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1.

Aula 1

- Introdução a Pitágoras.
- Introdução a Mário Ferreira dos Santos
- O pitagorismo por Mário Ferreira.

Reale p.43
Mário p.61
Sabedoria das Leis Eternas
Antigo TCC
Julián Marías p.50

Aula 2

- Fragmentos pitagóricos (comentar)


- O Arithmós na exegese comum.
- O número para Pitágoras.
- Número e Ritmo.

Aula 3

- Elementos concretos do pitagorismo


- Harmonia/temas pitagóricos
- Jâmblico/Hiero-Logos.
- O demiurgo e Pitágoras

Aula 4

- O sonho de Pitágoras
- A década Pitagórica
- Pitagorismo concreto?
- Encerramento.

Aula 1
1. Introdução

Antes de começarmos a tratar propriamente do tema de nosso curso, é


importante termos algumas coisas em mente; a mais notória é que trataremos de um
filósofo não muito conhecido, e entre os que o conhecem é razoavelmente lido, mas
pouco estudado. Isso significa que a oferta de material de qualidade sobre é tão rarefeita
como o ar do topo de uma montanha, e cada molécula de oxigênio deve ser aproveitada
ao máximo.
Digo isso pois esse curso tem objetivos que embora difusos, são claros. Trata-se
de uma introdução nem tão introdutória assim ao pensamento de Mário Ferreira dos
Santos a partir de um livro que embora abrangente também não é introdutório.
Costuma-se dizer que quando simplificamos muito uma coisa, ela se torna disforme;
não podemos explicar a guerra através de uma partida de xadrez, mas podemos explicar
o xadrez através de uma guerra. Então aqui buscaremos um meio termo; tentaremos
explicar o melhor possível a filosofia de Mário Ferreira dos Santos através de um de
seus livros, o que melhor reúne suas ideias acerca do pitagorismo e que lhe rende muitas
vezes a alcunha de "tomista-pitagórico", "pitagórico moderno" - que acredito, talvez ele
gostasse desse rótulo - e até o clássico "gnóstico".

Aos curiosos, Mário diz o seguinte sobre isso:

Não sou escolástico nem neoescolástico, porque sigo também outras ideias,
aparentemente afastadas, mas que conciliam, numa síntese, aquele
pensamento com o que provém do pitagórico-platônico, fato que exponho e
demonstro em meus livros.1

O Pitágoras e o Tema do Número serve bem a esse propósito por ser algo raro na
obra do Mário: é um livro organizado. Qualquer um que tenha estudado Mário e não
apenas lido sabe que aquilo é um saco de gatos; os conceitos ficam espalhados em livros
e não são nem de longe bem estruturados linearmente como encontramos por exemplo
em Kant. Isso significa que para entender alguma coisa em Mário, somos remetidos ao
adágio de Schopenhauer: quem quiser me ler, terá de o fazer até a última linha. [NOTA]
Mas aqui não procuramos uma análise exaustiva. O livro mesmo que nos
propomos a seguir como programa deverá bastar por si mesmo dentro dos limites de
nosso propósito dado, que é estudar como Mário Ferreira interpretava o pitagorismo e
como ele pretende usar isso na Filosofia Concreta. Sendo assim, comecemos pelo
começo. Quem foi Mário Ferreira dos Santos?

Quem foi Mário Ferreira dos Santos?

Teçamos uma pequena biografia deste autor que tanto nos legou. Mário Dias
Ferreira dos Santos foi um filósofo brasileiro nascido no município de Tietê, em São
Paulo, no dia 3 de janeiro de 1907, filho do português Francisco Dias Ferreira dos
Santos e da amazonense Maria do Carmo Santos. Seu pai foi um dos pioneiros do
cinema nacional, produzindo algumas dezenas de filmes, entre os quais o chamado O
Crime dos Banhados, o primeiro longa-metragem da filmografia mundial. Mário, ainda
criança, participou de alguns filmes do pai, como Os Óculos do Vovô.2
Mário dizia a seus filhos que um dos motivos de sua inquietação filosófica eram
as divergências entre a crença maçônica de seu pai e o catolicismo de sua mãe;
Francisco Santos era admirador da educação jesuíta, o que mais tarde o levou a
matricular o pequeno Mário no Ginásio Gonzaga, em Pelotas, Rio Grande do Sul, para
onde a família se mudara logo antes. Ingressou na Faculdade de Direito de Porto Alegre
em 1925, e estreou advogado antes mesmo de formar-se, e m 1928. Bacharelou-se em
Direito e Ciências Sociais em 1930, mas abandonou a profissão para trabalhar na
empresa cinematográfica de seu pai, simultaneamente à direção do jornal A Opinião
Pública, onde apoiou a revolução de 1930, mas não sem criticar os atos do novo

