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Evinis Talon
Investigação criminal defensiva
2020
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Parte I
Teoria geral da investigação criminal
defensiva
1. Noções gerais
O Advogado Criminalista pode fazer uma investigação
paralela e alheia ao inquérito policial? Além de
requerimentos na investigação criminal oficial – quase
sempre indeferidos –, o Advogado poderá instaurar e
conduzir sua própria investigação?
Trata-se de um tema atual, de importância prática e
intimamente ligado à Advocacia Criminal artesanal,
especializada e detalhista.
Atualmente, não se admite mais uma defesa técnica
padronizada e passiva, que apenas rebata os fatos e as
provas que surgem na persecução penal por meio da
atividade policial, da atuação da acusação e do criticável
protagonismo de alguns Juízes na gestão probatória.
É imperativo que os Advogados Criminalistas e
Defensores Públicos ataquem, e não apenas defendam.
Devem produzir provas, não se limitando a contrariar as
provas produzidas pela acusação. Exige-se iniciativa,
superando a lógica da mera resposta.
O Advogado tem o dever de tomar todas as medidas
possíveis/cabíveis em favor do investigado/réu. Essas
medidas não podem ser limitadas a reações aos atos da
acusação e às decisões dos Juízes, porque devem abranger
também iniciativas da defesa técnica, como a investigação
criminal defensiva.
A utilização efetiva da investigação defensiva pode
decidir se um inocente será condenado ou absolvido, se
será ou não aplicada uma qualificadora, privilegiadora,
agravante, atenuante, causa de aumento ou de diminuição
de pena. Pode, ainda, seguir linhas de investigação
descartadas pela autoridade policial ou pelo Ministério
Público, encontrando elementos que permaneceriam
desconhecidos.
A investigação criminal defensiva amplia o cenário de
atuação da defesa técnica, que não mais deve permanecer
inerte ou apenas rebater o que a outra parte apresenta nos
autos. Exige-se uma postura ativa, inovadora e produtora de
elementos, quiçá preventiva, dependendo do caso.
Contudo, a abordagem doutrinária dessa forma de
atuação pela defesa técnica ainda é acanhada, não
recebendo a atenção que o tema merece.
Enquanto a investigação direta pelo Ministério Público
recebeu enorme atenção doutrinária, jurisprudencial e
midiática, o mesmo não ocorreu, até o momento, em
relação à investigação direta pela defesa. Apesar dos
inúmeros livros e artigos defendendo o poder de
investigação do órgão acusador, ainda é tímida essa
iniciativa no âmbito da Advocacia e da Defensoria Pública,
mesmo após a publicação do Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB. Aliás, é possível supor que muitos
Advogados desconheçam a possibilidade de instauração de
uma investigação defensiva paralela ao inquérito ou
processo.
Já se observou há muito tempo que a acusação
prepondera no processo penal brasileiro, o que decorre de
inúmeros fatores:
excesso de livros de Direito Penal e Direito
Processual Penal escritos por Promotores de
Justiça, Procuradores da República ou Magistrados
com um perfil mais punitivista;
escassez de livros escritos por Advogados.
Ademais, não é raro que os Advogados autores de
livros sejam membros aposentados do Ministério
Público;
foco midiático na acusação em detrimento da
defesa;
confusão popular entre os crimes praticados pelo
investigado ou réu e o Advogado ou Defensor
Público que realiza a defesa, muitas vezes
atacado com a frase “quem defende bandido
também é bandido”;
a “busca da verdade real”, que incentiva o
protagonismo dos Juízes;
o crescimento da onda punitivista.
Deve-se inserir na pauta da defesa a busca da redução
da desigualdade entre os poderes das partes, inclusive na
fase pré-processual. Como objetivo onírico ou utópico – que
sempre deve ser buscado –, deveríamos tentar igualar tais
poderes.
O Advogado jamais poderá ficar satisfeito com a mera
formalidade da sua admissão em um processo, como se
fosse um desimportante adorno da sala de audiências.
A defesa não garante resultados, mas deve buscá-los
com todos os meios legalmente permitidos. Nas belíssimas
palavras de Silva (1991, p. 21), “a defesa é um meio e
persegue um fim. Não é preciso defender ‘bonito’, é preciso
defender ‘útil’.”
Deve-se ter responsabilidade como Advogado ou
Defensor Público de alguém. Como diz Oliveira (2008, p.
17):
Qualquer relação de aconselhamento jurídico ou
de patrocínio forense importa, para o respectivo
advogado, uma irrenunciável responsabilidade
cívica ética e profissional, mormente pelas
consequências mediatas que possam vir a
produzir-se na esfera jurídica do aconselhado ou
representado, na sequência do desempenho
daquele.
A relevância do papel defensivo somente é sentida se,
em cada agir, tivermos ciência das consequências possíveis:
pena privativa de liberdade, estigma de condenado, ofensas
a direitos (incluindo a vida) no cárcere etc. Como disse o
conselheiro Acácio, no O primo Basílio, de Eça de Queirós,
as consequências vêm sempre depois.
É missão vital do Advogado refletir sobre as dores que
o investigado/réu sofre e imaginar o sofrimento
inimaginável de quem deposita as últimas esperanças nos
seus serviços.
