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ARTIGOS

Direito, tecnologia e disrupção

Diego de Castilho Suckow Magalhães


Ana Lúcia Vieira

Resumo: Tecnologias jurídicas disruptivas são capazes de otimizar rotinas de tribunais, escritórios de advocacia e departamentos
jurídicos. Inteligência Artificial, Jurimetria e Big Data promoverão mudanças inevitáveis e exigirão dos profissionais de carreiras
jurídicas verdadeira quebra de paradigmas. Esse meio, notável pela tradição, tem superado a resistência a tais mudanças e se
adequado às tecnologias disponíveis. Ao considerar suas potencialidades e os riscos provenientes de seus usos, depara-se com
questões éticas, discutidas e decididas pelo Poder Judiciário. O próprio futuro da advocacia se torna temerário diante da existência
de máquinas velozes e eficientes, capazes de executar com excelência as rotinas forenses. O artigo consiste em pesquisa qualitati-
va, com teor bibliográfico e documental, respaldada em doutrinas, artigos e sites governamentais, com a finalidade de evidenciar
a relação “Direito, Tecnologia e Disrupção”.

Palavras-chave: Inovações disruptivas. Questões éticas. Inteligência artificial. Jurimetria. Big data.

Abstract: Disruptive legal technologies are able to optimize the routines of courts, law firms and legal departments. Artificial In-
telligence, Jurimetrics and Big Data will promote inevitable changes and will require legal professionals to truly break paradigms.
This medium, notable for tradition, has overcome the resistance to such changes and is adapted to the available technologies.
When considering its potentialities and the risks arising from its uses, it is faced with ethical issues, discussed and decided by the
Judiciary. The own future of law becomes daring in the face of the existence of fast and efficient machines, capable of executing fo-
rensic routines with excellence. The article consists of qualitative research, with bibliographic and documentary content, supported
by government doctrines, articles and websites, to highlight the relationship “Law, Technology and Disruption”.

Keywords: Disruptive Innovations. Ethical Issues. Artificial Intelligence. Jurimetrics. Big data.

1 introdução inovadoras em escritórios de advocacia. En-


tre eles: a crescente pressão de clientes pela
A utilização de novas tecnologias, em- redução do preço pago por processos, os ele-
bora tenha encontrado resistência por par- vados custos de gestão associados ao gran-
te do ‘advogado tradicional’, é realidade na de volume de processos, a grande repetição
prática jurídica. Carmagnani Filho (2018) nos argumentos jurídicos apresentados nas
prevê que a aplicação da ‘Ciência de Dados’ demandas, a expectativa de que a automa-
ao Direito promoverá grandes mudanças. ção de rotinas reduza o número de erros hu-
Machine Learning (inteligência artificial), manos e o interesse em melhorar a visuali-
Jurimetria e Big Data estão entre as ferra- zação de processos e produção de relatórios
mentas utilizadas. Por meio delas é possível para clientes.
a produção de documentos on-line, serviços
customizados em massa, processos legais No âmbito dos tribunais, chama a
terceirizados, prática de soluções de confli- atenção o ritmo lento do julgamento de pro-
tos baseada na web, arbitragem on-line, au- cessos em demandas repetitivas. A pesqui-
diências on-line, maior acesso e segurança sa denominada “Tecnologia, Profissões e o
de informação. Ensino Jurídico”, realizada com o apoio da
CEPI/FGV (2018), destacou a importância de
Em meio a benefícios e comodidades, algorítmos de busca e classificação, pois ser-
questões são suscitadas. Qual o futuro do virão para coleta e organização de informa-
operador do Direito? As rotinas forenses se- ções tais como publicação, separação de te-
rão automatizadas? A capacidade de raciocí- ses jurídicas novas daquelas já consolidadas,
nio ‘inteligente’ pela máquina poderá sofrer identificação de litigantes frequentes diante
regulação? Em caso de erros, quem respon- de determinada empresa, visualização de te-
de pela máquina? Pode a máquina adquirir ses procedentes, parametrização dos custos
“personalidade eletrônica” e responder por envolvidos na demanda (tempo, custo pro-
seus erros? Questões ainda sem respostas, cessual, perícia etc.), entre outras.
passíveis de reflexão. Para alguns, a máqui-
na evolui com a sociedade; para outros, ela O presente estudo abordará tecnolo-
pode ser vista como parte integrante da so- gias disruptivas que estão revolucionando o
ciedade. mercado jurídico. Inteligência Artificial (IA),
Jurimetria e Big Data são soluções jurídicas
No quesito aplicabilidade, as possibi- inteligentes que proporcionam a advogados
lidades de uso de tecnologia são ‘infinitas’, e demais operadores do Direito a melhoria
basta detectar o problema. Nesse viés, Sus- de processos por meio da otimização de ro-
skind (2013) elencou fatores que demandam tinas.
a adoção e o desenvolvimento de soluções
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2 Tecnologia Cupani (2016), ao abordar a importân-
cia de tecnologias da informação, afirma
Tecnologia é uma palavra de origem que “a riqueza é produzida não apenas pelo
grega: technè, que remonta ao verbo arcai- trabalho muscular ou pelas máquinas clás-
co, teuchô, que significa “fabricar”, “produ- sicas, mas também, e cada vez mais, pelo
zir”; e ao substantivo techos, que indica “ins- cérebro e seus ajudantes automáticos”. O
trumento” ou “arma”. Trata-se de um ‘modo autor ainda denuncia a supervalorização
de fazer’ eficaz. O Dicionário eletrônico de das tecnologias da informação quando se
informática e internet (1999) define como considera o “culto” aos computadores e
tecnologia o “estudo e aplicação de técnicas sua errônea concepção como “supercére-
e procedimentos relacionados a um deter- bros”. Hoje, aprende-se mais em termos de
minado ramo de atividade”. Na mesma pá- quantidade, em menos tempo e de formas
gina eletrônica, o referido dicionário a expõe diferentes. Porém, o computador não subs-
como “ciência que quantifica o desenvolvi- titui o ser humano, pois não se compara ao
mento nos estudos de outras ciências, tais cérebro humano e, nada sabe, até que seja
como a química, física etc.”. programado para isso. As informações que
as máquinas produzem nada mais são do
Definir tecnologia é tarefa complexa
que dedução lógica de premissas e instru-
para estudiosos da área. Cupani (2004) a re-
ções de programas. Logo, quem pensa é o
conhece como uma dimensão da vida hu-
ser humano por “trás” do computador.
mana, razão pela qual se torna difícil a defi-
nição de seu objeto. Para Bazzo et al (2003), Por outro lado, Alan Turing, matemá-
a dificuldade na definição de tecnologia re- tico britânico considerado o pai das ciências
mete ao fato desse objeto ser indissociável à da computação e, mais especificamente, da
própria característica humana. Nessa linha, Inteligência Artificial, criador do “Jogo da
o filósofo Manuel Castells (2005, p.43) de- Imitação”, o famoso ‘teste de Turing’, ao res-
fende que a tecnologia não determina a so- ponder o questionamento ‘podem as má-
ciedade, mas trata-se da própria sociedade, quinas pensar?’, dispõe:
que não pode ser entendida ou representa-
da sem as respectivas ferramentas tecnoló- A nova formulação do problema [‘podem
gicas. Complementa ainda, a sociedade é as máquinas pensar?’] pode ser descrita
que dá forma às tecnologias, de acordo com em termos de um jogo a que nós chama-
suas necessidades, valores e interesses. mos “jogo da imitação”. É jogado por três
pessoas: um homem (A), uma mulher (B) e
Ao diferenciar tecnologias, deve-se um interrogador (C), que pode ser de qual-
considerar o tipo de artefato produzido, jun- quer dos sexos. O interrogador permane-
ce num quarto, separado dos outros dois.
tamente com a classe de informação cientí-
O objetivo do jogo, para o interrogador,
fica utilizada. Nesse sentido:
é determinar em relação aos outros dois,
(...) podemos diferenciar tecnologias físi- qual o homem e qual a mulher. É permi-
cas (ou diversos ramos da engenharia: ci- tido ao interrogador fazer perguntas a A e
vil, mecânica, elétrica, nuclear e a recente B, tais como: Será que X poderia me dizer
engenharia climática; a arquitetura e o qual o comprimento de seu cabelo? [...] O
urbanismo), tecnologias químicas (quími- objetivo do jogo para A é tentar induzir C
ca industrial, engenharia química), tecno- a uma identificação errada. [...] O objetivo
logias biológicas (agronomia, veterinária, do jogo para a terceira jogadora (B) é aju-
medicina, farmacologia, odontologia, en- dar o interrogador. Sua melhor estratégia
genharia genética...), tecnologias psíquicas será provavelmente dar respostas verda-
(psicologia clínica, psiquiatria, psicologia deiras. Ela pode acrescentar frases como:
industrial, pedagogia...), tecnologias da in- “Eu sou a mulher, não escute a ele”. Mas
formação (informática ou engenharia do isso será inútil, porque o homem pode dar
conhecimento, em particular a “inteligên- respostas semelhantes. Agora formulamos
cia artificial”) e tecnologias sociais (que po- a questão: “O que acontecerá quando uma
dem ser específicas, como a administração máquina ocupar o lugar de A nesse jogo?”
e a jurisprudência, ou gerais: a “engenharia Será que o interrogador decidirá erronea-
social”, base de políticas sociais). Diante mente com a mesma frequência, quando
de todas aquelas tecnologias particulares, o jogo é jogado dessa forma, do que quan-
existe também o que se pode denominar do o fazia ao tempo em que o jogo era jo-
uma tecnologia geral, que é na verdade gado entre um homem e uma mulher?
uma coleção de teorias tecnológicas, in- Estas questões substituem a pergunta ori-
cluindo principalmente e teoria geral de ginal: “Podem as máquinas pensar?” (TU-
sistemas e a teoria da decisão. (CUPANI, RING, 1950, p.50-51).
2016, p.102)

