não planejaram qualquer prática ato, ou
47

nem sequer conseguiriam prever. Portanto, os agentes humanos não tiveram


qualquer participação neste delito.

Tal situação pode ser demonstrada por um projeto de um robô de IA ou software


que é desenvolvido para funcionar como piloto de caça, falado no capítulo anterior.
Neste caso, HELLAVY apresenta que sim, a IA poderá ser considerada autora, em
um futuro onde os dispositivos poderão serem mais comuns. Então, o sistema de IA
desempenha um papel de perpetrador do crime.

Antes de tudo, poderá ser avaliado se o programador pode ser considerado


negligente. Neste caso, responderá ele pela culpa. Se nenhuma ofensa foi
deliberadamente planejada para ser perpetrada, mas apenas um descuido em um
código mal escrito.

No entanto, quando o programador não é humano, e o aprendizado do ilícito foi


totalmente desenvolvido pela própria AI, o modelo de responsabilidade direta deve ser
aplicada além da aplicação simultânea da responsabilidade de causa e efeito , não se
punindo os desenvolvedores, mas sim, extinguindo a IA . mas são cenários
hipotéticos, que ainda necessitarão de um estudo mais aprofundado.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após estas reflexões, e de acordo com o que foi apurado na pesquisa, viu-se
com o conceito de inteligência é bastante amplo. A questão precípua que devemos
encarar é: com os desafios atuais, estamos preparados para enfrentar os desafios ,
sociais, jurídicos e econômicos que se avizinham?

Ao estudar a interface e as oportunidades que serão geradas pelas novas


tecnologias, não há espaço ainda para a previsibilidade, tradição e estabilidade. O que
este trabalho verifica é que muitas estruturas serão afetadas. Vimos que a evolução
foi tão expressiva, que no transcurso de apenas alguns anos, dispositivos que antes
mal conseguiriam taxiar um avião em uma pista, hoje são capazes de executar
manobras impossíveis para um ser humano. Mesmo que em ambientes simulados,
48

tais feitos são dignos de uma nova barreira rompida, Hoje, máquinas são melhores
que seres humanos onde estes se achavam imbatíveis: a capacidade cognitiva.

Não se ignora a influência do ser humano ainda na capacidade de criar, de ser


inventivo, porém, a realidade hoje apresentada é diversa de outras revoluções
encaradas pela sociedade. E neste interim, está nosso ordenamento jurídico. Neste
campo, como se pode ver, há um campo de aplicações imenso ainda a ser explorado.
Desde de algoritmos que ajudem a tomada de decisões e auxílio aos magistrados,
mas também no campo da advocacia. Uma IA hoje pode escrever e simular textos de
autores consagrados. Porque não haveriam de conseguir redigir peças processuais?

Novos problemas de pesquisa e desenvolvimento legais deverão ser


instituídos, para que se possa realizar realmente estudos que possamos acompanhar
esta evolução. Os estatutos legais de nosso ordenamento jurídico, em vigor,
conseguem apenas um pequeno vislumbre da real situação. Hoje, vivemos em uma
sociedade hiper conectada, em que se proliferam ainda os crimes virtuais de calúnia,
difamação, preconceito, racismo, etc. O trabalho das instituições de Estado que
buscam coibir tais atos ainda são muito insipientes. E isto, citando apenas cometidos
por seres humanos.

A real preocupação deste trabalho, foi com o futuro, na qual dispositivos


autônomos, dotados de capacidade cognitiva cada vez maiores, poderão em algum
momento decidir que para obter seu intento, regras humanas poderão ser quebradas.
E a forma que o sistema legal brasileiro responderá, mostrará a vocação social de
nosso povo. Se não tomarmos o devido cuidado, qualquer programador mal
intencionado poderá causar danos imensos, de grande monta, e que talvez nem
mesmo ele poderá conter.

Claro, são cenários distópicos e apocalípticos. Porém, o saudoso físico


Stephen Hawking, em uma entrevista à BBC, considerava que a inteligência artificial
é uma das maiores ameaças ao futuro da humanidade. Em um mundo ainda
convulsionando por conflitos, polarizações e para piorar, uma pandemia que empurrou
as pessoas para um isolamento ainda maior, os danos de uma inteligência superior à
nossa, capaz de aprender com seus erros, e aprimorar-se a cada nova interação,
realmente é um cenário assustador.
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Portanto, levantou-se neste trabalho a importância do Direito Penal em manter-


se altivo perante às novas situações. É cediço que temos um código penal que
necessita de reformas, que possam garantir o monopólio do Estado do poder de punir
os infratores. Nossa sociedade clama pela efetiva resolução de crimes, que tragam
maior segurança em nosso dia a dia.

Poderemos ter portanto, se não tivermos o devido cuidado, de novas formas de


infringir as leis, ameaçando nossos bens, nossos dados. Não devemos desconsiderar
a ameaça de uma IA voltada para fins escusos. Poderemos ter pela frente, uma série
de problemas. Inclusive se não fizermos nada. Nossa inércia deverá ser superada
para que se estimule nossos atores nesta arena tecnológica, sendo o Direito o
instrumento pertinente para que se dê a segurança jurídica necessária para a
construção de um ambiente de evolução, e que a IA possa se guiar sempre pelos
princípios éticos e de boa-fé que necessitamos e exigimos em nossa sociedade atual.

Por fim, é pertinente que ainda mais estudos da Moral Machine , uma área que
defende que valores morais devem ser incorporados aos algoritmos de AI, de forma a
conseguir que se obedeçam as regras morais e legais de nossa sociedade, para até
mesmos dispositivos autônomos, respeitando aquilo que se deseja como projeto de
estado democrático e justo.
50

6 – Referências

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,BREVE%20CONCEITO%20DE%20AUTORIA,de%20execu%C3%A7%C3%A3o%2
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