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FRANCISCO IASLEY LOPES DE ALMEIDA

STEFERSON GOMES NOGUEIRA VIEIRA


SABRINNA CORREIA MEDEIROS CAVALCANTI
(Organizadores)

CRIMINALIDADE NA ERA DIGITAL

2021
ASSOCIAÇÃO DE DEFESA DAS PRERROGATIVAS DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DA
PARAIBA - ADEPDEL

CONSELHO EDITORIAL
Francisco Iasley Lopes de Almeida
Steferson Gomes Nogueira Vieira

CONSELHO CIENTÍFICO
Camilo de Lelis Diniz de Farias
Gabriella Henriques da Nóbrega
Herleide Herculano Delgado
Juaceli Araujo de Lima
Lamartine Lacerda Sobrinho
Lara Sanábria Viana
Olívia Maria Cardoso Gomes
Sabrinna Correia Medeiros Cavalcanti
Susyara Medeiros de Souza

NORMALIZAÇÃO TÉCNICA
Severina Sueli da Silva Oliveira CRB-15/225

CAPA E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA


Daniel de Sousa Silva
Givanildo Gomes

ENDEREÇO DA ADEPDEL
Rua: Professor Emílio de Araújo Chaves, 240, Sala 03
Altiplano – João Pessoa-PB
CEP: 58046-150
Fone: (83) 3576-1478
www.adepdel.com.br

C929 Criminalidade na era digital [livro eletrônico] / Francisco Iasley Lopes de


Almeida, Steferson Gomes Nogueira Vieira, Sabrinna Correia Medeiros Cavalcanti
(Organizadores). – João Pessoa: ADEPDEL, 2021.
134 p.

E-book(PDF)
ISBN 978-65-87490-01-4

1. Crimes Digitais – Brasil. 2. Criminalidade – Brasil. 3. Crimes


Cibernéticos – Legislação Brasileira. 4. Era Digital – Crimes – Brasil.
5. Direito – Era Digital – Brasil. I. Almeida, Francisco Iasley Lopes de. II. Viei-
ra, Steferson Gomes Nogueira. III. Cavalcanti, Sabrinna Correia
Medeiros. IV. Título.

CDU 343.9:004.738.5(81)
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECÁRIA SEVERINA SUELI DA SILVA OLIVEIRA CRB-15/225
APRESENTAÇÃO

A 7ª edição do Congresso Brasileiro de Polícia Judiciária se inicia já vencendo um


grande desafio: em tempos de pandemia, ofertar aos participantes um evento completamente
virtual, sem deixar cair o padrão de excelência e credibilidade que o projetou no cenário nacional
acadêmico e profissional.
O tema escolhido desta vez, de forma providencial, foi a “Criminalidade na era digital”.
Diante da nova realidade impulsionada pela era tecnológica que nos obriga a traçar diferentes
rotas e buscar soluções criativas, ao mesmo tempo propicia uma nova modalidade criminosa, a
criminalidade cibernética, que ocorre em um ambiente ainda desconhecido e de alcance global.
Por isso, nada melhor do que discutir as inovações e modalidades de delitos surgidos a partir das
facilidades tecnológicas da vida contemporânea.
Desta forma, em mais esta iniciativa da Associação de Defesa das Prerrogativas dos
Delegados de Polícia (ADEPDEL), nos dias 06 e 07 de novembro de 2020, foram transmitidas
palestras on-line, por meio de plataforma segura e interativa, com a participação de profissionais
respeitados no mundo jurídico, trazendo reflexões e alternativas para lidarmos com as perspectivas
criminológicas que ora se apresentam.
Cumprindo o seu já conhecido papel de fomento à produção científica, o CBPJ realizou a
seleção de artigos, através de sua criteriosa Comissão Avaliadora e viabilizou, também de forma
virtual, a apresentação pública dos trabalhos aprovados.
Esta publicação é o registro da compilação de discussões ricas sobre questões como
ciberpedofilia, divulgação de cenas sexo em mídias sociais, fake news e suas possíveis punições,
bem como violações a direitos materiais e processuais por meio da utilização de recursos
telemáticos ou de exposição de indivíduos na rede de computadores. Trata-se de uma produção
coletiva que, certamente, contribuirá para outras discussões mais profundas, estimulando a
busca de mais conhecimento.
Seguimos ultrapassando nossos próprios limites para ajudar a construir um espaço
democrático e estimulante ao saber. Desejamos que desfrutem da leitura. Até o próximo
congresso!

Os Organizadores
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1

A (I)LICITUDE DA PROVA OBTIDA PELO ACESSO AO APARELHO CELULAR


DO PRESO EM FLAGRANTE: IMPASSES JURISPRUDENCIAIS............................. 08
Thaís Farias de Almeida
José Lucas Bringel Leite

CAPÍTULO 2

A COMERCIALIZAÇÃO E A DIFUSÃO DA PEDOFILIA NA ERA DIGITAL À LUZ


DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE...................................................... 20
Josiel Brandão de Melo Filho
Paula de Melo Palmeira Ramos

CAPÍTULO 3

A DIVULGAÇÃO DE FOTOS ÍNTIMAS E REVENGE PORN COM O ADVENTO DA


LEI N°13.718: A ANÁLISE JURÍDICO-PENAL DO CASO NEYMAR......................... 30
Gabrielly Maria da Silva Pereira
Nathaly Heiner Maia Carvalho
Ana Alice Ramos Tejo Salgado

CAPÍTULO 4

TRIBUNAL DO JÚRI: ANÁLISE DA ADEQUAÇÃO DO PROCEDIMENTO À ERA


DIGITAL E A APLICAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.................................. 45
André de Moura Marques
Marlon Matias Ramos
André Gustavo Santos Lima Carvalho

CAPÍTULO 5

IMPACTOS E PERTINÊNCIAS DO DELITO DE DIVULGAÇÃO DE CENA DE


SEXO, NUDEZ OU PORNOGRAFIA NA 5ª DEAM DE PERNAMBUCO..................... 56
Rodrigo José de Araújo

CAPÍTULO 6

A ERA DIGITAL E A PRÁTICA DE CRIMES CIBERNÉTICOS: UMA ANÁLISE


SOBRE O PRINCÍPIO DA EXTRATERRITORIALIDADE............................................ 69
Caio César Dutra Lira
Ana Alice Ramos Tejo Salgado
CAPÍTULO 7

ABORDAGEM JURÍDICA ACERCA DO COMPARTILHAMENTO DE IMAGENS DE


VÍTIMAS DE ACIDENTES E DEMAIS FATALIDADES................................................ 77
Rayane Maria da Costa
Stefane de Brito Soares
Ana Alice Ramos Tejo Salgado

CAPÍTULO 8

O DIREITO AO SILÊNCIO NO TRIBUNAL DO JÚRI E O CRIME DE ABUSO DE


AUTORIDADE............................................................................................................. 89
Rayane Maria da Costa
Stefane de Brito Soares
Ana Alice Ramos Tejo Salgado

CAPÍTULO 9

O FENÔMENO DAS FAKE NEWS: UMA ANÁLISE DO PROJETO DE LEI N° 2.630


/2020............................................................................................................................ 101
José Lucas Bringel Leite
Thaís Farias de Almeida

CAPÍTULO 10

A PROBLEMÁTICA DA CIBERPEDOFILIA: FORMAS DE COMBATE E


PROTEÇÃO................................................................................................................. 111
Matheus Pinto de Lucena
Edilla Lucena de Abrantes

CAPÍTULO 11

LIBERDADE DE EXPRESSÃO NAS REDES SOCIAIS: A RESSIGNIFICAÇÃO DO


DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL À LUZ DOS DISCURSOS DE ÓDIO..... 123
Lara Rodrigues Lima Aguiar
Sabrina de Sousa Farias
Ana Alice Ramos Tejo Salgado
CAPÍTULO 1

A (I)LICITUDE DA PROVA OBTIDA PELO ACESSO


AO APARELHO CELULAR DO PRESO EM FLAGRANTE:
IMPASSES JURISPRUDENCIAIS

Thaís Farias de Almeida


José Lucas Bringel Leite
A (I)LICITUDE DA PROVA OBTIDA PELO ACESSO AO APARELHO CELULAR DO
PRESO EM FLAGRANTE: IMPASSES JURISPRUDENCIAIS

Thaís Farias de Almeida1


José Lucas Bringel Leite2

RESUMO

O presente trabalho tem por escopo discutir os impasses jurisprudenciais existentes nos tribunais
superiores brasileiros no que tange à (i)licitude da prova extraída do celular de posse do indivíduo
preso em flagrante, sendo explicitados, inicialmente, os aspectos legais da prisão em flagrante
e da prova no sistema processual penal, para, ao fim, se discorrer a respeito dos entendimentos
adotados, até o presente momento, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) em relação ao tema. Para tanto, foi utilizado o método dedutivo, mediante
um estudo de julgados, legislações, doutrinas, monografias e artigos científicos, obtidos por meio
da técnica de pesquisa da documentação indireta. A temática em tela mostra-se relevante, tendo
em vista que será fruto de julgamento pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF),
por ser dotada de repercussão geral, com notório interesse público. Neste sentido, o trabalho
pode auxiliar os diversos profissionais do direito na compreensão do tema e no tratamento da
questão em seu cotidiano profissional. À título de considerações finais, foi exposto que a prova
extraída do aparelho celular do preso em flagrante deve ser condicionada à prévia autorização
judicial para fins de sua licitude no processo penal, se abarcar comunicações interpessoais.
Todavia, a utilização da prova colhida de forma ilícita, isto é, sem ordem judicial, é permitida a
favor do réu, para que este prove sua inocência.

Palavras-chave: Prisão em Flagrante. Aparelho Celular. Prova.

ABSTRACT

The present work aims to discuss the jurisprudential impasses in the brazilian higher courts about
the lawfulness of the evidence extracted from the cell phone owned by the person arrested in the
act, being explained, initially, the legal aspects of this type of arrest and of the evidence system in
the brazilian criminal procedural law. In order, at the end, will discuss the understandings adopted,
until now, by the Superior Court of Justice and the Supreme Federal Court in relation to the
subject. For that, the deductive method was used, through a study of judgments, legislation,
doctrines, monographs and scientific articles, obtained through the indirect documentation
research technique. The theme in question is relevant, considering that it will be the result of
judgment by the full court of the Supreme, because of the general repercussion, with a notorious
public interest. In this sense, the work can also assist the law professionals in understanding the
topic and dealing with the issue in their daily professional lives. As final considerations, it was
explained that the evidence extracted from the cell phone of the person arrested in the act must
be conditioned to prior judicial authorization, to be legal in the criminal process. However, the use
of evidence collected illegally, without a judicial order, is allowed in favor of the defendant, if he
can prove his innocence.

1 Graduada em Direito pelo Centro Universitário UNIFACISA. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo
Instituto JUS21. E-mail: thaisfalmeida3@gmail.com.
2 Graduado em Direito pelo Centro Universitário UNIFACISA. Especialista em Direito Processual pela PUC-MG.
E-mail: lucasbringeladv@gmail.com.

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Keywords: Arrest in the act. Smartphone. Proof.

1 INTRODUÇÃO

Com o surgimento dos aparelhos celulares e, em seguida, dos smartphones, através da


moderna tecnologia de acesso à internet, vieram novas formas de comunicações entre pessoas,
que passaram a não se limitar apenas às ligações telefônicas.
Dentro dessa evolução tecnológica, o Poder Judiciário se deparou com situações concretas
envolvendo a questão da (i)licitude da prova colhida mediante o acesso ao aparelho celular do
indivíduo, sem prévia autorização judicial. Outrora, o questionamento deste tipo de prova era
muito focado nos registros telefônicos, mas esta evolução trouxe à baila a discussão sobre a
possibilidade de acessar também as comunicações interpessoais oriundas de aplicativos, como
o WhatsApp.
Diante desse cenário, este trabalho visa discutir os impasses jurisprudenciais existentes
nos tribunais superiores brasileiros no que tange à (i)licitude da prova extraída do celular de
posse do preso em flagrante, sendo realizada, inicialmente, uma discussão jurídica a respeito da
prisão em flagrante e da prova no sistema processual penal brasileiro, para, ao fim, se discorrer a
respeito dos entendimentos adotados, até o presente momento, pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao assunto.
A temática em questão se faz relevante, tendo em vista que será fruto de julgamento pelo
Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), por ser guarnecida de repercussão geral,
com notório interesse público. Assim, a pesquisa pode auxiliar os diversos profissionais do direito
na compreensão do tema e no tratamento da questão em seu cotidiano profissional.
Ademais, é importante difundir para o âmbito acadêmico os posicionamentos perfilhados
pelos tribunais quanto as questões atinentes às garantias processuais penais e aplicações práticas
de princípios elencados na Constituição Federal de 1988, levando em consideração que o direito,
como um instrumento regulador da sociedade, precisa adequar-se aos novos fenômenos que
estão emergindo, de maneira dinâmica.
A presente pesquisa se classifica como explicativa, tendo como método de abordagem o
método dedutivo, uma vez que parte de uma situação geral para o particular, a partir de um estudo
de julgados, legislações, doutrinas, monografias e artigos científicos. Para mais, foi utilizada a
técnica de pesquisa da documentação indireta, mediante a realização de pesquisas bibliográficas
e jurisprudenciais, sendo estas efetuadas por meio eletrônico.

2 DA PRISÃO EM FLAGRANTE

A prisão em flagrante consiste em uma modalidade de prisão processual prevista pela


Constituição Federal de 1988, mais especificamente no artigo 5º, inciso LXI, em que se permite a
detenção do indivíduo visto praticando ato executório de infração penal, isto é, qualquer conduta
tipificada como ilícita pela legislação (GONÇALVES; REIS, 2018, p. 320).
Além disso, autoriza-se a prisão em flagrante quando o agente acabou de praticar a conduta
delituosa, sendo perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa,
presumindo-se ser ele o autor da infração penal ou, ainda, na hipótese de ser encontrado com
instrumentos, armas, objetos ou papéis que também façam considerar ser ele o autor do ilícito
penal (BRASIL, 1941).
O Código de Processo Penal trata da prisão em flagrante nos artigos 301 a 310, autorizando
a prisão de quem quer que seja encontrado em flagrante delito, por qualquer pessoa do povo,
bem como pelas autoridades policiais e seus agentes (BRASIL, 1941).
Assim, diante das condições mencionadas, é cabível a detenção do infrator, sem prévia

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ordem escrita de um juiz, mediante sua condução até à autoridade policial, que comunicará o fato
ao magistrado competente, ao órgão do Ministério Público e à família do preso ou à pessoa que
ele indicar (BRASIL, 1941).
Por conseguinte, dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas, será encaminhado ao juiz
competente o auto de prisão em flagrante e, caso o agente não informe o nome de seu advogado,
se remeterá cópia integral para a Defensoria Pública. Ademais, o preso receberá a nota de
culpa, assinada pela autoridade, que exporá o motivo da prisão, o nome do condutor e os das
testemunhas (BRASIL, 1941).
Preconiza o artigo 310 do Código de Processo Penal que o juiz, após receber o auto de
prisão em flagrante, “deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu
advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público”
(BRASIL, 1941).
Nessa ocasião, o magistrado deve relaxar a prisão, se esta for ilegal, converter a prisão
em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos necessários (previstos no artigo
312 do Código de Processo Penal) e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas
cautelares diversas da prisão, ou, por fim, conceder liberdade provisória, com ou sem fiança
(BRASIL, 1941).
A partir da análise da prisão em flagrante, compreende-se que esta possui o escopo de evitar
a consumação do delito, se este ainda estiver ocorrendo, como também impedir a fuga do autor
da infração penal, além de “auxiliar na juntada de elementos essenciais para o esclarecimento do
delito e para posterior punição do infrator” e resguardar sua integridade física (GIMENEZ, 2018,
p. 11-12).
Vale ressaltar que a prisão em flagrante se assemelha a uma detenção cautelar provisória
dentro do prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, “até que a autoridade judicial decida pela
sua transformação em prisão preventiva ou não”. Nesse sentido, a prisão em flagrante não se
trata de uma prisão cautelar garantidora do processo, haja vista ser necessário proceder sua
conversão em prisão preventiva ou sua convolação em liberdade provisória (CAPEZ, 2020, p.
344).
Consideradas as questões atinentes à prisão em flagrante na legislação brasileira, no
seguinte tópico se discutirá acerca das provas no sistema processual penal, tendo em vista o seu
caráter de direito fundamental no Estado Democrático de Direito.

3 DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL

O ordenamento jurídico brasileiro foi erguido sob a égide de um Estado Democrático de


Direito, visando garantir, por meio de um extenso aparato legal, procedimentos pautados em
critérios de legalidade e legitimidade. Com isso, no sistema judiciário não se adotaria uma postura
diferente ao tratar das provas, em todos os ramos do Direito, focando-se, o presente trabalho, no
processo penal (FARIAS; SOUZA, 2019, p. 4).
As provas no processo penal pautam-se nos ditames da Constituição Federal de 1988, os
quais preconizam o direito do contraditório, da ampla defesa e da inadmissibilidade das provas
ilícitas no processo, conforme dispõe o art. 5º, incisos LV e LVI, como também na preservação da
dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, inciso III (FARIAS; SOUZA, 2019, p. 4).
Nas palavras de Alexandre de Morais :

[...] Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições
que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a
esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário,
enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo

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a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela
acusação caberá igual direito de defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que
melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação diversa daquela
feita pelo autor. (MORAIS, 2014, p. 111).

No tocante as provas em si, leciona Nucci (2014, p. 282) que existem três sentidos para
o termo “prova”, quais sejam, o ato de provar, consistente no processo de verificar a exatidão
ou a verdade do fato alegado pela parte, como ocorre na fase probatória; o meio, que seria o
instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo, como a prova testemunhal, e o resultado
da ação de provar, isto é, o produto oriundo da análise dos instrumentos de prova fornecidos, de
modo a demonstrar a verdade do acontecido.
Observa-se que, ao tratar de provas no processo penal, o principal objetivo fundamenta-
se na busca pela verdade, denominada nesse ramo do Direito como verdade material, real ou
substancial, contrastando com a verdade formal ou instrumental presente no âmbito do processo
civil (NUCCI, 2014, p. 282).
Importante trazer à tona, portanto, o sistema de valoração da prova. O mesmo, é,
basicamente, dividido em três: a) livre convicção; b) prova legal; e c) persuasão racional (NUCCI,
2014, p. 287).
O primeiro deles está relacionado à valoração livre ou à íntima convicção, ou seja, ao juiz
não é necessário motivar suas decisões, como ocorre com os votos dos jurados no Tribunal do
Júri. Já o segundo diz respeito à valoração taxada ou tarifada da prova, que se baseia no sentido
de que cada prova produzida ao longo do processo terá um valor preestabelecido, restringindo
a atividade de julgar do magistrado, bem como fazendo com que ele fique limitado ao critério
estabelecido pelo legislador (NUCCI, 2014, p. 287-288).
Por fim, o último sistema, adotado pelo processo penal brasileiro, se trata de um sistema
misto, chamado de livre convencimento motivado, que combina os dois outros conceitos
explicitados anteriormente. Seguindo esta linha, o juiz pode decidir a causa consoante o seu
livre convencimento, devendo, entretanto, fundamentá-lo nos autos do processo, persuadindo as
partes e a comunidade em abstrato (NUCCI, 2014, p. 287-288).
O sistema de valoração das provas adotado no Brasil tem por base o art. 93, inciso IX, da
Constituição Federal de 1988, e se encontra também disposto no art. 155 do Código de Processo
Penal.
Analisando o referido dispositivo da Constituição, este dispõe que todos os julgamentos do
Poder Judiciário serão públicos e que todas as decisões devem ser fundamentadas, sob pena
de nulidade. Inclusive, preconiza que a lei poderá limitar a presença, em determinados atos,
às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, na ocasião de ser necessária a
preservação do direito à intimidade e o sigilo não prejudique o interesse público à informação
(BRASIL, 1988).
Por conseguinte, o art. 155 do Código de Processo Penal afirma que a autoridade judiciária
“formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial”. Além
disso, o juiz não pode fundamentar sua decisão apenas nos elementos informativos colhidos
na fase de investigação, salvo nos casos das provas cautelares não repetíveis e antecipadas
(BRASIL, 1941).
Ainda a respeito das provas, cabe destacar que a Constituição Federal garante que são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, as quais são colhidas de maneira
a infringir o direito material. Nesse diapasão, observa-se que os ditames legais presentes no
texto constitucional configuram importantes garantias em relação à ação persecutória estatal
(MORAES, 2014, p. 144).
Apesar do disposto na Carta Magna, merece se levar em consideração o princípio da

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proporcionalidade, o qual prevê hipóteses em que as provas ilícitas, excepcionalmente e em
casos de extrema gravidade, poderão ser utilizadas, tendo em vista que nenhuma liberdade
pública é absoluta e que o direito tutelado no caso concreto pode vir a ser mais importante que o
direito à intimidade e à vida privada (MORAES, 2014, p. 116).
A jurisprudência pátria somente aplica tal princípio pro reo (a favor do réu), pois entende
que a ilicitude é eliminada por causas excludentes em prol do princípio da inocência. Entretanto,
a regra deve ser a da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, “em respeito às
liberdades públicas e ao princípio da dignidade humana na colheita de provas e na própria
persecução penal do Estado” (MORAES, 2014, p. 116).
Por fim, vale destacar que o Direito Probatório vem evoluindo ao longo do tempo, passando
de geração a geração.
As primeiras gerações foram marcadas pelo julgamento do caso Olmstead vs. United States
em 1928 na Suprema Corte americana, em que os investigadores inseriram um equipamento na
fiação da empresa de telefone e na fiação da via pública para interceptar conversas telefônicas
efetuadas pelo investigado, Olmstead, com o fim de obter provas (GIMENEZ, 2018, p. 50-51).
Para mais, houve o caso Katz vs. United States em 1967, no qual mostrou que a polícia
norte-americana realizou a instalação de um equipamento de gravação de voz em uma cabine
de telefone público, de modo a obter as falas do investigado Katz (GIMENEZ, 2018, p. 50-51).
Ao final, a Suprema Corte americana entendeu que os aludidos atos necessitavam de
autorização judicial e tornaram as provas ilícitas em ambos os casos, pois a proteção constitucional
também abrangeria “as pessoas e suas expectativas de privacidade” (GIMENEZ, 2018, p. 51).
A evolução tecnológica, portanto, instaura, nos tribunais, a necessidade da aplicação de
um raciocínio capaz de fazer com que as regras baseadas em tecnologias arcaicas se adequem
às novas. Nesse sentido, passa-se a discorrer acerca das provas colhidas através do acesso ao
aparelho celular do indivíduo preso em situação de flagrante e os impasses existentes na atual
jurisprudência brasileira sobre sua (i)licitude.

4 DA (I)LICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS PELO ACESSO AO APARELHO CELULAR DO


PRESO EM FLAGRANTE

No ano de 2012, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu o Habeas Corpus
91.867/PA, no qual se discutia a licitude da análise de registros telefônicos armazenados em
dois aparelhos celulares apreendidos durante uma prisão em flagrante, sem ter ocorrido a prévia
autorização judicial (GIMENEZ, 2018, p. 58).
Em tal caso, o ministro Gilmar Mendes entendeu que as provas obtidas eram lícitas, em
virtude de o art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal de 1988, salvaguardar somente o sigilo das
comunicações telefônicas e não os registros telefônicos, como, por exemplo, a data da chamada
telefônica, o horário da ligação e o número do telefone chamado (LIMA, 2019, p. 773-775).
Para mais, o ministro supracitado argumentou que, conforme preconiza o art. 6º do Código
de Processo Penal, a autoridade policial deverá apreender objetos que tiverem relação com
o fato, após serem liberados pelos peritos criminais, bem como “colher todas as provas que
servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias” (BRASIL, 1941).
Seguem abaixo trechos da ementa do referido julgado:

HABEAS CORPUS. NULIDADES: (1) INÉPCIA DA DENÚNCIA; (2) ILICITUDE


DA PROVA PRODUZIDA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL; VIOLAÇÃO DE
REGISTROS TELEFÔNICOS DO CORRÉU, EXECUTOR DO CRIME, SEM
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL; (3) ILICITUDE DA PROVA DAS INTERCEPTAÇÕES
TELEFÔNICAS DE CONVERSAS DOS ACUSADOS COM ADVOGADOS,
PORQUANTO ESSAS GRAVAÇÕES OFENDERIAM O DISPOSTO NO ART. 7º, II,

12
DA LEI 8.906/96, QUE GARANTE O SIGILO DESSAS CONVERSAS. VÍCIOS NÃO
CARACTERIZADOS. ORDEM DENEGADA. [...] 2. Ilicitude da prova produzida
durante o inquérito policial - violação de registros telefônicos de corréu, executor
do crime, sem autorização judicial. 2.1 Suposta ilegalidade decorrente do fato de os
policiais, após a prisão em flagrante do corréu, terem realizado a análise dos últimos
registros telefônicos dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. 2.2
Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem,
inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo
5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito
registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados.
2.3 Art. 6º do CPP: dever da autoridade policial de proceder à coleta do material
comprobatório da prática da infração penal. Ao proceder à pesquisa na agenda
eletrônica dos aparelhos devidamente apreendidos, meio material indireto de
prova, a autoridade policial, cumprindo o seu mister, buscou, unicamente, colher
elementos de informação hábeis a esclarecer a autoria e a materialidade do delito
(dessa análise logrou encontrar ligações entre o executor do homicídio e o ora
paciente). Verificação que permitiu a orientação inicial da linha investigatória a ser
adotada, bem como possibilitou concluir que os aparelhos seriam relevantes para
a investigação. [...] 4. Ordem denegada (Supremo Tribunal Federal (2. Turma).
Habeas Corpus 91.867/PA, Relator: Ministro Gilmar Mendes, 24 de abril de 2012).

Com o decorrer dos anos, os celulares foram dotados de maior aparato tecnológico e
funcionalidades, tendo sido possível o acesso à internet de banda larga. Dessa forma, os referidos
aparelhos, chamados de smartphones, passaram a não armazenar apenas ligações telefônicas,
mas também outros dados do usuário, diante do surgimento dos aplicativos de conversas e das
redes sociais, como o WhatsApp, o Telegram, o Facebook e o Instagram.
Por conseguinte, no ano de 2016, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o
Recurso Ordinário em Habeas Corpus 51.531/RO, de decisão do Tribunal de Justiça de Rondônia,
no qual se discutia acerca da legalidade da conduta de policiais acessarem smartphones no ato
da prisão em flagrante, sem autorização judicial (GIMENEZ, 2018, p. 61).
Nesse caso, foram extraídas conversas do acusado através do aplicativo WhatsApp,
entendendo o relator do recurso, ministro Nefi Cordeiro, que as provas encontradas não
eram meros registros telefônicos do aparelho, mas sim comunicações telefônicas do suspeito
(GIMENEZ, 2018, p. 61).
Com efeito, a conduta violava a intimidade e o sigilo das comunicações, protegidos pelo
art. 5º da Constituição Federal, necessitando de anterior ordem judicial para ser efetivada, nos
termos da lei que regulamenta a interceptação de comunicações telefônicas (Lei nº 9.296/96),
bem como do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14), que assegura a inviolabilidade e o sigilo
das comunicações pela internet (JANGUTTA, 2019, p. 49-50).
No julgado, foi posto em destaque o Direito Probatório de Terceira Geração, que segundo
Knijnik (2016, p. 82), são “provas invasivas, altamente tecnológicas, que permitem alcançar
conhecimentos e resultados inatingíveis pelos sentidos e pelas técnicas tradicionais”.
Nessa perspectiva, o posicionamento do STJ fixou-se no seguinte:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.


TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO
JUDICIAL PARA A PERÍCIA NO CELULAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
EVIDENCIADO. 1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de
whatsapp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante,
sem prévia autorização judicial. 2. Recurso ordinário em habeas corpus provido,
para declarar a nulidade das provas obtidas no celular do paciente sem autorização

13
judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos (Superior Tribunal de Justiça
(6. Turma). Recurso Ordinário em Habeas Corpus 51.531/RO 2014/0232367-7,
Relator: Ministro Nefi Cordeiro, 19 de abril de 2016).

Outro semelhante caso, também em 2016, foi decidido pela 5ª Turma do STJ, sendo posta
em destaque a necessidade da prévia autorização judicial para que seja permitido à autoridade
policial acessar o aplicativo de mensagens privadas (WhatsApp) da pessoa que foi presa em
flagrante delito:

Na ocorrência de autuação de crime em flagrante, ainda que seja dispensável


ordem judicial para a apreensão de telefone celular, as mensagens armazenadas
no aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico, que compreende igualmente
a transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos,
imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa
ou móvel ou, ainda, por meio de sistemas de informática e telemática (Superior
Tribunal de Justiça (5a Turma). Recurso Ordinário em Habeas Corpus 67.379-RN,
Relator: Ministro Ribeiro Dantas, 20 de outubro de 2016).

Nos dias atuais, o STJ mantém seu entendimento de serem nulas as provas obtidas do
celular do acusado através da atuação do policial ou do delegado de polícia, no momento de
realizar a prisão em flagrante, por motivo de ser necessária a prévia autorização judicial específica
e fundamentada para promover a quebra de sigilo dos dados existentes no aparelho (ARANEO,
2020).
A 6ª Turma do STJ novamente analisou a questão em maio de 2020, sendo levado em
consideração uma decisão da Suprema Corte americana que procedeu a anulação de uma
condenação criminal ao julgar o caso David Leon Riley v. California, no qual se invocou a 4ª
Emenda da Constituição Americana (semelhante ao art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal),
interpretando-a com base nas atuais tecnologias (ARANEO, 2020). Vale destacar a ementa do
mencionado julgado brasileiro:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRESOS EM


FLAGRANTE QUE TIVERAM SEUS TELEFONES CELULARES ACESSADOS
PELA POLÍCIA SEM MANDADO JUDICIAL. NULIDADE. OCORRÊNCIA. RECURSO
PROVIDO. 1. A defesa, no writ originário, pleiteava a revogação da prisão preventiva
em decorrência da falta de justa causa oriunda da nulidade das provas adquiridas
por meio do acesso aos smartphones. Neste habeas corpus substitutivo de recurso
ordinário, a defesa repisa o argumento de nulidade da quebra do sigilo dos telefones
celulares, mas cinge-se a pedir a ‘exclusão processual de todas as provas obtidas e
as provas derivadas’. 2. Sem mandado judicial, é ilícito o acesso tanto dos dados
gravados acessados pela polícia ao manusear o aparelho, quanto dos dados
eventualmente interceptados no momento em que ela acessa aplicativos de
comunicação instantânea. 3. Recurso provido, a fim de reconhecer a ilegalidade
das provas produzidas pelo acesso aos telefones celulares sem mandado judicial,
determinando ao Juiz de primeira instância que avalie quais evidências devem
ser eliminadas dos autos por derivação, bem como as que devem remanescer
em função de fonte independente ou de descoberta inevitável (Superior Tribunal
de Justiça (6ª Turma). Recurso em Habeas Corpus 90.200/RN, Relator: Ministro
Rogério Schietti Cruz, 5 de maio de 2020) (grifo nosso).

Importante frisar que, não obstante o STJ tenha se baseado também em decisões pretéritas
do direito comparado para decidir o caso, observa-se que as discussões sobre a matéria em tela

14
não são pacíficas, tendo decisões contrárias em diversos países, como Espanha (Sentencia
115/2013) e Canadá (Respondent vs. Fearon) (JANGUTTA, 2019, p. 55).
Em relação ao assunto, o STF reconheceu sua repercussão geral no ano de 2017,
estabelecendo-a no Tema 977. Porém, até o presente momento (2020), ainda não foi julgado o
leading case, qual seja, o Recurso Extraordinário com Agravo 1.042.075 RG/RJ, sob relatoria do
ministro Dias Toffoli, que apresenta a seguinte ementa:

EMENTA CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. PERÍCIA REALIZADA


PELA AUTORIDADE POLICIAL EM APARELHO CELULAR ENCONTRADO
FORTUITAMENTE NO LOCAL DO CRIME. ACESSO À AGENDA TELEFÔNICA
E AO REGISTRO DE CHAMADAS SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ACÓRDÃO
RECORRIDO EM QUE SE RECONHECEU A ILICITUDE DA PROVA (CF, ART.
5º, INCISO LVII) POR VIOLAÇÃO DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES (CF, ART.
5º, INCISOS XII). QUESTÃO EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. MATÉRIA
PASSÍVEL DE REPETIÇÃO EM INÚMEROS PROCESSOS, A REPERCUTIR
NA ESFERA DO INTERESSE PÚBLICO. TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL.
(Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário com Agravo
1.042.075 RG/RJ, Relator: Ministro Dias Toffoli, 23 de novembro de 2017).
(ARANEO, 2020).

À luz do art. 5º, incisos XII e LVI, da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal
(Tribunal Pleno), discutirá a licitude da prova produzida durante o inquérito policial subsistente no
acesso, sem autorização judicial, de registros e informações contidas em aparelho de telefonia
celular relacionado à conduta delitiva, hábeis a identificar o agente do crime (BRASIL, 1988,
2017).
Verifica-se que a questão em análise põe em evidência o direito à intimidade e a vida privada
do indivíduo e o direito à segurança pública, este previsto no art. 144 da Constituição Federal,
que impõe ao Estado a obrigação de criar condições para a “preservação da ordem pública e
da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (BRASIL, 1988), inserindo-se nesse aspecto a
existência de mecanismos eficientes de investigação (REMEDIO; SILVA, 2018, p. 3235).
O Poder Judiciário brasileiro vem considerando ser imprescindível a autorização judicial
prévia para se ter acesso a comunicações telefônicas de um aparelho celular, ainda que
apreendido em ocasião de prisão em flagrante.
Isso porque “as comunicações telefônicas envolvem um processo de transmissão e recepção
de mensagens entre um emissor e um destinatário”, havendo, nesse caso, incidência da Lei de
Interceptação Telefônica (Lei nº 9.296/96), bem como dos princípios protetores da intimidade e
do sigilo das comunicações, previstos na Constituição Federal, precisamente nos incisos X e XII
do art. 5º (GIMENEZ, 2018, p. 70).
Segundo Lima (2019, p. 773-774):

[...] o acesso a um aparelho de telefonia celular de pessoa presa permite, pelo


menos em tese, que a autoridade policial tenha acesso a inúmeros aplicativos de
comunicação em tempo real, tais como Whatsapp, Viber, Line, Wechat, Telegram,
BBM, Snapchat, etc., todos eles dotados das mesmas funcionalidades de envio e
recebimento de mensagens, fotos, vídeos e documentos em tempo real. Por mais
que as conversas mantidas por meio desses aplicativos fiquem registradas no
aparelho celular, não se pode negar que estamos diante de verdadeira espécie de
comunicação escrita, imediata, entre duas ou mais pessoas. Logo, se há necessidade
de prévia autorização judicial para a quebra do sigilo do correio eletrônico, idêntico
raciocínio deve ser aplicado para fins de devassa das conversas mantidas por
meio do Whatsapp, nos termos do art. 5º, XII, da Constituição Federal, e do art.

15
1º, parágrafo único, da Lei nº 9.296/96, pouco importando o fato de o celular do
indivíduo ter sido apreendido por ocasião de eventual prisão em flagrante. (LIMA,
2019, p. 773-774).

O art. 157, caput, do Código de Processo Penal, estabelece que “são inadmissíveis, devendo
ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a
normas constitucionais ou legais” (BRASIL, 1941).
Entretanto, a maioria da doutrina e da jurisprudência preconiza que a vedação das provas
ilícitas pode ser relativizada para assegurar o princípio da presunção de inocência e o estado de
liberdade do acusado. Nas lições de Rangel (2009, p. 426):

O réu, interceptando uma ligação telefônica, sem ordem judicial, com o escopo de
demonstrar sua inocência, estaria agindo de acordo com o direito, em verdadeiro
estado de necessidade justificante [...] Dessa forma, é admissível a prova colhida
com (aparente) infringência às normas legais, desde que em favor do réu para
provar sua inocência, pois absurda seria a condenação de um acusado que, tendo
provas de sua inocência, não poderia usá-las só porque (aparentemente) colhidas
ao arrepio da lei. (RANGEL, 2009, p. 426).

Infere-se da presente discussão que a prova extraída do aparelho celular de posse do


indivíduo, preso em flagrante, deve ser condicionada à prévia autorização judicial para fins de
sua licitude no processo penal. Porém, a utilização da prova colhida de forma ilícita, isto é, sem
ordem judicial, é permitida a favor do réu, a fim de que este prove sua inocência.
Portanto, o raciocínio mais lógico seria que o vasculhamento de conversas em um
smartphone somente poderia ser realizado mediante a ordem de um juiz competente, da mesma
forma que ocorre com a interceptação telefônica, já que também possui conteúdos pessoais e
íntimos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme mencionado alhures, o direito evolui juntamente com a sociedade, moldando


suas regras para que se adequem à novos modelos sociais. Sendo assim, os tribunais brasileiros
enfrentaram um impasse ao se depararem com a questão da (i)licitude da prova obtida pelo
acesso ao aparelho celular do preso em flagrante, sem ocorrência da prévia autorização judicial,
tema este escolhido para ser abordado no presente artigo.
Dentre os conceitos de provas já enraizados no Direito Processual Penal, temos julgadores
que consideram tal conduta lícita, enquanto, por outro lado, temos julgadores que a consideram
ilícita, a depender do conteúdo da prova extraída. Devido ao conflito de julgamentos, o Tribunal
Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) está pendente de julgar o Recurso Extraordinário com
Agravo 1.042.075 RG/R RJ, de relatoria do ministro Dias Toffoli.
Em razão de todo o exposto no decorrer do trabalho, conjecturamos com a parcela dos
julgadores que se mostra a favor da declaração da ilicitude de tal ato, na hipótese do acesso
à conteúdos que contenham comunicações interpessoais, como conversas em aplicativos de
mensagens privadas.
Assim, a prova colhida sem ordem da autoridade judiciária competente seria ilícita, por ferir
a intimidade e o sigilo das comunicações, protegidos no art. 5º da Constituição Federal de 1988.
Todavia, de acordo com o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, a prova pode
ser utilizada em benefício do réu, para garantir sua presunção de inocência e seu estado de
liberdade.

16
REFERÊNCIAS

ARANEO, Fernando Agrela. STJ reafirma nulidade de prova obtida em devassa no celular de
preso em flagrante. Consultor Jurídico, 21 jun. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.
br/2020-jun-21/araneo-nulidade-prova-obtida-celular-preso-flagrante. Acesso em: 14 out. 2020.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 out. 2020.

______. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio


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______. Lei nº 9.296/96, de 24 de julho de 1996. Regulamenta o inciso XII, parte final, do art.
5º da Constituição Federal. Brasília, DF: Presidência da República,1996. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9296.htm. Acesso em: 15 out. 2020.

______. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos


e deveres para o uso da Internet no Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 2014.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso
em: 15 out. 2020.

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Impetrante: José Luis Mendes de Oliveira e outros. Impetrado: Superior Tribunal
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______. ______ (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário com Agravo 1.042.075


RG/RJ. Relator: Ministro Dias Toffoli, 23 de novembro de 2017. Disponível em:
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______. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Recurso Ordinário em Habeas Corpus
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do Rio Grande do Norte. Relator: Ministro Ribeiro Dantas, 20 de outubro de 2016a. Disponível
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rhc-67379-rn-2016-0018607-3/inteiro-teor-404895169. Acesso em: 2 dez. 2020.

______. ______ (6. Turma). Recurso em Habeas Corpus 51.531/RO 2014/0232367-7.


Recorrente: Leri Souza e Silva. Recorrido: Ministério Público do Estado de Rondônia. Relator:
Ministro Nefi Cordeiro, 19 de abril de 2016b. Disponível em: http://portaljustica.com.br/
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______. ______ (6. Turma). Recurso em Habeas Corpus 90.200/RN. Recorrente:


Daniel Pinto Campos. Recorrido: Ministério Público Federal. Relator: Ministro Rogério
Schietti Cruz, 5 de maio de 2020. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/
revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=109292347&num_
registro=201702542071&data=20200512&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 15 out. 2020.

17
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 27. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

FARIAS, Cleantro Beltrão de; SOUZA, Jacyara Farias. Os direitos e garantias fundamentais
em face das provas ilícitas no direito processual penal. Disponível em: http://www.
publicadireito.com.br/artigos/?cod=9cf2af1403d6f96d. Acesso em: 19 out. 2020.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios; REIS Alexandre Cebrian Araújo. Direito processual penal
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GIMENEZ, Luiz Victor Rós. Direito probatório de terceira geração: os aspectos jurídicos
que envolvem a obtenção de provas extraídas de smartphones no ato da prisão em flagrante.
2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) – Centro Universitário Antônio
Eufrásio de Toledo, Presidente Prudente, 2018.

JANGUTTA, Kátia Maria Amaral. Acesso a dados armazenados em dispositivos móveis para
fins de investigação: a licitude da prova e a atuação do Poder Judiciário. In: ANTONIALLI,
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FRAGOSO, Nathalie (org.). Direitos fundamentais e processo penal na era digital: doutrina
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KNIJNIK, Danilo. A trilogia Olmstead-Katz-Kyllo: o art. 5º da Constituição Federal do século


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LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 7. ed. Salvador:
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MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 11. ed. Rio de
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RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

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pública: o acesso ao conteúdo de celular pela autoridade policial. Revista Quaestio Iuris, Rio
de Janeiro, v. 11, n. 4, p. 3220-3241, 2018. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/
index.php/quaestioiuris/article/view/33499. Acesso em: 16 out. 2020.

18
CAPÍTULO 2

A COMERCIALIZAÇÃO E A DIFUSÃO DA PEDOFILIA


NA ERA DIGITAL À LUZ DO ESTATUTO DA CRIANÇA E
ADOLESCENTE

Josiel Brandão de Melo Filho


Paula de Melo Palmeira Ramos
A COMERCIALIZAÇÃO E A DIFUSÃO DA PEDOFILIA NA ERA DIGITAL À LUZ DO
ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE

Josiel Brandão de Melo Filho3


Paula de Melo Palmeira Ramos4
RESUMO

Este artigo apresenta uma discussão a respeito dos crimes que envolvam a pedofilia, mas
especificamente os dispositivos expostos nos Arts 241 e 241-A do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Assim, questiona-se sobre a interligação entre a comercialização e a difusão
de conteúdos pornográfico envolvendo crianças e adolescentes e o avanço dos mecanismos
tecnológicos, os quais facilitam a perpetuação desta conduta criminosa. Portanto, no presente
trabalho far-se-á uma análise, elencando os dispositivos criminosos, o seu desenvolvimento no
século XXI e os mecanismos de defesa, embasando-se na revisão literária e de dados estatísticos.

Palavras-chave: Pedofilia. Abuso Sexual Infantil. Internet.

ABSTRACT

This article presents a discussion crime involving pedophilia, more specifically the provisions
set out in the Arts. 241 and 241-A of the Child and Adolescent’s Statute. Thus, it is questioned
about the interconnection between the commercialization and dissemination of pornographic
content involving children and adolescents and the advancement of technological mechanisms,
which facilitate the perpetuation of this criminal conduct. Therefore, the present work will analysis
criminal devices and their development in the 21st century and defense mechanisms, based on
literary review and statistical data.

Keywords: Pedophilia. Child Sexual Abuse. Internet.

