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8 DE CIÊNClAê HUMANAS?
LEGALISMO
E CIÊNCIA
DO DIREITO
(JiF-brasiì. Catalogação-na-Fonte
Câmara Brasileira do Livro, SP
Bibliografia.
CDU-340•11
-340.13
77-1058 -342.4
Í n d ic e s paira c a ta lo g o s i s t e m á t i c o :
1. Constituições 342.4
2. Direito z Téòria 340.11
3. Normas jurídicas 340.13
LEGALISMO
E CIÊNCIA
D O DIREITO
EDITORA ATLAS S. A.
COLEÇÃO UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS HUMANAS
Volume 9
Diagramação de
PAVEL GERENCER
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Para MIGUEL REALE e LOURIVAL VILANOVA,
dois modos de ser do atual pensamento jurídico brasileiro
7
V — CODIFICAÇÕES E APOTEOSE DA LEI ; .................................. 67
1. C ondições histórico-culturais ............................................. 67
2. R eflexos no sa b e r Jurídico ................................................. 70
3. O utros a sp e c to s ................................ 72
4. Nova alusão às Im plicações hlstórico-políticas e his-,
tórlco-culturais ......................................................................... 74
5. Revisão da Imagem histó rica do legalism o .............. 78
6. Nota so b re o prism a sociológico .................................... 79
8
PREFÁCIO DO AUTOR
9
nas vim a conhecer quando do livro praticamente pronto foi
o artigo de Herman Dooyeweerd, publicado em 1967 no Ar
chiv fuer Rechts-und Sozialphilosophie., sobre a conexão entre,
a idéia de lei e o pensamento jurídico.
O livro foi escrito, aos pedaços, entre 1961 e 1965, à
base de junção de textos e revisões sucessivas. Esteve engave
tado até maio de 1973, quando retomei e completei o trabalho.
Hesitei entre reescrever tudo e manter a forma inicial, termi
nei por conservar a estrutura geral, dando nova redação a
algumas partes, fazendo cortes e acréscimos. Em novembro
de 1976 ainda retoquei dois ou três capítulos, sem fazer gran
des alterações. Do modo como foi elaborado (e havia de iní
cio a hipótese de vir a servir como dissertação universitária),
resultaram alguns defeitos, inclusive a extensão das notas, fre
qüentemente demasiada. Peço ao leitor que, no caso, entenda
a coisa como se se tratasse de dois teclados, o do texto e o
das citações, lembrando que ambos devem ser “ouvidos”.
O livro levava de início, quando de seus primeiros es
tágios, o subtítulo de Contribuição à critica histórica da ciência
jurídica ocidental Hoje, apesar de manter a intenção basilar
que ele indica, sinto que a contribuição pode não ter sido tão
grande. Sinto particularmente que certos trechos, entre os es
critos há mais tempo, se acham carentes de um desdobramento
analítico maior e mais completo. Continuo entretanto a acre
ditar que no essencial o estudo permanece válido, e que eqüi
vale a uma parte central dentro dos trabalhos que tenho feito.
Continuo crendo na importância do entendimento histórico dos
problemas científico-sociais, e o tema do livro segue para mim
em plena linha de interesse. Recentemente, participando eni
Brasília do II Forum Nacional de Debates sobre Ciências So
ciais e Jurídicas, abordei as relações entre os conceitos de
“Direito” e “Direito Consuetudinàrio”, retomando um enfoque
que já se acha indicado no presente livro.
Nem sempre o jurista se interessa pelos ângulos históricos,
ou, em termos mais gerais, pelos aspectos do direito que saem
do meramente formal e técnico. Na medida, entretanto, em
que se interessa por tais ângulos, e por tais aspectos, ele passa
a não ser “mero” jurista — no sentido da velha frase de Lu
tero, sempre repetida: “um jurista que não seja senão mero
jurista é uma pobre coisa”.
Recife, setembro de 1977.
10
PRIMEIRA PARTE
INTRODUÇÃO
I
PROPÓSITOS E DELINEAÇÕES
13
E quando se sai para os lados, procurando ver certos pro
blemas por outros prismas, ainda aí se permanece, às vezes,
preso à crença implícita no caráter puramente formal daquelas
entidades. Faz-se às vezes Sociologia e Filosofia do Direito,
mesmo História do Direito, sem comprometer o pressuposto da
auto-suficiência conceituai do universo epistêmico que ficou sen
do chamado “Ciência do Direito”. Essa expressão necessita,
aliás, ser entendida dentro de uma circunstância.
ê claro que, aos poucos (e isso e fundamental), a cons
ciência histórica ou histórico-cultural de nossa civilização,
dita ocidental, foi sugerindo, em lances, a relatividade daquele
ponto de vista, ao criar ciências novas, tiradas da necessidade
de analisar o mundo social. A Sociologia, a Historiografia e a
Antropologia penetraram nos campos onde um saber puramen
te sistemático se situava, e se fizeram revisões importantíssimas.
E se o ponto de partida desta introdução tem porventura
algo de denúncia, é que o chamamento ao problema contraria
algumas das pretensões da teoria jurídica, apesar de que o. con
vite à revisão histórica esteja autorizado por tendências funda
mentais do pensar contemporâneo.2 De resto, em nenhuma ciên
cia social a especulação “sistemática” pode viver sem ou contra
a história: entre ela e a perspectiva histórica deve haver sem
pre mais diálogo que polêmica.
É certo que existe na teoria do direito, desde a influência
de Kant, a posição que exige a formação dos conceitos antes
de verificar incidências empíricas;3 mas isto não impede de se
saber que qualquer conceito ‘ destes é elaborado no tempo e
faz parte de um conjunto historicamente dado. Daí a relati
vidade com que se deve, entre outras coisas, ouvir falar da
“universalidade”4 do direito.
2 V. o capítulo inicial de nosso O Problema da H istória na Ciência /u r/-
dica Contemporânea, Recife, 1964. Sobre o “ caráter h istórico” da civilização
ocidental, v. o sugestivíssim o livro de Z E V E D E I BARBU, Problem s of H is
torical P sychology, London, Routledge and Kegan Paul, 1960, p. 1.
3 L O U R IV A L V ILA N O V A , Sobre o Conceito do D ireito, Recife, 1947, es
pecialm ente Capítulos II e V. Na teoria européia, esta idéia se consubstanciou,
sobretudo, em Stam m ber e Del Vecchio.
4 Assim para o texto de FRANCO A, CUSIM A NO (Sfato E tico e Stato
D em ocratico. Milano, Giuffrè, 1953, Introd., p. 13): “ Il diritto è una manifesta*
zione universale ed il suo principio codifica tu tta la vita di una. nazione, di
una società, di un p o p o lo ...”. Acrescenta que o direito “ è esso stesso filoso
fia ”. Na verdade, a abstração, de que se tira a universalização do conceito de
filosofia, im plica certos hábitos teóricos, entre os quais está a tendencia a am
pliar a experiencia do direito, moderno, com seu acom panham ento científico, até
projetar-se. e a tr ib u ir le a todos' os tempos e espaços; e é com vistas àquela
abstração e a essa tendência que se pode falar numa exigência “ filosófica” do
14
Faço questão, porém, de registrar que é difícil, ante a ne
cessidade de se partir da idéia de um saber jurídico tal como
podemos retratá-lo através de suas pretensões formais (ao que
aludia de início), e ante a de se tomar desde logo a linha
histórica, explicar o fato de que isso foi só um aspecto do
que se fez como saber jurídico. Pois a verdade, inclusive, é
que o tempo em que a cultura contemporânea se deu conta da
inserção histórica do problema da relação entre direito e saber
jurídico foi o mesmo em que vieram a furo as ciências sociais
novas que traziam subsídios para á ótica da teoria jurídica; mas.
pelo peso semântico da linguagem de séculos, a noção de saber
jurídico seguiu como sendo aquela, mencionada de início —
plantada em uma intenção sistemática e em um plano concei
tuai extra-histórico.
2. ALUSÃO AO LEGALISMO
15
DE CIÊNCIAS HUMANAS
Atualmente em todos os campos do conhecimento
humano é difícil para o estudante e mesmo para o Pro
fessor acompanhar a crescente "massa de informações: as
publicações se multiplicam, novas interpretações surgem
constantemente, as discussões .sobre èlas se sucedem e,
ademais, a interpenetração das. ciências é cada vez maior.
Diante desse volume de material, de valor e.de interesse
desiguais, torna-se indispensável uma seleção de textos
compactos e que, não obstante, sejam elaborados por re-
nomados especialistas e exponham os assuntos de forma
clara mas dentro do rigor científico que se exige.
A Coleção Universitária de Ciências Humanas foi con
cebida pretendendo atender a estas necessidades, colo
cando ao alcance de estudantes e professores obras que
permitam acompanhar os progressos feitos nas áreas de
Antropologia, Direito, Economia, Educação, Hlstõrla, Políti
ca, Psicologia e Sociologia.
Através dos livros desta coleção, em poucas páginas
os universitários terão subsídios seguros para seus traba
lhos e suas pesquisas, os professores estarão em conta
to com os constantes avanços de sua disciplina e todos
os estudiosos dos problemas do homem terão acesso a
assuntos normalmente tratados em obras volumosás e de
linguagem específica.
o ANTROPOLOGIA
® DIREITO
• ECONOMIA
® EDUCAÇAO
• HISTÓRIA
® POLÍTICA
« PSICOLOGIA
® SOCIOLOGIA
16
-escrita, ou entre experiência jurídica costumeira e experiência
jurídica legal — distinção que não é tão fácil.* 8
Idéias correntes como as de'norma, ordenamento, sistema
provêm em suma, em seu uso extenso e em seu conteúdo, desse
predomínio positivo da lei escrita, desse legalismo desenvolvido
nos últimos tempos. Legalismo comprometido em grande parte
com o estatalismo do direito, e que não é simplesmente a valo
rização da lei como expressão do jurídico, mas a tendência a
absorver todos os valores jurídicos na vocação de vigência for
mal e verbal que a norma escrita possui.9*17
ed. E JE A , Buenos A ires, 1957; Cap. IV ), que pretende um traço de identidade
entre lei e costume, fundado sobretudo no fato de que a lei só o é realm ente
se referendada pelo' uso popular; sem o qual é m era proposição do legislador.
8 Para a- distin ção entre ju s scriptum e ju s non scriptum , v. P A U L F. G L
RARD, M anuel É lém entaire de D roit R om ain, 4 .ed,, P aris, 1906, pp. 3 e 23.
O bserva adiadam ente o ilu stre rom anista que ambos diferem , não pelo Cato m a
terial da escrita, m as pelo modo de form ação: “ le ju s scriptum est celui qui
est produit par un des pouvoirs publics investís d ’un role lég islatif et qui nor-
m alem ent será redige par écrit; le jus non scriptum est celui que l ’usage pro
duit insensiblem ent et qui par suite se forme sans écriture, m ais qui naturelle-
m ent ne changerait pas de caractère parce qu’íl ferait l ’objet d ’une redaction
privée” (p. 3). P ara o tem a, v. ainda G IU S E P P E F E R R A R I, Introduzione ad
uno Studio sul D iritto Publico Consuetudinario, M ilano, Giuffrè, 1950, pp. 14 e
15, notas 6 e 9; e as páginas um tanto acadêm icas do clássico Heinéccio (P re-
leções de J. G. H E IN E C C IO aos E lem entos de D ireito C ivil, segundo a ordem
das in stitu ía s, trad. Duperron, 2.a ed., Recife, 1875, p. 22). C ertas épocas são
dessarte propícias ao adensam ento do problem a da “ form ação" de costum es: as
sim, a m edieval (com relação a ela, v. o sum ário histórico de P. L E R E B O U R S
— P IG E O N N IÊ R E , P recis de D roit International P rivé, 5. ed., D allos, P aris,
1948, p. 20; e as indicações de K O SCH A K ER , p. 186 da obra que será citada
a seguir, à nota 1 do Cap. 2, 1.a parte). De qualquer modo, não se confunde o
costume que ‘veio a ser redigido, com a lei que se fundou num costum e: veja-sé
a respeito o sugestivo livro de S. S E N T IS M E L E N D O , E l Juez y el Derecho
(iura novit cu ria), ed. E JE A , B. Aires, 1957, Cap. IV , p. 211.- — De acordo
com a cham ada teoria rom ano-canònica, o direito aceita por válido o costume
que tiver sido formado por dois elem entos, a consueíudo e a opinio (V. a res
peito É D O U A RD L A M B E R T , La Fonction du D roit C ivil Comparé, P aris, ed.
Giard et B riete, 1903, tomo I, p. I l i e segs-; E. GARCIA M A YNEZ, La D e
finición del Derecho — Ensayo de P erspectivism o Jurídico, México, 1948, p. 19).
Note-se, 'porém , que tal teoria, considerada tradicional, form alizou os requisitos
do direito consuetudinàrio sob a influência do processo histórico de predom ínio
da lei. O que ela quis ver no costume “perfeito" foi uma outra le i; por isso
não tem razão M AYNEZ ao dizer (p. 20) que nos países de direito escrito
pode haver conflito entre aquela teoria e os preceitos legais alusivos ao costu
me. Pois mesmo que estes preceitos saiam da fórm ula tradicional, terão sem
pre a incum bência de m anter o com ponente costume sob o controle do modelo
legal do direito. — F inalm ente, não se deve confundir o reconhecim ento ou a
“ aplicação" dc um costume, com a existência de um direito costum eiro: a im
posição de uma decisão com base numa prática costum eira constatada pode-se
dar dentro dum regim e exclusivam ente, legal, ao passo que o direito costum eiro
seria a presença de in stitu to s inteiros regulados por costum es, coisa que não se
dá mais.
9 P ara um conceito psicológico de legalism o, B ERN A R D R O SE N B E R G .
“ B urocracia — I, Los problem as internos de una burocracia", em E studios de
Sociologia — Stu d ies in Sociology, núm. I, ed. Omeba, B. Aires, 1961: "E l le
galismo, denom inado por D avis psicología del afirm ar-y-atenerse-a (la norm a),
y cuya regla áurea se form ula así: cum plir la norma o p a s s a r l a responsabili
dad a otro, es tal vez la consecuencia más peligrosa y patológica de la organi
zación burocrática." E m ais: “ J a v e rt,1 el oficial de polícia de. Los M iserables
de Victor Hugo, es un ejem plo perfecto del legalista" (p. 138). Claro, porém,
que tal acepção é só um dos muitos lados do problem as. Ver t^mbém as frases
de CROCE, na F ilosofia della Pratica, sobre o legalism o jesuítico.
17
3. COMO ESTUDAR O PROBLEMA
18
que é ele mesmo um testemunho da experiência que nos pro
pomos estudar. O problema não é, também, propriamente, o
de opor direito escrito e direito natural, pois esta oposição deve
também ser vista como radicando num aspecto do que, sob mira
histórica, estamos indicando.11 Nem se trata, ainda, de diferen
ciar lei e costume no sentido que já se vai fazendo convencional:
esta diferenciação,112 nesse sentido em que vem sendo feita, pre
cisa igualmente ser explicada em função do legalismo.13*19
Trata-se, portanto, de situar a relação entre o legalismo
e a ciência jurídica ocidental como fenómeno histórico. Cabe-
ría, pelo menos por enquanto, falar numa “tendência” do direito
moderno ao legalismo. E seria de cogitar para logo, por hipó
tese ao menos, se ele poderia ter tendido a uma outra forma
que não a legalista; mas não levaremos adiante, aqui, essa co
gitação. O problema está em situar um processo, e indicar nele
as motivações reais da “nossa” ciência jurídica.
Portanto, trata-se de uma crítica do fenômeno histórico que
constitui o primado da lei, em suas relações com a produção
de um saber jurídico correspondente. E não de uma crítica da
figura histórica dos legislativos (Parlamentos e Congressos),
19
e de seu papel — tão importante — entre os “poderes” do Es
tado. Justamente foi como fazedor-de-direito (ou de lei) que
o poder legislativo se valorizou modernamente. Mas isto é ou
tra coisa. Por outro lado, não nos ocupamos propriamente com
a análise da “formação” da lei no sentido do processo legisfe-
rante, este um problema de direito constitucional positivo.
Ocupamo-nos com o alcance e o significado daquele primado,
naquele prisma.
20
II
JUSTIFICAÇÃO E
DELIMITAÇÃO
METODOLÓGICA
1. 0 MATERIAL HISTÓRICO
21
Ciência do Direito tem que ver precisamente com a experiência
jurídica ocidental.1 Delimitar a investigação, portanto, mas sem
“restringi-la” propriamente.2
Quanto à referência ao Ocidente,3 é certo que os contornos
do que o termo representa são vagos, e mais ainda hoje, quan
do a ocidentalização ou europeização do mundo é um fato,4
mas há em tal idéia um conteúdo irrecusável: cultura que se
saturou de sentimento histórico e com ele inventou a teoria das
culturas e nela se classificou e se diagnosticou, distribuindo o
enorme saber obtido sobre o passado em uma série de pontos
de vista nos quais a interpretação das coisas sociais, sempre ar
mada de ânimo doutrinário, se por um lado corre o risco da
perplexidade ante vários critérios, por outro contribui para a
autoconsciência que a idéia mesma de ocidente exibe.5 A dose
de equívoco que vem hoje ao se falar de Ocidente, cujas formas,
dantes peculiares, se estendem padronizadamente pelo orbe, po
de ser compensada justamente se usamos o termo no plano his-
1 Idcia obtida no m agistral livro de PA U L KO SCH A K ER , Europa j el
Derecho Rom ano, trad. J. S. C. T eijeiro, ed. Rev. Derecho Privado, M adrid,
1955, cap. X II, G, p. 302: “ la expression “ Ciencia del Derecho" füé hallada
por la escuela histó rica alem ana, es made in Germany y fuente de muchas con
fusiones y escuridades. ( . . . ) La expression alem ana se explica unicam ente por
la tendencia de Savigny y de su escuela a dar a toda actividad, que tenga
el derecho por objeto, um caracter científico. Es este un pensam iento professo
ral y tal vez especificam ente alemán, pues los representantes de la escuela h is
tórica eran en su mayor parte profesores. Por eso no es exacta”. Mais sobre
o assunto em S P E N G L E R (cit. p. 113).
2 Ver N E L S O N SALD ANHA, A s Formas de Governo e o Ponto de V ista
H istórico, Recife, 1958, Cap. I II . Uma problem ática paralela no notável ensaio
de JU A N B E N E Y T O , D el Feudo a la Economia Nacional, E l Ensancham iento
del A m birò Econômico en su Proyección H istoricopolítica, ed. A guillar, M a
drid. 1953, Cap. I.
3 A esse respeito, imensa bibliografia: S P E N G L E R e toda a série de fi
lósofos da -história que têm tratado o tema das culturas: T O Y N B E E , S O R O
K IN , M ORAZÉ, N O R T H R O P etc. Menções ao tema na secção 2, Gênese do
Regim e C onstitucional, do capítulo prelim inar, dos Princípios de Derecho P úbli
co y Constitucional de M. H A U R IO U (trad. C. R. C astillo, 2.ed., Reus, M a
drid, 1927); igualm ente, no livro de K O SCH A K ER citado à nota 1 supra, pas
sim. A autoconsciência do Ocidente começa a desenhar-se no século X V I II :
um a m ostra no início do Cap. II das “ Considerations sur le gouvernem ent de
Pologne” de R O U SSE A U (no voi. da Garnier encabeçado pelo Du Contrai So
cial e com pletado por varías obras, 1954).' Em G O E T H E , o entendim ento de
uma projeção cultural do Ocidente sobre o mundo clássico, quando, na segunda
parte do Fausto, se passa do predom ínio de M efisto às irradiações helénicas
(F austo, trad. J. L. B orrell. ed. Univ. Puerto Rico-Rev. de Ocidente, Madrid,
1953): cf. a anotação de J.-E. SPE N L É . O Pensamento A lem ão . trad. J. C. An
drade, P orto Alegre, 1945, pp. 57-58). P ara uma diferenciação entre a ju risp ru
dência rom ana e o saber jurídico alto-m edieval, veja O T T O B R U S IIN , E l P en
sam iento Jurídico, pp. 242-243.
4 Cf. nosso artigo “ A m entalidade dem ocrática e o pensamento^ social mo
derno” , em R evista B rasileira de F ilosofia, fase. 55, jul.-set., 1964, in fine.
5 Algum as sugestõés na comunicação, de JO SÉ L O PE Z P O R T IL L O , “ El
Derecho como produto específico de la cultura ocidental y como configurante
de la vida social del mundo m oderno” ,'em E studios Sociológicos — Sociología
del Derecho, do V III Congresso M exicano de Sociologia, México, 1957, p. 187,
mormente 199, e segs. U tiliza de “ O cidente” um conceito bastante amplo.
22
tórico, em que cada cultura tem seu* processo espaço-temporal
próprio. E os contornos da idéia cultural podem ser confirma
dos pela idéia dos sistemas jurídicos e políticos, tão fecunda
como motivação historiográfica. Pouco farão o sociólogo e
o historiador, se estudarem relações ou origens sem situar os
elementos em referência ao sistema ou ao sistemas em que apa
recem.6
2. A EXPERIÊNCIA GRECO-ROMANA
23
ser, enquanto imagem histórica, função de um modo de ver,
projeção da mentalidade ocidental “moderna”. Uma verifica
ção disso, teria de registrar certas referências típicas,9
Cabe enfrentar com ressalvas, por isso, as fontes de estudo
da antigüidade, mesmo porque se sabe quão relativo é o enten
dimento de toda fonte de conhecimento dos “direitos” mais
antigos, cujo conteúdo real e existencial se esfuma por trás da
mutação de séculos e séculos. No passado, a valorização de
certas configurações coloca o sentido das coisas clássicas, e co
loca-as como exemplaridades (Ortega dizia que Goethe tinha
a Grécia como um guarda-roupas do qual tirava formas para
vestir o que via como universalmente humano ). Assim, ten
demos a prender certas imagens numa moldura fixa, e depois
a julgar tudo o mais em função delas; como reexaminá-las en
tão, e em função de que outros modelos?
24
Ill
SOBRE OS ESQUEMAS E
PONTOS DE REFERÊNCIA
25
exame histórico radica por seu tumo na questão de justapor o
perfil de um sistema jurídico ao de uma civilização,2 pois para
o desta podemos partir de primordios remotos e abranger re^
giões mais largas, enquanto que para o contorno de um siste
ma temos de ter em conta um estágio suficientemente caracte
rizado e áreas mais restritas. Na mesma cultura ocidental, por
exemplo, vemos ocorrer direito .romano e direito saxônio, di
reito canônico e direito feudal, formas que, todas pretendentes
ao rótulo de -‘sistema’’, integram-se enfim num mesmo processo
histórico-jurídico que (ao menos por comodismo) pode ser cha
mado direito ocidental, e que, entretanto, só aparece em traços
uniformes depois de visto a certa altura das revisões históricas.
Há também a dificuldade de relacionar o conteúdo da no
ção de sistema jurídico com o das várias noções de sistema
possíveis dentro dos “setores” da vida social: sistema econô
mico, político etc. Neste plano, o emprego de um tipo refe
rente ao sistema jurídico em estudo envolve uma comparação
com outros tipos que correspondem a sistemas formados para
lelamente ao sistema jurídico, no mesmo estágio histórico.
Tem-se, pois, um processo histórico “geral”, compreendido cul
turalmente. dentro dos bordos da imagem do Ocidente, e den
tro dele processos “parciais”, correspondentes a cada setor.
Assim se distinguem, como tipos e como processos: em eco
nomia, o capitalismo, em política, a democracia liberal, em
direito, o legalismo.3
Os supostos sociológicos, vinculados à presença da bur
guesia e a um transfundo cultural composto de individualismo,
racionalismo, laicismo, são de certo modo comuns a tais pro
cessos parciais, e. o são justamente à medida que se remetem
à imagem geral do crescimento do Ocidente; Vale notar que,
destes processos, o jurídico, representado no caso pelo legalis
mo, é neste sentido, o que menos tem sido estudado, em sua
significação^ histórica.
26
2. CORRELAÇÕES HISTÓRICO-POLÍTICAS
27
porque é nesse tipo de problemas e em prismas como o usado
que a pertinencia de um estudo jurídico inter-relacional se jus
tifica melhor. Uma confluência expressiva do político com o
jurídico se acha, por exemplo, na questão das formas do go
verno. A idéia da luta entre formas “opostas” foi sempre o
móvel ideológico do tema, e corresponde à imagem do trânsito
de uma forma a outra. Portanto imagem histórica. Daí que
seja necessário, em toda discussão a respeito, remeter-se ao
histórico, ainda que com um olho axiológico para ajudar a
crítica sistemática.
E tomando-se por ponto de referência a experiência de
mocrática ocidental (porque nela radicam as formas da men
talidade contemporânea mais representativas sobre isto tudo, e
mesmo sobre o sentido do que lhe é anterior), vê-se que a pró
pria questão das formas de governo se põe quando há alguma
crise, e se orienta segundo a tendência das formas novas que
surgem. Daí o material histórico do presente estudo ter sido
colocado tendo como centro de gravidade a passagem do ab
solutismo à democracia liberal na Europa. Isso sociologiza um
tanto a visão e a caracterização da experiência jurídica do Oci
dente, e faz depender da política o entendimento de certas for
mações do direito; mas por outro lado permite compreender
que as direções políticas são por seu turno embasadas ou re
validadas sobre valores jurídicos que no mesmo processo dia-
leticamente se situam.
Ver-se-á então, sob essa necessária perspectiva histórica
que tanto permite ampliar as vistas, como se apresenta a \us
tòria jurídica das culturas e dentro desta a do Ocidente. Dentro
da do Ocidente, a atitude legalista aparece como decisiva so
bretudo numa fase; e as que se chamam grandes escolas do
pensamento jurídico contemporáneo1 são ocorrências teóricas
dentro deste quadro.
Mas o legalismo continua, e de sua permanência (e crise)
se tratará também. E de certo modo é o desejo ou a sensação
de segurança que faz que os homens continuem reduzindo o
ser do direito ao ser da lei, quando sabem que o direito me
ramente legal é só um pedaço da realidade jurídica, e que o
predomínio deste direito apenas legal é ponto de apoio de cer
tas dominações sociais às vezes pouco compatíveis com o con
teúdo ético alcançado pela própria cultura moderna.
28
SEGUNDA PARTE
SOBRE A
GÊNESE DO
LEGALISMO
OGIDENTAL
I
ALUSÃO AO QUADRO GERAL
1. ESQUEMAS EXPOSITIVOS
31
legislativo, e que o acumulo de leis paradoxalmente provoca o
desenvolvimento da interpretação.1
Convém ter em vista, a tais alturas, certas observações de
caráter fundamental feitas por alguns grandes escritores jurídi
cos em torno de problemas que colidam com o nosso. Desde
logo, por exemplo, as ousadas generalizações de HAURIOU,
pejadas de intenção histórico-filosófica. Nos seus conhecidos
“Princípios”, no capítulo preliminar, secção segunda (A gêne
se do regime constitucional), o mestre francês distinguía, den
tro de umã totalizante “história do esforço humano para a liber
dade”, duas eras: a da liberdade primitiva e a das instituições.
Esta segunda era se dividiria em duas idades: a primeira, das
instituições primitivas, do costume e das nações;*e a segunda,
da escrita e da discussão, da lei escrita e do Estado. HAURIOU
atiladamente relaciona o advento da lei escrita com o da deli
beração públioa e da organização estatal, exemplificando com o
código de Hamurabi e com as Doze Tábuas. Seu postulado é
o de que tenha havido uma “liberdade primitiva” em relação
à qual as instituições devem ser entendidas como algo que, li
mitando aquela liberdade, que era a da Idade de Ouro, deu
caracteres especificamente sociais à vida humana. HAURIOU,
tentando juntar sua crença tomista com o pensamento clássico
e com o acervo francês ROUSSEAU-DURKHEIM, chega a re
ferências vagas, como a um “costume internacional primitivo
que foi o modelo em que se inspirou o caráter jurídico da pri
mitiva liberdade humana”; coisas altamente discutíveis, mesmo
porque aquela hipotética liberdade primitiva (onde há patentes
ressonâncias da velha idéia da,passagem do estado de natureza
ao estado social) não poderia adotar um modelo jurídico sem
hábitos institucionais, e as insrituiçces, diz HAURIOU, só
vieram depois. O mais característico, entretanto, é a conexão
vista entre o Estado e a escrita, que logo fez escritas as pres
crições jurídicas. Assim, a seqüência seria: do costume á lei,
e depois, dentro desta, ao constitucionalismo.2
ê verdade que o esquema é passível de críticas, meio in
gênuo e ainda visivelmente fundado numa visão linearista da
1 PA U L K O SCH A K ER , Europa y el Derecho Romano, cit., Capítulo X II,
p. 265 e seguintes. O texto de FRANK é o ensaio "P alab ras y M usica — Al
gunas Observaciones sobre la Interpretación de las L eyes”, em E l A ctual Pen-
sam iento Jurídico Norteamericano, tradução argentina, ed. Losada, Buenos Aires,
1951, pp. 187 e seguintes.
2 M A U R IC E H A U R IO U , P rincipios, cit., pp. 19 e seguintes, 26 e seguin
tes, 39 e seguintes.
32
história cultural, pecando também por certos anacronismos
como o de atribuir a episódios, que seriam da origem da se
gunda era, decisões . intelectuais que não se sabe de quem
iriam partir. Ê porém um esquema que por assim dizer sente
a questão do surgimento de um domínio do direito “legal” .
Considerações análogas se encontram na obra muito suges
tiva de ENRICO ALLORIO sobre o ordenamento jurídico. Em
determinado ponto, o mestre italiano estabelece a idéia de que
existem dois tipos básicos de ordenamento: um, paritàrio e es
pontâneo, correspondente ao costume e ao direito existente sem
a presença do Estado; o outro, autoritário, correspondente à
presença do Estado e a um direito organizado pelos órgãos
estatais. Para ALLORIO, os dois tipos revelam na verdade
“duas fases do desenvolvimento histórico da sociedade”, e ao
primeiro tipo lhe parece comparável a situação do direito inter
nacional. O próprio sentido da norma jurídica é diferente, visto
num « noutro dos dois distintos tipos.3
De qualquer modo permanece, na temática do fundamento
do valor da lei, através do pensamento ocidental, a idéia de
sua ligação com a experiência da discussão e da deliberação,
experiência que de resto também atua, precisamente, no centro
da teoria liberal da democracia.
