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DADOS DE ODINRIGHT

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Evinis Talon
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Investigação criminal defensiva
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2020
 
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ICCS – International Center


for Criminal Studies
Gramado/RS
www.iccs.com.br
EVINIS TALON
Professor de cursos de pós-graduação em Direito Penal e
Processual Penal
Mestre em Direito pela UNISC/RS
Especialista em Processo Penal pela Universidade de
Coimbra (Portugal).
Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela UGF/RJ
Especialista em Direito Constitucional pela UGF/RJ
Especialista em Filosofia pela UGF/RJ
Especialista em Sociologia pela UGF/RJ
Ex-Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul.
Advogado, consultor jurídico e parecerista.
Presidente do International Center for Criminal Studies
(ICCS)
Fundador do www.cursopenal.com.br
Palestrante
Autor de vários livros
www.evinistalon.com
Instagram: @evinistalon
 
 
 
 
 
 
 
 
Para minha querida esposa Jaiane e meus
filhos caninos Piu e Apolo, porque
estiveram do meu lado enquanto eu
escrevia cada letra deste livro. São,
praticamente, coautora e cãoautores.
 
Aos meus pais Denize e José Inacio, por tudo
que sempre fizeram por mim e que eu
jamais conseguiria descrever com meras
palavras.
 
Aos meus irmãos José Edinis (in memoriam), por ter me
dado o meu primeiro livro, e Eusiane, pelas
inúmeras horas que estudou comigo na infância.
 
Aos melhores sobrinhos
que um tio pode ter:
Luana, José Victor, Lucas,
Ketleyn e Dinis.
 
A todos que me ajudaram nas pesquisas e
revisões deste livro, especialmente
Bianca, Giovanna e Régis.
 
A você, que acompanha o meu trabalho e
me honra com a sua confiança.
 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
 
AgRg - Agravo regimental
Art. - Artigo
CF - Constituição Federal
CNJ - Conselho Nacional de Justiça
CNMP - Conselho Nacional do Ministério Público
CP - Código Penal
CPC - Código de Processo Civil
CPP - Código de Processo Penal
HC - Habeas corpus
LEP - Lei de Execução Penal
Min. - Ministro
MP - Ministério Público
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
PIC - Procedimento investigatório criminal
RE - Recurso extraordinário
RESP - Recurso especial
Rel. - Relator
RHC - Recurso em habeas corpus
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TJ - Tribunal de Justiça
 
 
 
Sumário
 
Parte I - Teoria geral da investigação criminal
defensiva
1. Noções gerais
2. Os problemas do inquérito policial
3. Os problemas da questão probatória
3.1. A busca da “verdade real”
3.2. O "peso" da prova testemunhal e a distribuição
do ônus da prova
3.3. Processar para absolver
4. Os problemas da (falta de) participação da defesa na
persecução penal
5. Em busca da paridade de armas
6. Um novo nicho na Advocacia?
7. Os fundamentos da atuação defensiva e investigativa
7. 1. Fundamentos constitucionais da investigação
criminal defensiva
7.2. O Código de Processo Penal
7.2.1. O art. 156 do CPP: quem deve provar?
7.3. A investigação direta pelo Ministério Público
7.4. A Lei do Detetive Particular
7.5. O Estatuto da OAB
7.6. O Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da
OAB
7.7. O projeto do Novo Código de Processo Penal
8. O conceito de investigação criminal defensiva
9. Comparando com o inquérito policial
10. Quais atividades podem ser objeto de investigação
criminal defensiva?
11. A investigação para subsidiar queixa-crime
12. A investigação é privativa da Advocacia
13. Quem participa da investigação criminal defensiva?
14. Momentos da investigação criminal defensiva
14.1. A investigação defensiva durante a investigação
oficial
14.2. A investigação durante a instrução processual
14.3. A investigação na fase recursal
14.4. A investigação defensiva na execução penal
14.5. A investigação defensiva para a revisão criminal
15. Finalidades da investigação
15.1. Pedido de instauração de inquérito policial
15.2. Pedido de trancamento de inquérito
15.3. Rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa
15.4. Resposta à acusação
15.5. Pedido de medidas cautelares
15.6. Defesa em ação penal pública ou privada
15.7. Razões de recurso
15.8. Revisão criminal
15.9. Habeas corpus
15.10. Proposta de acordo de colaboração premiada
15.11. Proposta de acordo de leniência
15.12. Outras medidas destinadas a assegurar os
direitos individuais em procedimentos de natureza
criminal
16. Diligências possíveis
16.1. Depoimentos
16.2. Pesquisa e obtenção de dados e informações
16.3. Laudos e exames periciais
16.4. Reconstituições
17. Uma investigação imparcial para fins parciais
18. Sigilo das informações
19. É dever do Advogado levar os fatos investigados à
autoridade?
20. Comunicação e publicidade do resultado da
investigação
Parte II - Questões práticas
21. Limites da investigação defensiva
21.1. Falta de coerção e de fé pública
21.2. A ausência de poder de requisição
21.3. Superando algumas dificuldades
22. Os autos da investigação criminal defensiva
23. Termo de instauração
24. Capa
25. Comunicação à OAB
26. Rit(m)o e andamento
27. A divisão da diligência em partes
28. Ordem de serviço
29. Auto de descrição de local
30. Termo de declarações
31. Auto de reconhecimento de pessoa
32. Auto de reconhecimento de objeto
33. Auto de avaliação de coisa
34. Relatórios
35. Termo de enumeração de pessoas
36. Termo de enumeração de crimes
37. Relatório de conclusão
38. A utilização parcial dos resultados da investigação:
cuidados
39. Quando juntar aos autos oficiais?
40. O que fazer se os resultados da investigação criminal
defensiva não forem aceitos?
41. Continuar a investigação durante todo o processo?
Considerações finais
 
Referências

Parte I
Teoria geral da investigação criminal
defensiva
 

1. Noções gerais
 
 
O Advogado Criminalista pode fazer uma investigação
paralela e alheia ao inquérito policial? Além de
requerimentos na investigação criminal oficial – quase
sempre indeferidos –, o Advogado poderá instaurar e
conduzir sua própria investigação?
Trata-se de um tema atual, de importância prática e
intimamente ligado à Advocacia Criminal artesanal,
especializada e detalhista.
Atualmente, não se admite mais uma defesa técnica
padronizada e passiva, que apenas rebata os fatos e as
provas que surgem na persecução penal por meio da
atividade policial, da atuação da acusação e do criticável
protagonismo de alguns Juízes na gestão probatória.
É imperativo que os Advogados Criminalistas e
Defensores Públicos ataquem, e não apenas defendam.
Devem produzir provas, não se limitando a contrariar as
provas produzidas pela acusação. Exige-se iniciativa,
superando a lógica da mera resposta.
O Advogado tem o dever de tomar todas as medidas
possíveis/cabíveis em favor do investigado/réu. Essas
medidas não podem ser limitadas a reações aos atos da
acusação e às decisões dos Juízes, porque devem abranger
também iniciativas da defesa técnica, como a investigação
criminal defensiva.
A utilização efetiva da investigação defensiva pode
decidir se um inocente será condenado ou absolvido, se
será ou não aplicada uma qualificadora, privilegiadora,
agravante, atenuante, causa de aumento ou de diminuição
de pena. Pode, ainda, seguir linhas de investigação
descartadas pela autoridade policial ou pelo Ministério
Público, encontrando elementos que permaneceriam
desconhecidos.
A investigação criminal defensiva amplia o cenário de
atuação da defesa técnica, que não mais deve permanecer
inerte ou apenas rebater o que a outra parte apresenta nos
autos. Exige-se uma postura ativa, inovadora e produtora de
elementos, quiçá preventiva, dependendo do caso.
Contudo, a abordagem doutrinária dessa forma de
atuação pela defesa técnica ainda é acanhada, não
recebendo a atenção que o tema merece.
Enquanto a investigação direta pelo Ministério Público
recebeu enorme atenção doutrinária, jurisprudencial e
midiática, o mesmo não ocorreu, até o momento, em
relação à investigação direta pela defesa. Apesar dos
inúmeros livros e artigos defendendo o poder de
investigação do órgão acusador, ainda é tímida essa
iniciativa no âmbito da Advocacia e da Defensoria Pública,
mesmo após a publicação do Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB. Aliás, é possível supor que muitos
Advogados desconheçam a possibilidade de instauração de
uma investigação defensiva paralela ao inquérito ou
processo.
Já se observou há muito tempo que a acusação
prepondera no processo penal brasileiro, o que decorre de
inúmeros fatores:
excesso de livros de Direito Penal e Direito
Processual Penal escritos por Promotores de
Justiça, Procuradores da República ou Magistrados
com um perfil mais punitivista;
escassez de livros escritos por Advogados.
Ademais, não é raro que os Advogados autores de
livros sejam membros aposentados do Ministério
Público;
foco midiático na acusação em detrimento da
defesa;
confusão popular entre os crimes praticados pelo
investigado ou réu e o Advogado ou Defensor
Público que realiza a defesa, muitas vezes
atacado com a frase “quem defende bandido
também é bandido”;
a “busca da verdade real”, que incentiva o
protagonismo dos Juízes;
o crescimento da onda punitivista.
Deve-se inserir na pauta da defesa a busca da redução
da desigualdade entre os poderes das partes, inclusive na
fase pré-processual. Como objetivo onírico ou utópico – que
sempre deve ser buscado –, deveríamos tentar igualar tais
poderes.
O Advogado jamais poderá ficar satisfeito com a mera
formalidade da sua admissão em um processo, como se
fosse um desimportante adorno da sala de audiências.
A defesa não garante resultados, mas deve buscá-los
com todos os meios legalmente permitidos. Nas belíssimas
palavras de Silva (1991, p. 21), “a defesa é um meio e
persegue um fim. Não é preciso defender ‘bonito’, é preciso
defender ‘útil’.”
Deve-se ter responsabilidade como Advogado ou
Defensor Público de alguém. Como diz Oliveira (2008, p.
17):
Qualquer relação de aconselhamento jurídico ou
de patrocínio forense importa, para o respectivo
advogado, uma irrenunciável responsabilidade
cívica ética e profissional, mormente pelas
consequências mediatas que possam vir a
produzir-se na esfera jurídica do aconselhado ou
representado, na sequência do desempenho
daquele.
 
A relevância do papel defensivo somente é sentida se,
em cada agir, tivermos ciência das consequências possíveis:
pena privativa de liberdade, estigma de condenado, ofensas
a direitos (incluindo a vida) no cárcere etc. Como disse o
conselheiro Acácio, no O primo Basílio, de Eça de Queirós,
as consequências vêm sempre depois.
É missão vital do Advogado refletir sobre as dores que
o investigado/réu sofre e imaginar o sofrimento
inimaginável de quem deposita as últimas esperanças nos
seus serviços.
Carnelutti (2009, p. 34-35) descreve com exatidão o
papel do Advogado:
A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia
é esta: situar-se no último degrau da escada, junto
ao imputado. As pessoas não compreendem aquilo
que, por outro lado, sequer os juristas
compreendem; e riem, e ridicularizam, e
escarnecem.
 
Por todos esses motivos, devemos considerar e
incentivar a utilização da investigação criminal defensiva
como instrumento de efetivação da ampla defesa.
 

2. Os problemas do inquérito policial


 
A fase da investigação preliminar tem um impacto
considerável no futuro processo penal, haja vista que seus
resultados serão utilizados como fundamentos do
arquivamento do inquérito ou para o oferecimento e o
recebimento da peça acusatória. Não raramente, durante a
investigação, também são aplicadas medidas cautelares
pessoais (inclusive a pior delas: a prisão preventiva) e reais,
bem como produzidas provas irrepetíveis.
Conquanto seja dispensável (arts. 12, 27, 39, §5º e 46,
§1º, todos do CPP), o inquérito policial, via de regra,
acompanha a denúncia ou queixa, sendo decisivo para que
o julgador receba ou rejeite a exordial acusatória, mormente
para a análise da justa causa.
Dessa forma, devemos entender o papel da defesa
durante o inquérito e as desvantagens que temos em
comparação com quem, futuramente, fará a imputação de
uma infração penal contra o investigado.
A primeira observação recai sobre o fato de que o
Ministério Público exerce o controle externo da atividade
policial (art. 129, VII, da Constituição Federal). Ainda que o
Delegado tenha boa-fé na condução do inquérito, é evidente
que essa atribuição do Ministério Público pode influenciar a
forma de investigar, adotando linhas que favoreçam os
interesses do Parquet.
Além disso, nos concursos públicos para o cargo de
Delegado, é comum que os candidatos precisem adotar
livros de viés punitivista ou, no mínimo, que repitam
mantras como “não existe contraditório no inquérito
policial”.[1] Esse tipo de estudo poderá ter influência no
exercício das atribuições, inclusive quando for decidir sobre
o pedido de alguma diligência formulado pelo investigado
(art. 14 do CPP).
Sem a investigação criminal defensiva, o Advogado
dependeria sempre da concordância da autoridade policial
para realizar as diligências no inquérito policial, o que,
conforme a parte final do art. 14 do CPP (“será realizada, ou
não, a juízo da autoridade”), não seria tão fácil. Aliás, na
prática, é comum o indeferimento desses requerimentos.
Cita-se, por exemplo, a seguinte decisão:
(...)
V. A autoridade policial possui discricionariedade
na condução do inquérito, dentro dos limites da lei.
As diligências citadas pela defesa, não realizadas
na fase extrajudicial pelo delegado, não
demonstram parcialidade ou irregularidade.
Decorrem da linha de investigação adotada.
Preliminares rejeitadas.
(...)
(TJ-DF - RSE: 20141010053739, Relatora: SANDRA
DE SANTIS, Data de Julgamento: 17/09/2015, 1ª
Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no
DJE: 21/09/2015. Pág.: 168)
A defesa é afastada da fase preliminar. Normalmente,
seus pedidos são indeferidos e sua presença é indesejada
ou apenas tolerada, mas raramente oportunizada/invocada.
Nesse viés, “temos uma política estatal de
desconsideração das hipóteses defensivas, sendo tais
proposições vistas com maus olhos, e taxadas quase
sempre de irrelevantes, impertinentes e/ou protelatórias”
(BULHÕES, 2019, p. 59).
Por outro lado, o membro do Ministério Público pode
simplesmente requisitar o cumprimento de alguma
diligência ou até instaurar uma investigação direta,
procedimento já autorizado pelo Supremo Tribunal Federal
(RE 593.727). Trata-se de uma nítida falta de paridade de
armas, como veremos adiante.
Uma sugestão muito interessante apresentada por
Silva (2019, p. 87) é a seguinte:
(...) quando a defesa encontrasse obstáculo à
realização de diligência requerida no corpo do
inquérito policial, com base no permissivo
constante do art. 14 do CPP, demonstrando a sua
pertinência para a apuração do fato, poderia o
defensor propor ao Ministério Público a prática de
ato cooperativo para a tomada de depoimento em
conjunto, realizando-se uma oitiva de testemunha
no gabinete do Ministério Público com a
participação da defesa técnica, sempre que
negada a oitiva pelo Delegado de Polícia.
 
Essa sugestão dependeria de uma cooperação do
Ministério Público, que, muitas vezes, não se mostra
disposto a buscar qualquer coisa que não seja uma
confirmação da versão acusatória.
Não apenas é difícil ter êxito nos requerimentos
defensivos, mas também, em alguns casos, o acesso aos
autos do inquérito policial é, por si só, hercúleo, apesar da
súmula vinculante n. 14 do STF, que afirma ser direito do
defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo
aos elementos de prova que, já documentados em
procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao
exercício do direito de defesa. Da mesma forma, o art. 7º,
XIV, do Estatuto da OAB, prevê como direito do Advogado
examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir
investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e
de investigações de qualquer natureza, findos ou em
andamento. Inclusive, a diuturna violação desse direito
ensejou a tipificação da negativa de acesso aos autos como
crime de abuso de autoridade.[2]
No mesmo sentido, também é constantemente violado
o direito previsto no art. 7º, XXI, do Estatuto da OAB, que
consiste em assistir aos clientes investigados durante a
apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do
respectivo interrogatório ou depoimento, podendo
apresentar razões e quesitos.
Muitos desses problemas decorrem da equivocada
ideia de que há uma rivalidade entre a autoridade policial e
o Advogado Criminalista ou que este estaria em busca da
impunidade. Desconsidera-se, infelizmente, o fato de que o
Advogado é indispensável à administração da justiça (art.
133 da Constituição Federal).
Por derradeiro, como em qualquer outra carreira –
pública ou privada –, há policiais que desonram as
instituições em que trabalham, cometendo ilegalidades
absurdas. Basta pesquisar a expressão “kit flagrante” para
encontrar notícias assustadoras. Felizmente, é uma minoria.
Infelizmente, basta que um policial aja assim para destruir a
vida de alguém.
Muitas ilegalidades policiais permanecem
desconhecidas e invisíveis, dificultando o controle judicial e
ministerial, ao contrário dos abusos praticados por
Magistrados, normalmente gravados e consignados. Por
esse motivo, Lyra (2009, p. 20) afirma que é preferível “a
‘elaboração’ judicial, que comporta defesa e recurso, às
violências e fraudes policiais, aos expedientes de supostos
técnicos arvorados em guias forenses.”
Por todos esses motivos, o inquérito policial não é um
cenário adequado para a defesa exercer plenamente sua
atividade. Queremos com isso sustentar que, como forma
de superar os problemas do inquérito policial – já enraizados
na prática forense e de difícil superação –, deve-se admitir a
investigação criminal defensiva.
Conforme Oliveira (2008, p. 19), “o defensor não deve
confiar o destino do arguido ‘à sorte’ das investigações
oficiosas e, antes pelo contrário, deverá nas mesmas
procurar intervir”. Em suma, desconsiderar a importância do
inquérito policial, deixando as investigações nas mãos da
autoridade policial, é um grande equívoco estratégico para
a defesa.
Se, tentando intervir no inquérito policial, o Advogado
não obtiver êxito, além das medidas de praxe (habeas
corpus, mandado de segurança, reclamação constitucional
etc.), a investigação criminal defensiva poderá ser uma
saída.
 

3. Os problemas da questão probatória


 
De acordo com Gomes Filho (2005, p. 307-308), uma
das interpretações da palavra prova é no sentido de que ela
serve para indicar:
(...) cada um dos dados objetivos que confirmam
ou negam uma asserção a respeito de um fato que
interessa à decisão da causa. É o que se denomina
elemento de prova (evidence, em inglês).
Constituem elementos de prova, por exemplo, a
declaração de uma testemunha sobre determinado
fato, a opinião de um perito sobre a matéria de sua
especialidade, o conteúdo de um documento etc.
(...)
Sob outro aspecto, a palavra prova pode significar
a própria conclusão que se extrai dos diversos
elementos de prova existentes, a propósito de um
determinado fato: é o resultado da prova (proof,
em inglês), que é obtido não apenas pela soma
daqueles elementos, mas sobretudo por meio de
um procedimento intelectual feito pelo juiz, que
permite estabelecer se a afirmação ou negação do
fato é verdadeira ou não.
 
Infelizmente, ainda prepondera na prática uma
atividade defensiva de mera contestação da versão
apresentada na exordial (denúncia ou queixa) e das provas
produzidas pela acusação. Aqueles que se destacam no
exercício de uma Advocacia efetivamente artesanal e com a
pretensão de efetividade são os que apresentam versões
diferentes daquelas da acusação e atuam proativamente na
busca/produção de provas que confirmem a narrativa.
É crucial entender as “regras do jogo” definidas pela
jurisprudência quanto à questão probatória, como:
a supervalorização das palavras dos policiais;
a supervalorização das palavras da vítima nos
crimes sexuais ou praticados no contexto da
violência doméstica e familiar contra a mulher;
o “ônus da prova” atribuído ao réu por alguns
julgadores, sobretudo no caso das excludentes de
ilicitude.
Há inúmeros problemas na questão probatória. A
utilização da investigação criminal defensiva não resolverá
todos eles, mas será um meio a mais para a defesa
combatê-los.

3.1. A busca da “verdade real”


 
O primeiro e mais conhecido problema em relação às
provas diz respeito à busca da verdade real, como se fosse
possível atingir ou reproduzir a realidade dos fatos.
A busca da verdade real é utilizada como fundamento
para que Juízes defiram requerimentos do Ministério Público
– ainda que ilegais ou intempestivos – e quando, violando o
sistema constitucional acusatório, produzem prova de ofício.
Não sabemos se é por ingenuidade, compadrio com o
Ministério Público ou desconhecimento quanto à
compreensão dos fatos –  a hermenêutica filosófica ajudaria
neste caso –, mas a verdade real continua aparecendo em
inúmeras decisões, inclusive dos Tribunais Superiores.
Supõe-se, equivocadamente, que o Juiz deve buscar a
verdade real e que é possível alcançar a realidade dos fatos,
reproduzindo o que aconteceu.
No que concerne ao desejo insaciável de perseguir a
verdade real, os Juízes deveriam entender que são pautados
pela imparcialidade. Presumindo-se a inocência dos réus,
qualquer conduta ativa dos Magistrados seria uma tentativa
de afastar essa presunção, o que significa, em outras
palavras, uma busca de razões para condenar. Ora, essa
postura é evidentemente incompatível com o sistema
acusatório. Se quiser acusar e produzir provas, que faça
concurso para o Ministério Público e abandone a
Magistratura.
Quanto à possibilidade de alcançar a realidade dos
fatos, falta-lhes um pouco de clareza sobre a função que
desempenham diariamente.
O Juiz nunca interpretará diretamente os fatos. Aliás,
ainda que presenciasse alguma conduta criminosa na sua
frente, permaneceria na compreensão dos fatos por meio da
tradição em que está inserido. Ou voltamos para a proposta
de interpretação sujeito-objeto?
No processo penal – como em qualquer outro –, há
uma metainterpretação dos fatos. Isso significa que o Juiz
não interpreta os fatos diretamente, mas apenas interpreta
a interpretação exteriorizada pelas testemunhas ou pelos
peritos.
Quando uma testemunha relata algo ao Juiz durante o
seu depoimento, já está interpretando tudo que viu/ouviu ou
acredita ter visto/ouvido. Nesse ponto, também surge o
risco das falsas memórias.
Em um processo por furto, por exemplo, a testemunha
interpreta e narra ao Juiz se viu o réu próximo ao local do
fato (e também está interpretando o conceito de
proximidade espacial), se o acusado parecia suspeito, como
agiu, se houve escalada etc.
Por sua vez, em um processo por corrupção ativa,
quando o funcionário público, em seu testemunho, narra
que o réu lhe ofereceu uma vantagem indevida, uma
equivocada interpretação dos fatos na hipótese, por
exemplo, de um suposto oferecimento implícito, poderia
comprometer a interpretação a ser realizada pelo Juiz.
Em suma, o Juiz interpreta o conjunto de
interpretações feitas pelas testemunhas. As provas não são
o fato em si, mas sim interpretações sobre ele. Noutros
termos, primeiramente, a testemunha presencia algo (talvez
uma parte da conduta criminosa); em seguida, relata ao Juiz
durante a audiência, podendo cometer equívocos (falsas
memórias); por fim, o Juiz interpreta a interpretação das
testemunhas. Portanto, um equívoco na observação do fato
ou no seu relato ao Juiz pode contaminar a sua
interpretação.
Ademais, com audiências realizadas a cada 10 ou 15
minutos, seria pretensioso imaginar a possibilidade de
interpretar adequadamente os fatos. Voltando ao caso do
furto, por exemplo, é comum perceber que, quando uma
testemunha diz que o autor do fato “deve ter escalado”
para subtrair a coisa alheia móvel, é raro que algum
membro do Ministério Público ou Magistrado pergunte qual
era a altura da parede supostamente escalada, se seria
necessário algum esforço significativo (daí a qualificadora
da escalada) etc. Normalmente, após a fala da testemunha,
já estaria configurada a qualificadora para muitos
Magistrados, que acreditam cegamente na interpretação
explanada em audiência. A busca da verdade real, além de
impossível, é casuística, agraciando apenas a acusação.
Sem uma atuação defensiva satisfatória – nos autos
oficiais ou por meio da investigação criminal defensiva –,
pode ser reproduzida uma interpretação equivocada sobre
os fatos, apresentando lacunas, contradições ou
“achismos”.
Preocupar-se apenas com o convencimento do Juiz (nas
alegações finais, por exemplo) é desconsiderar que a
interpretação judicial é feita com base nas várias
interpretações feitas anteriormente (depoimentos, perícias
etc.) e que os Juízes assumem – indevidamente – um
protagonismo na produção de provas invocando que estão
em busca da “verdade real”.[3]
A atuação da defesa deve ter impacto na produção da
prova, não sendo reservada somente para a valoração feita
pelo Juiz.
 

3.2. O "peso" da prova testemunhal e a


distribuição do ônus da prova
 
Ainda que não exista, no processo penal brasileiro,
uma prova que dispense a valoração de todas as outras, é
inegável que se utiliza excessivamente a prova
testemunhal, a qual, em razão das falsas memórias, das
influências indevidas e da forma de inquirir, pode ser
facilmente manipulada.
A indevida distribuição do ônus da prova – em alguns
casos atribuído diretamente à defesa – também é um
problema que precisa ser superado doutrinária e
jurisprudencialmente ou, no mínimo, precisa de contornos
que facilitem o cumprimento dessa incumbência, como a
possibilidade de realizar a investigação criminal defensiva.
Em relação aos crimes patrimoniais, por exemplo, é
frequente o entendimento jurisprudencial de que, sendo o
agente encontrado na posse do objeto, cabe a ele provar
sua inocência. Noutros termos, inverte-se o ônus da prova
em prejuízo do réu.
APELAÇÃO-CRIME. ROUBO SIMPLES. TENTATIVA. 1.
ÉDITO CONDENATÓRIO. MANUTENÇÃO. (…)
Apreensão da “res furtivae” em poder do agente,
logo após a prática subtrativa, é situação que faz
gerar presunção de autoria, com a inversão do
“onus probandi”, cumprindo ao flagrado o encargo
de comprovar a licitude da posse (art. 156 do CPP),
ônus do qual não se desincumbiu a contento. (…)
APELO IMPROVIDO. DE OFÍCIO, CORRIGIDO ERRO
MATERIAL HAVIDO NO DISPOSITIVO DA SENTENÇA
PARA CONSTAR QUE O ACUSADO RESTOU
CONDENADO NOS LINDES DO ART. 157, CAPUT,
C/C ART. 14, II, AMBOS DO CP. (Apelação Crime Nº
70070553458, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de
Justiça do RS, Relatora: Fabianne Breton Baisch,
Julgado em 14/12/2016)
 
Em determinados casos, como crimes sexuais e
aqueles relativos à violência doméstica e familiar contra a
mulher (Lei n. 11.340/2006 - Lei Maria da Penha),
consolidou-se o entendimento de que a palavra da vítima
tem especial valor, caso não existam elementos que
demonstrem, por exemplo, o interesse em prejudicar o réu.
Não se trata de uma inversão no ônus da prova, mas
consiste em uma facilidade para a acusação.
(...)
IV - Em crimes cometidos na clandestinidade, sem
a presença de qualquer testemunha, a palavra da
vítima assume especial relevância como meio de
prova, nos termos do entendimento desta eg.
Corte.
(...)
(RHC 119.097/MG, Rel. Ministro LEOPOLDO DE
ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO
DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 11/02/2020,
DJe 19/02/2020)
 
Também devemos considerar que, em muitos casos, as
palavras dos policiais (inclusive aqueles que efetuaram a
prisão em flagrante) adquire grande relevância na formação
da convicção do julgador. Inúmeros fatores contribuem para
isso, como o fato de serem servidores públicos, a autoridade
transmitida pelos uniformes, a experiência como
testemunhas e, não raramente, a vontade do julgador de
não se indispor em relação a eles.
(...) IV - O depoimento dos policiais prestado em
Juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na
condenação do réu, notadamente quando ausente
qualquer dúvida sobre a imparcialidade dos
agentes, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a
imprestabilidade da prova, o que não ocorreu no
presente caso. Precedentes.
(...)
(HC 471.082/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER,
QUINTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe
30/10/2018)
 
Para arrematar, a prova testemunhal, se confrontada
com o interrogatório do réu, tem um peso maior na prática.
Assim, se a vítima ou uma testemunha afirmar que o réu
praticou o crime, mas este negar em seu interrogatório, é
provável que seja prolatada uma sentença condenatória,
caso não existam outras provas que confirmem a narrativa
defensiva.
A supervalorização da prova testemunhal pode ser
fruto da ainda tímida e precária utilização de provas
periciais. Apenas recentemente foi intensificada a
preocupação quanto às provas técnicas/periciais,
notadamente por meio da Lei n. 13.964/2019 (Lei
Anticrime), que instituiu:
a regulamentação da cadeia de custódia (arts.
158-A, 158-B, 158-C, 158-D, 158-E e 158-F do
CPP);
uma disciplina maior dos bancos de perfis
genéticos (art. 9º-A da LEP);
a regulamentação da captação ambiental de
sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos (art.
8º-A da Lei n. 9.296/96);
a criação do Banco Nacional de Perfis Balísticos
(art. 34-A do Estatuto do Desarmamento);
a autorização da criação, no Ministério da Justiça
e Segurança Pública, do Banco Nacional
Multibiométrico e de Impressões Digitais (art. 7º-C
da Lei n. 12.037/2009).
A utilização da investigação criminal defensiva pode
servir como instrumento de combate às afirmações das
testemunhas e, ao mesmo tempo, como cenário de
obtenção de elementos técnicos/periciais que fundamentem
a versão defensiva.
 

3.3. Processar para absolver


 
O processo, onde as provas são produzidas e
valoradas, causa sofrimento até para os inocentes.
Segundo Carnelutti (2009, p. 66):
Infelizmente, a justiça humana está feita de tal
maneira que não somente se faz sofrer os homens
porque são culpados, senão também para saber se
são culpados ou inocentes. Esta é, infelizmente,
uma necessidade, à qual o processo não pode se
subtrair, nem sequer se seu mecanismo fosse
humanamente perfeito. Santo Agostinho escreveu
a este respeito uma de suas páginas imortais; a
tortura, nas formas mais cruéis, foi abolida, ao
menos no papel; mas o próprio processo é uma
tortura.
 
O Advogado não pode desconsiderar o sofrimento
causado pela tramitação de um processo. Se for cabível, a
persecução penal deverá ser encerrada o mais cedo
possível, preferencialmente por meio do trancamento ou
arquivamento do inquérito policial, bem como pela rejeição
da denúncia ou queixa.
O recebimento de uma denúncia perceptivelmente
sem justa causa para avaliar, durante o processo, se
existem provas suficientes para a condenação constitui uma
gravíssima atrocidade.
Ademais, utilizando as lições de Carnelutti (2009, p.
94), ressaltamos que “todas as sentenças de absolvição,
excluída a absolvição por insuficiência de provas, implicam
a existência de um erro judicial”. No processo penal
brasileiro, podemos considerar que houve um erro do
Ministério Público ao oferecer a denúncia e do Magistrado
ao recebê-la quando se trata de fato atípico, abrangido por
uma excludente de ilicitude ou sem provas de autoria ou
materialidade.
Reiteramos: se possível, a defesa deverá abreviar a
persecução penal, não admitindo que alguém seja
processado para, ao final, ser absolvido. O processo, por si
só, também causa sofrimento, ainda que não resulte em
uma pena.
A dificuldade consiste em evitar esse sofrimento
quando se sabe que o inquérito policial tem vários
problemas – especialmente o afastamento da defesa e a
escolha de linhas de investigação acusatórias –, o que
também ocorre no processo, que é repleto de falhas na
questão probatória.
Por esses motivos, o uso da investigação criminal
defensiva deve ser uma opção real para conduzir a fase
inquisitorial a outras linhas diversas das habitualmente
adotadas. Na fase processual, a investigação defensiva
deve ter o desiderato de obter o máximo de elementos com
maior brevidade, buscando, se possível, o trancamento do
processo.
Conclui-se que a investigação defensiva não será
suficiente para superar todas as mazelas da persecução
penal, especialmente porque os vícios continuarão sendo
reproduzidos. A mudança consiste na possibilidade de
questionamento ou superação parcial desses vícios por
meio de elementos produzidos unilateralmente pela defesa.
 
4. Os problemas da (falta de) participação
da defesa na persecução penal
 
Durante a persecução penal – nas fases policial e
judicial –, há um afastamento da defesa técnica, que é
tratada como mera formalidade.
Isso acontece, por exemplo, quando são chamados os
Advogados apenas para a assinatura do auto de prisão em
flagrante, sem qualquer orientação do cliente quanto ao seu
interrogatório.
Ainda na fase policial, o Advogado raramente é
chamado para participar da inquirição de testemunhas,
mesmo que tenha procuração nos autos. Às vezes, por ter
contato com as pessoas envolvidas, o investigado (cliente)
surpreende/constrange o Advogado perguntando sobre o
depoimento marcado para ouvir alguém.
Na fase judicial, constata-se um confronto desigual,
com amplo favorecimento da acusação, muitas vezes com o
fomento de Magistrados que desconhecem a importância da
imparcialidade e, não raramente, aplicam seus próprios
“Códigos”. Nas exatas palavras de Rosa (2017, p. 35-36):
(...) encontraremos juízes que se declararam
imperadores de suas unidades jurisdicionais, nas
quais o Direito se confunde com suas preferências
pessoais, como se pudessem eles,
democraticamente, criar seu autodireito, sem
referenciais externos e normativos. O império do
‘eu penso assim’ e ‘se não gostou, recorra’.
 
No que tange às medidas cautelares, há uma previsão
legal –  recentemente melhorada pela Lei Anticrime – no art.
282, §3º, do CPP, que é pouco conhecida e diuturnamente
desrespeitada/manipulada. Trata-se da previsão de que,
como regra, existe contraditório prévio em relação à
decretação de medidas cautelares:
Art. 282, § 3º, do CPP: Ressalvados os casos de
urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o
juiz, ao receber o pedido de medida cautelar,
determinará a intimação da parte contrária, para
se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias,
acompanhada de cópia do requerimento e das
peças necessárias, permanecendo os autos em
juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão
ser justificados e fundamentados em decisão que
contenha elementos do caso concreto que
justifiquem essa medida excepcional.
 
Ora, não é raro que, na prática, os Juízes
desconsiderem totalmente a regra e utilizem diretamente a
exceção (decretação da medida sem contraditório),
afirmando que se trata de caso urgente ou de perigo de
ineficácia da medida. A exigência de fundamentação com
elementos do caso concreto, apesar de ser um limite, é
facilmente manipulável.
Na instrução processual, especificamente nas
audiências, os Magistrados utilizam a parte final do caput do
art. 212 do CPP (“não admitindo o juiz aquelas que puderem
induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou
importarem na repetição de outra já respondida”) quase
que exclusivamente contra a defesa. Dificilmente indeferem
uma pergunta feita pelo Ministério Público.
Em relação às diligências, enquanto o Ministério
Público pode simplesmente requisitar informações ou
documentos, a defesa não tem o mesmo poder, precisando
“solicitá-los” ao possuidor e, em caso de negativa, deverá
requerer ao Magistrado, que não raramente também
indeferirá o pedido, afirmando que se trata de medida
protelatória ou impertinente. Às vezes, a defesa é intimada
para informar o que pretende provar com tal diligência, algo
teratológico que produz a necessidade de antecipar nos
autos a estratégia defensiva.
Para piorar o cenário, é comum observar, nas decisões
de correição parcial ou habeas corpus que tenham como
objetivo o pedido de reconhecimento do cerceamento de
defesa, afirmações de que o fato não gera prejuízo. Essa
negativa de prejuízo acontece, inclusive, em casos de
condenação do réu.
Em suma, pode-se afirmar que, no sistema penal, a
atuação da defesa no processo penal não é desejada, mas
apenas tolerada (ainda assim, nem sempre).
 

5. Em busca da paridade de armas


 
No processo penal, por vários fundamentos
constitucionais, exige-se a paridade de armas entre as
partes, que tem sua importância reconhecida pelo STF:
(...) 1. A isonomia é um elemento ínsito ao
princípio constitucional do contraditório (art. 5º, LV,
da CRFB), do qual se extrai a necessidade de
assegurar que as partes gozem das mesmas
oportunidades e faculdades processuais, atuando
sempre com paridade de armas, a fim de garantir
que o resultado final jurisdicional espelhe a justiça
do processo em que prolatado. (STF - ARE: 648629
RJ, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento:
24/04/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação:
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
 
A paridade de armas exige a possibilidade de atuação
ampla da defesa, com todos os meios possíveis, e não
apenas uma participação passiva, vazia e meramente
formal. Nas precisas palavras de Silva (2019, p. 79), “não
basta apenas o ‘convite para a festa processual’. A defesa
deve ser capaz de ‘se vestir e chegar nessa festa’ para
gozar de tudo que lhe seja proporcionado durante o evento
processual”.
Contudo, atualmente, é impossível afirmar que existe
paridade de armas na persecução penal.
De certa forma, todos estão contra o acu(s)ado: Polícia
Militar, Polícia Civil, Ministério Público, assistente da
acusação e, não raramente, um Juiz que tem perfil
acusador. Do outro lado, apenas o investigado/réu e seu
Advogado ou Defensor Público.
Na fase preliminar, admite-se a investigação da Polícia
(controlada externamente pelo MP) e do Ministério Público
(futura parte do processo), não havendo previsão legal ou
posicionamento jurisprudencial consolidado quanto à
investigação feita pelos outros participantes da
investigação, quais sejam, o investigado/indiciado e seu
Advogado. Trata-se de uma indevida tentativa de exclusão
da defesa, dando-lhe um papel meramente protocolar e
tratando o investigado como objeto da investigação, com
poucos resquícios do seu tratamento como sujeito de
direitos, quase sempre violados (vide tópico anterior).
Ora, uma vez que se admita a investigação feita pela
Polícia e pelo Ministério Público, que é uma parte no
processo, deve-se admitir que seja feita paralelamente uma
investigação pelo Advogado, que defende os interesses da
outra parte.
A igualdade de oportunidades entre as partes tem
amparo jurisprudencial, conforme se observa:
(...) O princípio da paridade de armas encontra
plena incidência no processo penal, em prestígio
aos direitos fundamentais da igualdade e do
devido processo legal, que têm sede
constitucional. A igualdade não pode ser apenas
formal, devendo ter aplicação efetiva, ou seja, no
curso do processo penal, guardadas
particularidades próprias da acusação e da defesa,
bem como do juízo, impende que às partes sejam
outorgadas as mesmas oportunidades de falar, de
contraditar, de reperguntar, de sustentar, de
requerer e de intervir nas provas, com a adequada
simetria. (...) (TJ-DF 07162593320188070000 DF
0716259-33.2018.8.07.0000, Relator: MARIO
MACHADO, Data de Julgamento: 11/10/2018, 1ª
Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no
DJE: 18/10/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
 
Não há paridade de armas quando uma parte tem mais
poderes que a outra. Inexiste paridade de armas se a
acusação tiver mais informações que a defesa, sobretudo se
puder utilizá-las.
Sobre esse tema, uma interessante decisão do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul analisou a impossibilidade
de utilização de informações extraídas do Sistema de
Consultas Integradas, cujo acesso é disponibilizado a
membros do Ministério Público, mas não à defesa:
(...) Nessa conjuntura, informações sobre a vida
pregressa do acusado constituem argumento de
autoridade, segundo interpretação hermenêutica
do artigo 478 do Código de Processo Penal. Há
diferença entre a juntada de Antecedentes
Criminais e Informações extraídas do Sistema de
Consultas Integradas. O primeiro, qualquer parte
pode ter acesso, acusação ou defesa. Logo,
tratam-se de documentos de acesso público. O
segundo, é de uso exclusivo somente a
magistrados e ao órgão ministerial, não a defesa,
seja Defensoria Pública ou defesa constituída.
Portanto, tratam-se de documentos de acesso
restrito. Daí por que não há paridade de armas em
permitir a juntada de documentos Informações do
Sistema de Consultas Integradas que somente
uma das partes tem acesso e a outra não, mas há
paridade quando a juntada se trata de documentos
cujo acesso é comum e... possível a ambas as
partes Certidão de Antecedentes Criminais.
Destarte, evidencia-se o prejuízo à defesa.
CORREIÇÃO IMPROCEDENTE. (TJ-RS - COR:
70081292039 RS, Relator: Sérgio Miguel Achutti
Blattes, Data de Julgamento: 23/05/2019, Terceira
Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da
Justiça do dia 28/05/2019)
 
Da mesma forma que não se pode admitir que o
Ministério Público utilize um documento de acesso exclusivo
a ele, também deveríamos, por coerência, entender que o
Advogado pode conduzir e utilizar a investigação criminal
defensiva, equiparando sua atuação à investigação direta
realizada pelo MP.
A defesa técnica não pode existir apenas para cumprir
a formalidade legal. Exige-se uma defesa efetiva. Enquanto
permanecer a desigualdade de poderes, a defesa, por mais
esforçada que seja, sempre estará em desvantagem.
A investigação defensiva não deve ser considerada a
solução para todos os problemas da violação à paridade de
armas, mas um passo importante em direção a isso.
Nery Junior (2010, p. 252) demonstra, com exatidão, o
problema da defesa meramente protocolar:
A defesa feita de forma burocrática, apenas para
atender formalmente à garantia da ampla defesa,
não impede a caracterização da violação dessa
garantia constitucional. É necessário que se dê à
parte o direito efetivo de ampla defesa.
 
Exercer a defesa não pode ser apenas uma atuação de
rebater e contrariar a versão da poderosa acusação. Deve-
se também disponibilizar um conjunto de instrumentos,
medidas e direitos para que a defesa consiga provar suas
alegações, como a investigação defensiva.
Por derradeiro, é curioso que, quanto aos meios
utilizados pelas autoridades públicas (Polícia, Ministério
Público e Juiz), normalmente, defenda-se a busca da
“verdade real”, um conceito filosoficamente perigoso.
Entretanto, quando se trata da atividade investigativa da
defesa, esse escopo não recebe os mesmos incentivos.
Veja-se, por exemplo, a utilização do “princípio da
busca da verdade real” em favor da acusação:
(...)
5. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça
possui o entendimento consolidado de que não
configura nulidade a ouvida de testemunha
indicada extemporaneamente pela acusação,
como testemunha do Juízo, conforme estabelece o
art. 209 do Código de Processo Penal, em
observância ao princípio da busca da verdade real.
(...)
(HC 503.241/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS,
QUINTA TURMA, julgado em 20/08/2019, DJe
23/08/2019)
 
Ora, ouvir como testemunha do Juízo uma pessoa
indicada pela acusação – fora do prazo para arrolar
testemunhas –, ainda que com fundamento no art. 209 do
CPP, é uma violação à paridade de armas, especialmente se
considerarmos que, quando a defesa requer a oitiva de uma
testemunha após o prazo da resposta à acusação,
normalmente o pedido é indeferido, em que pese
fundamentado na ampla defesa. Infelizmente, a busca da
verdade real quase sempre é invocada apenas em prol da
acusação.
É necessário se insurgir contra esse tratamento
desigual e propor que o direito de provar seja visto como
um direito subjetivo das partes. Aliás, seria um dever da
defesa técnica, porque sua inércia, quando há possibilidade
de atuação, constitui uma deficiência defensiva passível de
nulidade. O Advogado deve lutar, pois, como já dizia
Carnelutti (2009, p. 19), “enquanto o juiz está ali para impor
a paz, o Ministério Público e os advogados estão para fazer
a guerra. Precisamente, no processo, é necessário fazer a
guerra para garantir a paz”.
 