1 INTRODUÇÃO

O estudo da pedofilia é uma temática importante e que vem asseverando o seu debate no
espaço médico, jurídico e digital no transcurso do século XXI. De maneira inegável, é possível
observar que o ato de sentir desejo sexual ou lascívia por uma criança ou pré-adolescente
causa repulsa nas mais diversas sociedades ao entorno do Globo terrestre.
No entanto, por mais que ocorra o repúdio desta prática, ainda se faz necessário o debate
acadêmico-jurídico sobre o tema, em virtude dos mais variados estudos e principalmente do
avanço das condutas criminosas que envolvam a pedofilia, em decorrência do avanço da
era digital, que facilita a disseminação destas práticas na internet, puramente popularizada e
difundida, sendo um dos instrumentos de comunicação mais fortes da modernidade.
Neste intento, é fundamental afirmar que de acordo com a Organização Mundial da Saúde
(OMS) a pedofilia é definida como um transtorno mental que objetiva sentir prazer através de
crianças ou adolescentes, sendo uma prática irrestrita a mulheres ou homens e que atinge

3 Graduando do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba. Monitor de Direito Penal IV. Bolsista pelo
Programa de Extensão da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB. E-mail: brandaojosiel@gmail.com.
4 Graduanda do Curso de Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Monitora e Extensionista pela Universidade
Estadual da Paraíba-UEPB. Email:palmeirapaula98@gmail.com.

20
qualquer classe social, independentemente de gênero ou de qualquer outra pré-condição5.
Partindo desta conceituação, verifica-se que a pedofilia não é crime. Ocorre que alguns atos
relacionados ao desejo sexual por impúberes podem ser tipificados como crime, tanto na redação
do Código Penal, como na redação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), visando
tutelar a dignidade sexual de infantes e jovens.
Desta forma, este trabalho possui a intenção de apontar os crimes relacionados à conduta
de pedofilia com base no ECA, especificamente no que se refere aos artigos 241 e 241-A desta
legislação, os quais possuem em seus núcleos do tipo questões sobre a comercialização e a
difusão da pedofilia.
Destarte, buscar-se-á analisar, através de uma revisão literária, a difusão dos ilícitos de
pedofilia no meio virtual, objetivando discussões que assegurem o debate acerca da temática do
crescimento da disseminação e comercialização de conteúdos pedófilos, avaliando a legislação,
as interseções com os meios digitais, os modelos de ação e os mecanismos de combate.

2 CONCEITO DE PEDOFILIA

De maneira inicial, cabe afirmar, pelas palavras de Trindade e Breier (2010, p. 21), que o
termo pedofilia é advindo do grego e tem como significado o “amor por crianças”. Neste mesmo
sentido, em consonância com as lições do advogado Bismael Moraes a pedofilia é definida como
“a qualidade ou sentimento de quem é pedófilo e este adjetivo designa a pessoa que “gosta
de crianças” (MORAES, 2004). A legislação que protege esse grupo vulnerável é o ECA e nos
seus mais variados artigos, criminaliza a prostituição e a exploração sexual destes menores,
protegendo a dignidade sexual deles. Sabe-se que essa conceituação ainda gera discussões em
âmbito jurídico e psiquiátrico, no entanto, é a mais difundida no contexto global e a mais utilizada
pela academia.
Diante deste conceito inicial e sucinto, conclui-se categoricamente: pedofilia não é crime. Não
há na legislação brasileira a tipificação da conduta de pedofilia. O que há de fato é a criminalização
das condutas relacionadas aos sentimentos de pedófilo, ainda que, pela população, de forma
geral, os crimes sexuais que envolvam menores impúberes sejam relacionados à pedofilia.
Portanto, a conduta criminosa é basicamente o que se faz com esse sentimento, tendo em
vista que o desejo e a vontade são tidos como uma patologia pela OMS, conforme mencionado
anteriormente. Posto isto, salienta-se que a OMS considera a pedofilia como uma desconformidade
sexual.
Mesmo do ponto de vista médico, o conceito é difícil de ser fechado e não é abertamente
debatido, necessitando um arcabouço aprofundado de estudos sobre a temática, com a finalidade
de que não se evidencie uma percepção sucinta sobre o termo e a significância da palavra.
Dessa maneira, é imprescindível alocar uma conceituação razoável, para assim, refletir sobre o
tema e suas peculiaridades. Segue, então, a definição de Fani Hisgail:

[...] perversão sexual que envolve fantasias sexuais da primeira infância abrigadas
no complexo de Édipo, período de intensa ambivalência com os pais. O ato do
pedófilo caracteriza-se pela atitude de desafiar a lei simbólica da intervenção. O
adulto seduz e impõe um tipo de ligação sigilosa sobre a criança, na tentativa de
mascarar o abuso sexual. (HISGAIL, 2007, p. 17).

À luz do texto acima, é possível constatar que a pedofilia é um transtorno mental e o


crime dar-se-á pelas condutas definidas em lei que estão relacionadas à esta anomalia, quando
moldadas à algum dispositivo do ordenamento jurídico. Por conseguinte, em virtude da amplitude
5 (F-65.4). Organização Mundial da Saúde. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-
10. 10. ed. Porto Alegre: Artmed, 1993.

21
dos conceitos e do enquadramento jurídico correto, o presente artigo afunila o estudo das
consequências da pedofilia no Brasil, embasado nos crimes descritos no art. 241 e 241-A do
Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA. Diante disto, tais crimes retratam a possibilidade
de transparecer os desejos pedófilos pela via digital. (BRASIL, 1990).

3 UMA ANÁLISE DOS ARTIGOS 241 E 241-A DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE

A priori, vale salientar que a internet é um forte meio de troca de informações e de comunicação
entre as pessoas, em virtude da sua facilidade de acesso e de sua velocidade. Neste sentido, a
internet é um instrumento útil e inseparável da vida humana atual, como demonstram Furlaneto
Neto, Santos e Gimenes (2012, p. 13):

[...] os computadores, atualmente, estão presentes em diversos afazeres, a


ponto de tornarem determinadas atividades totalmente deles dependentes,
como, por exemplo, a venda de passagens de ônibus e aéreas, ou a compra em
um supermercado. Em outras atividades, são imprescindíveis, como o controle
de tráfego aéreo ou a contabilização das atividades realizadas por um caixa de
instituição bancária. (FURLANETO NETO; SANTOS; GIMENES, 2012, p. 13).

No entanto, com a popularização da rede mundial de computadores os legisladores também


necessitaram adequar à lei ao contexto social, com a finalidade regulatória e de prevenção de
delitos na rede mundial de computadores.
Ora, comprovando-se que a internet é um meio de comunicação e de disseminação de
informações, constata-se que a mesma pode ser utilizada de maneira criminosa, por meio da
deep web6 , blog’s e home pages. Para isto, visando tutelar direitos de crianças e adolescentes,
o legislador infraconstitucional, por meio da Lei n° 11.829/08, atualizou os artigos 241 e 241-A no
ECA, objetivando combater as condutas que envolvam a comercialização, difusão, distribuição e
a exposição de conteúdos de sexo explícito que envolvam crianças ou adolescentes.
Para isto, é fundamental transcrever o texto de lei, com a finalidade de evidenciar os núcleos
do artigo e o elemento do tipo:

Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha
cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar


por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático,
fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou
pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1 o Nas mesmas penas incorre quem:

I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou


imagens de que trata o caput deste artigo;

6 “Sites projetados propositalmente, mas que não se teve o interesse de registrá-lo em nenhum mecanismo de bus-
ca. Então, ninguém pode encontrá-los! Estão escondidos. Eu os chamo de Web Invisível”. (BERGMAN, 2000.).

22
II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias,
cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.

§ 2 o As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1 o deste artigo são puníveis


quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado,
deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo.
(BRASIL, 2008).

Assim, para entender os conceitos atrelados da internet e da tipificação exposta nos artigos
241 e 241-A do ECA, é necessário esmiuçar os dispositivos e comentá-los a partir da doutrina e da
jurisprudência, em uma análise do avanço destas práticas criminosas no tempo de popularização
da internet.
À luz dos artigos 241 e 241-A, do ECA, é essencial delimitar os sujeitos ativo e passivo do
delito. Assim, quanto ao autor dos crimes de comercialização e difusão de material pornográfico,
pode ser qualquer pessoa, sem distinção de sexo ou gênero, desde que maior de 18 anos.
Outrossim, este delito por muitas vezes é cometido com o auxílio da internet, mas não é restrito à
rede mundial de computadores. Ademais, esses delitos estão tipificados no ECA, então o sujeito
passivo deve estar em consonância ao descrito na legislação:

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de
idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este


Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. (BRASIL, 2008).

Dessa maneira, os artigos que criminalizam a difusão e comercialização de material


pornográfico infantil se referem aos menores de 18 anos, em decorrência da abrangência da
legislação em tela.
Diante disto, é importante salientar que a legislação visa tutelar o direito dos mais vulneráveis,
neste caso específico, de crianças e adolescentes. Sobretudo, a funcionalidade a letra da lei é
garantir uma convivência sadia no desenvolvimento infantil, como um direito inerente à condição
humana. Nesse espectro, é importante frisar as palavras de Hannah Arendt sobre a garantia da
vida humana, como forma de preservação da existência:

[...] O que quer que toque a vida humana ou mantenha uma duradoura relação com
ela assume imediatamente o caráter de condição da existência humana. Por isso
os homens, independentemente do que façam, são sempre seres condicionados.
Tudo o que adentra o mundo humano por si próprio, ou para ele é trazido pelo
esforço humano, torna-se parte da condição humana (ARENDT, 1999, p. 352).

Portanto, atrelado à legislação e as lições acadêmicas, o legislador visa tutelar o direito a


uma condição humana digna de uma criança ou adolescente. Entretanto, aprofundando-se ao
tema, custa afirmar que a dignidade sexual também é um direito tutelado, o qual visa preservar
a liberdade sexual em sentido irrestrito e a intangibilidade de pessoas vulneráveis sexualmente,
por sua ausência de capacidade de discernimento, como leciona Prado (2010).
Sabe-se que a pedofilia é um ato praticado mediante abuso, em decorrência do estado
vulnerável de uma criança ou adolescente, usando ou não dos meios tecnológicos. De tal modo,
buscar-se, por intermédio de dispositivos jurídicos, tutelar a dignidade sexual, a liberdade sexual
e a condição humana dos menores impúberes frente a Rede Mundial de Computadores.

23
4 O AVANÇO DA PEDOFILIA NA ERA DIGITAL

É inegável que a internet é um dos maiores avanços da humanidade em relação à


comunicação. Ela mudou a noção de tempo, lugar e espaço. Atualmente, podemos afirmar que
o mundo digital é de fundamental importância para a sociedade contemporânea. Prova disso
são os eventos ocorridos em consequência da pandemia do Covid-19, que resultaram, em sua
grande maioria, na transferência, seja total ou parcial, das atividades habituais para o âmbito
virtual e o consequente aumento do teletrabalho.
Também é fato que a internet como conhecemos hoje é uma tecnologia relativamente
nova, tendo em vista que foi aberta ao público em geral no final da década de 907, e que vem
se expandindo de forma acelerada, fazendo assim com que esteja, cada dia um pouco mais,
intrínseca à sociedade atual. Devido a isso, existem diversas lacunas, principalmente legislativas,
e áreas cinzas, como a deep web, que facilitam as atividades ilícitas, a exemplo da pornografia
infantil e do tráfico de pessoas e órgãos.
Assim, observa-se que com o avanço tecnológico vieram, igualmente, várias modalidades
de atos ilícitos, os chamados crimes cibernéticos, impulsionados pela sensação de liberdade e
anonimato que a internet proporciona. Nesse meio, destacamos a ciberpedofilia, isto é, a prática
da pedofilia através do mundo digital, tema central do artigo em questão.
Os pedófilos aproveitam a imatura e frágil infraestrutura que recai sob o âmbito virtual para
estabelecer nichos on-line objetivando trocas de pornografia infantil, intercâmbio de técnicas de
aliciamento, formação de círculos de amizade e, em casos extremos, comércio de crianças.
Essas ações não são difíceis de serem encontradas online. As redes sociais, como
o Instagram por exemplo, estão recheadas de páginas grotescas onde são exibidas fotos
sexualizando crianças, acompanhadas por comentários igualmente repulsivos. São perfis, em
sua maioria, fechados e com um número significativo de seguidores.
Destarte, percebe-se a necessidade de abordar esse tema tão obscuro. Para uma maior
compreensão analisaremos a seguir como as crianças e adolescentes estão expostos no mundo
digital, as condutas usadas pelos criminosos e os meios para combater tais atitudes.

4.1 Crianças e adolescentes como alvo da nova criminalidade sexual

A existência de uma ampla gama de conteúdo infantil online disponível de forma gratuita
é um atrativo para os pais que querem distrair temporariamente os filhos pequenos. O canal
infantil da “galinha pintadinha”, por exemplo, disponível no YouTube, já elencou diversas vezes
o ranking dos canais mais populares da rede social, ultrapassando as visualizações de artistas
consolidados do mundo pop, tal como Rihanna no início de 2018.
Constata-se comumente crianças, cada vez mais novas, portando seus próprios tablets ou
smartphones. Em pesquisa feita pelo TIC Kids Online Brasil8, do Centro Regional de Estudos para
o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), detectou-se que 11% dos participantes
afirmaram terem tido o primeiro contato com a internet até os 6 anos de idade. Portanto, crianças
estão tendo o contato com aparelhos eletrônicos antes mesmo da alfabetização.

7 A propósito, o consultor legislativo da área de ciência e tecnologia, Bernardo Felipe destaca: em 1989, a internet brasileira começa
a ser implantada como uma infraestrutura de comunicação para fins acadêmicos. [...] Em 1996, já contava com 7.500 domínios.
Em 2000, com 170 mil. Em 2006, um milhão. Em 2014, três milhões e meio. (LINS, 2013).
8 Sobre a pesquisa, o Centro Regional de Estudos para Desenvolvimento afirmou: “Em sua oitava edição, a pesquisa TIC Kids
Online Brasil entrevistou 2.954 crianças e adolescentes com idades entre 9 e 17 anos, bem como seus pais ou responsáveis, em todo
o território nacional. As entrevistas aconteceram entre outubro de 2019 e março de 2020, visando a entender de que forma esse
público utiliza a Internet e como lida com os riscos e as oportunidades decorrentes desse uso. A TIC Kids Online Brasil segue o
referencial metodológico da rede europeia EU Kids Online, liderado pela London School of Economics e do projeto Global Kids
Online, coordenado pelo Unicef ”. (BRASIL, 2020).

24
Essa crescente familiaridade de crianças e adolescentes com o meio digital deve ser
observada com precaução, tendo em vista a extensa possibilidade de encontrar, não apenas
conteúdo, mas também pessoas de caráter contestável.
Nesta mesma toada, é possível vislumbrar as lições de Antônio Fonseca, as quais são
categóricas em afirmar que a violação sexual de crianças e adolescentes não é encontrada tão
somente no âmbito familiar:

O abuso sexual de crianças, a sua utilização com fins sexuais, por seu turno,
surge não apenas no seio do agrupamento familiar (incesto v.g). A divulgação
de pornografia infantil, p.ex., o apelo publicitário de cunho sexual, são formas de
agressão à criança, onde precisamos de atenção, orientação e, se necessário,
punição exemplar (FONSECA, 2001, p. 12).

Ademais, a exposição dos menores vem crescendo continuamente. Há diversos jogos online
para o público infanto-juvenil, muitos deles interativos, que possibilitam entrar em contato com
várias pessoas. Ainda, além das redes sociais, como o Instagram e o Tiktok, é comum observar
vídeos feitos pelos pequenos, que encantados com os youtubers, os imitam e postam no intuito
de serem tão famosos quanto seus ídolos.
No entanto, é necessário evidenciar que o YouTube, por ser uma plataforma mundialmente
conhecida e gratuita, possibilita que tais vídeos caiam em mãos indesejadas. Ressalta-se, ainda,
que os algoritmos da plataforma facilitam aos pedófilos o acesso a vídeos de crianças.
Crianças e adolescentes, majoritariamente, possuem dispositivos com acesso à internet a sua
disposição e, por vezes, os utilizam sem limites ou orientação criando uma maior vulnerabilidade.
O criminoso pode entrar em contato com a vítima com uma facilidade surpreendente, através da
máscara de proteção que, muitas vezes, a própria internet oferece.
Sobre o tema, Felipe Neto, famoso youtuber brasileiro, através de canal destinado ao público
infanto-juvenil, postou, no início de 2019, vídeo intitulado “O maior problema do YouTube. É muito
sério”, dedicado aos pais, no qual alerta sobre a questão da pedofilia e os crimes que envolvem
este assunto no espaço tecnológico. O comportamento de alguns pedófilos na plataforma é
explícito e os agentes parecem não temer fazer comentários repulsivos, mesmo que sejam, por
vezes, desabilitados pelo próprio YouTube. Alguns utilizam ainda um mecanismo fornecido pela
plataforma denominado “Time Stamps” para marcar o momento exato do vídeo em que a criança
está em uma posição sugestiva, facilitando o acesso para outros pedófilos.
São ocorrências bastante comuns no mundo digital. A dificuldade de identificação de
criminosos, escondidos atrás de perfis falsos, é uma das maiores problemáticas e, por outro lado,
os provedores não colaboram com as investigações de maneira efetiva.

4.2 Pornografia infantil e a rede virtual de pedofilia

Neste cenário, não se pode negar que a pedofilia virtual originou um ramo lucrativo que
é a pornografia infantil. O criminoso pode comprar e comercializar fotos e vídeos de crianças e
adolescentes, sendo sexualizados em qualquer lugar, através de um dispositivo com acesso à
internet.
No que diz respeito à batalha contra esses delitos, cabe lembrar que ainda em dezembro
de 2007 ocorreu uma operação da Polícia Federal, em conjunto com a Interpol, FBI e outras
agências de investigação, denominada Carrossel, e tinha como propósito combater a pedofilia
virtual.
A operação resultou na apreensão de diversas pessoas que tinham um programa específico
para compartilhamento pornográfico infantil. Sendo ela a primeira operação no território brasileiro,
foi possível identificar usuários da rede mundial de computadores para a prática pedófila.

25
Segundo Batista (2004), fundador do site “Censura”, que combate a pedofilia e
abuso sexual na internet, os computadores das vítimas podem estar interligados
com redes de pedofilia e, muitas vezes, as crianças enviam fotos para amigos ou
colegas de classe e essa imagem acaba caindo na rede dos pedófilos. Ou porque
alguém ligado ao colega que recebeu a foto está em uma rede de pedofilia, ou
porque a imagem foi colocada em algum blog e, com isso, se tornou pública.
(ANDRADE, 2018).

A pedofilia e a cyber pedofilia estão, inclusive, diretamente ligadas ao crime organizando,


sendo correto afirmar a existência de uma rede pedófila. Estabelece-se, nessas redes, uma
hierarquia na qual há os agenciadores, que são aqueles que possuem a responsabilidade
pela obtenção e venda dos arquivos contendo o conteúdo pedófilo e aqueles responsáveis por
selecionar as crianças para participarem das filmagens, chamados de angariadores. Destaca-
se que os agenciadores ou gerentes, em grande parte não são pedófilos, mas investidores
econômicos que mantêm a rede. Estes, estão escondidos por falsas agências de modelos infantis,
que transformam crianças e adolescentes em escravos dos desejos sexuais de pessoas doentes
em troca de uma remuneração.
É válido evidenciar, ainda, os clubes, que são nichos online criados pelos ciberpedófilos
com a finalidade de espalhar a pedofilia.

[...] Os chamados “Clubes” servem para “associar” pedófilos pelo mundo; onde estes
podem adquirir fotos ou vídeos contendo pornografia infantil ou, pior, “contratar”
serviços de Exploradores Sexuais, fazer Turismo sexual ou mesmo efetivar o tráfico
de menores ou aliciá-los para práticas e abusos sexuais (LIBORIO, 2004, p. 358).

Percebe-se que essa violência cibernética se concretiza por dois modos. O primeiro é
fundamentado na relação direta entre o abusador e a vítima, na qual o pedófilo cria uma relação de
confiança com a criança ou adolescente para, posteriormente, iniciar as chantagens emocionais,
no intuito de efetivar a prática sexual ou formar um vínculo promíscuo onde há uma troca de
imagens pornográficas. A segunda forma, a relação indireta, consiste na compra, pelo indivíduo,
de material pedófilo para seu prazer. Apesar desse último não praticar a violência diretamente,
ele contribui para a manutenção das redes e a violação dos direitos da criança/adolescente.
Portanto, deve haver penalização tanto para o abusador quanto para o consumidor.
A pedofilia não é ignorada na legislação brasileira, no entanto, ela é retratada de uma
forma dispersa, como foi explicitado anteriormente. Em relação às condutas pedófilas praticadas
no âmbito virtual, são inúmeras as dificuldades na sua penalização. Além da dificuldade de
identificação dos criminosos, que aproveitam o anonimato proporcionado pela internet, como já
mencionado, para efetuar tais ações repugnantes, o quesito da territorialidade torna a punição
dos ciberpédofilos mais lenta. Sobre este aspecto, Andrade revela que:

[...] No Brasil, mesmo quando um criminoso virtual é identificado, só será alcançado


pela lei se estiver em território nacional, visto que a pedofilia virtual transcende
fronteiras e as leis variam muito de país para país. Enfrentar o problema requer,
no lugar de armamento sofisticado, conhecimento técnico, contribuição por parte
dos provedores para bloquear sites criminosos e, acima de tudo, a colaboração de
todos (ANDRADE, 2018).

Conforme o exposto, e tendo em mente que a proibição do uso de eletrônicos na atualidade


é, não somente impossível, mas ilógica, além da melhora da lei quanto aos pontos ressaltados,
verifica-se relevante o controle do núcleo familiar sobre os pequenos e jovens no tempo online. A
orientação dos pais é, pois, imprescindível para que os filhos pratiquem uma navegação segura.

26
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os avanços decorrentes da tecnologia e, consequentemente, da internet trouxeram à


sociedade diversos benefícios. No entanto, conforme o que foi exposto, observa-se que a internet
também está sendo utilizada como uma arma nas mãos de criminosos, originando novas espécies
de delitos. Ao lado da rápida comunicação e difusão de informação pelo mundo, ocorreu também
a abertura de um novo viés na prática de atos ilícitos com crimes já tipificados na legislação e,
além deles, crimes próprios do ciberespaço, como a ciberpedofilia.
Em concordância com o que foi evidenciado, têm-se que a pedofilia não é crime, mas sim, de
acordo com a Organização Mundial de Saúde, um transtorno mental. No entanto, não é por sua
classificação como um transtorno que os atos efetivados, pelos indivíduos que o possuem, devem
ser ignorados. Devido a isso, há na legislação brasileira a tipificação de crimes relacionados ao
tema. Todavia, referindo-se à penalidade dos indivíduos, quanto as práticas de atos pedófilos no
mundo digital, ainda há muito para percorrer.
Além do abuso sexual ser um ato vil e moralmente recriminado, o princípio basilar da
dignidade da pessoa humana, este previsto na Constituição brasileira, é claramente desrespeitado.
As crianças que sofrem dessa violação levam marcas para toda a vida. A situação se torna ainda
mais inquietante quando nos deparamos com a concretização, facilitada através da internet,
desses abusos.
Os ciberpedófilos utilizam das possibilidades que o âmbito virtual disponibiliza para
estabelecer um anonimato sob sua verdadeira identidade, tornando assim ainda mais complicada
a punição sobre esses crimes. A falta de registros e cadastros é um dos motivos pelo não
adiantamento da investigação criminal e, consequentemente, geram a sensação de impunidade
e vulnerabilidade para todos os envolvidos.
As problemáticas e as situações apresentadas no decorrer deste artigo demonstram que
o mundo virtual não é isento de perigos. Apesar da internet passar uma sensação de pseudo
segurança, tendo em vista que, em sua maioria, o acesso das crianças ocorre em seu próprio
domicílio, há diversos predadores escondidos sob os mais inimagináveis perfis, esperando o
momento para entrar em contato com sua futura vítima.
Têm-se por certo que urge uma política pública mais proativa de investigação e mais eficaz
na localização e punição dos indivíduos que sustentam, direta ou indiretamente, esses crimes.
Obviamente, a prevenção é a melhor forma de impedir que crianças e jovens se encontrem
nessa circunstância. Assim, destacamos a importância também da orientação familiar na hora
do acesso online de crianças e adolescentes para garantir a sua segurança no mundo virtual.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Lucas de Morais. Ciberpedofilia: os crimes de pedofilia praticados através


da internet. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51597/
ciberpedofilia-os-crimes-de-pedofilia-praticados-atraves-da-internet. Acesso em: 12 out. 2020.

ARENDT, Hannah. A condição humana. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.

BERGMAN, Michael K. The deep web: surfacing hidden value. 2000. Disponível
em: http://citeseerx.ist.psu.edu/ viewdoc/ viewdoc/download;jsessionid=
C1C793FD8EEBB3A01DEB84F3F3ACE1DB?doi=10.1.1.12.363&rep=rep1&type=pdf. Acesso
em: 16 out. 2020.

27
BRASIL. Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação.
Crianças e adolescentes conectados ajudam os pais a usar a internet, revela TIC Kids
Online Brasil. São Paulo: Cetic.br, 2020. Disponível em: https://cetic.br/pt/noticia/criancas-e-
adolescentes-conectados-ajudam-os-pais-a-usar-a-internet-revela-tic-kids-online-brasil/ Acesso
em: 10 out. 2020.

______. ______. TIC Kids Online Brasil-2018 crianças e adolescentes. São Paulo: Cetic.br,
2018. Disponível em: https://cetic.br/pt/tics/kidsonline/2018/criancas/A3/. Acesso em: 15 out.
2020.

______. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).


Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em: 16 out. 2020.

______. Lei n° 11.829/08 de 25 de novembro de 2008. Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de


1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para aprimorar o combate à produção, venda e
distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material
e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet. Brasília, DF: Presidência da República,
2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11829.htm.
Acesso em: 16 out. 2020.

FONSECA, Antonio Cezar Lima da. Crimes contra a criança e o adolescente. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001.

FURLANETO NETO, Mário; SANTOS, Jose Eduardo Lourenço dos; GIMENES, Eron Veríssimo.
Crimes na internet e inquérito policial eletrônico. São Paulo: Edipro, 2012.

HISGAIL, Fani. Pedofilia: um estudo psicanalítico. São Paulo: Iluminuras, 2007.

LIBORIO, Renata Maria Coimbra; SOUSA, Sônia M. Gomes. A exploração sexual de crianças
e adolescentes no Brasil. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

LINS, Bernardo Felipe. A evolução da internet: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro:
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MORAES, Bismael B. Pedofilia não é crime. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 12, n. 143, p. 3,
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ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CID-10: classificação estatística internacional de


doenças e problemas relacionados com a saúde. Disponível em: http://www.datasus.gov.br/
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PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial: arts, 121 a 249. 9. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

TRINDADE, Jorge; BREIER, Ricardo. Pedofilia: aspectos psicológicos e penais. 2. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010

28
CAPÍTULO 3

A DIVULGAÇÃO DE FOTOS ÍNTIMAS E REVENGE PORN


COM O ADVENTO DA LEI N°13.718: A ANÁLISE JURÍDICO-
PENAL DO CASO NEYMAR

Gabrielly Maria da Silva Pereira


Nathaly Heiner Maia Carvalho
Ana Alice Ramos Tejo Salgado
A DIVULGAÇÃO DE FOTOS ÍNTIMAS E REVENGE PORN COM O ADVENTO DA LEI
N°13.718: A ANÁLISE JURÍDICO-PENAL DO CASO NEYMAR

Gabrielly Maria da Silva Pereira 9


Nathaly Heiner Maia Carvalho10
Ana Alice Ramos Tejo Salgado11

RESUMO

O presente trabalho objetiva estudar os crimes contra a dignidade sexual, dando enfoque ao delito
de divulgação de cena de nudez através dos meios de comunicação em massa, demonstrando
como a internet pode transformar-se, rapidamente, de uma excelente forma de comunicação
e interação para uma “vilã”, haja vista constituir meio propício à prática de crimes. Ao longo da
pesquisa, pontuou-se a omissão do legislador para com a tipificação de determinados ilícitos
penais relacionados a dignidade sexual, corroborando em uma sensação de impunidade, uma vez
que alguns atos não tinham tipificação penal ou possuíam penalidade muito branda. Evidenciou-
se a extrema importância das inovações legislativas advindas com a Lei nº 13.718/2018, vez
que sanou lacunas outrora existentes, possibilitando uma correta adequação do fato à norma.
A pesquisa debruçou-se sob os mais significativos eixos promovidos pela Lei nº 13.718/2018,
no intuito de tutelar a dignidade sexual. Sendo assim, foi evidenciada a inserção do art. 218-C
no Código Penal – cuja disposição pune a divulgação de cenas de sexo, nudez, pornografia e
estupro – perpassando também pelo enquadramento legal do revenge porn. No ensejo de fixar o
conteúdo explanado, foi trabalhado na pesquisa um caso concreto que obteve bastante ascensão
midiática no ano de 2019, mostrando as diferentes possibilidades de defesa e de acusação no
caso Neymar, no qual o jogador foi indiciado a partir da publicação de um IGTV de uma conversa
íntima na sua rede social denominada “Instagram”, com milhões de seguidores.

Palavras-chave: Crimes Sexuais. Divulgação de Fotos Íntimas. Cibercrimes.

ABSTRACT

This work aims to study crimes against sexual dignity, focusing on the crime of disclosing the nude
scene through the mass media, demonstrating how the internet can quickly transform itself into an
excellent form of communication and interaction for a “villain”, since it is a conducive means to the
practice of crimes. Throughout the research, the legislator’s omission regarding the classification
of certain criminal offenses related to sexual dignity was pointed out, corroborating a sense of
impunity, since some acts had no criminal classification or had a very mild penalty. The extreme
importance of legislative innovations arising from Law n. 13.718/2018 was evidenced, since it
solved gaps that existed previously, allowing a correct adaptation of the fact to the norm. The
research focused on the most significant axes promoted by Law n. 13.718/2018 in the opportunity
to protect sexual dignity, thus, it was evidenced the insertion of art. 218-C in the penal code -
whose provision punishes the disclosure of sex scenes, nudity, pornography and rape - also going
through the legal framework of revenge porn. In the opportunity to fix the explained content, a
concrete case was worked on in the research that achieved a lot of media rise in 2019, typifying

9 Graduanda do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB. E-mail: gabriellymaria2802@com.


gmail.
10 Graduanda do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB E-mail: nathalyheiner@gmail.com.
11 Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ. Professora da Universidade Estadual da
Paraíba e do Centro Universitário UNIFACISA. E-mail: anatejo@uol.com.br.

30
and showing the different possibilities of defense and prosecution in the Neymar case, in which
the player was indicted from the publication of an IGTV of an intimate conversation on its social
network called “Instagram”, with millions of followers.

Keywords: Sexual Crimes. Disclosure of Intimate Photos. Cybercrimes.

1 INTRODUÇÃO

Precipuamente, é inescusável que a ascensão do ciberespaço virtual findou em uma


conjuntura nova na comunidade, incorporando feitos antes improváveis, como o encurtamento
de distâncias físicas e um leque de facilitações na forma de se comunicar entre os indivíduos.
Todavia, as inovações atreladas, assim como acarretaram inúmeros benefícios, geraram um ar
de insegurança, inspirando o pensamento social sobre a ausência de tutela estatal em crimes
que viessem a ser cometidos nos meios digitais, forçando assim, um olhar notável de todo bojo
legislativo na inclusão de tipificações voltadas à era tecnológica.
O presente artigo evidencia a tutela dos crimes sexuais no ordenamento jurídico-penal
brasileiro, com enfoque ao crime de “Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro
de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia”. De forma sucinta, vem a permear e abrir
debate entre os eixos dos crimes sexuais e a globalização, que através das mídias sociais faz
emergir novas modalidades de delitos, cada vez mais constantes e difundidos, como por exemplo
as denominadas “nudes” espalhadas sem autorização das vítimas na Internet. Em arremate, o
estudo enfatiza e objetiva pormenorizar a criação da Lei nº 13.718/18, que vem sanar as lacunas
da anterior falta de tipificação legal nesta seara.
Perante as inovações trazidas pelo legislador, enquadram-se concretamente ao suposto
delito cometido pelo jogador Neymar, que ganhou ascensão extraordinária no cenário midiático
no ano de 2019, avocando a discussão relevante do art. 218-C.
Isto posto, é inegável que a pesquisa adentra em âmbito de importância jurídica e social,
uma vez que evidencia os reflexos de uma situação que progressivamente é inserida no cotidiano
globalizado, bem como, versa suas implicações jurídicas no intento de despontar as alterações
nas tipificações penais que se fizeram impreteríveis para uma maior abrangência da tutela punitiva
estatal frente aos anseios sociais hodiernos.
Para a realização do presente trabalho utilizou-se o método dedutivo e uma pesquisa
qualitativa, de forma secundária e terciária, por meio de estudo bibliográfico em livros, doutrinas
e legislações sobre o tema em tela.

2 A UTILIZAÇÃO DAS MÍDIAS SOCIAIS E OS ATOS ILÍCITOS NA INTERNET

O exórdio da necessidade de uma tutela sobre o comportamento dos indivíduos na esfera


digital nos remete ao início desse fenômeno denominado globalização, cuja força vinculante vem
mudando as relações comerciais e de comunicações no último século, revelando facetas do
intercâmbio entre os mais variados países e resultando na difusão vertiginosa do conhecimento.
Carreada por revoluções tecnológicas, a taxativa sociedade da informação faz o uso de
instrumentos como a Internet, que culmina em uma guinada na vida das pessoas em diversos
ramos, seja no entretenimento, comunicação, consumo, trabalho e estudo. O acesso ao novo e
as informações em tempo real, vem a moldar a história da tecnologia.
A internet, a seu modo, impulsiona nas últimas décadas uma abrupta melhoria das
comunicações em geral. O ponto chave desse avanço pode ser considerado como as redes
sociais, esferas digitais que reúnem milhões de usuários. De forma sucinta, são:

31
[...] ferramentas on-line que os usuários utilizam para compartilhar opiniões, ideias,
experiências, gostos, hábitos, amigos. Elas funcionam como ambientes para
relacionamentos em que os participantes criam seus perfis e interagem com pessoas
ou grupos de interesses comuns formando ou não comunidades (PINHEIRO, 2008,
p. 47).

Dessa forma, ainda que mantenha sua finalidade inicial, as mídias sociais agregam cada
vez pretensões maiores, seu atual poderio perpassa questões como a diminuição do papel do
Estado, o enfraquecimento da sociedade civil e dos laços comunitários, com a consequente
necessidade de regulamentação do setor através dos órgãos governamentais e/ou da sociedade
civil (MORAES, 2003).
Neste viés, o Direito, como ramo sócio-político e fenomenológico, emerge como aliado a
esse processo de transformação social, à medida que busca entendê-lo, bem como ser uma
ferramenta com fim de controlar e regrar os latentes excessos.
Ainda que discrepante do seu propósito, os meios digitais carregam de forma intrínseca
incidentes que inferem a privacidade e a imagem de seus navegantes, sendo assim, o legislador
brasileiro, como já supracitado, coligado ao Direito, vem na tentativa de regulamentar as interações
do espaço cibernético. Nesse ínterim, um grande desenvolvimento se deu pelo intermédio da
criação do Marco Civil da Internet através da criação da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014.
O Marco Civil da Internet, que ganhou a denominação posterior de “Constituição da
Internet”, objetiva desmistificar a estrutura internacional da rede como “terra sem lei”, em que
equivocadamente considera-se tudo permitido, haja impossibilidade de descoberta e punição
dos autores de atos ilícitos. Em uma gama de trinta e dois artigos no bojo de seu dispositivo, a
referida lei estabelece garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.
Com 10 princípios basilares - Liberdade, privacidade e direitos humanos; Governança
democrática e colaborativa; Universalidade; Diversidade; Inovação; Neutralidade da rede;
Inimputabilidade da rede; Funcionalidade, segurança e estabilidade; Padronização e
interoperabilidade e Ambiente legal e regulatório – desenvolvidos pelo Comitê Gestor da Internet
brasileiro, o Marco Civil distribui conquistas aos cidadãos – online e off-line.
Em sendo assim, coube ao ordenamento jurídico brasileiro toda uma adaptação para
essa nova era, a fim de amparar os anseios e lacunas existentes, adotando medidas como o
aludido Marco Civil da Internet e a Lei nº 13.718/2018, que se debruçam sobre os crimes contra
a dignidade sexual, alastrando suas tipificações sobre atos ilícitos praticados na Internet.

3 DISPOSITIVOS LEGAIS CORRELATOS AO ART. 218-C DO CÓDIGO PENAL

Em primeiro lugar, é imperioso, no tocante à temática, mencionar a Lei nº 11.829, que


inseriu em 2008, no Estatuto da Criança e do Adolescente, os artigos 241-A, 241-B, 241-C e
241-D, os quais possibilitaram a penalização para quem oferece, disponibiliza, troca, distribui,
publica, ou armazena fotos e vídeos que contenham pornografia ou cena de sexo explícito
envolvendo crianças ou adolescentes. Com efeito, esses novos ilícitos penais corroboram de
forma significativa para o combate a pedofilia no país.
De fato, percebe-se que a ilicitude posta nos artigos supramencionados do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), é bastante semelhante à do ilícito penal tipificado no art. 218-C
do Código Penal. Entretanto, aquele refere-se à tutela do bem jurídico da dignidade sexual do
menor, bem como o seu direito de um desenvolvimento sexual adequado à idade, enquanto neste
último, o bem jurídico tutelado é a dignidade sexual do indivíduo adulto, bem como a liberdade
sexual deste. Outrossim, percebe-se que a alteração trazida pela Lei nº 11.829 ocorreu em 2008.
Já a alteração no Código Penal — art. 218-C — por sua vez, levou dez anos a mais que a do ECA

32
para ocorrer, visto que a Lei nº 13.718 é de 2018, o que denota que até 2017 muitos casos de
compartilhamento de fotos e vídeos de maiores ou vulneráveis (por enfermidade ou deficiência
mental), por exemplo, ocorreram sem a devida tipificação penal.
Também dispondo sobre delitos informáticos, a Lei nº 12.737, conhecida como Lei Carolina
Dieckmann, tipifica e pune atos como invadir computadores, divulgar informações privadas (como
fotos e mensagens) e furtar senhas. A invasão de computador alheio, por causa da lei, passou
a se enquadrar no art. 154-A, acrescido ao Código Penal no ano de 2012. No entanto, não se
configurava o crime em comento, caso as imagens ou vídeos chegassem ao agente por meio da
própria vítima — mesmo que esta não tivesse autorizado a sua divulgação.
Com a inovação legislativa de 2018, é interessante observar que o crime tipificado no art.
154-A pode resultar em concurso material com o art. 218-C, caso posteriormente à invasão do
computador alheio, ocorra divulgação de imagens íntimas ou cenas de sexo, sendo a vítima maior
ou vulnerável (por enfermidade ou deficiência mental). Entretanto, caso o agente passivo seja
menor, o concurso do crime ocorrerá com o art. 241-A do ECA. Interessante pontuar ainda que,
diferentemente do Art. 218-C, o ECA penaliza o ‘simples’ ato de armazenar conteúdo sexual (art.
241-B) que envolva menores, vislumbrando assim uma preocupação com os crescentes casos
de pedofilia no Brasil, como também com os estupros de menores, visto que o armazenamento
desse conteúdo é acompanhado, por vezes, pela busca da realização do ato sexual com os
infantes, configurando o estupro.
Percebe-se que toda a abordagem do presente trabalho ocorre na perspectiva da divulgação
de fotos íntimas sem o consentimento da pessoa. Todavia, é significativo salientar que se uma
pessoa — maior, com pleno gozo de suas faculdades mentais — deixar-se ser filmada/fotografada
em ato sexual, ou situação semelhante e autorizar posteriormente a sua divulgação, não constitui
o crime do art. 218-C. Esse fato é justamente o que mantém as indústrias de filmes ou revistas
pornográficas. Mesmo que seja algo amador, se afasta a ilicitude ao haver o consentimento da
pessoa em questão.

4 AUSÊNCIA DE TIPIFICAÇÃO DE CONDUTAS COM A ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº


13.718/18

No Brasil, o principal sistema de normas que designa e regulamenta as infrações e sanções


penais é o Código Penal. Por um vasto período se tratou dos crimes sexuais como crimes contra
os costumes, de forma a prevenir rispidamente os crimes contra à mulher, que fincados em
um seio patriarcal, se baseavam no controle da sexualidade da mulher. Contudo, a partir dos
novos cenários alcançados pela sociedade, finalmente uma alteração legislativa ganha corpo
no dispositivo, passando a enquadrar a sexualidade como elemento da dignidade humana,
classificando os crimes sexuais, independente do gênero, ainda que de forma escassa.
Antes da inserção da Lei nº 13.718/18 no Código Penal Brasileiro, como supracitado, já
existia a tipificação de alguns crimes sexuais, entretanto, percebeu-se a real existência de graves
lacunas que corroboravam na dificuldade de enquadramento e tipificação penal de determinadas
condutas, o que ensejava o julgamento do caso de forma errônea.
Essa problemática foi vislumbrada no Brasil até o momento de inserção da Lei em comento
— nº 13.718/18 — haja vista que alguns delitos não possuíam características suficientes para
serem tipificados como estupro (art. 213, CP), pois eram menos gravosos, entretanto, eram mais
danosos que as infrações penais enquadradas da contravenção penal de importunação ofensiva
ao pudor, no extinto art. 61 da Lei de Contravenções Penais.
Importa comentar que tais condutas não se enquadravam em estupro por faltar o requisito
“violência ou grave ameaça”, porém se fossem enquadrados como contravenção (art. 61),
acabavam tendo uma penalização mais branda do que era preciso, visto que a pena era somente

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multa.
Nesse diapasão, percebia-se o desenvolvimento da sensação de impunidade ora
presente na sociedade diante da omissão do legislador, além de demonstrar também a falta
de proporcionalidade e razoabilidade dos dispositivos legais daquele momento. Essa situação
precisou de um certo tempo e de um “boom” de acontecimentos com grande repercussão nacional
para que fossem buscadas reais mudanças no Código Penal, quais sejam, as novidades trazidas
em 2018 pela Lei nº 13.718.
A indignação coletiva cresceu diante do aumento exponencial de eventos que se enquadravam
nessa citada lacuna, sobretudo após o caso do homem que ejaculou em uma passageira dentro
de um ônibus no ano de 2017, visto que a ação não configurava crime de estupro, pela ausência
da violência ou grave ameaça, tendo sido enquadrada como uma contravenção penal (Art. 61),
quando cabe apenas pena de multa. Não divergente a essa análise, assevera Oliveira (2017):

Perante a essa sensível lacuna entre as duas infrações, e o fato de que uma gama
de condutas não se encaixará perfeitamente em nenhum dos dois ilícitos penais,
surge a necessidade de se buscar soluções que supram essa lacuna e evitem o
cometimento de injustiças. Uma possível solução já discutida seria a criação de
uma infração intermediária que tipifique o crime de violência sexual em meio de
transporte público impondo sanções mais rigorosas e privativas do que as presentes
no artigo 61. (OLIVEIRA, 2017, p. 08).

Em face dessa situação crítica abordada, foi pensada cuidadosamente uma tipificação penal
para resolução de casos semelhantes, o que proporcionou o surgimento da Lei nº 13.718/18,
trazendo alterações necessárias para crimes contra a dignidade sexual e promovendo a entrada
de novos tipos penais ao Código Penal Brasileiro.
Além de tornar todos os crimes de dignidade sexual como de ação pública incondicionada,
a lei trouxe o novo delito de importunação sexual, no art. 215-A, o qual criminaliza o ato de
praticar contra alguém ato libidinoso, na presença de alguém, para satisfazer lascívia própria ou
de terceiros, sem a sua anuência. Importa observar que, segundo Bitencourt (2018), a prática de
atos de libidinagem, na presença da(o) ofendida(o), sem o assentimento, traz em seu bojo uma
violência intrínseca, suficiente para atingir a liberdade, a honra e a dignidade sexual da vítima.
Outrossim, fruto da nova lei, surge o tipo penal do art. 218-C, base do presente estudo,
significando a criminalização da divulgação de fotos ou vídeos íntimos ou com cena de sexo,
aliado ao surgimento de sua majorante, bem como do Revenge Porn:

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda,


distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação
de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro
registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou
que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena
de sexo, nudez ou pornografia:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais
grave.

