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25/07/2017 Envio | Revista dos Tribunais

Compensação de tributos com precatórios no Estado do Paraná

COMPENSAÇÃO DE TRIBUTOS COM PRECATÓRIOS NO ESTADO DO PARANÁ


Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 82/2008 | p. 70 - 90 | Set - Out / 2008
DTR\2008\570

Fabio Artigas Grillo


Doutorando e Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Vice-Presidente da Comissão de Direito Tributário
da OAB-PR e do Instituto de Direito Tributário do Paraná. Advogado.

Área do Direito: Tributário


Resumo: Trata-se de abordagem da problemática existente quanto à possibilidade ou não de
compensação de tributos no Estado do Paraná com precatórios requisitórios vencidos e não honrados.
Inicialmente demonstra-se a legislação tributária estadual, com especial ênfase ao Dec. Estadual 418/
2007, sendo este responsável pela vedação da compensação em comento. A partir disso, confrontam-
se princípios e regras constitucionais que tratam da matéria, demonstrando que a vedação estadual não
tem fundamento de validade na Constituição Federal de 88. Em seguida, o texto também demonstra
cristalino confronto entre as disposições restritivas do profligado decreto estadual relativamente ao
Código Tributário Nacional e à Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF. Da mesma forma, é trazida ao
conhecimento do leitor a jurisprudência predominante sobre a matéria perante o Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, bem como repisada a tendência de se buscarem meios concretos para
pagamentos de condenações judiciais pela Fazenda Pública. Ao final e a título de sugestão, conclui-se
que o Poder Executivo do Estado do Paraná está diante de duas hipóteses, quais sejam: (a) a
revogação do Dec. Estadual 418/2007, autorizando a cessão e compensação de precatórios na forma
estabelecida a partir do art. 100 da CF/1988 e do art. 78 do ADCT, respectivamente, respeitadas as
condições prescritas pelo anterior Dec. Estadual 5.154/2001; ou, em outra esteira, (b) a declaração de
inconstitucionalidade de referida norma regulamentar, seja através do controle concentrado e/ou difuso
de constitucionalidade.

Palavras-chave: Precatórios - Compensação - Tributos - Estado do Paraná


Resumen: El presente texto trata de la problemática relativa a la posibilidad o no de compensación de
tributos en la Provincia de Paraná con precatórios requisitórios vencidos y no abonados por la Hacienda
Publica provincial. Inicialmente está demostrada la legislación tributaria provincial, con especial
destaque al Decreto Provincial 418/2007, siendo este el vehículo normativo responsable por la
prohibición de dicha compensación. En ese contexto, son confrontados los principios y reglas
constitucionales que tratan del tema, mostrando que la prohibición provincial no tiene fundamento de
validad constitucional. En seguida, el texto también demuestra evidente confrontación entre las
disposiciones restrictivas del polémico Decreto Provincial relativamente al Código Tributario Nacional y
la Ley de Responsabilidad Fiscal. De la misma manera, se encuentra en el texto la jurisprudencia del
tema en el Tribunal de Justicia de la Provincia de Paraná, así como la tendencia de implementación de
medios concretos de pagamiento de las condenaciones judiciales por la Hacienda Pública. Al final y
como sugerencia, concluimos que el Poder Ejecutivo de la Provincia de Paraná tiene dos opciones: (a) la
revocación del Decreto Provincial 418/2007, autorizando la cesión y compensación de acuerdo con lo
que se encuentra establecido por los artículos 100 de la Constitución Federal de Brasil y 78 do ADCT,
respectivamente, respetadas las condiciones prescritas por el anterior Decreto Provincial 5.154/2001;
o, de otro modo, (b) la declaración de inconstitucionalidad de referida norma reglamentar, a través del
controle concentrado o difuso de constitucionalidad.

Palabras claves: Precatórios - Compensación - Tributos - Provincia de Paraná


Sumário:

1.Introdução - 2.A legislação tributária estadual e o Dec. Estadual 418/2007 - 3.Sistema constitucional
e legal de precatórios requisitórios: princípio da isonomia - 4.A garantia constitucional do art. 78 do
ADCT - 5.Outros dispositivos constitucionais violados - 6.A supressão da garantia da inafastabilidade da
tutela jurisdicional - 7.Coisa julgada e segurança jurídica - 8.A violação do princípio da
proporcionalidade pelo Dec. Estadual 418/2007 - 9.O Dec. Estadual 418/2007: contrariedade ao Código
Tributário Nacional e à Lei de Responsabilidade Fiscal - 10.A jurisprudência do Tribunal de Justiça do
Paraná - 11.Ainda, a tendência de meios concretos para pagamento das condenações judiciais pela
Fazenda Pública - 12.Conclusão - 13.Referências bibliográficas

1. Introdução
A possibilidade ou não de compensação de tributos com precatórios tem gerado controvérsias no
Estado do Paraná. Antes autorizada e prevista na legislação tributária estadual, atualmente vige norma
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jurídica vedando referido acertamento tributário.


