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16º Encontro Nacional da ABET

03 a 06 de setembro de 2019
UFBA, Salvador (BA)
GT 08 – Trabalho e Educação

OS INSTITUTOS FEDERAIS COMO POLÍTICA PÚBLICA


DE (CON)FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA

Fabíola Leonor de Paula Ramos

UFRRJ - RJ
OS INSTITUTOS FEDERAIS COMO POLÍTICA PÚBLICA DE (CON)FORMAÇÃO DA
CLASSE TRABALHADORA

Fabíola Leonor de Paula Ramos

Resumo:

Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) são o mais novo


modelo de instituição de educação profissional e tecnológica sendo considerados uma
das medidas do Governo Lula para a expansão da Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica (daqui para frente denominada Rede Federal).
Os IFs originaram-se com a publicação do Plano de Desenvolvimento da
Educação – PDE, em 2007. Neste documento encontramos um conjunto de ações e
programas do governo Lula para a educação brasileira. A proposição dos institutos
federais como um novo modelo de reorganização das instituições federais de educação
profissional e tecnológica atenderia com grande nitidez os desejáveis enlaces entre
educação sistêmica, desenvolvimento e territorialidade (BRASIL, 2007) e ainda
responderia ao compromisso político assumido com a classe trabalhadora em relação
à educação profissional e à democratização do ensino.
Os IFs foram estruturados a partir da reinstitucionalização de antigas escolas
técnicas e agrotécnicas federais, CEFETs e escolas vinculadas às universidades
federais. Eles devem ofertar Educação Profissional em todos os níveis e modalidades,
desde a Educação Básica até a Educação Superior.
Atualmente a Rede Federal se constitui de: 67 instituições de ensino, 38 IFs, 2
CEFETs, 25 escolas vinculadas às universidades federais, 01 Universidade Tecnológica
e o Colégio Pedro II, com suas 12 unidades escolares (BRASIL, 2008, Art. 1º).
Os IFs devem ser reconhecidos como ação concreta de uma política pública para
a educação brasileira e, como tal, são estratégias para a mediação dos problemas
sociais criados pela ordem capitalista (CASTEL, 1998).
Como nos esclarece Savianni (2005,) não é possível compreender a história da
sociedade nem a história da educação contemporânea, sem compreender os
movimentos do capital. O capital vive uma crise estrutural e esta desencadeia um
processo de recomposição burguesa para implantar novas bases de acumulação e de
mediação de conflito de classe. A crise experimentada pelo capital, bem como suas
repostas, se materializa na adoção da agenda neoliberal e na reestruturação produtiva,
o que tem acarretado, entre tantas consequências ruins, profundas mutações no interior
do mundo do trabalho (ANTUNES, 2009). Neste contexto, busca-se formar um
trabalhador de novo tipo: polivalente, flexível e minimamente qualificado para atender
as demandas de produtividade e competitividade das empresas (SOUZA, 2015, 2018).
As reformas educacionais propostas desde então visam à formação e à
conformação da classe trabalhadora para atender, em condições renovadas, à dinâmica
atual da exploração capitalista para a produção e reprodução do capital. A Educação
Superior, em especial, torna-se requisito indispensável ao desenvolvimento econômico
no país (MAUÉS, 2010). Neste aspecto, foram empreendidos grandes esforços para a
ampliação, expansão, diversificação e flexibilização desse nível de ensino. Já
encontramos estudos comparativos entre os dados do Censo Nacional da Educação
Superior que nos revelam a ocorrência de aumento considerável no número de
matrículas na educação superior, que passou de 1.759.703, em 1995, para 8.052.254,
em 2016. É importante considerar que 87,7% das instituições de Educação Superior são
privadas. O Programa Universidade para Todos (PROUNI) e o Fundo de Investimento
do Ensino Superior (FIES) favoreceram alto investimento de dinheiro público nas IES
privadas e consequentemente, um elevado número de matrículas, o que faz do
Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) uma
iniciativa tímida.
No entanto, os IFs podem e devem ser considerados uma estratégia para a
diversificação do Ensino Superior, assim como recomendado pelos organismos
internacionais. Na realidade, fazem parte do conjunto de ações desencadeadas para o
reordenamento das IES públicas, por meio dos princípios de otimização, redução e
flexibilização de espaços, tempos e recursos para a ampliação e oferta do ensino
superior.
Nesse sentido, o problema central de nossa análise consiste em evidenciar que