Carnelutti (2009, p. 34-35) descreve com exatidão o
papel do Advogado:
A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia
é esta: situar-se no último degrau da escada, junto
ao imputado. As pessoas não compreendem aquilo
que, por outro lado, sequer os juristas
compreendem; e riem, e ridicularizam, e
escarnecem.
Por todos esses motivos, devemos considerar e
incentivar a utilização da investigação criminal defensiva
como instrumento de efetivação da ampla defesa.
7. 1. Fundamentos constitucionais da
investigação criminal defensiva
O art. 5º, LV, da Constituição Federal, prevê que “aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Ainda que
não mencione expressamente, trata-se de um importante
fundamento da investigação criminal defensiva.
O exercício da defesa técnica não pode ser limitado à
concordância do Delegado de Polícia quanto ao deferimento
de diligências postuladas pelo Advogado no inquérito
policial.
Com precisão, Nery Junior (2010, p. 249) afirma:
Feitas as alegações, os titulares da garantia da
ampla defesa têm o direito à prova dessas
mesmas alegações. De nada adiantaria garantir-se
a eles com uma mão o direito de alegar e subtrair-
lhes, com a outra, o direito de fazer prova das
alegações. O direito à prova, pois, está imbricado
com a ampla defesa e dela é indissociável.
O art. 5º, LIV, da Constituição Federal, traz um dos
trechos mais importantes para o processo penal: “ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal”.
A melhor forma de consolidar o devido processo legal e
evitar que alguém seja privado da liberdade de forma ilegal
é permitir que o maior interessado – o réu – tenha meios de
contribuir ativamente para o processo e para a futura
decisão.
Ainda no art. 5º da Constituição Federal, o inciso LXXV
destaca que “o Estado indenizará o condenado por erro
judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo
fixado na sentença”. Evitar o erro judiciário é uma das
grandes motivações do Advogado que instaura e conduz
uma investigação criminal defensiva, buscando provas e
contrariando as autoridades policiais, ministeriais e
judiciais.
Aliás, ninguém tem mais interesse em evitar o erro
judiciário do que o investigado/réu e seu Advogado. Se for
prolatada uma condenação que desconsidere provas que
poderiam ter sido produzidas pela defesa, quem sofrerá as
consequências de uma pena privativa de liberdade será o
condenado. Por outro lado, o acusador e o julgador
dificilmente serão punidos e nunca pedirão desculpas
àquele que sofreu o erro. É a liberdade do acusado que
permanece em jogo diante da possibilidade de erro
judiciário.
A presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição
Federal) também é um fundamento da atuação defensiva.
Ora, existindo a presunção de inocência, deve-se permitir ao
titular desse direito a possibilidade de participar ativamente
para que a presunção seja mantida.
Ademais, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da
Constituição Federal), tão invocada genericamente para
solucionar todos os problemas, deveria ser observada no
processo penal.
No exercício da ampla defesa, não se pode limitar as
manifestações do Advogado às questões jurídicas. Deve-se
humanizar o processo, demonstrando que o investigado ou
réu é uma pessoa concreta. Não se pode admitir o
tratamento do acusado como um objeto em que são
despejados todos os medos e desejos de vingança da
sociedade por meio da força do Estado.
Conforme Carnelutti (2009. p. 9-10):
Considerar o homem como uma coisa: pode haver
uma fórmula mais expressiva de incivilidade? No
entanto, é o que ocorre, infelizmente, em nove de
cada dez vezes no processo penal. Na melhor das
hipóteses, os que se vão ver trancados numa cela
como animais no jardim zoológico parecem
homens fictícios ao invés de homens de verdade. E
se alguém se dá conta de que são homens de
verdade, parece a si que se tratam de homens de
outra raça ou, poderíamos dizer, de outro mundo.
Este que pensa dessa maneira não lembra, quando
assim sente, a parábola do publicano e do fariseu,
e não suspeita que sua mentalidade é
propriamente a do fariseu: eu não sou como este.
O exercício da ampla defesa é um lembrete ao Juiz: o
réu também é um ser humano, tanto quanto ele, com a
diferença de que se encontra submetido a um processo
criminal e com possibilidade concreta de sofrer uma pena.
Também amparada no direito de defesa, a súmula
vinculante n. 14 do Supremo Tribunal Federal ressalta o
papel da defesa técnica, mormente na investigação policial,
ao afirmar que é direito do defensor, no interesse do
representado, ter acesso amplo aos elementos de prova
que, já documentados em procedimento investigatório
realizado por órgão com competência de polícia judiciária,
digam respeito ao exercício do direito de defesa.
Ora, nada mais óbvio que possibilitar que o Advogado
conheça os elementos contra o seu constituinte. Para
defender adequadamente, é necessário conhecer o que
existe contra quem é defendido.
Como visto, há inúmeros fundamentos constitucionais
que amparam o direito de defesa e, portanto, a utilização da
investigação criminal defensiva:
contraditório e a ampla defesa, principalmente
por meio de uma defesa efetiva, e não
meramente formal;
o devido processo legal;
permitir que o maior interessado no caso
contribua para evitar o erro judiciário;
a dignidade da pessoa humana, para que, de fato,
o acusado seja visto como um ser humano real,
de carne e osso, cuja vida está em julgamento;
a súmula vinculante n. 14 do STF, que reitera o
direito de ter ciência do teor da investigação, o
que, em última análise, destina-se a possibilitar
uma reação adequada.[4]
Se conduzida corretamente, a investigação criminal
defensiva ampliará a compreensão que se tem sobre os
direitos mencionados, poderá evitar o tratamento
objetificado do réu e reduzirá as chances de erros
judiciários.
