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A FILOSOFIA DO PORVIR

Ludwig Feuerbach
A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

A filosofia do porvir - 1843

Prólogo

Contém estes Princípios a programação e o desenvolvimento das justificativas de mis Tesis para a reforma da filosofia, que
a arbitrariedade sem limites da censurara alemã tem encorajado o exílio.
No manuscrito original deviam compor uma obra detalhada. Mas ao empreender a redação definitiva, não sei como, o espírito
da censura alemã se apoderou de mim e apaguei como um selvagem.
Eu dei-lhe o título de “Princípios da Filosofia do Futuro” devido ao tempo presente em geral, este tempo de delicadas ilusões
e prejuízos de velhos, é incapaz de “captar”, e ainda menos de apreciar, precisamente por sua simplicidade, as simples verdades
destes Princípios procedem.
A filosofia do futuro tem como missão conduzir a filosofia deste reino das “almas mortas” ao reino das almas encarnadas, das
almas vivas; fazer descer desde a placidez de um pensamento divino e isento de necessidades, até a miséria humana. Acontece,
não obstante, que pensar, falar e atuar de forma puramente humana não pertence mais que as gerações futuras.
Hoje, ainda não se trata de explicar o homem, mas para remover-lhe do lamaçal em que se tem metido. Estes Princípios são,
igualmente, fruto desse duro e claro trabalho. Teriam a missão de deduzir a filosofia do absoluto, e dizer, da teologia, a necessi-
dade da filosofia do homem, é dizer, da antropologia, assim como de fundar a crítica da filosofia divina. De modo que, para ser
apreciado, envolvem um exato conhecimento da filosofia dos tempos modernos.
As conseqüências destes Princípios não hão de esperar.

Bruckberg, 9 de julho de 1843.

A FILOSOFIA DO PORVIR
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Os tempos modernos tem tido por missão a realização da humanização de Deus, a transformação e a resolução da teologia em
antropologia.

O modo religioso ou prático desta humanização foi o Protestantismo. Somente o Deus que é homem, o Deus humano, é dizer,
o Cristo, é o Deus do Protestantismo não se procupava já, como o Catolicismo, do qual é Deus em si mesmo, mas somente do
qual é para o homem; por ele não tem já tendencia especulativa, ou contemplativa, como o Catolicismo; não é já teologia: é
essencialmente CRISTOLOGIA, é dizer, antropologia religiosa.

Não obstante, o Protestantismo não negava a Deus em si, ou a Deus como Deus (pois somente Deus em si é verdadeiramente
Deus), mais que praticamente; teologicamente o desejava substituir. Deus é, mas com a reserva de que não é para o homem, para
o homem religioso quero dizer; Deus é um ser de mais além, que não será objeto para o homem mais que um dia, nas alturas, no
céu. Mas, é mais além da religião é aqui da filosofia. A segunda tem precisamente por objeto o não-objeto da primeira.

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A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

A filosofia especulativa é a elaboração e a resolução racional ou teórica do Deus que, para a religião, é transcendente e não
objetivo.

A essência da filosofia especulativa não é mais que a essência de Deus racionalizada, realizada e atualizada. A filosofia
especulativa é a teologia verdadeira, conseqüente e racional.

Deus visto que Deus, visto que ser espiritual ou abstrato, é dizer, não humano, não sensível, acessível a, e objetivo para a
razão ou a inteligência única, não é mais que a essência da razão mesma, a que, por sua parte, a teologia ordinária ou o teísmo
representam por meio da imaginação, sob a forma de um ser independente, distinto da razão. É, pois, uma necessidade interna
e sagrada identificar finalmente com a razão, e, seguidamente, reconhecer, realizar e atualizar ao ser divino como a essência da
razão. Sobre esta necessidade repousa o grande significado histórico da filosofia especulativa.
1 A prova de que o ser divino é a essência da razão ou da inteligência, reside em que as determinações ou propriedades de
Deus (visto que, naturalmente, são racionais ou espirituais) não são determinações da sensibilidade ou da imaginação, mas
propriedades da razão.
“Deus é o ser infinito, o ser sem limite algum”. Mas se Deus não tem limites nem barreiras, a razão tampouco as têm. Se
Deus, por exemplo, é um ser que transcende as barreiras da sensibilidade, a razão também o é. Quem pode pensar em outra
existência que a sensibilidade, somente tem, e estritamente por esse motivo, um Deus limitado pela sensibilidade. A razão que
pensa um Deus como um ser ilimitado, pensa em Deus sua própria ilimitação. O que o divino é para a razão, a essência também
é verdadeiramente racional (é dizer, a essência que responde perfeitamente a razão e a satisfação justamente a título de tal) o é
para a razão. Pois o objeto da satisfação de um ser não é mais sua satisfação num poeta é a sua vez uma natureza poética; como
em um filósofo, é uma natureza filosófica, e unicamente esta satisfação objetiviza sua natureza a seus próprios olhos e as
pessoas. A razão “não se detém nas coisas sensíveis e finitas; somente se satisfaz em ser infinita”. Somente nesse ser se
descobre, pois, a essência da razão.
“Deus é o ser necessário”. Mas sua necessidade repousa no fato de que é um ser racional e inteligente. O mundo, a matéria,
não tem em si mesmas a razão de sua existência e de sua natureza; são completamente indiferentes ser ou não ser, ser de uma ou
de outra forma*. Pressupõe, pois necessariamente como causa um ser diferente, um ser inteligente, consciente de si, que
trabalha em virtude de razões e fins. Porque se lhe priva a inteligência a este novo ser, a questão da sua razão de ser se vê de novo
prateada. A necessidade do ser original e supremo repousa, pois, a pressuposição de que só a razão é o ser originário e supremo,
necessário e verdadeiro. Assim como, em geral, as determinações metafísicas ou ontoteológicas não possuem verdade e realida-
de, mas que se faz delas determinações psicológicas, o melhor antropológicas, assim a necessidade do ser divino na antiga
metafísica ou ontoteologia não encontram sentido e razão, verdade e realidade, mas que na determinação psicológica ou ontote-
ológicas de Deus como ser inteligente. O ser necessário é o que necessariamente deve ser pensado e absolutamente afirmado; o
ser impossível de negar ou de suprimir; mas é somente como um ser que pensa o mesmo. No ser necessário, a razão não mostra
nem prova mas que sua própria necessidade e sua própria realidade.
“Deus é o ser incondicionado, universal (Deus não é isso ou aquilo), imutável, eterno e intemporal. Mas a incondicionalidade,
a imutabilidade, a eternidade e a universalidade são também, segundo o próprio juízo da teologia metafísica, propriedade da
mesma razão; porque? o que são estas verdades relacionais imutáveis, universais, incondicionais, validas em todas as partes e
sempre, senão expressões da essência da razão?
“Deus é o se independente, autônomo, que não necessita de nenhum outro para existir e que; por conseqüência, existe para
si e por si”. Mas esta determinação abstrata e metafísica carece de sentido e realidade, se não é tanto que definição da essência
da razão. Simplesmente expressa que Deus é um ser pensante e inteligente, ou, invertendo os términos, que unicamente o ser
pensante é o ser divino; porque só um ser sensível necessita para existir de coisas exteriores e ele. Necessito ar para respirar,
água para beber, luz para ver, sustâncias vegetais e animais para comer; é tanto que eu não necessito de nada, pelo menos
imediatamente, para pensar, Um ser que respira é impossível sem ar, como é um ser que viva sem luz; mas o ser pensante o pode
pensar como tal, em si, O ser que respira se relaciona necessariamente como um ser exterior a ele; seu objeto essencial, que não
faz o é, é exterior a ele; o ser pensante se relaciona consigo mesmo: é seu próprio objeto, tem sua essência em si mesmo, é o que
é por si mesmo.

O que é objeto (Object) no teísmo é sujeito na filosofia especulativa; o que ali é somente a essência pensada e representada da
razão, advém da essência pensante da razão mesma.
O teísmo se representa a Deus como um ser pessoal, existente fora da razão, e de forma geral fora do homem - o teísmo é
um sujeito que pensa um Deus-objeto -. Pensa em Deus como um ser que, em sua representação, é um ser espiritual e não
sensível, mas que em sua existência, é dito, na verdade, é um ser sensível; porque o caráter essencial de uma existência objetiva
(objetiven), de uma existência exterior ao pensamento ou a representação é da natureza sensível. Estabelece entre Deus e ele a
mesma distancia que ele e as coisas dos seres sensíveis exterior a ele; em uma palavra, concebe a Deus desde o ponto de vista
do sensível. O teólogo e o filosofo especulativos, pelo contrario, concebem a Deus desde o ponto de vista do pensamento; em
conseqüência, não interpõe entre eles e Deus os incomoda representação de um ser sensível e nada os impede já então identificar
o ser objetivo (objetive) e pensado com o ser subjetivo e pensante.
A necessidade interna que querem que Deus cesse de ser objeto do homem para definir sujeito ou pensante do homem,
resulta do que precede, mais ou menos, nos termos seguintes: Deus é objeto (Gegenstand) do homem, somente o homem e não
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do animal. A natureza de um ser se reconhece, pois, em seu objeto (Gegenstand)*. O objeto ao que necessariamente se relaciona
um ser não é mais que a revelação de sua essência. Assim, o objeto dos animais vegetarianos é a planta, e este objeto precisamen-
te o que os distingue dos outros animais, os carnívoros. Assim, o objeto do olho é a luz e não é som ou é odor. Não é o objeto
do olho que nos revela a essência do olho? E por isso resulta no mesmo não ver o carecer dos olhos. E, pela mesma razão, na
vida designamos as coisas e os seres segundo seus objetos. O olho é “o órgão da luz”. O que trabalha na terra é um trabalhador;
o que prepara a caça é objeto (Object) de sua atividade é um caçador; o que pesca, um pescador, etc. Se Deus é, pois, necessário
e essencialmente, como o é, um objeto do homem, então a essência deste objeto expressa tão somente a própria essência do
homem. Imaginemos que um ser pensante, habitante de um planeta, ou de um cometa se preferir, expuseram alguns parágrafos
de uma Dogmática cristã relativa a existência de Deus. A que conclusão chegaria? A da existência de um Deus conforme entende
uma Dogmática cristã? Não! Sua única conclusão seria a de que também na Terra existem seres pensantes. As definições de sua
própria essência, por exemplo, na definição: Deus é espírito, não seria mais que expressão e a prova de seu próprio espírito. Em
resumo, da essência e as propriedades do objeto (object) chegaria a conclusão da essência e as propriedades do sujeito. E teria
perfeitamente razão: porque no caso deste objeto (object) a distinção entre o que é o objeto em si mesmo e o que é para o homem,
não existe. Esta distinção somente é legítima no caso do objeto que foi dado de forma imediatamente sensível, sendo, por esta
mesma razão, dado também os outros seres exteriores ao homem. A luz não está destinada somente ao homem, atinge também
os animais, as plantas e as matérias inorgânicas: é um ser universal. Assim, para conhecer o que é a luz, precisamos considerar
não só suas impressões e efeitos sobre nós, mas também sobre outros seres, distintos a nós. Nesse caso, conseqüentemente, a
distinção do objeto em si e do objeto para nós, quero dizer a distinção do objeto na realidade e do objeto em nosso pensamento
e representação, se faz necessária e objetivamente (objective) fundada. Entretanto, Deus é unicamente objeto do homem. Os
animais e as estrelas não glorificam a Deus mais que no sentido em que o homem o entende. Pertence, pois, a mesma essência
de Deus e não ser objeto para ninguém ser exterior ao homem, ao ser um objeto especificamente humano, um segredo do
homem. Mas se Deus é um objeto exclusivo do homem, o que nos revela a essência de Deus? Tão somente a essência do
homem. Quem tem o ser supremo por objeto é, o mesmo, o ser supremo. Quanto mais os animais tomam o homem por objeto,
mais se elevam, mais se aproximam do homem. Um animal que tiver por objeto o homem como homem, o ser humano propri-
amente dito, não seria animal, mas propriamente homem. Apenas seres de uma mesma classe são objeto de uns para os outros,
e então são tal como são em si. Indubitavelmente a consciência do teísmo também encontra a identidade do ser divino e do ser
humano. Porém dado que o teísmo, ainda explicando a essência de Deus no espírito, representa ao mesmo tempo sob a forma
de um ser sensível exterior ao homem, esta identidade não existe como objeto para o homem mas sob a forma de uma identidade
sensível, de um parecido ou de um parentesco. Parentesco quer dizer identidade, porém se acrescentar à representação sensível
que faz dos seres aparentados dos seres independentes, quer dizer, sensíveis e exteriores um do outro.

A teologia ordinária faz do ponto de vista do homem o ponto de vista de Deus; a filosofia especulativa, pelo contrário, faz do
ponto de vista de Deus o ponto de vista do homem ou, mais exatamente, o pensador.
O Deus da teologia ordinária é exatamente o objeto (object) como o primeiro objeto (objet) sensível que esteja presente;
porém é ao mesmo tempo sujeito, tão exatamente como o ser humano: Deus, produto das coisas externas a ele, mantém relações
consigo mesmo e com outros seres externos a ele; se ama e se pensa a si mesmo, amando e pensando outros seres. É dizer, o
homem faz seus pensamentos, e incluindo seus afetos, os pensamentos e os afetos de Deus, faz sua essência e seu ponto de vista
a essência e o ponto de vista de Deus. A filosofia especulativa transforma esta relação. Na teologia ordinária, Deus se acha em
contradição consigo mesmo; enquanto isso, deve ser um ser não humano e sobre humano, todas suas determinações fazem da
realidade, um ser humano. Na teologia e a filosofia especulativas, pelo contrário, Deus está com contradição com o homem:
enquanto que deve ser a essência do homem, ou quando a razão, na realidade é um não humano, sobretudo: um ser abstrato. O
Deus sobre humano da teologia ordinária não é mais que uma flor de retórica piedosa, uma representação, um jogo de imagina-
ção; e da filosofia especulativa, pelo contrário, é verdade e coisa tremendamente séria. Se a filosofia especulativa tropeçou com
uma violenta contradição, se deve exclusivamente a que deve ter transformado este ser imaginário, distante, indeterminado e
nebuloso, o Deus do teísmo, em um ser presente e determinado; se deve haver destruído o encanto ilusório que adquire todo ser
exilado nas nuvens da representação. Os teístas se irritaram ao escutar Hegel declarar que a lógica é representação de Deus em
sua essência eterna, antes da criação do mundo, e ao ver, sem embargo, que esta lógica trata, na teoria da quantidade, por
exemplo, da magnitude extensiva e intensiva das frações, das potencias, das relações medidas, etc. Como! deve ter exclamado
horrorizado, “es nosso Deus?” pois bem, sim, que é, senão isso, o Deus do teísmo liberado da névoa da representação indeter-
minada e posto a luz do pensamento determinante, o Deus do ateísmo tomado ao pé da letra, criador e ordenhador de tudo na
medida em que, número e peso? Se Deus criou e ordenhou todo o número e na medida em que, quer dizer que a medida e o
número, antes de realizar as coisas extradivinas estavam já compreendidos no entendimento de Deus, e, em conseqüência, na
sua essência (porque não há diferença entre o entendimento e a essência de Deus) e que o seguem estando hoje. Não pertencem
as matemáticas também aos mistérios da teologia? Certo é que um ser não tem em absoluto o mesmo aspecto na imaginação e
na representação, de uma parte, e na verdade e na realidade, de outra, e não é assombroso ver que quem se determina de acordo
com a aparência superficial toma um só e mesmo ser por dois seres radicalmente distintos.

As propriedades ou predicados essenciais do ser divino são as propriedades ou predicados essenciais da filosofia especulati-
va.

