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Direito digital: da inteligência artificial às legaltechs

DIREITO DIGITAL: DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ÀS LEGALTECHS


Digital law: from artificial intelligence to legaltechs
Revista dos Tribunais | vol. 987/2018 | p. 25 - 37 | Jan / 2018
DTR\2017\7122

Patricia Peck Garrido Pinheiro


Doutoranda em Direito Internacional pela USP. Especialista em Negócios pela Harvard
Business School. MBA em Marketing pela Madia Marketing School. Curso em Gestão de
Riscos pela Fundação Dom Cabral. Advogada. patricia.peck@pppadvogados.com.br

Área do Direito: Civil


Resumo: As transformações digitais exigem que o Direito acabe por se modernizar,
observando a natureza global da Internet e dos negócios que nascem dentro desse
contexto. Com isso, o Direito Digital passa a atuar em todas as práticas jurídicas em
busca de solucionar os novos desafios lançados pelo mercado tecnológico. Nesse sentido,
a inteligência artificial e as legaltechs já são realidades que demandam extrema atenção
para as consequências advindas de suas incorporações no nosso dia a dia.

Palavras-chave: Direito digital – Inteligência artificial – Legaltechs – Inovação –


Robotização – Ética digital
Abstract: The digital transformations demand that the Law ends up being modernized
observing the global nature of the Internet and the businesses that are born within this
context. With this, the Digital Law starts to act in all legal practices in search of solving
the new challenges launched by the technological market. In this sense, artificial
intelligence and legaltechs are already realities that demand extreme attention because
of the consequences of their incorporations in our daily life.

Keywords: Digital law – Artificial intelligence – Legaltechs – Innovation – Robotization –


Digital ethics
Sumário:

1.Introdução

Na atual sociedade pautada pelas transformações digitais, os negócios já nascem


globais, porque a Internet não tem fronteiras e as relações se estabelecem por meio do
ambiente on-line, o Direito Digital acabou alcançando todas as práticas jurídicas.

Esse novo direito, que passou a exigir muito mais inovação jurídica, ficou horizontal,
transversal, e passou a englobar todas as disciplinas: civil, criminal, contratual,
tributário, propriedade intelectual, constitucional, trabalhista, entre outras. É um cenário
onde a prova é eletrônica e a testemunha é a máquina. É o novo pensar jurídico que
exige do profissional conhecimento técnico, prático e especializado.

Ou seja, o Direito Digital representa o amadurecimento do papel do jurídico como elo


entre inovação e gestão de risco. Seu desenvolvimento nos últimos anos mudou seu
patamar, colocando-o como ferramenta estratégica nas Organizações Públicas e
Privadas, ampliando a visão sobre responsabilidades, gestão de riscos, governança,
conformidade legal e proteção de reputação.

Nos anos 1980, a grande quebra de paradigma foi trazida pela indústria de software e
toda a discussão sobre direitos autorais e limites éticos relacionados às práticas das
empresas da recém-surgida Economia Digital.

Nos anos 1990, a atuação mais comum envolvia elaborar contratos de tecnologia,
abrangendo a política de privacidade e segurança da informação, com contratos de
hospedagem de site, de armazenagem de dados, desenvolvimento de software. Aos
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poucos, isso evoluiu para os profissionais de marketing, interessados em fazer


campanhas digitais, preocupados em proteger a marca na web e buscando o amparo
legal. Na sequência, entrou o varejo. A princípio, eram startups, pequenos
empreendedores que montavam lojas virtuais, e então as empresas tradicionais que
queriam aproveitar a Internet e iniciar o seu comércio eletrônico.

Após os anos 2000, após o bug do milênio, o desafio passou a ser a segurança diante
dos novos riscos digitais e as ameaças trazidas pelo uso mais maciço das tecnologias
digitais, tanto para a sociedade como para os ambientes corporativos.

Assim, gestores passaram a buscar orientações de especialistas em Direito Digital, com


foco voltado para riscos e oportunidades para o desenvolvimento de seu negócio, cada
vez mais com base em tecnologia e inovação.

Portanto, o advogado assumiu o papel de estrategista, que atua antecipando


oportunidades e identificando riscos para reduzir incidentes e perdas financeiras, seja
em um segmento empresarial, para estabelecer os negócios entre as empresas, seja na
questão do direito societário para o valuation dos ativos intangíveis em uma fusão e
aquisição; na parte do direito civil, envolvendo contratos, relações consumeristas ou
trabalhistas; ou a parte criminal no direito penal, que tem tido uma alta demanda devido
aos crimes eletrônicos e à fraude eletrônica.