Trata-se especificamente do Dec. Estadual 418/2007, recentemente editado pelo Governador do Estado
do Paraná.
Daí, então, a justificativa da presente análise, que tem por objetivo trazer considerações acerca da
validade jurídica1 das compensações de créditos derivados de precatórios com obrigações tributárias
vencidas e vincendas no âmbito do Estado do Paraná. Os tópicos a seguir tratarão, de modo
sistemático, dos seguintes pontos relacionados ao contexto em debate:
(i) as previsões sobre a matéria na legislação tributária do Estado do Paraná;
(ii) o tratamento dos precatórios requisitórios pelo art. 100 da CF/1988 (LGL\1988\3) e o princípio da
isonomia dos credores da Fazenda Pública;
(iii) também a disposição específica do art. 78 do ADCT (LGL\1988\31), deixando cristalino que a
matéria tem natureza constitucional, não podendo ser objeto de restrição por norma hierarquicamente
inferior, na esteira dos recentes precedentes jurisprudenciais do Pretório Excelso, ratificados no âmbito
do Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná;
(iv) a ofensa a uma série de dispositivos e previsões constitucionais e infraconstitucionais, tais como:
(a) legalidade frente ao poder regulamentar; (b) princípio federativo para fins de exercício do poder de
tributar; (c) exigência de lei complementar para que os Estados-membros possam instituir e legislar
sobre a matéria envolvendo tributos estaduais; (d) igualmente a necessidade de lei complementar para
disciplinar matéria relacionada às finanças públicas - atividade financeira do Estado; (e) invasão de
competência das leis orçamentárias; (f) princípio da inafastabilidade da jurisdição; (g) coisa julgada e
segurança jurídica nas relações Fisco-contribuinte; (h) proporcionalidade; além da (i) ignorância quanto
ao conteúdo da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF para fins de equilíbrio de contas públicas, bem
como do disposto pelo art. 170 do CTN (LGL\1966\26);
(v) a análise específica da jurisprudência hoje existente sobre o assunto perante o E. Tribunal de Justiça
do Paraná;
(vi) ao final, a demonstração das tendências hoje existentes em relação à efetividade dos pagamentos
de condenações pela Fazenda Pública, estando o Dec. Estadual 418/2007 na contramão delas.
2. A legislação tributária estadual e o Dec. Estadual 418/2007
A legislação tributária do Estado do Paraná estabeleceu, no passado recente, a previsão para que "os
créditos tributários" possam, "mediante autorização do Governador do Estado, ser liquidados (...) por
compensação, com créditos líquidos, certos e vencidos do sujeito passivo contra a Fazenda Estadual",
nos termos do art. 35, § 1.º, I, da Lei Estadual 11.580/96.
No entanto, referido dispositivo tem caráter geral, sem fazer menção ou dar tratamento específico ao
delicado tema envolvendo os precatórios. Ou, melhor dizendo, sequer se mostra fundamentado em
dispositivos constitucionais que tratam de créditos contra a Fazenda Pública, mais especificamente o
art. 100 da CF/1988 (LGL\1988\3) e o art. 78 do ADCT (LGL\1988\31), adiante mencionados.
Mas, apesar da previsão ser genérica e não específica aos precatórios, não se pode deixar de
reconhecer que eles são instrumentos de pagamento de créditos líquidos, certos e - não somente no
Estado do Paraná - vencidos e não pagos pelas Fazendas Públicas.
De todo modo, a autorização expressa para que seus respectivos contribuintes pudessem formalizar
pedidos administrativos perante a Secretaria de Estado da Fazenda visando a autorização para a
compensação de precatórios próprios ou objeto de cessão de crédito, com obrigações tributárias ou não
já inscritos em Dívida Ativa, somente veio prevista de modo específico pelo Dec. Estadual 5.154/2001,
2
nos seguintes termos:
"Art. 1.º O pedido para a compensação de precatórios próprios ou objeto de cessão, com créditos
tributários ou não tributários do Estado do Paraná inscritos em dívida ativa, deverá ser preenchido em
formulário próprio, conforme modelo constante do Anexo Único deste decreto, e protocolado na
Secretaria de Estado da Fazenda, devidamente instruído com:
I - prova de homologação judicial do crédito, seja por precatório próprio ou por cessão;
II - ofício original expedido pelo Tribunal competente (Tribunal de Justiça, Tribunal Regional do Trabalho
ou Tribunal Regional Federal), comprobatório de que a homologação judicial foi inscrita no precatório
correspondente;
III - cópia atualizada do instrumento constitutivo da empresa que pretende a compensação, assim
como outras informações necessárias à formalização do ato."
No entanto, o Diário Oficial do Estado do Paraná 7.439, de 28.03.2007, publicou o Dec. Estadual 418/
2007, vedando mencionada compensação de precatórios, nos seguintes termos:
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"Art. 1.º Fica vedado o pagamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e
sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS e
do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA mediante compensação com
precatórios.
Art. 2.º Ficam revogados os Decretos 5.003, de 12 de novembro de 2001 e 5.154, de 17 de dezembro
de 2001."
Mais recentemente, em 04.06.2008, foi editado o Dec. Estadual 2.749/2008, pelo qual "os
procedimentos administrativos que versem sobre pagamento do Imposto sobre Operações Relativas à
Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal
e de Comunicação - ICMS e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA, mediante
compensação com precatórios, serão analisados e decididos, exclusivamente, pelo Governador do
Estado." Vale dizer que, apesar dessa novel previsão, não há qualquer menção ou referência à
revogação do anterior Dec. Estadual 418/2007.
Conforme a seguir demonstrado, e tomando por base a legislação tributária acima referida, o disposto
pelo profligado Dec. Estadual 418/2007 fere frontalmente conjunto de normas da Constituição Federal
(LGL\1988\3), bem como legislação hoje vigente e que trata desse assunto.
O Dec. Estadual 418/2007 viola cláusulas pétreas da Constituição Federal (LGL\1988\3), devendo ser
declarado inconstitucional, seja através do controle concentrado e/ou difuso de constitucionalidade das
normas jurídicas vigentes.
O reconhecimento de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário se impõe na medida em que os
dispositivos do Dec. Estadual 418/2007 tolhem direitos de todos os credores judiciais das pessoas
jurídicas de Direito Público, particularmente dos administrados representados pelos seus advogados
através de relações de mandato, bem como estes próprios profissionais na qualidade de credores de
verbas sucumbenciais, enfim, todos aqueles que têm créditos a receber do Governo do Estado do
Paraná pendentes de milhares de ações de repetição do indébito, ações de desapropriação, ações de
cobrança pelo fornecimento de produtos, serviços e obras e tantas outras.
3. Sistema constitucional e legal de precatórios requisitórios: princípio da isonomia
O caráter instrumental do precatório é essencial ao instituto. Trata-se justamente do instrumento pelo
qual o juiz de direito requisita ao respectivo Tribunal o montante da condenação judicial da Fazenda
Pública em dado processo.
O instrumento utilizado para essa finalidade é o precatório, estabelecido a partir e nos termos do art.
100 da CF/1988 (LGL\1988\3).
Com isso, qualquer abordagem jurídica relacionada aos precatórios requisitórios, seja simples ou
complexa, exige aplicação direta do disposto pelo art. 100 da CF/1988 (LGL\1988\3). Referido
dispositivo constitucional disciplina por completo o tema nos seguintes termos:
"Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda
Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem
cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação
de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
§ 1.º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao
pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios
judiciários, apresentados até 1.º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte,
quando terão seus valores atualizados monetariamente
§ 1.º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos,
proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou
invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.
§ 2.º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder
Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o
pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e
exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia
necessária à satisfação do débito.
§ 3.º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos
pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual,
Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
§ 4.º São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago, bem como
fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça,
em parte, na forma estabelecida no § 3.º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório.

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§ 5.º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3.º deste artigo, segundo as diferentes
capacidades das entidades de direito público.
§ 6.º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar
frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade."
Levando-se em conta o disposto pelo artigo transcrito, é cediço o entendimento de que as garantias
estabelecidas pelo instrumental do precatório são de natureza constitucional, com especial ênfase ao
princípio da isonomia (art. 5.º, caput, da CF/1988 (LGL\1988\3)).
Conforme lição de Luís Roberto Barroso, ao analisar o disposto pelo art. 100 da CF/1988 (LGL\1988\3),
o Supremo Tribunal Federal tem posicionamento sedimentado de que "a exigência constitucional
pertinente à expedição de precatórios - com a conseqüente obrigação imposta ao Estado de estrita
observância da ordem cronológica da apresentação desse instrumento de requisição judicial de
pagamento - tem por finalidades: a) assegurar a igualdade entre os credores e proclamar a
inafastabilidade do dever estatal de solver os débitos judicialmente reconhecido; b) impedir
favorecimentos pessoais indevidos; e c) frustrar tratamentos discriminatórios, evitando injustas
perseguições ditadas por razões de caráter político-administrativo (STF, RTJ 159/944)". 3
Não há como se negar a essência da igualdade na sistemática dos precatórios requisitórios: o Estado
tem o dever de solver seus débitos com todos os administrados titulares de precatórios, preservando a
não-discriminação como princípio norteador de sua posição de devedor.
Deve-se não só observar a ordem cronológica dos precatórios mas, sobretudo, evitar quaisquer formas
de favorecimento a determinados pagamentos, ou seja, abolidos quaisquer privilégios nesse sentido. A
este respeito Aurélio Pitanga Seixas Filho confirma que "a distribuição dos recursos financeiros fixados
na lei orçamentária segundo uma ordem de precedência tem sido uma preocupação antiga do legislador
brasileiro, que soube corrigir as distorções e injustiças provocadas pelo pagamento indiscriminado das
requisições judiciais". 4
Trata-se, em outras palavras, de mais uma demonstração concreta do Estado Democrático de Direito no
texto da Constituição, preservando direitos e garantias fundamentais dos administrados, mediante
aplicação do princípio da isonomia (igualdade) no processamento e respectivos pagamentos dos
precatórios requisitórios.
A isonomia exige definitividade da decisão judicial originária do crédito contra o Estado. Daí falar-se,
então, em caráter definitivo da sentença significa sentença transitada em julgado, nos termos da
alteração promovida no art. 100, § 1.º, da CF/1988 (LGL\1988\3) pela EC 30, de 13.09.2000.
O trânsito em julgado da condenação da Fazenda Pública é, portanto, pressuposto constitucional para a
expedição do precatório requisitório.
Estando a quantia vinculada à sentença transitada em julgado liquidada em caráter definitivo, há que
efetivamente ser processada a fase de execução de sentença contra a Fazenda Pública, nos termos dos
arts. 730 e 731 do CPC (LGL\1973\5), mediante posterior envio de requisição de pagamento ao
Tribunal competente. 5
De acordo com o ensinamento de Humberto Theodoro Júnior, "o precatório apresenta-se como a figura
da execução por quantia certa contra a Fazenda Pública consistente numa ordem ou requisição da
autoridade judiciária à autoridade administrativa responsável pelo cumprimento da sentença,
determinando que a verba necessária seja incluída no orçamento e o respectivo crédito fique à
disposição do requisitante, para satisfazer o direito do exeqüente". 6
A partir do encaminhamento da requisição ao Tribunal e deste à autoridade administrativa, a questão
estará relacionada à atividade financeira do Estado, com o orçamento público destinado à programação
e pagamento dos precatórios requisitados.
De regra, os precatórios são pagos em dinheiro, mediante destinação de receita pública orçamentária;
até porque os bens públicos são impenhoráveis. Vale dizer, ainda que o Estado quisesse oferecer aos
seus administrados credores bens públicos em pagamento, tal como as execuções em geral, estar-se-ia
contrariando os princípios fundamentais da impenhorabilidade e indisponibilidade dos bens públicos,
enquanto princípios constitucionais gerais de Direito Público.
Uma vez anotado o precatório no orçamento público deve ele contemplar atualização monetária,
mediante correção monetária e juros moratórios. Eles sempre devem ser pagos pelo ente público
devedor no curso do exercício financeiro seguinte à sua apresentação, desde que esta ocorra
necessariamente até 1.º de julho do ano anterior. Ou seja, deve a parte beneficiária pugnar pela
requisição do pagamento até o dia 1.º de julho de cada ano, possibilitando a inclusão orçamentária
para pagamento no decorrer do ano subseqüente art. 100, § 1.º, da CF/1988 (LGL\1988\3)).

