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A publicar:
PENSE
UMA CONTAGIANTE INTRODUÇÃO
A FILOSOFIA
REVISÃO CIENfÍFICA
DESIDÉRIO MURCHO
SOCIEDADE PORTUGUESA DE FILOSOFIA
PEDRO SANTOS
UNNERSIDADE DO ALGARVE
gradiva
Título original: Think: A Compelling Introduction to Philosophy
© 1999, by Simon Blackburn
This translation of Think: A Compelling Introduction to
Philosophy, originally published in English in 1999, is published
by arrangement with Oxford University Press
Esta tradução de Think: A Compelling Introduction to Philosophy,
originalmente publicada em inglês em 1999, é publicada
com o acordo da Oxford University Press
tradução: António Infante, António Paulo da Costa, Célia Teixeira,
Desidério Murcho, Fátima St. Aubyn, Francisco Azevedo
e Paulo Ruas
Revisão científica: Desidério Murcho e Pedro Santos
Revisão do texto: Manuel Joaquim Vieira
Capa: Armando Lopes, sobre ilustração de David Ligare,
Still Life with a Rock and a Leaf (1994)
Fotocomposição: Gradiva
Impressão e acabamento: Rolo & Filhos, Artes Gráficas, L.""
Reservados os direitos para Portugal a: Gradiva - Publicações, L.""
Rua de Almeida e Sousa, 21, r/c, esq. -1399-041 Lisboa
Telefs. 21 39'7 40 67/8 -21 397 13 57 - 21 395 34 70
Fax 21 395 34 71 -Email: gradiva@ip.pt
URL: http://www.gradiva.pt
l.ª edição: Junho de 2001
Depósito legal n.º 165 793/2001
Prefácio............................................................................................ 9
Introdução ...................................................................................... 11
Sobre que havemos de pensar? ....................................................... 12
Qual é o interesse? ............................................................................. 15
1. Conhecimento........................................................................... 23
Perder o mundo.................................................................................. 23
O génio maligno ................................................................................. 26
Cogito, ergo sum ..............................................................................,.... 27
Motivações, questões ......................................................................... 30
O esquivo «eu» ................................................................................... 36
Ideias claras e distintas ..................................................................... 40
O argumento da marca..................................................................... 42
O círculo cartesiano .......................... ................................................. 45
Fundamentos e redes......................................................................... 48
Cepticismos localizados .................................................................... 53
A moral da história................................ ............................................ 55
2. Mente ......................................................................................... 57
O fantasma na máquina ................................................................... 58
Mortos-vivos e mutantes .................................................................. 60
Locke, Leibniz e o bel-prazer de Deus .......................................... 66
A análise .................................. ................. ............................................ 73
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4. O eu ......................................................................................... 129
Uma alma imortal? ......................................................................... 129
Carvalhos e navios .......................................................................... 134
Almas e bolas elásticas .................................................................. 136
O militar corajoso............................................................................ 139
O eu como feixe .............................................................................. 143
O eu como princípio organizador............................................... 146
Delírios da imaginação................................................................... 148
Misturar almas .................................................... ............................. 152
7. O mundo................................................................................. 239
Cores, cheiros, sons, sensações e gostos .................................... 239
Um robusto bom senso.................................................................. 247
Os problemas de Berkeley............................................................. 249
Forças, campos e coisas ................................................................. 253
Coletes-de-forças e leis ................................................................... 256
A revolução de Kant....................................................................... 259
Os olhos de quem a vê .................................................................. 265
Regras, universais............................................................................ 270
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SIMON BLACKBURN
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Introdução
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INTRODUÇÃO
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INTRODUÇÃO
Qual é o interesse?
Está tudo muito bem, mas será que vale a pena preocupar
mo-nos? Qual é o interesse? A reflexão não põe o mundo a
funcionar. Não coze o pão nem põe os aviões no ar. Por que
razão não havemos de pôr as perguntas reflexivas de lado e
passar às outras coisas? Irei esboçar três tipos de respostas:
a elevada, a intermédia e a chã.
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Conhecimento
Perder o mundo
Poderíamos dizer que tudo começou a 10 de Novembro
de 1619. Nessa data, em Ulm, cidade do Sul da Alemanha, o
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CONHECIMENTO
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O génio maligno
Há seis meditações. Na primeira, Descartes apresenta a
«dúvida metódica». Descartes decide que, para poder esta
belecer algo nas ciências que seja «estável e susceptível de
perdurar», terá de demolir todas as suas opiniões comuns e
começar a partir dos alicerces.
Pois ele descobriu que até mesmo os seus sentidos o en
ganam, e é «prudente nunca confiar completamente naque
les que nos tenham enganado uma vez que seja»1 • Coloca a
si próprio, no entanto, a objecção de que apenas os loucos
( «que afirmam estar vestidos de vermelho quando estão nus,
ou que as suas cabeças são feitas de barro, ou que são abó
boras ou feitos de vidro» - pelos vistos, os loucos do século
XVII eram muito pitorescos) negam os muito óbvios dados
dos seus sentidos.
Em resposta a isto, lembra-nos o caso dos sonhos, nos
quais se nos podem representar coisas de maneira tão con
vincente como os sentidos o fazem, mas que não têm qual
quer relação com a realidade.
Ainda assim, objecta Descartes a si mesmo, os sonhos
são como pinturas. Um pintor pode alterar a disposição das
coisas, mas, no fundo, pinta coisas derivadas de coisas
«reais», ainda que só as cores sejam reais. Pela mesma ordem
de ideias, afirma Descartes, mesmo que as coisas familiares
(os nossos olhos, cabeça, mãos, etc.) sejam imaginárias, de
vem depender de coisas mais simples e universais que são
reais.
Mas que coisas são essas? Descartes pensa que «não há
uma única das minhas antigas convicções acerca da qual
1
Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira, p. 12.
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3
Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira, p. 16.
4
Id., ibid., p. 18.
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5
Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira, p. 20.
6
Id., ibid., p. 22.
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Motivações, questões
Como h avemos de ler um texto filosófi co como este?
Começ a mos por ver que Des ca rtes tenta encontr a r uma
motiv a ção p a r a a ceita rmos o méto do da dúvi da extrema
(também conhe ci da por « dúvi da cartesi a na » ou, como ele
mesmo a designa , « dúvi da hiperbóli ca », isto é, ex cessiv a ou
ex a ger a da). M as ser á a motiv a ção s a tisf a tóri a ? O que está ele
a pens a r a o certo? Talvez isto:
Os sentidos por vezes enganam-nos. Logo, tanto quanto sa
bemos, enganam-nos sempre.
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de saber que isto ti nha aconteci do, uma vez que para si pa
receria que a vi da normal continuava7•
A versão que o próprio Descartes apresentou desta expe
ri ência mental não refere cére bros nem tanques. De facto, se
pensar no assunto, ver á que ele não necessita de o fazer.
As nossas con vicções acerca do cére bro e do seu papel no
que respeita a gerar experi ências conscientes são con vicções
acerca do mo do como o mun do funciona. Por isso, tal vez
também elas sejam o resultado dos dados de entrada, ou
inputs, pro duzi dos pelo génio mali gno! Tal vez o génio não
tenha ti do necessi dade de sujar as mãos (?) mexen do em
tanques. O génio limita-se a pro duzir dados de entrada, ou
inputs, da maneira apropriada à reali dade real - seja essa
maneira o que for. Os próprios cére bros e ner vos pertencem
à reali dade virtual.
Esta experi ência mental não refere ver dadeiras ilusões
sensoriais nem ver dadeiros so nhos. Apenas coloca a expe
ri ência como um to do em contraste com uma reali dade
muito diferente e potencialmente pertur badora. É de notar
também que não vale a pena, o bviamente, ar gumentar con
tra a hipótese do génio mali gno referin do a coer ência e o
equilí brio da experi ência quoti diana. Pois não sabemos de
qualquer razão que explique porque não po deria o génio
pro duzir dados de entrada, ou inputs, que constituíssem uma
experi ência tão coerente quanto ele quisesse e com a escala
e extensão que ele desejasse.
Portanto, como po deríamos afastar a hipótese do génio
mali gno? Uma vez le vantada, ficamos aparentemente impo
tentes para a afastar.
No entanto, neste mar de dú vi da, justamente quan do as
coisas estão mais ne gras, Descartes desco bre um roche do
de certeza ao qual se po de agarrar. Cogito, ergo sum: «penso,
lo go existo». (Uma tradução melhor é «estou a pensar, lo go
7
A experiência mental do cérebro numa cuba deve-se a Hilary Putnam,
Razão, Verdade e História, cap. 1.
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PENSE
O esquivo «eu»
Fora do contexto da dúvida, o «eu» pensante é uma pessoa
que pode ser descrita de várias formas. No meu caso, sou
um professor de Filosofia de meia-idade, com uma determi
nada personalidade, uma família e por aí fora. Mas, no con-
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aqui na sala. Logo, eu não sou uma pessoa que amanhã receberá
más notícias.
8
Lichtenberg é citado em J. P. Stern, Lichtenberg: A Doctrine of Scattered
Occasions, p. 270.