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Deus é espírito puro, atividade pura - actus purus - sem paixão nem determinações de origem exterior, nem sensibilidade,
nem matéria. A filosofia especulativa é este espírito puro, esta atividade pura, realizados sob a forma do ato de pensar; é o ser
absoluto como pensamento absoluto.
A abstração de toda a realidade sensível e material, que foi anteriormente a condição necessária da filosofia especulativa; com
a única diferença de que a abstração da teologia, que apresenta seu objeto (resultado da abstração, sem embargo), sob a forma
de um ser sensível, é uma abstração sensível, para entendermos, enquanto que a abstração da filosofia especulativa é uma
abstração espiritual e pensada, de significado científico ou teórico, porém não prático. O raciocínio inicial da filosofia cartesiana,
a abstração do sensível e da matéria, é o raciocínio inicial da filosofia especulativa moderna. Porém Descartes e Leibniz não
consideravam esta abstração mais que como uma condição subjetiva do conhecimento do ser divino imaterial; se representavam
a imaterialidade de Deus como uma propriedade objetiva (Objetiven), independente da abstração e do pensamento; se situavam
ainda no ponto de vista do teísmo, e faziam do ser imaterial o objeto (Object) somente, e não o sujeito, não o princípio ativo nem
a essência real da filosofia mesma. Deus é, sem dúvida, também em Descartes e Leibniz princípio da filosofia; porém somente
enquanto que objeto (Object) distinto do pensamento: não é, pois, princípio mais que em geral, tão somente na representação,
porém não no fato e na verdade. Deus não é mais que a causa primeira e universal da matéria, do movimento e da atividade;
porém o movimento e as atividades particulares, as coisas materiais determinadas e reais são consideradas e conhecidas indepen-
dentemente de Deus. Leibniz e Descartes são idealistas na ordem do universal, porém na do particular são materialistas. Só Deus
é o idealista conseqüente, integral e verdadeiro; só ele, com efeito, representa todas as coisas sem obscuridade, quer dizer, no
sentido da filosofia de Leibniz, sem ajuda dos sentidos e da imaginação. É o entendimento puro, quer dizer, separado de todo o
sensível e de qualquer materialidade; assim, as coisas materiais são para ele puros seres inteligíveis, puros pensamentos; como
a matéria não repousa mais que em representações obscuras, quer dizer, sensíveis, para ele não existe absolutamente nenhuma
matéria. No entanto, em Leibniz o homem penetra já uma boa parte de idealismo (como representar-se de outro modo um ser
imaterial, sem dispor de uma faculdade imaterial e, em conseqüência, representações imateriais?) posto que, junto aos sentidos
da imaginação, possui o entendimento, e o entendimento é precisamente um ser imaterial, puro posto que pensante, com a
reserva que o entendimento do homem não é tão perfeitamente puro, sob a relação da imensidade e da infinidade, como o
entendimento divino é um ser divino. O homem, entre outros esse mesmo homem que é Leibniz, é em conseqüência um idealista
parcial e pago. Somente Deus é um idealista integral, somente Deus é o Sábio perfeito para utilizar o mesmo nome que Wolf lhe
havia dado. Dito de outra maneira, Deus é a idéia de idealismo e levado ao extremo de seu princípio específico, a idéia do
idealismo absoluto da futura filosofia especulativa. O que é, em efeito,que é a essência de Deus em geral? Simplesmente o
entendimento e a essência do homem, mas cortados das determinações que, reais ou imaginários, constituem em um momento
dado os limites do homem. Aquele cuja razão não está cortada dos sentidos, não vê limitações em seus sentidos nem se imagina
tampouco a razão suprema baixo da forma de uma razão privada de sentidos! O que é, pois, a idéia de uma coisa, sem sua
essência mesma, mas sua essência desembaraçada das limitações e obscuridades de que está afligida na realidade, essa realidade
em que se encontra em relação com outras coisas? Assim Leibniz vê o limite da razão humana no feito de que esta padece de
materialismo, é decidir, de representações obscuras; mas estas mesmas representações obscuras não tem outra origem que a
inter-relação existente entre o ser humano e outros seres, entre o ser humano e o mundo em geral.Inter-relação que não depende
da essência da razão, mas que está em contradição com a razão, que existe em si, é dizer, na idéia que constitui um ser separado
e imaterial, é dizer, existente por si. Agora bem,esta idéia, esta razão liberada de todas as representações materiais é justamente a
razão divina.Mas o que não era mais que idéia em Leibniz se converteu em realidade e verdade na filosofia ulterior.O idealismo
não é mais que a razão divina do teísmo de Leibniz realizado, a razão pura sistematicamente conduzida até suas últimas conse-
qüências, a razão que despoja todas as coisas de seu aspecto sensível, os converte em seres puros, seres intelectuais, puras
quimeras; a razão não afeta por nada alheio e que, ser de todos os seres, não é habitada mais que por ela mesma.

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Deus é um ser pensante; mas os objetos que pensa e concebe não são mais distintos do seu ser que seu entendimento; ao
pensar as coisas não faz mais do que pensar a si mesmo e permanecer em uma unidade ininterrupta consigo mesmo. Esta
unidade do pensante e do pensado constitui o secreto do pensamento especulativo.
Assim sucede que, por exemplo, na lógica de Hegel, os objetos do pensamento não são diferentes da essência do pensamento.
O pensamento se encontra aqui se encontra em unidade ininterrupta consigo mesmo; seus objetos não são mais que determina-
ções do pensamento, se reduzem exaustivamente ao pensamento e não possuem nada que ao pensamento escape. E o que vale
para a essência da Lógica vale para a essência de Deus. Deus é um ser espiritual e abstrato; mas é, ao mesmo tempo, o ser dos
seres, que contém em si todos os seres, unindo ao ser abstrato que ele é.Mas podem ser os seres idênticos a um ser abstrato e
espiritual? Eles mesmos são seres abstratos: pensamentos. As coisas não são em Deus como são no exterior de Deus; ao
contrário, entre elas e as coisas reais há a mesma diferença que entre as coisas no sentido em que a lógica as toma por onjeto,
e as coisas no sentido em que a intuição as tem por objeto. A que se reduz, pois a diferença do pensamento divino e do
pensamento metafísico? A única diferença do imaginário, a diferença existente entre o pensamento simplesmente representado e
o pensamento real.

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A diferença existente entre o saber ou pensamento de Deus, que precede as coisas como seu arquétipo e as cria, e o saber do
homem que procede as coisas em tanto que sua imagem, não é outra que a diferença que separa o saber a priori ou especulativo
do saber a posteriori ou empírico.
Se bem o concebe como pensante e espiritual, o teísmo se representa a Deus, ao mesmo tempo, como um ser sensível. Ao
pensamento e a unidade de Deus une, assim, efeitos imediatamente sensíveis e materiais, efeitos que contradizem a essência do
pensamento e da vontade e não expressam outra coisa que a força da natureza. Antes de tudo, é a criação ou produção do mundo
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real que representa tal efeito material. (e em conseqüência, uma simples expressão da força sensível). A teologia especulativa,
pelo contrário, transforma este ato sensível, que contradiz a essência do pensamento, em um ato lógico ou teórico: transforma
a produção material do objeto em criação especulativa, a partir do conceito. Para o teísmo, o mundo é um produto temporal de
Deus (o mundo existe desde milênios e antes que fora engendrado Deus já existia); para a teologia especulativa, pelo contrário,
mundo e natureza não existem depois de Deus mas que segundo a ordem e a importância (ao pressupor o acidente a substância,
e a natureza, a lógica), segundo o conceito, mas não segundo a existência sensível e em conseqüência, não segundo o tempo.
Entretanto, o teísmo transfere em Deus não só o saber especulativo, mas também o saber sensível e empírico chegado a sua
mais alta perfeição. Assim como o saber de Deus é saber anterior ao mundo e os objetos, no saber a priori da filosofia especu-
lativa, o saber sensível de Deus não tem encontrado sua realização, sua verdade e sua efetividade, mais que nas ciências
empíricas dos tempos modernos. O mais perfeito dos saberes sensíveis, em conseqüência, o saber divino, não é, em efeito,
outra coisa que o mais perfeitamente sensível dos saberes, o saber dos mais ínfimos detalhes e dos menos perceptíveis particu-
laridades (“Deus é onisciente, disse São Tomás de Aquino porque conhece as menores das coisas), o saber que, em lugar de
considerar em bloco, como uma só mecha, os cabelos da cabeça, os enumera e os conhece um a um. Pois bem, esse saber
divino, que na teologia não é mais que uma representação imaginária, se tem transformado em um saber real racional no
conhecimento telescópico e microscópico das ciências naturais. Para distingui-las umas das outras, a ciência tem contado as
estrelas no céu; os ovos, nos corpos dos peixes e as mariposas, e os pontos, nas asas dos insetos, tão só na lagarta do tronco do
salgueiro tem demonstrado anatomicamente a existência de 288 músculos na cabeça, 1.647 no corpo, 3.186 no estômago e nos
intestinos. Que mais queres? Eis aí um exemplo concreto desta verdade: a representação humana de Deus é a representação que
o indivíduo humano faz de sua espécie; Deus, como soma de todas as realidades e todas as perfeições, não é mais que a soma,
organicamente reconstituída para uso do indivíduo limitado, das propriedades da espécie distribuídas entre os homens e realiza-
das no curso da história mundial. O domínio das ciências da natureza em sua estensão quantitativa não pode ser alcançado pela
reflexão nem medido por um homem isolado. Quem é capaz de contar de uma vez as estrelas do céu e os músculos e nervos do
corpo da lagarta? Lyonel perdeu de vista a força de estudar a anatomia da lagarta do salgueiro. Quem é capaz de observar de uma
vez as diferenças existentes entre as incontáveis amonitas e ferrões? Porém o que o homem isolado não sabe nem pode, sabem
e podem os homens juntos. Assim, o saber divino, que conhece ao mesmo tempo todos os detalhes, encontra sua realização no
saber da espécie.
Sucede com a onipresença divina como com a onisciência divina: também se realiza no homem. Enquanto um homem
observa o que sucede na Lua ou em Urano, outro observa Vênus, ou as vísceras da lagarta, ou não importa que outro lugar,
donde jamais até então, sob o reino de Deus onisciente e onipresente, a reflexão humana havia penetrado. Se, quando da Europa
o homem observa tal estrela, a observa ao mesmo tempo da América. O que um só homem não pode fazer, dois podem. Porém
está Deus ao mesmo tempo em todos e em todo lugar, sabe tudo, toda a vez e sem distinção? Sem dúvida; porém há que observar
que está onisciência e esta onipresença não existem mais que na representação, na imaginação; não há que esquecer, pois, a
importância da distinção, evocada já em diversas ocasiões, entre a coisa unicamente imaginada e a coisa real. Na imaginação se
podem, com efeito, ver de uma só olhada os 4059 músculos de uma lagarta, porém na realidade, na que existem no exterior um
do outro, não se pode ver mais que um atrás do outro. Da mesma forma, o indivíduo igualmente limitado pode representar-se na
imaginação a extensão do saber humano como limitada, porém se quiser apropriar-se realmente desse saber, jamais, em absoluto,
chegará a seu término. Tomemos, por exemplo, uma só ciência, como a história: se no pensamento se decompõe a história
universal na história de cada país, esta na história de cada província e esta de novo em crônicas urbanas, as crônicas urbanas,
finalmente, em histórias familiares e biografias, como poderia jamais um homem isolado chegar a um ponto em que pudesse
dizer: alcancei o fim histórico da humanidade? A duração de nossa vida, vista através da imaginação, também nos aparece como
extraordinariamente corta, tanto a duração da vida passada como a que nos fica por recorrer, inclusive prolongada o mais longe
possível; por ele, quando nos entregamos a essa imaginação, sentimos a necessidade de completar essa dimensão evanescente
aos olhos de nossa imaginação por uma vida sem fim, que se estende sem limites atrás da morte. E, no entanto, na realidade,
como pode aparecer interminável um só dia, uma só hora! De onde procede esta diferença? De que o tempo da representação é
o tempo que não é nada entre o começo e o fim de nosso cálculo; enquanto que a duração da vida real é um tempo pleno, nele que
uma multidão de dificuldades de todo gênero separam o instante presente do instante seguinte.

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A ausência total de pressuposição (começo da filosofia especulativa) não é outra coisa que a ausência de pressuposição do ser
divino, sua aseidade. A teologia distingue em Deus qualidades ativas e passivas. A filosofia transforma as qualidades passivas em
igualmente ativas, transforma todo o ser de Deus em atividades, mas em atividade humana. Isso é valido igualmente para o
sujeito desse parágrafo. A filosofia não pressupõem nada; o que simplesmente querem dizer: faz abstrações de todos os objetos
(objecten) imediatamente dados, é dizer, dados pelos sentidos, distinto do pensamento, em resumo de todo aquele de que se pode
pressentir, sem parar de pensar, e faz desse ato de abstração de toda objetividade seu próprio começo. Mas o que é então o ser
absoluto? Simplesmente, o ser ao que não se presta nenhuma pressuposição, o se não lhe é dada nem necessária nenhuma coisa
exterior, o ser abstrato de todos os objetos e coisas sensíveis distintas e inseparáveis dele, o ser que o homem não pode tomar por
objeto sem abstraí-lo necessariamente dessas coisas. Sem querer alcançar a Deus, deve liberdade tu mesmo daquilo de que Deus
está liberado, e te liberas realmente representando - te. Pensando a Deus debaixo da forma de um ser que escapa da pressupo-
sição de qualquer outro ser que escapa as pressuposições de qualquer outro ser ou objeto (object), ti pensa a ti mesmo debaixo
da pressuposição de um objeto (object) exterior; a qualidade que transfere em Deus é uma qualidade do teu pensamento. Com a
diferença de que o que é o ser de Deus, o que se representa debaixo dessa forma, é o atuar do homem. Que é, pois, o pensamento
puro e sem pressuposição de Hegel, se não o ser divino da antiga teologia e da antiga metafísica, si bem transformado em
essência atual, ativa e pensante do homem?

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Como realização de Deus, a filosofia especulativa é a vez da posição e da supressão o negociação de Deus; a da vez, teísmo.
Porque Deus não é Deus ( no sentido da teologia) mas que a condição de ser representado debaixo da forma de um ser autônomo
distinto do ser homem e da natureza. O “teísmo” que nega a deus, a tempo que o situa o, a da inversa, afirma a Deus, alo tempo
que o nega, pelo panteísmo. O teísmo propriamente dito, o teísmo filosófico, não é outra coisa que o panteísmo imaginário, e
este último não é mais que o “teísmo” verdadeiro e real.
Unicamente a representação imaginaria de Deus debaixo da forma de um ser pessoal distingue o teísmo do panteísmo. Todas
as determinações de Deus (e Deus necessariamente determinado, sem o qual não seria nada, não seria representável) são
determinações da realidade, determinações próprias bem da natureza, bem do homem, o comuns a os dois, determinações, pois,
panteístas; porque tudo o que distingue a Deus da natureza ou do homem é panteísmo. È, pois, exclusivamente segundo sua
personalidade o sua existência, e segue sua determinação, como Deus é destino ao mundo, da totalidade da natureza e da
humanidade. Dito de outra maneira é diferente é sua representação, mas na verdade não é um ser diferente. Se o “teísmo” é a
unidade dos términos, o panteísmo é na verdade absolutamente desnuda do teísmo. A condição de olhá-los de frente de toma-las
a sério, de apurá-las até o extremo e de realizá-las, todas as representações do teísmo conduzem necessariamente ao panteísmo.
O panteísmo é o termo conseqüente. O teísmo se representa a Deus como a causa, mas como uma causa vivente e pessoal,
como um criador do mundo: Deus tem engendrado o mundo por efeito de sua vontade. Mas a vontade não basta. Para que a
vontade exista, é necessário também o entendimento: o fim da vontade é tão somente questão de entendimento: Sem entendimen-
to não há objeto. As coisas que Deus tem criado existiam, pois, em Deus antes de sua criação sob a forma de seres inteligíveis.
O entendimento de Deus é, segundo a teologia, a quinta essência de todas as coisas e de todos os seres. De outra maneira, de
onde haviam podido surgir, a menos de que surgirem do nada? E imediatamente surge a representação desse nada autônomo em
sua imaginação, ou de transferi-lo a Deus. Mas Deus não contém, ou não é todas as coisas, mais que sobre o mundo ideal, sobre
o mundo da representação. Este panteísmo ideal conduz então necessariamente ao panteísmo real ou efetivo; porque não há tanto
o entendimento ao ser de Deus, e de ser a realidade de Deus. Como, em feito, separar em Deus o entendimento de ser, o ser da
realidade ou da existência? Se são interiores ao entendimento de Deus, como podem as coisas ser exteriores ao seu ser? E se o
ser de Deus os imediatamente idêntico a sua realidade, se a existência de Deus é inseparável do conceito de Deus, como separar,
então, o conceito da coisa real no conceito que Deus tem das coisas? Como admitir em Deus esta distinção que não constitui
mais que a natureza do entendimento terminado e no divino, esta distinção da coisa na representação e da coisa fora da represen-
tação? Enquanto não temos coisas exteriores ao entendimento de Deus, não teremos tampouco coisas exteriores ao seu ser e, em
conseqüência, não teremos tampouco coisas exteriores a existência de Deus; todas as coisas existem em Deus, não só na
representação, mas no fato e na verdade; porque quando existem somente na representação (tanto na de Deus como na do
homem), quando existem em Deus exclusivamente no modo ideal, o mais bem imaginário, as coisas existem, ao mesmo tempo,
a margem da representação, e dizer, fora de Deus. Se não temos coisas nem mundo exterior ao mundo, tampouco teremos ser
puramente ideal e representado, mas, ao contrário, um ser real; para dizê-lo em uma só palavra: temos então o espinozismo ou
panteísmo.
O teísmo se representa a Deus sob a forma de uma essência puramente imaterial. Mas determinar a Deus como imaterial não
é outra coisa que determinar a matéria como o nada, como um contra sentido; porque só Deus é medida do real, Deus só é ser,
verdade e essência; só é o que é válido para Deus e em Deus; o que é recusado por Deus, não é. Deduzir a matéria de Deus
significa simplesmente querer fundar seu ser sobre seu não ser; porque deduzir é dar uma razão e um fundamento. Deus tem
produzido a matéria. Mas como?, de que?, por que? O teísmo não responde a estas questões. Para ele, a matéria é uma existência
puramente inexplicável, é o limite e o fim da teologia, que tropeça com ela tanto no pensamento como na vida. Como pode ele,
pois, sem negá-la, deduzir a teologia, o fim e a negação da teologia? Como pode obter um princípio de explicação e de informação
de um teísmo que chega ao término de suas razões? Como a negação da matéria ou do mundo, que constitui a essência da
teologia; como da proposta: a matéria não existe, extrai, ante as mesmas barbas do Deus da teologia, a afirmação da matéria, a
proposta: a matéria existe? Como, se não por meio de puras ficções? As coisas materiais não podem deduzir-se de Deus mas que
se Deus mesmo é determinado como um ser materialista. Somente assim Deus, de causa unicamente representada e imaginada
pode vir a causa real do mundo. Quando não ruboriza a fazer um sapato, não há que ruborizar-se tampouco de que o chamar
sapateiro. Hans Sachs era simultaneamente sapateiro e poeta. Porém se os sapatos eram obra de suas mãos, os poemas o eram
de sua cabeça. A tal efeito, tal causa. A matéria não é Deus, ao contrário, é o limite, o não divino, a negação de Deus - e os
adoradores e partidários da matéria são ateus - Por isso o panteísmo uns o ateísmo com teísmo, a negação de Deus a Deus: Deus
é u, ser material, na língua de Spinoza, um ser estendido.