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A única referência ou remissão à lei formal é feita pelo art. 100, § 5.º, da CF/1988 (LGL\1988\3), ou
seja, que "a lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no art. 100, § 3.º, da CF/1988
(LGL\1988\3), segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público".
É de se registrar, pois, que em nenhuma outra passagem o Texto Constitucional delega e ou atribui a
regulamentação de temas relacionados aos precatórios requisitórios à lei formal, visto que todas as
condições e requisitos são de natureza jurídica constitucional.
4. A garantia constitucional do art. 78 do ADCT
O Dec. Estadual 418/2007 vai ao encontro do disposto pelo art. 78 do ADCT (LGL\1988\31) - Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (LGL\1988\31), bem como da jurisprudência pacífica sobre a
matéria perante o Pretório Excelso, no sentido de que o Texto Constitucional garante
incondicionalmente ao contribuinte a compensação de crédito tributário com débito decorrente de
precatório judicial pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas.
Com efeito, a Constituição Federal (LGL\1988\3) estabeleceu no seu art. 100 da CF/1988
(LGL\1988\3), já ao início referido desta análise, o pagamento dos débitos da Fazenda Pública em razão
de sentença judicial.
Pela situação caótica da quantidade de precatórios judiciais vencidos e não quitados na época, o
constituinte de 1988 cuidou de incluir no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(LGL\1988\31) o disposto pelo art. 33 do ADCT (LGL\1988\31), ou seja, "ressalvados os créditos de
natureza alimentar, o valor dos precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação
da Constituição, incluído o remanescente de juros e correção monetária, poderá ser pago em moeda
corrente, com atualização, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de oito anos, a
partir de 1.º de julho de 1989, por decisão editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da
promulgação da Constituição".
Através da EC 30/2000, inseriu-se o art. 78 do ADCT (LGL\1988\31) e seus parágrafos, evidentemente
se destinando a ainda desatar o nó da inadimplência estatal, reconhecendo que os créditos derivados
de precatórios judiciais poderiam ser objeto de cessão de créditos, especialmente quando caracterizado
o atraso no pagamento das parcelas anuais para fins de quitação de tributos, próprios ou de terceiros,
inscritos ou não em dívida ativa, assumindo, portanto, poder liberatório expressamente consignado no
dispositivo constitucional em comento.
A respeito dessa questão, o E. Supremo Tribunal Federal registrou entendimento favorável aos
detentores de precatórios, nos seguintes termos:
"Precatório judicial. Poder liberatório.
1. O benefício constante do § 2.º do art. 78 do ADCT (LGL\1988\31), na redação da EC 30/2000, incide
apenas sobre as prestações não liquidadas e não sobre o total do débito constante do precatório.
Precedente: ADIn 2.851.
2. Agravo improvido." (STF, AgRg na Suspensão de Segurança 2.589-MG, rel. Min. Ellen Gracie, j.
09.08.2006, Pleno, DJU 22.09.2006, p. 28).
"Constitucional. Precatório. Compensação de crédito tributário com débito do Estado decorrente de
precatório. Art. 100 da CF/1988 (LGL\1988\3) e art. 78 do ADCT (LGL\1988\31), introduzido pela EC
30, de 2000.
I - Constitucionalidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado de Rondônia, que autoriza a compensação de
crédito tributário com débito da Fazenda do Estado, decorrente de precatório judicial pendente de
pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se refere o art. 78 do ADCT (LGL\1988\31),
introduzido pela EC 30, de 2000.
II - ADIn julgada improcedente." (STF, ADIn 2.851-RO, rel. Min. Carlos Velloso, j. 28.10.2004, Pleno,
DJU 03.12.2004, p. 12).
Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão monocrática, da lavra do Eminente
Min. Eros Grau, entendendo ser possível a compensação de créditos decorrentes de precatórios
requisitórios alimentares, mediante sua cessão, não sendo relevante o fato de serem diferentes o
credor do devedor. Referida decisão está posta nos seguintes termos:
"Decisão: Discute-se no presente recurso extraordinário o reconhecimento do direito à utilização de
precatório, cedido por terceiro e oriundo de autarquia previdenciária do Estado-membro, para
pagamento de tributos estaduais à Fazenda Pública.
2. O acórdão recorrido entendeu não ser possível a compensação por não se confundirem o credor do
débito fiscal - Estado do Rio Grande do Sul - e o devedor do crédito oponível - a autarquia
previdenciária.

