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OS EXERCÍCIOS COLATERAIS PARA A MEDITAÇÃO(1)

Rudolf Steiner

Tradução: Sonia Setzer

INTRODUÇÃO(2)
A tarefa da Ciência Espiritual(3)

Anotações de uma conferência proferida em Berlim em 1903 ou 1904

Existe um belo dito de Hegel(4): O mais profundo pensamento vincula-se com a figura
histórica e exterior do Cristo. O grandioso da religião cristã é que ela existe para qualquer
nível de instrução. A consciência mais ingênua consegue captá-la e ao mesmo tempo ela
serve de convite para a mais profunda sabedoria.

O fato de a religião ser compreensível para qualquer grau de consciência já foi comprovado
por sua história evolutiva. Entretanto, deve ser tarefa da corrente espiritual
antroposófica(5), ou da Ciência Espiritual de um modo geral, mostrar que ela convida a
penetrar nas mais profundas doutrinas de sabedoria de toda a humanidade, desde que
aquela entenda sua tarefa. Antroposofia não é religião, mas um instrumento para a
compreensão das religiões. Sua relação com os documentos religiosos é semelhante à da
ciência matemática com os documentos que surgiram como compêndios de Matemática.
Consegue-se entender matemática a partir das próprias forças mentais, reconhecer as leis
do espaço sem levar em consideração aquele livro antigo(6). Tendo, porém, reconhecido as
leis da geometria, assimilado as mesmas dentro de si, será possível dar mais valor ainda ao
antigo livro, que pela primeira vez colocou essas leis diante da mente humana. Assim
acontece com a Antroposofia. Suas fontes não se encontram em documentos, não se
baseiam em tradições. Suas fontes estão nos mundos espirituais reais; é lá que se deve
encontrá-las e entendê-las, pelo desenvolvimento de suas próprias forças espirituais, do
mesmo modo que se capta a matemática quando se procura desenvolver as próprias forças
intelectuais. Nosso intelecto, que nos serve para entender as leis no mundo sensorial, tem
como suporte um órgão, o cérebro. Para entender as leis dos mundos espirituais também
necessitamos órgãos correspondentes. Como se desenvolveram nossos órgãos físicos?

Pelo fato de forças externas – as forças do sol, as forças do som – terem neles trabalhado,
surgiram o olho e o ouvido. Isso se deu a partir de órgãos embotados, que inicialmente não
permitiam a entrada do mundo sensório e apenas pouco a pouco se abriram. Assim abrir-
se-ão também nossos órgãos espirituais, desde que forças corretas trabalhem neles.

Quais são, então, as forças que se precipitam sobre nossos órgãos espirituais ainda
embotados? Durante o dia há forças que penetram no corpo astral do ser humano atual,
trabalhando contra sua evolução, até amortecendo os órgãos que ele possuía antigamente,
quando a clara consciência diurna ainda não se lhe tinha tornado acessível. Antigamente o
ser humano tinha a percepção direta de impressões astrais. O mundo circundante falava-
lhe por meio de imagens, pela forma de expressão própria do mundo astral. Cores, imagens
vivas, estruturadas em si mesmas, flutuavam livremente no espaço como expressão de
prazer e desprazer, simpatia e antipatia. Mais tarde essas cores como que se depuseram na
superfície das coisas, os objetos passaram a ter contornos rígidos. Isto ocorreu quando o
corpo físico do ser humano tornou-se cada vez mais duro e estruturado. Quando seus olhos
abriram-se plenamente à luz física, quando o véu da maia(7) colocou-se diante do mundo
espiritual, o corpo astral do ser humano passou a receber as impressões do mundo
circundante pela via do corpo físico e do corpo etérico; depois, ele mesmo as transmitia ao
Eu, e de lá elas passavam para a consciência da pessoa. Desse modo ele estava sendo
sempre solicitado, estava em atividade contínua. Mas o que trabalhava nele não eram
forças plásticas, maleáveis, que correspondem à sua própria natureza. Eram forças que o
consumiam, amorteciam, para despertar a consciência do Eu. Somente à noite, quando ele
submergia no mundo rítmico-espiritual, para ele homogêneo, ele se fortalecia novamente,
podendo também levar forças aos corpos físico e etérico. A vida do Eu individual, da
consciência do Eu, originou-se do conflito das impressões, da extinção dos órgãos astrais
que antigamente atuavam inconscientemente no ser humano. Morte a partir da vida, vida a
partir da morte. O círculo da serpente estava fechado. Foi então preciso que, a partir dessa
consciência do Eu desperta, surgissem forças para novamente estimular a vida nos restos
extintos dos antigos órgãos astrais, conferindo-lhes uma estrutura plástica.