Caberiam ainda, a propósito, várias observações menos
centrais. Uma observação, por exemplo, sobre o problema do
cabimento ou descabimento da utilização do termo lei pára de
signar a organização dos povos chamados primitivos. Este pro
blema, entretanto, acha-se envolvido por implicações lingüísti
cas: em inglês a palavra “law” alude ao direito em sentido geral,
e também às disposições legislativas, de modo que boa parte da
bibliografia se acha perfurada por ambigüidades.4 Outro proble
ma, que entretanto não analisaremos para não alongar esta
parte, seria o das relações entre as expressões “direito legislado”
e “direito codificado”, que em verdade não são idênticas, pois
33
se ligam a experiências históricas distintas, mas obviamente pos
suem bastante conexão.
De qualquer maneira, é um problema de onde tem vindo
muitos equívocos, o de uma “localização” histórica do advento
da lei escrita, que a maioria dos autores parece identificar com
o dos grandes códigos antigosJ Geralmente as concepções a
respeito se enquadram em largos esquemas concernentes às eta
pas do desenvolvimento da civilização, esquemas quase sempre
gerados doutrinariamente no século dezenove.
Por outro lado, o tema envolve alguns teimosos pseudo-
problemas. É difícil encontrar uma colocação que os evite
internamente. Observe-se que os três grandes expositores ar
gentinos, AFTALION, OLANO e VILANOVA, em sua mo
numental obra didática de introdução ao direito, aludem às
“origens do direito como pseudoproblema” ; mas fazem-no sob
um ângulo um tanto distorcido. Para eles, o pseudoproblema
viria, no caso, do fato de o direito ser conduta — é o conceito
egológico, que adotam — , e, portanto, coisa que se percebe
como presença existencial onde quer que tenham existido ho-
.mens. Na verdade o que cria o pseudoproblema é, para nós, o
fato de ser o direito uma realidade cujo conceito e cujos carac
teres variam conforme a experiência em que está plantado é fun
dado o homem que o pensa. Há uma historicidade no pensar
referente ao direito, paralela à que existe no direito mesmo.
Por isso, falar-se em direito onde não tenham existido condi
ções para uma consciência reflexiva concernente a ele (como
entre os “primitivos” ) é algo inócuo, hiperbólico ou ambíguo.
Não se pode encontrar um ponto onde começa a haver direi
to, dentro das linhas históricas (ou “pré-históricas” ), pois os
começos são sempre discutíveis — sobretudo pela interferência
das exigências conceituais que correspondem ao “nosso” enten
dimento do que o direito seja.6
5 Um caso à parte é talvez o da H ungria, cujas leis escritas, dadas pelo rei
Santo E stêvão no século XI, forsm consideradas por D A R E S T E (É tudes d ’H is-
toire du D roit, Paris, 1889, p. 250) como um muito raro caso em que, contra a
regra geral, o d ireito nacional tem origem em forma escrita. O assunto porém
m ereceria reestudo.
6 P ara a opinião criticada, cf. A F T A L IO N , GARCÍA OLANO e JO SÉ
V ILA N O V A , Introducción al Derecho (sexta edição, Atheneo, B. Aires, 1950,
Cap. X I I) . Sobre o tema, v. ainda nosso ensaio “ On the Origin of Law: H is
torical and Axiological Sides of the Problem ", em A rchiv iuer R echts — und
Sozialphilosophie, W iesbaden, 1969, voi. LV /1, pp, 1 c seguintes.
34
SUMNER MAINE, autor clássico no tocante ao tema da
história dos códigos, participava da convicção de que há um
momento em que as legislações assumem o posto de expressão
por excelência do direito. É quando se criam os códigos.7 O
que fica restando sempre é saber se existirá realmente tal “mo
mento’' em todos os sistemas jurídicos, como em todas as cul
turas (corrèspondendo-se ou não essas duas noções), e se tal
idéia não será de fato uma projeção da. mentalidade ocidental
moderna, que de sua experiência costuma deduzir analogias
para explicar o passado. Anotação correspondente cabe fazer
a PIETRO COGLIOLO, jurista típico da segunda metade do
século XIX, que, esquematizando muito característicamente a
história jurídica, opina enfático que cada povo, “a um certo
ponto de su^ evolução”, teve um código.
O argumento de COGLIOLO pressupunha uma espécie de
ciclo inexorável dentro da história de cada povo (idéia cuja
origem remonta certamente a VICO), com uma fase na qual
o Código aparece. Note-se, contudo, que o velho civilista não
encontrava similitude completa em todos os casos: para o caso
da India, per exemplo, ele entendia que o Código só havia sur
gido na época da decadência do povo, bem ao inverso do caso
romano.8
Sobre o problema poderíamos lembrar ainda a opinião
do clássico TOCQUEVILLE, que, ainda com certo apriorismo
e com linguagem ainda montesquiana, dizia que “somente no
nascimento das sociedades se pode ser lógico nas leis”.9 A frase
é simplista — sem embargo da grandeza do autor — , e em
verdade tais problemas não se põem assim. É inclusive difícil,
de um ponto de vista histórico rigoroso, falar em linguagem
e em “lógica” no tocante às épocas em que não havia legisla
ção e direito escrito: as imagens disponíveis se acham geralmen
te penetradas de distorções e de projeções posteriores.
7 A ncient Law. I ts Connection w ith the E arly H istory oi S ociety and its
R elations to M odern Ideas. 4.a edição am ericana, H. H O L T , N. York, p. 28.
8 Filosofia del D iritto P rivato, 2.a edição, F lorença, Barbera, 1891, pará
grafo 4. No B rasil da mesma época, T O B IA S B A R R E T O , estribado inclusive
em Lazarus e Steinthal, considerava a passagem do direito costumeiro ao legis
lado como uma cabal expressão da “ filogenia ju ríd ic a ": cf. Questões V igentes,
Sergipe, 1926 (O bras Com pletas), 153 e seguintes.
9 A L E X IS D E T O C Q U E V IL L E , La Democracia en A m érica, tradução,
Fondo de Cultura Econôm ica, México, 1957 (p. 110).
35
2. REFERÊNCIA AO OCIDENTE
36
Ao circunscrever a anotação sobre legalismo antigo aos ca
sos grego e romano, estou acompanhando a opinião de SPEN
GLER, que juntou Grécia e Roma num só corpo cultural (a
cultura antiga, ou “apolínea” ). Seja observado, de passagem,
que a experiência política e jurídica dos gregós e romanos foi
historicamente a mais próxima da “ocidental”, já pelo con
teúdo, já pela forma. Vale anotar, ainda, que FUSTEL.DE
COULANGES, escrevendo em meados do século passado o seu
clássico A Cidade Antiga, teve a notável percepção da unidade
formada pelas experiências grega e romana, unidade considerá
vel no plano institucional como. no lingüístico.12
Por outro lado, o problema de ter ou não havido um le
galismo na Grécia abarca o caso de Platão. Este, nas Leis,
põe de lado sua utopia de entregar a solução de tudo ao ar
bítrio supremo dos sábios, conforme se- achava dito na làrga
visão pedagógica e política da República,, e, prefere confiar em
leis para o governo da cidade e a orientação das relações sociais.
Não pensemos demais nisso, porém: naqueles tempos, não havia
ainda uma experiência — institucional, ou científica sufi
ciente para. colocar o problema do legalismo tal como o direito
dos povos modernos o permitiu. Nossa herança, da Grécia, tão
importante nos marcos etimológicos do pensar, quase não inclui
as formas gregas referentes ao direito, de resto bastante sin
gelas em face das romanas, tão presentes no legado que rece
bemos da antigüidade.
37
sem número de alusões bibliográficas e doutrinárias a citar. Mas
não vamos a tanto.
As sugestões de SUMNER MAINE, por exemplo, ficaram
como algo exemplar.14 Existem, entretanto, outras mais novas,
como as referências de SPENGLER, WEBER, JAEGER, KEL
SEN,15 todas mais ou menos no sentido de dar a pensar que
a obtenção de uma legislação democrática em Atenas e a
de um código republicano em Roma se ligaram ao surgimen
to do espírito leigo, do racionalismo e do predomínio de uma
nova classe disposta a expressar com prudência jurídica a sua
.ascensão sobre a classe aristocrática. É importante perceber que
a norma jurídica escrita apareceu sempre como instrumento
apropriado. Antimítica, antitradicional, a lei fazia ou parecia
fazer as relações políticas e jurídicas, socialmente transformadas,
escaparem ao arbítrio e à vaguidade. Contudo, no caso ro
mano, compete distinguir entre o momento histórico das Doze
Tábuas, que significou a instauração de um ordenamento es
crito em caráter ainda precário, tecnicamente imaturo, e o le
galismo da época imperial, em que a idéia mesma do direito
entrou a refletir uma experiência jurídica fundada em leis.16
É claro que a interpretação que hoje se faz destas ima
gens antigas pode ser ligada, por projeção associativa, à dos
fatos da época “correspondente” no Ocidente. Surge daí, por
exempio, a confirmação da idéia de um nascimento revolucio
nário próprio da leí. Esta idéia pressupõe a convergência de
duas imagens, a da aparição da lei no direito antigo e a do
14 A n cien t Law , cit., pp. 12 e segs. : alusão a uma "época do direito cos
tum eiro” e a uma "era dos códigos”, estudadas com exemplos antigos e com o
direito inglês. Sobre esse passo de M A IN E, ver W. FRIEDM A,NN, Legal
Theory, Londres, Stevens & Sons, 1944, pp. 126 e seguintes.
15 W E R N E R JA E G E R , Paideia — L os Ideales de la Cultura Griega, trad.
J. X irau é W. Roces, FCE, México, 1957, livro I, Caps. VI e V i l i : K E L
SEN , Sociedad y N aturaleza, trad. J. P erriaux, B. Aires, Depalm a, 1945, Cap.
IV . M aior desenvolvim ento, inclusive bibliográfico, em nosso artigo "O advento
dos códigos no d ireito antig o ”, em E studios 4* Derecho, Fac. de Derecho y
Ciencias Políticas, de la Univ. de A ntioquia, M edellin, Colombia, n.° 62, sept.
1962, pp. 447 e segs. Sobre o legalism o grego veja-se tam bém C O N ST A N T IN
P E R IP H A N A K IS , La Theorie Grècque du D roit et le Classicism e ActueJ, Athè-
nas, 1946, §§ 4.°, .15 e 16; bem como G. C A M PA N IN I, Ragione e Volontà nella
L egge, Giuffrè, M ilão, 1965, Cap. II.
16' Sobre, o prim ado da lei no antigo direito romano, v. A. M A G D ELA IN ,
L e s A ctio n s C iviles, ’.ed. Sirey, P aris, 1954, pp. 39-40. Ó tema, envolverá tam
bém, ao nível das im plicações culturais, a passagem do m ito ao logos no pen
sam ento grego. A respeito, C A SSIR E R , The m iih of the State, Yale Univ.
P ress, New H aven, 1961, parte II, Cap. V ("Logos and M ythos in the E arly
Greek P hilosophy"). O bserva J. W A L T E R JO N E S que a distinção entre di
reito escrito .e não escrito é algo reconhecido pelo direito escrito em seu ad
vento ( T hè L a w and L egal T heory of the Greeks, Oxford, 1956, p. 62). Sobre
o legalism o na religião grega, W , JO N E S , pp. 93 e segs.
38
legalismo ocidental moderno (em especial o ocidental-liberal).
HAURIOU, como se sabe, perfilhava a noção de que a lei
como tal possuiu uma origem inequivocamente revolucionária,
e essa origem era a da liberdade mesma, nascendo com as cons
tituições. Por trás de semelhante tipo de pensamento se en
contra, porém, o conceito liberal de revolução: a revolução
entendida como consecução de uma ordem “melhor” através da
supressão de privilégios “distorcivos” e da generalização da li
berdade. A liberdade é individual e é gerai, como a lei é geral.
Esta imagem quase arquetípica de uma revolução é a que certos
autores miram, quando escrevem que em toda revolução existe
e atua uma fé jusnaturalista, ou seja, um postulado segundo o
qual se deve quebrar uma organização vigente, em nome de
outra, mais alta e mais valiosa, a ser posta em vigência.17
Também a ligação entre lei e discussão, já mencionada,
nasce destes supostos e corresponde a eles.18 Ela é resultado
de antíteses, em sentido geral, e em especial provém de deba
tes, de opiniões divergentes. Portanto, corresponde a um rela
tivismo. Neste mesmo sentido ela se opõe efetivamente ao cos
tume. Na verdade, sob certo prisma se entende uma oposição
entre revolução e costume, pois este é a tradição e aquela é a
razão; o costume é a inércia, a permanência, a anuência tácita,
a raiz avoenga ,e rural, enquanto a revolução é o ímpeto urbano
e atual, a indagação, a formulação lógica, a legislação expressa.
No sentido rousseauniano, a revolução francesa devia ter sido
recuperação do natural no homem, sob envelhecidos erros e as
sentadas distorções: portanto, recomeço ortográfico e ortopédi
co, retomada de caminho, formulação nova, mas essencial.
• * *
39
A ótica retrospectiva do Ocidente, tão repetidamente exer
cida, insinua ainda que o direito romano foi ‘‘direito” em sen
tido mais próximo ao nosso do que o grego, e tinha até, mais
também que o grego, volume de leis; e sobre tais leis a juris
prudência romana tomou um sentido mais próximo ao que
chamamos ciência do direito, do que o que possa ter havido na
Grécia. Inclusive há quem ache que não existiu propriamente
um “direito grego”.19
Do mesmo modo surge, dentro da interpretação socioló
gica, a importante observação de que o momento legislativista
vem de braços dados com o predomínio econômico e cultural
do urbano sobre o rural. Trata-se de uma menção antroposso-
ciológica que exerce sem dúvida certo atrativo e convida a vin
cular certas imagens antigas às experiências modernas.20 É per
tinente anotar, todavia, que hoje se tem a vida urbana como
uma espécie de dado “normal”, como ambiência dominante,
de modo que a oposição entre o rural e o urbano com mode
ladores de opostos padrões do humano parece irrelevante. Mas
é um tema fundamental para a compreensão de transformações
mais remotas.
A ligação do predomínio da vida urbana, enquanto fato
histórico, ao do direito legal, significa também isto: os meios
rurais tendem fatalmente a marginalizar-se e retardar-se em re
lação à “vida” jurídica, às convicções e ao esperito das formas
legais e processuais, ficando retidos no costumeiro ou recebendo
essas formas de modo indireto, oblíquo ou deficiente. Este é,
aliás, um tema de pesquisa que caberia realizar em nosso país.
Para outras terras há mais indicações, inclusive históricas e li
terárias: por exemplo, no romance “Raptado” (“Kidnaped” ),
de Robert Louis STEVENSON, Capítulo 23, lê-se quê deter
minados clãs escoceses se recusavam — ainda no século XIX
— a aceitar a justiça oficial do governo central, preferindo pro
curar seus chefes próprios para dirimir contendas. E na França,
consoante observação de LÉVY-BRUHL, há províncias onde
19 Verdade seja que a “ iurisprudentia" romana* era menos teoria que a
Ciência do D ireito m oderna. A respeito, B R U S U N , op. cit., pp. 242-243, opõe
as formas m entais da jurisprudência m edieval à rom ana: para ele, somente o s.a u
tores medievais se interessaram por problem as lógicos em si mesmo e por sua
sis te m a tiz a d o (“ Y Así Quedó Fundada la Jurisprudencia como Ciencia en el
Sentido Moderno")* Ver tam bém B IO N D O B IO N D I, A rte y Ciencia dei D ere
cho, trad. A. Latorre, Barcelona, 1953, pp. 32 e segs. B IO N D I tam bém nota,
inclusive (p. 57), que a problem ática puram ente m etodológica foi alheia ao sa<-
ber jurídico de Roma.
20 Sobre o tem a “ cidade” , em geral, cf. S P E N G L E R , Decadência, passim .
40
sobrevivem costumes muitos antigos, que resistem a toda ino
vação, inclusive à aplicação do sistema métrico-decimal.21
41
II
OS ORDENAMENTOS
OCIDENTAIS
PRÉ-DEMOCRÁTICOS
42
Dada, porém, a continuidade da história ocidental, o pro
blema deve ser colocado a partir de elementos da pròpria fase
pré-democrática. O legalismo ocidental se desenvolve por certo
dentro de um processo cujo ponto maior de referência é a trans
formação democrática; mas não poderia estar em contradição
total com as realidades anteriores. Considerando-se o regime
legalista como uma espécie de vocação jurídica da cultura oci
dental, todas as épocas da história do Ocidente vão interessar
ao estudo. E se, em face das diferenciações histórico-socioló-
gicas, se considera que ele corresponde apenas a uma sua época,
esta deverá igualmente ser compreendida em contraste com a
anterior, da qual sai.
43
crita e reconhecimento oficial, e a lei que nasceu com base
num costume. Daí dizer SANTIAGO SENTIS MELENDO,
ao acentuar tal distinção, que não existem costumes escritos:
quando se fala em costumes escritos, não se quer aludir a cos
tumes criados por escrito, mas sim a costumes que posterior
mente foram reduzidos à escritura, às vezes bastante tempo de
pois de formados, e que em si mesmos seguem, todavia, sendo
costumes.2
Na Idade Média se utilizou com freqüência a idéia de lei,
mas quase sempre com sentido muito genérico, e às vezes em
acepção metafísica. Nem sempre em sentido jurídico-positivo.
Em certos autores a noção se acha ambígua, calcada nos roma
nos mas insuficientemente fixada. Como no caso de ISIDORO
DE SEVILHA, que dizia que a lei tem de ser escrita e que
nisso se distingue do costume, mas também afirmava ser a lei
uma “constituição do povo, que dos anciãos recebeu sua san
ção“.3
Uma fórmula célebre dò Decreto de Graciano dava o direi
to natural e o costume como regentes, por igual, da humanida
de.4 A propósito deste texto, o professor CARLYLE destacou
a importância do costume na vida política e jurídica da Europa
Medieval; mas houve, repita-se, uma valorização da lei na Idade
Média, como reverso ou contrapartida. E o mesmo CARLYLE
(no mesmíssimo estudo supracitado) acentua essa valorização,
firmando-se característicamente na passagem famosa de Bracton:
“Ipse autem rex non debet esse sub homine, sed sub Deo et
lege, quia lex facit regem.“
Anote-se, quanto a este ponto, que a exposição de CAR
LYLE (como aconteceria com qualquer outro de língua ingle-
2 E l Ju ez y el Derecho, citado, pp. 210-211. Sobre o "D ireito Feudal E s
crito", ver ainda L U IS W ECK M A N N , La Sociedad Feudal, México, 1944, Cap.
II. Cf. tam bém o tomo V II da H istoire du D roit et des In stitu tio n s de VÊglise
en Occident, dirigida por G A B R IE L LE BRAS ( L ’Age Classique, 1140-1378),
ed. Sirey, P aris, 1965); e PA O LO G RO SSI, L e Situazioni R eali n ell’Esperienza
Gitxridica M edievale, Pádua, Ced^m, 1968, p. 96.
3 SANTO IS ID O R O DE S E V IL H A , E tim ologías, trad. -Cortés y Gongora,
ed. BAC, M adrid, 1951, livro V, Capítulos I I I e X. P ara uma alusão ao lega
lismo inicial da Idade M édia, A L FR ED ,N.. W H IT E H E A D , A Ciência e o Afun
do Moderno, trad. São .Paulo, 1951, pp. 22 e 25. Cf. ainda o Capítulo II, título
II, do notável livro de S A LV A TO R E FO D E R A R O , II Concetto di L egge (S tu
di su la Legge n ell’Ordinam ento Giuridico Ita lia n o ), F. Bocca, M illo, 1948.
4 "H um anum genui duobus regitur, n aturali videlicet iure et m oribus”
(Apud A. J. CA R LY LE, "Some Aspects of the Relations of Roman law to Po
litical P rinciples, in the M iddle Ages", em Studi in Onore di Enrico Besta,
citados, voi. I l l , p. 187). CA R LY LE faz derivar a fórm ula de Santo Isidoro,
E tim ologías, v. 2. Sobre Graciano, M IC H E L V IL L E Y , "Sources et Portée du
D roit N aturei chez G ratien", em suas L eçons d ’H istoire de la Philosophie du
D roit, D alloz, P aris, 1957, pp. 221 e segs.
44
sa), ao traduzir lex por law, põe um pouco de confusão na
coisa, dada a amplitude do termo inglês. Além disso sua expo
sição acentua bastante a questão das relações entre o rei e o
direito (“King bound by the law” ), o que'é um problema dis
tinto.5
Quanto ao nosso problema, que se refere à lei propria
mente dita, talvez se possa colocá-lo assim: na concepção me
dieval os costumes, além de serem a “organização da comuni
dade”, aparecem ao lado do Direito Natural, completando com
este e em outro nível a base teòrico-politica do direito. Cos
tumes e Direito Natural eram considerados princípios de orga
nização social, e tinham algo de conceito-limite, pouco anali-
sável como função ou como operatividade. Enquanto isso a
lei, enquanto conceito geral, representava o direito enquanto
limitador do poder e prevenidor do arbítrio. Destarte a “su
premacy of law”, que os autores ingleses mencionam em suas
alusões, ao medievo, era supremacia da lei realmente, sobretudo
se referida aos textos legais que valiam como expressão daquela
ordem que o próprio monarca tinha de respeitar. E daí que,
no século XVI, os monarcômacos (tão importantes como con-
testadores políticos) ainda se opusessem aos reis que, além
de violar o direito natural e o divino, fraudassem as lei positi
vas do reino.6
Percebe-se, de qualquer sorte, um legalismo expresso em
vários textos jurídicos importantes daqueles séculos, a tal ponto
que se tem bem nítida a imagem de uma limitação, pelas leis,
de todo poder político pessoal; limitação de resto compatível
com o .caráter geral-das formas de “ordenação” vigentes na
Idade Média, em Política ou em Economia cómo em Teologia
e em Arte. A limitação do poder pela lei aparece de modos
variados em João de Salisbury, em Hincmar de Reims, em-Pòr
tesene e outros. Na Itália, pode-se encontrar um certo legalismo
5 A. J. C A R LY LE. "Some A spects”, local citado. P ara o texto de Brac-
ton, ver a seleção de W IL L IA M STU B BS, Select Charters, and O ther Illu s tra
tions of E nglish C onstitutional H isto ry , Oxford, 1960, pp. 411 e segs. Sobre
Bracton, cf. H O LD S W O R T H , Sources and L ite r a u r e of E nglish L aw , Oxford,
1952; idem. Som e M akers of E nglish Law , Cambridge, 1966; T. F. PLU C K -
Ñ É T T , E arly E nglish Legal L iterature, Cambridge, 1958; C. H. MAC IL W A IN ,
C onstitucionalism o A ntiguo y M oderno, trad, arg., ed. Nova, Buenos A ires, 1958,
Cap. IV .
6 Sobre os monarcômacos, J. P. MAYER, em Trayectoria del P ensam iento
P olitico (com outros autores, trad. V. H errero, FC E , M éxico, 1941), p. 135. So
bre a posição do rei m edieval e suas lim itações pelo direito, F R IT Z K E R N ,
Derechos del R e y y Derechos del P ueblo, trad. A. Lopes-Amo, ed. R ialp, M a
drid, 1955. V. também LORD E V E R S H E D , The Im pact of Sta Utes on the L aw
of England — extrato dos Proceedings of the B ritish Academy, volume X L II
(O xford, 1956, p. 252).
45
no Capítulo Décimo do Discurso Primeiro, no “Defensor da
Paz” de Marsilio de Padua. Seja também mencionado, por
suas raízes medievais, Richard Hooker, em cujo livro sobre a
política eclesiástica (1593) está expendido o conceito de que
“what power the king has, he has it by the law”, sendo embora^
certo que law, conforme visto acima, inclui o sentido de “lei”
más tem maior amplitude.7
Pode-se então considerar, conforme aliás foi feito acima,
que o papel da lei no medievo europeu consistiu basicamente
em servir de molde ou de encaixe, algo como uma delimitação
“dentro” da qual se colocava o rei, em função da ordem geral
vigente. É esta ordem geral medieval que serve de contraste aos
padrões “modernos” quando se fazem certos confrontos.8 Atri
bui-se aos padrões medievais um traço essencial de fixidade,
que se entende em conexão com a “metafísica do lugar natural”,
com valores estáveis, posições sociais fixas, dogmas indiscutí
veis, autoridades indesobedecíveis e mundos imóveis.
O fato porém, por outro lado, é que naqueles séculos, não
havia uma distinção suficiente entre direito e lei; nem mesmo
havia uma bem delineada teoria do costume. Esta, por sinal,
só surgiria no. século XIX em contraposição à idéia contem
porânea de lei.
Cabe observar, ainda, que — ao menos quanto a que se
depreende das exposições principais — prevaleceu fortemente,
ños séculos medievos, a concepção do “bom direito velho” : bom
direito é o direito antigo, assente no imemorial e seguido como
tal. Além disso, resistência à imagem do jurista como elabo-
rador de normas, pois o direito vem de Deus, não dos homens.
Colocando o problema em termos panorâmicos, ROSCOE
POUND ponderou o seguinte: teria havido, na ordem jurídica
medieval, um elemento romano, tendente à normação legal e
administrativa, estatizante; e um elemento germânico, localista,
tendente ao costume e à auto-regulação das comunidades, opón-
46
do-se à idéia de um rei-fonte-do-direito. O esquema é discutí
vel, mas faz sentido.9
47
Há que mencionar, dentro do período, a presença de MA-
QUIAVEL e todo o lento processo de laicização da política
como passo para o Estado moderno, com o advento das teorias
absolutistas e a experiência real de um Estado concentrado e
absorvente.12
Outro problema dentro da época é o da chamada “recepção
do direito romano”. Corresponde à formação dos ordenamentos
nacionais e à fase em que os modelos romanos são revistos e
manipulados por uma específica tendência sistemática, com a
presença, nas cortes, de “legistas” de vários tipos, dispostos a
coonestar o poder do príncipe. Assim a recepção instaurou o
legalismo monárquico-absolutista, onde o Estado mercantilista
era bastante forte e fez surgir o lema: un roi, une foi, une loi.
O elemento romano (a lex) foi mantido em sua forma medie
val, superando-se ao menos em principio o elemento costumeiro-
-feudal.
Como se sabe, o termo “recepção” designa todo um tipo
de processo histórico-cultural, cuja recepção do direito roma
no ñas cortes européias é um caso, ou um exemplo, maior e
mais exemplar, em .tomo do qual se fixou a expressão. KOS-
CHAKER opina que a interpretação histórica do fenômeno
da recepção envolve problemas ainda não resolvidos. Há au
tores que entendem a recepção como um caso específico da
história alemã; outros a consideram extensiva a toda a Euro
pa. Para WIE ACKER, autor de uma ariálise excepcional
mente sugestiva sobre o assunto, os caracteres da recepção
se ' entenderão mais claramente se esta for interpretada como
um processo de cientificização do direito (principalmente do ale
mão), com base num trabalho filológico italiano, chegando a
modelar todo o padrão operativo do direito ocidental. Como
se sabe, o recebido foi principalmente a teoria dos glosadores,
teoria de cujos pressupostos metodológicos se nutriu o esforço
de modernizar o saber romano, reelaborando-se o material man
tido durante a Idade Média.13
48
Um legista do século XVI, Olearius, é personagem do dra
ma histórico Goetz von Berlichingen, de GOETHE. No ató I,
a conversa do legista com o bispo revela seu perfil intelectual,
e aparece então a caricatura do legalismo, quando Olearius
opõe, ao variável das opiniões humanas, a esplêndida imuta
bilidade das leis (und die Gesetze sind unveränderlich).
* * *
49
das exigências do pensar, posto agora no plano da concreteza
social.17 O processo de secularização ou de láicização, ao ser
reexaminado por certos analistas. posteriores, em nosso século
(como Schmitt e Leibholz), se revelará realmente cheio de as
pectos significativos. É nele que aparece, inclusive, o fenômeno
da transposição de categorias religiosas para a linguagem po
lítica, o que em parte coincidiu justamente com a fase do en-
deusamento da lei e da atividade legisferante. Daí dizer LEI-
BHOLZ que, na esfera social, ocorreu uma substituição da
vontade de Deus pela vontade — também onipotente — do
legislador.18
Estes componentes todos denotam, e consolidam, o gosto
do homem “moderno” pela clarificação e pelas explicitações,
prestigiado desde logo no âmbito intelectual pelas ciências po
sitivas européias 19 e a seguir refletido no apego às declarações
políticas e jurídicas, sempre, todavia, legitimadas por um con
ceito discursivo e intelectualista da sabedoria. Tudo isso, como
se sabe, entrará em crise algumas vezes, será revisto ou recusa
do, mas seguirá sendo marca inconfundível no comportamento
político e cultural contemporâneo.
50
Ill
SURGIMENTO E
FUNDAMENTAÇÃO
DO LEGALISMO
51
afirmar que, se entre os gregos surgiu uma distinção viável
entre a lei e as demais manifestações do direito, com certo
destaque para ela, é entretanto necessário observar que o ter
mo lei significava para eles algo bastante diverso das acepções
modernas da palavra.2
No Ocidente, sobretudo nos séculos modernos, o culto à
lei se faz in abstracto, à lei como tal, à legislação como ex-
pressadora de direito: distintamente do caráter de tal lei, de
cada lei ou do passar das leis. A lei permite que alguém obe
deça a alguém, porque nasce de competências previstas e de
mandatos voluntários que legitimam a normação. Encontra
mos, portanto, uma ideologia da lei.
Enquanto em Roma a idéia de lei abarcava todos os ti
pos de preceituação para uso do povo, e entre os antigos judeus
havia uma conexão entre fonte jurídica e fonte religiosa — o
Pentateuco era por excelência a lei escrita — , o legalismo oci
dental moderno se planta sobre uma distinção basilar entre a
lei e as demais espécies de preceitos, éticos em geral e mesmo
jurídicos em particular.3
Pode-se então considerar o legalismo contemporâneo como
algo que ocorre sobretudo a partir das revoluções liberais. Es
tas em verdade firmaram o seu predomínio; vimo-lo surgindo
ou progfedindo através delas desde tendências anteriores.
Teriam sido, portanto, o período feudal e o absolutista,
cada um a seu modo, “preparações” para o tempo de domina
ção hipertrófica da lei, que começa com as mencionadas revo
luções liberais. Sob certo prisma, pode-se dizer que aquelas
revoluções são apenas episódios mais ou menos externos (em
bora indispensáveis) de uma transformação que sem dúvida
corresponde a um processo maior.
E aqui se põem várias indagações marginais, inclusive no
tocante às legislações revolucionárias. CARL CROME, expon
do sobre o direito francês, escreveu que, enquanto os direitos
antigos (inclusive o romano), admitiram como algo fundamen
tal a criação do direito através do uso popular, as legislações
2 II Concetto di Legge, cit., p. 61, W E L Z E L lembra que em C hristian T o
m asius o conceito de lei ficou referido estritam ente à lei positiva, consicíerando-
-sc um erro de seus predecessores aplicar o conceito a noções como a de “ lei
divina" (Derecho N atural y Justicia M aterial, citado, Capítulo IV, p. 209).