Dentro da Sociedade Global Digital, o Direito evoluiu para lidar com os novos desafios na
implementação das melhores práticas nacionais e internacionais acerca da proteção dos
negócios, das relações e dos ativos intangíveis.

Por exemplo, no contexto da União Europeia acerca das novas regulamentações de


Proteção de Dados, com as implicações da nova diretiva europeia GDPR e as tendências
de anonimização de dados, da exigência em designar um(a) encarregado(a) da
protec�ão de dados em determinados casos ou, então, no aumento das exigências de
compliance de Cibersegurança e da responsabilidade executiva dos conselhos das
empresas e dos seus acionistas.

Nesse sentido, é inevitável mencionar a indústria 4.0, que possibilita a coleta dos dados
na internet por dispositivos inteligentes. Assim, o avanço da Internet das Coisas (IoT)
força o desenvolvimento da legislação que busca uma configuração jurídica que consiga
englobar as novas necessidades do mercado.

As informações cedidas pelos usuários, consumidores e clientes passam a ser a moeda


de troca dessas empresas. No caso da indústria de automóveis, percebe-se que existe
uma interdependência devido à interligação de informações necessárias que abastecem
essas mesmas empresas. São elas a financeira, a automobilística, de seguros, de saúde
e farmacêutica.

Entre essas tendências que vêm ganhando espaço no mercado e que mais prometem
causar disrupções nos modelos existentes está a Inteligência Artificial. De acordo com a
1
consultoria Gartner, até 40% dos novos aplicativos empresariais implementados pelos
prestadores de serviços nos próximos quatro anos incluirão tecnologias de IA.
Recentemente, o tema ganhou repercussão devido à circulação de notícias afirmando
que o Facebook desligou robôs criados para interagir com seres humanos em
negociações após descobrir que os sistemas de inteligência artificial abandonaram o
inglês e adotaram uma linguagem própria.

Ainda de acordo com a mesma pesquisa da consultoria Gartner, a Inteligência Artificial


(IA) oferece meios para manter a eficiência e a proficiência necessárias para atender às
demandas dos clientes. OS CIOs, CDOs (diretores de dados), líderes de desenvolvimento
de aplicativos e arquitetos empresariais, entre outros, precisam estar dispostos a
explorar, experimentar e implementar recursos de IA para buscar novas oportunidades
de geração de valor. Um dos destaques é que a tecnologia potencializa cada vez mais o
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trabalho dos profissionais, oferecendo, entre várias informações, experiências únicas e


personalizadas aos usuários.

Em maio de 2017, foi anunciada a criação da Associação Brasileira de Inteligência


Artificial (ABRIA), que tem como objetivo mapear iniciativas brasileiras no setor de
inteligência artificial, incluindo a formação de mão de obra especializada e os esforços
entre as empresas nacionais. Esse movimento reflete como a IA gera impactos diretos
na economia, um dos setores que mais espera se beneficiar com essas mudanças.

Os CDOs (Chief Data Officer) dessa indústria estão lidando com uma quantidade muito
grande de dados sob a forma de transações financeiras, e que devem ser analisadas por
fraude ou por comportamentos de clientes a partir de informações sobre o tipo de
conselho financeiro que seria mais benéfico. E com as novas regulamentações, estão
tendo que pensar muito mais sobre privacy risks e instituir a pessoa responsável pela
privacidade e a proteção de dados da empresa (tem sido chamado de DPO – data
privacy officer ou CPO – chief privacy officer).

Os robôs diminuíram de tamanho, tiveram sua capacidade de aprendizado ampliada e


deixaram de ser usados apenas para atividades físicas e passaram para as intelectuais.
Nos Estados Unidos, sede de algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo, o
crescimento da automatização poderá gerar meio milhão de empregos nos próximos dez
anos.

Ou seja, é uma tendência que vai mudar a estrutura organizacional das empresas e
desconstruir a relação milenar que temos com o trabalho, com o uso de Machine
Learning e da personalização dos serviços.