6. Um novo nicho na Advocacia?


 
Para a Advocacia, a investigação criminal defensiva é
de extrema importância, haja vista que se trata de uma
nova forma de atuação, inclusive sendo possível imaginar
um novo nicho no mercado jurídico.
Afinal, da mesma forma que surgiu uma onda de
Advogados especialistas em delação premiada
(“delacionistas”), também seria possível imaginar um nicho
especializado em investigação defensiva, especialmente em
um formato de consultoria voltada para a investigação, com
um Advogado trabalhando para outro Advogado. Aliás,
poderia ser um nicho interessante para ex-Delegados e ex-
policiais, que possuem experiência em investigação e, em
regra, têm mais habilidade/facilidade para a condução
desse tipo de procedimento.
O nicho da investigação criminal defensiva exigiria
uma postura diferente dos Advogados, que normalmente
rebatem fatos apresentados pela acusação ou produzem
provas em juízo. A nova forma de atuação teria como ponto
nevrálgico a produção de elementos sem a habitual
dependência dos órgãos oficiais.
Destarte, é recomendável que o Advogado tenha um
perfil investigativo, com a habilidade de perseguir rastros,
encontrar vestígios, analisar documentos e inquirir
adequadamente.
Ademais, como lembra Bulhões (2019, p. 96):
Conhecimentos os mais diversos acerca de
tecnologias, arquivologia, cadeia de custódia,
ciências periciais, entre muitos outros temas serão
exigidos. E não há como pré-determinar em
absoluto quais serão os conhecimentos
necessários à realização desta ou daquela
investigação defensiva. Isto vai depender do
contexto concreto posto em discussão.
 
Evidencia-se, assim, que o Advogado atuante na
investigação criminal defensiva não deve limitar-se a teses
jurídicas, mas também dedicar sua atenção ao estudo
amplo e profundo dos fatos.
Para atuar efetivamente na investigação criminal
defensiva, deve-se ter apreço pelo trabalho de campo,
exercido no ambiente externo (fora do escritório), com a
realização ou fiscalização de diligências. Por mais que o
Advogado conduza a investigação com auxiliares, seria
difícil imaginar uma atuação plena por meio de uma
“Advocacia de gabinete”.
O Advogado que decidir atuar nesse nicho também
precisará de uma rede de profissionais de confiança que
sejam especialistas em determinadas áreas, facilitando a
rápida contratação para determinadas diligências.
Dependendo do caso, a demora para encontrar um
especialista pode ser prejudicial ao andamento da
investigação.
Será necessária uma aproximação do cliente que
extrapole a mera leitura fria de documentos juntados aos
autos do inquérito ou processo. Deve-se conversar sobre o
fato, as possibilidades, os caminhos, as pessoas envolvidas
e os elementos que ainda não são de conhecimento das
autoridades.
Nesse esteio, o Advogado que desenvolver uma
investigação defensiva será um confidente, devendo ser
discreto e cauteloso, respeitando, ainda, o necessário sigilo
profissional. Ainda que essa postura também seja exigida da
Advocacia em geral, o profissional que atua nesse nicho, em
muitos casos, precisará ser estratégico e controlar as
informações que poderão ser públicas e aquelas que
deverão permanecer em sigilo para a proteção da
intimidade, ou aguardar o melhor momento para levá-las
aos autos.
Para ter uma visão panorâmica de todas as
possibilidades defensivas e as linhas de investigação
disponíveis, o Advogado precisará ter a confiança do cliente,
algo muitas vezes ignorado. Lembrando as precisas lições
de Carnelutti (2009, p. 32), “as pessoas não sabem, e nem
sequer o sabem os juristas, que o que se pede ao advogado
é a esmola da amizade, antes de qualquer outra coisa.”
Na mesma esteira, Oliveira (2008, p. 17) afirma que há
a necessidade de uma “sólida relação de confiança com o
constituinte que proporcione ter em conta todas as
características e condicionantes do caso concreto –
potenciada, aliás, pelo sigilo profissional a que o advogado
está adstrito”.
Talvez o Advogado que atue nesse nicho deva ter uma
pitada de insatisfação quanto aos rumos atuais da
persecução penal. Precisa entender que o uso da
investigação criminal defensiva é uma tentativa de
superação dos problemas no inquérito policial, na questão
probatória e no tratamento da defesa no processo penal,
não utilizando esse instrumento como mera formalidade.
Deverá, inclusive, sentir o peso da tarefa que assume.
Conduzir a investigação defensiva pode significar riscos,
principalmente em razão de algumas autoridades da
persecução penal que criminalizam a Advocacia. A
realização do seu trabalho enfrentará empecilhos e, não
raramente, intimidações. Inclusive, o profissional poderá ser
visto com desconfiança pela polícia ou pelo Ministério
Público.
Para termos ciência da grandeza e dos desafios da
investigação defensiva, ressaltamos as palavras de Oliveira
(2008, p. 18):
Quando assume a Defesa Criminal de um
determinado arguido, o advogado assume também
o encargo de proteger os seus interesses num
processo extremamente severo, em termos
psicológicos e não só, no qual o seu representado
poderá sentir-se como <<David contra Golias>>,
encarando toda a máquina judicial e os órgãos de
polícia criminal como inimigos que têm de ser
enfrentados.
 
Por todo o exposto, acreditamos que a investigação
criminal defensiva é um novo nicho de atuação, que pode
desenvolver-se dentro de outros nichos da Advocacia
Criminal ou como nicho único de um profissional.
 

7. Os fundamentos da atuação defensiva e


investigativa
 
Ainda que, até o momento, o Brasil não tenha um
fundamento – constitucional ou infraconstitucional – que
mencione especificamente a investigação criminal
defensiva, há vários motivos para considerarmos a
possibilidade dessa forma de atuação.
Deve-se considerar, inicialmente, a ausência de
qualquer proibição ao intento do Advogado de investigar
paralelamente às investigações oficiais (inquérito policial,
sindicância, comissão parlamentar de inquérito etc.).
Admitindo-se a investigação feita pela acusação,
também deve ser admitida a perquirição dirigida pela
defesa, sob pena de inquestionável violação à paridade de
armas. Aliás, o Ministério Público tem poder de requisição e
exerce o controle externo da atividade policial, somando
vantagens estratégicas em relação à defesa.
Por derradeiro, há inúmeros fundamentos que, em que
pese não mencionem a investigação criminal defensiva,
justificam o exercício do direito de defesa da forma mais
completa possível, como passaremos a analisar.
 

7. 1. Fundamentos constitucionais da
investigação criminal defensiva
 
O art. 5º, LV, da Constituição Federal, prevê que “aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Ainda que
não mencione expressamente, trata-se de um importante
fundamento da investigação criminal defensiva.
O exercício da defesa técnica não pode ser limitado à
concordância do Delegado de Polícia quanto ao deferimento
de diligências postuladas pelo Advogado no inquérito
policial.
Com precisão, Nery Junior (2010, p. 249) afirma:
Feitas as alegações, os titulares da garantia da
ampla defesa têm o direito à prova dessas
mesmas alegações. De nada adiantaria garantir-se
a eles com uma mão o direito de alegar e subtrair-
lhes, com a outra, o direito de fazer prova das
alegações. O direito à prova, pois, está imbricado
com a ampla defesa e dela é indissociável.
 
O art. 5º, LIV, da Constituição Federal, traz um dos
trechos mais importantes para o processo penal: “ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal”.
A melhor forma de consolidar o devido processo legal e
evitar que alguém seja privado da liberdade de forma ilegal
é permitir que o maior interessado – o réu – tenha meios de
contribuir ativamente para o processo e para a futura
decisão.
Ainda no art. 5º da Constituição Federal, o inciso LXXV
destaca que “o Estado indenizará o condenado por erro
judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo
fixado na sentença”. Evitar o erro judiciário é uma das
grandes motivações do Advogado que instaura e conduz
uma investigação criminal defensiva, buscando provas e
contrariando as autoridades policiais, ministeriais e
judiciais.
Aliás, ninguém tem mais interesse em evitar o erro
judiciário do que o investigado/réu e seu Advogado. Se for
prolatada uma condenação que desconsidere provas que
poderiam ter sido produzidas pela defesa, quem sofrerá as
consequências de uma pena privativa de liberdade será o
condenado. Por outro lado, o acusador e o julgador
dificilmente serão punidos e nunca pedirão desculpas
àquele que sofreu o erro. É a liberdade do acusado que
permanece em jogo diante da possibilidade de erro
judiciário.
A presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição
Federal) também é um fundamento da atuação defensiva.
Ora, existindo a presunção de inocência, deve-se permitir ao
titular desse direito a possibilidade de participar ativamente
para que a presunção seja mantida.
Ademais, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da
Constituição Federal), tão invocada genericamente para
solucionar todos os problemas, deveria ser observada no
processo penal.
No exercício da ampla defesa, não se pode limitar as
manifestações do Advogado às questões jurídicas. Deve-se
humanizar o processo, demonstrando que o investigado ou
réu é uma pessoa concreta. Não se pode admitir o
tratamento do acusado como um objeto em que são
despejados todos os medos e desejos de vingança da
sociedade por meio da força do Estado.
Conforme Carnelutti (2009. p. 9-10):
Considerar o homem como uma coisa: pode haver
uma fórmula mais expressiva de incivilidade? No
entanto, é o que ocorre, infelizmente, em nove de
cada dez vezes no processo penal. Na melhor das
hipóteses, os que se vão ver trancados numa cela
como animais no jardim zoológico parecem
homens fictícios ao invés de homens de verdade. E
se alguém se dá conta de que são homens de
verdade, parece a si que se tratam de homens de
outra raça ou, poderíamos dizer, de outro mundo.
Este que pensa dessa maneira não lembra, quando
assim sente, a parábola do publicano e do fariseu,
e não suspeita que sua mentalidade é
propriamente a do fariseu: eu não sou como este.
 
O exercício da ampla defesa é um lembrete ao Juiz: o
réu também é um ser humano, tanto quanto ele, com a
diferença de que se encontra submetido a um processo
criminal e com possibilidade concreta de sofrer uma pena.
Também amparada no direito de defesa, a súmula
vinculante n. 14 do Supremo Tribunal Federal ressalta o
papel da defesa técnica, mormente na investigação policial,
ao afirmar que é direito do defensor, no interesse do
representado, ter acesso amplo aos elementos de prova
que, já documentados em procedimento investigatório
realizado por órgão com competência de polícia judiciária,
digam respeito ao exercício do direito de defesa.
Ora, nada mais óbvio que possibilitar que o Advogado
conheça os elementos contra o seu constituinte. Para
defender adequadamente, é necessário conhecer o que
existe contra quem é defendido.
Como visto, há inúmeros fundamentos constitucionais
que amparam o direito de defesa e, portanto, a utilização da
investigação criminal defensiva:
contraditório e a ampla defesa, principalmente
por meio de uma defesa efetiva, e não
meramente formal;
o devido processo legal;
permitir que o maior interessado no caso
contribua para evitar o erro judiciário;
a dignidade da pessoa humana, para que, de fato,
o acusado seja visto como um ser humano real,
de carne e osso, cuja vida está em julgamento;
a súmula vinculante n. 14 do STF, que reitera o
direito de ter ciência do teor da investigação, o
que, em última análise, destina-se a possibilitar
uma reação adequada.[4]
Se conduzida corretamente, a investigação criminal
defensiva ampliará a compreensão que se tem sobre os
direitos mencionados, poderá evitar o tratamento
objetificado do réu e reduzirá as chances de erros
judiciários.
 

7.2. O Código de Processo Penal


 
O Código de Processo Penal contém vários dispositivos
importantes para a atuação da defesa técnica no que
concerne à produção de provas, fundamentando, direta ou
indiretamente, uma atuação defensiva mais ampla.
Para o exercício da ampla defesa e, especialmente,
para a juntada dos resultados da investigação criminal
defensiva, o art. 231 do CPP tem grande relevância ao
dispor: “Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão
apresentar documentos em qualquer fase do processo.”
Essa previsão legal de que as partes juntem
documentos em qualquer fase do processo é de suma
importância para definir a grande variedade de opções
quanto ao momento de juntada dos resultados da
investigação criminal defensiva. Aliás, o texto legal vai ao
encontro do Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da
OAB, que prevê a utilização da investigação criminal
defensiva inclusive na fase recursal.
Também devemos considerar que o art. 396-A do CPP
prevê que, na resposta à acusação, podem ser oferecidos
documentos. Nada impede que a defesa, nessa fase, junte
os resultados da investigação criminal defensiva.
Destaca-se, ainda, a regulamentação legal da cadeia
de custódia, por meio da Lei n. 13.964/2019 (Lei Anticrime),
que incluiu no CPP, entre outros, os arts. 158-A, 158-B, 158-
C, 158-D, 158-E e 158-F.
O conceito de cadeia de custódia está previsto no art.
158-A do CPP:
Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o
conjunto de todos os procedimentos utilizados
para manter e documentar a história cronológica
do vestígio coletado em locais ou em vítimas de
crimes, para rastrear sua posse e manuseio a
partir de seu reconhecimento até o descarte.
 
Esse conceito legal, anteriormente de origem apenas
doutrinária, demonstra a preocupação atual de incentivar as
provas técnicas e questionar o rastreamento dos vestígios
nas etapas da cadeia de custódia, algo importantíssimo
para a defesa.
Segundo Prado (2014, p. 80), a cadeia de custódia
representa justamente o importante “dispositivo que
pretende assegurar a integridade dos elementos
probatórios”.
Por sua vez, Bernacchi e Rodrigues (2018, p. 23)
analisam:
A cadeia de custódia tem o seu início na
preservação do ambiente do crime, passando pela
coleta das evidências e percorrendo as demais
fases, desde o momento do acontecimento do fato
que deixou vestígios até a apresentação em juízo
das provas produzidas com base nesses vestígios.
A principal função da cadeia de custódia é garantir
a integridade da prova material, seja para
preservação das suas características e a sua
rastreabilidade, além da garantia de que os
objetos apreendidos e examinados pela perícia
sejam exatamente os materiais coletados no local
do crime, e que o manuseio tenha sido realizado
pelos profissionais habilitados.
 
A cadeia de custódia adquire especial relevância para
a defesa, sobretudo na investigação criminal defensiva, por
se tratar de um caminho para impugnação dos elementos
obtidos na investigação oficial.
Em outros trechos do Código de Processo Penal,
observamos que há várias referências ao direito de defesa,
seja pela defesa técnica, seja como autodefesa.
No art. 187, §2º, VIII, do CPP, por exemplo, há previsão
de que, ao final do interrogatório, o acusado seja indagado
se tem algo mais a alegar em sua defesa. Logo, poderá
acrescentar informações que não foram objeto de perguntas
anteriores.
Por sua vez, o art. 240, §1º, “e”, in fine, do CPP, prevê
a possibilidade de busca domiciliar, quando fundadas razões
a autorizarem, para descobrir objetos necessários à defesa
do réu.
Aliás, como regra, a defesa deve ser ouvida antes da
decretação de uma medida cautelar, como a prisão
preventiva. Nos termos do art. 282, §3º, do CPP, salvo nos
casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o
Juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a
intimação da parte contrária, para se manifestar no prazo
de 5 dias. Para afirmar que se trata de caso urgente ou que
tenha perigo de ineficácia – que dispensa a intimação da
defesa –, o Magistrado deverá fundamentar com base em
elementos do caso concreto.
Os dispositivos anteriormente citados são apenas
alguns exemplos da necessidade de respeitar o direito de
defesa, por meio da autodefesa ou da defesa técnica.
Justifica-se, assim, uma atuação ampla e intensa da defesa
técnica, inclusive por meio de um instrumento próprio – que
não dependa da vontade das autoridades – de produção de
elementos que fundamentem suas manifestações, teses e
versões: a investigação criminal defensiva.
 

7.2.1. O art. 156 do CPP: quem deve provar?


 
Um dos pontos nevrálgicos da investigação defensiva
consiste em estabelecer o que deve ser provado pela
defesa. Para tanto, exige-se indagar quem deve provar, isto
é, a quem incumbe o ônus da prova, de acordo com uma
análise constitucional do art. 156 do CPP.
Na prática forense, observamos, por exemplo, muitas
sentenças condenatórias fundamentadas no fato de que o
réu não se desincumbiu do seu ônus de provar a excludente
de ilicitude alegada. Normalmente, essas decisões deixam
em segundo plano o ponto relevante para a condenação: a
presença dos elementos do crime, quais sejam, fato típico,
ilicitude e culpabilidade.
Noutros termos, os julgadores desconsideram a
necessidade de avaliar a presença da ilicitude, ônus da
acusação, optando por atribuir um onírico e equivocado
ônus à defesa, consistente na necessidade de provar a
excludente de ilicitude alegada.
Entrementes, no Brasil, vigora o princípio da presunção
de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição Federal), razão
pela qual essa pretensão de distribuir o ônus probatório
entre as partes deve ser analisada de acordo com esse
relevante princípio constitucional.
A Constituição Federal não possui previsão específica
relacionada ao ônus probatório, limitando-se a prever o
devido processo legal (art. 5º, LIV), o direito ao contraditório
e à ampla defesa (art. 5º, LV) e a inadmissibilidade de
provas ilícitas (art. 5º, LVI). O Código de Processo Penal, por
outro lado, prevê, na parte inicial do art. 156, que a prova
da alegação incumbirá a quem a fizer. Dessa forma, surgem
algumas indagações no que concerne à compreensão do
ônus da prova, especialmente quando se aborda a previsão
do Código de Processo Penal sem antes observar o que
dispõe a Constituição Federal.
Apontando esse equívoco da preponderância do
Código de Processo Penal em detrimento da Constituição
Federal, Rangel (2011, p. 498) destaca:
A doutrina, em maioria, ao estudar a divisão do
ônus probatório, sustenta que a divisão do ônus é
baseada no interesse da própria afirmação, ou
seja, o ônus compete a quem alega o fato. Trata-se
de uma visão exclusiva e isolada do art. 156 do
CPP, com redação da Lei 11.690/08, em
desconformidade com a Carta Política do País, pois
há que se fazer, hodiernamente, uma
interpretação conforme a Constituição.

Em outras palavras, é imprescindível que se observe a


norma processual (art. 156 do CPP) tendo como parâmetro a
Constituição Federal em sua integralidade – e não o
contrário –, haja vista a evidente posição de supremacia do
texto constitucional em relação ao ordenamento jurídico
infraconstitucional.
Destarte, entende-se que o princípio da presunção de
inocência produz impacto diretamente no ônus probatório, e
não o contrário. Não deve ser o princípio constitucional
afetado por uma previsão infraconstitucional de distribuição
do ônus, mas sim esta deve ser relida de acordo com aquele
princípio constitucional.
Contudo, há uma tentativa de inserir no processo
penal a lógica probatória do Processo Civil (art. 373 do CPC),
o que decorre da habitual adoção de uma teoria geral do
processo. Nesse caso, a cada polo da relação processual
caberia o ônus de demonstrar suas alegações, esquecendo-
se de que, no Processo Penal, as partes não são totalmente
iguais, porquanto a liberdade de uma (acusado) está em
evidência, enquanto a outra parte (acusação) não terá
nenhuma consequência negativa caso não confirme suas
alegações, nem mesmo um prejuízo de ordem financeira,
como normalmente ocorre no Processo Civil.
Como exemplo da incorreta distribuição do ônus
probatório, cita-se a seguinte decisão do Superior Tribunal
de Justiça (STJ), que atribui à defesa o ônus de provar a tese
de excludente de ilicitude:
(...)
3. De igual modo, cabe à defesa a provar sua tese
de excludente de ilicitude e/ou de culpabilidade.
Precedentes.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 871.739/PE, Rel. Ministro Arnaldo
Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em
18/11/2008, DJe 09/12/2008)
 
Como se observa na decisão do STJ – e em muitas
outras pelo Brasil –, os Juízes e Tribunais normalmente
consideram que as excludentes de ilicitude devem ser
provadas pela defesa. Em outras palavras, não seria
incumbência do Ministério Público provar que o acusado não
agiu amparado por uma excludente de ilicitude, mas sim da
defesa provar que, no caso concreto, estava presente uma
excludente e, por consequência, não se concretizou a
presença de todos os elementos da infração penal.
Esse entendimento merece inúmeras críticas. Não é
possível, a partir do princípio da presunção de inocência,
distribuir o ônus probatório, como se a acusação tivesse a
incumbência de provar a ilicitude e à defesa coubesse
provar a excludente. Mais perigoso ainda seria inverter o
ônus, desconsiderando que o MP precisa provar a ilicitude e
pressupondo apenas que a defesa deve provar a
excludente, como na sobredita decisão.
No âmbito do processo penal não cabe ao réu a prova
de sua inocência, mas sim ao Ministério Público provar a
acusação, em todos os seus termos, já que é o titular da
ação penal pública e possui esta prerrogativa/atribuição.
Nesse prisma, a defesa tem a possibilidade ou faculdade de
se manifestar como forma de fortalecer a presunção já
existente em favor do acusado, mas nunca terá o ônus ou o
dever processual de fazê-lo, ainda que sua alegação diga
respeito a eventual excludente.
Nesse ponto, tem razão Guarnieri (1952, p. 305) ao
afirmar que “incumbe a la acusación la prueba positiva, no
sólo de los hechos que constituyan el delito, sino también
de la inexistencia de los que le excluyan.”
A questão é muito simples: não é possível que o
Ministério Público prove a ilicitude sem demonstrar,
simultaneamente, que não se aplica ao caso nenhuma das
excludentes de ilicitude. Caso não prove isto, não estará
provado aquilo. Algo não pode ser (ilicitude) se algo o
impede de ser (excludente).
Trata-se de uma questão não apenas jurídica, mas
também lógica, considerando que, para que a acusação
prove que o fato é típico, ilícito e culpável, deve demonstrar
que não há uma excludente que afaste algum dos
elementos da infração penal.
Há um equívoco ao se afirmar que a acusação não tem
a atribuição de provar a inocorrência da excludente de
ilicitude. Ora, sendo ônus da acusação provar que estão
presentes todos os elementos da infração penal, deve
provar também que não há nada que desconstitua o crime,
como uma excludente de ilicitude.
A única consequência da inércia da defesa é a perda
de uma circunstância favorável, qual seja, o fortalecimento
da alegação de uma excludente de ilicitude e uma maior
possibilidade de absolvição. Em sentido idêntico, Aroca
(1997, p. 153) entende que “el acusado no necesita probar
nada, siendo toda la prueba de cuenta de los acusadores,
de modo que si falta la misma ha de dictarse sentencia
absolutoria.”
Aliás, nem mesmo o caráter indiciário da ilicitude é
suficiente para atribuir ao acusado o ônus de provar sua
inocência. Se a acusação consegue provar que o fato é
típico e, portanto, indiciário de ilicitude, ao réu continua
atribuída uma presunção de inocência, que não é desfeita
apenas por indícios de que a conduta também é ilícita. Com
efeito, indícios de ilicitude não afastam a presunção de
inocência, tampouco são sinônimo de prova da ilicitude em
sua integralidade (positiva e negativamente), ou seja,
presença de ilicitude e ausência de excludentes.
Em suma, cabe exclusivamente à acusação provar que
o fato é típico, ilícito e culpável, bem como a ausência de
excludentes de ilicitude.
Atribuindo o ônus da prova exclusivamente à
acusação, deve-se concluir que a defesa pode permanecer
inerte e deixar de produzir provas? Não! O debate sobre o
ônus da prova não pode legitimar uma defesa fraca e
desinteressada.
Conforme ressalta Oliveira (2008, p. 20-21):
(...) será à Defesa Criminal que incumbe a tarefa
de promover o descondicionamento do processo
penal, logo nas suas fases preliminares. Porquanto,
interessa à Defesa que as entidades judiciárias se
debrucem – investigando e analisando – sobre os
factos e as circunstâncias que mais favorecem o
ponto de vista do arguido.
 
Ainda que se entenda, como propomos aqui, que o
ônus da prova é exclusivo da acusação, o Advogado ou
Defensor Público deverá atuar como se precisasse provar a
inocência, buscando provas que justifiquem suas alegações
e contrariem a versão acusatória. Afinal, é provável que o
Juiz ou Tribunal adote o entendimento de que a prova da
acusação incumbe a quem a fizer (art. 156 do CPP).
 

7.3. A investigação direta pelo Ministério


Público
 
Admitir que a parte acusadora (Ministério Público)
investigue os fatos é um fator determinante para, da
mesma forma, aceitar que a defesa realize a sua própria
investigação. Noutros termos, com a aceitação da
investigação direta pelo Ministério Público, deve-se aceitar
também a investigação instaurada e conduzida pela defesa.
Sobre o Ministério Público, o STF, no RE 593.727,
decidiu o seguinte:
(...)
4. Questão constitucional com repercussão geral.
Poderes de investigação do Ministério Público. Os
artigos 5º, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e
144, inciso IV, § 4º, da Constituição Federal, não
tornam a investigação criminal exclusividade da
polícia, nem afastam os poderes de investigação
do Ministério Público. Fixada, em repercussão
geral, tese assim sumulada: “O Ministério Público
dispõe de competência para promover, por
autoridade própria, e por prazo razoável,
investigações de natureza penal, desde que
respeitados os direitos e garantias que assistem a
qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob
investigação do Estado, observadas, sempre, por
seus agentes, as hipóteses de reserva
constitucional de jurisdição e, também, as
prerrogativas profissionais de que se acham
investidos, em nosso País, os Advogados (Lei
8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III,
XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade –
sempre presente no Estado democrático de Direito
– do permanente controle jurisdicional dos atos,
necessariamente documentados (Súmula
Vinculante 14), praticados pelos membros dessa
instituição”. Maioria. (...)
(RE 593727, Relator: CEZAR PELUSO, Relator p/
Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado
em 14/05/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-175 DIVULG
04-09-2015  PUBLIC 08-09-2015)
 
Na tese fixada, observamos que:
o Ministério Público pode promover, por
autoridade própria, investigações de natureza
penal;
a investigação deve ter duração razoável;
exige-se o respeito aos direitos e garantias que
assistem a qualquer indiciado ou a qualquer
pessoa sob investigação do Estado;
devem ser observadas as hipóteses de reserva
constitucional de jurisdição;
exige-se o respeito às prerrogativas profissionais
dos Advogados;
é possível o permanente controle jurisdicional dos
atos.
Entendemos pertinente a utilização dessas
características e limitações da investigação direta pelo MP
como parâmetro para a investigação criminal defensiva,
ainda que com algumas adequações.
Da mesma forma que o MP pode promover as
investigações, o Advogado e o Defensor Público também
devem ter o poder de instaurar e conduzir uma investigação
em favor do constituinte ou assistido.
No que concerne ao prazo, por não se tratar de
instrumento para submissão de alguém a um processo
criminal – mas sim para sua defesa –, devemos entender
que a investigação defensiva não deve ter um prazo fixo,
podendo durar enquanto permanecer a sua
utilidade/necessidade.
Sobre o respeito aos direitos e garantias, trata-se de
uma exigência imposta a todo e qualquer procedimento.
Deve-se ter cuidado, especialmente, quanto à privacidade,
ao patrimônio e ao direito ao silêncio, sobretudo, neste
caso, quando se trata de testemunha que tem o risco de se
autoincriminar.
A reserva constitucional de jurisdição, exigência de
ordem judicial para determinadas medidas, é um limite
imposto também ao Advogado, que não poderá praticar
atos que a Constituição determina que dependem de prévia
decisão judicial. Excepcionalmente, caso exista o
consentimento do titular do direito, será possível a prática
do ato (ex.: ingresso em residência).
Em relação ao respeito às prerrogativas da Advocacia,
deve-se destacar que a investigação criminal defensiva se
trata de um procedimento instaurado e conduzido por um
Advogado, isto é, pelo titular de tais prerrogativas. Ademais,
há uma relação entre o cliente e o Advogado, exigindo-se o
sigilo deste, que somente dará publicidade aos resultados
da investigação quando for expressamente autorizado por
aquele.
Por fim, a inafastabilidade da jurisdição também é
aplicável aos atos da investigação criminal defensiva. O art.
5º, XXXV, da Constituição Federal, prevê que “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
a direito”. Se, na condução da investigação, o Advogado
praticar algum ato ilícito, a pessoa prejudicada poderá
provocar o Judiciário na seara cível ou criminal (ação penal
privada) ou comunicar o fato à autoridade policial ou ao
Ministério Público para que, se for o caso, seja oferecida
denúncia relativa a eventual crime (ameaça, por exemplo).
A Resolução n. 181, de 7 de agosto de 2017, do
Conselho Nacional do Ministério Público, trata das regras da
investigação direta, que é instrumentalizada no
procedimento investigatório criminal (PIC). Trata-se de mais
um parâmetro para a investigação criminal defensiva.
Por meio do amparo jurisprudencial e no CNMP, a
investigação direta pelo Ministério Público se desenvolveu
rapidamente. Conforme Bulhões (2019, p. 78-79):
Proliferaram-se os chamados Procedimentos (ou
‘peças’) Internas de Investigação Criminal (PIIC’s),
bem como se treinou e qualificou o quadro de
membros e servidores com o uso de técnicas
especiais e tecnologias avançadas, notadamente
por meio do incremento dos GAECO’s e CAOP’s, e
da utilização de agentes e recursos de outras
forças de segurança pública.
 
Ao longo deste livro, traremos, sempre que necessário,
o tratamento dispensado ao PIC e como podemos adequá-lo
à investigação conduzida pelo Advogado.
Evidentemente, a atuação do Ministério Público na
condução de uma investigação exige – ou deveria exigir – a
observância de rigores ainda maiores que a investigação
conduzida por um Advogado. Afinal, como explica Lyra
(2009, p. 13) ao abordar a atuação dos Juízes, a
“responsabilidade de quem responsabiliza seus semelhantes
deve ser a mais rigorosa, a mais efetiva, a mais constante.”
 

7.4. A Lei do Detetive Particular


 
A Lei n. 13.432, de 11 de abril de 2017, trata do
exercício da profissão de detetive particular, dispondo sobre
limites, proibições, deveres, direitos e outros pontos.
Uma análise aprofundada dessa Lei fugiria dos
objetivos da presente obra, que tem como tema a
investigação criminal defensiva. Destarte, analisaremos
apenas alguns pontos que podem contribuir para a
compreensão acerca da investigação realizada pela defesa.
O art. 2º da referida Lei afirma que:
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se detetive
particular o profissional que, habitualmente, por
conta própria ou na forma de sociedade civil ou
empresarial, planeje e execute coleta de dados e
informações de natureza não criminal, com
conhecimento técnico e utilizando recursos e
meios tecnológicos permitidos, visando ao
esclarecimento de assuntos de interesse privado
do contratante.
 
No que tange à seara criminal, o art. 5º disciplina o
seguinte:
Art. 5º O detetive particular pode colaborar com
investigação policial em curso, desde que
expressamente autorizado pelo contratante.
Parágrafo único. O aceite da colaboração ficará a
critério do delegado de polícia, que poderá admiti-
la ou rejeitá-la a qualquer tempo.
 
De início, observa-se que o detetive particular precisa
de expressa autorização do contratante para colaborar com
a investigação policial. A Lei não aborda a questão sobre a
investigação criminal defensiva, mas podemos pressupor
que seria admissível a sua colaboração, especialmente
porque o contratante provavelmente utilizará os serviços do
Advogado – presidente da investigação defensiva – e do
detetive.
Da mesma forma que o art. 14 do CPP concede
discricionariedade ao Delegado para realizar ou não as
diligências requeridas, a colaboração do detetive particular
também ficará a critério da referida autoridade policial.
Por sua vez, o art. 7º afirma que o detetive particular é
obrigado a registrar em instrumento escrito a prestação de
seus serviços. Sugerimos que a mesma providência seja
tomada pelos Advogados, por meio de contrato de
prestação de serviços advocatícios que tenha, na cláusula
do objeto, a menção à investigação criminal defensiva.
É sabido que a atividade do detetive particular não
será sempre segura. Por esse motivo, o art. 8º, parágrafo
único, prevê que é facultada às partes a estipulação de
seguro de vida em favor do detetive particular, que indicará
os beneficiários, quando a atividade envolver risco de
morte.
O art. 9º afirma que, ao final do prazo para a execução
dos serviços profissionais, o detetive particular entregará ao
contratante ou a seu representante legal, mediante recibo,
relatório circunstanciado sobre os fatos e informações
coletados. O relatório deverá conter os procedimentos
técnicos adotados, a conclusão em face do resultado dos
trabalhos executados e, se for o caso, a indicação das
providências legais a adotar, assim como a data,
identificação completa do detetive particular e sua
assinatura.
Apesar da ausência de previsão legal sobre a
elaboração de relatório em que o Advogado detalha sua
atuação para o cliente, é possível aderir a essa prática na
investigação defensiva, entregando ao constituinte o
relatório de conclusão da investigação ou um relatório
específico que tenha o objetivo único de detalhar, em
linguagem simples – porque destinada ao cliente –, os atos
praticados no procedimento.
No art. 10, a Lei prevê algumas vedações ao detetive
particular, como, por exemplo, a proibição de aceitar ou
captar serviço que configure ou contribua para a prática de
infração penal ou tenha caráter discriminatório. Também é
vedado, entre outras coisas, participar diretamente de
diligências policiais e de divulgar os meios e os resultados
de coleta de dados e informações a que tiver acesso no
exercício da profissão, salvo em defesa própria. Como
veremos, a investigação defensiva também tem algumas
limitações, incluindo o sigilo.
Os deveres do detetive particular estão previstos no
art. 11 da referida Lei, chamando a atenção a preservação
do sigilo das fontes de informação, o respeito aos direitos
das pessoas (intimidade, privacidade, honra e imagem), a
necessidade de prestar contas ao cliente e a restituição ao
contratante, findo o contrato ou a pedido, de documento ou
objeto que lhe tenha sido confiado.
No que concerne aos direitos do detetive particular, o
art. 12 aborda, entre outros, a possibilidade de recusar
serviço que considere imoral, discriminatório ou ilícito e
renunciar ao serviço contratado, caso gere risco à sua
integridade física ou moral.
Como veremos adiante, inúmeras questões da
regulamentação da atividade do detetive particular são
semelhantes à regulamentação presente no Provimento n.
188/2018 do Conselho Federal da OAB, especialmente
quanto aos deveres.
Na condução da investigação criminal defensiva, o
Advogado também deverá estar atento, da mesma forma
que o detetive particular, para não praticar condutas que
configurem ou contribuam para a prática de infrações
penais.
Sobre a participação direta em diligências policiais,
antes de se debater a (im)possibilidade, urge ressaltar uma
provável indisposição da autoridade policial para aceitá-la.
Na prática, as chances de aceitação da participação do
Advogado em diligências policiais são mínimas. Em algumas
diligências, como a lavratura de prisão em flagrante, a
presença do Advogado será crucial para a legalidade do ato.
Em outras situações, como busca e apreensão na residência
do investigado, o Advogado será, no máximo, tolerado.
De qualquer sorte, a participação do Advogado nas
diligências policiais consiste em uma aferição da sua
legalidade, podendo requerer diligências e questionar atos,
inclusive judicialmente.
Observa-se, por fim, que a atuação do detetive
particular não reflete a totalidade das possibilidades de uma
investigação defensiva. Com razão, Bulhões (2019, p. 55)
alerta que “a investigação defensiva deve ser sempre parte
de uma estratégia maior de defesa, não se confundindo
com a atividade desempenhada nos termos da Lei Federal
n.º 13.432/2017.”
Destarte, a contratação de um detetive particular pode
ser relevante para determinada diligência, mas a
investigação defensiva abrange muitas outras
possibilidades, como a oitiva de testemunhas e a realização
de perícias.
Moraes e Pimentel Júnior (2018, p. 231) trazem uma
importante observação sobre a participação de detetives,
especificamente sobre o custo:
De fato, em que pese haver uma impressão inicial
de que a contratação de um detetive privado
estará restrita àquelas pessoas físicas ou jurídicas
que possam arcar com tais serviços, ao menos em
um plano teórico, instituições incumbidas da tutela
jurídica a necessitados como a Defensoria Pública
poderão, por intermédio de seus servidores de
apoio como oficiais e agentes de Defensoria,
desempenhar atividades similares às de detetive
quando necessário nos casos concretos em que o
órgão estiver funcionando.
 
Ainda que não se trate exatamente do exercício pleno
da atividade de detetive particular, é inquestionável que
alguns atos podem ser praticados por servidores da
Defensoria Pública ou, quanto à defesa privada, pelo próprio
Advogado ou seus colaboradores.
A pesquisa de informações e documentos, inclusive em
sites ou repartições públicas, não exige habilitação especial.
Limitar a prática desses atos a detetives particulares
constituiria violação à isonomia e a ampla defesa, porque
possibilitaria a instrução/fundamentação das alegações
apenas para quem tivesse disponibilidade financeira para
contratar os referidos profissionais.

7.5. O Estatuto da OAB


 
O Estatuto da OAB e da Advocacia (Lei n. 8.906, de 4
de julho de 1994) dispõe sobre inúmeras prerrogativas do
Advogado que fundamentam uma atuação artesanal e
efetiva na área criminal.
O art. 7º, XIII, dispõe que é direito do Advogado
examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e
Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de
processos findos ou em andamento, mesmo sem
procuração, quando não estiverem sujeitos a sigilo ou
segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com
possibilidade de tomar apontamentos. Na mesma linha, o
inciso XIV prevê como direito examinar, em qualquer
instituição responsável por conduzir investigação, mesmo
sem procuração, autos de flagrante e de investigações de
qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que
conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar
apontamentos, em meio físico ou digital.
O inciso XIV do art. 7º deve ser complementado pelos
§§ 11 e 12 do mesmo dispositivo legal:
§ 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade
competente poderá delimitar o acesso do
advogado aos elementos de prova relacionados a
diligências em andamento e ainda não
documentados nos autos, quando houver risco de
comprometimento da eficiência, da eficácia ou da
finalidade das diligências.
§ 12. A inobservância aos direitos estabelecidos no
inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou
o fornecimento de autos em que houve a retirada
de peças já incluídas no caderno investigativo
implicará responsabilização criminal e funcional
por abuso de autoridade do responsável que
impedir o acesso do advogado com o intuito de
prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do
direito subjetivo do advogado de requerer acesso
aos autos ao juiz competente.
 
Observa-se, portanto, uma possibilidade de
delimitação do acesso em caso de diligências em
andamento, havendo, no parágrafo seguinte, uma repressão
ao fornecimento incompleto de autos e ao fornecimento de
autos em que houve a retirada de peças já incluídas no
caderno investigativo.
Para exercer efetivamente o direito de defesa, o
Advogado deverá ter conhecimento das imputações, dos
elementos informativos e das provas que integram os autos
oficiais. É impossível se defender do que é desconhecido.
Por isso, a regra é a possibilidade de amplo acesso aos
autos, com a excepcionalíssima hipótese de restrição em
caso de diligências em andamento e ainda não
documentadas.
Pelo mesmo motivo, também é prevista a prerrogativa
de ter vista dos processos e retirá-los do cartório ou da
repartição, conforme os incisos XV ("ter vista dos processos
judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em
cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos
prazos legais") e XVI (“retirar autos de processos findos,
mesmo sem procuração, pelo prazo de dez dias”).
O art. 7º, XIX, do Estatuto da OAB, prevê o direito de o
Advogado recusar-se a depor como testemunha em
processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato
relacionado com pessoa de quem seja ou foi Advogado,
mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte,
bem como sobre fato que constitua sigilo profissional.
Conforme analisaremos, o sigilo é inerente à
investigação criminal defensiva, que exige várias cautelas
para a condução dos trabalhos, a obtenção de resultados e
a publicidade do seu teor.
As supracitadas prerrogativas da Advocacia, conquanto
não fundamentem direta e especificamente a investigação
criminal defensiva, instituem meios para o seu
desenvolvimento efetivo, mormente quanto ao acesso aos
autos oficiais (inquérito e processo) e à possibilidade de o
Advogado se recusar a depor como testemunha.
 
7.6. O Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB
 
O Provimento n. 188/2018 da OAB foi aprovado pelo
Conselho Federal em 11/12/2018 e publicado no Diário
Eletrônico da OAB no dia 31/12/2018. Ele regulamenta a
investigação realizada por Advogados.
Atualmente, a única regulamentação sobre a
investigação criminal defensiva no Brasil é o Provimento n.
188/2018 da OAB. No entanto, por não se tratar de
legislação, não vinculará Juízes, Delegados e membros do
Ministério Público, mas apenas os Advogados.
Explico: o Provimento é um ato da OAB, não tendo sido
editado por um Poder da República. Não tem, portanto, a
força normativa da Constituição (ou de suas emendas), das
leis (complementares ou ordinárias), das medidas
provisórias ou de qualquer outro ato que integre o processo
legislativo (art. 59 da Constituição Federal).
Portanto, o Provimento vincula somente os Advogados,
abordando, basicamente, a relação destes com os clientes
em caso de investigação criminal defensiva e como o
profissional poderá conduzir o procedimento. Noutros
termos, concede um poder – que poderia ser presumido a
partir do princípio da ampla defesa – e disciplina os
aspectos jurídicos e éticos, mas não impõe a sua
observância às autoridades públicas.
Por mais elogiável que seja a aprovação do
Provimento, há o risco de que, fora da Advocacia, não se
respeite o poder de investigar atribuído aos Advogados,
fazendo com que a regulamentação seja mais utilizada no
aspecto disciplinar pela OAB (para punir o Advogado que a
descumprir) do que como constrangimento das autoridades
que atuam na persecução penal. Cita-se, por exemplo,
eventual reclamação formulada pelo cliente à OAB,
argumentando que o seu Advogado juntou aos autos de um
processo documentos de que não tinha conhecimento e que
são relativos à questões íntimas ou privadas.
Por esses motivos, é fundamental que a
regulamentação seja feita não apenas por normas internas
da OAB, mas, principalmente, por alterações legislativas
que devem ser observadas e respeitadas pelas autoridades.
Esse também é o entendimento de Bulhões (2019, p.
73), que afirma que “precisa ser promulgado um marco
legal, que traga segurança jurídica definitiva, bem como
possa cogitar do alargamento das prerrogativas da
advocacia, no sentido melhor exercer a sua função
investigativa.”
De qualquer forma, o Provimento é um importante
parâmetro para a atuação do Advogado, devendo ser
utilizado como base da sua atuação na investigação
criminal defensiva. Afinal, esse poder decorreria
diretamente da Constituição, mormente dos princípios do
contraditório e da ampla defesa, assim como do Código de
Processo Penal, sobretudo da permissão para juntar
documentos nos autos, considerando que os resultados da
investigação (depoimentos, perícias, imagens etc.)
constituirão documentos que, se obtidos por meios lícitos,
podem e devem ser admitidos no processo penal.
 