3 GAETANO SCIASCIA, D ireito Romano e D ireito C ivil B rasileiro, São
Paulo, 1947, pp. 46 e segs., sobre as várias definições. ED M O N D R O T H , É tu
de du System e Juridique Ju ii et de Quelques In stitutions R elevant de ce Sys
teme, ed. D. M ontchrestien, P aris, 1930, parte I, Caps. I e II.
52
do final o século XVIII uniformemente limitaram senão elimi
naram a aplicação do direito consuetudinàrio.4 Anote-se aliás,
de passagem, que em observações deste tipo permanece um du
plo sentido quanto, ao emprego do termo “direito” : o direito
admite a criação do direito, ou não admite; fala-se do direito
como sistema global, e ao mesmo tempo como atuação de uma
“fonte”.
No fundo, como se sabe, a teoria liberal dá separação de
poderes era uma garantia do legislativo e da legislação — mes
mo tendo o alcance de com isto preservar prerrogativas indi
viduais. E FODERARO afirma que, entre os resultados da
Revolução Francesa, se acha o advento do sentido “formal”
da lei. O legalismo anterior, atinente ao período absolutista,
existiu com a teoria das leis do teino, distintas das leis do rei
segundo uma diferenciação existente desde o século XVI pelo
menos; e com as “leis fundamentais”, que existiram como nor
mas superiores às leis comuns e como “ato inicial da soberania
nacional”. Existiu na Inglaterra de Cromwell com seu Instru
mento de Governo que já correspondia a um Estado centrali
zado de tipo moderno.5 O legalismo absolutista existiu, em um
sentido estrutural, plenamente. Faltou-lhe, contudo, o cresci
mento de um conteúdo doutrinário e de uma identificação ao
menos conceituai com o povo. A coisa se toma definitiva quan
do a lei passa a ser, ao menos em tese mas com intenção “uni
versal”, base de toda autoridade; expressão textual e impessoal
da vontade do grupo, que se legisla a si mesmo. E quando,
sobre seu caráter pretensamente geral e formal, se monta uma
mentalidade nova a respeito do conhecimento do direito e da
experiência jurídica. É, portanto, na época liberal que o lega
lismo se torna completo, vindo a ser, como forma doutrinária
a modo de crença ou postulado, o cerne vivo da própria idéia
de direito.
* * *
4 CARL CROM E, Parte generale del diritto privato tráncese moderno, trad.
Ascoli e Cammeo, Milão, 1906, livro I, Cap. I, § 6.°, p. 29.
5 FO D E R A R O , op cit., p. 76: JU L E S SIM O N , La L iberté P olitique, 4.“
ed., P aris, 18.71, p. 91; A. E S M E IN , É lé m e n ts d e D roit C onstitutionnel français
et compare, 4.n ed., P aris, 1906, parte I, título 2, Cap. V, p. 470; S. R. G A R D I
N ER, The C onstitutional D ocum ents of the P uritan R evolution:. 1625-1660, 3.a
ed., Oxford, 1962; J. W. GOUGH. F undam ental Law in E nglish C onstitutional
H istory, Oxford, 1961.
53
Como o absolutismo tinha sucedido a um tipo de ordem
em que a lei limitava o rei, o antiabsolutismo apelava de novo
para a lei. Só que dantes, a lei (lex) era algo mais amplo, in
cluindo níveis teológicos e admitindo reforços consuetudiná-
rios; agora a lei era a lei mesmo, separada do costume, laici
zada e tendente a considerar-se em perfil puramente formal
De qualquer modo as linhas do novo pensar social (liberal),
dentro da crescente movimentação ideológica, engrossam até a
pretensão de embasar instituições.
O contratualismo chega até ROUSSEAÜ, e é reformulado
por ele, dentro de uma doutrina onde a vontade geral se con
sidera suprema, e onde a lei aparece como formulação perfeita
da generalidade, da impessoalidade e da oportunidade. O con
trato rousseauniano, aliás utilizado no esquema explicativo do
genebrino cómo pura hipótese, ou como um dado lógico, é
uma espécie de prólogo de uma ação da qual a lei, através da
vontade geral, é o necessário epílogo. No “Contrato Social” ãs
alusões à lei estão, sobretudo, nos Capítulos XI e XVII do
livro III, mas já no inquietante “Discurso sobre a origem da
desigualdade entre os homens” ROUSSEAU havia feito o elo
gio das leis e de seu jugo salutar e doce.6
A idéia de subordinar o executivo ao legislativo, como fór
mula impessoalizante, foi propugnada por ROUSSEAU de
modo. coerente com sua visão da lei como “expressão da von
tade geral” e como norma infalível. A legislação para ele era,
portanto, expressão dá própria soberania nacional. Soberania
nacional, e vontade geral se realizavam através da lei. E por
sua influência os homens da Revolução Francesa identificaram
a lei com a Razão; identificaram-na com a Nação. O abade
SIEYÈS, o grande teorizador do Terceiro Estado e do Poder
Constituinte, desenvolveria em sua hora um conceito tipicamen
te legalista de nação: “um corpo de associados que vivem sob
uma lei comum e que são representados pela mesma legisla
tura”..
O liberalismo se generalizou como ambiente mental em
que os requisites de discussão e deliberação, feitos essenciais,
apareciam implicitamente como critérios de valor da própria
54
vida social, e ao mesmo tempo como preparadores ou elabo-
radores da lei. A vida social é a pròpria objetividade (neste
ponto ROUSSEAU antecipa pensadores do século XIX); a lei
é também objetividade, impessoalidade, e é também raciona
lidade, isenção de paixões. A tolerância, valor “ilustrado” do
século XVIII, que no liberalismo chegaria a fundar a idéia dos
partidos, não está porém presente em ROUSSEAU. Ela se
consolidou por outras vias. Em grande medida, eram as con
veniências burguesas, tão estudadas e invocadas por sociólogos
e historiadores. As mesmas conveniências que cercaram a pro
priedade de cuidados e de garantias jurídicas. Para GROE-
THUYSEN, o novo direito privado, oriundo da Revolução, se
fundou. em dois lastros : o direito romano e a instituição da
propriedade. Assim como o direito público se teria fundado
sobre o direito natural.7
O jusnaturalismo, apesar de ser em princípio e em essência
uma tentativa de apontar para algo superior ao direito positivo;
e destarte exterior a ele, foi, enquanto convicção, uma espécie
de “fonte” para os ordenamentos pós-revolucionários. Daí ad
vieram várias conseqüências doutrinárias, inclusive para a teoria
constitucional. A “superioridade” das normas constitucionais
(e sobretudo das declarações de direitos) sobre as chamadas
normas ordinárias, por exemplo, já foi explicada como trans
posição, para o direito público positivo, da idéia clássica de um
direito natural superior ao direito estatal, ou elaborado.8
Há também que mencionar o estatismo, oculto no próprio
liberalismo. Desde a criação do Estado moderno que se de
senvolveu a tendência histórica a uma junção entre o político
e o estatal, pois o Estado absorveu os demais centros de poder.
A teoria da soberania, núcleo da tematização política em di
versos momentos clássicos, completou-se à época liberal com
a teoria dos poderes do Estado. A lei, mesmo para os liberais
maiores, emanava da soberania, e portanto se ligava ao poder
do Estado. O direito, cada vez mais entendido como um “or
denamento”, correspondia a um problema dos órgãos do Estado
55
— principalmente aos órgãos legisferantes. Normas e sanções
como tarefa do Estado: fora do Estado, o passado primitivo,
o arbítrio, o privatismo. E na Escola d a ,Exegese, que foi o
grande movimento científico em tomo do Código Civil francês
de 1804, houve um forte caráter legalista e também, para em
pregar a expressão de BONNECASE, um “caráter profunda
mente estatista”.9
Havia com efeito uma contradição entré o Estado moder
no, Estado por excelência, e a pretensão liberal de reduzir a
um mínimo a presença do estatal no direito, como na economia
e na vida social em geral. Na ordem da realidade, a experiên
cia do direito legal era correlata à de um direito estatal, como
disse GARCÍA PELAYO, pois agora o Estado se destacava da
vida social, comandava-a, dava forma jurídica (sobretudo legal)
às conveniências dominantes. Note-se que CARRÉ DE MAL-
BERG definiu o Estado de Direito como aquele onde “a auto
ridade administrativa só pode usar os meios autorizados pela
ordem jurídica em vigor, principalmente pelas leis”.10
Ao passar a lei a ser expressão principal do Direito, re
sultou que toda outra norma, não proveniente do Estado, só se
toma jurídica se o Estado a consagrar, “reconhecendo-a” ou
aplicando-a. Observe-se que isto, que certos livros mencionam
como sendo algo co-essencial à “natureza” da norma jurídica,
é apenas uma conseqüência histórica do predomínio assumido
pela lei dentro de. determinado sistema e em determinada épo
ca. Talvez inclusive se possa ainda acrescentar a seguinte pon
deração: a visão do direito como lei, e como obra do Estado,
é mais propícia a tomar-se como expressão de classe ( “super-
estrutura” etc. ) do que. sua visão como costume, como vida
auto-regulada da comunidade. E isto com a burguesia, que,
entretanto, sempre tendeu a negar sua condição de classe e a
se universalizar através de imagens e de valores.
* * *
56
O legalismo deve ser relacionado com a estrutura do Es
tado liberal ocidental, não apenas pelo que este pretendeu ser
como Rechtstaat, mas também pelo fato de que nele se deu
a “positivação” da regra jurídica. O legalismo, de certo modo,
é uma máscara assumida pelo estatismo, adaptando-se ao anties
tatismo doutrinário dos liberais. Atrayés dessa máscara, a pre
sença do Estado parece reduzir-se à forma legal do direito,
mas em compensação esta forma se faz onipresente. A forma
política “Estado”, tornando-se dominante, deu definitivo apoio
à forma jurídica lei. Esta, em troca, deu-lhe respaldo em ter
mos de legitimação. A identificação entre a razão “natural” e
a razão criadora de leis, operada pela Revolução Francesa, per
mitiu que o jusnaturalismo se compaginasse com a lei positiva.
Permitiu também que o liberalismo, adverso ao Estado, se
amoldasse ao modelo legalista de normação social. O Estado
era visto, na fase ascendente do liberalismo, como uma sobera
nia popular que se desdobra e se faz governo. Seria o legalis
mo uma tendência ínsita naquilo que desde os romanos se cha
ma “Direito”, ou seria uma situação a que o Ocidente chegou,
por conta de condicionamentos políticos?
Outro problema que surgiu nas franjas doutrinárias dessas
condições novas, foi o da possibilidade de contraposição entre
a “Sociedade”, de um lado, e o “Estado”, de outro: esse pro
blema não teria podido surgir antes da época legalista. Nesta,
porém, começou a realçar-se a relação de “representação” que
devia ligar o social e o político, e isso pelo fato mesmo de co
meçarem a parecer desligados; e o Direito, que se apresentava
com o Estado, ou no Estado, era agora, em sua forma de lei,
algo qiie se “impunha” à sociedade — o que não ocorria com
o .costume, em cuja vigência não tinha sido comum discutir a
adequação das regras aos seus destinatários, A contraposição,
latente ou efetiva, real ou em doutrina, entre a Sociedade e o
Èstado (ou o Direito), obrigaria as teorias jurídicas a am
pliar fecundamente a sua temática, mas esta ficaria condenada
a permanentes vacilações.
57
por exemplo, a distinção entre direito e moral, feita desde então
sobre uma idéia de “direito” bastante distinta da antiga 11 e
entendida como “exterioridade” para se diferenciar do “inten-
cionalismo” moral. Por outro lado, o que se poderia apontar
então como técnica legislativa ou mesmo como técnica jurídica
ficou tendo a ver fundamentalmente com estruturas de códigos
e leis. O próprio fato de haver, na experiência dos ordenamen
tos democráticos ou pós-revolucionários de então, uma cons
ciência de tratar-se de “regime subseqüente”, influiu sem dúvi
da no rumo da valorização da lei. A lei aparece como expressão
verbal das projeções normativas de uma dominação nova, cheia
de pretensão à definitividade. A preocupação com a forma,
nestes novos estágios, se revela inclusive no uso de termos como
“arquitetura” (lembre-se a arquitetura da razão em Kant),
“construção” etc. O Estado, que desde o renascimento tinha
sido visto como “obra de arte”, entende-se.como algo que se
estrutura.112 Por outro lado, a velha questão das formas de
governo se redimensiona, passando-se a uma tendência dualista,
que toma o lugar das antigas tricotomías, e que se cifra inclu
sive na distinção entre governo de fato e governo constitucio
nal. O governo constitucional sendo na verdade montado de
vidamente sobre leis.13
58
IV
CONSTITUCIONALISMO
E PRIMEIRAS
CONSTITUIÇÕES
59
“recepção” do direito romano;3 consolidação do sentimento de
diferenciação nacional; laicização do poder político; e sistema-
tização da economia.
Mas, do ponto de vista cultural, o mais representativo
“fundamento” das novas formas políticas e jurídicas ficou sen
do o ideário geral do século XVIII, o iluminismo, que tem sido
objeto de variada e infindável literatura. Deísmo, racionalis^
mo, geometrismo político,4 fundamentação aprioristica de valo
res e formas institucionais, dentro da versão racionalista da
teoria do direito natural, tudo movido por um risonho otimis
mo recomeçador, apesar de outros aspectos.5
Foi a época dos aplausos às primeiras constituições.6 O
liberalismo revolucionário assumiu assim a tendência a pautar
o ordenamento sobre o elogio da lei, alimentando-a com o se
guimento de sua experiência. Encontra-se um legalismo implí
cito ou explícito entre os grandes expoentes do pensamento
constitucional de então,7 e ãs “declarações” revolucionárias de
notam claramente a mesma tendência.8
60
Refez-se o conceito de constituição. A palavra, que tinha
outro sentido nos usos antigos, assumiu dignidade nova. Con
sagrou-se o seu sentido formal, que a doutrina e a didática
desde então tiveram de cultivar como “propriamente dito” e
distinto do “material” ; e toda uma teoria das constituições veio
daí, com referência a estrutura, tipos e tudo o mais.9 E en
trou em cena a teoria do Poder Constituinte, visto sobretudo
desde SIEYÈS como base de uma legitimação positiva dà so
berania nacional autofornecedora de constituições.101 A coisa
vem sempre em termos de leis: leis constitucionais sobre leis
ordinárias.11
61
lei que era já o atributo magnífico das constituições, que da
vam alma jurídica (e portanto própria) ao Estado de Direito.
De modo que este, historicamente — como numa Aufhebung
hegeliana — , aparece operando uma simbiose daquele movi
mento centralizador, mencionado acima e existente desdé o ab-,
solutismo, com o ideário liberal-iluminista. A hegemonia da lei,
expressão formal da criatividade, jurídica deste tipo de Estado,
refletia a dupla, situação: legisferações centrais predominantes
(na área do direito público, ora em estudo, e na do privado
com os códigos, estudados adiante),13 e cheias de intenção li
beral. O ideal liberal era entretanto este: garantia com o mí
nimo de Estado. E aí talvez, neste paradoxo, a semente de
crises futuras: ou porque um liberalismo verdadeiro não pudes
se ser “definitivo”, ou porque não se coadunasse com centrali
zação política. Isto à parte do que se entendesse por “garan
tia”, para não falar nas crises no plano social, que aos poucos
iam chegando.14
Ao mesmo tempo, o que é muito importante, uma real
predominância política dos parlamentos, ou das “Assembléias”,
vistas como suporte do valor social maior, a vontade do povo
necessitada de representação.15 Predominância, aquela, revela-
13 Conforme lem bram os à nota 5, cap. I l l , 2.a P arte, tam bém na esfera
financeira a centralização significou legalism o. Veja-se O C T A V E N O E L , É tu
de H istorique de L*O rganisation Financière de la France, Paris, 1881, passim .
14 Mesmo porque, ao invés do que pretendia, a D em ocracia L iberal não
cortava am arras inteiram ente com a política, anterior; à pretensão racional de
dar estru tu ras inteiram ente novas opunha-se o fato m uito humano e m uito his
tórico das continuidades e das perm anências. A própria lei, centro dos cuidados
político-jurídicos do liberalism o, m antiha a im peratividade que tinha sido o
traço m arcante das leis absolutistas, havendo um processo de substituição,
apenas, de soberania do rei pela da nação ou das leis desde então tom adas
com m ais ênfase (dem onstrou-o M A X IM E L ER O Y , no notável La loi — E ssai
sur la Théorie de L A uiorité dans la D ém ocracie, Paris, 1908, cap. II, p. 50,
e cap. I l i , pp. 83 e segs. ; daí, diz ele, dessa origem absolutista, m anteve o
conceito de lei a m arca de autoridade e de com ando; compare-se a respeito
P R Ê L O T , Pre'CJS cit. à p. 40, e J. COSTA, Ignorância cit. à p. 101).
15 “ Le L egislateur, diz L ER O Y , étab lissait un despotism e legai absolu:
l'ord re de ¡'A ssem blèe doit saisir directam ente la nation.1’ (op. cit. à p. 56).
Fora, já, o caso de Locke, cujo esquema, diz CARL J. F R IE D R IC H , gira em
torno do legislativo, que é centro, e que deve ser ele mesmo dividido em Rei,
Lordes e Comuns (“ Le Problèm e du Pouvoir dans la Théorie C onstitutionnalis-
te", em L e P ouvoir, Tome I, P U F , P aris, 1956, p. 44). Segundo T R E V E L Y A N ,
o que ocorreu na In g laterra do século X V III foi justam ente isso: um domínio
aristocrático em que o legislativo controlava o executivo por meio do governo
de G abinete (H isto ry oi E ngland, 5th impr., Longmans, 1927, p. 510). N ascido
e criado ó parlam entarism o, alguns autores o identificariam com a própria de
m ocracia — Kelsen por exemplo —, por ser o regim e de representação por
excelência, e por ser essencialm ente o regim e da “opinião pública", conceito
que os ingleses, desde Bagehot e Dicey, tanto valorizaram .
62
da inclusive no pleito por uma “separação de poderes”.16 E
completando tudo, a marcha da democracia, no dilema entre
ter de ajustar as leis a cada passo às necessidades sociais, e ter
de fixar linhas jurídicas seguras e permanentes.
Temos assim o fenômeno histórico chamado constitucio
nalismo 17 como um dos lados ou elementos do legalismo: pre
domínio da lei na parte do direito referente ao alicerce do Es
tado. Omissão e exclusão, já bem claras e completas, de toda
•outra-..forma de expressão do jurídico para as relações corres
pondentes ao interesse da nação. A essas alturas somente o
“legal” poderia exprimir corretamente as validades políticas, e
só ele dava suficiente objetividade e certeza ao que se pudesse
“saber” como direito público — quer no sentido positivo quer
no doutrinário. \
Lembre-se finalmente, dentro da época, a estruturação do
tipo geral de instituições judiciárias que ficaria sendo o do Es
tado contemporâneo.18
63
3. O CASO BRITÂNICO
64
nental apesar de que na parte “pública” estão ambos marcados
pela obra de revoluções fundadas no espirito iluminista, bur
gués e liberal,22
A mencionada diferença é importante e deve ser tida em
conta, tanto mais que mesmo o conteúdo das “declarações”
inglesas foi já diferenciado do das outras.23 Pode-se interpretar
inclusive a posição de COKE, no século XVII, enfatizando a
competência constitucional dos juízes, como. uma posição em
que o direito em geral (e não a lei em especial, como seria de
certo modo com a soberania do parlamento) se tinha como su
premo: o direito cujo entendimento e cuja aplicação cabia aos
juízes. Ela não deve, porém, ser de modo algum exagerada.
Há semelhança cultural entre o padrão inglês ' e o continental,
suficiente para que se possam reconhecer certos denominado
res comuns para o caso.24 Muitas das diferenças entre a ciência
jurídica britânica e a continental correm mais à conta da língua,
do padrão intelectual e do temperamento nacional, do que de
peculiaridades do direito em si. COGLIOLO, há muito tempo
e acertadamente, observou que o case law britânico é “uma es-
22 No plano constitucional, os E E U U se incluem no tipo continental.
V eja-se E. LA BO U LA Y E, H ist, des Ê tats-U nis, em 3 vols. (Les colonies avant
la revolution, La guerre d erindèpendence. La C onstitution), nouvelle, éd. 1891 e
OSCAR STR A U S, L es Origines de la Forme R épublicaine du Gouvernement
d aos les Í ta ts - U n i s d ’A m érique, trad. Couvreur, 1890; TH O M A S M. C O O LE Y ,
The General P rinciples oi C onstitutional Law oí the U nited S ta tes oí A m erica,
Boston, 1880.
23 Assim JE L L IN E K , no célebre ensaio a respeito (L a déclaration des
D roits de L 'hom m e et du Citbyen, trad. G. F ardis, P aris, 1902), disia que, na
concepção inglesa, não se acentuam direitos para o indivíduo, sim deveres para
o governo (p. 51), os quais não são expressos em lei como obra duma razão
eterna, como no caso francês, m as m antidos dos an cestrais; e que na base d is
so está a idéia da lei como regra que une em contrato o governante e o povo,
idéia vigente na vida p olítica germ ânica desde os inícios (p. 52 e ségs.) H a
via, patentem ente, intenções políticas nesta interpretação, que é realm ente para
ser relativizada. Na P etition oí R ig h t de 7 de junho de 1628, apresentada ao
rei pelos nobres, o últim o item d izia: “ All wich they m ost hum bly pray of
your Most E xcellent M ajesty, as T heir rights and liberties according to the .
law s and sta tu tes of this realm ” (cf. texto em S. R. G A R D IN E R , The C onsti
tutional D ocum ents of the P uritan R evolution, 1625-1660, 3.B edição reim pressa,
Oxford, 1962, p. 69, grifos m eus). Uma interpretação diferente é a de MAR*
CAGGE, L es Origines de la Déclaration des D roits de VHornme de 1789 (P a
ris, 1912, 2.“ ed.) rem etendo as influências aos fisiócratas.
24 Algo equivoco, o pronunciam ento de RE N É D A V ID , segundo o qual "ce
qui oppose fondam entalem ent droit français et droit anglais, dans la thèorie gé-
nérale des sources du àroit, c'est la conception differente que, des deux côtés de
la manche, on entretien t de la loi écrite et de son role ( . . . ) . La conception
anglaise de la loi répose sur un sentim ent on un préjugé qui s'explique par
l'histoire : la common law est considerée comme le bastion des libertés anglaises,
alors que la loi écrite, par les possibilités d 'arb itra ire qu'elle com porte, risque
facilem ent d 'ètre l'arm e de 1» tyranie" ( Traité Élém entaire de D roit C ivil Com
paré, P aris, LGDJ, 1950, p. 302). Preferível FR IE D M A N N , segundo o qual
"the difference between the continental and angloam erican system s and m ethods
of law h a s ... been g reatly exagerated and obscured the fact th a t the real clea
vage is between political and social values, not between legal techniques" ( L e
gal Theory, ' London, 1944, preface, p. IV ).
65
pécie de código sob outra forma.25 Na verdade, o mesmo
lastro cultural ocidental modela a concepção do direito inglês
e sua relação com o saber jurídico.
66
V
CODIFICAÇÕES E
APOTEOSE DA LEI
1. CONDIÇÕES HISTÓRICO-CULTURAIS
67
acesso que dava à lei. E a tarefa de codificar foi então obra
do racionalismo dominante, traduzido no ideal de reduzir a for
mas previstas todos os casos possíveis de relações; dando, de
resto, a tais relações, um tratamento jurídico solidário (quanto
ao conteúdo) com os valores então consagrados pela ordem po
lítico-social. Por outro lado, o jusnaturalismo, que em outros
momentos de sua história esteve contra a lei positiva *34, vinha
agora aprovar a esta e reforçar o prestígio da idéia de lei* Esta
união da concepção jusnaturalista com a idéia de lei geral po
sitiva teve um de seus medianeiros no conceito rousseauniano
de lei como expressão da vontade geral: esta vontade geral era
uma categoria metafísica em atuação proscênica no drama re-
68
volucionário, e veio a dar na crença de que só está expressão,
a lei, era pròpria da vontade geral. Por este tempo, também,
a idéia de natureza era tomada pelos enciclopedistas 5 como a
mesma base das leis em sua necessidade de adequação aos fatos.
Poder-se-á notar, de resto, a importância da noção de lei na
teoria moral que se desenvolveu então.6 Assim, na legislação
constitucional e na civil, a figura da lei ficou sendò a expressão
por assim dizer mais respeitável e mais aceitável, senão a úni
ca do jurídico; e fundamentava como valor e como forma as
considerações que se fizessem sobre o direito.7 Consumado o
triunfo da idéia da lei e caracterizada sua primazia como for
ma inteligível da norma jurídica, irremediavelmente se enxota
va o direito costumeiro para o segundo plano — de onde o
levante anticodificador da Escola Histórica Alemã tentaria de
certo modo tirá-lo para devolver-lhe a perdida dignidade,
mas com êxito restrito e passageiro. Viriam, então, os progres
sos da técnica legislativa, junto com novas experiências políti
cas e novas configurações da vida parlamentar. Os progressos
da técnica legislativa, geralmente ligados à problemática elei
toral e tributária, por um lado, teriam de ser solicitados, por
69
outro, para a legislação civil e comercial específica. Ao mesmo
tempo, apurava-se a terminologia, reexaminavam-se conceitos
e categorias. Por trás de tudo, a filosofia reelaborava o tema
do fundamento do poder e do direito, ao lado do tema da no
ção genérica de lei.8 Sobre tais bases, positivas e doutrinárias,
se levantaria uma teoria da lei, desdobrada aos poucos em vá
rias teorias, num corpo temático amplo e próprio.9
70
mocracia, em cujo ideário o fato histórico da diferença entre
formas de governo se cristalizou em sistemática oposição essen
cial, os homens que viviam a experiência das codificações ti
veram a impressão de que elas seriam coisa perene. Fazer
transformação, e supor obra definitiva: algo como uma outra
“astúcia” da razão histórica, que também tem razões que a ra
zão desconhece. Por outra parte, reforçou-se em sentido novo
a distinção entre direito público e direito privado,n distinção
que por sinal é historicamente própria de certos períodos carac
terizados pela estaíização do direito.12 Com este reforço co
meçou, no campo da sistematização teórica e no campo do
ensino, a reordenação dos “ramos” do direito. Esta referência
a ramos (oriunda talvez da idéia cartesiana de uma “árvore”
da ciência) é justamente representativa da velha visão do di
reito como “ordem” na qual os setores de relações são enten
didos em função do que as normas escritas lhes assinalam.13
Visão geométrica e de certo modo estática, agora renovada. E,
vale salientar, só um ordenamento completamente escrito é que
permitiria a distribuição sistemática das relações por partes tão
meticulosamente estabelecidas.14 Uma das mais importantes de
corrências teórico-técnicas, da preocupação com a estrutura do6
códigos, foi a fixação do conceito de parte geral, peça básica,
no século XIX, da idéia de uma prevalência “científica” do
direito provado.15
11 O chanceler D ’AGUESSÈAU, em seu E s s a i D ’u n e I n s titu tio n au D r o it
P u b lic , dividiu o direito em três p artes: o direito natural, o direito público e
o direito privado (cf. reedição do bicentenário Sirey, P aris, 1951).
12 Cf. J. W A L T E R JO N E S , H is to r ic a l In tr o d u c tio n to th e T h e o ry o i L a w ,
Oxford at the Clarendon Pressi 1956, V, , p. 141. O utras discussões em nosso
artigo "D ireito Público e D ireito P rivado", em S y m p o s iu m , Rev. da Univ. Ca
tólica de Pe., 1963, pp. 94 e. sege. V. tam bém G R O E T H U Y S E N , op, cit.,
p. 241. ! i
13 H E IN Ê C IO conceituava o direito civil, tam bém chamado “ hum ano”,
como sendo “ aquele que cada povo constituiu para si, e que é próprio de cada
cidade”, e portanto referente ao que “cada nação de per $i ordena" (P reJeçoes,
cit., p. 21).
14 H á, assim, um a m otivação doutrinária e pedagógica, outra prática, no
desdobram ento dos ram os em que o “d ireito ” e o saber “ jurídico” se foram ar
quitetando, ambas de base legalista. Mesma a idéia de sis te m a , que atende à
pretensão de unidade do juríd ico e do| ¿aber respectivo, e ao mesmo tempo à
pluralidade dos ramos enquanto convergente para um fundam ento, consolidou-se
junto com essa experiência ordenadora e com esse processo de ordenação tex
tual. De um certo modo, sem elhante idéia cresce desde os com entaristas m edie
vais (W IE A C K E R , § 4: pp. 47, 143 e segs. ; K O SC H A K ER , cit. à p. 147); seu
florescim ento no lim iar da época moderna está detidam ente analisado no ensaio
de BR U Ò I, “ D alla in terp retaiio n e della legge al sistem a del d iritto ”, incluído
em P e r Ia S to r ia , cit. i nota 1.
15 A, aparição da “ parte g eral” nos códigos civis corresponde â necessidade
de colocação de c o n c e ito s b á sic o s, dentro de um ordenam ento privado todo ocupa
do por norm as legais; uma série de definições suportando o corpo de norm as
propriam ente ditas. Sua origem doutrinária (sem aludirm os ao pioneirism o do
nosso T eixeira de F re ita s) foi a pandectística alem ã, com algum as raises ante-
71
3. OUTROS ASPECTOS
72
tucional, como se viu, consagra o banimento do. que não seja
regra escrita, aparecendo aos poucos novas figuras, novos ins
titutos, novos processos, inclusive na relação entre a consti
tuição e o funcionamento dos poderes.18 Uma das fórmulas
daquela hegemonia se apresentou no célebre e praticamente de
finitivo princípio de legalidade, tão importante no Direito Pe
nal e no Processo Penal contemporâneos.19
Este princípio, oriundo do racionalismo jurídico-ilumi-
nista, implica considerar o ordenamento como base indispen
sável de toda ação processual, e por extensão, de toda ação
do Estado no plano administrativo. Deste modo, a legalidade
de todo ato incluído na esfera da atividade governamental se
exigia como critério de juridicidade. No fundo, era uma visão
correspondente à concepção liberal do poder político e das re
lações entre o Estado e os destinatários de sua ação.20 Por
outro lado, a unificação das idéias de direito e lei passa a estar
presente nas obras mais notáveis.21 Todas essas tendências se
73
acham presentes na. época do grande crescimento do saber ju
rídico ocidental e da aplicação sistemática dos códigos. Seria
interminável verificar as referências, quer contemporâneas quer
posteriores, a esse incondicional reinado da lei.22 E, entretan
to, o legalismo ainda hoje prossegue. Ao menos no sentido
positivo, o direito é ainda a lei. E mesmo os sistemas noviá,
os que querem dissentir radicalmente das formas jurídicas oci
dentais e liberais, assumiram características destes, arruma
ram-se em ramos, em corpos de leis, em códigos e constitui
ções que dão e mantêm a legitimidade da ordem social.