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O argumento da marca
Confiando na clar eza e di stinção, Descart es entr ega- s e ao
raciocínio. Olhando para o s eu próprio « eu», qu e é tu do o
qu e lh e r esta nest e momento, Descart es desco br e qu e t em
uma i deia de p erf eição. Ar gumenta, então, qu e uma tal i deia
implica uma cau sa. No entanto, a coi sa qu e ori ginou es sa
i deia deve po s suir tanta «r eali dade» como ela, e i s so inclui a
p erf eição. I sto implica qu e só uma cau sa p erf eita, i sto é,
Deu s, po de s er vir. Por i s so, Deu s exi st e e l egou-no s a i deia
de p erf eição como um sinal inato da sua acção nas no s sas
ment es, as sim como um art esão deixa a sua marca gravada
no s eu trabalho9•
A s sim qu e Descart es desco br e Deu s, o s mare s da dú vi da
acalmam- s e su bitament e. Poi s, uma vez qu e Deu s é p erf eito,
não é enganador: enganar é clarament e afastar- s e da bon
dade, para j á não falar da p erf eição. A s sim, s e fizermo s o
no s so trabalho corr ectament e, po deremo s t er a c ert eza de
qu e não s er emo s vítimas da ilu são. O mundo s er á tal como
o compr eendemo s. Fazer o no s so tra balho corr ectament e si g
nifica so br etu do confiar ap enas em i deias claras e di stintas.
Qu e havemo s de fazer com o ar gumento da «marca»? Ei s
uma r econstrução:
Possuo a ideia de um ser perfeito. Esta ideia deve ter uma
causa. Uma causa deve ser pelo menos tão perfeita como o seu
efeito. Portanto, algo a causou e isso é pelo menos tão perfeito
como a minha ideia. Logo, há tal coisa. Mas essa coisa deve ser
perfeita, isto é, deve ser Deus.
9
O argumento da marca ocorre na «Terceira Meditação» de Descartes,
pp. 31-33.
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O círculo cartesiano
Descartes deixou-se convencer de que o argumento era
bom: cada passo do argumento era «claro e distinto». Por
tanto, Descartes agora tem Deus e Deus não é enganador.
Mas não esqueçamos que, para chegar aqui, Descartes teve
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Fundamentos e redes
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Neurath, Anti-Spengler.
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Cepticismos localizados
Tanto podemos levantar dúvidas cépticas em áreas espe
cíficas como globalmente, à maneira de Descartes. Uma
pessoa poderá estar convencida de que temos, digamos,
conhecimento científico, mas ter muitas dúvidas sobre o
conhecimento na ética, na política ou na crítica literária.
Depressa descobrimos áreas específicas onde não é necessá
ria a dúvida hiperbólica, mas apenas um pouco de cautela,
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A moral da história
Como devemos então encarar o conhecimento? O conhe
chnento implica autoridade: as pessoas que sabem são aque
las que devemos ouvir. Implica fiabilidade: as pessoas que
conhecem são aquelas que são de confiança a registar a ver
dade, como os bons instrumentos. Afirmar que temos conhe
cimento implica afirmar uma noção da nossa própria fiabili
dade. E, para reconhecer a autoridade de alguém ou de algum
método, temos de olhá-lo como fiável. Os perturbadores ce
nários de um Descartes ou um Russell derrubam a noção
que temos da nossa própria fiabilidade. Levantadas as pos
sibilidades remotas, esbate-se a noção que temos de que há
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O fantasma na máquina
Vimos como a estr a té gi a de Des cartes o levo u a consi
der a r o conhe cimento das noss as mentes ma is se guro e certo
do que o conhe cimento do resto do mundo. M a s Des
ca rtes er a também um cientista ; fez des co berta s fundamen
tais na ópti ca ; pr ati co u a disse ca ção e tinh a um conhe ci
mento r azo ável da tr a nsmissão de impulsos a tr a vés dos ner
vos a té a o cére bro. S a bi a que isto o corre por meio de uma
tr a nsmissão físi ca, um «puxão» o u «movimento violento»
dos nervos, o u, como hoje pens arí a mos, de um impulso
ele ctroquími co tr a nsmiti do ao longo do sistema nervoso16•
Os senti dos da vista, ta cto, gosto, olfa cto e o uvi do a ctiv a m
o sistema nervoso, o qual tr ansmite mens a gens a o cére bro.
O cére bro não é, natur a lmente, uma ma ss a indiferen
ci a da . Al guma s pa rtes do cére bro tr ansmitem sinais a o utr a s
partes do mesmo e a o corpo: são postos em funciona mento
pa drões completos de a ctiv a ção. Tudo isto faz pa rte da
ne urofisiolo gi a . Em princípio, to dos estes a conte cimentos
po dem ser vistos em pú bli co: com os instr umentos apro
pri a dos, os pa drões de a ctiv a ção po dem ser exi bi dos numa
s al a de a ul a .
E depois?
Bem, depois temos o momento mági co. A «mente» ( a cois a
pens a nte, o u res cogitans) ta mbém é afe cta da, e a bre-se o
mundo inteiro da experi ênci a . O s ujeito v ê cores, o uve sons,
sente textur as e temper a tur a s e tem sens a ções de gosto e de
cheiro. Este mundo da experi ênci a é composto por a conte ci
mentos menta is, o u a conte cimentos que ocorrem no interior
de uma cons ci ênci a s ubje ctiv a . Estes a conte cimentos que
o correm na cons ci ênci a do s ujeito não po dem ser vistos em
pú bli co; são priv a dos. To da a turma po de ver a l guns
ne urónios a dispar ar, mas só a própri a pesso a sente a dor.
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Mortos-vivos e mutantes
É claro que esta visão não é exclusiva de Descartes. É a
visão que muitas das maiores religiões do mundo aceitam;
faz parte de qualquer doutrina que sustente que podemos
sobreviver à morte do corpo, ou que a nossa alma pode ir
para um lado enquanto o nosso corpo vai para outro. Con-
17 Ryle usou esta expressão na sua obra The Concept ofMind. Deve dizer
-se que o próprio Descartes negava que, do seu ponto de vista, a alma esti
vesse alojada no corpo «como um piloto num navio», de modo que há uma
disputa académica sobre a questão de saber se ele tinha em mente uma
perspectiva mais sofisticada.
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ligado tais ideias a tais movimentos, com os quais elas não têm qual
quer semelhança, do que conceber que ele haja ligado a ideia de dor ao
movimento de um pedaço de aço que rasga a nossa carne, algo com o
qual tal ideia não tem parecença19•
19 Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano, II. vm. 13, p. 136. Aqui e
noutras passagens, ao citar Locke, modernizei o uso de maiúsculas.
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nada entre elas. Do mesmo modo, uma elipse, e mesmo uma parábola,
tem alguma parecença com o círculo, do qual ela é uma projecção num
plano, visto haver uma certa relação precisa e natural entre o que é
projectado e a projecção que de si é feita, com cada ponto de uma das
linhas em correspondência com um ponto da outra, de acordo com
uma certa relação. Isto é algo em que os cartesianos não atentaram; e
neste ponto, Senhor, vós condescendestes com eles mais do que é vosso
costume e mais do que o fundamento que tínheis vo-lo permitia [ . . . ]
É verdade que a dor não se parece com o movimento de um alfinete;
mas pode perfeitamente parecer-se com os movimentos que o alfinete
causa no nosso corpo, e pode representá-los na alma; e não tenho a
menor dúvida de que o faz2º.
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d ente, mas que Deus, está clar o, escol heu a melhor manei ra
d e associ ar os aconteci mentos mentai s e físi cos.)
L ocke, por seu turn o, pensa que Deus tem d uas coi sas
diferentes a fazer. Pri mei ro, fixar tod a a f ísi ca e tod as as lei s
d a físi ca. Tem, porém, em segund o lugar, d e d ecidi r como
«li gar» os aconteci mentos mentai s aos aconteci mentos fí si
cos, consti tui nd o relações psi cof ísi cas. É como se o mund o
ti vesse d uas bi ografias dif erentes; uma d elas seri a a d os seus
aconteci mentos f ísi cos e a outra a d os seus aconteci mentos
mentai s; e Deus teri a d e d ecidi r como relaci oná- los entre si.
Pod eri a haver, por i sso, vari ação i nd epend ente. Deus pod e
ri a ter mantid o o físi co ex actamente na mesma, d ecidi nd o
embora não li gar qualquer d or à s alfi netad as.
Consid ere-se agora uma pessoa ( o lei tor) e uma répli ca
fí si ca d essa pessoa ( um gémeo) . Se L ocke ti ver razão, então
é em pri ncípi o possível que o gémeo sej a um morto-vi vo ou
um mutante. Ai nd a que o eu f ísi co d ele ou d ela sej a ex ac
tamente como o seu, seri a um ex ercíci o arbi trá ri o d a bon
d ad e d e Deus fazer a sua vid a mental também semelhante.
Isto é especi almente óbvi o na versão «ocasi onali sta» d esta
concepção: talvez Deus, por moti vos i nsondá vei s que só a
ele pertencem, consid ere que quand o bato numa ped ra com
o meu pé é uma boa ocasi ão para i nclui r a d or na mi nh a
bi ografi a mental sem proced er d o mesmo mod o consi go. Por
outro lad o, se L ei bni z ti ver razão, não há tal possi bi lid ad e. Se
ambos, o lei tor e o seu gémeo, baterem com a mesma f orça
numa ped ra e reagi rem fi si camente d o mesmo mod o, então
a «ex pressão» d os aconteci mentos f ísi cos nas vossas mentes
terá também d e ser a mes ma, tal como as figu ras projectad as
por d uas f ormas id ênti cas num plano segu nd o um certo
â ngu lo têm d e ser as mesmas.
É i nteressante que L ei bni z use uma anal ogi a matemá ti ca.