A humanidade movimenta-se em direção a essa meta, para onde é conduzida por seus
mestres, seus guias, os grandes iniciados, cujo símbolo também é a serpente. Trata-se de
uma educação em direção à liberdade, por isso ela é lenta, difícil. Os grandes iniciados
podiam, por assim dizer, facilitar sua tarefa e a dos seres humanos, se durante a noite,
quando o corpo astral está livre, eles o trabalhassem de tal modo a nele imprimir os órgãos
astrais, atuando sobre ele a partir do exterior. Isso, contudo, seria uma atuação no âmbito
da consciência onírica do ser humano, uma interferência em sua esfera de liberdade. O
princípio mais elevado do ser humano, a vontade, jamais se desenvolveria. O ser humano é
conduzido passo a passo. Houve uma iniciação na sabedoria, uma na índole(8) e uma na
vontade. O cristianismo verdadeiro é o resumo de todos os níveis de iniciação. A iniciação
da Antigüidade era o prenúncio, o preparo. Lenta e gradualmente o ser humano mais
recente emancipou-se de seu iniciador, de seu guru. No princípio, a iniciação ocorria em
plena consciência de transe, mas munida com os meios de imprimir no corpo físico a
lembrança do que ocorrera fora do corpo físico. Isso explica a necessidade de soltar junto
com o corpo astral também o corpo etérico, o portador da memória. Os dois submergiam no
Mar da Sabedoria, no Mahadeva, na Luz de Osíris. Essa iniciação transcorria no maior
segredo, em total reclusão. Nenhum sopro do mundo exterior podia imiscuir-se nesse
processo. A pessoa estava como que excluída do mundo exterior; os delicados brotos eram
cuidados à parte da luz ofuscante do dia.

Depois a iniciação saiu da escuridão dos Mistérios para a mais clara luz do dia. A iniciação
de toda a humanidade no nível do sentimento, da índole, ocorreu historicamente – e ao
mesmo tempo simbolicamente – numa personalidade grandiosa, poderosa, portadora do
mais elevado princípio unificador, do Verbo, que expressa o Pai oculto, sendo sua
manifestação. Por ter assumido a forma humana, essa personalidade tornou-se assim o
Filho do Homem, podendo ser o representante de toda a humanidade, o elo unificador de
todos os Eus: o Cristo, o espírito vital, o unificador eterno. Esse acontecimento foi de tal
magnitude que podia ter seu eco em todo indivíduo que tentasse repetir essa vivência,
atingindo até o âmbito físico, até o aparecimento das chagas, até as dores mais lancinantes.
Foram sacudidas todas as profundezas dos sentimentos. Surgiu uma intensidade na
sensação que jamais tinha permeado o mundo em ondas tão poderosas. Na iniciação na
cruz do amor divino ocorreu o sacrifício do Eu para todos. A expressão física do Eu, o
sangue, fluiu em amor para a humanidade e atuou de tal modo que milhares de pessoas
afluíram a essa iniciação, a essa morte, deixando seu sangue fluir em amor, em entusiasmo
pela humanidade. O quanto de sangue fluiu dessa maneira nunca foi salientado
suficientemente, não chega à consciência das pessoas, nem mesmo nos círculos
antroposóficos. No entanto, as ondas de entusiasmo que desciam e subiam nesse fluxo de
sangue cumpriram sua tarefa. Tornaram-se poderosos impulsionadores. Tornaram o ser
humano maduro para a iniciação da vontade.

Este é o legado do Cristo.