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Martins e Santos (2013), ao pesquisa- um sistema existente. Mais uma situação de
rem o questionamento “Podem as máquinas inovação disruptiva é a Netflix, inicialmente
pensar?”, afirmam que a resposta de Turing criada como empresa de remessa de DVDs
é positiva, as máquina podem vir a pensar, por correio, acabou por expulsar a Blockbus-
uma vez que não há objeções insuperáveis à ter do mercado concorrente e alterou para
reprodução artificial da inteligência huma- sempre o negócio de aluguel de vídeos.
na. Tal hipótese não é pacífica, aliás bastante
criticada no meio científico, pois não permi- Inovações disruptivas possuem pa-
te diferenciação entre “inteligência real” e drões que foram observados e enumerados
“inteligência simulada”, ou seja, entre “ser por Christensen (2013), com a finalidade de
inteligente” e “parecer inteligente”. Os resul- ajudar a prever os efeitos de inovação em
tados do teste possuem validade limitada, indústrias diversas, do segmento automo-
já que dependem também da “inteligência” bilístico, energia, cuidados com a saúde,
do interrogador, que é variável. Por último, entre outros. A princípio, atingem usuários
o teste não avalia efetivamente a “inteligên- que não têm outra alternativa, senão o uso
cia” de uma máquina, mas tão somente a da nova tecnologia, que, uma vez bem-su-
sua capacidade de parecer humana. cedida, melhora ao longo do tempo, até se
tornar boa o bastante para atender às ne-
Não será objetivo deste estudo abor- cessidades dos usuários tradicionais.
dar a capacidade de pensamento da má-
quina, mas as tecnologias nela inseridas no Samit (2019) alerta que o ritmo da dis-
sentido de melhorar sobremaneira o funcio- rupção cresce exponencialmente graças à
namento da justiça, nos tribunais, escritó- confluência de tecnologias disruptivas que
rios de advocacia e departamentos jurídicos alteram, de forma dinâmica, o modo de se
de empresas. trabalhar, comunicar, viajar, aprender e en-
velhecer. Cada negócio que passou pelo
processo da disrupção traz consigo uma
3 Tecnologias Disruptivas
oportunidade massiva em virtude de mu-
O Dicionário Houaiss da Língua Portu- danças criadas. A disrupção cria oportuni-
guesa (2009) classifica ‘disrupção’, do latim dades. No século XXI, indústrias tradicionais
‘disruptio’, como ‘fratura’, ‘ruptura’, ‘dirup- bilionárias podem sentir os seus efeitos e
ção’ ou ‘a interrupção do curso normal de serem surpreendidas praticamente da noite
um processo’. Em pesquisas, infere-se que para o dia. Nenhum setor de comércio ou de
o termo ‘disruptivo’ foi usado pela primei- governo está imune a essa ‘ameaça’.
ra vez pelo professor de Administração da
Charlene Li afirma que muitas em-
Harvard Business School, Clayton M. Chris-
presas consagradas têm a disrupção como
tensen (2018), para se referir às novas tec-
meta e dela esperam seu crescimento. Po-
nologias que substituem as anteriores. Tec-
rém, a disrupção não cria crescimento, mas
nologia disruptiva, ou inovação disruptiva, é
o crescimento, este sim, cria a disrupção. As-
um termo que descreve a inovação tecnoló-
sim, aponta a autora:
gica, produto ou serviço, com características
«disruptivas» que provocam uma ruptura Crescer sempre é difícil. Crescer de modo
com os padrões, modelos ou tecnologias já inovador é ainda mais. É disruptivo exata-
estabelecidas no mercado. mente por alterar o equilíbrio de poder das
relações estabelecidas – entre clientes e
Samit (2019) explica que, para ser dis- empresas, participantes do setor, pessoas
ruptiva, a tecnologia ou produto deve criar e departamentos de uma organização. O
uma base de consumo, ou de usuários, com- crescimento desafia nossa ligação como
pletamente novos, de modo que destrua fontes de receita e clientes comprovados,
ou desloque o mercado da tecnologia a ser ao mesmo tempo em que estimula nossas
ambições de descobrir clientes e fluxos de
substituída. São exemplos, o e-mail — cau-
receita novos. (LI, 2019)
sou a disrupção dos correios; a Wikipédia —
foi disruptiva com a tradicional enciclopédia À luz da conclusão de Charlene Li
de vários volumes. (2019), pode-se afirmar que mudanças de
poder são inquietantes, não apenas do pon-
Armstrong (2019) cita como estudo
to de vista empresarial, mas também psi-
de caso de inovação disruptiva a empresa
cológico. Exige, contudo, a não acomoda-
de serviços de transportes Uber que, ape-
ção com um presente já estruturado, mas
sar de ter desalojado vários serviços de táxi
a aceitação do compromisso de se buscar
enraizados mundo afora, não criou nada
sempre um futuro diferente e melhor.
novo, apenas rompeu com as práticas de

