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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES
FILOSOFIA – BACHARELADO
TÓPICOS DE FILOSOFIA IV

DARA RAIANY REIS DE MACEDO

A GUERRA JUSTA EM FRANCISCO DE VITORIA

FORTALEZA – CEARÁ
2023
Conceitos Básicos de Religião na Introdução de “A Essência do Cristianismo” de
Ludwig Feuerbach

A religião é de característica humana, se baseia na diferença essencial entre o


homem e os outros animais, Feuerbach explica isto pela diferença, onde o humano
possui, diferente do animal, uma consciência no sentido rigoroso: quando um ser tem
por objeto o seu próprio gênero e a sua quididade (essência). Só desta forma se pode
ter por objeto outras coisas ou seres de acordo com a natureza essencial de cada.
Consciência1 no sentido rigoroso ou próprio e consciência infinita são conceitos
inseparáveis para Feuerbach, uma consciência limitada como a de um animal não
consegue ter consciência para além de suas limitações, a consciência abordada pelo
filósofo é essencialmente de natureza universal, infinita. Esta consciência do infinito
seria a consciência da finitude da consciência. Ou ainda, nas palavras do mesmo: “na
consciência do infinito é a infinitude da sua própria essência um objeto para o
consciente”.
Sendo assim a essência do humano, da qual ele é consciente e que realiza o
seu genero, a propria humanidade, possuem em Feuerbach a semelhança com a
trindade Divina cristã, que no humano seriam a razão, a vontade e o coração. A
constituição do humano nada é sem esses objetos. Objetos estes com o qual o sujeito
se relaciona essencial e necessariamente, pois nada mais são que a sua essência
propria, elementos que ele nem possui nem produz, poderes determinantes, descritos
como divinos, para além da sua resistência.
Toma o homem consciência de si mesmo através do objeto; a consciência do
objeto é a consciência que o homem tem de si mesmo. Pelo objeto se conhece o
humano nele a essência está na aparência, pois, o objeto é a sua essência revelada,
segundo Feurbach ‘‘o seu Eu verdadeiro, objetivo’’. Isto vale, portanto, para os objetos
espirituais e sensoriais mencionados:

‘‘Também a lua, o sol e as estrelas gritam para o homem o gnôthi sautón, o conheça-te a
ti mesmo. Pelo fato dele os ver e os ver da forma que ele os vê, tudo isso já é um
testemunho da sua própria essência. (...) O ser absoluto, o Deus do homem é a sua
própria essencia. O poder do objeto sobre ele é, portanto, o poder da sua própria
essência.’’ (FEUERBACH, 2013, p. 45)

Independente do objeto que se fale, ele refletirá a essência do que somos,


confirmamos nossa realidade nos objetos dos quais tomamos consciência. Consciência
essa que é “ser-objeto-de-si-mesmo”, ou seja, o ser que é consciente de si mesmo.
Segundo Feuerbach a essência do ser humano, é a natureza do genero que é a
essência absoluta do indivíduo.

1
Diferente da língua latina onde conscientia latina provém de scire, saber. A lingua alemã deriva do verbo
wissen, wusste, gewusst à palavra Bewusstein, consciência, possuindo assim um sentido mais
abrangente.
‘‘(...) a natureza do gênero que é a essência absoluta do indivíduo. Todo ser se basta a si
mesmo. Nenhum ser pode se negar, i.e., negar a sua essência, nenhum ser é limitado
para si mesmo. Todo ser é o contrário em si e por si mesmo, tem o seu Deus a sua mais
elevada essência em si mesmo.”