os IFs, como lócus de formação de trabalhadores, assumem funções primordiais para a
manutenção da ordem capitalista, ao mesmo tempo em que alimentam o discurso da
democratização do acesso à Educação Básica, Técnica e Tecnológica.
Para Souza (2018), os IFs têm sido acionados pelo governo federal para serem
centros de referência de formação do trabalhador de novo tipo no país, oferecendo uma
formação pragmática, imediatista e interessada, de modo a atender às demandas de
produtividade e competividade das empresas. Este autor destaca que no discurso oficial
que deu origem a criação dos IFs há uma concepção “redentora” da educação, onde se
pretendeu reeditar a Teoria do Capital Humano em condições renovadas, mais de
acordo com a dinâmica de valorização do capital na atualidade.
No discurso dos idealizadores dos IFs, a educação profissional e tecnológica é
estratégica não apenas como elemento contribuinte para o desenvolvimento econômico
e tecnológico nacional, mas também como fator para fortalecimento do processo de
inserção cidadã de milhões de brasileiros. O foco é a promoção da justiça social, da
equidade, do desenvolvimento sustentável com vistas à inclusão social, bem como a
busca de soluções técnicas e geração de novas tecnologias (BRASIL, 2007).
Dessa forma, os IFs, quando são criados tendo como uma de suas finalidades o
apoio aos processos educativos que levam à geração de renda e à emancipação do
cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional,
evidenciam que a educação pode ser produtora da capacidade de trabalho,
potencializadora de trabalho, potencializadora de renda, um capital, sendo assim, um
fator de desenvolvimento econômico (FRIGOTTO, 2010).
A Teoria do Capital Humano se encontra muito presente nas políticas de
formação profissional, sendo difundida através dos seguintes termos: qualidade total,
formação flexível, formação por competências, empregabilidade, empreendedorismo e
etc. Com isso, consegue transpor para o indivíduo a responsabilidade da sua inserção
no mercado de trabalho e, assim, mascara o fato de que mesmo que todos pudessem
adquirir todas as novas qualificações exigidas, o mercado de trabalho é incapaz de
absorver a todos.
Os IFs alimentam o discurso de democratização do acesso à educação como
instrumento de mobilidade, equidade e justiça social, no entanto, no processo de
valorização do capital, a formação profissional funciona como espaço de conformação
psicofísica e de conformação ética e moral da classe trabalhadora à nova dinâmica da
sociabilidade do capital. Ao mesmo tempo em que forma pequena parte da classe
trabalhadora para operar o aparato tecnológico aplicado na produção, conforma todo o
conjunto da classe trabalhadora por meio da pedagogia política do capital para a
construção do consenso em torno da concepção de mundo burguesa (SOUZA, 2015).
Acreditamos que da forma como estão sendo estruturados, os IFs estão distantes de
contribuir para a mobilidade, equidade e justiça social. Prevalece o esforço para formar
o maior contingente de pessoas, o que nos leva a pensar que a preocupação gira em
torno da certificação em massa, para conformar grande contingente de trabalhadores a
encarar com naturalidade as mazelas do mundo do trabalho, sob a justificativa de que
a razão do desemprego é a carência de qualificação profissional (SOUZA, 2015, 2018).
Palavra-chave: Tendências da Política Educacional - Educação Superior - Instituição
de Formação Profissional Superior – Ensino de Graduação
OS INSTITUTOS FEDERAIS COMO POLÍTICA PÚBLICA DE (CON)FORMAÇÃO DA
CLASSE TRABALHADORA

Fabíola Leonor de Paula Ramos

1- Introdução

Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) são o mais novo


modelo de instituição de educação profissional e tecnológica sendo considerados uma
das medidas do Governo Lula para a expansão da Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica (daqui para frente denominada Rede Federal).

A Rede Federal teve suas origens no início do século passado e grande parte
das instituições que a formam hoje são originárias das 19 escolas de aprendizes e
artífice, instituídas em 1909. Essas escolas foram criadas como uma medida
exclusivamente social e destinavam-se a proporcionar ocupação aos desvalidos da
sorte e da fortuna (RAMOS, 2014, p.9). Décadas depois essas escolas se
transformaram em Escolas Técnicas Federais (ETF), Escolas Agrotécnicas Federais
(EAF) e Centros Federais de Educação Profissional e Tecnológica (CEFETs).