7.7. O projeto do Novo Código de Processo


Penal
 
Atualmente, tramitam no Congresso Nacional projetos
de lei que instituem e disciplinam – ainda que
resumidamente – a investigação criminal defensiva.
No dia 22 de abril de 2009, o Senador José Sarney
(PMDB/AP) apresentou o Projeto de Lei do Senado n.
156/2009, que dispõe sobre a reforma do Código de
Processo Penal. A sua aprovação em Plenário ocorreu em
dezembro de 2010, sendo posteriormente remetido à
Câmara dos Deputados, tornando-se o PL n. 8.045/2010.
O texto original do PLS n. 156/2009 abordava a
investigação criminal defensiva no art. 14, facultando ao
investigado, por meio de seu Advogado ou de outros
mandatários com poderes expressos, tomar a iniciativa de
identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo
inclusive entrevistar pessoas. Também disciplinava que as
entrevistas deveriam ser precedidas de esclarecimento
sobre seus objetivos e do consentimento das pessoas
ouvidas.
No dia 7 de dezembro de 2010, o Deputado Federal
Miro Teixeira, do PDT/RJ, apresentou à Câmara dos
Deputados o Projeto de Lei que “Institui o Código de
Processo Penal”, o qual recebeu a numeração 7987/2010.
Esse projeto foi apensado ao PL n. 8045/2010, da mesma
forma que mais de 300 outros projetos.
No PL n. 8045/2010, a regulamentação da investigação
criminal defensiva é feita nos seguintes termos:
Art. 13. É facultado ao investigado, por meio de
seu advogado, de defensor público ou de outros
mandatários com poderes expressos, tomar a
iniciativa de identificar fontes de prova em favor
de sua defesa, podendo inclusive entrevistar
pessoas.
§ 1º As entrevistas realizadas na forma do caput
deste artigo deverão ser precedidas de
esclarecimentos sobre seus objetivos e do
consentimento formal das pessoas ouvidas.
§ 2º A vítima não poderá ser interpelada para os
fins de investigação defensiva, salvo se houver
autorização do juiz das garantias, sempre
resguardado o seu consentimento.
§ 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o juiz das
garantias poderá, se for o caso, fixar condições
para a realização da entrevista.
§ 4º Os pedidos de entrevista deverão ser feitos
com discrição e reserva necessárias, em dias úteis
e com observância do horário comercial.
§ 5º O material produzido poderá ser juntado aos
autos do inquérito, a critério da autoridade policial.
§ 6º As pessoas mencionadas no caput deste artigo
responderão civil, criminal e disciplinarmente pelos
excessos cometidos.
 
De início, observa-se que foi adicionado o Defensor
Público ao lado do Advogado e de outros mandatários com
poderes expressos. Concordamos com essa alteração, haja
vista que deve ser plenamente admitida – e até incentivada
– a instauração e condução de uma investigação defensiva
por membro da Defensoria Pública.
A utilização do referido procedimento pela Defensoria
Pública é crucial para consolidar a ampla defesa, porquanto
se trata de instituição essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica, a promoção
dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial
e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma
integral e gratuita, aos necessitados (art. 134 da
Constituição Federal). Se não fosse possível que a
Defensoria investigasse em favor dos seus assistidos,
haveria desigualdade entre os poderes das defesas
realizadas por Advogado e Defensor Público, prejudicando,
portanto, os investigados e réus. Por esse motivo,
defendemos não apenas a permissão, mas também o
incentivo a essa forma de atuação.
O §2º apresenta uma limitação, que consiste na
impossibilidade de interpelar a vítima na investigação
criminal defensiva, salvo se tiver autorização judicial e o seu
consentimento. Na autorização, o Juiz poderá fixar
condições para a entrevista (§3º).
De fato, a inserção da vítima na investigação criminal
defensiva gera muitos receios e necessita de alguns
cuidados que reduzam os riscos de que o convite para a sua
oitiva pareça ser uma tentativa de intimidação.
Acreditamos, contudo, que é uma limitação que prejudica o
principal objetivo da investigação defensiva: a efetivação da
ampla defesa.
Para não prejudicar a defesa, é imperativo que o
Advogado participe do depoimento da vítima no inquérito
policial, com possibilidade de formular as perguntas que
entender pertinentes.
O §4º apresenta algumas condições para o pedido de
entrevista, quais sejam, discrição, reserva e apenas em dias
úteis, com observância do horário comercial. Consideramos
que esse parágrafo, apesar de integrar um projeto de lei,
deve ser considerado como parâmetro de atuação para os
Advogados desde já. Evidentemente, por não se tratar de
legislação em vigor, trata-se, ainda, de mera
recomendação, servindo como um possível parâmetro que
pode evitar riscos desnecessários.
O §5º representa um retrocesso, por considerar que o
material produzido poderá ser juntado, a critério da
autoridade. Mantém-se, portanto, a discricionariedade que
já existe quanto aos requerimentos de diligências (art. 14
do CPP), o que em nada contribui para a efetivação da
ampla defesa.
Entendemos que seria muito importante a previsão da
discricionariedade do Advogado quanto a juntar ou não o
material produzido. Afinal, por respeito ao direito de não se
autoincriminar, não existe o dever de juntar provas
contrárias ao investigado ou réu. Infelizmente, o projeto
trata da (perigosa) discricionariedade da autoridade policial,
mas desconsidera a discricionariedade da defesa técnica.
Por fim, o §6º prevê a responsabilização civil, criminal e
disciplinar pelos excessos cometidos na condução da
investigação defensiva.
Ainda que o projeto seja tímido e não contemple toda a
complexidade inerente à investigação criminal defensiva,
deve-se reconhecer que sua aprovação seria um avanço
para o exercício da ampla defesa, em que pese a previsão
da discricionariedade da autoridade policial – o que permite
ocultar do inquérito policial elementos favoráveis à defesa –
e a falta de regulamentação dos outros meios que podem
ser empregados na investigação.
 

8. O conceito de investigação criminal


defensiva
 
O art. 1º do Provimento n. 188/2018 do Conselho
Federal da OAB prevê o conceito de investigação criminal
defensiva:
Art. 1° Compreende-se por investigação defensiva
o complexo de atividades de natureza
investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou
sem assistência de consultor técnico ou outros
profissionais legalmente habilitados, em qualquer
fase da persecução penal, procedimento ou grau
de jurisdição, visando à obtenção de elementos de
prova destinados à constituição de acervo
probatório lícito, para a tutela de direitos de seu
constituinte.
 
Conforme se observa, a investigação criminal
defensiva é composta de várias atividades, de modo similar
ao inquérito policial e à investigação direta realizada pelo
Ministério Público.
Trata-se de uma atividade desenvolvida pelo
Advogado, com ou sem a participação de terceiros
(funcionários, peritos, contadores etc.). Apesar de ser
possível conduzir a investigação sozinho, há casos em que a
participação de especialistas de outras áreas é essencial,
como nas situações em que são necessários conhecimentos
técnicos sobre medicina, engenharia, balística e outros
temas.
Quando o Advogado instaurar uma investigação
criminal defensiva referente a um crime ambiental, por
exemplo, é recomendável contratar um profissional que,
tendo o conhecimento especializado, ofereça serviços
técnicos e oriente sobre a realização da perícia nos autos
oficiais, informando quais quesitos devem ser formulados e,
após sua realização, demonstrando as críticas aos métodos
e referências.
O conceito previsto no Provimento também demonstra
a ampla possibilidade de utilização da investigação criminal
defensiva (“em qualquer fase da persecução penal,
procedimento ou grau de jurisdição”). Deve-se admitir sua
utilização em todos os momentos, incluindo a fase
inquisitorial, a instrução processual e a fase recursal.
Ademais, também será possível conduzir a investigação
defensiva antes mesmo de qualquer investigação oficial ou
após o trânsito em julgado, para fundamentar a revisão
criminal ou qualquer pedido ou defesa no âmbito do
processo de execução criminal.
Observa-se, assim, que a investigação defensiva não
permanece “presa” a determinada fase da persecução
penal, estando, na verdade, desvinculada do inquérito ou
processo criminal.
O conceito previsto no Provimento também é claro
quanto à finalidade da investigação criminal defensiva:
“visando à obtenção de elementos de prova destinados à
constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de
direitos de seu constituinte”.
A investigação defensiva tem o propósito de efetivar a
ampla defesa, sendo um procedimento que o Advogado ou
Defensor Público poderá utilizar para obter elementos que
favoreçam o investigado, réu ou apenado, devendo atuar de
acordo com os limites éticos e legais. Também poderá ser
utilizado em favor da vítima, com o objetivo de subsidiar a
atuação como assistente da acusação ou querelante.
 

9. Comparando com o inquérito policial


 
O estudo da investigação criminal defensiva deve
partir de investigações preliminares já existentes e
consolidadas, como o inquérito policial e a investigação
direta pelo Ministério Público. Assim, algumas comparações
são inevitáveis.
As investigações preliminares exigem um ato formal de
instauração (portaria), com a delimitação do objeto (fatos
apurados) e dos possíveis suspeitos. No mesmo ato,
normalmente se define a sequência das primeiras
diligências.
Os atos não são praticados apenas pela autoridade
que preside a investigação (Delegado, Promotor de Justiça
ou Procurador da República, conforme seja inquérito policial
ou investigação direta pelo MP Estadual ou Federal,
respectivamente). Muitas diligências são delegadas a
servidores da mesma instituição ou a especialistas de
outras instituições (peritos, por exemplo). As delegações
normalmente são feitas por meio de ordens de serviço ou
ofícios.
Após algumas diligências, é elaborado um relatório
descrevendo pormenorizadamente o método empregado, as
condições/circunstâncias e os resultados obtidos.
O desenvolvimento da investigação deve respeitar os
direitos e as garantias fundamentais constantes da
Constituição Federal e da legislação infraconstitucional.
Exige-se a observância, por exemplo, da reserva de
jurisdição, do direito ao silêncio, da preservação da
intimidade e de outros direitos igualmente relevantes.
No final, é elaborado um relatório de conclusão, com
uma breve explanação sobre as diligências realizadas na
investigação e a interpretação dos fatos apurados. Fala-se
que a finalidade do inquérito policial é subsidiar a
interpretação feita pelo acusador, que pode ser no sentido
de arquivamento, denúncia ou realização de novas
diligências.
No caso da investigação criminal defensiva, os
parâmetros são muito parecidos com o inquérito policial,
com algumas exceções.
Salienta-se, inicialmente, que o Advogado atuará por
meio de procuração, após a contratação feita pelo cliente,
que normalmente é investigado em um inquérito ou réu em
um processo criminal, mas também pode tratar-se de
vítima, caso tenha o objetivo de subsidiar o oferecimento de
uma queixa-crime ou a atuação como assistente da
acusação. Por outro lado, o inquérito policial terá início
mediante provocação ou de ofício, não tendo o desiderato
de tutelar a situação individual da vítima ou do autor do
fato.
O início da investigação defensiva também dependerá
de um ato formal, qual seja, o termo de instauração. Esse
ato será semelhante a uma portaria de instauração de
inquérito policial, devendo individualizar os fatos apurados e
as pessoas envolvidas, bem como, se for o caso, definir as
diligências iniciais.
Da mesma forma que uma investigação oficial não é
conduzida apenas pela autoridade que a instaurou
(Delegado, Promotor de Justiça ou Procurador da República),
também é possível que o Advogado, após a instauração da
investigação defensiva, conte com os serviços de outros
profissionais, especialmente quando forem necessários
conhecimentos específicos.
Sugere-se que, após as diligências da investigação
defensiva, sejam feitos relatórios descrevendo o que foi
feito, os métodos empregados e quais foram os resultados,
nos mesmos moldes das investigações policiais mais
complexas.
O Advogado deverá observar os limites constitucionais,
legais e éticos, não podendo, por exemplo, tomar medidas
que exijam decisão judicial (reserva de jurisdição) ou violar
direitos de outras pessoas. Por ser uma atividade ainda
pouco difundida e relativa a alguém que ocupa o papel de
investigado/réu, o cuidado deve ser maior para evitar riscos
indesejados, principalmente eventual responsabilização por
prática de crimes (coação no curso do processo, ameaça,
invasão de domicílio etc.).
Da mesma forma que nas investigações policiais, o
Advogado poderá elaborar um relatório de conclusão, o qual
não necessariamente será levado ao conhecimento de
terceiros. Em alguns casos, quando o relatório tiver o
escopo de apresentar reflexões sobre as teses e estratégias
defensivas, é aconselhável que não seja juntado aos autos
oficiais.
No que concerne à finalidade, pode-se fazer um
paralelo entre a utilização do inquérito policial para
subsidiar uma denúncia ou queixa-crime e a condução de
uma investigação defensiva para fundamentar uma queixa-
crime ou a atuação como assistente da acusação.
Entretanto, a investigação defensiva tem muitas outras
finalidades, como a defesa em um processo criminal e a sua
utilização para subsidiar habeas corpus, revisão criminal,
manifestações (pedidos ou defesas) na execução penal e
muito mais.
Dependendo da finalidade, a investigação defensiva
precisará ser mais contundente do que normalmente o é um
inquérito policial. Explico: normalmente, argumenta-se que
o inquérito precisa apenas ser suficiente para o
oferecimento e recebimento da inicial acusatória. Por outro
lado, uma investigação defensiva que tenha o objetivo de
subsidiar uma revisão criminal precisará ser extremamente
contundente para contribuir para a desconstituição da coisa
julgada, quando, segundo a jurisprudência, não se fala mais
em presunção de inocência, por já existir sentença
condenatória transitada em julgado.
Sobre a linha investigativa, entende-se que o inquérito
policial deveria adotar todos os caminhos possíveis para a
formação da opinio delicti, seja para o arquivamento, seja
para o oferecimento da denúncia. Na prática, o inquérito
policial normalmente segue uma linha mais acusatória,
principalmente por proporcionar poucas chances de
participação da defesa.
A investigação defensiva, por sua vez, tem uma
finalidade parcial, qual seja, favorecer o cliente (investigado
ou réu) e fundamentar teses e estratégias defensivas. No
caso de investigação desenvolvida em favor da vítima
(assistente da acusação ou querelante), busca-se a
construção ou o fortalecimento da versão acusatória.
Por derradeiro, o inquérito policial e a investigação
criminal defensiva não são obrigatórios para um processo
penal, em que pese o primeiro quase sempre acompanhe as
exordiais acusatórias. A investigação feita pela defesa não
apenas é uma faculdade, como também ainda é pouco
utilizada.
Apesar de ser dispensável, o inquérito policial deve ser
instaurado – inclusive de ofício (art. 5º, I, do CPP) – quando
a autoridade policial tiver conhecimento de algum fato
criminoso, devendo realizar as diligências necessárias, sob
pena de responsabilização administrativa e criminal
(prevaricação, por exemplo). A investigação defensiva,
como referido, é dispensável e sua instauração é
facultativa.
O inquérito policial tem prazo para ser encerrado (art.
10 do CPP), o que não ocorre em relação à investigação
criminal defensiva, que poderá ter a duração definida pelo
Advogado que a instaurou, de acordo com a necessidade de
obtenção de elementos e os momentos adequados para
levar os resultados aos autos oficiais. Defendemos, ainda,
que a investigação defensiva pode continuar durante todo o
processo, não havendo a obrigatoriedade de que, em algum
momento, seja encerrada, salvo quando não mais for
necessária.
A organização dos autos da investigação criminal
defensiva pode ser similar aos autos de um inquérito policial
ou de um processo, contendo folhas numeradas e uma
sequência cronológica de documentos. Os autos terão uma
capa e, no seu interior, o ato de instauração, termos de
depoimentos, relatórios, imagens, documentos, perícias e,
por fim, relatório de conclusão. No caso do inquérito policial,
tudo deverá ser levado aos autos oficiais. A investigação
defensiva, por outro lado, pressupõe uma avaliação do que
pode ser aproveitado e daquilo que, por irrelevância ou risco
de prejudicar o cliente, deve ser descartado.
Portanto, a condução e a organização da investigação
criminal defensiva seguem a mesma lógica dos inquéritos
policiais, termos circunstanciados, inquéritos civis públicos,
investigações diretas pelo Ministério Público etc. A diferença
mais evidente consiste no fato de que quem preside a
investigação defensiva não é uma autoridade pública –
tendo algumas limitações na sua atuação – e, normalmente,
sofre o estigma na persecução penal, como se estivesse
buscando a impunidade, e não exercendo o direito de
defesa.
Por essa razão, a investigação defensiva deve ser
preparada de modo a evitar retaliações das autoridades,
isto é, precisa ser formalizada e ter a instauração
devidamente comunicada à OAB, conduzindo-a com o
respeito aos direitos de terceiros e aos limites do exercício
de uma atividade que não tem poder de coerção.
Recomenda-se, ainda, que, sempre que possível, os atos
sejam gravados, evitando futuras alegações de excessos,
intimidações, ameaças ou coações exercidas pelo
Advogado.
 

10. Quais atividades podem ser objeto de


investigação criminal defensiva?
 
Da mesma forma que o inquérito policial e outras
investigações preliminares, há possibilidade de desenvolver
muitas atividades na investigação criminal defensiva, como:
juntada de documentos;
tomada de depoimentos;
acareações;
perícias;
obtenção de fotografias ou gravações;
análise de locais ou coisas para descrição;
reconhecimentos de pessoas;
reconhecimentos de coisas;
reconstituição de crime ou reprodução simulada
dos fatos;
auto de avaliação de coisa.
 
O Advogado definirá as atividades que devem ser
desenvolvidas de acordo com o caso concreto, analisando
os elementos que integram os autos oficiais e perquirindo
como afastar a versão acusatória e fundamentar a linha
defensiva.
Há crimes, como os patrimoniais, que poderão
demandar a elaboração de um auto de avaliação da coisa
subtraída. Outros, como os crimes de trânsito e de
homicídio, poderão exigir perícias complexas no local, no
veículo, na arma utilizada ou em uma pessoa.
Se houver questionamento sobre a autoria, o
reconhecimento de pessoa poderá ser útil. Noutro sentido,
em crimes que envolvam contratos ou imóveis, a obtenção
e a juntada de documentos é uma medida possível.
Tomar depoimentos pode ser útil em praticamente
todos e quaisquer tipos de crimes, podendo surgir, a partir
dos depoimentos, a necessidade de fazer acareações entre
testemunhas, vítima e testemunha, testemunha e
investigado ou vítima e investigado.
Há crimes que, pelo local em que supostamente foram
praticados (estabelecimento comercial, estacionamento ou
condomínio, por exemplo), podem ser provados ou
rechaçados por meio de gravações de câmeras de
segurança. Se for o caso, o Advogado poderá diligenciar
nesse sentido.
Durante o trâmite da investigação criminal defensiva,
normalmente surge a necessidade de realizar diligências
que, no início, não foram consideradas. O andamento das
investigações pode justificar um novo olhar sobre o que se
pretende produzir e quais resultados são necessários.
 
 

11. A investigação para subsidiar queixa-


crime
 
O art. 3º, parágrafo único, do Provimento n. 188/2018
do Conselho Federal da OAB dispõe:
Parágrafo único. A atividade de investigação
defensiva do advogado inclui a realização de
diligências investigatórias visando à obtenção de
elementos destinados à produção de prova para o
oferecimento de queixa, principal ou subsidiária.
 
Trata-se de uma previsão objetivando a realização de
uma investigação, conduzida por um Advogado, com o
desiderato de subsidiar o oferecimento de uma queixa-
crime, principal ou subsidiária.
Antes de abordarmos as diligências possíveis nesses
casos, devemos discorrer sobre questões práticas e elucidar
os aspectos classificatórios, principalmente sobre a
nomenclatura “investigação defensiva” para se referir às
diligências em favor das vítimas de crimes.
Bulhões (2019, p. 104) utiliza a seguinte classificação:
Para fins didáticos, portanto, propõe-se a seguinte
taxonomia, sendo encarada a investigação
defensiva (lato senso) como um gênero, do qual
fazem parte quatro espécies: i) investigação
defensiva stricto senso; ii) investigação defensiva
dos interesses das vítimas; iii) investigação
defensiva corporativa; e, ainda, iv) investigação
defensiva colaboracional.
 
Dessa forma, o autor chama de investigação defensiva
dos interesses das vítimas o procedimento que tem o
desiderato de subsidiar uma queixa-crime ou qualquer outro
ato em favor de quem teria sofrido a prática de uma
infração penal.
Adotando outra classificação, Silva (2019, p. 461)
afirma:
A investigação criminal defensiva, ou também,
para a defesa de interesses pode ocorrer por meio
de um inquérito defensivo, instrumento destinado
à coleta de informações em favor de suspeitos,
indiciados, acusados e condenados ou por meio de
um inquérito auxiliar, quando realizado pelo
querelante, vítima ou assistente de acusação.
 
As duas classificações possuem bons fundamentos,
mas, no presente livro, utilizaremos a expressão
investigação criminal defensiva como gênero, explicitando,
sempre que necessário, que se trata de procedimento em
favor de um investigado/réu ou de uma vítima.
Na prática, observamos que, quando se trata de
investigação de um crime sujeito à ação penal pública
(homicídio, roubo, furto, estupro, lavagem, tráfico de drogas
etc.), ainda que condicionada à representação (perigo de
contágio venéreo, ameaça, furto de coisa comum,
estelionato etc.), são realizadas muitas diligências, definidas
de ofício pela autoridade policial ou requisitadas pelo
Ministério Público. Nesses casos, a investigação – inquérito
policial ou termo circunstanciado – será analisada pelo
membro do Ministério Público, que avaliará se é caso de
arquivamento, oferecimento da denúncia ou realização de
novas diligências.
Por outro lado, tratando-se de crime de ação penal
privada (calúnia, difamação, injúria, esbulho possessório,
fraude à execução etc.), a investigação normalmente não é
muito aprofundada, limitando-se à oitiva da vítima e, se
possível, do autor do fato. Em regra, o Advogado que atua
em favor da vítima não postula diligências – às vezes, a
vítima não é informada sobre a necessidade de constituir
um Advogado ou procurar a Defensoria Pública – ou, quando
requer uma diligência, seu requerimento é indeferido. Em
seguida, aguarda-se o oferecimento da queixa-crime com
pouquíssimos elementos – o que pode gerar a rejeição da
inicial acusatória – ou o termo circunstanciado é enviado ao
Juizado Especial Criminal para a realização de audiência
preliminar.
Para evitar que a queixa-crime seja instruída apenas
com o boletim de ocorrência e com o objetivo de diminuir o
risco de rejeição da exordial acusatória, a investigação
criminal defensiva pode ser um excelente expediente.
Destarte, a investigação conduzida por um Advogado
teria o desiderato de subsidiar a acusação
instrumentalizada por uma queixa-crime, que pode ser
principal ou subsidiária. A classificação doutrinária da ação
penal explica adequadamente a diferença entre as duas
espécies e como a segunda tem um empecilho sobre o qual
devemos refletir.
É cediço que, como regra, a ação penal é pública, salvo
quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido
(art. 100 do CP).
No que concerne à queixa-crime principal, trata-se da
ação penal de iniciativa privada, ou seja, aquela que é
promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha
qualidade para representá-lo (art. 100, §2º, do CP). O
cabimento da queixa-crime como exordial acusatória
depende da mera análise da legislação, que contém, no
dispositivo que trata da conduta criminosa ou em outro
(normalmente no mesmo capítulo), expressões como
“somente se procede mediante queixa”, “depende de
queixa” ou outra similar (arts. 145, 161, §3º, 167, 179, 186,
I, 236, parágrafo único, e 345, parágrafo único, todos do
CP).
Por sua vez, a queixa subsidiária diz respeito à
permissão de que seja oferecida ação privada nos crimes de
ação pública, se esta não for intentada no prazo legal.
Significa, basicamente, o cabimento de uma queixa em uma
situação que originariamente dependeria de uma denúncia
oferecida pelo Ministério Público. Trata-se de uma hipótese
prevista no art. 5º, LIX, da Constituição Federal, inserida no
título que trata dos direitos e das garantias fundamentais.
No mesmo sentido, o art. 100, §3º, do CP, anuncia que a
ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de
ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia
no prazo legal.
A jurisprudência definiu o entendimento de que não é
cabível a ação penal privada subsidiária da pública em caso
de arquivamento do inquérito policial, conforme o STJ:
(...) 1. A ação penal privada subsidiária da pública
somente é cabível nos casos em que ficar
caracterizada a inércia do Ministério Público, por
não oferecer denúncia no prazo legal, não sendo
cabível nas hipóteses de arquivamento de
inquérito policial formulado por esse órgão e
acolhido pelo juiz (...) (AgRg no REsp 1477394/DF,
Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA
TURMA, julgado em 04/02/2016, DJe 23/02/2016)
 
(...) o pedido de arquivamento do inquérito não
caracteriza inércia do Parquet, razão pela qual não
abre a possibilidade de eventual oferecimento de
ação penal privada subsidiária da pública.
Precedentes.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no RMS 27.518/SP, Rel. Ministro MARCO
AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em
20/02/2014, DJe 27/02/2014)
 
Deve-se observar esse entendimento jurisprudencial
para evitar a rejeição da queixa-crime referente a uma ação
penal privada subsidiária da pública, evitando, além disso,
que se instaure uma desnecessária investigação criminal
defensiva.
Finalmente, constata-se que a investigação realizada
por um Advogado pode ser utilizada para subsidiar o
oferecimento de uma queixa-crime, seja no caso de ação
penal privada, seja na hipótese em que o Parquet não
oferece a denúncia no prazo legal.
Da mesma forma que o inquérito policial é dispensável
para o oferecimento da denúncia, também não é obrigatória
a instauração de uma investigação defensiva para o
oferecimento da queixa-crime. Havendo elementos
suficientes no inquérito policial ou no termo
circunstanciado, não haverá necessidade de que o
Advogado instaure a investigação. Ademais, se já tiver os
elementos à disposição (documentos, por exemplo),
independentemente de uma investigação defensiva, poderá
anexá-los à queixa-crime.
A investigação defensiva será recomendável, portanto,
nos casos em que:
inexistam elementos suficientes no inquérito
policial ou no termo circunstanciado e a
autoridade policial não defere os requerimentos
de diligências formulados pelo ofendido;
o ofendido não tenha os elementos à disposição,
necessitando, assim, de um procedimento para
produzir e documentar tudo que tenha o condão
de subsidiar a queixa-crime.
 

12. A investigação é privativa da


Advocacia
 
O art. 7º do Provimento n. 188/2018 do Conselho
Federal da OAB traz a previsão de que as atividades são
privativas da Advocacia:
Art. 7º As atividades descritas neste Provimento
são privativas da advocacia, compreendendo-se
como ato legítimo de exercício profissional, não
podendo receber qualquer tipo de censura ou
impedimento pelas autoridades.
 
A instauração e a condução de uma investigação
criminal defensiva são atos privativos da Advocacia.
Contudo, além da possibilidade de contar com profissionais
externos (especialistas de outras áreas), também se admite
que qualquer pessoa – especialmente o próprio investigado
ou réu – pratique alguns atos que também se inserem na
investigação defensiva.
Nesse sentido, Oliveira (2008, p. 31):
Aliás, não existem no nosso ordenamento jurídico
quaisquer limitações à actividade de ‘investigar
por conta própria’ ou por intermédio de terceiros,
pelo que podemos partir da afirmação de um
princípio geral da livre investigação dos factos,
coincidente com alguns dos direitos, liberdades e
garantias constitucionalmente consagrados, tais
como o direito à liberdade individual, o direito de
se informar e de ser informado livremente e sem
impedimentos, o direito à livre circulação, entre
outros.
E tal investigação por conta própria sucede com
frequência nos casos em que alguém pretende
descobrir o paradeiro de determinada pessoa,
obter informações sobre bens dos seus devedores,
inteirar-se do comportamento do seu cônjuge, etc.
 
Imaginemos, por exemplo, um investigado por crime
ambiental que, por conta própria, independentemente de
qualquer orientação de um Advogado ou Defensor Público,
contrate um profissional para fazer uma perícia e formular
um laudo sobre destruição ou dano a uma floresta
considerada de preservação permanente. Ora, além de não
haver impedimento para essa iniciativa, também não há
qualquer prejuízo quanto à validade e à veracidade do
laudo. Apenas seria exigível o filtro da defesa técnica –
Advogado ou Defensor Público – quanto às (des)vantagens
da juntada aos autos oficiais.
No que concerne à impossibilidade de receber
qualquer tipo de censura ou impedimento pelas
autoridades, duas observações devem ser feitas.
A um, é inegável que, como ato relativo ao exercício da
Advocacia, as prerrogativas previstas no Estatuto da OAB
são totalmente aplicáveis.
A dois, por se tratar de um Provimento aprovado pelo
Conselho Federal da OAB e sendo desprovido de caráter
legislativo, sua observância não pode ser exigida das
autoridades, o que pode gerar, infelizmente, a recusa
quanto ao recebimento dos resultados da investigação
defensiva. Evidentemente, entendemos que a possibilidade
de investigar e produzir elementos que corroborem a versão
do investigado/réu emana da Constituição Federal,
especificamente da ampla defesa, mas não podemos
desconsiderar a chance de rejeição desse argumento por
parte das autoridades que atuam na persecução penal.
 

13. Quem participa da investigação


criminal defensiva?
 
O primeiro e mais fundamental participante da
investigação criminal defensiva é o Advogado ou Defensor
Público que a instaura e conduz os trabalhos. Aliás, é nesse
sentido que o art. 7º do Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB define tais atos como privativos da
Advocacia.
Sobre outros profissionais que podem atuar na
investigação defensiva, o parágrafo único do art. 4º do
referido Provimento afirma que “na realização da
investigação defensiva, o advogado poderá valer-se de
colaboradores, como detetives particulares, peritos,
técnicos e auxiliares de trabalhos de campo.”
Inicialmente, deve-se observar que os profissionais
mencionados (detetives particulares, peritos, técnicos e
auxiliares de trabalhos de campo) fazem parte de um rol
meramente exemplificativo dos colaboradores que podem
prestar serviços na investigação defensiva.
Também é importante destacar que a participação de
colaboradores é uma faculdade do Advogado, ainda que, em
alguns casos, seja extremamente recomendável para a
obtenção de resultados satisfatórios.
Em um inquérito ou processo que tenha como objeto
um crime de homicídio, o Advogado poderá contratar um
especialista em balística, acidentes de trânsito, toxicologia,
traumatologia ou asfixiologia, dependendo da forma de
execução do crime.
Em caso de crime contra a ordem tributária ou
qualquer outro que envolva tributos, poderá valer-se dos
serviços de um contador.
Da mesma forma, caso seja necessário avaliar a
escrita (assinatura, letras de uma declaração etc.) de
alguém, poderá contratar um profissional que tenha
experiência em perícia grafotécnica. Inclusive, seria a
oportunidade de definir se é uma boa estratégia a juntada
de determinado documento aos autos oficiais (inquérito ou
processo), nos quais poderá ser realizada a perícia
determinada pelo Delegado ou Juiz.
Por meio de profissionais especializados, também será
possível questionar a materialidade do tráfico de drogas,
especialmente em relação à natureza, à forma de
apreensão, à cadeia de custódia e suas várias etapas (art.
158-B do CPP).
Tratando-se de uma imputação de crime ambiental,
pode-se contratar um perito ambiental, preferencialmente
com graduação em engenharia ambiental.
Em todos esses casos, o Advogado contratará os
especialistas para que realizem perícias e elaborem laudos
contendo a análise técnica e verdadeira sobre determinados
pontos. Por óbvio, não se deve contratar um profissional
para que ele “encontre um jeito” – ainda que por afirmações
falsas – de dizer algo favorável ao investigado/réu, mas sim
para que, com autonomia, ele avalie o objeto da perícia. Se
o resultado da perícia for desfavorável às alegações
defensivas, poderá ser desconsiderado, deixando de juntá-lo
nos autos oficiais.
Também é possível a contratação de um detetive
particular, expediente já utilizado em processos de Direito
de Família, mormente quando se trata de pedido de guarda
e/ou alimentos. Nesses casos, utiliza-se o serviço de um
detetive particular para demonstrar que a outra parte não
tem condições (emocionais, sociais etc.) de ficar com a
criança, no caso da guarda, ou que ostenta boas condições
financeiras (gastos excessivos, veículos caros etc.) para a
fixação dos alimentos.
No bojo de uma investigação criminal defensiva, nada
impede a utilização de um detetive particular para realizar
trabalhos de campo, como o acompanhamento de
testemunhas que estão se encontrando com a vítima ou seu
Advogado e recebendo orientações e/ou dinheiro para que
deponham contra o réu.
Em determinadas situações, a atividade do detetive
poderá desenvolver-se poucos minutos antes da audiência,
monitorando as testemunhas policiais no fórum e
demonstrando que os servidores do cartório lhes
forneceram cópias dos depoimentos prestados no inquérito
policial. Essa estratégia poderá contribuir para a diminuição
da credibilidade do depoimento ou como fator que afete a
estabilidade da testemunha que tenha tendência de
favorecer à acusação.
Imaginemos que uma testemunha tenha sido gravada
conversando com o Advogado da vítima antes da audiência.
O detetive entregou a cópia da gravação ao Advogado do
réu, que o contratara. Na audiência, o Advogado pergunta
para a testemunha se ela recebeu orientações sobre o que
deveria falar em seu depoimento. A testemunha nega que
tenha recebido orientações do Advogado da vítima e, em
seguida, é surpreendida pelo Advogado do réu, que entrega
ao Juiz a cópia da gravação, requerendo que seja juntada
aos autos. Possivelmente, o Juiz advertirá a testemunha
sobre o compromisso de dizer a verdade, a possibilidade de
responder por crime de falso testemunho e a chance de se
retratar.
Concluímos que, conforme as peculiaridades do caso
concreto e as estratégias defensivas adotadas, o Advogado
poderá avaliar a contratação de inúmeros profissionais que
tenham conhecimentos especializados e dominem os
métodos necessários para a obtenção dos resultados
pretendidos.
 

14. Momentos da investigação criminal


defensiva
 
De acordo com o art. 1º do Provimento, a investigação
defensiva pode ser realizada “em qualquer fase da
persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição”.
Portanto, a investigação defensiva poderia ser utilizada
durante o inquérito policial ou outra investigação conduzida
por alguma autoridade pública, depois do oferecimento da
denúncia, durante a instrução, antes ou depois da audiência
e em qualquer outro momento.
Insta salientar que o art. 231 do CPP permite a juntada
de documentos em qualquer fase do processo. Portanto, é
possível inclusive a juntada de elementos obtidos na
investigação defensiva no momento de apresentar os
memoriais, hipótese em que, normalmente, para garantir o
contrário, o Juiz determinará a intimação do Ministério
Público ou querelante para ter ciência dos documentos
juntados pela defesa.
O art. 1º do Provimento também menciona que é
cabível a investigação defensiva em qualquer
procedimento, o que significa que é possível utilizá-la no
procedimento comum ordinário, no sumário, no rito dos
crimes dolosos contra a vida, no Juizado Especial Criminal
(Lei n. 9.099/95), no procedimento da Lei de Drogas (Lei n.
11.343/2006), nos procedimentos relativos à competência
originária dos Tribunais e em qualquer outro procedimento.
Afinal, a ampla defesa, com todos os seus meios e recursos,
não tem limitações quanto ao procedimento.
No que concerne à possibilidade de realizar a
investigação defensiva em qualquer grau de jurisdição,
devemos ter uma interpretação ampla, no sentido de que
não se trata apenas de sua utilização durante a fase
recursal no Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal,
Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal,
mas também nos casos de competência originária desses
Tribunais.
Evidentemente, o fato de ser uma autorização criada
por um Provimento da OAB tem como consequência a
possibilidade de que esses Tribunais, na competência
originária ou recursal, não aceitem os elementos
informativos produzidos pelo Advogado na investigação
direta.
Ademais, sobre a competência recursal dos Tribunais
Superiores, também é importante considerar que há
entendimento jurisprudencial pacífico de que esses
Tribunais não analisam questões fático-probatórias.
Portanto, especificamente na fase recursal dos
Tribunais Superiores, podemos imaginar duas limitações:
possibilidade de que não aceitem os elementos
produzidos direta e isoladamente por um
Advogado, considerando que o Provimento da
OAB não tem caráter de lei;
entendimento jurisprudencial contra a análise de
fatos e provas nos recursos que tramitam nos
Tribunais Superiores.
 
Com essas limitações, seria recomendável realizar a
investigação defensiva o mais cedo possível, ainda durante
a tramitação do inquérito policial ou durante a instrução do
processo no primeiro grau.
Ainda quanto aos momentos da investigação
defensiva, de forma específica, o art. 2º do Provimento
afirma:
Art. 2º A investigação defensiva pode ser
desenvolvida na etapa da investigação preliminar,
no decorrer da instrução processual em juízo, na
fase recursal em qualquer grau, durante a
execução penal e, ainda, como medida
preparatória para a propositura da revisão criminal
ou em seu decorrer.
 
Trata-se de uma enumeração de várias possibilidades
de desenvolvimento da investigação defensiva, quais sejam:
na etapa da investigação preliminar (durante o
inquérito policial ou a investigação direta pelo
Ministério Público, por exemplo);
no decorrer da instrução processual em juízo;
na fase recursal em qualquer grau;
durante a execução penal;
como medida preparatória para a propositura da
revisão criminal;
no decorrer da revisão criminal.
 
Apesar de não ter sido mencionada no Provimento,
podemos considerar também a possibilidade de realização
de uma investigação defensiva antes de qualquer
procedimento extrajudicial ou judicial, isto é, antes mesmo
de ser instaurado um inquérito policial ou outra
investigação preliminar. Cita-se, por exemplo, a
investigação para colher elementos de prova antes de
registrar um boletim de ocorrência.
 

14.1. A investigação defensiva durante a


investigação oficial
 
Como é sabido, o inquérito policial é dispensável (arts.
12, 27, 39, §5º e 46, §1º, todos do CPP), mas, em regra, é
amplamente utilizado como procedimento para investigar e
subsidiar a exordial acusatória.
Ademais, prepondera o entendimento de que
eventuais vícios ocorridos no inquérito policial não
contaminam o processo, além de ser considerado um
procedimento pré-processual que não tem contraditório ou,
no mínimo, terá um contraditório diferido ou postergado.
Nesse sentido, o STJ:
(...)
I - É cediço que o inquérito policial é peça
meramente informativa, de modo que o exercício
do contraditório e da ampla defesa, garantias que
tornam devido o processo legal, não subsistem no
âmbito do procedimento administrativo
inquisitorial. Precedentes.
(...)
(RHC 57.812/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER,
QUINTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe
22/10/2015)
 
Outrossim, também é relevante asseverar que o
Ministério Público exerce o controle externo da atividade
policial (art. 129, VII, da Constituição Federal) e, como
titular da ação penal pública, tem grande ingerência na
investigação, inclusive com constantes manifestações sobre
diligências.
Ainda, a participação de Advogados no inquérito
policial é mínima, muitas vezes sem qualquer comunicação
para que participem da oitiva de testemunhas. O acesso aos
autos do inquérito policial, uma das questões mais básicas,
encontra obstáculos na prática, como a absurda exigência
de procuração, quiçá uma petição requerendo o acesso. Em
alguns lugares, chega-se a um absurdo ainda maior:
aguardar a deliberação do Delegado de Polícia sobre deferir
ou não o acesso do Advogado aos autos do inquérito.
Conquanto exista previsão de requerer diligências no
inquérito policial (art. 14 do CPP), é comum que se defenda
a discricionariedade do Delegado para deferir ou não as
medidas requeridas. Como regra, as chances de
deferimento dos pedidos de diligências formulados pelo
Advogado do investigado são mínimas.
Por esses motivos, o inquérito policial virou um
instrumento de busca incessante da autoria e da
materialidade, muitas vezes sem a consideração de outras
linhas de investigação que poderiam favorecer o
investigado e justificar, v. g., o arquivamento do inquérito.
Assim, a investigação defensiva pode funcionar como
um instrumento para efetivar a paridade de armas na
persecução penal, propiciando-a na fase de investigação,
mas posteriormente repercutindo na fase processual.
Nesse sentido, Oliveira (2008, p. 21) demonstra que a
atuação defensiva no inquérito repercutirá durante toda a
persecução penal:
Impulsionar o conhecimento da argumentação
contrária aos pontos de vista da Defesa, logo no
momento da Acusação, se este vier a ter lugar.
Pela intervenção da Defesa nas investigações
criminais e pela exploração das suas teses iniciais
por parte das autoridades judiciárias, o defensor
obterá ainda um precioso contributo para a
reavaliação da direcção da Defesa, em toda a sua
actuação subsequente. Isto, porque os resultados
das diligências de investigação requeridas
passarão a constar do Inquérito e, certamente,
sobre tais resultados as entidades judiciárias terão
de pronunciar-se.
 
Também é importante observar que aquilo que
interessa ao investigado não necessariamente estará
alinhado ao que as autoridades pretendem obter nas
investigações oficiais, motivo pelo qual pode ser difícil
contribuir para o inquérito policial se a contribuição não for
bem-vinda. Logo, não se deve apenas tentar participar
ativamente da investigação oficial, mas também instaurar e
presidir a própria investigação, qual seja, a investigação
criminal defensiva.
Além do inquérito policial, também seria admissível
realizar a investigação defensiva durante outras
investigações oficiais, como o inquérito policial militar, as
comissões parlamentares de inquérito e as investigações
relativas a autoridades com foro por prerrogativa de função.
Em tese, nada impediria a realização da investigação
defensiva durante o termo circunstanciado. Entrementes, a
forma como é lavrado, muitas vezes sendo concluído no
mesmo dia do fato, poderia ser um empecilho ao
desenvolvimento da investigação defensiva.
Da mesma forma, caso exista um procedimento que
apure fatos em outras áreas, mas que tenha o condão de
repercutir na seara criminal, como o inquérito civil público e
o procedimento administrativo disciplinar contra servidor
público, a investigação criminal defensiva poderá ser um
instrumento preparatório e uma estratégia de antecipação
contra eventual persecução penal.
Por derradeiro, as investigações oficiais podem ser
utilizadas como parâmetro de avaliação do que ainda
precisa ser produzido pela defesa, isto é, o Advogado ou
Defensor Público poderá, ao examinar os autos da
investigação oficial, traçar a estratégia da investigação
defensiva quanto às diligências que ainda precisam ser
desenvolvidas. Nas palavras de Oliveira (2008, p. 25), “pode
o arguido partir da avaliação que fez das investigações
judiciárias para a investigação de factos e recolha de meios
de prova, por sua conta, em sentidos que se lhe mostrem
convenientes”.
 