O novo dispositivo carrega nove ações nucleares no seu tipo penal, compreendidas nos
verbos: oferecer (propor para aceitação), trocar (permutar, substituir), disponibilizar (permitir o
acesso), transmitir (remeter de um lugar a outro), vender (ceder em troca de determinado valor)
ou expor à venda (oferecer para a alienação), distribuir (proporcionar a entrega indeterminada),
publicar (tornar manifesto) ou divulgar (difundir, propagar). O delito caracteriza-se como do tipo
misto alternativo, significando que a prática de mais de um tipo abrangido pelo caput compõe

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apenas um crime. Também se classifica como comum, haja vista que pode ser cometido por
qualquer pessoa, o que se prolonga ao sujeito passivo.
O legislador deixa explícito que as condutas típicas podem ser praticadas de diversas
formas, o que é perceptível no emprego da expressão qualquer meio. A partir desse entendimento,
incluem-se os meios de comunicação de massa, como a Internet e as mídias sociais – Instagram,
E-mail, Skype, WhatsApp, Messenger – que serviram no caso exemplificativo do presente artigo,
como será explanado adiante.
O objeto material da infração penal são fotografias, vídeos ou registros audiovisuais,
caracterizados por três situações concretas: que apresentem cena de estupro ou de estupro de
vulnerável, que causem apologia ou induzam a prática do estupro, bem como que consistam em
registro de cenas de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima. No tocante à
apologia:

Note-se que neste tipo penal não tem lugar, ao contrário do que ocorre no art.
287 do CP, a discussão sobre a necessidade de que a apologia se refira a crime
já ocorrido. O art. 287 pune a apologia de fato criminoso, o que, para parcela da
doutrina, restringe a abrangência do tipo a crimes já ocorridos, pois, do contrário,
há apenas incitação. O dispositivo em estudo, no entanto, não contém a expressão
fato criminoso, referindo-se apenas à apologia do estupro (CUNHA, 2018, p. 09).

Existe a necessidade do dolo, entretanto não faz mister uma finalidade lucrativa na
mencionada conduta ou outro elemento subjetivo. A consumação do delito se dá no momento da
prática, ainda que algumas ações nucleares permitam a classificação como crime permanente,
como ocorre na exposição à venda. Em suma, a doutrina permite a tentativa do crime, exceto
quando atrelado a conduta de oferecer. Como já exposto, o crime passou a ser de ação penal
pública incondicionada.

5 A MAJORANTE PRESENTE NO ART. 218 DO CÓDIGO PENAL – REVENGE PORN

Ante a inovação legislativa, ponto importante a ser abordado é a majoração do crime


supramencionado, tipificado no artigo 218-C do Código Penal. Essa novidade encontra-se no §
1º, vejamos:

§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado
por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou
com o fim de vingança ou humilhação.

Primeiramente, cabe entender que a majorante será aplicada na ocorrência desses dois
casos: quando o agente tinha/teve relação intima de afeto com a vítima ou quando possuiu
intenção de humilhar/vingar-se da vítima. Assim, a conjunção alternativa “OU” que interliga essas
duas situações pressupõe uma autonomia, porquanto o aumento de pena ocorrerá diante de
qualquer das situações citadas, não necessitando existirem as duas para o crime poder ser
majorado.
Relevante relatar também que a majorante em questão não se aplica à relação entre
ascendente e descendente. Segundo Freitas (2018), nessa hipótese, pode ser usado o art. 226,
II, do CP, que aumenta a pena de metade. O impasse causa uma situação inusitada porque se a
mídia audiovisual é exposta pelo ex-marido a pena pode ficar mais suave do que na exposição
feita pelo pai ou pelo irmão, pois a majoração prevista no § 1º. do art. 218-C inicia-se em 1/3,
fração inferior ao aumento de pena do art. 226, II.
De fato, para a real compreensão da aludida majoração é considerável fazer uma explanação

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das duas situações citadas. No que tange a primeira parte do § 1º, Cunha (2018, p. 1056),
destaca que o que pressupõe a punição mais severa neste caso é a quebra da confiança que
normalmente existe ou deveria existir entre pessoas que mantinham um relacionamento amoroso,
seja um namoro ou um casamento, não abarcando, nesse caso, as relações casuais que não
promovam uma real vinculação entre vítima e agente.
Não obstante, da análise da segunda parte do mencionado § 1º, não se pressupõe a
existência necessária de uma intimidade de afeto entre as partes, sendo assim, o aumento da
pena abarca situações de encontros casuais, desde que a intenção do agente seja de vingança
ou de gerar situação humilhante para a vítima. A observância dessa situação constitui o Revenge
Porn, termo estrangeiro que traduzido para o português denomina-se Pornografia de Vingança.
O que caracteriza a ocorrência do Revenge Porn é que as imagens íntimas ou vídeos
pornográficos são adquiridos de forma consensual, entretanto são divulgados e compartilhados
sem o consentimento da vítima, corroborando na ofensa à dignidade, integridade, honra e decoro
da vítima. Interessante observar que a divulgação das imagens ou vídeos no Revenge Porn não
ocorre segundo ameaça patrimonial ou sexual da vítima. O agente torna o conteúdo público com
o único intuito de promover o mal da pessoa. Caso ocorra ameaça, configura-se a extorsão.
Além disso, é fundamental analisar a prática do Revenge Porn como sendo uma nova forma
de violência de gênero na atualidade, visto que de acordo com uma pesquisa feita em 2013, pelo
Cyber Civil Rights Initiative (CCRI), a porcentagem de mulheres vítimas desse crime dispara em
relação à porcentagem referente ao enquadramento do homem como vítima dessa prática. A
pesquisa concluiu que, em um total de 361 pessoas entrevistadas e vítimas de Revenge Porn,
90% são mulheres; 93% das vítimas afirmam ter sofrido emocionalmente devido a exposição; e
82% das vítimas afirmam que sofreram prejuízos significativos em termos sociais, ocupacionais
ou outras áreas importantes de funcionamento.
Depreende-se do exposto que além de sua exposição indevida, a vítima acaba sofrendo
inúmeros danos psicológicos e materiais, tendo em vista que a sociedade – com raízes ainda
presentes do patriarcado e da objetificação sexual do corpo feminino – corrobora em uma
rotulação e culpabilização da vítima do Revenge Porn, nas diversas esferas sociais, deixando,
por vezes, em segundo plano o julgamento negativo do agente. Percebe-se que a liberdade
sexual da mulher é corrompida, tendo seu direito à privacidade tolhido, recaindo sobre ela a
necessidade de se “valorizar”. Nesse âmbito, faz-se mister observar o depoimento da jornalista e
fundadora da ONG Marias da Internet, Rose Lionel, no Fórum Fale sem Medo, no ano de 2014:

[...] Quando você sofre um crime de internet, sofre três dores: a da traição da pessoa
que você amava, a vergonha da exposição e a dor da punição social. As vítimas
deste tipo de crime são responsabilizadas pela maioria das pessoas, enquanto o
agressor ainda é poupado pela sociedade machista.

Ao fim dessa análise do § 1º do Art. 218 do Código Penal, é de singular importância mencionar
o § 2º do referido artigo, o qual trata de uma excludente de ilicitude, in verbis:

§ 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste


artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica
com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada
sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº
13.718, de 2018).

Da leitura e análise do supramencionado artigo, pode-se comentar que os menores devem


ter sua imagem preservada, independentemente de sua autorização ou não, tendo em vista o
disposto nos artigos 5, 17 e 18 do ECA, bem como em seu art. 143. Importa relatar que a não

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criminalização da conduta expressa no § 2º ocorre em razão de um equilíbrio entre resguardar
a intimidade das pessoas e liberdade jornalística, de informação, de pesquisa cientifica e de
cultura, entretanto, deve-se estar atento a preservação da identidade da vítima, a não ser que
esta autorize sua divulgação.

6 ANÁLISE JURÍDICA DO “CASO NEYMAR”

Após a análise do uso da internet e dos aspectos marcantes sobre a Lei nº 13.718, bem
como o enquadramento típico do Art. 218-C, o trabalho debruça-se agora em uma situação
concreta, que perpassa os principais pontos elucidados: a avaliação jurídico-penal no caso do
jogador e estrela do futebol internacional, Neymar da Silva Santos Junior, de 28 anos.
Nesse ínterim, o que se propõe com a análise do caso em tela é estudar os possíveis
enquadramentos das condutas supostamente praticadas por Neymar – não se limitando ao
mérito do inquérito policial (haja vista ter sido arquivado), ou da ocorrência registrada, mas sim
em uma possível adequação do fato ocorrido à norma existente no Código Penal brasileiro, com
enfoque na criminalização da divulgação de cenas de nudez, sexo e pornografia (art. 2018-C).
Para entendimento do caso e a adequação ao art. 218-C, faz-se mister a análise dos
depoimentos que permeiam a mídia atual. No dia primeiro de junho de 2019, uma mulher
brasileira, chamada Najila Trindade Mendes de Souza, registrou um boletim de ocorrência na 6ª
Delegacia da Mulher, no bairro de Santo Amaro em São Paulo, alegando ter sido vítima do crime
de estupro:

Art. 213: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009).

A referida vítima atribuiu a prática do delito ao jogador Neymar, no dia 15 de maio de 2019,
durante viagem realizada por ela à Paris. O então boletim de ocorrência, que deveria ter sido
mantido em sigilo, em consonância com a lei, foi divulgado pela mídia na data em que fora
protocolado.
Em reação às acusações recebidas, o pai e empresário do jogador alegou à imprensa
a inocência do seu filho atrelado ainda a uma suposta tentativa de extorsão realizada através
dos advogados da vítima, que em seu nome, requereram um quantitativo em espécie para não
comunicar o crime às autoridades.
Para mais, na noite do ainda dia primeiro, o próprio acusado resolveu se manifestar através
de sua conta no Instagram, onde é seguido por mais de 100 milhões de internautas, colocando
na ferramenta de comunicação do IGTV, um vídeo gravando a própria tela do celular na qual
expõe inúmeras conversas e registros com cena de nudez de Najila no aplicativo de mensagens
instantâneas denominado WhatsApp, promovendo sua defesa e alegando que a relação sexual
com a suposta vítima teria ocorrido de maneira consensual.
Fator marcante das interações mostradas por Neymar, é o encontro ajustado entre os
dois em Paris, local em que ele reside e trabalha. Ainda que a maior parte das conversas se
remetam a datas anteriores ao encontro e possível estupro, existem mensagens enviadas após
o denunciado delito, onde observa-se aparente normalidade na relação entre ambos, com a
solicitação de outro encontro.
Diante do exposto, o escritório de advocacia que representava Najila divulgou à imprensa a
rescisão do contrato de prestação de serviços, alegando divergência nas informações repassadas
pela ex-cliente. No mais, com novos advogados fazendo sua representação, foram expostos na

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mídia trechos de conversas divulgadas por Najila, em que se evidencia uma certa discussão
entre ela e Neymar, e a solicitação de um adiantamento da sua vinda para o Brasil, além de um
laudo médico pedido pela vítima, em consultório particular, que atesta a existência de manchas
presentes no corpo de Najila, cinco dias após o então ocorrido.
A partir do registro do boletim de ocorrência, a Polícia Civil de São Paulo investigou o
possível enquadramento no crime de estupro (art. 213 do CP) e a Polícia Civil do Rio de Janeiro
apurou o caso relativo à divulgação não autorizada das imagens íntimas da mulher (art. 218-C do
CP).
Sobre a acusação de estupro, Neymar não foi indiciado e o inquérito foi encerrado por falta
de provas consistentes. No que se refere às acusações pela divulgação de fotos da modelo, o
processo de crime cibernético também culminou com o arquivamento, no mês de outubro de
2020. Nesse diapasão, o Delegado da Polícia Civil de São Paulo responsável pela investigação
decidiu por indiciar Najila Trindade por fraude processual, denunciação caluniosa e extorsão.

6.1 Extraterritorialidade da lei penal

Após relato do caso Neymar, a primeira abordagem importante a ser feita está relacionada
ao fato de todo o acontecimento ter ocorrido fora do território brasileiro, o que enseja o surgimento
de dúvidas na sociedade no que tange a possibilidade de Neymar ser julgado e condenado no
Brasil por um crime ocorrido no exterior.
De fato, é significativo afirmar que, em regra a lei penal brasileira se aplica a crimes cometidos
no Brasil, todavia existem casos excepcionais em que a lei penal pode ser aplicada a um caso
ocorrido fora do território brasileiro. Nesse âmbito se encaixa o caso de Neymar, haja vista que
ele pode sim ser julgado no Brasil, com a lei penal brasileira.
Esta realidade está fundamentada no inciso II, art. 7°, § 2º do CP:

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

II - os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de
propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das
seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a
extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar
extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

Percebe-se que o caso em comento se adequa a esses requisitos expostos no Código


Penal, uma vez que Neymar é brasileiro, o fato ocorrido também é punível na França (país em
que o fato foi praticado), não tendo sido o agente perdoado ou absolvido no estrangeiro. Diante
disso, o processamento do suposto fato ilícito pode desenvolver-se no Brasil.

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6.2 Argumentos sob a ótica da acusação e da defesa do caso Neymar

Além da análise da extraterritorialidade, já exposta, torna-se imprescindível uma observância


do caso Neymar sob a ótica da lei penal brasileira, para demonstrar a tipificação dos possíveis
crimes que podem ter ocorrido. Para isto, é de grande significância a abordagem das teorias e
argumentos para acusar ou defender Neymar.
Inicialmente, sob a ótica da acusação, existe a tese que aponta o atleta como autor de
estupro. Sendo assim, caso houvesse sido comprovada a utilização do agente de violência ou
grave ameaça, para forçar a vítima a ter conjunção carnal ou a permitir que com ela se pratique
ato libidinoso, configuraria a tipificação penal do crime disposto no art. 213 do Código Penal.
Outrossim, Neymar poderia responder pela divulgação das fotos íntimas da moça em sua
rede social pela devida tipificação no artigo inserido no Código Penal no em 2018, o art. 218-C,
estudado ao longo desta pesquisa. Não obstante, esclareça-se que o simples dolo de compartilhar
as cenas já configuraria o crime, não necessitando analisar se Neymar teve ou não a intenção de
atingir a imagem da vítima. Nesse liame, caso a investigação policial tivesse compreendido que
Neymar postou as fotos em seu Instagram com o intuito de vingança ou humilhação para com
a vítima, com quem teve encontros casuais, sua penalidade seria majorada, haja vista que se
aplica o Revenge Porn a esses casos.
Ademais, ainda que tenha usado um desfoque no rosto e nome de Najila na postagem
realizada no Instagram, não configuraria a excludente de ilicitude presente no § 2º do artigo
citado, vez que o agente ativo não possui fins de publicação de natureza jornalística, científica,
cultural ou acadêmica.
Cabe lembrar que a Constituição Federal no art. 5º, inciso X, estabelece a tutela quanto à
privacidade, assegurando a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem
das pessoas. A regra, aos olhos da vítima, foi rompida de maneira deliberada, dada a exposição
nas mídias sociais de conversas de cunho pessoal, sem autorização da interessada.
Quanto ao enquadramento da legítima defesa na atitude de Neymar ao divulgar o vídeo
em seu Instagram, frente às alegações negativas e consideradas por ele como falsas, não havia
qualquer agressão injusta atual ou iminente a direito próprio ou alheio, que pudesse ser cessada
por meio da referida conduta. O que se pode mencionar, em uma comprovação de falsas
alegações, é uma agressão injusta pretérita à honra objetiva, além do mais, evidencia-se uma
reação desproporcional, haja vista a possibilidade de divulgação das imagens apenas em juízo.
Não obstante, é justo observar e entender também a fundamentação das teses que
defendem o atleta. A primeira tese que pode ser elencada é a que defende, com base na
excludente de ilicitude, o entendimento de que o jogador agiu no exercício regular de um direito,
sendo necessidade dele, defender-se de uma acusação grave, usando os meios proporcionais
para repelir a agressão que sofrera à sua imagem, não necessariamente uma agressão física.
Outra consistente aliada à defesa de Neymar, é a alegação de excludente de culpabilidade,
através de erro de proibição indireto inevitável. Essa versão atesta que o jogador ainda que saiba,
em princípio, que a divulgação de fotos íntimas era algo ilícito, acreditava que poderia fazê-lo no
seu caso, pois estaria apenas se defendendo, como uma “ressalva da lei”.
Pertinente ainda na defesa de Neymar, a legítima defesa vem a apontar que a divulgação
pública da prática de um crime, autoriza, na margem de uma ampla defesa justa, uma defesa
igualmente pública, a fim de repelir injusta agressão à imagem do atleta. No mais, ainda se
evidenciam o impacto negativo atrelado e o consequente prejuízo financeiro e profissional com
a imputação de fato grave como a persecução penal por crime desta espécie. Por fim, a defesa
apontou ainda a preocupação do jogador em preservar a imagem e o nome da vítima ao borrar
seu rosto e nome nos vídeos expostos.
No caso da comprovação de Najila estar mentindo em suas alegações, frisa-se possível

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enquadramento nos crimes de denunciação caluniosa (art. 339, CP), vez que imputa crime a
alguém mesmo sabendo de sua inocência; extorsão (art. 158, CP), ante as ameaças para o não
registro do BO mencionado alhures; e fraude processual (art. 347, CP), com o fim de induzir
a erro o juiz ou o perito – crimes esses que levaram ao indiciamento de Najila, como narrado
anteriormente.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É perceptível com o presente trabalho observar que o Código Penal Brasileiro está em uma
constante atualização, sempre buscando enquadrar-se aos variados fatos que ocorrem no país,
precipuamente no que se refere a crimes contra a dignidade sexual. Vislumbramos inicialmente
alguns avanços significativos, como por exemplo a Lei nº 12.737/12 que introduziu o art. 154-A no
Código Penal e a Lei nº 11.829/08 que inseriu o art. 241-A ao ECA. Observamos através dessa
tipificação de crimes contra a dignidade sexual e crimes digitais que os celulares, computadores
e a internet ao passo que aproximaram a sociedade, trouxeram também vários pontos negativos,
sendo um deles, a sua utilização para práticas de ilícitos penais, como a invasão de computador
alheio, a divulgação por meio da internet de vídeos e fotos pornográficas tanto de crianças quanto
de maiores.
Nesse contexto, o principal avanço encontrado nesse estudo está embasado nas alterações
surgidas no Código Penal com o advento da Lei nº 13.718/18, quais sejam a inserção do art. 218-
C, bem como da sua majorante —Revenge Porn — entre outros aspectos, que possibilitaram
sanar várias lacunas e mitigar a sensação de impunidade que pairava sob a sociedade, haja vista
que alguns ilícitos penais obtinham penalidade muito branda.
É notório também perceber que as divulgações de fotos pornográficas ou com cenas de
sexo que envolvem menores foram tipificadas no Código Penal em 2008, enquanto esse mesmo
ilícito penal quando a vítima é maior, demorou cerca de 10 anos para ser disciplinado, o que
nos fez refletir sobre o quão essa demora do legislador corroborou em prejuízos para o âmbito
jurídico e para sociedade diante das lacunas existentes.
Nesse diapasão, concluímos que o surgimento do art. 218-C no código penal, apesar de
recente, demonstra-se de grande valia, uma vez que existe uma grande demanda de crimes que
se enquadram nessa tipificação. A título de exemplo, utilizamos o caso Neymar, bastante discutido
no ano de 2019, e demonstramos seu possível enquadramento, conforme o ordenamento penal
pátrio.

REFERÊNCIAS

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em https://www.estrategiaconcursos.com.br/blog/caso-neymar-analise-juridico-penal/. Acesso
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vinganca-pornografica-e-mais/. Acesso em: 19 out. 2020.

ARNAUDO, Daniel. O Brasil e o marco civil da internet: o estado da governança digital


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divulgação de cena de estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos
crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas
de aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estupro
coletivo e o estupro corretivo; e revoga dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de
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43
CAPÍTULO 4

TRIBUNAL DO JÚRI: ANÁLISE DA ADEQUAÇÃO DO


PROCEDIMENTO À ERA DIGITAL E A APLICAÇÃO DA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

André de Moura Marques


Marlon Matias Ramos
André Gustavo Santos Lima Carvalho
TRIBUNAL DO JÚRI: ANÁLISE DA ADEQUAÇÃO DO PROCEDIMENTO À ERA
DIGITAL E A APLICAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

André de Moura Marques12


Marlon Matias Ramos13
André Gustavo Santos Lima Carvalho 14

RESUMO

O presente artigo toma como base a construção crítico-teórica do procedimento correspondente


aos processos de competência do tribunal do júri, comumente chamado de tribunal popular.
Tomar-se-á o discurso garantista que fundamentou a criação do Tribunal do Júri, buscando
sempre abordar, comparativamente, a sua instituição e atual formação. O processo penal moderno
é pautado no princípio da presunção de não culpabilidade, também chamado de “estado de
inocência”. O debate correrá em torno da aplicação do citado princípio no Tribunal do Júri. O
trabalho foi desenvolvido a partir da exploração das discussões doutrinárias sobre o tema. A
influência dos grandes meios de comunicação, como também fatores socioculturais e políticos,
levaram o tribunal do júri a perder a essência que ensejou sua criação. Com a expansão do
punitivismo, como também os discursos moralistas, levaram muitos a adotarem níveis absurdos
quanto ao senso de justiça, tornando inaplicáveis, na prática, inúmeros princípios constitucionais.
Será analisado se o status quo do Tribunal do Júri é capaz de garantir ao acusado o devido
processo legal. Para isso, serão analisados fatores externos e internos que influenciam as sessões
de julgamento. A problemática sobre a razoabilidade do Tribunal do Júri vem sendo enfrentada
há anos pela doutrina, uma vez que o instituto em comento, em termos de aplicabilidade dos
princípios garantistas, é dotado de características positivas e negativas.

Palavras-chave: Tribunal do Júri. Presunção de Inocência. Garantias Individuais.

ABSTRACT

This article is based on the critical-theoretical construction of the procedure corresponding to


the competence processes of the jury court, commonly called the popular court. The guarantor
discourse that founded the creation of the Jury Tribunal will be taken, always seeking to approach,
comparatively, the institution of that and its current formation. The modern criminal process is based
on the principle of the presumption of non-culpability, also called “state of innocence”. The debate
will run around the application of the principle in the jury’s Court. The work was developed from the
exploration of doctrinal discussions on the topic. The influence of the mainstream media, as well
as socio-cultural and political factors, led the jury to lose the essence that gave rise to its creation.
With the expansion of punitivism, as well as moralistic speeches, they led many to adopt absurd
levels as to the sense of justice, rendering in practice, innumerable constitutional principles. It will
be analyzed whether the status quo of the Jury Tribunal is capable of guaranteeing the accused
due process. For this, external and internal factors that influence the judgment sessions will be
analyzed. The question of the reasonability of the Jury Tribunal has been faced by the doctrine
for

12 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Maurício de Nassau (Uninassau-CG). E-mail: andremmarques@
outlook.com.br.
13Bacharel em Direito pela Faculdade Reinaldo Ramos-FARR/CESREI. E-mail: marlonmatias77@gmail.com
14 Advogado. Professor da Faculdade Reinaldo Ramos-FARR/CESREI e do Centro Universitário Maurício de Nassau
(Uninassau-CG). Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Campina Grande-UFCG. E-mail: andre_
gs7@hotmail.com.

45
years, since the institute in question, in terms of the applicability of the guarantor principles, has
positive and negative characteristics.

Keywords: Jury Court. Presumption of Innocence. Individual Guarantees.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca demonstrar que as dissensões a respeito do Tribunal do Júri


devem ser priorizadas, pois, as dúvidas que pairam sobre o instituto são de grande valia para o
devido processo legal. A doutrina em geral costuma valorizar o caráter democrático da instituição
e ignorar a insegurança jurídica que ela impõe à persecução penal.
Ancorado em doutrinadores pátrios, o trabalho será desenvolvido no intuito de fortalecer o
argumento contra a manutenção do status quo do procedimento do Júri.
Sabe-se que o citado rito se encontra no rol de direitos e garantias individuas, sendo
assim, cláusula pétrea, insuscetíveis de alteração por emenda à Constituição. No entanto, pelas
vias ordinárias, existem maneiras de mitigar a influência negativa que o Tribunal do Júri deixa
transparecer sobre a presunção de inocência e outros princípios basilares do processo penal.
Entendemos que uma alteração legislativa que passasse a exigir a unanimidade para a
condenação seria deveras razoável. Por óbvio, surgiriam críticas ligadas à proteção dos jurados.
Apontamento esse de extrema relevância, eis que, demonstra quantas concessões o legislador
tem de fazer para manter o Tribunal do Júri apto a servir como garantia individual. Sendo assim,
entendemos que o procedimento em comento não serve à era digital, onde reinam os meios de
comunicação de massas e o punitivismo como forma de combate à criminalidade.
Será exposto um cenário que nos permitirá entender o perigo da manutenção de um
procedimento que em outro contexto histórico teria servido diretamente às garantias processuais
e, hodiernamente, foi superado pelo desenvolvimento de tecnologias direcionadas à prestação
de informações ao público em geral, permitindo que todos os participantes do rito adentrem aos
autos com convicção suficiente para tornar o Tribunal do Júri um mero teatro e vetor de decisões
motivadas em todos os fundamentos que não os da boa interpretação do Direito e dos fatos.
Trata-se de pesquisa explicativa, utilizando-se de conceitos jurídicos básicos com a
finalidade de expor temas caros à disciplina do Tribunal do Júri. A metodologia de pesquisa
aplicada se baseia na exploração de referências bibliográficas, uma vez que é feita uma análise
de trabalhos já publicados para definir rotas argumentativas acerca da falta de adequação do rito
do Júri à era digital.
A doutrina nacional, dividida em alguns temas do direito processual penal, foi analisada
e citada de acordo com linhas de argumentação de autores que se opõe ou apoiam o Tribunal
do Júri, sempre visando descontruir ideias equivocadas sobre a capacidade do rito em oferecer
garantias básicas ao acusado.

2 LINHAS INTRODUTÓRIAS SOBRE O TRIBUNAL DO JÚRI

A doutrina jurídica, até o momento, não estabeleceu consenso quanto a origem do


Tribunal do Júri. Sobre o pontapé inicial do Tribunal do Júri, asseveram Nestor Távora e Rosmar
Rodrigues Alencar que, para a maior parte dos autores, a raiz do tribunal do júri é a Magna Carta
da Inglaterra, de 1215, bem como seu antecedente mais recente, a Revolução Francesa de 1789.
Na legislação pátria, o rito do tribunal do júri foi instituído, a priori, para os delitos de imprensa.
Hodiernamente, o órgão é competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e os
respectivos delitos conexos (TÁVORA; ALENCAR, 2020).
As particularidades do procedimento supramencionado variam de acordo com cada

46
ordenamento jurídico. No Brasil, princípios como a soberania dos veredictos, incomunicabilidade
dos jurados, voto secreto, entre outros, atestam ao tribunal do júri especificidades quando em
comparação com outros ordenamentos jurídicos, sendo clássica a distinção entre o rito brasileiro
e o americano.
De acordo com o Código de Processo Penal (CPP), o conselho de sentença é formado por sete
jurados leigos (art. 447 do CPP), que decidirão o caso sub judice sem qualquer obrigatoriedade de
motivação, podendo, inclusive, decidir contra legem, o que possibilita a ocorrência de julgamentos
inesperados e irrazoáveis. O CPP brasileiro reservou parte significativa de seus dispositivos à
regulamentação do Tribunal do Júri, prevendo-o nos artigos 406 a 497.
Se trata de procedimento bifásico, tendo em sua estrutura a fase preliminar e a de julgamento
em plenário. A primeira fase será iniciada com a decisão do Juiz togado em aceitar a denúncia
feita pelo membro do Ministério Público. A segunda fase será em plenário e terá início com a
sentença que pronuncie o réu.
As reuniões do Tribunal do Júri contarão com o sorteio de vinte e cinco jurados que compõem
a lista geral do pretório (art. 447). É necessário o cuidado no sorteio, uma vez que o jurado
sorteado não pode ter sido relacionado no período de doze meses, em outras reuniões.
Para início das sessões em plenário será necessária a presença de ao menos quinze
jurados aptos que componham o conselho de sentença. Havendo quórum mínimo, o presidente
do Tribunal do Júri, o magistrado competente, convocará os jurados sorteados para o plenário,
realizará o sorteio dos 07 jurados que irão compor o conselho de sentença e serão responsáveis
por julgar o fato criminoso.
Comentando sobre o atual procedimento levado a cabo nas reuniões do tribunal do júri,
assevera Eugênio Pacelli, in verbis:

Atualmente, a sua composição é inteiramente diferente, o mesmo ocorrendo com a


respectiva competência. Para fins de julgamento, o Tribunal é composto pelo Juiz-
presidente e pelo Conselho de Sentença. Este é integrado por sete jurados leigos,
isto é, por pessoas do povo, escolhida por meio de sorteio em procedimento regulado
minudentemente em lei. O juiz-presidente é órgão do poder judiciário, integrante da
carreira, daí por que denominado juiz togado (PACELLI, 2014, p. 717).

A organização do Tribunal do Júri sofre ainda influência das leis de organização judiciária
de cada estado-membro (art. 125, §1º) da Constituição Federal de 1988. Dessa forma, há de se
destacar que, mesmo se tratando de procedimento bifásico, em alguns estados o juiz que profere
a sentença de pronúncia é o mesmo que irá presidir as sessões em plenário.
Tendo como base o conceito de garantias processuais, passamos agora a analisar se o rito
do júri é capaz de fazer valer o estado de presunção de inocência do acusado.
Muito se afirmam que o Tribunal do Júri homenageia o princípio democrático, eis que entrega
aos pares do réu a competência para julgá-lo. Nas palavras de Gilmar Ferreira Mendes, o Tribunal
popular possui natureza jurídica de garantia constitucional da liberdade, tendo a organização
que a lei der, devendo assegurar a plenitude da defesa, o sigilo nas votações e a soberania dos
veredictos no julgamento dos crimes dolosos contra a vida (MENDES, 2018).
No entanto, se por um lado o Tribunal do Júri permite julgamentos mais democráticos,
por outro, não foi estruturado para evitar influências sociais externas. Indaga-se até que ponto
o procedimento especial em comento consegue servir ao fim para o qual foi criado. Sobre a
discussão, assevera Eugênio Pacelli:

Mas não se pode perder de vista que nem sempre a democracia esteve e estará
a serviço do bem comum, ao menos quando aferida simplesmente pelo critério
da maioria. A história está repleta de exemplo de eleições (legítimas) de ditadores

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inteiramente descompromissados com a causa dos direitos humanos (...)E o
Tribunal do Júri, no que tem, então, de democrático, tem também, ou melhor, pode
ter também, de arbitrário (PACELLI, 2014, p. 719).
Tal fato, ocorre em razão da inexistência do dever de motivação dos julgados. A resposta aos
quesitos, pelo Conselho, não os vincula a qualquer fundamentação acerca da opção, permitindo
que o jurado firme seu convencimento segundo lhe pareça mais viável.
Tendo trabalhado algumas particularidades do tribunal do júri no ordenamento jurídico
brasileiro e algumas das críticas direcionadas a tal instituto, passamos agora a discorrer sobre a
aplicação do princípio da presunção de inocência no procedimento supramencionado.

3 PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE E O ATUAL MODELO DE TRIBUNAL DO JÚRI

A Constituição Federal Brasileira de 1988 teve por objetivo romper os laços com o passado
ditatorial, uma vez que, no ordenamento jurídico pátrio, não se fazia valer a previsão de alguns
direitos e garantias individuais, sobretudo os relacionados ao processo penal.
Se encontram positivados, no texto da Carta Magna, inúmeros princípios que outrora
pareciam inaplicáveis ao contexto sócio-político, sendo um deles o devido processo legal (art. 5º,
LIV) e a presunção de inocência (LVII). (BRASIL, 1988).
O tratamento jurídico dispensado ao réu em processo penal é tema de rico debate na doutrina
e jurisprudência pátria, sendo a garantia de sua condição jurídica de inocência imprescindível
para a validade dos procedimentos, sobretudo no rito do Júri. Sobre o tema, assevera Eugênio
Pacelli, in verbis:

[...] Afirma-se frequentemente em doutrina que o princípio da inocência, ou estado ou


situação jurídica de inocência, impõe ao poder público a observância de duas regras
específicas em relação ao acusado: uma de tratamento, segundo a qual o réu, em
nenhum momento do iter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas
exclusivamente na possibilidade de condenação, e outra de fundo probatório, a
estabelecer que todos os ônus da prova relativa à existência do fato e à sua autoria
devem recair exclusivamente sobre a acusação (PACELLI, 2014, p. 31).

O Estado de inocência não pressupõe a absolvição, longe disso, tende garantir o benefício da
dúvida ao acusado, eis que, interessa à justiça pública, também, o reconhecimento da inocência
dos justos.
O devido processo legal é repleto de situações de fato e de direito, uma vez que,
objetivamente, o processo é uma sequência de atos. Sendo assim, para ultrapassar todas as
fases do procedimento é necessário entregar ao réu a possibilidade de se defender eficazmente.
Se do contrário, a presunção no processo penal fosse voltada à culpa, não restaria nada
ao acusado, senão ter de provar sua inocência, produzindo provas nesse sentido, o que restaria
dificílimo, eis que, provar que um fato não ocorreu é de extrema complexidade na ausência de
álibis concretos. Sendo assim, o princípio em comento não pode sofrer restrições severas, uma
vez que, a validade dos atos processuais depende de tais garantias individuais.
No rito do júri, o Ministério público é responsável pelo oferecimento da denúncia, sendo
esse ato o pontapé inicial do iter persecutório. Dessa forma, a acusação carrega o fardo do ônus
probatório, restando para a defesa responder à acusação e solicitar a realização de diligências
que beneficiam o réu.
Mendes (2018), afirma que a presunção de inocência impede a outorga de consequências
jurídicas sobre o investigado ou denunciado antes do trânsito em julgado da sentença criminal.
Entretanto, a dúvida sobre a aplicação desse princípio basilar no âmbito dos processos de
competência do Tribunal do Júri tem sido alvo de conturbado debate.

48
Não é difícil ao estudante das ciências jurídicas a visualização mental de como se desenvolve
uma sessão de julgamento em plenário no Tribunal do Júri. O réu sendo trazido para exercer
seu direito de assistir o seu julgamento, muitas vezes acompanhado por escolta policial, eis
que, grande parte dos réus estão presos preventivamente. Se verificarmos o contraste, na visão
dos jurados, entre a identidade física do réu e dos demais participantes do rito, entenderemos
o porquê de o presente artigo criticar o Tribunal do júri como procedimento que desrespeita o
princípio da presunção de inocência.
Ter a visão abstrata de tal procedimento nos basta para entendermos se o rito aponta
diretamente para um juízo prévio, ignorando a presunção de inocência ou para o que se encontra
posto na teoria jurídica.
Defender-se de acusações feitas por instituições acobertadas pelo “manto da moralidade”
tem se tornado cada dia mais embaraçoso para o Estado de inocência, eis que, hodiernamente,
influenciado pelo status quo político, o processo penal se encontra em extrema polarização entre
os “garantistas” e os “punitivistas”. O demasiado senso de justiça cumulado com o desejo de
“vingança social” em casos graves, vêm corroborando para que o jurado chegue em plenário com
intuito de dar uma resposta à sociedade.
O Tribunal do Júri é órgão competente para processar e julgar os crimes dolosos contra
a vida. Com o passar das décadas, a comunicação social de massas mostrou-se de extrema
influência sobre as decisões políticas e judiciais, uma vez que dissecam os fatos em diversos
meios de comunicação e colaboram diretamente em incitar as pressões sobre os diversos setores
da sociedade.
Corriqueiramente, os órgãos do judiciário são deturpados por inúmeras críticas que decorrem
diretamente de suas decisões, tendo como exemplo o HC 126.292 e as ADC’s 43, 44 e 54,
quando se discutiu a possibilidade de execução provisória da pena, após decisão condenatória
proferida por órgão colegiado de segunda instância.
O executivo e legislativo não escapam à pressão das ruas. No entanto, tais poderes servem
à representação popular, tendo como raiz o poder político. O perigo de burla à Constituição se
observa quando tal pressão se direciona aos órgãos do poder judiciário. Não é incomum, com a
popularização do que se preferiu chamar de “Lava-jato”, a observância de juízes sendo expostos,
pelas mídias populares, de maneira negativa e positiva.
Defendemos que tais fenômenos, ocorridos no seio da sociedade, são capazes de transformar
juízes togados, como também os leigos que comporão futuros conselhos de sentenças, em
inquisidores, com sede insaciável de reconhecimento e vingança.
O fato que nos desagrada é que, uma vez que a sociedade é conectada por grandes centros
de informações, o princípio da presunção de inocência tornou-se princípio complexo quanto à
sua aplicabilidade no Tribunal do Júri.
Sendo assim, entendemos que o réu já inicia o procedimento tendo que trazer aos autos
meios idôneos que provem sua inocência, se configurando como verdadeira inversão, pragmática,
do ônus probatório.
A falta de conhecimento técnico-jurídico trouxe à tona uma sociedade despreparada em
temas básicos sobre o direito, eis que, a maioria esmagadora dos que emitem opiniões sobre os
fatos sub judice não levam em consideração as finalidades dos diversos institutos que garantem
o devido processo penal.
Influenciados por informações midiáticas, muitas vezes sensacionalistas, os que opinam
se satisfazem em proferir juízos de condenação prévios, ignorando quaisquer possibilidades de
inocência. Cumpre ressaltar, por oportuno, que esses indivíduos que se preenchem de conceitos
morais, senso de justiça e sentimento de vingança, os quais são fortemente influenciados pela
grande mídia, serão, provavelmente, os que desenvolverão desejo de comporem os diversos
conselhos de sentenças.

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Entretanto, grande parte da doutrina continua a entender que a simples vedação à
comunicabilidade dos jurados é suficiente para combater os juízos condenatórios pré-concebidos,
passando a ignorar qualquer argumento contrário, haja vista a ampla aceitação social do Tribunal
do Júri.
Dessa forma, na velha pragmática formalista, basta aos membros do ministério público, como
órgão acusador, se vestirem “decentemente” e proferirem discursos que tendam a convencer
que a absolvição do acusado é ato atentatório aos bons costumes e até mesmo aos princípios
religiosos e sociais, para que o réu saia de plenário portando uma sentença condenatória, muitas
vezes repleta de nulidades.
Tais aspectos são úteis a tornarem princípios imprescindíveis à humanização do processo
penal em apenas objetos de utopias bem formuladas nos centros acadêmicos.

4 A FASE DE PRONÚNCIA E A FALÁCIA DO IN DUBIO PRO REO

Sendo procedimento bifásico, o Tribunal do júri é composto pela fase instrutória (Denúncia,
Resposta à acusação, Audiências, Alegações finais e Sentença de probabilidade). Findada essa,
e sendo o réu pronunciado, o processo é enviado ao presidente do Tribunal do Júri, sendo esse,
o competente para submeter o caso à julgamento em plenário.
A sentença de pronúncia é classificada como sendo um juízo de probabilidade, eis que,
não requer, do magistrado, vasta fundamentação, bastando que se demonstre a certeza da
materialidade e os indícios de autoria (art. 413 do CPP). Pronuncia-se alguém quando, com base
nas provas colhidas, pode-se, verificar a provável existência de um crime doloso contra a vida,
bem como a suposta autoria” (PACELLI, 2014).
Assim, o juízo de pronúncia afirma a possibilidade de existência de autoria e a certeza de
materialidade da conduta sub judice. Nessa fase do procedimento, o magistrado se limitará a
pronunciar, impronunciar, absolver sumariamente ou desclassificar o suposto crime doloso contra
a vida. No entanto, não tratará sobre o mérito, uma vez que se o fizesse atentaria contra o
princípio do juiz natural.
É vedado ao juiz, em sede de sentença de pronúncia, resolver questões fáticas ligadas ao
mérito, como também a manifestar-se sobre teses da defesa e acusação. Não é por outro motivo
que os componentes do conselho de sentença são chamados de juízes do fato.
No entanto, uma vez que do magistrado não se reclama certeza no juízo de pronúncia, a
sentença prolatada pode incorrer na não aplicação do princípio de presunção de não culpabilidade,
uma vez que o mesmo, por se convencer que a competência pelo julgamento não é sua e que
toda e qualquer absolvição deve ser dada em plenário, se desincumbe de sua atribuição prévia.
A crescente onda do “punitivismo”, incentivadas por alguns grupos políticos como resposta do
Estado à onda de criminalidade, levaram juízes a adotarem práticas indiretas de intervencionismo,
largando a função constitucional de aplicar o Direito, e interpretando suas diversas normas com
ausência de razoabilidade e proporcionalidade.
O poder judiciário tem-se obrigado a dar respostas à sociedade, muitas vezes optando
por condenações duvidosas a proferir juízos absolutórios, haja vista a cultura pragmática de
presunção de culpa.
O Tribunal popular é comumente conhecido pelo desenrolar de suas sessões em plenário, uma
vez que o formalismo prepondera em tal ato, como também a dramaticidade das argumentações
que visam convencer o conselho de sentença. Há perigo na junção de argumentos sem qualquer
lastro probatório e decisões sem fundamentação, uma vez que não é incomum inocentes serem
privados da liberdade em decorrência de tais peculiaridade do Tribunal do Júri.
Sendo provável a existência de causas de excludente de ilicitude ou causas de absolvição
sumária, é perigoso o magistrado optar por esperar que o conselho de sentença as reconheça,

50
uma vez que os jurados, em sua maioria esmagadora, não possuem técnica suficiente para
realizar o discernimento das questões de direito.
Muitas vezes, ao jurado, interessa mais exercer o juízo condenatório como resposta à
sociedade, do que realmente averiguar minuciosamente as questões fundamentais levantadas
em plenário.
Tais argumentos fortalecem a tese que afirma ser, o rito do Tribunal do júri, homenagem à
insegurança jurídica e apontam o mesmo como procedimento que foge aos ditames da legalidade.
É característica do processo penal a utilização da racionalidade, uma vez que em casos
criminais surgem as diversas emoções inerentes à condição humana. Não por outro motivo,
que os tipos penais são julgados sob o crivo da estrita legalidade. Sendo assim, a sentença
que pronuncia o réu deve atentar também para a possibilidade de o conselho de sentença não
possuir discernimento para reconhecer matéria de direito, eis que, geralmente, são formados por
indivíduos que não possuem qualquer formação jurídica.
Ante exposto, cumpre ressaltar, que melhor seria a absolvição de cem culpados do que a
condenação de um inocente. No entanto, como os demais princípios do processo penal no Tribunal
do Júri, a presunção de inocência reservou-se às produções acadêmicas, sendo impopulares
quando se tratando da praxe forense.

5 INFLUÊNCIA DAS MÍDIAS DIGITAIS NAS SESSÕES DE JULGAMENTO

A imparcialidade do órgão julgador é fundamental e obrigatória no ordenamento jurídico


brasileiro, uma vez que, a decisão deve ser prolatada com base em um juízo livre de defeitos.
Como dito, no rito do Tribunal do Júri, o órgão julgador competente para decidir sobre
o caso concreto é o conselho de sentença, formado por sete jurados leigos e sem qualquer
obrigatoriedade de fundamentação jurídica em suas decisões. Sendo assim, as decisões se
tornam facilmente influenciáveis, eis que, os jurados não possuem entendimento sobre conceitos
jurídicos básicos, com os quais poderiam escapar de manipulações advindas de informações
sensacionalistas.
Ocorre que, não há como negar, em um contexto de automação das informações, que o
jurado chega em plenário enrijecido, muitas vezes ignorando as teses defensivas sem quaisquer
parâmetros, pois, a cultura do ódio e o desconhecimento de temas básicos de direitos humanos,
entre outros fatores, colaboram diretamente para o juízo condenatório prévio. Ao criticar o rito
procedimental do júri, Lopes Junior (2005), aduz que a margem de erro é potencialmente maior
no Tribunal do Júri em virtude da falta de conhecimento técnico dos jurados.
Os crimes contra a vida possuem uma difusão maior na mídia, resguardadas as devidas
proporções, é comum que jornais de grande circulação noticiem o crime e teçam comentários
não só a respeito dos fatos, mas também sobre os agentes que supostamente os praticaram.
Raramente algum responsável pela difusão de notícias, ligadas às práticas delituosas,
possui o conhecimento técnico a respeito do due processo of law substantive, e terminam por
atropelar garantias básicas, mesmo que de maneira externa ao processo.
É comum escutar os discursos a respeito do “clamor por justiça” ou que “estamos cansados
de tanta violência e criminalidade”. Tais argumentos levam os mesmos leigos que em algum
momento podem compor os conselhos de sentenças, a desenvolverem sensos de justiça
desproporcionais e irrazoáveis, eis que são levados ao entendimento de que o “punitivismo” é a
solução para qualquer debate acerca de políticas criminais.
Não é arbitrário afirmar que juízes togados e leigos aderiram a métodos “decisionistas”
próprios, que tornaram o processo penal uma resposta à sociedade. No entanto, pensando assim,
os mesmos, acabaram por construir um processo penal demasiado utilitarista e pragmático, muito
distante da Constituição e a construção do devido processo legal.