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Ultrapassada a argumentação explica- cações ligadas à workflow e gestão de pro-
tiva, serão abordadas ao longo deste estudo jetos, sistemas de gestão de conhecimento,
algumas tecnologias disruptivas aplicadas ferramentas de resolução on-line de confli-
ao meio jurídico. Uma análise mais aprofun- tos, ferramentas de análise de documentos,
dada permitirá a discussão das mudanças aplicações de aprendizados de máquina
geradas com as novas rotinas, bem como e ferramentas de consultoria jurídica por
seus reflexos na profissão do advogado e de- meio de perguntas e respostas.
mais questões pertinentes ao meio.
Teixeira e Cheliga (2019, p. 25) men-
cionam sobre estudos para adoção de in-
4 Tecnologias Disruptivas aplicadas ao
direito teligência artificial pelo Ministério Público,
Poder Judiciário e outros órgãos, com vistas
As tecnologias disruptivas já fazem à celeridade processual. Preveem também
parte do mercado jurídico. Termos como que, diante do excesso de demanda judi-
Inteligência Jurídica, Ciência de Dados apli- ciais, não somente o conhecimento jurídico
cada ao Direito, Tecnologias Disruptivas será bastante para atuação profissional, mas
centradas no Big Data e na Inteligência Arti- o conhecimento tecnológico, linguagem de
ficial, entre outros, consistem em uma asso- programação, lógica computacional e co-
ciação de tecnologias que promovem mais nhecimento de novas tecnologias.
agilidade ao trabalho de profissionais das
carreiras jurídicas. “Embora o Direito em si demore a
atualizar-se, as tecnologias que lhe servem
Tribunais, escritórios de advocacia, como plataforma são muito rápidas, expo-
fóruns, bancos físicos e digitais, empresas de nenciais, portanto, é dever do advogado an-
investimentos, compliance, proteção de da- tecipar-se a essas mudanças tecnológicas.”
dos, assessoria e consultoria jurídica, entre (GALVÃO, 2019, p. 19).
outras, além de autarquias públicas federais
e estaduais, são entidades que fazem uso 5 Tecnologias jurídicas disruptivas
de tecnologias jurídicas. Sistemas eletrôni-
cos processuais e procedimentais, a exem-
5.1 Inteligência Artificial
plo do Processo Judicial Digital (PROJUDI)
e do programa do governo federal de con- De acordo com Machado (2005), o ter-
solidação e envio de dados de empregados mo “Inteligência Artificial” ou IA, foi cunha-
pelos empregadores (eSocial), são exemplos do, oficialmente em 1956, por John McCar-
de inovações disruptivas inseridas no meio. thy (Dartmouth), Marvin Minsky (Hardward),
A utilização e interação com operadores do Nathaniel Rochester (IBM) e Claude Shan-
Direito (juízes, promotores, procuradores e non (Bell Laboratories), em uma conferên-
advogados) rompeu com padrões do proce- cia sobre a matéria no Dartmouth College,
dimento tradicional de atuação. NH, USA (Dartmouth Summer Research
Project on Artificial Intelligence (DSRPAI).
Carmagnani Filho (2018) prevê que so-
Mulholand (2019, p. 54) o conceitua como
ciedades de advogados, cautelosos e resis-
“todo sistema computacional que simula a
tentes em implementar soluções inovado-
capacidade humana de raciocinar e resolver
ras, demandarão mudanças significativas
problemas, por meio de tomada de decisões
em fluxos de trabalho e investimentos de
baseadas em análises probabilísticas”. Stuart
treinamento em suas equipes. Galvão (2019)
Russel e Peter Norvig, referências mundiais
concorda quando menciona a forte regula-
no assunto, criaram um conceito misto:
ção do segmento jurídico, não muito afeito a
mudanças estruturais ou que possam inter- Durante milhares de anos, procuramos
ferir no status quo de um ramo caracteriza- entender como pensamos; isto é, como
do pela tradição. um mero punhado de matéria pode per-
ceber, compreender, prever e manipular
Na obra Tomorrow’s Lawyers: an In- um mundo muito maior e mais compli-
troduction to Your Future, Susskind (2013) cado que ela própria. O campo da inteli-
aponta 13 (treze) elementos capazes de gência artificial, ou IA, vai ainda mais além:
transformar por completo o mercado jurí- ele tenta não apenas compreender, mas
dico. São estes: automação de documentos, também construir entidades inteligentes.
(RUSSEL; NORVIG, 2004, p. 3)
aumento de conectividade, marketplace de
serviços jurídicos, plataformas on-line de Costa (2019) explica que a lógica de
educação, guias jurídicos on-line, banco de programação da Inteligência Artificial dife-
dados abertos, comunidades jurídicas, apli- re da convencional, pois tenta simular as si-

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napses das conexões neurais humanas. Ao tecnologias baseadas em IA produziu siste-
lidar com grande quantidade de dados (Big mas capazes de analisar documentos con-
Data), estruturados ou não, determinam-se tratuais, consultores jurídicos habilitados a
padrões e preveem eventos futuros desco- emitir pareceres e indicar resultados preci-
nhecidos, por meio de análise preditiva, que sos para processos, sistemas de previsão de
ajuda na identificação da probabilidade dos decisões judiciais que atingem índices de
resultados. Entre as técnicas de aprendiza- acertos em torno de 80% dos casos. Souza e
do de máquina destacam-se: Oliveira (2019, p. 73) reconhecem sua impor-
tância de auxiliar o “raciocínio casuístico, das
Machine Learning: é o chamado aprendi- construções teóricas e da dialética formal,
zado de máquina, que é tipo de aprendi-
melhorando a performance argumentativa,
zado em que o computador utiliza dados,
para aprender com apenas o mínimo de
associativa e discricionária de magistrados”.
programação. Em vez de programar os
O Supremo Tribunal Federal (STF),
preceitos e regras na máquina e esperar o
em parceria com a Universidade de Brasília
resultado, com machine learning, conse-
guimos deixar que a máquina aprenda por (UnB), desenvolveu o “Projeto Victor”. Trata-
conta própria a partir dos dados alimenta- -se de ferramenta auxiliar do Poder Judiciá-
dos, chegando ao resultado de forma au- rio, que utiliza técnicas de aprendizado de
tônoma, como, por exemplo, as recomen- máquina (machine learning) e análise de
dações personalizadas na Netflix e outros padrões (processamento de linguagem na-
sites de busca. tural – PNL) para sistemas de tribunais:
Deep Learning: é o que chamamos de
aprendizado profundo, pois utiliza algorít- VICTOR não se limitará ao seu objetivo ini-
mos complexos para imitar a rede neural cial. Como toda tecnologia, seu crescimen-
do cérebro e aprender uma área do conhe- to pode se tornar exponencial e já foram
cimento com pouca ou nenhuma supervi- colocadas em discussão diversas ideias
são. para a ampliação de suas habilidades. O
objetivo inicial é aumentar a velocidade de
Processamento de Linguagem Natural tramitação dos processos por meio da uti-
(PLN): utiliza técnicas de Machine Learning lização da tecnologia para auxiliar o traba-
com o objetivo de encontrar padrões e rea- lho do Supremo Tribunal. A máquina não
lizar análises preditivas, por meio de um decide, não julga, isso é atividade humana.
grande conjunto de dados e a partir disso Está sendo treinado para atuar em cama-
reconhecer o que seria uma linguagem das de organização dos processos para au-
natural, ou seja, que são naturais da comu- mentar a eficiência e velocidade de avalia-
nicação, tais como a interpretação de texto ção judicial. (STF, 2018)
e de sons. (COSTA, 2019 apud NORVIG e
RUSSEL, 2004). Igualmente, outros projetos que auxi-
liam o Poder Judiciário se destacam: “Pro-
Ao impactar o comportamento social,
gramas do CNJ, como o Processo Judicial
a IA promove ampla interação entre ho-
Eletrônico (PJe), o Sistema Eletrônico de
mem e máquina, o que coloca em discussão
Execução Unificado, o portal do Consumi-
a questão da sua singularidade. Doravante,
dor, a automatização de atos processuais
Silva (2019) propõe uma reflexão quanto à
nas execuções fiscais, o Laboratório de Ino-
autonomia da máquina em detrimento do
vação para o PJe e o Centro de Inteligência
ser humano, ou seria a IA, apenas grande
Artificial” (STF, 2018).
aliada para facilitação das atividades huma-
nas? Ainda nesse seguimento, outros ques- A IA trouxe benefícios, mas também
tionamentos são suscitados: introduziu riscos. Uma vez que superou o
homem em eficiência e velocidade de ra-
As tecnologias do futuro tomarão deci-
sões enviesadas? Os empregos humanos ciocínio, por isso, um questionamento vem
estão mesmo ameaçados pela automati- à tona: a capacidade de raciocínio inteligen-
zação inteligente? Um assistente jurídico te pela máquina deve ser limitada por meio
virtual poderia substituir um advogado? O de regulação?
carro autônomo poderá decidir entre pou-
par a integridade física do motorista em Polido (2019) entende que a tecnologia
detrimento da de outrem? Mais do que transita entre o rigor científico e a necessi-
respostas, estes são alguns dos eventuais dade de solucionar problemas técnicos. Difi-
fascínios e desilusões trazidos ao cotidiano culdades conceituais, políticas e regulatórias
humano por invenções pautadas em Inte- se deparam com as funções das instituições.
ligência Artificial. (SOUZA; OLIVEIRA, 2019, Peck e Rocha (2018) alertam que alguns paí-
p. 66). ses que adotam regulamentações específi-
cas de proteção de dados pessoais buscam
No Poder Judiciário, a utilização de