16.1. Depoimentos
A colheita de depoimentos é uma das principais
possibilidades na investigação criminal defensiva, porque
permite a antecipação de um testemunho que, se favorável,
poderá ser levado aos autos oficiais, por declaração escrita
ou audiovisual, bem como repetida, arrolando a testemunha
para que seja ouvida no processo.
De certa forma, o Ministério Público já faz isso na
investigação direta (PIC) ao ouvir testemunhas sem a
presença do Advogado do réu, tendo, ainda, a liberdade
para inquirir sem o controle realizado pelo Magistrado, que
poderia indeferir, por exemplo, perguntas que induzam a
resposta (art. 212 do CPP).
Para a defesa, a vantagem de tomar depoimentos
consiste em obter declarações de testemunhas sem a
participação da outra parte (Ministério Público ou
querelante), que poderia, por suas perguntas, gerar
contradições ou enfraquecer a versão apresentada.
Inquirindo a testemunha na investigação criminal
defensiva, o Advogado terá a vantagem estratégica de que
a inquirição não tenha perguntas do Delegado, Ministério
Público, querelante, assistente da acusação ou Juiz. Seriam
formuladas apenas as perguntas escolhidas previamente
pelo Advogado, que teria o domínio da situação.
Outra vantagem seria a discricionariedade de juntar ou
não aos autos oficiais o termo de declaração ou sua
respectiva gravação audiovisual. Sendo desfavorável ao
investigado/réu e considerando que não se pode exigir a
autoincriminação, o depoimento poderia permanecer
apenas nos autos da investigação defensiva, não sendo
juntado aos autos oficiais. Por outro lado, quando uma
testemunha é arrolada e inquirida em um inquérito ou
processo, suas palavras não podem ser extraídas dos autos
se forem desfavoráveis à parte que a arrolou.
Feitas as considerações sobre as vantagens da oitiva
de uma testemunha na investigação defensiva,
questionamos: como isso deve ser feito na prática?
O primeiro passo consiste em perguntar ao cliente se
há pessoas que saibam sobre o fato e que podem colaborar
para o fortalecimento da sua versão. Identificando as
testemunhas e sabendo o que, em tese, elas podem
declarar, deve-se pesquisar o respectivo endereço. Em
alguns casos, o cliente saberá o endereço. Em outros, o
Advogado precisará diligenciar em busca dessa informação.
Em seguida, deve-se elaborar um convite à
testemunha para que compareça ao escritório com a
finalidade de prestar declarações sobre o fato. Nada impede
que o convite seja feito por telefone, e-mail ou aplicativo de
mensagens, mas, para garantir a formalidade do ato,
recomenda-se que seja por escrito, com aviso de
recebimento.
Nessa linha, Bulhões (2019, p. 120) afirma:
Nessa toada, é possível que o advogado chame,
formalmente, testemunhas, sejam elas amigáveis,
neutras ou hostis. As ‘amigáveis’ poderão
facilmente comparecer espontaneamente,
enquanto talvez as ‘neutras’ reajam positivamente
a uma notificação extrajudicial privada, e às
‘hostis’ muito provavelmente reste a alternativa da
notificação cartorária (pública). Todas deverão ser
igualmente documentadas.
Se a testemunha não comparecer, não há
consequências. Não será possível sua condução coercitiva
ou a aplicação de multa, tampouco a responsabilização por
crime de desobediência (hipótese prevista em algumas
intimações judiciais). A única possibilidade será entrar em
contato novamente, questionando se há alguma dúvida
sobre o ato ou se prefere agendar para uma nova data.
Obviamente, também restará a alternativa de ouvi-la
diretamente nos autos oficiais (inquérito ou processo).
Comparecendo a testemunha, recomenda-se que tudo
seja gravado por meio audiovisual, incluindo a qualificação.
Não será tomado o compromisso de dizer a verdade,
considerando que não há crime de falso testemunho se a
mentira ou omissão ocorrer em um depoimento na
investigação defensiva. Por outro lado, recomenda-se que
se pergunte à testemunha se ela está comparecendo
voluntariamente, a fim de que sua resposta fique gravada
na mídia.
Inicialmente, deve-se fazer a qualificação da
testemunha. Recomenda-se a utilização do art. 203 do CPP
como parâmetro, com exceção da parte inicial, que trata do
compromisso de dizer a verdade:
Art. 203. A testemunha fará, sob palavra de
honra, a promessa de dizer a verdade do que
souber e Ihe for perguntado, devendo declarar seu
nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua
profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é
parente, e em que grau, de alguma das partes, ou
quais suas relações com qualquer delas, e relatar o
que souber, explicando sempre as razões de sua
ciência ou as circunstâncias pelas quais possa
avaliar-se de sua credibilidade.
Assim, as perguntas sobre a qualificação podem dizer
respeito aos seguintes dados:
nome;
idade;
residência;
profissão;
lugar onde exerce sua atividade;
se é parente, e em que grau, de alguma das
partes, ou quais suas relações com qualquer uma
delas.
Em seguida, na parte específica sobre o fato, o
Advogado deve explicar rapidamente do que se trata o
procedimento e qual é o fato investigado, perguntando, logo
depois, sobre o que a testemunha sabe.