1 Meu Filosofar Positivo e Concreto p.411

2 http://www.bcc.org.br/filme/detalhe/001395 acessado pela última vez às 00.51 do dia 13/12/2016


governo, motivo pelo qual foi preso e obrigado a afastar-se do jornal. Trabalhou
também nos jornais Diário de Notícias, Correio do Povo e algumas revistas
Foi tradutor de vários livros para a Editora Globo, como Diário íntimo, de
Amiel, Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche, e A Fisiologia do Casamento, de Balzac.
Em sua juventude foi muito influenciado por Nietzsche, provavelmente por conta das
diversas traduções que fez do autor, e o comentário que teceu ao Assim Falou
Zaratustra. Foi nessa fase que Miguel Reale ficou sabendo de sua existência, tendo o
tido apenas como um tradutor e comentador de Nietzsche. Foi ainda nessa época em que
escreveu O Homem Que Nasceu Póstumo, onde defende o filósofo alemão de seus
detratores e é o grande responsável por alguns leitores de Mário Ferreira insistirem em
duas quimeras distintas e igualmente abstratas: o Mário Nietzschiano, como se a
filosofia de Nietzsche tivesse tido alguma influência epistemológica ou metafísica em
sua obra, e o Nietzsche Concreto, onde reconstrói-se o alemão pela obra do brasileiro e
sai-se mostrando um verdadeiro queijo suíço de buracos tapados como se fosse um
legítimo queijo Gouda. Mas isso é outra história.
Mário foi forçado a tornar-se seu próprio editor para esquivar-se das dificuldades
de publicação de seus escritos, e seus ensaios deste período eram normalmente
publicados sob pseudônimos, como vemos em Se a Esfinge Falasse (Como Dan
Andersen, 1946) e Realidade do Homem (Como Dan Andersen, 1947). As análises que
fez para revistas sobre a Segunda Guerra Mundial foram reunidos nos livros Páginas
Várias (1960). São dessa época ainda o Certas Sutilezas Humanas (1958) A Luta dos
Contrários (1958) e Assim Deus Falou aos Homens (1958), que são alguns volumes da
coleção minimax, uns livros pequenos e muito bonitos, de capa dura e que cabem na
palma da mão.
Desde então, não deixou mais tal cargo, fundando a Editora Logos S.A. e
posteriormente a Editora Matese Ltda., em São Paulo, onde imprimia em gráfica própria
seus próprios livros e traduções de obras clássicas, dicionários e outros.
Após mudar-se para a capital paulista, foi pioneiro no sistema de livros vendidos
de porta em porta, obtendo sucesso suficiente para angariar participantes para seu Curso
de Oratória e Retórica (Publicado mais tarde, sendo a 9º Edição de 1962). Nos
intervalos, dirigia um Curso de Filosofia por Correspondência, corrigindo lições
enviadas por alunos, e ajudava pessoas que lhe pediam o auxílio. Esses Episódios deram
forma mais tarde ao material que integra os livros Curso de Integração Pessoal (3ª
Edição de 1954) e Convite à Psicologia Prática (1961).
A partir de 1952 passou a construir sua Magnum Opus, a Enciclopédia das
Ciências Filosóficas, onde apenas a primeira série tem 10 volumes. A maior parte dela
foi publicada em vida, sobrando alguns poucos inéditos, como o Tratado de
Esquematologia e a Teoria Geral das Tensões, utilizadas neste trabalho.
É interessante atentar que a mudança de pensamento entre o Mário comentador
de Nietzsche e o Mário da Filosofia Concreta é brutal. Ele tinha todo o conteúdo na
cabeça, e acredito que só não pôde colocar tudo no papel por ter morrido antes de fazer
uma revisão decente. Não o digo quanto à forma, todos sabemos que os livros estão
cheios de erros ortográficos. Digo quanto à organização do sistema, que é uma bagunça
mesmo. Há livros generalíssimos onde ele promete tratar de temas e esquece, outros
onde começa e não termina, outros onde começa leve e do nada soca metafísica
suareziana na sua cabeça, enquanto em outros mais se começa a ler com medo, mas no
fim é um livro leve. E há o Filosofia da Crise e o Filosofias da Afirmação e da
Negação, que são leves de se ler na primeira vez; na segunda fica difícil pois o conteúdo
é quase infinito e cada tema tratado vira um livro inteiro para ser explicado. Tomando
uma analogia informática, é como se o cérebro do Mário fosse um processador
esmagado por um grande gargalo e não pudesse usar toda sua capacidade propriamente.
Então, fez como deu; nunca a frase "é humilde, mas é com boas intenções" se aplicou
tão bem a um filósofo.
Mário Ferreira dos Santos nunca ocupou uma cátedra universitária e nem
procurou por isso; a única experiência que teve num corpo docente foi em seu último
ano de vida, por insistência do filósofo letoniano radicado no Brasil Pe. Stanislavs
Ladusâns, s.j., na Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Medianeira, dos padres
jesuítas, passando o fim de sua vida intelectual entre os mesmos nos quais iniciou.
Um dado interessante é que o Pe. Stanislavs Ladusâns de que falamos foi o
mesmo que deu aulas para o Olavo de Carvalho por um tempo. Eu li o Gnosiologia
Pluridimensional dele e é bem cômico como ele parece ter o mesmíssimo trejeito do
Mário, de passar por cima do assunto e te deixar lá preso nas páginas tentando entender
de onde aquilo saiu; a parte de divertida é que quando se descobre, é uma alegria e uma
tristeza: a alegria é que é bom, a tristeza é que você terá que escrever um livro novo
para explicar de onde aquilo veio.
Voltando ao Mário, ele deu algumas poucas semanas de aula apenas. Ele era um
homem grande, digo, gordinho ao estilo Sto. Tomás de Aquino, tinha alguns problemas
cardíacos e vivia estressado por causa do trabalho, sentimento que com certeza, se o
aluno já trabalhou com edição de livros, ou já escreveu um, sabe bem que é de arrancar
os cabelos. Deve-se dizer também que ele andava também triste por conta do que havia
acontecido na época, a saber, o início do regime militar; e nosso filósofo tinha forte
tendência anarquista. Um espírito livre, que fundou sua própria editora para não ser
subjugado por outros viver em um tempo assim deve ter sido doloroso. Leiamos o que
nosso filósofo diz:
Nunca ocupei, escreveu ele, nenhum cargo em nenhuma escola, por
princípio. Deliberei, desde os primeiros anos, tomar uma atitude que consiste
em nunca disputar cargos que podem ser ocupados por outros. Sempre decidi
criar o meu próprio cargo, a minha própria posição e situação, sem ter de
ocupar o lugar que possa caber a outro. O meu lugar seria exclusivamente
meu, criado por mim e para mim mesmo. Eis porque não disputo, nunca
disputei nem disputarei qualquer posição possa que ser ocupada por quem
quer que seja.3