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3. O fato de o devedor ser diverso do credor não é relevante, vez que ambos integram a Fazenda
Pública do mesmo ente federado [Lei 6.830/80]. Além disso, a Constituição do Brasil não impôs
limitações aos institutos da cessão e da compensação e o poder liberatório de precatórios para
pagamento de tributo resulta da própria lei [art. 78, caput e § 2.º, do ADCT (LGL\1988\31) à CF/88
(LGL\1988\3)] (...)." (STF, RE 550.400-RS, rel. Min. Eros Grau, DJU 18.09.2007, p. 80).
Duas são as conclusões a respeito, especialmente considerada a norma constitucional e sua
interpretação por parte do E. Supremo Tribunal Federal de que:
(i) a questão relacionada aos precatórios, bem como sua cessão e quitação de tributos vencidos e
vincendos, com parcelas não pagas pela Fazenda Pública, tem índole constitucional, revelando-se
direito e garantia fundamental dos particulares administrados;
(ii) é constitucional a legislação estadual formal que autoriza, de modo expresso e específico, a
compensação de crédito tributário com débito da Fazenda do Estado, decorrente de precatório judicial
pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se refere o art. 78 do ADCT
(LGL\1988\31) da Constituição, introduzido pela EC 30/2000.
Veja-se, então, o quadro normativo no Estado do Paraná e, enfim, as cristalinas inconstitucionalidade e
ilegalidade do Dec. Estadual 418/2007.
No Estado do Paraná, a matéria tem tratamento normativo específico através de decreto do
Governador, ou seja, instrumento normativo inadequado para esta finalidade perante a Constituição
Federal de 1988 e também no âmbito da remansosa jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal.
Consoante ao início registrado, originariamente o Dec. Estadual 5.003/2001 e em definitivo pelo Dec.
Estadual 5.154/2001, o Poder Executivo estadual autorizou e disciplinou a compensação de precatórios
próprios ou objeto de cessão, com créditos tributários ou não tributários do Estado do Paraná inscritos
em dívida ativa, consoante pedido e procedimento administrativo específico.
Mas a situação se mostrou frontalmente contrária à Constituição Federal (LGL\1988\3) no momento em
que o Estado do Paraná, insistindo na inconstitucionalidade da atividade legislativa do Poder Executivo
como regra, editou o Dec. Estadual 418/2007, eliminando a autorização estatal para fins de
compensação de precatórios com débitos da Fazenda Pública do Estado do Paraná.
A questão evidentemente tem aspectos de hierarquia normativa, diga-se desde logo, no sentido da
competência de cada instrumento normativo previsto no Texto Constitucional.
Conforme acima consignado, a questão tem índole constitucional, na medida em que o art. 78 do ADCT
(LGL\1988\31) ampara o administrado contribuinte na quitação de débitos seus com precatórios,
inclusive cedidos por terceiros.
Desse modo, não pode sequer a legislação estadual formal contrariar tal garantia constitucional.
Mas no Estado do Paraná a situação é mais delicada do ponto de vista jurídico, na medida em que o
Governador do Estado se vale de decreto para sustar o direito e garantia fundamental do cidadão quitar
ICMS e IPVA com precatórios seus ou cedidos por e para terceiros.
O ordenamento jurídico brasileiro não admite, especialmente após a promulgação da Constituição de
1988, regulamentos autônomos e/ou independentes. A regulamentação aceita no Brasil é de execução,
através dos regulamentos executivos. Sua função é por em execução a correta aplicação dos princípios
e das leis, jamais inovando.
É evidente que o Poder Executivo paranaense inova, melhor dizendo, vai de encontro ao texto da
Constituição Federal (LGL\1988\3), em especial o art. 78 do ADCT (LGL\1988\31), através de
instrumento normativo meramente regulamentar, instrumental. Vale dizer, o Dec. Estadual 418/2007
não tem validade jurídica, porque desprovido de fundamento em dispositivo da Constituição Federal
(LGL\1988\3).
Nem se alegue que a previsão do art. 35, § 1.º, I, da Lei Estadual 11.580/96, para que "os créditos
tributários" possam, "mediante autorização do Governador do Estado, ser liquidados (...) por
compensação, com créditos líquidos, certos e vencidos do sujeito passivo contra a Fazenda Estadual".
Até porque este dispositivo legal somente menciona autorização para compensação de tributos com
créditos de administrados, não fazendo qualquer alusão à vedação para a realização do acertamento.
Se assim fosse, seria igualmente inconstitucional.
Não se pode legislar por decreto como pretende e está fazendo o Governador do Estado do Paraná
através das vedações constantes do Dec. Estadual 418/2007.
Nesse aspecto, a doutrina é sólida e favorável ao Estado de Direito, onde o Poder Executivo não legisla,
salvo nas situações excepcionadas pelo próprio Texto Constitucional (por exemplo, através das medidas
provisórias). Nas palavras de Roque Antonio Carrazza:

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"O regulamento, dentro da pirâmide jurídica, está abaixo da lei. Logo, não a pode nem ab-rogar, nem
modificar. Deve, sim, submeter-se às disposições legais, inspirando-se em suas diretivas, sem as
contrariar. Se infringir ou extrapolar a lei, será nulo." 7
Clèmerson Merlin Clève, em obra clássica a respeito dessa complexa temática, anota enfaticamente que
esse tipo normativo regulamentar:
"(...) Pode apenas instrumentalizar a execução da lei, detalhando e explicitando seus comandos,
interpretando seus conceitos e dispondo sobre órgãos e procedimentos necessários para sua aplicação
pelo Executivo. Por isso não pode inovar, originariamente, a ordem jurídica." 8
Vale dizer, assim como o Dec. Estadual 418/2007, que o regulamento que contradita ou vai além da lei
é inconstitucional. Em confronto à ação estatal promovida através do Dec. Estadual 418/2007,
seguramente advirá reação em defesa da Constituição Federal (LGL\1988\3) e da legislação formal, na
linha defendida por José Juan Ferreiro Lapatza:
"Diante desta situação de fato - da qual não escapa a ânsia de poder da burocracia, muitas vezes
amparada em pretensas necessidades técnicas, e que parece ignorar a vigência de uma Constituição
que estabelece, de modo efetivo, um sistema baseado na indiscutível primazia do Legislativo sobre o
Executivo -, os juristas devem reagir com vigor e considerar, sempre e em primeiríssimo lugar no
momento de propor ou aplicar - como funcionários públicos, como juízes, como advogados - uma
norma regulamentar, sua adequação à Lei e à Constituição." 9
Nesse contexto, não há fundamento de validade jurídica para o Dec. Estadual 418/2007 nem na
legislação tributária formal estadual (art. 35, § 1.º, I, da Lei Estadual 11.580/96), nem tampouco no
art. 100 da CF/88 (LGL\1988\3) e no art. 78 do ADCT (LGL\1988\31), eis que não se pode pretender,
por ato do Poder Executivo, restringir direito e garantia constitucional, cuja normativa está autorizada e
disciplinada, segundo a jurisprudência do E. STF, por lei ordinária da respectiva pessoa de Direito
Público.
O fundamento de validade para a Constituição está evidenciado em pelo menos três dispositivos
específicos e que, definitivamente, não guardam consonância com o conteúdo normativo do Dec.
Estadual 418/2007:
(a) Art. 5.º, II, da CF/1988 (LGL\1988\3); princípio da legalidade genérica: Os administrados não estão
obrigados a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei. O art. 35, § 1.º, I, da Lei Estadual
11.580/96, traz comando autorizador da compensação de precatórios, não sendo legítimo e
juridicamente válido que o Dec. Estadual 418/2007 traga determinação em sentido contrário. Prevalece
o disposto pela lei, incondicionalmente.