51
É pacífico o entendimento de que as garantias individuais foram pensadas em um contexto
totalitário, no qual o Estado não dispensava ao indivíduo qualquer tratamento digno. No entanto,
a dificuldade de alguns institutos de direito em se adequarem aos contextos sociais, culminou
no sacrifício de garantias imprescindíveis ao devido processo legal, como é o caso da utopia
democrática no Tribunal do júri, que ao esbanjar sua característica popular, atrai para si a
insegurança jurídica.
Como dito, com a difusão das informações, todos passaram a ter oportunidade de estar a
par do que acontece nos mais diversos contextos sociais. Tal evolução possibilitou um avanço
democrático no que diz respeito ao acesso à informação. No entanto, cumpre ressaltar a existência
de aspectos negativos que acompanham o fato social supracitado, sobretudo no instituto objeto
do presente trabalho.
Não é novidade que informações, sejam elas falsas ou verdadeiras, influenciam decisões
políticas e sociais acerca de diversos assuntos. É razoável destacar que os vencedores do pleito
eleitoral de 2018, sobretudo para Presidência da República, foram aqueles que exerceram maior
controle sobre as mídias alternativas (Instagram, WhatsApp, Twitter etc.).
Se tal fato é verdade, não há como sustentar um processo penal utópico, uma vez que se
perdeu seu principal atributo, o de assegurar um julgamento de acordo com os princípios de
legalidade e igualdade de condições de defesa para as partes.
O estado de inocência do acusado é atributo ligado à construção e legitimidade do
procedimento acusatório, sobretudo no Tribunal do Júri, uma vez que o réu só perderá tal status
com a prolação de sentença condenatória que, ao cabo dos prazos recursais, transite em julgado.
Há no processo penal uma tendência em distinguir a teoria da prática, uma vez que os
desenvolvedores da literatura nacional são renomados pensadores acadêmicos e filósofos,
enquanto os operadores do direito são figurantes fixados em problemas sociais e na boa fama.
No entanto, até que ponto determinadas tendências podem ser ignoradas pelos operadores
do direito e não causarem dano a tudo que se chamou de garantias constitucionais?
Não poderá funcionar no conselho de sentença o jurado que tiver manifestado prévia
disposição para condenar ou absolver o acusado (art. 449, III, do CPP). Certamente, tal regra de
direito se mostrava válida em tempos mais longínquos e com certeza se mostrava hábil a garantir
as finalidades do Tribunal do Júri. No entanto, tal norma se encontra em desuso, eis que, não há
como garantir a imparcialidade do jurado, uma vez que este já teve sua opinião moldada pelas
informações que colheu antes da sessão de julgamento. Não há parâmetros legais ou fórmulas
de fiscalização que garantam a aplicabilidade do dispositivo citado acima.
Dessa forma, manter o procedimento no status que se encontra é negar aplicabilidade
a inúmeros princípios constitucionais, sendo os mais traumáticos para o réu, a ausência de
presunção de inocência, paridade de armas e a dialética perante o Júri.

6 PARALELO ENTRE O IDEAL DEMOCRÁTICO DO JÚRI E O STATUS DE GARANTIA


INDIVIDUAL

Ao longo do presente trabalho nos limitamos ao argumento sobre os aspectos procedimentais


do Tribunal do Júri. Agora, passaremos a ponderar se a homenagem que o instituto citado faz
ao princípio democrático é proporcional ao descaso suportado pelos princípios garantidores do
devido processo penal constitucional.
Com as eleições americanas de 2016, as brasileiras de 2018 e outros acontecimentos
internacionais, grande parte dos pensadores contemporâneos entenderam que a democracia
antes refletida, não mais se aplicava aos entraves sociais atuais, uma vez que forças minoritárias
e com discursos retrógrados chegaram às centrais de poder apenas através de manipulação
midiática. Entendemos que o Tribunal do Júri não está isento de tais influências.

52
Dessa forma, é certo que, todos os debates acerca da democracia devem ser pautados em
limites constitucionais. Sob esse prisma, entendemos que o Tribunal do Júri afronta os princípios
da segurança jurídica, da isonomia, e, sobretudo, da presunção de inocência.
Pacelli (2014), concorda que o Tribunal do Júri carrega em sua essência o ideal democrático,
no entanto, com ressalvas, eis que, no que tem de democrático, tem de arbitrário. É sabido
que a participação popular foi a força motriz para todas as revoluções que culminaram no
reconhecimento de direitos e garantias individuais. No entanto, a doutrina constitucionalista
vem demonstrando a necessidade de mitigação do conteúdo democrático quando ocorrem
violações de limites e ferimento das garantias básicas de terceiros. Sobre o tema, afirma Luís
Roberto Barroso explica que podem surgir pontos de atrito entre a vontade da maioria e os limites
constitucionais (BARROSO, 2019).
Dessa forma, não mais se assemelha integralmente o conceito de democracia e
constitucionalismo, uma vez que o texto constitucional limita as diversas fontes de poder, sendo
uma delas, as maiorias eventuais. Ante o exposto, podemos verificar que a democracia é um
conceito suscetível de corrupção.
Entendemos que o argumento democrático, no Tribunal do Júri, não se mostra constitucional,
uma vez que o ordenamento processual penal, nos moldes em que se encontra, não garante
meios fiscalizatórios para sanar eventuais parcialidades no corpo de jurados. Sendo assim, o
Tribunal popular não serve ao conceito de garantias individuais, eis que, se encontra vulnerável
e incapaz de garantir um julgamento justo, uma vez que deveria proferir juízos razoáveis e não
veredictos defeituosos baseados em todos os motivos que não a análise fática e do direito. Não
servindo para o fim para o qual foi instituído, não há razoabilidade em manter o Tribunal popular
da mesma forma que se encontra.
Cabe aos institutos de direito a adequação temporal, uma vez que se faz necessário uma
adaptação que possa impedir o congelamento do ordenamento jurídico.
Não que o direito tenha de abdicar da segurança jurídica e estabilidade, não seria razoável
tal afirmação, uma vez que um dos princípios balizadores do direito contemporâneo é o da
segurança jurídica. No entanto, é necessário que o ordenamento jurídico busque adaptar-se
minimamente às demandas sociais, com a finalidade de evitar rupturas.
Uma vez que o relatório e o processo em si eram as únicas fontes de informações sobre
as questões de fato, os jurados conseguiam manter em si a imparcialidade buscada pelo rito do
Tribunal do Júri. No entanto, hodiernamente, o procedimento em comento enfrenta inúmeros
percalços que o impedem de emprestar ao processo penal constitucional a concretização de
seus ditames.
Da maneira que se encontra previsto em legislação ordinária, com a ausência de meios
fiscalizatórios, condenação que obriga apenas a maioria e não a unanimidade (característica
do modelo americano), formalismo sem parâmetros, não preservação da identidade física do
réu compatível com um possível inocente (geralmente trazido de uma penitenciária, trajado de
acordo) e outras influências externas, o Júri se encontra inadequado a servir como garantia
processual.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer do presente trabalho não negamos a importância histórica que o Tribunal


do Júri carrega. Entendemos que, em se tratando de democracia, o rito em comento é de se
merecer aplausos, uma vez que permite que o indivíduo seja julgado por seus pares. No entanto,
a problemática debatida nos escritos acima é mais complexa.
Entendemos que as garantias processuais servem a propósitos maiores do que apenas
permitir que cidadãos participem de julgamentos, pois foram pensadas com vistas a limitar as

53
arbitrariedades do Estado e impedir o abuso de limites legais. A presunção de inocência, como
defendemos, fala mais sobre a humanização do processo penal, do que sobre complacência
para com o réu ou seu crime.
No Brasil, o rito do Tribunal do Júri é protegido contra reformas, uma vez que se encontra
no rol das cláusulas pétreas (eternas), ademais, possui uma forte aceitação nos diversos
ordenamentos jurídicos espalhados pelo mundo, como também no meio social. No entanto,
tal fenômeno citado acima contribui para que o Tribunal do Júri perda a característica contra
majoritária, se satisfazendo em apenas arrecadar boa fama e condenações que mais servem
como resposta à sociedade do que para concretizar os ditames da justiça. Não há de se falar em
extinção do Tribunal do Júri, pelos motivos citados acima. No entanto, há que se pensar o porquê
de ser considerado uma garantia individual, uma vez que coaduna com a insegurança jurídica e
a deficiência da defesa do réu.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos


fundamentais e a construção do novo modelo. 8. ed. São Paulo: Saraiva educação, 2019.

LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade


garantista. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional.
13. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

REALE, Miguel: Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

ROSA, Alexandre Morais da: Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. 5. ed.
Florianópolis: Emais, 2019.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 15. ed.
Salvador: Juspodivm, 2020.

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CAPÍTULO 5

IMPACTOS E PERTINÊNCIAS DO DELITO DE


DIVULGAÇÃO DE CENA DE SEXO, NUDEZ OU
PORNOGRAFIA NA 5ª DEAM DE PERNAMBUCO

Rodrigo José de Araújo


IMPACTOS E PERTINÊNCIAS DO DELITO DE DIVULGAÇÃO DE CENA DE SEXO,
NUDEZ OU PORNOGRAFIA NA 5ª DEAM DE PERNAMBUCO

Rodrigo José de Araújo15

RESUMO

O presente artigo se propõe a apresentar resultados de pesquisa acerca do crime trazido no artigo
2ª da Lei nº 13.718, de 2018, que introduziu, por meio do artigo 218-C, do Código Penal Brasileiro,
o delito de Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo
ou de pornografia, entre outras disposições legais. Por se tratar de um delito plurinuclear, serão
apresentadas as modalidades que compõem o tipo e sua relação com a questão de gênero. A
relevância desse estudo se encontra na escassez de discussões sobre o delito em comento, vista
sob a ótica de gênero e sua incidência na prática. O estudo se norteou a partir de informações
provenientes de artigos científicos e legislação específica, tendo como procedimento técnico
uma pesquisa bibliográfica e de campo documental, através da amostra dos inquéritos policiais,
de Julho de 2019 até Junho de 2020, na 5ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher,
localizada em Paulista-PE, além de entrevista com a Autoridade Policial responsável por este
órgão. Com esta pesquisa, foi possível identificar que a comunicação formal do crime esculpido
no artigo 218-C do CPB ainda é ínfima, e que suas vítimas, em 100%, são do sexo feminino.
Ademais, foi possível analisar as formas pelas quais o delito trazido à baila mais se exterioriza,
sendo a modalidade de publicar ou divulgar, sem o consentimento da vítima, fotografia, vídeo ou
outro registro audiovisual que contenha cena de sexo, nudez ou pornografia, as detentoras de
100% do percentual.

Palavras-chave: Criminalidade Digital. Lei Nova. Gênero.

ABSTRACT

This article proposes to present research results about the crime brought in article 2 of Law
nº 13.718, of 2018, which introduced, through article 218-C, of the Brazilian Penal Code, the
crime of Disclosure of rape scene or rape scene, sex scene or pornography, among other legal
provisions. As it is a multi-verb crime, the modalities that make up the type and its relation to the
gender issue will be presented. The relevance of this study is found in the scarcity of discussions
about the offense in question, seen from the perspective of gender and its incidence in practice.
The study was based on information from scientific articles and specific legislation, having as a
technical procedure a bibliographic and documentary field research, through the sample of police
inquiries, from July 2019 to June 2020, at the 5th Specialized Police Station a woman, located
in Paulista-PE, in addition to an interview with the police authority responsible for this body. With
this research, it was possible to identify that the formal communication of the crime sculpted in
article 218-C of the CPB is still very small, and that its victims, in 100%, are female. In addition,
it was possible to analyze the ways in which the offense brought to the fore is more externalized,
being the modality of publishing or disseminating, without the consent of the victim, photography,
video or other audiovisual record that contains a scene of sex, nudity or pornography, the holders
of 100% of percentage.

Keywords: Digital Crime. New Law. Genre.

15 Bacharel em Direito. Especialização em Direito Administrativo. Policial Civil do Estado de Pernambuco. E-mail:
advogadorodrigoaraujo@gmail.com.

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1 INTRODUÇÃO

Estudos apontam que há muito se discute acerca dos crimes contra a dignidade sexual
esculpidos no ordenamento jurídico brasileiro e sua relação com a questão de gênero. Como
se sabe, a exposição da intimidade alheia, atrelada à violência de gênero, quando praticada em
ambiente virtual, tem um alcance disparadamente maior do que quando perpetrada de outras
formas. A capacidade de exposição da intimidade da vítima, que pode ser disseminada a um
número elevado de usuários, em poucos segundos e com apenas um clique, faz com que ocorram
condutas como a de disseminação indevida de conteúdo íntimo, doutrinariamente chamada de
revenge porn, de cyberbullying, entre outras.
A globalização trouxe como uma de suas consequências a Era Digital, desenvolvendo um
contexto em que pessoas do mundo inteiro, conectadas, comunicam-se, compartilhando ideias e
conteúdos por intermédio de mensagens, textos, fotos e vídeos. Na internet, as redes sociais e os
grupos de conversa ou de mensagens instantâneas passam a ser terrenos férteis para a prática
de atos de discriminação e violência, vertente bastante discutida pelo professor Rogério Sanches
Cunha. E, sobretudo, numa sociedade ainda patriarcal, marcada pela desigualdade de gênero,
constata-se como as mulheres acabam sendo as vítimas mais impactadas nos crimes sexuais.
Com base nesse cenário foi editada a Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018, que
alterou o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), tipificando os crimes
de Importunação sexual e de Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável,
de cena de sexo ou de pornografia, entre outras disposições legais, além de tornar pública
incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes
sexuais contra vulnerável, de estabelecer causas de aumento de pena para esses crimes e de
definir como causas de aumento de pena o Estupro coletivo e o Estupro corretivo; e revogar
dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais).
Ainda sobre esse aspecto, destacamos que é impossível não relacionar os novos tipos
penais à casuísticas como, por exemplo, a divulgação do estupro coletivo de uma jovem de 16
anos de idade, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, violentada por, pelo menos, trinta homens, que
ganhou as redes sociais no mês de maio de 2016, causando indignação e clemência por parte da
população quanto à necessidade de aprimoramento da legislação penal relacionada a esse tipo
de comportamento bárbaro.
Sob a ótica constitucional, temos que a discussão levantada tem seu devido amparo nos
Direitos Fundamentais protegidos pelo Instrumento Constitucional de 1988, de modo que o tipo
em questão criminaliza condutas que podem lesionar direitos das vítimas como os da liberdade,
da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem das pessoas, da liberdade sexual, além
do próprio Princípio da Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana, bases de um Estado
considerado Democrático de Direito.
Os objetivos desse trabalho são analisar, especificamente, os impactos e pertinências do
delito de Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo
ou de pornografia, fazer o estudo legal deste novo tipo penal e suas expor suas consequências
práticas na 5ª Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), localizada no município
de Paulista, no Estado de Pernambuco, utilizando como fontes registros formalmente feitos, por
meio de boletins de ocorrências, entre os meses de Julho do ano de 2019 a Junho do ano de
2020, bem como entrevista realizada com a Delegada de Polícia atualmente responsável pelo
órgão.
Para o alcance dos objetivos propostos e acima expostos, aportamo-nos nos seguintes
procedimentos e técnicas. Quanto à natureza, este trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa,
pois, para Triviños (1987), a abordagem de cunho qualitativo trabalha os dados buscando seu
significado, tendo como base a percepção do fenômeno dentro do seu contexto. O uso da descrição

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qualitativa procura captar não só a aparência do fenômeno como também suas essências,
procurando explicar sua origem, relações e mudanças, e tentando intuir as consequências.
Na busca da concretização desta pesquisa qualitativa, utilizamos duas técnicas, a saber: a)
pesquisa documental e b) entrevista.
Segundo Lakatos e Marconi (2001), a pesquisa documental é a coleta de dados em
fontes primárias, como documentos escritos ou não, pertencentes a arquivos públicos; arquivos
particulares de instituições e domicílios, e fontes estatísticas. Partindo deste pressuposto,
recorremos ao arquivo de boletins de ocorrências da 5ª DEAM, do Estado de Pernambuco,
no município de Paulista, a fim de coletar os dados referentes ao tema em tela, no período
compreendido entre o mês de julho de 2019 ao mês de julho de 2020.
Quanto à segunda técnica utilizada, consoante Gil (1999), a entrevista é uma das técnicas
de coleta de dados mais utilizadas nas pesquisas sociais. Esta técnica de coleta é bastante
adequada para a obtenção de informações acerca do que as pessoas sabem, creem, esperam e
desejam, assim como suas razões para cada resposta. Assim, buscamos a Delegada de Polícia
Fabiana Ferreira Leandro, atualmente responsável pela 5ª DEAM de Pernambuco, como sujeito
da pesquisa, de forma a contribuir para o desenvolvimento do trabalho, como um agente inserido
no contexto do objeto de estudo, que anuiu a publicação dos dados coletados por meio do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assinado por ela.

2 DO ESTUDO DO TIPO PENAL

A nova legislação introduz importantes alterações, e uma das mais comemoradas deve ser
no que diz respeito à divulgação de imagens íntimas ou de cenas de estupro. A partir da Lei em
comento, o art. 218-C do Código Penal define o crime específico de divulgar, por qualquer meio,
cena de estupro, cena de estupro de vulnerável, que faça apologia ao estupro ou qualquer cena
de sexo ou nudez sem autorização da vítima.
Com a nova tipicidade, surgida em 2018, a lacuna legislativa foi sanada, passando, agora,
a prever expressamente a seguinte redação do crime tipificado no art. 218-C do Código Penal:

Art. 218-C Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda,


distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação
de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro
registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou
que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena
de sexo, nudez ou pornografia:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais
grave.

Aumento de pena

§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado
por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou
com o fim de vingança ou humilhação.

Exclusão de ilicitude

§ 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput. deste


artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com
a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua
prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos. (BRASIL, 1940).

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Conforme assevera Cunha (2018), a vítima tinha sua dignidade sexual violada através de
publicações de conteúdo íntimo, sem seu consentimento, o que levava a consequências sérias
e das mais variadas, sem encontrar-se aparato legislativo adequado. Não havia possibilidade
de aplicação de nenhuma conduta típica. Não obstante a divulgação ilícita de fotos de uma
pessoa nua pudesse caracterizar ofensa à dignidade sexual em sentido amplo, não havia amparo
adequado. A maioria dos casos era enquadrado como uma injúria majorada na forma do art. 141,
inc. III, do CP - em razão de ter sido cometida por meio facilitador da divulgação da ofensa.
Como se pode observar, a pena cominada, de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, denota
mediana potencialidade ofensiva. Além disso, o dispositivo contém dois parágrafos. No primeiro,
aponta-se um aumento de pena, de um a dois terços, quando o crime for praticado por agente
que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima, ou com o fim de vingança
ou humilhação; o segundo traz causa excludente da ilicitude em determinadas circunstâncias em
que as condutas são praticadas.
O crime supracitado, esculpido no art. 218-C do CPB, quanto aos sujeitos, classifica-se como
um crime comum, ou seja, que pode ser cometido por qualquer pessoa, além de, também, não
se exigir qualidade especial do sujeito passivo. O que pode mudar é que se a vítima mantém ou
manteve relação íntima de afeto com o autor, aumenta-se a pena de um a dois terços, conforme
prevê o §1º.
Vale ressaltar que, se tratando de vítima menor de dezoito anos, o comportamento do agente
ativo do delito pode subsumir-se ao disposto nos arts. 241 ou 241-A, ambos do ECA, a depender
das circunstâncias do caso concreto.
Consoante apontado alhures, o tipo penal levantado é plurinuclear, também conhecido como
crime de ação múltipla e de conduta variada, isto é, traz em seu bojo nove ações nucleares que
compõem o tipo: “oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir,
publicar ou divulgar”. Pode-se dizer, também, que o tipo é misto alternativo, razão pela qual a
prática de mais de uma ação nuclear, no mesmo contexto fático, acarreta um único crime.
As nove condutas típicas listadas acima podem ser praticadas das mais diversas maneiras,
principalmente no tempo em que a criminalidade digital se mostra tão assídua e, conforme bem
aponta Cunha (2018), o tipo faz referência à expressão qualquer meio, incluindo-se aqueles
de comunicação de massa ou sistemas de informática ou telemática, isto é, qualquer meio que
permita a transmissão de arquivos de fotos ou vídeos (E-mail, Skype, WhatsApp, Messenger,
etc.) ou que admita a transmissão audiovisual (streaming), inclusive em tempo real.
Em se abarcando os objetos materiais do delito, estes podem ser fotografias, vídeos ou
outros registros audiovisuais que contenham cena de estupro ou de estupro de vulnerável, que
façam apologia ou que induzam a sua prática ou que consistam em registros de cenas de sexo,
nudez ou pornografia, sem a anuência da vítima.
Importante destacar que entre os impactos jurídicos mais discutidos após o advento da
Lei nº 13.718/2018 está o que diz respeito à alteração realizada na sistemática da ação penal
dos chamados crimes sexuais, que passa a ser sempre pública incondicionada, encerrando-se,
também, em definitivo, a discussão sobre a eficácia da agora superada Súmula 608 do STF,
que prevê que “no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública
incondicionada.” Ora, a partir da Lei trazida à baila, independente das formas pelas quais se dá o
delito de estupro e de seus resultados, a ação penal será sempre incondicionada.
Diante do exposto, faz-se necessário registrar que não são apenas positivas as críticas
que circundam a entrada em vigor desta Lei. Em se tratando, especificamente, da temática
que envolve a ação penal, Cunha (2018), expõe um ponto que, a seu ver, seria uma mudança
negativa, ao afirmar ser um retrocesso a maneira que tal Lei iguala todas as formas pelas quais
o crime pode ser perpetrado, retirando, assim, da vítima, qualquer capacidade de iniciativa.
Segundo este autor e em se tratando de pessoa capaz, que não é considerada, portanto,

59
vulnerável, a ação penal deveria permanecer condicionada à representação da vítima, da qual
não pode ser retirada a escolha de impedir o strepitus judicii, a fim de evitar que o Estado, em
crimes dessa natureza, não coloque seus interesses punitivos acima dos interesses da vítima.

2.1 Da análise dos casos práticos registrados

Frente ao exposto, foi-nos despertado o interesse em analisar, de forma prática, os


impactos e as pertinências da entrada em vigor do crime de divulgação de cena de sexo, nudez
ou pornografia na 5ª DEAM, e, para isso, analisamos todos os boletins de ocorrências registrados
pelas vítimas, no período de julho de 2019 a junho de 2020. Também foi realizada entrevista com
a Autoridade Policial atualmente responsável por esta 5ª Delegacia Especializada de Atendimento
à Mulher, localizada na cidade de Paulista, no Estado de Pernambuco.
Como será observado, pelo registro de ocorrências na delegacia de polícia analisada e
no corte temporal feito, a comunicação desse tipo de delito ainda é muito pequena, tendo sido
apenas 03 os casos que chegaram até a 5ª DEAM do estado de Pernambuco.
A primeira ocorrência, datada de 08 de janeiro de 2020, aponta vítima mulher, de 31 anos de
idade, que se relacionou por cerca de 06 meses com o possível autor do crime e que, no decorrer
do envolvimento, foram gravados, nos aparelhos celulares de ambos, alguns vídeos de sexo
entre o casal, com o consentimento da vítima, e compartilhado apenas entre eles. Ocorre que,
pondo fim ao relacionamento, a vítima solicitou que os vídeos fossem apagados pelo autor, que
não o fez. Para surpresa da vítima, pouco tempo após o término do namoro, amigos e pessoas
próximas suas receberam tais vídeos através do aplicativo WhatsApp. Indagado pela vítima, o
autor assumiu ter divulgado as cenas íntimas.
O segundo registro, formalizado em 21 de maio de 2020, levanta outro caso de vítima
mulher, de 20 anos de idade, que teve vídeo íntimo seu publicado na rede social Instagram.
Segundo a vítima, o vídeo foi gravado por seu ex-namorado, no aparelho celular deste, 04 meses
antes da divulgação indevida, e que apenas a vítima e o provável autor conheciam a existência
de tais gravações. Relata a vítima, ainda, que, ao pôr fim ao relacionamento, solicitou a seu ex-
namorado que apagasse o vídeo, mas seu pedido foi ignorado por ele.
Por último, o terceiro boletim, datado de 14 de junho de 2020, relata a história de mais uma
vítima mulher, de 23 anos de idade, que teve vídeo íntimo seu publicado, possivelmente, por seu
ex-namorado, e sem sua anuência, desta vez, em um site de conteúdo pornográfico. Neste caso,
o possível autor do delito publicou um vídeo contendo uma reunião de fotos de nudez da vítima,
que foram compartilhadas, de forma privada, pelo aplicativo do Instagram.
Nesse sentido, temos que as condutas expostas acima afrontam diretamente Direitos
Fundamentais garantidos na Constituição Federal de 1988, tendo em vista que seu artigo 5º,
inciso X, assegura que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação”.
Do exposto, pode-se notar a vulnerabilidade a que as mulheres ainda estão submetidas
na sociedade, de maneira principal, uma vez que, diante de delitos contra a dignidade sexual,
atuam como vítimas em um número sobremaneira maior se comparado ao das vítimas do sexo
masculino.
Outro ponto que salta aos nossos olhos, quando da análise dos boletins de ocorrência
apresentados, é o de que dentre os verbos núcleos que compõem o tipo debatido, quais sejam,
“oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar”
o objeto material do crime, por qualquer meio, inclusive por meio de comunicação de massa ou
sistema de informática ou telemática, é a modalidade de publicar ou divulgar que se mostra
presente em 100% dos casos analisados.

60
Deste resultado, faz-se imprescindível retomar o viés discutido alhures, ressaltando que
é no ambiente virtual que esse crime vem se manifestando de maneira assídua, o que o torna
deveras maléfico, se levado em consideração o número indeterminado de pessoas que podem
acessar os conteúdos publicados.
As vítimas deste crime, em grande parcela dos casos, do sexo feminino, estão sujeitas a
terem sua intimidade exposta mundialmente em sítios de conteúdo adulto ou entre seus familiares
e amigos mais próximos, através de redes sociais como o Instagram e o Facebook, levando-
as, muitas vezes, a arcarem com sérias consequências psicossociais ou, em último plano, ao
suicídio.

2.2 Da entrevista

Da urgência de se analisar o tema através do olhar de quem lida diariamente com as partes
presentes no tipo discutido, realizamos entrevista com a Autoridade Policial, a Delegada Fabiana
Ferreira Leandro, que gere a 5ª DEAM do Estado de Pernambuco, no dia 01 de outubro de 2020.
Primeiramente, perguntamos a ela qual a importância da Lei nº 13.718/2018 para o combate ao
delito de Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena e sexo ou
de pornografia. Tivemos como resposta o seguinte:

[...] A lei de nº 13.718/2018 foi extremamente importante para as mulheres, porque


trouxe a questão da Importunação Sexual, tornou incondicionada a ação dos
crimes contra a dignidade sexual e aumentou a punição com relação ao delito de
divulgação imagens pornográficas e de nudez e relação sexual, principalmente,
com o fim de humilhação ou de vingança, que infelizmente é muito comum. São
comuns na delegacia da mulher denúncias de mulheres que, após terminarem
o relacionamento e por terem trocado mensagens de imagens intimas com seus
ex-companheiros, ter tais imagens e vídeos de relações sexuais divulgados como
vingança, sem o consentimento da vítima. Antes da lei, era complicado porque não
tinha um tipo penal específico que tratasse da matéria e tinha-se que enquadrar
tal conduta no delito de Difamação. Essa lei veio, realmente, para reformar visão
em relação ao delito e suprir lacunas que existiam na parte de punição dos crimes
contra a dignidade sexual. Acredito que o delito de Divulgação de cena de sexo,
nudez ou pornografia deveria ter sido tão divulgado quanto o de Importunação
Sexual também trazido pela Lei de nº 13.718/2018, a fim das vítimas terem mais
conhecimento e serem devidamente reparadas. É muito importante a divulgação
do conteúdo da lei. Hoje, quando as mulheres chegam à delegacia, registram BO e
ficam sabendo da punição e do tipo de ação, gera uma satisfação muito maior que
antes. Anteriormente, como o ato era enquadrado no delito de Difamação, tinha-
se um prazo prescricional menor, prazo para representar e para ingressar com a
ação penal privada de 6 meses, onde muitas vezes a vítima necessitada contratar
advogado ou mesmo defensoria pública para ingressar com a queixa crime, o que
não é mais necessário. Então, gerava uma insatisfação e muitas vezes desistência
por parte da vítima.

Em seguida, abordamos o sujeito entrevistado a respeito do quantitativo de denúncias


sobre o tipo de crime em estudo e como este era tratado antes da Lei de nº 13.718/2018, que nos
informou que:

[...] como a pena agora é de 1 a 5 anos e a ação é pública incondicionada, agente


pode trabalhar de forma mais tranquila com relação à conclusão da investigação,
pois a demanda da delegacia é muito alta, de forma geral, e muitas vezes agente
não conseguia concluir todo o Inquérito Policial para que a vítima conseguisse

61
ingressar com a queixa-crime, em tempo hábil, para que houvesse a devida punição
do delito, que era encaixado no de Difamação, porque se entendia que era uma
forma do autor estar ofendendo a reputação da vítima ao fazer tais divulgações.

Em continuação, afirma que:

[...] essa lei é muito importante por se mostrar eficaz para coibir o comportamento
de divulgação das imagens e vídeos de nudez, estupro, entre outras, sem o
consentimento da vítima. E algo que deve ser ressaltado e comemorado é que se
o delito for realizado por a gente que mantém ou tenha mantido relação intima de
afeto com a vítima, ou com o fim de vingança ou de humilhação, a pena pode ser
aumentada de 1 a 2/3.

A partir do estudo discutido até o momento, mostra-se evidente o quanto as mulheres


encontram-se expostas a serem vítimas do crime tratado, o que é deveras preocupante, tendo
em vista estarmos inseridos numa sociedade ainda muito marcada pelo patriarcado, onde as
pessoas, seja por meio das instituições de poder ou mesmo nas esferas das relações privadas,
costumeiramente, ditam os modos pelos quais devem se comportar as mulheres, além de traçarem
regras, quanto a seus corpos, a serem, socialmente, aceitas ou repudiadas. Em complemento, a
Delegada afirmou que outras características que circundam as vítimas do delito em questão são
as de serem elas, geralmente, de classe baixa a média e de terem entre 18 e 40 anos de idade.
Conforme explicado acima, antes da entrada em vigor da retrocitada Lei, não existia um tipo
penal específico para o comportamento de divulgar cenas ou imagens de cunho íntimo, sem a
permissão da vítima, o que culminava, na maioria dos casos, em seu enquadramento no delito
de Difamação, infração esta que permite desistência por parte da vítima. Assim, perguntamos à
Delegada de Polícia responsável pela Delegacia da Mulher em análise, se era comum casos de
desistência por parte das vítimas e a quais motivos ela atribui ao fato de as vítimas não desejarem
seguir o trâmite legal até seu fim. Em contrapartida, nos expôs, a Delegada, que:

[...] Em relação a esse tipo de crime, normalmente, as vítimas não desistem, de


acordo com a experiência vivida na delegacia onde sou titular. Posso afirmar que
a maioria das vítimas não desiste desse tipo penal. O que acontecia antes, muitas
vezes, era que, como conduta descrita era tida como Difamação, o tempo era curto
para a elucidação do delito e, em virtude da demanda da delegacia, de maneira geral,
ser muito grande, embora se tentasse concluir o mais rápido possível o inquérito
para que a vítima entrasse com a queixa-crime, às vezes, não era possível, em
tempo hábil. Acredito que, antes da lei, o que fazia a vítima desistir, na maioria dos
casos, era porque elas não tinham condições financeiras de constituir advogado e
de terem que recorrer à Defensoria Pública.

Ponto importante que deve ser abarcado, também levado como indagação à Delegada,
diz respeito à assistência socioeducativa que o Estado vem oferecendo para combater esse
tipo de delito. Perante este viés, o sujeito entrevistado foi incisivo ao afirmar que acredita que o
Poder Público tem negligenciado bastante quanto à falta de divulgação do novo tipo penal para
a população em geral, ao contrário do que ocorreu com o também novo delito de Importunação
Sexual, que foi bem divulgado. O crime de divulgação de cena de sexo, nudez ou pornografia,
e suas repercussões legais atuais, ainda é de pouco conhecimento e o Estado quase nada tem
feito para torná-lo conhecido por todas as esferas sociais.
Da informação acima se extrai uma possibilidade bastante perspicaz para a explicação do
fato de haverem apenas 03 registros de Boletins de Ocorrências entre os meses julho de 2019
a junho de 2020, na 5ª DEAM do Estado de Pernambuco, isto é, o escasso conhecimento da

62
população em geral da forma que a legislação penal passou a tratar o comportamento criminoso
que, anteriormente, era enquadrado no delito de Difamação, que prevê pena de detenção, de
apenas seis meses a dois anos, e multa, o que por si só se mostrava bastante desestimulante,
frente às possíveis consequências sofridas pelas vítimas.
Indagada, ainda, sobre quem, normalmente, são os autores do crime em comento e qual
a relação deles com as vítimas, respondeu a autoridade entrevistada disse que “infelizmente,
a maioria dos autores desse crime são os ex-companheiros ou os ex-namorados das vítimas.
Normalmente, é alguém próximo das vítimas e que já teve relação íntima de afeto com elas”. Isto
posto, em continuação à entrevista realizada, a Delegada nos explicou como orienta as vítimas
do crime em estudo, informando que:

[...] A gente, normalmente, orienta que elas tragam todo o material divulgado
e o máximo de dados possíveis, com páginas “printadas” com o IP ou endereço
eletrônico da divulgação. Também é orientado que a vítima “printe” as mensagens
que trocou com o possível autor, dando ênfase a datas, para que as investigações
sejam iniciadas e os respectivos pedidos formais sejam feitos, tais como oficiar
os sites para que retirem os vídeos do ar ou comunicar o juiz, entre outros
procedimentos. Quanto mais informações a vítima levar à delegacia, melhor.
Inclusive, até mensagens anteriormente trocadas, onde o imputada ameaça de
divulgar imagens ou vídeos íntimos, servem para instruir o inquérito policial.

Abordamos o sujeito entrevistado sobre como a delegacia da mulher se diferencia das


demais delegacias no tratamento dispensado às vítimas do delito de divulgação de cena de sexo,
nudez ou pornografia. Em resposta, explicou-nos que:

[...] A delegacia especializada no atendimento à mulher se diferencia das demais


delegacias porque nós fazemos o atendimento acolhedor. Normalmente, as mulheres
chegam a denunciar esses tipos penais com muita vergonha, já que é a imagem
delas que está sendo divulgada, e aí elas se mostram extremamente constrangidas
de mostrar o que é que está sendo divulgado sobre elas, como imagens, vídeos
íntimos etc. Então, como na delegacia da mulher o efetivo policial é mais feminino,
as vítimas são direcionadas a servidoras mulheres para seu atendimento. Daí, o
atendimento diferencial se dá com elas se sentindo acolhidas, sendo atendidas
por outras mulheres, para que elas possam, realmente, conseguir repassar o que
está acontecendo, para que Polícia Civil possa iniciar a persecução penal de forma
eficaz.

Do estudo levantado, pode-se verificar a necessidade da divulgação em massa do novel tipo


penal, além da importância no tratamento especializado direcionado ao público feminino vítima
dele. Daí se extrai a imprescindibilidade da atuação das delegacias da mulher, no tratamento
específico e preparado para atender de forma eficaz o público-alvo.

2.3 Da questão de gênero

Salutar se faz levantar, de forma mais precisa, a questão de gênero, tão presente quando
estamos diante dos crimes contra a dignidade sexual esculpidos no ordenamento jurídico pátrio,
como é o caso do delito de Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável,
de cena de sexo ou de pornografia, objeto deste trabalho e tipificado no art. 218-C do Código
Penal Brasileiro.
Vivemos numa sociedade ainda patriarcal e marcada pela desigualdade de gênero, sendo
fácil constatar como as mulheres acabam sendo impactadas, ainda mais negativamente, quando

63
diante da exposição de um comportamento “socialmente reprovado”.
Apesar dos avanços dos direitos das mulheres abarcados pela respectiva legislação, os
estereótipos definidos aos sujeitos femininos e masculinos continuam a ser reproduzidos em
um lugar onde homens são criados para serem social e sexualmente livres, ao passo que às
mulheres são designados o papel de mãe e esposa, de sexualidade reprimida.
Neste sentido, leciona Rosa (2020), que a mulher é colocada como o sujeito desempoderado
da sociedade, sem domínio, inclusive, do seu próprio corpo, de forma que tem seu comportamento
controlado e pautado na construção social de um ser inferior e domesticado, o que faz com que
as mulheres que demonstrem o mínimo de liberdade, sejam taxadas como prostitutas. E o pior,
esta figura de padrões serve, ainda, como justificativa para o cometimento de um leque de atos
violentos e criminosos.
Esta construção social, que encontra respaldo em discursos machistas e impróprios até
os dias atuais, serve para encorajar o homem a acreditar que detém a propriedade do corpo
feminino, principalmente na estrutura de uma relação íntima de afeto, onde a mulher, por vezes,
perde a autonomia da vontade, por exemplo, quando deixa de se vestir conforme seu gosto ou
quando não é respeitada ao tentar pôr fim a um relacionamento que não lhe é mais desejado.
A promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988 trouxe importantes direitos e
garantias fundamentais para todos, individual e coletivamente, estando muitos deles positivados
no rol do 5º, ressaltando o status do Brasil como Estado Democrático de Direito.
De antemão, o próprio preâmbulo da Carta Maior, embora não tenha força cogente, anuncia
a igualdade e liberdade, entre outros, como princípios, isto é, valores a serem respeitados, o que,
mais a frente, é ratificado pelo caput do artigo 5º do mesmo Diploma, in verbis:

Art. 5º, “caput”: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

Não bastassem os dispositivos acima transcritos, o inciso I do próprio art. 5º assevera


que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”,
podendo apenas a Lei fazer distinções razoáveis e em prol da isonomia entre esses dois sexos,
de modo que imposições sociais em desfavor das mulheres, revestidas pelo machismo, além de
não encontrarem respaldo constitucional, devem ser severamente combatidas, principalmente na
seara do direito à liberdade sexual.
A Lei Maior, ainda, no artigo 3°, I, comprometeu-se a “construir uma sociedade livre, justa
e solidária”, demonstrando que a garantia à liberdade genérica, em suas diversas facetas, é um
dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Visto sob a ótica da sexualidade,
percebe-se a necessidade de fazer respeitar a autodeterminação que traz o comportamento sexual
de cada um, sobretudo o das mulheres, constantemente julgadas socialmente e desrespeitadas
em seus posicionamentos, pois Estado Democrático de Direito, garantido na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, deve agir na contramão da moralidade preconceituosa.
Acontece que, mesmo sendo a vítima, quando inconformado com o rompimento da relação,
um ex-namorado seu, por exemplo, decide divulgar vídeos e imagens íntimas por qualquer meio,
sem o seu consentimento e com o intuito de constrangê-la e causar danos à sua imagem, ainda
é a mulher que é julgada de maneira negativa no seio social.
Dessa maneira, essencial se mostra a evolução da legislação penal, com a finalidade de
amparar e de passar uma maior segurança, ao menos que jurídica, a tais vítimas, além de suprir
lacunas ainda existentes, sobretudo numa era digital marcada pela facilidade de troca e divulgação
dos mais diversos tipos de informações e conteúdo. Com relação ao tema, alerta a Promotora de
Justiça Silvia Chakian de Toledo Santos que, apesar dos avanços, há a necessidade de avançar

64
na mudança de postura, abstendo-se de esperar da mulher o papel de recato, do comportamento
sexual “adequado”, discreto e tradicional. (SANTOS, 2018).
Ora, percebe-se, então, que o simples fato de se nascer mulher, a este sujeito é imposto
um “comportamento devido”, desenvolvido ao longo dos séculos pela dominação masculina, que
autoriza a absurda responsabilização da mulher pela própria violência que a vitimou, como se
tivesse “contribuído”, ou pelo menos “incentivado”, para a ocorrência de delitos, ainda que tenha
tido sua vida exposta e devastada, seja na rede, ou em outros meios de publicação.
Frente ao exposto, para que esta recente alteração legislativa possa ser considerada, de
fato, um avanço, no que tange aos crimes sexuais, protegendo de forma eficiente a dignidade
humana e a autonomia do corpo e da vontade das vítimas, ela deverá, ainda, servir de parâmetro
para a implementação de outras políticas, que incentivem a conscientização para prevenção
desse tipo de violência, e, principalmente, aplicar o que, consoante expõe Santos (2018), se
convencionou chamar de perspectiva de gênero na aplicação do Direito: o olhar cuidadoso para
a vítima, sabidamente, em sua grande maioria, meninas e mulheres.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como dados conclusivos, podemos apontar uma realidade preocupante por estarmos diante
de uma lei recente e, ainda, de pouco conhecimento, mormente por parte das vítimas, na maioria
dos casos, mulheres em situação de vulnerabilidade, que sofrem severas consequências em
diversas áreas da vida.
Verifica-se, assim, quão é necessário que o Poder Público, de maneira geral, dê publicidade
em massa do tipo penal debatido, na busca de incentivar as vítimas a buscarem uma reparação
jurídica, segura e satisfatória, e de desestimular o comportamento dos autores do delito,
ordinariamente, homens dotados de um sentimento de poder sobre um corpo ou sobre uma
imagem que não lhes pertencem.
Do trabalho, pode-se constatar, ademais, a importância de se analisar dados concretos,
advindos de casos reais, dando solidez ao estudo e mostrando estatisticamente o que as
doutrinas e os estudiosos da área comumente apontam. Além disso, pode-se afirmar, também, a
necessidade de se ouvir, cada vez mais, autoridades envolvidas na prática com o novo tipo penal
trazido a estudo, a fim de se buscar críticas, sugestões e soluções advindas de quem tem contato
direto com os sujeitos do crime.
Dos dados levantados na pesquisa de campo, revela-se um número de somente três registros
formais, todos eles vindos de mulheres, na 5ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher
de Pernambuco, número alarmantemente pequeno, considerando-se o corte temporal de um ano
e se tratar de um crime que tanto viola direitos e garantias constitucionalmente protegidos, como
a igualdade, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das vítimas.
Ainda acerca da entrevista feita, percebem-se respostas, advindas dos apontamentos
levantados, que embasam a problemática, presente na pesquisa, de modo que o sujeito
entrevistado enfatiza a exposição a que as vítimas do delito são submetidas, isso com a agravante
de que os autores do crime são, nos casos discutidos, homens que tiveram relações de confiança
ou íntimas de afeto com aquelas.
Assim, seja como forma de desanimar o comportamento criminoso discutido, seja como
uma maneira de punir mais incisivamente os autores do crime, através das perguntas, foram
alcançados apontamentos sobre a quem mais interessa a criação da nova lei: a vítima. De acordo
com as respostas ofertadas pela delegada entrevistada, a(o) ofendida(o) deve se respaldar ao
máximo, desde quando começar a ser ameaçada pelo possível autor, salvando, por exemplo,
conversas trocadas no WhatsApp, além de depositar sua confiança no trabalho especializado
desempenhado pelas delegacias das mulheres.