Após o relato inicial da testemunha, o Advogado deve
fazer as perguntas pertinentes, indagando, quando for o
caso, como a testemunha tem ciência das informações
prestadas, com base em quais elementos ela faz tais
afirmações e de que forma pode ser confirmada sua
credibilidade. Não se pode desconsiderar essa parte, haja
vista que os motivos da ciência da testemunha podem
justificar novas diligências na investigação defensiva. Cita-
se, v. g., o caso em que uma testemunha diz que soube de
determinadas informações por meio de outra pessoa,
hipótese em que o Advogado poderá convidar esse terceiro
para prestar declarações.
Por fim, como encerramento, deve perguntar à
testemunha se há algo mais que ela queira falar ou que
considere relevante sobre o fato.
Após o encerramento da gravação, o Advogado deverá
pedir à testemunha que assine um termo de declarações
que contenha as informações sobre o depoimento,
especificamente que, no dia e horário mencionados, a
testemunha compareceu voluntariamente para declarar o
que consta na mídia.
Vejamos um exemplo:
FULANO, (nacionalidade), (estado civil), (profissão),
RG n. ____, CPF n. ____, residente e domiciliado
____, declara que compareceu na data de hoje ao
escritório ____, com sede na rua ____,
VOLUNTARIAMENTE, para prestar informações
relacionadas ao processo ____, nos autos da
investigação criminal defensiva n. ____.
Futuramente, no momento oportuno, o Advogado
precisará avaliar se as declarações são favoráveis ao
cliente, hipótese em que poderá juntar uma cópia aos autos
oficiais (inquérito ou processo). Sendo desfavoráveis as
palavras da testemunha, poderá deixar o depoimento
apenas na investigação defensiva, não o levando para o
inquérito ou processo.
Para atribuir mais valor ao depoimento, o Advogado
poderá, além de juntar a cópia nos autos oficiais, arrolar a
testemunha para que seja inquirida na audiência de
instrução, perante o Juiz, submetendo-a ao contraditório,
porque também será perguntada pela outra parte.
Vale lembrar que, na prática, muitos Advogados e
Defensores Públicos já utilizam declarações de testemunhas
abonatórias, obtidas unilateralmente. Com a utilização do
sobredito procedimento, as declarações deixariam de se
limitar a aspectos sobre a conduta social e a personalidade
(circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, presentes na
primeira fase da dosimetria da pena) para abranger
também questões sobre o fato, como autoria, materialidade
e excludentes de ilicitude.
16.4. Reconstituições
No bojo da investigação criminal defensiva, poderá ser
necessário realizar a reconstituição dos fatos. Trata-se de
medida permitida pelo art. 4º do Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB.
O art. 7º do CPP afirma que “para verificar a
possibilidade de haver a infração sido praticada de
determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à
reprodução simulada dos fatos, desde que esta não
contrarie a moralidade ou a ordem pública.”
Por mais que se esforce nos detalhes e pormenores, a
reprodução jamais será como o fato original. Os
sentimentos, as emoções, a velocidade dos fatos e até a
implantação de falsas memórias podem alterar
significativamente o resultado.
De qualquer forma, recomenda-se que o Advogado
documente tudo que for possível, inclusive as condições e
circunstâncias da reconstituição.
É sabido que a reconstituição não será possível em
alguns casos, ainda que seja requerida nos autos oficiais.
Cita-se um caso em que o STJ entendeu como correto o
indeferimento da reconstituição de um crime sexual:
(...)
Na hipótese, a reconstituição do crime, conforme
pleiteado pela defesa, não se revela possível, por
se tratar de crime sexual, a denotar que seu
deferimento, por certo, poderia contrariar a
moralidade e a ordem pública, conforme dispõe o
art. 7º do Código de Processo Penal.
(...)
(AgRg nos EDcl no HC 463.089/PR, Rel. Ministro
REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA,
julgado em 23/10/2018, DJe 31/10/2018)
Na mesma linha, há de se ter cautela quanto à
realização da reconstituição na investigação criminal
defensiva. Ainda que ela seja feita apenas com o
investigado/réu, sem a participação de terceiros (vítima e
testemunhas), deve-se ter cuidado quanto ao lugar,
evitando que pareça haver algum objetivo de destruição de
vestígios.
Parte II
Questões práticas
21. Limites da investigação defensiva
De início, observamos um limite à realização da
investigação criminal defensiva: a reserva de jurisdição.
Segundo Rangel (1997, p. 27):
(...) com o estabelecimento de uma reserva
pretende justamente garantir-se que o órgão
político-constitucionalmente pensado para se
desimcumbir de uma certa função, o faça
efectivamente (e sem interferência de outro
órgão). Trata-se, pois, de uma técnica normativa
destinada a revigorar a idéia de separação dos
poderes e onde, melhor do que em quaisquer
outras, se verifica o fenômeno da contaminação
material das normas organizatórias, por isso que
se liga incidivelmente o domínio de uma matéria
determinada à estruturação de um certo órgão.
No processo penal, a reserva de jurisdição
normalmente funciona como um limite à atuação da
autoridade policial e do Ministério Público, por meio da
exigência de autorização judicial para determinados atos.