 

14.2. A investigação durante a instrução


processual
 
A investigação realizada pela defesa também pode ser
utilizada no decorrer da instrução processual em juízo, do
momento do oferecimento da denúncia até o momento
imediatamente anterior à prolação da sentença.
O cenário ideal seria encerrar a investigação defensiva
até o momento da citação, apresentando seus resultados
anexos à resposta à acusação, considerando que é possível
oferecer documentos nessa peça, com fulcro no art. 396-A
do CPP.
Contudo, nada impede que a defesa junte os
documentos posteriormente, antes ou depois da audiência.
Também poderia cogitar a apresentação dos documentos
relativos à investigação defensiva na peça de memoriais, o
que provavelmente faria o Magistrado determinar a
intimação do Ministério Público, quando não indeferisse a
juntada.
Juntar os resultados da investigação defensiva no
momento da audiência terá como vantagem estratégica
para a defesa a surpresa do Ministério Público, que não terá
conhecimento prévio de todo o contexto probatório.
Se o Juiz negar a juntada, será cabível habeas corpus
ou correição parcial, com fundamento no cerceamento da
defesa e no prejuízo causado ao réu, que consiste na
impossibilidade de apresentar documentos que
fundamentem sua versão.
 

14.3. A investigação na fase recursal


 
A investigação defensiva também pode ocorrer
durante a fase recursal, nos Tribunais de segundo grau ou
nos Tribunais Superiores.
Consideramos ter mais utilidade a investigação
defensiva realizada antes da fase recursal (no inquérito
policial ou durante a instrução) ou, no máximo, para instruir
eventual recurso. A investigação defensiva realizada
durante a fase recursal, que não admite produção de
provas, pode ser inócua.
De qualquer forma, poderíamos imaginar a realização
da investigação defensiva para instruir recurso em sentido
estrito (contra a decisão de pronúncia, por exemplo),
apelação, embargos infringentes e de nulidade, correição
parcial, recurso extraordinário, recurso especial ou qualquer
outro recurso.
Destaca-se, contudo, que a juntada de documentos na
fase recursal nem sempre é aceita pelos Desembargadores
e Ministros, mormente nos casos em que se pretenda uma
inovação fático-probatória. O art. 231 do CPP (“Salvo os
casos expressos em lei, as partes poderão apresentar
documentos em qualquer fase do processo”), em muitos
casos, é ignorado ou superado com base no argumento de
que se trata de prova protelatória ou irrelevante.
Há, contudo, jurisprudência no sentido de que é
possível a juntada de documentos na fase recursal, desde
que seja oportunizado o contraditório.
Em determinado caso apreciado pelo Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, a defesa juntou documentos
nas razões recursais, oportunidade em que o Ministério
Público requereu – sem sucesso – o desentranhamento:
(...) Nos termos da lei processual penal, salvo nos
casos expressos em lei, as partes, em qualquer
fase do processo, poderão juntar documentos (art.
231 do CPP). Defesa que, com as razões recursais,
juntou documentos que apenas retratam situação
exposta pela ré L.C.N. no interrogatório.
Documentação à que teve acesso o Ministério
Público, não havendo falar em prejuízo.
Desentranhamento indeferido. Preliminar
desacolhida. (...) (Apelação Criminal, Nº
70080810625, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de
Justiça do RS, Relatora: Fabianne Breton Baisch,
Julgado em: 24-06-2020)
 
O Superior Tribunal de Justiça também admite a
juntada de documentos em qualquer fase, nos termos do
art. 231 do CPP, desde que seja oportunizado o
contraditório:
(...)
2. De acordo com a jurisprudência deste Superior
Tribunal de Justiça, salvo nos casos expressos em
lei, no processo penal admite-se a juntada de
documentos posteriormente à instrução
processual, em atenção ao que estabelece o artigo
231 do Código de Processo Penal, desde que
assegurado o devido contraditório.
(...)
(AgRg no REsp 1543200/RS, Rel. Ministra MARIA
THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado
em 27/10/2015, DJe 13/11/2015)
 
Entretanto, há entendimento no sentido que a regra
prevista no art. 231 do CPP não é absoluta. Cita-se, por
exemplo, o seguinte julgado:
(...)
3. A regra insculpida no art. 231 do CPP, no qual se
estabelece que as partes poderão apresentar
documentos em qualquer fase do processo não é
absoluta, sendo que nas hipóteses em que forem
manifestamente protelatórias ou tumultuárias
podem ser indeferidas pelo magistrado.
(...)
(HC 250.202/SP, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD
(DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), Rel.
p/ Acórdão Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA,
julgado em 10/09/2013, DJe 28/11/2013)
 
O supracitado entendimento já foi reiterado em casos
mais recentes, como no AgRg no HC 504589/MG, julgado
pela Sexta Turma do STJ em 2019.
Isso significa uma ampla e subjetiva possibilidade de
que o julgador, entendendo que se trata de prova
“protelatória ou tumultuária”, indefira a juntada do
documento.
Diante dos entendimentos jurisprudenciais
supracitados, entendemos que, apesar da possibilidade de
juntada dos resultados da investigação criminal defensiva
na fase recursal, trata-se de uma estratégia arriscada,
sobretudo se houver chance de que o julgador interprete o
documento como prova protelatória. Tendo a possibilidade
de juntar os resultados da investigação durante o inquérito
policial ou a instrução criminal, é preferível que assim seja
feito, reduzindo os riscos de indeferimento da juntada.
 

14.4. A investigação defensiva na


execução penal
 
O Provimento da OAB menciona a possibilidade de
investigação defensiva durante a execução penal, fase em
que muitos imaginam, de forma equivocada, inexistir
produção probatória.
A primeira hipótese de realização da investigação
defensiva na execução penal seria em caso de apuração de
falta grave praticada durante o cumprimento da pena, como
a fuga ou o porte de aparelho telefônico (art. 50 da LEP).
Na prática, a passividade defensiva é amplamente
adotada no procedimento administrativo disciplinar (PAD)
que tramita no estabelecimento prisional e na audiência de
justificação perante o Juiz da Execução Penal. Imagina-se
que essas etapas são constituídas apenas pelo
interrogatório do apenado e pelas manifestações jurídicas
(Ministério Público e Advogado ou Defensor Público), o que
não é verdade.
Em ambas as fases (administrativa e judicial), a defesa
poderá produzir provas, juntar documentos, postular
diligências e requerer a oitiva de testemunhas, ainda que,
na prática, poucos tenham essa postura.
Dessa forma, se é possível produzir provas “dentro do
sistema” (no PAD ou na fase judicial), também é possível
produzir um acervo probatório por meio de uma
investigação defensiva conduzida pelo Advogado.
A investigação defensiva seria útil, v. g., para tentar
justificar a fuga do apenado, comprovando que ele sofreu
graves ameaças no interior do cárcere e que sua vida
estava em risco.
Uma dificuldade para a realização da investigação
defensiva seria o fato de que, como regra, eventuais
testemunhas que poderiam depor sobre o fato que ensejou
a apuração da falta grave seriam policiais penais (agentes
penitenciários) ou outros presos, o que, especialmente
quanto ao segundo grupo, tornaria inviável a tomada de
depoimentos no escritório do Advogado. Ainda que se
pretenda inquirir os outros presos no estabelecimento
prisional, outros obstáculos poderiam surgir, como a
discordância dos agentes de segurança e a irritação dos
Advogados que representam esses presos.
Se a oitiva de testemunhas se tornar inviável na
investigação criminal defensiva, será possível requerer a
oitiva no procedimento administrativo disciplinar ou na fase
judicial. De qualquer forma, existiriam outras opções, como
a juntada de documentos, mídias etc.
A investigação defensiva também seria cabível para
realizar diligências prévias ao pedido de detração penal,
sobretudo na identificação do tempo de prisão cautelar. Em
alguns casos, essa informação é facilmente encontrada por
meio de pesquisa nos autos ou na movimentação
processual. Em outros, o Advogado precisará perscrutar e
diligenciar para obter a informação.
Além disso, em caso de divergência na declaração dos
dias trabalhados para fins de remição, a investigação
defensiva poderá ser útil para comprovar que o apenado
cumpriu determinada carga horária trabalhando em
determinados dias da semana no interior do
estabelecimento prisional ou no trabalho externo.
Dependendo da simplicidade probatória, não será
necessário instaurar uma investigação defensiva, mas
apenas realizar uma diligência isolada.
Por fim, após a chamada Lei Anticrime (Lei n.
13.964/2019), foi incluído o §9º do art. 2º da Lei n.
12.850/2013, que diz:
§9º O condenado expressamente em sentença por
integrar organização criminosa ou por crime
praticado por meio de organização criminosa não
poderá progredir de regime de cumprimento de
pena ou obter livramento condicional ou outros
benefícios prisionais se houver elementos
probatórios que indiquem a manutenção do
vínculo associativo.
 
Sem entrar no mérito sobre a (in)constitucionalidade
do referido dispositivo, deve-se notar que a investigação
criminal defensiva poderá ser útil para demonstrar que não
se mantém o vínculo associativo. Também será cabível sua
utilização para contrariar os elementos probatórios que
integram o processo de execução criminal.
Esses são apenas alguns exemplos de utilização da
investigação criminal defensiva, não excluindo outras
possibilidades que, diante de um caso concreto, podem
justificar o uso do referido procedimento.
 

14.5. A investigação defensiva para a


revisão criminal
 
Conforme Lopes Jr. (2020, p. 1178), a revisão criminal
é:
(...) um meio extraordinário de impugnação, não
submetida a prazos, que se destina a rescindir
uma sentença transitada em julgado, exercendo
por vezes papel similar ao de uma ação de
anulação, ou constitutiva negativa no léxico
ponteano, sem se ver obstacularizada pela coisa
julgada.
 
Para o ajuizamento da revisão criminal, especialmente
quando há necessidade de produção de prova testemunhal,
entende-se que há necessidade de justificação criminal, que
consiste em um procedimento no juízo de primeiro grau
para realizar a inquirição da testemunha. Em seguida, os
autos da justificação seriam anexados à petição de
ajuizamento da revisão criminal.
Esse entendimento decorre do fato de que a revisão
criminal, que tramita no Tribunal, não tem uma fase de
produção de provas. Logo, eventuais provas deverão ser
constituídas no juízo de primeiro grau.
Nesse diapasão, poder-se-ia cogitar a investigação
defensiva como um substituto da justificação criminal,
utilizando-a para produzir os elementos que serão anexados
à petição de ajuizamento da revisão criminal. Seria uma
forma de evitar a dependência da pauta do Juiz de primeiro
grau e qualquer filtro arbitrário pelo Magistrado, que, para
omitir erros próprios ou de seus colegas, poderia conduzir a
justificação com certa indisposição.
Ocorre que a utilização da investigação defensiva para
instruir a revisão criminal – sem a realização da justificação
– dependeria da aceitação, pelos Tribunais, das provas
produzidas pelos Advogados.
Portanto, em busca de resultados, a recomendação
seria instaurar a investigação defensiva e, em seguida, com
a sua conclusão, utilizar seus resultados para instruir a
justificação, inclusive para a repetição de depoimentos já
colhidos no procedimento conduzido pelo Advogado. Em
seguida, utilizaria os resultados da justificação para instruir
a revisão criminal.
Nessa sequência, em primeiro lugar, utilizaria a
investigação defensiva para instruir a justificação.
Posteriormente, utilizaria a justificação para instruir a
revisão criminal.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por exemplo,
entendeu que seria incabível a justificação criminal, porque
a defesa a utilizou como se fosse uma investigação criminal
defensiva:
(...)
No caso, a Defesa técnica do Paciente busca, em
verdade, se valer do Poder Judiciário para
inaugurar verdadeira investigação criminal
defensiva, com o intuito de contraditar a linha
investigativa encampada pela autoridade policial
no inquérito policial que lastreou a denúncia
oferecida contra o Paciente e demais corréus, não
sendo essa a função da Justificação Criminal. 5.
Ordem denegada.
(TJ-DF 07084202020198070000 DF 0708420-
20.2019.8.07.0000, Relator: WALDIR LEÔNCIO
LOPES JÚNIOR, Data de Julgamento: 06/06/2019, 3ª
Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no
PJe: 10/06/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
 
Para instruir a justificação e/ou a revisão criminal, a
investigação defensiva pode ter inúmeros atos, como:
inquirição de testemunhas que pretendem alterar
seus depoimentos ou que não foram ouvidas no
processo;
obtenção de ata notarial para certificar
determinados fatos;
diligências para obtenção de documentos ou
mídias.
Considerando que a revisão criminal tem o desiderato
de desconstituir uma decisão com trânsito em julgado e que
suas hipóteses de cabimento estão previstas taxativamente
no art. 621 do CPP, deve-se conduzir a investigação criminal
defensiva de modo a subsidiar o fundamento selecionado.
Ademais, é necessário ter ciência de que a prova – quando
exigida – precisará ter força suficiente para superar a coisa
julgada, haja vista que na revisão criminal, conforme a
jurisprudência, não mais vigora a presunção de inocência.
Nas hipóteses do inciso I do art. 621 do CPP (“quando
a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da
lei penal ou à evidência dos autos”), não se fala em
avaliação de provas novas. Aliás, a hipótese prevista no
final do inciso (“contrária à evidência dos autos”) demanda
uma observação do conjunto probatório originário (aquele
que integra os autos da decisão condenatória), e não a
produção ou avaliação de novas provas, razão pela qual a
investigação defensiva não teria muita relevância/utilidade.
Diferentemente, para a hipótese prevista no inciso II do
art. 621 do CPP (“quando a sentença condenatória se fundar
em depoimentos, exames ou documentos
comprovadamente falsos”), é justificável e útil a instauração
e condução de uma investigação criminal defensiva. Afinal,
não é possível provar a falsidade da prova apenas no bojo
da revisão criminal. Exige-se que tal demonstração ocorra
previamente, tendo como base, por exemplo, uma
condenação por falso testemunho ou falsa perícia. Também
seria possível, por exemplo, por meio da confissão de uma
testemunha no sentido de que mentiu no processo
originário, com a devida apresentação de provas da versão
verdadeira.
O Advogado ou Defensor Público poderia utilizar a
investigação defensiva para subsidiar – como assistente da
acusação – a versão de que a testemunha cometeu o crime
de falso testemunho. Da mesma forma, poderia ouvir a
testemunha do processo originário no bojo da investigação
criminal defensiva, obtendo uma base suficiente para a
justificação criminal e, posteriormente, para a revisão
criminal. Mais do que apenas obter uma retratação da
testemunha, o ideal seria obter outras provas que
demonstrem a falsidade do depoimento anterior e a
veracidade do depoimento atual (ex.: documentos que
contrariem a versão falsa e provem a nova versão,
comprovantes de pagamento de vantagem indevida para
mentir no depoimento anterior, vídeos, imagens etc.).
Por fim, a hipótese prevista no inciso III do art. 621 do
CPP (“quando, após a sentença, se descobrirem novas
provas de inocência do condenado ou de circunstância que
determine ou autorize diminuição especial da pena”) é, por
excelência, uma situação clara de utilização da investigação
criminal defensiva, utilizando este procedimento como meio
de obtenção das provas de inocência ou de circunstância
que diminua a pena.
 

15. Finalidades da investigação


 
Em relação ao objetivo da investigação defensiva, o
art. 1º do Provimento afirma que o procedimento se destina
à “obtenção de elementos de prova destinados à
constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de
direitos de seu constituinte”.
De modo geral, a finalidade da investigação defensiva
é produzir elementos que poderão ser utilizados em
inquéritos ou processos, buscando favorecer o cliente.
O acervo probatório construído por meio da
investigação defensiva poderá ter várias finalidades
específicas, como:
absolvição (negativa de autoria, inexistência de
materialidade etc.);
nulidade (demonstração de alguma situação que
gere uma ilegalidade, por exemplo);
extinção da punibilidade (demonstrar
especificamente qual foi a data do fato ou do
conhecimento da autoria do fato, para alegar,
respectivamente, prescrição ou decadência);
provar fatos que afastem qualificadoras,
agravantes ou causas de aumento;
provar fatos que possibilitem o acolhimento de
privilegiadoras, atenuantes ou causas de aumento
de pena;
provar fatos que beneficiem o réu quanto à
análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do
Código Penal (ex.: conduta social).
 
Quanto à expressão “acervo probatório lícito”, destaca-
se que a investigação defensiva deve respeitar as restrições
constitucionais e legais.
Destarte, não se trata de um procedimento que
permite toda e qualquer ilegalidade em busca de provas.
Deve-se trabalhar dentro da legalidade, respeitando, por
exemplo, a inviolabilidade de domicílio e de comunicações,
assim como a proibição à tortura. Em outras palavras, a
finalidade é conseguir elementos probatórios, mas sem a
prática de crimes ou outras ilegalidades.
Quanto à destinação específica do acervo probatório
produzido por meio da investigação defensiva, o art.  3º do
Provimento prevê:
Art. 3° A investigação defensiva, sem prejuízo de
outras finalidades, orienta-se, especialmente, para
a produção de prova para emprego em:
I – pedido de instauração ou trancamento de
inquérito;
II – rejeição ou recebimento de denúncia ou
queixa;
III – resposta a acusação;
IV – pedido de medidas cautelares;
V – defesa em ação penal pública ou privada;
VI – razões de recurso;
VII – revisão criminal;
VIII – habeas corpus;
IX – proposta de acordo de colaboração premiada;
X – proposta de acordo de leniência;
XI – outras medidas destinadas a assegurar os
direitos individuais em procedimentos de natureza
criminal.
Parágrafo único. A atividade de investigação
defensiva do advogado inclui a realização de
diligências investigatórias visando à obtenção de
elementos destinados à produção de prova para o
oferecimento de queixa, principal ou subsidiária.
 
Não se trata de um rol taxativo, razão pela qual deve
ser admitida a investigação defensiva em outras hipóteses
não previstas no texto acima, especialmente em virtude da
abertura proporcionada pelo inciso XI.
Utilizando o supracitado rol como parâmetro,
analisaremos as principais finalidades específicas da
investigação defensiva.
 

15.1. Pedido de instauração de inquérito


policial
 
Representando o interesse da vítima de uma infração
penal, o Advogado poderá conduzir uma investigação
defensiva que tenha o escopo de subsidiar o pedido de
instauração de um inquérito policial.
Trata-se, portanto, de um caso de investigação
“defensiva” (seria uma defesa de direitos da vítima, mas
não para uma defesa no sentido processual, de ampla
defesa de um acusado) voltada para a acusação,
possivelmente com o objetivo de, futuramente, no processo,
atuar como assistente da acusação ou, se for crime de ação
penal privada, promover a queixa-crime como querelante.
Com base em elementos produzidos pelo Advogado na
investigação defensiva e juntados ao pedido de instauração
do inquérito policial dirigido ao Delegado de Polícia, este
poderá instaurar a investigação tendo, “ab initio”, uma linha
de raciocínio já estabelecida.
Para a vítima, a realização da investigação defensiva
com o escopo de instruir o pedido de instauração de
inquérito policial poderá reduzir significativamente os riscos
de eventual responsabilização criminal por denunciação
caluniosa (art. 339 do CP). Ao oferecer elementos razoáveis
e verdadeiros, pautados, v. g., por depoimentos de
testemunhas e documentos públicos, poder-se-ia supor que
o pedido de instauração do inquérito foi feito de boa-fé,
acreditando que o fato realmente ocorreu.
De qualquer forma, sempre é recomendável que o
Advogado anexe ao pedido de instauração de inquérito
policial uma declaração assinada pela vítima contendo a
narrativa sobre o fato. O mesmo cuidado também é válido
para instruir a queixa-crime.
Salienta-se que, a princípio, a instauração de um
inquérito policial não exige um conjunto probatório robusto,
o qual somente é exigido para eventual condenação e, em
menor intensidade, para o recebimento da denúncia ou
queixa. Na prática, apenas a palavra da vítima ou de uma
testemunha seria suficiente para a instauração do inquérito.
Portanto, deve-se ter cautela, haja vista que a
antecipação desnecessária de elementos que fundamentam
a acusação significaria conceder mais tempo para que a
parte contrária (in casu, o autor do fato) prepare a reação.
Urge destacar que o requerimento de instauração de
inquérito policial formulado por ofendido tem como
fundamento o art. 5º, II, in fine, do CPP. No §1º do art. 5º do
CPP, observamos o que o requerimento deverá conter (se
possível): a narração do fato, com todas as circunstâncias; a
individualização do indiciado ou seus sinais característicos e
as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor
da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; a
nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão
e residência.
Assim, para subsidiar o pedido de instauração de
inquérito policial, a investigação criminal defensiva poderá
ter como objetivo, entre outras coisas:
a compreensão do fato que deverá ser narrado;
provar a narrativa fática, isto é, a materialidade
do fato narrado no pedido de instauração de
inquérito;
descobrir quem é o autor do fato;
provar a autoria do fato;
obter testemunhas e a respectiva qualificação.
 
Nada impede que a investigação criminal defensiva
utilizada para subsidiar a instauração de um inquérito
policial continue tramitando durante toda a persecução
penal (inquérito e instrução processual). Caso se pretenda
atuar como assistente da acusação ou querelante, seria
recomendável esse prolongamento da investigação
defensiva.
 

15.2. Pedido de trancamento de inquérito


 
De acordo com Lopes Jr. (2020, p. 138), a investigação
preliminar “serve como filtro processual para evitar
acusações infundadas, seja porque despidas de lastro
probatório suficiente, seja porque a conduta não é
aparentemente criminosa”. Nesse diapasão, o Advogado
deve ressaltar esse filtro, buscando, quando cabível, o
trancamento do inquérito policial, evitando que tenha início
um processo penal teratológico.
Assim, é possível instaurar e conduzir uma
investigação defensiva em prol de um investigado/indiciado,
com o objetivo de evitar a tramitação de um inquérito
policial ilegal, sem justa causa ou que tenha como objeto
um fato que não é crime, seja qual for o fundamento
(atipicidade ou excludentes de ilicitude e culpabilidade, por
exemplo), ou que não seja punível (prescrição, por
exemplo).
Vale lembrar que, na prática, os requerimentos do
investigado feitos ao Delegado de Polícia, no bojo de um
inquérito policial, são diuturnamente indeferidos.
Prepondera a lógica de que se deve investigar a autoria e a
materialidade, praticamente inadmitindo qualquer linha de
investigação que possa desconstruir eventual versão
acusatória. Em outras palavras, na prática, há casos em que
o inquérito policial é feito para formar a versão acusatória,
somente encontrando elementos que justifiquem o
arquivamento por acaso ou “sorte/azar”.
Há casos de trancamento de inquérito policial que não
dependem de elementos informativos, como a atipicidade
formal e a prescrição. Por outro lado, há hipóteses de
trancamento de inquérito que precisam da demonstração
fática de determinada situação.
Para essa finalidade, a investigação defensiva poderá
ter como foco a produção de provas de que, por exemplo, a
conduta do investigado foi praticada em legítima defesa.
Também poderá ser utilizada para consolidar a falta de justa
causa ou a negativa de autoria. Além disso, poderá ser útil
em caso de alegação do princípio da insignificância, para
provar o valor do objeto subtraído, quando o auto de
avaliação produzido no inquérito policial for incorreto.
Em todos esses casos, a investigação poderá ser
utilizada, parcial ou totalmente, para instruir o habeas
corpus que tenha como objetivo o trancamento do inquérito
policial.
Salienta-se que também é cabível o arquivamento do
termo circunstanciado e, por conseguinte, o seu
trancamento.
Deve-se, sempre que possível, evitar o prolongamento
do sofrimento do investigado/réu na persecução penal, o
que pode demorar muitos anos de incontáveis reflexões
sobre a possibilidade de ser condenado – e qual será a pena
– ou absolvido. Assim, o trancamento do inquérito policial é
uma redução desse sofrimento.
Entretanto, às vezes, a tentativa de trancamento não
redunda em êxito, frustrando as expectativas do Advogado
momentaneamente. Se isso acontecer, não se deve
descartar a tese imediatamente, mas sim reconsiderar sua
utilização e, se for o caso, buscar novas provas que
reforcem a alegação.
 
15.3. Rejeição ou recebimento de
denúncia ou queixa
 
Essa hipótese prevê duas situações distintas quanto
aos interessados na condução da investigação defensiva:
rejeição da denúncia ou queixa: consiste em
objetivo do denunciado ou querelado, isto é, o
suposto autor ou partícipe da infração penal;
recebimento da denúncia ou queixa: trata-se de
objetivo da vítima, que poderá contribuir,
preferencialmente durante o inquérito, para que a
denúncia seja oferecida pelo Ministério Público e
recebida pelo Juiz, da mesma forma que poderá
utilizar a investigação defensiva para subsidiar a
queixa que pretende oferecer, nos crimes de ação
penal de iniciativa privada ou quando cabível a
ação penal privada subsidiária da pública.
Insta recordar que o art. 395 do Código de Processo
Penal prevê as hipóteses de rejeição da denúncia ou queixa:
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada
quando:
I - for manifestamente inepta;
II - faltar pressuposto processual ou condição para
o exercício da ação penal; ou
III - faltar justa causa para o exercício da ação
penal.
Assim, para a rejeição da exordial acusatória, a
investigação defensiva pode ter a finalidade de apresentar
questionamentos (contradições, omissões etc.) sobre os
elementos informativos produzidos no inquérito, tentando
evidenciar a falta de justa causa.
Noutra senda, a investigação defensiva dificilmente
será utilizada para os incisos I e II do art. 395 do CPP, haja
vista que são matérias que prescindem de aprofundamento
fático. A inépcia da denúncia, por exemplo, pode ser
percebida com a mera leitura da peça acusatória,
constatando que o Parquet não narrou os fatos
corretamente ou deixou de individualizar as condutas, em
caso de pluralidade de denunciados.
A contrario sensu, a denúncia ou queixa será recebida
quando não incidir em alguma das hipóteses do art. 395 do
CPP. Nesse caso, o Advogado da vítima poderá conduzir
uma investigação criminal defensiva para oferecer
elementos à autoridade policial ou ao Ministério Público,
objetivando o oferecimento e o recebimento da exordial
acusatória.
Quanto ao recebimento da queixa, o Advogado da
vítima – in casu, querelante – atua amparado também pelo
art. 3º, parágrafo único, do Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB, que prevê que a investigação
defensiva conduzida pelo Advogado abrange a realização de
diligências investigatórias com o objetivo de obter
elementos destinados à produção de prova para o
oferecimento de queixa, principal ou subsidiária. Ora, uma
consequência normal do oferecimento da queixa é a
pretensão de que ela seja recebida.
 

15.4. Resposta à acusação


 
A resposta à acusação pode ter várias finalidades,
como o reconhecimento de uma preliminar (v. g., a inépcia
da denúncia), a declaração da extinção da punibilidade (por
exemplo, a decadência ou a prescrição), a absolvição
sumária (art. 397 do CPP) ou os pedidos de produção de
provas durante a instrução, incluindo a apresentação do rol
de testemunhas.
Especificamente quanto ao pedido de absolvição
sumária, que dependeria, em muitos casos, da análise
fático-probatória, a investigação defensiva pode ter enorme
utilidade, especialmente quando o inquérito policial tiver
seguido apenas a linha investigativa da acusação.
Para tanto, deve-se observar o art. 397 do CPP:
Art. 397.  Após o cumprimento do disposto no art.
396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá
absolver sumariamente o acusado quando
verificar:
I - a existência manifesta de causa excludente da
ilicitude do fato;
II - a existência manifesta de causa excludente da
culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;
III - que o fato narrado evidentemente não
constitui crime; ou
IV - extinta a punibilidade do agente.
 
Logo, uma investigação defensiva destinada a instruir
a resposta à acusação e o respectivo pedido de absolvição
sumária deveria ter como desiderato a demonstração fática
de alguma das hipóteses do art. 397 do CPP.
Quanto às excludentes de ilicitude, o art. 23 do Código
Penal prevê a legítima defesa, o estado de necessidade, o
estrito cumprimento de um dever legal e o exercício regular
de um direito. Também existem outras excludentes
específicas de determinados crimes, na Parte Especial do
Código Penal ou na legislação penal especial.
Se o objetivo for reconhecer a legítima defesa, por
exemplo, a investigação defensiva poderá ser útil para
provar um ou mais elementos do art. 25 do Código Penal,
como o uso moderado dos meios necessários ou a prévia
agressão injusta da pretensa vítima.
No inciso II do art. 397 do CPP, a absolvição sumária
decorrente de excludente de culpabilidade (salvo
inimputabilidade) pode abranger o erro de proibição ou a
inexigibilidade de conduta diversa, sobretudo em caso de
fato cometido sob coação irresistível ou em estrita
obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior
hierárquico (art. 22 do CP).
Nesse prisma, poder-se-ia utilizar a investigação
defensiva para demonstrar que não havia a potencial
consciência da ilicitude do fato. Ademais, também seria
cabível a investigação defensiva para provar a existência de
uma coação moral que era insuperável (irresistível), assim
como o fato de ter agido seguindo estritamente a ordem
(provada, v. g., por documentos ou depoimentos) de um
superior hierárquico (provando por meio de documentos
funcionais/oficiais), quando tal ordem não era
manifestamente ilegal.
O inciso III do art. 397 do CPP consiste na absolvição
sumária proveniente do reconhecimento de que o fato é
atípico. Qual fato? Aquele narrado na denúncia ou queixa. A
princípio, essa hipótese prescinde de análise fático-
probatória, porquanto bastaria fazer um cotejo entre a
narrativa exposta na exordial acusatória e os tipos penais
previstos na legislação (principalmente aquele descrito na
peça da acusação), caso se trate de atipicidade formal. No
caso de pedido de aplicação do princípio da insignificância
(atipicidade material), é cabível a produção de elementos
que demonstrem o ínfimo valor da coisa, por meio, por
exemplo, de orçamentos e autos de avaliação.
Sobre o inciso IV do art. 397 do CPP, temos uma
hipótese que causa divergência, porque seria um caso em
que a extinção da punibilidade produziria uma absolvição,
algo não previsto no art. 386 do CPP, que trata dos casos de
absolvição após a instrução processual (na sentença).
Sem entrar no exame acerca de eventual falta de
técnica do legislador ao prever a extinção da punibilidade
como hipótese de absolvição sumária nessa etapa do
processo, devemos lembrar que as principais causas de
extinção da punibilidade estão no art. 107 do CP,
destacando-se, nesse momento, a prescrição e a
decadência.
Poder-se-ia cogitar a utilização da investigação
defensiva para esclarecer o marco inicial da decadência,
considerando que o art. 103 do CP prevê que a decadência
do direito de queixa ou de representação ocorre se o direito
não for exercido “dentro do prazo de 6 (seis) meses,
contado do dia em que veio a saber quem é o autor do
crime”. Portanto, a investigação defensiva poderia ter a
finalidade de provar que a suposta vítima tinha ciência de
quem é o autor do crime desde determinada data (anterior
àquela que consta na investigação oficial), tendo sido
superado o prazo decadencial.
Em qualquer caso, ainda que não se obtenha êxito
imediatamente após a resposta à acusação – quando o Juiz
salienta que não é caso de absolvição sumária e designa a
data da audiência de instrução –, será possível utilizar os
resultados da investigação defensiva também para a
instrução do habeas corpus direcionado ao respectivo
Tribunal, objetivando o trancamento do processo pelo
mesmo fundamento que poderia ter sido acolhido para a
absolvição sumária.
 

15.5. Pedido de medidas cautelares


 
A investigação defensiva para instruir pedido de
medidas cautelares se destina preponderantemente à
atuação da vítima, mormente como querelante ou
assistente da acusação.
Nessa hipótese, a vítima poderá, v. g., requerer o
sequestro de bens do investigado/réu, considerando que o
art. 127 do CPP prevê que o Juiz, de ofício, a requerimento
do Ministério Público ou do ofendido, ou mediante
representação da autoridade policial, poderá determinar o
sequestro, medida cabível em qualquer fase do processo,
bem como antes de oferecida a denúncia ou queixa.
A investigação defensiva poderá ter o propósito de
demonstrar que os bens imóveis foram adquiridos com os
proventos da infração (art. 125 do CPP), apresentando
“indícios veementes da proveniência ilícita dos bens” (art.
126 do CPP).
Também é importante destacar os arts. 134 e 135, §1º,
ambos do CPP:
Art. 134. A hipoteca legal sobre os imóveis do
indiciado poderá ser requerida pelo ofendido em
qualquer fase do processo, desde que haja certeza
da infração e indícios suficientes da autoria.
Art. 135. Pedida a especialização mediante
requerimento, em que a parte estimará o valor da
responsabilidade civil, e designará e estimará o
imóvel ou imóveis que terão de ficar
especialmente hipotecados, o juiz mandará logo
proceder ao arbitramento do valor da
responsabilidade e à avaliação do imóvel ou
imóveis.
§ 1o A petição será instruída com as provas ou
indicação das provas em que se fundar a
estimação da responsabilidade, com a relação dos
imóveis que o responsável possuir, se outros tiver,
além dos indicados no requerimento, e com os
documentos comprobatórios do domínio.
 
Nesse sentido, a investigação defensiva poderá ter
como finalidade a demonstração do prejuízo para a vítima –
e o respectivo valor – ou a existência de bens do
investigado/réu, de acordo com o art. 135, §1º, do CPP.
Para especificar o valor do prejuízo, o Advogado pode
valer-se de perícias e testemunhas, não desconsiderando
que o arbitramento do valor da responsabilidade e a
avaliação dos imóveis designados serão feitos por perito
nomeado pelo Juiz, onde não houver avaliador judicial,
sendo-lhe facultada a consulta dos autos do processo
respectivo (art. 135, §2º, do CPP). Destarte, o resultado da
investigação defensiva poderá ser utilizado como parâmetro
para o arbitramento do valor da responsabilidade e a
avaliação dos imóveis, servindo como um instrumento que
tem o objetivo de influenciar o perito e o Juiz.
Quanto à existência de bens do acusado, a realização
de diligências para obter prova documental seria de enorme
importância, sobretudo realizando pesquisas nos Cartórios
de Registros de Imóveis.
Além das medidas cautelares reais, a investigação
defensiva também poderá subsidiar as medidas de natureza
pessoal (prisão cautelar e medidas cautelares diversas da
prisão).
O art. 282, §2º, do CPP, afirma que as medidas
cautelares serão decretadas pelo Juiz a requerimento das
partes ou, quando no curso da investigação criminal, por
representação da autoridade policial ou mediante
requerimento do Ministério Público. Em seguida, no §4º do
mesmo dispositivo legal, prevê que, em caso de
descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o
Juiz, mediante requerimento do Ministério Público, de seu
assistente ou do querelante, poderá substituir a medida,
impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a
prisão preventiva. Observa-se, assim, a legitimidade do
querelante ou assistente para requerer a aplicação de
medidas cautelares, inclusive a substituição das medidas
aplicadas.
No art. 311 do CPP, há previsão de que, em qualquer
fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a
prisão preventiva decretada pelo Juiz, a requerimento do
Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por
representação da autoridade policial. Logo, a vítima, como
querelante ou assistente da acusação, também pode
requerer a decretação da prisão preventiva, a mais gravosa
medida cautelar pessoal.
Em relação ao requerimento de decretação da prisão
preventiva, a investigação criminal defensiva poderá ter
como finalidade a demonstração do periculum libertatis e
do fumus commissi delicti.
É recomendável seguir o disposto no art. 312 do CPP
na condução da investigação defensiva que tenha esse
desiderato, sobretudo quanto à necessidade de que a prisão
seja decretada para a garantia da ordem pública, da ordem
econômica, por conveniência da instrução criminal ou para
assegurar a aplicação da lei penal. Também deve ter como
escopo a obtenção de prova da existência do crime e indício
suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de
liberdade do imputado.
Se o fundamento da prisão preventiva for o
descumprimento das obrigações impostas por meio das
outras medidas cautelares (art. 312, §1º, do CPP), pode-se
utilizar a investigação defensiva para convencer o
Magistrado quanto ao referido descumprimento, como o
fato de o investigado ou réu ter frequentado um lugar
proibido, mantido contato com determinada pessoa ou
violado o recolhimento domiciliar no período noturno,
medidas previstas no art. 319 do CPP.
Conclui-se que a investigação defensiva pode ser
utilizada para o querelante ou assistente da acusação
demonstrar faticamente o preenchimento dos requisitos ou
fundamentos das medidas cautelares reais e pessoais,
incluindo a prisão preventiva. Em sentido oposto, também
será possível a utilização da investigação defensiva pelo
investigado ou réu, com o desiderato de provar a ausência
de fundamento para a aplicação das medidas cautelares
reais e pessoais.
 

15.6. Defesa em ação penal pública ou


privada
 
Essa hipótese de utilização da investigação defensiva é
a mais comum e pode produzir resultados significativos,
como a absolvição ou a desclassificação para uma infração
penal menos grave.
Basicamente, a investigação defensiva significaria uma
instrução paralela àquela do processo, que tem a
participação do Ministério Público, querelante ou,
eventualmente, do assistente da acusação, com o filtro do
Juiz para deferir ou não os requerimentos defensivos.
Conduzindo a investigação defensiva, o Advogado terá
a possibilidade de excluir a ingerência da parte acusadora,
ao mesmo tempo em que deixa de depender do
deferimento do Juiz, que nem sempre respeitará a ampla
defesa. Afinal, não são raros os casos de cerceamento de
defesa por indeferimento de perguntas ou pedidos de
diligências.
Enquanto as testemunhas são ouvidas na instrução
processual, com a inquirição feita também pela parte
contrária e pelo Juiz, a investigação defensiva será realizada
de forma unilateral, com a discricionariedade do Advogado
para adotar as melhores linhas de investigação e utilizar ou
não os resultados do procedimento.
Evidentemente, a condução da investigação defensiva
pelo Advogado não excluirá a realização da instrução
processual, que é sempre necessária, tampouco afastará a
exigência de que a defesa técnica participe do processo.
Noutros termos, a investigação defensiva não substitui a
instrução processual, mas sim funciona como um
complemento que, se utilizado corretamente, terá o condão
de favorecer o réu.
Os resultados pretendidos com a investigação
defensiva podem ser vários, citando, entre os principais:
absolvição (art. 386 do CPP);
desclassificação para infração penal menos grave
que aquela imputada na denúncia ou queixa;
afastamento de qualificadora, agravante ou causa
de aumento de pena;
reconhecimento de privilegiadora, atenuante ou
causa de diminuição de pena;
afastamento do dever de indenizar,
demonstrando que não há prejuízo para a vítima.
 
Ademais, a finalidade da investigação pode ser
sustentar a versão já apresentada nos autos oficiais ou
buscar uma nova versão, ainda não alegada, mas que seja
mais plausível.
 

15.7. Razões de recurso


 
Essa finalidade da investigação defensiva é
consideravelmente ampla e, ao mesmo tempo, enfrenta
dificuldades para sua implementação.
Há inúmeros recursos que podem ser interpostos pela
defesa, como apelação, recurso em sentido estrito,
correição parcial, recursos extraordinário e especial, agravo
regimental etc.
Ocorre que, na prática, a juntada de documentos na
fase recursal enfrenta grande resistência dos
Desembargadores e Ministros. Outrossim, os Tribunais
Superiores consolidaram a tese de que não se admite
reexame fático e probatório nos recursos extraordinário e
especial.
A princípio, poderia ser utilizada a investigação
defensiva para provar um fato ou um fundamento já
alegado. Se pretendesse sustentar um fato novo em grau
recursal, haveria o risco de o Tribunal entender que se trata
de supressão de instância.
De qualquer forma, tratando-se de um caso
excepcionalmente instigante e que envolva algum equívoco
absurdo, é possível que o Tribunal ao menos considere os
documentos juntados.
 
 
15.8. Revisão criminal
 
Nas palavras de Badaró (2020, p. 509):
No processo penal, uma condenação errônea que
tenha transitado em julgado significa a
perpetuação de uma gravíssima injustiça, que
indevidamente priva o indivíduo de um de seus
direitos mais relevantes: a liberdade. É necessário,
portanto, que, mesmo após o trânsito em julgado,
haja algum mecanismo para fazer aflorar a justiça,
corrigindo erros cuja perpetuação seria inaceitável.
 