Em todo o caso, chegaram as condições para que o le
galismo seja criticado, ou seja: a trajetória do saber jurídico,
que tinha aprumado seus passos sobre o legalismo, enseja agora
a referência a elementos e a valores com os quais o exclusivis
mo da lei fica reduzido às suas proporções de fato histórico.
Projeção da mentalidade burguesa, tinha de chegar a um ponto
de saturação; correlato ao estatismo moderno, tinha de adoecer
na burocracia e no artificialismo; fruto de mentalidade racional,
havia de acompanhar-se de um saber crítico, posteriormente
autocrítico, e historicamente autocrítico.
4. n o v a Al u s ã o à s im p l ic a ç õ e s h is t ó r ic o -
-ROLÍTICAS E HISTÓRICO-CULTURAIS
c segs. ; Idem, Science du D roit et R om antism e, Sirey, Paris, 1928, Chap. I, nú
mero 5, p. 9 e segs. — Reduzia-se o direito ao direito positivo e este à .le i.
No B rasil, PA U LA B A T IS T A , iniciando seu Compêndio de H erm enêutica Jurí
dica, lançou a definição básica: “ H erm enêutica Jurídica é o sistem a de regras
para in terp retação das le is” (cf. edição conjunta com o Compêndio de Teoria
e Prática do Processo C ivil Comparado com o Comercial, S. Paulo, Saraiva, s.d.,
8.“ edição).
22 C A R N E L U T T I usa a expressão “ ipertrofia della légge”, referindo-se a
sistem a de fontes do. d ireito do século X IX (D iscorsi Intorno al D iritto, Cedam,'
Padova, 1937, p. 138. B L O N D E A U dizia,, realm ente, etn 1850: “ Notre sièclc est
-veritablem ent le siècle de la legislation, aucun autre n'a produit un aussi grand
nombre .de lo ìs” op. cit. à p. 245). Comenta LÉON H U SSO N , em seu m agni
fico L es Transiorm ations de la R esponsabilità — É tude sur la Pensée Juridique
(P U F , P aris, 1947, p. 31) que para o ju rista do século X IX a lei assum ia um
caráter religioso. O Ñ A T E, defensor aliás da forma legal como portadora da
certeza ju ríd ica, não hesita em condenar o excesso de leis d*o E stado moderno
confò causa de confusão e desvalor das m esmas (p. 96 e segs.). Sobre o tema
74
ma de governo, efetivamente.23 Daí, aliás, o enfoque socio
lògico poder relacionar as estruturas políticas com as jurídi
cas,24 e poder remeter o problema do direito ao de alguma
das formas de dominação. Para o Ocidente, o estudo do lega
lismo como padrão jurídico pode então ser conduzido em rela
ção com processos políticos; tanto mais que todo processo po
lítico importante, enquanto figurado pela visão retrospectiva da
historiografia ocidental, envolve adjacências culturais relevan
tes. Esta visão encheu-se de sutilezas a partir do ¡luminismo
demoliberal: daí a importância da mentalidade democrática
como ponto de referência. E então retoma-se a idéia de ter
sido, a vitória do movimento democrático, reveladora de um
determinado fundo social e cultural, que condicionou certos
modos hoje correntes de colocar problemas ligados à interpre
tação histórica das formas de organização. As revisões da his
tória intentadas sob o influxo da mentalidade democrática, fi
caram partindo quase sempre do suposto de que não só há um
progresso imánente à vida social (componente herdado do ¡lu
minismo e do laicismo), como ainda este progresso consiste 25
numa passagem das sociedades de um estágio não-democrático
a um democrático. O não-democrático seria sempre pré-de-
mocrático. E a grande ciência histórica, que tanto cresceu na
época romântica,26 manteve geralmente este esquema funda
mental da ilustração.
Entre outras coisas, o ponto de vista democrático se apos
sou do conceito de revolução, dando-lhe um sentido correspon
dente às revoluções democráticas, e incompatibilizando-o em
75
tese com outros sentidos.27 E em realidade podemos relacionar
a necessidade de justificação, implícita no trabalho legislativo
(discussão, exposição de motivos etc.), com a necessidade de
legitimar o poder pela justiça, assumida pelas instituições de
mocráticas e patente em cada grande ideologia democrática. O
ponto de vista democrático é que fez a necessidade de tipos,
desde a hora em que, por exigências polêmicas, teve de tipificar
as formas de governo para rechaçar por igual e sob um só tí
tulo as formas não-democráticas. Também o conceito de “lei”,
que apesar de tudo deriva da experiência absolutista em sua
imperatividade,2* foi remodelado pelo ponto de vista demo
crático, que lhe deu o sentido de expressão da vontade popular
(Rousseau, Assembléia Nacional etc.), fazendo considerar-se lei
propriamente dita aquela feita na democracia.29
O apelo aos tipos (só posteriormente explicitado em me
todologia) se manifestaria inclusive, para a historiografia e a
historiologia democráticas, no problema da comparação entre
formas históricas. Assim se comparam (e se distinguem) a li
berdade antiga e a moderna, a cidade antiga e a moderna etc.
E entre as comparações entre coisas antigas e modernas, enten
didas como padrões cuja linha de comunicação é a própria
História em sua explicabilidade (e em suas exemplaridades),
surge o cotejo entre códigos antigos e códigos modernos.
Com estas reesquematizações da visão da História, o pen
samento democrático (ou o que pode ser chamado tal) tende
apesar de tudo para a valorização do impessoal e do objetivo,
27 Cf. nosso Á s F orm es de Governo, citado, cap. V II, nota. 2, cap. IV , 2.a
parte, bem como o artigo “ N otas para urna T ipologia“, cit. à nota 1, cap. II,
2.a parte, local citado«
28 V. atrás a nota 14,
29 V. atrás, nota 9, cap. V, 2.a parte. Na alternativa entre aceitar- a idéia
de lei como expressão p erfeita de jurídico, e levar em conta o seu cunhp demo
crático como nota diferenciadora entre um as e outras leis, encaminhou-se a teo
ria geral do direito para a distinção éntre le i em sentido formai e lei em sen
tido m aterial. P ara F O D E R A R O , teria sido por apoio à política bism arquiana
que LABAN D desenvolveu tal distinção: particularm ente, ela perm itiu ao chefe
do executivo prussiano conduzir sua política orçam entária, considerando-se o or
çam ento como mero balanço e não lei (não lei em sentido m aterial) e portanto
independente de aprovação do Parlam ento. Cf. I l concetto di legge, citado, p.
79 e seguintes; PA U L LABAND, L e D roit P ublic de l'E m pire A llem and, trad,
francesa, Giard & B rière ed., P aris, 1901, tomo II, cap. V I, § 56 (“ entre la loi
au sens formei et la loi au sens m ateriel, il n ’y a pas la relation de genre à
espécie, de sens festrein t à sens large du m ot; ce sont deux concepts essen-
tiellem ent d ifférents, qui ont chacun leur caractère propre: Tun est le fond,
l'au tre la forme d'une décU ration de volontà” , pp. 345-346).
76
valorização que se conecta com o repúdio das formas persona
listas de governo, assim como com o que se chamará de “de
mocratização do saber”,30 e corn alegadas ou pretendidas igua-
litarizações culturais. E, ao menos na fase revolucionária e
iluminista do movimento democrático, muitos tipos de questões
são derivados do desejo de claridade.31
Destarte a valorização clássica da lei se apoiava na im
pessoalidade da sua forma textual, e havia além de tildo o fato
de que uma qualidade básica do texto era a de poder ser lido
por todos, além de ser “claro”. Munida de tais supostos é que
se volta a historiografia democrática, na época liberal, para a
reesquematização de episódios do passado.
Então, do mesmo modo que a idéia contemporânea de “re
volução burguesa” está condicionada pela semelhança encon
trada entre as revoluções de época legalista do Ocidente e as
que na antigüidade tiveram contornos sócio-culturais “corres
pondentes” (semelhança aliás construída de certa maneira pela
ética dos historiadores), assim também a equiparação entre lega
lismo antigo e moderno 32 é produto de uma perspectiva idênti
ca: ela se tomou possível dentro dos padrões rotulados “o an
tigo” e “o moderno”, e a própria evolução do pensar jurídico
“moderno” é que permitiu chegar a uma idéia tal. Seu valor
é relativo, e ela faz parte da série de standards que o pensa
mento histórico usa para situar e estimar sua própria época.
77
5. REVISÃO DA IMAGEM HISTÓRICA DO LEGALISMO
78
ciá-los dos outros no tempo. Aí a experiência legalista se in
corpora realmente às tendências culturais contemporâneas, En-
tender-se-ão neste prisma as perspectivas de oposição em que
se puseram certas posições em teoria social: o racionalismo re
volucionário atraiu contra si o tradicionalismo, o liberalismo
provocou a “reação” restauradora e o historicismo veio con
tra o legalismo. Apesar do antiabsolutismo expresso de SA-
VIGÑY,39 a “atitude” histórico-romântica ficaria, enquanto po
sição, vista como antiliberal, e para as revisões esquemáticas a
conjugação permanente seria entre legalismo e democracia li
beral
Assim se explica que, em certos expositores típicos da
teoria jurídica novecentista, se ponha a necessidade da base
popular da lei (legislação) no Estado moderno como decorrên
cia de um pressuposto tácito: o da ligação entre democracia e
lei.40
E o fato da relativa permanência do legalismo correspon
de, hoje, à continuação de padrões culturais adotados pelo
trabalho jurídico ocidental em seu sentido amplo.
79
nação que o sustentaram. E ocorre, destaque-se, que a pers
pectiva sociològica é também representativa da pròpria mentali
dade democrática,41 sendo a Sociologia mesma uma formação
dos tempos contemporâneos e correspondente a necessidades
teóricas da própria vida social destes tempos. As condições de
teorização de um problema social aparecem sempre, como se
sabe, quando o problema se faz bastante “presente”. Assim,
mesmo tomando o enfoque sociológico como um modo de a
própria Democracia se analisar histórico-socialmente, o enfoque
é legítimo, porque a tais alturas toda relação entre estrutura
social e forma de conhecimento social tem de ser caracterizada
por mútua implicação.
E sendo estrutural e buscando tipos a obter nas variáveis
históricas a comparar, a análise sociológica do tema (que aqui
é apenas sugerida e esboçada) deveria ou poderia dar por vá
lida aquela equiparação já mencionada entre o legalismo dos
códigos antigos e o das legislações modernas, que, como foi
dito, exprime a tendência a reduzir a esquemas o material his
tórico, como meio de valorizar o presente distinguindo-o do
passado e explicar o passado assimilando-o ao presente.42
80
çais, citado, núm. 104, p. M l; J. C A L M E T T E , La Société Feódale, ed. A. Co
lin, P aris, 1938, pp. 41 e 56 e segs.) e como expressador de uma espécie de con
fiança; essa confiança não a têm os burgueses quando tomam o poder, pois que
fixam a conquista por texto s. E quando a situação se consolida, e a nobreza já
não conta, a perm anência dos textos e de sua valorização sugere a perm anência
duma desconfiança. Contra quem? V eja-se, de resto, que desde então tudo tem
de constantem ente ju stiticar-se : cada sistem a político, econômico, pedagógico.
Seria a desconfiança uma nota própria do tipo humano cham ado burguês? P en
sa isto ORTEGA, que nò ensaio sobre Kant deu a Economia e o D ireito como
disciplinas típicas da “ cau tela" burguesa ( T ríp tico , B. A ires, 1944, p. 72); in
sinua-o LASKI (E l L iberalism o E uropeo, trad. V. M iguélez, México, 1953, pp.
142-143). O utras indicações: W IE A C K E R , . H istória, cit. p. 433; M. H A L B -
W ACHS, L as Clases S ociales, trad. M. Aub, México, 1954, p. 68; S C H U M P E
T E R , Capitalism o, Socialism o y D em ocracia, citado acim a, p; 191. T alvez seja
substancializar dem ais, atrib u ir a uma classe indicações psicológicas tão defini
das e tão totais. Seja como for, o pensam ento social ligado às transform ações
d itas burguesas nunca se desvencilhou do sentim ento de vinculação a regim es
“posteriores", que têm de estar explicando sua superioridade; e há que pensar-
-se no gosto desses regim es pelas garantias, inclusive na ordem constitucional.
A legislação posterior às revoluções liberais teve esse sentido. (Cf. notas 8 e
9, cap. IV , 2.“ p arte; v.. tam bém R E G IN E P E R N O U D , L es origines de Ja
Bourgeoisie, PU F, P aris, 1956, Cap. I l l , p. 31; A. D E C O U F L É , Sociologia das
R evoluções, trad. H. D antas, S. Paulo, 1970, Cap. I I, m. I l l ; e a nota 191.
no. livro de FER N A N D O SA IN É D E BIJJA N D A , Hacienda y Derecho, ci
tado, p. 321). E d esta questão de superveniencia e superações não saiu o
ritm o das .questões sociais no O cidente desde então, alternando-se. posições reci
procam ente acusadas de radicalidade ou conservantism o. Voltam os ao problem a
de saber se a experiência do legalism o corresponde ao “ O cidente" como um
todo, ou se a uma classe dom inante era uma sua fase.
81
TERCEIRA PARTE
PRIMADO DA LEI
E CIÊNCIA
DO DIREITO
I
BASES DA PRIVATISTICA:
INTERPRETAÇÃO E FONTES
85
Saber direito ficou sendo cada vez mais saber leis. O que
for para se saber além disso, terá de ser através disso ou com
base nisso. E a “aplicação” do direito ficou logicamente enten
dida como cumprimento de leis: e daí que o direito dito priva
do, no qual como tarefa profissional aquela aplicação tinha um
sentido mais nítido, obteve sensível predomínio quanto a certos
temas centrais da teoria geral, como no caso da teoria das
fontes e da interpretação.3
Sem uma preponderância da forma lei como modo de ex=
pressão do direito, seria praticamente impensável o problema
direito, se diz "conjunto de regras, princípios, doutrinas", como entender os
princípios — que historicamente são tendências —-, sem se pôr dentro das re»
gras, nem das doutrinas?). Então são jurídicos os princípios, antes mesmo de
virarem texto, na lei que os consagra. O que tem acontecido, é que a noção
de direito, que temos hoje, corresponde à de "objeto do saber jurídico": deduz»
•se o objeto a partir do saber (que tem sido muita coisa) e não vice-versa. Se
se deduz, então, a idéia do direito, ou seja, do objeto do saber jurídico, à de
direito positivo, que é principalmente o legal, ficam “sobrando” vários elementos
que v in h a m entretanto sendo temas do saber jurídico. Como tendência, a idéia
que sc faz do conceito do direito é uma confluência de temas (o tema da jus
tiça, o da certeza, o da bilateralidade). Quando se dava o direito ampiamente
como organização social ou coisa parecida, cabiam para si muitos temas, que
foram compondo os saberes jurídicos, e que continuam sendo cultivados mas já
não cabem no conceito do direito, se reduzido. Então, há hoje como que uma
antinomia latente entre o conteúdo do saber jurídico e a concepção legalista do
direito como .positivo. E toda purificação metodológica desse saber servirá ape»
nas para manter uma ilusão, a de que se possa tratar do direito sem utilizar
saberes que dão conta de seus diversos aspectos.
3 Sobre a d istinção, em plano geral, A. S T E R N , L a F ilo so fia de la H isto ria
y el P ro b le m a de lo s V a lo re s, trad. O. N U D L E R , B. Aires, 1963, cap. VI. —
V eja-se a caracterização de G. R EN A RD (La V a le u r de la L o i, 1928, Ze. lesson,
p. 30) : “ Le droit n atu ral n ’est point un Systeme achevé, il s ’achève à la ma
nière d'un principe qui se realise en se diversifiant dans les différents systèmes
de dro it p o sitif.” . Que é isto? Um. derivado da noção de sistem a, europeu-mo-
derno, de. d ireito positivo : a idéia de ordem que se vai realizando em cada
sistem a supõe que cada sistem a esteja referido a eia a p rio r i , mas de fato eia,
a ordem ju ríd ica “ n a tu ra l”, é um conceito construído por projeção e para ju sti
ficação d o u trin ária dos conteúdos ou das form as existentes.
E stes tópicos, teoria da lei, das fontes, da interpretação etc., desenvolvi
dos que foram sobre o modelo privado, ajudaram a desenhar sobre tal^ modelo o
traçad o tem ático do saber jurídico. Depois é que certos autores cuidaram de
distin g u ir, como espécies distintas, form as de interpretação referente a cada
grande "ram o" do direito, inclusive o constitucional (ver C. M A X IM IL IA N O ,
H e r m e n ê u tic a e A p lic a ç ã o do D ir e ito , ed. Globo, Porto A legre, 1933, números
357 e segs; SA N T I-R O M A N O , " L ’interpretazione delle leggi di dir. público"
em P ro lu sio n i e D isc o rs i A c c a d e m ic i, Modena, 1931 ; C. CA R B O N E, L *interpre-
ta zio n e d e lle n o rm e c o s titu z io n a li, Padova, 1951): m as na Vercfade o que se viu
foi um a adaptação do que a p riv atistica tinha feito, o que aliás vinha corrobo
rar um a certa tendência de trazer para a publicística e para o próprio direito
adm in istrativ o a m etodologia e os conceitos do direito civil. — P ara dar üm
exemplo, b asta indicar o problem a da “vacatio legis", que, de problem a m era
mente privado, chegou a tom ar lugar em certas obras dê teoria jurídica geral
e a p articip ar da própria problem ática constitucional. SA LV A TO R E F O D E R A
I O (op. cjt., cap. I I, 2.a p arte) observa que, de trazer os códigos civis , d is
posições in trodutórias sobre publicação e interpretação das leis em geral, fi
cou a teoria- da lei considerada como trabalho para civilistas. Tam bém a teoria
do “ ato ju ríd ico " se fundou toda em esquem as conceituais de direito privado;
veja-se a definição de W indscheid: "O ato jurídico é um a declaração de vonta
de • privada d irig id a, para a criação de um efeito ju ríd ico ” (apud L. D U G U IT ,
L a s T ra n s fo rm a c io n e s G en era les d e l D erech o P riv a d o d esd e e l Código dé N apo
ie ó n . x v ad. C.G.P., M adrid, p. 102).
86
da interpretação. Este é um problema que, se porventura exis
tia antes, assumiu feição inteiramente nova. O que, num direito
ainda não legalizado, apareceria por hipótese como necessidade
de interpretação, seria talvez a consulta aos presságios em cer
tas fases de Roma, ou mais próximamente a dúvida quanto
à extensão de um costume ou à conveniência de um rito. Só
a existência de dispositivos formalizados em texto faria nascer
uma função intelectiva com permanente presença na prática do
direito, como a interpretação.4 O direito visado pela interpre
tação não poderia mais ser considerado “natural” : não só no
sentido de que era positivo, escrito, mas também nó sentido de
que não tinha a espontaneidade meio vegetativa com que o cos
tumeiro “brota” ; era antes algo artificial, elaborado, culto.5
Certamente a moderna atividade interpretativa vinha, no
sentido institucional, da época do absolutismo,6 mas no sentido
liberal e no constitucionalismo tomou dimensão nova.7
4 E mesmo assim , o trabalho interpretativo só aos poucos se tornaria im
portante. No período ab solutista do direito europeu, os textos serviram para
dim inuir o papel do juiz (BACON : “ Judges ought to rem em ber th at their offi
ce is ’jus dicere’ and not ’ju s d are’; to enterpret law, and not to make law, or
give law " — Essays, L V I: “ Of Judicature", em The M oral and H istorical
W o rks Úi Lord Bacon, ed. J. Devey, London, 1890, p. 146), mesmo quando en
trasse a palavra in terp retar. Sem embargo, H O B B E S era surpreendentem ente
m ais aberto para com o trabalho do ju iz : para ele, todas as leis precisam de
interpretação, as escritas e as não escritas, e a verdadeira interpretação, dizia,
não é a de quem com enta a lei — obra sempre m ais discutível do que os pró
prios dizeres da lei —, e sim a do juiz na sentença, onde aplica ao caso o di
reito adequado e até então debatido: L eviathan, London, 1937, part. I I, Chap. 26
(of civil law s), n. 8, pp. 143 e segs. (pp. 222 e segs. da edição m exicana, FCE,
1940). O que não o impedia de subm eter toda interpretação ao soberano, ou à
“ autoridade soberana" que é a indicadora dos juizes (p. 146 da edição inglesa,
226 da m exicana). Não esquecer que BECC A RIA achava que o juiz, diante da
lei, não era tanto o seu intérprete quanto o soberano mesmo, devendo o enten
dim ento judicial da lei ater-se estritam ente à letra desta para evitar confusões
e diversidades de compreensão (D ei D e litti delle Pene, ed. Rizzoli, Milano,
1950, cap. IV ), e que o próprio M O N T E S Q U IE U caracterizava o juiz corno
sendo a “boca que pronuncia as palavras de lei".
5 Assim os “ elem entos" da interpretação, que apresentou SAVIGNY, se
referem patentem ente a um direito textualizado e já m uito^pouco “ natural". Os
elem entos (gram atical, lógico, histórico e sistem ático) estão arrolados^ no § 33
do livro I, do Systèm e. Savigny entendia que era pela interpretação que a
lei se revelava em sua “ verdade" integrai (p. 146). Referirido-se porém à In
terpretação então dita legal (a que era dada, para uma lei, por outra que lhe
fixasse o sentido), Savigny opunha-se violentam ente a ela, achando* (p. 147) que
só a atividade científica e doutrinai da inteligência devia explicar o sentido
das léis (“ no está en la m archa ordinaria de las cosas que cada ley vaya seguida
de otrá que lá explique"). Neste lance pouco legalista, em que a atividade
“ científica?' se alçava como instância decisiva na criação do jurídico, a escola
histórica apresentava um a contribuição m uito im portante para a crítica das con
cepções m odernas.
6 Cf. nota 4. D ifusão dos tribunais, reorganização da justiça nos países
èuropeus sob as m onarquias pré-burguesas, com m uito de centralização. Para
o caso inglês, referências ao crescim ento do probem a das relações entre o d irei
to é o trabalho dos tribunais, na conferência d è L o r d E V E R S H E D , “ The im
pact of statu te on the law of. E ngland" (from the Proceedings of the B ritish
A cadem y, voi. X L II, Oxford Univ. Press, 1956, p. 257>.
7 A este tipo de Estado, ou às tendências- intelectuais de seus supostos
ideológicos, se vincula,- segundo certos autores, a idéia de ser a decisão judicial
87
De certo modo, o crescimento da problemática da inter
pretação em tomo dos textos codificados contrariava as inten
ções com que foram elaborados esses textos: pretendia-se, de
início, como recorda SOLARI, que a lei se esclarecesse por si
só, sem necessidade de jurisprudência, e que o juiz se limitasse
a trazer a lei, sem mais circunloquios, aos casos particulares.8
Esse era o ponto de vista clássico. Do mesmo modo, o poder
judiciário, sempre posto à margem na teoria dos poderes, ficou
necessariamente detentor da tarefa desde então básica de enten
der as leis.9 Depois é que entraria na teoria contemporânea
do direito público o conceito específico de “ato jurisdicional.”10
Todas as especulações sobre teoria geral estão portanto, à
época, dominadas pelo tema da função das leis e da relação
entre legislar e interpretar. Daí, então, que a primeira atitude
científica “a respeito’' das 4eis tenha sido a Escola da Exegese,
88
com a qual se cumpria a excessiva louvação da lei — em subs
tituição ao direito como na frase de Bugnet — , e ao mesmo
tempo se elaborou o primeiro grande trabalho de interpretação
e comentário de leis.11 Demais, a “venerabilidade” da lei não
tardou a se refletir também na venerabilidade do jurista, con
siderado um entendedor de arcanos. Este seria aliás um outro
flanco para o estudo sociológico do tema: o homem do direito
como homem de status elevado. O conhecimento do direito,
que no período costumeiro era difuso, embora precário, passou
a ser claro e preciso, mas restringido sempre a um grupo; os
códigos supunham que todos conhecessem a lei, mas foi preciso
cercar de uma certa aura o conhecimento das coisas da lei e do
direito, valorizar seu cultivo como numa volta aos sacralismos-
antigos. Daí talvez, inclusive, a idéia de o direito ser o centro,
ou o elemento fundamental da vida social, idéia que tinha tido
vez em Dante, e que Ihering de certa forma retoma, como a
retoma ampulosamente Carle.12
Enfim toma corpo, aos poucos, a “teoria da interpretação'\
desenvolvida sobre o estudo de seus elementos, suas espécies
e suas funções,13 bem como sofre sua distinção perante a .“ ana
89
logia”, temas, estes, inteligíveis só com relação a textos legais
a tratar.14 Problema típico viria a ser, depois, o de saber se as
regras de interpretação são intelectuais ou jurídicas.15
Se nos lembrarmos de que a lei foi desde cedo entendida
como fruto da discussão (democracia, parlamentos, tolerância,
relativismo), temos que de certo modo a interpretação é como
um retorno à discussão, não já criadora mas agora recolocadora
ou redescobridora de significados e aplicabilidades; discussão
que poderá tentar, com ciência e sistema, a adaptação do di
reito — ou do conteúdo da lei — aos fatos. Temos de pensar
que antes da lei tal adaptação era mais “espontânea”.16 É
compreensível que a interpretação se apresente, em certos mo
mentos, como garantidora da lei e obstadora de novas modi
ficações: se a lei foi revolucionária, o momento de retração
terá sido este.17
Interpretar ou não vinha a ser problema dentro da tarefa
de dar efetividade às leis, de fazê-las cumprir por esta ou
90
aquela forma. Assim, tal problema se achou desde logo ligado
ao da estruturação das instituições judiciais no Estado liberal.18
Por princípio, o trabalho do juiz era sempre suplementar
em relação ao que estivesse dito na lei; e o desenvolvimento
das prerrogativas judiciais em certos sistemas deu lugar a que
se considerasse uma oposição entre a idéia de um “império da
lei” e a de um “governo feito pelos juizes”. Se entretanto vir
mos a posição desse império da lei dentro da idéia de direito,19
compreenderemos que, apesar das diferenças, muito ficou de
comum, pois mesmo que o judiciário prepondere fá-lo apenas
como momento aplicador, continuando a lei a ser fundamental
formulação do jurídico e até base para as impugnações daquela
preponderância.20
***
18 Cf. notas 18 e 7, atrás. Assim não é estranho que, entre as teoria 9 que
explicam o objèto do processo, uma, cham ada objetivista, apresente tal objeto
como sendo a realização da vontade da lei. O tema alcança q entendim ento das
relações entre o alcance da lei e as com petências judiciais. Nos EUA, MAR
SH A LL, em momento célebre, frisara que o judiciário existe para atender a to
das as questões oriundas das leis nacionais, louvando-se na letra do art. I l l , Sec-
ção 2, da Constituição norte-am ericana, em que a com petencia daquele poder é
posta em função da constituição e das “ laws of the U nited S tates" bem como de
contratos feitos sob a autoridade delas (D ecisões C onstitucionais de M ARSHALL,
trad. A. Lobo, Rio, 1903, p. 22; ED W A RD S. C O R W IN , The C onstitution and
what it M eans Today, Princeton, 1948, passim ).
19 Uma dificuldade im portante vem, no caso dos países de fala inglesa,
da confusão entre os dois sentidos da palavra law: direito e lei. D entro do
sistem a inglês, a im portância do juiz faz que possam os dizer “reinado do di
reito" e não “ da lei". O mesmo se dá a respeito das expressões rule oi law,
case law etc.
20 Isto, enquanto se entender a tarefa de ju lg ar dentro de um esquema
legalista. É certo que tem havido episódios de grande monta na atuação^ dos
judiciários, e um dos m aiores foi o trabalho de “ construção" da com petência
da Supreme Court em relação à C onstituição norte-am ericàna, chegando-se a
firm ar o princípio de que “ a constituição é aquilo que os juizes dizem que
ela é" (cf. Hugues, apud R. B IE L S A , “ El Derecho C onstitucional: Conside
raciones Generales sobre el método de E studio" em R evista de Derecho y
Ciências Sociales, Quito, 1963, tomo X, n.° 39-40, p. 37). Mas o fato é que
todas as ênfases em torno de um revigoram ento da liberdade do juiz têm esfria
do diante de um certo bom senso que repõe a questão nos trilhos, isto é, nos
lim ites do tradicional ou do previsto em lei.
91
relação mais orgânica entre legislação e judicação.21 Através
dessa idéia, a do “todo”, tentam passar aliás os esforços de dar
a tal conjunto o caráter de algo mais do que forma e ordem.
Surge então a idéia de ordenamentoy que indica um atributo
conferido ao conjunto de normas vigentes para dar-lhe unidade
tratável:22 o ordenamento de que se trata é sempre á totalidade
de leis, dentro do marco da soberania de um Estado e enquanto
coerentes, em sua vigência.23 Com o “ordenamento”, tem-se
cada relação devidamente situada. Mas a validade do ordena
mento requer por seu tumo que se remeta a uma autoridade, e
a figura da autoridade é entendida com referência à lei: esta
é que dá ao poder instituído o cunho de autoridade.24
92
Em junção íntima com a idéia de ordenamento, vem a
conhecida questão das lacunas: a concepção de que não há la
cunas,25 de que há ao invés uma “plenitude” na ordem jurídica,
não só traduz o predomínio histórico da forma lei,26 como tam
bém é um requisito do modo de ver aquela ordem do ponto dc
vista da interpretação.27
De modo que dentro de tais tendências estruturais cres
ceu a própria idéia de sistema, desde logo entendida ora com
referência ao conjunto do direito “positivo” correspondente a
um Estado ou a um orbe cultural, ora com referência ao ca
ráter do saber jurídico, que deveria ser arquitetonicamente
construído.28
E com isso tudo, temos o desenvolvimento do conceito
de “Jurisprudência”, que nos países continentais se entenderia,
não mais à romana como saber jurídico geral, mas como ativi
dade exercida pelos poderes judicantes. É curioso notar que,
justamente na Inglaterra — menos legalista e com um direito
peculiar, não isento de fortes analogias com o romano 29 — , se
manteve o sentido amplo para a palavra “Jurisprudence”. En
quanto isso, a progresso da teoria geral européia das fontes ia
consolidando, sobre a noção de jurisprudência, o sentido de con
junto de pronunciamentos judiciais detectados de unidade sis
temática, fixados como textos em seqüência colecionada e va
lendo como fonte complementar.30
25 E. Z IT E L M A N N , "L as lacunas del D erecho", no volume La Ciência
del Derecho, éd. Losada, B. Aires,. 1949; COSSIO (La P lenitud del Orden Ju rí
dico y la Interpretación Judicial de la ley, B. Aires, 1939) critica b rilhante-
m ente (pp. 21 e segs.) a tradicional distinção entre lacunas da lei e lacunas do
direito.