65
É notório que o tipo penal observado é consideravelmente recente, e que o tema em tela foi
tratado em um recorte espacial e temporal curtos, tendo em vista a inquietação de se abordar o
assunto de maneira específica, o que denota a importância de se dar continuidade aos estudos
sobre o assunto, embora os objetivos propostos neste artigo tenham sidos alcançados.
Conclui-se, por fim, que diante de delitos contra a dignidade sexual, como é caso do
de divulgação de cena de sexo, nudez ou pornografia, sem a aquiescência da vítima, o mais
importante e o que nunca se deve perder de vista é o olhar humano e cuidadoso para com as
vítimas, sabidamente, na maioria dos casos, crianças, adolescentes e adultos do sexo feminino,
que devem encontrar o devido apoio de pessoas mais próximas, bem como do Estado.

REFERÊNCIAS

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Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
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Penal. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.
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______. ______. Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções


Penais. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3688.htm. Acesso em: 25 out. 2020.

______. Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7


de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar os crimes de importunação sexual e de
divulgação de cena de estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos
crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas
de aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estupro
coletivo e o estupro corretivo; e revoga dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de
1941 (Lei das Contravenções Penais). Brasília: Presidência da República, 2018. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13718.htm. Acesso em: 25 out.
2020.

CUNHA, Rogério Sanches. Legislação: lei nº 13.718/2018 introduz modificações nos crimes
contra a dignidade sexual. Meu Site Jurídico, 2018. Disponível em: https://s3.meusitejuridico.
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GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos metodologia científica.


4. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

ROSA, Mariana Carneiro. Crimes contra a liberdade sexual: análise críticas dos reflexos à
vítima mulher. Âmbito Jurídico, 2020. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/
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Acesso em: 02 out. 2020.

SANTOS. Silvia Chakian de Toledo. Novos crimes sexuais, a lei 13.718/18 e a questão de
gênero na aplicação do direito. Agência Patrícia Galvão, 2018. Disponível em: https://
agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencia-sexual/novos-crimes-sexuais-a-lei-13-718-18-e-
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66
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa
qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

VENTURA, Denis Caramigo. O crime de divulgação de cena de sexo, nudez ou pornografia.


Direito Net, 2019. Disponível em: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/11211/O-crime-de-
divulgacao-de-cena-de-sexo-nudez-ou-pornografia. Acesso em: 01 out. 2020.

67
CAPÍTULO 6

A ERA DIGITAL E A PRÁTICA DE CRIMES


CIBERNÉTICOS: UMA ANÁLISE SOBRE O PRINCÍPIO DA
EXTRATERRITORIALIDADE

Caio César Dutra Lira


Ana Alice Ramos Tejo Salgado

68
A ERA DIGITAL E A PRÁTICA DE CRIMES CIBERNÉTICOS: UMA ANÁLISE SOBRE O
PRINCÍPIO DA EXTRATERRITORIALIDADE

Caio César Dutra Lira16


Ana Alice Ramos Tejo Salgado17

RESUMO

O presente estudo tem por objetivo tratar sobre a criminalidade na seara digital e a aplicação da lei
penal brasileira nos casos em que se vislumbra a possibilidade da aplicabilidade do princípio da
extraterritorialidade. Para tanto, foi feita uma análise histórica do surgimento e desenvolvimento
da internet e se discute como, a partir desse processo, esse espaço passou a ser utilizado para
a prática de crimes, fazendo surgir a necessidade da adequação da norma à nova modalidade
delitiva proveniente do meio digital. Buscando entender como a lei brasileira seria aplicada ao fato
cometido no estrangeiro, discutiu-se sobre pontos basilares da lei penal pátria, tais como a teoria
geral da norma, a finalidade do direito penal e os conflitos de leis no espaço, tópico onde o princípio
da extraterritorialidade passa a ser debatido. Para solucionar os questionamentos provenientes
do estudo do tema, utilizou-se como metodologia uma pesquisa bibliográfica em livros e artigos
para melhor embasamento teórico sobre aquilo que o artigo se propõe a discutir. Dessa maneira,
foi possível observar que a aplicabilidade da lei brasileira ao agente que se encontra fora do
território nacional é fundamental para que haja um efetivo combate à criminalidade digital e para
que se assegure a proteção dos direitos da coletividade.

Palavras-chave: Internet. Crimes Cibernéticos. Código Penal Brasileiro. Extraterritorialidade.

ABSTRACT

The present study aims to deal with digital crime and the application of Brazilian criminal law in
cases where the possibility of applying the principle of extraterritoriality is envisaged. Therefore, a
historical analysis of the emergence and development of the internet was made and it is discussed
how, from this process, this space started to be used for the practice of crimes, making the need to
adapt the norm to the new criminal modality arising from the digital medium. Seeking to understand
how Brazilian law would be applied to the fact committed abroad, we discussed basic points of
the national criminal law, such as the general theory of the rule, the purpose of criminal law and
the conflicts of laws in space, a topic where the principle extraterritoriality starts to be debated.
To solve the questions arising from the study of the theme, a bibliographic research in books and
articles was used as methodology for a better theoretical basis on what the article proposes to
discuss. Thus, it was possible to observe that the applicability of Brazilian law to agents outside
the national territory is fundamental for an effective fight against digital crime and for the protection
of the rights of the community.

Keywords: Internet. Cyber Crimes. Brazilian Penal Code. Extraterritoriality.

1 INTRODUÇÃO

O debate sobre a criminalidade na era digital se torna cada vez mais relevante em meio a
um mundo que está constantemente conectado. A evolução da tecnologia, resultado de todo um
16 Graduando do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB. E-mail: caiocesar.dlira@gmail.com
17 Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ. Professora da Universidade Estadual
da Paraíba e da Centro Universitário UNIFACISA. E-mail: anatejo@uol.com.br.

69
processo histórico que tem início no século XX, nos Estados Unidos, mudou a forma como vive o
homem. Hoje é possível ter acesso a praticamente tudo em tempo extremamente curto por meio
da internet.
Essa modernização refletiu também no Direito, especialmente no Direito Penal, uma vez
que o homem se valeu da modernização dos meios para a prática de crimes. Atualmente a
sociedade vive sob a constante ameaça de cyber criminosos, indivíduos que se valem das novas
possibilidades provenientes da web para causar danos a outrem.
O objetivo geral do presente estudo é entender como a revolução digital fez surgir a modalidade
dos cibercrimes e como o direito teve que se adequar à nova modalidade delitiva para ser
aplicado de maneira efetiva no combate ao crime. O objetivo específico é discutir a possibilidade
de aplicação do princípio da extraterritorialidade aos fatos criminosos cometidos fora do território
nacional.
Os constantes debates da comunidade jurídica em muito contribuíram para que o
ordenamento jurídico brasileiro acompanhasse as mudanças advindas da era digital e assim
fosse capaz de garantir a efetiva aplicabilidade das normas de Direito penal e com isso assegurar
a proteção dos direitos fundamentais de todos os indivíduos.
Para a construção desse artigo buscou-se pela pesquisa bibliográfica, uma vez que permite
ao pesquisador investigar uma gama de fenômenos dispersos para serem aqui expostos e
dialogados na medida em que forem surgindo problemas de pesquisas. Nesse sentido, o caráter
bibliográfico pode auxiliar no que se refere ao rastreio de ideias, colaborando para a construção
da criticidade do sujeito por meio de fontes seguras, conforme Gil (2002). Nesse caso, foram
examinados livros e artigos científicos para embasar a teoria sobre a temática na perspectiva de
diversas referências, assim, informa aos leitores para haver a sapiência do panorama complexo
sobre tal assunto (SOUZA et al., 2010, p. 2).
Assim, para a análise do princípio da extraterritorialidade em crimes cibernéticos apresenta-
se o surgimento e a expansão da Internet para estabelecer uma relação entre o aumento
de usuários e a expansão de crimes. Em sequência, será descrito, na perspectiva do direito
penal, sua aplicabilidade e como esta prática está ligada aos crimes digitais no exercício da
atividade delituosa, bem como suas leis para a investigação. A partir disso, se discute sobre a
extraterritorialidade e como ela se aplica, tudo apoiado em artigos científicos.

2 O SURGIMENTO E A EXPANSÃO DAS ATIVIDADES REALIZADAS ATRAVÉS DA INTERNET

Ao longo dos séculos a inquietude humana foi responsável por grandes descobertas que
mudaram o cotidiano do homem. A internet, marco do século XX, foi desenvolvida na década
de 60, nos Estados Unidos, por universidades que, unidas, trabalhavam em prol da ARPANET
(Advanced Research Projects Administration ou Administração de Projetos de Pesquisas
Avançadas) cuja utilização era, exclusivamente, voltada para as Forças Armadas corroborada
por Crespo (2011).
O princípio norteador de tal projeto era descentralizar o comando, fazendo com que esse
não estivesse concentrado em um único ponto, mas distribuído em pontos semelhantes. Tal
estratégia garantiria o contínuo funcionamento da rede em situações de ataque pontuais (BRASIL,
2006; CRESPO, 2011).
A nomenclatura “Internet” surgiria décadas depois, momento em que, a tecnologia que
outrora havia sido desenvolvida para fins militares, justificada pela Guerra Fria, passava a ser
utilizada por universidades norte americanas e, a posteriori, por institutos de pesquisa de outras
nações.
Na rede mundial de computadores, “Internet”, dispositivos estavam interligados entre si
por um conjunto de regras padronizadas para a transmissão de mensagens, que determinavam

70
o formato, a sincronização e a verificação de erros em comunicação de dados. Essas regras
receberam o nome de Protocolo. (BRASIL, 2006).
É na década de 90 que a Internet passa a ser utilizada para fins comerciais, finalidade que
foi resultado do surgimento da “World Wide Web” (Rede Mundial de Computadores). O protocolo
“http” responsável pela navegação em páginas “Web” define uma mensagem como “formato de
texto ou mídia (imagens e arquivos de áudio e vídeo), organizadas de forma a que o usuário
possa percorrer as páginas na rede (isto é, “navegar”), a partir de sequências associativas-links
(BRASIL, 2006).
O número de usuários conectados à internet progride ao longo das décadas. Conforme
dados da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2019, existem 4,1 bilhões de pessoas
com acesso à internet, o que corresponde a 53,6% da população de todo o mundo. (VALENTE,
2020).
No Brasil, segundo dados divulgados pela Agência Brasil, em matéria publicada no website
em maio de 2020, 134 milhões de pessoas possuem acesso à internet, montante que corresponde
a 63% da população de 212 milhões de brasileiros. Essa é a projeção da população do Brasil e
das Unidades da Federação segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em
comparação aos dados da Agência Brasil.
Não há dúvidas de que a Internet modificou as atividades cotidianas e as relações sociais
dos indivíduos, tais como, ouvir músicas, interagir com outras pessoas, ter acesso a uma série
informações, realizar compras etc. Por outro lado, a expansão dos usuários da Internet indica a
necessidade de proteção jurídica das mais variadas áreas, mas, para fins de objeto de estudo do
artigo, destaca-se o impacto como meio de execução de ilícitos penais.
O aumento no número de usuários é uma realidade comprovada e o risco de encontrar
usuários que se valem da rede mundial de computadores para cometer crimes é recorrente,
fazendo surgir uma nova categoria de delitos, denominados cibernéticos. (BRASIL, 2006).
Conforme dito, um dos aspectos do protocolo “http” permite que o usuário percorra as
páginas da “web”, navegando por vários lugares e realizando as mais diversas atividades,
inclusive condutas definidas na legislação brasileira como delitos. Nessa perspectiva, o direito
penal interespacial e, em particular, o princípio da extraterritorialidade ganha novos contornos,
uma vez que a execução e a consumação dos crimes se diluem na rede.

3 O PRINCÍPIO DA EXTRATERRITORIALIDADE E OS CRIMES CIBERNÉTICOS

Para discutir a prática de crimes cibernéticos sob a ótica do princípio da extraterritorialidade,


parte-se da teoria da norma penal que tem, entre suas finalidades, estudar eventuais conflitos de
incidência da legislação penal no tempo e no espaço.
As normas penais são classificadas em normas penais incriminadoras e as normas penais
não incriminadoras. As normas penais incriminadoras possuem a função de definir as infrações
penais, impondo condutas ou as proibindo, sob a ameaça de sanção. Ao analisar os tipos
penais incriminadores, é possível identificar a existência de dois preceitos, o primário, função de
descrever detalhadamente a conduta que se pretende proibir ou impor; e o preceito secundário
que tem a função de individualizar a pena (GRECO, 2015).
Por outro lado, as normas penais não incriminadoras têm por finalidades tornar lícitas
determinadas condutas, afastar a culpabilidade do agente, esclarecer determinados conceitos
e fornecer princípios gerais para a aplicação da lei penal. Podem ser subdivididas em normas
permissivas, explicativas e complementares. As normas permissivas se subdividem em normas
permissivas justificantes, que têm por objetivo afastar a ilicitude da condita do agente; e normas
permissivas exculpantes, que têm por objetivo eliminar a culpabilidade, isentando o agente
da pena. Já as normas penais explicativas têm a função de esclarecer conceitos. As normas

71
penais complementares têm por objetivo fornecer princípios gerais para a aplicação da lei penal
(GRECO, 2015).
O princípio da extraterritorialidade se insere na modalidade de norma penal não incriminadora
explicativa, que permite estabelecer a possibilidade da aplicação da lei penal brasileira em crimes
em outros países.
Importante destacar que a norma penal incriminadora será aplicada aos fatos que geram
reprovação social. O objetivo do Direito Penal é proteger valores fundamentais indispensáveis
para a subsistência da sociedade; os bens mais valiosos, valor esse que não pode ser mensurado
por valores econômicos, em virtude dos demais ramos do Direito não garantirem efetivamente a
proteção deles (GRECO, 2015).
Para que os bens jurídicos tutelados sejam efetivamente protegidos, o Estado se vale não
apenas pela intimidação da coletividade, mas também pela celebração de compromissos éticos
com os indivíduos, onde seja possível alcançar respeito à norma e a partir disso haja efetivação
da Justiça (CAPEZ, 2012).
Para correlacionar os crimes cibernéticos e o princípio da extraterritorialidade é necessário
discutir as hipóteses legais em que a norma penal alcança fatos cometidos no estrangeiro, norma
que pretende estabelecer regras para um conflito de leis no espaço.
No âmbito do conflito de leis no tempo, o campo de validade da lei penal brasileira é delimitado
pelo Código Penal com observância a dois vetores, são eles: a territorialidade, prevista no artigo
5º do Código Penal, e a extraterritorialidade, prevista no artigo 7º do CP (MASSON, 2019).
Considerando que o lugar onde o crime foi praticado é o ponto que distingue os dois vetores
citados, é necessário conhecer a norma definidora do lugar do crime nos termos da legislação
penal brasileira.
Três teorias tratam a respeito do lugar onde o crime foi praticado. A primeira, denominada a
teoria da atividade, determina que o local do crime é onde a ação ou omissão descrita em norma
incriminadora se desenvolveu, assim a execução do crime é ponto central dessa teoria. Já a teoria
do resultado determina que é considerado local do crime o lugar onde o resultado se apresentou.
Por fim, tem-se a teoria mista ou da ubiquidade, que amplia a determinação do local do crime
ao unificar as teorias anteriores. Assim, é local do crime tanto onde ocorreu a ação ou omissão
quando onde se desenvolveu o resultado. O Código Penal Brasileiro adotou a teoria mista ou da
ubiquidade como norma penal não incriminadora e explicativa do fator determinante para distinguir
a aplicação dos princípios de conflito de leis no espaço, territorialidade e extraterritorialidade.
O princípio da territorialidade tem previsão legal no art. 5º, caput do Código Penal Brasileiro.
É a regra quando se debate a aplicação da lei brasileira. A norma define a aplicação da lei
brasileira aos crimes cometidos em território nacional, sem prejuízo de convenções, tratados e
regras de direito internacional. Observa-se que o Brasil, mesmo sendo um Estado soberano, em
determinadas situações, pode renunciar à aplicação de sua legislação, em virtude de convenções,
tratados e regras de direito internacional, tal como previsto do caput do artigo referido (GRECO,
2015).
Já a extraterritorialidade possui previsão legal no artigo 7º do Código Penal brasileiro. Tal
princípio, que é contrário à ideia do princípio da territorialidade, tem por objetivo discutir hipóteses
em que a lei brasileira será aplicada a infrações penais cometidas além das fronteiras nacionais,
no estrangeiro (GRECO, 2015).
A extraterritorialidade possui duas formas, são elas a forma incondicionada e a forma
condicionada. A primeira recebe tal nomenclatura pois se refere ao fato da norma brasileira não
se subordinar a qualquer condição para alcançar o crime cometido fora do território nacional e
cujas hipóteses são previstas no inciso I do artigo 7º. Na segunda espécie de extraterritorialidade
a lei nacional poderá ser aplicada aos crimes cometidos no estrangeiro desde que obedecidas
as condições existentes no parágrafo segundo e nas alíneas a e b do parágrafo terceiro do artigo

72
sétimo do Código Penal (CAPEZ, 2012).
É possível identificar quando e como a lei penal brasileira será aplicada ao agente que
se encontra em território estrangeiro, contudo, resta entender como o cibercrime implicará a
aplicação da lei ao agente que o pratica.
O crime virtual pode ser entendido como conduta típica, ilícita e culpável, praticada a partir
de um computador que está conectado à internet. Os cibercrimes são classificados em próprios,
ou puros, e impróprios, ou impuros. Dessa forma, sobre tal classificação, serão crimes próprios
aqueles em que o sujeito ativo utiliza o sistema informático do sujeito passivo como objeto e meio
para a prática do crime, cometendo atos como invadir sistemas para modificar dados, alterá-los
ou inserir dados falsos, que só poderão ser concretizados pelo computador. Os crimes impróprios
são aqueles em que o sujeito ativo utiliza o computador, a máquina propriamente, para a prática
de crimes, contudo, essa não será essencial para a concretização do ato e para que se atinja o
objetivo pretendido, a título de exemplo, é possível citar o crime de pedofilia como uma espécie
de crime cibernético impróprio (ALMEIDA et al., 2015).
Nos crimes cibernéticos, é extremamente difícil identificar o agente autor do ilícito pela
ausência física de tal sujeito. Para solucionar tal problema, foi necessário traçar um perfil do
indivíduo ou dos grupos de indivíduos que praticam crimes por meio da internet. Surge, então, a
figura do hacker cujo significado do termo é pessoa com vasto conhecimento na área informática,
excessivamente proficiente em programar ou usar computadores. Contudo o termo hacker refere-
se, apenas, a um gênero, as espécies variam de acordo com as práticas. Dentre tais espécies
existem os crackers, que agem de maneira criminosa e premeditada e cujo objetivo é obter
vantagens ilícitas (ALMEIDA et al., 2015).
Quando um crime é praticado pela internet, devem ser tomadas determinadas providências
para a apuração dos fatos. Primeiramente é necessário identificar qual o meio utilizado para a sua
prática, seja um site, e-mail, algum aplicativo etc. Cada um desses meios possui características
diferentes, assim, as medidas as serem tomadas serão igualmente diferentes (ROCHA, 2013).
É possível afirmar que as evidências dos crimes cibernéticos possuem as seguintes
características: 1) Um formato complexo, 2) são voláteis, o que permite que sejam, alteradas,
apagadas e facilmente perdidas e 3) costumam estar misturadas com uma significativa quantidade
de dados legítimos, o que exige daqueles que investigam os fatos uma análise mais apurada
(ROCHA, 2013).
O número de IP é uma das mais importantes evidências que podem ser coletadas durante
a investigação. O IP é um número de identificação que os computadores possuem. Ele deverá
estar acompanhado da data e hora exatas em que houve a conexão ou comunicação e o fuso
horário do sistema (BRASIL, 2006).
A partir da identificação do endereço IP correspondente à ação na internet é possível
identificar o local de origem do registro, contudo, existem meios de burlar tal evidência, como,
por exemplo, redes wifi abertas e a utilização de documentos cadastrais falsos, o que exige do
investigador maior atenção para a existência de tais meios que buscam dificultar a averiguação
do delito (ROCHA, 2013).
A partir da investigação e apuração dos fatos, o Estado entra em cena para aplicar a lei
penal ao agente que cometeu o ilícito e, diante da possibilidade de o autor estar fora do território
nacional, passa a se analisar se o princípio da extraterritorialidade é aplicado.
Conforme foi exposto, a utilização dos meios digitais para a prática de crimes tem sido cada
vez mais frequente, isso gera uma grande dificuldade para o Direito Penal se adaptar a esse
contexto. Fato é que o Direito em si não tem conseguido acompanhar o rápido avanço advindo
das novas tecnologias.
A internet é um ambiente sem fronteiras que propicia ao usuário uma liberdade que foi
responsável pelo desenvolvimento de uma nova modalidade de crimes são esses os crimes

73
cibernéticos, ou cibercrimes, esses são praticados por agentes que se valem do anonimato na
rede mundial de computadores para cometer atos reprováveis que podem ser classificados como
crimes ou como infrações penais.
Diante desse cenário caótico, surge a necessidade da adequação da norma penal e dos
princípios que a regem para combater o crime. Nesse sentido, o princípio da extraterritorialidade
surge como um mecanismo de aplicação e alcance da lei ao agente que se encontra além das
fronteiras nacionais.
Tendo em vista as dificuldades existentes, anteriormente citadas, é necessário que haja um
estímulo para que a lei passe a ser interpretada de maneira ampla e cujo alcance também seja
estendido. A ideia de extraterritorialidade encontra fundamentação legal no texto do Código Penal
Brasileiro, dentro das hipóteses legais previstas, e é indiscutível que tal princípio é fundamental
para o enfrentamento a modalidade de crime proveniente da era digital, além de ser uma importante
ferramenta para que a lei atinja seu fim e garanta a proteção dos bens jurídicos tutelados.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi discutido em tal pesquisa, é notório que o debate e estudo sobre o tema
em muito enriquece todos aqueles que lidam diariamente com o direito, seja como profissional da
área, seja como acadêmico que está construindo seu futuro profissional. A pesquisa é o caminho
correto e ideal para que, cada vez mais, o conhecimento seja disseminado e alcance a todos,
o que em muito irá somar para o conhecimento técnico e científico daqueles que tem sede de
saber.
O estudo sobre a aplicação da norma penal brasileira ao agente que se encontra fora do
país em muito acrescenta para que haja um avanço no estudo do direito e no combate a essa
nova modalidade de crimes, além do que é uma discussão muito importante por se tratar de algo
proveniente de uma realidade relativamente nova. Basta observar que a internet se popularizou
e alcançou o mundo todo há poucas décadas. Anteriormente, ela era um objeto de pesquisa
utilizada para fins militares em um dos períodos mais importantes da história recente, e cujos
reflexos podem ser sentidos até hoje. Os resultados podem ser vistos diariamente dentro e fora
das casas, na verdade, nesse exato momento é possível desfrutar de um dos resultados desse
evento histórico, a utilização da máquina e da rede.
O tema, embora pouco explorado, é de grande relevância para a comunidade jurídica
brasileira. Entender como a lei pátria se aplica ao agente que se encontra fora do território
nacional dá ao operador do direito possibilidades de alcançar o fato ilícito e punir seu agente por
ter atentado contra os bens jurídicos tutelados pelo ordenamento criminal brasileiro.
Diante do exposto, é possível afirmar que a aplicação da norma penal brasileira ao crime
cometido no estrangeiro por meio da internet é perfeitamente possível e necessária para que os
criminosos não saiam impunes das situações em que causam danos a outrem.
É necessário que o Brasil esteja efetivamente pronto para tratar tal matéria de forma correta,
garantindo que a lei seja cumprida e alcance a tudo e a todos, não havendo na população o
anseio por justiça, mas sim a certeza de que o ordenamento jurídico está pronto para agir contra
a criminalidade e garantir a preservação dos direitos e garantias fundamentais de todos.

REFERÊNCIAS

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Humanas e Sociais UNIT, Aracaju, v. 2, n. 3, p. 215-236, mar. 2015.

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AHLGREN, Matt. 100+ estatísticas e fatos da internet para 2020. WebsiteHostingRating.
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BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


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São Paulo: MPF/PGR-SP, 2006. Disponível em: http://tmp.mpce.mp.br/orgaos/CAOCRIM/
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______. ______. MPF discute estratégias de combate a crimes cibernéticos na Câmara.


Brasília: MPF, 2019. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-discute-
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2020.

______. Presidência da República. Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código


Penal. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 25 out. 2020.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. volume 1. 16. ed. São Paulo: Saraiva,
2012.

CRESPO, Marcelo Xavier de Freitas. Crimes digitais. São Paulo: Saraiva, 2011.
Disponível em: https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=Px9nDwAAQBAJ&o
i=fnd&pg=PT8&dq=criminalidade+digital+&ots=8btu0mhbOI&sig=JT9GghiReM-LEccfU_
Uek8NAtEo#v=onepage&q=criminalidade%20digital&f=false. Acessado em: 28 de outubro de
2020.

ESTUDO da ONU revela que mundo tem abismo digital de gênero. ONU News, 06 nov. 2019.
Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2019/11/1693711. Acesso em: 16 nov. 2020.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.

MASSON, C. Direito penal: parte geral (arts. 1º a 120) volume 1. 16. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019.

ROCHA, Carolina Borges. A evolução criminológica do direito penal: aspectos gerais sobre os
crimes cibernéticos e a Lei 12. 737/2012. Jus Navigandi, v. 18, n. 3706, 2013. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/25120/a-evolucao-criminologica-do-direito-penal-aspectos-gerais-
sobre-os-crimes-ciberneticos-e-a-lei-12-737-2012. Acessado em: 16 nov. 2020.

VALENTE, Jonas. Brasil tem 134 milhões de usuários de internet, aponta pesquisa. Agência
Brasil, Brasília, 26 maio 2020. Geral. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/
noticia/2020-05/brasil-tem-134-milhoes-de-usuarios-de-internet-aponta-pesquisa. Acesso em:
28 out. 2020.

75
CAPÍTULO 7

ABORDAGEM JURÍDICA ACERCA DO


COMPARTILHAMENTO DE IMAGENS DE VÍTIMAS DE
ACIDENTES E DEMAIS FATALIDADES

Rayane Maria da Costa


Stefane de Brito Soares
Ana Alice Ramos Tejo Salgado
ABORDAGEM JURÍDICA ACERCA DO COMPARTILHAMENTO DE IMAGENS DE
VÍTIMAS DE ACIDENTES E DEMAIS FATALIDADES

Rayane Maria da Costa18


Stefane de Brito Soares 19
Ana Alice Ramos Tejo Salgado20

RESUMO

O presente artigo tem como principal objetivo discutir as consequências jurídicas do compartilhamento
e veiculação indevida de fotografias de vítimas gravemente feridas e fatais, através das mídias e
redes sociais, sob a ótica da legislação brasileira, tendo em vista os inúmeros impactos negativos
acarretados por esse tipo de ação. A pesquisa leva em consideração o cenário de crescimento
do mundo tecnológico e cibernético, haja vista que a criação acelerada de novas ferramentas de
expansão dessa realidade virtual resultou em um ambiente de violações dos direitos à privacidade,
imagem e à honra, fazendo-se necessário garantir o exercício da cidadania digital, prevenindo e
punindo comportamentos lesivos. O estudo orientou-se pelo método dialético, além de utilizar-
se como tipos de pesquisa, quanto aos fins, a investigação explicativa, e quanto aos meios, a
pesquisa documental e bibliográfica. A análise tem como base o direito de imagem e privacidade,
em casos concretos nos quais ocorre o registro e/ou compartilhamento de imagens de vítimas de
acidente, homicídios e demais fatalidades. Desse modo, concluímos que os parâmetros legais
existentes no ordenamento jurídico brasileiro tendem a adaptar-se com maior celeridade aos
referidos dilemas cibernéticos, visando não apenas reduzir as supracitadas práticas criminosas,
mas especialmente dar uma resposta mais humana e certo sentimento de justiça ao de cujus e
seus familiares que sofreram com tamanhas violações. É possível proporcionar um modelo de
cidadania digital que permita a convivência na rede mais humana, consciente e responsável,
para evitar que indivíduos tenham suas memórias manchadas pelo fascínio ao horror alimentado
na internet.

Palavras-chave: Direito de Imagem. Redes Sociais. Crime de Vilipêndio a Cadáver.

ABSTRACT

The main objective of this article is to discuss the legal consequences of sharing and improperly
broadcasting photographs of seriously injured and fatal victims, through the media and social
networks, from the perspective of Brazilian legislation, in view of the countless negative impacts
caused by this type of action. The research considers the growth scenario of the technological
and cyber world, given that the accelerated creation of new tools for the expansion of this virtual
reality resulted in an environment of violations of the rights to privacy, image and honor, making
it necessary to guarantee the exercise of digital citizenship, preventing and punishing harmful
behaviors. The study was guided by the dialectical method, in addition to being used as types
of research, in terms of ends, explanatory research, and in terms of means, documentary and
bibliographic research. The analysis is based on the right to image and privacy, in specific cases

18 Graduanda do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB, Campus I. E-mail: rayanee_2012@


hotmail.com.
19 Graduanda do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB, Campus I. E-mail: stefanebriito2@
gmail com
20 Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ. Professora da Universidade Estadual
da Paraíba e da Centro Universitário UNIFACISA. E-mail: anatejo@uol.com.br.

77
in which the registration and / or sharing of images of victims of accidents, homicides and other
fatalities occurs. Thus, we conclude that the legal parameters existing in the Brazilian legal system
tend to adapt more quickly to the referred cyber dilemmas, aiming not only to reduce the criminal
practices, but especially to give a more humane response and a certain sense of justice to those of
and their family members who suffered from such violations. It´s possible to providing a model of
digital citizenship that allows coexistence in the most human, conscious and responsible network,
to prevent individuals from having their memories tarnished by the fascination with horror fed on
the internet.

Keywords: Image Rights. Social Networks. Corpse Vilification Crime.

1 INTRODUÇÃO

No ano de 2015, a dançarina Cícera Alves de Sena, ex-integrante de dois conhecidos grupos
de funk, cujo nome artístico era Amanda Bueno, foi assassinada de forma cruel, em sua própria
residência, pelo então noivo Milton Severiano Vieira, mais conhecido como o Miltinho da Van.
Milton imobilizou Amanda pelo pescoço enquanto, covardemente, batia com sua cabeça contra o
chão e, quando ela parou de resistir, alvejou-a com diversos tiros na cabeça, vindo assim a óbito
mais uma jovem de 29 anos, vítima de feminicídio (BORGES, 2015).
Com todo o ocorrido, e mesmo em meio ao desespero de perder um ente querido de forma
tão trágica, a família ainda precisou lidar, no momento do velório de Amanda, com o vazamento
de imagens da vítima enquanto passava pela necropsia no Instituto Médico Legal (IML) de Nova
Iguaçu-RJ.
Haja vista a grande repercussão do caso, ocorreu o tão temido compartilhamento em massa
das fotos de Amanda, havendo sido violados os direitos à privacidade, imagem e à honra da
mesma e de seus familiares.
Diante disso, constata-se que mesmo após anos de convivência com a internet, os juristas
e legisladores ainda encontram muitas dificuldades para proteger os direitos de personalidade no
ambiente virtual. É fato que nada escapa à internet, e qualquer informação nela inserida poderá
tomar dimensões irreparáveis, pois “uma vez presente na internet, sempre estará lá”.
Permeado pela complexidade do tema, o presente artigo, intitulado “Abordagem jurídica
acerca do compartilhamento de imagens de vítimas de acidentes e demais fatalidades”, tem
como objetivo principal discutir as consequências jurídicas do compartilhamento e veiculação
indevida de fotografias de vítimas gravemente feridas e fatais, através das mídias e redes sociais,
sob a ótica da legislação brasileira, tendo em vista os inúmeros impactos negativos acarretados
por esse tipo de ação, a fim de propor aos leitores uma reflexão acerca da forma como essas
condutas vêm sendo aceitas com tanta naturalidade, mesmo indo de encontro a princípios,
direitos e valores basilares da nossa sociedade moderna.
Nesse contexto, nota-se que as redes sociais deixaram de ser meros portais de comunicação
entre os indivíduos, passando a ser o mundo real de muitos e tornando-se cenário de latente
violação de direitos, por indivíduos que vigiam, registram e divulgam imagens de pessoas e
eventos, em tempo real e ao redor de todo o planeta, sem o menor senso de responsabilidade ou
sensibilidade com toda a coletividade.
Assim sendo, à medida que o mundo tecnológico e cibernético se desenvolve, vemos
a criação acelerada de novas ferramentas de expansão dessa realidade virtual, mudando
constantemente o comportamento dos indivíduos.
E por pior que seja ler a história acima mencionada, uma das atitudes mais comuns da
atualidade, e que justifica a presente pesquisa, é o ato de fotografar vítimas de acidentes, vítimas
de homicídios, corpos que são submetidos a exames médico-periciais e divulgar nas grandes

78
mídias. Muito embora seja uma conduta que afronte diretamente os princípios morais e jurídicos
que tutelam a proteção da imagem e honra das pessoas, tem-se utilizado desse tipo de conteúdo
para fomentar blogs, grupos de WhatsApp, e outros meios de comunicação, transformando o
indivíduo dotado de personalidade jurídica em apenas mero produto da internet.
Na busca de audiência, muitos veículos responsáveis pela divulgação de informação
ajudam na disseminação de tais imagens, o que nos leva a uma discussão difícil, tendo em
vista as situações lesivas de tais práticas com consequências nos âmbitos constitucional, cível
e penal. Isto porque, além de lidarmos com os contornos do direito à imagem e a ampliação do
rol de garantias por ele protegidos, ainda temos que levar em consideração a questão, em linhas
gerais, da impossibilidade de processar criminalmente empresa de comunicação como sujeito
ativo de delitos.
Em razão da profundidade jurídica e sociológica dos aspectos apresentados, bem como
da relevância de se proteger os direitos mais intrínsecos aos seres humanos, quais sejam, os
direitos de personalidade, buscamos desenvolver uma problemática a respeito da permissão e
remoção de tais conteúdos na internet, de forma que haja a devida sanção do agente - quer seja
ela na esfera cível ou penal - visando a reparação integral dos danos causados aos familiares
pelo uso indevido da imagem das vítimas.
Por outro lado, será levantado no presente estudo um contraponto a respeito da importância
de perquirir o consentimento de uso da imagem pelos titulares do direito e das possibilidades de
utilização da referida imagem pelas empresas de comunicação sem autorização prévia.
Ante o exposto, o que se vem a questionar é: quais são as consequências jurídicas previstas
na legislação brasileira atual para os agentes que compartilham imagens de pessoas mortas,
vítimas de acidentes e demais fatalidades nas redes sociais e na internet de forma geral?
No tocante à metodologia, as fontes condutoras para o desenvolvimento do presente
artigo baseiam-se em artigos, teses e trabalhos acadêmicos sobre direito de imagem, direito à
privacidade e a honra, sob a ótica de estudos voltados aos cibercrimes e segurança digital. Essas
fontes possibilitaram uma pesquisa documental de caráter exploratório e bibliográfico sobre a
temática, viabilizando um melhor direcionamento para os resultados.
Desta feita, fora utilizado o chamado método dialético, levando em consideração que os
fatos traçados por esta pesquisa não podem ser considerados fora do contexto social, pois como
bem articula Gil (1999, p. 31-32) “a lógica e a história da humanidade seguem uma trajetória
dialética, nas quais as contradições se transcendem, mas dão origem a novas contradições que
passam a requerer solução”.
Referente aos tipos de pesquisas, serão considerados os critérios de classificação propostos
por Vergara (2009, p. 42), quanto aos fins, utilizando-se a investigação explicativa, e quanto aos
meios, a pesquisa documental e bibliográfica.
A pesquisa bibliográfica se desenvolveu com base em material publicado em livros, artigos e
revistas que tratem sobre o assunto, buscando a fundamentação para a análise e contextualização
dos dados obtidos ao longo do estudo.

2 A AMPLITUDE DO MUNDO DIGITAL E A DIFICULDADE DE PUNIR ENFRENTADA PELO


ORDENAMENTO JURÍDICO

Previamente, cabe iniciarmos a discussão pela chamada cidadania digital – não muito
diferente da cidadania social e civil – a qual, consiste no exercício, por parte do indivíduo, dos
direitos e deveres sociais, civis e políticos no âmbito virtual, efetuando a utilização apropriada e
responsável dos recursos tecnológicos. (RIBBLE, 2015). A prática de tal cidadania é de extrema
importância, haja vista as grandes proporções que um ato lesivo pode alcançar na esfera virtual,
muitas vezes ferindo mais de um direito fundamental resguardado pela legislação brasileira.

79
Nesse sentido, há quase seis anos, foi sancionada no Brasil, pela então Presidenta Dilma
Rousseff, a Lei nº 12.965/14, também conhecida como o Marco Civil da Internet (BRASIL, 2014).
A referida lei causou grande comoção no país por tratar-se de uma espécie de constituição do
mundo digital, consagrando importantes princípios como a liberdade de expressão, a privacidade
e a neutralidade da rede. Ademais, exerce importante papel ao positivar os direitos dos usuários
de internet e definir regras para as empresas que atuam na web.
Entretanto, com a democratização do acesso à internet, o desenvolvimento de aplicativos
e a expansão da tecnologia, o desafio de proteger os direitos da pessoa humana torna-se ainda
maior, tendo em vista a frequente violação destes no meio virtual. E isso não ocorre apenas pela
falta de cidadania digital, mas também pela falta de adequada sanção para cada caso concreto.
Nesse contexto, é sabido que a internet permite a conexão de diversas pessoas ao redor do
mundo, que compartilham suas culturas, saberes, educação e comportamentos, havendo assim,
a necessidade de uniformização global da cidadania digital, bem como abordagens mais flexíveis
no ramo do Direito, com intuito de melhor regrar e sancionar os diversos atos praticados pelos
indivíduos que participam da construção da rede.
Entre os comportamentos do mundo virtual que correspondem a atos lesivos, opta-se por
debater o compartilhamento em massa de fotos e vídeos, através de aplicativos e redes sociais,
de vítimas de assassinatos, suicídios e acidentes, nos mais diversos estados de dilacerações
e vulnerabilidade. Para compreender a importância dessa reflexão, apresenta-se o caso da
dançarina Amanda Bueno. Assassinada pelo companheiro, teve as fotos de sua necropsia
divulgadas em tamanha proporção que chegaram até o conhecimento dos familiares de forma
imediata. Difícil mensurar tamanha crueldade, mas infelizmente Amanda foi apenas mais uma
vítima em meio ao fascínio pelo horror compartilhado na internet.
Os usuários, por sua vez, que consomem e compartilham esse tipo de conteúdo, deixando-
se impactar pela falta de tato que o mundo digital proporciona, acabam por reduzir o indivíduo e
sua imagem a uma concepção plástica, não dotada de personalidade, de sentimentos, realidade
e muito menos de direitos. Analogicamente essa visão distorcida do outro se reflete na profunda
passagem de Rabindranath Tagore em 1915, ao afirmar que “ao arrancar as pétalas, você não
nota a beleza da flor”.
Sendo assim, ao reduzir o indivíduo a apenas uma mera postagem, o violador de direitos, com
a urgência e necessidade de compartilhamento, não se importa se àquele possuía família, quais
serão os efeitos de tal postagem, como os familiares e amigos irão recepcionar tal informação
e não questiona as consequências e dimensões ocasionadas na internet. Não se mensura, por
exemplo, a situação em que se encontrava a família de Amanda Bueno, que além de lidar com a
perda de um ente querido, ainda teve que assimilar a recepção de fotos tão tristes, fotos essas
que ceifaram a lembrança de uma Amanda feliz e cheia de vida, dando lugar a uma Amanda
desfigurada em uma maca de necropsia. Ademais, tendo em vista a dificuldade de tais fotos
sumirem do mundo obscuro da internet, os parentes e amigos de Amanda terão de lidar com
algo muito pior que a perda, que é ter que revivê-la todos os dias de forma tão horrenda através
dessas imagens.
Nessa perspectiva, nota-se que, mesmo com os avanços jurídicos relativos à publicação de
leis como o Marco Civil da Internet, a Lei Carolina Dieckman (Lei nº 12.737) e dentre tantas outras,
ainda se percebe uma elevada escala de violência virtual, que transformou o compartilhamento de
fotos de pessoas mortas, acidentadas e violentadas, em uma verdadeira epidemia. Entende-se
que juridicamente a legislação é avançada, mas a sua “inaplicação” e “inefetividade” favorecem
para que as referidas violações se tornem corriqueiras, o que é algo preocupante.
Em contrapartida, há de se levar em consideração a dificuldade de identificar tais agressores
e ponderar a aplicação das normas principiológicas do direito de imagem com a liberdade de
expressão e direito à informação. Entretanto, efetivando uma aplicação mais eficiente, atenta

80
e severa das normas já existentes, unida com políticas públicas competentes, há de se ter um
resultado bem mais satisfatório e uma grande minimização dos crimes virtuais referentes ao
compartilhamento de fotos de vítimas. Para fornecer a proteção jurídica eficaz, se faz necessário
que as leis sejam aplicadas adequadamente, permitindo que o judiciário mude sua ótica e passe
a perceber que não são casos de meros compartilhamentos de imagens, mas sim situações de
verdadeira violência.

2.1 Os direitos de personalidade e o ordenamento jurídico brasileiro

O Código Civil Brasileiro de 2002 traça, inicialmente, o liame a respeito da capacidade e


personalidade das pessoas, principalmente no que concerne à pessoa natural como sujeito de
direitos e, como decorrência lógica deste preceito, são apresentadas as demais disposições
referentes à personalidade civil do sujeito, haja vista a importância de tal atributo para os atos da
vida civil. Nesse sentido, tem-se que a previsão de um capítulo próprio para tratar dos direitos de
personalidade foi uma das maiores inovações do nosso atual Código Civil, isto porque, tínhamos
uma visão mais patrimonialista na edição anterior (1916), enquanto atualmente temos normas
específicas que tratam essencialmente do indivíduo, o que pode ser resultado do fenômeno da
constitucionalização do direito privado. Assim sendo, enuncia o art. 1º do CC/2002 que “Toda
pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.
Os direitos de personalidade, por sua vez, não surgiram tão apenas com o Código Civil
de 2002. Muito antes já se buscava uma definição para este conjunto de normas que busca
proteger e garantir a dignidade do homem, tanto na doutrina nacional quanto estrangeira. Stolze
e Pamplona (2016, p. 196), conceituam os direitos de personalidade, de forma clara e objetiva,
como “aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em
suas projeções sociais”.
A respeito do início da aludida personalidade, concebe o art. 2º do CC de 2002 que “A
personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro”. (BRASL, 2002). Entretanto, apesar da inteligibilidade do
dispositivo legal ora mencionado, muito discute-se no âmbito jurídico sobre o marco inicial da
personalidade jurídica do indivíduo, advindo diversas correntes que questionam o assunto.
Por outro lado, quanto ao fim da personalidade da pessoa natural, majoritariamente
entende-se que ela cessa com a morte do indivíduo, haja vista o caráter vitalício dos direitos de
personalidade, conforme dicção do art. 6º do CC. Mas afinal, todos os direitos dessas pessoas se
sepultam junto a seu corpo? E quanto a isto não há unanimidade no direito atual.
Não obstante, conforme leciona a legislação pátria, alguns direitos dos mortos permanecem,
diante da possibilidade de os lesados indiretos, ou seja, os familiares, pleitearem indenização
por lesão à honra ou a imagem do de cujus, além do entendimento de que há a existência de
resquícios da personalidade civil do indivíduo.
Ademais, a proteção da imagem do morto também encontra respaldo no Código Penal
Brasileiro, seja por meio do disposto em seu art. 138, §2º, que tipifica a calúnia contra os mortos,
seja por meio do seu art. 212, sendo esse último o ponto crucial para nosso objeto de estudo,
responsável por caracterizar a infração penal de vilipêndio a cadáver, conforme dispõe: “vilipendiar
cadáver ou suas cinzas; pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa”. (BRASIL, 1940).
Assim sendo, é notória a importância que o direito brasileiro deu às questões pertinentes à
personalidade jurídica da pessoa - quer esteja ela no gozo de sua vida ou até mesmo após seu
óbito - mormente na tutela dos direitos à honra e a imagem, os quais são protegidos e garantidos
constitucionalmente, na qualidade de direito fundamental, pelo art. 5º, inciso X, da Constituição
Federal de 1988. (BRASIL, 1988).
Dito isto, e apesar da tamanha repercussão do assunto no mundo jurídico, a sociedade

81
ainda não entendeu a necessidade de efetivar a proteção dos direitos referentes à personalidade
da pessoa. O acesso à internet e a grande utilização das redes sociais fez com que a honra
e a imagem dos indivíduos fossem expostas com uma maior facilidade e em proporções
indeterminadas. O problema ainda ganha dimensões maiores quando a ofensa é direcionada a
alguém que já morreu, sobretudo porque a sociedade aceita isto de forma natural, como se ao
morrer o indivíduo não merecesse mais o respeito e a condolência de todos.