O mecanismo para evitar a perpetuação da injustiça ou
do erro nesses casos é a revisão criminal, que tem natureza
de ação autônoma de impugnação, servindo para atacar
decisões judiciais transitadas em julgado.
Nos termos do art. 621 do CPP, a revisão será
admitida:
quando a sentença condenatória for contrária ao
texto expresso da lei penal ou à evidência dos
autos;
quando a sentença condenatória se fundar em
depoimentos, exames ou documentos
comprovadamente falsos;
quando, após a sentença, se descobrirem novas
provas de inocência do condenado ou de
circunstância que determine ou autorize
diminuição especial da pena.
Ademais, a revisão é cabível a qualquer tempo,
inclusive após a extinção da pena (art. 622 do CPP).
Em um plano ideal, a investigação defensiva poderia
subsidiar diretamente o ajuizamento da revisão criminal,
evitando a necessidade de justificação criminal no primeiro
grau e, consequentemente, o prolongamento de um erro
judiciário. Contudo, precisamos entender os limites
jurisprudenciais.
O STJ já decidiu o seguinte sobre a exigência de
justificação criminal antes da revisão:
(...) 1. De acordo com a jurisprudência há muito
consolidada deste Superior Tribunal de Justiça, o
pedido de revisão criminal, calcado na existência
de prova oral nova, pressupõe a necessidade de
sujeição dos novéis elementos probatórios ao
eficiente e democrático filtro do contraditório. 2.
Referido entendimento foi mantido não obstante a
supressão, pelo Novo Código de Processo Civil, do
procedimento cautelar de justificação, sendo
necessária a produção antecipada de provas (arts.
381 e 382 do referido Estatuto Processual) para
ajuizamento de ação revisional fundada na
existência de novas provas decorrentes de fonte
pessoal. 3. Recurso especial provido. (STJ - REsp:
1720683 MS 2018/0019317-4, Relator: Ministra
MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de
Julgamento: 02/08/2018, T6 - SEXTA TURMA, Data
de Publicação: DJe 13/08/2018)
 
Por outro lado, sobre a desnecessidade da justificação,
já decidiu:
(...) 3. A exigência de justificação judicial diz
respeito tão-somente à prova oral, não sendo
necessária quando se cuida de prova pericial, cuja
realização foi determinada durante o inquérito,
mas que veio a ser juntada aos autos da ação
penal apenas quando já proferida a condenação.
(...) (STJ - AREsp: 1026149 SP 2016/0321845-1,
Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de
Publicação: DJ 26/10/2017)
 
Em suma, havendo necessidade de produção de prova
oral, ela deverá ser feita em uma justificação criminal. A
contrario sensu, outras provas de natureza não oral poderão
ser levadas diretamente à revisão criminal.
O primeiro ponto consiste em entender que, pela
jurisprudência do STJ, a produção de uma prova oral não
poder ser feita isoladamente pela defesa, tampouco
produzida na revisão criminal, que exige prova pré-
constituída e não admite dilação probatória. É necessário
que a prova oral seja produzida na justificação criminal.
A principal prova oral é a testemunhal, disciplinada
entre os arts. 202 e 225 do CPP. Assim, caso a revisão
criminal seja fundamentada em uma prova testemunhal,
exige-se a justificação criminal. No mesmo sentido, a oitiva
do ofendido (art. 201 do CPP), que também é uma prova de
natureza oral.
Da mesma forma, mas com uma utilização muito
menor, podemos imaginar os esclarecimentos de peritos e
as acareações (art. 400 do CPP). Na prática, não se observa
a utilização dessas provas como fundamento para uma
revisão criminal.
Nesses casos, é recomendável utilizar a investigação
criminal defensiva como forma de antecipação do
depoimento para avaliar se seu resultado é suficiente como
fundamento de uma futura revisão criminal.
Defendemos a posição de que, como regra, os
resultados da investigação criminal devem ser aceitos para
o ajuizamento da revisão criminal, independentemente de
justificação no primeiro grau. Somente não poderão ser
considerados quando houver fundada suspeita de erros,
falsidades ou quaisquer outros vícios que comprometam a
veracidade do seu conteúdo.
De qualquer forma, sabe-se que, na prática, nosso
entendimento dificilmente será aceito pelos Tribunais de
forma pacífica, sobretudo em razão da crescente
desconfiança em relação à Advocacia.
Assim, como dica prática, sugerimos que os resultados
da investigação criminal sejam utilizados como fundamento
da justificação criminal, sendo esta, em seguida, utilizada
como fundamento da revisão criminal. Esse seria o caminho
menos arriscado, ainda que mais demorado.
Considerando os entendimentos do STJ anteriormente
citados, pode-se adotar como estratégia a utilização da
investigação criminal defensiva para obter os documentos
ou realizar as perícias e, em seguida, ajuizar a revisão
criminal, pulando a etapa da justificação.
Por outro lado, caso o fundamento da revisão criminal
seja uma prova oral, recomenda-se conduzir uma
investigação criminal defensiva para ouvir a testemunha ou
vítima, utilizando uma estratégia de antecipação do
depoimento – ouvi-la antes de levá-la às autoridades – para
que, em seguida, o Advogado avalie se é plausível ouvir a
testemunha novamente em uma justificação criminal ou se
o seu depoimento não é bom o suficiente, devendo ser
descartado.
Explico: no caso de necessidade de produção de prova
oral, a investigação criminal defensiva serviria como um
filtro. Faz-se a inquirição da testemunha nos autos da
investigação para saber qual é o conteúdo do seu
depoimento atualmente. Se for desfavorável à defesa,
desconsidera-se o depoimento, não levando os resultados
da investigação à justificação ou à revisão criminal,
tampouco requerendo a oitiva da testemunha na
justificação. Por outro lado, se o depoimento tomado na
investigação defensiva for favorável, deve-se utilizar a
justificação criminal para que ele seja novamente
produzido, desta feita perante o Juízo, com o exercício do
contraditório pelo Ministério Público. Em seguida, repetindo
o êxito do depoimento, pode-se ajuizar a revisão criminal.
 

15.9. Habeas corpus


 
A importância do habeas corpus é inquestionável em
um sistema punitivo como o brasileiro, que produz muitas
ilegalidades e, normalmente, deixa-se levar pelo clamor
público e por ondas punitivistas.
No art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, consta que
“conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou
se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de
poder”.
Por sua vez, o art. 647 do CPP afirma: “Dar-se-á habeas
corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência
de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e
vir, salvo nos casos de punição disciplinar”. Em seguida, o
art. 648, também do CPP, apresenta um rol de hipóteses de
coações ilegais, destacando-se, por exemplo, a ausência de
justa causa, o processo manifestamente nulo e o
cessamento do motivo que autorizou a coação.
Nos últimos anos, o habeas corpus foi fundamental
para combater ilegalidades que se tornaram cotidianas,
como muito bem destaca Toron (2020, p. 29):
(...) foi por meio do habeas corpus que se
conseguiu quebrar a espinha dorsal de uma
maneira policialesca de se investigar: prender e
não permitir que os advogados tivessem acesso
aos autos; prender temporariamente como forma
de facilitar a obtenção de confissões e a
generalização de escutas, muitas vezes abusivas.
 
Reconhecida a importância do referido remédio
constitucional, deve-se destacar que a investigação criminal
defensiva também pode ser utilizada para conseguir
elementos que fundamentem o habeas corpus.
Como é sabido, o habeas corpus depende de prova
pré-constituída, sob pena de que o remédio constitucional
não seja conhecido. Assim, a investigação criminal
defensiva poderá ser utilizada especificamente para reunir
as provas que serão utilizadas na instrução do habeas
corpus.
Em alguns casos, por exemplo, o habeas corpus terá o
desiderato de trancar o processo por legítima defesa
(excludente de ilicitude) ou inexistência de provas de
autoria e/ou materialidade (falta de justa causa). Nessas
situações, a investigação terá utilidade para instruir
adequadamente o remédio constitucional, tentando provar
a reação a uma agressão injusta (e os outros requisitos da
legítima defesa) ou para desconstruir os elementos
presentes nos autos oficiais.
Caso o habeas corpus seja utilizado contra uma prisão
cautelar, a investigação defensiva poder ter o escopo de
reunir elementos que afastem os fundamentos da
segregação, demonstrando, por exemplo:
a inexistência de algum fundamento previsto no
art. 312 do CPP, isto é, garantia da ordem pública,
da ordem econômica, conveniência da instrução
criminal ou necessidade de assegurar a aplicação
da lei penal;
também com base no art. 312 do CPP, a
inexistência de prova da materialidade ou de
indício suficiente de autoria, bem como a
ausência de perigo gerado pelo estado de
liberdade do imputado;
que não foi descumprida a medida cautelar
anteriormente aplicada (art. 312, §1º, do CPP);
que não são verdadeiros os fatos novos ou
contemporâneos utilizados na decisão para
justificar a aplicação da prisão preventiva (art
312, §2º, do CPP).
 

15.10. Proposta de acordo de colaboração


premiada
 
A investigação criminal defensiva pode ser utilizada
para subsidiar a proposta de acordo de colaboração
premiada.
Salienta-se que o art. 3º-C, §4º, da Lei n. 12.850/2013
(Lei das Organizações Criminosas), dispõe que incumbe à
defesa instruir a proposta de colaboração e os anexos com
os fatos adequadamente descritos, com todas as suas
circunstâncias, indicando as provas e os elementos de
corroboração.
Logo, não basta apresentar uma proposta de acordo de
colaboração premiada sem qualquer descrição dos fatos ou
desprovida da indicação de provas e elementos de
corroboração. Exige-se uma justa causa inicial para que a
proposta não seja sumariamente indeferida (art. 3º-B, §1º,
da Lei das Organizações Criminosas).
Ainda que exista a possibilidade de que o acordo de
colaboração premiada seja precedido de instrução, quando
houver necessidade de identificação ou complementação de
seu objeto, dos fatos narrados, sua definição jurídica,
relevância, utilidade e interesse público (art. 3º-B, §2º, da
Lei das Organizações Criminosas), deve-se oferecer, com a
proposta, uma base suficiente para que o celebrante confie
no potencial colaborador e inicie as tratativas.
Urge destacar que a antecipação desses elementos na
proposta de acordo não pode, em tese, causar prejuízo ao
potencial colaborador, considerando que o recebimento da
proposta para formação de acordo de colaboração constitui
marco de confidencialidade, configurando violação de sigilo
e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação de tais
tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o
levantamento de sigilo por decisão judicial (art. 3º-B, caput,
da Lei das Organizações Criminosas).
Ademais, na hipótese de não ser celebrado o acordo
por iniciativa do celebrante, este não poderá se valer de
nenhuma das informações ou provas apresentadas pelo
colaborador, de boa-fé, para qualquer outra finalidade (art.
3º-B, §6º, da Lei das Organizações Criminosas). Dessa
forma, há uma garantia para evitar que o potencial
colaborador apresente todas as informações e indique as
provas, com posterior negativa do acordo pelo celebrante,
valendo-se este de tudo que foi objeto da proposta.
Assim, ciente da necessidade de subsidiar a proposta e
tendo a garantia de que esses elementos não serão
utilizados se o acordo não for celebrado por iniciativa do
celebrante, deve-se ter uma postura ativa para a formação
do que será objeto da proposta de colaboração premiada.
Em alguns casos, o potencial colaborador terá a
narrativa completa à disposição, bastando consultar
algumas anotações. Entretanto, na maioria dos casos, será
necessário realizar um conjunto de diligências para obter
endereços, registros, dados etc. Além disso, também
precisará documentar todos os elementos, relacionando
cada parte da narrativa com aquilo que prova o respectivo
fato. Para isso, a investigação criminal defensiva terá
enorme utilidade.
 

15.11. Proposta de acordo de leniência


 
De modo similar à proposta de acordo de colaboração
premiada, a tentativa de formalização de um acordo de
leniência também pode ter como fase preparatória a
investigação criminal defensiva.
A Lei n. 12.846/2013 trata da responsabilização
administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de
atos contra a administração pública nacional ou estrangeira.
Nos arts. 16 e 17, prevê a possibilidade de celebrar acordo
de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela
prática dos atos previstos na sobredita lei que colaborarem
efetivamente com as investigações.
Conforme Antonik (2016, p. 53):
Leniência é a característica daquilo que é marcado
pela suavidade. É uma qualidade do que é
agradável, suave ou doce, ou no sentido de
mansidão ou lenidade. Também pode ser traduzido
como excessiva tolerância. Já o Acordo de
Leniência é um tipo de ajuste que possibilita ao
infrator fazer parte da investigação, com o intuito
de prevenir ou restaurar um dano por ele
cometido, e, por fazer isso, receberá determinados
benefícios.
 
De acordo com Meira e Valim (2019):
Os acordos de leniência são ferramentas
fundamentais de enfrentamento da corrupção que
promovem, a um só tempo, a ampliação das
investigações, a implantação e monitoramento do
controle interno das empresas e a preservação da
atividade econômica.
 
Observa-se que o acordo de leniência gera, a princípio,
vantagens para todos que dele participam, especialmente
para a pessoa jurídica, que, conforme o art. 16, §2º, da Lei
n. 12.846/2013, ficará isenta das sanções previstas no
inciso II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até
2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável. Contudo, o
acordo não afastará a obrigação de reparar integralmente o
dano causado (art. 16, §3º).
Como proteção, o art. 16, §7º, da Lei n. 12.846/2013,
institui que não importará em reconhecimento da prática do
ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência
rejeitada.
Os requisitos do acordo de leniência estão previstos no
art. 16, §1º, da Lei n. 12.846/2013, quais sejam:
a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar
sobre seu interesse em cooperar para a apuração
do ato ilícito;
a pessoa jurídica cesse completamente seu
envolvimento na infração investigada a partir da
data de propositura do acordo;
a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito
e coopere plena e permanentemente com as
investigações e o processo administrativo,
comparecendo, sob suas expensas, sempre que
solicitada, a todos os atos processuais, até seu
encerramento.
O acordo de leniência também deverá gerar os
resultados mencionados no art. 16, incisos I e II, que são:
a identificação dos demais envolvidos na infração,
quando couber;
a obtenção célere de informações e documentos
que comprovem o ilícito sob apuração.
Quanto aos dois resultados exigidos e ao requisito da
cooperação plena e permanente com as investigações e o
processo administrativo, a investigação criminal defensiva
pode ter utilidade para consolidar a justa causa que
possibilite a celebração do acordo.
Por meio da investigação criminal defensiva, será
possível cooperar com as investigações oficiais, justificando
a formalização do acordo de leniência. Busca-se, assim, um
conjunto mínimo de elementos que seja suficiente para
demonstrar o potencial de gerar os resultados previstos na
Lei n. 12.846/2013.
 

15.12. Outras medidas destinadas a


assegurar os direitos individuais em
procedimentos de natureza criminal
 
Trata-se de hipótese consideravelmente ampla e
subsidiária em relação às possibilidades anteriores.
A investigação criminal defensiva pode ser utilizada
para obter elementos que serão utilizados em qualquer
procedimento de natureza criminal, abrangendo todas as
fases (inquérito policial, instrução, recursos ou execução
penal, assim como a revisão criminal).
Destarte, não há limitação sobre a destinação
específica da investigação criminal defensiva, que poderá
ter qualquer uma das finalidades previstas no rol não
taxativo do Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da
OAB.
Aqui, estaria abrangida, por exemplo, a investigação
criminal defensiva que tenha a finalidade de surtir efeito na
execução penal, em caso de fundamentação do pedido de
algum direito (indulto, detração, prisão domiciliar etc.) ou
para realizar a defesa em procedimento de apuração de
falta grave.
Limitar a investigação defensiva seria reduzir suas
possibilidades, o que significa, basicamente, limitar a ampla
defesa, impondo uma impossibilidade de produzir provas
que influenciem o julgador.
 

16. Diligências possíveis


 
O art. 4º do Provimento n. 188/2018 do Conselho
Federal da OAB dispõe:
Art. 4º Poderá o advogado, na condução da
investigação defensiva, promover diretamente
todas as diligências investigatórias necessárias ao
esclarecimento do fato, em especial a colheita de
depoimentos, pesquisa e obtenção de dados e
informações disponíveis em órgãos públicos ou
privados, determinar a elaboração de laudos e
exames periciais, e realizar reconstituições,
ressalvadas as hipóteses de reserva de jurisdição.
 
O sobredito artigo apresenta um rol exemplificativo de
possíveis diligências, admitindo que o Advogado pratique
todas as diligências investigatórias necessárias ao
esclarecimento do fato, listando, em seguida, alguns atos
específicos:
colheita de depoimentos;
pesquisa e obtenção de dados e informações
disponíveis em órgãos públicos ou privados;
determinar a elaboração de laudos e exames
periciais;
realizar reconstituições.
Além desses atos, também devem ser admitidos
quaisquer outros que não estejam sujeitos à reserva de
jurisdição, como:
obtenção de documentos;
realização de acareações;
realização de reconhecimento de pessoa;
realização de reconhecimento de coisa;
avaliação de objeto.
A seguir, analisaremos as principais diligências e como
elas podem ser conduzidas pelo Advogado ou Defensor
Público.
 

16.1. Depoimentos
 
A colheita de depoimentos é uma das principais
possibilidades na investigação criminal defensiva, porque
permite a antecipação de um testemunho que, se favorável,
poderá ser levado aos autos oficiais, por declaração escrita
ou audiovisual, bem como repetida, arrolando a testemunha
para que seja ouvida no processo.
De certa forma, o Ministério Público já faz isso na
investigação direta (PIC) ao ouvir testemunhas sem a
presença do Advogado do réu, tendo, ainda, a liberdade
para inquirir sem o controle realizado pelo Magistrado, que
poderia indeferir, por exemplo, perguntas que induzam a
resposta (art. 212 do CPP).
Para a defesa, a vantagem de tomar depoimentos
consiste em obter declarações de testemunhas sem a
participação da outra parte (Ministério Público ou
querelante), que poderia, por suas perguntas, gerar
contradições ou enfraquecer a versão apresentada.
Inquirindo a testemunha na investigação criminal
defensiva, o Advogado terá a vantagem estratégica de que
a inquirição não tenha perguntas do Delegado, Ministério
Público, querelante, assistente da acusação ou Juiz. Seriam
formuladas apenas as perguntas escolhidas previamente
pelo Advogado, que teria o domínio da situação.
Outra vantagem seria a discricionariedade de juntar ou
não aos autos oficiais o termo de declaração ou sua
respectiva gravação audiovisual. Sendo desfavorável ao
investigado/réu e considerando que não se pode exigir a
autoincriminação, o depoimento poderia permanecer
apenas nos autos da investigação defensiva, não sendo
juntado aos autos oficiais. Por outro lado, quando uma
testemunha é arrolada e inquirida em um inquérito ou
processo, suas palavras não podem ser extraídas dos autos
se forem desfavoráveis à parte que a arrolou.
Feitas as considerações sobre as vantagens da oitiva
de uma testemunha na investigação defensiva,
questionamos: como isso deve ser feito na prática?
O primeiro passo consiste em perguntar ao cliente se
há pessoas que saibam sobre o fato e que podem colaborar
para o fortalecimento da sua versão. Identificando as
testemunhas e sabendo o que, em tese, elas podem
declarar, deve-se pesquisar o respectivo endereço. Em
alguns casos, o cliente saberá o endereço. Em outros, o
Advogado precisará diligenciar em busca dessa informação.
Em seguida, deve-se elaborar um convite à
testemunha para que compareça ao escritório com a
finalidade de prestar declarações sobre o fato. Nada impede
que o convite seja feito por telefone, e-mail ou aplicativo de
mensagens, mas, para garantir a formalidade do ato,
recomenda-se que seja por escrito, com aviso de
recebimento.
Nessa linha, Bulhões (2019, p. 120) afirma:
Nessa toada, é possível que o advogado chame,
formalmente, testemunhas, sejam elas amigáveis,
neutras ou hostis. As ‘amigáveis’ poderão
facilmente comparecer espontaneamente,
enquanto talvez as ‘neutras’ reajam positivamente
a uma notificação extrajudicial privada, e às
‘hostis’ muito provavelmente reste a alternativa da
notificação cartorária (pública). Todas deverão ser
igualmente documentadas.
 
Se a testemunha não comparecer, não há
consequências. Não será possível sua condução coercitiva
ou a aplicação de multa, tampouco a responsabilização por
crime de desobediência (hipótese prevista em algumas
intimações judiciais). A única possibilidade será entrar em
contato novamente, questionando se há alguma dúvida
sobre o ato ou se prefere agendar para uma nova data.
Obviamente, também restará a alternativa de ouvi-la
diretamente nos autos oficiais (inquérito ou processo).
Comparecendo a testemunha, recomenda-se que tudo
seja gravado por meio audiovisual, incluindo a qualificação.
Não será tomado o compromisso de dizer a verdade,
considerando que não há crime de falso testemunho se a
mentira ou omissão ocorrer em um depoimento na
investigação defensiva. Por outro lado, recomenda-se que
se pergunte à testemunha se ela está comparecendo
voluntariamente, a fim de que sua resposta fique gravada
na mídia.
Inicialmente, deve-se fazer a qualificação da
testemunha. Recomenda-se a utilização do art. 203 do CPP
como parâmetro, com exceção da parte inicial, que trata do
compromisso de dizer a verdade:
Art. 203.  A testemunha fará, sob palavra de
honra, a promessa de dizer a verdade do que
souber e Ihe for perguntado, devendo declarar seu
nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua
profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é
parente, e em que grau, de alguma das partes, ou
quais suas relações com qualquer delas, e relatar o
que souber, explicando sempre as razões de sua
ciência ou as circunstâncias pelas quais possa
avaliar-se de sua credibilidade.
 
Assim, as perguntas sobre a qualificação podem dizer
respeito aos seguintes dados:
nome;
idade;
residência;
profissão;
lugar onde exerce sua atividade;
se é parente, e em que grau, de alguma das
partes, ou quais suas relações com qualquer uma
delas.
Em seguida, na parte específica sobre o fato, o
Advogado deve explicar rapidamente do que se trata o
procedimento e qual é o fato investigado, perguntando, logo
depois, sobre o que a testemunha sabe.
Após o relato inicial da testemunha, o Advogado deve
fazer as perguntas pertinentes, indagando, quando for o
caso, como a testemunha tem ciência das informações
prestadas, com base em quais elementos ela faz tais
afirmações e de que forma pode ser confirmada sua
credibilidade. Não se pode desconsiderar essa parte, haja
vista que os motivos da ciência da testemunha podem
justificar novas diligências na investigação defensiva. Cita-
se, v. g., o caso em que uma testemunha diz que soube de
determinadas informações por meio de outra pessoa,
hipótese em que o Advogado poderá convidar esse terceiro
para prestar declarações.
Por fim, como encerramento, deve perguntar à
testemunha se há algo mais que ela queira falar ou que
considere relevante sobre o fato.
Após o encerramento da gravação, o Advogado deverá
pedir à testemunha que assine um termo de declarações
que contenha as informações sobre o depoimento,
especificamente que, no dia e horário mencionados, a
testemunha compareceu voluntariamente para declarar o
que consta na mídia.
Vejamos um exemplo:
FULANO, (nacionalidade), (estado civil), (profissão),
RG n. ____, CPF n. ____, residente e domiciliado
____, declara que compareceu na data de hoje ao
escritório ____, com sede na rua ____,
VOLUNTARIAMENTE, para prestar informações
relacionadas ao processo ____, nos autos da
investigação criminal defensiva n. ____.
 
Futuramente, no momento oportuno, o Advogado
precisará avaliar se as declarações são favoráveis ao
cliente, hipótese em que poderá juntar uma cópia aos autos
oficiais (inquérito ou processo). Sendo desfavoráveis as
palavras da testemunha, poderá deixar o depoimento
apenas na investigação defensiva, não o levando para o
inquérito ou processo.
Para atribuir mais valor ao depoimento, o Advogado
poderá, além de juntar a cópia nos autos oficiais, arrolar a
testemunha para que seja inquirida na audiência de
instrução, perante o Juiz, submetendo-a ao contraditório,
porque também será perguntada pela outra parte.
Vale lembrar que, na prática, muitos Advogados e
Defensores Públicos já utilizam declarações de testemunhas
abonatórias, obtidas unilateralmente. Com a utilização do
sobredito procedimento, as declarações deixariam de se
limitar a aspectos sobre a conduta social e a personalidade
(circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, presentes na
primeira fase da dosimetria da pena) para abranger
também questões sobre o fato, como autoria, materialidade
e excludentes de ilicitude.
 

16.2. Pesquisa e obtenção de dados e


informações
 
A pesquisa e obtenção de dados e informações
disponíveis em órgãos públicos ou privados é uma atividade
corriqueira, já utilizada por muitos Advogados,
independentemente de investigação defensiva. Aliás, para
obter alguns dados, nem mesmo é necessário ser
Advogado, porque bastaria uma pesquisa rápida em alguns
sites.
Se pretende encontrar informações sobre alguém que
integra algum conselho de classe, pode-se pesquisar no
respectivo site. Como exemplo, para encontrar algumas
informações sobre Advogados, é recomendável utilizar o
site https://cna.oab.org.br/.
A pesquisa no Google também encontra informações
importantes, principalmente os links das redes sociais, do
currículo Lattes e de outros sites que agregam informações,
como o Escavador. Para ser frutífera, a pesquisa deve ser
feita com o uso correto das aspas e, quando necessário,
algum tipo de identificação quanto à profissão e/ou ao local.
Ex.: médico “Fulano de Tal” Goiânia.
Nas redes sociais, recomenda-se que a pesquisa não
se limite ao nome completo da pessoa. Quando nada for
encontrado, é recomendável pesquisar apenas o
sobrenome, sobretudo se for incomum.
Se o objetivo for obter meios para entrar em contato
com alguém, alguns sites podem fornecer o número de
telefone, como https://www.telelistas.net/ e
http://www.brasilpaginasamarelas.com.br/busca/.
Para obter informações sobre uma pessoa jurídica,
recomenda-se a página 
https://servicos.receita.fazenda.gov.br/Servicos/cnpjreva/Cn
pjreva_Solicitacao.asp, que, para ser utilizada, necessita da
inserção do CNPJ. Por outro lado, se o objetivo for pesquisar
uma pessoa física, o link a ser utilizado é o
https://servicos.receita.fazenda.gov.br/Servicos/CPF/Consult
aSituacao/ConsultaPublica.asp, que exige a inserção da data
de nascimento.
Se o objetivo for encontrar informações sobre um
funcionário público, pode-se consultar no Portal da
Transparência do respectivo Órgão/Poder.
Pesquisando o nome da pessoa física ou jurídica no
Jusbrasil (https://www.jusbrasil.com.br), é possível encontrar
processos dos quais ela seja parte. Em seguida, pode-se
consultar o número do processo no site do respectivo
Tribunal e verificar a parte de mandados de intimação, com
o fim de saber se aquela pessoa foi encontrada nos outros
processos e em qual endereço.
Também devemos considerar a possibilidade de
diligenciar em órgãos públicos, cartórios e tabelionatos em
busca de informações e, se for o caso, certidões. Deve-se
destacar que o art. 5º, XXXIV, “b”, da Constituição Federal,
prevê a obtenção de certidões em repartições públicas, para
defesa de direitos e esclarecimento de situações de
interesse pessoal.
Por fim, há empresas que realizam essas pesquisas
mediante o pagamento de um valor, normalmente definido
de acordo com a complexidade da pesquisa e a quantidade
de pessoas, coisas ou informações que serão pesquisadas.
A obtenção de imagens, especialmente aquelas
gravadas por câmeras de vigilância, também é uma opção.
Contudo, o Advogado não poderá requisitá-las ou
“determinar” sua entrega, mas apenas solicitar ao
proprietário.
Conforme Bulhões (2019, p. 125):
Nesse ponto, contudo, é importante lembrar que a
atividade advocatícia não detém poder de polícia e
nem cogência, sendo qualquer colaboração obtida
mediante voluntariedade da pessoa física ou
jurídica solicitada.
 
Enfim, há uma variedade de fontes de informações e
bancos de dados, devendo o Advogado escolher quais são
adequadas ao caso concreto.
 

16.3. Laudos e exames periciais


 
A produção de laudos e exames periciais é uma prática
já aceita e utilizada, especialmente em alguns casos de
homicídio, independentemente de investigação criminal
defensiva.
A atuação defensiva por meio da produção ou do
questionamento de provas periciais não é uma novidade.
Afinal, há alguns dispositivos legais que permitem essa
atuação.
Conforme Bulhões (2019, p. 127):
Vislumbrando uma classificação para a atuação do
perito dentro da investigação defensiva, pode-se
dividi-la em: (i) atuação enquanto assistente
técnico após a conclusão das perícias oficiais
(artigo 159, §3º, CPP); (ii) atuação em contra-
perícia, para realização de uma perícia em paralelo
à perícia oficial; (iii) atuação em uma perícia
autônoma, totalmente independente até mesmo
da existência de qualquer perícia oficial.
 
Observa-se que a atuação defensiva em relação à
perícia é muito ampla. Não se deve admitir que a prova
pericial seja produzida sem a participação da defesa.
Ademais, quando produzida, ainda se deve tentar
questioná-la. Por fim, também deve ser considerada a
produção de uma perícia fora dos autos oficiais, de modo
independente.
Cita-se, de início, o art. 159 do CPP, que disciplina a
atuação do assistente técnico em vários pontos:
Art. 159 (...)
§ 3o Serão facultadas ao Ministério Público, ao
assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante
e ao acusado a formulação de quesitos e
indicação de assistente técnico.
§ 4o O assistente técnico atuará a partir de
sua admissão pelo juiz e após a conclusão
dos exames e elaboração do laudo pelos
peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta
decisão.
§ 5o Durante o curso do processo judicial, é
permitido às partes, quanto à perícia:
I – requerer a oitiva dos peritos para
esclarecerem a prova ou para responderem a
quesitos, desde que o mandado de intimação e os
quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam
encaminhados com antecedência mínima de 10
(dez) dias, podendo apresentar as respostas em
laudo complementar;
II – indicar assistentes técnicos que poderão
apresentar pareceres em prazo a ser fixado
pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.
§ 6o Havendo requerimento das partes, o material
probatório que serviu de base à perícia será
disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que
manterá sempre sua guarda, e na presença de
perito oficial, para exame pelos assistentes,
salvo se for impossível a sua conservação.
§ 7o Tratando-se de perícia complexa que abranja
mais de uma área de conhecimento especializado,
poder-se-á designar a atuação de mais de um
perito oficial, e a parte indicar mais de um
assistente técnico. (grifo nosso)
 
A atuação de um perito particular, contratado pelo
investigado ou réu, pode ser relevante para apresentar
conclusões diversas daquelas dos peritos oficiais ou não
oficiais (duas pessoas idôneas que prestaram o
compromisso), isto é, aqueles que atuam na persecução
penal.
Também poderá apresentar pareceres demonstrando
os equívocos das perícias que estiverem nos autos oficiais.
Por fim, o perito particular poderá questionar a cadeia
de custódia (art. 158-A do CPP), apresentando erros no
rastreamento ou manuseio dos vestígios em alguma de suas
etapas (art. 158-B do CPP).
Também é possível produzir uma perícia no bojo da
investigação criminal defensiva para que, se o resultado for
favorável, ela seja juntada aos autos oficiais. A vantagem
dessa estratégia consiste no conhecimento do resultado da
perícia antes que ela integre os autos do inquérito ou
processo.
 
 

16.4. Reconstituições
 
No bojo da investigação criminal defensiva, poderá ser
necessário realizar a reconstituição dos fatos. Trata-se de
medida permitida pelo art. 4º do Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB.
O art. 7º do CPP afirma que “para verificar a
possibilidade de haver a infração sido praticada de
determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à
reprodução simulada dos fatos, desde que esta não
contrarie a moralidade ou a ordem pública.”
Por mais que se esforce nos detalhes e pormenores, a
reprodução jamais será como o fato original. Os
sentimentos, as emoções, a velocidade dos fatos e até a
implantação de falsas memórias podem alterar
significativamente o resultado.
De qualquer forma, recomenda-se que o Advogado
documente tudo que for possível, inclusive as condições e
circunstâncias da reconstituição.
É sabido que a reconstituição não será possível em
alguns casos, ainda que seja requerida nos autos oficiais.
Cita-se um caso em que o STJ entendeu como correto o
indeferimento da reconstituição de um crime sexual:
(...)
Na hipótese, a reconstituição do crime, conforme
pleiteado pela defesa, não se revela possível, por
se tratar de crime sexual, a denotar que seu
deferimento, por certo, poderia contrariar a
moralidade e a ordem pública, conforme dispõe o
art. 7º do Código de Processo Penal.
(...)
(AgRg nos EDcl no HC 463.089/PR, Rel. Ministro
REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA,
julgado em 23/10/2018, DJe 31/10/2018)
 
Na mesma linha, há de se ter cautela quanto à
realização da reconstituição na investigação criminal
defensiva. Ainda que ela seja feita apenas com o
investigado/réu, sem a participação de terceiros (vítima e
testemunhas), deve-se ter cuidado quanto ao lugar,
evitando que pareça haver algum objetivo de destruição de
vestígios.
 

17. Uma investigação imparcial para fins


parciais
 
A investigação criminal defensiva, apesar de ser
instaurada e conduzida pelo Advogado, pode/deve ter um
caráter imparcial, objetivando uma finalidade parcial.
Explico: diferentemente do inquérito policial, que
normalmente investiga de acordo com os interesses da
acusação, a investigação defensiva deve abranger todos os
caminhos possíveis, ainda que aparentemente sejam
prejudiciais ao cliente.
Parece contraditório, mas a postura de investigar todas
as versões possíveis pode evitar surpresas no inquérito
policial ou no processo penal.
Alguns clientes, por vergonha, medo ou qualquer outro
motivo, omitem ou alteram informações de seus Advogados.
Além da vergonha por eventual fato constrangedor, o medo
de que o Advogado vaze a informação também contribui
para essas omissões/alterações fáticas, de forma deliberada
ou não.
Nesse diapasão, não é raro que o Advogado, seguindo
a versão apresentada pelo cliente, seja surpreendido com
algum depoimento ou documento que prove exatamente o
contrário. Eventual sentimento de traição e quebra de
confiança é irrelevante se comparado com o prejuízo que
isso poderá gerar para o investigado/réu.
Portanto, embasar uma estratégia/tese apenas na
versão apresentada pelo cliente é um risco que não
devemos correr. Deve-se perguntar a ele, por exemplo:
o que pode surgir na investigação?
alguém viu ou sabe o que aconteceu?
existe alguma prova que tem o condão de
desconstituir a versão defensiva apresentada?
Ademais, não se deve confiar totalmente nas respostas
do cliente. Após a instauração da investigação defensiva,
não se pode desconsiderar a existência de elementos que
prejudiquem a versão do réu e eventualmente possam ser
juntados ao processo pela parte contrária, ainda que a
defesa não tenha o dever de levar tais elementos aos autos
oficiais (não é exigida a autoincriminação).
Destarte, a investigação defensiva deve ser imparcial
para seguir todas as linhas possíveis e considerar tudo que
poderá ser objeto de investigação ou instrução pela
autoridade policial ou pela acusação.
Por outro lado, a imparcialidade é limitada à
investigação. Após a obtenção dos elementos possíveis, o
Advogado deverá retornar ao seu papel de procurador do
réu e avaliar qual é a melhor estratégia possível,
considerando o arcabouço probatório de que tem
conhecimento e que integra a investigação oficial e a
presidida pela defesa.
Carnelutti (2009, p. 54) pontua que:
(...) o defensor não é um raciocinador imparcial. E
é isto o que escandaliza a gente. Apesar do
escândalo, o defensor não é imparcial porque não
deve sê-lo. E porque não é imparcial o defensor,
tampouco pode ser nem deve ser imparcial seu
adversário. A parcialidade deles é o preço que se
deve pagar para obter a imparcialidade do juiz,
que é, pois, o milagre do homem, uma vez que,
conseguindo não ser parte, supera-se a si mesmo.
O defensor e o acusador devem buscar as
premissas para chegar a uma conclusão forçada.
 
Logo, conclui-se que a investigação defensiva deve ser
conduzida de forma imparcial, considerando tudo que
eventualmente poderá ser encontrado pela polícia ou pela
acusação, mas sem perder de vista a finalidade parcial, que
é levar aos autos oficiais apenas o que beneficie o acusado
e montar argumentos que eventualmente consigam rebater
aquilo que o prejudique.
 

18. Sigilo das informações


 
O art. 5º do Provimento n. 188/2018 assevera:
Art. 5º Durante a realização da investigação, o
advogado deve preservar o sigilo das informações
colhidas, a dignidade, privacidade, intimidade e
demais direitos e garantias individuais das pessoas
envolvidas.
 
Trata-se de uma proteção do cliente e um limite da
atuação do Advogado. Diferentemente do inquérito policial,
que, como regra, é público, a investigação defensiva é um
procedimento particular decorrente da contratação de um
Advogado por um investigado/réu ou ofendido (querelante
ou assistente da acusação). A divulgação precipitada de
informações poderia, inclusive, inviabilizar a continuidade
da investigação defensiva.
Aliás, o sigilo da relação entre Advogado e constituinte
também encontra respaldo no art. 7º, XIX, do Estatuto da
OAB, que concede o direito ao Advogado de se recusar a
depor como testemunha em processo no qual funcionou ou
deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de
quem seja ou foi Advogado, mesmo quando autorizado ou
solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que
constitua sigilo profissional. O Estatuto da OAB também
prevê como infração disciplinar a violação, sem justa causa,
de sigilo profissional (art. 34, VII).
O sigilo inerente à investigação defensiva abrange
também a possibilidade de não informar às autoridades os
resultados do procedimento, conforme o art. 6º do
Provimento n. 188/2018:
Art. 6º O advogado e outros profissionais que
prestarem assistência na investigação não têm o
dever de informar à autoridade competente os
fatos investigados.
 
Insta observar que o Advogado não tem função de
garantidor, tampouco precisa contribuir para as
investigações oficiais em prejuízo do cliente. É, portanto,
uma condição diferente daquela do funcionário público, que
pode ser responsabilizado criminalmente por sua omissão,
por meio de figuras típicas como a prevaricação (art. 319 do
CP) e a condescendência criminosa (art. 320 do CP), além
da responsabilização administrativa.
O Advogado não tem o dever de levar os fatos às
autoridades, mas, evidentemente, não significa que não
poderá ser responsabilizado em caso de coautoria ou
participação em algum crime, como favorecimento pessoal,
favorecimento real, lavagem de capitais ou organização
criminosa. Entretanto, nunca – jamais mesmo! – poderemos
admitir a criminalização do exercício regular da Advocacia
ou do recebimento de honorários.
Portanto, a ausência do dever de informar às
autoridades e a prerrogativa do exercício da Advocacia
evitam a responsabilização criminal e disciplinar do
Advogado que atue nos limites legais e éticos. Se, por ação
ou omissão, incidir em algum tipo penal, extrapolando os
limites do exercício da Advocacia, poderá ser
responsabilizado.
Nesse diapasão, devemos lembrar que a
inviolabilidade do escritório também tem limites, conforme
o art. 7º, II, §§6º e 7º, do Estatuto da OAB:
Art. 7º: São direitos do advogado:
(...)
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de
trabalho, bem como de seus instrumentos de
trabalho, de sua correspondência escrita,
eletrônica, telefônica e telemática, desde que
relativas ao exercício da advocacia;
(...)
§ 6o Presentes indícios de autoria e materialidade
da prática de crime por parte de advogado, a
autoridade judiciária competente poderá decretar
a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II
do caput deste artigo, em decisão motivada,
expedindo mandado de busca e apreensão,
específico e pormenorizado, a ser cumprido na
presença de representante da OAB, sendo, em
qualquer hipótese, vedada a utilização dos
documentos, das mídias e dos objetos
pertencentes a clientes do advogado averiguado,
bem como dos demais instrumentos de trabalho
que contenham informações sobre clientes.
§ 7o A ressalva constante do § 6o deste artigo não
se estende a clientes do advogado averiguado que
estejam sendo formalmente investigados como
seus partícipes ou co-autores pela prática do
mesmo crime que deu causa à quebra da
inviolabilidade.
 
Assim, o Advogado deve manter uma conduta lícita e
ética, pois, como bem destaca Branco (1989, p. 3), “quando
um advogado, mal avisado, comete uma infração ao seu
dever ético, não somente prejudica o seu próprio nome,
como também a todos os seus colegas”.

19. É dever do Advogado levar os fatos


investigados à autoridade?
 
Na condução de uma investigação criminal defensiva,
não há garantia de que todos os elementos obtidos serão
favoráveis ao cliente. Realizando inúmeras diligências, é
possível que algumas sejam contrárias à versão defensiva e
fortaleçam a narrativa acusatória.
Nessa situação, tem relevância o debate sobre (não)
ser um dever do Advogado levar ao processo todos os fatos
de que tiver conhecimento sobre o caso, ainda que
contrários ao interesse do cliente.
Em que pese possa surgir alguma fundamentação de
caráter ético, entendemos que não há suporte jurídico para
impor ao Advogado o dever de prejudicar o cliente, levando
aos autos oficiais todos os resultados obtidos na
investigação criminal defensiva. Essa também foi a linha
seguida pelo art. 6º do Provimento n. 188/2018 do Conselho
Federal da OAB, que diz: “O advogado e outros profissionais
que prestarem assistência na investigação não têm o dever
de informar à autoridade competente os fatos
investigados”.
Na doutrina, esse também é o entendimento de
Oliveira (2008, p. 65), ao afirmar que “não podemos perder
de vista que o arguido não está obrigado a oferecer às
autoridades judiciárias quaisquer meios de prova que tenha
obtido”.
Por meio da procuração, o Advogado assume o
compromisso de não prejudicar o cliente e fazer tudo que
for legalmente permitido para melhorar sua situação em um
processo. Violaria a confiança inerente à relação entre
Advogado e cliente exigir daquele uma postura de "fiscal"
dos fatos de que tiver conhecimento.
É papel do Advogado orientar o investigado/réu e atuar
de modo a evitar a autoincriminação, salvo nos casos em
que o cliente quiser adotar uma postura que pressuponha a
confissão, que poderá viabilizar um acordo de não
persecução penal, a formalização de uma colaboração
premiada ou a aplicação da atenuante da confissão
espontânea.
Seria uma deficiência defensiva – quiçá uma falta de
defesa – a conduta do causídico que, querendo colaborar
com as autoridades, levasse aos autos, sem o
consentimento do cliente, declarações que obteve durante a
tramitação da investigação criminal defensiva.
Ademais, não sendo possível exigir do investigado ou
réu a autoincriminação, também não seria cabível impor ao
seu Advogado que apresente às autoridades os elementos
prejudiciais ao seu cliente.
Nesse diapasão, o Advogado deverá fazer um filtro de
tudo que integra a investigação defensiva antes de requerer
a juntada aos autos oficiais, utilizando apenas os elementos
que tenham reais vantagens para o cliente e que não o
prejudiquem, ainda que indiretamente.
Considerando que é possível que o Advogado descarte
integralmente os resultados da investigação defensiva, não
os utilizando nos autos oficiais, também é possível que
utilize apenas uma parte da investigação particular. Assim,
em uma investigação criminal defensiva com perícias,
vários depoimentos, fotografias e documentos, pode-se
utilizar apenas um depoimento, desconsiderando todo o
resto.
Destarte, de acordo com a aferição da possibilidade de
contribuir para a estratégia defensiva adotada, o Advogado
poderá levar para os autos oficiais um, alguns ou todos os
elementos obtidos na investigação criminal defensiva.
Observa-se que a vantagem estratégica da instauração
e condução de uma investigação defensiva é a possibilidade
de antecipar os resultados que somente seriam produzidos
diretamente na persecução penal, quando o
desentranhamento não seria mais possível. Produzindo os
elementos na investigação defensiva, será possível
deliberar sobre levar aos autos oficiais os resultados
favoráveis e descartar os desfavoráveis.
 

20. Comunicação e publicidade do


resultado da investigação
 
Uma vez definidos os resultados que são favoráveis ao
cliente, o próximo passo será comunicá-los às autoridades
(Delegado, Promotor/Procurador e Juiz), requerendo a
juntada aos autos oficiais. É o momento em que os
resultados saem da esfera privada de um procedimento
particular e passam a compor um inquérito policial ou
processo penal, que, como regra, será público.
Sobre esse tema, o parágrafo único do art. 6º do
Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB
institui:
Parágrafo único. Eventual comunicação e
publicidade do resultado da investigação exigirão
expressa autorização do constituinte.
 
Portanto, o Advogado não poderá utilizar os resultados
da investigação defensiva sem autorização do cliente, que,
como é sabido, é a pessoa mais interessada no caso, por ter
contra si uma investigação criminal ou um processo, com o
risco real de sofrer a aplicação de uma pena.
Ademais, em determinados casos, a investigação
defensiva encontrará informações que abordam a
intimidade do cliente ou de pessoas próximas a ele. Nessas
hipóteses, com mais razão, será imprescindível a
autorização expressa do constituinte antes de utilizar e dar
publicidade aos resultados da investigação.
 