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o equilíbrio entre o interesse das empresas ria possível regular o uso militar da IA, dado
e o interesse público. A necessidade de ino- o poder de influência que a domina? Como
vação e desenvolvimento é sopesada pela regular a proteção de dados pessoais, se as
obrigação de proteção aos indivíduos. pessoas estão dispostas a fornecer seus da-
dos voluntariamente às empresas?
Argumentos a favor da regulação da
implementação de sistemas de IA são apre- As respostas para as perguntas acima
sentados por Strous (2019). Em um rol não não são triviais, tampouco objetivas, frente
exaustivo, ele elenca ações como: garantir às questões retóricas. A tecnologia é carac-
a confiabilidade e segurança de sistemas, terizada pela dinamicidade, de forma que
evitar preconceitos e imparcialidades em os dilemas surgem a todo momento. Braga
relação a sistemas e dados, proibição de (2014) esclarece que alguns entendimentos
‘sistemas de caixa preta’, cujas decisões não estão em fase inicial e não possuem qual-
possam ser explicadas ou justificadas; per- quer posicionamento jurídico definitivo. Por
mitir a responsabilização por falhas, uso ma- se tratar de novidade, não há sequer nú-
licioso da IA e construção de sistemas de ar- mero de casos apreciados suficientes para
mas autônomas letais; impedir a destruição formar entendimento jurisprudencial. tam-
de empregos pela IA; garantir direitos de pouco que venham, depois de algum tem-
propriedade intelectual; proteger a privaci- po, se tornarem um marco jurídico.
dade etc. Sabe-se que a regulação é neces-
sária quando não for seguro confiar em de- Em relação a direito e obrigações, Cos-
senvolvedores e usuários dos sistemas de IA. ta (2019) esclarece que a responsabilidade
civil da IA, como ferramenta, é objetiva. Ou
Nas palavras de Strous, não se trata de seja, responde à empresa que a utiliza na
‘sufocar a inovação’, tampouco privar a so- prestação de serviços ou venda de produtos.
ciedade dos benefícios que a IA pode pro- Existe, no entanto, a possibilidade de o con-
porcionar. Os sistemas de IA são complexos, sumidor ou usuário ser responsabilizado em
uma vez considerados produtos, a regula- caso de danos a terceiros. Trata-se da res-
ção deve focar em alternativas de aplicação. ponsabilidade subjetiva daquele que tem o
É importante que um sistema não cometa dever de guarda do sistema, a pessoa que
erros e é tarefa dos desenvolvedores/forne- ensinou a máquina (o robô). A Resolução do
cedores garantir que o produto esteja fun- Parlamento Europeu 2015/2103(INL), de 16
cionando corretamente, o que deverá ser de fevereiro de 2017, com recomendações à
feito por meio de regulação. Polido (2019) Comissão de Direito Civil sobre Robótica es-
menciona a importância de engenheiros e tabeleceu “regime de seguros obrigatórios
cientistas da computação terem concep- para fabricantes e proprietários de sistemas
ções de ética, segurança, responsabilidade, baseados em IA, com o objetivo de reparar
justiça e dignidade, que vão ao encontro do quaisquer danos que vierem a ser causados
agir social — ao atender às necessidades da por seus robôs” (COSTA, 2019, p.47). Peck e
sociedade. Rocha (2018) esclarecem que, na visão do
Parlamento Europeu, os robôs deveriam ter
Strous (2019) não descarta que a regu- personalidade jurídica (“pessoa eletrônica”)
lamentação tem lado negativo também. O de modo a responder juntamente com seus
autor aborda situações nas quais um regula- donos.
mento pode ser indesejável ou difícil de ser
implementado. Uma sociedade convencio- Até o momento, a responsabilidade
nal, politicamente organizada, submete-se sempre recai sobre o elemento humano,
a normas estatais. A normatização funcio- nunca para o robô. Para Peck e Rocha (2019),
naria para uma sociedade composta por hu- é premente a importância de regulação
manos e robôs? A regulação tem o objetivo uniforme que favoreça o mercado e garan-
de evitar que as máquinas cometam erros. ta segurança jurídica para indivíduos e ins-
Nesse caso, quem decidirá o que é errado? tituições. Estaria a solução para o desafio
Um dispositivo automatizado pode provo- da ética na inteligência artificial intrínseca
car dano moral ou material. Ante eventual à própria tecnologia? Essa é outra pergun-
dano, quem será responsabilizado? Como ta ainda sem resposta, considerando que
se comportariam as empresas que desen- “organizações internacionais, a exemplo
volvem tecnologia ante a limitação do seu das Nações Unidas, suas agências especia-
uso? Não seria desastroso regular a criativi- lizadas e a União Europeia ainda caminham
dade de um pesquisador? Como regular um para a discussão de modelos de indução e
robô a partir do seu aprendizado, estabele- fomento de ações em torno da IA” (POLIDO,
cendo o que ele pode ou não aprender? Se- 2019, p. 200).