Isto não acontece apenas por el e ter sid o um matemá ti co
ai nd a melhor d o que Descart es e d e ter, entre outras coi sas,
i nventad o o cál culo. É antes porque, para L ei bni z, tod a a
ord em d a natureza d eve ser, em ú lti ma aná li se, transparente
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A análise
A análise, tal como os filósofos a concebem, tenta dizer o
que toma verdadeiros alguns tipos misteriosos de afirma
ções, usando termos de uma classe de algum modo menos
misteriosa. A análise ilustra-se facilmente com um exemplo
familiar. Suponha-se que alguém fica confuso com esse ícone
da vida ocidental moderna que é o homem médio, com os
seus 2,4 filhos e 1,8 automóveis. Como pode esta figura
anedótica ter verdadeiramente algum interesse? A resposta
obtém-se mostrando o que faz serem verdadeiras as afirma
ções formuladas em termos dessa figura: neste caso, que o
número total de filhos a dividir pelo número de progenitores
dá 2,4 e o número de automóveis a dividir pelo número de
proprietários dá 1,8. Esta informação está sucintamente apre
sentada em termos do homem médio. Ele é o que Russell
chamou uma «construção lógica» extraída de agregados de
factos. (Isto não quer dizer que todos os enunciados sobre a
média sejam sensatos ou úteis: como já houve quem disses
se, a pessoa média tem um testículo e um seio.) Os filósofos
também falam de uma redução de afirmações de um tipo a
afirmações de outro tipo. A análise fornece as reduções.
A análise diz-nos o que as afirmações formadas por certas
palavras querem dizer por meio de afirmações feitas com
outras palavras. As suas próprias credenciais como ferra
menta intelectual têm sido objecto de enorme controvérsia
filosófica e o seu estatuto foi mudando ao longo dos últimos
cem anos. Alguns, como Russell e G. E. Moore (1873-1958),
concebiam-na como a finalidade principal da filosofia. Mais
tarde, o seu alcance foi questionado por W. V. Quine (1908-
2001), o mais influente pensador norte-americano de meados
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Um modelo científico
É importante prestar atenção a uma distinção que é co
mum fazer-se no debate contemporâneo. Até agora apre
sentámos Leibniz em oposição ao elemento de acaso bruto
de Locke e em defesa de uma relação racional quase mate-
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Pensamento
Viramo-nos agora para um aspecto ligeiramente diferente
da consciência. Este capítulo concentrou-se em sensações e
qualia. Mas a nossa consciência é também, em grande medida,
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Livre arbítrio
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As grilhetas do destino
Habitualmente, co ns ideramo- nos agentes do tados de li
berdade. Viv emos a noss a v ida num es paço aberto de poss i
bilidades . Deliberamos so bre quais dess as poss ibilidades
pross eguir e, tendo deliberado , o ptamos. Es te ano fui pass ar
férias na mo ntanha, mas po deria ter o ptado pela praia. Tra
to u-s e de uma es co lha. Não po deria ter ido à L ua po rque não
é o género de v iagem que es tej a ao meu alcance.
Aparentemente, temos co ns ciência da noss a liberdade.
A co ns ciência da liberdade parece es tar intimamente asso
ciada a qualquer tipo de co ns ciência q ue s e ten ha. No capí
tulo anterio r falámos em mo rtos-v ivos e, prov av elmente,
imaginámo -los idênticos às criaturas de Fra nkens tein, uma
es pécie de robots co mputado rizados , s ubmetidos a pro gra
mas particulares e agindo de um mo do inflex ív el e não i nte
ligente. Mas nós não so mos ass im, po is não?
Po r v ezes , temos o rgulho da noss a liberdade: não so mos
apenas criações do ins ti nto e do des ejo. Co ns eguimos do mi
nar- nos e lutar pelo co ntro lo dos nossos v ícios e o bs essões .
Q uando so mos bem s ucedidos , to m amo- nos dignos de apro
v ação . Se falharmos , merecemos s er cas tigados e, po r v ezes ,
so mo- lo . A liberdade traz co ns igo a res po ns abilidade e quem
dela abus a merece reprovação e cas tigo . Mas ninguém merece
cas tigo po r fa lhar em fazer algo que não possa fazer. Seria
tremendamente inj us to eu s er punido po r não ter passado
férias na L ua o u cas tigar-s e um recluso po r ter faltado a um
enco ntro fo ra da pris ão . Em ambos os casos , os o bs táculos
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Schopenhauer, Do Livre Arbítrio, p. 43.
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Autodomínio
Haverá uma maneira mais satisfatória de vencer o argu
mento a favor do incompatibilismo?
O argumento a favor do determinismo radical não refere
os tipos de influência causal que estão em jogo sempre que
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penalizado por lhe ter dado uma sova! Foi assim que me
programaram: reajo mal quando alguém faz o que você fez
ao meu velho e pacífico cão.
Dar-lhe uma sova pode ter uma vantagem - de facto,
pode ter várias vantagens. Talvez permita reajustar o seu
avaliador. Da próxima vez, talvez este módulo atribua à
acção de atirar o cão pela janela uma cotação inferior à de
admitir calmamente a sua presença no quarto. Num quadro
mais complexo, podemos imaginar que seria assim que as
coisas aconteceriam mediante um certo número de outros
mecanismos: o módulo talvez incluísse o aviso «risco de
levar uma sova» associado à opção de atirar o cão pela janela.
Ou talvez a minha raiva o abalasse ao ponto de o fazer
reavaliar a sua estratégia global de comportamento. Mesmo
que dar-lhe uma sova não o modifique, estou a indicar qual
quer coisa a outros eventuais lançadores de cães. Além de
que é para mim um imenso alívio.
Esta situação é diferente de culpar alguém por se ter afo
gado e não o fazer por ter sido apanhado desprevenido no
mar. No primeiro caso, a cadeia causal inclui a psicologia
animal básica que não pode ser modificada pela educação
nem pelas atitudes de outrem. O louvor ou a censura não
podem «suspendê-la». A cadeia causal não inclui módulos
elásticos ou flexíveis capazes de serem elididos pela raiva ou
pela censura. Mas os lançadores de cães podem ser desen
corajados, modificados e avisados.
Por vezes, os professores dizem coisas assim: «Um aluno
estúpido não me preocupa, mas detesto alunos preguiçosos. »
Se permitiu que o argumento do determinismo radical o con
vencesse, talvez considere que se trata de um preconceito:
algumas pessoas nascem estúpidas e não podemos senão
lamentá-las; por que razão não lamentar igualmente as que
nascem preguiçosas? Em ambas as situações se trata apenas
de um triste fruto do acaso. No entanto, a atitude do profes
sor justifica-se se a preguiça responder aos incentivos de uma
forma que a estupidez não pode reagir. Se o respeito pelo
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PENSE
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Bonecos e marcianos
Vejamos agora outra maneira de partilhar as preocupa
ções de Kant. Os módulos e complexidades do processa
mento de informação vieram complicar o quadro causal. Mas
será que no fundamental o alteram? Imaginemos um pleito
em benefício da figueira, no qual, por exemplo, se chamaria
a atenção para o facto de ser Inverno, e não Verão. Esta é uma
defesa eficaz em toda a linha. Bom, se eu agi mal, não mostra
isso também que o Inverno agiu mal? Os módulos foram mal
programados, presumivelmente por acontecimentos perten-
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Obsessões e Twinkies
P en s o qu e a melh or defesa qu e o c ompatibil ista pode
adoptar, c onfr ontado c om este c ontra- ataqu e, c on s iste em
discutir apalavra «pr ograma» aofalarmos em mó dul os pr o
gramados parapr oduzir c ertos r esultados. C om efeito, trata-
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Objectivar pessoas
Será que há mais mot ivos de preocupação? Po der íamos
pensar da se guinte mane ira:
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tempo➔
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A perspectiva�
de Deus -Q-
1
1
· o movimento do presente
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nha partido um ovo. E le sabe se iremos ter uma ome leta num
dos fotogramas do fi lme. Mas, nesse caso, sabe também se,
num fotograma ligeiramente anterior, iremos preparar a
ome leta. Não h á, portanto, razão para pensar que saiba o que
ser á o futuro seja o que for que façamos, como não sabe que
a árvore cair á seja o que for que o vento faça. De um ponto
de vista intemporal, tudo o que pode ser observado é o vento
e a destruição. Deus, tanto quanto parece, não é como um
médi co que sabe que vamos morrer de cancro seja o que for
que façamos. Isso signifi caria que haveria fotogramas em
que as pessoas se comportariam de maneiras incrive lmente
variadas, mas morreriam na mesma de cancro. A perspe ctiva
intemporal, situada fora do tempo, permite observar as nos
sas acções e os seus desfe chos, mas não desfe chos sem
acções. Deus v ê-nos comer ome letas porque os nossos
módu los de de cisão nos levaram a partir ovos. E apenas nos
v ê comer ome letas quando, num fotograma anterior, nos viu
partir os ovos.
A história sufi imp li ca que a Morte ins crevera o dis cípu lo
na lista antes de o dis cípu lo de cidir fugir. Portanto, ao que
pare ce, t ê- lo - ia pro curado onde quer que estivesse - em
Bagdade ou Samar canda. É esta a razão pe la qual a sua fuga
se reve lou inúti l. No entanto, talvez a Morte o tivesse in
clu ído na lista apenas porque o dis cípu lo fugiu - por exem
p lo, se, ao chegar a Samar canda, se enfiasse debaixo de um
auto carro. A fuga permitiu que o seu destino se consumasse,
ainda que nada acres cente quanto à razoabi lidade da sua
acção. Se a Morte estivesse o cupada em Bagdade, devido a
um surto de peste, fugir seria a de cisão mais racional, em
bora infe liz. E poderia aconte cer que a Morte não o tivesse
inclu ído na lista pre cisamente devido ao facto de ter fugido.