 
 
 
 

Parte II

Questões práticas
 
 
 
21. Limites da investigação defensiva
 
De início, observamos um limite à realização da
investigação criminal defensiva: a reserva de jurisdição.
Segundo Rangel (1997, p. 27):
(...) com o estabelecimento de uma reserva
pretende justamente garantir-se que o órgão
político-constitucionalmente pensado para se
desimcumbir de uma certa função, o faça
efectivamente (e sem interferência de outro
órgão). Trata-se, pois, de uma técnica normativa
destinada a revigorar a idéia de separação dos
poderes e onde, melhor do que em quaisquer
outras, se verifica o fenômeno da contaminação
material das normas organizatórias, por isso que
se liga incidivelmente o domínio de uma matéria
determinada à estruturação de um certo órgão.
 
No processo penal, a reserva de jurisdição
normalmente funciona como um limite à atuação da
autoridade policial e do Ministério Público, por meio da
exigência de autorização judicial para determinados atos.
Há inúmeras hipóteses que necessitam de decisão
judicial no Código de Processo Penal:
art. 13-B.  Se necessário à prevenção e à
repressão dos crimes relacionados ao tráfico de
pessoas, o membro do Ministério Público ou o
delegado de polícia poderão requisitar, mediante
autorização judicial, às empresas prestadoras de
serviço de telecomunicações e/ou telemática que
disponibilizem imediatamente os meios técnicos
adequados – como sinais, informações e outros –
que permitam a localização da vítima ou dos
suspeitos do delito em curso;
art. 13-B, § 2 o Na hipótese de que trata o caput, o
sinal: I - não permitirá acesso ao conteúdo da
comunicação de qualquer natureza, que
dependerá de autorização judicial, conforme
disposto em lei; (...) III - para períodos superiores
àquele de que trata o inciso II, será necessária a
apresentação de ordem judicial;
a homologação de acordo de não persecução
penal (art. 28-A, §6º, do CPP);
o descarte de vestígios relacionados à cadeia de
custódia (art. 158-B, X, do CPP);
a restituição de coisas apreendidas, quando
duvidoso o direito (art. 120, §1º, do CPP). Não
existindo dúvida quanto ao direito do reclamante,
a restituição poderá ser ordenada pela autoridade
policial ou Juiz (art. 120 do CPP);
a inutilização de uma prova declarada
inadmissível (art. 157, §3º, do CPP);
a incomunicabilidade do indiciado, que não
excederá de três dias (art. 21, parágrafo único, do
CPP);
a declaração da extinção da punibilidade (art. 61
do CPP);
a decisão sobre a suspeição de membro do
Ministério Público (art. 104 do CPP);
a decisão sobre a suspeição de peritos,
intérpretes, serventuários ou funcionários da
justiça (art. 105 do CPP);
o sequestro de bens (art. 127 do CPP);
a determinação de avaliação e venda dos bens
em leilão público cujo perdimento tenha sido
decretado (art. 133 do CPP);
a utilização do bem sequestrado, apreendido ou
sujeito a qualquer medida assecuratória para
interesse público (art. 133-A do CPP);
a determinação da alienação antecipada de bens
(art. 144-A do CPP);
a decisão sobre a falsidade de um documento
(arts. 145 e 147 do CPP);
a condução de testemunha que, regularmente
intimada, deixou de comparecer sem motivo
justificado (art. 218 do CPP);
a decretação de medidas cautelares, a
requerimento das partes ou, quando no curso da
investigação criminal, por representação da
autoridade policial ou mediante requerimento do
Ministério Público (art. 282, §2º, do CPP);
decretar a prisão preventiva, a requerimento do
Ministério Público, do querelante ou do assistente,
ou por representação da autoridade policial (art.
311 do CPP), bem como revogá-la (art. 316 do
CPP).
 
Em outras leis, também constatamos atos que
dependem de autorização judicial:
a liberação do acesso ao banco de dados de
identificação de perfil genético, em caso de
requerimento de autoridade policial, federal ou
estadual (art. 9º-A, §2º, da LEP);
a infiltração por agentes de polícia (art. 53, I, da
Lei de Drogas, e art. 10 da Lei de Organizações
Criminosas);
determinar a apreensão e outras medidas
assecuratórias nos casos em que haja suspeita de
que os bens, direitos ou valores sejam produto do
crime ou constituam proveito dos crimes previstos
na Lei de Drogas (art. 60);
a interceptação de comunicações telefônicas (art.
1º da Lei de Interceptações);
a captação ambiental de sinais eletromagnéticos,
ópticos ou acústicos (art. 8º-A da Lei de
Interceptações);
a decretação da prisão temporária (art. 2º da Lei
n. 7.960/89).
 
Por fim, a Constituição Federal, no art. 5º, apresenta
três hipóteses de reserva de jurisdição:
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém
nela podendo penetrar sem consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o
dia, por determinação judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso,
por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal;
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito
ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente, salvo nos casos
de transgressão militar ou crime propriamente
militar, definidos em lei;
 
Tratando-se de ato abrangido pela reserva de
jurisdição, o Advogado poderá requerer ao Juiz nos autos
oficiais (inquérito policial ou processo). Poderia, por
exemplo, requerer ao Juiz a busca e apreensão domiciliar,
nos termos do art. 242 do CPP.
Ademais, também existem limitações de ordem
material ou financeira. Como muito bem destaca Bulhões
(2019, p. 97):
Não há como olvidar, nessa ótica, o custo
econômico inerente às medidas e às diligências
necessárias a uma investigação defensiva, sendo
certo que existem várias ferramentas de baixo
custo, enquanto que outras são extremamente
custosas (por exemplo a contratação dos serviços
de detetives particulares e a consulta a
determinados bancos de informações).
 
Recomenda-se que o contrato de prestação de serviços
advocatícios tenha cláusula expressa sobre quem é o
responsável (cliente ou Advogado) pelas despesas inerentes
à condução da investigação criminal defensiva, que podem
abranger, por exemplo:
contratação de terceiros, como detetives
particulares e fotógrafos;
contratação de empresas especializadas em
pesquisas;
perícias e exames médicos;
atas notariais;
deslocamentos a outras cidades;
obtenção de documentos.
Ainda que a investigação criminal defensiva tenha
muitas limitações constitucionais/legais e materiais, há uma
enorme margem de atuação por meio de atos permitidos ou
não proibidos e que geram custos ínfimos ou inexistentes.
 

21.1. Falta de coerção e de fé pública


 
Por ser um procedimento particular, a investigação
criminal defensiva não contempla algumas características
das investigações oficiais, conduzidas por Delegados de
Polícia ou membros do Ministério Público.
Como é sabido, a prática de atos pelo Estado tem um
regime jurídico diverso dos atos particulares, a saber:
os atos administrativos possuem alguns atributos,
como a presunção de legitimidade, a
imperatividade, a exigibilidade e a
autoexecutoriedade;
a legislação prevê poder de requisição para várias
autoridades;
normalmente, há previsão de sanções para o
descumprimento de determinadas medidas, como
a aplicação de multa e a condução coercitiva de
testemunhas faltantes;
o crime de desobediência tem como objeto
apenas a ordem legal de funcionário público (art.
330 do CP);
os agentes públicos têm poderes, mas também
precisam evitar o seu abuso, que, em alguns
casos, pode constituir crime de abuso de
autoridade (Lei n. 13.869/2019).
Nas investigações oficiais, é muito comum observar
certidões feitas pelos servidores públicos que gozam de fé
pública no exercício da função. Portanto, é mais fácil
demonstrar fatos, inclusive corriqueiros, com expressões
como “certifico que, em contato telefônico com fulano nesta
data, ele me relatou que  ____”.
Por outro lado, considerando que os atos do Advogado
não gozam de fé pública, o idêntico “certifico que (...)” não
teria a mesma presunção de legitimidade.
Sobre a ausência de coerção, urge salientar que o
Advogado não tem o uso legitimado da violência, que é
possível apenas ao Estado, em situações como a condução
coercitiva de testemunhas e a prisão preventiva. Há atos
que somente podem ser praticados pela Polícia, em alguns
casos com a necessidade de prévia decisão judicial.
Ao convidar uma testemunha para prestar depoimento,
o Advogado não poderá, por exemplo, empregar trechos
que apresentem consequências que somente se aplicam na
persecução penal, como “sob pena de condução coercitiva”
ou “sob pena de multa”. Também não poderá utilizar a
expressão “sob pena de responsabilização por crime de
desobediência”, haja vista que esse crime não abrange a
“ordem” de particular, mas apenas a de funcionário público.
Compilando esses problemas, Oliveira (2008, p. 56-
57):
(...) o principal obstáculo com que poderá deparar-
se o arguido nas suas próprias investigações será o
da escassez de meios de averiguação e obtenção
de prova que envolvam terceiras pessoas ou
poderes de autoridade. Porquanto, nem todos os
terceiros estarão dispostos a colaborar com o
arguido, nem este pode alcançar todos os meios
de prova que consiga identificar como úteis ou
necessários à sua Defesa.
A defesa deve ter ciência de todas essas limitações e
buscar alternativas (lícitas, evidentemente) para superar as
dificuldades.
 

21.2. A ausência de poder de requisição


 
Uma das principais diferenças entre a condução de
uma investigação por Delegado ou membro do Ministério
Público e aquela presidida por um Advogado diz respeito ao
poder de requisição das referidas autoridades públicas, o
que facilita consideravelmente a obtenção de documentos,
informações e outros elementos.
No art. 129, VI, da Constituição Federal, existe a
previsão, como função institucional do Ministério Público, da
possibilidade de expedir notificações nos procedimentos
administrativos de sua competência, requisitando
informações e documentos para instruí-los, na forma da lei
complementar respectiva.
Por sua vez, a LC n. 75/93 apresenta várias hipóteses
de poder de requisição. O art. 7º, II e III, prevê que incumbe
ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao
exercício de suas funções institucionais, requisitar
diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-
los e apresentar provas, assim como requisitar à autoridade
competente a instauração de procedimentos
administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar,
podendo acompanhá-los e produzir provas.
Em seguida, no art. 8º, II, III e IV, da referida Lei
Complementar, observa-se que o Ministério Público da
União poderá, nos procedimentos de sua competência:
requisitar informações, exames, perícias e
documentos de autoridades da Administração
Pública direta ou indireta;
requisitar da Administração Pública serviços
temporários de seus servidores e meios materiais
necessários para a realização de atividades
específicas;
requisitar informações e documentos a entidades
privadas.
 
O art. 26, I, “b”, e II, da Lei n. 8.625/93 (Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público), apresenta poderes
semelhantes, como a possibilidade de instaurar inquéritos
civis e outras medidas e procedimentos administrativos
pertinentes e, para instruí-los, requisitar informações,
exames periciais e documentos de autoridades federais,
estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades
da administração direta, indireta ou fundacional, de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, assim como requisitar informações
e documentos a entidades privadas, para instruir
procedimentos ou processo em que oficie.
Fora da legislação institucional do Ministério Público, o
poder requisitório também está presente.
No Código de Processo Penal, o art. 47 prevê que, se o
Ministério Público julgar necessários maiores
esclarecimentos e documentos complementares ou novos
elementos de convicção, deverá requisitá-los, diretamente,
de quaisquer autoridades ou funcionários que devam ou
possam fornecê-los.
Ainda no Código de Processo Penal, o art. 13-A prevê
que, nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no §
3º do art. 158 e no art. 159 do Código Penal, e no art. 239
do Estatuto da Criança e do Adolescente, o membro do
Ministério Público ou o Delegado de Polícia poderá
requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de
empresas da iniciativa privada, dados e informações
cadastrais da vítima ou de suspeitos.
Em linha semelhante, o art. 13-B do CPP prevê, quanto
aos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, que o
membro do Ministério Público ou o Delegado de Polícia
poderão requisitar, mediante autorização, às empresas
prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática
que disponibilizem imediatamente os meios técnicos
adequados – como sinais, informações e outros – que
permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito
em curso. Em seguida, no §4º, prevê que, não havendo
manifestação judicial no prazo de 12 horas, a autoridade
competente requisitará às empresas que disponibilizem
imediatamente os meios técnicos adequados, com imediata
comunicação ao Juiz. Noutros termos, há previsão da
necessidade de decisão judicial para a requisição prevista
nesse dispositivo, mas, não havendo decisão no prazo de 12
horas, será possível a requisição diretamente.
Como se o poder de requisição não fosse suficiente,
também há previsão de acesso a determinados dados,
especialmente na Lei n. 12.850/2013 (Lei das Organizações
Criminosas), que prevê, no art. 15, que o Delegado de
Polícia e o Ministério Público terão acesso,
independentemente de autorização judicial, apenas aos
dados cadastrais que informem exclusivamente a
qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela
Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições
financeiras, provedores de internet e administradoras de
cartão de crédito. Há previsão idêntica no art. 17-B da Lei n.
9.613/98.
Em seguida, no art. 16, prevê que as empresas de
transporte possibilitarão, pelo prazo de 5 anos, acesso
direto e permanente do juiz, do Ministério Público ou do
Delegado de Polícia aos bancos de dados de reservas e
registro de viagens.
Por fim, o art. 17 determina que as concessionárias de
telefonia fixa ou móvel mantenham, pelo prazo de 5 anos, à
disposição das autoridades mencionadas no art. 15
(Delegado de Polícia e Ministério Público), registros de
identificação dos números dos terminais de origem e de
destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas
e locais.
O poder de requisição também se encontra previsto no
art. 80 do Código de Processo Penal Militar, no sentido de
que, sempre que, no curso do processo, o Ministério Público
necessitar de maiores esclarecimentos, de documentos
complementares ou de novos elementos de convicção,
poderá requisitá-los, diretamente, de qualquer autoridade
militar ou civil, em condições de os fornecer, ou requerer ao
Juiz que os requisite.
No processo penal militar, o Superior Tribunal Militar já
decidiu:
(...) O MPM dispõe de poder legal para, em
qualquer fase da ação penal, requisitar
informações diretamente às autoridades civis ou
militares, independente de crivo judicial (art. 80 do
CPPM). (...) (STM - Cparcfo: 1972 PE
2007.01.001972-6, Relator: MARIA ELIZABETH
GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA, Data de Julgamento:
09/04/2008, Data de Publicação: 30/04/2008 Vol:
Veículo:)
 
Em relação à autoridade policial, há previsão específica
no art. 2º, §2º, da Lei n. 12.830/2013, o qual prevê que,
durante a investigação criminal, cabe ao Delegado de
Polícia a requisição de perícia, informações, documentos e
dados que interessem à apuração dos fatos.
Nessa linha, o enunciado n. 14 do II Encontro Nacional
de Delegados de Polícia sobre Aperfeiçoamento da
Democracia e Direitos Humanos afirma o seguinte:
O poder requisitório do delegado de polícia, que
abrange informações, documentos e dados que
interessem à investigação policial, não esbarra em
cláusula de reserva de jurisdição, sendo dever do
destinatário atender à ordem no prazo fixado, sob
pena de responsabilização criminal.
 
Por fim, apenas a título de complementação, o art. 218
do CPP prevê que o Juiz poderá requisitar à autoridade
policial ou determinar que seja conduzida por oficial de
justiça a testemunha que, regularmente intimada, deixar de
comparecer sem motivo justificado.
Observa-se que o Delegado de Polícia e o Ministério
Público possuem um amplo e significativo poder de
requisição, o qual fortalece e facilita suas investigações. A
extrema facilidade para obter informações, documentos,
gravações e perícias constitui enorme vantagem na
condução de uma investigação criminal.
Não raramente, para garantir o cumprimento da
requisição, as autoridades inserem a informação de que o
seu descumprimento constitui crime de desobediência (art.
330 do CP), na tentativa de provocar sentimento de
desespero no destinatário, ocasionando pressão psicológica.
Aliás, já foi decidido pelo STJ que o poder de requisição
do Promotor de Justiça pode ser exercido em relação a
Delegado de Polícia, que, se não cumprir, poderá ser
responsabilizado por crime de desobediência:
PROCESSUAL PENAL. DELEGADO DE POLÍCIA.
DESCUMPRIMENTO DE REQUISIÇÃO DE PROMOTOR
DE JUSTIÇA. SONEGAÇÃO DE DOCUMENTOS E
DESOBEDIÊNCIA. AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA
CAUSA. AUSÊNCIA DE DOLO. TRANCAMENTO.
REVOLVIMENTO FÁTICO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA
ELEITA. (...) 2. Segundo doutrina de escol, o
funcionário público pode ser sujeito ativo do crime
de desobediência, desde que, como na espécie,
não seja hierarquicamente subordinado ao
emitente da ordem legal e tenha atribuições para
cumpri-la. 3. O fato de o delito de desobediência
estar inserido no capítulo dos ilícitos penais
praticados por particular contra a administração
pública não impede a sua consumação, porquanto
haverá, em tal caso, violação ao princípio da
autoridade que é objeto da tutela jurídica. (...) (STJ
- RHC: 85031 DF 2017/0126784-4, Relator: Ministra
MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de
Julgamento: 19/10/2017, T6 - SEXTA TURMA, Data
de Publicação: DJe 27/10/2017)
 
Na comparação com a investigação criminal defensiva
conduzida por Advogado, as investigações presididas por
Delegados ou membros do Ministério Público têm uma força
coercitiva muito maior, mormente pelo poder de requisição
e pela ideia de que o seu descumprimento configura o crime
de desobediência.
Para equilibrar o jogo e produzir uma investigação
frutífera, o Advogado precisará superar as dificuldades
inerentes ao desenvolvimento de uma atividade privada
desprovida de poder de requisição, fé pública e coerção,
com o adicional de que a Advocacia é diuturnamente
criminalizada por algumas autoridades.
 

21.3. Superando algumas dificuldades


 
Conforme analisado, os atos da investigação criminal
defensiva não possuem fé pública, não tendo, por
conseguinte, presunção de veracidade. Ademais, o
Advogado também tem como limites a reserva de jurisdição
e a ausência de coerção e de poder de requisição.
No inquérito policial, os atos dos policiais têm fé
pública e, na prática, seus depoimentos possuem um peso
maior na instrução processual, ainda que, frequentemente,
sejam interessados no êxito da acusação, o que ocorre, v.
g., quando efetuaram a prisão em flagrante e há
questionamentos defensivos sobre a ilegalidade do ato e
eventual abuso de autoridade.
Observa-se, assim, uma contradição: os atos do
Advogado não possuem fé pública, mas os dos policiais,
mesmo quando interessados em determinada versão
acusatória para que não sofram responsabilização criminal
por alguma ilegalidade, possuem fé pública e seus
depoimentos adquirem especial relevância para os Juízes.
Essa contradição somente é superada pelo fato de que o
Advogado é um particular, ao passo que os policiais são
agentes públicos.
Em alguns casos, para tentar superar esse prejuízo na
investigação defensiva, é recomendável utilizar a ata
notarial, que, como é sabido, tem um custo elevado. Essa
prática já é utilizada para atribuir a presunção de
veracidade a conversas em aplicativos e postagens em
redes sociais.
Nas lições de Bulhões (2019, p. 116):
Uma hipótese muito útil é a ata notarial de
verificação de fatos em diligência, quando se
poderá registrar situações as mais diversas. Um
exemplo pode ser a escuta de uma ligação
telefônica feita em “modo viva-voz”, onde o teor
do diálogo será registrado, além dos números
telefônicos da chamada discada e recebida, a hora
e o dia de realização do telefonema, etc.
 
Ademais, Bulhões (2019, p. 116) também fala sobre
transformar em ata notarial a declaração feita por uma
pessoa na presença do tabelião, o que poderia atribuir
credibilidade aos atos praticados no contexto da
investigação criminal defensiva.
Urge destacar que o art. 384, parágrafo único, do
Código de Processo Civil, disciplina a utilização e o objeto da
ata notarial:
Art. 384. A existência e o modo de existir de algum
fato podem ser atestados ou documentados, a
requerimento do interessado, mediante ata
lavrada por tabelião.
Parágrafo único. Dados representados por imagem
ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão
constar da ata notarial.
No caso específico de prints, a utilização de uma ata
notarial pode ser complementada pela realização de uma
perícia que tenha o escopo de afirmar que a conversa ou
postagem não foi adulterada.
Insta destacar, ainda, o teor do art. 425, IV e VI, do
Código de Processo Civil:
Art. 425. Fazem a mesma prova que os originais:
(...)
IV - as cópias reprográficas de peças do próprio
processo judicial declaradas autênticas pelo
advogado, sob sua responsabilidade pessoal, se
não lhes for impugnada a autenticidade;
(...)
VI - as reproduções digitalizadas de qualquer
documento público ou particular, quando juntadas
aos autos pelos órgãos da justiça e seus auxiliares,
pelo Ministério Público e seus auxiliares, pela
Defensoria Pública e seus auxiliares, pelas
procuradorias, pelas repartições públicas em geral
e por advogados, ressalvada a alegação motivada
e fundamentada de adulteração.
 
A validade das sobreditas cópias e reproduções
digitalizadas como provas originais, quando declaradas ou
juntadas por Advogado, constitui uma facilidade para a
utilização dos resultados das investigações criminais
defensivas.
Outra solução para as dificuldades inerentes à
investigação criminal defensiva consiste em requerer ao
Juiz, nos autos oficiais, que expeça ofícios, no exercício do
poder de requisição, para obter documentos ou
informações.
Ressalta-se que há decisões reconhecendo essa
possibilidade, inclusive com expressa menção de que se
trata de medida que tem o desiderato de garantir a
paridade de armas, haja vista que o réu e seu Advogado não
possuem os mesmos poderes de requisição do Parquet.
Nesse sentido:
(...) A expedição de ofícios às repartições públicas,
como a Receita Federal e o Detran, e também às
empresas privadas, a exemplo das companhias
telefônicas, pelo Poder Judiciário, com o intuito de
obter informações acerca do endereço de
testemunha arrolada pelo réu no processo penal, é
medida imprescindível que consagra os mais
nobres princípios processuais penais, como o da
ampla defesa, do contraditório e da busca da
verdade real, além de garantir a simétrica
paridade de armas com o órgão acusador, pois o
acusado não possui os mesmos poderes
requisitórios do Ministério Público (...) (TJ-MG -
COR: 10000180963357000 MG, Relator: Otávio
Portes, Data de Julgamento: 04/11/2019, Data de
Publicação: 08/11/2019)
 
(...) 2 A despeito disso, uma vez instaurada a ação
penal, o juiz continua sendo o responsável pela
direção dos trabalhos, competindo-lhe, dentre
outras atribuições, a de requisitar documentos a
partir do requerimento das partes. Trata-se de uma
consequência do princípio da paridade de armas,
considerando que o réu, por seu defensor, não
dispõe do mesmo poder de requisição. (...) (TJ-PA -
MS: 201330146453 PA, Relator: PAULO GOMES
JUSSARA JUNIOR - JUIZ CONVOCADO, Data de
Julgamento: 08/11/2014, CÂMARAS CRIMINAIS
REUNIDAS, Data de Publicação: 11/11/2014)
 
Também nos autos oficiais, é possível utilizar o art. 242
do CPP, que prevê: “a busca poderá ser determinada de
ofício ou a requerimento de qualquer das partes.”
Havendo necessidade de realizar uma busca domiciliar
e eventual apreensão, o Advogado poderá requerer ao Juiz,
utilizando como fundamento específico o art. 240, §1º, “e”,
in fine, do CPP. Noutras palavras, será cabível a busca
domiciliar quando fundadas razões a autorizarem, para
descobrir objetos necessários à prova de infração ou à
defesa do réu.
No requerimento, o Advogado deverá utilizar como
parâmetro para detalhamento e fundamentação o art. 243
do CPP, mormente quanto à indicação, da forma mais
precisa possível, da casa em que será realizada a diligência
e o nome do respectivo proprietário ou morador,
mencionando, ainda, o motivo e os fins da diligência.
 
22. Os autos da investigação criminal
defensiva
 
A formação dos autos da investigação defensiva deve
ser feita de modo semelhante à formalização do inquérito
policial e do processo, por meio da reunião e organização de
folhas e mídias nos autos, seguindo uma ordem cronológica.
Recomenda-se que nada seja deixado de fora dos
autos. Todos os documentos, favoráveis ou não, devem
integrá-los, evitando a descentralização das informações e o
risco de que elementos importantes sejam perdidos ou
permaneçam desorganizados.
O objetivo da formação dos autos da investigação
defensiva é reunir, em apenas um lugar, tudo que o
Advogado encontrar ou produzir sobre o fato objeto da
apuração.
Uma observação importante consiste no fato de que
não há documentação obrigatória na investigação
defensiva. Diante da inexistência de previsão legal e da
falta de exigência específica no Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB, os documentos são facultativos,
razão pela qual todas as indicações a seguir serão
recomendações.
Contudo, o Advogado não deve desconsiderar que há
uma necessidade de observância máxima da formalização
dos atos para:
evitar ou reduzir riscos, como eventual
interpretação de que, por exemplo, o contato com
as testemunhas constitui uma forma de
intimidação (ameaça, coação no curso do
processo etc.);
garantir a produção efetiva de elementos, com
todos os cuidados e seguindo as diretrizes
recomendadas;
facilitar a organização dos autos e,
principalmente, a futura utilização dos resultados
da investigação defensiva.
Nada impede que o Advogado forme os autos da
investigação criminal defensiva em meio eletrônico,
digitalizando os documentos e armazenando os arquivos.
Também é possível formar os autos físicos e, como
cópia de segurança, armazenar os documentos
digitalizados.
A utilização dos autos físicos ou eletrônicos para a
documentação da investigação criminal defensiva também
pode considerar qual é o formato dos autos oficiais e de que
maneira, do ponto de vista operacional, será melhor o
armazenamento para futura juntada dos resultados.
 

23. Termo de instauração


 
O início da investigação criminal defensiva ocorre com
sua instauração, mediante termo. Trata-se de um
documento inicial importante, porquanto qualquer
procedimento – público ou particular – não poderá começar
diretamente por relatórios, juntadas de documentos ou
diligências. Deve-se ter um ato formal de instauração, com
a delimitação do objeto e dos sujeitos envolvidos.
Para uma melhor compreensão, recomenda-se utilizar
como base o art. 4º da Resolução n. 181, de 7 de agosto de
2017, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP),
que aborda a forma de instauração do procedimento
investigatório criminal (PIC):
Art. 4º O procedimento investigatório criminal será
instaurado por portaria fundamentada,
devidamente registrada e autuada, com a
indicação dos fatos a serem investigados e deverá
conter, sempre que possível, o nome e a
qualificação do autor da representação e a
determinação das diligências iniciais.
 
Por esse dispositivo, a portaria deve ser:
fundamentada;
registrada;
autuada.
Também precisa indicar os fatos a serem investigados.
Se possível, deve conter o nome e a qualificação do autor
da representação e a determinação das diligências iniciais.
Trazendo esses critérios para a Advocacia, recomenda-
se que o documento de instauração da investigação
defensiva seja fundamentado, especialmente no princípio
da ampla defesa. Após a instauração, deve ser autuado,
inserindo-o na pasta que servirá de capa. Para formalizar o
procedimento, também é recomendável comunicar a
instauração da investigação à Ordem dos Advogados do
Brasil, minorando os riscos de que os atos do Advogado
pareçam uma tentativa de interferir ilicitamente na
investigação oficial.
De modo geral, o documento de instauração
mencionará os fatos investigados (aqueles apurados no
inquérito policial ou no processo), contendo também os
dados do cliente e de outras pessoas envolvidas (outros
suspeitos, investigados ou réus). No ato da instauração,
também é recomendável inserir os próximos passos, isto é,
as diligências que serão realizadas inicialmente.
Quanto a quem deve elaborar/assinar o termo de
instauração, é inegável que, como a investigação criminal
defensiva é ato privativo da Advocacia, deve ser o
Advogado que preside e conduz o procedimento.
Também é aconselhável que seja juntada, com o termo
de instauração, a procuração assinada pelo cliente
(investigado ou réu), demonstrando que não se trata de
investigação defensiva instaurada “de ofício”, mas sim no
exercício da atividade advocatícia, após a devida concessão
de poderes.
Em que pese não exista, até o momento, consenso
sobre qual deve ser o conteúdo da procuração ao Advogado
que instaurará a investigação, entendemos que não há
necessidade de poderes especiais (ao contrário da
procuração para oferecer queixa-crime), por se tratar de
atividade inerente à defesa. Contudo, para evitar
inconvenientes, recomenda-se a previsão da atribuição do
poder de instaurar investigação criminal defensiva.
Portanto, não seria obrigatório, mas apenas recomendável.
Dessa forma, na procuração, recomenda-se o
acréscimo de um trecho com os seguintes termos:
O cliente outorga poderes, inclusive, para a
instauração e condução de uma investigação
criminal defensiva, conforme autorizado pelo
Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da
OAB e, com essa finalidade, tomar depoimento de
testemunhas, produzir perícias e realizar outras
diligências necessárias.
 
Quanto ao termo de instauração, sugere-se a seguinte
estrutura:
uma numeração única e renovada anualmente;
os fundamentos (“considerando que…”);
a qualificação do cliente e, se possível, a da
vítima, que pode ser encontrada nos autos da
investigação oficial;
as informações relativas ao crime
investigado/imputado, como a tipificação legal, a
data, o horário e o local de sua suposta prática;
as informações relativas à instauração da
investigação defensiva, como a data, o horário e o
local do seu início;
as diligências iniciais.
 
Uma observação pertinente quanto à fundamentação
do ato de instauração é feita por Bulhões (2019, p. 134-
135):
Quanto à Portaria ou Termo de Instauração, há
como estruturar o documento em vários
‘CONSIDERANDOS’, narrando os fundamentos que
legitimam a atuação do profissional e ainda as
circunstâncias que ensejaram a investigação
defensiva, seguido da justificativa pela qual se
‘RESOLVE’ instaurar o Autos de Investigação
Defensiva (AID).
 
A inserção da fundamentação inicial com inúmeros
“considerando que…” é muito frequente na instauração dos
inquéritos civis públicos e dos procedimentos investigatórios
criminais.
Vejamos um exemplo desse trecho inicial do termo de
instauração de uma investigação criminal defensiva:
Considerando que a Constituição Federal garante a
ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes (art. 5º, LV, da Constituição Federal);
Considerando que o Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB autoriza e regulamenta a
investigação criminal defensiva;
Considerando que a autoridade policial trata como
discricionariedade os requerimentos da defesa
(art. 14 do CPP);
Considerando que o Ministério Público, parte
interessada em promover a denúncia, exerce o
controle externo da autoridade policial (art. 129,
VII, da Constituição Federal), o que viola a
paridade de armas;
Considerando que está em andamento o inquérito
policial número ____, em ____, tendo o constituinte
como investigado;
Considerando que, conforme o sobredito inquérito
policial, há uma produção de elementos
informativos unicamente em favor da versão
acusatória, desconsiderando a linha defensiva;
Considerando que é função do Advogado tutelar os
direitos e interesses de seu cliente;
Considerando a necessidade de desconstituir a
narrativa acusatória.
 
Salienta-se, por oportuno, que esses fundamentos
podem ser utilizados, com as devidas adequações, na
petição de juntada dos resultados da investigação defensiva
aos autos oficiais (inquérito policial ou processo penal).
Após os “considerandos”, adiciona-se o trecho relativo
ao ato de instauração da investigação defensiva, com
algumas informações importantes, além do trecho “resolve
instaurar a presente investigação criminal defensiva”.
Como exemplo do trecho completo, temos o seguinte:
No dia ____, às ____ horas, na cidade de ____, o
Advogado ____, regularmente inscrito na OAB/____
sob o n. ____, (qualificação do Advogado), resolve
instaurar a presente investigação criminal
defensiva em favor de ____, (qualificação do
cliente), em razão da tramitação do inquérito
policial n. ____, em andamento na cidade de ____,
por suposta prática do crime de ____ (art. ____ do
Código Penal), no dia ____, às ____ horas, em ____,
contra ____, (qualificação da vítima).
 
Também deve inserir no termo de instauração da
investigação defensiva as diligências ou medidas iniciais.
Normalmente, instaura-se o procedimento tendo um
panorama das primeiras atividades que serão desenvolvidas
(oitivas, perícias, atividades de campo etc.). Instaurar uma
investigação sem saber quais serão os primeiros atos pode
demonstrar que o Advogado está perdido quanto às
estratégias ou que deu início à investigação apenas como
forma de transmitir a aparência de uma atuação artesanal.
Sugere-se a inserção de um trecho nos seguintes
moldes:
“De início, devem ser tomadas as seguintes
providências”;
“De início, resolve apurar os seguintes fatos”;
“De início, resolve diligenciar no seguinte
sentido”.
É imperativo perceber que esse primeiro momento tem
relevância para reunir o máximo possível de elementos que
contribuam para a definição da estratégia e dos próximos
passos. Conforme Oliveira (2008, p. 60), deve-se adquirir e
reunir as informações que ainda estejam dispersas.
Em seguida, deve-se apresentar um rol das diligências,
como:
a) fazer contato telefônico com ____, a fim de obter
informações sobre ____;
b) diligenciar na busca por gravações audiovisuais
no local do fato;
c) obter o endereço da testemunha ____ para, em
seguida, tomar o seu depoimento;
d) entrar em contato com as pessoas que moram
no quarteirão do local em que teria acontecido o
crime.
 
A escolha das diligências iniciais dependerá do crime
investigado, do panorama apresentado até o momento da
instauração e das informações obtidas por meio da análise
dos autos oficiais e do atendimento ao cliente.
Após a elaboração do termo de instauração, o
Advogado deverá inseri-lo nos autos, comunicar à OAB e ter
como foco a realização das diligências já definidas e a
avaliação sobre o cabimento de novas diligências.
 
 

24. Capa
 
A capa é a primeira parte visível dos autos da
investigação criminal defensiva. Por mais que ela pareça
desnecessária, observa-se grande relevância para a
organização da atuação do Advogado.
Quando começa a conduzir investigações defensivas, o
Advogado deve pensar a longo prazo, organizando os autos
de modo semelhante ao cartório de uma vara judicial.
Depois de alguns anos, talvez o Advogado tenha
dezenas de autos de investigações criminais defensivas.
Com a organização correta, será possível revisar e revisitar
os autos de uma investigação já encerrada há alguns meses
ou anos. Para tanto, as informações da capa terão muita
importância.
A capa deve ser elaborada após a instauração da
investigação defensiva, no momento de fazer a autuação.
Deverá conter as informações necessárias, evitando
omissões e, principalmente, excesso de informações. Afinal,
a capa deve ser didática e facilitar a organização.
O melhor parâmetro para a capa dos autos de uma
investigação criminal defensiva é a capa de um processo
judicial físico, que apresenta informações simples e
objetivas sobre a natureza da ação, o crime, a competência,
os nomes das partes e uma numeração identificadora.
Sugere-se, inicialmente, a aquisição de capas
padronizadas ou personalizadas, inclusive com o logotipo do
escritório. Urge destacar que a capa não será levada aos
autos oficiais, mas apenas algumas partes do conteúdo dos
autos. Por esse motivo, a “formalidade” da capa deve
considerar apenas a didática das informações, evitando
pontos burocráticos irrelevantes.
As informações que a capa pode conter não são
impositivas. Apenas é recomendável que apresente
determinadas informações, como:
área de atuação referente à investigação. Aqui,
estamos abordando a área criminal, mas não
podemos desconsiderar que é possível conduzir
investigações em outras searas, como muitos
Advogados fazem no Direito de Família. No Poder
Judiciário, observamos que, quanto aos autos
físicos, as cores das capas são diferentes (rosa ou
azul, por exemplo) dependendo da área, havendo,
ainda, uma etiqueta que diz “Criminal”, “Cível” ou
outra área;
a cidade que sedia o escritório condutor da
investigação criminal defensiva. Como regra, a
investigação tramitará em um escritório que fica
localizado na mesma cidade em que o fato é
investigado em um inquérito policial ou processo
penal. Entretanto, há casos em que o escritório é
contratado para atuar em um inquérito ou
processo de outra cidade. Nessa situação, sugere-
se a inclusão de um trecho como “investigação
defensiva instaurada na cidade de Porto Alegre,
sobre inquérito que tramita na cidade de Canoas”
ou “investigação defensiva instaurada na cidade
de Porto Alegre, sobre fato ocorrido na cidade de
Canoas”. Assim, havendo algo a ser feito na
cidade do fato (uma audiência em outro processo,
por exemplo), o Advogado poderá olhar as capas
das investigações defensivas e conferir se há
alguma diligência a ser feita naquele local (tomar
o depoimento de uma testemunha, pesquisar um
endereço etc.), aproveitando a viagem para levar
tudo que for necessário (gravador, câmera, pen
drive, documentos etc.);
a numeração da investigação defensiva. Da
mesma forma que inquéritos policiais e processos
são individualizados por uma numeração única,
também se deve identificar a investigação
criminal defensiva. Sugere-se, por exemplo, a
utilização das expressões AID (autos de
investigação defensiva) ou ICD (investigação
criminal defensiva) e a inclusão do número e do
ano de instauração, de modo que, a cada ano, o
número recomece a contagem a partir de 1. Ex.:
AID n. 1/2019, AID n. 2/2019 e ICD n. 1/2020;
a identificação do Advogado que instaurou a
investigação defensiva. Nos processos criminais,
observamos nas capas a informação “1ª Vara
Criminal da Comarca de ____”. Não há referência
ao nome do Juiz, que pode mudar por vários
fatores (férias, licença, remoção e promoção). Por
outro lado, na investigação criminal defensiva,
sugere-se a inserção do nome do Advogado, do
seu número de inscrição na OAB, do nome do
escritório e o número da inscrição da sociedade
de Advogados na OAB. Ex.: Advogado, OAB/RS n.
____, atuante no escritório ____, OAB/RS n. ____;
a data da instauração da investigação defensiva.
Essa informação poderia ser considerada
desnecessária, haja vista que a identificação dos
autos (AID) já menciona o ano de instauração.
Entrementes, em casos considerados urgentes, é
importante saber, por uma mera análise na capa,
qual foi o dia exato da instauração da
investigação. Por isso, poderia inserir, por
exemplo, “data da instauração: 5 de julho de
2020”;
a infração penal imputada. Essa informação
aparece nas capas de inquéritos e processos,
fazendo com que, por mais curta que seja,
transmita um conjunto de conceitos prévios sobre
o fato (complexidade, principais teses etc.) e a
forma de condução (diligências mais utilizadas,
forma de provar as alegações, linhas
investigativas etc.). Na capa da investigação
criminal defensiva, pode-se adicionar apenas o
tipo penal e, entre parênteses, o nomen juris. Ex.:
art. 157 do CP (roubo);
a identificação de que se trata de investigado ou
réu preso cautelarmente (prisão temporária ou
preventiva). Essa informação, também utilizada
nos autos físicos de processos criminais, tem o
escopo de chamar a atenção quanto à celeridade
do feito e da constante necessidade de reavaliar a
manutenção da prisão cautelar.
 
Esses seriam os principais dados da capa. Havendo
alguma peculiaridade do caso concreto, pode-se inserir
outra informação, desde que não se desconsidere que o
objetivo da capa é organizar os dados principais e ser
didática para facilitar uma rápida compreensão sobre a
investigação.
 

25. Comunicação à OAB


 
Em razão da falta de regulamentação legislativa e
considerando a insuficiência do Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB – que apenas autoriza a
investigação e regulamenta a responsabilidade do
Advogado –, precisamos ter cuidado na condução da
investigação criminal defensiva, sobretudo porque, como
sabemos, a Advocacia Criminal é diariamente criminalizada.
Nos noticiários, já observamos casos em que
Advogados foram presos por instruírem o cliente a não
fechar a colaboração premiada. Há casos em que o
Advogado, mesmo exercendo a função dentro dos limites
legais, foi investigado por supostamente integrar
organização criminosa. Portanto, exige-se uma atuação
cuidadosa.
No âmbito da investigação criminal defensiva, o
Advogado exerce uma postura ativa, pouco usual, na busca
de provas que favoreçam o seu cliente. Como ainda não é
uma prática muito comum, devemos estar preparados para
eventuais represálias pelas autoridades que atuam na
persecução penal.
Alguns atos da investigação defensiva, como a
inquirição de uma testemunha, podem ser vistos como uma
forma de ameaçar/coagir as pessoas envolvidas ou criar
obstáculos para a investigação oficial. Se esses atos forem
desenvolvidos de modo informal, sem meios de comprovar
que se trata de um procedimento que poderá ser levado
para os autos oficiais, o Advogado correrá graves riscos.
Para evitar/reduzir os riscos, não basta criar uma pasta
no escritório, com capa e autuação. Deve-se demonstrar,
por meios formais, que houve a instauração da investigação
defensiva e que todas as diligências realizadas no seu bojo
têm o escopo de subsidiar o inquérito policial ou processo.
Para tanto, após definir qual será o foco da
investigação defensiva, recomenda-se a comunicação de
sua instauração à OAB, inclusive juntando cópia do
protocolo e de eventual resposta da instituição nos autos da
investigação.
Nesse caso, o Advogado terá a possibilidade de, após
ser intimado por alguma autoridade, apresentar as cópias
dos documentos que comprovam a comunicação à OAB
sobre a instauração da investigação defensiva.
É possível que, após o Advogado convidar determinada
pessoa para prestar um depoimento, ela procure a Polícia ou
o Ministério Público, acreditando que se trata de uma
tentativa de intimidação.
Caso o Advogado precise se manifestar para a OAB, o
Ministério Público ou a Polícia, poderá informar que o
convite à testemunha teve a finalidade de tomar seu
depoimento, conforme permite o Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB, nos autos da investigação
defensiva n. ____, do ano ____, que teve a instauração
devidamente comunicada à OAB.
Em que pese não exista previsão da obrigatoriedade
de comunicação à OAB, esse ato poderá gerar mais
segurança para o Advogado, que conduzirá um
procedimento formal.
Não há previsão sobre qual deve ser o endereçamento,
ou seja, se seria para a Subseção ou a Seccional da OAB,
tampouco se deveria ser encaminhada ao presidente ou a
outro membro da diretoria.
Acreditamos que, salvo disposição em sentido
contrário, a comunicação deve ser feita à Seccional da OAB,
que é quem se manifesta sobre aspectos burocráticos
(constituição de sociedades, alterações contratuais etc.) e
onde está inserido o Tribunal de Ética e Disciplina (TED), que
avaliará eventuais excessos ou infrações disciplinares.
De qualquer forma, para evitar erros, recomenda-se o
contato prévio com a OAB, indagando para quem
encaminhar a referida comunicação, que, como é sabido,
não demandará atos posteriores da instituição, mas apenas
a confirmação da cientificação do seu teor. Esperamos que,
futuramente, com a adesão da investigação defensiva na
prática forense, seja feita uma regulamentação nacional
específica sobre a comunicação.
Como já referido, após a comunicação, guarde a cópia
com o protocolo, bem como eventual despacho do
responsável da OAB dando ciência sobre a instauração. Se
preferir, junte aos autos da investigação defensiva. Trata-se
de uma garantia contra eventuais alegações –
principalmente pelas autoridades – de que o Advogado
entrou em contato com as testemunhas de forma indevida
e/ou criminosa.
Sobre o teor da comunicação à OAB, vejamos um
exemplo:
Ilustríssimo senhor Presidente da Seccional da OAB
do Estado do ____
NOME, Advogado inscrito na OAB sob o n. ____,
com endereço profissional na Rua ____, na cidade
de ____, vem, à presença de Vossa Senhoria,
comunicar que instaurou investigação criminal
defensiva sob o n. ____/____, para fundamentar sua
atuação em prol de NOME, no processo n. ____, que
tramita na ____ª Vara Criminal da Comarca de ____.
Assim, comunica à OAB para a devida formalização
da tramitação da investigação defensiva, conforme
permite o Provimento n. 188/2018 do Conselho
Federal da OAB, que regulamenta essa forma de
atuação, valendo o presente como garantia de
que, de fato, tramita um procedimento instaurado
por este Advogado, com o desiderato de realizar
todas as diligências necessárias ao exercício da
ampla defesa, dentro dos limites éticos e legais,
incluindo a tomada de declarações de
testemunhas e a realização de perícias.
 