(b) Art. 37, caput, da CF/1988 (LGL\1988\3)10 princípio da legalidade na atividade administrativa
estatal, mormente em finanças públicas e tributação: administrar é aplicar a lei de ofício, leia-se lei
derivada de processo legislativo formal, não da excepcional atividade legislativa do Poder Executivo.
Aplicar o Dec. Estadual 418/2007, por mais vinculada 11 que se possa consagrar a atividade
administrativa estatal, significa contrariar as diretrizes constitucionais verificadas no art. 100 da CF/
1988 (LGL\1988\3) e no art. 78 do ADCT (LGL\1988\31).
(c) Também o art. 150, I, da CF/1988 (LGL\1988\3): pelo qual as relações jurídicas tributárias devem
estar estabelecidas em seus aspectos básicos pela legislação tributária formal (estrita legalidade,
tipicidade tributária, reserva de lei em matéria tributária), não podendo a extinção da referida relação,
via compensação, estar disciplinada em instrumento meramente regulamentar, tal como pretendido
pelo Dec. Estadual 418/2007.
Romper estas três garantias e direitos fundamentais da Constituição Federal (LGL\1988\3) (cláusulas
pétreas) inequivocamente eivou ab initio o Dec. Estadual 418/2007 de inconstitucionalidade.
5. Outros dispositivos constitucionais violados
Além de tudo aquilo que acima se expôs, a aplicação e manutenção da eficácia do Dec. Estadual 418/
2007 também revela frontal violação aos seguintes dispositivos da Constituição Federal de 1988, todos
inseridos no contexto da interpretação do disposto pelo art. 78 do ADCT (LGL\1988\31):
• Art. 1.º da CF/1988 (LGL\1988\3): que consagra o princípio constitucional federativo e
conseqüentemente a autonomia estadual nos termos da lei;
• Art. 155, I a III, da CF/1988 (LGL\1988\3): que atribuem competência legislativa plena aos Estados
para instituir e legislar sobre tributos estaduais, observado o processo legislativo formal, com a única
ressalva da lei complementar referida no art. 146 da CF/1988 (LGL\1988\3);
• Art. 163, I, da CF/1988 (LGL\1988\3): que determina expressamente que lei complementar discipline
os temas relacionados às finanças públicas, jamais decreto autônomo na forma pretendida pelo Dec.
Estadual 418/2007; bem como,
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• Art. 165 da CF/1988 (LGL\1988\3): fixa a edição de três leis financeiras - orçamentárias - para tratar
dessa matéria (e não decreto!), quais sejam, Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei
Orçamentária Anual, contendo todo o planejamento, as metas, os projetos, as projeções de receitas, a
fixação de despesas, a dívida pública, a capacidade de endividamento, dentre outras questões
financeiras.
6. A supressão da garantia da inafastabilidade da tutela jurisdicional
O decreto estadual sob análise, ao tolher a utilização - inclusive mediante cessão - dos precatórios
futuros e pendentes, tem por conseqüência prática impossibilitar que cidadãos titulares de direitos de
crédito líquidos e certos, eis que reconhecidos através de sentenças transitadas em julgado, possam
receber do Poder Judiciário a tutela efetiva que os invista em concreto do gozo desses direitos.
A Constituição, ao consagrar em seu rol de direitos e garantias individuais a inafastabilidade da tutela
jurisdicional, 12 estabeleceu que, além de reconhecer os direitos atribuídos a cada cidadão, o Estado
tem o dever de pôr à sua disposição os meios práticos necessários para o gozo amplo desses direitos;
de nada adiantam garantias materiais, sem garantias processuais para a sua efetivação.
Lamentavelmente, esse é o resultado prático do Dec. Estadual 418/2007. Em clara violação à vontade
do constituinte originário, conseguiu ela tornar inútil, meramente simbólica, sem conteúdo real,
qualquer declaração de direito do cidadão em face do Estado, eis que os alcançados pelo seu comando
agora terão de esperar, além dos longos anos que o processo de conhecimento já leva, outros
imprevisíveis e intermináveis anos para que lhe sejam pagos ou compensados os valores devidos.
Cabe bem ao momento ressaltar que a compreensão contemporânea do conteúdo da garantia do
acesso à Justiça sublinha a absoluta necessidade de uma Justiça rápida.
No Brasil, antes mesmo da Constituição de 1988, alguns doutrinadores já apontavam como uma das
premissas consensuais da efetividade do processo a extensão da utilidade prática do resultado do
processo para assegurar o pleno gozo do direito pelo seu titular.
É o chamado pressuposto da maior coincidência possível, que exige, para a tutela jurisdicional efetiva,
após a sentença condenatória, um novo estágio de tutela jurisdicional, a tutela executória, que projete
na realidade futura a concretização no mundo sensível da sanção naquela imposta.
Ignorando essa evolução, o Dec. Estadual 418/2007 acaba por institucionalizar a inadimplência estatal
na tutela executiva dos direitos do cidadão, suprimindo por completo a eficácia da tutela jurisdicional ao
bel prazer do Poder Executivo estadual.
Assim sendo, é também inconstitucional com base nessa argumentação o Dec. Estadual 418/2007, eis
que violadores do art. 5.º, XXXV, da CF/1988 (LGL\1988\3), em combinação com o art. 60, § 4.º, IV,
da CF/1988 (LGL\1988\3).
7. Coisa julgada e segurança jurídica
O Dec. Estadual 418/2007 em questão não se limitou a, como sugere a prudência legislativa, dispor
para o futuro, atropelando, em sua sanha autoritária, inclusive situações constituídas anteriormente à
sua entrada em vigor.
Com efeito, o referido estancamento na utilização de precatórios aplica-se, de acordo com a
interpretação do Dec. Estadual 418/2007 aos processos que já se encontram em fase de execução, eis
que finda a fase cognitiva e existente a coisa julgada.
Ora, aquele que já possui uma sentença que declara a existência de direito seu em face do Estado não
pode ser prejudicado por nova norma, sob pena de total perda de segurança jurídica, que é dever do
Estado de Direito assegurar (art. 5.º, caput, da CF/1988 (LGL\1988\3)).
Uma dívida que, segundo a sentença transitada em julgado, estava vencida, sendo juridicamente
exigível de imediato e por inteiro, não pode por normativa posterior e meramente regulamentar, longe
da hierarquia constitucional, ser anulada para fins de compensação de débitos tributários próprios ou
de terceiros, sob pena de violação da coisa julgada, garantia constitucional inscrita no art. 5.º, XXXVI,
da CF/1988 (LGL\1988\3), assecuratória do direito fundamental à segurança jurídica instituído no art.
5.º, caput, da CF/1988 (LGL\1988\3).
Assim sendo, em adendo às inconstitucionalidades acima apontadas, na parte em que modifica direitos
decorrentes de sentenças pretéritas à sua entrada em vigor, é inconstitucional o Dec. Estadual 418/
2007, por violação ao art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 (LGL\1988\3) e também ao art. 60, § 4.º, IV, da CF/
1988 (LGL\1988\3).
8. A violação do princípio da proporcionalidade pelo Dec. Estadual 418/2007
A inovação do Dec. Estadual 418/2007 proclamado pelo Governador do Estado do Paraná também viola
o princípio da proporcionalidade, que cada vez mais vem sendo reconhecido por nossa doutrina e
jurisprudência constitucionais como um dos baluartes do Estado de Direito.
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No que se refere à sua adequação, que compreende um juízo de propriedade entre meios e fins, surge
o problema da identificação destes últimos. Porque inexiste, em toda a Constituição Federal
(LGL\1988\3), dispositivo que ampare as pretensões claramente fazendárias do profligado Dec.
Estadual 418/2007.
Mais que cristalina é a situação de contraposição entre o Dec. Estadual 418/2007 e a Constituição
Federal (LGL\1988\3), em declarado conflito, resultando em ferimento do princípio da
proporcionalidade. A confirmação vem extraída de publicação específica sobre a questão, em que
Helenilson Cunha Pontes assim consigna a respeito:
"O princípio da proporcionalidade consubstancia a própria afirmação do constitucionalismo moderno, na
medida em que viabiliza um juízo material, com supedâneo constitucional, sobre o mérito dos atos
estatais. O ato estatal, para se afigurar constitucional, não basta que seja formalizado através do meio
competente, necessário também que guarde uma certa proporção 'em si' e diante dos demais
comandos da ordem jurídica." 13
Nem se diga tratar-se de um requisito para equilíbrio das finanças públicas estaduais. Isso porque não
existe qualquer segurança de que as finanças públicas ficarão saneadas com o estancamento na
compensação dos precatórios.
Por outro lado, é notório que estão sendo beneficiados pelo iníquo estancamento dessa natureza, não
só os entes estatais acentuadamente endividados, como aqueles que não se encontram nessa situação,
para os quais a medida é absolutamente inadequada, não se verificando qualquer distinção.
O problema, porém, não está na adequação, e sim nos outros elementos do princípio da
proporcionalidade.
Apesar de, supostamente, o Dec. Estadual 418/2007 buscar equilibrar as finanças das pessoas jurídicas
de Direito Público, ele o faz às custas de inúmeras violações a direitos fundamentais, na forma acima
demonstrada, da própria noção de Estado de Direito, e da dignidade humana de todos aqueles que têm
o direito de receber um crédito da Fazenda Pública.
Negar aos credores seu direito equivale a transformá-los em meio, em objeto, em mero instrumento
para que o Estado atinja seus fins, desconhecendo-lhes o caráter de sujeito e de fim em si mesmo que,
enquanto seres humanos dotados de dignidade, a Constituição lhes atribui.
Também por esse prisma, então, demonstra-se nulo o Dec. Estadual 418/2007, eis que em confronto
com o postulado do princípio constitucional da proporcionalidade.
9. O Dec. Estadual 418/2007: contrariedade ao Código Tributário Nacional e à Lei de
Responsabilidade Fiscal
Há contrariedade explícita do Dec. Estadual 418/2007 frente à Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF (LC
101/2000), bem como ao art. 170 do CTN (LGL\1966\26).
Em primeiro lugar, evidencia-se a contrariedade à LRF na medida em que esta tem como princípio o
equilíbrio das contas públicas, especialmente quanto às receitas e despesas, exigindo:
• o cumprimento das metas contidas no anexo de metas da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei
Orçamentária Anual, dentre quais se inserem as metas de receitas, previamente projetadas;
• a previsão das receitas de acordo com normas técnicas e legais;
• a despesa obrigatória, sem prejuízo do que está determinado pela Constituição Federal (LGL\1988\3),
ou seja, educação, saúde e previdência, dentre outras despesas de caráter obrigatório;
• a previsão das despesas de pessoal, igualmente obrigatórias; bem como,
• a necessidade de conclusão dos projetos em andamento para o início de novos empreendimentos.
Já no que concerne ao art. 170 do CTN (LGL\1966\26), a compensação é matéria de lei e não
instrumento normativo secundário tal como o Dec. Estadual 418/2007.
Em outras palavras, o art. 170 do CTN (LGL\1966\26), ao tratar do instituto da compensação tributária,
impõe o entendimento de que somente a lei pode atribuir à autoridade administrativa o poder de
deferir ou não a referida compensação entre créditos líquidos e certos com débitos vencidos, ou
vincendos.
A lei referida pelo art. 170 do CTN (LGL\1966\26) é minimamente ordinária, afastando-se o tratamento
da compensação, especialmente sua vedação, a partir de instrumento normativo denominado Decreto.
10. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Paraná
Apresentadas as considerações acima, cabível, no presente momento, trazer à colação alguns dos mais
recentes e interessantes acórdãos do E. Tribunal de Justiça do Paraná a respeito da matéria analisada.