Mas que dizer da assimetria entre passado e futuro? Se,
aos o lhos de Deus, o passado e o futuro são simétri cos, por
qu ê considerar racional tentar modifi car o futuro? Como
compreender que esta atitude seja mais racional que a ten
tativa para mudar o passado? Bem, como afirmei, mesmo
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PENSE
Flexibilidade e dignidade
A ideologia do dualismo mente-corpo está muito en
raizada. Por ideologia quero dizer não um argumento espe
cífico ou conjunto de argumentos, mas um quadro geral no
interior do qual pensamos: um ponto de referência ou uma
ideia orientadora. É frequente supor-se que o dualismo toma
possível a liberdade, a dignidade e até a própria experiência
humana. Subjaz também às grandes palavras: o género de
palavras que inscrevemos nas nossas bandeiras. Nos últimos
dois capítulos tentei desligar estas coisas do dualismo. Mas
as pessoas receiam a alternativa. Será que não estaremos a
reduzir as pessoas, com toda a sua colorida complexidade, a
monótonas máquinas monocromáticas, condicionadas a se
rem deste modo ou daquele, ou, pior ainda, a veículos pas
sivos dos nossos genes egoístas?
Não, de maneira alguma.
O problema é que, neste caso, as alternativas se apresen
tam como se esgotassem todo o domínio de investigação: ou
um espírito livre, flutuando ditosamente acima da ordem
natural, ou uma máquina determinada, como um autocarro
ou até um eléctrico.
Voltaremos a encontrar a falácia que consiste em apresentar
incorrectamente as alternativas em capítulos subsequentes. Não
é a filosofia compatibilista que denigre a natureza humana; é
esta forma de apresentar as alternativas. Ao colocar assim o
problema está-se a presumir que a natureza é de tal modo hor
rível que é necessário um momento mágico, uma faísca divina
lançada pelo fantasma na máquina, para a fazer cantar. Tratar
-se-ia, afinal, de relógios (mortos-vivos) ou fantasmas. Mas é
esta a visão que denigre a natureza, incluindo a natureza hu
mana. Devemos pensar como Wittgenstein quando escreveu:
É humilhante ter de parecer um tubo vazio, pura e simplesmente
animado por uma mente33.
33
Wittgenstein, Culture and Value, p. 11.
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O eu
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nem sentir, nem ver, nem amar, nem odiar depois da dissolução
do meu corpo, estaria completamente aniquilado, sendo-me im
possível conceber qualquer outro requisito para me tornar um
não ente34•
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O EU
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PENSE
Carvalhos e navios
É bom reflectir sobre quão estranhas são algu mas d as
convicções d a segu nd a lista. Elas retiram o eu d e tudo o que
parece d ar- lhe uma id entid ad e, sej a o corpo, a história, a
memória ou até a mente. Será que isto faz sentid o? Para o
esclarecermos, afastemos a atenção d e nós próprios e pense
mos sobre a id entid ad e d e outras coisas. Pod eremos regres
sar a J ohn L ocke, que fez uma observação interessante sobre
os vegetais ou as plantas:
Sendo isso então uma planta que tem uma tal organização de
partes num corpo coerente partilhando uma vida comum, continuará
a ser a mesma planta enquanto partilhar a mesma vida, mesmo que
essa vida seja comunicada a novas partículas de matéria, vitalmente
unidas na planta viva, numa organização contínua análoga que se
conforme a esse tipo de plantas36•
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37
Locke, Ensaio, II. XXVII. 12, p. 337.
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38
Kant, Critica da Razão Pura, A 364, p. 342.
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O militar corajoso
L ock e afirma qu e é « a mesma c onsci ênci a qu e faz o h o
mem s er el e mesmopar a si mesmo» - e nem o suj eit o nem
t erc eir os qu e o obs er vem estã opr eocupa dos em s a ber s e t a l
c onsci ênci a é «tr a nsport a da » por su bstânci as est áveis, ou por
uma suc essã o de su bstânci as difer ent es. O própri o L ock e
apr ofunda a ênfa s e na c onsci ênci a afirma ndo qu e uma pes
s oa A, num da do moment o, é a mesma pess oa qu e a B, num
moment o a nt eri or, na medi da em qu e A t enh a c onsci ênci a
das experi ênci as de B. P or outr as pal a vr a s, A t er á de l em
br a r-s e de t er pens a do o qu e B pens ou e de t er perc ep
ci ona do, s enti do e a gi do c omo B perc epci onou, s entiu e
a giu.
A su gestã o t em al gumas c ons equ ênci a s qu e nos podem
a gr a dar. P or ex empl o, elimina a possi bili da de de eu s er
Cl eópatr a r eenc arn a da , vist o qu e nã o t enh o c onsci ênci a de
t er feit o ou s enti do c ois a a l guma qu e Cl eópatr a t enh a feit o
ou s enti do. O des apa r eciment o da memóri a destrói a i denti
da depess oa l. Ana l ogament e, poss o t er a c ert eza de qu e nã o
t er ei outr a vi da c omo cã o, pois nenhum cã opoder á r ec or da r
t er feit o as c ois as qu e eu fiz; s e pu dess e r ec or dá-l as (pens e
mos na c ompl exi da de neur ona l nec ess ári a !), nã o s eri a um
cã o, mas um s er human o em forma c a nina . Só qu e os cã es
nã o sã o s er es huma nos em forma c a nina .
P or outr o l a do, a su gestã o t em outr a s c ons equ ênci a s de
qu e nã o gost a r emos t a nt o. Implic a , por ex empl o, qu e eu nã o
poss o s obr evi ver a uma amnési a t ot al, post o qu e, s ej a qu a l
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O eu como feixe
Vu no s Hu me sublinhar que, quando refl ec ti mo s sob re o
co nteúdo da no ssa própri a mente, desco bri mo s recordaçõe s
i ndivi duai s, pensamento s, paixõe s, exp eri ênci as, mas nenhum
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Delírios da imaginação
Devemo s a linha d e argumentação q ue acabei d e apresen
tar a I mmanuel Kant42• É uma d as grand es jo gad as d a f ilo so
f ia, co m implicaçõ es em muitíssimas á reas, a algumas d as
q uais vo ltaremo s mais tard e. Mas, para o s no sso s o bjectivo s,
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Misturar almas
Há uma di ferença curi osa entre o passado e o futuro
quando pensamos nos nossos própri os eus.
Suponhamos que vi víamos num mundo onde os corpos
humanos e os cérebros eram mai s fácei s de agre gar e desa
gregar do que são. P odíamos separá- los e voltar a reuni- los,
corn o podemos fazer com os computadores ou os automó
vei s. Suponhamos que chamamos a i sto « operações de mi s
tura». P odemos pô r as psi cologi as das pessoas outra vez a
trabalhar depoi s destas operações, corn o quem copi a o pro
grama e os fichei ros num computador. Ou podemos mudar
as di sposi ções mudando o programa e os fi chei ros, retendo
alguns anti gos e adi ci onando alguns novos. As operações de
mi stura são olhadas como benéfi cas e saudávei s.
Suponhamos que neste mundo lhe di zi am a si que ama
nhã i ri a fazer uma operação de mi stura. E era- lhe ofereci do
um vi slumbre daqui lo que i rá emergi r. A pessoa A tem nela
mui to da sua substâ nci a e mui tas das suas quali dades: ela
lembra- se de coi sas tal corn o o lei tor agora o faz, parece- se
mui to consi go e assi m por di ante. De qualquer forma, a
pessoa A será envi ada para o Á rcti co ( talvez pertença ao
ex érci to). A pessoa B é também mui to pareci da consi go, mai s
urn a vez i ncorporando em si mui to da sua parte físi ca
- cérebro e células - e tendo mui tas das suas quali dades
( programa e fi chei ros). A pessoa B vai para os tr ópi cos.
Do nosso ponto de vi sta, i sto é um pouco como o barc o de
Teseu. Não preci samos de fazer uma grande questão de saber
se o lei tor se toma a pessoa A ou a pessoa B. P oderíamos dar
connosco a ol har urna das novas pessoas, ou até mesmo as
duas, como se fo sse m o lei tor - ou poderíamos dar connosco
a olhar ambas corn o recém- nasci das. Urn a analogi a utili zada
pelo filósofo contemporâ neo Davi d L ewi s é a da estrada que se
bi furca. Não pensamos que sej a uma grande questão metafísi ca
sà ber se di zemos que apenas uma das bi furc ações é a velha
Estrada da Luz, ou se ambas o são, ou se nenhuma o é.
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Deus
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existem fadas, mas não acho que seja verdade que elas exis
tem». E as pessoas religiosas, aparentemente, têm várias cren
ças que as outras pessoas não têm.
Mas, de facto, não é óbvio que a religião seja uma questão
de verdade, ou que os estados mentais religiosos devam ser
avaliados em termos de verdade e falsidade. Talvez a religião
não seja uma questão de crenças, e esses estados mentais não
sejam crenças. Aderir a uma religião pode ser mais parecido
com apreciar um poema, ou ser adepto de futebol. Pode tra
tar-se de adoptar um conjunto de práticas. Talvez essas práti
cas tenham apenas uma função emocional ou social. Talvez
os rituais religiosos sirvam apenas fins psicológicos e sociais
necessários. Os rituais de nascimento e de entrada na maio
ridade ou os funerais servem esses fins. É patético perguntar
se uma cerimónia de casamento é verdadeira ou falsa. As
pessoas não vão a uma cerimónia fúnebre para ouvir algo
verdadeiro, mas para fazer o luto por alguém ou para termi
nar o luto ou para meditar sobre a morte. Pode ser tão inapro
priado perguntar se aquilo que foi dito é verdade como per
guntar se A Tabacaria, de Álvaro de Campos, é verdadeira.