2.2 O conflito existente entre os direitos fundamentais

Nesse diapasão, existem os defensores do compartilhamento de referidas imagens, os


quais utilizam-se, de forma equivocada, do direito à liberdade de informação e publicidade para
justificar tal conduta. Todavia, apesar desses direitos representarem verdadeiro limite ao exercício
daqueles ligados à privacidade do indivíduo, deve-se levar em conta que nenhum direito pode
ser exercido/interpretado de forma absoluta, principalmente nesse caso específico, haja vista
estarmos tratando de direitos igualmente fundamentais, ou seja, garantias previstas pela nossa
Carta Magna, que possuem inclusive qualidade de cláusula pétrea, por constituírem a própria
essência do atual Estado Democrático de Direito.
Deste modo, não há que se falar em sobreposição ou hierarquização de direitos fundamentais,
devendo-se buscar, portanto, a harmonização de tais garantias quando estas venham a entrar
em rota de colisão.
Isto posto, cumpre-nos trazer alguns esclarecimentos acerca do direito à liberdade de
informação, que, além de estar previsto no art. 5º da Constituição de 1988, também é assegurado
por outros dispositivos, a exemplo do art. 220 e seus §§ 1º e 2º, da própria Constituição Federal.
(BRASIL, 1988).
Referido direito consiste basicamente no “direito de estar informado e no direito de ter
e compartilhar informação” (GODOY, 2008, p. 50). Todavia, apesar de ser um dos direitos
fundamentais do cidadão, é de suma importância frisar que o direito à liberdade de informação
abrange o direito da sociedade em ser bem informada, logo, mais que um direito individual,
o direito à liberdade de informação é coletivo e, portanto, deve ser analisado pelo prisma do
interesse público.
Consequentemente, ao verificar esse duplo aspecto da liberdade à informação, considerando
que referida garantia está intrinsicamente ligada aos conceitos de cidadania e democracia, qual
seria o interesse da sociedade como um todo na exposição de imagens de pessoas mortas e
dilaceradas? Na maior parte das vezes essas pessoas sequer exercem alguma atividade pública
passível de justificar referida conduta.
É justamente levando em conta essa total ausência de interesse público, aliada à necessidade
de proteger a privacidade do indivíduo, que pensamos ser razoável e imprescindível, nas situações
já mencionadas, encontrar o ponto de harmonia entre os direitos conflitantes.
Assim sendo, e levando em conta o caráter principiológico dos direitos fundamentais, temos
que “os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma lógica do tudo ou nada, antes podem
ser objeto de ponderação e concordância prática, consoante o seu peso e as circunstâncias do
caso” (CANOTILHO, p. 190), logo, não podemos fazer uso das regras atinentes à resolução
de antinomias jurídicas, as quais fazem emprego dos critérios cronológico, hierárquico e de
especialidade.
Ora, não atendendo a lógica do “tudo ou nada” - característica própria das regras - e não
sendo possível a aplicação dos critérios citados, os conflitos existentes entre princípios-garantias
fundamentais devem ser solucionados por meio de outros parâmetros, a saber: proporcionalidade,
razoabilidade e necessidade. E para tanto, a doutrina atual vem aderindo à “técnica de ponderação
de interesses” (SILVEIRA, 2013).

82
A aludida técnica, consiste em fazer uso da “balança imaginária” que permeia o sistema
judiciário. O instrumento, por sua vez, carregado pela deusa da justiça nos traz exatamente o
ideal de ponderação e equilíbrio, de argumentos e interesses, que devemos buscar como bons
solucionadores de conflitos sociais.
Nessa perspectiva, e diante do caso concreto - visto que não é possível definir o alcance
de determinada garantia de forma abstrata, pois estar-se-ia, de certa forma, hierarquizando
os direitos ora confrontados – deve-se fazer uso de um juízo de ponderação, para que assim
decida-se a respeito da prevalência de um direito em detrimento do outro. Ambos os direitos
continuam dotados de validade e eficácia perante o ordenamento jurídico, é plenamente possível
a coexistência de princípios-garantia divergentes, desde que se estabeleçam limites para o
seu exercício, de forma a resguardar a dignidade do homem, finalidade principal dos direitos
fundamentais.
À vista disso, Morais (2017), ilustrou possíveis parâmetros que podem ser utilizados pelos
julgadores para encontrar o equilíbrio entre os interesses e os bens tutelados conflitantes, de
forma que:

a) a restrição a cada um dos interesses deve ser idônea para garantir a sobrevivência
do outro; b) tal restrição deve ser a menor possível para a proteção do interesse
contraposto; c) o benefício logrado com a restrição a um interesse tem de compensar
o grau de sacrifício imposto ao interesse antagônico. (MORAIS, 2017).

Outrossim, além dos critérios mencionados, o julgador ainda deve, quando da utilização
de referida técnica, guiar-se de modo a promover e proteger o princípio da dignidade da pessoa
humana, o qual é a própria fonte dos direitos fundamentais e uma das bases do Estado brasileiro.
Ademais, e levando em conta a máxima eficácia dos direitos fundamentais, mesmo que o
magistrado determine a preponderância de um direito em detrimento do outro, não é possível a
eliminação ou esvaziamento por completo do direito conflitante. Nesse sentido, a ponderação
busca exatamente uma solução harmônica, de tal modo que, a máxima efetivação de um direito
não afete totalmente o outro direito fundamental.
Assim, para Marmelstein (2008, p. 368), quando da utilização da técnica da ponderação na
solução de conflito de direitos fundamentais é preciso “buscar a máxima otimização da norma,
sendo que, o agente concretizador deve efetivá-la até onde for possível atingir ao máximo a
vontade constitucional sem sacrificar outros direitos igualmente protegidos”.
Não obstante, faz-se imperioso mencionar a única exceção sobre o exercício do juízo de
ponderação, o qual não será aplicado quando tratar-se do direito à intimidade em processos
judiciais e a divulgação da informação estiver coberta pelo interesse público, por expressa
previsão legal, conforme dicção do art. 93, inc. IX da Constituição Federal.
Portanto, ao discutir a problemática não se pretende sobrepor os direitos relativos à
personalidade do indivíduo perante os direitos referentes à informação, comunicação e imprensa,
muito pelo contrário, o intuito principal é demonstrar a possibilidade de que ambos encontrem
seu ponto de harmonia e deixem de ser utilizados como argumento para justificar condutas
deploráveis.
Consequentemente, e como bem frisou o advogado Rodrigo de Castro Sandenberg, os
familiares das vítimas que compreenderem a veiculação das imagens de seus entes queridos
como desonrosa ou desrespeitosa, não só podem como devem processar na esfera cível as
empresas, considerando que “o filtro é o excesso no direito em informar” (É CRIME..., 2018, p.
02).

83
3 O LIMIAR ENTRE CRIME DE VILIPÊNDIO DE CADÁVER E A INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS

A legislação pátria nos oferece algumas possibilidades para guarida do direito à imagem
dos que já se foram: o crime de vilipêndio a cadáver, previsto no art. 212 do Código Penal, e as
disposições do Código Civil, que vão do art. 11 ao 21, referentes aos direitos de personalidade,
que nos permitem pleitear tanto a indenização por dano moral, bem como a proibição do
compartilhamento e exposição da imagem do indivíduo (BRASL, 2002).
A primeira opção, por sua vez, deve ser analisada com cautela, haja vista tratar-se de um
crime. Neste sentido, temos que o tipo penal do art. 212 - já transcrito anteriormente - somente
se procede mediante ação pública incondicionada e o sujeito passivo, ao contrário do que
comumente se deve pensar, não é o indivíduo vilipendiado ou os seus familiares, mas sim a
coletividade, toda a sociedade de forma geral, visto que, o bem que o legislador pretendeu tutelar
ao criar este delito foi justamente o conjunto de valores morais e o respeito que se deve ter para
com os mortos.
Ademais, trata-se de crime formal, sendo prescindível que os familiares da vítima tenham
acesso às imagens compartilhadas, bastando apenas que o agente exponha as fotos ilícitas, e
de forma livre. Logo, cabe ao órgão julgador analisar de forma minuciosa se a conduta do agente
se encaixa no preceito primário do tipo penal, não se podendo admitir a banalização do crime de
vilipêndio a cadáver. Afinal, nem todo compartilhamento indevido de imagens de pessoas mortas
irá configurar crime ou terá relevância para fins penais. O dolo de vilipendiar, ou seja, humilhar,
ultrajar, manifestar desprezo pelo morto, é inerente ao delito em comento, sendo necessária à
sua existência para configuração da infração.
Por outro lado, a proteção oferecida pelo Código Civil é apresentada com uma abrangência
bem maior daquela concedida pela norma penal. Assim sendo, e como já mencionado, apesar da
morte configurar evento extintivo da personalidade jurídica dos indivíduos, os lesados indiretos
possuem legitimidade para pleitearem indenização quando entenderem inadequada a veiculação
de imagens de seus entes queridos, conforme dicção do art. 20 do Código Civil, in verbis:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à


manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra,
ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão
ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se
lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins
comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para


requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes. (BRASL,
2002, grifos nossos).

Nesse mesmo sentido, além do direito à indenização, também é possível requerer a


proibição da veiculação dessas imagens - como foi pedido pela assessoria jurídica do falecido
cantor Cristiano Araújo (MALAFAIA; BRAGUIM, 2016, p. 01), bem como é permitido aos familiares
dos mortos ativar o judiciário para fazer cessar ameaça ou lesão aos direitos de personalidade,
e quanto a isto temos o disposto no art. 12 do Código Civil, que vem corroborar a previsão acima
exposta:

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade,
e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

84
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida
prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou
colateral até o quarto grau. (BRASL, 2002, grifos nossos).

Desta forma, mesmo diante de uma legislação que sempre estará em dissonância com
a realidade social, haja vista as constantes mudanças que acontecem no mundo moderno,
temos um ordenamento jurídico que de fato demonstra preocupação com os direitos referentes à
personalidade da pessoa humana, havendo respaldo inclusive de caráter constitucional. Contudo,
apesar da existência de formas diferentes de penalizar os agentes que fotografam e compartilham
imagens de indivíduos em situações degradantes, a conduta ainda é vista como algo inofensivo,
o que acaba dificultando a aplicabilidade da norma.
É necessário que aqueles que se sintam ofendidos saibam que não estão desamparados
e possam tomar as providências cabíveis, a depender do caso concreto, tendo como parâmetro
que a conduta ora discutida caracteriza não só um ilícito civil, suscetível de condenação pelos
danos causados aos familiares, mas também um ilícito penal, que possui pena de detenção de
01 a 03 anos, além de multa.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O questionamento que norteou o presente estudo fora: quais são as consequências jurídicas
previstas na legislação brasileira atual para os agentes que compartilham imagens de pessoas
mortas, vítimas de acidentes e demais fatalidades nas redes sociais e na internet de forma geral?
Levando em consideração todo o exposto, podemos concluir que os parâmetros legais
existentes no ordenamento jurídico brasileiro tendem a adaptar-se com maior celeridade aos
referidos dilemas cibernéticos, visando não apenas reduzir tais práticas, mas especialmente dar
uma resposta mais humana e certo sentimento de justiça ao de cujus e seus familiares, que
sofreram e sofrem com a falta de altruísmo da sociedade moderna, além de proporcionar um
modelo de cidadania digital que permita a convivência na internet mais civilizada, consciente e
responsável.
Observamos que o avanço tecnológico e virtual trouxe consigo uma nova perspectiva de
mundo, que influenciou e influencia diretamente no comportamento e desenvolvimento social
como um todo. Com a ajuda da democratização da internet, facilitando seu acesso através dos
celulares e smartphones, o uso das redes sociais tornou-se um elemento comum à vida de
milhares de pessoas. Algumas vezes essas informações advindas da rede são usadas sem
qualquer filtro, cuidado ou escrúpulos. Além do compartilhamento incessante da própria imagem,
os usuários acham-se no direito de compartilhar a imagem e conteúdo de outrem, pois fantasiam
que tudo que está na internet lhes pertence e, consequentemente, pode ser usufruído por todos.
Nesse sentido, abordou-se no estudo, a título de exemplo, o caso da dançarina Amanda
Bueno, que teve suas fotos da necropsia vazadas e compartilhadas através das redes sociais.
Todo o desfecho nos chama atenção não apenas pela grande repercussão, mas por ser um claro
lembrete das recorrentes ações lesivas que acontecem no mundo virtual e demonstram que os
usuários não se sentem inibidos de compartilharem fotos de vítimas com graves lesões corporais,
mas sim incentivados a fazerem isso de forma rápida e inconsciente, a ponto de prejudicar não
somente a imagem da vítima, mas também a sua família e toda coletividade.
A mãe de Amanda, por sua vez, foi a maior das lesadas nesse trágico ocorrido. Há um
ditado que diz que um filho quando perde os pais, torna-se órfão; uma mulher que perde o
marido, torna-se viúva; mas a dor de uma mãe que perde um filho é tamanha que não tem nome.
Sendo assim, além de lidar com a dor de perder sua filha, em puro vigor da juventude e de forma
tão horrenda, a sua memória ainda será prejudicada com imagens de uma maca de necropsia,
minimizada a puro conteúdo na internet. É por esses e muitos outros casos que reforçamos nosso

85
posicionamento de que as novas tecnologias ampliaram o potencial lesivo de cada indivíduo.
Não obstante, conquanto a problemática referente ao registro e compartilhamento de
pessoas mortas se mostre tão complexa, buscamos demonstrar a necessidade de dar maior
visibilidade e discussão do tema no âmbito jurídico e social, defendendo primordialmente o
desenvolvimento e aplicação de normas mais severas e eficientes, em conjunto com políticas
públicas que reeduquem os usuários da internet como um todo, com o objetivo de sancionar
de forma otimizada o absurdo desencadeamento da cultura de compartilhamentos de fotos de
feridos, vítimas de acidente, homicídio e até mesmo de suicídio, objetivando evitar que pessoas,
assim como Amanda, tenham suas memórias manchadas pelo fascínio ao horror alimentado pela
internet.

REFERÊNCIAS

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86
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87
CAPÍTULO 8

O DIREITO AO SILÊNCIO NO TRIBUNAL DO JÚRI E O


CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE

Rayane Maria da Costa


Stefane de Brito Soares
Ana Alice Ramos Tejo Salgado
O DIREITO AO SILÊNCIO NO TRIBUNAL DO JÚRI E O CRIME DE ABUSO DE
AUTORIDADE

Rayane Maria da Costa21


Stefane de Brito Soares22
Ana Alice Ramos Tejo Salgado23

RESUMO

O presente artigo tem como principal objetivo problematizar o exercício do direito fundamental
ao silêncio no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, dando ênfase ao novo tipo penal criado
por meio da Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019). A pesquisa, por sua vez, busca
discutir as consequências jurídicas advindas do exercício regular deste direito, bem como as
possibilidades apresentadas pela legislação atual para tutela dos direitos dos acusados da prática
de crimes, em especial àqueles submetidos a julgamento perante o rito especial do tribunal júri,
levando em consideração as práticas históricas de obtenção de confissões ilícitas e de coação no
momento do interrogatório. Nessa perspectiva, o estudo aqui apresentado pretendeu dar maior
visibilidade à prática do instituto do interrogatório durante o tribunal do júri, haja vista ser um dos
principais palcos dos abusos cometidos pelos próprios agentes detentores do poder de punir,
que acabam por se utilizar da composição leiga dos representantes que compõem o Conselho de
Sentença, com o objetivo de conduzir o julgamento conforme suas próprias pretensões e vontades.
A pesquisa orientou-se pelo método dialético, além de utilizar-se como tipos de pesquisa, quanto
aos fins, a investigação explicativa, e quanto aos meios, a pesquisa documental e bibliográfica.
Desta feita, diante todo o histórico de violações perante o interrogatório, pode-se concluir que
normas como a lei de abuso de autoridade vem a tentar mitigar essas condutas, corroborando
com um judiciário mais justo, garantista e que respeita os parâmetros constitucionais dos direitos
e garantias fundamentais de cada indivíduo.

Palavras-chave: Direito ao Silêncio. Não-autoincriminação. Abuso de Autoridade.

ABSTRACT

The present article has as main objective to problematize the exercise of the fundamental right to
silence within the scope of the Brazilian legal system, emphasizing the new penal type created by
the Law of Abuse of Authority (Law nº 13.869 / 2019). The research, in turn, seeks to discuss the legal
consequences arising from the regular exercise of this right, as well as the possibilities presented
by the current legislation to protect the rights of those accused of committing crimes, especially
those submitted to trial before the special rite of the court. jury, considering the historical practices
of obtaining unlawful confessions and coercion at the time of interrogation. In this perspective, the
study presented here intended to give greater visibility to the practice of the interrogation institute
during the jury court, given that it is one of the main stages of the abuses committed by the agents
with the power to punish, who end up using the lay composition. of the representatives that make
up the Sentencing Council, with the objective of conducting the judgment according to their own
pretensions and wishes. The research was guided by the dialectical method, in addition

21Graduanda do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB, Campus I. E-mail: rayanee_2012@


hotmail.com.
22 Graduanda do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB, Campus I. E-mail: stefanebriito2@
gmail.com.
23 Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ. Professora da Universidade Estadual
da Paraíba e da Centro Universitário UNIFACISA. E-mail: anatejo@uol.com.br.

89
to being used as types of research, in terms of ends, explanatory research, and in terms of means,
documentary and bibliographic research. This time, in view of the entire history of violations in the
face of interrogation, it can be concluded that norms such as the law of abuse of authority try to
mitigate these conducts, corroborating with a more just, guaranteeing judiciary that respects the
constitutional parameters of rights fundamental guarantees of each individual.

Keywords: Right to Silence. Non-self-incrimination. Abuse of Authority.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo, intitulado “O direito ao silêncio no Tribunal do Júri e o crime de abuso


de autoridade”, tem como objetivo geral analisar o exercício do direito ao silêncio do acusado
sob a ótica do crime de abuso de autoridade, previsto no art. 15, parágrafo único, inciso I, da
Lei 13.869, de 05 de setembro de 2019, denominada Lei de Abuso de Autoridade. Na forma
equiparada, a infração penal ocorre através do procedimento do interrogatório, atingindo o direito
constitucional daquele que decidir exercer o direito ao silêncio ou que tenha optado por ser
assistido por advogado ou defensor público. (BRASIL, 2019).
Em primeiro lugar, cabe mencionar que o sistema penal brasileiro está estruturado de
acordo com a teoria do Garantismo, encabeçada pelo doutrinador Luigi Ferrajoli, e que tem por
fundamento a tutela das liberdades do indivíduo frente às variadas formas de exercício arbitrário
de poder (PEDROSA, 2017). Assim, tem-se, como consequência lógica, uma base jurídica
firmada em princípios constitucionais garantidores dos direitos fundamentais, especialmente no
que diz respeito ao Processo Penal.
Dentre esses importantes princípios, tem-se o princípio do nemo tenetur se detegere ou
não-autoincriminação, carregando consigo status de direito fundamental e previsto no rol do art.
5º da Constituição Federal. O dado princípio garante que o preso será informado de seus direitos,
dentre eles o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de seu
advogado (BRASIL, 1988).
Por conseguinte, o referido mandamento constitucional afeta diretamente o desempenho
prático do interrogatório, caracterizado como um dos mais importantes instrumentos jurídicos
dentro da persecução penal. Ora, o interrogatório é o ato processual por meio do qual o magistrado
ouve o acusado sobre sua pessoa e sobre a imputação que lhe é feita dentro do processo criminal.
Logo, é o momento oportuno para que o acusado exerça o seu direito de autodefesa, dirigindo-
se diretamente ao magistrado, quer para apresentar a sua versão acerca da imputação que
lhe recai, podendo, inclusive, indicar meios de prova; quer para confessar, ou até mesmo para
permanecer em silêncio, fornecendo apenas elementos relativos à sua qualificação.
Mesmo considerando todas as garantias legais em favor de resguardar os direitos do réu,
a pesquisa é justificada em razão do exercício de referido direito ainda ser um tanto quanto
controverso, principalmente quando se trata de crimes julgados perante o Tribunal do Júri. No
plenário do júri, os votos são proferidos de acordo com o entendimento pessoal de cada um
dos integrantes do Conselho de Sentença, os quais não necessitam justificar ou apresentar as
razões que os levaram a uma ou outra conclusão, sendo essa uma característica própria do
procedimento de apuração e julgamento dos crimes contra a vida. Assim, o silêncio do acusado, em
determinadas circunstâncias causadas pela acusação, ou até mesmo pelo juiz presidente, pode
parecer como reconhecimento da sua culpa para os jurados leigos, o que, consequentemente,
configura um prejuízo para o réu.
Nesta reflexão, verificou-se que o interrogatório, desde a origem da construção de um
processo penal, se mostra como uma porta de entrada para graves violações a direitos e garantias
fundamentais, haja vista ser uma prática que envolve uma maior fragilidade do réu perante as

90
autoridades detentoras do poder de punir. Nesta linha, uma das discussões mais acaloradas do
universo jurídico atual trata exatamente sobre os excessos cometidos pelos atores do direito de
punibilidade no exercício de suas funções, sendo esse o ambiente em que surge a Lei nº 13.869,
de 05 de setembro de 2019, mais conhecida como Nova Lei de Abuso de Autoridade. (BRASIL,
2019).
Portanto, o que se vem a questionar é: a Nova Lei de Abuso de Autoridade será capaz de
reduzir os vícios e violações de direitos fundamentais realizados pelos agentes detentores do jus
puniendi quando do colhimento do interrogatório de acusados/investigados? É possível mudar
a perspectiva interpretativa do direito ao silêncio, utilizado pelo réu, perante o Tribunal do Júri?
As fontes condutoras para o desenvolvimento do presente artigo baseiam-se em artigos,
teses e trabalhos acadêmicos sobre direito ao silêncio, tribunal do júri e abuso de autoridade.
Essas fontes possibilitaram uma pesquisa documental de caráter exploratório e bibliográfico
sobre a temática, propiciando melhor direcionamento para os resultados.
Desta feita, fora utilizado o chamado método dialético, levando em consideração que os
fatos traçados por esta pesquisa não podem ser considerados fora do contexto social, pois como
bem articula Gil (1999, p. 31-32) “a lógica e a história da humanidade seguem uma trajetória
dialética, nas quais as contradições se transcendem, mas dão origem a novas contradições que
passam a requerer solução”.
Referente aos tipos de pesquisas, serão considerados os critérios de classificação propostos
por Vergara (2009, p. 42), quanto aos fins, utilizando-se a investigação explicativa, e quanto aos
meios, a pesquisa documental e bibliográfica.
A pesquisa bibliográfica se desenvolveu com base em material publicado em livros, artigos e
revistas que tratem sobre o assunto, buscando a fundamentação para a análise e contextualização
dos dados obtidos ao longo do estudo.

2 DIREITO AO SILÊNCIO: PRINCÍPIO DO NEMO TENETUR SE DETEGERE NO PROCESSO


PENAL BRASILEIRO

O sistema penal brasileiro, formado pelo direito material e processual, constitui uma parcela
importantíssima do ordenamento jurídico vigente, ao qual é associada à Teoria do Garantismo,
representada pelo doutrinador Luigi Ferrajoli. De forma singela, significa que, tanto a elaboração,
quanto a aplicação da lei penal, são realizadas de modo a garantir aos acusados todos os direitos
previstos na Constituição e nas legislações infraconstitucionais (PEDROSA, 2017). Não bastasse
a tamanha grandeza dessa função atribuída ao sistema, o nosso Direito Processual Penal é
conhecido pelos múltiplos direitos e garantias assegurados ao réu, por meio de seus princípios, os
quais, diga-se de passagem, são imprescindíveis para a autonomia do aludido ramo do direito.
Nessa perspectiva, tem-se o princípio do nemo tenetur se detegere ou não-autoincriminação
– como muitos preferem denominá-lo – segundo o qual, ninguém é obrigado a produzir provas
contra si mesmo. Além disso, para a doutrinadora Maria Elizabeth Queijo, o princípio do nemo
tenetur se detegere, como consequência lógica da função garantista mencionada:

[...] objetiva proteger o indivíduo contra excessos cometidos pelo Estado, na


persecução penal, incluindo-se nele o resguardo contra violências físicas e morais,
empregadas para compelir o indivíduo a cooperar na investigação e apuração
de delitos, bem como contra métodos proibitivos de interrogatório, sugestões e
dissimulações (QUEIJO, 2003, p. 55).

Referida garantia, por sua vez, tem status de direito fundamental e está prevista no rol
do art. 5º da Constituição Federal, conforme se observa: “LXIII - o preso será informado de

91
seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da
família e de advogado;” além de ser mencionado em Tratados Internacionais dos quais o Brasil é
signatário, a saber: a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8º, § 2º,
“g”) e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (Dec. 592/92 art. 14.3, “g”). (BRASIL,
1992a; 1992b).
Aproveitando o ensejo, apesar da previsão da expressão “preso” aliada ao “direito de
permanecer calado”, faz-se necessário tecer alguns apontamentos no sentido de que: 1) a toda
pessoa, seja ela acusada, investigada, presa ou em liberdade, é assegurado o direito a não-
autoincriminação. Ou seja, havendo a possibilidade de autoincriminação é possível fazer uso
do aludido direito; 2) o referido direito de natureza constitucional não está restrito tão somente à
possibilidade de ficar em silêncio, podendo desdobrar-se em tantas outras garantias, as quais por
si só dariam objeto de estudo de um trabalho científico autônomo.
Outro ponto que merece destaque é o papel que a Defesa possui dentro do processo penal,
sendo dividida em Defesa Técnica (aquela realizada por meio do profissional competente) e a
Autodefesa (essa última realizada por meio do próprio acusado). Ademais, além da subdivisão
rapidamente apresentada, a Defesa também é analisada sob a ótica positiva e negativa, sendo
que a primeira ocorre quando são utilizados todos os meios de prova à disposição, aptos a provar
a inocência ou suscitar a dúvida sobre a culpa do réu, enquanto a segunda modalidade consiste
basicamente na abstenção da prática de algum ato que possa vir a prejudicar o acusado.
Feitas essas observações iniciais, não há dúvidas sobre a imprescindibilidade da atuação
da Defesa dentro dos processos que apuram a prática de crimes, sobretudo a Defesa Técnica,
a qual, uma vez ausente, constitui causa de nulidade absoluta do feito. Não obstante a sua
relevância, o artigo se debruçará sobre o papel da autodefesa, mais especificamente no seu
panorama negativo, onde está inserido o direito ao silêncio. Desse modo, e para fins de definição
conceitual, vale citar Renato Brasileiro:

[...] o direito ao silêncio ou direito de ficar calado: corresponde ao direito de não


responder às perguntas formuladas pela autoridade, funcionando como espécie de
manifestação passiva da defesa. O exercício do direito ao silêncio não é sinônimo
de confissão ficta ou de falta de defesa; cuida-se de direito do acusado (CF, art. 5º,
LXIII), no exercício da autodefesa, podendo ser usado como estratégia defensiva
(LIMA, 2020, p. 75).

Assim, ainda que se considere toda a força normativa advinda de referida garantia, uma
vez que goza de previsão constitucional a nível de direito fundamental, bem como levando em
conta a sua longevidade dentro do sistema penal, não são raras as vezes que se pode presenciar
ofensas e interpretações prejudiciais do uso do direito ao silêncio.
A título de exemplo, tem-se a antiga redação do art. 191 do Código de Processo Penal,
a qual dispunha sobre a necessidade de apresentação de justificativa por parte do acusado,
quando esse decidisse fazer uso do direito ao silêncio. (BRASIL, 1941). Ora, se é um direito,
entende-se que a previsão legal por si só já é suficiente a justificar seu uso, sendo que a obsoleta
disposição impedia praticamente o silêncio do réu, uma vez que este precisava apresentar as
razões pela qual permaneceria calado.
Frise-se que até o ano de 2003 vigorava a autorização tácita de prosseguir no interrogatório
mesmo diante da negativa do acusado em responder os questionamentos, ipsis litteris: “Consignar-
se-ão as perguntas que o réu deixar de responder e as razões que invocar para não fazê-lo”,
tendo sido essa suprimida por meio da Lei 10.792/03 que alterou o disposto no art. 191. (BRASIL,
2003).
Entretanto, ainda que se considere extinta a autorização acima mencionada, não é incomum
que a autoridade responsável pela condução do interrogatório prossiga na formulação de

92
perguntas, principalmente em sede policial, com o propósito de constranger o indivíduo a ceder
e a dar-lhes respostas, constando, todavia, ao final de cada questionamento que o acusado/
investigado teria escolhido permanecer em silêncio.
Outrossim, visando diminuir a ocorrência dessas situações, que resultar em uma falsa
confissão de crime, além do disposto na Carta Magna (art. 5º, LXIII), o Código de Processo Penal
foi claro ao prever a necessidade de advertência por parte da autoridade a respeito do direito do
acusado de permanecer em silêncio, tendo o feito por meio da dicção do art. 186, in verbis:

Art. 186 - Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da


acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do
seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem
formuladas. (BRASIL, 1941).

O mandamento constitucional, por sua vez, devidamente reproduzido pela legislação


processualista penal, tem semelhanças com o “Aviso de Miranda”, do direto norte-americano, e
implica na obrigatoriedade de que a autoridade condutora do interrogatório, em sede judicial ou
policial, informe o acusado sobre a possibilidade de permanecer em silêncio sem que esse ato
lhe acarrete qualquer prejuízo, o que inclusive é mencionado no parágrafo único do dispositivo
acima transcrito “O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em
prejuízo da defesa”. Para tanto, em sede policial é entregue ao acusado uma nota de ciência
das garantias constitucionais, dentre as quais se encontra o direito ao silêncio. Por outro lado,
mister se faz observar que a omissão da advertência, considerada um dever de informação e
não mera faculdade, é causa de nulidade, tanto do interrogatório quanto das demais provas dele
decorrentes.
Sem embargo de todas as previsões legais explicitadas, ainda há divergências no que
diz respeito ao dever de interrupção imediata do interrogatório quando o acusado de pronto
manifesta o desejo de fazer uso do seu direito ao silêncio, uma vez que a previsão de autorização
tácita da continuidade na formulação de questionamentos foi abolida, contudo, aparentemente a
Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/19) veio para tentar findar essa dicotomia, haja vista a
criação do crime previsto no seu art. 15, parágrafo único, inciso I. (BRASIL, 2019).

3 O INTERROGATÓRIO E O CRIME NA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

Tem-se o interrogatório como um dos mais importantes instrumentos jurídicos que estruturam
o sistema penal, por ser um ato processual através do qual o magistrado escuta o acusado e
constrói suas impressões além dos autos.
Dessa forma, diante de tamanha complexidade, faz-se necessário que o juiz conduza o
interrogatório de maneira imparcial, equilibrada, sem confrontar o interrogado com veemência,
sugerindo de alguma maneira que sua versão seria inverossímil ou falsa. De tal modo que,
se o comportamento do magistrado for divergente a esses ditames, poderá dar ensejo ao
reconhecimento da nulidade absoluta do referido ato praticado pelo juiz, seja em face de
evidente constrangimento ao exercício da autodefesa, seja por causa da violação a garantia da
imparcialidade.
Assim, pondera-se que o interrogatório possa ser um meio perigoso para se chegar ao
conhecimento da verdade, sendo considerado, por exemplo, pelo filósofo francês Foucault, como
o verdadeiro “suplício da verdade” (FOUCAULT, 1999, p. 59). O autor faz essa colocação tendo
em vista a fragilidade do interrogatório, que tanto pode ser utilizado como meio de prova, quanto
meio de defesa, ficando bastante exposto aos vícios e violação de direitos, rompendo com muita
facilidade a lisura do processo.
Sob este prisma, o interrogatório jamais deverá ser uma ferramenta para arrancar a

93
verdade do agente a todo e qualquer custo, mas sim uma prática regulamentada, que obedece
a um procedimento bem definido quanto aos momentos, duração, instrumentos utilizados, além
de possuir respaldo em princípios constitucionais que garantem os direitos fundamentais de
cada indivíduo, tudo isso somado a já anteriormente citada conduta imparcial e equilibrada do
magistrado.
No entanto, o que se figura na atualidade é a utilização da prática do interrogatório como de
fato um suplício, com a real conotação na palavra, uma vez que a inquisição moderna é realizada
por meio da exposição daqueles ditos como “elemento réu” – indivíduos condenados desde
o princípio – demonstrando uma exacerbada necessidade de degradação moral do indivíduo,
olvidando-o como pessoa humana digna de direitos. À vista disso, há de se esperar que muitos
dos institutos legais responsáveis por assegurar a preservação do devido processo legal, direitos
e garantias individuais, sejam corriqueiramente violados durante diversas práticas desenvolvidas
e aplicadas no processo penal, sendo consideradas comuns, em especial quando se fala do
interrogatório.
Nos dias atuais uma das discussões mais acaloradas levantadas em virtude dos excessos
cometidos pelos atores do direito de punibilidade, fora a necessidade de elaboração de dispositivos
que coibissem essas práticas muitas das vezes inconstitucionais, vindo, portanto, a surgir a Lei
nº 13.869, de 05 de setembro de 2019, mais conhecida como Nova Lei de Abuso de Autoridade.
(BRASIL, 2019).
A referida lei passou a vigorar apenas no dia 03 de janeiro de 2020, tipificando os excessos
dos agentes públicos no âmbito do exercício do direito de punir com bastante força, uma vez
que, define como crime nada mais nada menos que 24 (vinte e quatro) condutas praticadas por
agentes públicos de todo o país, previstas entres seus arts. 9º ao 38, sem contar os tipos penais
equiparados.
A nova lei de Abuso de Autoridade advém do projeto de Lei nº 7.596, apresentado em 10
de maio de 2017. Entretanto, tornou-se grande pauta nas discussões jurídicas apenas em agosto
de 2019, em turno único e a título de urgência em Deliberativa Extraordinária da Câmara dos
Deputados, sendo o ponto crucial para o seu “desengavetamento” a instauração da Operação
Lava-Jato – que veio a investigar e condenar os envolvidos em crimes do chamado “colarinho
branco” –, bem como a reação política aos abusos cometidos pela operação, os quais foram o
combustível para acelerar a aprovação da lei.
Nessa perspectiva, a novel legislação caracteriza o sujeito ativo como todo e qualquer
agente público das entidades da Administração Pública Direta e Indireta, o que se inclui em
especial os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e das Polícias Judiciárias. Dispõe
ainda que para configurar como delito, o agente deve praticá-lo no exercício do cargo, emprego
ou função pública, ou em função deles.
Dentre tantos dispositivos consagrados pela referida Lei de Abuso de Autoridade, apresenta-
se como ponto crucial para o nosso objeto de estudo o seu art. 15, parágrafo único, I, que dispõe
o seguinte:

Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de
função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório:

I - de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou


II - de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público,
sem a presença de seu patrono. (BRASIL, 2020, grifo nosso).

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O núcleo do delito é prosseguir, que tem como sentido a ação de continuar, seguir ou
mesmo persistir na continuidade do interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito
ao silêncio. Assim, para tipificação da conduta prevista no inciso I do parágrafo único, ao contrário
da previsão do caput, não será necessário que ocorra o constrangimento sob ameaça de prisão,
haja vista tratar-se de um tipo penal equiparado. Desse modo, presume-se que, a partir de agora,
nas ocasiões em que o acusado vier a expressar seu desejo de fazer uso do direito ao silêncio,
de forma total ou parcial, a autoridade condutora possui o dever imediato de interrupção dos
questionamentos e consequentemente do próprio interrogatório, sob pena de incorrer na prática
do novo delito previsto na Lei de Abuso de Autoridade.
Nesse ínterim, a Lei 13.869/19, objetivando inibir os abusos praticados pelos agentes
públicos, traça, em seu art. 1º, §1º, finalidades específicas como prejudicar outrem, beneficiar
a si mesmo, beneficiar terceiro, por mero capricho ou por satisfação pessoal, nos seguintes
termos: “§ 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando
praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo
ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”. (BRASIL, 2019). Fica evidente
que, nos crimes de abuso de autoridade, além do elemento objetivo presente nos preceitos
primários dos tipos penais, ainda se faz presente o elemento subjetivo específico, qual seja,
a vontade de abusar da autoridade nos moldes mencionados, não existindo a forma culposa.
No caso do art. 15, antes citado, é possível notar que o legislador especificou de forma clara
as condutas ilícitas dos agentes na prática do interrogatório, a fim de reafirmar o protecionismo
de princípios constitucionais como o direito ao silêncio e o direito de ser assistido por advogado
ou por defensor público durante o procedimento, direitos esses corriqueiramente violados, em
especial na atuação da atividade policial.
Todavia, os abusos que transpõem as barreiras da lisura processual no que diz respeito ao
interrogatório, não se limitam apenas à atividade policial, uma vez que a própria lei trata de forma
genérica sobre a identificação dos agentes públicos, sendo estendida, portanto, aos estimados
juízes e promotores, especialmente no que se refere às suas atuações nas sessões do tribunal
do júri.

3.1 Abuso de autoridade do juiz e do promotor nas sessões do tribunal do júri

Um dos mandamentos nucleares do direito ao silêncio consiste na obrigatoriedade de que


seu gozo não resulte em prejuízo para o réu, não podendo assim ser considerado para fins de
fundamentação de sentenças e decisões judiciais. É aí que surge o problema nos crimes dolosos
contra a vida, submetidos a julgamento perante o Conselho de Sentença – que nada mais é que
o Tribunal do Júri – conforme previsão constitucional (Art. 5º, XXXVIII) da Constituição Federal
de 1988, no qual os jurados da causa são pessoas leigas e não necessitam justificar o seu voto.
Nestes casos, poderia o uso do direito ao silêncio ser interpretado de forma prejudicial ao réu?
Pois bem, os crimes contra a vida estão previstos nos arts. 121 ao 126 do Código Penal e
são processados e julgados mediante rito especial, popularmente conhecido como “Tribunal do
Júri”. Referido procedimento, por sua vez, é dividido em duas etapas, sendo a primeira conhecida
como a fase sumária ou judicium accusationis, enquanto a segunda consiste no próprio plenário
do júri, também chamada de judicium causae. Ressalte-se, contudo, que o réu apenas será
submetido a julgamento perante o Conselho de Sentença quando o juiz na primeira fase houver
admitido, nos termos da legislação processual penal, a acusação imputada pelo órgão ministerial.
Entretanto, mesmo que o órgão julgador ao pronunciar o acusado esteja convencido
da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação
(conforme preceitua o art. 413 do Código de Processo Penal), certo é que, a condenação ou a
absolvição do réu ficará a cargo do Conselho de Sentença, o qual, frise-se, é formado por jurados

95
leigos. Nesse sentido, apesar da decisão de pronúncia não ter caráter vinculante no que diz
respeito aos votos dos jurados, importante se faz atentar sobre a influência da figura do juiz em
um Tribunal. Isto porque, imagine-se: aquelas pessoas, sorteadas e escolhidas dentre membros
da sociedade, na maior parte das vezes não possuem qualquer afinidade com o universo
jurídico, logo, indubitavelmente serão persuadidas pelo posicionamento do juiz, razão pela qual
se faz ainda mais imperiosa a total imparcialidade do magistrado nos processos submetidos a
julgamento perante o Tribunal do Júri, devendo-se atentar ao excesso de linguagem na decisão
de pronúncia, principalmente quando da inclusão ou manutenção de eventuais qualificadoras.
(BRASIL, 1941).
Não bastasse a fase que precede o julgamento, compreendida entre o oferecimento da
denúncia e a decisão de pronúncia, o réu se vê mais uma vez submetido ao interrogatório, desta
vez perante o Conselho de Sentença, formado por 07 (sete) jurados e o juiz presidente da sessão.
O interrogatório, no que lhe diz respeito, e como exaustivamente já explicitado, é considerado
como um meio de prova, bem como uma modalidade de autodefesa, demonstrando assim sua
importância dentro do processo penal brasileiro.
Todavia, não é incomum que nas sessões de júri o advogado do acusado requeira que
esse faça uso do seu direito ao silêncio, ainda que de forma parcial, ou seja, devendo apenas
responder os questionamentos formulados pela defesa, evitando dessa forma que o réu venha
a entrar em contradição quando exposto às perguntas da acusação. Quanto a isto, não custa
lembrar que o art. 478 do Código de Processo Penal veda expressamente que sejam feitas
referências, no momento do debate, ao uso do direito ao silêncio do acusado com o intuito de
prejudicá-lo. (BRASIL, 1941).
Remetendo-nos, desta forma, ao problema apresentado no início do tópico. Caberia falar
em prejuízo para o acusado que faz uso de um direito? Permanecer em silêncio para o acusado
nada mais significa do que o exercício regular de um direito a ele concedido, do qual não deveria
resultar malefícios. Nesse sentido, e com relação a valoração negativa do gozo dessa garantia,
Renato Brasileiro de Lima esclarece:

[...] Portanto, o exercício desse direito não pode ser utilizado como argumento a
favor da acusação, não pode ser valorado na fundamentação de decisões judiciais,
nem tampouco ser utilizado como elemento para a formação da convicção do órgão
julgador (LIMA, 2020, p. 82).

Contudo, mesmo considerando todas as garantias já demonstradas durante o decorrer


deste artigo, o uso de referido direito ainda é um tanto quanto arriscado no Tribunal do Júri.
Ora, os votos são proferidos de acordo com o entendimento pessoal de cada um dos 07 (sete)
integrantes do Conselho de Sentença, os quais não necessitam justificar ou apresentar as razões
que os levaram a uma ou outra conclusão. Assim, o silêncio do acusado, em determinadas
circunstâncias causadas pela acusação, ou até mesmo pelo juiz presidente, pode implicar no
reconhecimento da sua culpa para os jurados leigos, o que, consequentemente configura um
prejuízo para o réu. Relembrando-nos àquelas situações popularmente conhecidas de “quem
cala consente” “quem não deve, não teme” “o inocente esperneia”, as quais, para aqueles que
fazem parte do mundo jurídico, sabe-se não ser possível sua aplicação no processo penal.
Nesse contexto, o uso do direito ao silêncio muitas vezes pode ser o motivo da condenação
do réu, quando posto em situações desconfortáveis, quando por exemplo, o juiz, ao início da
sessão de julgamento, lê a denúncia e ao final pergunta “são verdadeiros os fatos de que é
acusado?” e o réu permanece calado. Eventualmente, referido silêncio será interpretado pelos
jurados como algo negativo. Por isso, ressalta-se a importância de preservação desse primeiro
contato entre os jurados da causa e o acusado, a fim de evitar julgamentos precipitados e
errôneos.