Por outro lado, o mercado de tecnologia também está voltado para o setor jurídico.
Diversas empresas buscam utilizar a IA em prol da acessibilidade a consultoria jurídica e
ao sistema jurídico. A ideia é utilizar a possibilidade de diminuir os honorários
advocatícios com a redução no tempo dedicado a administração de banco de dados e de
pesquisas jurisprudenciais, por exemplo, e aumentar o tempo disponível do advogado
em si com o cliente com honorários mais acessíveis.

No entanto, quais serão os impactos causados com a entrada da IA no nosso dia a dia?
Seja nas cidades inteligentes, no setor automotivo ou no setor bancário. E no setor
jurídico? Apesar de o Direito ser considerado um setor mais tradicional e conservador, a
revolução tecnológica também força a sua modernização, sendo o Direito Digital uma
vertente que possibilita a criação de soluções para adaptar-se à realidade atual dos
novos business models.

Como todo o resto, a tecnologia avança mais rápido que o Direito. E agora temos que
correr para trazer soluções que garantam a segurança jurídica das relações sociais de
homens e de máquinas. Uma sugestão dada pelo Parlamento Europeu é a criação de um
código de conduta para os engenheiros e uma agência europeia de robótica, visando a
criar uma cultura de responsabilidade devido aos futuros desafios e oportunidades que
serão apresentados.

A análise da Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais do Parlamento Europeu,


publicada no ano passado, aponta que embora o desenvolvimento da robótica e da
inteligência artificial esteja acelerado, é crucial moldar seu curso e antecipar as possíveis
consequências com respeito ao emprego e à política social devido ao aumento e uso
global da robótica na produção de bens e serviços.

Sendo assim, a Comissão propõe que seja feito monitoramento do número e da natureza
dos trabalhos perdidos e criados por robotização e automação, e o impacto do fenômeno
na renda perdida por sistemas de segurança social, avaliando novas formas dos
trabalhadores se envolverem com seus empregos e como as plataformas digitais de
trabalho podem conectar melhores indivíduos, equipes e projetos.
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Uma das recomendações, por exemplo, envolve:

Salienta que, embora o desenvolvimento da robótica e da inteligência artificial esteja


acelerando, é crucial moldar o seu curso e antecipar as possíveis consequências em
relação ao emprego e à política social, porque o aumento e uso global da robótica na
produção de bens e nos resultados de serviços em uma maior produtividade que pode
ser alcançada com pouca mão de obra e, consequentemente, na próxima década, alguns
empregos serão completamente eliminados e muitos outros afetados; solicita, por
conseguinte, à Comissão que proceda a uma análise dos desafios e oportunidades no
emprego e que desenvolva um método para permitir o acompanhamento do número e
da natureza dos postos de trabalho perdidos e criados pela robotização e automação e o
impacto do fenômeno sobre os rendimentos perdidos por sistemas de segurança social;
solicita ainda à Comissão que avalie regularmente e em diálogo com os parceiros sociais
em que medida as horas de trabalho semanais, anuais e de vida podem ser reduzidas
sem perda de renda e começar a explorar novas opções de financiamento para futuros
sistemas de proteção social e repensar a forma como os trabalhadores se envolvem com
seus empregos e como as plataformas digitais de trabalho podem conectar melhores
2
indivíduos, equipes e projetos. (p. 3; tradução livre).

Esse ponto mencionado acima, é crucial e envolve diversos temas jurídicos que serão
atingidos com a entrada da IA no nosso dia a dia.

Cabe ressaltar que os sistemas ciberfísicos (Cyber-physical system – CPS) são assuntos
constantes na pauta do Parlamento Europeu para entender as consequências e os
impactos que serão causados no nosso cotidiano. Em 16 de fevereiro de 2017, o
Parlamento Europeu aprovou o relatório para uma iniciativa legislativa com o intuito de
analisar os impactos causados pelos veículos autônomos, drones, robôs médicos e robôs
de assistência a idosos, crianças e pessoas com deficiência. O objetivo dessa iniciativa é
recomendar à Comissão Europeia uma futura legislação observando o potencial
econômico e garantindo a segurança.

Sobre os veículos autônomos, os pontos importantes giram em torno da


responsabilidade civil, um regime de seguros obrigatórios. A criação de um estatuto
jurídico de pessoas eletrônicas específicas para robôs mais avançados, além de aplicar
personalidade eletrônica em casos de interação independente.