EXERCÍCIOS COLATERAIS
Exigências gerais que deve colocar a si próprio aquele que pretende fazer um desenvolvimento
oculto (1906)(9, 10)

A seguir serão apresentadas as condições que devem servir de base para um


desenvolvimento oculto. Ninguém deveria imaginar ser possível progredir por meio de
quaisquer medidas da vida exterior ou interior, sem preencher essas condições. Todos os
exercícios de meditação, concentração e outros tantos não terão valor e, em certo sentido,
até podem ser prejudiciais, se a vida não for ordenada no sentido dessas condições. Não é
possível dar forças ao ser humano; somente consegue-se fazer com que se desenvolvam as
que já existem dentro dele. Elas não se desenvolvem por si mesmas, porque existem
obstáculos exteriores e interiores. Os obstáculos exteriores são removidos pelas regras de
vida expostas a seguir, e os interiores pelas instruções específicas sobre meditação,
concentração, e assim por diante.

A primeira condição é a aquisição de um pensar perfeitamente claro. Para esse fim é preciso
libertar-se das divagações dos pensamentos, mesmo que seja por um curto período do dia,
cerca de cinco minutos (quanto mais, melhor). É preciso tornar-se senhor de seus
pensamentos. Não se é senhor quando circunstâncias externas, profissão, qualquer tipo de
tradição, relações sociais, até mesmo o pertencer a um determinado povo, a hora do dia,
certos afazeres, etc., etc., determinam um pensamento e a elaboração subseqüente do
mesmo. Portanto, no espaço de tempo mencionado acima se deve, por um ato de livre
vontade, esvaziar a alma do curso habitual, cotidiano, do pensamento e, por iniciativa
própria, colocar um pensamento no centro da alma. Não se deve imaginar que esse
pensamento deva ser algo especial ou interessante; alcança-se até melhor o que se pretende
atingir em sentido oculto quando, de início, houver o esforço de escolher um pensamento o
mais desinteressante e insignificante possível. Assim estimula-se melhor a força autônoma
do pensar, que é o que importa, enquanto um pensamento interessante por si só já arrasta o
pensar consigo. É melhor essa condição de controlar o pensamento ser realizada com um
alfinete do que com Napoleão Bonaparte. Diz-se o seguinte a si mesmo: "Agora vou partir
desse pensamento e acrescentar-lhe, por iniciativa interior própria, tudo que possa ser
vinculado objetivamente a ele." No final do período proposto o pensamento deve estar tão
colorido e vivo diante da alma como no começo. Faz-se esse exercício todos os dias, durante
pelo menos um mês. Pode-se escolher a cada dia um novo pensamento, mas também é
possível conservar um pensamento por vários dias. Ao terminar esse exercício procure-se
trazer totalmente à consciência o sentimento de firmeza e segurança, que logo se poderá
notar quando se prestar atenção sutil à própria alma; finaliza-se o exercício pensando na
própria cabeça e no meio das costas (cérebro e medula espinal), como querendo verter
aquele sentimento nessa parte do corpo.

Depois de ter feito esse exercício durante um mês acrescenta-se uma segunda exigência.
Tenta-se imaginar alguma ação que certamente não se teria executado no decurso habitual
da vida. Propõe-se então tornar esse ato uma obrigação diária. Será bom escolher uma ação
que possa ser realizada todos os dias por um período o mais longo possível. Mais uma vez é
melhor iniciar com um ato insignificante, para o qual, por assim dizer, é preciso forçar-se.
Por exemplo, tome-se a resolução de regar, numa determinada hora do dia, uma flor que se
tenha comprado. Depois de algum tempo deve-se acrescentar uma segunda ação desse tipo,
posteriormente uma terceira e assim por diante, tantas quantas se consegue executar sem
prejuízo dos demais afazeres. Esse exercício também deve ser feito durante um mês. Na
medida do possível deve-se também nesse segundo mês dedicar-se ao primeiro exercício,
mesmo que este não constitua mais uma obrigação restrita, como no primeiro mês. No
entanto, não se deve descuidar dele, pois senão logo se notaria como os frutos adquiridos do
primeiro mês perder-se-iam, recomeçando a costumeira falta de controle dos pensamentos.
Aliás, é preciso cuidar para que esses frutos, uma vez adquiridos, jamais se percam. Tendo
realizado uma ação de iniciativa [própria] por meio do segundo exercício, é preciso tomar
consciência, mediante uma atenção sutil, do sentimento de um impulso de atividade
interior dentro da alma; verta-se, por assim dizer, esse sentimento de tal modo no corpo,
que ele possa fluir da cabeça até por sobre o coração.