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Na realidade, os Estados comparti- namento jurídico vigente. Já as máquinas
lham, mas também concorrem com objeti- terão suas decisões intocadas, dada a falta
vos de alavancagem e desenvolvimento do de transparência sobre o que a motivou a
segmento de IA. As estratégias nacionais tomar esta ou aquela decisão. Mais uma si-
englobam parte de políticas públicas nos tuação para ratificar a importância de uma
ambientes domésticos, espécie de ‘corrida legislação específica que regulamente os
tecnológica’. Ao propor leis e regulamen- procedimentos de inteligência artificial.
tos nacionais, alternam entre a cautela e a
abstenção. Ademais, “a escolha política de 5.2 Jurimetria
como regular e qual o alcance pretendido
da regulação normativa em temas concer- A princípio, o homem buscava nas
nentes à tecnologia é inevitável.” (POLIDO, Ciências verdades absolutas, previsões ra-
2019, p. 200). cionais de eventos futuros, leis naturais, de-
terminísticas. Hoje, admite-se que o conhe-
O homem, criador da máquina, é pas- cimento é dinâmico, complexo, incompleto;
sível de erro. Se a falibilidade é inerente ao e, ao contrário de respostas certeiras, o ob-
homem, o mesmo ocorre com a máquina. jetivo dos pesquisadores é errar menos, va-
No que concerne a sistemas de IA, Stein lorizando os modelos probabilísticos. Nunes
(2019) destaca que a qualidade dos dados (2019) conclui que a comunidade científica
nos processos de aprendizagem (machine deixou de buscar a certeza e passou a bus-
learning e deep learning) é determinante car o controle da incerteza.
para sua transparência e para identificar
seus erros. A utilização de dados pautados Em 1899, nasceu na Dinamarca Alf
em critérios do pensamento preconceituo- Ross, filósofo e jurista, considerado criador
so dos seus criadores e treinadores fará com do realismo jurídico na Escandinávia. Hei-
que a máquina adote decisões preconcei- nen e Rodrigues (2016) explicam que Ross
tuosas. Essa condição denomina-se ‘viés era racionalista e não aceitava que as rela-
algorítmico’ e afeta sistemas e plataformas, ções de Direito pudessem ser explicadas por
em detrimento de destinatários finais, que meio da metafísica, mas sim de forma em-
são seres humanos. Um exemplo que ocor- pírica, pelo plano das experiências. As nor-
reu no sistema criminal americano: mas e os fenômenos jurídicos são dirigidos
a um juiz que as interpretará e as aplicará,
Nos EUA há o sistema COMPAS que é utili- com a finalidade de solucionar o caso con-
zado pelo sistema de justiça criminal para
creto. Ao entender que existe uma ideolo-
verificar o risco de reincidência dos acusa-
dos. Pesquisa encaminhada pela entidade
gia normativa que governa e motiva o juiz,
ProPública relevou que o sistema pen- é possível encontrar previsibilidade a partir
dia para classificar negros como maiores de seu comportamento verbal. E ao consta-
reincidente de crimes, do que brancos. A tar uma regra jurídica vigente, em determi-
questão que se coloca não se restringe a nado tempo histórico e espaço geografico,
um simples prognóstico equivocado, e sim implica prever que tal regra servirá de base
aponta para algo sério, potencialmente in- a futuras decisões jurídicas. Percebe-se aqui
justo e lesivo. É que as informações presta- uma ‘ideia’ do que viria a se tornar a Jurime-
das pelo sistema no sentido de classificar tria.
negros com maior propensão à reinci-
dência criminal sem critério definido, ba- Na segunda metade do século XIX,
seando-se exclusivamente na visão social métodos estatísticos passaram a ser utili-
deturpada dos seus criadores, acredite se zados, auxiliando os demais campos do co-
quiser, eram tomadas como relevantes à
nhecimento a controlar incertezas, mensu-
fixação da pena pelos magistrados.
rar variabilidades e a estudar não mais um
Estados como Arizona, Colorado, Delaware, único indivíduo, mas populações inteiras. A
Kentucky, Louisiana, Oklahoma, Virgínia, estatística, como metodologia de análise,
Washington e Wisconsin têm essa política afetou não apenas o meio científico, mas
criminal através do COMPAS. (STEIN, 2019). o artístico, econômico, social, estatal, entre
No Brasil, a situação supramenciona- outros. Nesse sentido, destaca-se:
da por Stein (2019) não é diferente em plata- Hoje, a estatística é um conjunto de mé-
formas de sistemas jurídicos. Mais um caso todos utilizado em praticamente todos os
a refletir quando se cogita dar às máquinas aspectos de nossas vidas, do público (rea-
a tão expressiva responsabilidade de julgar lização de pesquisas de opinião) ao priva-
seres humanos, notadamente na seara ju- do (exame de DNA); do governamental
rídica. Para o autor, os pronunciamentos (implementação de políticas públicas de
dos juízes são impugnáveis à luz do orde- vacinação) ao particular (desenvolvimento

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de técnicas de administração de empresa); ao meio jurídico. A expressão foi utilizada
do profissional (modelos de investimento pela primeira vez no ano de 1963, por Lee
em ações) ao recreativo (estatísticas des- Loevinger, advogado americano de Mineso-
portivas). Deixadas de lado as pretensões ta, em artigo denominado Jurimetrics: the
deterministas oitocentistas, passamos to-
next step forward, cuja essência apontava
dos a viver em uma sociedade que pensa e
que o Direito não deveria ser compreendi-
se enxerga através da estatística. (NUNES,
2019, p. 42). do como um conjunto de princípios e valo-
res abstratos, mas como um fato cotidiano e
Por se tratar de uma ferramenta neu- concreto, associado à realidade social. Com-
tra de análise da sociedade, a Estatística preender o Direito implicaria o estudo de
contribui com o seu desenvolvimento, por outras ciências como a Sociologia, Psicolo-
permitir melhor análise de dados. Szewczyk gia e Economia, do comportamento social,
e Loguercio (2019) a consideram tecnologia de decisões de tribunais etc.
de governo, espécie de ferramenta de con-
Loevinger apenas esclarece que a jurime-
trole governamental. O Estado recorre ao
tria pretende descrever o comportamento
saber estatístico para administrar em escala de testemunhas, partes e juízes, investi-
macro — a população de cidades, de esta- gando porque os primeiros faltam com a
dos e do país; ou, numa escala micro — os verdade e como os juízes julgam. Além dis-
modos de ser, pensar e agir dos indivíduos. so, ela auxiliaria a tornar mais objetiva a lin-
guagem jurídica, a acelerar os processos, a
A seara jurídica também se beneficia evitar comportamentos desajustados e a
desse saber. A atribuição, pela norma ju- prevenir crimes. (NUNES, 2019, p. 93).
rídica, de uma sanção a uma conduta não
garante que essa seja aplicada pelas autori- Almeida et al (2019) reconhecem o
dades. Há que se considerar variáveis como crescimento da Jurimetria como ferramen-
a causalidade, o estudo das consequências ta científica de auxílio ao Poder Judiciário.
reais que a aplicação da norma gera na so- Processos estatísticos permitem a análise
ciedade. O Direito é, acima de tudo, um me- do impacto social de decisões judiciais. A
canismo de controle social. Não se trata de elaboração de políticas públicas também re-
um amontoado de leis que estabelece pe- corre a esse saber matemático, que permite
nalidades, mas de instrumento por meio do ajustes ou reformulações para aumentar a
qual se impõe e controla comportamentos. efetividade e, consequentemente, reduzir o
números de conflitos que teriam fim no Po-
O Direito tem o seu lado falível, a “po- der Judiciário. Nunes (2019) complementa
lícia falha, os juízes erram e há muitos casos a importância da Jurimetria em análises de
em que a lei deveria ser aplicada e não é” impacto regulatório, no monitoramento dos
(NUNES, 2019, p. 67). Questões pessoais, pro- efeitos de mudanças implementadas nos
fissionais, acadêmicas, políticas, religiosas, regimes legais e, até mesmo, se uma pro-
culturais e outras geram riscos e incertezas. posta de lei, uma vez promulgada, produzirá
Nesse sentido, decisões são tomadas, mes- ou não os efeitos desejados.
mo diante de informações insuficientes ou
contraditórias. No plano das tecnologias aplicadas
ao Direito, a Jurimetria tem muito a contri-
Se pegarmos, por exemplo, uma sentença buir. Nunes (2019) cita sua importância em
judicial, é razoável assumir que seu sentido análises de impacto regulatório, ajudando
último é produto não só do que a lei diz,
a compreender como uma mudança de lei
mas também de um intrincado e comple-
xo conjunto de fatores sociais, econômicos
afeta o comportamento das partes e dos juí-
e culturais envolvidos em um elaborado zes na condução de conflitos. Por meio de
processo psicossocial de convencimento, análises estatísticas, é possível monitorar os
influenciável por fatores como os valores efeitos das mudanças implementadas nos
políticos e pessoais do magistrado, a em- regimes legais e, até mesmo, saber se uma
patia com as partes, a linha de argumen- proposta de lei, uma vez promulgada, pro-
tação escolhida por estas, a experiência de duzirá ou não os efeitos desejados.
vida do juiz, a pressão institucional exer-
cida por órgãos de controle do Poder Ju- A jurimetria pode, por exemplo, recomen-
diciário, o sentido dos precedentes profe- dar ao legislador uma alteração na lei ca-
ridos em caso análogos, dentre inúmeros paz de reduzir o tempo dos processos, ou
outros. (NUNES, 2019, p. 23). a aplicação de uma modalidade de pena
que reduza o nível de reincidência de infra-
Nunes (2019) ensina que a Jurimetria tores ou , ainda fornecer ao juiz elementos
surgiu com o objetivo de conferir maior grau que permitam antecipar os efeitos concre-
de consistência, segurança e previsibilidade tos de uma sentença. (NUNES, 2019, p.136).