Mário morreu em casa, cercado de sua esposa Yolanda, suas filhas Iolanda (com
I) e Nadiejda, seus genros Fernando e Wilmar. Aproximando-se do fim, pediu que o
erguessem, pois considerava indigno morrer deitado; assim, morreu de pé, recitando o
Pai-Nosso, em 11 de abril de 1968.

Pitágoras e o pitagorismo
Agora tratemos um bocado sobre história da filosofia. É um fenômeno muito
engraçado hoje em dia que muitos, em especial os mais novos, adorem ler sobre seitas
secretas e ocultismo. Mas é ainda mais engraçado que em qualquer canto de livraria
esotérica encontremos coisas do tipo “o segredo revelado”, “a doutrina secreta” e coisas

3 Filosofia concreta, S. Paulo, Logos, 1957, págs. 11-12.


do tipo, isso sem mencionar a internet. Todo jovem com internet sabe da existência do
clube de Bilderberg. Vivemos a era da seita secreta escancarada.
Mas o que nos interessa isso? Interessa que houve um tempo em que segredos
eram segredos, e o que se chamou Liga Pitagórica era bem secreto. Pitágoras de Samos
é uma figura tão enigmática que ganhou caráter lendário e seu pensamento é impossível
de se definir; por isso devemos “comer pelas beiradas” para entender o que se chamou
pitagorismo, que é a doutrina dos discípulos de Pitágoras, que estudamos na esperança
que de fato reflitam o que ensinou seu mestre. Para isso, usaremos como apoio duas
histórias da filosofia: a do Giovanni Reale e a do Julian Marias.
Segundo o pouco que se sabe, Pitágoras nasceu em Samos, em 530 a.c. filho de
Menesarco de Partêmis, e foi discípulo de Anaxágoras, de Ferécides, e de Siros. Não se
sabe o que fez durante a juventude, apenas que viajou por um tempo e que segundo
algumas lendas, teve contato com Zoroastro na Pérsia. O certo é que em algum
momento se estabeleceu em Crotona, na Magna Grécia. Lá fundou uma escola de
filosofia com toques religiosos, o que leva os historiadores a associá-lo ao Orfismo. De
fato, até Platão, veremos uma pesada influência religiosa na filosofia. O que se sabe é
que essa escola, que a saber, era cheia de maneirismos que se tornaram objeto de
curiosidade, como não comer carne, não usar roupas de lã e outros, influiu notoriamente
na política da região. Assim foi até o dia em que a população, com medo de que
Pitágoras se tornasse um tirano, resolveu colocar fogo em sua escola; não sabemos se
Pitágoras morreu ali ou em Metaponto. Mas a Liga Pitagórica como escola de filosofia
exotérica morreu ali. A partir disso, o pitagorismo se tornou cada vez mais secreto. Não
que já não o fosse antes, mas agora trata-se de um salto qualitativo.
Sobre a doutrina pitagórica, a primeira coisa que nos vem à cabeça é a questão
dos números, ou arithmoi, que foram tomados como princípio de todas as coisas. Há
muitas controvérsias sobre isso, então vamos expor primeiro a versão “acadêmica” da
coisa e após isso o entendimento do Mário Ferreira dos Santos.
Uma das principais fontes sobre é Aristóteles, no trecho 985b1 25 em diante da
Metafísica, ou, capítulo 5 do livro I. Usarei a versão dos Pensadores, amplamente
acessível, mas pode-se acompanhar em qualquer versão que encontrar. Leiamos e
comentemos o dito:
[...] os chamados pitagóricos consagraram-se pela primeira vez às
matemáticas, fazendo-as progredir, e, penetrados por estas disciplinas,
julgaram que os princípios delas fossem os princípios de todos os seres.
(2) Como, porém, entre estes, os números são, por natureza, os
primeiros, e como nos números julgaram [os pitagóricos] aperceber
muitíssimas semelhanças com o que existe e o que se gera, de preferência
ao fogo, à terra e à água (sendo tal determinação dos números a justiça,
tal outra a alma e a inteligência, tal outra o tempo, e assim da mesma
maneira para cada uma das outras); [...]