Há inúmeras hipóteses que necessitam de decisão
judicial no Código de Processo Penal:
art. 13-B. Se necessário à prevenção e à
repressão dos crimes relacionados ao tráfico de
pessoas, o membro do Ministério Público ou o
delegado de polícia poderão requisitar, mediante
autorização judicial, às empresas prestadoras de
serviço de telecomunicações e/ou telemática que
disponibilizem imediatamente os meios técnicos
adequados – como sinais, informações e outros –
que permitam a localização da vítima ou dos
suspeitos do delito em curso;
art. 13-B, § 2 o Na hipótese de que trata o caput, o
sinal: I - não permitirá acesso ao conteúdo da
comunicação de qualquer natureza, que
dependerá de autorização judicial, conforme
disposto em lei; (...) III - para períodos superiores
àquele de que trata o inciso II, será necessária a
apresentação de ordem judicial;
a homologação de acordo de não persecução
penal (art. 28-A, §6º, do CPP);
o descarte de vestígios relacionados à cadeia de
custódia (art. 158-B, X, do CPP);
a restituição de coisas apreendidas, quando
duvidoso o direito (art. 120, §1º, do CPP). Não
existindo dúvida quanto ao direito do reclamante,
a restituição poderá ser ordenada pela autoridade
policial ou Juiz (art. 120 do CPP);
a inutilização de uma prova declarada
inadmissível (art. 157, §3º, do CPP);
a incomunicabilidade do indiciado, que não
excederá de três dias (art. 21, parágrafo único, do
CPP);
a declaração da extinção da punibilidade (art. 61
do CPP);
a decisão sobre a suspeição de membro do
Ministério Público (art. 104 do CPP);
a decisão sobre a suspeição de peritos,
intérpretes, serventuários ou funcionários da
justiça (art. 105 do CPP);
o sequestro de bens (art. 127 do CPP);
a determinação de avaliação e venda dos bens
em leilão público cujo perdimento tenha sido
decretado (art. 133 do CPP);
a utilização do bem sequestrado, apreendido ou
sujeito a qualquer medida assecuratória para
interesse público (art. 133-A do CPP);
a determinação da alienação antecipada de bens
(art. 144-A do CPP);
a decisão sobre a falsidade de um documento
(arts. 145 e 147 do CPP);
a condução de testemunha que, regularmente
intimada, deixou de comparecer sem motivo
justificado (art. 218 do CPP);
a decretação de medidas cautelares, a
requerimento das partes ou, quando no curso da
investigação criminal, por representação da
autoridade policial ou mediante requerimento do
Ministério Público (art. 282, §2º, do CPP);
decretar a prisão preventiva, a requerimento do
Ministério Público, do querelante ou do assistente,
ou por representação da autoridade policial (art.
311 do CPP), bem como revogá-la (art. 316 do
CPP).
Em outras leis, também constatamos atos que
dependem de autorização judicial:
a liberação do acesso ao banco de dados de
identificação de perfil genético, em caso de
requerimento de autoridade policial, federal ou
estadual (art. 9º-A, §2º, da LEP);
a infiltração por agentes de polícia (art. 53, I, da
Lei de Drogas, e art. 10 da Lei de Organizações
Criminosas);
determinar a apreensão e outras medidas
assecuratórias nos casos em que haja suspeita de
que os bens, direitos ou valores sejam produto do
crime ou constituam proveito dos crimes previstos
na Lei de Drogas (art. 60);
a interceptação de comunicações telefônicas (art.
1º da Lei de Interceptações);
a captação ambiental de sinais eletromagnéticos,
ópticos ou acústicos (art. 8º-A da Lei de
Interceptações);
a decretação da prisão temporária (art. 2º da Lei
n. 7.960/89).
Por fim, a Constituição Federal, no art. 5º, apresenta
três hipóteses de reserva de jurisdição:
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém
nela podendo penetrar sem consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o
dia, por determinação judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso,
por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal;
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito
ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente, salvo nos casos
de transgressão militar ou crime propriamente
militar, definidos em lei;
Tratando-se de ato abrangido pela reserva de
jurisdição, o Advogado poderá requerer ao Juiz nos autos
oficiais (inquérito policial ou processo). Poderia, por
exemplo, requerer ao Juiz a busca e apreensão domiciliar,
nos termos do art. 242 do CPP.
Ademais, também existem limitações de ordem
material ou financeira. Como muito bem destaca Bulhões
(2019, p. 97):
Não há como olvidar, nessa ótica, o custo
econômico inerente às medidas e às diligências
necessárias a uma investigação defensiva, sendo
certo que existem várias ferramentas de baixo
custo, enquanto que outras são extremamente
custosas (por exemplo a contratação dos serviços
de detetives particulares e a consulta a
determinados bancos de informações).
Recomenda-se que o contrato de prestação de serviços
advocatícios tenha cláusula expressa sobre quem é o
responsável (cliente ou Advogado) pelas despesas inerentes
à condução da investigação criminal defensiva, que podem
abranger, por exemplo:
contratação de terceiros, como detetives
particulares e fotógrafos;
contratação de empresas especializadas em
pesquisas;
perícias e exames médicos;
atas notariais;
deslocamentos a outras cidades;
obtenção de documentos.
Ainda que a investigação criminal defensiva tenha
muitas limitações constitucionais/legais e materiais, há uma
enorme margem de atuação por meio de atos permitidos ou
não proibidos e que geram custos ínfimos ou inexistentes.