44
Em que pese sua importância como meristas na Justiça Estadual, estudar as
auxiliar de governos e dos operadores do características desses litigantes e de seus
Direito, apresenta sua face polêmica. Aná- litígios, avaliar os meios alternativos ao li-
lises preditivas podem levar um inocente à tígio e investigar como grandes empresas
do setor privado veem o problema das
prisão. A divulgação de dados estatísticos
ações consumeristas. (ABJ, 2020).
pode se deparar com a questão da proteção
de dados e do próprio Poder Judiciário. Ana- Justiça Pesquisa: realização de pesquisas
lisar e publicar dados que correm em segre- de interesse do Poder Judiciário brasileiro,
do de justiça pode ser necessário em uma por meio da contratação de instituições
pesquisa estatística. Uma forma de estraté- sem fins lucrativos, incumbidas estatu-
gia de litigância implica pesquisar o perfil tariamente da realização de pesquisas e
de atuação do magistrado, mas tal ato pode projetos de desenvolvimento institucional.
distorcer a atuação do advogado e até mes- (CNJ, 2020).
mo o funcionamento da justiça. Outra curiosidade remete à pesquisa
As situações supramencionadas ain- denominada “Estudiosos querem mapear
da não foram tipificadas, mas são passíveis o Direito”, na qual Magro (2011) refere-se
de discussão pelo Poder Judiciário. Em 23 ao aproveitamento de dados de pesquisa
de março de 2019, a Assembleia Nacional jurimétrica pelo Senado Federal para ela-
da França promulgou a Lei n. 2019-222, que boração de um ‘substitutivo’ ao projeto de
dispõe acerca da programação judiciária lei do novo Código de Processo Civil (CPC)
do país até o ano de 2022. O artigo 33 dessa que tramitava em 2011. O tema que concer-
lei estabelece que “dados disponibilizados ne à dissolução de sociedades ganhou um
a respeito da identidade dos magistrados dispositivo que elenca pontos a serem obri-
não podem ser utilizados para avaliar, ana- gatoriamente mencionados na sentença —
lisar, comparar ou prever as práticas reais entre eles, o método de avaliação das cotas
ou supostas destes profissionais.” (MAR- de quem deixa a sociedade. Já a Secretaria
SHALLOWITZ, 2019). de Assuntos Legislativos do Ministério da
Justiça, em projeto denominado “Pensando
Na Europa continental e, em países o Direito”, que financia pesquisas empíri-
anglo-saxões, segundo Leal (2013), a maioria cas em áreas como execução penal, crimes
das reformas legais de grande repercussão de cartel e reparação de danos no Judiciá-
é discutida com base em pesquisas estatís- rio, busca estudar, por meio de jurimetria,
ticas e estudos de impacto legislativo dos o comportamento dos juízes que decidem
fatos que se pretende regular. É feita análi- com respaldo na lei. Entender se foi possí-
se do perfil dos conflitos hiperregulados ou vel ou não alcançar o resultado almejado
hiporregulados, que auxilia os legisladores a e identificar os obstáculos tornará possível
promulgar diplomas legais que atendam às criar condições para a propositura de nor-
disputas judiciais. mas capazes de corrigir ou aperfeiçoar pro-
cedimentos.
No Brasil, a Jurimetria juntamente
com outras tecnologias são valorosos instru- O Direito deve se adaptar à sociedade
mentos utilizados pelos Poderes Legislativo e vice-versa. A necessidade de atualização
e Judiciário. O reconhecimento de seu po- e adequação constante encontra na Juri-
tencial como ferramenta para descrever ce- metria um instrumento de auxílio eficiente,
nários jurisprudenciais e ajudar na tomada que permite a padronização em aplicação
de decisões, desde a formulação de políticas de normas jurídicas a casos concretos. As-
públicas até a construção de estratégias pro- sim, confere maior celeridade, segurança ju-
cessuais, mostra-se frutífera. Coelho e Lima rídica e confiabilidade às decisões do Poder
(2012) mencionam o exemplo do Conselho Judiciário. “Quanto mais próximo o com-
Nacional de Justiça (CNJ), que criou progra- portamento das pessoas ficar do compor-
mas como o “Justiça em Números”, os “Cem tamento esperado, mais orgarnizada será a
Maiores Litigantes” e o “Justiça Pesquisa”. sociedade e mais bem sucedida será a lei.”
(NUNES, 2019, p. 111).
Justiça em Números: visa à ampliação do
processo de conhecimento do Poder Judi-
ciário por meio da coleta, da sistematiza- 5.3 Big Data Jurídico
ção de dados estatísticos e do cálculo de
indicadores capazes de retratar o desem-
Em argumentação anterior, restou pa-
penho dos tribunais. (CNJ, 2020). tente que a Inteligência Artificial e Jurime-
tria são ferramentas que lidam diretamente
Os Cem Maiores Litigantes: mapear quem com dados. A maneira pela qual dados bru-
são os maiores litigantes em ações consu-