A partir da década de 1930 com a instauração do modo de produção


propriamente capitalista, e com ele o processo de industrialização, a formação de
trabalhadores torna-se uma necessidade econômica e não mais uma medida
exclusivamente social como em sua gênese, quando se destinou a proporcionar
ocupação aos desvalidos da sorte e da fortuna, nos termos do decreto de Nilo Peçanha,
de 1909 (RAMOS, 2014, p.9).

A Rede Federal tinha o papel de ofertar preferencialmente o ensino técnico de


nível médio, podendo ser na forma integrada, concomitante ou subsequente ao Ensino
Médio. No ano de 1978 foram criados os três primeiros CEFETs (CEFET –Rio de
Janeiro, CEFET- Minas gerais e CEFET-Paraná) para atender às demandas por
formação profissional especializada para o desenvolvimento econômico estabelecido no
país. Aos CEFETs cabia a tarefa de formar, em nível superior, profissionais em
engenharia industrial (em 5 anos) e tecnólogos em curta duração (SOUZA, 2019).
Ramos (2014) destaca que foi no período da gestão de Fernando Collor de Mello
(1990-1992) que assentou no país as bases para as reformas neoliberais, até a de
Itamar Franco (1992-1995) ocorreu um significativo movimento de fortalecimento da
educação profissional e tecnológica no país, especialmente pela ampliação das
instituições federais. Foi nesse período que o ocorreu o processo de transformação das
Escolas Técnicas Federais em CEFETs.

Com isso, verificamos que até o ano de 2005, a Rede Federal contava com 144
unidades distribuídas entre 34 CEFETs e suas 42 unidades de ensino descentralizadas,
01 universidade tecnológica e seus campi, 36 escolas agrotécnicas e 30 escolas
técnicas vinculados às universidades federais e uma escola técnica federal (BRASÍLIA,
2009).

No entanto, foi no governo de Lula (2003-2011) que presenciamos uma


expressiva expansão da Rede Federal. Para isso foi criado, no ano de 2008 um novo
modelo de instituição de educação profissional e tecnológica: os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia ( IFs) que atualmente compõem a maior parte da Rede
Federal.
O governo Lula da Silva além de consolidar as propostas do governo
de FHC para atender as demandas empresariais foi capaz de
aperfeiçoar a ofensiva do Estado sobre a política educacional com uma
séria de medidas, dentre elas a instituição da Rede Federal e a criação
dos IFs (SOUZA, 2018).

Verificamos a presença dos IFs em todos os estados da federação. A tabela 01


mostra a distribuição quantitativa dos IFs por região.

TABELA 01: Nº de Institutos Federais por região brasileira

Fonte: Lei nº 11.892 (BRASIL, 2008). Elaboração própria

Frigotto (2018), em sua pesquisa mais recente sobre os IFs, enfatiza que desde
sua criação, os IFs expressam a mais ampla e significativa política no campo da
educação pública. Do mesmo modo, Otranto (2012), considera que os IFs sintetizam a
expressão maior da política pública para a educação profissional brasileira do governo
Lula (2003-2011) e produziram mudanças significativas na vida e na história das
instituições que optaram por aderir à proposta governamental

Os IFs originaram-se com a publicação do Plano de Desenvolvimento da


Educação – PDE, em 2007. Neste documento encontramos um conjunto de ações e
programas do governo Lula para a educação brasileira. A proposição dos institutos
federais como um novo modelo de reorganização das instituições federais de educação
profissional e tecnológica atenderia com grande nitidez os desejáveis enlaces entre
educação sistêmica, desenvolvimento e territorialidade (BRASIL, 2007) e ainda
responderia ao compromisso político assumido com a classe trabalhadora em relação
à educação profissional e à democratização do ensino.

Os IFs foram estruturados a partir da reinstitucionalização de antigas escolas


técnicas e agrotécnicas federais, CEFETs e escolas vinculadas às universidades
federais. Atualmente a Rede Federal se constitui de: 67 instituições de ensino, 38 IFs,
2 CEFETs, 25 escolas vinculadas às universidades federais, 01 Universidade
Tecnológica e o Colégio Pedro II, com suas 12 unidades escolares (BRASIL, 2008, Art.
1º).