Nesse sentido, o Parlamento Europeu insiste na importância de

Analisar diferentes cenários possíveis e as suas consequências para a viabilidade dos


sistemas de segurança social dos Estados-Membros. A referência à eventual aplicação de
um imposto sobre o trabalho realizado por robôs ou de uma taxa de utilização e
manutenção por robô foi suprimida na votação em plenário (302 votos contra essa
3
referência, 288 a favor e 22 abstenções).

Essas medidas tomadas pelo Parlamento Europeu demonstram a intensidade e a


seriedade com que os debates em torno da inteligência artificial estão sendo
desenvolvidos. Em um curto prazo, o mercado já espera incorporar soluções utilizando a
IA que impactem o nosso dia a dia e não podemos aguardar a entrada desses produtos
para entender suas consequências e benefícios.

Nos Estados Unidos, o empresário de tecnologia Elon Musk chamou bastante atenção no
mês passado quando afirmou que os governadores norte-americanos precisam
regulamentar a inteligência artificial “antes que seja tarde demais”. O empresário faz
parte de um grupo com mais de 100 líderes de companhias especializadas no assunto,
que enviou uma carta à Organização das Nações Unidas (ONU) pedindo que a entidade
proíba o desenvolvimento de robôs de guerra.
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Esse documento, o “Asilomar AI Principles”, traz 23 princípios e representa um guia
parcial para ajudar a garantir que a IA seja desenvolvida de forma benéfica para todos.
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Mais de 1.200 pesquisadores em robótica e IA e mais de 2.300 pessoas de outras áreas


assinaram o termo. As condições elencadas no guia são:

1) Objetivo da pesquisa: O objetivo da pesquisa da AI deve ser a criação de inteligência


não dirigida, mas a inteligência benéfica.

2) Financiamento da pesquisa: Os investimentos em AI devem ser acompanhados por


financiamento de pesquisa em seu uso benéfico.

3) Link entre Ciência-Política: Deve haver um intercâmbio construtivo e saudável entre


pesquisadores de AI e autoridades políticas.

4) Cultura de pesquisa: Uma cultura de cooperação, confiança e transparência deve ser


promovida entre pesquisadores e desenvolvedores de AI.

5) Prevenção de corrida: As equipes que desenvolvem sistemas de AI devem cooperar


ativamente para evitar esquemas nas normas de segurança.

Ética e Valores.

6) Segurança: Os sistemas AI devem ser seguros e seguros ao longo de sua vida útil, e
de forma verificável, quando aplicável e viável.

7) Transparência de falha: Se um sistema de AI causar danos, deve ser possível verificar


o porquê.

8) Transparência judiciária: Qualquer envolvimento de um sistema autônomo na tomada


de decisões judiciais deve fornecer uma explicação satisfatória e auditável por uma
autoridade humana competente.

9) Responsabilidade: Designers e desenvolvedores de sistemas avançados de AI são


partes interessadas nas implicações morais de seu uso, uso indevido e ações, com a
responsabilidade e a oportunidade de moldar essas implicações.

10) Alinhamento do valor: Os sistemas AI altamente autônomos devem ser projetados


para que seus objetivos e comportamentos possam ser assegurados para se alinhar com
os valores humanos ao longo de sua operação.

11) Valores humanos: Os sistemas de AI devem ser projetados e operados de forma a


serem compatíveis com ideais de dignidade humana, direitos, liberdades e diversidade
cultural.

12) Privacidade pessoal: As pessoas devem ter o direito de acessar, gerenciar e


controlar os dados que geram, dado o poder dos sistemas de AI para analisar e usar
esses dados.

13) Liberdade e Privacidade: A aplicação de dados pessoais não deve restringir


injustificadamente a liberdade real ou percebida das pessoas.

14) Benefício compartilhado: As tecnologias AI devem beneficiar e capacitar o maior


número de pessoas possível.

15) Prosperidade compartilhada: A prosperidade econômica criada pela AI deve ser


amplamente compartilhada, para beneficiar toda a humanidade.

16) Controle humano: Os seres humanos devem escolher como e quando delegar
decisões aos sistemas de AI, para atingir objetivos humanos escolhidos.

17) Não subversão: O poder conferido pelo controle de sistemas de IA altamente


avançados deve respeitar e melhorar, em vez de subverter, os processos sociais e
cívicos nos quais depende a saúde da sociedade.

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18) AI Arms Race: Uma corrida armamentista em armas autônomas letais deve ser
evitada.