26 V. G IU S E P P E F E R R A R I, Introduzione, citad a; cap. Ì I, § 7, sobre la-
cunas em direito consuetudinario.
27. P ára W IE A C K E R (H istória del Derecho Privado, p. 382), a idéia da
inexistência de lacunas é, tal como a da vinculação do juiz à lei, característica
da . ciencia contem poránea influida pela pandectística. A pretensão de que o or
denam ento não contém lacunas im plica a da estrita vinculação do ju iz à lei (v.
nota 21 atrás) a não ser tomahdo-se a plenitude — como faz Cossio — em sen
tido axiológicp.
28 V. BR U G I, Op. cit., B R U S IIÑ , E l P ensam iento, cit., passim . De cer
to -modo, a idéia de sistem a, aplicada ao direito, cresceu sobre a de uma rela
ção m antida • entre cada lei, em sua aplicáção, e as outras "reg ras", chegando-
-se à compreensão do conjunto como algo que devia ser coerente e orgânico.
29 P ara PO LL O C K (op. cit. à nota 7, Cap. I l l , l.* P a rte ; p. 174), o.
inglês e o romano são casos dentre os possíveis- de "case-law ". Uma com pa
ração histórico-política em M AYER, Trayectoria¡ citado, p. 65, V erdade seja
que, por outra parte, o direito romano pode ser usado como contraste, ante o
inglês, no sentido de ter sido aquele, durante a Idade Média, um padrão de
sistem a adm inistrativo e centralizador oposto ao tem peram ento ju d iciarista e
localista do inglês (nesse sentido P O U N D , D evelopm ent, cit. à nota. 5, .Cap.
I I , 2.* P arte). . . . . ' .
30 Por aqui se poderia desenvolver uma investigação com plem entar, u ti
lizando as idéias de MAC LUHAN sobre a im portância da im prensa e dos-
textos (como forma de com unicação) na criação dos padrões históricos da
93
2. ENTRA EM CENA 0 PROBLEM A DAS FONTES
¿poca m oderna. Fica aqui a sugestão, apenas. De qualquer sorte (v. atrás,
notas 19 e 20), fica sendo um problem a a conciliação do legalism o com a ten
dência ao judicarism-o do tipo norte-am ericano; talvez se trate de um tema
m uito sério. M as há certam ente exagero em J. N. W IL L IA M S ( In te r p r e ta c ió n
d e la s L e y e s e n è l D e r e c h o N o r te - a m e r ic a n o , B. Aires, 1959) ao achar que no
caso dos EUA a atividade do ju rista ante o s t a t u t e é inteiram ente diversa da
do ju ris ta de países de direito escrito (pp. 9 e seg s.); para ele o ju rista ian
que trab alh a num regim e de descrença na legislação (p. 22).
31 P ara um a exposição típica, LEGÁZ Y LACAM BRA, I n t r o d u ç ã o , citada,
parte II, cãp. IV . Uma crítica leve da teoria tradicional em W. SA U ER, F i lo
s o fia j u r í d i c a y S o c ia l, trad. Lacam bra, ed. Labor, 1933, § 37, I. O utra ex
posição razoável, a'.'de J. C. S M IT H , "F uentes del Derecho", em A n u a r io del
. In st, de Fil. dèi Der. y Sociologia, Uhiv. de La P iata, 1961. — HUSSON
assinalou ( T r a n s fo r m a ti o n s , pp. 57 e 58) que a crítica mais recente tem de
nunciado a superficialidade da idéia de fontes form ais, buscando dar ao termo
fontes um sentido mais profundo; Na verdade a idéia não é "superficial"
apenas: è equívoca. M A X IM E L ER O Y , em L a c o u tu m e o u v r iè r e (trad.’ à cas
telhana : E l . D e r e c h o C o n s u e :u d in á r io O b r e r o , México, 1922, I n tr o d j, parte por
sua vez de uma crítica da teoria burguesa das fontes para a proposição de um
direito obreiro e como condição para a form ulação deste.
32 Aliás, o tem a em SA VIGNY é m ais complexo do que às vezes se
supõe. Ele colocava a legislação e o "direito científico" como forças expres-
sadoras de im ediata im portância, e concebia o costume como base de ambas
(Sistem a, I, •§ X V ; no mesmo § uma advertência contra o vezo de tom ar a
legislação como fonte única). T oda a sua sistem ática está em basada sobre
,esse enlace entre legislação e ciência; a ciência atua inclusive como redes-
cobridora do costume. P U C H T A ordenou assim os três dados: o costume como
im ediata convicção popular, a lei, a ciência: "die Organe, welche dem Recht
diese sein „sichtbare G estalt geben, nennt man R echtsquellen; solche sind die
unm ittelbare Volksüberzeugung, die Gesetzgebung, die W issenschaft” (Cursus
d e r I n s t i t u t i o n e n , Leipzig, 1881. E rster Band, kap. II, p. 18). Em nosso
século, a idéia de que as "fontes do direito objetivo" são a "lei e o direito
costum eiro”, se acha ainda confirm ada no autorizado H a n d - w o e r te r b u c k d er
R e c h t s w i s s e n s c h a f t , de Stier-Som lo e E lster, Leipzig, 1927 (artigo "G esetz und
Gesetzgebung", de H. L A M M ER S).
33 P ara GARCIA M A YNEZ ( D e f i n i c i ó n , citado, p. 2), a doutrina hoje
não é m ais fonte form al, sim . real, do direito. Com isso tenta fugir do esque
ma usual e sediço que dá as fontes form ais como lei, costume, jurisprudência
e doutrina, sendo a s . reais oü m ateriais as necessidades sociais, que condicio
nam hoyos' princípios. M as de fato ainda está nò esquema, só que desloca a
doutrina de uma p rateleira para outra. Se s e m antém o conceito form al de
94
O tema das fontes dominou desde então a problemática
jurídica; e não poderia ser de outro modo, pois o direito ficou
visto como um sistema de incidências de regras, articuladas
segundo uma proveniencia prevista.
Na verdade, todo o enquadramento do assunto vinha vi
ciado por um equívoco fundamental: o de fundir a noção de
fonte de conhecimento histórico com a de fonte de vigência
atual.34 Daí o equívoco, consagrado didaticamente, de tomar
como “fonte” o que não é mais do que forma de expressão.
Equívoco que aliás permanece. Definir fonte, por exemplo,
como “forma exterior e positiva do direito”, como fez CLOVIS
BEVILACQUA,35 é frase insuficiente: pois a “forma” que o
direito apresenta precisa ser explicada em função de algo, em
função de uma fonte — ou como origem no sentido material,
oú como competência no sentido formal.
O importante, porém, é frisar que, para o ponto de vista
codificador e exegético, a fonte tinha de ser a lei. Da lei “pro
vinha” o direito, que nela se achava representado por excelên
cia: a lei era, como forma, clara, declaratòria, exata.36 A acep
ção de fonte como algo de onde o direito nasce, justificou-se
plenamente para aquele ponto de vista.37
Essa concepção de fontes pretendia referir-se aos modos
de existir do direito, mas tal como podem ser apreendidos
prontos e atuantes, pressupondo sua formação real como coisa
transcorrida. Se se pedir a fonte dá formação, o conceito de
fonte fugirá do marco daqueles modos.
fonte, e se se tem a lei como fonte formal, a doutrina, que MAYNEZ valoriza
pela possibilidade que tem de vir a tornar-se fonte formal ao ser adotada
em lei, pouco m ais será, em si mesma, do que um elemento da p ro d u ç ã o 'd a
lei comò fonte.
'34 Cf. nosso O P r o b le m a da .H is tó r ia , clt., nota 16, onde inclusive ano
tam os a confusão da Escola H istórica a respeito de fontes. Na verdade, a
idéia de costume parece servir à m etáfora. “ fonte”, e tanto mais que, jogado
para um lado, o costume fica còrno m aterial d e o n d e se tiram regras para fazer
leis.
35 D ir e it o P ú b lic o I n te r n a c i o n a l, tomo I (ed. Francisco Alves, Rio, 1911),
§ 4, p. 29. Em sua T e o r ia G e ra l do D ir e it o C iv il (cf. 2.a edição, 1929, In-
trod. p. 13), o mesmo B E V ILA C Q U A , chegou a escrever que a lei “ é o d i
reito objetivam ente considerado”.
36 Cf. CARRÉ DE M ALBERG, cit. à nota 18, Cap. IV , 2.* parte; p. 636.
37 Toda colocação do tema “ fontes" se torna equívoca, e mais ainda,
agora. Naquela época, a do início da experiência dos códigos, foi preciso m a
nifestar o conceito de fonte e dar-lhe aquele sentido, porque a preocupação
de dar prim ado à lei se juntava à de situar o direitc. dito objetivo em relação
da vantagem sistem ática ante o subjetivo (o direito de cada um “ prom ana”
da lei). Assim a noção de fonte realçava este caráter do direito objetivo, e
ao mesmo tempo graduava as form as deste — todas “ originadoras” de d irei
to — em term os de ser a lei o. grau m ais alto. Uma noção vinculadora e
hierarquizante. Hoje, com vários autores percebendo a inocuidade do esquema
-persistem, contudo, os equi vocos;; básicos; ver nota. 45, adiante.
95
Em tomo da idéia de lei é que se cogitou da extensão,
a outras instâncias normativas ou possivelmente normativas, da
condição de fontes. Observe-se aliás de passagem que, como os
outros temas que vêm sendo vistos, a teoria das fontes teve
nascedouro privatista, e só posteriormente se cogitou de trazê-
-la ao direito público.38 A teoria das fontes ajudava, então, a
reduzir a idéia de aplicação do direito à de aplicação da lei.
Ela evidentemente não seria concebível, nos termos em que
vingou e cresceu, sem um sistema legalista.39
Enquanto a “interpretação” do direito se estendia para
a prática a partir da lei, a questão das fontes, entendida de mo
do paralelo, era como que seu complemento na teoria. Inter
pretação significando indagação do sentido da lei cómo março
do jurídico, “fora” do qual ele não se dá.
Ambas as concepções, concepção implícita de fönte como
modo de expressão do direito e concepção expressa de lei
como fonte por excelência, enraizaram completamente ria. ciên
cia jurídica.40
E com tais concepções, tem-se necessariamente a.; de uma
hierarquia entre as fontes, sendo fonte principal a lei. Toma-se
96
como foote cada forma de aparecimento da regra jurídica, e
ordenam-se as formas segundo a semelhança com a leh Há aí
uma espécie de “normatividade decrescente”, à medida ..que se
alude ao alcance do costume, ou da jurisprudência ou mesmo
da doutrina, no sentido de complementar a normação legal.
Certo que essa normatividade decrescente corresponderia, entre
outras coisas, a uma “certeza decrescente”, já que, sobre o mo
delo da lei, a certeza aparecia como requisito primacial da
expressão do jurídico. Em torno do tema haveria, por sinal,
uma série de anotações a fazer.41
Naquela hierarquia, o costume ficava definitivamente re
baixado, e com ele a idéia, aliás tornada terrivelmente equívo
ca, de direito costumeiro. Vinha sempre referido logo após a
lei entre as fontes, inclusive nos dispositivos legais 42 pelo fato
de estar mais “próximo” da idéia de fonte de que a jurispru
dência e a doutrina, mas a sua função ficava definitivamente
apoucada. Consagrava-se destarte, no fundo, uma convicção
histórica.43 Desde então, a teoria do direito ainda vem enca
rando o costume como uma espécie de rústico, e quando um
dispositivo legal o menciona trata de colocá-lo a cuidádósa
distância sob a tutela da lei. Assim temos toda a contènipo-
rânea teoria do -direito consuetudiário tecida a pártir de uma
consideração da validade da lei como validade jurídica típica.^4
97
Notam-se, é verdade: tentativas de revisar hoje a teoria
das fontes. Mas são tentativas ainda tímidas,*45 embora impor
tantes.
Prim eiro, porque a força “co ativa” que um costume possa ter, nos ordenam en
tos m odernos, depende do que a lei lhe assinale; segundo, porque se a um
costume se rècorrer,. dando-lhe índole de expressão de direito, ele passa a ter
norm atividadè mesmo que não a tivesse tido. Pergunte-se o que é o ..costume:
se ¿ .conjunto de- regras ou de condutas, se ¿ uniform idade de convicções, tanto
faz: no fim, o seu conceito só se fixa quando, passado o tempo real de seu
predom ínio, ele é “ visto ” .p o r um pensar já dominado pela idéia de lei, através
do qual ele é retom ado ?para ser codificado, textificado, disciplinado. £ ainda
assim a noção de costume não cabe perfeitam ente na teoria jurídica da época
leg alista: para esta, ele aparece como uma coisa que existiu para preceder a
lei, e, como tal, algo- ao mesmo tempo necessário e insuportável. Certos auto
res, como pór exem plo H. L É V Y -B R U H L ( S o c io lo g ia d e l D e r e c h o , trad. M.
V., B. A ires, 1964, .p. 26) opõem ao caráter “ escrito” da lei a “ oralidade do
costum e”, m as aprésentando-a a esta como um apanágio de que o costume ti
vesse sido portador: por algum princípio intencional, como se “pudesse ter sido”
textu al e o recusasse, quando a verdade é que a tal oralidade do costume é
algo que constatam os e destacam os, por causa de hábito de ver o direito como
coisa esc rita ; e se a transform ação do direito em coisa escrita se liga ao ad
vento do E stado moderno, o mesmo ocorre com o nosso saber, respectivo. In
teressan te observação coube a. JA M E S G O L D SC H M ID T , quando tendo em vista
Stam m ler e m encionando a relação entre conceitos e fatos em píricos, anota que
os costum es não foram desde início tidos como conceitualm ente ju ríd ico s; a
“ju rid icid ad e” foi, ao contrário, atrib u to conferido a eles m uito depois de as
sente e conhecida sua obrigatoriedade ( P r o b le m i G e n e r a li d e l D i r i t t o , trad, T.
Raà, Padova, 1950, p. 76). Quer dizer: com o regim e da lei é que as c o n c e i-
tu a ç õ e s se cultivam , e por meio dessas é que se apanham os elem entos ante
riores à lei como pano de fundo para realçar os caracteres dela.
45 Cf,, notas 31 e 37, cap. I, 3,® parte. O esquema fontes m ateriais/fontes
form ais, usual nas exposições do tipo indicado à mesma nota 31, vem sendo ti
m idam ente rev isto : na observação de GÉNY (menos revolucionária do que pa-
.recia), na .de H U SSO N , que vimos citando, na de G O L D SC H M ID T citada à
nota 44 atrás. N esta, o C apítulo I I, dedicado às fontes, assevera que “ a lei é
o direito consuetudinàrio não são fontes, m as form as do d ireito ”, e que a in
vestigação sobre as verdadeiras fontes está por fazer (p. 64). Conclui que as
fontes que “produzem ” o d ireito são dois elem entos psíquicos, a força norm ati
va dos fatos (term o jellinekeano) e o ideal do direito justo (p. 65). M as. o
equívoco é uma enferm idade congênita do tem a fontes. Pois vem, em via se
m elhante, e num grande livro N IC O S AR. PO U L A N TZ A S ( N a tu r e d è s C lo
ses e t D r o i t,. E s s a i s u r la D i a l e i i q u e d u F a i t e t d e la V a l e u r . P aris, 1965,
p. 249), e diz que o fundam ento “ últim o" do direito, sua “ fonte ú ltim a” é a
natureza das coisas entendida como p r a x is . Ai está o outro exagero: o qposto
ao consistente em ver na lei a fonte principal.
(que em parte veio da problemática da sentença);46 surgiram
e se instalaram em área teórica maior, condicionando ainda
hoje os estudos sobre lógica do normativo, estrutura da propo
sição jurídica etc.47 Descobriu-se o tema do próprio pensa
mento jurídico que se pretende caracterizar como um processo
especial de pensar, por elementos e condições peculiares: quer
tomado como pensamento do homem que vive o direito,48 quer
como inerente às formulações do saber jurídico em sua obje
tividade mais geral.49
Sobre essa vertente, enfim, é que sé pôde chegar à con
cepção de uma realidade científica especificamente jurídica
como se vem concebendo hoje, realidade correspondente à pe
culiaridade do modo de pensar que a visa (e que traduz uma
marca de kantismo); e chegar a metodologias em que a alusão
a problemas “jurídicos” pretende implicar um tipo todo espe
cial de trabalho intelectual. Fala-se então, em certos casos»
de “construção” jurídica, para denotar a especial relação entre
a matéria lidada e a posição do pensar referente.50 Nessas me-
99
todologias,51 a distribuição das disciplinas jurídicas deixa sem
pre um lugar de honra para a “dogmática”, entendida como
saber propriamente tocante à análise do direito positivo sem
outras considerações que as “jurídicas”.52
E assim aparece, na literatura didática e na científica, um
padrão de obras cuja estrutura procura atender a isso. Escre-
vem-se livros de ‘‘direito civil francês positivo”, de “direito
penal italiano positivo”, que em verdade não são puramente
direito positivo porque a exposição tem suas larguras doutriná
rias (a idéia de um direito positivo como ciência visa a dog
mática como sua “apresentação sistemática”, porém sendo ciên
cia não é só direito positivo), mas que devem ater-se ao direito
positivo e portanto nacional. Com isso, a teoria jurídica mais
geral ficou sendo um meio passo entre o registro da ordem le
gal e as idéias que servem às compreensces de base. E com
isso continuou a prevalência do modelo privatista na imagem da*I,6
100
ciência jurídica, em que o traço essencial era a referência à lei»
Chegou-se mesmo a querer fazer mais “científico” — e menos
político — o direito público, e dar-lhe os feitios do privado,
carreando categorias do direito civil para o administrativo, ou
esvaziando o direito constitucional dè certas voltagens políti
cas.53
4. O "JURÍDICO" E 0 JURISTA
101
plicár uma petição dê princípio: o prisma é jurídico quando
evita toda a consideração extrajurídica, e uma consideração é
jurídica quando feita sobre ò prisma jurídico. A petição é for
malmente resolvida se se toma a idéia de ordenamento, como
. sistema de normas inter-relacionadas a serem objeto do traba
lho do jurista em suas considerações “jurídicas”, mas aí está
uma .idéia que corresponde a ura recente resultado histórico.
È quando se resguarda o jurídico como formal e normativo,
há quase sempre uma tendência conservadora com omissão
dos conteúdos éticos que o jurídico tem c deve ter.
Naquela imagem do jurista, de que se falava, ele é apre
sentado como guardião da ordem jurídica, num sentido estri-
taimente formal, isto é, legal, o que em fim de contas significa
reduzi-lo a um conhecedor de vigências positivas (e de eficiên-
cias forenses). O específico “ponto de vista jurídico” ficaria
impedido, por tal, de compreender integralmente seu próprio
objeto: pois que este, o direito, sempre terá de ser definido co
mo algo bastante amplo.
O. pedagogo e o economista podem pôr-se “fora do siste
ma” e criticá-lo, mas ao jurista vêm dizer que deixe a crítica
ao filósofo ou ao sociólogo. Não ocorreu, com estas outras
ciências, a formalização que atingiu a do direito, já pelas vin-
culações desta a formas oficiais “imperativas”, já por elementos
que nela traduzem a marca de uma herança escolástica. Se
ria estranho, certamente, que um economista ou um politòlogo
se limitasse a descrever sistemas, escusando-se de julgá-los ou
dej manifestar preferências, por conta de purismos metodoló
gicos.
Semelhantes interdições, porém, cuja raiz na teoria jurídica
sê compromete com o legalismo, são válidas apenas (e na ordem
abstrata) para os que as aceitam: pois a crítica, quando vem,
se diz tão jurídica quanto filosófica.54 Aliás, se olharmos a
tfajetória do pensamento jurídico, veremos que os vultos que
. 54 Üm antecedente ' ilustre da reivindicação, pelo ju rista, da - especialidade
de s è u . ponto de vista, reivindicação aliás respeitável em tantos casos, é o de
Edw ard Coke, o famoso juiz-presidente inglês, ao dizer ao rei que a compreen
são do direito requeria mais do que o entendim ento natural, requeria mesmo
uma certa “ razão artific ia l” (apud S A B IN E , H is tó r ia , citada, p. 432). Sobre o
assunto “ju ris ta ”, v. o verbete “ G iu risti” no F r a m m e n t i d i u m D iz io n a r io Giu~
r id ic o de SA N T I ROM ANO (M ilano, 1947). Igualm ente, CH. .E ISE N M A N N ,
“ Le juriste. et le droit n a tu ra i”, em L e D r o i t N a tu r a i , PU F, P aris, 1959, pp. 205
e se g s.; e E. RAG ER, “ Legal E ducation: Tow ard W hat Im age”, e m C a se and
C o m m e n t, voi. 69, n.° 5 (sept.-oct., 1954) pp. 16 e segs. Tam bém M IG U E L
R E A L E , em R e v . B r a s , de F i lo s o fia , n.° 24 (out,-dez., 1956), p. 505.
102
aí aparecem como maiores, como “gênios”, sobressaíram-se em
áreas temáticas que em grande parte ficariam fora das rigorosas
delimitações que o formalismo pretende para o sáber jurídico.
Essas limitações circunscrevem o jurista a um balizamento onde
o levantamento de idéias novas se torna impossível. Kelsen
mesmo, cuja genialidade deve ser admitida, foi mais notável ao
discutir epistemologia do que ao conter-se na dogmática: mas
sua própria teoria obriga o jurista a conter-se na dogmática e
não se meter na epistemologia. E se Tomasius se restringisse a
comentar a lei? E se Ihering não cuidasse de História?
103
II
TRANSFORMAÇÕES E
CONTINUIDADES
104
Para situar o lastro cultural dessa continuidade, será pre
ciso minar a permanência dos mesmos ingredientes básicos que
compuseram o clima histórico em que o legalismo contemporâ
neo se formou, isto é, a sociedade burguesa, o racionalismo po
lítico, o industrialismo etc. A perduração de tais ingredièiites
não é absoluta, obviamente, mas em seu. todo o qué se chama
de Ocidente segue exibindo e desenvolvendo a mesma compo
sição: e em particular a idéia de “ciência” persiste.1 De certo
modo, é o nosso acúmulo de consciência histórica que faz. ás
mudanças recentes aparecerem tão màis densas diante das mais
antigas, quando às vezes estas são mais profundàs. Ceitos^ ^
dos de pensar.têm tido peculiar permanência;2 em alguns casos,
as mudanças de agora, não atingem a unidade d a.linha encetada
no começo da época liberal.3
1 Cf. nota 11, Cap. II, 2.° parte. Sobre a .influência do "conceito p o siti
vista de ciência" sobre a teoria jurídica, ver as profundas páginas de K ARL
L A R ÉÑ Z, M etodologia de Ja Ciencia del Derecho (trad.. E. G. O rdeig, ed.
Ariel. Barcelona, 1966, Cap. I l i da prim eira p arte). LA R E N Z distingue três
cientificismos- positiv istas na teoria do d ireito : o psicológico, ligado a Bier-
ling, . o sociológico, cheio de nuances, e o form alista, vinculado à obra de
Kelsen.
2 Cf. o ensaio de PO LL O C K , cit. ao firn da nota 3, Cap. V, 2.a parte. .
3 Cf. nosso, artigo sobre Separação de Poderes (citado), pp. 79-80, sobre
a continuação do “principio" dos poderes. Resulta um tanto m isteriosa, a nósso
ver, a diferenciação contida no artigo 20 da C onstituição da R epública Federal
Alemã ("O poder legislativo se subm ete à ordem constitucional; o executivo e
o judiciário suhm**' — * lei e d ^ i t o ”, v e r b is: "sind an Gesetz und Recht
gebunden").
4 Çf. supra, notas 2 e 3 do Cap. I, 2* parte.
105
Ill
DECORRÊNCIAS DO LEGALISMO:
O CONCEITO DE LEI
£ OUTROS CONCEITOS
106
2. A “ G E N E R A L ID A D E " DA LEI
107
mas, partindo da lei e incluindo os regulamentos etc.3 À lei
como tal se reservou a dignidade maior de ser sempre geral.
Quanto ao outro ponto, de ter a lei intenção de valer para
sempre, aí se revelava igualmente a sua hipervalorização, por
meio ainda da ficção iluminista de uma vontade comunitária
regulando-se por uma razão clarividente e colocadora de solu
ções insubstituíveis.4 Demais, a lei conferia o ensejo da pre
visibilidade de soluções no ordenamento, e aí residiria seu valor
realmente maior — o valor da certeza.5
O traço mais característico, dentre os que marcaram a
doutrina a respeito, consistiu em considerar-se a lei, entre as
chamadas fontes, como forma mais evoluída e como signo de
progresso. Também aqui a exposição de COGLIOLO é típica:
direito legislado se identifica com direito evoluído e desenvol
vido, trazido aos ápices da civilização. E nisto as citações com
plementares seriam inúmeras.6
108
3. A LEI E A CIÊNCIA JURÍDICA
eras costum eiras eram vistas como p reparatórias para a instauração da “ devi
da” prim azia do legal; essa “ passagem " do direito pré-legal ao legal com preen
dia-se, nãc propriam ente ou não apenas como episódio históríco-cultural tão
relativo como todo outro, mas também como algo cujo valor se confundia com
a perfeição que conceitualm ente a lei recebia.
7 E o curioso é que na In g laterra, onde o caso do legalism o não é ex a ta
mente o mesmo do “ continente”, é que uma só palavraf law ficou exprim indo
direito (objetivo, sendo tig h t para o subjetivo) e lei, em bora para lei haja tam
bém àct e statute. A respeito, PO LL O C K , E ssays, cit., p. 9. Em BLACK-
ST O N E , tanto encontram os law naquele sentido (“The Common Law of E n
gland” quanto no outro, o de regra especial: “ laws, in their more confined
sense ( . . . ) denote the rules, not of action in general, but of human action or
conduct” (Commentaries on the L aw s of England, cont., nota 207: in four
books. The fifth edition, Dublin, 1773, volume I, pp. 17 e 39.) T ratava-se de
excluir a acepção m ontesquiana de lei em sentido m uito amplo.
8 P. L E R E B O U R S — P IG E O N N IÊ R E , P récis de D . International P rivé,
cit., Introd., S. I l i ; W E R N E R G O L D SC H M ID T , Sistem a y filosofia dei Der.
Irit. Privado,' T. I., Barcelona, 1948, parte I ; C. M A X IM IL IA N O , D ireito I n
tertem poral ou Teoría da R etroatividade das L eis, 2.“ ed., 1955, “ G eneralida
des”.
109
Problemas, também, como o do direito objetivo e do subjetivo,
distinção construída à base da relação entre o valor geral e abs
trato da lei e as faculdades e pretensões do indivíduo (vindo
inclusive da velha questão da participação de cada qual na von
tade geral).9 Salvaguardou-se aí o valor da individualidade, re
cheada de potencialidades e de vontades declaráveis, mas tam
bém o da lei, da qual dependiam a manifestação e a atuação
das declarações de vontade (o direito objetivo declarando, li
mitando e protegendo o subjetivo),10
4. O PRIMADO DA LEI
110
te” como regime que vem após a queda de outro (e eia é mais,
mesmo, um caminho, um sucessivo amadurecimento de apro
ximações institucionais). A idéia de lei atendia à necessidade
de explicação que se sentia em relação a certos pontos da
“nova” ordenação social, e ao mesmo tempo dava um confor
tável aspecto de estabilidade aos preceitos que se tivessem de
impor. Uma necessidade política, aquela, e cultural também. E
a estabilidade dos preceitos, vinda de serem eles dados pela
razão e pela vontade sempre “gerais”, se compensava com a
possibilidade de todos conhecerem e compreenderem os ditames
que tinham de seguir.
O curioso é, porém, que o primado da lei, que em seu
apogeu possuiu ligações com determinadas condições sócio-cul-
turais, sobreviveu a estas. Vemos assim hoje, no meio da crise
dos ordenamentos liberais e do Estado-de-Direito chamado bur
guês, ou mesmo de sua derrubada em outros grupos de países,
a permanência daquele primado. Está dentro da questão, por
exemplo, o papel da lei no direito soviético ou no da China
comunista — a que se aludirá adiante. Nestes sistemas, mu
dado apregoadamente o sentido das leis, elas seguem sendo
a forma por excelência de expressão do direito objetivo.11 Se
ria a lei em si mesma e por si mesma o ideal formal do direito?
Ou essas transformações econômicas e políticas não se acom
panharam ainda de correlativa transformação jurídica, manten
do no plano do direito o legalismo cuja formação e apogeu
foram paralelos aos do liberalismo e do capitalismo?
De fato o valor da lei, que, como disse atrás, se centrava
na sua função de explicitação, persiste. E se tomarmos a lei
como forma de “expressão” do direito, ela deve ou pode con
tinuar predominando — entre as outras formas. O erro do le
galismo do século XIX foi o de, além de dar predomínio à
lei, conceituá-la como fonte: sendo ela a fonte básica, não ha
via onde localizar instância que a controlasse, e se juntavam
nela a idéia sistemática de valor maior e a idéia de “origem”,
respeitável por si e latente na noção de fonte. Se, porém, se
reduzem as idéias de lei, costume, jurisprudência etc., à condi
ção de expressões do direito, a noção de fonte, que é uma no
ção ambígua e elástica, poderá ser estendida a outras entidades:
a soberania nacional, a consciência jurídica, o povo, a comu-
11 Veja-se o capítulo IX , sobre a "legalidade socialista", no livro de A L E
X A N D R O V e outros, Teoria dei E stado y del Derecho, ed. Grijalbo, México,
1966.
ui
nidade; e em nome dessas entidades se pensará num modo de
rever e conduzir a função das “expressões” do direito, bem co
mo manter ou refazer a hierarquia delas, que aliás a lei poderá
continuar encabeçando. É evidente que isso vai de lege je-
renda, e é nesse plano que a crítica tem de trabalhar. E para
os usos práticos, o que vai dito aqui não importará talvez em
grande mudança, mas para a teoria sim. Na verdade, a teoria
das fontes pode $er considerada como básica, mas por isso mes
mo deve ser revista. Toda fundamentação democrática do di
reito tem, inclusive, de começar pela referência às fontes: mas
isso não quer dizer referência à lei ou à jurisprudência que são
formas de expressão; quer dizer referência às entidades em que
o valor do direito enraíza. Claro, também, que nada disto teria
cabimento nem sentido se o jurídico se tomasse unicamente
como “forma” , relegando à política a alusão ao povo ou às
outras entidades. O caso é que,, na própria tradição do pensa
mento ocidental, desde pensadores medievais, o povo foi fre
qüentemente indicado como fonte do direito e este é o tipo
da* sugestão que as revisões históricas precisam recolher para
desenvolver. Ou, sè se prefere, reentender para reencontrar.