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Dentre as questões centrais debatidas nos acórdãos selecionados, duas merecem destaque.
Primeiramente, a questão relacionada à obrigatoriedade de prévia homologação judicial nos autos
originários da cessão de créditos, celebrada entre o credor cedente e o devedor cessionário.
É fato que, nos termos do art. 290 do CC/2002 (LGL\2002\400), a cessão de crédito, considerada
negócio jurídico formalizado entre particulares na esfera extraprocessual - através de instrumento
público, não traz como requisito de validade a sua homologação judicial.
No entanto, partindo-se do pressuposto de que o precatório é instrumento de sentença em fase de
execução (ou sentença em cumprimento), cabe ao cessionário prosseguir nela, habilitando-se nos
respectivos autos na qualidade de credor. Assim determina o art. 567, II, do CPC (LGL\1973\5). 14
Assim, a jurisprudência majoritária do Egrégio TJPR vem no sentido de se exigir a prévia homologação
judicial, do precatório próprio ou da cessão do crédito derivado de precatório, para fins de compensação
com obrigações tributárias, aplicando o requisito contido no art. 1.º, I, do Dec. Estadual 5.154/2001:
"Agravo de instrumento. Processual civil. Tributário. Mandado de segurança. Liminar pretendida para
suspensão de exigibilidade de débito tributário. Pedido de compensação precatório. Cessão de créditos
não homologada.
Ausente o requisito para concessão da liminar, fumaça do bom direito, pois não houve homologação
judicial da cessão de créditos decorrentes de precatórios, deve ser indeferida a liminar para suspensão
da cobrança dos débitos tributários." (TJPR, 3ª Câm. Cív., AgIn 0424234-6, rel. Des. Paulo Habith, j.
18.12.2007, ementa oficial).
"Agravo de instrumento. Nomeação à penhora de precatório não homologado. Impossibilidade. Recurso
conhecido e provido.
O atual entendimento é no sentido de que, para que exista a penhora sobre precatórios é necessário
que primeiramente haja o deferimento da homologação no juízo de origem, requisito formal que
demonstra a titularidade do crédito.
A compensação do crédito tributário com precatório não pode ser efetivada na execução e o simples
protocolo de tal pedido nas vias administrativas não tem o condão de suspender a ação executiva.
Recurso conhecido e provido." (TJPR, 3ª Câm. Cív., AgIn 0426464-2, rel. Des. Dimas Ortencio de Mello,
j. 25.09.2007, DJE 09.11.2007).
Portanto, a condição de prévia homologação judicial para fins de compensação de precatórios resulta
ser essencial, nos termos do art. 1.º, I, do Dec. Estadual 5.154/2001.
Em última análise, referido requisito reputa-se válido por parte da remansosa jurisprudência do Egrégio
TJPR, especialmente na medida em que a falta de homologação dos precatórios importa na não
comprovação de sua titularidade, comprometendo, pois, a sua certeza e liquidez.
Um segundo ponto já igualmente sedimentado na jurisprudência paranaense diz respeito ao
afastamento do Dec. Estadual 418/2007, seja por conta da ausência de limitações nos termos do art.
78 do ADCT (LGL\1988\31), seja pela aplicação do princípio do tempus regit actum.
Com efeito, o E. TJPR já vem absorvendo em recentes julgados o entendimento do Supremo Tribunal
Federal no RE 550.400-RS, no qual, conforme acima registrado, se reconhece a ausência de limitações
aos institutos da cessão e compensação, em especial por força da previsão do art. 78 do ADCT
(LGL\1988\31). Assim, inequívoca a não aplicação do Dec. Estadual 418/2007:
"Agravo em agravo de instrumento. Compensação de precatórios com entidade devedora diversa.
Possibilidade. Precedentes do STF. Recurso provido.
'O fato de o devedor ser diverso do credor não é relevante, vez que ambos integram a Fazenda Pública
do mesmo ente federado [Lei 6.830/80]. Além disso, a Constituição do Brasil não impôs limitações aos
institutos da cessão e da compensação e o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo
resulta da própria lei [art. 78, caput e § 2.º, do ADCT (LGL\1988\31) à CF/88 (LGL\1988\3)] (...)'. (RE
550.400-RS, rel. Min. Eros Grau, DJU 18.09.2007, p. 80)." (TJPR, 1ª Câm. Cív., AgIn 0446494-6, rel.
Des. Dulce Cecconi, Redator Designado Juiz Fernando César Zeni, j. 11.12.2007, ementa oficial).
"Agravo regimental - Súmula 622 (MIX\2010\2345) do STF - Inaplicabilidade - Expressa previsão no
regimento interno do TJPR sobre a possibilidade do exercício da irresignação recursal contra ato do
relator (art. 247) - recurso conhecido.
Mandado de segurança preventivo - Liminar que determina ao Fisco estadual que recepcione, processe
e delibere sobre a possibilidade de compensação de créditos tributários com débitos decorrentes de
precatório não pago e cujos direitos foram cedidos - Fumus boni iuris e periculum in mora presentes -
Ilegalidade aparente do Dec. Estadual 418/2007 - Decisão mantida - Recurso improvido." (TJPR, 3ª