O poema está ou não bem conseguido numa dimensão com
pletamente diferente, assim como o Mosteiro dos Jerónimos
ou uma estátua de Buda. São coisas que podem ser magní
ficas e emocionantes e inspirar um temor respeitoso - mas
não por fazerem afirmações verdadeiras ou falsas.
Algumas pessoas pensam que a religião é só isto. Assim,
se alguém diz «Há um deus», não é como dizer «Há abomi
náveis homens das neves» (caso em que saber se os há ou
não é uma questão empírica) ou «Há números primos entre
20 e 30» (uma questão matemática). É antes qualquer coisa
como a expressão de alegria ou de medo (ou, o que é mais
sinistro, a expressão de ódio contra os pagãos ou os infiéis).
Por causa disto, o que se diz é imune à crítica enquanto algo
verdadeiro ou falso. Na melhor das hipóteses, podemos exa
minar os estados mentais envolvidos nas atitudes religiosas,
de modo a tentar ver se elas são ou não dignas de admiração.
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mento.
E depois:
Suponha-se que Deus existe apenas no entendimento, e não na
realidade. Então pode conceber-se um ser maior do que Deus: um
que exista na realidade. Mas Deus foi definido como o ser maior
do que o qual nada pode ser concebido. Logo, por definição, ne
nhum ser maior pode ser concebido. Mas assim ficamos com uma
contradição. Logo, a nossa suposição original era falsa.
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PENSE
E depois:
Suponha que a Mulher dos Meus Sonhos existe apenas no
entendimento, e não na realidade. Assim, pode conceber-se uma
namorada melhor do que a Mulher dos Meus Sonhos: uma que
exista na realidade. Mas a Mulher dos Meus Sonhos foi definida
como aquela namorada melhor do que a qual nada pode ser
concebido. Logo, por definição, nenhuma namorada melhor do
que a Mulher dos Meus Sonhos pode ser pensada. Mas assim
temos uma contradição. Logo, a nossa suposição original era
falsa.
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DEUS
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PENSE
demos fazer nem sequer uma refeição ligeira com eles). Mas
também há um sentido no qual isto é falso, porque podemos
imaginar um peru mais pesado que os perus reais - por
exemplo, um peru de 250 kg, do tamanho de um pequeno
celeiro. No argumento ontológico, o «Deus» na imaginação é
comparado com o Deus na realidade, tal como o peru ima
ginado é comparado com um peru real, o qual se verifica
1
pesar menos. No argumento supra, a Mulher dos Meus So-
nhos na realidade é comparada com a Mulher dos Meus
Sonhos imaginada, a qual se verifica ser melhor: pois certa
mente que mesmo as namoradas reais medíocres são muito
melhores que as imaginadas! E isto contradiz, por hipótese,
a definição. Mas esse tipo de comparações nada mostra, de
facto, que contradiga a definição.
É como se um professor pedisse aos seus alunos que
imaginassem um peru mais pesado do que qualquer peru
real. E os seus alunos assim faziam: imaginavam um peru de
250 kg. Mas depois o professor queixa-se de que, uma vez
que os perus imaginários pesam menos que os reais, os alu
nos não conseguiram imaginar aquilo que lhes foi pedido.
O peru imaginado não tem peso (não podemos comê-lo), e
assim os alunos «contradisseram a definição» e chumbam.
E os alunos terão razão em se sentirem injustiçados. Não
foram eles que erraram, mas o professor.
Isto sugere que não devemos pensar em «perus imagina
dos» ou «perus no entendimento» como se fossem perus cujo
peso, em princípio, se pode comparar com o peso de perus
reais, os quais pesariam sempre mais. Contudo, o argumento
ontológico requer precisamente este tipo de comparação.
É aqui que falha. Pois, mesmo que Deus apenas existisse na
imaginação, como a Mulher dos Meus Sonhos ou o peru de
250 kg, não se segue que se poderia descrever ou imaginar
um ser maior do que ele. Afinal de contas, a descrição já tem
os superlativos. Mas, infelizmente para a demonstração de
S. 10 Anselmo, isto não responde à questão de saber se há algo
que corresponda à sua definição.
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Elefantes e tartarugas
O argumento ontológico sempre pareceu suspeito. S. To
más de Aquino (cerca de 1225-74), o maior teólogo e filósofo
medieval, não o aceitou. Preferiu argumentar que precisa
mos de Deus de modo a podermos explicar como apreende
mos o mundo ou o cosmo. Este argumento, o argumento
cosmológico, é muito mais apelativo para a imaginação. Há
várias versões do argumento cosmológico. Todas requerem
que se mostre que as coisas no universo físico, as coisas que
conhecemos pelo tacto, pela visão e pelos outros sentidos,
são seres dependentes. E depois argumenta-se que os seres
dependentes acabam por pressupor, para serem explicados,
um ser que não dependa, ele próprio, de coisa alguma. Uma
versão deste argumento, e talvez a mais fácil de compreen
der, é o argumento da causa primeira. Eis a personagem
Démea, dos Diálogos sobre a Religião Natural, de Hume (estes
Diálogos, publicados em 1779, dois anos depois da morte de
Hume, são a análise filosófica clássica dos argumentos teo
lógicos tradicionais e irei citá-los bastante neste capítulo):
O que existir tem de ter uma causa ou razão da sua exis
tência, uma vez que é absolutamente impossível para qualquer
coisa produzir-se a si própria, ou ser a causa da sua própria
existência. Remontando, portanto, dos efeitos às causas, temos de
continuar a percorrer uma sucessão infinita, sem qualquer causa
final, ou temos finalmente de recorrer a uma causa última qual
quer, que exista necessariamente. Ora que a primeira suposição é
absurda pode demonstrar-se assim: na cadeia ou sucessão infinita
de causas e efeitos, a existência de cada efeito é determinada pelo
poder e eficácia da causa imediatamente precedente; mas a tota
lidade da cadeia ou sucessão eterna, tomada no seu todo, não é
determinada ou causada por coisa alguma. Todavia, é evidente
que exige uma causa ou razão, tanto quanto qualquer objecto
particular que comece a existir no tempo. É ainda razoável per
guntar por que razão esta sucessão particular de causas existiu
desde sempre, e não qualquer outra sucessão, ou nenhuma.
Se não houver um ser necessariamente existente, qualquer supo-
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O arquitecto sábio
O mesmo Cl eant es a qu em foi dada a tar efa de r efutar o
argument o ont ológ ic o é o r epr es entant e de uma t entat iv a
dif er ent e para demonstrar a ex istênc ia de uma div indade: o
argument o do desígnio - a ideia de qu e o Céu e a Terra pr o
clamam a glór ia do Cr iador. Est e argument o foi a pér ola da
t eol og ia do sécul o XVIII e ainda ex erc e uma fort e influênc ia.
Ir ei s egu ir a discussã o cl áss ica apr es entada nos Diálogos, de
Hume. Cl eant es apr es enta o argument o:
48
Hume, Didlogos, parte 2, p. 15.
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O problema do mal
Muitos sistemas religiosos querem mais dos seus deuses
do que as muito abstractas qualidades de «existência neces
sária». Querem amor e solicitude. Um deus que criou o
mundo e depois o abandonou entregue a si próprio não é um
objecto digno de culto nem uma fonte de autoridade moral.
Assim, os atributos tradicionais de Deus incluem a perfeição
moral. Deus deve ser todo-poderoso, claro, omnisciente, mas
também sumamente solícito. Mas então surge o argumento
clássico contra a existência de Deus: o problema de que, no
mundo que ele (ou ela ou eles) criou, essa solicitude parece
infelizmente não existir. Como Fílon diz:
Admitimos que o seu poder é infinito: o que ele quer execu
ta-se. Mas nem o homem nem qualquer outro animal são felizes;
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Milagres e testemunho
Talvez os argumentos centrais que estudámos falhem.
Mas muitas pessoas pensam que a fé religiosa está bem fun
damentada com base na ocorrência de acontecimentos mila
grosos. Um profeta pode estabelecer credenciais divinas pre
vendo o futuro, ou fazendo curas milagrosas, ou aparecendo
depois de morto, ou por meio de outros sinais desse género.
Quase ninguém tem o privilégio de assistir directamente
a tais acontecimentos. Em vez disso, apoiamos a nossa crença
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57
Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, cap. x, parte 1, p. 112.
58 Id., ibid., cap. x, parte 1, p. 113.
185
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pp. 115-116.
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60
Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, cap. x, parte 2, p. 125.
61
Id., ibid., cap. x, parte 2, p. 117.
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Infini-rien
Nenhum dos argumentos metafísicos que vimos até agora
serve de muito para confirmar a hipótese de que o universo
é a criação de um Deus tradicional. E a análise de Hume dos
testemunhos de milagres destroem o seu valor probatório.
Confrontada com estas lacunas, a fé religiosa pode tentar
encontrar outros argumentos.
Devemos ao matemático e teólogo francês Blaise Pascal
(1632-62) um argumento interessante e engenhoso, conhe
cido por «aposta de Pascal». Ao contrário do que temos
vindo a considerar, este argumento não é a favor da verdade
das crenças religiosas, mas a favor da utilidade de acreditar
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63
O argumento de Pascal encontra-se nos seus Pensées, pp. 149-155.
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Raciocínio
Um pouco de lógica
As partes relevantes de um argumento são, em primeiro
lugar, as suas premissas. As premissas são o ponto de partida,
ou o que se aceita ou presume, no que respeita ao argumento.
Um argumento pode ter uma ou várias premissas. A partir
das premissas, os argumentos derivam uma conclusão. Se
estamos a reflectir sobre um argumento, talvez por termos
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PENSE
p;
Se p, então q;
Logo, q.