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tos são capturados, organizados e tratados, (2018) menciona a questão do comparti-
com a finalidade de produzir informações lhamento aberto, tornando o Big Data ins-
úteis e estratégicas, remete à outra tecnolo- trumento para a real transparência da in-
gia, denominada Big Data. formação. Logo, coloca em risco preceitos
fundamentais, como a vida privada, direito à
Escritórios de advocacia, departamen- informação, honra, entre outros.
tos jurídicos e tribunais armazenam enorme
quantidade de dados. Nos tribunais, as de- Em 2013, após violações gravíssimas feitas
cisões, petições e movimentações são, em pelos Estados Unidos, nas comunicações,
sua maioria, realizadas por meio eletrônico. de quem o Governo Brasileiro foi vítima, a
Todas essas informações são armazenadas então presidente brasileira, discursou na
Assembleia Geral das Nações Unidas so-
em servidores, nos quais se localizam o ban-
bre as prerrogativas soberanas do Estado
co de dados do Poder Judiciário brasileiro. Brasileiro. Tal ato, acompanhado de gran-
Esses dados são acessados, alterados, incre- de pressão da sociedade civil, trouxe como
mentados e excluídos a todo momento. Mas consequência a aprovação pelo Congresso
a rotina forense não se resume ao manuseio Nacional, do Marco Civil da Internet, tendo
de dados. este sido promulgado em 2014. O Gover-
no Brasileiro, também por provocações e
Lucena (2018, p. 16) atribui à Big Data pressões civis, aprovou recentemente a Lei
“o uso e aplicação, a partir de uma análise Geral de Proteção de Dados, que segue o
de dados disponíveis, em uma base gigan- modelo do Regulamento Geral sobre a
tesca, alimentada constantemente, em um Proteção de Dados da União Europeia. (LU-
modelo que se adequa a novos panoramas, CENA, 2018, p.17).
sem intervenções humanas”. Não se trata
Em uma sociedade que se preocupa
de tecnologia solitária. Tal condição é possi-
com o controle e produção ininterrupta de
bilitada graças à Inteligência Artificial e seus
dados e informações, Pugliesi e Brandão
algorítmos.
(2015) alertam que o Big Data impacta dire-
Algumas situações de aplicação de Big tamente o meio jurídico. Invasão de privaci-
Data no Poder Judiciário são elencadas por dade, discriminação, direito público à infor-
Piccoli (2018), em sua obra “Judiciário expo- mação, democracia, automação da tomada
nencial”. É possível a segmentação e poste- de decisão (jurídica), entre outros são áreas
rior agrupamento de processos de mesma afetadas pelo controle de dados proporcio-
natureza, por exemplo, processos com deci- nados pela ferramenta.
sões similares tomadas em última instância.
Dados sensíveis que envolvem origem
É possível também a automação e centrali-
étnica, religião, saúde, sexualidade, biome-
zação de regras de despacho em processos.
tria, história criminal etc. são mantidos em
A análise da relação entre pessoas e proces-
bancos de dados, coletados indevidamente
sos de modo a perceber processos duplica-
por empresas, monetizados, fornecidos por
dos, múltiplas ações, entradas sistemáticas,
usuários sem conhecimento dos riscos, en-
quadrilhas etc. A verificação de jurispru-
tre outras ilegalidades. Lucena (2018) alerta
dências que já decidiram sobre um mesmo
que empresas, ao coletarem esses dados,
tema e, nesse caso, permitem que o pro-
devem dar ciência, de forma simples e ex-
cesso chegue ao juiz com a jurisprudência
pressa, quanto a seu armazenamento e sua
de apoio. A análise da propensão de acordo
aplicação. Dados sensíveis são dados de va-
entre as partes possibilita, com base no his-
lor e o seu mau uso ou violação pode gerar
tórico de conciliações, que processos sejam
impactos e custos negativos, perdas finan-
direcionados para conciliadores.
ceiras, indenizações e multas.
Pugliesi e Brandão (2015) explicam
A produção ininterrupta de dados e a
que a ferramenta funciona por meio de ló-
necessidade de controle deles deve seguir
gica indutiva. A análise de grande quanti-
princípios, apontados por Pugliesi e Bran-
dade de dados é focada em encontrar cor-
dão (2015), que conferem limitações éticas
relações, reconhecer padrões e identificar
em seus tratamentos. O respeito à privacida-
tendências. Camargo (2018) remete a uma
de deve ser regra do fluxo de informações. O
projeção de cenários que antecipa resulta-
compartilhamento de dados pessoais sensí-
dos, classificando as análises feitas por meio
veis devem permanecer privado. As práticas
de Big Data como preditivas.
de Big Data devem ser transparentes, pois o
O uso da aplicação algorítmica em seu mau uso pode comprometer a identida-
Big Data, no entanto, possui um lado preo- de de indivíduos. Caso permitida, a vigilân-
cupante, que demanda cuidados. Lucena cia institucional pode identificar, categori-

46
zar, modular e até determinar quem somos, A pesquisa denominada “Tecnologia,
sem que possamos opinar. Profissões e o Ensino Jurídico”, realizada
pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Ino-
Uma vez criadas para solucionar “anti- vação – CEPI/FGV (2018), relata que os ope-
gos problemas” inerentes ao meio jurídico, radores do Direito já percebem o impacto
as ferramentas IA e Big Data criam ambien- de novas tecnologias. Em princípio, como
tes disruptivos. Para Lucena (2018), trata-se objeto de análise em demandas judiciais.
de uma nova maneira de trabalhar, de tratar Mas também, na esfera administrativa re-
de problemas. Cabe ao operador do Direito gulatória/sancionadora, com a incorporação
entender que, diante das novas tecnologias, no ordenamento jurídico de normas como
a defesa dos direitos fundamentais deve ser a Regulação da Internet (Lei n. 12.965/2014)
feita com prudência, considerando os novos , da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n.
direitos existentes e os que ainda surgirão, 13.709/2018) e da Internet das Coisas (Decre-
no passo da evolução humana. to n. 9.854, de 25 de junho de 2019 – Plano
Nacional da Internet das Coisas, lançado em
6 O advogado do futuro 2018 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia,
Inovação e Comunicações). (BRASIL, 2014,
6.1 A automatização inteligente ameaça a 2018, 2019).
profissão de advogado?
A pesquisa citada vai de encontro às
A transformação pela tecnologia de
previsões mencionadas. Na seara jurídica é
rotinas realizadas por operadores do Direito,
admissível que atividades de menor com-
quais sejam, advogados, juízes, promotores,
plexidade, de caráter repetitivo e que não
entre outros, bem como de organizações,
exigem domínio profundo de conhecimen-
sejam essas escritórios, departamentos jurí-
tos jurídicos sejam desempenhadas pela
dicos, tribunais, entre outras repartições pú-
máquina. O colaborador da organização, no
blicas, divide opiniões quanto ao futuro da
entanto, poderá manter seu posto de traba-
profissão jurídica. A produção automatizada
lho se for capaz de desempenhar tarefas de
de documentos jurídicos (contratos, peti-
maior complexidade, ou que exija contato
ções, cartas e outros), as plataformas digitais
interpessoal. A mudança se dará no perfil de
de resolução de conflitos (ODR – Online Dis-
profissionais das organizações jurídicas, não
pute Resolution) e o uso de estatísticas para
nos postos de trabalho.
predição de decisões judiciais (Jurimetria)
são identificados como ameaças à profissão Profissionais no início de suas carreiras se-
do advogado. rão afetados não apenas pela mudança no
tipo de atividades que terão que realizar,
Para Souza e Oliveira (2019), a Inteli- mas também pelo conjunto de habilida-
gência Artificial proporciona velocidade e des que lhes serão exigidos. Nas respos-
eficiência ao setor produtivo, além de cria- tas coletadas fica claro o interesse pela
tividade, autonomia e melhoramento es- contratação de profissionais que estejam
pontâneo e contínuo de rotinas profissio- mais à vontade com o contexto tecnológi-
nais. Tais atributos ameaçam o emprego de co e compreendam que as suas atividades
dependem de ferramentas computacio-
trabalhadores pouco capacitados, visto que
nais para serem realizadas. Há inclusive
teriam dificuldades em se adaptar ao mer-
movimento de realocação interna em es-
cado que, certamente, demandará conheci- critórios e departamentos jurídicos de pro-
mento de sistemas inteligentes. fissionais que tiveram suas atividades im-
pactadas por ferramentas computacionais
Outro argumento favorável à redução [...] (CEPI/FGV, 2018).
da empregabilidade, não só na profissão do
advogado, mas em sentido mais amplo, foi A redução de postos de trabalho virá
assim abordado: acompanhada pela criação de novas fun-
ções em organizações jurídicas. Os profis-
(...) robôs e criações incorporadas com In-
sionais que ingressarão na carreira jurídica
teligência Artificial possuem vantagens
intrínsecas em detrimento da força de tra- deverão ter familiaridade com ferramentas
balho humana, uma vez que não dispõem tecnológicas. O domínio das tecnologias e
de direitos humanos a serem observados, dos sistemas utilizados pela organização
desconhecem limites físicos dos corpos jurídica à qual pertencem será valorizado,
biológicos, não cometem suicídio e sequer principalmente, se o profissional estiver
demandam salários e outros benefícios apto a desenvolvê-los ou auxiliar profissio-
pecuniários, revelando-se ótimos investi- nais de Tecnologia da Informação (TI).
mentos financeiros a longo prazo.” (SOU-
ZA e OLIVEIRA, 2019, p.72 apud ESTLUND,
2018, p. 34-38 e 60).