96
Desse modo, a criação da figura típica do crime de abuso de autoridade referente àquele
que prossegue na realização do interrogatório, quando o acusado expressamente manifestou o
seu desejo de permanecer em silêncio, se mostra de grande valia, não apenas no procedimento
do tribunal do júri, mas principalmente nele. Entretanto, ainda se faz necessário que os juízes e
os promotores mostrem uma maior compreensão, concernente ao papel que ocupam dentro do
plenário do júri, bem como sobre o poder de domínio que exercem sobre os jurados leigos que
vão decidir se o acusado é culpado ou inocente, evitando, dessa forma, quaisquer manifestações
ambíguas ou que comportem interpretações errôneas e desfavoráveis ao réu.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os questionamentos que nortearam o presente trabalho foram: a nova lei de Abuso de


Autoridade será capaz de reduzir os vícios e violações de direitos fundamentais efetuadas
pelos agentes detentores do jus puniendi quando do colhimento do interrogatório de acusados/
investigados? É possível mudar a perspectiva interpretativa do direito ao silêncio utilizado pelo
réu perante o Tribunal do Júri?
Por todo o exposto, pode-se concluir que a nova lei de Abuso de Autoridade, construindo um
aparato normativo legal e principiológico, vem regulamentar previsões que penalizam a atuação
ilegal e desproporcional dos membros do judiciário e do poder público, com o objetivo de atenuar
os excessos cometidos por estes em desfavor do direito ao silêncio, do devido processo legal e
da verdadeira função prática dos interrogatórios policial e judicial, meios de defesa e de prova,
inclusive no âmbito das sessões do Tribunal do Júri.
Todavia, ainda não é possível considerá-la norma totalmente eficiente, ao ponto de romper
com todos os vícios e violações praticados pelos referidos agentes no colhimento do interrogatório
– seja esse realizado em sede policial ou judicial –, e nem muito menos que a referida norma já
venha munida de poder para fins de mudança da perspectiva interpretativa do direito ao silêncio
utilizado pelo réu perante o Tribunal do Júri. Haja vista o histórico bastante grotesco que permeia
os citados institutos, especialmente no que diz respeito às violações dos direitos mais intrínsecos
aos indivíduos, seus maiores causadores são os próprios agentes detentores de poder, alinhados
com a construção popular de que o réu que cala consente e que por isso deve ter seus direitos
violados, sendo efetivamente condenado em todos os aspectos possíveis.
Não obstante, diante das constantes batalhas em favor de alcançar um real Estado
Democrático de Direito, os atores do mundo jurídico, bem como toda a sociedade, sentem
cada vez mais a necessidade de resguardar os direitos humanos, garantindo uma prestação
jurisdicional vigilante, a fim de mitigar abusos e violações legais por parte dos agentes públicos
e seus respectivos órgãos, não pretendendo investir todas as suas expectativas em um único
aparato legal, sempre almejando expandir a proteção e efetiva aplicação dos direitos e garantias
fundamentais a todo e qualquer indivíduo.
Por isso, vale salientar que esse trabalho não vem a exaurir o tema, uma vez que a referida
Lei de Abuso de Autoridade é bastante nova e as discussões a respeito de sua aplicabilidade
demandam tempo, sobretudo quando sua análise é realizada sob a ótica da Constituição Federal.
Assim, a discussão levantada no desenvolver desse artigo diz respeito à insegurança jurídica
provocada pelos agentes públicos, tendente a inibir a atuação jurisdicional, bem como a condicionar
toda uma sociedade a normalizar abusos advindos daqueles, o que, consequentemente, ocasiona
um regresso social e jurídico colossal, nutrindo a impunidade, a desvalorização jurisdicional e a
descrença perante os direitos e garantias fundamentais.

97
REFERÊNCIAS

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junho de 1984 - Lei de Execução Penal e o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de
1941 - Código de Processo Penal e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da
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98
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juridicos-indeterminados-e-pela-criminalizacao-da-hermeneutica-juridica/. Acesso em: 15 out.
2020.

99
CAPÍTULO 9

O FENÔMENO DAS FAKE NEWS: UMA ANÁLISE DO


PROJETO DE LEI N° 2.630/2020

José Lucas Bringel Leite


Thaís Farias de Almeida
O FENÔMENO DAS FAKE NEWS: UMA ANÁLISE DO PROJETO DE LEI N°
2.630/2020

José Lucas Bringel Leite24


Thaís Farias de Almeida25

RESUMO

O presente artigo possui o objetivo de analisar a criminalização das fake news ante o Projeto
de Lei nº 2.630/2020. Para tanto, utilizou-se o método dedutivo, através do estudo de julgados,
legislações, doutrinas, monografias, artigos científicos e matérias disponíveis na mídia brasileira,
obtidos por meio da técnica de pesquisa de documentação indireta. A difusão de notícias falsas em
comunidades virtuais, conhecido como o fenômeno das fake news, é um assunto frequentemente
debatido na sociedade, principalmente no contexto dos crimes cibernéticos, desde o impacto
que provocou no âmbito das últimas decisões eleitorais. A temática em tela se faz relevante e
necessária, pois a disseminação de notícias falsas promove a desinformação, causando danos
de diversas magnitudes. É importante estimular a discussão do assunto no meio acadêmico,
para que o conhecimento científico contribua no combate às fake news e, diante da necessidade,
o ramo do Direito Penal intervenha com o fim de proteger a sociedade dos prejuízos que tal
prática vem acarretando. O Projeto de Lei nº 2.630/2020 trata de um assunto atual, entretanto,
ainda causa discussão entre os especialistas por não solucionar completamente o problema ou
por ter um texto que ainda não é tão claro. O presente trabalho dividiu-se em três capítulos: a)
O fenômeno das fake news; b) Os crimes cibernéticos; c) A criminalização das fake news: uma
análise do Projeto de Lei nº 2.630/2020.

Palavras-chave: Fake News. Crimes Cibernéticos. PL 2.630/2020.

ABSTRACT

This article aims to analyze the criminalization of fake news in the face of Bill 2.630/2020. For
this, the deductive method was used, through a study of judgments, laws, doctrines, monographs,
scientific articles and materials available in the Brazilian media, obtained through the indirect
documentation research technique. The spread of false news in virtual communities, known as
the phenomenon of fake news, is a subject frequently debated in society, especially in the context
of cybercrimes, since the impact it has had on the scope of electoral decisions. The theme on
screen is relevant and necessary, as the dissemination of false news promotes misinformation,
causing damage of various magnitudes. It is important to stimulate the discussion of the subject
in the academic environment, so that scientific knowledge contributes to the fight against fake
news and given the need, the branch of Criminal Law intervenes to protect the society from the
losses that such practice has been caused. The project of law 2.630/2020 deals with a current
issue, however, it still causes discussion among experts for not completely solving the problem
or for having a text that is still not so clear. The present work was divided into three chapters: a)
The phenomenon of fake news; b) Cybercrimes; c) The criminalization of fake news: an analysis
of PL n. 2.630/2020.

Keywords: Fake News. Cybercrimes. PL 2.630/2020.


24 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário UNIFACISA. Especialista em Direito Processual pela PUC-MG.
E-mail: lucasbringeladv@gmail.com.
25 Bacharela em Direito pelo Centro Universitário UNIFACISA. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo
Instituto JUS21. E-mail: thaisfalmeida3@gmail.com.

101
1 INTRODUÇÃO

A difusão de notícias falsas em comunidades virtuais, conhecidas como o fenômeno das fake
news, é um assunto frequentemente debatido na sociedade desde o impacto que provocou no
âmbito das decisões eleitorais. Ante este cenário, o presente artigo possui o objetivo de analisar o
Projeto de Lei nº 2.630/2020, cujo propósito é criar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade
e Transparência na Internet, estabelecendo medidas de combate à disseminação de conteúdo
falso nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens privadas, como o WhatsApp, Telegram,
entre outros. (BRASIL, 2020).
Para tanto, foi inicialmente explicitado o conceito de fake news e como o fenômeno de sua
disseminação teve conhecimento notório. Em seguida, foram expostas considerações acerca
dos crimes cibernéticos, para, ao final, se discutir e analisar as principais partes do Projeto de Lei
supramencionado.
A temática em tela se faz relevante e necessária, pois a disseminação de notícias falsas
promove a desinformação, causando danos de diversas magnitudes. É importante estimular
a discussão do assunto no meio acadêmico, para que o conhecimento científico contribua no
combate às fake news e, diante da necessidade, o ramo do Direito Penal intervenha com o fim
de proteger os prejuízos que tal prática vem acarretando à sociedade.
A presente pesquisa se classifica como explicativa, tendo como método de abordagem
o dedutivo, uma vez que parte de uma situação geral para outra em particular, a partir de um
estudo de legislações, doutrinas, monografias e artigos científicos sobre o tema. Por fim, foi
utilizada a técnica de pesquisa da documentação indireta, através da realização de pesquisas
bibliográficas.

2 O FENÔMENO DAS FAKE NEWS

Fake news, em tradução livre, significa “notícias falsas”. Entretanto, os pesquisadores Hunt
Allcott e Matthew Gentzkow publicaram um estudo no Journal of Economics Perspectives, no
qual afirmam que se trata de todas as informações difundidas por meios de comunicação que se
disfarçam de veículos jornalísticos e que difundem informação comprovadamente incorreta para
enganar seu público (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017).
De acordo com o conceito supracitado, é possível perceber que fake news não consistem
em informações incorretas criadas acidentalmente. Pelo contrário, são inverdades, em formato
de notícias, produzidas com o intuito de persuadir seu público-alvo a acreditar que aquele
fato é verdadeiro. Ou seja, o “não jornalismo” das fake news se apropria indevidamente e
consistentemente da estilística, dos processos de enunciação e da credibilidade social do
jornalismo (RAMALHO, 2018, p. 8).
O principal meio de disseminação das fake news são as redes sociais, locais onde
conseguem alcançar um grande público em um curto período, tendo em vista a velocidade na
qual as informações circulam. Neste sentido, o professor Ivan Paganotti, em entrevista à revista
digital da Pontifícia Universidade Católica de Minas (PUC-MG), afirma o seguinte:

[...] As fake news se espalham porque foram criadas justamente para isso: para atrair
público e tornarem-se virais. Isso significa que são sites criados propositadamente
para divulgar informações incorretas, mas que soem plausíveis para seu público-
alvo, enganando-os a ponto de atrair visitantes e potencialmente transformar
parte de seu público em novos propagadores de seu conteúdo [...] esses sites
atraem a atenção de vasta audiência, que acaba capturada pelas suas manchetes
bombásticas sem perceber que elas são inverídicas (CRUZ, 2018).

102
Por conseguinte, o professor Ivan Paganotti afirmou que, para mobilizar o público, a ponto de
fazer com que este compartilhe a notícia falsa, esta, normalmente, apela para um tema polêmico
(CRUZ, 2018).
Em uma matéria realizada pela Forbes em 2018, o Brasil se encontrava em terceiro lugar
no ranking de países com maior exposição a fake news. No país em questão, 35% (trinta e cinco
por cento) dos entrevistados revelaram consumir informações completamente inventadas. (12
PAÍSES..., 2018).
O debate mundial sobre fake news teve início com a eleição do então presidente dos Estados
Unidos da América, Donald Trump. Este, durante sua campanha e depois de eleito, compartilhou
notícias falsas em seus perfis nas redes sociais. No Brasil, a discussão foi importada pelo atual
Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, que copiou práticas semelhantes em sua
campanha eleitoral (PITASSE, 2020).
As fakes news no Brasil são mais comuns de circularem em aplicativos de mensagens,
como o WhatsApp, graças à sua popularidade, bem como a falsa ideia de credibilidade que tais
mensagens passam aos usuários, tendo em vista que são compartilhadas em grupos formados
por pessoas próximas e/ou de confiança (PITASSE, 2020).
Ante esse problema, enfrentado no Brasil e no mundo, surgiu o Projeto de Lei (PL)
nº 2.630/2020, apelidado de “PL das Fake News”, o qual cria a Lei Brasileira de Liberdade,
Responsabilidade e Transparência na Internet, com normas para as redes sociais e serviços de
mensagens, tais como o WhatsApp e o Telegram (RUDY, 2020). O projeto foi apresentado pelo
senador Alessandro Vieira, do Partido Cidadania, e aprovado na forma de um texto alternativo do
relator, senador Angelo Coronel, do Partido Social Democrático. Segundo Alessandro Vieira, “o
projeto é uma forma de fortalecer a democracia e reduzir a desinformação e o engano, por meio
de combate a informações falsas ou manipuladas nas redes sociais” (RUDY, 2020).
Portanto, o presente trabalho visa analisar o Projeto de Lei supracitado ante o fenômeno
das fake news e sua forma de disseminação. Primeiramente se discutirá sobre o assunto dos
crimes cibernéticos, para, em seguida, tecer análises a respeito do novo projeto de lei.

3 OS CRIMES CIBERNÉTICOS

Com a difusão da internet no mundo, surgiram novas maneiras de comunicações entre as


pessoas, em especial após o uso desenfreado dos smartphones, isto é, os aparelhos celulares
com acesso à internet. Assim, a partir da informatização da sociedade no século XX, uma nova
classe de bens ditos informáticos se mostra relevante de proteção pelo Direito (MAIA, 2017, p.
23).
Nesse cenário tecnológico, em que há uma maior facilidade de ocultação de identidades,
variados tipos de criminosos se utilizam do meio virtual para praticar condutas ilícitas, os chamados
crimes cibernéticos. Com efeito, se faz necessária a intervenção do Direito Penal, como forma
de proteger os bens supramencionados, constituídos principalmente de informações e dados
sigilosos e privados.
A Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) da Organização
das Nações Unidas (ONU) atribui o conceito de crime cibernético como qualquer comportamento
ilegal, aético ou não autorizado, envolvendo processamento automático de dados ou transmissão
de dados (BORTOT, 2017, p. 341). Diante desse contexto, pode-se definir o crime cibernético
como sendo:

[...] Uma conduta atentatória ao estado natural dos dados e recursos oferecidos
pelos sistemas de processamento de dados, e pela compilação, armazenamento
e transmissão dos dados [...] toda conduta típica, antijurídica e culpável dirigida

103
contra ou pela utilização de processamento eletrônico ou transmissão de dados
caracteriza tal crime [...] utiliza-se um sistema de informática para prejudicar um
bem jurídico que pertença à ordem econômica, à integridade corporal, à liberdade
individual, à privacidade, à honra, ao patrimônio público ou privado, à Administração
Pública, entre outros (MAIA, 2017, p. 31-32).

Os crimes cibernéticos se classificam em próprios (puros) ou impróprios (mistos), sendo os


próprios relacionados com o objetivo de atingir o próprio sistema computacional, com a violação
de suas informações automatizadas, e os impróprios aqueles que se utilizam da internet ou
de outros meios tecnológicos como ferramentas para perpetrar crimes de qualquer espécie,
atingindo bens jurídicos distintos do sistema informático (MAIA, 2017, p. 35). Ainda acerca dos
crimes cibernéticos, estes necessitam apresentar os seguintes elementos:

[...] Uso da tecnologia como meio ou como fim para cometimento de crimes; Uso da
internet, de redes de computadores ou de telecomunicações; Caráter transnacional:
podem ultrapassar as fronteiras de mais de um Estado; Incidência sobre pessoas,
propriedades, organizações e sobre o Estado (MORAIS NETO, 2009, p. 69).

Dessa forma, infere-se que o crime cometido no ambiente digital/virtual possui características
de complexidade técnica e desenvolvimento rápido, o que amplia a vulnerabilidade e alarga as
possibilidades de infrações, bem como apresenta a criptografia “como medida de proteção e
obstáculo para a detecção de perpetradores” (MORAIS NETO, 2009, p. 69).
No território brasileiro, foram sancionadas algumas leis objetivando regulamentar a prática
de atos ilícitos no âmbito digital, como a Lei nº 9.983/2000, que prevê crimes relacionados
ao acesso indevido à sistemas informatizados pertencentes à Administração Pública, a Lei nº
11.829/2008, cujo objetivo é combater a produção, venda e distribuição da pornografia infantil na
internet, e a Lei nº 12.034/2009, que delimita os direitos e deveres na rede mundial no período
das campanhas eleitorais (BORTOT, 2017, p. 349).
No ano de 2012, a Lei nº 12.737 tipificou o crime de invasão de dispositivo informático
através da violação indevida de mecanismo de segurança para obter, adulterar ou destruir
dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou, ainda,
instalar vulnerabilidades com a finalidade de obter vantagem ilícita (BRASIL, 2012b). Já a Lei nº
12.735, sancionada no mesmo ano, visou tipificar condutas realizadas através do uso de sistema
eletrônico, digital ou similares, praticadas contra sistemas informatizados e similares (BRASIL,
2012a).
Por conseguinte, em 2014, foi sancionada a Lei nº 12.965, denominada de Marco Civil da
Internet, que dispõe princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet pelos usuários
e pelo próprio Estado (BORTOT, 2017, p. 349). O referido dispositivo legal foi alterado em 2018
pela Lei nº 13.709, para tratar sobre a proteção dos dados pessoais nos meios digitais (BRASIL,
2018), sendo novamente modificado em 2019 pela Lei nº 13.853, conhecida como Lei Geral de
Proteção de Dados Pessoais (BRASIL, 2019).
Todavia, observa-se que, no Brasil, os mencionados instrumentos legais não são suficientes
para regulamentar e coibir todas as condutas criminosas que são cotidianamente praticadas
através da internet. A questão da propagação de notícias falsas (fake news) ainda não é descrita
como crime no ordenamento jurídico brasileiro, o que traz uma impunidade aos agentes delituosos,
além da incerteza sobre o que é ou não ilegal.
Em razão das nocivas consequências que divulgação em massa de fato inverídico causa
à população, se faz necessário um aparato legal que tipifique tal conduta, de modo a proteger
danos individuais e coletivos, combatendo a desinformação, principalmente a disseminada
artificialmente (por meio de robôs) para obter vantagens financeiras e/ou políticas.

104
Nesse sentido, o seguinte tópico irá expor acerca do Projeto de Lei nº 2.630/2020, que
pretende instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet,
com o fim de combater a prática de dissipar fake news em redes sociais e em serviços de
mensagens privadas pela internet.

4 A CRIMINALIZAÇÃO DAS FAKE NEWS: UMA ANÁLISE DO PROJETO DE LEI Nº 2.630/2020



O Projeto de Lei nº 2.630/2020, apresentado pelo senador Alessandro Vieira, pretende
instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Seu texto
foi aprovado pelo Senado Federal, após uma série de modificações, em 30 de junho de 2020,
seguindo para a Câmara dos Deputados, onde aguarda prosseguimento (RUDY, 2020).
O Projeto de Lei (PL) foi dividido em 6 (seis) capítulos, sendo estes: disposições preliminares;
da responsabilidade dos provedores de aplicação no combate à desinformação e aumento da
transparência na internet; da transparência em relação a conteúdos patrocinados; da transparência
em relação a conteúdos patrocinados; da atuação do poder público; das sanções; e, por fim, das
disposições finais.
No decorrer do presente tópico, serão destacados os dispositivos legais mais importantes
do Projeto de Lei em análise. Inicialmente, no Capítulo I, são estabelecidos conceitos e objetivos
que devem ser obedecidos na rede virtual, entretanto, vale ressaltar o disposto no art. 1º, senão
vejamos:

Art.1º Esta lei estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência de redes


sociais e de serviços de mensageria privada através da internet, para desestimular
o seu abuso ou manipulação com potencial de dar causa a danos individuais ou
coletivos (Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na
Internet).

§ 1º Esta Lei não se aplica a provedor de aplicação que oferte serviço de rede social
ao público brasileiro com menos de dois milhões de usuários registrados, para o
qual as disposições desta Lei servirão de parâmetro para aplicação de programa de
boas práticas, buscando utilizar medidas adequadas e proporcionais no combate à
desinformação e na transparência sobre conteúdos pagos.

§ 2º O disposto no caput aplica-se mesmo que as atividades sejam realizadas por


pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou
pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento
no Brasil.

§ 3º Esta Lei se aplica, inclusive, ao provedor de aplicação sediado no exterior,


desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do
mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil. (BRASIL, 2020).

O combate às fake news, em primeiro lugar, deveria englobar todos os meios de comunicação,
sejam eles redes sociais ou aplicativos de mensagens, independentemente da quantidade de
usuários de tais serviços. Todavia, o art. 1º do Projeto de Lei estabelece que o diploma legal não
será aplicado aos serviços com menos de 2 (dois) milhões de usuários, podendo abrir uma brecha
para quem se enquadra nesta condição ainda disseminar notícias falsas em massa. Por outro
lado, vê-se que o disposto nos §§ 2º e 3º do art. 1º responsabilizam diretamente as plataformas
pelos conteúdos nelas compartilhados, o que implica em uma maior fiscalização sobre o que os
usuários estão compartilhando.
Por conseguinte, no Capítulo II, que versa sobre a responsabilidade dos provedores de

105
aplicação no combate à desinformação e aumento da transparência na internet, reforça-se a
ideia de que cabe aos provedores a função de tomar medidas para proteger a sociedade contra a
disseminação de desinformação por meio de seus serviços, não implicando em restrição ao livre
desenvolvimento da personalidade individual, à manifestação artística, intelectual, de conteúdo
satírico, religioso, ficcional, literário ou qualquer outra forma de expressão cultural.
Ainda no Capítulo II, o art. 14, em seu parágrafo único, dispõe que os provedores deverão
limitar o número de contas vinculadas a um mesmo usuário e deletar contas de usuários robôs,
quando forem identificados como tais, ou seja, “caso o volume de movimentação e número
de postagens seja incompatível com o uso humano”. Com essa inovação, poderá evitar-se a
propagação de fake news em maior número, haja vista um certo controle que haveria sobre a
questão da robotização de usuários na internet e a disseminação artificial de informações.
Cabe destacar, também dentro do referido capítulo, o art. 13, caput, que prevê o limite do
número de encaminhamentos de mensagens, uma das inovações mais importantes previstas no
Projeto:

Os provedores de aplicação que prestarem serviços de mensageria privada


desenvolverão políticas de uso que limitem o número de encaminhamentos de uma
mesma mensagem a no máximo 5 (cinco) usuários ou grupos, bem como o número
máximo de membros de cada grupo de usuários para o máximo de 256 (duzentos
e cinquenta e seis) membros (BRASIL, 2020).

O § 1º, do art. 13, limita as regras de encaminhamento de mensagens, estabelecendo


que em período de propaganda eleitoral e durante emergências ou de calamidade pública, será
possível encaminhamentos de uma mesma mensagem apenas a 1 (um) usuário ou grupo.
Dessa forma, infere-se que a limitação de encaminhamentos de mensagem pode ser algo
benéfico no combate às fake news, pois diminuirá o alcance delas, de modo a preservar o Estado
Democrático de Direito e o direito à informação. Entretanto, as mensagens que obtiverem um
compartilhamento significativo nos aplicativos podem ser consideradas suspeitas e, portanto,
rastreadas, mesmo que não possuam nenhum indício de ilegalidade. Assim, tal conduta pode
operar uma grave violação ao princípio da presunção de inocência, impactando também no
exercício da liberdade de expressão e comunicação (PITASSE, 2020).
Dando seguimento, o Capítulo IV, que trata sobre a atuação do Poder Público, versa sobre
a aplicação dos objetivos do Projeto de Lei em outras leis já existentes, bem como sobre a
promoção de campanhas para servidores públicos a respeito da importância da transparência de
conteúdos compartilhados na internet e do combate à desinformação.
O Capítulo V, versa sobre as sanções, e traz, em seu art. 28, as penalidades a serem
aplicadas pelo Poder Judiciário àqueles que infringirem o disposto na futura lei:

Art. 28. Sem prejuízo das demais sanções civis, criminais ou administrativas, os
provedores de aplicação ficam sujeitos às seguintes penalidades a serem aplicadas
pelo Poder Judiciário, assegurados o devido processo legal, a ampla defesa e o
contraditório:

I - advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;


II - multa;
III - suspensão temporária das atividades;
IV - proibição de exercício das atividades no país.

§1º Para fixação e gradação da sanção, deverão ser observados:


I - a gravidade do fato, a partir da consideração dos motivos da infração e das
consequências nas esferas individual e coletiva;
II - a reincidência na prática de infrações previstas nesta Lei;
III - a capacidade econômica do infrator, no caso de aplicação da sanção prevista
no inciso II do caput.

§2º Para efeito do §1º, a cominação das sanções contidas nos incisos III e IV do
caput está condicionada à prévia aplicação daquelas enunciadas pelos incisos I e II
nos doze meses anteriores ao cometimento da infração (BRASIL, 2020).

Segundo a professora Patrícia Vanzolini, “o problema hoje é a industrialização das fake


news e o uso político disso. A incitação ao ódio e a desmoralização de pessoas são exemplos
do uso destas ferramentas de forma ilícita e escusa” (TEIXEIRA, 2020). Todavia, observa-se
que, dentre as punições acima previstas, há uma grande perda excluir do âmbito das sanções
o agente que financia as fake news, tendo em vista a grande influência que o financiador pode
promover no aumento do alcance delas.
Por fim, em suas disposições finais, o Projeto de Lei altera o art. 11 da Lei de Improbidade
Administrativa (Lei nº 8.429/92), prevendo como ato de improbidade administrativa o inciso XI,
qual seja: “disseminar ou concorrer para a disseminação de desinformação, por meio de contas
inautênticas, disseminadores artificiais ou redes de disseminação artificial de desinformação”
(BRASIL, 2020).
A partir da análise do Projeto de Lei nº 2.630/2020, observa-se que este ainda apresenta
algumas lacunas que devem ser consertadas, caso entre em vigor, não obstante sua necessidade
diante do cenário político e tecnológico atual. Conforme visto, não responsabilizar financiadores
de fake news em massa foi uma falha que ainda não conseguiu ser suprida com nenhum outro
dispositivo legal. Apesar disso, pode-se dizer que o Projeto apresenta pontos positivos, como o
limite no encaminhamento de mensagens e a alteração da Lei nº 8.429/92. (BRASIL, 1992).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As fake news ganharam destaque mundial após as eleições norte-americanas de 2016,


uma vez que foram utilizadas na campanha do então Presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump. Desde então, também ganharam um grande destaque no cenário político brasileiro, em
especial nas eleições presidenciais de 2018.
Dentre as discussões para a criminalização das fake news, surgiu o Projeto de Lei
nº 2.630/2020, de autoria original do senador Alessandro Vieira. O referido Projeto de Lei foi
aprovado no Senado Federal, no dia 30 de junho de 2020, seguindo para o Congresso Nacional,
onde aguarda aprovação. (BRASIL, 2020).
Em seu texto, o Projeto de Lei traz inovações no cenário dos crimes cibernéticos, através de
formas para conter as fake news, dentre elas a responsabilização das plataformas pelos conteúdos
compartilhados pelos usuários, além da exclusão de certos tipos de usuários cadastrados, como
também a sinalização de tais notícias falsas, quando compartilhadas. (BRASIL, 2020).
O Projeto de Lei ainda prevê sanções para quem descumprir o que está contido em seus
artigos, entretanto, falha por não chegar ao fundo do problema: não há responsabilização para
quem financia o compartilhamento das fake news. Caso existisse a específica prática, prevista em
lei como crime, o agente delituoso poderia ser identificado com o uso das técnicas de investigação
para crimes praticados no meio virtual, sendo penalizado logo após o devido processo penal. O
texto apresentado, apesar de curto, não é muito claro, deixa em alguns trechos espaço para
ambiguidades. (BRASIL, 2020).
Contudo, pode-se dizer que o Projeto de Lei traz uma inovação ao cenário dos crimes

107
cibernéticos, pois trata de um tema atual, que ainda não possui uma legislação própria a respeito.
(BRASIL, 2020). As fake news se disseminam, principalmente, em redes sociais e aplicativos de
mensagens privadas, necessitando, assim, de uma legislação que possa controlá-las, sem retirar
o direito de expressão dos usuários e de maneira que seus dados sejam preservados.

REFERÊNCIAS

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BORTOT, Jessica Fagundes. Crimes cibernéticos: aspectos legislativos e implicações na


persecução penal com base nas legislações brasileira e internacional. VirtuaJus, Belo
Horizonte, v. 2, n. 2, p. 338-362, 2017.

BRASIL Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.360, 2020. Lei das Fake News.
Iniciativa: Senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE). Ementa: Institui a Lei Brasileira de
Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Decisão: Aprovada pelo Plenário.
Destino: À Câmara dos Deputados. Último local:18/01/2021 - Assessoria Técnica. Brasília,
DF: Câmara dos Deputados, 2020. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/
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princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Brasília, DF:
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______. Lei nº 12.735, de 30 de novembro de 2012. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de


dezembro de 1940 - Código Penal, o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código
Penal Militar, e a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, para tipificar condutas realizadas
mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, que sejam praticadas contra sistemas
informatizados e similares; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República,
2012a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12735.htm.
Acesso em: 28 out. 2020.

______. Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012. Dispõe sobre a tipificação criminal de


delitos informáticos; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
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agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego
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______. Lei nº 13.853, de 8 de julho de 2019. Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018,
para dispor sobre a proteção de dados pessoais e para criar a Autoridade Nacional de Proteção
de Dados; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2019. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13853.htm. Acesso em: 28 out.
2020.

108
______. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Dispõe sobre a proteção de dados
pessoais e altera a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet). Brasília, DF:
Presidência da República, 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
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109
CAPÍTULO 10

A PROBLEMÁTICA DA CIBERPEDOFILIA: FORMAS DE


COMBATE E PROTEÇÃO

Matheus Pinto de Lucena


Edilla Lucena de Abrantes
A PROBLEMÁTICA DA CIBERPEDOFILIA: FORMAS DE COMBATE E PROTEÇÃO

Matheus Pinto de Lucena26


Edilla Lucena de Abrantes27

RESUMO

A sociedade contemporânea, diante do grande avanço tecnológico, da globalização e da


praticidade que as atividades e operações ganharam, tornou-se dependente da internet. Todavia,
com aumento da facilidade e do uso de serviços online, os usuários também ficaram expostos a
maiores perigos e riscos, como, por exemplo, os crimes cibernéticos. Dentre estes, destaca-se aqui
a ciberpedofilia. O objetivo geral deste artigo é analisar as principais causas que corroboram para
a ocorrência da pedofilia virtual e, por conseguinte, elencar formas de prevenção e combate a este
delito. Para a realização desta pesquisa, foram utilizados os métodos dedutivo e observacional,
sendo o estudo classificado como descritivo, quanto aos fins, e bibliográfico, quanto aos meios.
Concluiu-se que é de indubitável relevância que haja políticas públicas por parte do Poder
Executivo, em conjunto com as escolas, com o escopo de acarretar um conhecimento aguçado
e necessário para as crianças e jovens saberem como se proteger do tipo de criminalidade aqui
tratada. É de suma importância que o seio familiar seja preparado e se empenhe em conversar
com os mais novos sobre a periculosidade virtual, apesar das maravilhas que oferece. Também
é indispensável que os casos sejam denunciados e que aqueles aos quais cabe proceder com a
investigação sejam treinados com excelência para solucionar os casos, diminuir a impunibilidade
e o risco a que as crianças e os jovens estão expostos.

Palavras-chave: Ciberpedofilia. Direito Penal. Crime. Internet.

ABSTRACT

The contemporary society, in front of the great technological advance, globalization and the
practicality that activities and operations have developed, has become dependent on the internet.
However, with the increasing ease and the use of services online, users were also exposed to
greater dangers and risks, such as, cybercrime. Among these, cyberpedophilia stands out here.
The general objective of this article is to analyze the main causes that corroborate the occurrence
of virtual pedophilia and, therefore, to list ways of preventing and combating this crime. For the
fulfillment of this research, the deductive and observational methods were used and the study
were categorized as descriptive, as to the ends, and bibliographic, as to the means. Concluded
that is undoubted the relevance that their public politics by the Executive Branch with the schools
with the scope of entail an acute and necessaire knowledge to the children and youth know how to
protect themselves of type of criminality treated here. Is of paramount importance that the familiar
breast be prepared and engage to talk with younger about virtual danger, although the wonders it
offers. It is also indispensable that the cases be reported and that those that are responsible for
carrying out the investigation are trained with excellence to solve cases, decrease impunity and
the risk to which children and young people are exposed.

Keywords: Cyberpedophilia. Criminal Law. Crime. Internet.

26 Bacharel em Direito pelo Centro de Educação Superior Reinaldo Ramos (CESREI). E-mail: matheuspinto.mpl@
gmail.com.
27 Bacharela em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Especialista em Direito Processual Civil pela
UniAlphaville. E-mail: abrantesedilla@gmail.com.

111
1 INTRODUÇÃO

Tendo em vista o avanço da internet, as práticas comerciais, laborais, midiáticas, comunicativas


e informativas se tornaram mais abrangentes, céleres e descomplicadas; facilitando a interação
global em todos os âmbitos e sentidos, sendo até inimaginável o cotidiano e o desenvolvimento
da sociedade atual sem o auxílio dos serviços cibernéticos.
Entretanto, é preciso cautela para lidar com esse progresso, pois não oferece apenas
benefícios, trazendo consigo também os riscos. Dentre estes, estão os crimes virtuais — ou
digitais, cibernéticos, eletrônicos — que utilizam de dispositivos digitais para executar a ação
criminosa. Ressalta-se a pedofilia virtual ou ciberpedofilia, tipificados nos artigos 240 e 241 do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). (BRASIL, 1990a).
De tal modo, o presente artigo intitulado “A problemática da ciberpedofilia: Formas de
combate e proteção” tem como objetivo geral analisar as principais causas que corroboram para
a ocorrência da pedofilia virtual e, por conseguinte, elencar formas de prevenção e combate a
este delito.
A escolha do tema como objeto de estudo se justifica pela preocupante recorrência da
conduta delituosa citada e pela evidente necessidade de proteção e cuidado que as crianças e
adolescentes necessitam, devendo ter sua integridade física, emocional e psíquica preservadas,
para que desfrutem do princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro, a dignidade humana, e
para que sejam efetivados os direitos que lhes são garantidos, principalmente, pela Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Portanto,
indaga-se: quais são as maneiras de prevenção e combate à ciberpedofilia?
A relevância científica da pesquisa consiste em enriquecer o acervo científico sobre o
assunto, o qual não é considerado escasso, porém, haja vista a importância do conteúdo abordado,
a temática deve ser cada vez mais discutida, observada e pesquisada, para que haja maior
cobrança pela efetivação dos direitos das crianças e adolescentes às autoridades competentes,
de forma que as investigações, referentes aos crimes cibernéticos, sejam otimizadas, visando
maior eficiência e, consequentemente, identificação e punição dos criminosos; bem como uma
maior conscientização e orientação em relação às famílias das crianças e jovens, no intuito de
que estas atuem objetivando prevenir que seus filhos ou familiares sejam vítimas deste tipo de
crime.
Quanto ao método, segundo Fachin (2006), outorga aos pesquisadores, não importando a
área de sua formação, uma concepção generalizada que torna mais viável traçar uma pesquisa,
elaborar hipóteses, planejar investigações, praticar o empirismo e analisar os produtos ou
resultados. De tal forma, o método é a eleição de procedimentos que tenham como escopo a
descrição e explanação de um estudo, podendo surgir diversas maneiras de método no desenrolar
da pesquisa.
A escolha do método deve ser baseada na natureza do objeto a que se aplica e ao objetivo
que se tem em vista. Para a realização da pesquisa, foram utilizados os métodos dedutivo e
observacional. O método dedutivo, o qual parte da esfera geral para a particular, embasou-se
em princípios considerados verdadeiros e incontroversos, viabilizando cominar em aferimentos
de modo formal, com base somente em sua lógica. O método observacional, visou possibilitar o
mais elevado grau de precisão nas ciências sociais (GIL, 1999).
Quanto aos fins, a pesquisa foi categorizada como descritiva, pois pretendeu analisar e
descrever sobre as principais causas que levam à facilitação da ocorrência da ciberpedofilia e
as formas de combatê-la. Quanto aos meios, foi especificada como bibliográfica, pois foram
utilizados livros doutrinários, dados estatísticos, artigos científicos, legislações e reportagens;
com o propósito de enriquecer a reserva acadêmica de conteúdos referentes à matéria, cuja
discussão é de tamanha pertinência, haja vista a relevância do que envolve.

112
2 A EVOLUÇÃO DA INTERNET E O RISCO DOS CRIMES CIBERNÉTICOS

No ano de 1969, nos Estados Unidos, originava-se um dos grandes marcos das
descobertas humanas: a internet. Esta invenção, sem a qual os tempos atuais não contariam
com tamanha celeridade e praticidade nas ações, adveio da pretensão do Departamento de
Defesa americano em criar uma rede de comunicação entre computadores, visando dissipar
informações importantes que poderiam ser devastadas caso fossem atingidas por bombardeios
e estivessem concentradas em um só servidor, fazendo com que a comunicação norte americana
fosse mantida mesmo em meio a conflitos. Desse modo, a ARPA (Advanced Research Projects
Agency), a qual é classificada como uma das vertentes do Departamento de Defesa americano,
criou a ARPANET, rede interligada que suportava alta quantidade de informações. A internet teve
por escopo proteger o supracitado País de ataques ou invasões militares da União Soviética,
tendo em vista que a Guerra Fria estava no auge (SILVA, 2001).
Entre as décadas de 1970 e 1980, os Estados Unidos consentiram que os pesquisadores
de universidades desenvolvessem estudos relacionados à área de defesa e entrassem na
ARPANET, havendo uma divisão desta, pois não estava sendo mais suficiente para administrar
o sistema como um todo, por causa do aumento de localidades universitárias integradas a ela.
Destarte, ocorreu a divisão entre a nova ARPANET e MILNET, de modo que a primeira possuía
localidades militares e a segunda localidades não militares.
Nesse contexto, a internet começou a funcionar como um importante meio de comunicação
acadêmico, alvo de pesquisa e grandes descobertas. Na década de 80, a compra dos
computadores se tornou mais acessível, aumentando, portanto, o número de usuários na rede.
Em 1990, o engenheiro Tim Bernes-Lee desenvolveu a World Wild Web, o que é amplamente
conhecido como a sigla WWW, tratando-se de um sistema articulado de arquivos executados na
internet, bem como de um sistema de hipermídia capaz de transmitir informações para todo o
mundo. Doravante, a internet passou a crescer em ritmo altamente veloz.
Em tempos atuais, o uso da Internet continua a crescer globalmente. Segundo dados da
Organização das Nações Unidas (ONU) em 2019, 4,1 bilhões de pessoas utilizam a rede mundial.
O número de usuários corresponde a 53,6% da população de todo o mundo. (ESTUDO..., 2019).
A pesquisa TIC Domicílios (2019), através do Centro Regional de Estudos para o
Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC), do Núcleo de Informação e Coordenação
do Ponto (NIC) revela:

O Brasil conta com 134 milhões de usuários de Internet, o que representa 74% da
população com 10 anos ou mais. O celular é o principal dispositivo para acessar
a Internet, usado pela quase totalidade dos usuários da rede (99%). A pesquisa
ainda aponta que 58% dos brasileiros acessam a rede exclusivamente pelo telefone
móvel, proporção que chega a 85% na classe DE. O uso exclusivo do telefone celular
também predomina entre a população preta (65%) e parda (61%), frente a 51% da
população branca. De acordo com a TIC Domicílios, houve um crescimento no uso
da rede pela televisão (37%), um aumento de sete pontos percentuais em relação a
2018. No que se refere à conexão domiciliar, a Internet está presente em 71% dos
domicílios brasileiros. Mais de 20 milhões de domicílios não possuem conexão à
Internet, realidade que afeta especialmente domicílios da região Nordeste (35%) e
famílias com renda de até 01 salário mínimo (45%). Pelo quarto ano consecutivo,
a pesquisa verificou uma redução da presença de computadores nos domicílios,
passando de 50% em 2016 para 39% em 2019. Pelo recorte socioeconômico,
enquanto 95% domicílios da classe A possuem algum tipo de computador, eles
estão presentes em apenas 44% dos domicílios da classe C e 14% dos domicílios
das classes DE. (BRASIL, 2019).

113
Nessa conjuntura, a sociedade contemporânea, diante do grande avanço tecnológico, da
globalização e da praticidade que as atividades e operações ganharam, tornou-se dependente
da internet, pois esta é uma ferramenta de trabalho, estudo, comércio, comunicação,
compartilhamento e tantas outras funções. A celeridade tecnológica trouxe à tona a modernidade
líquida, conceito elaborado e discorrido pelo sociólogo Zygmunt Bauman, no qual tudo é fluído,
rápido e vulnerável; tudo tem que ser novo para ser desejável, nada é feito para durar. E assim
cresce o mundo virtual, dia após dia com inovações promissoras, buscando facilitar cada vez
mais as relações e conexões eletrônicas, promovendo a expansão desenfreada da integração
global (BAUMAN, 2001).
Todavia, com aumento da facilidade online, os usuários também estão expostos a maiores
perigos e riscos, como, por exemplo, os crimes cibernéticos. Para Amaral (2019), estes crimes são
definidos como todos os delitos cometidos em meio virtual, ou seja, todas as infrações penais em
que o agente utiliza dispositivos digitais — conectados ou não à rede mundial de computadores
— para a execução da conduta criminosa.
Os mais frequentes cibercrimes praticados no mundo são crimes contra a honra (calúnia,
injúria e difamação), violação dos direitos autorais, perfis falsos e pornografia infantil (OLIVEIRA
et al., 2017). Entre a pornografia infantil, destaca-se a ciberpedofilia ou a pedofilia praticada no
meio virtual.

3 CIBERPEDOFILIA: CONCEITO E PECULIARIDADES DO CRIME

Primordialmente, faz-se mister salientar que a pedofilia, por si só, não é considerada crime,
pois é classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença em que o
indivíduo possui um transtorno psicológico e, assim sendo, apresenta um desejo, uma fantasia e/
ou estímulo sexual por crianças pré-púberes (CARAMIGO, 2017).
Conforme Lauria (2008), em sua origem etimológica, a palavra pedofilia (oriunda da Grécia)
não estava ligada a desejos sexuais imorais. Na verdade, o termo philos significa amigo. Logo,
no passado, a pessoa que era amiga de crianças poderia ser chamada de pedófila, sem qualquer
conotação negativa. Mas a mudança veio no século XIX, quando o sufixo-filia passou a ser
utilizado também para designar certos tipos de atração sexual doentios, como pode ser verificado,
por exemplo, na palavra necrofilia. A partir de então, a palavra pedofilia passou a ser utilizada da
forma atualmente conhecida.
Também é relevante abordar acerca da diferença entre pedofilia e parafilia. De acordo com
Paula (2013), a primeira é um transtorno de preferência sexual, que se encontra junto a outras
parafilias. Já a segunda é um desvio de conduta sexual, ou seja, uma perversão sexual.
Nesse sentido, é preciso deixar claro que inexiste a necessidade da ocorrência do ato
sexual entre o adulto e a criança para que o indivíduo possa ser considerado clinicamente como
pedófilo, bastando a presença de fantasias ou desejos sexuais apenas em sua mente.
Desta feita, a pedofilia em si não configura crime, mas sim a extensão do desejo quando
passa a ser a prática de um ato configurado como conduta criminosa. Consoante Landini (2007,
p. 171-172), a internet, e seu uso como mídia de massa, transformou o mercado da pornografia
infantil, aumentando seu público e, consequentemente, transformando também o seu significado.
Ou seja, os instrumentos virtuais servem para disseminar materiais que contenham cenas de
sexo ou pornográficas envolvendo menores, o que incita a vontade de pedófilos abusarem de
crianças e jovens de forma concreta.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 227, determina
que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e

114
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988). É pertinente destacar a redação do parágrafo
4º do mencionado artigo: “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual
da criança e do adolescente”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, como uma lei
que dispõe sobre proteção integral traz, em um período pós-ditatorial, atenção às necessidades
e direitos de crianças e adolescentes, garantindo em seu artigo 5º que nenhuma criança ou
adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais. (BRASIL, 1990a).
Para o ECA, considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de
idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. (BRASIL, 1990a).
O ECA fixa em seu artigo 4º que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral
e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990a).
No tocante aos crimes que podem ser apontados como pedofilia virtual, estão os seguintes,
elencados no ECA:

Art. 240 Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio,
cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de


qualquer modo intermedia a participação de criança ou adolescente nas cenas
referidas no caput deste artigo, ou ainda, quem com esses contracena.