24. Capa
A capa é a primeira parte visível dos autos da
investigação criminal defensiva. Por mais que ela pareça
desnecessária, observa-se grande relevância para a
organização da atuação do Advogado.
Quando começa a conduzir investigações defensivas, o
Advogado deve pensar a longo prazo, organizando os autos
de modo semelhante ao cartório de uma vara judicial.
Depois de alguns anos, talvez o Advogado tenha
dezenas de autos de investigações criminais defensivas.
Com a organização correta, será possível revisar e revisitar
os autos de uma investigação já encerrada há alguns meses
ou anos. Para tanto, as informações da capa terão muita
importância.
A capa deve ser elaborada após a instauração da
investigação defensiva, no momento de fazer a autuação.
Deverá conter as informações necessárias, evitando
omissões e, principalmente, excesso de informações. Afinal,
a capa deve ser didática e facilitar a organização.
O melhor parâmetro para a capa dos autos de uma
investigação criminal defensiva é a capa de um processo
judicial físico, que apresenta informações simples e
objetivas sobre a natureza da ação, o crime, a competência,
os nomes das partes e uma numeração identificadora.
Sugere-se, inicialmente, a aquisição de capas
padronizadas ou personalizadas, inclusive com o logotipo do
escritório. Urge destacar que a capa não será levada aos
autos oficiais, mas apenas algumas partes do conteúdo dos
autos. Por esse motivo, a “formalidade” da capa deve
considerar apenas a didática das informações, evitando
pontos burocráticos irrelevantes.
As informações que a capa pode conter não são
impositivas. Apenas é recomendável que apresente
determinadas informações, como:
área de atuação referente à investigação. Aqui,
estamos abordando a área criminal, mas não
podemos desconsiderar que é possível conduzir
investigações em outras searas, como muitos
Advogados fazem no Direito de Família. No Poder
Judiciário, observamos que, quanto aos autos
físicos, as cores das capas são diferentes (rosa ou
azul, por exemplo) dependendo da área, havendo,
ainda, uma etiqueta que diz “Criminal”, “Cível” ou
outra área;
a cidade que sedia o escritório condutor da
investigação criminal defensiva. Como regra, a
investigação tramitará em um escritório que fica
localizado na mesma cidade em que o fato é
investigado em um inquérito policial ou processo
penal. Entretanto, há casos em que o escritório é
contratado para atuar em um inquérito ou
processo de outra cidade. Nessa situação, sugere-
se a inclusão de um trecho como “investigação
defensiva instaurada na cidade de Porto Alegre,
sobre inquérito que tramita na cidade de Canoas”
ou “investigação defensiva instaurada na cidade
de Porto Alegre, sobre fato ocorrido na cidade de
Canoas”. Assim, havendo algo a ser feito na
cidade do fato (uma audiência em outro processo,
por exemplo), o Advogado poderá olhar as capas
das investigações defensivas e conferir se há
alguma diligência a ser feita naquele local (tomar
o depoimento de uma testemunha, pesquisar um
endereço etc.), aproveitando a viagem para levar
tudo que for necessário (gravador, câmera, pen
drive, documentos etc.);
a numeração da investigação defensiva. Da
mesma forma que inquéritos policiais e processos
são individualizados por uma numeração única,
também se deve identificar a investigação
criminal defensiva. Sugere-se, por exemplo, a
utilização das expressões AID (autos de
investigação defensiva) ou ICD (investigação
criminal defensiva) e a inclusão do número e do
ano de instauração, de modo que, a cada ano, o
número recomece a contagem a partir de 1. Ex.:
AID n. 1/2019, AID n. 2/2019 e ICD n. 1/2020;
a identificação do Advogado que instaurou a
investigação defensiva. Nos processos criminais,
observamos nas capas a informação “1ª Vara
Criminal da Comarca de ____”. Não há referência
ao nome do Juiz, que pode mudar por vários
fatores (férias, licença, remoção e promoção). Por
outro lado, na investigação criminal defensiva,
sugere-se a inserção do nome do Advogado, do
seu número de inscrição na OAB, do nome do
escritório e o número da inscrição da sociedade
de Advogados na OAB. Ex.: Advogado, OAB/RS n.
____, atuante no escritório ____, OAB/RS n. ____;
a data da instauração da investigação defensiva.
Essa informação poderia ser considerada
desnecessária, haja vista que a identificação dos
autos (AID) já menciona o ano de instauração.
Entrementes, em casos considerados urgentes, é
importante saber, por uma mera análise na capa,
qual foi o dia exato da instauração da
investigação. Por isso, poderia inserir, por
exemplo, “data da instauração: 5 de julho de
2020”;
a infração penal imputada. Essa informação
aparece nas capas de inquéritos e processos,
fazendo com que, por mais curta que seja,
transmita um conjunto de conceitos prévios sobre
o fato (complexidade, principais teses etc.) e a
forma de condução (diligências mais utilizadas,
forma de provar as alegações, linhas
investigativas etc.). Na capa da investigação
criminal defensiva, pode-se adicionar apenas o
tipo penal e, entre parênteses, o nomen juris. Ex.:
art. 157 do CP (roubo);
a identificação de que se trata de investigado ou
réu preso cautelarmente (prisão temporária ou
preventiva). Essa informação, também utilizada
nos autos físicos de processos criminais, tem o
escopo de chamar a atenção quanto à celeridade
do feito e da constante necessidade de reavaliar a
manutenção da prisão cautelar.