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47
6.2 O advogado corporativo antes desempenhadas por humanos já são
executadas por softwares, de forma mais rá-
No âmbito das Corporações, a figura pida e eficiente. Concomitante a isso, eleva-
do Advogado Corporativo é tratada por Ra- do número de empregos desaparecem, mas
vagnani (2019) como o profissional que atua dão espaço a novas formas de trabalho. O
não só no âmbito jurídico, mas na adminis- que para alguns é visto como ameaça, para
tração e gestão de negócios. Espera-se que outros é oportunidade. Por esse ângulo, o
sejam capazes de atuar na fiscalização das futuro da advocacia é incerto. A tendência
atividades de companhias, em discussões é que muitos processos, principalmente os
estratégicas em momentos de crise e na mais repetitivos, sejam automatizados e os
estruturação de processos internos. Mais do profissionais da carreira poderão se dedicar
que um advogado, um profissional de negó- intensamente à estratégia do negócio e ao
cios, que cria e define estratégias de negó- exercício intelectual típico da profissão.
cios em prol de metas e sucesso da empre-
sa. Tecnologias como a Inteligência Ar-
tificial, Jurimetria e Big Data demonstram
Ravagnani (2019) alerta que o Advo- potencial para tornar o Poder Judiciário bra-
gado Corporativo deve ser um defensor da sileiro mais célere e, quem sabe, dar fim ao
integridade da companhia e manter altos senso comum de que a Justiça é lenta. Aqui,
níveis de performance e integridade. O de- se encaixa a previsão de Einstein. Máquinas
partamento jurídico da companhia no qual que “pensam” melhor que o homem, o sa-
atua não deve ser um fim em si mesmo. ber estatísco baseado em probabilidades
Além de ser um local de solução de confli- para auxiliar governos e operadores do Di-
tos, deve ser uma área capaz de servir ao ne- reito. Perante a gigantesca base de dados,
gócio, tratando demandas com eficiência. cenários são projetados e padrões são reco-
nhecidos. O que levaria tempo incalculável,
Em outra abordagem, Araújo (2016)
resolvido quase em tempo real. Excede o
também defende a advocacia corporativa
que é humano...
ao considerar a ética nas negociações em-
presariais. A atuação de um profissional Em uma gama de possibilidades em
qualificado juntamente a agentes regula- ações benéficas, e outras nem tanto, nota-
dores ou governamentais confere proteção -se a discussão quanto à capacidade de ra-
à reputação corporativa das empresas. O ciocínio inteligente realizada pela máquina.
Código Civil de 2002 estabelece limites de A possibilidade de limitação por meio de
contratação, conceitua boa-fé jurídica, polí- regulação é questão polêmica. Enquanto a
tica interna de compliance, segurança jurí- Legislação não for robusta e padronizada,
dica, entre outros temas. Daí a importância governos buscam equilibrar necessidade de
de um corpo jurídico qualificado e eficiente inovação e desenvolvimento com o dever de
nas empresas. proteção aos indivíduos.

7 Conclusão Não há como como contestar Turing


em relação à pergunta “Podem as máqui-
Em uma reflexão sobre a dimensão nas pensar?” Sim, elas podem! Se pudesse
que a tecnologia alcançou e suas conse- visitar a Sociedade de Dados e perceber o
quências, o cientista Albert Einstem profe- quanto suas ideias contribuíram para o de-
riu as seguintes palavras: “É espantosamen- senvolvimento da humanidade, saberia que
te óbvio que nossa tecnologia excede nossa Big Data é ferramenta de auxílio na elabo-
humanidade.” (EINSTEIN, 1954). De forma ração de políticas públicas, na prevenção de
bem simplista, a tecnologia é uma manei- crimes, capaz de proporcionar facilidade de
ra encontrada pelo homem de melhorar acesso e sucesso na busca da justiça.
rotinas ou aperfeiçoar objetos, com vistas à
facilitar seu dia a dia. Às vezes, esse resulta- Referências
do é tão eficiente que, em vez de uma ativi-
dade se tornar mais fácil, ela é suplantada ALMEIDA, Renato Augusto de. Justiça,
por uma nova forma de fazer, muito melhor Judiciário e a Condição Humana
e mais cômoda que a anterior. Diz-se en- nas Relações Interpessoais:  reflexões
tão que houve uma disrupção, ou seja, uma contemporâneas. 1. ed. Jundiaí: Paco
quebra de padrões, que acaba por conquis- Editorial, 2019.
tar novos usuários, adeptos e mercados.
ARMSTRONG, Paul. Dominando as
As tecnologias atuais alcançam altos tecnologias disruptivas: aprenda a
níveis disruptivos. E atividades repetitivas compreender, avaliar e tomar  melhores

48
decisões sobre tecnologia que possa teoria dos híbridos. Clayton Christensen
impactar o seu negócio. 1. ed. São Paulo: Institute for Disruptive Innovation. Disponível
Autêntica Business, 2019. em: http://isesp.edu.br/ensinohibrido/curso/.
Última atualização: 2013. Acesso em: 17 nov.
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Diego de Castilho Suckow Magalhães


Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2011).
Docente de Pós-Graduação e Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e do
Centro Universitário Uni-Anhanguera.

Ana Lúcia Vieira


Graduanda em Direito do Centro Universitário de Goiás Uni-ANHANGUERA, graduada em Engenharia da
Computação pela Universidade Federal de Goiás (UFG), especialista em Finanças e Controladoria pelo Centro
Universitário de Goiás, empregada da Caixa Econômica Federal (CEF).

Revista CNJ, Brasília, v 4 , n. 1, jan/ jun 2020 | ISSN 2525- 4502


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