Questões a longo prazo

19) Capacidade Cuidado: Não havendo consenso, devemos evitar fortes pressupostos
em relação aos limites superiores das capacidades de AI futuras.

20) Importância: A AI avançada poderia representar uma mudança profunda na história


da vida na Terra e deveria ser planejada e gerenciada com recursos e recursos
compatíveis.

21) Riscos: Os riscos colocados pelos sistemas de AI, especialmente riscos catastróficos
ou existenciais, devem estar sujeitos a planejamento e mitigação dos esforços
proporcional ao impacto esperado.

22) Autoaperfeiçoamento recursivo: Sistemas de AI concebidos para automelhorar


recursivamente ou autorreplicar de uma forma que poderia levar a aumentar a qualidade
ou a quantidade devem estar sujeitos a medidas rigorosas de segurança e controle.

23) Bem comum: A superinteligência só deve ser desenvolvida ao serviço de ideais


éticos amplamente compartilhados e em benefício de toda a humanidade e não de um
estado ou de uma organização.

Ressalvas à parte, o país já começa a desenhar regulamentação para carros autônomos.


Três senadores decidiram estruturar um plano para sugerir como o tema deverá ser
tratado daqui para frente. As propostas cobrem diversos aspectos sobre a direção
autônoma e as partes envolvidas nesse segmento, com orientações a respeito das
responsabilidades dos reguladores em nível estadual e federal, a ênfase em segurança,
educação e diretrizes que sejam equilibradas na parte tecnológica – ou seja, que não
favoreça uma área ou companhia específica, como no caso de empresas de tecnologia e
de montadoras.

Outra novidade em terras norte-americanas é a parceria entre as empresas Microsoft e o


Facebook em prol do desenvolvimento de IA. Utilizando o ecossistema de código aberto
de IA “ONNX” (Open Neural Network Exchange), as gigantes mundiais buscam unificar
esse processo de linguagem de aprendizado das máquinas, realizando alternância entre
frameworks de aprendizagem, inicialmente com PyTorch e Caffe2. A partir dessa ideia,
outras grandes empresas de tecnologia do mundo ficaram interessadas e já estão
implantando o sistema.

Assim, o conceito da IA está cada vez mais acessível e, com a diminuição do custo
computacional, várias corporações podem se beneficiar com a melhoria de seus
processos, ampliando suas logísticas e gerando diferencial competitivo, inclusive no
ambiente jurídico.

Nesse sentido, é vital desenvolver um debate para preparar possíveis regulamentações


que atendam aos anseios da sociedade e o Direito Digital está no cenário jurídico para
interligar a inovação tecnológica com a sustentabilidade dos negócios. Pois não basta
empreender, tem que ser ético, transparente e estar conforme as leis. Ou seja, a
transformação digital exige inovação tecnológica sustentável.

Outra organização fundada neste ano, visando a fortalecer a atuação e regulação no


mercado digital, foi a Associação Brasileira de Lawtech e Legaltech (AB2L). Mais de 30
corporações do ramo, que fornecem produtos e serviços para atender demandas de
advogados, escritórios e departamentos jurídicos por intermédio de inovações
tecnológicas resolveram juntar-se para formar a primeira associação especializada, com
a intenção de divulgar o potencial que esse tipo de startup oferece ao mercado jurídico.

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O manifesto da organização destaca que

A sobrevivência profissional exige uma mudança de paradigma, de modelo mental e da


própria essência” e que “almeja-se incentivar as boas práticas e contribuir com esse
momento de grandes transformações tecnológicas: a quarta revolução industrial.

Ou seja, é tornar o mercado jurídico mais eficiente com o uso de tecnologia.

Internacionalmente, muitos escritórios já passaram a automatizar parte do trabalho com


a utilização de softwares, para fazer o recebimento e o cadastro de novas ações, juntar
petições aos processos, elaborar as guias para pagamento de custas e enviá-las aos
clientes, além de conferir se o pagamento foi feito.

Outro exemplo é um advogado robô que conseguiu reverter 160 mil multas de trânsito
em Nova York e em Londres desde 2015. O DoNotPay é um chatbot, um robô em forma
de aplicativo de chat que usa inteligência artificial funcional para interagir com humanos.
Ele “conversa” com os motoristas a respeito dos tíquetes de infrações de trânsito e, a
partir dessas informações, ele fornece orientações sobre se a sinalização procede ou não
e o que se deve fazer.