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Câm. Cív., Ac. 159, AgRg 0420037-01, rel. Juiz Fernando Antonio Prazeres, j. 10.07.2007, ementa
oficial).
No tocante ao princípio do tempus regit actum, o mesmo igualmente vem servindo de fundamento para
afastar a vedação veiculada pelo Dec. Estadual 418/2007 com base na sua irretroatividade.
Com isso, vem prevalecendo o entendimento de que as cessões e compensações de precatórios com
tributos são possíveis e válidas, eis que a nova legislação (com a advertência de que não se trata de lei
formal, mas mero decreto estadual) alcança o processo no estado em que se achava no momento de
sua entrada em vigor, respeitando os efeitos dos atos já praticados, visto que estes continuam
regulados pela norma vigente no tempo em que foram consumados. Confira-se, então:
"Tributário. Agravo de instrumento. Liminar em mandado de segurança. Compensação de débitos
tributários com créditos decorrentes de precatórios. Necessidade de homologação da cessão de
créditos. Legalidade. Dec. Estadual 418/2007 que revogou o Dec. Estadual 5.154/2001. Não
aplicabilidade. Respeito ao princípio do tempus regit actum. Requisitos do provimento liminar. Ausência
de aparência do bom direito. Indeferimento.
Constata-se ausente um dos requisitos essenciais para concessão de liminar, consistente na fumaça do
bom direito, isto porque a agravante pleiteava deferimento liminar em mandado de segurança sem
atentar a requisito essencial para verificação da compensação, qual seja: a homologação judicial da
cessão de créditos decorrentes de precatório.
Recurso conhecido e não provido." (TJPR, 1ª Câm. Cív., AgIn 0408567-0, rel. Des. Sérgio Rodrigues, j.
16.10.2007, ementa oficial).
"Agravo inominado. Agravo de instrumento em mandado de segurança. Liminar indeferitória do pedido
de suspensão de exigibilidade da dívida tributária. Pedido de aplicação do art. 2.º do Dec. Estadual
418/2007, que revogou o Dec. Estadual 5.154/2001, para reconhecer a desnecessidade de
homologação da cessão de crédito de precatório para compensação com débitos de ICMS.
Impossibilidade. Aplicação do princípio tempus regit actum. Abuso do direito de recorrer configurado.
Recurso não conhecido com a aplicação de multa." (TJPR, 1ª Câm. Cív., Ac 28800, Ag Inominado
0406841-3/01 rel. Juiz Fernando César Zeni, j. 31.07.2007, DJE 17.08.2007).
11. Ainda, a tendência de meios concretos para pagamento das condenações judiciais pela
Fazenda Pública
As regras anteriormente estabelecidas no art. 100 da CF/1988 (LGL\1988\3) já consagravam, por via
indireta, uma inaceitável imunidade do Estado ao cumprimento das condenações judiciais, porque com
grande facilidade as pessoas jurídicas de Direito Público se furtavam ao cumprimento delas, sendo que
contra essa violação do direito do credor e da própria ordem judicial não existiam sanções rápidas e
eficazes.
Em verdade, atentando-se à técnica de elaboração do orçamento das pessoas jurídicas de Direito
Público, facilmente se pode verificar que as condenações judiciais correspondem a uma verdadeira
discriminação. Todas as verbas são incluídas no orçamento por mera previsão de despesa, exceto as
destinadas ao pagamento de condenações judiciais. Anualmente, os técnicos do Governo e, em
seguida, os parlamentares, fazem previsões de receitas e programam, igualmente por antecipação,
quais serão as obras, os serviços ou as atividades que o Estado executará com esses recursos.
Normalmente os débitos de quaisquer dotações orçamentárias ainda não se encontram vencidos na
data da elaboração do orçamento público. O seu vencimento, a sua exigibilidade, ocorrerá no curso do
exercício financeiro, portanto, depois de votado e em vigor o orçamento.
O fato é que essa mesma regra deveria ser aplicada aos débitos oriundos de condenações judiciais, ou
seja, mediante uma previsão de despesa feita no momento da elaboração da proposta orçamentária e
da sua votação pelo Poder Legislativo, deveria dispor o Erário, em cada ano, de dotações específicas
para ir pagando os débitos judiciais, na medida em que fossem transitando em julgado as sentenças
condenatórias proferidas contra a Fazenda Pública.
Dessa forma, o precatório seria cumprido com as verbas existentes no orçamento do exercício em
curso. Se no final do exercício, as dotações se esgotassem, seriam cobertas, como as demais despesas
públicas, por créditos suplementares ou especiais.
Uma outra solução, igualmente protetora dos direitos e garantias dos credores, começou a surgir em
alguns outros países, tais como Itália, Espanha, Portugal e Argentina, que, limitando a
impenhorabilidade dos bens públicos, passaram a admitir a penhora de bens dominicais do Estado e de
receitas públicas não vinculadas ao exercício de atividades essenciais.
Em Portugal, por exemplo, os bens dos corpos administrativos, as coisas do seu domínio privado,
podem ser penhorados, desde que não estejam afetadas a um fim de utilidade pública. Na Espanha,
por sua vez, em 1998 o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade do Regulamento das