Na verdade, os IFs foram constituídos por esse conjunto de escolas atomizadas


que eram gerenciadas pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC)
e representam o agrupamento de um conjunto de unidades educativas já pertencentes
à Rede Federal. As formas de agrupamentos dessas unidades não obedeceram a um
critério específico, de certo modo, a localização geográfica e até interesses políticos
induziram a constituição dos IFs.

Dessa forma, a expansão da Rede Federal tratou-se de um plano bastante


ambicioso, na medida em que no decorrer de quase um século (1909 a 2002) a Rede
Federal contou com somente 144 instituições (BRASIL, MEC, 2008) e em apenas 10
anos de criação, dada a estrutura multicampi de cada IF, foram criadas em torno de 500
unidades educativas de educação profissional e tecnológica.

A representatividade dos IFs na composição da Rede Federal é marcante, não


somente pela quantidade de institutos criados, mas também pela sua atribuição em
ofertar Educação Profissional em todos os níveis e modalidades, desde a Educação
Básica até a Educação Superior, inclusive cursos de licenciatura (BRASIL, 2008, Art 2º).
Os IFs são instituições equivalentes às universidades e de acordo com as
determinações da Lei nº 11.892/2008, em seu artigo 7º, devem:

I - ministrar educação profissional técnica de nível médio,


prioritariamente na forma de cursos integrados, para os concluintes
do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e
adultos;

II - ministrar cursos de formação inicial e continuada de


trabalhadores, objetivando a capacitação, o aperfeiçoamento, a
especialização e a atualização de profissionais, em todos os níveis
de escolaridade, nas áreas da educação profissional e tecnológica;

III - realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de


soluções técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios à
comunidade;

IV - desenvolver atividades de extensão de acordo com os


princípios e finalidades da educação profissional e tecnológica, em
articulação com o mundo do trabalho e os segmentos sociais, e com
ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de conhecimentos
científicos e tecnológicos;

V - estimular e apoiar processos educativos que levem à geração


de trabalho e renda e à emancipação do cidadão na perspectiva do
desenvolvimento socioeconômico local e regional; e

VI - ministrar em nível de educação superior:

a) cursos superiores de tecnologia visando à formação de


profissionais para os diferentes setores da economia;

b) cursos de licenciatura, bem como programas especiais de


formação pedagógica, com vistas na formação de professores para
a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática,
e para a educação profissional;

c) cursos de bacharelado e engenharia, visando à formação de


profissionais para os diferentes setores da economia e áreas do
conhecimento;

d) cursos de pós-graduação lato sensu de aperfeiçoamento e


especialização, visando à formação de especialistas nas diferentes
áreas do conhecimento; e

e) cursos de pós-graduação stricto sensu de mestrado e doutorado,


que contribuam para promover o estabelecimento de bases sólidas
em educação, ciência e tecnologia, com vistas no processo de
geração e inovação tecnológica.

Nos IFs, de acordo com a Lei, 50% das vagas disponibilizadas deverão ser em
educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos
integrados. Deverão garantir pelo menos 20% das vagas para a oferta de licenciaturas
(matemática, química, física, biologia e educação profissional). Deduz-se que os 30%
restantes podem ser ocupados livremente, pela oferta de curso superior de tecnologia,
de bacharelado e de pós-graduação lato sensu (aperfeiçoamento e especialização) e
stricto sensu (mestrado e doutorado) e para formação inicial e continuada de
trabalhadores ou até mesmo ampliar as vagas para os cursos técnicos e as licenciaturas
(BRASIL, 2009).

Os IFs se fundamentam na verticalização do ensino, onde os docentes atuam


nos diferentes níveis e modalidades e aos discentes é oportunizado estabelecer
itinerários formativos desde o curso técnico até a pós-graduação. O texto legal ainda
destaca que os IFs devem realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural,
o empreendedorismo, o cooperativismo e fortalecer os arranjos produtivos locais
(BRASIL, 2008).