Na Alemanha, o setor de legaltechs também vem crescendo e se desenvolvendo fora do


eixo Berlim, Munique e Frankfurt. Na região de Bremen, por exemplo, o Rightmart
desenvolve um sistema de gerenciamento de fluxo de trabalho para revisão de
sentenças e de decisões regulatórias que já é reconhecida no mercado. Inclusive, em
outubro de 2017, a Alemanha sediará a Legal Evolution para debater as melhores
práticas no setor de legaltechs.

Mas o que teve mais destaque na área foi o ROSS, o primeiro advogado de inteligência
artificial do mundo, lançado no início do ano e construído sobre o computador cognitivo
Watson (IBM), desenvolvido para ler e compreender a linguagem natural, postular
hipóteses quando questionado, pesquisar e gerar respostas (com referências e citações)
para fundamentar suas conclusões. O robô compreende o significado das leis e das
decisões pesquisadas, classifica as informações de interesse e indica soluções jurídicas,
apresentando perspectivas de resultados práticos, a fim de eliminar a ineficiência dos
trabalhos jurídicos e, assim, reduzir custos. A solução inclusive já chegou ao Brasil, com
o propósito de auxiliar o advogado na coleta e organização de dados, formatação de
petições, acompanhamento de carteiras e rotina de processos.

Essa abertura em alguns escritórios mostra que a tecnologia traz um movimento


disruptivo e irreversível. Os advogados e demais operadores do direito precisam estar
prontos para essa revolução, na qual é mais fácil fazer as máquinas seguirem as regras.

No entanto, há questões legais e éticas que precisam ser consideradas. Uma das
principais habilidades dos advogados é identificar os interesses não aparentes, pensar
nas melhores técnicas de negociação e investir em meios alternativos para solução de
conflitos, como é o caso da mediação e da conciliação. Nesse sentido, a utilização do
Poder Judiciário acontecerá em último caso, quando todas as outras vias alternativas já
foram esgotadas sem o devido sucesso.

É interpretar fatos e atitudes, contemplá-los sob diferentes pontos de vista, levar em


conta os interesses envolvidos e elaborar argumentos jurídicos lógicos para satisfazer os
propósitos traçados entre os clientes. Mas é importante refletir que essas soluções
digitais que estão chegando às bancas jurídicas não serão uma ameaça caso os
profissionais estejam engajados a se atualizar constantemente sobre a matéria, e a
adquirir novos conhecimentos jurídicos e técnicos, o que cada vez mais é um diferencial
em suas carreiras.

O Direito Digital é transversal e abrange diversos segmentos. Hoje, é importante que o


advogado se especialize com certificações técnicas, e estude temas como ITIL e COBIT.
Por exemplo, na discussão de privacidade e cibersegurança, é indispensável entender
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como funciona a criptografia e a coleta de biometria. Nisso tudo, o que mais impacta é
conhecer sobre provas eletrônicas e perícia digital.

O profissional do direito precisa saber ter a melhor técnica jurídica para perguntar para a
máquina o que aconteceu, e isso deveria ser ensinado nas graduações de Direito, para
que os estudantes tivessem a oportunidade de no laboratório usar softwares que fazem
a coleta de prova eletrônica, tendo uma compreensão maior sobre esse tipo de
procedimento.

O advogado, para atuar na área de Direito Digital, tem que ser curioso, gostar de
tecnologia, e principalmente, estudar e continuar se atualizando em um contexto
internacional. A todo momento, surgem novas informações e novas tecnologias, e essas
mudanças exigem dedicação e um contínuo aperfeiçoamento. Por exemplo, o bitcoin e o
blockchain ganham espaço no mercado, e é preciso aprender e entender do que se trata
para poder fazer um contrato, um parecer ou uma petição que envolva essas inovações.

Outro exemplo é entender o funcionamento das cidades inteligentes, do acesso aos


dados das pessoas, da privacidade a ser respeitada, da utilização dos bancos de dados
formados dentro desse contexto virtual, da propriedade dos mesmos, dos impactos nos
negócios na indústria 4.0.

O que presenciamos é a revisitação dos institutos fundamentais do Direito relacionados a


diferentes temas, como a identidade, já que as pessoas se relacionam por meio de
interfaces e não presencialmente, a soberania, pois as fronteiras não são mais
geográficas, e as testemunhas, que passaram a ser máquinas. A melhor recompensa
para esse esforço é que o Direito Digital dá a possibilidade de inovar, fazer algo que
ninguém nunca fez.