202
RACIOCÍNIO
Tabelas de verdade
As suposições clássicas são, em primeiro lugar, que todas
as proposições (p, q, etc.) têm apenas um de dois valores de
verdade. Têm de ser ou verdadeiras ou falsas, mas não ambas
as coisas. («Mas suponha-se que eu não concordo com isso?»
Paciência.) A segunda suposição é a de que os termos com
que a lógica lida - essencialmente «e», «não», «ou» e «se ...,
então ... » - podem caracterizar-se em função daquilo que
fazem aos valores de verdade. («Mas suponha-se que eu não
concordo com isso?» Paciência outra vez.)
Considere-se «não p». Não p, que se costuma escrever
como -,p, é a rejeição ou negação de p: é aquilo que o leitor
diz quando não concorda com p. Seja sobre o que for de que
se esteja a falar, p, de acordo com a nossa primeira suposição,
203
PENSE
204
RACIOCÍNIO
p q p➔q
V V V
V F F
F V V
F F V
Est es op erador es são também conh eci dos por «op erado
r es de Bool e». Qu em esti ver familiarizado com bas es de
dados e folhas de cál culo j á ou viu falar de bus cas bool eanas,
as quais apli cam exactam ent e a m esma i deia. Pro curar um
coisinho com mais de cinco anos qu e est eja em armazém em
Iorqu e devol ve um r esultado quando encontra um coisinho
qu e ob edeça a ambas as condiçõ es. Pro curar cli ent es qu e não
pagaram a 1 de D ezembro devol ve pr ecisam ent e o r esultado
inverso de uma bus ca aos cli ent es qu e pagaram a 1 de D e
zembro. Pro curar cli ent es qu e compraram uma m áquina de
lavar ou um cortador de r el va dá-nos aqu el es cli ent es qu e
compraram uma coisa e os qu e compraram a outra.
Po demos agora ver a razão de s er de algumas das r egras
de inf er ência. Consi der e-s e a r egra qu e a partir de «p & q»
nos p ermit e deri var p (ou q). D est e mo do, não po der á partir
de uma ver dade e ch egar a uma falsi dade, pois a úni ca in
t erpr etação (a prim eira linha da tab ela) qu e t em «p & q» ver
dadeira t em também cada um dos ingre di ent es ver dadeiros.
Por est e moti vo, esta é uma boa r egra. Também po demos ver
por qu e razão o modus ponendo ponens, apr es entado em cima,
é uma boa r egra. É constituí do por duas pr emissas, «p» e «Se
p, então q». S er á qu e po demos encontrar uma int erpretação
(uma «maneira») na qual ambas as pr emissas s ejam ver da
deiras e em qu e q (a conclusão) s eja falsa? Não. Isto porqu e,
uma vez qu e p é ver dadeira, a úni ca int erpretação qu e toma
p ➔ q ver dadeira também toma q ver dadeira.
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PENSE
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RACIOCÍNIO
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PENSE
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RAOOCÍNIO
209
PENSE
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RACIOCÍNIO
211
PENSE
212
RACIOCÍNIO
Linguagem e lógica
O lógico estuda as formas de informação que acabámos
de descrever e, claro, outras formas complexas desse género
à medida que surgem. Mas o trabalho do filósofo tem outro
aspecto, que é decidir quando a informação expressa nos
idiomas da linguagem comum exibe uma ou outra des
tas formas. Isto revela-se uma tarefa surpreendentemente
difícil.
Por exemplo, considere a diferença entre «Ela era pobre e
honesta» e «Ela era pobre mas honesta ». A primeira ilustra
claramente a forma «p & q». E quanto à segunda? Certamente
que sugere algo mais, qualquer coisa como o facto de ser
surpreendente ou notável que alguém pobre seja honesto.
Mas será realmente isso que diz? Uma sugestão mais simples
é que, estritamente falando, exprime o mesmo que a primeira,
mas fá-lo de forma a insinuar ou sugerir que a combinação
é surpreendente ou notável. Talvez só a informação mais
simples seja estritamente expressa, mas é expressa de uma
forma que sugere algo (que pode, como neste exemplo, ser
bastante desagradável). Assim, os filósofos da linguagem são
levados a distinguir aquilo que é estritamente dito ou afir
mado - a informação veiculada pela elocução, a que se
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PENSE
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Raciocínios plausíveis
A lógica formal é excelente para nos ajudar a evitar con
tradições. Do mesmo modo, é excelente para nos mostrar
aquilo que podemos derivar a partir de conjuntos de premis
sas. Mas temos de ter as premissas. Além disso, não racio
cinamos apenas para deduzir certas coisas a partir de certa
informação dada, mas para aumentar as nossas convicções,
ou aquilo que consideramos constituir informação. Assim,
muitos dos raciocínios mais interessantes do nosso dia-a-dia
não pretendem ser válidos pelos padrões que temos vindo a
descrever. Pretendem ser plausíveis ou razoáveis, em vez de
completamente explícitos e sem ambiguidades. Há maneiras
nas quais um tal argumento poderia ter premissas verdadei
ras, mas a conclusão falsa, mas é pouco provável que isso se
verifique.
Todavia, podemos ir um pouco mais longe na aplicação
de algumas das ideias que tratámos, aplicando-as a argu
mentos plausíveis. Por exemplo, por que razão é uma tolice
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amarelo X X
verde X X X
azul X X
violeta X
Tempo 1 2 3 4 5 6 7 8 9
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violeta
Tempo 1 2 3 4 5 6 7 8 9
verde
azul x x x x x
violeta
Tempo 1 2 3 4 5 6 7 8 9
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PENSE
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Coisas hipotéticas
Voltemo-nos para um problema bem diferente do problema
da indução, mas que introduz um instrumento extremamente
útil para pensar acerca de muitas outras coisas. É um problema
que a maior parte das pessoas compreende mal.
Suponha que vai ao médico para saber se tem uma certa
doença. Suponha que essa doença é muito rara, que apenas
uma pessoa em mil sofre dela. Mas o seu médico diz ter um
bom exame para a detectar. O exame é de facto fidedigno em
mais de 99 % dos casos! Face a isto, o leitor decide fazer o
exame. Depois - horror! - o seu exame deu positivo. O seu
exame deu positivo e o exame é de confiança em mais de
99 % dos casos. Quão má é a sua situação ou, por outras
palavras, quais são as hipóteses de ter a doença?
A maioria das pessoas diria que é terrível, que é pratica
mente ponto assente que o leitor tem a doença.
Mas suponha que, sendo um pensador, pergunta ao mé
dico mais coisas acerca desta fidedignidade de 99 %. Supo
nha que lhe é dada esta informação:
1) Se tem a doença, o exame dir-lhe-á que a tem.
2) Os exames por vezes, mas muito raramente, dão «falsos
positivos». Só em muitos poucos casos - por volta de
1 % - dizem que alguém tem a doença sem a ter.
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Prob (b,'ª
1)=
Prob (b) x Prob (a/b)
Prob (a)
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Explicações e paradigmas
A indução é o processo de tomar as coisas da nossa expe
riência como se fossem representativas do mundo que a
ultrapassa. É um processo de projecção ou extrapolação.
Mas é apenas parte de um processo mais vasto para tentar
aumentar a nossa compreensão das coisas. Na secção final
deste capítulo pretendo apresentar alguns dos raciocínios
que isto envolve.
Suponha-se que temos um sistema complexo. Temos várias
características, que parecem interagir entre si. Podemos encon
trar as maneiras nas quais elas parecem interagir entre si, obser
vando as mudanças e as variações. Podemos ser capazes de
comparar estas mudanças e variações e de encontrar relações
fidedignas. Um exemplo disso é a lei de Boyle que nos diz que
a pressão de uma dada massa de gás, a uma certa temperatura,
é inversamente proporcional ao seu volume. Isto é uma lei me
ramente empírica. Verificou-se isto na experiência e tomamo-la
como verdadeira num mundo mais vasto. Algumas disciplinas
ficariam extremamente satisfeitas se conseguissem ir tão longe.
Por exemplo, a economia pretende descobrir as características
correctas de um sistema económico e ser capaz de traçar de
modo fidedigno as relações entre elas, o que se tem mostrado
extremamente difícil. É necessário engenho e arte, e a maioria
das tentativas fracassam. Temos tendência para esquecer que
isso também aconteceu na física. Por exemplo, foi preciso um
século de esforços para os cientistas aprenderem a identificar a
energia de um sistema mecânico como a sua característica si
lenciosa, cuja conservação permite prever o seu comportamento.
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Este excerto foi retirado de uma carta de Newton para Bentley. Esta é
citada em Kemp Smith, The Philosophy of David Hume, p. 61.
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73
Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, cap. IV, parte 1, p. 30.
74
A obra-prima de Kuhn foi The Structure of Scientific Revolutions,
publicada em 1962.
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Há ainda
qualidades que, não existindo nos próprios objectos, têm o poder
de produzir em nós diferentes sensações em virtude das suas qua
lidades primárias, isto é, devido ao volume, figura, textura e mo
vimento das suas partes insensíveis, como as cores, os sons, os
paladares, etc. A estas chamo qualidades secundárias78•
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PENSE
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O MUNDO
Os problemas de Berkeley
Em França, vários autores manifestaram alguma dificul
dade em aceitar a concepção cartesiana do mundo. Em par
ticular, se Deus afinal nos engana acerca das qualidades se
cundárias (ainda que, bem entendido, para nosso próprio
bem), não poderia também enganar-nos acerca das qualida
des primárias? Se lhe pareceu adequado que víssemos cores,
ainda que as cores não tenham qualquer semelhança com os
objectos do mundo físico, não poderia parecer-lhe igual
mente adequado que víssemos o mundo como uma colecção
de objectos espacialmente extensos, ainda que a realidade
física não fosse extensa? As cores desempenham o papel de
um novo cavalo de Tróia cujo propósito é reintroduzir o cep
ticismo do génio maligno que Descartes supôs ter vencido
em definitivo.