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Fazendas Locais que proibia genericamente a penhora de bens públicos, fosse ou não do patrimônio
disponível.
Da mesma forma, em nossa vizinha Argentina, se o Estado se tornar remisso, poderão ser penhorados
bens públicos de utilização privada. 15
No Direito Italiano, não são impenhoráveis o dinheiro público e os créditos inscritos em balanço, salvo
os originários de relações de Direito Público, como tais entendidas aquelas resultantes de atos
cumpridos no exercício de poderes de império da administração; os créditos públicos de origem
privada, que não têm uma destinação pública previamente estabelecida. 16
Há muitas pessoas jurídicas de direito público titulares de vasto patrimônio ocioso ou não utilizado em
fins públicos, que poderiam servir para saldar dívidas, sem desviar recursos dos serviços essenciais do
Estado.
Discorrendo sobre a tutela do cidadão perante a Administração Pública, Luigi Paolo Comoglio ressalta
que a jurisprudência constitucional tem atenuado as tradicionais divergências entre os poderes da
autoridade judiciária ordinária e os dos órgãos da justiça administrativa, objetivando, substancialmente,
equiparar o grau de efetividade das formas de tutela na proteção dos direitos subjetivos. 17
No Estado Democrático de Direito, que respeita os direitos dos cidadãos, a intangibilidade do
patrimônio público somente se justifica na medida em que serve ao bem comum, através da sua
afetação ao exercício de funções públicas de interesse de toda a coletividade.
No momento em que toma corpo a consciência jurídica universal de que é preciso pôr fim à imunidade
estatal, já extirpada do ordenamento positivo de muitos países, faz-se necessário estabelecer meios
concretos de exigir o pagamento das condenações judiciais pelo Estado, ainda que mediante
compensação de precatórios judiciais próprios ou cedidos e transferidos por terceiros com, por
exemplo, obrigações tributárias vencidas e vincendas.
Lamentável que normas jurídicas como o Dec. Estadual 418/2007 venham justamente na contramão
dessa tendência, repita-se, já utilizada e prevista em inúmeros países.
Ao invés de aperfeiçoar o sistema de cumprimento efetivo das obrigações do Estado para com os
cidadãos, o vergastado decreto estadual chancela a inadimplência estatal e institui em seu benefício
locupletamento institucionalizado em relação aos detentores de precatórios requisitórios contra a
Fazenda Pública do Estado do Paraná, em especial quando desautoriza a sua utilização para
pagamentos de débitos tributários vencidos e vincendos, próprios ou de terceiros (mediante cessão de
direitos creditórios), a título de ICMS e IPVA, respectivamente.
12. Conclusão
Diante do acima exposto, não resta dúvida quanto à flagrante ausência de validade jurídica do Dec.
Estadual 418/2007, em especial pela ofensa direta a inúmeros princípios e regras de natureza
constitucional e legal, na forma já reconhecida pela jurisprudência tanto do Supremo Tribunal Federal,
quanto do Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná.
Nessa linha de entendimento, o Poder Executivo do Estado do Paraná vê-se diante de duas hipóteses,
quais sejam:
(a) a revogação do Dec. Estadual 418/2007, autorizando a cessão e compensação de precatórios na
forma estabelecida a partir do art. 100 da CF/1988 (LGL\1988\3) e do art. 78 do ADCT (LGL\1988\31),
respectivamente, respeitadas as condições prescritas pelo anterior Decreto Estadual 5.154/2001; ou,
lamentavelmente,
(b) a declaração de inconstitucionalidade de referida norma regulamentar, seja através do controle
concentrado e ou difuso de constitucionalidade.
13. Referências bibliográficas
BARROSO, Luís Roberto. Constituição da República (LGL\1988\3) Federativa do Brasil anotada/notas de
doutrina, legislação e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1998.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Malheiros,
1993.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo e na
Constituição de 1988. São Paulo: RT, 1993.
COMOGLIO, Luigi Paolo. Giurisdizione e processo nel quadro delle garanzie costituzionali. Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, ano XLVIII. Milão: Giuffrè, 1994.

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FERREIRO LAPATZA, José Juan. Direito tributário: teoria geral do tributo. Barueri: Manole; Espanha:
Marcial Pons, 2007.
GRECO, Leonardo. O processo de execução. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, vol. 2.
PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o direito tributário. São Paulo: Dialética,
2000.
SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. O pagamento dos precatórios pela União, Estados e Municípios. Revista
Dialética de Direito Tributário n. 9. São Paulo: Dialética, jun. 1996.
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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Aspectos processuais do precatório na execução contra a Fazenda
Pública. Revista Dialética de Direito Processual 22. São Paulo: Dialética, jan. 2005.
VILLEGAS, Hector Belisario. Curso de finanzas, derecho financiero y tributario. 9. ed. Buenos Aires:
Astrea, 2005.

1. José Juan Ferreiro Lapatza leciona o seguinte a respeito da validade do Direito: "Direito válido é
aquele que se observa de modo geral em uma comunidade. O juízo sobre a validade do Direito é,
portanto, um juízo de fato sobre sua observância real no âmbito de uma coletividade. O juízo sobre a
legitimidade de uma norma ou de um ordenamento é, como acabamos de dizer, um juízo de valor que
se baseia no apoio real que os membros dessa comunidade prestam a essa norma e que valora tanto
mais uma norma quanto maior é o apoio que ela recebe. Toda norma pode ser submetida, qualquer que
seja o degrau da pirâmide normativa em que se encontre, a um juízo de validade e a um juízo de
legitimidade. Uma normativa é válida na medida em que é observada, voluntária ou coativamente. Uma
norma válida, dentro de várias opções que o ordenamento pode atribuir a quem a dita, será tanto mais
legítima quanto mais apoio possa encontrar no corpo social ao qual se dirige." (FERREIRO LAPATZA,
José Juan. Direito tributário: teoria geral do tributo. Barueri:: Manole; Espanha: Marcial Pons, 2007, p.
5)

2. Antes a cessão e compensação de precatórios já vinha disciplinada pelo Dec. Estadual 5.003/2001,
de modo restrito às hipóteses nele elencadas.

3. BARROSO, Luís Roberto. Constituição da República (LGL\1988\3) Federativa do Brasil anotada/notas


de doutrina, legislação e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 212-213.

4. SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. O pagamento dos precatórios pela União, Estados e Municípios.
Revista Dialética de Direito Tributário 9. São Paulo: Dialética, jun. 1996, p. 26.

5. O procedimento no Estado do Paraná vem disciplinado no Regimento Interno do E. Tribunal de


Justiça, no Título III - "Requisições de Pagamento", arts. 275 a 281, bem como na Seção 13 do Código
de Normas da Corregedoria (itens 2.13.1 à 2.13.5).

6. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Aspectos processuais do precatório na execução contra a Fazenda


Pública. Revista Dialética de Direito Processual 22. São Paulo: Dialética, jan. 2005, p. 77.

7. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Malheiros,
1993, p. 198.

8. CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo e na


Constituição de 1988. São Paulo: RT, 1993. p. 244.

9. FERREIRO LAPATZA, José Juan. Op. cit., p. 60-61.

10. Reza o caput do art. 37 da CF/1988 (LGL\1988\3), com a redação dada pela EC 19/98, que "a
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência (...)".

11. Para Paulo de Barros Carvalho os instrumentos secundários (introdutórios de normas tributárias),
dentre eles os decretos, "não obrigam os particulares e, quanto aos funcionários públicos, devem-lhe
obediência não propriamente em vista de seu conteúdo, mas por obra da lei que determina sejam
observados os mandamentos superiores da Administração" (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de
direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 58).
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12. "A função jurisdicional, no Brasil, é primazia absoluta do Poder Judiciário. A idoneidade para dizer o
direito aplicável é disseminada entre os outros Poderes e está aberta a quem quiser fazê-lo. Inobstante
isso, só o Poder Judiciário transmite às suas manifestações o peso das decisões definitivas. Advém daí o
rigor da redação constitucional, vedando às leis que impeçam, àquele que se viu lesado no seu direito
individual, ou que se sente ameaçado de tanto, o recurso de bater às portas do Poder Judiciário,
deduzindo em juízo sua pretensão. Fica assegurado a todos, sem exceção, o direito à tutela
jurisdicional do Estado, com o sainete que lhe é próprio, a aptidão para fazer coisa julgada - a
definitividade." (CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 97)

13. PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o direito tributário. São Paulo:
Dialética, 2000, p. 51.

14. Nesse sentido, vale conferir entendimento confirmado perante o Superior Tribunal de Justiça: "Os
dispositivos do Código Civil (LGL\2002\400) (art. 290 do CC/2002 (LGL\2002\400) e art. 1.069 do CC/
1916 (LGL\1916\1)), que regulam genericamente a cessão de crédito como modalidade de transmissão
de obrigações, não se aplicam à espécie, mas o Código de Processo Civil (LGL\1973\5), que é norma
especial e dispôs diversamente quando se trata de cessão de crédito sub judice" (STJ, EDiv no REsp
687.761, rel. Min. Denise Arruda, DJU 07.08.2006, ementa resumida).

15. VILLEGAS, Hector Belisario. Curso de finanzas, derecho financiero y tributario. 9. ed. Buenos Aires:
Astrea, 2005, p. 79 e ss.

16. SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Malheiros,
1999, p. 49 e ss; GRECO, Leonardo. O processo de execução. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. vol. 2, p.
536 e ss.

17. COMOGLIO, Luigi Paolo. Giurisdizione e processo nel quadro delle garanzie costituzionali. Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, ano XLVIII, 1994, p. 1.109-1.110.

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