Mas o grande desafio do profissional do Direito Digital continua sendo o conhecimento da


matéria, que demanda uma interdisciplinaridade dentro do próprio direito, assim como
em áreas paralelas como computação, tecnologia da informação, gestão e comunicação.

O que está por vir? Um grande debate sobre digitalização humanizada. Por certo, além
da pauta da privacidade e proteção de dados e da cibersegurança, como fazer a
transição para uma sociedade muito mais robotizada, e que isso contribua para a
melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Vivemos novos tempos, em que a documentação das relações cresceu sobremaneira,


aumentando, também, a responsabilidade. Tecnologia e informação são recursos muito
poderosos e exigem preparo para que o conhecimento seja aplicado de forma benéfica,
evitando os riscos de danos colaterais desastrosos.

A transformação digital deve ocorrer, mas com valorização do ser humano. Claramente,
é impossível ser contra a evolução, mas caberá a nós, hoje, sedimentar os valores que
irão sustentar as próximas gerações de pessoas e empresas.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LAWTECHS & LEGALTECHS. Disponível em:


[https://www.ab2l.org.br/]. Acesso em: 1210.2017.

CORTELLA, Mário Sérgio. Nos labirintos da moral. 3. ed. São Paulo: Papirus, 2006.

CORTELLA, Mário Sérgio. Qual é a tua obra? São Paulo: Vozes, 2007.

EUROPARL. Disponível em:


[www.europarl.europa.eu/news/pt/pressroom/20170210IPR61808/eurodeputados-querem-regras-europ
Acesso em: 02.10.2017.

EUROPARL. Disponível em:


[www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+REPORT+A8-2017-0005+0+DOC+XML
Acesso em: 02.10.2017.
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INGULLY, Halbert. Cyber ethics. 2. ed. Mason, Ohio: Thomson, 2005.

IBM. Primeiro Escritório Contrata o Advogado Artificial ROSS.Disponível em:


[www.ibm.com/blogs/robertoa/2017/02/primeiro-escritorio-contrata-o-advogado-artificial-ross/].
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INFOMONEY. Primeiro “robô-advogado'” do Brasil é lançado por empresa brasileira;


conheça. Disponível em:
[www.infomoney.com.br/negocios/inovacao/noticia/6757258/primeiro-robo-advogado-brasil-lancado-po
Acesso em: 12.10.2017.

SAVATER, Fernando. Ética para meu filho. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

TV Europa. Disponível em:


[www.tveuropa.pt/noticias/robos-e-inteligencia-artificial-devem-terregras-europeias/].
Acesso em: 02.10.2017.

1 Relatório indica como as empresas devem moldar estratégia de inteligência artificial.


Computer World. Disponível em:
[http://computerworld.com.br/relatorio-indica-como-empresas-devem-moldar-estrategia-de-inteligencia
Acesso em: 11.10.2017.

2 European Parliament: Committee on Employment and Social Affairs. OPINION of the


Committee on Employment and Social Affairs for the Committee on Legal Affairs with
recommendations to the Commission on Civil Law Rules on Robotics (2015/2103(INL)).
“Stresses that while the development of robotics and artificial intelligence is accelerating,
it is crucial to shape its course and to anticipate the possible consequences with respect
to employment and social policy because the increased and global use of robotics in the
production of goods and in services results in higher productivity that can be achieved
with little manpower and, consequently, over the next decade some jobs will be
completely eliminated and many others affected; therefore calls on the Commission to
carry out an analysis of the challenges and opportunities in employment and to develop
a method to enable monitoring of the number and nature of jobs lost and created by
robotisation and automation, and the impact of the phenomenon on income lost by social
security systems; further calls on the Commission to assess regularly and in dialogue
with the social partners to what extent weekly, annual and life working hours can be
reduced without loss of income and to start exploring new financing options for future
social protection systems and rethink how workers engage with their jobs and how
digital labour platforms can better connect individuals, teams and projects”.

3 PARLAMENTO EUROPEU. Disponível em:


[http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+REPORT+A8-2017-0005+0+DO
Acesso em: 02.10.2017.

4 Asilomar AI Principles. Disponível em: [[https://futureoflife.org/ai-principles/]. Acesso


em: 11.10.2017.

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