Tudo aquilo que se fala dos objetos sensoriais também se trata dos objetos
religiosos para Feuerbach. O objeto sensorial estaria fora do homem, o objeto religioso,
estaria mais próximo do íntimo. Este objeto da religião é um ser elevado o mais
excelente, o primeiro, pressupondo a divisão do divino e do não divino. Como o homem
pensar, como forem suas intenções, assim é o Deus do seu íntimo: “A consciência de
Deus é a consciência que o homem tem de si mesmo, o conhecimento de Deus é o
conhecimento que o homem tem de si mesmo” (FEUERBACH, 2013, p. 53)
A intimidade do humano é revelado em Deus, o Eu do homem pronunciado,
sendo assim, a religião uma revelação das preciosidades do humano ocultas para ele
mesmo. Não que o homem religioso tenha consciência da sua própria essencia, pois a
ignorancia sobre isso é o que fundamenta a essência da religião. A sua própria
essencia é vista como sendo outra, assim como nas historias da humanidade, a religião
antecede filosofia, primeiro o humano procura a sua essência fora de si para então
encontrá-la dentro. Seria, segundo Feuerbach, uma essência infantil da humanidade, o
que antes era tido como algo objetivo, é agora subjetivo,
A intenção de Feuerbach é provar que a essencia divina e humana são a
mesmas, a oposição ´é apenas ilusória, pois nada mais é que a oposição da essencia
humana e do individuo humano, usando como base a religião cristã que tem em seu
conteúdo justamente o humano. É a relação do ser humano consigo mesmo, porém
com sua essência como sendo outra.
As qualidades, os predicados de Deus são os mesmos do ser humano. Para o
homem religioso Deus é um ser cheio de adjetivos, atributos, não só isso, mas também
um objeto. Portanto a negação de Deus como predicado, levando-o enquanto apenas
como objeto, é o mesmo que negar a importância da sua discussão. Esta negação de
Deus em seus predicados, fruto da modernidade, afirmando apenas sua
icognoscibilidade, é de um “ateísmo sutil”, segundo Feuerbach, deixando esta idéia
apenas subsistir teoricamente, mas nunca chegando a conseguir negar em sua
totalidade, pois este, ainda é assunto para a discussão material, por isso a negação
total de Deus, é de certa forma uma dogmatização da negação. Conservando uma
aparência de religião.
Esse temor religioso de determinar Deus por predicados, nada mais é que o
desejo de negar à Deus. Pois quem teme ser finito, teme a existência, todo ser é um ser
determinado qualitativamente, Por isso quem acredita em Deus, não deveria se
escandalizar com seus predicados essencialmente sensoriais:

Quem não quer ofender com sua existencia, quem não quer ser rude, este que renuncie
à existencia. Um Deus que se sinta ofendido com sua determinação não possui o animo
e a força para existir. A qualidade é o fogo, o oxigenio, o sal da existencia. Uma
existencia em geral uma existência sem qualidade é uma existencia insipída, uma
existencia sem gosto (FEURBACH, 2013, pg. 56)