Este é um problema epistemológico. No entanto, o
desconforto torna-se ainda mais óbvio se pensarmos
na metafísica subjacente à concepção científica do mundo.
Pense-se, por exemplo, naquilo que preenche o espaço.
Descartes banira da realidade física todas as qualidades
excepto a extensão. Mas, em geral, isto foi considerado
insustentável. A «extensão» é algo inteiramente abstracto.
Um metro cúbico de espaço é uma coisa; um metro cúbico
de espaço com um corpo lá dentro é outra muito dife
rente. Seria necessário conceber a realidade física em ter
mos de objectos que ocupam espaço, e não apenas em
termos de espaço.
Óptimo, poder-se-ia pensar. Locke admite objectos dota
dos de propriedades como a «solidez» e o «movimento».
O movimento, no entanto, não constitui uma grande
ajuda, a menos que se admitam também objectos que se
movem. Concentremo-nos nos objectos. Temos conheci
mento de um certo volume espacial que inclua um objecto
pela solidez e resistência que oferece. É esta a diferença
entre um metro cúbico de espaço ocupado por um bloco de
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Coletes-de-forças e leis
Há outra maneira de compreender o problema colocado
na secção anterior. Consiste em reflectir sobre outro recurso
à disposição do conhecimento científico, o conceito de lei
natural. Para isso é necessário retomar algo que referimos no
capítulo precedente: a Harpa de Ouro.
Após reconsiderarmos essa experiência mental, podemos
avançar no problema nos seguintes termos. A experiência
mental é impressionante, mas talvez enganadora. Ela repre
senta a situação como se o estado do mundo em cada inter
valo fosse independente do estado do mundo em qualquer
outro intervalo. Tudo se passa como se Deus lançasse ao ar,
no final de cada período, um dado de seis faces, de modo
que existiria uma hipótese em seis de cada uma das cores
ficar virada para cima. Caso fosse esta a situação, seria real
mente falacioso argumentar que, dado um número (azul) ter
saído cinco vezes, seria de esperar que voltasse a sair na vez
seguinte. Argumentar desta forma é cair na falácia do
apostador. No entanto, não sabemos se no mundo tal como o
conhecemos este género de lotaria tem lugar a cada instante .
Não encontramos nele o caos que o argumento faria prever.
Encontramos apenas regularidades. Portanto, é mais prová
vel que exista algo que garante a ordem ao longo do tempo. Não
há um lançar de dados de tempos a tempos: tudo se passa
como se Deus tomasse uma decisão e se mantivesse fiel ao
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O MUNDO
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85
Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, cap. vn, parte 1, p. 63.
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O MUNDO
A revolução de Kant
As dificuldades que Berkeley encontrou na «filosofia
moderna» fizeram-no retirar-se para o interior da mente.
Decidiu que o mundo, tal como o entendimento o represen
tava, estava confinado às nossas próprias ideias e à nossa
natureza, entendida como «espírito» ou alma. Felizmente,
não estamos sós neste universo subjectivo; podemos ter a
certeza (pensava Berkeley) de que as nossas experiências são
injectadas em nós por outro grande espírito: Deus (não é
difícil antecipar a indignação de Hume perante este espé
cime de raciocínio causal a priori). Contudo, ninguém susten
tou que a solução de Berkeley fosse satisfatória: demasiado
parecido, neste aspecto, com o génio maligno, de Descartes,
o Deus de Berkeley limita-se a colocar-nos frente a frente
com uma realidade virtual inteiramente ilusória.
Kant foi um dos filósofos que concordavam cm;n o diag
nóstico da situação elaborado por Berkeley. Kant pensava
que a «filosofia moderna» de Locke defendera o que desig
nou por «realismo transcendental» e que esta posição era
insustentável. Considerou-a uma forma de «realismo», dado
que insistia num mundo de objectos independentes situados
no espaço e no tempo. E realismo «transcendental», porque
esse mundo está situado para lá da nossa experiência, sendo
apenas objecto de inferência. Contudo, Kant concordou com
Berkeley ao considerar a inferência demasiado precária. Es
creveu o seguinte acerca da posição de Locke:
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PENSE
86
Kant, Critica da Razão Pura, A 368, p. 345.
87
Id., ibid., A 137/B 196, p. 193.
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90
Kant, Critica da Raz.ão Pura, A 372, p. 347.
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Os olhos de quem a vê
Um verdadeiro realista ou oponente do idealismo defende
a existência de factos e estados de coisas totalmente indepen
dentes da mente. O idealista chama constantemente a aten
ção para o papel que a mente desempenha ao seleccionar e
moldar a concepção que temos do mundo que habitamos.
Para o idealista, a mente cria o mundo em que vivemos, o
«Lebenswelt» dos nossos pensamentos, das nossas percep
ções e imaginação. Kant, é claro, está comprometido com
esta concepção até aos ossos; o nosso quadro mental, os
nossos «esquemas conceptuais» de espaço, tempo, objectos,
causas e eus devem-se aos princípios organizadores da mente.
Ainda assim, sem que nos tomemos dualistas cartesianos,
podemos simpatizar com esta consciência do papel que a
mente desempenha ao gerar o mundo que somos capazes de
compreender. De facto, um grande número de pensadores
do século xx (seguindo uma tendência do século XIX) pega
ram na ideia de Kant e desenvolveram-na ainda com mais
entusiasmo. Celebraram, em particular, algo que encontrá
mos já sob a designação de «paradigma»: a ideia de que há
lentes culturais e historicamente mutáveis através das quais
observamos as coisas, palácios ou prisões conceptuais que
são o produto da nossa própria engenharia.
91
Kant, Crítica da Razão Pura, B 275, p. 244.
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92
Berkeley, Três Diálogos, «Primeiro Diálogo», § 398, p. 35.
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Regras, universais
A tradição idealista em filosofia enfatiza a inevitabilidade
e importância crucial do papel que a configuração das nos
sas mentes desempenha na «construção» do mundo tal como
o compreendemos. Isto é compatível com diferentes selec
ções das características que configuram a mente. Berkeley e
a tradição empirista começam com a experiência sensorial,
em particular a experiência das qualidades secundárias. É o
facto de «residirem nos olhos de quem as vê» que se toma
embaraçoso.
Hoje, os factores culturais, especialmente linguísticos, são
mais proeminentes. Preocupam-nos as variações culturais, e
não tanto a subjectividade da experiência. Assim, muitos filó
sofos contemporâneos aplaudem uma linha de pensamento
que encontramos em Wittgenstein: as chamadas conside
rações acerca de seguir regras94• A Wittgenstein interessa o
momento em que compreendemos um conceito que, ao ser
explicado, nos permite tomar consciência de que «Agora é
possível continuar» ou «Agora sei o que significa». Tanto
quanto parece, isto acontece ao apreendermos a regra ou
princípio que distingue a aplicação correcta de um termo de
uma aplicação incorrecta desse termo. Trata-se de uma faça-
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8
O que fazer
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Preocupações reais
Muito do pensamento prático possui uma natureza
tecnológica. Temos um objectivo e o nosso problema reside
em saber como alcançá-lo. Tentamos adaptar os meios aos
fins, sendo os fins dados de antemão. O fim está estabele
cido: queremos consertar o frigorífico, plantar flores ou cons
truir uma ponte. É claro que podemos fazer estas coisas
melhor ou pior. Não há um «modo de pensar» único que nos
permita alcançar todos os nossos objectivos, da mesma for
ma que a pessoa que sabe consertar o frigorífico não sabe
necessariamente plantar flores ou construir a ponte. A aqui
sição das competências necessárias implica o conhecimento
do sistema em questão, saber que alterações efectuar e como
as efectuar de forma a obter o fim desejado.
Geralmente, diz-se que os nossos objectivos são determi
nados pelos nossos desejos, de modo que no raciocínio meios/
/ fins se trata de satisfazer eficientemente os nossos desejos.
Isto é muitas vezes verdadeiro, pelo menos aproximadamente.
Mas pode ser enganador. Se se considerarem os desejos esta
dos de entusiasmo relativo a um fim - as coisas que nos
põem um brilho nos olhos -, agimos frequentemente porque
temos preocupações específicas, casos em que «desejo» não é
a palavra certa. Aqui estou eu a cortar a relva, quando gosta
ria de estar a velejar. Porquê? Na verdade, não por ter dese
jado cortar a relva. Talvez até deteste fazê-lo. Mas estava na
altura de o fazer, ou era necessário fazê-lo. Tenho a preo
cupação de que a relva seja cortada e decidi adoptar um
meio eficiente para esse fim. Ter uma preocupação, neste sen
tido, significa ser impelido pelo pensamento de que a relva
tem de ser cortada. Posso pensar que o meu papel é cortar a
relva. Ou posso apenas pensar que «está na altura de o fazer»,
sem pensar conscientemente em mim mesmo enquanto pro
prietário, ou outra coisa qualquer. Apesar disso, geralmente
reconheço que a relva de outra pessoa precisa de ser cortada
sem me sentir impelido a fazê-lo. Portanto, foi o meu papel
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O QUE FAZER
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A voz interior
Muitas preocupações são privadas e opcionais . Suponha
mos que me interessava por engenhos a vapor. Nesse caso,
a característica de um local - a de ali passarem comboios a
vapor - adquire peso para mim. A meu ver, é uma razão
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Verdade e bondade
Todavia, há aqui uma questão que divide os pensadores
em dois campos.