112
DECORRÊNCIAS DO LEGALISMO:
A HISTÓRIA DO DIREITO E
A “FORMAÇÃO DO DIRETTO”
113
passado jurídico, em suas etapas e suas divisões, se compreendia
em função desses supostos. A chamada Idade Média, por exem
plo, que vinha sendo mal falada desde o humanismo, e cujo
retrato fora tão enfeiado durante o século XVIII, manteve-se
no banco dos réus durante toda a tradição positivista,*3 e o di
reito medieval foi considerado como meramente costumeiro e
portanto pré-legal,4 — um fosso entre o legalismo romano e c
legalismo moderno (excusado repetir que esses dois legalismo!
não são, contudo, exatamente iguais). O romantismo é que,
revalorizando o passado medieval dentro da certeira intuição de
que ele não fora um hiato e sim um começo cultural, o do Oci
dente, deu nova estima à imagem jurídica da Idade Média, ao
preferir o costume à abstração legal como forma de direito.
Mas esta revalorização não deu os frutos que devia ter dado:
mesmo porque naquela intuição o passado medieval apresenta
va o problema de uma origem, e a teoria da história do direito
ainda não estava apta a dar ao tema o tratamento cultural de
vido.
E naquele diapasão se fizeram, na sua maioria mais re
presentativa, os trabalhos sobre história do direito e do Esta
do: pensando-se sempre num itinerário inexorável que levasse
até à época do direito-lei.
Cabe aliás uma observação sobre os modos pelos quais se
ficaram relacionando os conceitos de Direito e Estado. Temos
por exemplo a concepção de que o direito antecede genetica
mente ao Estado, dando-se àquele um perfil maior do que a
este, e considerando-se “direito” um corpo de regras de uso
impostas aos membros de grupos, ainda os mais atrasados,
e “Estado” uma organização que aparece apenas numa etapa
da evolução do direito. Temos também a opinião de que o
direito e o Estado se correspondem como lados de uma só coi
sa, sendo aquele um sistema de normas e este um sistema de
competências que dão eficácia ao direito. Temos ainda a de
que tem cada pessoa de invocar a proteção das leis” ( D e c i s õ e s , cit. à nota 18,
cap. I, 3.a p a rte ; p. 11). P O U N D , citando. Ihering no elogio da “ form a” como
inim iga do capricho, adm ite ser ela, no direito, a irm ã da liberdade ( D e v e lo p
m e n t , cit. à nota 5, cap. I I, 2.a parte, p. 14).
3 Um dos livros m ais típicos, dentro desta linha, foi o de JO H N DRA
P E R , L e s C o n í l i t s d e la S c i e n c e e t d e la R e l i g i o n , ed. Alcan, P aris, 1903. En
tretanto, CO M TE chegou a elogiar um aspecto da Idade Média — a idéia
feudal de “ lealdade”, superadora do egoísmo e altam ente valiosa (cf. S y s t è m e
d e P o l i t i q u e P o s i t i v e — ou T r a i t é d e S o c io lo g ie , tomo I I I , P aris, 1853, Cap.
V I, pp. 456 e 461).
4 Sobre o que há de discutível nisso, v. r e tr o , notas 4 e 5, Cap, II, 2.a
parte. Sobre as revisões contem porâneas dos tem as jurídicos m edievais, v. • a
parte I ■(T radizione e C rítica M etodológica) da I n tr o d u z io n e á l D i r i t t o C o m u
n e , de F. CALASSÒ, M ilano, Giuffrè, 1951.
114
que o direito é criado pelo Estado; do Estado vem o direito.
A primeira concepção envolve uma espécie de projeção: por
trás da concepção de que onde houver normas sociais há di
reito, há o mesmo suposto de que o direito consiste em norma;
e a idéia contemporânea do direito (sobretudo a idéia liberal
oitocentista que prefere teoricamente o jurídico ao estatal) se
projeta sobre realidades sociais pretéritas. A segunda corres
ponde a uma tendência da chamada dogmática jurídica, bem
como ao kelsenismo, manipulando um conceito de estado que
foi construído com elementos puramente legalistas: o Estado
como um esquemático conjunto de instâncias referidas à cria
ção, aplicação e controle da norma, ou seja, da lei. A terceira
implica que a “fonte” do direito é o Estado (a idéia de Estado
absorve a da lei e a das outras fontes); ela vem da idéia lega
lista de fonte, pressupondo que todo direito é necessariamente
direito positivo e que direito positivo é a lei que o Estado deu,
ou então o que o Estado diz sobre a lei através de seus órgãos.
Também a colocação do tema da origem do Estado, em relação
com o poder, traduziria a visão de um Estado-de-leis que deveu
sair de um Estado pré-legal; o caráter “legal” seria condição
e sintoma da absorção, no Estado, do poder pelo direito. Te
ma este sempre incômodo, o do poder. Esta concepção é do
tipo da que se exprime quando se diz “a caminhada do gótico
ao barroco”, cu “do feudo aos trustes” : tem-se em mente nes
ses casos a idéia de um caminho que tinha de ser atravessado,
como se o marco inicial existisse para fazer chegar ao final,
este sempre tendo existido. Vê-se em conjunto um trajeto fei
to, cujo sentido é retrospectivo; projeta-se, sobre o que pode
ter sido a realidade do anterior, o cunho da dependência em
relação ao modo de “alcançar” o posterior.
Mas sob certo aspecto o ponto de vista genético cedia ao
sistemático: por exemplo, ao considerar-se, como foi visto, a
lei corno fonte principal, dando-se à idéia de fonte um sentido
um tanto diverso do histórico-genético.
115
para interpretações históricas, falar numa caracterização da his
tória do direito moderno segundo épocas mais legalistas e épo
cas menos legalistas. Épocas de maior predomínio da lei e
épocas de menor volume de leis e sobretudo menor preocupa
ção legisferante. O que equivale, como problema de visão his
tórica, àquele tema já aludido da passagem de épocas cos
tumeiras a épocas codificadas com suas implicações culturais.
Semelhante caracterização caberia tão só como um modo de
ver certas fases; não se trataria de modo algum de captar-“leis”
evolutivas nem de fixar generalizações.5
A utilidade disso tudo seria a de ajudar a ver o legalismo
como uma fase, uma etapa, cujos valores se fundam e se me
dem numa inserção histórico-cultural. Com isso se compreen
derá a perspectiva de certas posições atuais de crítica ao im
pério da lei, ou certas constatações da sua crise. Crise que às
vezes se atribui ao direito como tal, mas que é antes de um
sistema, ou de um tipo de direito apenas.
116
V
DECORRÊNCIAS DO LEGALISMO:
A CIÊNCIA DO DIREITO,
O SABER JURÍDICO E AS NORMAS
1. A 'CIÊNCIA DO DIREITO
117
durante as últimas gerações, a estribar-se numa ordem jurídica
estável e a medir seu próprio valor pela relação entre sua ar
quitetônica e a da ordem positiva, que se dispôs a entrar em
crise quando aquela ordem estável entrasse em mudança. São
os grandes conceitos, fundidos durante os últimos tempos e sob
motivação legalista, que servem de contraste para as revisões,
com as quais se passa a saber que existe crise.
A ligação do legalismo com o saber jurídico típico do
Ocidente é assim algo historicamente compreensível. A expres
são “Ciência do Direito” foi consagrada, veiculada pela Histo
rische Schule num dos momentos culminantes daquele saber ju
rídico e com base no sentido de uma tradição continuada desde
a Idade Média.2 Não poderia haver uma ciência jurídica como
a Ocidental sem ter havido o legalismo: as condições culturais
que estão ao lado deste foram também o humus daquela ciên
cia, e a própria estrutura desta tem analogia com o regime
de primado da lei.
Mesmo concebendo-se que um direito de tipo costumeiro
permanecesse dentro do progresso de uma civilização, ele não
exigiria (nem comportaria) o desenvolvimento de métodos e
de conceitos em comentários e teorizações. Aliás a dificuldade
de imaginar a hipótese vem justamente de que na experiência
que temos, e de que não podemos sair ao teorizar, a idéia de
direito costumeiro é uma idéia restrita, e a noção de um vínculo
estrutural entre o saber e o sistema corresponde ao legalismo.
Vê-se portanto que a variedade de situações, em que se
acha o direito positivo hoje, tem sempre raízes históricas nos
fundamentos legalistas do direito ocidental. Estas raízes são
inclusive o que permite à expressão “Ciência do Direito” ter
aplicação universal: à medida que em diversas áreas e diversos
regimes-se entende o sentido de uma Ciência do Direito, estas
áreas e regimes participam do quadro histórico em que o le
galismo veio predominando.
#**
A relação entre o regime de predomínio da lei e a cons
trução de um saber respectivo não se apresenta apenas no pla
no pedagógico: a evolução dos métodos do ensino jurídico é
ilustrativa da acomodação da ciência à figura de uma ordem
feita de textos.3
2 Cf. K O SCH A K ER , Europa y el Derecho Romano, citado, p. 302.
3 Por isso é sempre vão pretender um saber jurídico não “ Uvresco” ; ele o
será sem pre, mesmo quando agarrado à " p rá tic a ”, ou não será saber. T erá de
118
A Ciencia do Direito se desenvolveu tipicamente como
uma ciência escrita. Neste ponto vinha ao lado da história e
das ciências sociais em geral, mas com o reforço de mirar a
um objeto também escrito, — as leis enquanto tomadas for
ma principal de expressão do direito dito objetivo.
E daí que, na convergência para ela de métodos provin-
dos de outras disciplinas, o filológico entrasse. E que os pro
blemas do direito, nas mãos da ciência jurídica, se fizessem,
além de problemas de ética, problemas de linguagem.
No .plano pedagógico, é importante notar a evolução do
estilo dos livros de direito, desde ós medievais 4 aos de hoje.
Pode-se então observar comò evolui a conexão entre sistema
e saber: livros de autoridade, doutrinários cortesãos, casuísti
ca, comentários a textos, tratados barrocos, monografias dog
máticas sobre “institutos”. Como tendência, o afastamento dos
modelos escolares compendiosos, ao sabor das grandes questóes
e sobretudo nas fases de agitação de problemas maiores.5
2. ATUAÇÃO DO D IR EITO
119
O direito, além de entendido como ordem geral, se entendeu
sempre como ordem dinâmica, como algo que atua. A con
cepção do mando ou da imperatividade, que hoje é tão discuti
da a propósito da idéia de norma pelos formalistas, foi certa
mente decorrência do momento psíquico da imagem da atuação
do direito: por ter de atuar é que o direito se revelava provido
de essencial “vontade” de comando, ou ligado a tal vontade.
Mas sendo o direito a lei, o atuar consistia especialmente
na sua relação com casos. Note-se bem que é um problema
próprio do tipo de ordem que já não é a costumeira: sendo a
lei um texto que obriga, sua atuação tem por principal áspéctç
a relação entre sua generalidade e a particularidade dos casos,
a que deve “descer”.7 Atuar ficou-significaiido vir até a çon-
cretude da vida real das pessoas e de suas condutas, diversas
sempre nos aqui e nos agora, e neste sentido o direito sé dá
como uma esfera de. indicações cuja obrigatoriedade atinge fa
tos das vidas que são Sempre pessoais. Por outro íado, até
relativamente pouco (só a partir de Kelsen se reviu a questão)
a “aplicação” do direito não era “criação” : criar era tarefa do
legislador, aplicar era a do juiz. Por quê? Porque o direito era
a lei, nela ele vinha “dado” e pronto. A revisão do assunto
vem ao lado de . uma certa queda do primado ábsoluto da lèi.
120
Aqui, poderia indagar-se se o direito não terá sido sempre
norma, E a resposta é a seguinte: sim, quando se vê o direi
to, ou o que “tem sido” o direito, através da moderna idéia
de norma. Esta idéia porém, e é sobre isso que aqui insisti
mos, é produto da experiência legalista. Por trás dela jaz a
idéia de algo escrito. É certo, por outro lado, que tem havido
conceitos modernos de direito onde não entra diretamente a
‘idéia de norma,9 mas mesmo nestes conceitos a influência exem
plar do legalismo se revela através da. referência à regulamen
tação de ações e de interesses, ou à interferência do poder ofi
cial. Caberia, de resto, anotar que no âmbito de outras ciências
sociais, como pedagogia ou economia, também o conhecimento
se depara com normas, mas nestes casos faltou, do lado do.
objeto, a nota da obrigatoriedade institucional dás norm aste
do lado da ciência a preocupação um tanto escolásticá em
sistematizar, unificar e pensar por conceitos gerais.
Agora ressalte-sé o quanto a consideração legalista do di
reito era algo. novo, em relação à imagem do costume. A lei,
modo principal de expressão do comando estatal, aparece ju
ridicamente algo “diante” dos sujeitos, algo diante de cujo per
fil eles se comportam “dentro” do direito; o costume, quando
expressão do direito, se dava como forma espontânea e genè-
ralizada" dé comportamento, algo que por princípio estava “nos”
sujeitos (pode-se ser sujeito ou protagonista de um costume ê
integrar o número dos que o fazem; enquanto que da lei não se
é sujeito, como de uma ação, e sim apenas súdito e destina
tário). No costume a prática é, ela mesma, parte dà vida dos
sujeitos; só no regime da lei se poderá ver o direito como con
junto de comandos (ou sistema de normas) que se impõem.;
S E N T IS ’^ M E L E N D O , na esm iuçada análise . do aforism o "iura n o v it. cu ria” ,
conclui"'— buscando ser objetivo — pela referência de iiira às. "norm as ju ríd i
cas aplicáveis" (op, cit., pp. 32 c 33). Para a- distinção entre lei e norm a,
FO D E R Á R O , op. cit.. pp. 80 e 133; as norm as :sãb "contidas^ nas leis. Ehr.
quanto isso, a noção de norma utilizada por um ‘realista como •O L I V ECRO N A
(É l Derecho como H echo, trad. G. C. Funes, B. Airesj 1959, ápêndice ".Ei .Im -
perativo de la L ey’V p . 169 e segs.) é moldada, apesar dò seus psicologismós,.
sobre a idéia de lei, e não se aplica a outra fórma de expressão do d ireito ob
jetivo. , Por outro lado, o problem a das relações , entre o conceito de lei e o de
norma se acha tam bém na questão da distinção entre lei formal; e lei m aterial,}
cf. supra, nota 1331 A idéia de que a norma é. "contida" ná lei é' apenas um
modo de ver a coisa, e depois, confundidas as idéias de l e i . e norma,, é forma-
¡izada ésta por àquela, o direito mesmo pode ficar visto como form a, como es
quema. técnico a que se pode dar qualqueT "conteúdo";
9 "Coordenação objetiva das ações possíveis entre vários sujeitos,, segiindo..
um. princípio ético que as determ ina excluindo todo im pedim énto" (D E L V E C?
CH IO , Filosofía del Derecho, trad., 5.fl edição, Bosch, p. 322).
121
O que se impõe ante uma conduta é obviamente algo distinto
dela, fora dela.101
Ê verdade que no costume, além do aspecto “exterior” e
como que descritivo da prática, é possível ver um sentido “in
trínseco” de norma, que não se confunde com a espontanei
dade dos usos cuja generalização constitui o costume. Mas
é que neste caso ele está visto através de um conceito de norma,
conceito de origem exterior à “substância social” do costume,
e que corresponde à influência da idéia, legalista que chama
de costume uma regra encontrável na generalidade1de certos
atos. E no caso da lei todo o sentido que se abriga sob sua
letra cabe na idéia de norma, corresponde à idéia de norma,
porque esta se configurou sob o influxo da experiência intelec
tual que acompanhou o legalismo.
Por isso mesmo, foi possível pensar-se em uma intenção
“própria” da lei, e até em uma “mens legis” distinta da do
legislador.11
Por outro lado, a extèrioridade própria da norma legal
(exterioridade em relação à ética, e também em relação ao
costume) faz que, para que a obrigação nela contida se inte
riorize no sujeito que deve cumpri-la, haja uma representação.
Isto porque agora surge a questão da relação entre o ordena
mento e a pessoa, “destinatária” dele. No caso do costume,
o cumprimento e a aceitação da regra são praticamente uma
só coisa com a existência desta. Na lei não, ela existe por si
como forma declarada, e para que o sujeito não se sinta estra-
10 LÉO N H U SSO N , apesar de toda a sua equipagem crítica, considera, o
direito como algo i e i t o pelos legisladores, sendo o ju rista, que analisa ò direito
ou que p leiteia no foro, intérp rete que o “ considera” e o “ constata” (op. c iti,
pp. 7 e 11). E tão assente ficou o hábito de ver o costume como algo exterior
ao direito, que se põe sempre a questão de ser ou não “ jurídico” um costume,
e de p recisar ele de requisitos para tal (V. notas 7 e 8, Cap. I, l.° parte).
Se se pergunta pela jurid icid ad e da regra costum eira, é que o c rité rio 'd o ju
rídico se acha noutro elemento, noutra forma. T al problem a de fato é sempre
form al;, o problem a do conteúdo do costume é sempre omitido. A própria “ es
pontaneidade” que sem pre se atribui ao costume se revela apenas na com para
ção com a lei.
11 Gomo distingue, v. g., Binding (apud .JO S É D U A R TE , A C o n s t, B r a - '
s ile ir a d e 1946, 1.°' voi., 1947, p. 15). M A R T IN H O GARCEZ, em seu célebre
N u lid a d e s d o s A t o s J u r íd i c o s (2.B ed., l.° voi., Rio, 1910, núm. 342,..p. 403), d i
zia que “ a tarefa do intérprete é tira r as conseqüências dos .princípios fixados
na lei, ainda que se não tivessem , apresentado à mente do legislador”. A idéia
do d ir e i to como algo que consiste em obrigar, em “ fazer que se ja”^ converteu-
-se nà idéia dá norm a como um dever ser, logo que esta noção foi posta em
circulação nestes assuntos. O perigo consiste em pô-lo fo r a da realidade vital
dos homens (cfí cit. de H U SSO N à nota 10). O próprio CO SSIO , sempre aler
ta contra as tentações do normativismo,- o acolhe todavia como um pressuposto;
o ju rista , diz “ p recisam en te-se -pronuncia sobre lo que debe ser” ( E l D e r e c h o
e n e l . D e r e c h o J u d ic ia l, já citado, Cap. I, p. 54).
122
nho é preciso haver um modo de integrar a vontade dele na
origem da norma legal a fim de que a obrigação se torne plena.
Para isso se desenvolveu a noção de representação, que o di
reito público tomou em sentido diverso do privado, e politi
camente transformou de local em nacional.12 Com a represen
tação o dito pela lei se tinha como dito pelos mesmos que
iam obedecer a ela. Mas logo, como se sabe,' a imagem do
ordenamento se viu dominada pela idéia de norma e se pediu
que a própria representação se fundasse ela também numa nor
ma, o que se fazia difícil quando o raciocínio esbarrava, como
num primum movens, na representação constituinte. Era ainda
um privatismo, que partia da figura civil da representação como
negócio entre sujeito e sujeito, dentro de um ordenamento “da
do”, e feito de previstos supostos e previstos efeitos. Na ver
dade, a representação em direito público sempre foi e teve de
ser outra coisa.
Deve-se ver, ainda, que a alusão, que a ordem legal en
seja, a uma “norma” sempre distinta dos atos e dos fatos en
volve um certo essencialismo (no sentido da crítica de Sartre),
uma representação das figuras do jurídico como modelos idçais
entendidos sem vinculação (esta só vem depois) com as coi
sas e as vidas. O que evidentemente seria inconcebível antes
do legalismo e do padrão de categorias e formas mentais que
a ele corresponde.
4. A LEI E O S FATOS
123
no da lei, no qual se contêm questões teóricas como a de sua
estrutura, espécies, interpretação, vigência, extensão etc., e o
plano dos fatos, que aparece na. problemática das provas, das
intenções e motivos, circunstâncias etc.
É importante registrar, então, que a teoria jurídica dos
novos tempos teve constantemente a incumbência de compreen
der a relação entre o atuar do direito (que implicava já em si
a intercorrência entre o existir da lei e o dos fatos) e o seu
conhecimento, — uma vez que este conhecimento estava inse
rido naquele atuar como momento necessário, tendo entretanto
identidade substancial com a teoria e a situação da teoria. Ou
seja; o conhecimento aparece no direito que atua como um
desempenho por parte dos homens que efetivam sua atuação, e
este conhecimento participa do caráter de “saber jurídico” que
possuem as representações mais desabaladamente teóricas do
ser do direito.
Note-se de passagem que isto ficou sendo, como outras
coisas e ao menos em parte, peculiar à ciência jurídica, dis-
tinguindo-a de outras ciências sociais.13
5. A IN D A SOBRE D IR E IT O E NORMA
124
últimos dois séculos, o saber jurídico desdobrou-se cada vez
mais em um saber referente ao direito positivo e também à sua
cognoscibilidade, aos graus de seu conhecimento, ao significado
de seus supostos etc. Filosofia e teoria do direito se puseram
a ser também filosofia e teoria da ciência do Direito, indagan
do não só sobre a natureza* do jurídico como sobre a validade
ou a índole do conhecimento que se lhe refere.14 De um certo
modo, porém, note-se, é a presença de uma teoria-de-teoria
(metateoria) no pensamento jurídico, ensejando uma perma
nente retomada de opiniões e de referências,15 que vem favo
recendo nele uma maior continuidade, através de gerações, es
colas e épocas, e propiciando o crescimento de uma perspectiva
histórica cada vez mais fecunda.16
Deste modo podemos ver uma relativa equivalência en
tre todas as teorias jurídicas de basé legalista, por trás do ruí
do das divergências que afetam.
Tomemos a divergência sobre se o direito é ou não nor
ma,1? e se a ciência jurídica se refere a normas. Ê certo que
a um direito costumeiro se poderá aplicar também a idéia de
nórma: ele seria direito por conter regras a serem seguidas, e
dentro da figura do uso se entrevê um ditame. Mas a idéia
de “norma” como fulcro da consideração do jurídico provém
sobretudo da .experiência do direito legal; e mais, a própria
possibilidade de que vejamos o costume como regra, discer
nindo num conjunto de usos o fato da prática e a obrigatorie
dade normadora, é fruto, como foi visto acima, de uma men
talidade jurídica afeiçoada segundo o direito pós-çostumeiro.
É difícil saber, com a mente posta dentro das formas le
gais do direito e dos conceitos correspondentes, como seria mes
mo um direito costumeiro; do ponto de vista daquelas formas
e destes conceitos, a noção de um “direito” pré-legal é mais
uma projeção para servir de contraste, uma noção, derivada.
que insinua unta petitio principa, que $6 se resolve ao se pensar qué a Idéia
de norm a se gerou como uma elaboração da idéia de lei ou do tipo de ordena
ção que esta enseja.
14 Ver CO SSIO , em nosso O Problema da H istória (c it.),-n o tá 11 do Cap.
I II . .
15 Cf. riosso O Problema da H istória, nota 15 do Cap. I II .
.16 A respéito, B R U S IIN , E l Pensam iento Jurídico,, cit., pp. 235 e segs.
("el método de pensam iento de la moderna ciencia, del derecho solo puede ser
comprendido sobre un fondo h istórico-cultural”, p. 242); .
17 Cf. atrás, nota 8. Aqui, o lem a se-rélaciona em especial com
mica entre a teoria de Kelsen e a egologia; Sobre o equívoco da ques.tlo "P or
que a ciencia ju rídica é norm ativa?", ver nossa1*Sociologia do D ireito, ed. Re
vista dos T ribunais, S. Paulo, 1970, Cap. I l i , nota 30, p. 35.
125
P o is b e m , n a ta l q u e s tã o d e o d ir e ito s e r n o r m a , p o n t o d e
v is t a lig a d o c o m o s e s a b e à te o r ia d e K E L S E N , o u se r c o n d u t a ,
c o m o q u e r C O S S I O , d á - s e u m t ip o d e t e m a q u e s ó o le g a lis m o
to r n a r ia c o n c e b í v e l. A s s im t e m o s a d is c u s s ã o in jc ia l d e C O S
S I O , n a s u a “ t e o r ia d a v e r d a d e j u r íd ic a ” , e m to r n o d e sa b e r
s e a c i ê n c ia j u r íd ic a é n o r m a tiv a p o r q u e o f e r e c e n o r m a s o u p o r
q u e c o n h e c e n o r m a s , d e c i d in d o o m e s tr e a r g e n tin o q u e e la o é
p o r q u e c o n h e c e s e u o b j e t iv o a tr a v é s d e n o r m a s . 18 N a v e r d a d e ,
p o r é m , t a n t o tr a n s lu z o le g a lis m o n o a p r e s e n ta r -s e a c iê n c ia d o
j u r íd ic o c o m o f o r n e c e d o r a d e n o r m a s , q u a n to e m d a -la p o r
c o n h e c e d o r a d e la s , e a in d a e m d iz ê -la c o n h e c e d o r a d e a lg o p o r
m e io d e la s , p o is a c o n d u t a , tid a p e la T e o r ia E g o l ó g ic a c o m o
o b j e t o e s p e c í f i c o d o c o n h e c i m e n t o ju r íd ic o , a p a r e c e - a o ju r ista
“ a tr a v é s ” d e n o r m a s . E m b o r a n e s s a ú ltim a t e o r ia já h a ja c o n
s id e r á v e is g e r m e s d e u m a s u p e r a ç ã o d o le g a lis m o .
S ó a e x p e r iê n c ia d e u m d ir e ito t id o e s s e n c ia l m e n t e c o m o
c o m p o s t o d e c o m a n d o s te x tu a is , a c u jo s a tr ib u to s t e n d e m a re
d u z ir - s e o s e l e m e n t o s t o d o s d a id é ia d e d ir e it o ( s e m s e ig n o
rar q u e a e g o l o g ia n e g a a id é ia d e c o m a n d o o u im p e r a tiv id a d e ,
m a s s e m l ig á - la a o l e g a l i s m o ) , e n s e ja r ia s e m e lh a n t e s p r o b le
m a s . 19 -N e s te s e n t id o , a “ t e o r ia p u r a ” f o i u m a c u lm in a ç ã o d a
c iê n c ia ju r íd ic a le g a lis t a , e a s u a c r is e , n a e g o l o g ia o u fo r a d e la ,
o f e r e c e s u g e s t õ e s q u a n to à s u p e r a b ilid a d e d a q u e la c i ê n c ia *20
N o m e io d a c r is e d o n o r m a tiv is m o , q u e é t a m b é m c r is e
d o j u s p o s it iv is m o ( e q u e n ã o é c r is e n o s e n t id o c a t á r tic o d e
m e m e n t o f in a l, c e r t a m e n te , m a s s a t u r a ç ã o d e fo r m u la ç õ e s ), n o
m e io d e s s a c r is e p o d e m o s fla g r a r a n o v a f a c e d e c e r t o s te m a s
126
q u e s e p õ e m e m fu n ç ã o d a id é ia d o d ir e ito c o m o a p e n a s n o r
m a.
P o d e m o s d e s d e lo g o r e v e r o p r o b le m a d e se r o d ir e ito u m
“ d e v e r s e r ” , c o n s id e r a n d o - s e t o d a n o r m a tiv id a d e ( in c lu s iv e a
é t ic a ) c o m o u m d e v e r se r , c o n s id e r a n d o - s e t o d o d e v e r se r c o
m o e n t id a d e d iv e r s a d o se r , e c o n s id e r a n d o - s e o d e v e r se r
j u r íd i c o u m c a s o p e c u lia r . C o n s id e r a r o d e v e r se r a lg o “ d i
v e r s o ” d o se r é a lg o q u e le v a n t a p r o b le m a s f ilo s ó f ic o s b a s ta n te
s é r io s , d e s d e q u e a o c h a m a d o d e v e r s e r s e a p lic a m a fir m a ç õ e s ,
c o m o"'verbo s e r e a s u b s t a n tiv a ç ã o ; a s e p a r a ç ã o e n tr e o d e v e r
se r d a é t ic a e o d o d ir e ito s e g u e c a m in h o s o u tr o s q u e n ã o o s
d o f o r m a lis m o e p o r t a n t o e x t r ín s e c o s a u m a te o r ia d o d e v e r
s e r c o m o ta l. C r e io q u e o a b u s o d a id é ia d e d e v e r se r , e d e
s u a c o n t r a p o s iç ã o à d e se r , in c lu s iv e g r a fa d o s r e q u in ta d a m e n te
e m a le m ã o ( S e in u n d S o l l e n ) te m t r a z id o m a is p r e ju íz o s d e
q u e v a n ta g e n s p a r a a t e o r ia d o d ir e ito , e te m c o m p lic a d o , a n te s
d e q u e a c la r a d o , o te m a d a s r e la ç õ e s e n tr e a C iê n c ia d o D ir e it o
e o d ir e ito . E m g r a n d e p a r te , fo i a p r e s e n ç a d e n o r m a s e s
c r ita s q u e e n s e jo u o d e s e n v o lv i m e n t o d e u m a “ ló g ic a j u r íd ic a ”
q u e tr a ta m e n o s d o d ir e ito m e s m o .d e q u e d a s p r o p o s iç õ e s e m
q u e a s n o r m a s s e a p r e s e n ta m f o r m u la d a s . C o m o t e m o s d ito ,
n ã o s u r g iu u m a t e o r ia d o d e v e r s e r r e fe r id a à s n o r m a s r e lig io
s a s n e m s u r g iu u m a ló g ic a e s p e c íf ic a d a s n o r m a s é t ic a s .21
E m c o n tr a p a r tid a , a s r e c u s a s a o n o r m a tiv is m o d o t ip o d o s
“ r e a lis m o s ” ( s e j a o e s c a n d in a v o , s e ja o n a tu r a lis m o d e u m P o n
te s d e M ir a n d a ) te r m in a m p o r e m p o b r e c e r a v is ã o d o ju r íd ic o
r e d u z in d o -o a o f á tic o . O e q u ív o c o e s tá n o p r ó p r io p r o b le m a :
o d ir e ito é n o r m a o u o d ir e ito é f a to re a l? O t r id im e n s io n is m o
p r o c u r a a c o lh e r a m b a s as p o s iç õ e s . A e g o l o g ia , r e a g in d o c o n
tra o n o r m a tiv is m o , p r o p õ e a id é ia in a c e it á v e l m a s o r ig in a l d o
d ir e it o - c o n d u t a , c o n t u d o , a c e it a n d o a c o n d u t a c o m o n o ç ã o n o r
m a t iv a ( “ la n o r m a c o m o p e n s a m ie n t o d e la c o n d u c t a ” ) , p e r d e
a o p o r t u n id a d e d e a b a n d o n a r o s e q u ív o c o s .