Uma outra forma de negação de Deus, ainda mais sutil, é aquela que aceita os
predicados divinos são finitos, essencialmente humanos, porém condenando sua
condenação, transformando Deus naquilo que realmente o constitui um espelho dos
atributos humanos, porém esta distinção do Deus em si e do Deus para mim quebra
com o que faz da religião ela mesma. Pois a religião faz questão que todos os atributos
divinos sejam atributos humanos, só se satisfaz com o Deus da totalidade, “ela quer
Deus mesmo, o Deus em pessoa” (FEUERBACH, 2013, p.58), pois o ser humano nada
consegue ver nos objetos aquilo que ele mesmo o é.
O sujeito, a consciência humana, necessita de predicados, sendo assim a
negação dos predicados a negação dos sujeitos. Se para esta consciência humana
tudo que é verdadeiro é real, Deus seria a mais elevada verdade que espelha a
essência do humano. A religião é tão diversa quão for a essência que caracteriza a
humanidade, seja ela cristã ou pagã. Essa identidade do sujeito e do predicado aparece
com clareza no desenvolver da religião que tem identificação e semelhança com a
cultura. Se o humano é mero predicado natural assim também é o seu Deus um Deus
natural, pois no exemplo dos deuses gregos e nórdicos, os mais nobres e majestosos
atributos da cultura eram atribuído aos deuses, a qualidade da divindade não é o que
se louva nos templos religiosos mas a divindade da qualidade, pelo mero fato desta
qualidade ser atribuída a Deus, ela é essencialmente divina, pois o conceito de Deus
está implícito a perfeição que só pode ser divina.
Um dos argumentos que sustentam a separação da essência divina da essencia
humana, é que Deus possui infinitos predicados, e por isso, sua infinitude de adjetivos
é inconcebível para a consciência humana. Mas toda essa infinidade de predicados tão
variáveis que não é conhecido e estabelecido um para o outro só poderia ser possível
em uma variedade infinita de indivíduos, e o que seria a essência humana a
possibilidade dessa infinitude de predicados, pois todo novo ser humano é um novo
predicado:
O mistério da quantidade inesgotável dos atributos divinos não é por isso nada mais que
o mistério da essência humana como uma essência infinitamente diversa, infinitamente
determinável mas exatamente por isso sensorial. Somente nos sentidos, no espaço e no
tempo tem lugar um ser realmente infinito e rico de determinações.(FEUERBACH, 2013,
p. 64)
Para além e junto de Hegel em sua dialética, o tempo é o meio para se
conciliarem as oposições do ser humano, e Spinoza em sua substancia, que possui
diversos atributos mas não menciona o pensamento e sua extensão a matéria,
justamente, pela falta de necessidade, porque o pensamento é entendido por si mesmo:
índivisivel, completo, infinito. E assim o é também a matéria para si mesma. Pois a
possibilidade da infinitude dos predicados se dá na sua falta de predicados definidos e
reais. Esses dois predicados são suficientes para se dizer infinitamente mais do que
com os predicados não conhecidos.
Decidindo que o sujeito e sua essência se encontram em si mesmo, em seus
predicados, é lógico que os predicados divinos são parte desta essência humana, e
portanto também os sujeitos que possuem tais predicados. A religião se utiliza de
predicados gerais divinos do âmbito do metafisico, apenas na esfera da
fundamentação, mas estes predicados abstratos não são verdadeiramente a essencia
desta, mas sim os predicados pessoais que são objetos a essência divina. Porém, para
a religião os antropomorfismos são irrelevantes, pois o Deus, como retrata o
cristianismo, é real e não uma imagem, ideia ou fantasia, é um ser vivo, pessoal, por
isso também são suas qualidades:
A religião é subjetivamente afeição; então necessariamente é para ela a afeição também
objetivamente de essência divina. A própria cólera é para ela uma afeição indigna de
Deus enquanto debaixo desta cólera não existir nada de mal. (FEUERBACH, 2013, p.
66-67)
Tudo aquilo que caracteriza a essência mais intima de Deus é de caráter
humano, e quanto mais próxima dos humanos são essas características mais Deus se
diferencia deste humano dentro das religiões. Se o caráter positivo da essência se
atribui ao Divino, assim é a concepção do humano sendo ela para consciência um
objeto de carater negativo, então para elevar Deus ao tudo o homem se diminui ao
nada. Essa diminuição se conserva em Deus, e nunca é perdida.
Aquilo que ele sacrifica de mais divino, sagrado em nome de Deus também é o
que há de mais sagrado em si. Feuerbach usa como exemplo os Hebreus em suas
oferendas a Jeová, apenas sacrificavam animais considerados puros, o que eles
comiam também era o alimento do seu Deus, portanto, quando se há negação dos
sentidos como sacrificio algo de alto valor, colocando-se Deus no lugar desses sentidos
reprimidos:
“E assim estabelece realmente a religião tudo que ela nega com a consciência
(pressupondo-se naturalmente que o que foi por ela negado seja algo essencial,
verdadeiro em si, que não deve ser negado) outra vez em Deus de modo inconsciente.
Assim, na religião nega o homem a sua razão nada sabe de Deus, seus pensamentos
são apenas materiais, terrenos: só pode crer no que Deus lhe revela. Mas em
compensação são os pensamentos de Deus humanos e terrenos; ele tem planos na
cabeça como o homem; ele se acomoda conforme as circunstancias e faculdade dos
homens como um professor conforme as circunstancias e faculdade dos homens como
um professor conforme as capacidades dos seus alunos; ele calcula exatamente o efeito
de suas dádivas e revelações; ele calcula exatamente o efeito de suas dádivas e
revelações; ele observaar o homem em todas as suas atitudes; ele sabe tudo, até o mais
terreno, o mais vulgar, o mais torpe.” (FEUERBACH, 2013, p.68)
O humano nega em si e transfere para Deus, renega a dignidade para colocá-la
em Deus, justamente um ser ególatra que vive para sua autossatisfação do “em-si-
mesmismo”, ele sente prazer no egoísmo, se satisfaz na sua própria existência, e este
é o bem para o qual o humano renuncia a seu “Eu humano”, que na concepção
religiosa é perverso, indigno, impuro. Porém, se sou apenas capaz do mal como posso
sentir em mim senso estético, como posso perceber o belo, se o humano se faz apenas
capaz de não-vivenciar o que é dito como belo capaz apenas do Divino? Pois o que é
contrário a mim não deveria estar ao alcance do que se é possível perceber. O que é
sagrado é visto para mim como o que não sou, mas o que eu deveria ser, então só
posso ser aquilo conforme o que faz parte da minha essência, porque se eu devo sem
um poder de transformação seria inútil, “não moveria a sensibilidade”, que faz parte
essencialmente da religião.
A afirmação de um Deus que tem distinção de moralidade e crítica, um ser que
possui a capacidade de afeto, que atua sobre o bem e o mal, é na verdade a elevação
das atividades que são de características essencialmente humanas 2, o conceito de
atividade humana é ligado necessariamente ao conceito de Deus, e se coloca estas
características que compõem a atividade humanas como divinas, é justamente porque
não conhece nada mais elevado.
“O homem – e este é o segredo da religião – objetiva a sua essencia e se faz novamente
um objeto deste ser objetivado, transformado em sujeito, em pessoa; ele se pensa, é
objeto para si, mas como objeto de um objeto, de um outro ser. Assim também é aqui. O
homem é um objeto de Deus. Que o homem seja bom ou mau, isto nã é indiferente a
Deus; não, ele tem um interesse vivo, sincero em que o homem seja bom; ele quer que o
homem seja bom, seja feliz, porque sem bondade não há felicidade. O homem religioso
desmente então a nulidade da atividade humana ao fazer do homem uma meta de Deus
(porque o que é objeto no espírito é meta na ação), ao fazer da atividade divina um meio
para a salvação humana. Deus é ativo para que o homem seja bom e feliz. Assim, ao ser
o homem aparentemente rebaixado ao mais profundo abismo, é na verdade levado as
alturas. Assim, o homem só tem uma vista a si mesmo em e através de Deus.
Certamente o homem tem Deus por meta, mas Deus só tem por meta a salvação moral e
eterna do homem, logo, o homem só tem por meta a si mesmo. A atividade divina não se
distingue da humana”. (FEUERBACH, 2013, pg. 71)
Deus é o que é existe de mais íntimo no ser humano, mas abstraída deste.
Porém, quanto mais humano for o Deus mais é o ser humano anula a sua própria
subjetividade, daquilo que o faz ser o que ele é como “humanidade, porque Deus é em
e por si o seu ser exteriorizado, mas do qual ele se apropria novamente. Feuerbach
compara aqui a Religião ao movimento de sístole e diástole. 3 Onde na sístole o humano