15

O panteísmo é o ateísmo teológico, o materialismo teológico, a negação da teologia, porém é somente deste ponto de vista da
teologia; porque o panteísmo faz da matéria, da negação de Deus, um predicado o ou atributo do ser divino. Agora bem, faz da
matéria um atributo de Deus é declarar que a matéria é um ser divino. A realização de Deus tem por pressuposição, em geral, a
divindade, é dizer, a verdade e a essencialidade do real. Porém a divinização do real e da existência material (o materialismo, o
empirismo, o realismo e o humanismo), a negação da teologia, constituem a essência dos tempos modernos. O panteísmo não é,
pois, outra coisa que a essência dos tempos modernos, sob a forma do ser divino e de princípio da filosofia da religião.
O empirismo ou realismo, no que compreendemos aqui em geral das chamadas ciências concretas, particularmente as
ciências da natureza, nega a teologia, não teórica, senão praticamente, na ação; porque o realismo deve negar Deus, ou quando
menos do que não é Deus, a ocupação principal de sua vida, o objeto principal de sua atividade. Concentrar espírito e coração
apenar no material mas sensível é negar, de fazer, toda realidade a supersensível; porque, para o homem pelo menos, não é real
mas que o objeto de uma atividade real e afetiva: pouco me importa o que ignoro. A sentença de que não de pode conhecer a
supersensibilidade é uma simples evasão. Não se sabe nada de Deus nem das coisas divinas mas que se não se quer sabe nada.
Que não se sabia de Deus, que não se sabia dos diabos e dos anjos quando se creia realmente nestes seres! E quando interessa
um a uma coisa, se pode imediatamente a atitude exigida. Se os místicos e os escolásticos medievais não tem atitude nem
8
A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

habilidade para as ciências da natureza era porque não se interessavam na natureza, quando não falta o sentido e os órgãos
tampouco faltam. O que é acessível ao coração não é tampouco um segredo para o entendimento. Se os tempos modernos a
humanidade perdeu seus órgãos próprios ao mundo supersensível e a seus mistérios, isso se deve apenas a ter perdido a fé e
perdido também o sentido desse mundo; a que sua tendência essencial era anticristã, antiteológica, e dizer, antropológica,
cósmica, realista e materialista1. Por ele Spinoza tem dado no branco com sua proposição paradoxal: Deus é um ser estendido,
para dizer, material. Para sua época, quando menos, tem encontrado a verdadeira expressão filosófica da tendência materialista
dos tempos modernos; a tem legitimado e sancionado: o próprio Deus é materialista. A filosofia de Spinoza era uma religião da
que ele mesmo era uma personalidade. Nele, o materialista não entrava na contradição, como em tantos outros, como a represen-
tação de um Deus imaterial e antimaterialista, que transforma logicamente em deveres do homem suas tendências e ocupações
antimaterialistas e celestes; porque Deus não é outra coisas que o arquétipo e o ideal do homem. Ser semelhante Deus e ser o que
Deus é, eis aí o que o homem quer ser, ou quando menos o que querer ser um dia. Mas o caráter, a verdade e a religião não
existem mais que a condição de que a teoria não negue a prática, nem a prática, a teoria. Spinoza é o Moisés dos livres pensadores
e dos materialistas modernos.

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O panteísmo é a negação da teologia teórica, o empirismo é a negação da teologia prática; o panteísmo nega o princípio, o
empirismo, as conseqüências da teologia.
O panteísmo faz de Deus um ser atual, real e material; o empirismo, do que procede também o racionalismo, faz dele um ser
ausente, distante, irreal e negativo. O empirismo nega a Deus, não a existência, mas todas as determinações positivas, porque
considera que seu conhecimento é finito e empírico, e que, ademais, o infinito não é o objeto do homem. Entretanto, quanto mais
nego as determinações de um ser, mais acuso sua independência respeito a mim, menos potência e influência sobre mim o
concedo, mais me livro dele. Quanto maiores são minhas calamidades e mais existo para outros seres, maior é o alcance de
minhas ações e minha influência. Quanto mais existe um ser, mais coisas se sabem dele. Cada negação de uma propriedade de
Deus constitui um ateísmo parcial, uma esfera da irreligiosidade. Retiro o Deus tanto de seu ser quanto o retiro uma propriedade.
Se, por exemplo, a simpatia e a misericórdia não são propriedades de Deus, então me encontro só em minha dor. Deus não está
aqui para consolar-me. Se Deus é a negação de todo limite, o limite também é a negação lógica de Deus. Só se Deus pensa em
mim, tenho razão e motivo de pensar nele, conclui o religioso. É em seu ser para mim donde reside a razão de me ser para ele.
Por ele o empirismo estima que o ser teológico não é na verdade nada; não é nada de real, mas em vez de transferir este não ser
no objeto, o transfere somente nele mesmo, em seu saber. Não negam ser a Deus, o morto é indiferente; mas lhe nega o ser que
demonstra sua realidade de ser, o ser ativo, perceptível, que intervém na vida. Afirma a Deus, mas nega a todas as conseqüências
ligadas a esta afirmação. Se rejeita e abandona a teologia, não é por razões teóricas, mas por aversão, por repugnância dos
objetos da teologia, para dizer, por um sentimento obscuro de sua realidade. A teologia não é nada para mim, isto ó, seu juízo é
subjetivo e patológico; porque não tem a liberdade, nem o desejo nem a vocação de levar os objetos da teologia ante o tribunal da
razão. Esta é a vocação da filosofia. E por ele a filosofia moderna tem tido como tarefa elevar o juízo patológico do empirismo,
que considerava vã a teologia, ao nível de um juízo teórico e objetivo (objetiven), de transformar a negociação indireta, incons-
ciente e negativa da teologia, em negociação direta, positiva e consciente. Quão ridículo é então rejeitar a negociação teórica do
Cristianismo ao tempo que se deixam substituir as negociações práticas do Cristianismo de que abundam os tempos modernos!
Quão ridículo imaginar que com a consciência, com o sintoma do mal, se tem suprimido ao mesmo tempo a causa do mal!
Ridículo, no efeito! E, entretanto, a história abunda de semelhantes ridículos. Se repetem em todas as épocas críticas, sem que
ele tenha nada de assombroso. Se trata do passado? Se compreende perfeitamente, se reconhece a necessidade das mudanças e
das revoluções que tem tido lugar; mas quando se trata de aplicar esta regra ao acaso presente, não nos opomos como pudemos;
por miopia e preguiça se fez do presente uma exceção à regra.

17

Elevar a matéria ao estado de um ser divino é, imediata e simultaneamente, elevar a razão ao estado de uma entidade divina.
O que, com ajuda da imaginação, é teísta nega a Deus, por motivos que derivam da necessidade afetiva e da aspiração a uma
placidez sem fim, o panteísmo o afirma de Deus, por motivos que derivam da necessidade de razão. A matéria é um objeto
essencial para a razão. Se a matéria não existisse, a razão careceria de estimulante e de materiais para pensar, não teria início. Não
se pode abandonar a matéria sem abandonar a razão; não se pode admitir a matéria sem admitir a razão. Os materialistas são
racionalistas. Mas o panteísta não afirma mais que indiretamente a natureza divina da razão, ao transformar este ser da imagina-
ção que é o ser pessoal de Deus no teísmo, num objeto da razão e num ser da razão; a apoteose direta da razão é o idealismo. O
idealismo é ao panteísmo exatamente o que o panteísmo é ao teísmo.
Tanto no que se refere ao sujeito como ao objeto (object).
A essência das coisas corpóreas, segundo Descartes, o corpo como substância, é o objeto não dos sentidos, mas só do
entendimento. Por ele justamente Descartes vê a essência do sujeito PERCIPIENTE, do homem, não nos sentidos, mas no
entendimento. Somente a essência tem a essência como objeto (object). Para Platão, a opinião não tem por objeto (object) mais
que as coisas mutáveis, pelo que ela mesma é saber mutável e variável, justamente pura opinião. O músico tem o ser da música
por ele ser supremo e, em conseqüência, o ódio pelo órgão supremo; antes perderá os olhos que as orelhas; o naturalismo, pelo
contrário, perderá antes as orelhas que os olhos, porque sua essência objetiva é a luz. Se o divino é sentido, santifico a orelha. Se,
como o panteísta, digo: a divindade, ou o que é o mesmo, o ser absoluto, a verdade e a realidade absolutas, não são objeto mais
que a razão, para a razão, então declaro que Deus é uma coisa ou um ser racional e me limito a expressar indiretamente a verdade
e a realidade absolutas da razão. Daí a necessidade de que a razão retorne a si mesma, que tenha o direito este reconhecimento
de si que se encontra ao revés, que se proclama diretamente a verdade absoluta e que deve imediatamente e sem mediação de um
objeto (object), seu próprio sujeito como verdade absoluta. O panteísta disse o mesmo que o idealista: salvo a diferença de que
o primeiro expressa em termos objetivos (objectiv) ou realistas o que o segundo expressa em termos subjetivos ou idealistas. O
segundo pensa seu idealismo no objeto (fora da substância e de Deus, não há nada, todas as coisas não são mais que determina-
9
A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

ções de Deus). O primeiro pensa seu panteísmo no consciente (fora de mim não há nada, todas as coisas não existem mais que
a título de objeto meu).
Entretanto, o idealismo é a verdade do panteísmo. Se consciente não creio de nenhuma maneira em Deus, nem tampouco
penso em nenhum Deus, consciente não tenho Deus; ele existe para mim tão só por mim, para a razão, tão só pela razão; o a
priori, o ser primeiro não é, pois, o ser pensado, mas o ser pensante, não é objeto (object) mas o sujeito. A filosofia retornou os
objetos do pensamento ao Consciente penso pela mesma necessidade que a ciência da natureza da luz que passou ao olho. Que
é a luz, objeto (object) da ótica e ser iluminante e alumbrante, sem o olho? Nada. A ciência da natureza não vai mais longe. Mas,
pergunta então a filosofia, que é o olho sem a consciência? Nada tampouco: ver sem ter consciência, equivale a não ver. Tão
somente a consciência de ver é a realidade da vista, a vista real. Mas, por que crês que existe algo fora de ti? Por que vês, ouves
e sentes algo. Este algo não é algo real, um objeto (object) real, mais que no momento em que deve objeto (object) da consciên-
cia: a consciência é, pois, a realidade e a efetividade absolutas, a medida de toda a existência. Tudo o que existe não existe mais
que como existindo, pela consciência, mais que como consciente; porque o ser começa com a consciência. Eis aqui como a
essência da teologia se realiza no idealismo, e a essência de Deus no consciente, na consciente. Sem Deus nada pode ser, nada
pode ser pensado: no sentido do idealismo, isto quer dizer: nada existe mas como objeto, real ou possível, da consciência; ser
querer ser objeto, ser pressupõe, pois, a consciência. As coisas e o mundo em geral são uma obra, um produto de Deus, o ser
absoluto, mas este ser absoluto é um ser pensante, um ser consciente e pensante - e o mundo é, então, como disse excelente-
mente, um “ens rationis divinae”, um ser de razão, uma quimera de Deus - . Mas este mesmo ser de razão dentro do teísmo e a
teologia não é mais que uma representação vaga. Realizemos, pois, esta representação, executemos, digamos, praticamente o
que tão só é teoria no teísmo, e então, teremos o mundo como produto do consciente (Fichte) ou (pelo menos tal como se nos
aparece, tal como nos vemos) como uma obra ou produto de nossa intuição e de nosso entendimento (kant).
“A natureza é deduzida das leis da possibilidade da experiência em geral”. “O entendimento não extrai suas leis (a priori) da
natureza mas as prescreve”. O idealismo kantiano, no que as coisas ordenam sobre as coisas, não é outra coisa que a realização
da representação teológica do entendimento divino, que, longe de ser determinado pelas coisas, pelo contrário, as determina. Que
insensato é, pois, reconhecer o idealismo do céu, é dizer, o idealismo da imaginação, como uma verdade divina, e rejeitar como
um erro humano o idealismo da terra, e dizer, o idealismo da razão! Negais o idealismo? Bem, mas, então, nega também a Deus!
Só Deus é o criador do idealismo. Se não quereis as conseqüeências, não quereis tampouco o princípio! O idealismo não é mais
que o teísmo racional ou racionalizado. Mas o idealismo kantiano todavia é um idealismo limitado - o idealismo desde o ponto de
vista do empirismo - . O Deus do empirismo não é ainda, por razões desenvolvidas anteriormente, mais que um ser na represen-
tação e a teoria (teoria no sentido corrente, no mal sentido) e não um ser na realidade e a verdade, este Deus é bem uma coisa em
si, mas já não é uma coisa para o empirismo; porque o empirismo consideram como coisas unicamente as coisas empíricas e
reais. A matéria é a única matéria de seu pensamento - assim, pois, não há já material para Deus - ; Deus existe, mas para nós
é uma tábua rasa, um ser vazio, um simples pensamento. Deus (tal como nós o representamos e o pensamos) é nossa consci-
ência, nosso entendimento, nosso ser, mas este Deus não é mais que um fenômeno de nós mesmos para nós mesmos, e não
Deus em si. Kant é o idealismo todavia preso no teísmo. Sucede freqüentemente que há tempos estamos livres de uma causa, de
uma teoria, de uma idéia, SIN SERLO, entretanto, ainda em nosso espírito; em nosso ser esta idéia pode muito bem não ser já
mais verdade (e acaso jamais o foi), mas não deixa de existir como verdade teórica, digo, como limite de nosso espírito. Porque
toma as coisas até o mais profundo, a cabeça é a última a liberar-se. A liberdade teórica, ao menos para numerosos sujeitos, é a
última liberdade que se alcança de todas as liberdades. Quantos republicanos de coração e de sentimento existiram, cuja cabeça
não vão mais para a monarquia! Seu coração republicano tropeça com as objeções e as dificuldades de seu entendimento. Sucede
igualmente com o teísmo kantiano. Kant tem realizado e negado a teologia na moral e o ser divino na vontade. A vontade para
Kant é o ser verdadeiro, original, incondicionado, que começa em si mesmo. Kant reivindica, pois, de fato, para a vontade, os
predicado da divindade; sempre seu teísmo não tem mais que a significação de uma limitação teórica. O Kant libertado da
limitação do teísmo, é Fichte - o “Messias da razão especulativa”_. Fichte é o idealismo kantiano, mas desde o ponto de vista do
idealismo. Tão só desde o ponto de vista empírico - disse Fichte - existe um Deus distinto de nós, existenete fora de nós;mas na
verdade, desde o ponto de vista idealista, a coisa em si, Deus (porque Deus é a verdadeira coisa em si), não é mais que a
consciência em si, digo, a consciência distinta do indivíduo, da consciência empírica. Fora de mim, não há Deus: “Nossa religião
é a razão”. Mas o idealismo de Fichte não é mais que a negação e a realização do teísmo abstrato e formal, do monoteísmo, mas
não do teísmo religioso material, cheio de conteúdo, do teísmo trinatário de Hegel. Dito com outros termos: Fichte não realizou
o Deus do panteísmo mas na medida em que é um ser pensante, mas não a medida em que é um ser vasto e material. Kant é o
idealismo teísta; Hegel, é idealista panteísta.