Esses seriam os principais dados da capa. Havendo
alguma peculiaridade do caso concreto, pode-se inserir
outra informação, desde que não se desconsidere que o
objetivo da capa é organizar os dados principais e ser
didática para facilitar uma rápida compreensão sobre a
investigação.
34. Relatórios
Antes de refletirmos sobre a utilização e a importância
dos relatórios na investigação criminal defensiva, devemos
ter uma visão panorâmica do processo penal brasileiro e de
como os relatórios são utilizados no inquérito, nos exames
periciais, no júri, nas diligências e em muitos meios de
prova.
Sobre o inquérito policial, o art. 10, § 1o, do CPP, diz
que “a autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido
apurado e enviará autos ao juiz competente”. Trata-se do
relatório final ou de conclusão, que não é o único relatório
possível no inquérito policial.
No art. 169, parágrafo único, do CPP, consta que, em
relação ao exame do local onde houver sido praticada a
infração, os peritos registrarão, no laudo, as alterações do
estado das coisas e discutirão, no relatório, as
consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.
Ao preparar o processo para ser levado ao plenário do
júri, o Juiz presidente fará “relatório sucinto do processo,
determinando sua inclusão em pauta da reunião do Tribunal
do Júri” (art. 423, II, do CPP). Aliás, na sessão do júri, o
jurado receberá a cópia do referido relatório (art. 472,
parágrafo único, do CPP).
Na Lei de Organizações Criminosas (Lei n.
12.850/2013), há previsão de que, findo o prazo da
infiltração de agentes, será apresentado um relatório
circunstanciado ao Juiz competente, que imediatamente
cientificará o Ministério Público (art. 10, §4º), Além disso, no
curso do inquérito policial, o Delegado de Polícia poderá
determinar aos seus agentes, e o Ministério Público poderá
requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de
infiltração (art. 10, §5º).
A Lei de Organizações Criminosas também prevê, em
relação à figura dos agentes de polícia infiltrados virtuais,
que, após o prazo, o relatório circunstanciado, juntamente
com todos os atos eletrônicos praticados durante a
operação, deverão ser registrados, gravados, armazenados
e apresentados ao Juiz competente, que imediatamente
cientificará o Ministério Público (art. 10-A, §5º). Igualmente,
prevê que, no curso do inquérito policial, o Delegado de
Polícia poderá determinar aos seus agentes, e o Ministério
Público e o Juiz competente poderão requisitar, a qualquer
tempo, relatório da atividade de infiltração (art. 10-A, §6º).
Em sentido semelhante, a Lei de Interceptações
Telefônicas (Lei n. 9.296/96), no seu art. 6º, §2º, prevê que,
cumpridas as diligências, a autoridade policial encaminhará
o resultado da interceptação ao Juiz, acompanhado de auto
circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações
realizadas.
Nos inquéritos policiais mais simples, como aqueles
que apuram furtos ou outros crimes sem complexidade,
observamos depoimentos, documentos, perícias (às vezes)
e, ao final, o relatório de conclusão elaborado pelo Delegado
de Polícia, que contém um resumo de todas as diligências e
sua opinião jurídica sobre ser caso de arquivamento ou de
imputação de alguma infração penal. Normalmente, quando
o caso não é complexo, o único relatório é o final.
Por outro lado, nos inquéritos que investigam crimes
mais complexos, especialmente aqueles conduzidos pela
Polícia Federal ou que abordem crimes relativos ao Direito
Penal Econômico, é comum encontrarmos mais relatórios,
como aqueles mencionados anteriormente (agentes
infiltrados, interceptações telefônicas etc.) ou que se
refiram a alguma diligência, mencionando informações
sobre o local, as pessoas com quem os agentes tiveram
contato, o que observaram e outros dados relevantes. Trata-
se, portanto, de uma explicação das diligências realizadas.
Assim, de modo geral, um relatório deve:
detalhar o que foi feito;
possibilitar uma visão geral;
analisar os atos, fatos, circunstâncias, locais e
pessoas;
apresentar conclusões.
Nesse esteio, a documentação dos resultados da
investigação defensiva por meio de relatórios é de extrema
importância. Pode ser produtivo elaborar relatórios
referentes a cada diligência, não se limitando ao relatório
final.
Após o cumprimento de uma ordem de serviço, por
exemplo, pode-se elaborar um relatório narrando os
detalhes da diligência. Caso o Advogado ou algum de seus
auxiliares diligencie para obter documentos, tirar fotos ou
entrar em contato com pessoas envolvidas, será útil
documentar, por meio de um relatório, as circunstâncias da
diligência, as informações recebidas e quaisquer outras
questões relevantes.
Em uma persecução penal que apure um crime de
trânsito, por exemplo, o Advogado poderá instaurar a
investigação criminal defensiva e, como diligência, deslocar-
se até o local do acidente para tirar fotos, solicitar
filmagens, anotar características importantes do local
(buracos, curvas, condições do asfalto etc.) e, ao final,
elaborar um relatório com tudo que foi realizado durante a
diligência, bem como suas conclusões ao interpretar as
informações obtidas.