2
Aqui Feuerbach deixa claro, após citar o agostianismo e o pelagianismo, que se trata do Deus que se
liga a atividade humana, diferenciando do pensamento do “niilista oriental ou panteísta: a essência divina
é uma essência absolutamente destituída de vontade e ação, indiferente, que nada sabe da distinção
entre bem e mal.” (FEUERBACH, 2013, p.70), pois só assim seria possível uma real negação dos
poderes e atividades humanas correlacionadas a Deus.

3
Movimento do ciclo arterial onde. No período sistólico, os ventrículos se contraem forçando a
passagem do sangue para os pulmões, para oxigenação, e pela aorta, para os tecidos do corpo. No
período diastólico, os átrios direito e esquerdo se contraem forçando a passagem do sangue para os
ventrículos, que ainda estão relaxados.
(https://www.inf.ufsc.br/~j.barreto/Projetos/Luciana/aplicativo/cicloCard.html)
expulsa para fora de si sua própria essência repreendendo a si mesmo, na diástole
retorna em acolhimento ao seu coração a essência outrora expulsa.
A religião cristã distingue os impulsos e afetos humanos em categorias, e
transformou o que se tem como bom em algo divino o conceito de Deus, separando a
pureza exterior, corporal, da interior, moral, a israelita juntava as duas e nada fazia a
não ser ao mando de Deus, em compensação, a religião Cristã permitiu ao homem agi
por si nas coisa exteriores. Mas é assim que se mudam as coisas, pois, “o que ontem
ainda era religião não é mais hoje e o que é hoje tido por ateísmo será amanhã tido por
religião” (FEUERBACH, 2013, p.73). Pois o que se coloca como Deus na verdade é o
mais íntimo humano revelado em uma figura abstraída dele mesmo, e com o passar
dos tempos se mostra que movimento das religiões é o movimento do humano para
consigo mesmo, em busca de sua própria elevação moral.
Referências Bibliográficas

FEUERBACH, L.; A Essência do Cristianismo; Editora Vozes, 2013, Petrópolis, RJ;

Site da Universidade Federal de Santa Catarina. Acesso em: 3 de novembro de 2023.


(https://www.inf.ufsc.br/~j.barreto/Projetos/Luciana/aplicativo/cicloCard.html);

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