18

A filosofia moderna realizou e sumprimiu o ser divino separado e distingüido do sensível, do mundo e do homem, mas
unicamente no pensamento, na razão, e uma razão igualmente separada e distingüida do sensível, do mundo e do homem. Dito
de outra forma: a filosofia moderna não provou mais que a divindade do entendimento, não reconheceu o ser divino, absoluto,
mais que no entendimento abstrato. A definição que Descartes da de si mesmo como espírito: minha essência consiste unicamen-
te no pensamento, na definição de si mesma da filosofia moderna. A vontade do idealismo kantiano e fichteano, é ela mesma um
puro ser do entendimento, e a intuição que Schelling, contra Fichte, uniu ao entendimento, é pira imaginação e não uma verdade:
não tem, pois, nenhuma importência.
A filosofia moderna surgiu da teologia - ela mesma não é outra coisa que a resolução e a transformação da teologia em
filosofia -. Em consequência, a supressão e a realização da essencia abstrata e trascendente de Deus não podiam intervir, elas
mesmas, mas de um modo abstrato e transcendente. Para transformar o Deus em razão, era necessário que a razão mesma
revisse a natureza do ser divino e abstrato. Os sentidos, disse Descartes, não dão nenhuma realidade verdadeira, nenhuma
essência, nenhuma certeza, unicamente o entendimento, separado dos sentidos, da verdade. De onde procede este conflito do
entendimento e dos sentidos? Tão só da teologia. Deus não é um ser sensível, mas, pelo contrário, a negação de todas as
determinações do sensível, e não é conhecido mais que condicionado de fazer abstração delas, mas é Deus, é dito, o mais real,
o mais certo de todos os seres. Como, pois, a verdade poderia chegar aos sentidos, aos sentidos que são ateus ao nascimento?
10
A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

Deus é o ser cuja existência não pode ser separada da essência e do conceito, o ser que não pode pensar de outra forma que
como existente. Descartes transforma este ser objetivo numa essência subjetiva; a prova ontológica, num a prova psicológica; o
transforma: “Deus pode ser pensado, logo existe” em: “Consciente penso, logo existo”. Do mesmo modo que não posso separar
no Deus a existência do conceito, não posso separar em mim (que sou espírito) a existência do pensamento. Também em mim
nesta indissociabilidade que, como em Deus, constitui a essência. Um ser que não existe (que seja em si ou para mim, pouco
importa) mais que como ser pensado, como resultado da abstração de todo o sensível, não pode realizar-se e subjetivar-se mais
que um ser que não existe mais que como ser pensante, cujo pensamento abstrato constitui toda a essência.

19

A filosofia de Hegel representa a conclusão da filosofia moderna. Por ele, a necessidade e a justificativa histórica da nova
filosofia se relacionam ante tudo com a crítica de Hegel.

20

Dado sua origem histórica, a nova filosofia tem a mesma posição a respeito da filosofia anterior,que esta respeito a teologia.
A nova filosofia é a realização da filosofia hegeliana, da filosofia anterior em geral; mas uma realização que, ao mesmo tempo, é
sua negociação e, por dizer assim, uma negociação não contraditória.

21

A contradição da filosofia moderna, do panteísmo em particular, que nega a teologia desde o ponto de vista da teologia, ou
transforma de novo em teologia a negação da teologia: esta contradição é particularmente característica da filosofia hegeliana.
A filosofia hegeliana criou, como a filosofia moderna, do ser imaterial, do puro objeto, do puro ser do entendimento, o único
ser verdadeiro e absoluto: Deus. A mesma matéria, da que Spinoza fez um atributo à substância divina, é uma coisa metafísica,
um puro ser do entendimento; posto que suprime a matéria sua determinação essencial, que a distingue do entendimento e da
atividade do pensamento: a determinação do ser passivo. Hegel se distingue da filosofia anterior ao determinar da outra forma as
relações que existem entre o ser material, sensível e o ser imaterial. Antes que eles, filósofos e teólogos concebiam o ser
verdadeiro e divino como um ser desligado e emancipado da natureza, e (em si) do sensível ou material: enquanto o esforço e o
trabalho de abstração e de liberação do sensível, necessários para chegar ao ser que em si mesmo está liberado deles, é sobre eles
mesmos que o trabalham. Neste estado de liberação viam a placidez do ser divino, e neste esforço de liberação viam a virtude do
ser humano. Hegel, pelo contrário, fez desta atividade subjetiva a auto-atividade do ser divino. Deus mesmo deve submeter-se a
este trabalho e, como os heróis do paganismo, merecer sua divindade a força da virtude. Tão só assim a liberdade do absoluto
respeito à matéria, que por outro lado não é mais que pressuposição e representação, pode dever realidade e verdade. Mas não se
pode situar em Deus esta liberação de si da matéria mas podendo ao mesmo tempo a matéria nele. Mas, como situá-la nele? Com
uma só condição: que o mesmo Deus a situe. Mas, não há mais que Deus em Deus! Aliás, com essa condição: que Deus se situe
o ele mesmo como matéria, como não-Deus, como seu próprio contrário. Assim, a matéria não é um contrário que precederia de
forma incompreensível ao consciente e ao espírito: é a auto-alienação (Selbstentäusserung) do espírito. Desta forma se dá, a
matéria mesma, espírito e entendimento; se a integra nele ser absoluto como um momento de sua vida, de sua formação e de seu
desenvolvimento. Mas ao mesmo tempo, se situa, entretanto, como um ser nulo e sem verdade, posto que o único ser que se
considere como ser em sua plenitude, sua figura e sua forma verdadeiras, é o ser que se desprende desta alienação (entäusse-
rung) e se reconstitui desenvolvendo-se da matéria e do sensível. Todo o que é natural, matéria e sensível (não considero a
sensibilidade no sentido ordinário e moral, mas no sentido metafísico) representa, pois, também aqui, o elemento a negar, como
a natureza corrompida pelo pecado original na teologia. É verdade que este elemento está integrado na razão, no consciente e no
espírito; mas representa o não-racional na razão, e não-consciente em mim, seu contrário: como em Schelling a natureza em
Deus representa em Deus o não divino, que nele é exterior a ele; como na filosofia de Descartes o corpo, se bem está unido a
mim, ao espírito, é, entretanto, exterior a mim, não me pertence, não pertence a minha essência, assim, pois, pouco importa que
me seja unido ou não. A matéria permance na contradição como o ser que a filosofia considera por hipótese como o ser
verdadeiro.
t Se situa, pois, a matéria em Deus; dito de outra forma, se siitua como Deus; mas situar a matéria como Deus é como se
se dissera: Deus não existe. Equivale, pois, a suprimir a teologia e a reconhecer a verdade do materialismo. E, entretanto, se
continua em pressupor ao mesmo tempo a verdade do ser da teologia. O ateísmo, negação da teologia, se vê, então, de novo
negado, ou a teologia de novo restaurada pela filosofia. Deus não é Deus mais que a condição de extrapolar e negar a matéria, sua
negação. E só a negação da negação é, disse Hegel, posição verdadeira. Afinal, nos vimos a encontrar no nosso ponto de partida,
no seio da teologia cristã. Assim, desde o princípio supremo da filosofia de Hegel, encontramos o princípio e o resultado da sua
filosofia da religião, saber que a filosofia, longe de suprimir os dogmas da teologia, se contenta em restabelecê-los a partir da
negação do racionalismo, e mediatiza-los. O segredo da dialética hegeliana não consiste, em definitivo, senão em negar a teologia
em nome da filosofia, para negar logo a sua vez a filosofia em nome da teologia. A teologia é o começo e o fim; em média se
encontra a filosofia, que nega a primeira posição, mas é a teologia a que é a negação da negação. Primeiro se situa todo ao revés,
mas para restabelece-lo em seguida em seu lugar, igual antes, do mesmo modo que em Descartes. A filosofia de Hegel é a última
grandiosa tentativa de restauração do cristianismo destronado e morto pela filosofia, apoiando-se na identificação - de norma nos
tempos modernos - da negação do Cristianismo com o Cristianismo mesmo. A identidade especulativa, que tanto se tem exaltado,
do espírito e da matéria, do infinito e do finito, do divino e do humano, não é outra coisa que a contradição fatal dos tempos
modernos - a identidade da fé e da incredulidade, da teologia e da filosofia, da religião e do ateísmo, do Cristianismo e do
paganismo - , mas chegado a seu grau mais elevado: ao nível da metafísica. Hegel não dissimula nem obscurece esta contradição,
mas porque faz da negação de Deus, do ateísmo, uma determinação objetiva (objectiven) de Deus, porque determina Deus como
um processo, e o ateísmo como um momento deste processo. Mas assim como a fé restaurada a partir da incredulidade não é

11
A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

uma fé verdadeira, pois continua marcada pelo seu contrário, o Deus restaurado a partir da sua negação não é um Deus
verdadeiro: muito pelo contrário, é um Deus contraditório, um Deus ateu.

22

Assim como a essência divina não pe outra coisa que a essência do homem, mas liberto dos limites da natureza, a essência do
idealismo absoluto não é outra coisa que a essência do idealismo subjetivo liberto dos limites, racionais desta vez, da subjetivida-
de; aliás, do sensível ou da ordem dos objetos em geral. Pelo que se pode deduzir imediatamente a filosofia hegeliana do idealismo
kantiano e fichteano.
Kant disse: “Se, como é natural, consideramos os objetos dos sentidos como puros fenômenos, reconhecemos ao mesmo
tempo que tem por fundamento uma coisa em si, ainda que não conheçamos sua natureza, mas tão só o fenômeno, aliás, o modo
segundo o qual nossos sentidos se vem afetados por este algo desconhecido. Do mesmo modo o entendimento, precisamente
porque apreende fenômenos, reconhece também a existência de coisas em si, e nesta medida podemos dizer que a representação
de tais seres, que são o fundamento dos fenômenos, e partindo de seres puros do entendimento não é tão só legítimo, mas
inevitável”. Os objetos dos sentidos, da experiência, não são, pois, para o entendimento mais que puros fenômenos, não são uma
verdade;não satisfazem, pois, o entendimento, não respondem a sua essência. Em conseqüência, o entendimento em sua essên-
cia não está limitado de modo algum pelo sensível; de outra forma não tomaria as coisas sensíveis como fenômenos, mas como
pura verdade. O que não satisfaz, não me cerca nem me limita tampouco. E, entretanto, os seres do entendimento não seriam
objetos (object) verdadeiros para o entendimento! A filosofia de Kant é a contradição do sujeito e do objeto (obect), da essência
e da existência, do pensamento e do ser. A essência depende aqui do entendimento, e a existência, dos sentidos. A existência sem
essência é simples fenômeno (tais são as coisas sensíveis); a essência sem existência é um simples pensamento (tais são os seres
do entendimento, as Noumena); se os pensa, mas carecem de existência (pelo menos a existência para nós), e objetividade
(objectivität); são as coisas em si, as coisas verdadeiras, mas não são coisas reais, e não são, pois, coisas para o entendimento,
coisas que ele poderia determinar e conhecer. Mas, que contradição a de separar a verdade da realidade, a realidade da verdade!
Se suprimirmos esta contradição, teremos, então, a filosofia da identidade, donde os objetos (object) do entendimento respon-
dem à essência e à natureza do entendimento, o sujeito, e donde, em conseqüência, o sujeito não se tem limitado e condicionado
por uma matéria existente fora dele, que contradiga sua essência. Mas o sujeito que não tem a coisa que ele seja alheio a mim, em
conseqüência, limites em si mesmo, não é um sujeito “finito” não é o ser consciente enfrentado a um objeto (object); é o ser
absoluto chamado Deus na linguagem do povo ou da teologia. è o mesmo sujeito, sem dúvida, o mesmo ser consciente que no
idealismo subjetivo, mas sem limitações; é o ser consciente, mas o ser consciente que não tem aspecto de sê-lo; um ser subjetivo
que como tal já não se chama “ser consciente”.

23

A filosofia hegeliana é o idealismo ao revés, o idealismo teológico, como a filosofia espinoziana é o materialismo teológico.
Tem situado a essência do ser consciente fora do ser consciente, o tem separado do ser consciente e o tem objetivado sob a
forma de substância, de Deus; mas desse modo tem expressado (indiretamente e mal) a divindade do ser consciente, fazendo
dele, como Spinoza, da matéria, um atributo ou forma da substância divina; a consciência que o homem tem de Deus é a
consciência de si de Deus. O que quero dizer: a essência pertence a Deus; o saber, ao homem. Mas a essência do pensamento,
ou o pensamento separado por abstração do ser consciente pensante. A filosofia de Hegel tem feito do pensamento, do ser
subjetivo, mas pensado sem o sujeito, e em conseqüência representado como um ser distinto dele, o ser divino e absoluto.
Daí que o segredo da filosofia absoluta seja o segredo da teologia. A filosofia absoluta procede exatamente como a teologia,
que fez das determinações do homem determinações divinas, ao privá-las da determinação que fez delas o que são: “Há que
reconhecer a todo homem o pensamento da razão; para pensar a razão como absoluta e, em conseqüência, para chegar ao ponto
de vista que reclamo, há que fazer abstração do ato de pensar. Quando se faz esta abstração, a razão cessa imediatamente de ser
algo subjetivo, como a generalidade se a imagina; mais ainda, não pode ser pensada como algo objetivo, porque não há objetivi-
dade e pensamento possíveis mais que na confrontação com um sujeito pensante, do que aqui se faz totalmente abstração; é,
pois, em virtude desta abstração como a razão chega ao em si verdadeiro, que coincide justamente com o ponto de indiferença
do sujeito e do objeto (objectiven)”. Assim falava Scheling. O mesmo encontramos em Hegel. O pensamento privado da deter-
minação que faz ele um ato do pensamento, uma atividade da subjetividade , tal é a essência da Lógica de Hegel. A terceira parte
da Lógica é, e assim o expressa seu título, a Lógica subjetiva, e, entretanto, as formas da subjetividade, que são o objetivo da
Lógica subjetiva, tem como sentido o não ser formas subjetivas. O conceito, o juízo, o silogismo, e incluindo as formas
particulares do silogismo e do juízo, como o juízo problemático e o juízo assertivo, não são conceitos, juízos, silogismos que
tenham sua origem em nós, não! São formas objetivas, existentes em si por si, formas absolutas. Daí que a filosofia absoluta
aliene e separe o homem de sua própria essência, de sua própria atividade. Daí a violência e a tortura que inflige nosso espírito.
O que é nosso, devemos pensá-lo como se não fora, devemos fazer abstração da determinação que faz de uma coisa o que é,
devemos pensá-la, dito de outra forma, desprovida de sentido, devemos tomá-la como contra-sentido do absoluto. O contra-
sentido é o ser supremo da teologia, tanto da ordinária como da especulativa.
O censura que Hegel faz à filosofia de Fichte: que cada um pensa ter o ser consciente em si mesmo, se tem advertido dele,
e, entretanto, não o encontra, é uma censura válida também para a filosofia especulativa em geral. Toma quase todas as coisas
num sentido em que não são reconhecidos. E a razão deste mal é a teologia. O ser divino, o absoluto deve distinguir-se dos seres
finitos, aliás, reais. Mas o que o absoluto não temos outras determinações que as determinações das coisas reais, naturais ou
humanas. Como essas determinações podem suceder determinações do absoluto? Somente a condição de tomá-las num sentido
diferente ao que seu sentido real, isto é, num sentido totalmente falso. Tudo o que existe no finito existe no absoluto; mas sob
uma forma totalmente diferente à nossa; obedecendo à leis absolutamente diferentes às nossas; o que para nós é puro contra-
sentido se transforma em razão e sabedoria. Daí a ilimitada arbitrariedade da especulação que utiliza o nome de uma coisa sem
conservar, não obstante, seu valor ao conceito ligado a esse nome. A especulação pretexta essa arbitrariedade declarando que
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A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

elege para seus conceitos nomes aos que a “consciência comum” atribui representações que te um parecido parente com esses
conceitos. Expulsa assim, a falta sobre a linguagem. Mas a falta reside na coisa, no princípio da própria especulação. A contra-
dição entre o nome e a coisa, entre a representação e o conceito, não é mais que a contradição teológica entre as determinações
da essência divina e as determinações da essência humana, determinações que, em relação com o homem, são tomadas no
sentido próprio e real, mas que relacionadas com Deus não são tomadas mais que um sentido simbólico e analógico. Certo é que
a filosofia não deve preocupar-se das representações que o uso, ou o mau uso, atribuem a um nome; mas deve ater-se à natureza
determinada das coisas, que tem nomes como signos.