A forma como se estruturaram os IFs evidencia uma realidade multifacetada,


instituída pela própria composição e pela diversidade da oferta educativa por essas
instituições. Em relação à composição, consideramos que muitas das instituições que
compuseram os IFs já existiam e tinham, portanto, uma identidade construída e tiveram
que se adaptar a uma nova realidade, principalmente na oferta de Educação Superior,
sem que tivessem experiência com este nível de ensino.

As possibilidades em sua oferta educativa demonstram o vasto cardápio de


atribuições dos IFs. Eles oferecem desde a Educação Básica até o Ensino Superior. As
atribuições que cabiam especialmente aos CEFETs passaram a ser demandas para as
unidades educativas que compuseram os IFs, pois deveriam a ofertar cursos de
bacharelado, superiores de tecnologia e licenciaturas. Nesse aspecto, cada IF teve de
organizar-se de acordo com sua realidade, desde que fossem obedecidos os preceitos
da Lei.

Os IFs devem ser reconhecidos como ação concreta de uma política pública para
a educação brasileira e, como tal, são estratégias para a mediação dos problemas
sociais criados pela ordem capitalista (CASTEL, 1998). Para Souza ( 2010 ) as políticas
públicas de caráter social assumem dois papeis simultâneos: dão respostas às
necessidades objetivas e subjetivas de valorização do capital e funcionam também
como mediação do conflito de classes.

A política pública para educação, ao mesmo tempo em que serve para


atender as demandas de produtividade e competitividade das
empresas, também funciona como aparelho privado de hegemonia
capaz de mediar conflitos de classe que emergem da desigualdade de
oportunidade geradas pelo desemprego estrutural. A forma mais
comum desta pedagogia da hegemonia tem sido a propagação da ideia
de que a razão do desemprego é a carência de qualificação
profissional. Graças à forte base social que esta ideia se encontra, o
sistema educacional tem sido amplamente redimensionado para
atender a esta dupla função de formação do trabalhador (SOUZA,
2010, p. 146).

Como nos esclarece Savianni (2005,) não é possível compreender a história da


sociedade nem a história da educação contemporânea, sem compreender os
movimentos do capital. O capital vive uma crise estrutural e esta desencadeia um
processo de recomposição burguesa para implantar novas bases de acumulação e de
mediação de conflito de classe. A crise experimentada pelo capital, bem como suas
repostas, se materializa na adoção da agenda neoliberal e na reestruturação produtiva,
o que tem acarretado, entre tantas consequências ruins, profundas mutações no interior
do mundo do trabalho (ANTUNES, 2009). Neste contexto, busca-se formar um
trabalhador de novo tipo: polivalente, flexível e minimamente qualificado para atender
as demandas de produtividade e competitividade das empresas (SOUZA, 2015, 2018).

No Brasil, as mudanças ocorridas no mundo do trabalho a partir dos


anos 90 com a globalização da economia, com a reestruturação
produtiva e com as novas formas de relação entre Estado e
sociedade civil geradas pelo neoliberalismo instauraram um novo
regime de acumulação do capital, a acumulação flexível, que visa a
flexibilização da força de trabalho de forma a garantir as suas
condições de acumulação e a capacidade de responder
rapidamente as demandas do mercado. Este regime de
acumulação flexível passou a ser o toyotismo, que captura a
subjetividade do trabalho pela lógica do capital e exige novas
qualificações de trabalho que articulam habilidades cognitivas e
habilidades comportamentais. O toyotismo promoveu mudanças
estruturais no mercado do trabalho e na própria estrutura das
qualificações profissionais, com rebatimentos decisivos nas
políticas educacionais e demandas formuladas à escola (ALVES,
2007, p.249).