§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime:

I – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la;


II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade;
III – prevalecendo-se de relações de parentesco consanguíneo ou afim até o terceiro
grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem,
a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento.

Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha
cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (BRASIL, 1990a).

A Lei nº 11.829, de 25 de novembro de 2008, alterou o ECA para aprimorar o combate à


produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a
posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet; inserindo os artigos
241-A, 241-B, 241-C, 241-D e 241-E:

Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar


por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático,
fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou
pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

115
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou


imagens de que trata o caput deste artigo;
II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias,
cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.

§ 2º As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1o deste artigo são puníveis


quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa
de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo.

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo
ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o


material a que se refere o caput deste artigo.
§ 2º Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar
às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240,
241, 241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por:

I – agente público no exercício de suas funções;


II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades
institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos
crimes referidos neste parágrafo;
III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou
serviço prestado por meio de rede de computadores, até o recebimento do material
relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder
Judiciário.

§ 3º As pessoas referidas no § 2o deste artigo deverão manter sob sigilo o material


ilícito referido.

Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo


explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de
fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda,
disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou
armazena o material produzido na forma do caput deste artigo.

Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de


comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

116
I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito
ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso;
II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança
a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita.

Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo
explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou
adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos
órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.
(BRASIL, 2008).

Destaca-se que, caso haja contato sexual com a pessoa de até 14 (quatorze) anos
incompletos, tipificado estará o crime de estupro de vulnerável, presente no artigo 217-A do
Código Penal. Se o ofendido possuir mais de 14 (quatorze) anos e seja induzido a presenciar ato
libidinoso envolvendo pessoas maiores de 18 (dezoito) anos, o delito cometido será o previsto no
artigo 218-A, do Código Penal.
Sobre o assunto, leciona Masson (2017), que para caracterizar o crime previsto no artigo
218-A do Código Penal, é dispensável a presença física do vulnerável no local da realização da
conjunção carnal ou outro ato libidinoso. A relação sexual deve ser presenciada, isto é, assistida
pelo menor de 14 anos, o qual pode estar em lugar distante, mas acompanhando e sendo
igualmente acompanhado com o auxílio de meios tecnológicos, como webcam.
Expressivo comentar que a Lei nº 12.978, de 21 maio de 2014, introduziu, no inciso VIII, do
artigo 1º, da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, o favorecimento da prostituição ou de outra forma
de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e
2º), tornando a referida atitude considerada como crime hediondo e, assim, sendo aplicáveis as
disposições legais processuais penais da Lei 8.072/1990. (BRASIL, 2014b, 1990).
A Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, Lei do Marco Civil, determina em seu artigo 21
que o provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será
responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem
autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas
de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo
participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos
limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo. A notificação deve conter,
sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado
como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação
do pedido. Após a notificação, o conteúdo com pornografia contendo criança ou adolescente tem
que ser imediatamente indisponibilizado pelo provedor de aplicações. (BRASIL, 2014a)
Com a facilidade de interação que a internet permite, o campo de atuação dos pedófilos
teve uma imensa expansão. Antes, procuravam agir em locais onde geralmente houvesse muitas
crianças, como shoppings, parques, clubes. Agora, os predadores se valem de redes sociais,
salas e aplicativos de conversa, blogs e sites de relacionamento.
Para Rodrigues e Simas Filho (2004):

[...] A internet facilita o contato dos pedófilos com suas vítimas, pois nos chats e
blogs eles assumem qualquer personalidade e usam a linguagem que mais cativa o
interlocutor virtual. Atualmente, com a popularização da internet, os pedófilos, que
passaram a ser ciberpedófilos, têm-se uns campos fértil e praticamente impunes
para aliciar crianças e pré-adolescentes por meio de ferramentas que propiciam
esconder suas verdadeiras identidades e assumir uma personalidade que cativa as
crianças. [...] para se aproximar das vítimas, os ciberpedófilos criam mecanismos

117
para atrair crianças utilizando a própria linguagem infantil. Através de perfis falsos
a violência cibernética se concretiza, por meio de dois níveis: um deles consiste
em conquistar a criança e pré-adolescente para a prática sexual ou buscar
nessa criança o objeto para a exposição de fotografias em situações eróticas. O
outro, os ciberpedófilos, ganham a confiança das vítimas criando um vínculo e,
posteriormente, começam as chantagens emocionais, até o criminoso jogar para as
crianças imagens pornográficas e, a partir delas, estabelecer um vínculo promíscuo.
(RODRIGUES; SIMAS FILHO, 2004, p. 1).

As imagens de crianças e adolescentes podem ser espalhadas se computadores das


vítimas estiverem conectados com outras redes, de forma que, quando crianças enviam fotos
para amigos, essa imagem pode acabar caindo na rede dos pedófilos. Há possibilidade também
de que alguém ligado ao destinatário da foto esteja em uma rede de pedofilia, ou porque a
imagem foi postada em algum site ou blog, tornando-se pública.
No entendimento de Pereira e Teza (2015):

[...] É necessário ter a clareza que a pedofilia foi impulsionada pelo meio virtual,
principalmente pela maneira e facilidade com que crianças e adolescentes se deixam
encontrar nas redes sociais. Grande parte delas tem em suas residências pelo
menos um computador com webcam, internet e outros dispositivos à sua disposição
por 24 horas e, por vezes, os utilizam sem limites ou orientações, causando uma
grande vulnerabilidade, tornando a ação dos criminosos fácil e rápida, utilizando
de artimanhas para chamar a atenção das vítimas, criando perfis falsos nas redes
sociais e adotando uma linguagem de fácil compreensão. Com essa imensidão de
recursos e com um grande público infantil e adolescente como consumidor desse
meio, as empresas de tecnologia criam jogos de diversos tipos para agradar seu
público infante, entre eles estão àqueles conhecidos como interativos, nos quais
pode-se entrar em contato com várias pessoas. (PEREIRA; TEZA, 2015, p. 8).

A maior problemática da ciberpedofilia é a dificuldade em rastrear o infrator, considerando o


anonimato que a internet oferece. Contudo, segundo Morais (2018) não é uma tarefa impossível,
sendo uma das alternativas o número IP (Internet Protocol) que identifica um dispositivo em uma
rede (um computador, impressora, roteador etc.). Sabendo esse número é possível chegar ao
computador de onde se originou a atitude delituosa, identificando o criminoso.
Todavia, o maior empecilho se dá na ocasião em que o ciberpedófilo comete o crime utilizando
aparelhos de lugares públicos, como lan houses, pois o computador e a hora em que foi cometida
ação criminosa são detectados, entretanto é raro que lugares como estes registrem sempre
de forma correta o usuário que manipulou o determinado aparelho naquele horário específico;
abrindo, desse modo, uma imensa janela para impunidade.

4 PREVENÇÃO E COMBATE À CIBERPEDOFILIA

À luz do exposto, infere-se que a ciberpedofilia é um crime comum e que as crianças e


adolescentes estão muito vulneráveis a se tornarem vítimas dele. Destarte, uma pesquisa da
SafernetBrasil em 2008, calculou que cerca de 87% dos jovens internautas afirmam não possuir
restrições ao uso da Internet; 53% já tiveram contato com conteúdo agressivos e que consideravam
impróprios para sua idade; 64% dos jovens usam a Internet principalmente no próprio quarto,
contrariando uma das dicas de prevenção que orienta a manter o computador em área comum
da residência; 77% dos jovens afirmam que não possuem limite de tempo na Internet; 80% dos
jovens internautas preferem os sites de relacionamento; 72% comunicadores instantâneos; 72%
dos jovens publicam suas fotos; 51% divulgam o sobrenome além do nome; e 21% afirmam que

118
fornecem livremente o nome da escola e/ou clube que frequentam. (87%..., 2008).
Outrossim, Morais (2018), cita as medidas fundamentais para a prevenção e o combate à
ciberpedofilia alertadas pela SafernetBrasil, sendo elas: usar o computador e a internet junto com
a criança, criando condições para que lhe mostre os sites por que navega; instalar o computador
em um cômodo comum da casa, ao qual todos tenham acesso; sempre que puder, verificar as
contas dos e-mails das crianças; procurar saber quais os serviços de segurança usados nos
computadores das escolas e das lan houses frequentadas por seus filhos; orientar seus filhos a não
se encontrarem com pessoas que conheceram pela internet; instruir as crianças a não postarem
fotos pela internet; ensinar as crianças a não divulgarem dados pessoais (idade, endereço e
telefone) em salas de bate-papo; dizer às crianças para nunca responderem a mensagens
insinuantes ou agressivas; explicar para as crianças os perigos da pedofilia na internet; conhecer
os amigos que a criança faz no mundo virtual; explicar à criança que muitas coisas vistas na
Internet podem ser verdade, mas também podem não ser. (87%..., 2008).
Conforme Ferreira e Oliveira Júnior (2019), para combater a ciberpedofilia, é necessária a
cooperação de órgãos como o Ministério Público, as Polícias Militares, Federal e Civil e entidades
de proteção às crianças e adolescentes, podendo-se citar como exemplo a society for internet
forum. Deve o Estado realizar uma parceria internacional para que os profissionais da área
investigativa trabalhem em conjunto, no intuito de localizar o criminoso com eficiência. Ademais,
o treinamento dos agentes competentes para trabalhar nesta área requer técnicas inovadoras e
aprimoradas, além de equipamentos de elevada qualidade a serem usados nas operações.
Ainda, a denúncia à polícia e o diálogo das famílias com as crianças e adolescentes sobre
as armadilhas do mundo virtual são as melhores soluções a serem tomadas em primeira mão
como maneiras de prevenção. É imprescindível também contar com o apoio das escolas e do
Poder Executivo, para que sejam criadas políticas públicas conjuntas intentando proporcionar
maior cognição e cuidado às crianças e aos jovens sobre o tema.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi explanado, a evolução cibernética promoveu inúmeros avanços e benefícios para
a sociedade como um todo. Porém, há as perigosas desvantagens, dentre elas, crimes. Em meio
a estes crimes, há a pedofilia virtual ou ciberpedofilia, a qual torna crianças e adolescentes alvos
fáceis e vulneráveis devido à amplitude e facilidade dos meios de comunicação e compartilhamento
de mídias.
Consoante foi demonstrado, através dos dados e fatos apontados, entre os maiores
empecilhos na luta contra a pedofilia virtual está a complexidade em identificar os criminosos,
especialmente aqueles que utilizam aparelhos digitais de locais públicos, os quais não possuem
um controle propício de registro de usuários. Outro obstáculo no combate aos delitos é a falta
de orientação das crianças e dos jovens, para que não se tornem vítimas das práticas pedófilas,
tendo em vista que os números comprovam que o modo como crianças e adolescentes navegam
na rede, em sua maioria, é inadequado, porque o uso dos computadores ocorre em ambientes
mais reservados, como o quarto, publicam grande quantidade de fotos e não possuem restrições
de tempo ou conteúdo em relação à internet.
Isto posto, é de indubitável relevância que haja políticas públicas por parte do Poder
Executivo, em conjunto com as escolas, com o escopo de estimular um conhecimento mais
profundo sobre o tema e proteger a infância e a juventude do tipo de criminalidade aqui tratada.
É de suma importância também que o seio familiar seja preparado e se empenhe em conversar
com os mais novos sobre a periculosidade virtual, apesar das maravilhas que oferece em troca.
É igualmente indispensável que os casos sejam denunciados e que aqueles aos quais cabe
proceder com a investigação sejam treinados com excelência para solucionar os casos, diminuir

119
a impunidade e o risco a que as crianças e jovens estão expostos.

REFERÊNCIAS

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Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; e acrescenta inciso ao art. 1º da Lei
nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para classificar como hediondo o crime de favorecimento
da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de
vulnerável. Brasília, DF: Presidência da República, 2014b. Disponível em: http://www.planalto.
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cotidiano/ult95u34809.shtml. Acesso em: 31 out. 2020.

121
CAPÍTULO 11

LIBERDADE DE EXPRESSÃO NAS REDES SOCIAIS: A


RESSIGNIFICAÇÃO DO DIREITO PENAL E PROCESSUAL
PENAL À LUZ DOS DISCURSOS DE ÓDIO

Lara Rodrigues Lima Aguiar


Sabrina de Sousa Farias
Ana Alice Ramos Tejo Salgado
LIBERDADE DE EXPRESSÃO NAS REDES SOCIAIS: A RESSIGNIFICAÇÃO DO
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL À LUZ DOS DISCURSOS DE ÓDIO

Lara Rodrigues Lima Aguiar28


Sabrina de Sousa Farias29
Ana Alice Ramos Tejo Salgado30

RESUMO

O presente artigo propõe analisar os limites da liberdade de expressão nas redes sociais,
considerando os recorrentes discursos de ódio praticados no âmbito digital. Desta forma, a
problemática aqui enfrentada é a insuficiência da legislação brasileira em combater tais práticas
criminosas, uma vez que o direito à liberdade de expressão é por vezes tido como ilimitado.
Assim, este trabalho teve como objetivo geral analisar os reflexos da liberdade de expressão nos
crimes digitais, e teve como objetivos específicos analisar a liberdade de expressão enquanto
direito fundamental e os seus limites nas redes sociais; definir os discursos de ódio enquanto
crimes digitais mistos e demonstrar a necessidade de atualizar a legislação brasileira. Tratou-
se de um estudo do tipo dedutivo, elaborando-se uma pesquisa bibliográfica e documental de
caráter qualitativo, inclusos os diplomas legais. Diante do exposto, verificou-se que, assim como
já ocorre na legislação internacional, a legislação brasileira precisa tratar os crimes digitais com
um olhar diferenciado, ou seja, as penas cominadas precisam ser ampliadas com a inserção de
majorantes, de modo que haja maior reprovação dessas condutas.

Palavras-chave: Discurso de Ódio. Liberdade de Expressão. Redes Sociais.

ABSTRACT

This article aims to analyse the limits of freedom of expression in social media considering the
recurring hate speech practiced in the digital sphere. The problem faced here is the insufficiency
of Brazilian legislation to combat such criminal practices, since the right to freedom of expression
is sometimes considered to be unlimited. Thus, this work had as general objective to analyse
the reflexes of freedom of expression in digital crimes and had as specific objectives to analyse
freedom of expression as a fundamental right and its limits in social networks; define hate speech
as mixed digital crimes and demonstrate the need to update Brazilian legislation. It was an
inductive study, with bibliographical and documentary research of a qualitative nature, including
legal diplomas. In view of the above, it was found that, as is already the case in international
law, Brazilian law needs to treat digital crimes with a different perspective, that is, the penalties
imposed need to be extended with the inclusion of majorants, so that there is a greater degree of
failure of these conducts.

Keywords: Hate Speech. Freedom of Expression. Social Media.

28 Graduanda do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB. E-mail: laraaguiar2204@gmail.com


29 Graduanda do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB. sabrinasousafarias5@gmail.com.
30 Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ. Professora da Universidade Estadual
da Paraíba e da Centro Universitário UNIFACISA. E-mail: anatejo@uol.com.br.

123
1 INTRODUÇÃO

A liberdade de expressão é um direito fundamental, expresso no art. 5° da Constituição


Federal, que sustenta, junto aos outros valores, o Estado Democrático de Direito. Nesse sentido,
o presente trabalho discute o uso da liberdade de expressão nos meios virtuais, especialmente,
nas redes sociais. (BRASIL, 1988).
A evolução da Internet ampliou a capacidade dos indivíduos de se manifestarem, de exporem
opiniões e pensamentos, por outro lado, essa mesma liberdade também amplia os discursos de
ódio. Neste contexto, muitas vezes, os usuários das redes sociais acreditam estarem isentos de
responsabilização dos comentários odiosos feitos na Internet.
Assim, questiona-se se há necessidade de alterações na legislação brasileira para os crimes
digitais mistos e puros. Dessa forma, o objetivo primordial é analisar os reflexos da liberdade
de expressão na prática de crimes digitais cometidos por meio das redes sociais. Para tanto,
faz-se imperativo analisar a liberdade de expressão enquanto direito fundamental, em seguida,
discorrer sobre as formas pelas quais a liberdade de expressão se manifesta nas redes sociais.
Também é relevante definir os discursos de ódio enquanto crimes digitais mistos e demonstrar a
necessidade de atualizar a legislação brasileira.
O estudo aqui realizado foi orientado a partir do método dedutivo, ou seja, partindo-se da
análise racional das premissas para se chegar a uma conclusão. As pesquisas bibliográficas e
documentais foram utilizadas para se criar um arcabouço capaz de desenvolver este trabalho. No
que diz respeito à relevância social deste tema, tem-se que é de profunda importância o combate
aos discursos de ódio propagados nas redes sociais, que, majoritariamente, ferem a existência
e a imagem dos indivíduos.
Por sua vez, a relevância jurídica revela-se na necessidade de tornar o Brasil um dos países
signatários da Convenção de Budapeste, o que, consequentemente, resultaria na ressignificação
do Direito Penal e Processual Penal, tendo em mente as dificuldades já explicitadas anteriormente.

2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONJUNTURA BRASILEIRA

Primeiramente, entende-se que é preciso definir e contextualizar os direitos fundamentais, no


contexto social brasileiro, para discutir a liberdade de expressão em redes sociais. Nesse sentido,
vale mencionar que a Assembleia Nacional Constituinte, convocada no dia 27 de novembro de
1985, tinha como finalidade elaborar, não tão somente um novo texto constitucional, mas elaborar
um texto que pudesse expressar a nova realidade social do Brasil, qual seja, o término de anos
de um regime ditatorial.
Segundo Chauí (2001, p. 550), define-se um regime ditatorial como sendo um regime de
governo em que o Estado é total, que absorve em seu interior e em sua organização o todo da
sociedade e suas instituições, controlando-a por inteiro. Nesse viés, a ditadura de 1964 foi um
golpe de Estado implementado pelas Forças Armadas, que resultou em violação aos direitos
fundamentais, ao pluralismo político e à dignidade da pessoa humana, pilares básicos para a
existência de um Estado Democrático de Direito.
Deste modo, no dia 5 de outubro de 1988, era promulgada a Constituição Federal de 1988,
e sob discurso de Ulysses Guimarães, Presidente daquela Assembleia Nacional Constituinte,
fora definida como sendo ‘’[...] o documento da Liberdade, da Dignidade, da Democracia, da
Justiça Social do Brasil [...]’’. Percebe-se que o Constituinte originário de 1988 se preocupou em
elaborar um novo documento que refletisse aspectos sociais e que ao mesmo tempo garantisse
maior estabilidade democrática aos cidadãos brasileiros. Nessa linha de pensamento, Chauí
(2001, p. 559), afirma que: ‘’quando a democracia foi inventada pelos atenienses, criou-se a

124
tradição democrática como instituição de três direitos fundamentais que definiam o cidadão:
igualdade, liberdade e participação no poder’’. Esses direitos, são, portanto, fundamentais para
a consolidação de um Estado Democrático de Direito, pois são eles que possibilitam o pleno
exercício de uma democracia, proporcionando, assim, melhores condições de vida.
Longe de qualquer ideal de autoritarismo, o país finalmente vivenciava uma fase de
redemocratização, pautada em valores mais justos, igualitários e democráticos, que por sua vez,
consolidaram os ideais inexistentes ao longo de um período de 21 anos que deve ser abandonado,
servindo, assim, como exemplo para evitar quaisquer aventuras autoritárias semelhantes.
Parte-se então para a definição dos direitos fundamentais, conforme proposto. Os direitos
fundamentais devem ser compreendidos como direitos válidos para toda sociedade civil,
sem distinção de qualquer natureza e pertencentes a todos os indivíduos. São denominados
fundamentais, por expressarem direitos humanos inseridos na Constituição de determinado
Estado. Estão expressos na Constituição de 1988, em seu Título II, subdivididos em cinco capítulos,
sendo eles: Direitos e Deveres Individuais e Coletivos; Dos Direitos Sociais; Da Nacionalidade;
Dos Direitos Políticos; e Dos Partidos Políticos.
De acordo com o jurista Paulo Bonavides, sob aspecto histórico, os direitos fundamentais
teriam sido desenvolvidos ao longo de cinco gerações. No entanto, considerando o enfoque deste
trabalho, limita-se a apresentar o direito à liberdade de expressão; direito de primeira geração
e que por sua vez, teria por titular exclusivo o próprio indivíduo, sendo oponíveis ao Estado e
configurando direitos de resistência, conforme Bonavides (2015, p. 17). Considerando que a
liberdade de expressão é direito fundamental, segue-se analisando como ela se manifesta e
como é assegurada em nosso ordenamento jurídico.

2.1 A liberdade de expressão como direito fundamental



Como mencionado, a Constituição Cidadã, rompendo com um sistema ditatorial que não
mais expressava as vontades e os anseios da população, promoveu ideais de liberdade e
garantiu direitos fundamentais ao ser humano, dentre eles, a liberdade de expressão que está
assegurada em seu artigo 5°, inciso IX, dispondo ser livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença. A Liberdade de
Expressão constitui um rol de direitos que juntos promovem o exercício pleno da cidadania e da
dignidade da pessoa humana, consolidando e fundamentando, assim, o Estado Democrático de
Direito, conforme o art. 1° do próprio texto constitucional. Deste modo, a liberdade de expressão
caracteriza-se como sendo um direito fundamental que irá promover o exercício da cidadania e
garantir o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamentando o Estado Democrático de
Direito.
Nesse sentido, Bulos (2009, p. 392 apud KAPLLER; KONRAD, 2016, p. 8) considera que ‘’a
dignidade da pessoa humana é um vetor que agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e
garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição de 1988’’. Assim também, Bastos
e Martins (2001, p. 425 apud KAPLLER; KONRAD, 2016, p. 8), entendem que a dignidade da
pessoa humana parece englobar em si todos aqueles direitos fundamentais, quer sejam os
individuais clássicos, quer sejam os de fundo econômico e social. Por outro lado, a liberdade de
expressão enquanto direito fundamental, garantido pela Constituição de 1988, possui limites que
merecem ser analisados.

2.2 Os limites da liberdade de expressão

Alexy (2012, p. 46), expõe que se não há clareza acerca da estrutura dos direitos
fundamentais e de suas normas, não é possível haver clareza na fundamentação nesse âmbito.

125
Sendo assim, tal entendimento se faz necessário uma vez que a Liberdade de Expressão é
um direito fundamental de cada cidadão, e para ser feita uma análise lógica e racional do seu
comportamento em sociedade, é imprescindível compreender alguns aspectos essenciais.
Para Alexy (2015, p. 55-56), os direitos fundamentais correspondem aos direitos do homem,
uma vez que são universais, morais, preferenciais, fundamentais e abstratos. Deste modo, os
direitos fundamentais em sua essência equivalem à positivação do direito do homem que são
meramente convertidos em direito positivo por meio da própria Constituição.
Nesse sentido, levando em consideração tal premissa, observa-se que tal correspondência
nos permite afirmar que os direitos fundamentais não são absolutos, e sim abstratos, tal qual os
direitos do homem. Carvalho (2009) afirma:

[...] Não existe direito absoluto, entendido como o direito sempre obrigatório, sejam
quais forem as consequências. Assim, os direitos fundamentais não são absolutos
nem ilimitados. Encontram limitações nas necessidades de se assegurar aos
outros o exercício desses direitos, como têm ainda limites externos, decorrentes da
necessidade de sua conciliação com as exigências da vida em sociedade, traduzidas
na ordem pública, ética social, autoridade do Estado, dentre outras delimitações,
resultando, daí, restrições dos direitos fundamentais em função dos valores aceitos
pela sociedade. (CARVALHO, 2009, p. 717).

Com isso, conclui-se que, se os direitos fundamentais não são absolutos, logo existem
limites a serem compreendidos. Nesse viés, uma vez que tais direitos não são definidos como
regras normativas absolutas, podem ser limitados pela própria Constituição ou até mesmo por
uma lei infraconstitucional, haja vista o poder normativo que o texto constitucional tem sob o
ordenamento jurídico.
Nesses termos, para a doutrina dominante, falar em direito de expressão ou de pensamento
não é falar em direito absoluto de dizer tudo aquilo ou fazer tudo aquilo que se quer. De modo
lógico-implícito, a proteção constitucional não se estende à ação violenta. Nesse sentido, para a
corrente majoritária de viés axiológico, a liberdade de manifestação é limitada por outros direitos
e garantias fundamentais como a vida, a integridade física, a liberdade de locomoção. Assim
sendo, embora haja liberdade de manifestação, essa não pode ser usada para manifestação
que venham a desenvolver atividades ou práticas ilícitas (antissemitismo, apologia ao crime etc.)
(FERNANDES, 2011, p. 279 apud ACHA, 2018).
Desta forma, a garantia da liberdade de expressão, apesar de sua proteção ser imprescindível
para o exercício pleno da cidadania, e até mesmo para a consolidação do Estado Democrático de
Direito, não se sobressai de forma absoluta aos demais direitos, que também são essenciais para
manutenção social e estabilidade democrática, e é exatamente por isso que existe a limitação do
direito.
Assim, a justificativa para o reconhecimento de limites ao direito de liberdade de expressão
deve basear-se, primeiramente, na coesão do sistema jurídico, ou seja, no propósito de viabilizar
a coexistência de direitos aparentemente incompatíveis, (TÔRRES, 2013, p. 77). Nesse contexto,
Reale Júnior (2010, p. 397) afirma que a regulação infraconstitucional da liberdade de expressão
deve atentar para a primazia da dignidade da pessoa humana, sendo ela o principal instrumento
para estabelecer os limites e a coesão no ordenamento jurídico.
É fato que a sociedade vivencia mudanças, sobretudo no âmbito das novas tecnologias, da
comunicação e da informação. Logo, é preciso analisar a liberdade de expressão em um novo
contexto social: o das redes sociais.

126
3 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NAS REDES SOCIAIS

As redes sociais representam um espaço cuja principal função é a construção de novas


conexões entre os indivíduos. O ato de construir tais interações virtuais tem se tornado cada
vez mais relevante, possibilitando uma comunicação horizontal na sociedade, caracterizada pela
fluidez e agilidade. Nesse sentido, afirma Marteleto (2010, p. 28): “o conceito de redes sociais
leva a uma compreensão da sociedade a partir dos vínculos relacionais entre os indivíduos, os
quais reforçariam suas capacidades de atuação, compartilhamento, aprendizagem, captação de
recursos e mobilização”.
A relevância dessas interações virtuais se deve, principalmente, ao aumento do uso da
Internet no Brasil, como mostra a pesquisa TIC domicílios, realizada pelo Centro Regional de
Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC), na qual foi constatado
que 70% dos brasileiros estão conectados à Internet. (ESTUDO..., 2019).
Diante disso, torna-se imprescindível analisar a liberdade de expressão frente às redes
sociais, tendo em vista que estas estão cada vez mais presentes no cotidiano dos brasileiros.
Nesse âmbito digital, a liberdade de expressão pode ser utilizada de modo positivo, como, por
exemplo, quando políticos disponibilizam informações que são do interesse público por meio das
redes sociais, ampliando o acesso para uma parcela maior da sociedade.
No entanto, há também a possibilidade de surgirem conflitos entre os usuários das redes
sociais. Neste viés, as redes sociais ressignificam o conceito de conexão entre os indivíduos,
criando um ambiente cuja interação entre os diferentes é constante, e, por isso, o espaço das
redes sociais é propício para o surgimento de conflitos, muitas vezes, pautados em discursos de
ódio.

3.1 Reflexos do uso arbitrário da liberdade de expressão nos crimes digitais

A institucionalização da Era Informacional, segundo Capra (2006), ocorreu devido à


Revolução Informática, assim como a Revolução Industrial criou a sociedade industrial. Desse
modo, a sociedade da informação é marcada, principalmente, pela modificação dos meios de
comunicação.
Tal modificação dos meios de comunicação é responsável por reorganizar as interações
antes existentes entre os homens, uma vez que houve a ascensão das interações por meio
de redes (networkings). Sendo assim, surge uma nova forma de ligações humanas que fogem
do controle do Estado Democrático de Direito, e que também precisam ser regulamentadas,
posto que há uma nova necessidade urgente em defender bens jurídicos caros aos indivíduos no
âmbito digital.
Apesar dos inegáveis benefícios proporcionados por essa Revolução Informática, houve
também o aumento das práticas delituosas no mundo da Internet, as quais podem ser denominadas
enquanto crimes virtuais, crimes cibernéticos ou crimes digitais. Entretanto, esse artigo utiliza a
expressão “crimes digitais”. Analisando essas práticas a partir de uma óptica penalista. Rossini
(2002) conceitua:

[...] “delito informático” poderia ser talhado como aquela conduta típica e ilícita,
constitutiva de crime ou contravenção, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva,
praticada por pessoa física ou jurídica, com o uso da informática, em ambiente de
rede ou fora dele, e que ofenda, direta ou indiretamente, a segurança informática,
que tem por elementos a integridade, disponibilidade e confidencialidade.

Como pode-se perceber, o conceito de crime digital é bastante próximo da concepção de


crimes presente no ordenamento jurídico brasileiro, sendo, no entanto, ressaltado que a conduta

127
deve se dar por meio de uma tecnologia informática (LOUREIRO, 2018). Contudo, faz-se
necessário compreender que os crimes virtuais, na verdade, podem ocorrer contra programas ou
informações de um computador em sentido estrito ou podem ser crimes já tipificados penalmente
em que o computador e a tecnologia da informação são utilizados como meios de execução
(ACHA, 2018).
A partir dessa distinção, surgem as classificações de crimes digitais, que podem ser: puros e
mistos. Segundo preconizado por Rossini (2002), os Delitos Informáticos Puros são os que visam
exclusivamente o sistema do computador, atentando, físico ou tecnicamente, aos equipamentos.
A conduta do autor do crime tem como fito o sistema informático do sujeito passivo. Já os Delitos
Informáticos Mistos são os que o computador é utilizado como ferramenta, colocando em perigo
bens jurídicos não necessariamente tutelados no meio informático (ACHA, 2018).
Neste sentido, devido ao aumento do uso das redes sociais, a Internet se mostra como
um novo meio para a prática de crimes. É possível pontuar diversas atividades criminosas
desenvolvidas no âmbito digital, como, por exemplo, a pornografia infantil; os crimes contra a
honra (calúnia, difamação e injúria); a invasão de dispositivo informático; entre outros. Todavia,
esse artigo tem como foco principal os crimes de ódio praticados nas redes sociais.
Desta forma, para compreender a prática dos discursos de ódio no contexto digital,
é imprescindível determinar o que seriam os crimes de discurso de ódio, que, apesar de
não apresentaram uma definição prevista em lei, se tornaram uma constante na sociedade
contemporânea, apresentando variados conceitos elaborados por estudiosos, dentre esses,
Oliva (2015) ensina:

O discurso de ódio — entendido como a visão mais radical do discurso discriminatório


— por definição: a) é um ato discursivo tendo um caráter eminentemente
comunicativo; b) intimida os grupos fazendo com que deixem o espaço público ao
mesmo tempo em que instiga as demais pessoas a rejeitar esses mesmos grupos;
c) revela-se como uma forma de discriminação consciente de grupos sociais
vulneráveis, buscando negar a esses o acesso a direitos.

Desse modo, entende-se que os discursos de ódio representam uma intolerância ou


discriminação aos aspectos característicos de um determinado grupo seja por sua etnia, cor,
religião, nacionalidade, orientação sexual ou gênero, ofendendo não somente o sujeito vitimizado
naquele instante, mas também a dignidade humana de toda uma coletividade ali representada
naquele indivíduo.
A noção do hate speech é antiga, tendo surgido nos Estados Unidos, em 1985, em um
momento no qual houve uma alta nos crimes praticados com base em discriminações raciais e
na supremacia branca nacionalista. No entanto, com as novas interações estabelecidas por meio
das redes sociais, as proporções atribuídas a esses discursos são indiscutivelmente maiores,
acarretando consequências no mundo online e offline.
Nesse sentido, entende-se que há uma ligação entre o aumento do uso das redes sociais
e a incitação aos discursos de ódio, isto porque os indivíduos, na Internet, ganham força por
conseguirem encontrar opiniões semelhantes às suas. Além disso, segundo Pinheiro (2018, p.
17), “o ambiente virtual proporciona um sentimento de liberdade plena, possibilitando o anonimato
(o que é vedado no Brasil pela Constituição Federal, art. 5o, IV), além do acesso sem fronteiras a
informações que favorecem a prática de crimes” . Portanto, é possível constatar que os discursos
de ódio se inflamaram devido às redes sociais e à falsa sensação de segurança dos sujeitos
ativos, que acreditam estar isentos de responsabilidade.
Essa sensação de irresponsabilidade presente nos indivíduos, embora relutante, não é
condizente com a realidade, uma vez que há diversas previsões, tanto na legislação nacional quanto
internacional, acerca dos crimes cometidos na Internet. Dentre as leis nacionais responsáveis por

128
regulamentar o mundo digital, impera-se pontuar os avanços significativos proporcionados pela
Lei 12.965, de 23 de abril de 2014, também conhecida como Marco Civil da Internet. (BRASIL,
2014).
Esta lei estabelece os princípios norteadores do uso da Internet no Brasil; consagra a
liberdade de expressão, livre de censura, respeitada a Constituição Federal; promove uma rede
pautada na neutralidade; assegura a proteção de dados e informações; exige os registros de
conexão e de aplicações da Internet. Há também a questão da responsabilização dos provedores
de Internet por conteúdos postados por terceiros e, por fim, há a previsão para requisição judicial
dos registros. Apesar de não necessariamente trazer a descrição de condutas típicas do Direito
Penal, é indispensável ressaltar que o Marco Civil da Internet criou um arcabouço legislativo
essencial para a persecução penal de crimes digitais.
Dentre as leis que tratam de fato sobre os crimes digitais, é possível pontuar a Lei 12.737,
de 30 de novembro de 2012, denominada Lei Carolina Dieckmann, o art. 241-A do Estatuto da
Criança e do Adolescente e o art. 216-B do Código Penal. (BRASIL, 2012, 1990, 1940).
Sobre a Lei Carolina Dieckmann, entende-se que está se trata da tipificação de delitos
informáticos, acrescendo ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o Código Penal, os
artigos 154-A e 154-B. O art. 154-A versa acerca da invasão aos dispositivos informáticos, sendo
esse crime taxado enquanto invasão a dispositivo informático alheio, com ou sem conexão à
Internet, por meio de quebra de protocolo de segurança, com o fito de obter, adulterar ou destruir
informações sem a autorização expressa do titular do dispositivo. Ademais, o art. 154-B define
que esse é um crime que tem sua ação penal condicionada à representação da vítima. (BRASIL,
2012, 1940).
Por sua vez, o art. 241-A do ECA, incluído pela Lei nº 11.829, de 2008, versa sobre a oferta,
troca, disponibilização, transmissão, distribuição, publicação ou divulgação por qualquer meio,
incluídas as possibilidades propiciadas pelos sistemas de informática, de qualquer registro de
crianças ou adolescentes em cenas de sexo explícito ou pornográficas (BRASIL, 1990, 2008).
Já o art. 216-B do ECA, acrescido pela Lei nº 13.772, de 2018, dispõe acerca da produção
de conteúdo não autorizado com cenas de nudez ou de atos sexuais ou libidinosos com caráter
íntimo e privado, sendo também defesa a produção de montagens que coloquem terceiros em
cenas de atos sexuais ou libidinosos de caráter íntimo. (BRASIL, 1990, 2018).
Recapitulando os tipos de crimes digitais (mistos ou puros) descritos anteriormente, pode-
se perceber que, na legislação brasileira, a segurança informática é o principal bem jurídico
protegido no âmbito digital, isto é, os tipos penais puros são priorizados no ordenamento
brasileiro. Contudo, urge a compreensão de que, no caso dos crimes mistos, a informação ou
dados contidos em softwares ou hardwares não são o alvo do crime. Na realidade, nos crimes
mistos, o computador é o meio utilizado para execução do delito. Os crimes de discursos de ódio
se encaixam nessa classificação de crimes mistos, sendo previstos na legislação vigente, como,
por exemplo, o racismo, que ignora a existência dessas ações criminosas nas redes sociais.
Não obstante as previsões como as do art. 216-B do Código Penal e do art. 241-A do
ECA, que são crimes digitais mistos, a regulamentação desses tipos penais ainda é precária,
principalmente considerando o baixo grau de reprovabilidade existente no ordenamento na
repreensão dessas práticas. (BRASIL, 1940, 1990).
Em contrapartida, na legislação internacional, há previsões que contemplam exaustivamente
tanto os crimes puros quanto os crimes mistos, como pode ser constatado na Convenção
de Budapeste, documento surgido para inspirar a cooperação internacional no combate à
criminalidade virtual. Entre tais previsões, destacam-se, por Fernandes (2011, p. 145-146 apud
ACHA, 2018, p. 208), as seguintes:

129
[...]1) Infrações contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade dos dados
e sistemas informáticos: a) acesso doloso e ilegal a um sistema de informática;
b) interceptação ilegal de dados ou comunicações telemáticas; c) atentado à
integridade dos dados (conduta própria de um subgrupo hacker, conhecido como
cracket); d) atentado à integridade de um sistema; e) produção, comercialização,
obtenção ou posse de aplicativos ou códigos de acesso que permitam a prática
dos crimes acima indicados. 2) Infrações informáticas: a) falsificação de dados;
b) estelionatos eletrônicos (v.g., os phishing scams. 3) Infrações relativas ao
conteúdo: a) pornografia infantil (produção, oferta, procura, transmissão e posse de
fotografias ou imagens realistas de menores ou de pessoas que aparecem como
menores, em comportamento sexual explícito); b) racismo e xenofobia (difusão de
imagens, ideias ou teorias que preconizem ou incentivem o ódio, a discriminação
ou a violência contra uma pessoa ou contra um grupo de pessoas, em razão da
raça, religião, cor, ascendência, origem nacional ou étnica; injúria e ameaças
qualificadas pela motivação racista ou xenófoba; negação, minimização grosseira,
aprovação ou justificação do genocídio ou outros crimes contra a humanidade); 4)
Atentado à propriedade intelectual e aos direitos que lhe são conexos.

Desta feita, considerando a facilidade para obtenção dos meios probatórios, a capacidade
de identificação dos crimes digitais e, sobretudo, a necessidade em se ter um olhar diferenciado
desses crimes (no quesito das penas cominadas) proporcionadas por essa Convenção, revela-se
a importância que teria para o Brasil tornar-se signatário da Convenção de Budapeste, acarretando
uma repaginação do Direito Penal e Processual Penal brasileiro.

3.2 Ressignificação do direito penal à luz da criminalidade digital

O avanço das novas tecnologias proporcionou um cenário totalmente desconhecido para


a ciência jurídica, principalmente no âmbito do Direito Penal. Isso decorre, essencialmente, do
estreitamento das relações e da possibilidade de se estabelecer uma nova forma de convivência
através do uso da liberdade de expressão. Desta forma, em relação aos crimes digitais, é preciso
uma ressignificação do direito penal e processual penal, na medida em que o processo de
identificação do sujeito que comete o crime tornou-se ainda mais complexo.
Deste modo, um dos problemas se dá com a dificuldade de identificar a autoria dos crimes,
que embora já exista fora do cenário digital, torna-se ainda mais complexo diante da dificuldade
de identificação dos IPs, os quais podem ser burlados com recursos de mascaramento, bem
como em razão da confidencialidade de alguns conteúdos, os quais utilizam a criptografia,
impedindo a realização do trabalho da polícia investigativa.
Como destaca Cerqueira e Rocha (2013 apud ACHA 2018, p. 211):

[...] As instituições responsáveis pelas investigações criminais não podem se dar ao


luxo de parar no tempo e esperar que os acontecimentos ditem suas respostas à
sociedade. Atendendo aos princípios gerais do Direito Administrativo, elas precisam,
sob pena de ingressar na esfera de ineficiência, se adiantar ao crime e construir
estruturas que lhes permitam efetivamente cumprir suas missões constitucionais
dentro dos preceitos afetos às ações do administrador público. Deixar de buscar
a evolução propiciada pelo mundo da tecnologia equivale a negar o emprego de
novos e eficientes instrumentos de combate ao crime moderno, que é executado
sem aviso, sem violência, sem contato pessoal, onde o criminoso busca refúgio no
anonimato do universo cibernético e restará impune se não houver o devido preparo
da força repressora (CERQUEIRA; ROCHA 2013, p. 155 apud ACHA 2018, p. 211).

130
Nesse sentido, portanto, os institutos responsáveis pelas investigações criminais precisam
se especializar nessa nova área a fim de se adaptar à realidade tecnológica vigente e com isso
identificar, quase que imediatamente, o sujeito que venha a cometer algum crime no âmbito
digital.
Sabe-se que as interações humanas foram inegavelmente modificadas pelo aumento
do uso das redes sociais no Brasil, expandindo o alcance de todos os crimes cometidos no
espaço virtual. Nesse sentido, a compreensão existente entre os indivíduos de que a liberdade
de expressão pode ser utilizada enquanto um direito irrestrito, desconsiderando as proporções e
consequências acarretadas pelo uso desarrazoado, passa a exigir uma ressignificação do Direito
penal e processual penal brasileiro. Assim, os discursos de ódio e os demais crimes virtuais
existentes são uma expressão da sensação de impunidade presente na Internet, uma vez que o
anonimato e a dificuldade em obter provas representam fortes obstáculos na responsabilização
dos autores de delitos informáticos.
Além disso, percebe-se que existe uma problemática no que diz respeito aos tipos de crimes
previstos. Na Convenção de Budapeste, há previsões para o racismo e a xenofobia praticados por
meio das redes sociais, bem como para a difusão de imagens, teorias ou ideias que incentivem a
discriminação ou diminuição de um indivíduo ou grupo de indivíduos, justificativas para genocídios
ou injúrias de caráter racista ou sexista, dentre outras. Apesar de já existir na legislação brasileira
tipos penais que criminalizam esses comportamentos, a realização dessas práticas no âmbito
digital serem consideradas como um agravante seria primordial, principalmente, tendo em vista
que, no mundo offline, os indivíduos, por muitas vezes, se sentem reprimidos. No entanto, no
universo online, sentem-se à vontade para se expressarem, sendo um ataque facilitado e que
toma proporções gigantescas, com consequências graves para as vítimas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme foi explanado, analisando-se a liberdade de expressão enquanto um direito


fundamental, é possível perceber que este direito deve possuir limites, principalmente tendo em
vista as formas pelas quais a liberdade de expressão se manifesta nas redes sociais, muitas
vezes, ferindo outros direitos também tutelados pelo ordenamento jurídico e que devem ser
respeitados. Com efeito, os discursos que excedem os limites amparados constitucionalmente
pela liberdade de expressão são tidos como odiosos e entendidos como crimes digitais mistos,
quando analisados em face à criminalidade digital.
Portanto, faz-se imprescindível compreender que a legislação brasileira não apresenta,
rigorosamente, previsões sobre cibercrimes em sua forma mista, como é o caso dos crimes
de discurso de ódio, ou seja, apesar de serem essenciais os tipos penais que dispõem sobre
a segurança informática em si, é necessária a existência de agravantes que repreendam
expressamente os comportamentos odiosos nas redes sociais, como há na Convenção de
Budapeste.
Diante do exposto, verificou-se que é preciso tratar os crimes digitais com um olhar
diferenciado, ou seja, as penas cominadas precisam ser ampliadas com a inserção de majorantes,
de modo que haja maior grau de reprovação dessas condutas. Desta forma, será possível adaptar-
se às novas tecnologias e com isso, alcançar os ideais de justiça estabelecidos pelo Direito.

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novas tecnologias. Interdisciplinary Scientific Journal, v. 5, n. 5, p. 199-220, dez. 2018.
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