O r ig in a d o d o le g a lis m o , o n o r m a tiv is m o ( in c lu s iv e e m
s u a d is s id ê n c ia e g o l ó g i c a ) , te n ta a p a g a r as o r ig e n s r e p u d ia n d o
a id é ia d e im p e r a t iv id a d e e a t e o r ia im p e r a tiv is ta , q u e o s r e a
lis ta s a c o lh e m . A im p e r a t iv id a d e e s ta v a j u s ta m e n te n a le g is -
127
la ç ã o a b s o lu tis ta d o s s é c u lo s X V I , X V I I c o m o n a le g is la ç ã o '
lib e r a l é m q u e o e s ta t is m o a p e s a r d e t u d o s e r e v e la v a , e te m
e s ta d o o n d e h a ja E s t a d o e o n d e h a ja le i.
S o m e n t e u m a a n á lis e h is t ó r ic a in te ir a m e n t e c r ític a p o d e ,
c o m o se p e r c e b e , c o m p r e e n d e r a d e q u a d a m e n t e ta is p r o b le m a s .
128
VI
A CRISE DO LEGALISMO
E O PENSAMENTO
JURÍDICO ATUAL
J á q u e s e f a lo u e m s u p e r a ç ã o d a c iê n c ia ju r íd ic a le g a lis t a ,
c o n v é m q u e s e a p r e s e n te m l o g o o s e l e m e n t o s q u e h o j e a u to r i
z a m a fa la r n u m a “ c r is e ” d o le g a lis m o — s e é q u e a in d a s e
s u p o r ta o te r m o c r is e , t ã o a b u s a d o e s e m p r e e q u ív o c o . N a v e r
d a d e , o s e l e m e n t o s s ã o m ú lt ip lo s e d e s ig u a is . A t a l p o n t o q u e
s e f a z n e c e s s á r io a lg u m e s f o r ç o d e m é t o d o p a r a fa z e r c o n v e r
g ir , a té u m a c a r a c t e r iz a ç ã o u n if o r m e , s u a m u lt ip lic id a d e e s u a
v a r ie d a d e ; o r d e n a r u m a s é r ie d e r e f e r ê n c ia s a o d ir e it o p r iv a
tis t a , a o n o r m a tiv is m o , a o c a p it a lis m o e t c ., n o s e n t id o d e d a r e m
a fig u r a s u fic ie n t e d e u m a c r is e d o d ir e it o le g is la d o e d e s u a
c iê n c ia . S e ja v e r d a d e , q u e a o m e n o s u m f u n d a m e n t o g e r a l se-
te m p a r a a c e ita r a id é ia d e u m a c r is e : a d e q u e e la v e m , e m
m u it o , d a c o n t r a d iç ã o e n tr e a c o n t in u id a d e s e c u la r d a c o n s
c iê n c ia d e q u e d ir e ito e lei n ã o s ã o a m e s m a c o i s a , p o r u m l a d o ,
e , p o r o u tr o , a p r e s e n ç a d e u m a q u a s e p e r m a n e n te i d e n t i f ic a ç ã o
e f e t iv a d e a m b o s . 1
S e , e n t r e ta n to , s e te m u m a v a r ie d a d e d e n o t a s e s in t o m a s
q u e a te s ta m q u e o d ir e ito p u r a m e n t e o u p r in c ip a lm e n te le g a l
c h e g o u a im p a s s e s d if íc e is , é c e r t o , e n t r e ta n to , q u e s ó a c o n v i c
ç ã o d is t o p o d e fa z e r r e c o n h e c e r a q u e la s n o ta s . O u s e ja : p e r -
1 P ara LÉO N M USSON (op. cif., p. 56), os ju ristas do século XX, .di
versam ente dos do X IX , tiveram de se convencer que era im possível lim itar-se
a tom ar conhecim ento das regras form ais n.òs docum entos cham ados fontes for-,
m ais, e que era preciso adaptá-los e com pletá-los com algum outro suprim ento
de juridicidade.
129
c e b e m o s a c r is e p e lo s s in t o m a s d iv e r s o s , m a s s ó d e p o is d e fo r
m u la d a e c o m p e n e t r a d a a o p in i ã o r e s p e c tiv a é q u e a d iv e r s i
d a d e d e le s s e m o s tr a d o ta d a d e u m s e n t id o c o m u m . Ê ju s to ,
e n t ã o , q u e s e p a r ta d o e s q u e m a e m q u e s e p ô s o t e m a , p a r a
u n if ic a r o u o r d e n a r o s d a d o s e m c a u s a . S ã o e l e m e n t o s d e
a lc a n c e t e ó r ic o v a r iá v e l: o p in i õ e s p e s s o a i s s o b r e a le i , q u e ix a s
c o n t r a e s t a d o s d e c o i s a s , p o n d e r a ç õ e s , r e g is tr o s c o n c e it u a is .
O r u m o d o s p r o b le m a s t r a z id o s a té a q u i le v a n t a a e s ta
a ltu r a u m a im a g e m d o q u e d e v a s e r a c r is e d o le g a lis m o ; e la
s e a c h a b a s ic a m e n t e f e it a d a d ife r e n ç a e n tr e o q u e s e d is s e o u
s e p r e te n d e u ; n a f a s e d e f o r m a ç ã o , e o q u e r e s u lto u a p ó s tu d o
c o m o v id a j u r íd ic a e f e tiv a e c o m o m a té r ia c ie n tífic a . N a v e r
d a d e a c r is e d o ' l e g a l i s m o é a d o lib e r a lis m o e d o E s ta d o
lib e r a l.
N ã o v a m o s le v a n t a r , e n t ã o , o q u a d r o d a s o p in i õ e s to d a s
q u e te n h a m já s id o e x p e n d id a s “ c o n t r a ” o p r im a d o d a le i; a n
te s , te n ta r situ a r as p e r s p e c t iv a s d e u m a c r ític a d e s s e p r im a d o ,
s é r ia e h is t ó r ic a , q u e n o s p o s s a c o n d u z ir a o e n t e n d im e n t o d e
c e r t o s p r o b le m a s g e r a is .2
A s in d i c a ç õ e s d is p o n ív e is p o d e m se r c o m p r e e n d id a s d a s
m a is d ife r e n t e s fo r m a s . U m a s o p õ e m a le i a o s f a to s o u à c o n
v e n iê n c ia d e u m id e a l s u p e r io r . O u tr a s s e p a r a m s e n s a t a m e n te
a id é ia d e lè i d a d e d ir e ito . O u tr a s a p e n a s r e p a r a m n a in s u
f ic i ê n c ia f u n c io n a l d a s le is e x is t e n t e s , d ia n te d a m is s ã o q u e e la s
tê m h o j e , e d o q u e d e v e se r u m in te g r a l “ s is t e m a ” ju r íd ic o .
D e n t r o d o p r im e ir o t ip o d e in d i c a ç õ e s , h á a n te s d e to d a s ,
e c o m u m in te r e s s e j u r íd ic o m e n o s p r ó x im o , j u íz o s a n tile g a
lis ta s h is t o r ic a m e n t e l o c a liz a d o s , d o s q u a is a im p o r tâ n c ia , às
v e z e s m e r a m e n t e ilu s t r a t iv a , v a i d e p e n d e r d a p o s iç ã o c r ític a
o u i d e o ló g i c a d o s q u e o s r e t o m a m . U m e x e m p lo b a s ta n te v e -
130
lh o e b a s ta n te típ ic o é o d e S ã o P a u lo n a p r im e ir a c a r ta a o s
c o r in tio s , v e r b e r a n d o o “ l e g a lis m o ” d a ju s tiç a ju d ia , e a tin g in
d o p o r ig u a l o r a c io n a lis m o g r e g o .3 C la r o q u e o le g a lis m o
v is a d o p o r S ã o P 311I0 n ã o tin h a q u e v e r , a in d a , c o m o d a n o s
sa c iê n c ia ju r íd ic a . S u a v is ã o r e lig io s a s e s itu a v a n u m e n f o q u e
c u ltu r a l p e c u lia r , q u e s e r ia c o n t in u a d o p e lo s q u ilia s m o s m e
d ie v a is e p e lo s m ís t ic o s a fir m a tiv o s d o c r is tia n is m o .
P r ó x im a d e n ó s n o t e m p o , m a s q u a s e n a m e s m a o r d e m
r e c la m a t ó r ia , e s tá a a d v e r t ê n c ia p r é - p o s it iv is t a d e S A I N T - S I
M O N c o n t r a o s “ le g a lis t a s 17, q u e s e g u n d o e le o b s ta v a m a j u s
tiç a s o c ia l, e q u e p o r s in a l — e l e m e s m o o o b s e r v a — h a v ia m
s u r g id o c o m o c l a s s e q u a n d o d o e s t a b e le c i m e n t o d e le is e s c r ita s
n a h is tó r ia m a is r e m o ta d a F r a n ç a .4 N a q u e l a a d v e r tê n c ia s e
a c h a a r a iz d a o p o s iç ã o p o s it iv is t a c o n tr a o s “ tr ib u n a is le g a lis
t a s ” , c u ja e lim in a ç ã o s e p r e t e n d ia f a z e r n a d ita d u r a r e p u b lic a
n a p r o je ta d a p e lo s c o m t is t a s .5 E m t u d o i s s o h a v ia , é c e r t o , o
to m r o m â n tic o r a d ic a liz a d o s e r e s s e n t id o s e n ã o e q u iv o c a d o ;
m a s é s in t o m á t ic o q u e f o s s e c o i s a d a m e s m a é p o c a e m q u e o
lib e r a lis m o e o in d iv id u a lis m o e n tr a v a m e m d ific u ld a d e s . N o
m a r x is m o m e s m o , a r e la ç ã o e n tr e d ir e ito e id e o lo g i a , d e s e n
v o lv id a n a t e o r ia v e r t ic a lis ta d a s e s tr u tu r a s “ s u p r a ” e “ in fr a ” ,
r e f le t e ig u a l p r e v e n ç ã o c o n tr a o m u n d o d a s fo r m a s ju r íd ic a s ,
e n t e n d id a s c o m o fe ita s d e a b s tr a ç ã o e s u b j e t iv id a d e .6 T a m b é m
131
o s a n a r q u is ta s d o s é c u lo X I X , c o m o M a x S tir n e r e B e n ja m im
T u c k e r , c o m b a te r a m o d e s p o t i s m o d a le i, b e m c o m o o m o n o
p ó lio n o r m a tiv o d o E s t a d o , e m n o m e d a lib e r t a ç ã o h u m a n a , e
o t e m a m a r x is ta d a " e x tin ç ã o d o E s t a d o ” , n o p e n s a m e n t o d e
L e n in e , a s s u m e a r e s p e it o in te r e s s a n te s a s p e c t o s . *7
A s s im a s d e n u n c ia s c o n tr a o s is te m a j u r íd ic o e s t a b e le c id o
p e la s c o d if ic a ç õ e s lib e r a is p a r tic ip a m d a q u e le to m d e in v e c tiv a .
A te o r ia s o c ia lis t a m a is r e c e n t e m a n t e v e a n o ç ã o d e “ d ir e ito
b u r g u ê s ” p a r a s e r v ir d e a lv o à s a c u s a ç õ e s c o n tr a o f o r m a lis m o
ju r íd ic o , m a s , c o m o a le g is la ç ã o a p a r e c e c o m o a t iv id a d e n e
c e s s á r ia p o r p a r te d o s p r ó p r io s g o v e r n o s r e v o lu c io n á r i o s , a q u e
la te o r ia te m d e a p e la r , n a s u a c r ític a d o le g a lis m o , p a r a a p r e
c ia ç õ e s q u e v ã o a lé m d o la d o f o r m a l d o p r o b le m a .8
A in d a n a m e s m a o r d e m d e id é ia s e s tá o r e p a r o s o c io ló g ic o
q u e traz o te m a p a r a te r m o s d e c la s s e ; a í o d ir e ito le g a l é r e e
x a m in a d o e m f a c e d a d u p lic id a d e d e p o s iç õ e s v it a is q u e , n u m a
m e s m a s o c ie d a d e , e n s e ja m a g e s ta ç ã o d e d ife r e n t e s in te r e s s e s e
d ife r e n te s p e n s a m e n t o s . D e f a t o , h is t ó r ic o - s o c ia lm e n t e o d ir e ito
le g a l f o i d e c e r t o m o d o u m a p a r te d o e l e n c o d e o b r a s d a b u r
g u e s ia ; a s s im , é c o m p r e e n s ív e l d iz e r - s e q u e e le é d ir e it o b u r g u ê s.
E c o m o a a lu s ã o a f o r m a s b u r g u e s a s d e v id a é u m a p a r te d a s
t e m a tiz a ç õ e s s o c ia lis t a s , o id e á r io d o s o c ia lis m o c o n t e m p o r â n e o
e n tr a p o r a q u i: o d ir e it o b u r g u ê s s e n d o a p lic a d o a u m a s o c ie d a
d e o n d e a “ o u tr a ” c l a s s e o a c e it a o u m e s m o o “ s o f r e ” , s e n d o
e n fim u m d ir e it o d e p a tr õ e s , r e s u lta , a o m e n o s , c o m o id e a l, q u e
o d ir e ito o p e r á r io h á d e se r u m d ir e ito liv r e d a s c a r a c te r ís tic a s
132
d a q u e le : liv r e d o le g a lis m o , d o f o r m a lis m o , da c o m p lic a ç ã o
f o r e n s e e d a a b s tr a ç ã o t e ó r ic a .9
N o n ív e l d o u tr in á r io , a q u e s tã o s e s a lie n ta c o m e s p e c ia l
e v in c a d a f a c e . 10 M a s n o n ív e l p o s it iv o é d ifíc il m a n t e r a f a s ta
d o s o s t r a ç o s p r ó p r io s d o d ir e it o b u r g u ê s , in c lu s iv e a c o d i f i
c a ç ã o c o m d e c o r r e n t e v a lo r iz a ç ã o d a e x p r e s s ã o le g a l e tc . V i
m o s in c lu s iv e q u e o d ir e ito p ú b lic o d o s p a ís e s s o c ia lis t a s a in d a
v a lo r iz a a le i. N ã o é f á c il m a n te r o c o n c e i t o d e u m d ir e it o
“ o p e r á r io ” s e m o r e p a r tir e n tr e d o is s e n t id o s , c a d a u ra c o r r e s
p o n d e n t e a u m a s it u a ç ã o n o p r o c e s s o tr a n s fo r m a t iv o o u . n ã
im a g e m q u e s e fa z d e ta l p r o c e s s o : o d e u m d ir e it o p a r a tr a b a
lh a d o r e s m a s a in d a d e n tr o d o s q u a d r o s b u r g u e s e s , e o d e u m
d ir e it o f e it o p o r o p e r á r io s d e n tr o d e u m s is te m a já m u d a d o p o r
r e v o lu ç ã o .. M e s m o p o r q u e , n o O c id e n t e , a id é ia d e d ir e ito v e ’o
f ix a n d o - s e , a tr a v é s d o s s é c u l o s , . u n i f i c a d a . e m t o r n o d a im a g e m
d e u m m u n d o s o c ia l u n o o u p e lo m e n o s h a r m o n iz a d o e m s u a s
p o r ç õ e s , c o m o u m p a d r ã o d e d ita m e s c u j o m o ld e , tin h a u m a
e s s ê n c ia d e f in ív e l e m t e r m o s p r ó p r io s ; a n o ç ã o d e c l a s s e s , o u
d e p o s iç õ e s n a v id a s o c ia l c o m c o n s c iê n c i a s c o n f lit a n t e s , tr a z
u m a q u e b r a d e id é ia s c o m o a q u e la , q u a n d o é le v a d a a o e x t r e
m o p o lê m ic o . O r a , o d ir e it o d ito o b r e ir o , d e n tr o d u m a s o c i e
d a d e o n d e o o b r e ir o se ja a s s a la r ia d o , c o e x is t e c o m a p a r te r e s
t a n te d e u m m e s m o “ o r d e n a m e n t o ” , q u e é le g a lis t a , e n ã o p o
d e , p o r t a n t o , s u b tr a ir -s e d e t o d o a o le g a lis m o d a q u e le . Q u a n t o
a o d ir e ito d e u m p a ís q u e s e d e c la r a p r o le tá r io , o d ile m a é
o s e g u in te : o u m a n té m u m f e it io le g a lis t a p o r c o n s e r v a r c e r ta s
in flu ê n c ia s c u ltu r a is o u terfta e x tir p a r e s s e f e it io a p e la n d o p a r a
c r ité r io s q u e , e n t ã o , n ã o c o r r e s p o n d e m já à e x p e r iê n c ia q u e
d e v e te r tid o o o p e r á r io p r o p r ia m e n te d ito , q u a n d o sjua c o n d i
ç ã o “ n ã o -b u r g u e s a ” e s ta v a d a d a d e n tr o d e u m r e g im e b u r g u ê s .
T a l v e z , n ã o t e n h a m o s a in d a e x e m p lo s d e u m d ir e ito “ o p e r á r io ”
b a s ta n te a u tê n t ic o p a r a te s ta r a su a p o s s ib ilid a d e d e m o s tr a r
u m a o r d e m n ã o - le g a lis t a . 11
133
3. CRÍTICAS AO FUNCIONAMENTO DAS LEIS
NO PLANO CONCRETO
M a is v a lo r t é c n ic o te m o t ip o d e in d ic a ç õ e s e m q u e se
r e j e it a a f u s ã o e n tr e o s c o n c e it o s d e d ir e ito e lè i.1* E s s a r e je i
ç ã o , se n em s e m p r e ' e n v o l v e lim d e s a p r e ç o à l e i c o m o ta l o u
u m a o p o s i ç ã o a o s e u p r e d o m ín i o e n tr e a s f o r m a s p o s s ív e is d e
e x p r e s s ã o p o s it iv a d o d ir e it o , é r e a lm e n te b á s ic a . E la n ã o a p e
n a s r e s s a lv a a in te g r id a d e d o s c o n c e it o s r e s p e c tiv o s c o m o ta m
b é m p e r m it e s it u á - lo s e m p la n o s h is tó r ic o s d is t in t o s . É o que
t e m s u c e d id o e m c e r ta s r e f e r ê n c ia s d a s q u a is a lg u m a s v ã o a q u i
c ita d a s .
peravam os que supunham ...viesse .apenas uma legislação de novo conteúdo; ab
ro g a d o s em bloco os antigos textos, nada os substituiu, e não apareceram có
digos (Le D roit de la Chine Comm uniste, La Ha ye, pp. 1 e segs.). A crescenta:
“ On com prit done peu à peu que les lois anterieures étaient bourgeoises, non
pas teliem ent, par ieur contenu — qu'on au rait pu m odifier — m ais par laut
caractère m êm e de texies íeg isla tifs, offrant un appui à l'individu en face
du pouvoir” (p. 2, grifos nossos). V. ainda T A O -T uH O U A N LEN G , em R e
vue de Ja Comm ission Internationale de Juristes, t. IV , n.° I, 1962, pp. 36 e
segs. Tem os aqui um estatism o que ao contrário do anterior não ¿ legalista
—• ao menos como estág io ; as novas práticas são com andadas com um interesse
au to rita rista superior (“ T rata-se, dizia S. V. L IN A R E S Q U IN T A N A em 1946
a proposito do caso russo, de una dictadura superior a toda norm a jurídica, quê
puede , en cualquier momento salir del carril de la ley escrita y hasta del de
recho consuetudinàrio” 1 Derecho Constitucional Soviético, Ed. Claridad, B. A i
res,. Cap. I I I , p. 28). Mas, por outro lado, já foi notado que o direito sovié
tico (cf. atrás nota 8) não repudiou de todo a prim azia d a . lei, te n d o . sido
V ischinsky um leg alista: cf. A. Q U IN T A N O R IP O L L É S , Filosofia y Ciencia
del D erecho S o viético, Reus, M adrid, 1950, p. 24. P ara a evolução do pro
blema, G. L. K L IN É , ‘‘Socialist legality and com m unist ethics" em N atural
L a w Forum, ed.. Univ. of Notre Dame, voi. 8, 1963, pp. 21 e segs. e tam bém o
Cap. X I, “ R evolutionary L eg ality ” da H istorical Iniroduction to the Theory of
L aw , de W A L TE R . JO N E S . Conforme explica E D U A RD Z E L L W E G E R , a
expressão “ legalidade rev olucionária” cedeu lugar gradualm ente ao term o “lega
lidade so c ialista” (Le P rincipe de L egalité Socialiste, em R évue de la Com
m ission Internationale de Juristes H iver, 1964, tomo V, n.° 2). Sobre a rela
ção entre a perm anencia do E stado e a função da lei no caso iugoslavo, J. B.
T IT O , Paz y Socialism o (Belgrado, 1960), p. 18; e J. D JO R D JE V IC j “ Cons
titucionalism o y Socialism o”, em R ev. de D. Público e C. P olitica, FGU, Rio,
voi. V I, j., abril de 1963, pp. 57 e segs.
12 Desde logo Brinz, apud S T A M M L E R : “ Sobre el Método de la T eoria
H istó rica del D erecho” em La Escuela H istórica del Derecho — documentos
para su. estudio, .por Savigny, Eichorn, Gierke, Stam m ler, trad. R. A tard, Ma
drid, 1908, p. 214. Por sua vez S A N T I-R O W A N O , em E l Ordenamiento Jurí
dico, trad, cap., ed. IE P , M adrid, ' 1963, Cap. I, § 5.°, observa que no ordena
m ento, em vez de serem as norm as elem ento determ inante, são objeto, são meios
de ação dirigidos por ele segundo outros elem entos mais essenciais. Semelhan
te idéia seria aliás acolhida por CARL SC H M IT T .
134
p ô - l o s , s e n ã o a f u n d i- lo s , c o m o o c o r r e u ( e o c o r r e ) c o m o p o s i
t iv is m o — a o m e n o s c o m c e r to t ip o d e p o s it iv is m o ju r íd ic o .
T e m o s , n o c a s o , a s c r ític a s q u e v is a m a c o n s id e r a ç ã o d a
le i c o m o r e p r e s e n ta tiv a d e t o d o o j u r íd ic o o u d e to d o o a s p e c to
o b j e t iv o d o j u r íd i c o . 13 C e r ta s c r ític a s s e d ir ig e m e s p e c ia lm e n t e
a o p o s it iv is m o ju r íd ic o : p o r e x e m p lo a d e C A R L S C H M I T T . 14
N o d ir e ito in te r n a c io n a l, e s s a p o s iç ã o já te m s id o c la r a
m e n t e e x p r e s s a d a , 15 e n e s t e c a m p o a c o i s a s e e x p lic a r e a lm e n te
p e la f a lta d e u m a p o s it iv id a d e c o m p ie t a , c o n c i a t a à s e m p r e
d is c u t id a f a lta d e s a n ç õ e s e d e u n if o r m id a d e o r d e n a m e n ta l.
135
A lg u m a s v e z e s , o la n c e d e s t in a d o a liv r a r a id é ia d o d ir e ito
d a tir a n ia d a id é ia d a le i le v a a c e r t o s e x t r e m o s , c o m o n o c a s o
e m q u e s e a fir m a a s u p e r io r id a d e é t ic a d a n o r m a c o s tu m e ir a
s o b r e a le g is la d a , o q u e , a lé m d e d is c u t ív e l d e n tr o d o p r ó p r io
p la n o p r o p o s t o , o u s e ja o é t ic o , é d is c u t ív e l p e lo fa to d e q u e
o d o m ín io d o ju r íd ic o s e a c h a d if e r e n c ia d o d e s s e p l a n o . 16 D e
t o d o s o s m o d o s , a s d iv e r s a s n u a n c e s d o j u s n a tu r a lis m o a tu a l,
d e s d e o “ r e n a s c im e n t o ” d o d ir e ito n a tu r a l, s e c o n e x i o n a m c o m
e s te tip o d e a fir m a ç ã o .
O u tr a f o r m a d e d e s lo c a r o c o n c e it o d e le i d o p o n t o d e
o n d e c o b r ia o d e d ir e it o , c o n s is t e n a r e d u ç ã o d e s e u d o m ín io
a d e t e r m in a d o s lim ite s h is tó r ic o s . A s r e fe r ê n c ia s e x is te n t e s n e s
s e s e n t id o o f e r e c e m s u b s íd io s p a r a a c r ític a d o le g a lis m o c o m o
e ta p a , c r ític a q u e , d e r e s to , a in d a e s t a v a , a p e s a r d e tu d o , p o r
fa z e r . ( D e v e m o s d ife r e n c ia r e s ta r e d u ç ã o d o s lim ite s h is tó r i
c o s d a le i, d ia n te d a á r e a c o b e r ta p e la id é ia d e “ d ir e it o ” ,
d a q u e la s a p o lo g ia s d a n o r m a le g a l q u e , d a n d o - a c o m o m a is
“ e v o l u íd a ” , im p in g ia m - n a c o m o d e f in itiv a , a b a n d o n a n d o t o d o
r e la tiv is m o e f a z e n d o q u e a n o ç ã o d o d ir e ito o b j e t iv o f ic a s s e
c o in c id in d o s e m p r e c o m e l a .)
A s s im s e lê , n o c o n h e c i d o c o m p ê n d io d e S T E R N B E R G ,
q u e o d ir e ito c o n s u e t u d in à r io e o d ir e ito c ie n t íf ic o s ã o e ta p a s
q u e , n a e v o l u ç ã o c u ltu r a l, s e d is t in g u e m d o d i r e it o - le i. 17
I g u a lm e n te s e g u r a é , s e n ã o m a is a in d a , a r e m is s ã o d o
p r o b le m a a o t ó p ic o d a s f o n te s . P A R A D I S I , p o r e x e m p lo , o b
se r v a , a p r o p ó s it o d a s v á r ia s “ f o n t e s ” d o d ir e ito , q u e c a d a u m a
d e la s t e v e , c o n f o r m e a é p o c a q u e s e c o n s id e r e , s u a im p o r tâ n
c ia , e q u e d e s ta r te s ó a a lu s ã o a o m o m e n t o h is t ó r ic o p e r m ite
a d e t e r m in a ç ã o d o c o n c e it o d e s t a o u a q u e la f o n t e . 18 E s s a p e r s -
136
p e c t iv a e v id e n t e m e n t e d ife r e d a q u e la d o s e u f ó r ic o s a u to r e s q u e ,
h á a lg u m a s g e r a ç õ e s , a c la m a v a m a l e i c o m o ú n ic a e x p r e s s ã o
id ô n e a d o d ir e it o , e a c e it a v a m c o m o a c o i s a m a is c e r ta d o
m u n d o q u e so m e n te a le i p o s s u í a q u a lid a d e s o b j e t iv a s p a r a
e x p r e s s a r o d ir e ito .
E n t r e a s p o s iç õ e s q u e r e je ita m a o b s o r ç ã o d a id é ia d a p o -
s it iv id a d e e d a o b j e t iv i d a d e ju r íd ic a s p e lo c o n c e i t o d a le i, o u
p o r a lg u m a n o ç ã o n o r m a tiv is tá d e r iv a d a d a e x p e r iê n c ia c o n c r e t a
d a le i, d e v e m - s e a s s in a la r a in d a a s v is t a s s o c io ló g ic a s q u e , in
d ic a n d o o d ir e ito c o m o a lg o s o c ia lm e n t e in s t a u r a d o e r e v e la n
d o e m s u a in s t a u r a ç ã o s o c ia l a m a r c a d e e le m e n t o s d iv e r s o s ,
r e d u z e m a e s tr u tu r a le g a l d o o r d e n a m e n t o a u m m e r o a p a r a to
f o r m a l e , p o r t a n t o , n ã o e s s e n c ia l . É c o m p r e e n s ív e l q u e s e m e
lh a n t e s p o s iç õ e s s e ja m a s s u m id a s p e lo s q u e c u lt iv a m o e s t u d o
d e t r a n s f o r m a ç õ e s . 19 T a m b é m a s a s s u m e m c e r t o s c r ít ic o s d a s
r e la ç õ e s e n tr e a le i e p s f a t o s , o u e n t r e o s f a t o s e o s c ó d ig o s ,
e a s s im p o r d ia n t e .20
***
ma invece concetti determ inabili sul fondamento delle linee generali che sono
proprie delle fo n ti"; dai ser preciso o seu conhecim ento na história para exati-
ficar seu conhecim ento dogm ático (p. 6).
19 D U G U IT : “ el derecho es mucho menos la obra dei legislador que o
producto constante y espontáneo de los hecchos" (L a s transform aciones gene
rales del Derecho privado desde el Cód. de Napoleón, tradi C. G.. Posada, B el
tran, M adrid, s.d., I, p. 19). O texto prossegue a voltas com a “ força das
coisas", a “pressão dos fatos" e as “ necessidades p ráticas". E stariam no caso,
tam bém os autores da Freirechtschule, que tan ta e tão ju stificad a repercussão
teve em seu tempo, com sua idéia de um direito vivo e com a valorização da
espontaneidade social nas organizações, e com uma com preensão histórico-so-
cial realm ente notável da problem ática jurídica, sobretudo nos casos de E hrlich
e de K am torowiiz. O antiestatism o, em E hrlich por exemplo, correspondeu a
um a fecunda am pliação do conceito do direito liberado da bitola legalista.
20 Aludimos, evidentem ente, aos ju rista s e escritores que anotam revoltas
contra os Códigos, como GASTON M O R IN (La R evolte des F aits contre Je
Code C ivil, P aris, 1925; La R evo lte du D roit Contre le Code, P aris, 1945), e
aos que encontram nas leis uma grande inutilidade (JE A N C R U ET A vida do
direito e a inutilidade das leis, tradução port., Lisboa S. D .), O RTEG A , seni
pretender maior detença no assunto, chegou a escrever que a legislação, “ nos.