Destaca-se, por oportuno, que o Advogado não
precisará juntar aos autos do inquérito policial ou do
processo todas as peças da investigação defensiva, razão
pela qual o relatório não necessariamente será juntado aos
autos oficiais. Em alguns casos, é recomendável que esse
documento não seja juntado, sobretudo para permitir ao
Advogado utilizar o relatório como local para realizar
algumas reflexões/conclusões que poderiam prejudicar o
cliente. Nessa linha, utilizaria o relatório para fazer reflexões
imparciais e comparar a versão apresentada pelo cliente
(investigado ou réu) com os elementos obtidos na
investigação defensiva.
Aqui, precisamos explicar o sentido de fazer essas
reflexões imparciais nos relatórios. Não se trata de uma
conduta que tenha o condão de prejudicar o cliente, mas,
pelo contrário, de evitar uma participação despreparada no
processo, sem o conhecimento do máximo possível de
informações. Deve-se tentar descobrir tudo que poderá ser
utilizado pela acusação nos autos oficiais, evitando que a
versão do investigado ou réu seja superada, de forma
surpreendente, por informações obtidas por peritos ou
declaradas por testemunhas.
Voltando ao exemplo do crime de trânsito, após a
diligência realizada no bojo da investigação criminal
defensiva, pode ser necessário inserir no relatório, por
exemplo, que o réu havia informado que o local era uma
reta e que era permitida a ultrapassagem, mas foi
constatado que se tratava de uma curva com sinalização
proibindo a ultrapassagem. Essa comparação entre a versão
do cliente e a realidade constatada na diligência evitará
uma surpresa desagradável durante a instrução processual.
Percebe-se que, na investigação defensiva, não se
pode seguir irrefletidamente a versão do réu, investigando
apenas o que lhe é favorável e distorcendo a realidade
observada durante as diligências. A investigação precisa ser
fiel às apurações, o que equivale a dizer que precisa ser, de
certa forma, imparcial. Apenas depois, ao selecionar o que
será levado aos autos oficiais, é que se exige uma atuação
parcial (em favor do cliente).
Por esse motivo, o relatório deve ser um resumo das
diligências realizadas, com as interpretações, apreciações e
conclusões do Advogado, ainda que essa deliberação seja
inicialmente contra a narrativa do investigado. O relatório é
um “debate em forma de monólogo”, apreciando as
informações e comparando dados e fatos.
Sugere-se, preferencialmente, a elaboração de um
relatório ao final de cada diligência realizada na
investigação defensiva, seguindo o mesmo parâmetro já
mencionado acerca das perícias e dos meios de obtenção
de provas.
Nesse esteio, Bulhões (2019, p. 136-137):
Se possível, cada diligência, seja de mão própria
ou por terceiros profissionais, deve gerar um
relatório acerca do método empregado, as
condições de tempo, lugar e outras informações
que possam ser pertinentes e relevantes ao
contexto de determinação, desenvolvimento e
apresentação das provas obtidas/produzidas em
cada atividade investigativa.
No que concerne ao método empregado, essa
informação tem especial relevância quando se trata de
diligência que envolva algum conhecimento especializado,
como uma perícia.
Ainda que não se fale em método propriamente dito, é
fundamental narrar as circunstâncias da diligência, como o
deslocamento até determinado lugar, a comunicação a
algum órgão público, o protocolo de uma petição, um
requerimento formulado, as condições de transporte de
algum objeto ou qualquer outro dado sobre a origem ou a
forma de obtenção de uma informação.
Também é recomendável inserir no relatório
informações sobre o tempo, lugar e outras condições
relevantes, possibilitando uma revisão sobre o objeto da
diligência, bem como uma reflexão sobre circunstâncias não
pensadas durante o ato.
Imaginemos, por exemplo, uma investigação criminal
defensiva sobre um crime de trânsito que causou uma
morte, havendo dúvidas sobre o crime ter ocorrido de forma
culposa ou dolosa. Durante a investigação, o Advogado se
desloca até o local do acidente com o perito, tira fotos,
documenta e faz anotações sobre o local.
Nesse caso, se o acidente/crime tiver ocorrido em um
dia muito movimentado e com chuva, mas a diligência tiver
sido feita em um dia/horário ensolarado e pouco
movimentado (talvez em um feriado), há condições distintas
que podem atrapalhar as conclusões do Advogado.
Tendo a anotação dessas condições no relatório, o
Advogado poderá perceber a necessidade de ir ao local
novamente em outro dia da semana ou horário para
observar as circunstâncias e condições semelhantes
àquelas do dia do fato, o que permitirá uma comparação
entre o que investigou e o que consta no inquérito ou
processo.
Ademais, é relevante inserir no relatório qualquer outra
informação que possa ajudar na elucidação do fato, na
contextualização e na formação da tese defensiva: nomes
de pessoas com quem teve contato, estabelecimentos
comerciais no local, endereços, fotografias, mapas e até
desenhos. Na diligência, recomenda-se que o Advogado
(a)note como é a rua, quais são as características da
calçada, o que existe do lado do local (uma casa, um
terreno baldio…) e outras informações relevantes.
Conclui-se, portanto, que o relatório não deve
apresentar apenas o método empregado na pesquisa e na
diligência, mas também as condições de tempo e lugar,
fotos, mapas, desenhos, características, adjacências e tudo
mais que se entenda necessário, acrescentando, ainda, as
conclusões do profissional que cumpriu a diligência.