24

A identidade do pensamento e o ser, coração da filosofia da identidade, não é mais que uma sucessão e um desenvolvimento
necessários do conceito de Deus, concebido como o ser cujo conceito ou essência envolvem a existência. A filosofia especula-
tiva não faz mais que generalizar e transformar em propriedade do pensamento e do conceito em geral aquele do que a teologia
fazia a propriedade exclusiva do conceito de Deus. A identidade do pensamento e do ser não é assim mais que a expressão da
divindade da razão; a expressão desta verdade: que o pensamento ou a razão é o ser absoluto, a quinta-essência de toda a
verdade e realidade, que não existe contrário à razão, mais ainda, que a razão o é todo, tal como na teologia estrita Deus é toda
coisa, quer dizer, tudo o que existe de essencial e de verdadeiramente existente. Porém um ser que não se distingue do pensa-
mento, um ser que não é mais que um predicado ou uma determinação da razão, não é mais que um ser abstrato, um ser que
pensamos; na realidade, não é um ser. A identidade do pensamento e do ser não expressa, pois, mais que a identidade do
pensamento consigo mesmo. Isto é: para alcançar o ser, o pensamento absoluto não se desembaraça de si nem sai de si. O ser
segue sendo um mais além. A filosofia absoluta transformou, si, o mais além da teologia em um aqui baixo,porém, invertendo,
transformou o aqui abaixo do mundo real em um mais além.
A diferença do ele mesmo, que é atividade de mediação, o pensamento da filosofia especulativa ou absoluta determina ao ser
como o imediato, como o não mediatizado. Para o pensamento, quando menos para o que temos ante nós, o ser é outra coisa.
O pensamento situa o ser frente a ele, porém em seu próprio interior e de tal modo suprime imediatamente, e sem pena, a
oposição do ser com respeito a ele; porque concebido como o contrário do pensamento, no seio do pensamento, o ser não é mais
que pensamento. Se o ser não é ais que o imediato, se a imediatidade basta para distingui-lo do pensamento, se é fácil mostrar que
a determinação da imediatidade, e em conseqüência do ser, pertencem também ao pensamento; se uma simples determinação do
pensamento basta para constituir a essência do ser, como poderia o ser distinguir-se do pensamento?

25

Provar que uma coisa existe significa tão somente: esta coisa não é uma coisa puramente pensada. Porém esta prova não
pode obter-se do mesmo pensamento. Para que a existência se incorpore a um objeto do pensamento, é preciso que algo diferente
do pensamento se incorpore ao pensamento mesmo.
O exemplo da diferença entre as cem moedas representadas e as cem moedas reais, exemplo escolhido por Kant na crítica da
prova ontológica para ilustrar a diferença do pensamento e o ser, porém do que Hegel se burla, é, sem embargo, essencialmente
justo. Porque as primeiras dessas moedas só as tenho na cabeça, enquanto que as segundas as possuo na mão; umas só existem
para mim, as outras também existem para os demais; podem ser tocadas e vistas. Agora bem, somente existe o que existe ao
mesmo tempo para mim e para os outros, aquilo do que os outros e eu estamos de acordo em que existe, o que não é exclusiva-
mente meu, mas universal.
No pensamento como tal eu me acho em identidade comigo mesmo, sou dono absoluto; nada me contradiz; sou juiz e parte
de uma vez e, como resultado, não existe distinção crítica entre o objeto e meu pensamento do objeto. Porém se se trata
exclusivamente da existência de um objeto, então não posso contar somente com meu critério, devo recorrer a testemunhos
distintos a mim. Estes testemunhos distintos do ser pensante que eu sou, são os sentidos. Essa existência não me afeta somente
a mim, senão também aos outros, e sobre tudo ao objeto mesmo. Existir quer dizer ser sujeito, quer dizer existir para si. E é
totalmente diferente ser sujeito ou não ser mais que objeto (Object), ser um para mim mesmo ou ser somente um ser para outro
ser, quer dizer, um simples pensamento. Se sou um simples objeto (Object) de representação, se, em conseqüência, não existo
em pessoa, como sucede ao homem atrás da morte, então tudo é permitido na relação comigo, sem que me caiba protestar
sequer. Qualquer um pode fazer de mim um retrato que constitua uma simples caricatura. Porém se existo realmente, posso
opor-me a esses projetos, posso fazer sentir e provar que há muita distância entre a representação que de mim se faz e o ser real
que sou, entre o eu que se tem por objeto e o sujeito que eu sou. No pensamento sou um sujeito absoluto; tudo considero como
objeto ou predicado do ser pensante que sou; sou intolerável. Na atividade dos sentidos, ao contrário, sou liberal; permito ao
objeto ser o que eu mesmo sou: um sujeito, um ser real que se manifesta. Tão somente os sentidos, tão somente a intuição me
aportam algo um tanto que sujeito.

26

Um ser que não faz mais que pensar e que não pensa mais que na abstração não possui absolutamente nenhuma representação
do ser, da existência e da realidade. O ser é o limite do pensamento; o ser como ser não é um objeto da filosofia absoluta, quanto
menos da filosofia abstrata. A filosofia especulativa o reconhece quando considera que o ser é, ao mesmo tempo, não ser, nada.
Porém o nada não é um objeto do pensamento.
O ser que o pensamento especulativo se da como objeto é unicamente o imediato, quer dizer, o indeterminado: não se pode,
pois, pensar nem distinguir nada dele. Porém o pensamento especulativo se toma a si mesmo por norma de toda a realidade. Não
admite realidade mais que naquele que o confirma e o dá o que pensar. E como é o nada do pensamento, o vazio do pensamento,
em conseqüência o ser do pensamento abstrato é o nada em si e por si. Justamente por isto o ser que a filosofia especulativa
introduz em seu domínio, e cujo conceito reivindica para si, é um puro fantasma em absoluta contradição com o ser verdadeiro
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A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

e com o que o homem entende, atendendo aos fatos e à razão, o ser aí, o ser por si, a realidade, a existência, a efetividade e a
objetividade. Todas estas determinações e todos estes nomes não fazem senão que expressar uma só e mesma coisa, sob
diferentes pontos de vista. O ser no pensamento, o ser sem objetividade, sem realidade, sem ser por si, é indubitavelmente o
nada; porém nesse nada me limito a expressar a nulidade de minha abstração.

27

O ser da Lógica de Hegel é o ser que a antiga metafísica enuncia de todas as coisas indistintamente, posto que estima que
todas as coisas têm em comum o fato de ser. Porém este ser sem distinção é um pensamento abstrato, um pensamento sem
realidade. Há tantos modos de ser como coisas existentes.
Por exemplo, na metafísica da escola de Wolf, Deus, o mundo, o homem, a mesa, a cama, etc., tem em comum fato de
existir. E Chr.Thomasius disse: “O ser é o mesmo por todas as partes. A essência é tão múltipla como as coisas”.
Este ser igual por todas as partes, privado da distinção e de conteúdo, é também o ser da Lógica de Hegel. O próprio Hegel
observa que a polêmica contra a identidade do ser não deriva apenas de substituir o ser em um conteúdo determinado. Porém a
consciência do ser está sempre e necessariamente unida a conteúdos determinados. Se fizer a abstração do conteúdo do ser, e
precisamente de todo o conteúdo porque tudo é contido no ser, não me fica, sem dúvida, outra coisa que o pensamento do nada.
E quando Hegel censura então a consciência comum a substituição do ser, objeto da Lógica, por algo que não pertence ao ser,
cai, a sua vez, na censura de substituir uma abstração insondável ao que, legitimamente e racionalmente, a consciência humana
entende por ser. O ser não é um conceito universal separado das coisas. Constitui uma coisa apenas com aquele que é. Não é
pensável mas que imediatamente, por intermédio dos atributos que compõe a essência da coisa. O ser é a posição da essência.
Meu ser é o que é minha essência. O peixe está na água, porém não se pode separar sua essência deste ser. Apenas na vida
humana o ser se separa da essência. Apenas na vida humana o ser se separa da essência, porém unicamente nos casos anormais
e desventurados; acontece que não se possui sua essência. Apenas na vida humana o ser separa da essência no lugar aonde se
tem o ser, e então, a causa deste divorcio, a alma não se acha presente verdadeiramente aonde se encontra o corpo. Apenas ali
aonde se encontra teu coração está você. Porém todos os seres (exceto nos casos de anti-natural) amam estar aonde estão e
aquilo que é, isto é, sua essência não está separada de seu ser, nem seu ser de sua essência. Por isso tu não podes fixar ao ser,
por si, como o puro idêntico, em oposição a diferença dos seres. Uma vez subtraída todas as qualidades essenciais das coisas,
o ser se reduz a tua representação do ser; um ser inventado, fabricado, um ser privado da essência do ser.

28

A filosofia de Hegel não superou a contradição do pensamento e do ser. O ser por onde começa a Fenomenologia não é menos
radicalmente contraditório com o ser real que é o ser por que começa a Lógica.
Na Fenomenologia, esta contradição aparece sob a forma de “pura” e “universal”; porque o único pertence ao ser, e o
universal ao pensamento. Agora bem, na Fenomenologia os “puros” se fundem em um e no outro, de maneira indiscernível, para
o pensamento; porém o que diferencia entre o “puro”, objeto do pensamento abstrato e o mesmo “puro”, objeto da realidade!
Esta mulher, por exemplo, é minha mulher, esta casa é minha casa, ainda que cada um diga o mesmo de sua mulher e sua casa.
A diferença e indiferença do “puro” lógico ficam aqui quebradas e suprimidas pelo sentimento de direito. Se dermos poder ao
“puro” lógico no direito natural, iríamos diretamente a comunidade de bens e de mulheres, onde não há diferença entre tal e tal,
onde cada um possui cada um, ou, melhor assim, a supressão de todo direito; porque o direito apenas se fundamente na distinção
de tal e tal.
No começo da Fenomenologia não encontramos mais que a contradição entre a palavra, que é universal, e a coisa, que é
sempre uma coisa singular. E o pensamento que se apóia exclusivamente na palavra não sai dessa contradição. Mas o ser
enunciado ou pensado é tão escassamente o ser real como a palavra é a coisa. Se se objeta que Hegel se trata do ser não no
sentido prático, como é aqui, mas no puramente teórico, responderemos que o ponto de vista pratico é exatamente o que
corresponde aqui. Justamente a questão do ser é uma questão prática, uma questão em que nosso ser se mostra interessado, uma
questão de vida e morte. E se nos aferramos a nosso ser no Direito, não é para desejarmos escamotear pela Lógica. A Lógica
deve reconhecê-lo também, se não queres persistir na sua contradição com o ser real. A mesma Fenomenologia invoca o ponto
de vista pratico ( o ponto de vista de comer e beber) para refutar a verdade do ser sensível e singular. Mas aqui tão pouco devo
eu, em absoluto, minha existência ao pão da linguagem e o da Lógica (ao pão em si); ao contrario, jamais de deve mais que esse
pão, ao pão inefável. O ser fundado unicamente sobre sementes inefável é por si algo inegável. Perfeitamente, é o inefável. Ante
tudo, é preciso que as palavras cessem para que comece a vida e se revele o segredo do ser. Mas sim a inefabilidade é desvario,
toda essência é então desvario, posto que jamais deixará de ser essa existência. Mas a existência não é desvario. A existência,
inclusive se não podemos anunciá-la, possua nela mesma sentido e razão.

29

O pensamento atropelando a seu contrario (mas o contrario do pensamento é o ser) é o pensamento que transporta seus
limites naturais. O pensamento atropela a seu contrario querem dizer: o pensamento reivindica para si o que lhe pertence, mas o
que pertence ao ser. Mas a singularidade e a individualidade pertencem ao ser, e a universalidade ao pensamento. O pensamento
reivindicam, pois, para ele a singularidade; faz da negociação da universalidade, da forma essencial da sensibilidade que é a
singularidade, uma momento do pensamento. Desse modo o pensamento abstrato, o conceito abstrato, que deve ao ser fora dele
se transforma em conceito concreto.
Mas como chega o homem a esta invasão do pensamento no domínio próprio do ser? Por medo da teologia. Em Deus, o ser
acha unido de forma imediata a essência, a universalidade, o “conceito concreto” é Deus transformado em conceito. Mas como
passa o homem do pensamento “abstrato” ao pensamento concreto ou absoluto, da filosofia a teologia? A história se tem
encarregado de responder a essa pergunta ao passo da velha filosofia pagã a da filosofia chamada neoplatônica; porque a filosofia
neoplatônica não se deferência da antiga mais que por ser teologia, enquanto que a outra é somente filosofia. A velha filosofia tem
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A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

