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O que é Religião?

A religião é uma iniciativa do Absoluto. É Deus querendo se


comunicar com o homem; os mandamentos, sentimentos religiosos,
modos e jeitos de agir e afins, são apenas uma resposta a essa iniciativa.
O que mais se escuta por aí, é que foi graças as religiões que ocorreu
os acontecimentos mais dolorosos que a humanidade já presenciou; seja a
escravidão, ou o massacre dos índios, no caso do cristianismo; seja a China
moderna e a sua falta de humanidade, no caso do taoísmo e etc… No
entanto, o sujeito que acredita nessas coisas, e afirma que tudo isso é
culpa da religião, propriamente dita, só demonstra que ele não sabe o que
é de fato uma religião.
Primeiramente, as religiões são teofania1, conteúdos divinos
revestidos de formas humanas; e o ser humano, não sendo Deus, tem em
si mesmo brechas ontológicas para o infra-humano — a ignorância é a que
lhe é mais característico. Então, é perfeitamente normal as pessoas
terem religiões e serem ignorantes em relação a fatos fundamentais da
existência humana; ora, o que mais se encontra por aí é padres e bispos
que desconhecem a própria religião2. Desse modo, as religiões sendo
conteúdos divinos revestidos de formas humanas dos quais tem si mesma
brechas para o infra-humano, são basicamente um deus incompleto, no
qual faltam alguns pedaços que devem ser preenchidos pelas partes
humanas.

1
“Se refere à manifestação temporal e espacial de Deus de alguma forma tangível”, Harvey, Van
Austin (1964). “Theophany”. A Handbook of Theological Terms. Nova Iorque: Macmillan. p. 241.
2
No século XIII mandaram São Boaventura, [que foi superior franciscano], julgar a ortodoxia de
um membro de sua congregação, o frei Gil. E ele respondeu que era esse sujeito que deveria
julgar a ortodoxia da nossa doutrina, porque não há alguém mais cristão do que ele no mundo
inteiro.
I

O Objetivo da Religião

Ora, o objetivo da religião é criar uma personalidade espiritual, isto


é, uma personalidade3 capaz de aguentar a morte corporal, pois “lembra-te
que és pó e ao pó retornarás” (Gn 3,19). A personalidade espiritual, ou
melhor dizendo, a “psique”, sendo ela imortal — na medida em que ela é
um conteúdo da sua inteligência4 —, tenderá a cair — depois da morte
corporal — num ambiente de indefinição, parecido com um sonho (uma
realidade onírica), onde as coisas, as memórias, os lugares e etc., são
totalmente incongruentes e aleatórias.
Lembre-se, você só acorda todos os dias e consegue perceber que
você é você, que você continua o mesmo todos os dias, por causa do seu
organismo físico, pois é ele que te dá consistência, te dá “estabilidade”, no
entanto, quando o seu organismo físico, que é em si mortal, morrer, a sua
psique não terá mais consistência e cairá, como dissemos anteriormente,
numa realidade, pode-se dizer, “onírica”; se todas as características
distintivas da minha personalidade derivavam das formas corpóreas, todas
elas desaparecerão depois da morte. Desse modo, tudo aquilo que eu me
identificava, isto é, tudo aquilo que eu chamava de “eu mesmo” e
testemunhava em mim, desaparecerá. E, mais ainda: esse processo de
desaparecimento será um processo de sofrimento porque será um
processo de desintegração da minha personalidade5.
A religião é um salvaguarda da personalidade imortal, ela é uma
forma do sujeito conseguir atravessar o ambiente de indefinição depois da
morte e alcançar — ou, na maioria dos casos, alcançar o purgatório caso o

3
Personalidade significa uma instrumento por meio do qual algo soa, “per sona” (soa por); se o
que soava pela sua alma era apenas a corporalidade, quando esta for tirada, o som será tirado,
isto é, a sua personalidade se desintegrará; se o que soava era Espírito, continuará soando
eternamente.
4
Somente na medida em que a alma humana une-se a algo imortal para realizar a sua própria
perfeição; somente na medida em que a realização da sua perfeição está vinculada a algo imortal;
somente na medida em que realmente efetiva a sua capacidade de fazer a sua existência
relacionar-se [necessariamente] com algo imortal, o Espírito Santo ou a Inteligência, para que a
sua perfeição seja realizada, como se criasse um vínculo de dependência da alma com o Espírito.
Pois somente assim poderá continuar realizando a sua perfeição depois que as suas almas
sensitiva e vegetativa estiverem desintegradas.
5
É isto que é o inferno.
sujeito não tenha conseguido construir uma psique totalmente — o que as
religiões chamam de “Céu”. E alcançando o céu, você estará no princípio
formal de todas as coisas: é isto que é estar em Deus, pois tudo é Deus, e
n‘Ele nos vivemos, nos movemos e somos (Atos, 17:28-20). Portanto, a sua
personalidade será imortal e, consequentemente, ampliada em proporções
infinitas — a sua psique estará no REALÍSSIMO DIVINO.

II

O Sonho de Chuang-Tzu

Conta a lenda que o sábio taoísta Chuang Tzu, ao dormir, sonhou ser
uma borboleta, mas ao acordar se perguntou:

Será que eu era antes Chuang Tzu sonhando ser uma


borboleta ou sou agora uma borboleta adormecida, sonhando ser
Chuang Tzu?

Esse questionamento que Chuang-Tzu fez é interessantíssimo:


basicamente, ele percebeu que depois da morte, será impossível saber
quem ele realmente é, pois ela é um sonho perpétuo! Portanto, o objetivo
de todas as religiões é criar uma personalidade capaz de se manter íntegra
mesmo depois da morte.
Esse estado supremo — que só pode ser conhecido por meio de sua
realização — é tradicionalmente designado na literatura védica por vários
nomes: moksha, por exemplo, que significa “libertação”, um libertar. No
entanto, isso deve ser entendido não como uma libertação do ser
humano, mas sim da condição, mais precisamente, de ser humano, que é
de certa forma o oposto; ora, a vocação humana é realizar o que constitui
a razão de ser do homem: uma projeção de Deus e, assim, uma ponte entre
a Terra e o Céu; ou um ponto de vista que permite a Deus ver-se a partir
de um outro, ainda que esse outro, em última análise, não possa ser senão
Ele mesmo, pois não se conhece Deus a não ser por Deus.
III

Salvação Pela Fé

No cristianismo, a “Salvação” é o tema central, pois esta religião


promete a salvação pela fé — e a fé aqui não deve ser entendida como um
mero acreditar, “eu acredito que serei salvo”, nada disso —, isto é, se eu
compreender suficientemente quem é o Cristo, e o sinal de que alguém
compreende é o modo pelo qual a própria vida é integrada na proposta de
vida d‘Ele, cria-se um elo entre a minha personalidade e o próprio Deus. E
este elo permitirá, depois da minha morte, o resgate da minha
personalidade. Desse modo, a fé é um pré-conhecimento — como afirmou
São Paulo Apóstolo: “A fé é uma posse antecipada do que se espera, um meio
de demonstrar as realidades que não se vêem” (Epístola aos Hebreu,
capítulo 11, versículo 1) —, porque o indivíduo é incapaz de compreender
sua personalidade total em Deus, daí o Cristo se propõe a te salvar — “se
você fizer isso [entender-me em você, durante essa vida], depois da morte Eu
farei o inverso para você [testemunhando a sua personalidade em Mim]” —;
e Cristo, como o Verbo Divino, pode fazer isso, porque Ele a raíz formal de
todas as criaturas.

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