E foi juntamente com a reforma do Estado que se iniciou uma ampla reforma
educativa para atender à essas novas demandas de formação e qualificação do
trabalhador brasileiro. Neste aspecto, Veiga e Souza (2018) destacaram que no ano
seguinte à instituição do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado foram
traçadas novas diretrizes e bases para a educação nacional, com a promulgação da Lei
nº 9394/1996 (BRASIL, 1996) – Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Para
estes autores, a LDB foi o “pontapé” inicial da contrarreforma da educação profissional
no Brasil, uma vez que é afinada com o ideário de formação do trabalhador de novo tipo
e com as demandas de produtividade e competitividade das empresas.
As reformas educacionais propostas desde então visam à formação e à
conformação da classe trabalhadora para atender, em condições renovadas, à dinâmica
atual da exploração capitalista para a produção e reprodução do capital. A Educação
Superior, em especial, torna-se requisito indispensável ao desenvolvimento econômico
no país (MAUÉS, 2010). Neste aspecto, foram empreendidos grandes esforços para a
ampliação, expansão, diversificação e flexibilização desse nível de ensino. Já
encontramos estudos comparativos entre os dados do Censo Nacional da Educação
Superior que nos revelam a ocorrência de aumento considerável no número de
matrículas na educação superior, que passou de 1.759.703, em 1995, para 8.052.254,
em 2016. É importante considerar que 87,7% das instituições de Educação Superior são
privadas. O Programa Universidade para Todos (PROUNI) e o Fundo de Investimento
do Ensino Superior (FIES) favoreceram alto investimento de dinheiro público nas IES
privadas e consequentemente, um elevado número de matrículas, o que faz do
Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) uma
iniciativa tímida.

No entanto, os IFs podem e devem ser considerados uma estratégia para a


diversificação do Ensino Superior, assim como recomendado pelos organismos
internacionais. Na realidade, fazem parte do conjunto de ações desencadeadas para o
reordenamento das IES públicas, por meio dos princípios de otimização, redução e
flexibilização de espaços, tempos e recursos para a ampliação e oferta do ensino
superior.

Enfim, os IFs podem ser considerados um modelo alternativo de flexibilização


e diversificação do Ensino Superior, aos moldes do que é estabelecido pelo Banco
Mundial para adequar a educação do século XXI aos interesses do mercado.

A partir da década de 1990, sob este ideário, os grandes


formuladores das reformas educativas são os organismos
internacionais vinculados ao mercado e ao capital. São eles que
infestam o campo educativo com as noções de sociedade do
conhecimento, qualidade total, polivalência, formação flexível,
pedagogia das competências, empregabilidade e
empreendedorismo social, redefinindo a “teoria do capital humano”
(FRIGOTTO, 2018, p.23).

Nesse sentido, o problema central de nossa análise consiste em evidenciar que


os IFs, como lócus de formação de trabalhadores, assumem funções primordiais para a
manutenção da ordem capitalista, ao mesmo tempo em que alimentam o discurso da
democratização do acesso à Educação Básica, Técnica e Tecnológica.
2. Os IFs como política pública de (con)formação da classe trabalhadora

Para Souza (2018), os IFs têm sido acionados pelo governo federal para serem
centros de referência de formação do trabalhador de novo tipo no país, oferecendo uma
formação pragmática, imediatista e interessada, de modo a atender às demandas de
produtividade e competividade das empresas. Este autor destaca que no discurso oficial
que deu origem a criação dos IFs há uma concepção “redentora” da educação, onde se
pretendeu reeditar a Teoria do Capital Humano em condições renovadas, mais de
acordo com a dinâmica de valorização do capital na atualidade. O recrudescimento da
Teoria do Capital Humano tem servido de cimento ideológico das iniciativas públicas e
privadas de formação do trabalhador de novo tipo (SOUZA, 2002).

Produz-se então, a crença de que o progresso técnico não só gera nos


empregos, mas exige uma qualificação cada vez mais apurada. De
outra parte, enfatiza-se a crença de que a aquisição do capital humano,
via escolarização e acesso aos graus mais elevados de ensino se
constitui em garantia de ascensão a um trabalho qualificado e
consequentemente, a níveis de renda cada vez mais elevados
(FRIGOTTO, 2010).

No discurso dos idealizadores dos IFs, a educação profissional e tecnológica é


estratégica não apenas como elemento contribuinte para o desenvolvimento econômico
e tecnológico nacional, mas também como fator para fortalecimento do processo de
inserção cidadã de milhões de brasileiros. O foco é a promoção da justiça social, da
equidade, do desenvolvimento sustentável com vistas à inclusão social, bem como a
busca de soluções técnicas e geração de novas tecnologias (BRASIL, 2007).

Dessa forma, os IFs, quando são criados tendo como uma de suas finalidades o
apoio aos processos educativos que levam à geração de renda e à emancipação do
cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional,
evidenciam que a educação pode ser produtora da capacidade de trabalho,
potencializadora de trabalho, potencializadora de renda, um capital, sendo assim, um
fator de desenvolvimento econômico (FRIGOTTO, 2010).