por principio a razão, a “idéia”; as a “idéia” não foi plantada por Platão e Aristóteles com “aquilo que o continente todo”. A antiga
filosofia deseja substituir algo fora do pensamento: um resíduo restante, digamos que não entrava no pensamento. A imagem
desse ser fora do pensamento é a matéria, substrato da realidade. A razão encontrava seu limite na matéria. A antiga filosofia vivia
ainda na distinção do pensamento e do ser. Não aceitava todavia o pensamento, o espírito, a idéia como a realidade que compre-
ende todas as coisas, quer dizer, a realidade única, exclusiva e absoluta.Os antigos filósofos eram ainda sábios profanos,
fisiologista, políticos, zoólogos, em uma palavra: antropólogos. Não eram teólogos, ou não eram mais que teólogos parciais - e
sem dúvida, a causa desta razão não foram mais que antropólogos parciais e conseqüentemente, limitados e defeituosos. Os
neoplatônicos, pelo contrário, não vêem absolutamente na matéria, no mundo, em um mundo material e real, uma instância nem
uma realidade. A pátria, a família, as relações e os bens do mundo em geral, que a antiga filosofia peripatética situava ainda no
número de elementos da dita humanidade, nada dele conta o sábio neoplatônico. Este chega a preferir a morte à vida corporal.
Não reconhece no corpo uma parte de sua essência; transpõem a felicidade exclusivamente à sua alma, isolando-se de todas as
coisas corporais, em uma palavra, de todas as coisas exteriores. Mas quando o homem não tem já nada dele, busca e encontra
todas as coisas dentro dele, então revela o mundo real pelo mundo imaginário e inteligível, que contém tudo o que contém o
mundo real, mas abaixo do modo de representação abstrato. Os neoplatônicos levam incluso a matéria ao mundo imaterial, mas
já nesse momento não se trata mais que uma matéria ideal, pensada e imaginária. Então quando não há seres exteriores a ele, situa
em seu pensamento um ser que, inteligível, tenha as propriedades de um ser real; mesmo que não sensível, é, ao mesmo tempo,
um ser sensível, assim como um objeto teórico, é, ao mesmo tempo, um objeto prático. ESte ser é Deus, o bem supremo dos
neoplatônicos. Só ele é o ser que satisfaz o homem. Substitui a falta de um ser real por um ser ideal, então, a partir desse
momento supre a representação de seus pensamentos pela essência da realidade perdida ou abandonada; não vê na representação
uma representação, somente o objeto em pessoa; e a imagem não vê uma imagem, somente a coisa em pessoa; no pensamento
e na idéia, Vê a realidade. Precisamente na medida e que não se refere ao mundo real como um sujeito à seu objeto, em que
transforma suas representações em seus objetos, em seres, em espíritos, em Deuses. E é tanto mais sensível na abstração quanto
é mais abstrato, mais negativo respeito ao sensível real. O objeto e o ser supremo, o produto da abstração de toda multiplicidade
e de toda diversidade, é decidir, de toda sensibilidade: Deus ou é único, é conhecido também como mais baixo dos seres, a
matéria: por não saber e pela ignorância! Isto quer dizer: o ser que não mais que pensamento e abstração, o ser não sensível e
supra-sensível é, ao mesmo tempo, um ser que existe realmente, um ser sensível.
Assim como o homem basta desencarnar-se, negar este limite racional da subjetividade que é o corpo, para cair abaixo da lei
de uma prática fantástica e transcendente, viver freqüentando as aparições corporais de Deus e dos espíritos e, suprimir
praticamente a distinção da imaginação e da intuição; basta igualmente não ver mais a matéria nem a realidade nem, em conseqü-
ência, um limite da razão pensante , sem ver a razão, no sr intelectual, na essência da subjetividade em geral, nesta extensão
ilimitada que lhe é própria, o ser único e absoluto, para perder também, teoricamente, a distinção do pensamento e do ser, do
subjetivo e do objetivo, do sensível e do não sensível. è certo que o pensamento nega todas as coisas, mas é unicamente para
situá-la em si mesma. Não encontra limites em nada exterior a ele, mas por ele mesmo, é mesmo somente de seu limite imanente
e natural. Assim a razão e a idéia definiam concretas; dito de outro modo, o que a intuição deve dar, se atribui ao pensamento, o
que é função e questão dos sentidos, da sensação e da vida, se faz função, questão do pensamento. E assim como o concreto é
transformado em predicado do pensamento, o ser, em simples determinação do pensamento, posto que a proposição: o conceito
é concreto, é idêntico à proposição: o ser é uma determinação do pensamento. Hegel não tem feito mais que transformar em
conceitos e racionalizar o que é representação e imaginação nos neoplatônicos. Hegel não é “Aristóteles alemão ou cristão”, é o
Proclo alemão. “A filosofia absoluta”, é a ressurreição da filosofia Alexandrina. Segundo a determinação expressa de Hegel, não
é a filosofia aristotélica, a antiga filosofia pagã em geral, mas a filosofia alexandrina, que é a filosofia absoluta (a filosofia cristã,
mesclada ainda, certamente, com elementos pagãos), salvo esta reserva: reside no elemento em que se faz abstração da consci-
ência de si concreta.
Assinalemos também que a teologia neoplatônica mostra de maneira particularmente precisa que acontece com o sujeito
como com o objeto (object) e inversamente; e que, em conseqüência, o objeto (object) da teologia do sujeito humano. Para os
neoplatônicos, Deus, a mais alta potência, representa o simples, o único, o puro indeterminado, o puro indistinto: não é a essência
se faz, todavia determinada, na medida que é uma essência; não é um conceito, nem uma inteligência; pelo contrário, está privado
de inteligência e mais além da inteligência, posto que a inteligência é também determinada, na medida em que é uma inteligência;
e a inteligência implica distinção, oposição do pensante e do pensado, que não tem pois, seu lugar no ser todo igualmente simples.
Mas para o neoplatônico, o que é o ser supremo no sentido objetivo (object), o é também no sentido subjetivo; o que situa no
objetivo, em Deus como ser, o situa nele mesmo como atividade, como esforço. Não ser mais distinção não ser mais inteligência,
não ser mais um mesmo, é e se chama ser Deus. Mas p neoplatônico se esforça em definir o que é Deus: a finalidade de sua
atividade é cessar “ de ser si mesmo, de ser inteligência e razão”. O êxtase e o embelezamento constituem, para o neoplatônico,
o estado psicológico supremo do homem. Objetividade sob a forma de um ser, este estado constitui o ser divino. Assim, Deus
não tem saído mais que o homem, e não ao invés, ao menos originalmente, o homem de Deus. Tudo isso sobressai de forma
particularmente clara da definição de Deus que se encontra igualmente nos neoplatônicos, definição que faz de Deus um ser sem
necessidades e bem-aventurado. Posto que, de onde este ser sem dor nem necessidade pode sacar seu princípio e sua origem,
senão das dores e da necessidades do homem? A miséria da necessidade e do sofrimento responde à representação e o sentimen-
to da placidez. Tão só em oposição à desgraça a felicidade é uma realidade. E somente a miséria do homem toma Deus prestadas
suas determinações. Deus é o que o homem quer ser, sua própria essência, sua própria finalidade, mas representado sob a forma
de um ser real. Aqui é onde se vê a diferença que separa aos neoplatônicos dos estóicos, dos epicuros e dos céticos. Estes
filósofos teriam também como finalidade a impossibilidade, a placidez, a ausência da necessidade, a liberdade e a autonomia, mas
compreendidas somente no sentido de virtudes humanas; dito de outra forma, o homem concreto e real se encontrava ainda
neles no princípio da verdade, a liberdade e a felicidade deviam acrescentar-se como predicados a este sujeito. Nos neoplatôni-
cos, pelo contrário, ainda que a virtude pagã foi todavia para eles uma verdade (de onde sua oposição à teologia cristã, que
transpunha além da felicidade, a perfeição e a divindade do homem), este predicado do homem em substantivo, em ser real.
Justamente por ele o homem real se tem transformado igualmente numa simples abstração sem sangue nem carne, uma figura
alegórica do ser divino. Platão se envergonhava, ao menos segundo seu biógrafo, do seu corpo.

15
A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

30

A determinação que fez o conceito concreto, do conceito que chega em si a natureza do real, o conceito verdade, expressa o
reconhecimento da verdade do concreto ou da realidade. Entretanto, como de todas as formas se pressupõe desde o começo que
o conceito, aliás, a essência do pensamento, é o ser absoluto, o único ser verdadeiro, então, já não se pode reconhecer o real e
o efetivo senão de forma indireta, mas como o adjetivo essencial e necessário do conceito. Hegel é realista, mas um realista
puramente idealista, ou melhor puramente abstrato: realista em abstração de toda a realidade. Nega o pensamento, precisamente
o pensamento abstrato; mas o nega num pensamento que abstrai: assim, a negação da abstração é ela mesma uma abstração. Para
ele, a filosofia não tem mais objeto (object) que o que é; mas este mesmo “é”, não é mais que um “é” abstrato e pensado. Hegel
é um pensador que insiste sobre si mesmo no pensamento da coisa; quer estar fora do pensamento, mas não sendo o pensamento
mesmo: daí a dificuldade de conceber o conceito concreto.

31

É uma contradição querer reconhecer a luz da realidade na noite da abstração; é afirmar o real em sua própria negação. Como
pensa o concreto, não em abstrato, senão concretamente; como tem por verdade o real em sua realidade e, em conseqüência, de
um modo adequado à essência do real, que eleva ao estado de princípio e de objeto da filosofia, a nova filosofia é a única e a
primeira em ser a verdade da filosofia de Hegel, a verdade da filosofia moderna em geral.
E aqui aproximadamente como se produz a necessidade histórica e a gênesis da nova filosofia a partir da antiga. O conceito
concreto, a idéia é, segundo Hegel, primeiro, tão só abstrato, e não existe mais que o elemento do pensamento: é o Deus teológico
de antes da criação do mundo, mas racionalizado. Porém, a idéia se realiza da mesma forma que Deus se expressa, se revela, se
faz mundo e realidade: Hegel é a história da teologia transformada no processo lógico. Mas enquanto entramos no reino do
realismo com a realização da idéia, enquanto a verdade da idéia é ser real e existir, temos na existência o critério da verdade: tão
só é verdade o que é real. A única questão que se apresenta é então: que é i que é real? Tão só o pensado? Somente o que é objeto
(object) do pensamento, do entendimento: Mas desta forma não sairíamos da idéia no abstrato. A idéia platônica também é objeto
(object) do pensamento; o mais celeste também é um objeto (object) interior, objeto (object) da fé e da representação. Se a
realidade do pensamento é a realidade no entanto que é pensamento, então a realidade do pensamento mesmo não é mais que
pensamento, e nos que damos sempre na identidade do pensamento consigo mesmo, no idealismo: um idealismo que não se
distingue do idealismo subjetivo mais que abarcando todo o conteúdo da realidade e transformando em uma determinação de
pensamento. Desta forma, para tomar realmente em sério a realidade do pensamento ou da idéia, há que adicionar-lhe algo que
lhe seja diferente, dito de outra forma, é necessário que o pensamento: que seja não tão só pensamento, mas também não-
pensamento. O pensamento se realiza quero dizer, precisamente: se nega e cessa de ser simples pensamento. Que é então este
não-pensamento, este elemento distinto do pensamento? O sensível. O pensamento se realiza; quero, pois, dizer: se faz objeto
dos sentidos. O sensível é, pois, a realidade da vida, mas como a realidade é a verdade da idéia, somente o sensível é, pois, a
verdade do pensamento, o sujeito. Que da por saber? Por que a idéia define sensível? Por que não é verídica a menos de definir
real, aliás, sensível? Sua verdade não depende, então, do sensível? Não se outorga então uma importância e um valor ao sensível
por si mesmo, descuidando o fato de que representa a realidade da idéia? Se o sensível não é nada por si mesmo, por que a idéia
teria necessidade dele? Se a idéia somente lhe dá um valor e um conteúdo, é que o sensível não é mais que um luxo puro, uma
futilidade pura: uma simples ilusão que o pensamento se dá a si mesmo. Mas não pe assim. Se se exige do pensamento que se
realize e renda sensível, é unicamente porque se pressupõe inconscientemente que a realidade e a qualidade sensível independe do
pensamento são a verdade do pensamento. O pensamento se põe a prova no sensível; como poderia fazê-lo se não se tem
inconscientemente o sensível por verdade? Mas como, apesar de tudo, se parte conscientemente da verdade do sensível senão
posteriormente, não se faz da qualidade sensível mais que um atributo da idéia. Mas ele é uma contradição, posto que bem que
simples atributo, é, entretanto, unicamente ela o que outorga a verdade ao pensamento: é, pois, a vez o principal e o secundário,
a vez a essência e o acidente. Não nos podemos libertar desta contradição senão fazendo do real e do sensível o sujeito de si
mesmo; dando-lhe uma significação absolutamente autônoma, divina, primordial e não uma significação secundária, derivada da
idéia.

32

O real em sua realidade, o real no entanto que real, é o objeto (object) real dos sentidos: o sensível. Verdade, realidade,
qualidade sensível são uma só e mesma coisa. Tão só um ser sensível é um ser verdadeiro e real. Tão só os sentidos, e não o
pensamento por si mesmo, podem dar um objeto compreendido em seu verdadeiro sentido. O objeto (object) dado com o
pensamento, o idêntico ao pensamento, não é mais que um pensamento.
Não se me da objeto (object), objeto (object) real, senão se me da um ser que atua sobre mim, se minha auto-atividade
(supondo que parto do pensamento) não encontra na atividade do outro ser seu limite, uma resistência. Na origem, o conceito do
outro ser consciente (assim o menino concebe todas as coisas como seres dotados de espontaneidade e de liberdade): também
o conceito do objeto (object), em geral, é mediado pelo conceito do ser consciente que és tu. Não é ao meu ser consciente,
senão, ao meu não-ser consciente que existe em mim, pra falar a língua de Fichte, a quem se dá um objeto (object), é dizer outro
ser consciente: posto que a representação de uma atividade que existe em mim, aliás, de uma objetividade (objetivität), não pode
produzir mais que se meu ser consciente se vê metamorfoseado em tu, se ser consciente me encontro afetado. Mas tão só os
sentidos fazem de mim ser consciente um não-ser consciente.
O problema: como ser, substâncias autônomas distintas, podem atuar um sobre o outro; por exemplo, o corpo sobre a alma
e o ser consciente é um problema característico da filosofia abstrata anterior. Mas ela não podia resolver esse problema, porque
fazia abstração do sensível; porque considerava as substâncias que deviam atuar uma sobre a outra, como seres abstratos, como
puros seres do entendimento. Tão só o sensível resolve o mistério da ação um sobre outro. Eu sou eu (para mim) e ao mesmo
tempo tu (para outro). Mas eu não o sou mais que qualidade de ser sensível. O entendimento abstrato, entretanto, isola sob a
forma de substância, átomo, ser consciente, Deus, este ser por si ao qual então, não pode vincular o ser pelo outro, senão de
16
A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

forma arbitrária, posto que unicamente a qualidde sensível, da que faz abstração, constitui a necessidade desta ligação. Eu penso
sem vínculo e for de todo vínculo o que penso sem o sensível. Como posso pensar então o não-vinculado ao mesmo tempo com
algo vinculado?

33

A nova filosofia examina e considera o ser tal como é para nós, que somos seres não somente pensantes, mas também
realmente existentes aliás, o ser como objeto (object), do ser, como objeto (object) de si mesmo. O ser como objeto do ser (e tão
só este ser é o ser, ele somente merece o nome de ser), é o ser dos sentidos, da intuição, do sentimento e do amor. O ser é, pois,
um segredo da intuição, do sentimento e do amor.
Unicamente o sentimento, o amor, “isto” (esta pessoa, esta coisa), é singular, possui um valor absoluto, o finito é infinito:
nisto, e neste somente, consiste a profundidade, a divindade e a verdade infinitas do amor. Unicamente o amor, o Deus que
enumero os cabelos de uma cabeça é verdade e realidade. O mesmo Deus cristão não é mais que a abstração do amor humano.
Não é mais que uma figura deste amor. Mas como “este” não tem mais valor absoluto que o amor, é unicamente o amor, e não
no pensamento abstrato, onde se revela o segredo do ser. O amor é paixão, e a paixão somente é o critério da existência. Tão só
existe o que é real ou possível objeto (object) da paixão. O pensamento abstrato, vazio de sentimento e de paixão, suprime a
diferença que distingue o ser do não-ser, mas esta diferença, insignificante para o pensamento, é uma realidade para o amor.
Amar não que dizer outra coisa que observar esta diferença. Que uma coisa é ou não é (não importa o objeto) é completamente
igual ao que não ama. Porém assim como apenas por mediação do amor e do sentimento em geral se me der o ser como diferente
do não-ser, assim tão só sua mediação me dá um objeto (Object) como diferente de mim. A dor é um evidente protesto contra a
identificação do sujeito e do objetivo (objectiv); O amor sofre quando o objeto presente na representação está ausente da
realidade. É o subjetivo o que é aqui objetivo (objetiv); a representação, o que é o objeto; porém justamente isto não deve ser, é
uma contradição, uma não-verdade e uma desgraça: daqui vem a exigência da restauração da verdadeira relação, no que o
subjetivo e o objetivo (objective) não são idênticos. A mesma dor orgânica expressa bastante claramente esta diferença. A dor de
fome se reduz ao fato de que o estomago não contém nenhum objeto, que é o mesmo seu próprio objeto (object), que as paredes
vazias se trabalham uma e outra no lugar de trabalhar um alimento. Por qual os sentimentos humanos tem significado empírico
e antropológico no sentimento da antiga filosofia transcendente, destino de um significado ontológico e metafísico; os sentimen-
tos, incluso os mais cotidianos, escondem as verdades mais profundas e mais elevadas. Assim ocorre com o amor, que é a
verdadeira prova do ser mais que o amor, o sentimento em geral. Tão somente existe o que o ser procura prazer, e não-ser dor.
A diferença entre o objeto (object) e o sujeito, entre o ser e o não-ser, é uma diferença que tanto pode alegrar como fazer sofrer.
oi 34
A nova filosofia se apóia sobre a verdade do amor, a verdade do sentimento. É o amor, um sentimento em geral, onde cada
um reconhece a verdade da nova filosofia. A nova filosofia, considerada em sua relação a seu princípio, não é outra coisa que a
essência do sentimento elevada a consciência: não há mais que afirmar, em razão e com ela, o que cada homem ( a condição de
ser um homem real) reconhece em seu coração. É o coração elevado ao entendimento. O coração não quer objetos e seres
abstratos, metafísicos ou teológicos: quer objetos e seres reais, sensíveis.

35

Enquanto que a antiga filosofia dizia: o que não é pensado não existe, a nova filosofia diz, que pelo contrário: o que não é
amado, o que não pode ser amado, não existe. Porém o que não pode ser amado não pode tão pouco ser adorado. Apenas o que
pode ser objeto (object) da religião é objeto da filosofia.
Do mesmo modo que é critério objetivo (objetivo), o amor é também o critério subjetivo do ser, o critério da verdade e da
realidade. Quando não há amor, não há tampouco verdade. E unicamente a mesma coisa. Mas se existe e mais se amo e vice-
versa.

36
Enquanto que a antiga filosofia começava pela proposição: eu sou um ser abstrato, um ser puramente pensante, meu corpo
não pertence a minha essência; a nova filosofia, pelo contrário, começa pela proposição: sou um ser real, um ser sensível; sim,
meu corpo em sua totalidade é meu eu, minha essência mesma. Por ele a antiga filosofia pensava em uma contradição e em um
conflito contínuos com os sentidos, para impedir que as representações sensíveis manchassem os conceitos abstratos; a nova
filosofia, pelo contrário, pensa em harmonia e em paz com os sentidos. A antiga filosofia admitia a verdade do sensível (e até no
conceito de Deus que inclui o ser em si mesmo, posto que este ser devia, apesar de tudo, ser ao mesmo tempo um ser distinto
do ser pensado, um ser exterior ao espírito e ao pensamento, um ser realmente objetivo (objectives), quer dizer sensível, porém
não o admitia senão de um modo dissimulado, puramente abstrato, inconsciente e involuntário, unicamente porque não podia
fazer de outro modo; a nova filosofia, pelo contrário, reconhece a verdade do sensível com gozo, conscientemente: é a filosofia
sinceramente sensível.