Trata-se de um exemplo simples, sem fundamentação
exaustiva, considerando que inexiste regulamentação sobre
a forma e o teor dessa comunicação. Se preferir, o
Advogado poderá acrescentar outras informações que
entender importantes e anexar a cópia da procuração
assinada pelo seu cliente.
Conquanto a comunicação não seja obrigatória – por
falta de previsão –, a medida é recomendável para
formalizar a investigação, atribuir um caráter de seriedade e
resguardar o Advogado durante sua atuação. Preencher
determinadas formalidades pode ser crucial para evitar
preocupações desnecessárias.
Sempre que possível, converse com outros membros
da OAB que já tenham instaurado/conduzido investigação
criminal defensiva ou que participem de grupos de debates
sobre o tema para que você conheça as formalidades que
estão cumprindo. Da mesma forma que os inquéritos
policiais são conduzidos de formas distintas em locais
diferentes, é possível que, por falta de uma regulamentação
exaustiva, cada Estado tenha certas peculiaridades quanto
à investigação criminal defensiva. Pode ser, por exemplo,
que se adote como prática a comunicação à OAB sobre a
conclusão da referida investigação.
 

26. Rit(m)o e andamento


 
Para que a investigação criminal defensiva seja
produtiva, é crucial definir adequadamente o seu ritmo.
Deve-se adotar um ritmo semelhante ao proposto pela
duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da
Constituição Federal), ou seja:
não pode ter um ritmo lento que atrase a
utilização dos seus resultados nos autos oficiais;
não pode ter um ritmo afobado que atrapalhe as
diligências.
Logo, o ritmo deve ser aquele que produza os
resultados necessários no momento adequado.
Se a condução da investigação criminal defensiva for
muito lenta, o Advogado perderá a oportunidade de juntar
os seus resultados ao inquérito policial, quando seria
possível tentar o arquivamento ou o trancamento do
procedimento inquisitorial. Se descuidar, o prazo da
resposta à acusação – um dos momentos para a juntada dos
resultados da investigação defensiva – será ultrapassado.
Nos processos de réus presos, a celeridade imposta
pelas autoridades pode fazer com que o Advogado precise
acelerar o ritmo da investigação defensiva para aproveitar
seus resultados antes do fim da instrução. O mesmo
acontece nos inquéritos policiais com investigados presos,
quando, para evitar o excesso de prazo e o consequente
relaxamento da prisão preventiva, normalmente o prazo
legal para a conclusão é observado.
A defesa também deverá ser célere na investigação
defensiva caso o objetivo seja fundamentar a manifestação
contra uma prisão cautelar (relaxamento, revogação ou
substituição por medida cautelar diversa da prisão).
Combater uma prisão ilegal, absurda ou desnecessária é a
prioridade defensiva. Afinal, o sofrimento no cárcere é
terrificante. Em sábias palavras, Carnelutti (2009, p. 24)
explicou que “há os que concebem o pobre com a figura do
faminto, outros com a do vagabundo, outros com a do
enfermo; para mim, o mais pobre de todos os pobres é o
preso, o encarcerado.”
Entendemos que o mais importante, dependendo da
necessidade de rapidez, é que a investigação defensiva seja
feita, ainda que não perfeita. Preferimos que os resultados
da investigação sejam utilizados nos momentos adequados
– ainda que sem a pretensão de perfeição – a aguardar que
ela seja perfeita, mas nunca utilizada.
Vale o mesmo raciocínio de Carnelutti (2009, p. 97)
quanto ao fim do processo:
Entretanto, ao chegar a um certo ponto, é
necessário terminar. O processo não pode durar
eternamente. É um final por esgotamento, não por
obtenção do objeto. Um final que se assemelha
mais à morte que ao cumprimento. É necessário
contentar-se. É necessário resignar-se.
 
Para atribuir a celeridade necessária – a duração
razoável da investigação criminal defensiva –, alguns
pequenos atos podem contribuir, ainda que como fatores de
autoconstrangimento. Cita-se, por exemplo, a inserção da
data de instauração na capa da investigação e a definição,
no termo de instauração, de diligências que devem ser
realizadas logo no início.
Também pode funcionar como fator de
impulsionamento da investigação defensiva a inserção de
informações sobre a movimentação do inquérito policial ou
do processo penal. Se a denúncia tiver sido oferecida
recentemente, é provável que o Juiz a receba e determine a
citação em pouco tempo, abrindo o prazo para a resposta à
acusação, momento em que é possível – e talvez
recomendável – juntar os resultados da investigação. Se a
última movimentação do processo tiver sido a designação
da audiência de instrução e julgamento para a próxima
semana (algo frequente em caso de réu preso), há muitas
chances de que a instrução termine rapidamente, de modo
que seria encerrada a oportunidade de juntar os resultados
da investigação defensiva com o desiderato de influenciar a
sentença. Portanto, deve-se conciliar o momento da
persecução penal e o ritmo da investigação defensiva. Para
sempre se lembrar disso, recomenda-se a inserção da
última movimentação processual nos autos da investigação
defensiva.
Com base em Bulhões (2019, p. 76):
Portanto, a investigação defensiva pode ser
realizada a qualquer tempo, desde que solicitada
pelo constituinte ou seja uma sugestão do
advogado acatada pelo cliente. Por essa lógica,
pode-se falar ainda que não há duração máxima
fixada para a investigação defensiva, devendo ela
perdurar enquanto houver necessidade de
resguardo dos interesses processuais e/ou legais
para o qual foi o advogado contratado.
 
É sabido que o Advogado não precisa concluir a
investigação defensiva no mesmo momento da conclusão
do inquérito policial, mas sim no momento definido como
estratégico para a juntada dos resultados nos autos oficiais.
Também poderá, como falaremos adiante, utilizar os
resultados da investigação parcialmente, conforme eles
sejam obtidos, independentemente da conclusão do
procedimento instaurado pelo Advogado.
A fim de evitar o indeferimento da juntada dos
resultados da investigação, é aconselhável adotar como
estratégia a juntada durante o inquérito ou a instrução,
evitando que se entre na divergência sobre ser ou não
possível a juntada em grau recursal.
Por derradeiro, devemos conciliar a duração razoável
da investigação defensiva com a ideia de que esse
procedimento não deve ser estanque e estagnado após a
utilização dos resultados. É possível – e até recomendável –
que a investigação seja contínua, permanecendo à
disposição do Advogado enquanto for necessária. Noutros
termos, a utilização de alguns resultados da investigação
defensiva não a encerra, porque é plenamente possível que
se prolonge durante todo o processo judicial, inclusive se
estendendo à execução da pena ou ao ajuizamento da
revisão criminal.
 
 

27. A divisão da diligência em partes


 
Havendo a chance de utilização parcial dos autos da
investigação defensiva, com a desconsideração de
alguns/muitos trechos e páginas, deve-se ter enorme
cuidado na condução da investigação e na produção dos
documentos que serão juntados.
Imaginemos a seguinte situação: para provar
determinado fato, o Advogado contrata um especialista em
determinada área, que terá a função de realizar uma
perícia. Em termos práticos, o Advogado apresentará os
quesitos que deverão ser respondidos pelo perito ou que
serão utilizados como parâmetro para que o profissional
dirija o seu trabalho e forneça conclusões acerca do fato.
A perícia constituirá um único documento, com
numeração de cada página e, normalmente, com uma
sequência de quesitos e conclusões. Ao contratar a perícia,
o Advogado não terá a garantia de que as conclusões serão
integralmente favoráveis à defesa. É possível que a
resposta a algum quesito prejudique a versão defensiva.
Nesse diapasão, é cediço que o Advogado não poderá
juntar aos autos oficiais apenas uma parte da perícia.
Também não poderá juntar trechos, selecionar folhas
(apenas as folhas 1 a 4 e 7 a 9 do laudo pericial, por
exemplo) ou rasurar o laudo para omitir as partes que
prejudiquem a defesa.
Ademais, também é evidente que o Advogado, na
condução de uma investigação defensiva, deverá ter ciência
do direito que o investigado/réu tem de não se
autoincriminar, o que deve ser observado pela defesa
técnica quanto à juntada de documentos e manifestações.
Assim, surge um problema: se um documento – v. g., o
laudo pericial – tiver partes favoráveis e contrárias aos
objetivos da defesa, o que o Advogado deve fazer? Juntar o
laudo em sua integralidade, prejudicando o acusado? Deixar
de juntar o documento, abrindo mão das partes favoráveis?
Entendemos que a solução deve ser buscada antes da
realização da perícia ou de qualquer outra diligência. A
recomendação é realizar a cisão das diligências desde o
início, dividindo-as em várias partes.
Desse modo, caso o Advogado preveja a possibilidade
de uma parte das diligências ser prejudicial ao cliente, deve-
se realizar uma cisão em vários atos. Se uma perícia puder
gerar respostas prejudiciais à defesa, é recomendável
solicitar mais de um laudo pericial. Dependendo do caso,
seria possível solicitar que cada laudo abordasse poucos
quesitos ou pontos, possibilitando que a defesa utilize
apenas aqueles que lhe forem favoráveis, deixando de
juntar aos autos oficiais os outros laudos.
Se possível, o ideal seria debater com o perito
contratado sobre as várias questões que serão abordadas
na perícia, inclusive mencionando o objetivo de juntar aos
autos apenas pontos favoráveis. Dessa forma, o perito
poderá sugerir a inclusão ou o descarte de quesitos.
Evidentemente, o Advogado jamais deverá solicitar ou
determinar que o perito apresente informações inverídicas
no seu laudo, tampouco que forneça conclusões com as
quais não concorde. Trata-se apenas de realizar uma cisão
da perícia em quantos laudos forem necessários e, se for o
caso, incluir ou excluir quesitos e matérias que serão objeto
da perícia.
A cisão das diligências também pode ser útil quanto à
tomada de depoimentos de testemunhas. Existindo a
possibilidade de que uma testemunha fale alguns pontos
favoráveis e outros desfavoráveis à defesa, o ideal seria
fazer mais de uma inquirição.
Dessa forma, em um primeiro depoimento, o Advogado
realizaria a inquirição com perguntas que, de acordo com a
previsão do Advogado, produzirão respostas favoráveis,
como aquelas sobre conduta social do cliente, como se
fosse apenas uma testemunha abonatória.
Havendo a possibilidade de que essa testemunha fale
sobre autoria ou materialidade, mas havendo o risco de
obter respostas desfavoráveis, o Advogado poderia ouvi-la
em outra oportunidade, com outro registro em meio
audiovisual ou por termo.
Assim, se o segundo depoimento for contrário aos
interesses do cliente, o Advogado poderá utilizar apenas o
primeiro depoimento, como se a testemunha fosse apenas
abonatória.
Portanto, para evitar a juntada aos autos oficiais de
documentos que sejam desfavoráveis ao cliente e para não
descartar documentos que tenham partes favoráveis,
sugere-se a realização das diligências em várias partes.
Por outro lado, teria pouca credibilidade a juntada de
apenas algumas folhas de algum documento (apenas duas
ou três folhas de um laudo que tem oito páginas, por
exemplo). Logo, recomenda-se a cisão no momento de
realização das diligências, e não quando os documentos
forem juntados.
Não precisaria ser dito, mas, apenas para reforçar,
salientamos que seria antiética e, dependendo do caso,
criminosa a conduta consistente em rasurar ou falsificar
documentos, assim como a inserção de informações que
não reflitam a realidade (v. g., inserir palavras que não
foram ditas pela testemunha).
 

28. Ordem de serviço


 
As ordens de serviço são muito comuns em
investigações policiais. Frequentemente, na portaria de
instauração do inquérito, os Delegados inserem diligências a
serem realizadas pelos policiais. Também é frequente a
determinação de ordens de serviço em fases mais
avançadas da investigação, a partir de alguma necessidade
que tenha surgido, como, por exemplo, para subsidiar uma
representação que tenha como objetivo uma busca e
apreensão.
Em alguns casos, antes de representar ao Juiz pela
busca e apreensão, o Delegado de Polícia, por uma ordem
de serviço, determina que os agentes policiais se
desloquem até o local e monitorem se o investigado utiliza o
imóvel, quanto tempo normalmente fica lá e outras
informações que facilitem a futura busca. A partir de uma
diligência mais simples, fundamenta-se o pedido de uma
diligência mais complexa.
Assim, o cumprimento de uma diligência pode:
por si só, trazer informações;
auxiliar na decisão sobre quais devem ser as
próximas diligências;
fundamentar o pedido de alguma diligência no
inquérito ou no processo.
No desenvolvimento da investigação criminal
defensiva, o Advogado poderá atuar pessoalmente ou por
meio de colaboradores, como outros Advogados, peritos,
contadores, estagiários, funcionários administrativos do
escritório  ou qualquer outra pessoa que execute as tarefas
relacionadas à investigação.
Considerando que a investigação defensiva poderá
demandar uma delegação de tarefas aos colaboradores, a
ordem de serviço terá a finalidade de organizar essa
distribuição.
Na ordem de serviço, o Advogado que instaura e
preside a investigação criminal defensiva formaliza e define
as diligências que devem ser realizadas, especificando
quem cumprirá a ordem e qual será o prazo para essa
finalidade.
Conforme sugere a nomenclatura, a ordem de serviço
é uma determinação para que alguém faça algo. Deve-se
ter coerência para que, havendo necessidade, a ordem seja
dada a quem tenha o conhecimento ou as habilidades para
o serviço delegado. Caso não exija conhecimentos
específicos (tirar fotografias de um local, sem finalidade
pericial), a delegação pode ser feita a qualquer pessoa,
como outro Advogado do escritório, um estagiário, um
fotógrafo ou um prestador de serviço externo.
Aliás, caso precise encontrar o profissional com o
conhecimento especializado para determinada diligência,
pode-se formalizar uma ordem de serviço direcionada a
alguém do escritório para que pesquise profissionais que
tenham a habilidade exigida. Teria, por exemplo, um trecho
afirmando: “determino a realização de perícia contábil para
analisar se houve supressão de tributos e, para tanto,
determino ao Advogado X que pesquise contadores com
experiência em ____”.
Nessa situação, será necessário pesquisar profissionais
na área exigida, fazer orçamentos e decidir quem será o
profissional contratado.
No exemplo acima, havendo necessidade de revisar
determinados registros contábeis, deve-se delimitar o
período, quais são os tributos (de acordo com a persecução
penal) e o que se pretende provar por meio dessa diligência.
Essa delimitação do objeto é importante para procurar o
profissional adequado ao serviço e para obter um
orçamento, assim como para a própria revisão dos registros.
Aliás, para demonstrar a seriedade da diligência,
recomenda-se informar ao profissional contratado que
aquilo que será elaborado por ele poderá ser juntado em um
processo criminal e que, havendo necessidade, ele será
arrolado como testemunha.
Em que pese a ordem de serviço não seja uma
imposição ou um documento imprescindível, recomenda-se
a sua utilização.
Por mais que pareça dispensável – e talvez tolo –
inserir na investigação defensiva uma ordem de serviço
para que um funcionário do escritório obtenha orçamentos e
contrate um profissional externo ou para que o estagiário
pesquise determinadas certidões na internet, trata-se de
uma formalidade que pode ser relevante para a delegação
das atividades. Portanto, não se trata de mera burocracia
despropositada e irrefletida.
A documentação das delegações de atos por meio da
ordem de serviço faz com que a atividade seja levada a
sério, atribuindo um caráter de importância. Uma ordem
oral, de modo informal, parece ter pouca urgência,
especialmente em um escritório com uma grande estrutura
e inúmeras demandas. Todavia, a mesma ordem, entregue
por escrito, com a assinatura de quem delegou o ato e a
confirmação – também por assinatura – de quem a recebeu,
contendo um prazo para seu cumprimento, tem maior
respeitabilidade e até sisudez.
Outrossim, a documentação por escrito, com a
assinatura de quem recebeu a delegação, de modo símil a
uma intimação, passa a ter o atributo da exigibilidade.
Com o devido reconhecimento da importância e das
vantagens da ordem de serviço, o próximo passo é entender
sua estrutura, isto é, quais informações devem compor esse
documento.
A primeira informação consiste na individualização do
ato, por meio de uma numeração única (OS n. 1/2020, por
exemplo), assim como a numeração dos autos da
investigação criminal defensiva (AID n. 2/2020, por
exemplo). Se for o caso, a numeração da ordem de serviço
pode conter a numeração da investigação defensiva,
ficando, por exemplo, assim: OS n. 1/2/2020. Nesse caso,
seria a ordem de serviço 1 da investigação defensiva 2 do
ano de 2020.
Em seguida, deve-se inserir a descrição da diligência a
ser realizada. Por razões óbvias, essa é a parte mais
importante, exigindo detalhamento sobre o que deve ser
feito, como e com qual finalidade.
As finalidades podem ser procurar o endereço de
alguém, tirar fotos de um local, vigiar a movimentação de
uma pessoa, analisar documentos etc.
Na ordem de serviço, também deve constar o nome do
profissional que deverá cumprir a tarefa, assim como a sua
qualificação e, se for o caso, o endereço profissional, além
do número de registro no órgão de classe competente.
Tratando-se de um funcionário do escritório, a qualificação
poderá ser resumida, como “será cumprida por Fulano,
estagiário deste escritório”. Quando a tarefa incumbir a um
profissional especializado, a qualificação poderá mencionar
títulos acadêmicos e cursos frequentados.
Outro ponto de enorme importância – sobretudo
prática – é a previsão de um prazo para a conclusão da
diligência e, se for o caso, a apresentação de relatório
pormenorizado dos meios utilizados e resultados obtidos. A
definição de prazos evita o acúmulo de diligências
pendentes e demonstra a formalidade do ato. O prazo pode
variar de 24 horas (tarefas simples) a algumas semanas
(elaboração de laudos, pesquisas complexas etc.).
Na estrutura da ordem de serviço, Bulhões (2019, p.
140) também sugere “as recomendações expressas no
sentido de assegurar a legalidade e constitucionalidade da
diligência, em especial nos direitos e garantias de
terceiros”.
Sugere-se, portanto, a especificação de algumas
proibições, principalmente aquelas que podem caracterizar
crimes, o que pode ser fundamental quando a diligência for
praticada por alguém sem conhecimento jurídico.
Após o cumprimento da ordem de serviço e a juntada
da diligência realizada nos autos da investigação criminal
defensiva, recomenda-se a elaboração de um relatório que
aborde a utilidade dos respectivos resultados.
 
29. Auto de descrição de local
 
Em algumas situações, a descrição de um local pode
ser muito relevante para a construção de uma tese
defensiva ou, no mínimo, para contextualizar o fato.
Nas lições de Oliveira (2008, p. 76-77):
Sem embargo, para uma completa averiguação
circunstancial do crime, sobretudo naqueles onde
a actuação humana não se resuma a meios
documentais, a observação e o conhecimento das
características dos locais onde aquela actuação se
desenrolou é fundamental quer à compreensão do
que se terá passado quer à solução do crime.
 
Há casos em que a descrição do local será parte
integrante da perícia e do respectivo laudo. Em outros, a
descrição terá utilidade por si só, servindo, por exemplo,
como parâmetro para a análise das teses, da forma de
execução do crime, da autoria e de outros aspectos.
A realização de um auto de descrição de local pode ter
como ponto inicial a sua determinação por meio de uma
ordem de serviço, que deverá apontar a pessoa responsável
pela diligência, o local (indicando endereço, pontos de
referência e outras informações relevantes) e a finalidade
da descrição.
O responsável pela descrição deverá dirigir-se ao local
com os instrumentos e dispositivos necessários (notebook,
celular, câmera etc.) e, após uma observação inicial,
proceder à descrição do local. Caso a descrição tenha o
objetivo de instruir ou compor uma perícia, a diligência
deverá ser feita pelo perito, que é quem tem o
conhecimento especializado acerca dos pontos relevantes.
Pode-se utilizar como parâmetro o art. 158-B, III, do
Código de Processo Penal, que trata da fixação, uma das
etapas do rastreamento de vestígios na cadeia de custódia.
O referido dispositivo legal informa que a fixação é a
descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no
local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área
de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens
ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo
pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento.
A descrição do local deve ter o máximo de
detalhamento, inclusive anexando imagens do local. Além
de mencionar as informações nitidamente relevantes para o
caso, também deve incluir aquelas que, no momento, não
pareçam importantes.
Também é recomendável detalhar as condições –
especialmente climáticas – do dia da realização da
diligência, o que permitirá uma comparação com o dia do
suposto fato criminoso. Exemplificando, se o fato referente
ao crime de trânsito imputado ao réu tiver ocorrido em um
dia de chuva, recomenda-se que a descrição seja feita em
iguais condições climáticas ou, se não for possível, que
conste no auto de descrição do local quais eram as
condições no dia da diligência.
 

30. Termo de declarações


 
Uma das possibilidades na condução de uma
investigação criminal defensiva é tomar declarações de
pessoas, de modo semelhante à produção de uma prova
testemunhal em um processo judicial.
Para entendermos os limites legais e as formalidades
recomendadas, nossa análise deve partir das regras
previstas para a inquirição de testemunhas por um Juiz.
Sabe-se, por exemplo, que a testemunha fará, sob
palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que
souber e lhe for perguntado (art. 203 do CPP). Ademais, o
Juiz deve advertir as testemunhas das penas cominadas ao
falso testemunho (art. 210 do CPP).
Há previsão de crime de falso testemunho (art. 342 do
CP) para a testemunha que fizer afirmação falsa, negar ou
calar a verdade em processo judicial ou administrativo,
inquérito policial ou em juízo arbitral. Esse crime tem pena
de reclusão, de 2 a 4 anos, e multa, com aumento de um
sexto a um terço, se o crime for praticado mediante suborno
ou se cometido com o fim de obter prova destinada a
produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em
que seja parte entidade da administração pública ou
indireta.
Contudo, em relação à investigação criminal defensiva,
não há possibilidade de que, em caso de omissão ou
declarações inverídicas, a testemunha seja responsabilizada
criminalmente por falso testemunho.
Observando o art. 342 do CP, nota-se que é elementar
do tipo penal que a declaração seja feita em processo
judicial ou administrativo, inquérito policial ou em juízo
arbitral, o que não abrange a investigação criminal
defensiva, que permanece fora desses conceitos.
Assim, por inexistir crime de falso testemunho no que
tange às declarações feitas em uma investigação defensiva,
seria incorreto e atécnico exigir o compromisso da
testemunha ou adverti-la sobre o “dever” de falar a
verdade, que, como dito, não existe na investigação
conduzida por Advogado.
Quanto à testemunha de um processo judicial, também
existe previsão legal de que, sendo regularmente intimada e
deixando de comparecer sem motivo justificado, o Juiz
poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação
ou determinar que seja conduzida por oficial de justiça, que
poderá solicitar o auxílio da força pública (art. 218 do CPP).
Na mesma linha, o art. 219 do CPP afirma que o Juiz poderá
aplicar à testemunha faltosa uma multa, sem prejuízo do
processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao
pagamento das custas da diligência.
No âmbito da investigação criminal defensiva, caso a
testemunha, após o convite, não compareça para ser
ouvida, não será cabível a sua condução ou qualquer outra
coerção/sanção. A saída possível seria arrolar essa pessoa
como testemunha no processo criminal, para que sejam
aplicadas as consequências previstas nos arts. 218 e 219 do
CPP, se, após ser regularmente intimada, ela deixar de
comparecer sem motivo justificado.
Se quiser, a testemunha poderá ser acompanhada de
um Advogado, especialmente se houver chance de
autoincriminação. Neste caso, o correto é informá-la sobre o
direito de permanecer em silêncio quanto a eventuais
condutas criminosas.
Também é importante formalizar todos os atos e evitar
que pareça ser uma coação no curso do processo (art. 344
do CP). Para tanto, deve-se ter cuidado em tudo, do convite
até o final do depoimento.
O primeiro passo é convidar a potencial testemunha
para, querendo, comparecer em determinado lugar –
preferencialmente no escritório do Advogado – para prestar
depoimento. A utilização de termos como “convite” tem a
finalidade de evitar que pareça uma tentativa de
intimidação.
Comparecendo a testemunha, deve-se gravar o que for
possível, inclusive o momento imediatamente anterior ao
depoimento, isto é, a explicação sobre o que será feito no
ato.
O depoimento começará com a qualificação, passando,
em seguida, para a cientificação do direito de ficar em
silêncio em relação a eventuais condutas criminosas que a
testemunha tenha praticado.
A inquirição propriamente dita tem início com a
primeira pergunta sobre o fato, normalmente mais genérica
(“o que o senhor sabe sobre tal coisa?”), que servirá de
base para as perguntas seguintes, de acordo com as
respostas obtidas. Ao final, pode-se encerrar o ato com uma
pergunta aberta que oportunize à testemunha falar sobre
pontos ainda não perguntados (“tem algo mais a falar sobre
o caso?”).
Por fim, assina-se um termo de declaração que tenha
algumas informações resumidas, como o fato de que a
testemunha foi convidada e compareceu voluntariamente,
além da possibilidade de que o seu depoimento seja
utilizado em um inquérito ou processo, bem como a
informação de que suas declarações constam na mídia
anexa (normalmente, um DVD).
 

31. Auto de reconhecimento de pessoa


 
O art. 6º, VI, do CPP, prevê que, logo que tiver
conhecimento da prática da infração penal, a autoridade
policial deverá proceder a reconhecimento de pessoas.
Por sua vez, o art. 226 do CPP apresenta a sequências
de atos inerentes ao reconhecimento de pessoa:
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o
reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela
seguinte forma:
I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento
será convidada a descrever a pessoa que deva ser
reconhecida;
Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender,
será colocada, se possível, ao lado de outras que
com ela tiverem qualquer semelhança,
convidando-se quem tiver de fazer o
reconhecimento a apontá-la;
III - se houver razão para recear que a pessoa
chamada para o reconhecimento, por efeito de
intimidação ou outra influência, não diga a
verdade em face da pessoa que deve ser
reconhecida, a autoridade providenciará para que
esta não veja aquela;
IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto
pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela
pessoa chamada para proceder ao reconhecimento
e por duas testemunhas presenciais.
 
O dispositivo legal supra pode ser utilizado como
parâmetro para o reconhecimento de pessoa na
investigação criminal defensiva, mas devemos observar que
há algumas limitações e dificuldades.
Inicialmente, uma dificuldade facilmente perceptível
consiste na colocação da pessoa a ser reconhecida ao lado
de outras pessoas. Quanto ao réu (contratante do Advogado
que conduz a investigação), não há dificuldade, mas, em
relação aos outros (quem fará o reconhecimento,
especialmente se for a vítima ou alguma testemunha que
tenha relação com ela, bem como as pessoas que ficarão ao
lado do réu), a medida pode ser tão difícil quanto a
obtenção de suas declarações.
Assim, a etapa que está no inciso II do art. 226 do CPP
será realizada somente se for possível, conforme o próprio
texto legal.
Sugere-se a observância das etapas previstas no
dispositivo processual, começando sempre com a descrição,
passando em seguida para o apontamento da pessoa
reconhecida, que preferencialmente estará ao lado de
outras pessoas semelhantes. A providência prevista no
inciso III dificilmente será necessária, haja vista que,
diferentemente da persecução penal, o comparecimento
para o reconhecimento na investigação defensiva será
facultativo, com base em prévio convite, e não intimação
com possibilidade de condução coercitiva.
Em último caso, não sendo possível fazer o
reconhecimento pessoal ou havendo temor da vítima ou
testemunha quanto à presença do réu, pode-se fazer o
reconhecimento por fotografia, hipótese já aceita pela
jurisprudência em inúmeras oportunidades contra o réu.
Ora, se a jurisprudência aceita a indevida violação da forma
legal para validar o reconhecimento contra o réu, com mais
razão, por uma questão de proporcionalidade, deve aceitar
o reconhecimento por fotografia em favor do acusado.
Nessa hipótese, a fotografia utilizada para o
reconhecimento deve permanecer anexa ao respectivo
auto.
Por derradeiro, o reconhecimento deve ser formalizado
por meio de auto que mencione a sequência de atos, a
pessoa chamada a fazer o reconhecimento, a descrição
feita, as pessoas que ficaram à disposição para o
reconhecimento, quem foi apontado (reconhecido) e, por
fim, as assinaturas de todos os envolvidos e das
testemunhas.
Para evitar influências indevidas, o art. 228 do CPP
assevera que, se várias forem as pessoas chamadas a
efetuar o reconhecimento, cada uma fará a prova em
separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas.
Esse cuidado deve ser observado também na
investigação criminal defensiva. Aliás, recomenda-se que,
havendo necessidade de que mais de uma pessoa faça o
reconhecimento, cada ato seja feito em um turno do dia,
mencionando no auto o respectivo horário. Essa informação
demonstrará que houve respeito ao art. 228 do CPP,
porquanto as pessoas chamadas para o reconhecimento
não o fizeram no mesmo horário.
 

32. Auto de reconhecimento de objeto


 
Na prática forense, o reconhecimento de objeto é
muito mais incomum que o de pessoa. Contudo, não pode
ser ignorado.
Da mesma forma que o reconhecimento de pessoas, o
de objetos também está previsto no art. 6º, VI, do CPP,
como atribuição da autoridade policial, devendo ser feito
logo que tiver conhecimento da prática da infração penal.
O art. 227 do CPP afirma que, no reconhecimento de
objeto, proceder-se-á com as cautelas estabelecidas no art.
226, no que for aplicável. Portanto, segue-se o
procedimento previsto para o reconhecimento de pessoas.
Trazer esse procedimento para a investigação criminal
defensiva pode ter alguns obstáculos. O principal deles: o
Advogado terá à disposição o objeto que será reconhecido?
Evidentemente, sem o objeto, sofre-se um enorme prejuízo
no reconhecimento, que ainda pode ser feito por meio de
fotografia, mas sem a mesma credibilidade. Desde já,
salienta-se que a regra deve ser o reconhecimento perante
o objeto, apenas admitindo o ato por fotografia como última
opção, hipótese em que será recomendável a juntada da
fotografia nos autos da investigação, anexo ao termo de
reconhecimento.
De início, a pessoa que fará o reconhecimento deverá
descrever detalhadamente o objeto, mencionando, se for o
caso, marca, modelo, cor, tamanho, peso, formato etc.
Em seguida, se possível, o objeto será colocado ao
lado de outros objetos semelhantes para que a pessoa
aponte o reconhecido.
Por fim, será elaborado o auto de reconhecimento de
objeto, com todas as informações necessárias, isto é, a
sequência de atos, quem fez o reconhecimento, a descrição
do objeto e se houve ou não o reconhecimento.
 

33. Auto de avaliação de coisa


 
Em muitos casos, especialmente nos referentes a
crimes patrimoniais, pode ser necessário investigar o valor
do objeto subtraído ou do prejuízo/dano. Para essa
finalidade, o auto de avaliação é o documento adequado.
No inquérito policial, o auto de avaliação é elaborado,
via de regra, sem muito aprofundamento, baseando-se no
senso comum ou, no máximo, em uma ligação para algum
comércio ou uma rápida pesquisa na internet.
Desconsidera-se, por exemplo, que o valor em
determinados sites é muito inferior ao preço cobrado por
lojas presenciais no local em que ocorreu o crime.
Também é desconsiderado o fato de que, dependendo
do caso, o objeto a ser avaliado (por ter sido subtraído, por
exemplo) não era novo, mas sim usado, razão pela qual
deveria ser considerada a desvalorização decorrente do
desgaste natural ou de danos existentes na coisa
(arranhões, partes quebradas etc.). Caso se considere o
valor da coisa em uma loja, possivelmente será utilizado o
preço da coisa nova.
A situação se agrava quando sabemos que, na prática,
o auto de avaliação raramente é desconsiderado pelos
Juízes. Caso especifique um valor ínfimo e estando
preenchidos os outros requisitos, os Juízes aplicam o
princípio da insignificância, não exigindo outras provas
acerca do valor da coisa. Por outro lado, se mencionar um
valor alto, fora do patamar normalmente considerado para
se entender como crime de bagatela, também não há
questionamentos.
Ademais, o auto de avaliação também pode ser
utilizado para avaliar as consequências do crime,
circunstância judicial prevista no art. 59 do Código Penal e
que incide na primeira fase da dosimetria da pena. Sobre
esse aspecto, cita-se, por exemplo, um julgado do STJ
referente ao crime de furto:
(...)
2. O desvalor das consequências do delito
decorreram da análise do auto de avaliação que
indicou prejuízo patrimonial de R$154.000,00. A
revisão desse ponto esbarra no óbice trazido pelo
enunciado 7 da Súmula desta Corte.
(...)
(AgRg no REsp 1803273/SP, Rel. Ministro ANTONIO
SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em
25/06/2019, DJe 02/08/2019)
 
O STJ também já consignou que o questionamento
sobre o método de avaliação de uma coisa deveria ter sido
submetido ao Tribunal a quo. Sem esse questionamento e
inexistindo elementos que justifiquem a contestação ao
auto de avaliação, seria incabível a análise pelo Tribunal
Superior, pois consistiria em supressão de instância:
(...)
3. A insurgência da defesa quanto ao método de
avaliação do botijão de gás não foi submetida ou
analisada pelo Tribunal a quo, não havendo
elementos para contestar o valor mencionado, sob
pena de se incidir em indevida supressão de
instância. Ademais, o relatório do acórdão
impugnado faz menção ao auto de avaliação que
instruiu a inicial acusatória.
(...)
(HC 361.019/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN
PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em
27/09/2016, DJe 10/10/2016)
 
Por esses motivos, a defesa técnica precisará refletir se
é caso de elaboração de um auto de avaliação –
isoladamente ou no bojo de uma investigação criminal
defensiva –, inclusive para questionar o documento oficial e
apresentar ao julgador fundamentos idôneos para
desconsiderar o valor atribuído.
Na produção de um auto de avaliação, o primeiro
ponto será a descrição detalhada do objeto a ser avaliado,
mencionando, pormenorizadamente, a marca, o modelo,
suas características, estado (novo ou usado) e outras
informações que individualizem o objeto. O Advogado
deverá lembrar-se de que a avaliação não é referente a todo
e qualquer objeto semelhante, mas sim àquele que
supostamente sofreu a ação criminosa. Noutros termos, o
objetivo não é dizer que “uma panela normalmente custa
___”, mas sim que “a panela supostamente subtraída, que é
usada, da marca ____ e tem o tamanho ____, custa, com tais
características, o valor ____”.
Recomenda-se a instrução do auto de avaliação da
coisa com declarações do valor, orçamentos ou imagens da
internet, preferencialmente três, para atribuir um valor
médio. Se a coisa for usada, é recomendável obter os
orçamentos ou as declarações em lojas de coisas usadas,
tentando fazer com que o parâmetro utilizado seja o mais
próximo possível da coisa avaliada.
Se, na elaboração do auto de avaliação, apenas forem
encontrados valores de objetos novos, deve-se mencionar
qual seria a depreciação decorrente do desgaste, utilizando
como parâmetros a experiência comum e comparações
entre produtos novos e usados similares.

34. Relatórios
 
Antes de refletirmos sobre a utilização e a importância
dos relatórios na investigação criminal defensiva, devemos
ter uma visão panorâmica do processo penal brasileiro e de
como os relatórios são utilizados no inquérito, nos exames
periciais, no júri, nas diligências e em muitos meios de
prova.
Sobre o inquérito policial, o art. 10, § 1o, do CPP, diz
que “a autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido
apurado e enviará autos ao juiz competente”. Trata-se do
relatório final ou de conclusão, que não é o único relatório
possível no inquérito policial.
No art. 169, parágrafo único, do CPP, consta que, em
relação ao exame do local onde houver sido praticada a
infração, os peritos registrarão, no laudo, as alterações do
estado das coisas e discutirão, no relatório, as
consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.
Ao preparar o processo para ser levado ao plenário do
júri, o Juiz presidente fará “relatório sucinto do processo,
determinando sua inclusão em pauta da reunião do Tribunal
do Júri” (art. 423, II, do CPP). Aliás, na sessão do júri, o
jurado receberá a cópia do referido relatório (art. 472,
parágrafo único, do CPP).
Na Lei de Organizações Criminosas (Lei n.
12.850/2013), há previsão de que, findo o prazo da
infiltração de agentes, será apresentado um relatório
circunstanciado ao Juiz competente, que imediatamente
cientificará o Ministério Público (art. 10, §4º), Além disso, no
curso do inquérito policial, o Delegado de Polícia poderá
determinar aos seus agentes, e o Ministério Público poderá
requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de
infiltração (art. 10, §5º).
A Lei de Organizações Criminosas também prevê, em
relação à figura dos agentes de polícia infiltrados virtuais,
que, após o prazo, o relatório circunstanciado, juntamente
com todos os atos eletrônicos praticados durante a
operação, deverão ser registrados, gravados, armazenados
e apresentados ao Juiz competente, que imediatamente
cientificará o Ministério Público (art. 10-A, §5º). Igualmente,
prevê que, no curso do inquérito policial, o Delegado de
Polícia poderá determinar aos seus agentes, e o Ministério
Público e o Juiz competente poderão requisitar, a qualquer
tempo, relatório da atividade de infiltração (art. 10-A, §6º).
Em sentido semelhante, a Lei de Interceptações
Telefônicas (Lei n. 9.296/96), no seu art. 6º, §2º, prevê que,
cumpridas as diligências, a autoridade policial encaminhará
o resultado da interceptação ao Juiz, acompanhado de auto
circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações
realizadas.
Nos inquéritos policiais mais simples, como aqueles
que apuram furtos ou outros crimes sem complexidade,
observamos depoimentos, documentos, perícias (às vezes)
e, ao final, o relatório de conclusão elaborado pelo Delegado
de Polícia, que contém um resumo de todas as diligências e
sua opinião jurídica sobre ser caso de arquivamento ou de
imputação de alguma infração penal. Normalmente, quando
o caso não é complexo, o único relatório é o final.
Por outro lado, nos inquéritos que investigam crimes
mais complexos, especialmente aqueles conduzidos pela
Polícia Federal ou que abordem crimes relativos ao Direito
Penal Econômico, é comum encontrarmos mais relatórios,
como aqueles mencionados anteriormente (agentes
infiltrados, interceptações telefônicas etc.) ou que se
refiram a alguma diligência, mencionando informações
sobre o local, as pessoas com quem os agentes tiveram
contato, o que observaram e outros dados relevantes. Trata-
se, portanto, de uma explicação das diligências realizadas.
Assim, de modo geral, um relatório deve:
detalhar o que foi feito;
possibilitar uma visão geral;
analisar os atos, fatos, circunstâncias, locais e
pessoas;
apresentar conclusões.
Nesse esteio, a documentação dos resultados da
investigação defensiva por meio de relatórios é de extrema
importância. Pode ser produtivo elaborar relatórios
referentes a cada diligência, não se limitando ao relatório
final.
Após o cumprimento de uma ordem de serviço, por
exemplo, pode-se elaborar um relatório narrando os
detalhes da diligência. Caso o Advogado ou algum de seus
auxiliares diligencie para obter documentos, tirar fotos ou
entrar em contato com pessoas envolvidas, será útil
documentar, por meio de um relatório, as circunstâncias da
diligência, as informações recebidas e quaisquer outras
questões relevantes.
Em uma persecução penal que apure um crime de
trânsito, por exemplo, o Advogado poderá instaurar a
investigação criminal defensiva e, como diligência, deslocar-
se até o local do acidente para tirar fotos, solicitar
filmagens, anotar características importantes do local
(buracos, curvas, condições do asfalto etc.) e, ao final,
elaborar um relatório com tudo que foi realizado durante a
diligência, bem como suas conclusões ao interpretar as
informações obtidas.
Destaca-se, por oportuno, que o Advogado não
precisará juntar aos autos do inquérito policial ou do
processo todas as peças da investigação defensiva, razão
pela qual o relatório não necessariamente será juntado aos
autos oficiais. Em alguns casos, é recomendável que esse
documento não seja juntado, sobretudo para permitir ao
Advogado utilizar o relatório como local para realizar
algumas reflexões/conclusões que poderiam prejudicar o
cliente. Nessa linha, utilizaria o relatório para fazer reflexões
imparciais e comparar a versão apresentada pelo cliente
(investigado ou réu) com os elementos obtidos na
investigação defensiva.
Aqui, precisamos explicar o sentido de fazer essas
reflexões imparciais nos relatórios. Não se trata de uma
conduta que tenha o condão de prejudicar o cliente, mas,
pelo contrário, de evitar uma participação despreparada no
processo, sem o conhecimento do máximo possível de
informações. Deve-se tentar descobrir tudo que poderá ser
utilizado pela acusação nos autos oficiais, evitando que a
versão do investigado ou réu seja superada, de forma
surpreendente, por informações obtidas por peritos ou
declaradas por testemunhas.
Voltando ao exemplo do crime de trânsito, após a
diligência realizada no bojo da investigação criminal
defensiva, pode ser necessário inserir no relatório, por
exemplo, que o réu havia informado que o local era uma
reta e que era permitida a ultrapassagem, mas foi
constatado que se tratava de uma curva com sinalização
proibindo a ultrapassagem. Essa comparação entre a versão
do cliente e a realidade constatada na diligência evitará
uma surpresa desagradável durante a instrução processual.
Percebe-se que, na investigação defensiva, não se
pode seguir irrefletidamente a versão do réu, investigando
apenas o que lhe é favorável e distorcendo a realidade
observada durante as diligências. A investigação precisa ser
fiel às apurações, o que equivale a dizer que precisa ser, de
certa forma, imparcial. Apenas depois, ao selecionar o que
será levado aos autos oficiais, é que se exige uma atuação
parcial (em favor do cliente).
Por esse motivo, o relatório deve ser um resumo das
diligências realizadas, com as interpretações, apreciações e
conclusões do Advogado, ainda que essa deliberação seja
inicialmente contra a narrativa do investigado. O relatório é
um “debate em forma de monólogo”, apreciando as
informações e comparando dados e fatos.
Sugere-se, preferencialmente, a elaboração de um
relatório ao final de cada diligência realizada na
investigação defensiva, seguindo o mesmo parâmetro já
mencionado acerca das perícias e dos meios de obtenção
de provas.
Nesse esteio, Bulhões (2019, p. 136-137):
Se possível, cada diligência, seja de mão própria
ou por terceiros profissionais, deve gerar um
relatório acerca do método empregado, as
condições de tempo, lugar e outras informações
que possam ser pertinentes e relevantes ao
contexto de determinação, desenvolvimento e
apresentação das provas obtidas/produzidas em
cada atividade investigativa.
 