Considere esta equação:
Uma das preocupações de X é conseguir/promover/apoiar cj> =
X pensa que cp é bom/pensa que cp é uma razão para agir.
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Raciocínio prático
No início deste capítulo referimos os raciocínios tecnoló
gicos, nos quais é dado um objectivo e o problema consiste
em encontrar os meios para o alcançar. Mas é óbvio que
muito do raciocínio prático se dedica a alterar os objectivos
das pessoas. Procuramos colocar a situação sob uma luz
diferente, de forma que as pessoas passem a partilhar os
objectivos que aprovamos ou que abandonem objectivos que
desaprovamos.
Grande parte de tal raciocínio consiste, obviamente, em
pura persuasão. Esta é a arte do vendedor e da agência pu
blicitária. Utilizamos a retórica como forma de estimular as
emoções das pessoas e de as orientar para os rumos deseja
dos. O pregador que pinta os horrores do Inferno ou o polí
tico que aponta as virtudes do seu partido e os vícios do
outro não estão verdadeiramente a procurar aumentar o co
nhecimento das pessoas sobre o que quer que seja. Podemos
dizer que a preocupação, nestes casos, é manipular, e não
instruir. O seu objectivo é atribuir pesos emocionais a vários
modos de agir, conduzindo as pessoas na direcção desejada.
No seu pior, isto poderá traduzir-se em fazer corresponder
castigos e ameaças a modos de agir, ao invés de outros tipos
menos explícitos de pressões persuasivas.
Quando assumimos esta atitude para com os outros,
estamos, na verdade, a tratá-los como meios para alcançar os
nossos próprios fins. Por uma qualquer razão, queremos que
eles tenham um objectivo. Queremos que eles comprem o
nosso produto, votem no nosso partido ou se convertam à
nossa fé. Se estivermos dispostos a adoptar qualquer modo de
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O QUE FAZER
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Relativismo
Então, afinal, tudo se resume a «apenas nós»? Os nossos
gloriosos imperativos e valores morais não passam, todos
eles, de um conjunto de preocupações contingentes, situadas
e talvez variáveis, que, por acaso, exigimos uns aos outros?
Bem, é, na verdade, nós, mas pode não ser «apenas» nós.
O «apenas» sugere a existência de outras soluções igualmente
boas, ou igualmente «válidas» ou valiosas. Em certos casos,
podemos pensar isso. Os Britânicos conduzem pela esquerda
e os Americanos fazem-no pela direita. Cada um chegou a uma
solução igualmente boa para o problema da coordenação do
tráfego. A condução por um dos lados é «apenas nós». Mas não
é «apenas nós» a razão para conduzirmos eJectiva e exclusiva
mente por um ou outro lado. A condução arbitrária ou no meio
da via não é uma boa solução - não é sequer solução - para
o problema da coordenação.
Uma vez entendida uma solução como uma de muitas
soluções igualmente boas para o mesmo problema, podemos
apreciá-la como «apenas nossa» e deixamos de ter tendência
para moralizar contra os outros. As línguas diferentes têm
palavras diferentes para designar coisas diferentes e gramá
ticas diferentes e diferente colocação das palavras na frase,
mas todas servem igualmente bem o propósito de possibili
tar a comunicação. Os diferentes costumes, ritos, regras e
convenções sociais podem ser vistos como diferentes solu
ções para os problemas da expressão, coordenação e comu
nicação públicas. Não temos de os classificar. Em Roma sê
romano.
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O QUE FAZER
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PENSE
Despedida
Este livro tentou apresentar alguns dos grandes temas, as
coisas a pensar acerca deles e as que acerca deles outros
pensaram. Não tentei forçar as pessoas a adoptar um con
junto de doutrinas ou perspectivas . Na verdade, o leitor pers
picaz pode ter reparado que o resultado dos argumentos é
muitas vezes uma espécie de pessimismo. A harmonia entre
os nossos pensamentos e o mundo, a ponte que construímos
entre o passado e o futuro, o sentido daquilo que o mundo
físico contém e do modo como as nossas mentes se inserem
nele são tópicos aos quais se dedicaram os pensadores mais
perspicazes, tendo conseguido como resultado apenas a frus
tração. Parece haver sempre palavras melhores um pouco
mais além, à espera de serem encontradas.
A este respeito poderíamos ser cínicos - sabe-se de filó
sofos profissionais que o foram -, como se a defesa da refle
xão crítica que tentei avançar na «Introdução» se tivesse
revelado vã . Não creio que tal se justifique. Penso que o
próprio processo de compreensão dos problemas é, em si,
um bem. Se o desfecho é aquilo a que Hume chamou um
«cepticismo mitigado» 102, ou o sentido do quanto uma mo
déstia decente nos fica bem no decurso das nossas especu
lações intelectuais, isso não é certamente uma coisa má.
O mundo está repleto de ideias e uma consciência exacta do
seu poder, dificuldade, fragilidades e falibilidade não é de
modo algum o que menos lhe faz falta.
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Bibliografia
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PENSE
304
BIBLIOGRAFIA
305
PENSE
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Glossário inglês-português
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GLOSSÁRIO INGLÊS-PORTUGUÊS
309
PENSE
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GLOSSÁRIO INGLÊS-PORTUGUÊS
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PENSE
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GLOSSÁRIO INGLÊS-PORTUGUÊS
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,.
Indice analítico
a posteriori, 77, 171-172, 185, 227- cepticismo, 9, 22, 28, 34, 48-49, 51,
-228 53-54, 56, 64, 76, 249, 258, 302
a priori, 19, 41, 64, 67, 72, 74, 77, 127, cérebro numa cuba, 35
133, 163, 190, 192, 222, 228-230, Chekhov, Anton, 217
234-235, 238, 259, 262 coerentismo, 52-53
Agostinho, S.'0, 288 Cogito, ergo sum, 28, 35
Allen, Woody, 153 colete-de-forças, 257, 258
análise, 73 compatibilismo, 102, 104-105, 114
Anselmo, S.'º, 162-164, 166, 207 contradição, 142-143, 163-164, 168,
aposta de Pascal, 192 185, 206-207, 216-217, 224, 266
argumento cosmológico, 160, 167, Copérnico, Nicolau, 18, 24, 262
170, 179, 184, 257-258
argumento da marca, 42, 44 darwinismo, 172
argumento do desígnio, 160, 171- Descartes, 12, 24-33, 35-50, 52-53,
-172, 175, 178, 230 55-60, 67, 70, 72, 98, 129, 131-132,
argumento ontológico, 160, 162, 137, 149, 156, 162, 238-242, 245,
164-167, 171, 179, 207, 267 247, 249, 251, 255, 259-260, 264-
Aristóteles, 110, 202, 288 -265
Arnauld, Antoine, 46 descrições, teoria das, 212
determinismo, 91-92, 95-98, 101-
Bayes, Thomas, 191, 227, 230-231 -102, 104, 118
behaviourismo, 74-75 disfunções cognitivas, 190
Berkeley, George, 12, 251-253, 256,
259-264, 266-268, 270 egoísmo psicológico, 278
Burke, Edmund, 299 empirismo, 50
315
PENSE
engenharia conceptual, 11, 14, 21, Leibniz, Gottfried Wilhelm, 66, 68-
111, 127 -72, 76, 79, 80, 82, 85, 210
Epicuro, 97-98, 177, 179 leis da natureza, 91, 170, 192, 236,
epifenomenalismo, 66, 241 259, 264
Espinosa, Benedito, 109 Lichtenberg, Georg Christoph, 38,
experiência mental, 34-35, 85, 256, 39, 129, 144
268-269 linguagem privada, 81
livre arbítrio, defesa do, 182
falácia da taxa de incidência, 226 Locke, John, 50, 66-72, 76, 79-82,
fantasma na máquina, 126 134-137, 139-143, 151, 154, 247-
Faraday, Michael, 253-255, 258 -252, 259-260, 262
fideísmo, 199 Lucrécio, 89, 91, 97, 98
filosofia analítica, 273
força, 254 mal, problema do, 176, 181
Frege, Gottlob, 208-209 Malebranche, Nicolas, 68
funcionalismo, 75 milagres, 183-92
Mill, John Stuart, 196
Galileu Galilei, 24, 239-240, 242, Montaigne, Michel, 24
247 Moore, G. E., 73, 268-269, 274, 289
Gaunilo, 164
génio maligno, 27, 33-35, 37, 39, 44- Neurath, Otto, 52, 301
-46, 48, 50-54, 249, 259 Newton, Isaac, 67, 233-234, 236
Goya, Francisco de, 20, 22 Nietzsche, Friedrich, 38, 159
nominalismo, 271, 273
Hamlet, 22 ocasionalismo, 68
Hume, David, 12, 48-53, 131-133, operadores de Boole, 205
143-145, 147, 155, 167-169, 171-
-172, 180-181, 183-190, 192, 197- Pascal, Blaise, 192-195
-199, 220, 222, 224, 230, 234, 235- Platão, 15-16, 47, 273, 290, 301
-236, 252-259, 261, 274, 286, 302 platonismo, 271-273
ideais, 283 pós-modernismo, 273
idealismo transcendental, 262 premissa suprimida, 31
implicatura, 214 probabilidades, 219
incompatibilismo, 98, 100
indução, 220, 225, 232-233, 257 qualia, 76, 85, 90
qualidades primárias e secundárias,
James, William, 146 240
quantificador, 210
Kant, Immanuel, 105, 112, 137-139, questão em aberto, 289
145-146, 148, 150-151, 156, 170, Quine, W. V., 73
172, 255-256, 259-265, 269, 274,
295 racionalismo, 41, 79, 235
Kuhn, Thomas, 237 razão suficiente, 71
316
ÍNDICE ANALÍTICO
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