37

A filosofia moderna buscava algo imediatamente certo. Pelo qual rechaçou o pensamento carente de princípio e de fundamen-
to da escolástica, e fundou a filosofia sobre a consciência de si; quer dizer, substituiu o ser unicamente pensado, Deus, o ser
supremo e último de toda a filosofia escolástica, pelo ser pensante, o eu, o espírito consciente de si; posto que o pensante se acha
infinitamente mais próximo do pensante, mais presente e mais certo que o pensado. Duvidosa é a existência de Deus, duvidoso
é, em geral, o que penso, porém é indubitável que eu sou, ou existo, eu que penso e duvido. Porém a consciência de si da filosofia
moderna não deixa de ser, ela mesma, unicamente um ser pensado, mediatizado pela abstração, logo duvidoso. Tão só é indubi-
tável e imediatamente certo o objeto (Object) dos sentidos da intuição e do sentimento.

17
A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

38

Unicamente é verdade e divino o que não tem necessidade de prova, o que é imediatamente certo por si, que fala por si e
convence imediatamente, ou que arranca imediatamente a afirmação de sua existência, o que é claro como o dia. Agora bem, tão
somente o sensível é claro como o dia. Tão somente ali onde o sensível começa, terminam todas as dúvidas e todas as disputas.
O segredo do saber imediato é a qualidade sensível.
Tudo é mediatizado, diz a filosofia de Hegel. Porém uma coisa não é verdade mais que quando cessa de ser um mediatizado
para vir um imediato. As épocas históricas não nascem senão quando aquilo que antes era tão só coisa pensada e mediatizada se
torna objeto de uma certeza imediata e sensível: quando o que antes era tão só pensamento vira verdade. Fazer da mediação uma
necessidade divina e um caráter essencial da verdade é escolástica. Sua necessidade não senão uma necessidade condicionada;
não é necessária senão quando trata com uma falsa pressuposição subjacente; quando uma verdade, uma teoria entram em
contradição com outra teoria que passa todavia por verdadeira, e que ainda é respeitada. A verdade que se mediatiza é a verdade
todavia manchada de seu contrário. Se começa pelo contrário; porém logo se o suprime. Mas se há que suprimi-la e nega-la, por
que começar por ela, em lugar de começar imediatamente por sua negação? Um exemplo: Deus enquanto Deus é um ser abstrato;
se particulariza, se determina, se realiza no mundo e no homem; é assim como é concreto, é assim somente, como a essência
abstrata se vê negada. Porém, então, por que não começar em seguida pelo concreto? Por que, o que deve sua certeza e sua
garantia a si mesmo não seria superior ao que deve sua certeza à nulidade de seu contrário? Quem pode, pois, metamorfosear a
mediação em necessidade, em lei da verdade? Tão só no que se acha ainda preso no elemento que há de negar, quem continua
combatendo e lutando contra ele mesmo e não se acha ainda em perfeita concordância consigo mesmo: em uma palavra, só
aquele em quem uma verdade, em vez de ser gênio, quer dizer, assunto do homem íntegro, ainda não é mais que talento, assunto
de uma faculdade particular por muito eminente que seja. O gênio é o saber imediato e sensível. O gênio possui na carne e no
sangue o que o talento não possui mais que na cabeça; dito de outro modo, o que fica como objeto (Object) do pensamento para
o talento, é para o gênio um objeto (Object) dos sentidos.

39

A antiga filosofia absoluta relegou os sentidos ao domínio do fenômeno, da finitude, e, contudo, o que contradiz esta tese feita
do absoluto, do divino, o objeto da arte. Agora bem, o objeto da arte (imediatamente na literatura, imediatamente nas artes
plásticas) é objeto da vista, do ouvido e do tato. Porém, então, não é unicamente o finito, o fenômeno, os que são objeto dos
sentidos, senão também a essência verdadeira e divina: os sentidos são, pois, o órgão do absoluto. Se se entende e se expressa
corretamente a proposição: a arte “representa a verdade sob forma sensível”, quer dizer: a arte representa a verdade do sensível.

40

Sucede com a religião como na arte. A intuição sensível, e não a representação, é a essência da religião cristã: a forma e o
órgão do ser supremo, do ser divino. Mas ter a intuição sensível como órgão do ser divino e verdadeiro, é expressar e reconhecer
que o ser divino é um ser sensível, e que o ser sensível é o ser divino, posto que se trata igualmente do objeto (Objet) como do
sujeito.
s ”E o verbo se fez carne, habitou entre nós, e temos visto sua majestade”. Somente a posteridade considera o objeto da
religião cristã como um objeto (Object) da representação e da imaginação; porém se restaura a intuição original. É no céu onde
Cristo e Deus são objeto (Object) da intuição imediata e sensível; no céu, Cristo perde sua qualidade de objeto da representação
e do pensamento, e, em conseqüência, sua qualidade de ser espiritual, para vir o que é para nós aqui embaixo: um ser sensível,
palpável e visível. Esta intuição, que é tanto o fim como o começo, constitui, pois, a essência do cristianismo. Pelo que, como a
conseqüência da abstração e do sensível que é seu princípio, reduzia a qualidade sensível a uma simples determinação formal. A
filosofia especulativa concebeu a arte e a religião não à verdadeira luz, a luz da realidade, mas ao claro-escuro da reflexão: a arte
é Deus na determinação formal da intuição sensível; a religião é Deus na determinação formal da representação. Sem embargo,
o que a reflexão toma como simples forma é o que, na verdade, é precisamente o ser. Quando se adora à Deus no fogo de onde
aparece, na verdade é o fogo que se adora como Deus. O Deus que reside no fogo não é outra coisa que a essência do fogo que
chama a atenção do homem. E do mesmo modo, o que a arte representa na forma de sensível, não é outra coisa que a essência
própria da sensibilidade inseparável desta forma.

41

Os sentidos não têm unicamente por objetos coisas exteriores. O homem não é dado a si mesmo somente pelos sentidos: é
objeto para ele mesmo em qualidade de objeto dos sentidos (Sinnessobject). A identidade do sujeito e do objeto (Object), que não
é somente pensamento abstrato na consciência de si, não transforma-se em realidade sem a intenção sensível que o homem tem
do homem.
Por contato sentimos não somente a existência de pedras e madeiras, carne e ossos, mas também sentimentos, quando
apertamos as mãos ou os lábios de um ser sensível; os ouvidos não fazem perceber somente o barulho das águas, mas também
a voz plena da alma, do amor e da sabedoria; não vemos unicamente superfícies refletidas e fantasmas, miramos igualmente na
profundidade da observação do homem. Não é unicamente o exterior que o objeto dos sentidos, mas também o interior, não
somente a carne, mas também do espírito, não somente a coisa, mas também o sujeito.Pelo qual tudo é perceptível aos sentidos,
se não imediatamente, pelo menos mediatamente, se não aos sentidos vulgares e toscos, pelo menos aos sentidos educados, se
não aos olhos dos anatomistas ou de um químico, pelo menos aos olhos do filósofo. Com direito, o empirismo extrai dos
sentidos a origem das nossas idéias, ouvida tão só que o mais importante, e o mais essência objetos dos sentidos humanos, é o
homem mesmo, ouvido somente o que é na observação que o homem penetra no homem que ascende a luz da consciência e da
inteligência. Desta forma tem razão ao buscar a origem das idéias no homem; mas não tem quando quer deduzi-las do homem
separado, uma forma de homem por si, da alma, em uma palavra, quando quer deduzi-las de um sujeito privado de seus próprios
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A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

sentidos. Unicamente da comunicação do homem com o homem nascem as idéias. não é somente como se chega aos conceitos
e a razão em geral. Se necessitam para engendrar os homens, o homem espiritual e físico; a comunidade do homem com o
homem é o princípio, e o primeiro, da verdade e da universalidade. Incluso a certeza das coisas exteriores passa para mim a
existência de outro homem exterior a mim. Duvido que somente vejo você, é certo unicamente que o outro também vê.

42

As diferenças entre a essência é a aparência, é o princípio e a conseqüência, a substância e o acidente, o necessário e o


contingente, o, especulativo e o empírico não constituem de nenhuma maneira das esferas dos mundos: um mundo supersensí-
vel ao que permaneceria a essência, e o mundo sensível ao que permaneceria a aparência; estas diferenças dependem do mesmo
domínio do sensível.
Um exemplo tirado das ciências naturais. No sistema botânico de Linneo, as primeiras classes estão definidas pelo número
dos estames. Mas já na décima primeira classe, na que se encontram doze a vinte estames, e todavia mais na classe de vinte
elementos masculinos múltiplos, a determinação numérica não julga nenhum papel; já não se conta. Teremos aqui, dentro de um
só e único domínio, a diferença entre uma multiplicidade indeterminada, entre uma multiplicidade necessária e uma multiplicidade
irracional. Não necessitamos, pois, sobrepassar a ordem do sensível para chegar ao limite do puro empírico; compreendido no
sentido da filosofia absoluta; bastas como não separar o entendimento dos sentidos para encontrar no sensível o supra-sensível;
aliás, o espírito e a razão.

43

O sentido não é o imediato da filosofia especulativa, aliás, o elemento profano, ao alcance das mãos, desprovido do pensa-
mento, e compreendendo-se por si mesmo. A intuição imediata e sensível é, pelo contrário, posterior à representação e à
imaginação. A própria intuição da representação e da imaginação. A filosofia e a ciência em geral têm como tarefa, pois, não
afastar-se das coisas sensíveis e reais, senão ir para elas, não o transformar os objetos em pensamentos e em representações,
mas o fazer visível, aliás objetivo, o que o olho ordinário é incapaz de ver.
Os homens começam por ver as coisas tão só tais como se lhes parecem e não como elas são; por ver nas coisas, não elas
mesmas, mas tão só a idéia que elas se fazem, por projetar nelas sua própria essência, sem distinguir o objeto de sua represen-
tação. A representação é mais próxima que a intuição do homem sem cultura, do homem subjetivo; posto que a intuição o
arrancasse de si mesmo, quando a representação o deixa em si mesmo. Entretanto, acontece com o pensamento o mesmo que
com a representação. Os homens se consagram melhores e por muito mais tempo às coisas celestes e divinas que as coisas
terrestres e humanas; aliás, se dedicam muito mais à tradução das coisas em pensamentos que às coisas originais, que a língua
original. Tão só recentemente, nos tempos modernos, a humanidade, como antigamente na Grécia depois do prelúdio do mundo
onírico dos orientais, tem retornado à intuição sensível, a intuição não falsificada e objetiva (objectiven) do sensível; aliás, do
real, e que ao mesmo tempo, enfim, tem chegado a si mesma; posto que o homem que tão só se ocupa da essência da imaginação
ou do pensamento abstrato, longe de ser um ser real e verdadeiramente humano, não é mais que um ser abstrato ou fantástico.
A realidade de seu objeto. Não ter nada é não ser nada.

44

O espaço e o tempo não são tão somente simples formas fenomênicas: são condições do ser, formas da razão, leis tanto do
ser como do pensamento. O ser aquele é o primeiro ser, a primeira determinação. Estou aqui: tal é o primeiro signo de um ser real
e vivo. O índice é o guia que conduz do nada ao ser. O aqui é o primeiro limite, a primeira separação. Eu estou aqui, tu estás lá;
somos exteriores o um do outro; pelo que podemos ser sem prejudicar-nos; tem espaço suficiente. O sol não está onde está
Mercúrio, nem Mercúrio onde está Vênus, nem o olho onde se encontra a orelha, etc. Sem espaço, tampouco tem lugar no
sistema. A determinação local é a primeira determinação da razão, sobre a qual repousa toda outra determinação. A natureza
organizada começa pela distinção dos lugares (e o espaço implica imediatamente a distinção dos lugares). Unicamente no espaço
se orienta a razão. Onde estou? Tal é a pergunta da consciência que se desperta, a primeira pergunta da sabedoria profana. A
limitação no espaço e no tempo é a primeira virtude, a diferença de lugar é a primeira diferença do conveniente e do inconveniente
que ensinamos ao menino e ao homem inculto. O homem inculto não se preocupa do lugar; isso não importa, não importa onde,
sem distinção, os loucos, igualmente. Pelos loucos não voltando à razão senão voltando a ligar-se ao espaço e ao tempo. Dispor
de elementos distintos em lugares distintos, separar especialmente o que se tem separado qualitativamente, e aqui a condição de
toda a economia, inclusive o que se deve encontrar numa nota, não poder ao começo o que concerne ao final, numa palavra, a
distinção e a limitação especiais também fazem parte da sabedoria de um escritor.
E se trata sempre, em efeito, de um lugar determinado, mas não se considera aqui mais que a determinação local. Se quero
conseguir o espaço na sua realidade, não posso isolar o lugar do espaço. Unicamente a pergunta “onde?” faz surgir em mim o
conceito de espaço. “Onde?” é uma pergunta universal, vale para todo lugar sem distinção, mas este “onde?”, está, entretanto,
determinado. Todo “onde?” possível está ao mesmo tempo implicado neste “onde?” concreto, a universalidade do espaço se
encontra, pois, implicada na determinação do lugar; mas, precisamente por isto, o conceito universal de espaço não é um
conceito real e concreto mais que a condição de ter-se vinculado à determinação do lugar. Hegel não fixa ao espaço, nem
tampouco à natureza em geral, mais que uma determinação negativa. Mas só “estar-aqui” é positivo. Eu não estou ali porque
estou aqui. este “não estar ali” não é, pois, mais que uma conseqüência de “estar aqui” positivo, rico de sentidos. Que “aqui” não
seja “ali”, que uma coisa se encontre no exterior de outra, é um limite em si. É uma exterioridade que deve existir, e que, longe
de contradizer a razão, é conforme a ela. Entretanto, em Hegel esta exterioridade é uma determinação negativa, já que é a
exterioridade do que não deve ser exterior (posto que se tem o conceito lógico, como identidade absoluta consigo mesmo, pela
verdade) e o espaço é precisamente a negação da idéia, da razão, negação na qual não se pode reintroduzir a razão senão a
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A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

condição de negá-la. Mas longe de ser a negação da razão, é no espaço onde há que caber a idéia e a razão; o espaço é a primeira
esfera da razão. Sem exterioridade espacial, não há tampouco exterioridade lógica. Ou inversamente, se quisermos passar como
Hegel da lógica ao espaço: sem a distinção, não há tampouco espaço. é imperativo realizar sob a forma de seres distintos as
distinções existentes no pensamento; entretanto, somente no espaço os seres distintos se separam de um do outro. Só a exteri-
oridade da existência espacial representa a verdade das distinções lógicas. Mas não se pode pensar a exterioridade mais que a
sucessão. O pensamento real é pensamento no tempo e no espaço. A negação do espaço e do tempo (a duração) também pertence
ao domínio do espaço e do tempo. Quando queremos economizar espaço e tempo, é sempre para ganhar espaço e tempo.

45

Não temos o direito de pensar as coisas de diferente forma para como são na realidade. Não se pode identificar no pensamen-
to o que está separado da realidade. Exceto o pensamento, a idéia (o mundo inteligível dos neoplatônicos) das leis da realidade é
privilégio do arbítrio teológico. As leis da realidade são também leis do pensamento.

46

A unidade imediata das determinações contrárias não são possíveis e válidas senão na abstração. Na realidade, os contrários
estão sempre unidos por um único termo médio. Este termo médio é o objeto, sujeito dos contrários.
Nada é, pois, tão fácil como mostrar a unidade de predicados; basta abstraí-lo do objeto, aliás, do seu sujeito. Como o objeto
desaparece a fronteira que separa os contrários; perdem então todo o fundamento e toda consistência, e coincidem, pois,
imediatamente. Se, por exemplo, considero o ser só como ser, se faço abstração de toda determinação existente, naturalmente
tenho então: o ser=a nada. Unicamente a determinação constitui a distinção, a fronteira entre o ser e o nada. Se ouvido o que é,
que é que todavia pode representar este simples “é”? Mas o que vale para esta contradição e sua identidade, vale também para a
identidade de todos os outros contrários na filosofia especulativa.