No que concerne ao método empregado, essa
informação tem especial relevância quando se trata de
diligência que envolva algum conhecimento especializado,
como uma perícia.
Ainda que não se fale em método propriamente dito, é
fundamental narrar as circunstâncias da diligência, como o
deslocamento até determinado lugar, a comunicação a
algum órgão público, o protocolo de uma petição, um
requerimento formulado, as condições de transporte de
algum objeto ou qualquer outro dado sobre a origem ou a
forma de obtenção de uma informação.
Também é recomendável inserir no relatório
informações sobre o tempo, lugar e outras condições
relevantes, possibilitando uma revisão sobre o objeto da
diligência, bem como uma reflexão sobre circunstâncias não
pensadas durante o ato.
Imaginemos, por exemplo, uma investigação criminal
defensiva sobre um crime de trânsito que causou uma
morte, havendo dúvidas sobre o crime ter ocorrido de forma
culposa ou dolosa. Durante a investigação, o Advogado se
desloca até o local do acidente com o perito, tira fotos,
documenta e faz anotações sobre o local.
Nesse caso, se o acidente/crime tiver ocorrido em um
dia muito movimentado e com chuva, mas a diligência tiver
sido feita em um dia/horário ensolarado e pouco
movimentado (talvez em um feriado), há condições distintas
que podem atrapalhar as conclusões do Advogado.
Tendo a anotação dessas condições no relatório, o
Advogado poderá perceber a necessidade de ir ao local
novamente em outro dia da semana ou horário para
observar as circunstâncias e condições semelhantes
àquelas do dia do fato, o que permitirá uma comparação
entre o que investigou e o que consta no inquérito ou
processo.
Ademais, é relevante inserir no relatório qualquer outra
informação que possa ajudar na elucidação do fato, na
contextualização e na formação da tese defensiva: nomes
de pessoas com quem teve contato, estabelecimentos
comerciais no local, endereços, fotografias, mapas e até
desenhos. Na diligência, recomenda-se que o Advogado
(a)note como é a rua, quais são as características da
calçada, o que existe do lado do local (uma casa, um
terreno baldio…) e outras informações relevantes.
Conclui-se, portanto, que o relatório não deve
apresentar apenas o método empregado na pesquisa e na
diligência, mas também as condições de tempo e lugar,
fotos, mapas, desenhos, características, adjacências e tudo
mais que se entenda necessário, acrescentando, ainda, as
conclusões do profissional que cumpriu a diligência.
 

35. Termo de enumeração de pessoas


 
O termo de enumeração de pessoas não é um
documento obrigatório, apesar de ter grande utilidade para
a organização da investigação criminal defensiva.
Trata-se de um documento que individualizará e
qualificará as pessoas envolvidas, mormente os
investigados, indiciados, réus ou meros suspeitos (que não
sejam formalmente investigados ou réus). Também será útil
inserir, em tópico separado desse termo, os nomes e as
qualificações de outras pessoas, como possíveis
testemunhas.
Como bem descreve Bulhões (2019, p. 138):
(...) a partir da instauração é importante que exista
uma delimitação subjetiva acerca do objeto da
investigação defensiva, isto é, sobre quais
pessoas, físicas e/ou jurídicas, recaem as suspeitas
acerca do fato delituoso em testilha.
 
Essa delimitação formalizada no termo de enumeração
de pessoas servirá para facilitar a busca da qualificação
(nome completo, profissão, endereço etc.) das pessoas que
tenham relação com a investigação e que, por conseguinte,
poderão ser ouvidas nos autos oficiais.
Com o termo de enumeração de pessoas, será
possível, por exemplo:
encontrar o endereço das testemunhas que serão
arroladas;
verificar as profissões das pessoas que serão
ouvidas (testemunhas e corréus), decidindo, a
partir disso, quais perguntas serão formuladas
(ex.: perguntas específicas para médicos ou
policiais);
analisar se o endereço da pessoa pode ter
relevância para o debate sobre o fato investigado
(ex.: a testemunha é vizinha da vítima).
 
O termo de enumeração de pessoas também facilita o
atendimento do cliente realizado pelo Advogado. É comum
que, em algum momento, o cliente pergunte ao Advogado
sobre o depoimento de alguma testemunha ou quem seria
tal pessoa. Com o referido termo, a busca da resposta será
muito mais rápida e evitará a aparência de
desconhecimento em relação ao caso.
Inclusive, recomenda-se a leitura atenta do termo de
enumeração de pessoas antes de realizar o atendimento do
cliente, guardando, principalmente, os nomes e as
profissões dos envolvidos. Para o cliente, o inquérito ou
processo é o caso de sua vida. Ele tem conhecimento de
praticamente todos os nomes envolvidos e provavelmente
reflete diariamente sobre o fato investigado. Por outro lado,
o Advogado tem muitos outros processos, com dezenas,
centenas ou milhares de nomes envolvidos, o que pode
fazer com que se esqueça de informações cruciais durante o
atendimento. Assim, a leitura do sobredito termo
possibilitará uma revisão rápida do caso.
Não há uma regra sobre quais informações devem
integrar o termo de enumeração de pessoas, mas é
recomendável que adicione o máximo possível de dados,
como:
nome completo;
estado civil;
data de nascimento ou idade aproximada;
profissão;
RG ou CPF (se possível);
endereço residencial;
endereço profissional;
telefone e e-mail.
Tratando-se de pessoa jurídica, recomenda-se a
inserção dos seguintes dados:
razão social e nome fantasia;
data de abertura;
ramo de atuação;
CNPJ;
quadro societário;
situação cadastral;
endereço;
telefone e e-mail;
nome do administrador e/ou do contato na
empresa.
Muitas dessas informações sobre as pessoas físicas ou
jurídicas podem ser obtidas pela internet, inclusive nas
redes sociais.
Dependendo do momento de elaboração do termo de
enumeração de pessoas, o Advogado poderá consultar os
atos do inquérito policial (boletim de ocorrência, termo de
declarações ou indiciamento) e do processo (denúncia ou
queixa-crime, mandado de intimação ou qualificação no
depoimento ou interrogatório) para ter conhecimento dos
dados necessários.
  Ao analisar o inquérito, reflita sobre todos os nomes
que foram mencionados no auto de prisão em flagrante, no
boletim de ocorrência, na portaria de instauração, nos
relatórios, nas ordens de serviço e em quaisquer outros
atos. Como se percebe, a elaboração do termo de
enumeração de pessoas já é, de certa forma, um exame
detalhado dos autos oficiais.
Insistimos, mais uma vez, na necessidade de não se
fazer apenas um termo de enumeração de pessoas
suspeitas, investigadas ou denunciadas, mas sim algo mais
amplo, indicando todos os envolvidos, o que pode incluir até
mesmo as autoridades da persecução penal, com
informações sobre serem titulares ou substitutos, tempo de
carreira, perfil (punitivista ou garantista) etc. Essas
informações servirão para entender quem são os jogadores
e quais estratégias podem funcionar.
Para subsidiar o referido termo, recomenda-se que, em
qualquer contato com outras pessoas durante as
diligências, solicite-se algum meio de contato e sempre
pergunte sobre o endereço atualizado.
Em termos práticos, podemos imaginar uma situação
em que uma testemunha arrolada pela acusação não tenha
sido encontrada, ocorrendo a desistência pelo Ministério
Público. O Juiz determina a intimação da defesa para que,
tendo interesse na oitiva da testemunha, informe o
endereço. Normalmente, o prazo concedido pelo Juiz é curto
(em regra, 5 dias).
Nessa situação, observando o termo de enumeração
de pessoas, o Advogado poderá consultar o endereço da
testemunha ou, caso não o tenha, talvez consiga com
alguma das pessoas listadas (outras testemunhas, pessoas
com quem teve contato nas diligências etc.), utilizando os
meios de contato disponíveis no termo.
 

36. Termo de enumeração de crimes


 
O termo de enumeração de crimes consiste em uma
lista ou um rol de infrações penais (crimes e contravenções)
que serão apuradas por meio das diligências e dos atos da
investigação criminal defensiva.
A formulação desse termo deve considerar as
informações presentes na portaria de instauração do
inquérito policial, o indiciamento, eventual auto de prisão
em flagrante, o relatório de conclusão do inquérito e a
denúncia, conforme esses documentos sejam apresentados
e de acordo com a fase da persecução penal.
Além de considerar as informações oficiais, também
devem constar no termo de enumeração de crimes
eventuais condutas típicas que poderão ser objeto da
persecução penal ou da investigação criminal defensiva,
segundo as informações repassadas ao Advogado pelo
investigado/réu ou que se tornem conhecidas a partir das
diligências realizadas (tomada de depoimentos, análise de
documentos etc.).
Portanto, o termo de enumeração de crimes deve
incluir todas as infrações penais que estiverem sendo
apuradas no inquérito policial ou no processo criminal, além
de eventuais condutas que, conquanto não constem na
persecução penal, sejam de conhecimento do Advogado
que conduz a investigação defensiva e, dependendo do
caso, devam ser objeto de diligências.
A amplitude da investigação defensiva é uma medida
de garantia contra eventuais surpresas.
Explico: tendo conhecimento de outras infrações
penais que não integrem a persecução penal, recomenda-se
a realização de diligências no âmbito da investigação
defensiva, considerando a possibilidade de que,
futuramente, o Ministério Público faça o aditamento da
denúncia ou ofereça uma nova denúncia para iniciar outro
processo. Se isso acontecer, o Advogado já estará
preparado com os elementos de provas obtidos por meio da
investigação defensiva durante o período em que tais
infrações ainda não integravam a persecução penal.
Adotando uma linha de acordo com o exercício da
defesa, o ideal seria utilizar uma nomenclatura diferente de
"termo de enumeração de crimes", que, aparentemente,
pode refletir o sentido de que as condutas criminosas
realmente foram praticadas.
Assim, algumas possibilidades são:
termo de enumeração de supostas condutas
criminosas;
termo de enumeração de imputações;
termo de enumeração de condutas investigadas.
Como se trata de ato que não objetiva provar fatos,
mas sim organizar as condutas apuradas na investigação
criminal defensiva, recomenda-se que o referido termo não
seja juntado aos autos oficiais. Servirá, portanto, apenas
para que a defesa se organize e tenha uma visão
panorâmica do que deve investigar.
Uma dúvida que pode surgir é se teria algo de errado
na conduta do Advogado que, descobrindo crimes ainda não
investigados nos autos oficiais, não os levasse às
autoridades. Noutros termos, o Advogado deve comunicar
às autoridades os crimes que foram praticados por seu
cliente ou por terceiros?
Em relação ao cliente, há uma proteção pelo sigilo,
inclusive como decorrência da relação de confiança
estabelecida com o Advogado (arts. 5º e 6º do Provimento
n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB).
Quanto aos crimes praticados por terceiros, nada
impede que o Advogado, com a concordância do cliente,
comunique às autoridades. Aliás, essa conduta pode
constituir uma estratégia defensiva para proteger o cliente,
ganhar a confiança das autoridades que atuam na
persecução penal e, se for o caso, demonstrar eventual
interesse dos outros investigados ou réus em prejudicar o
seu cliente. Também é uma conduta que pode fundamentar
uma proposta de acordo de colaboração premiada.
Entrementes, o Advogado não tem o dever jurídico de
evitar crimes praticados por terceiros ou comunicá-los às
autoridades, considerando que não ocupa o papel de
garantidor e sua omissão não é, em tese, penalmente
relevante (art. 13, §2º, do Código Penal).
Somente não se admite que, durante ou após a
investigação defensiva, o Advogado pratique crimes ao lado
do réu ou para protegê-lo (intimidação de testemunhas,
falsificação de documentos, alteração de lugar etc.). Essa é
a linha que jamais deve ser atravessada. Por outro lado, não
existe dever jurídico de que o Advogado comunique às
autoridades eventuais crimes que venha a descobrir na
investigação.
O termo de enumeração de crimes não é imutável.
Poderá ser alterado futuramente, caso se perceba que
novas condutas criminosas devem ser adicionadas ou
alguma já mencionada nele deve ser removida, como em
casos de percepção da atipicidade da conduta.
Após o título do documento (termo de enumeração de
crimes ou outra expressão, conforme análise anterior),
recomenda-se inserir um parágrafo com um desses inícios:
“Supostamente, há elementos de que foram
praticados os seguintes crimes (...)”;
“Há análise relativa a eventual prática dos
seguintes crimes (...)”;
“De acordo com a denúncia, fulano teria praticado
os crimes de (...)”;
“Os autos oficiais apresentam as seguintes
imputações de crimes (...)”.
Também é possível fazer uma análise conjunta entre o
termo de enumeração de crimes e o termo de enumeração
de pessoas investigadas/suspeitas, de modo semelhante às
denúncias elaboradas pelo Ministério Público em casos de
pluralidade de denunciados e crimes.
Nesse caso, o termo teria os nomes e as qualificações
do cliente e de todos os investigados ou suspeitos. Em
seguida, um trecho especificando que “A, B e C teriam
praticado o crime de (...)”. Inclusive, poderia mencionar as
provas que sustentam ou afastam essa afirmação.
Com a utilização correta desses termos, o Advogado
terá uma visão geral das pessoas envolvidas e das possíveis
imputações de infrações penais. Em casos complexos, com
vários investigados/réus e muitos crimes, essa organização
tem enorme importância para que seja mantida a clareza da
investigação.
 
37. Relatório de conclusão
 
Da mesma forma que o Delegado de Polícia elabora
um relatório final ou de conclusão no encerramento do
inquérito policial (art. 10, §1º, do CPP), também é
recomendável que o Advogado o faça no término da
investigação criminal defensiva.
O objetivo do relatório de conclusão é possibilitar uma
visão geral dos atos desenvolvidos na investigação
defensiva, permitindo, inclusive, reflexões sobre os
elementos obtidos, os resultados e, se for o caso, a
especificação do que deverá ser levado aos autos oficiais.
Deve-se começar o relatório com uma descrição dos
atos mais importantes, da instauração até o ato
imediatamente anterior ao relatório, seguindo,
basicamente, a ordem cronológica da autuação.
Na descrição dos atos, recomenda-se uma
especificação quanto aos depoimentos, às perícias e às
diligências realizadas, mencionando o número da página e,
se quiser, a data da realização do ato.
Após o relato da sequência de atos da investigação,
pode-se abrir um espaço para reflexões sobre o fato e os
resultados obtidos, por meio de conclusões sobre o
arcabouço probatório reunido, inclusive comparando
elementos, confrontando declarações e interpretando
documentos que constam nos autos.
O relatório pode ser utilizado como um espaço para
que o Advogado desenvolva o raciocínio sobre os fatos
investigados e defina os próximos passos, sobretudo quais
páginas da investigação defensiva serão juntadas aos autos
oficiais.
Por esse motivo, não é recomendável juntar o relatório
final da investigação defensiva aos autos oficiais. Afinal, isso
poderia significar a explanação aberta sobre as estratégias
defensivas, o que não é aconselhável.
Verdadeiramente, deve-se tratar o relatório de
conclusão como um documento íntimo da defesa, que não
deve se tornar público, mormente para que as conclusões
não sejam de conhecimento da autoridade policial, do
membro do Ministério Público e do Juiz.
 

38. A utilização parcial dos resultados da


investigação: cuidados
 
Conforme já referido, a preparação dos autos da
investigação criminal defensiva é similar à organização de
um inquérito policial, isto é, consiste em reunir as folhas em
uma pasta, com a numeração das páginas em sequência
única, passando pela peça de instauração e pelas
diligências (depoimentos, perícias etc.), chegando ao
relatório final ou de conclusão.
Como regra, enquanto a investigação criminal
defensiva é conduzida, não se tem conhecimento de quais
partes serão posteriormente juntadas ao inquérito policial
ou processo penal, tampouco se serão juntados os
documentos originais ou cópias. Não é sabido, por exemplo,
se serão juntados todos os depoimentos ou apenas alguns
deles (os favoráveis). Aliás, há documentos ou diligências
que serão apenas parcialmente favoráveis.
Portanto, em algum momento, enquanto tramita a
investigação criminal defensiva ou após o seu
encerramento, o Advogado precisará refletir sobre quais
documentos, perícias e depoimentos serão juntados aos
autos oficiais, bem como se, em relação a cada documento,
a juntada será total ou apenas parcial.
Nesse ponto, combinando a dica referente à
numeração das folhas dos autos da investigação e a
possibilidade de juntada parcial dos resultados, surge um
problema: caso o Advogado decida juntar somente uma
parte dos autos da investigação e estando as folhas
devidamente numeradas, poderá gerar dúvidas nas
autoridades (Delegado, Membro do Ministério Público e Juiz)
sobre o que foi deixado de fora pela defesa. Em outras
palavras, como as autoridades tratarão a omissão de
algumas folhas dos autos da investigação defensiva?
Para exemplificar, imaginemos os autos de uma
investigação defensiva que tenha 100 folhas devidamente
numeradas. Refletindo sobre a melhor estratégia defensiva
e descartando os elementos desfavoráveis, o Advogado
junta aos autos oficiais apenas 20 folhas.
Após a juntada, o Delegado ou o membro do Ministério
Público percebe que as folhas estão numeradas,
apresentando sequências como: folhas 9 a 15, 43 a 47, 61 a
64 e 92 a 95. Assim, surge a indagação: o que a defesa
deixou de juntar? Seriam elementos desfavoráveis? Como
seria possível descobrir quais são esses elementos? Quem
prestou um depoimento desfavorável nos autos da
investigação defensiva?
Esses questionamentos também podem surgir na
sessão do tribunal do júri, tentando convencer os jurados de
que a numeração das folhas demonstra que a defesa não
levou ao processo todas as informações que investigou e
descobriu.
Portanto, a juntada parcial de folhas numeradas pode
ocasionar uma preocupação da autoridade policial ou do
membro do Ministério Público e acender um alerta quanto a
possíveis linhas investigativas que ainda não foram
exploradas nos autos oficiais.
O risco de gerar essa consequência e a possibilidade
de que o Juiz leve em consideração a omissão de algumas
folhas dos autos da investigação defensiva não podem levar
o Advogado a juntar tudo que se encontra na sua
investigação, incluindo eventuais provas desfavoráveis ao
investigado/réu. Afinal, se levar aos autos oficiais os
elementos desfavoráveis, o prejuízo será garantido. Por
outro lado, se deixar de juntá-los, existe apenas um
potencial de que isso seja considerado pela acusação na
definição de sua estratégia ou pelo Juiz no momento de
decidir. Dessa forma, não se deve trocar uma possibilidade
de prejuízo por um prejuízo garantido.
Ademais, é evidente que o Advogado deverá respeitar
o direito do seu cliente de não se autoincriminar (nemo
tenetur se detegere), não podendo juntar provas que o
prejudiquem.
Por outro lado, como reduzir ou exterminar o risco de
que a omissão de algumas folhas dos autos da investigação
defensiva conduza a acusação a buscar novas provas?
Uma opção válida seria deixar de numerar as folhas
dos autos da investigação defensiva, evitando que, ao fazer
a juntada parcial nos autos oficiais, sejam constatadas
sequências na numeração que demonstrem uma omissão
de algumas ou várias folhas.
Além disso, mesmo que não se faça a numeração nos
autos da investigação defensiva, permanece o risco de que,
por exemplo, um relatório, uma notificação ou uma ordem
de serviço mencione o nome de duas testemunhas, quando,
na verdade, foi juntado apenas um depoimento aos autos
oficiais. Se isso ocorrer, qualquer Delegado ou membro do
Ministério Público minimamente atento tentará descobrir
quem é aquela testemunha que, a princípio, foi chamada
para depor, mas teve seu depoimento descartado pela
defesa. O que ela disse?
Essa “lacuna” no conjunto probatório produzido pela
defesa pode ser descoberta de várias formas, como pela
análise dos números das páginas (e a percepção de que
algumas páginas da investigação defensiva não foram
juntadas) ou por meio de documentos juntados pela defesa,
especialmente notificações e relatórios que mencionem a
testemunha cujo depoimento não foi juntado aos autos
oficiais.
Se, por exemplo, o relatório final da investigação
defensiva menciona que foram ouvidas 8 testemunhas,
mas, nos autos oficiais, a defesa anexa apenas os
depoimentos de 5 testemunhas, surgirá uma indagação
quanto ao que foi omitido. Nessa situação, o ideal seria não
juntar aos autos oficiais o relatório final da investigação
criminal defensiva.
Uma dica prática para evitar esse erro na estratégia
defensiva seria elaborar um relatório para cada depoimento.
Nesse relatório, o Advogado abordaria como o respectivo
depoimento poderia ser interpretado, destacando os pontos
mais relevantes para a defesa.
Por fim, é possível que o leitor imagine que bastaria à
defesa juntar os depoimentos selecionados no momento da
apresentação da resposta à acusação, de modo que, mesmo
que o acusador perceba que alguns depoimentos não foram
juntados, não seria mais cabível a ele a indicação de novas
testemunhas, porquanto o último momento para isso seria o
oferecimento da denúncia. Em que pese o raciocínio esteja
correto, há alguns fatores que nos levam a discordar dessa
estratégia.
A questão é simples: o Ministério Público poderia
descobrir as testemunhas que foram ouvidas na
investigação defensiva e levá-las ao processo penal por
outros meios.
Em um caso de crime doloso contra a vida, por
exemplo, essas testemunhas poderiam ser arroladas para
inquirição na sessão do tribunal do júri.
Também não é raro que o Ministério Público ouça
testemunhas na sua sede, registre tudo por escrito ou por
gravação audiovisual e leve os registros aos autos como
documento. Ainda que discordemos dessa prática – que
impede a participação da defesa e do Juiz –, observa-se esse
comportamento em alguns casos, inclusive para o plenário
do júri, quando o acusador toma conhecimento de alguma
testemunha após o prazo para arrolá-la.
Destarte, é imprescindível que a defesa tenha cuidado
na juntada parcial dos resultados da investigação defensiva,
evitando que o Delegado, o Ministério Público, o querelante
e até mesmo o Juiz percebam que a defesa não juntou tudo
que produziu. Ainda que seja legalmente possível deixar de
juntar provas desfavoráveis, essa conduta, caso conhecida
pelo julgador, poderá gerar uma indisposição no momento
de julgar. Quanto à acusação, poderá buscar essas provas
desfavoráveis e juntá-las aos autos.
 

39. Quando juntar aos autos oficiais?


 
Ao iniciar uma investigação defensiva, devemos
pensar no momento decisivo: quando juntar os resultados
da investigação aos autos oficiais?
A investigação defensiva, como regra, não tem
relevância de forma isolada. Sua relevância consiste em
preparar os elementos que serão futuramente levados ao
inquérito policial ou ao processo penal. Noutros termos, a
investigação defensiva será conduzida para municiar a
versão defensiva nos autos oficiais.
Portanto, é imperativo refletir, de modo estratégico,
sobre o momento de juntada aos autos oficiais e quais são
as consequências dessa juntada em cada fase da
persecução penal.
Qual será o comportamento dos outros jogadores
diante da juntada dos resultados da investigação defensiva?
Quem são esses jogadores?
Basicamente, devemos imaginar a reação de três
jogadores: Delegado, acusador (membro do Ministério
Público ou querelante) e Juiz.
No inquérito policial, a preocupação deve ser com a
reação do Delegado, principalmente quanto a eventual
indeferimento da juntada dos resultados da investigação
defensiva.
Há Delegados que tratam o inquérito policial como
procedimento voltado exclusivamente para moldar a versão
acusatória, desconsiderando a relevância de outras linhas
de investigação favoráveis ao investigado. Muitos foram
condicionados pelos estudos para concursos que pregam,
na linha do entendimento jurisprudencial preponderante,
que não existe contraditório no inquérito policial ou, se
existe, ele seria diferido ou postergado, devendo acontecer
apenas no processo.
Assim, caso o Advogado tente juntar os resultados da
investigação defensiva ao inquérito, poderá encontrar
resistência por parte da autoridade policial, da mesma
forma (ou até mais) que encontra dificuldades para acessar
o inquérito ou requerer diligências, que são diuturnamente
indeferidas.
Se for indeferido o pedido de juntada dos resultados da
investigação defensiva ao inquérito policial, o Advogado
precisará judicializar a questão, impetrando habeas corpus
ou mandado de segurança, conforme o entendimento a ser
adotado. Enquanto isso, a autoridade policial terá ciência
dos documentos que não foram juntados e poderá seguir
outras linhas de investigação que “contestem” tudo que o
Advogado conseguiu em sua investigação.
Portanto, apesar de ter força para convencer o
Ministério Público a não oferecer a denúncia ou o Juiz a
rejeitá-la, a juntada dos resultados da investigação
defensiva durante o inquérito policial pode ser uma
estratégia ruim.
Para compreender o processo penal de forma
estratégica, precisamos de um afastamento que nos dê uma
visão panorâmica, abrangendo o início do inquérito policial
até o momento do trânsito em julgado. Com esse
afastamento, podemos compreender as vantagens e
desvantagens da juntada em cada fase.
Nesse prisma, a juntada da investigação defensiva
durante a fase policial teria a vantagem de contribuir para
eventual arquivamento do inquérito, mas teria a grande
desvantagem de possivelmente ser indeferida e possibilitar
que a autoridade policial e o Ministério Público
compreendam a tese defensiva.
Na fase judicial, seria possível juntar os resultados da
investigação defensiva com a resposta à acusação. Há
possibilidade de que o Juiz considere prova “ilícita”
(produzida sem o contraditório) e determine o
desentranhamento, mas, além de ser uma possibilidade
remota, poderia ser facilmente combatida por meio de
habeas corpus ou correição parcial, destacando que se trata
de cerceamento de defesa e que o Código de Processo Penal
permite a juntada de documentos.
Ademais, o contraditório seria feito pela acusação em
relação ao que foi juntado, não havendo necessidade de
que ele exista na produção dos elementos na investigação
defensiva, isto é, a acusação não precisaria participar da
coleta de depoimentos ou de qualquer outra diligência
empreendida pela defesa.
Por outro lado, um ponto negativo da juntada dos
resultados da investigação defensiva na fase judicial
consiste na possível manifestação contrária do Ministério
Público.
No inquérito, o Ministério Público está distante,
manifestando-se apenas sobre dilação de prazo e realização
de diligências (prisão preventiva, busca e apreensão etc.),
avaliando, ao final, se é caso de arquivamento do inquérito
ou oferecimento da denúncia. Se a defesa tiver êxito na
juntada da investigação defensiva, a tendência é que o
Delegado não comunique ao Ministério Público, ao contrário
do que ocorre no processo penal.
Em sentido diferente, se o Advogado optar por juntar a
investigação defensiva apenas durante a instrução
processual, há uma chance enorme de que o Juiz determine
a intimação do Ministério Público acerca dos documentos
juntados. Não seria absurdo imaginar que a acusação
discordaria da juntada da investigação defensiva,
argumentando, possivelmente, que se trata de prova
inadmissível.
Há mais um fator para considerarmos sobre o
momento de juntada: tratando-se de inquérito policial com
investigado que se encontra preso cautelarmente, o
procedimento tramitará rapidamente, provavelmente dentro
do prazo legal. Assim, caso se pretenda realizar uma
investigação defensiva para juntar em um inquérito policial
que tenha investigado preso cautelarmente, o Advogado
precisará empregar um ritmo acelerado de realização das
diligências.
Além disso, se o Advogado deixar para juntar a
investigação defensiva, total ou parcialmente, durante o
processo penal, terá a vantagem de surpreender o
Ministério Público, que elaborará a denúncia considerando
apenas aquilo que estava no inquérito oficial e com total
ignorância dos elementos obtidos pela defesa.
Contudo, juntar os resultados da investigação
defensiva durante o processo também significa perder a
chance de utilizá-los para tentar o arquivamento do
inquérito policial, algo que evitaria todos os transtornos de
um processo contra o réu.
A consideração sobre o perfil dos jogadores/julgadores
também é de enorme importância para a escolha do
momento de juntada da investigação defensiva.
Se o membro do Ministério Público tiver um perfil
menos combativo (mais inerte), tolerando passivamente a
atuação proativa da defesa, o Advogado poderá considerar
esse fator para optar pela juntada da investigação durante o
processo. Nesse caso, a chance de impugnação pelo
acusador seria menor, de modo que o êxito defensivo
dependeria do perfil do julgador (garantista ou punitivista).
Em suma, a definição do melhor momento para juntar
os resultados da investigação defensiva não pode ser feita
abstratamente, sem considerar as peculiaridades do caso
concreto e os jogadores envolvidos. A escolha do momento
adequado dependerá de uma avaliação profunda das
vantagens e desvantagens, assim como do perfil das
autoridades envolvidas (Delegado, membro do Ministério
Público e Juiz) e da chance de impugnação ou indeferimento
da juntada.
 

40. O que fazer se os resultados da


investigação criminal defensiva não forem
aceitos?
 
Considerando que ainda inexiste previsão legal sobre a
investigação defensiva e que não será raro que as
autoridades desconsiderem o Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB, é imperativo avaliar quais devem
ser as medidas adotadas em caso de recusa do Delegado ou
do Juiz quanto ao pedido de juntada dos resultados da
investigação conduzida pela defesa.
Primeiramente, insta recordar que os resultados da
investigação defensiva são levados ao inquérito policial ou
processo como documentos. As perícias, declarações
(escritas ou gravadas) e outras provas constituirão prova
documental, o que não impede que, nos autos oficiais, seja
novamente produzida a prova em outro formato.
Imaginemos, por exemplo, um caso em que uma pessoa é
ouvida em uma investigação criminal defensiva e,
posteriormente, seu depoimento (escrito ou gravado) é
juntado ao inquérito policial. Nada impede que depois, no
início do processo, ela seja arrolada como testemunha pelo
Ministério Público (na denúncia), pelo réu que contratou o
Advogado que a ouviu na investigação defensiva ou por
algum corréu (na resposta à acusação). Nesse caso, o
depoimento levado por escrito ou gravado será repetido em
audiência, oralmente, com a participação de todos os atores
(Juiz, Promotor, Advogados dos corréus e assistente da
acusação), que poderão formular perguntas.
A interpretação sobre os momentos da juntada de
documentos e a admissibilidade de uma prova gera várias
controvérsias, não raramente tendo resquícios de casuísmo.
No HC 265.329/RJ, por exemplo, o STJ aceitou que o
Ministério Público, no momento das alegações finais,
juntasse mídia contendo depoimento de testemunha,
inclusive com a reabertura da instrução para ouvi-la:
(...)
1. É legal a juntada de nova prova aos autos
mesmo após o término da instrução criminal,
quando o Ministério Público, no momento da
intimação para o oferecimento de alegações finais,
requer juntada de mídia com depoimento de
testemunha, bem como a oitiva desta, tendo sido
aberta a oportunidade para defesa manifestar-se a
respeito, uma vez que o Juiz entendeu ser
necessária a realização da diligência para
formação do seu livre convencimento, dependente,
como atividade ínsita ao processo penal, do
encontro da verdade por meio da reconstrução
histórica dos fatos, observados os princípios da
busca da verdade, da ampla defesa, do
contraditório e do devido processo legal.
(...)
(HC 265.329/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI
CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe
27/08/2019)
 
Contudo, quando se trata da defesa, dificilmente existe
a mesma tolerância. Não será raro se a juntada dos
resultados da investigação defensiva for indeferida e, após
levar a matéria ao Tribunal, for prolatada decisão afirmando
que não há cerceamento de defesa e que seria hipótese de
nulidade relativa, exigindo prejuízo, o que não se constata
no caso concreto. De qualquer forma, incumbe ao Advogado
insistir para que seja respeitado o direito de defesa.
Caso o indeferimento da juntada dos resultados da
investigação defensiva ocorra no inquérito policial, será
cabível a judicialização da questão por de meio mandado de
segurança – enfrentando o debate sobre a existência de
direito líquido e certo de participação efetiva da defesa no
inquérito policial – ou habeas corpus.
Se o indeferimento ocorrer na instrução processual,
será cabível a correição parcial ou a impetração de habeas
corpus ou mandado de segurança, fundamentando a
medida no cerceamento de defesa.
Deve-se sempre demonstrar o prejuízo causado pelo
indeferimento da juntada dos resultados da investigação
criminal defensiva, haja vista que a jurisprudência, a cada
dia, amplia essa exigência.
 

41. Continuar a investigação durante todo


o processo?
 
Ao contrário do inquérito policial, que cessa a
realização de diligências após o membro do Ministério
Público avaliar se é caso de oferecer a denúncia ou
promover o arquivamento, a investigação defensiva poderá
continuar tramitando sem um termo final, mesmo que
algumas partes já tenham sido extraídas e juntadas ao
inquérito ou ao processo.
Dessa forma, o Advogado poderá continuar a
investigação defensiva durante todo o processo, inclusive
durante a fase recursal ou após o trânsito em julgado,
sobretudo para a utilização dos seus resultados em eventual
revisão criminal ou na execução penal.
Urge destacar que a investigação defensiva terá o
ritmo definido pelo Advogado que a preside/conduz,
inclusive com a possibilidade de flexibilizar etapas e
prolongar ou renovar diligências. Também será possível, de
acordo com a necessidade, instaurar uma nova investigação
defensiva, caso se entenda que o objeto da investigação
atual é significativamente diferente do objeto da
investigação que deve ser iniciada.
Logo, nada impede a prorrogação da investigação
defensiva após a juntada de uma parte dos seus resultados
nos autos oficiais ou, se assim preferir, a instauração de
uma nova investigação defensiva para tratar do mesmo fato
e cliente.
Caso a investigação defensiva tenha esse caráter
contínuo, recomenda-se um controle, nos autos da
investigação, das páginas que já foram juntadas aos autos
oficiais (inquérito policial ou processo penal), evitando a
juntada de documentos repetidos. Uma breve certidão que
informe que “foram remetidos aos autos do processo n. ____
os documentos das fls. ____” seria suficiente.
Para facilitar a compreensão, vamos exemplificar:
Imaginemos um caso em que o Advogado foi
procurado pela família de alguém que fora preso em
flagrante. Nesse momento, a maior urgência defensiva é
buscar fundamentos para o relaxamento ou a revogação da
prisão, dependendo do caso.
O Advogado pode instaurar uma investigação
defensiva com o objetivo de conseguir subsídios para que o
seu cliente seja solto. Para tanto, avalia se há uma hipótese
de álibi ou de afastamento da situação de flagrante.
Também busca elementos que coloquem em dúvida o
periculum libertatis e/ou o fumus commissi delicti. Trata-se
de uma questão urgente, razão pela qual a investigação
defensiva precisará desenvolver-se em poucos dias para
que seus resultados sejam utilizados na audiência de
custódia, em uma petição ao Juiz ou em um habeas corpus.
Na investigação defensiva, serão delegadas as tarefas
para outros Advogados ou profissionais que auxiliem o
escritório, como a coleta de declarações, a realização de
diligências para conseguir documentos que comprovem
residência fixa e trabalho, a busca de comprovantes que
indiquem que o cliente estava em outro lugar no momento
do crime etc. Também serão realizadas diligências que
abordem a ausência de risco de fuga (v. g., a falta de
condições financeiras) e a necessidade de afastamento de
possíveis fundamentos para a decretação ou a manutenção
da prisão cautelar.
Ainda poderia diligenciar para conseguir informações
sobre a alteração da cadeia de custódia quanto aos
vestígios ou outras formas de atacar a materialidade da
infração penal, de acordo com as etapas do rastreamento
do vestígio (art. 158-B do Código de Processo Penal), quais
sejam, reconhecimento, isolamento, fixação, coleta,
acondicionamento, transporte, recebimento,
processamento, armazenamento e, por fim, descarte.
Em determinado momento, após a reunião de
elementos suficientes, o Advogado levaria os resultados da
investigação defensiva ao Judiciário (audiência de custódia,
petição ou habeas corpus, por exemplo), ainda que não
realize o encerramento do procedimento. Nos autos da
investigação defensiva, certificaria a extração de cópias,
para juntada aos autos oficiais, das folhas X a Y.
Em seguida, a investigação defensiva poderia
continuar com o mesmo objetivo (obtenção da liberdade) ou
com finalidades diversas, como a produção de elementos
que contribuam para o arquivamento ou trancamento do
inquérito policial ou para outro resultado favorável no
processo (absolvição, desclassificação, aspectos sobre a
pena etc.).
Observa-se, assim, a flexibilidade da investigação
defensiva.
A um, é possível extrair partes da investigação
defensiva e juntá-las ao inquérito ou processo, ainda que a
investigação não tenha sido concluída.
A dois, a extração de parte da investigação defensiva
não impede que ela continue com o mesmo foco ou com
novos objetivos. O Advogado que preside a investigação
poderá elaborar um relatório informando os principais atos
realizados até aquele momento e, em seguida, concluir que
tal investigação passará a ter outra finalidade, como a
obtenção de documentos que instruirão a resposta à
acusação. Seria, basicamente, a instauração de uma nova
investigação dentro dos autos da investigação anterior ou o
aditamento do termo de instauração.
Com habitual lucidez, Oliveira (2008, p. 26) apresenta
a vantagem estratégica de uma atuação defensiva ao longo
de todas as fases da persecução penal:
Além disso, na verdade, o defensor pode manter a
sua intervenção ao longo de todo o processo –
desde as suas fases preliminares até ao
Julgamento – ao passo que as autoridades
judiciárias mudam ao longo daquele e o próprio
Tribunal de Julgamento terá forçosamente de ser
constituído por magistrados que ainda não tenham
intervindo no processo, só podendo ainda levar em
conta a prova produzida ou sujeita a análise na
Audiência, por força do princípio da imediação da
prova – o que pode traduzir-se em mais uma
inestimável vantagem da Defesa Criminal.
 
Destarte, é possível e recomendável continuar a
investigação defensiva enquanto ela tiver utilidade,
inclusive em razão da possibilidade de juntar documentos a
qualquer momento, em qualquer fase do processo,
conforme dispõe o art. 231 do CPP (“Salvo os casos
expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos
em qualquer fase do processo”).
Considerações finais
 
A investigação criminal defensiva é um importante
instrumento de concretização da ampla defesa e de busca
da implementação real da paridade de armas entre as
partes do processo penal.
Ainda que sua regulamentação específica esteja
apenas no Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da
OAB, sua utilização é inerente a diversos direitos e
princípios constitucionais, como o devido processo legal, o
contraditório, a ampla defesa, a presunção de inocência e a
previsão de indenização por erro judiciário. Também
encontra amparo na legislação infraconstitucional,
mormente na permissão de juntada de documentos em
qualquer fase do processo (art. 231 do CPP).
Com a investigação criminal defensiva, pretende-se
superar ou mitigar vários problemas que, infelizmente,
integram a prática forense, sobretudo na fase inquisitorial e
na produção de provas. Aliás, tais problemas são
incentivados por uma jurisprudência que nega a
participação ativa da defesa no inquérito policial e, ao
mesmo tempo, fomenta a “busca da verdade real” por
Magistrados que deveriam ser imparciais.
A utilização da investigação criminal defensiva tem
especial relevância nos casos em que a investigação oficial
é falha, segue apenas linhas favoráveis à acusação ou nega
a participação da defesa (indeferimento de pedido de
diligências, por exemplo).
Aliás, como destacada França (2015, p. 105), sendo
possível a ação penal privada subsidiária da pública no caso
de inércia do Ministério Público, também teria sentido
admitir a investigação criminal defensiva quando a
investigação oficial fosse falha ou omissa. Em uma hipótese,
observa-se a pretensão acusatória, permitindo que o
particular ofereça queixa-crime quando o Parquet não agir
tempestivamente; na outra, respeita-se a pretensão
defensiva de ser ouvida durante toda a persecução penal,
inclusive na fase inquisitorial.
Evidentemente, a investigação criminal defensiva não
seria cabível somente em caráter subsidiário – quando a
investigação oficial não fosse realizada ou tivesse falhas –,
mas sim complementar. Não se tem o escopo de substituir a
investigação oficial, haja vista que o interesse defensivo é
parcial (a favor do investigado), razão pela qual inexiste
dever de colaborar ou compartilhar informações com as
autoridades.
Como vantagem estratégica, a investigação criminal
defensiva proporciona a obtenção de informações e a
possibilidade de prévia avaliação dos resultados antes que
eles integrem os autos oficiais.
No seu bojo, a defesa poderá tomar depoimentos,
realizar perícias, fazer reconhecimentos, pesquisar dados e
informações, utilizar os serviços de terceiros (inclusive
detetives), elaborar relatórios e muito mais. As diligências
somente são limitadas pela legalidade, pela ética e pelos
custos de realização, devendo ser respeitada, ainda, a
cláusula de reserva de jurisdição. Em relação a esta, a
defesa poderá provocar o Judiciário para que seja deferida a
realização da diligência, como no caso de busca e
apreensão (arts. 240, §1º, “e”, e 242, ambos do CPP).
Dessa forma, esperamos ter demonstrado, no presente
livro, a fundamentação, a possibilidade, os momentos, as
finalidades, as vantagens estratégicas, os atos, as
diligências e a formalização da investigação criminal
defensiva, bem como sua utilização nos autos oficiais e os
meios de superar as dificuldades e a ausência de poderes –
como o de requisição – disponíveis apenas para as
autoridades públicas.
Referências
 
ANTONIK, Luis Roberto. Compliance, ética, responsabilidade
social e empresarial: uma visão prática. Rio de Janeiro, RJ:
Alta Books, 2016
 
AROCA, Juan Montero. Principios del proceso penal.
Valencia: Tirant lo Blanch, 1997.
 
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[1] Como justificativa para a inexistência de contraditório e ampla defesa no


inquérito policial, há quem sustente que o respeito a esses direitos poderia
atrasar o inquérito ou prejudicar a eficácia das investigações.
[2] O art. 32 da Lei n. 13.869/2019 dispõe: Art. 32.  Negar ao interessado, seu
defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo
circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório
de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de
cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que
indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
[3] Insta salientar que a Lei n. 13.964/2019 adicionou ao Código de Processo
Penal o art. 3º-A, que diz: “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas
a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação
probatória do órgão de acusação”. Entretanto, em decisão cautelar proferida nas
ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, o Min.
Fux suspendeu a eficácia, por tempo indeterminado, do referido dispositivo
legal, assim como de outros artigos que foram incluídos no CPP pela Lei
Anticrime.
[4] Apesar de não ser um fundamento constitucional, a súmula vinculante é
editada em virtude de autorização constitucional (art. 103-A da Constituição
Federal) pelo guardião da Constituição (art. 102 da CF), qual seja, o Supremo
Tribunal Federal.

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