Percebemos aqui, que segundo Aristóteles, os pitagóricos não viam os


números como mera quantidade, mero quantum, mas como certa unidade de
estrutural de proporção. Continuemos a leitura.

[…] além disto, como vissem nos números as modificações e as


proporções da harmonia e, enfim, como todas as outras coisas lhes
parecessem, na natureza inteira, formadas à semelhança dos números, e
os números as realidades primordiais do Universo, pensaram eles que os
elementos dos números fossem também os elementos de todos os seres, e
que o céu inteiro fosse harmonia e número. E todas as concordâncias que
podiam notar, nos números e na harmonia, com as modificações do céu e
suas partes, e com a ordem do Universo, reuniam-nas, reduzindo-as a
sistema. (3) Se n´alguma parte algo faltasse, supriam logo com as
adições necessárias, para que toda a sua teoria se tornasse coerente.
Assim, como a década parece um número perfeito e parece abarcar toda a
natureza dos números, eles afirmam que os corpos em movimento no
Universo são dez. E como os [corpos celestes] visíveis são somente nove,
por isso conceberam um décimo, a Anti-Terra.

Giovanni Reale irá apontar essa teoria como certa percepção de regularidade
matemática. E de fato os pitagóricos acertaram muito ao conceber isso, pois foi nisso
que descobriram as escalas musicais. Como Reale aponta, da diversidade dos sons
produzidos por martelos batendo, que são determinados pelos materiais e pelo peso dos
objetos que se chocam e da diversidade dos sons produzidos pelo monocórdio que
variam segundo a proporção do tamanho e do material da corda, deduz-se uma estrutura
de proporção que Mário chamará de estrutura de proporcionalidade intrínseca, algo que
muitos de nós talvez conheçam como essência. Nisso, os pitagóricos descobriram as
relações harmônicas de oitava, quinta, e quarta. Se hoje temos violões, o devemos aos
pitagóricos. Essa mesma estrutura de proporcionalidade foi usada na astronomia e na
medição da durações dos dias, estações, e tutti quanti.
Para além disso, os pitagóricos associavam essa proporção à justiça, que era
vista como certa estrutura de equidade, que como aponta Reale, coincidente e
simbolizada pelo número 4 ou 9 – 2x2 ou 3xe, o quadrado do primeiro par ou primeiro
ímpar.
Entre essas e outras, os pitagóricos foram galgando os números até vê-los como
princípios, ou certa estrutura regente da realidade, números reais no sentido mais pleno
do termo. Assim, todas as coisas derivam ou são regidas pelos números, entendidos do
modo dito, como estrutura de proporcionalidade. Reale aponta um dado interessante: os
números, mesmo como princípio, não são o primum que estamos acostumados; mas eles
mesmos derivam de certos componentes, a saber, dois: o limitado e o ilimitado, ou, o
indeterminado e o determinado, que se não me falha a memória, na filosofia aristotélica,
darão origem ao que se chamou quantidade contínua e quantidade discreta.
Essa dualidade, nos números mesmos, é simbolizada pelo par e pelo ímpar; o
indeterminado no primeiro e o determinado no segundo.

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