47

O único termo capaz de unir, conforme a realidade, determinações opostas ou contraditórias em um só e único ser, é o tempo.
Pelo menos este é o caso no ser vivente. Unicamente assim pode produzir-se, no homem, por exemplo, esta contradição que
faz de mim um ser ocupado plenamente e dominado as vezes pela determinação (tal sentimento ou tal intenção), e as vezes por
tal outra exatamente oposta. Tão só quando uma representação ou uma intenção expulsa a outra, quando não se consegue chegar
a uma decisão estável, quando a alma se encontra na em contínua alteração de estados opostos, só então se faz submetida ao
suplício infernal da contradição. Se puder unir em mim ao mesmo tempo as determinações opostas, se neutralizam e se desapa-
receriam, como os contrários de um processo químico, que presente ao mesmo tempo perde sua diferença não sendo de um
produto neutro. Entretanto, querer e ser, apaixonadamente, neste instante o que, no instante seguinte, recusar-se com a mesma
energia, passar da posição a negação e vice e versa, ver-se afetado pelos contrários, em tal forma que um exclui ao outro, e cada
um deles em sua determinação plena e seu rigor, é precisamente o que constitui a dor da contradição.

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Não se pode figurar o real no pensamento senão em números fracionados, e não em números inteiros. Esta diferença é uma
diferença normal: se apóia na natureza do pensamento, cuja universalidade constitui a essência, a diferença da realidade, cuja
essência é a individualidade. Entretanto, não se pode impedir que esta diferença provoque uma contradição formal entre o
pensamento e o real mais que o pensamento, no lugar de progredir a linha reta, identificando-se ao mesmo, se deixa interromper
pela instituição sensível. Tão só o pensamento que se determina e se retifica mediante a intuição sensível e pensamento real e
objetivo (objectives), pensamento da verdade objetiva (objectiver).
O que tem que saber acima de tudo, é que o pensamento isolado, cortado da sensibilidade, não chega a superar a identidade
formal, a identidade do pensamento com si mesmo, posto que se bem se determina o pensamento ou o conceito como a unidade
de determinações opostas, estas determinações, apesar de tudo, não são elas mesmas senão abstrações, determinações do
pensamento consigo mesmo, dobrar a identidade da que se tem partido como verdade absoluta. O outro, o que a idéia enfrenta
com ela mesma, não é por ela quem o enfrenta, realidade distinta dela, não se tem em todo caso libertado da idéia, mais que pro-
forma, formalmente, como prova de sua condescendência; posto que este outro da idéia é uma nova edição da idéia, como a
exceção de que todavia não está formado como idéia, todavia não está situado nem realizado como idéia. Desta forma, o simples
pensamento por si não chega por sí só a constituir nenhum elemento distinto ou oposto de caráter positivo, e pelo mesmo não
possui outro critério da verdade que não-contradição respeito da idéia e do pensamento, logo é um critério puramente formal e
subjetivo, que não decide se a verdade pensada é também uma verdade real. O único critério que pode decidir sobre ele é a
intuição. Sempre se deve escutar ao adversário. Entretanto, a intuição sensível é precisamente a parte adversa do pensamento. A
intuição toma as coisas em um sentido amplo; o pensamento, no sentido mais estreito, a intuição deixa as coisas em sua liberdade
ilimitada, o pensamento das leis, mas estas são com freqüência despóticas, a intuição ilumina o espírito, mas não determina nem
decide nada; o pensamento determina, mas limita também a pequeno o espírito, o pensamento por si carece de vida; a regra é
assunto do pensamento, a exceção à regra é assunto da intuição. Desta forma, assim, como unicamente a intuição determinada
pelo pensamento é a verdadeira intuição, a inversa, unicamente o pensamente ampliado e aberto pela intuição, é o verdadeiro
pensamento, o pensamento conforme a essência da realidade. O pensamento idêntico a si e interrompido, em contradição com
a realidade do mundo, faz dar voltas ao mundo em redor dele, embora o pensamento interrompido pela observação da não-
uniformidade do movimento, isto é, pela anomalia da intuição, conforme a verdade, transforma este círculo numa elipse. O
círculo é o símbolo e o brasão da filosofia especulativa, do pensamento que não se apóia mais que em si mesmo: a filosofia de
Hegel também é, como se sabe, um círculo de círculos, se bem a propósito dos planetas, e restrita a ele tão só pelo empírico,

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A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

explica a órbita circular como “a trajetória de um movimento uniforme”; a elipse, pelo contrário, é o símbolo e o brasão da
filosofia sensível, do pensamento que se apóia na intuição.

49

As determinações proporcionadas por um conhecimento real não são nunca mais que aquelas que determinam o objeto pelo
objeto mesmo (por suas determinações próprias, individuais); não são, pois, universais como ocorre com as determinações
lógico-metafísicas, que ao se extender indistintamente a todos os objetos não determinam nenhum objeto.
Pelo que Hegel teve perfeita razão ao fazer passar as determinações lógico-metafísicas do estado de determinações de objetos
ao estado de determinações autônomas, de auto-determinações do conceito; do estado de predicados, que teriam na antiga
metafísica, ao estado de sujeitos, e ao dar, por este meio, a metafísica ou lógica, a significação do saber divino que se basta a si
mesmo. Mas é uma contradição transformar, apesar de tudo, nas ciências concretas, como a antiga metafísica, estes fantasmas
lógico-metafísicos em determinações das coisas reais, o que naturalmente não é possível senão a condição, o bem de vincular
sempre determinações concretas, extraídas do objeto mesmo, logo justas, às determinações lógico-metafísicas, ou bem reduzir
o objeto a determinações totalmente abstratas, com as que resultam absolutamente impossível reconhece-lo.

50

Unicamente um ser real e total pode ter por objeto o real em sua realidade e em sua totalidade, que constitui o objeto da nova
filosofia. Pela nova filosofia toma como principio de conhecimento e por sujeito, não é consciente, nem é espírito absoluto, aliás,
abstrato, nem em uma palavra, somente a razão por si, senão o ser real e total do homem. Unicamente o homem é a realidade e
o sujeito da razão. É o homem quem pensa, e não é consciência, ou a razão. A nova filosofia toma, pois, apoio não na divindade
ou a verdade somente a razão por si, senão a divindade ou a verdade do homem total. Dito de outra forma: toma apoio, é verdade,
sobre a razão, mas sobre a razão que tem ao ser humano por essência; toma, pois, apoio não sobre a razão impregnada de sangue
do homem. Desta forma, embora a antiga filosofia dissesse: unicamente o racional é o verídico e o real, a nova filosofia diz pelo
contrário: unicamente o humano é o verídico e o real: posto que o humano seja o racional; o homem é a norma da razão.

51

A unidade do pensamento e do ser não tem sentido e veracidade mais que se se concebe ao homem como o princípio e o
sujeito desta unidade. Tão somente um ser real conhece coisas reais; é a única condição de ser não sujeito por si mesmo, senão
predicado de um ser real, cujo pensamento tampouco está separado do ser. Então, a unidade do pensamento e do ser não é esta
unidade formal a que o ser se adiciona com uma precisão ao pensamento nele por si; não depende mais que do objeto, do
conteúdo do pensamento.
De tudo isto resulta o imperativo categórico seguinte. Para filosofar, não separe o filósofo do homem; se tão só um homem
que pensa; não pensa em tanto que pensador, aliás, não sendo de uma faculdade arrancada à totalidade do ser humano real, e
isolada para si; pensa em tanto que ser vivente e real, exposto ao olhar vivificante e refrescante do oceano do mundo; pensa
dentro da existência, pensa dentro do mundo como membro do mundo, e não no vazio e a abstração, como um Deus indiferente,
exilado do mundo; pensa assim e pode estar seguro de que teus pensamentos sejam unidades de ser e pensamento. Como, se é
a atividade de um ser real, poderia o pensamento deixar de compreender as coisas e os seres reais? Tão só quando se separa o
pensamento do homem, e se situa em si mesmo, surgem essas perguntas envolvidas, estéreis e, deste ponto de vista, insolúveis:
como o pensamento consente ao ser e ao objeto (object)? Posto que, enquanto se tem situado em si, enquanto se encontra no
exterior do homem, o pensamento se tem privado de toda ligação e de toda relação com o mundo. Não pode elevar-te até o objeto
(object) senão a condição de rebaixar-te até fazer de ti o objeto (object) de um terceiro. Não pode pensar mais que porque teus
próprios pensamentos podem ser pensados, e estes não são verdadeiros mais que se podem sobressair a prova da objetividade
(objectivität), mais que se em teu exterior um alheio, que os tem como objeto (object), os reconhece também. Não vês se, no
entanto, que é a sua vez visível, não sentes através do contato se no entanto que é a sua vez tangível.
O mundo não está totalmente aberto mais que para uma cabeça aberta, e unicamente os sentidos são as aberturas da cabeça.
Entretanto, o pensamento isolado em si mesmo, encerrado em si mesmo, o pensamento sem os sentidos, sem o homem, o
pensamento exterior ao homem, e este sujeito (object) de um terceiro e que, por esta mesma razão, não encontra nunca, apesar
de seus esforços, o meio de concordar ao objeto (object) e ao ser; é tão incapaz dele como uma cabeça separada de seu tronco
é incapaz de encontrar o meio de apreender um objeto, posto que careça dos meios: os órgãos da apreensão.

52

A nova filosofia é a conversão completa, absoluta, não contraditória, da teologia em antropologia; conversão não somente,
como ocorria na antiga filosofia, na razão, mas também no coração, em uma palavra, no ser total e real do homem. Sob este
aspecto, não é senão o resultado necessário da antiga filosofia (posto que desde o momento em que dá resultado no entendimen-
to, todo problema termina necessariamente resolvendo-se também na vida, no coração e no sangue do homem), mas ao mesmo
tempo é, e isoladamente ela, sua verdade, mas como verdade nova e autônoma; posto que unicamente é verdade, a verdade faz
carne e sangue. Forçosamente a antiga filosofia caia de novo na teologia: o que se suprime somente no entendimento, somente
no conceito, possui ainda um contrario no coração; a nova filosofia, pelo contrario não pode cair nesta falta: o que morreu duas
vezes, no corpo e alma, não pode retornar nem como fantasma.

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A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

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Não é em absoluto somente o pensamento o que diferencia o homem do animal. È seu ser total. Sem duvida, o ser que não
é homem; mas não porque o pensamento seja a causa do ser humano, senão pela inicia razão de que é uma consciência e uma
propriedade necessária do ser humano.
Dessa forma não é necessário sair do campo do sensível para conhecer no homem um ser superior aos animais. O homem
não é um ser particular com os animais senão um ser universal, pelo que não é um ser limitado e cativo, senão um ser não
limitado e livre; já que não se pode dissociar a universalidade, a não-limitação e a liberdade. E essa liberdade não reside, digamos,
em faculdade de pensar, na razão; esta liberdade e esta universalidade se extende a seu ser total. È evidente que os sentidos
animais são mais penetrantes que os sentidos humanos, mas tão somente respeito das coisas determinadas, necessariamente
ligadas as necessidades dos animais, e é justamente essa determinação, essa limitação exclusiva a objetos precisos, os que lhes
fazem mais penetrantes. O homem não tem o olfato de um cão de caça, nem de um corvo; unicamente porque seu olfato pode
abarcar todas as diferentes espécies de odores, o que o faz livre e indiferente respeito a certos poderes particulares. Agora bem,
o sentido que se leva por cima das barreiras das particularidades e de sua submissão das necessidades, se eleva a uma significa-
ção e a uma dignidade autônomas, teóricas: um sentido universal é entendimento, uma sensibilidade universal é espiritualidade.
Inclusive os sentimentos mais inferiores, o olfato e o gosto podem alcançar no homem a dignidade atos espirituais e científicos.
O odor e o gosto das coisas são objetos das ciências naturais. Igualmente o estômago do homem, tão menosprezado, não é um
ser animal, senão um ser humano, porque é universal, e não se limita a alimentos de espécies determinadas. Precisamente por
eles o homem não cai na raiva glutona que faz o animal lançar-se sobre sua preza. Conserva ao homem sua cabeça, mas põe - lhe
um estômago de lobo ou de cavalo; deixará sem duvida de ser um homem. Um estômago limitado se entende tão somente com
uma sensibilidade limitada; dito de outra forma, animal. Pelo que se quer ter relações morais e racionais, o homem deve tratar a
seu estomago não como um ser bestial, senão como um ser humano. Deter a humanidade ao grosso do estômago da classe dos
animais, é autorizar o homem a comer como um animal.

54

A nova filosofia faz do homem, junto a natureza (como base do homem), o objeto único, universal e supremo da filosofia, e,
em conseqüência, da antropologia, junto a fisiologia, a ciência universal.

55

A arte, a religião, a filosofia ou a ciência não são senão os fenômenos das revelações do ser humano verdadeiro. Apenas o
homem, homem honesto e verdadeiro, quem possui os sentidos estético ou artístico, religioso ou moral, e filosófico ou cientí-
fico: apenas e absolutamente ser homem quem não exclui de si nada essencialmente humano. Homo sum, humani nihil a me
alienum puto: esta frase, tomada no significado mais universal e mais alta, é o lema da nova filosofia.

56

A filosofia da identidade absoluta tem transformado completamente o ponto de vista da verdade. O ponto de vista natural do
homem, o ponto de vista da diferença entre mim e você, entre sujeito e objeto (Object), é o ponto de vista verdadeiro e absoluto
e, por conseqüência, também o ponto de vista da filosofia.

57

A unidade conforme a verdade, da cabeça e do coração, longe de reduzir-se a extinção ou a asfixia de suas diferenças,
consiste, pelo contrário, no direito de que o objeto essencial do coração é também o objeto essencial da cabeça; consiste
unicamente na identidade do objeto. A nova filosofia, fazendo do objeto essencial e supremo do coração: o homem, igualmente o
objeto último e supremo do entendimento, funda uma unidade racional da cabeça e do coração, do pensamento e da vida.

58

A verdade não existe no pensamento, no saber em si mesmo. A verdade não é outra coisa que a totalidade da vida e da essência
humana.

59
O homem por si não possui em si a essência do homem nem em qualidade de ser moral, nem em qualidade de ser pensante.
A essência do homem não está contida senão na comunidade, na unidade do homem com o homem, unidade que não descansa,
mas que sobre a realidade da distinção de mim e de você.

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A solidão é finitude e limitação, a comunidade liberta e sobrevivência. O homem por si é homem (no sentido usual). O homem
com homem, a unidade de mim e você, é Deus.

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A filosofia do porvir Ludwig Feuerbach

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O filósofo absoluto dizia, ou pelo menos pensava em si, tanto que pensava naturalmente, e não tanto como homem: a verdade
sou eu, a maneira do Estado sou eu o monarca absoluto, sou eu o Deus absoluto. O filósofo humano diz, pelo contrário: tanto no
pensamento quanto filósofo, eu sou um homem unido aos demais homens.

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A verdadeira dialética não é um monólogo interior do pensador solitário, é diálogo entre o sujeito e você.

63

A trindade era mistério supremo, o coração da filosofia e da religião absolutas. Agora seu segredo é, como havia se mostrado
histórica e filosoficamente em La Essencia del Cristianismo, o segredo da vida comum e social. O segredo da sua necessidade
consiste nesta verdade: que ninguém é (seja o homem ou Deus, o espírito ou o sujeito) por si só um ser verdadeiro, perfeito e
absoluto, e que unicamente a ligação, a unidade de seres da mesma essência, constitui a verdade e a perfeição. O princípio
supremo e último da filosofia é a unidade do homem com o homem. Todas as relações fundamentais (os princípios das diferentes
ciências) não são mais que espécies e modos diferentes desta unidade.

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A antiga filosofia dispõe de uma dupla verdade: a verdade para si mesma, que não se preocupa com o homem (a filosofia) e
a verdade para o homem (a religião). A nova filosofia, pelo contrário é filosofia do homem, e também filosofia essencialmente
para o homem: sem prejudicar a dignidade e a independência da teoria, e incluso a mais intima conformidade com ela, essenci-
almente uma tendência prática, e prática no sentido mais elevado; ocupa o lugar da religião; ela possui a essência da religião, na
verdade é ela mesma a religião.

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As tentativas de reforma têm lugar agora na filosofia se distingue mais ou menos da antiga filosofia tão somente segundo a
espécie, mas não segundo o gênero. Para que exista uma filosofia verdadeiramente nova, ou seja, independente, e que responda
as necessidades da humanidade e do futuro, é absolutamente indispensável que se distinga da velha filosofia segundo a essência.

Notas
1 Feuerbach adverte que nesta obra não se concede importância as diferenças existentes entre materialistas

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