A Teoria do Capital Humano se encontra muito presente nas políticas de


formação profissional, sendo difundida através dos seguintes termos: qualidade total,
formação flexível, formação por competências, empregabilidade, empreendedorismo e
etc. Com isso, consegue transpor para o indivíduo a responsabilidade da sua inserção
no mercado de trabalho e, assim, mascara o fato de que mesmo que todos pudessem
adquirir todas as novas qualificações exigidas, o mercado de trabalho é incapaz de
absorver a todos.

Dessa forma, é possível reconhecer que, a reforma das políticas públicas para a
Educação Profissional no Brasil objetiva a formação de quadro técnico para o mercado
de trabalho, mas ao mesmo tempo, fazem parte de um conjunto de mecanismos que
buscam dar conta das próprias contradições e crise do capitalismo.

Com isso, presenciamos no Brasil um sistema educacional interessado para o


trabalho, nas condições do capital, voltado para o desenvolvimento do capitalismo. O
projeto hegemônico vigente é constituído segundo a ótica do capital, na qual a formação
para o trabalho baseia-se na distinção entre formação para o trabalho simples para a
grande massa de trabalhadores e formação para o trabalho complexo para uma elite
privilegiada (SOUZA, 2002).

Sendo assim, é negada ao trabalhador brasileiro uma formação que lhe faculte
a participação qualificada na vida social e política, e uma inserção, também qualificada,
no setor produtivo (RAMOS; CIAVATTA; FRIGOTTO, 2014).

A atual conjuntura nos permite explicar que, no contexto de crise orgânica do


capital e de recomposição burguesa, os programas de formação da classe trabalhadora
são constituídos estrategicamente de modo a construir o consenso em torno da
concepção burguesa de formação humana. Objetiva-se oferecer uma formação do tipo
pragmática, imediadista e interessada para atender às demandas de produtividade e
competividade das empresas. Sendo assim, as reformas educacionais propostas visam
à formação e à conformação da classe trabalhadora para atender, em condições
renovadas, à dinâmica atual da exploração capitalista para a produção e reprodução do
capital (SOUZA, 2019, 2018, 2015).

Concluímos então, que os IFs alimentam o discurso de democratização do


acesso à educação como instrumento de mobilidade, equidade e justiça social, no
entanto, no processo de valorização do capital, a formação profissional funciona como
espaço de conformação psicofísica e de conformação ética e moral da classe
trabalhadora à nova dinâmica da sociabilidade do capital. Ao mesmo tempo em que
forma pequena parte da classe trabalhadora para operar o aparato tecnológico aplicado
na produção, conforma todo o conjunto da classe trabalhadora por meio da pedagogia
política do capital para a construção do consenso em torno da concepção de mundo
burguesa (SOUZA, 2015). Acreditamos que da forma como estão sendo estruturados,
os IFs estão distantes de contribuir para a mobilidade, equidade e justiça social.
Prevalece o esforço para formar o maior contingente de pessoas, o que nos leva a
pensar que a preocupação gira em torno da certificação em massa, para conformar
grande contingente de trabalhadores a encarar com naturalidade as mazelas do mundo
do trabalho, sob a justificativa de que a razão do desemprego é a carência de
qualificação profissional (SOUZA, 2015, 2018).

3. Referências:

ALVES, Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios da sociologia do


trabalho. 2 ed. Londrina: Praxis, Bauru, Canal 7, 2007.

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação


do trabalho. 2ed. São Paulo, SP: Boitempo, 2009.

BRASIL. Lei nº11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de


Educação, Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Brasília, 2 de dezembro de
2008. DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2008/Lei/L11892.htm>, acesso em 10/03/2018.

BRASIL. Lei nº9.394, de 20 de janeiro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. Brasília, DF. Disponível em :
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>, acesso em 10/03/2018.

BRASIL/MEC. Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e


programas. Brasília, 2007. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/arquivos/livro/livro.pdf. Acesso em 08.11.2018.

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 2 ed.


Petrópolis: Vozes, 1999.611p.
FRIGOTTO, Gaudêncio (Org). Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia: relação com o ensino médio integrado e projeto societário de
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