últim os tempos, se converteu em uma m etralhadora que dispara leis sem ces
sar" (Passado y Porvenir para el Hombre A ctual, obras Inéditas, Rey; de O cci
dente, 1962, p. 118); Cf. tam bém E IC H L E R , no opúsculo citado (nota 126),
falando de “ H ypertrophie der Gesetzgebung" e de “ G esetzesabsolutism us"; bem
como o brilhante artigo de L U IG I B A G O L IN I, “ La crisi dello stato", em
I L P O L ÍT IC O , Pavia, 1968, n.° 2 (“la voce dello stato, attraverso la prolife
rante. giungla delle leggi, diventa sempre più confusa, p. 245). No entender de
KO SCH A K ER , o que ocorre é sempre a insuficiência das form as rígidas diante
do vital direito “de ju ris ta s" que a com plem enta (Europa, p. 274 e passim ) e
que trab alh a — apesar de seu intrínseco travo conservador — dentro do equir
líbrio de todo d ireito vigente entre m anutenção e renovação. E um ju rista
como G. B O E H M E R , (op. cit. à nota 166. § I, pp. 17 e 18) não vacilou em
frisar que hoje, do ponto de vista sociológico, o problem a da relação entre a
lei e as necessidades reais revela que “ la tarea propriam ente creadora que in
cumbe a la función judicial no es la de enm endar normas legales de carácter
137
T e m o s p o r fim o s a u to r e s q u e c o n s t a ta m q u e as le is h o je
s ã o in s u f ic ie n t e s o u in a p ta s p a r a a r e g u la ç ã o d a s q u e s tõ e s d e
n o s s o t e m p o . P o r c e r t o , a lg u n s d a q u e le s e s c r ito r e s q u e d e r a m
c o n t a d o c o n f l i t o d o s “ f a t o s ” c o m as le is e s tã o n e s t e c a s o . E
h á a q u i u m a o b s e r v a ç ã o a fa z e r : m u ita s v e z e s , o s q u e m ir a m
o d e s c o m p a s s o d o e s t il o le g a lis t a d a o r d e m ju r íd ic a c o m a “ r e a
lid a d e ” p r e s e n te p r o c u r a m a tir a r , s o b r e e s ta r e a lid a d e a c u lp a ;
é a q u e b r a d o n ív e l m o r a l, é o d e s p r e s tíg io d a p e s s o a , é o a d
v e n t o d e c r e n ç a s e r r ô n e a s q u e s e p in ta m c o m o c a u s a d o d é
c a la g e e n tr e a n o r m a ç ã o e a v id a . A liá s , se r ia d e p e r g u n ta r
s e , d a d o o e x c e s s o c r e s c e n t e d e le is n o m u n d o e m n o s s o s d ia s ,
h á m e s m o c r is e d o le g a l i s m o .*21 A c r is e n ã o p o d e r ia se r e n t e n
d id a n o s e n t id o d a s a p a r ê n c ia s , já q u e a p r o d u ç ã o d e n o r m a s
le g a is s e g u e s e n d o a b u n d a n te p o r to d a p a r te . E l a d e v e s e r e n
t e n d id a e m c o n e x ã o c o m a c r is e d o s e l e m e n t o s c u ltu r a is q u e
c e r c a r a m o le g a lis m o n o p e r í o d o d o s e u a p o g e u .
É c a r a c t e r ís t ic o o a la r m e d ia n te d a in a d a p ta ç ã o d e c e r ta s
le is a o s “ f a t o s ” — is t o é , d ia n t e d o q u e s e to m a p o r ta l. E n t ã o
n e s s e c a s o a s m ío p e s j e r e m ia d a s d e R I P E R T .22
138
iiã o i d e o l ó g i c a .23 M a s d e s te la d o d o p r o b le m a já f a la m o s b
p r o p ó s it o d a a titu d e s o c ia lis t a , e d a a c u s a ç ã o q u e fa z a o d ir e ito
b u rg u ês.
E m a lg u m a s o c a s iõ e s a c r ític a te m s id o f o r m u la d a c o n tr a
a q u ilo q u e s e c h a m o u a “ s o b e r a n ia d a l e i ” . N e s t e p o n t o , p o s ta
a d e s c o b e r t o a d e b ilid a d e d o q u e s e p e n s a v a s e r a o n ip o t ê n c ia
■da n o r m a le g is la t iv a , t e m o s u m a c o n e x ã o c o m v á r io s t ó p ic o s : a
g r ita e x is t e n c ia l c o n tr a j u lg a m e n t o s fu n d a d o s e m “ p r o p o s iç õ e s
m e c â n ic a s e m o r t a s ” ,2^ a d e n ú n c ia d a p r e c a r ie d a d e d o c o n tr a to
c o m o fo r m a d e e x p r e s s ã o d e a c o r d o s p e r f e it o s ,25 a a n á lis e d o
e s ta d o lib e r a l c o m o “ in s tr u m e n to d o c a p it a lis m o ” , a a r r e g im e n -
ta ç ã o d e h u m a n is m o s e d o u tr in a r is m o s d e t o d a so r te .
E m c e r t o s m o m e n t o s s e f a la e m d e s u s o , a o t o c a r n a n e g a -
t iv id a d e d a s r e la ç õ e s e n tr e a s le is e o s f a t o s , m a s v a le d e ix a r
b e m f r is a d o q u e a í n ã o t e m o s b e m u m r e c la m o p o r d ir e ito
c o n s u e t u d in à r io . Q u a s e s e m p r e o q u e s e q u e r é o u tr o c o n t e ú d o
o u o u tr o e s p ír it o n a s p r ó p r ia s le is , c u ja n o ç ã o , p o r t a n t o , s e
co n se rv a c o m o n o ç ã o d e u m a fo rm a sem p re a d eq u a d a à e x
p r e s s ã o o b je tiv a d o d ir e ito . O d e s u s o a í é d e s u s o d a le i s e m
im p lic a r id é ia d o u so j u r íd ic o e x tr a le g a l.
P o d e r - s e - ia a g r e g a r a e s ta s a q u e s tã o d a lim it a ç ã o d o a l
c a n c e d a le i — e d o p o d e r le g is la t iv o — e m c e r t o s t e x t o s c o n s
t it u c i o n a is .26 E s t a é , e n t r e ta n to , u m a o u tr a h is tó r ia .
139
N o d o m ín io d o d ir e ito p r iv a d o , G u s ta v B o e h m e r , e m liv r o
q u e já f o i m e n c io n a d o n o p r e s e n te e s t u d o , c h e g a a f a la r , e m b o
ra c r itic a n d o a e x p r e s s ã o , n u m “ d ir e ito c o n s u e t u d in à r io c o n
tra le g e m ” , a c e n t u a n d o c a r r e g a d a m e n t e a im p o r tâ n c ia d o p a p e l
d o s tr ib u n a is e d a ju r is p r u d ê n c ia n a d in â m ic a \ ju r íd ic a m a is
n o v a .27
M a is d e n tr o d a p r o b le m á tic a t e ó r ic a s e a c h a m t a lv e z as
s u g e s t õ e s c o n t id a s e m c e r ta s d o u tr in a s j u s f ilo s ó f ic a s , p a r a u m a
s u p e r a ç ã o d o e x c lu s iv is m o le g a lis t a .28 N o c a s o , a t e o r ia t r id i
m e n s io n a l, e m q u a lq u e r d e s u a s f o r m u la ç õ e s , b e m c o m o a te o r ia
e g o l ó g ic a . N a p r im e ir a , a le i f ig u r a a p e n a s d e n tr o d e u m a d i
m e n s ã o , a d a n o r m a , n a im a g e m tr ilá te r a d o ju r íd ic o , e a s o u
tra s d u a s d im e n s õ e s , a d o fa to e a d o v a lo r , e m b o r a sen d o
f la n c o s o fe r e c id o s ao e s tu d o e x t r a p o s it iv o , is t o é, h is t ó r ic o -
- s o c i o l ó g i c o e f ilo s ó f i c o ( o q u e f a z c o m q u e a id é ia d e n o r m a -
t iv id a d e s e m a n t e n h a a in d a lig a d a à d a p r im a z ia d a l e i ) , e n s e
ja m , e n t r e ta n to , r e v is õ e s b a s ta n te a m p la s p ara a ju d a r e m a
d e s a lo ja r do e s p ír ito do ju r is ta a s u p e r s t iç ã o l e g a lis t a .29 Na
e g o l o g ia , a b r ilh a n te n o v id a d e (a seu m odo c o p e r n ic a n a ) de
140
d a r a c o n d u t a , e n ã o a n o r m a , c o m o s e n d o a r e a lid a d e d o d i
r e it o , o u o b j e t o d a c iê n c ia ju r íd ic a , im p õ e u m a ta l r e v ir a v o lta
d e esq u em as que o v e lh o h á b it o m e n ta l d e p e n s a r o d ir e it o
c o m o a lg o “ q u e s e m a n d a f a z e r ” s e v ê a b a la d o a té o c i m o .30
N o f u n d o , t o d a s a s g r a n d e s t e o r ia s d e b a s e le g a lis t a p o s s u
e m a lg o c o m u m : a v is ã o d o n o r m a tiv o a r fic ia lm é n te ' tr a n s
f o r m a d o e m s u b s t â n c ia à p a r te . E n o f u n d o t o d a s le v a m à r e
fu t a ç ã o r e c íp r o c a , p e lo f o r m a lis m o q u e c a r r e g a m , e p e la v o
c a ç ã o p a r a a s is te m a t iz a ç ã o d e t ip o p o lê m ic o . N o c a s o d o
t r id im e n s io n a lis m o o e s q u e m a in c lu i ( n o â n g u lo d o “ f a t o ” ) u m a
a lu s ã o à h is tó r ia q u e p o d e v a le r c o m o s u p e r a ç ã o d o f o r m a lis m o
n a h ip ó t e s e d e n ã o “ d e p e n d e r ” — c o m o d im e n s ã o — d a d i
m e n s ã o n o r m a tiv a t o m a d a c o m o p r in c ip a l.
A e g o l o g ia b u s c a s u p e r a r o n o r m a t iv is m o k e ls e n i a n o c o m
a id é ia d o “ d e v e r se r e x i s t e n c ia l” e do. d ir e it o c o m o c o n d u t a ,
m a s a p e la p a r a a n o ç ã o d e n o r m a ( e im p lic ita m e n te d ê n o r m a
le g a l ) p a r a fix a r o c o n c e it o d e d e v e r se r e a s s e n ta r as r e f e
r ê n c ia s d a - c o n d u t a . O t r id im e n s io n a lis m o , r e d u z in d o a n o r m a
a u m a d im e n s ã o a p e n a s d o d ir e it o , c o l o c a a s o u tr a s d u a s e m
to r n o d e l a : o f a to p a r a d a r -lh e r e la ç ã o c o m o c o n c r e to * o v a
lo r p a r a a tr ib u ir -lh e c o n t e ú d o e s ig n if ic a ç ã o . S e s e t o m a m o
v a lo r e o f a to c o m o d a d o b á s ic o , a d im e n s ã o n o r m a tiv a s e
a c h a r á r e a lm e n te r e d u z id a a f u n ç ã o o u d e p e n d ê n c ia d o r e a l;
m a s s é s e p a r te d a n o r m a , o e s q u e m a t o m a a a p r o x im a r - s e d e
t o d a n o ç ã o d o d ir e ito c o m o f o r m a le g a l.
C o m o f o i v is t o ( f i n a l d o c a p ít u lo a n t e r i o r ) , e s s a s p o s iç õ e s
e m g e r a l e v ita m e n f a tic a m e n te o im p e r a tiv is m o , c o m o s e o im
p e r a t iv o n ã o f o s s e e l e m e n t o n o r m a l d a le i, e c o m o se o m o d e lo
le g a l n ã o e s t iv e s s e n a o r ig e m d a s p o s iç õ e s n o r m a tiv is ta s . N egàr
o e l e m e n t o im p e r a t iv o no. d ir e ito s ig n if ic a , e m v e r d a d e , to r n a r
im p o s s ív e l u m a , s o c io lo g ia ju r íd ic a e u m a c o m p r e e n s ã o d a p o -
lit ic id á d e d o d ir e it o .31
141
5. PROBLEMÁTICA DAS LEIS NOS PAÍSES DO
CHAMADO TERCEIRO MUNDO
P a r a o s e s t u d o s j u r íd ic o s e n tr e o s p o v o s d ito s e m d e s e n
v o lv im e n t o , e p a r a o c h a m a d o te r c e ir o m u n d o , o in te r e s s e
d e to d a e s s a p r o b le m á t i c a s e r á m a is c o n c r e t o à m e d id a q u e c o n
t e n h a n ã o s ó . s u g e s t õ e s p a r a r e v is õ e s d e c a r á te r t e ó r ic o m a s
ta m b é m in d i c a ç õ e s p a r a a p o lít ic a ju r íd ic a . N o c a s o , d e v e - s e
in c lu s iv e in d a g a r s e a p r o b le m á tic a d o le g a lis m o e s u a c r is e s ã o
p r ó p r ia s d o s p o v o s p r in c ip a is d o O c id e n t e o u a lg o q u e e m to d a
o r d e m ju r íd ic a c o n t e m p o r â n e a s e p o d e c o n s ta ta r .
M a s v e r if ic a r — c o m o s e v e r if ic a — q u e e m p a ís e s c o m o
o s c h a m a d o s “p e r i f é r ic o s ” e x is te m e p e r s is t e m m o d e lo s le g a lis
ta s de. o r d e n a m e n t o , s ig n if ic a a n o ta r m a is u m ín d i c e d a a m p li
tu d e d a in f lu ê n c ia c u ltu r a l d o q u e s e v e m c h a m a n d o O c id e n t e .
O c o r r e j u s t a m e n te c o m o m a n to c u ltu r a l d o O c id e n t e , q ú e n a
m e s m a m e d id a e m q u e s e e s te n d e u p o r t o d o s o s q u a d r a n te s ,
in v e n t o u o u e n s e jo u o c o n c e it o d e c r is e e a p lic o u - o à q u a lifi
c a ç ã o d e tu d o q u a n to fo i a c h a q u e h is t ó r ic o q u e e m s u a v id a
“ c o n t e m p o r â n e a ” e n c o n t r o u . A s s im , as e s tr u tu r a s ju r íd ic a s o c i
d e n ta is s e im p u s e r a m p o r t o d a p a r te , in c lu s iv e n o c a s o d o s
p o v o s c o l o n i z a d o s , t a n t o p e la f o r m a ç ã o e u r o p é ia q u e r e c e b e
r a m c o m o p e la p o s t e r io r a c e it a ç ã o d e m o d e lo s . E e m p a r te
s e p o d e d iz e r q u e e m c e r t o s p a ís e s as “ c r is e s ” ..ju ríd icas v ê m
d is s o : d a a d o ç ã o d e fo r m a s q u e f o r a m r e p r e s e n ta tiv a s d e u m a
id é ia d e d ir e it o e u r o p é ia p a r a c ir c u n s tâ n c ia s ' s o c ia is e é tn ic a s
c o m p le t a m e n t e d ife r e n t e s d a s q u e c o r r e s p o n d e m à q u e la id é ia
e m su a g e s ta ç ã o .
N e s te , s e n t id o , o c a s o d a s n a ç õ e s a fr ic a n a s é m a is g r a v e
a in d a q u e o c a s o d a s d a A m é r ic a L a t in a . S ã o n a ç õ e s q u e , se m
te r e m p e r c o r r id o a s e t a p a s q u e o s d a E u r o p a p e r c o r r e r a m
p a r a a rr ib a r á o le g a lis m o , s a lta r a m d e s ú b it o p a r a o p a lc o d a
h is t ó r ia o c i d e n t á liz a d a V e s tin d o à s p r e s s a s o p a le t ó e a g r a v a ta ,
ju n to ç p m á s f ó r m u la s p a r la m e n ta r e s e a s m o d a s; i d e o l ó g i c a s .32
-142
C o m o o te m a d a r e la ç ã o d e s s e s p o v o s c o m o O c id e n t e é
b á s ic o p a r a o d e s e n h o d e se u p e r fil h is t ó r ic o , c o n v é m s u b lin h a r
q u e a c o r r e s p o n d ê n c ia e n tr e o le g a lis m o e o s tr a ç o s c u ltu r a is
o c id e n t a is n ã o r e p r e s e n ta u m a s im e tr ia p e r fe ita , q u e p o s s a se r
a c o m p a n h a d a lin h a p o r lin h a . E n t r e t a n to , p o d e m o s to m a r a
p r e s e n ç a d e p a d r õ e s le g a lis t a s e m d ir e ito s e x tr a -e u r o p e u s e m e s
m o e x t r a -a m e r ic a n o s c o m o p e n e t r a ç ã o d a m e n ta lid a d e o c id e n t a l
e in flu ê n c ia d o s s is te m a s j u r íd ic o s e u r o p e u s .
M a s p o r o u tr o la d o to d a t o m a d a d e p o s iç ã o c r itic a , d e n tr o
d e u m p a ís c o m o o B r a s il, p o r e x e m p lo , im p lic a u m a e x
p e r iê n c ia ju s tific a d o r a . Q u e r o d iz e r : p a r a q u e a te o r ia ju r íd ic a
n a c io n a l p o s s a su p e r a r o s e s te io s le g a lis t a s a q u e v e m p r e s a ,
d e v e ter tid o u m a c o m p e n e t r a t iv a v iv ê n c ia d e le s . U t iliz a n d o
u m a p a r ó d ia d o c é le b r e a p o te g m a d e E h e r in g d ir -s e -ia : p a ra
a lé m d o le g a lis m o , m a s a tr a v é s d e le . E r e a lm e n te , tiv e m o s e
v i m o s t e n d o a q u e la e x p e r iê n c ia d e s d e o s é c u lo p a s s a d o , e c o m
a s in s t itu iç õ e s r e p u b lic a n a s , c o m n o s s a s v e le id a d e s p a r la m e n ta
r is ta s e tc .
E d e p o is , n a te o r ia ju r íd ic a d e u m p a ís c o m o o B r a s il,
é q u e j u s ta m e n te se s e n te a n e c e s s id a d e d e r e v e r a c o n c e p ç ã o
d o ju r ista c o m o e s tr ito d o g m a ta . O a s c e t is m o “p u r o ” q u e p õ e
o ju r ista n u m só la d o d a m e s a e o im p e d e d e r o d e á - la e n tr a em
c r is e c o m o le g a lis m o a o q u a l a c o m p a n h o u . T ir a r a o ju r ista
o u à su a c iê n c ia a le g it im id a d e d e e n te n d e r as tr a n s fo r m a ç õ e s
da. r e a lid a d e c o m q u e tra ta é v e d a r - lh e a c o m p r e e n s ã o e fe tiv a
d a s c o is a s ; e n u m p a ís c o m o o n o s s o , é v e d a r - lh e a c o m
p r e e n s ã o d e tu d o q u a n to c a r a c te r iz a ju r id ic a m e n te a v id a n a
c io n a l e m t e r m o s d e in te g r a ç ã o c o m o s o u tr o s a s p e c to s d e s ta .
O s p a ís e s c o m o o B r a s il v iv e m u m c e r to o t im is m o q u e o s fa z
s e n t ir - s e d ife r e n te s d o s p o v o s m u lt is s e c u la r e s e m m a té r ia d e
d is p o n ib ilid a d e v ita l. T ê m - s e as e x p e r iê n c ia s d o s e u r o p e u s , e m
b o r a s e m ter “ a ” e x p e r iê n c ia e t e m -s e a “ j u v e n tu d e c u ltu r a l”
c o m o m o d o d e v e r p e la fr e n te u m fu tu r o m a is a b e r to . P o r ta l
p r is m a d ir - s e - ia q u e e n q u a n to a id é ia d e c r is e a p lic a d a à s it u a
ç ã o ju r íd ic a d o s p o v o s e u r o p e u s d e n o ta a r e s u lta n te d e u m
p r o c e s s o , o u se ja ,, o “ já n ã o b a s t a ” d e in s t itu iç õ e s c r ia d a s lá
m e s m o s o b fa to r e s m u ito a n tig o s , a p lic a d a a o B r a s il a q u e la id é ia
143
s u g e r e a lg o d is tin to : s u g e r e q u e é t e m p o d e r e fa z e r , q u e ‘‘a in d a ”
n ã o s e e n c o n tr a r a m a s f ó r m u la s a u tê n tic a s o u q u e o c a s a m e n t o
d o s m o d e lo s g e r a is c o m a s a r g ila s lo c a is n ã o e s tá b e m d o s a d o .
M a s a t e n d ê n c ia se r á a d e p e d ir à a r g ila l o c a l a s o lu ç ã o , sa b e r
o q u e o p a ís p r e c is a , ta n to n a á r e a c o n s t it u c io n a l , c o m o e m d i
r e ito c iv il o u p e n a l. I s t o , n a p r o p o r ç ã o e m q u e v a le a id é ia d e
c r is e , q u e é a m b íg u a .
L e g is la r h o j e é a lg o d ife r e n t e d o q u e e r a n o s é c u lo X V I I
o u X I X , ta n to p e la in te r fe r ê n c ia d e n o v a s c o n f ig u r a ç õ e s p o lít i
c a s c o m o p e la a p lic a ç ã o d e t é c n ic a s d if e r e n t e s .33 N o s p a ís e s e m
d e s e n v o lv i m e n t o , a le g is la ç ã o s e a p r e s e n ta c o m o ta r e fa d ifíc il,
e o le g is la d o r s a b e q u e a in s t a b ilid a d e é o d e s t in o d e s u a o b r a
e c o m o e m t o d a p a r te — m e s m o n o s p a ís e s m a is m a d u r o s — >
o e x e c u t iv o s e in c lu i h o j e n o e s q u e m a le g i s l a t i v o .34 E h á a s d is
t o r ç õ e s e r e f r a ç õ e s q u e o p r o c e s s o d o d e s e n v o lv i m e n t o f a z in
c id ir s o b r e a v ig ê n c ia d e c e r t o s in s t itu t o s ju r íd ic o s , p o r fo r ç a
d e c o n d iç õ e s s o c ia is n o v a s e d e n o v o s t ip o s d e in t e r e s s e .35
6. A MODO DE CONCLUSÃO
A m o d o d e c o n c l u s ã o , p o d e m o s te n ta r u m r e p a s s e . O l e
g a lis m o s e c a r a c t e r iz o u c o m o s is te m a ju r íd ic o d o m in a n t e nos.
s é c u lo s e m q u e a c u ltu r a o c id e n t a l s e e s tr u tu r o u p o lit ic a m e n t e
e m E s t a d o s n a c io n a is , e e m q u e o s E s t a d o s a s c e n d e r a m a o
lib e r a lis m o . S e m e lh a n t e p r o c e s s o f o i, c u lt u r a lm e n te , o d o r a c io -
h a lis m ó b u r g p ê s. e , p o lit ic a m e n t e , o d a c e n tr a liz a ç ã o .' A c r is e
d o 'lib e r a lis m o , e m s e u s c o m p o n e n t e s s o c ia is e e m s u a e str u tu r a
p o lít ic a , f o i ta m b é m c r is e d o lib e r a lis m o .
144
A e x p e r iê n c ia ju r íd ic a n e s t e s s é c u l o s in c lu iu u m a d e t e r
m in a d a c o n c e p ç ã o d o d ir e it o n a tu r a l, e m c e r ta f a s e s o b r e t u d o .
M u it o s p r o b le m a s d e q u e h o j e n in g u é m m a is c u id a e s tiv e r a m
p o r v e z e s n a o r d e m d o d ia : e s t a d o d e n a tu r e z a , c o n t r a t o s o c ia l
e tc . O j u s n a tu r a lis m o d o t e m p o d a s r e v o lu ç õ e s lib e r a is , q u e e n
te n d ia o d ir e it o n a tu r a l c o m o b a s e d o d ir e it o p o s i t i v o , f o i p o s t o
d e la d o a o t e m p o d o s p o s it iv is m o s ( d o s ó c i o - f i l o s ó f i c o e d o
j u r í d i c o ) ; m a s e m n o s s o s é c u lo , s o b r e t u d o d e p o is d a s e g u n d a
g u e r r a e a p r o p ó s it o d o n a z is m o , n o v a m e n t e s e e n t e n d e u q u e
a n o r m a p o s it iv a n ã o é t u d o e q u e h á u m d ir e it o s u p r a le g a l.
D e s t e m o d o , á in d ig n a ç ã o é t ic a c o n t r a o s c r im e s c o m e t id o s e m
n o m e d o o r d e n a m e n to s e r v iu d e f u n d a m e n t o a o r e e x a m e d o
d ir e ito . D e s t e m o d o , p o r ir o n ia o u t a lv e z p o r s u tile z a d o s d e u
s e s , as e x c la m a ç õ e s d e A n t íg o n a e c o a r a m n a a x i o l o g i a d e R a d -
b ru ch .
A e v o l u ç ã o p o lít ic a n o s ú ltim o s s é c u lo s , a tr a v é s d e c o m b i
n a ç õ e s d iv e r s a s , v e i o r e f o r m a n d o o e s q u e m a d o s p o d e r e s e à s
v e z e s s e f a lo u e m g o v e r n o d e le is , o u tr a s d e g o v e r n o d e ju iz e s :
M a s o r e f o r ç a m e n t o d o e x e c u t iv o n o s g o v e r n o s , n o s E s t a d o s d e
h o j e , t o r n o u in o p e r a n te a c r e n ç a o it o c e n t is t a n a s u p r e m a c ia d o s
p a r la m e n to s ( c o m a lg u m a s e x c e ç õ e s t a l v e z ) , e , a o m e s m o te m -
p o , a le g is la ç ã o e m s o c ie d a d e s d e m a s s a s p a s s o u a s e r r e a l
m e n te a lg o d iv e r s o d o q u e e r a n a s o c ie d a d e lib e r a l, a o t e m p o
d o c a p it a lis m o a s c e n d e n t e .
Q u ã n t o à C iê n c ia d o D ir e it o , q u e h a v ia iiò s s é c u lo s m o
d e r n o s o b t id o s u a u n if ic a ç ã o d e p o is d a lo n g a e d is p e r s a f a s e
m e d ie v a l, a p r o v e ito u a c e n t r a liz a ç ã o p o lít ic a p a r a f a z e r - s e t ã o
u n if o r m e q u a n to ó s o r d e n a m e n to s . N o s t e m p p s lib e r a is , f é z - s e
r a c io n a l, a c o m p a n h o u o s c ó d ig o s e , a o d is c u t ir lo s , d e s e m b o c o u
n a e s c o la h is tó r ic a . E s c o l a d e q u e su r g ir ia m s e u s c a r a c te r e s
e s tr u tu r a is m a is r e p r e s e n ta t iv o s . F e z - s e e v o l u c io n i s t a , f e z - s e s o
c i o ló g ic a , f e z - s e n o r m a tiv is ta , r a m if ic o u - s e e m d e s s id ê n c ia s d o u - .
tr in á r ia s . A o m e s m o t e m p o c o n s o l i d o u n o p la n o d id á t ic o a s
e s p e c ia l iz a ç õ e s f u n d a m e n ta is q u e v in h a m d o s a n tig o s e e s t a b e
le c e u o u tr a s n o v a s . M a s a c h o u - s e e m c r is e è e m c r is e c o n t ín u a :
h á in c lu s iv e u m a c e r ta r e v is ã o d o s ta tu s d o s a b e r ju r íd ic o ,
a t u a lm e n t e , e m f a c e d e o u tr o s s a b e r e s s o c ia is , c o m p r e t e n s õ e s
a d o n t ín io s o c ia l e a “ s u c e d e r ” a o s a b e r d o ju r is ta n ò p la n ò
h is t ó r ic o .
O s is m o s j u r íd ic o s ( c u j a t ip o l o g ia p o d e r á s e r t è n ta d a c o m ;
a lg u n s r e s u lt a d o s ) c o n v iv e m h o j e , p o is , c o m is m o s d e v á r ia s
145
á r e a s e , c o m o e s t e s ( m a s p o r v e z e s r e c .u s a n d o -s e a r e c o n h e
c ê - l o s ) , s o f r e m a p e n e t r a ç ã o d a s a f liç õ e s d o h o m e m d e n o s s o
t e m p o e d e s e u s p r o b le m a s c o n c r e t ís s im o s . S o fr e m e tê m d e
so fr ê -la .
E s t e liv r o n ã o p r e t e n d e u “ d ia g n o s t ic a r ” n a d a , n e m p r e v e r
n a d a , n e m s e q u e r p r e c o n iz a r c o i s a a lg u m a e m te r m o s d e s a lv a r
o p r e s t íg io d a le i o u d e s u p e r a r o d ir e it o -le i. S e a lg o , p o r é m ,
h à d e s e r p r e c o n i z a d o , d e v e s e r o a p e g o d o ju r is ta ( a o m e n o s
d e l e ) a o s v a lo r e s j u r íd ic o s , m e s m o d is c u t in d o - s e s e u c o n c e it o
e s u a s e s p é c ie s , p o is d e v a lo r e s te m d e s e a lim e n ta r o h o m e m .
E a s f o r m a s , q u e s ã o ig u a lm e n te n e c e s s á r ia s , o s ã o p o r c a u s a
d o s v a lo r e s . S e a lg o te m d e se r s a lv o é a im a g e m h u m a n ís tic a
d a s c o i s a s — e p o r t a n t o a d o d ir e ito — , c o n t r a a c e g u e ir a d a s
a u t o m a ç õ e s e d a s q u a n t if ic a ç õ e s . S e a lg o e s te liv r o p r e t e n d e u
d e m o n s t r a r f o i a n e c e s s id a d e d e r e v e r e s s a s c o is a s ; c o m e s te
t ip o d e p r o b le m a s o h o m e m s e r e e n c o n t r a a s i m e s m o , p a r a r e
c o n h e c e r - s e , r e fig u r a r -s e e r e tr a ta r -s e .
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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la v id a so c ia l d el m u n d o m o d e r n o ” em E s tu d io s S o c io ló g ic o s
— S o c io lo g ía d e l D e r e c h o (A n a is d o V i l i C o n g r e ss o M e x i
c a n o d e S o c io lo g ia ), M é x ic o , 1 9 5 7 .
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a e x ig ê n c ia d e u m a n o r m a tiv id a d e c o n c r e ta ” em R e v is ta B r a
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e d a d m o d e r n a , trad. F . Jard ón , M ad rid , A g u illa r, 1 9 5 7 .
149
COLEÇÃO UNIVERSITARIA DE CIÊNCIAS HUMANAS
Próximos lançamentos
ELEMENTOS DE .SOCIOLOGIA
Elizabeth Wilkins (do Hitchin College)
O ANTIGO REGIME
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O RENASCI MENTÓ
Paul Faure. (da Universidade de. Clermont-Ferrand)
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA INTRODUÇÃO
J o s é Paschoal R ossetti (da Universidade Mackenzie)
ANÁLISE DE SISTEMAS POLÍTICOS
Jean-William Lapierre (da Universidade de Nice)
O DIREITO NATURAL
Francisco Bueno Torres (da Universidade Mackenzie)
O ESTADO E SUA ORGANIZAÇÃO
Pedro Vidal Neto (da Universidade Mackenzie)
O FEUDALISMO MEDIEVAL
Carl S teph en son (da Universidade de Cornell)
SMITH, MARX, KEYNES. ÉPOCAS, OBRAS, INFLUÊNCIAS
Hilário Franco Jr. (da Historical Association) e
Jo s é Paschoal Rossetti (da Universidade Mackenzie)
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