No terceiro mês um novo exercício deve ser colocado no centro da vida: o cultivo de uma
certa equanimidade diante das oscilações de prazer e sofrimento, alegria e dor. A euforia
arrebatadora e a tristeza mortal devem ser substituídas conscientemente por um estado de
alma equilibrado. É preciso ter cautela para não sermos arrebatados por uma alegria,
arrasados por uma dor, que nenhuma experiência nos leve à fúria ou aborrecimento
desmedidos, nenhuma expectativa nos preencha de ansiedade ou medo, nenhuma situação
nos deixe desconcertados, etc., etc. Não se deve recear que tal exercício deixe a pessoa
austera e desgostosa da vida; pelo contrário, logo se notará que, no lugar daquilo que se
passa em decorrência desse exercício, surgem qualidades anímicas purificadas.
Principalmente, um dia poder-se-á perceber, prestando uma atenção sutil, uma calma
interior no corpo; deve-se vertê-la no corpo, de maneira semelhante à citada nos dois casos
anteriores, permitido que irradie do coração para as mãos, os pés e finalmente para a
cabeça. Naturalmente nesse caso isto não pode ser realizado depois de cada exercício, uma
vez que não se trata de um exercício singular, mas de uma atenção contínua dirigida à vida
anímica interior. No entanto, é preciso trazer essa calma interior perante a alma ao menos
uma vez por dia, e então realizar o exercício do fluir a partir do coração. Quanto aos
exercícios do primeiro e segundo mês proceda-se como se procedeu com o primeiro no
segundo mês.

No quarto mês deve-se acrescentar, como exercício novo, a assim chamada positividade. Ele
consiste em que se procure, em todas as experiências, entidades e coisas, sempre o que elas
apresentam de bom, primoroso, belo, etc. Essa qualidade da alma é bem caracterizada por
uma lenda persa sobre o Cristo Jesus(11). Quando, certa vez, ele estava a caminho com seus
discípulos, eles encontraram à beira da estrada um cachorro em avançado estado de
putrefação. Todos os discípulos se desviaram dessa visão feia, somente o Cristo Jesus parou,
observou demoradamente o animal e disse: "Que lindos dentes tem esse animal!" Onde os
outros apenas tinham visto o lado feio, antipático, ele procurou o belo. O discípulo esotérico
deve esforçar-se por procurar o positivo em qualquer manifestação e em todo ser. Logo ele
notará que abaixo do envoltório de algo feio está escondido algo bonito, que mesmo sob o
envoltório de um criminoso há algo de bom, que sob o envoltório de um louco de alguma
forma está escondida a alma divina. Esse exercício relaciona-se um pouco com o que se
pode chamar abstenção de crítica. Não se deve compreender isto como se fosse necessário
chamar o preto de branco e o branco de preto. Existe, porém, uma diferença entre um
julgamento que é apenas emitido pela própria personalidade em função da simpatia e
antipatia dessa personalidade e um ponto de vista que procura transportar-se
amorosamente ao fenômeno estranho ou ao ser estranho, sempre se perguntado: O que faz
esse outro ser assim ou agir assim? Tal ponto de vista conduz, por si mesmo, a esforçar-se
por ajudar o que é imperfeito, ao invés de meramente censurar e criticar. A objeção de que
há muitas pessoas cujas condições de vida exigem que censurem ou critiquem não é valida
nesse contexto. Pois então essas condições de vida são tais que a pessoa em questão não
pode fazer um desenvolvimento oculto correto. Existem muitas situações de vida que
impossibilitam o desenvolvimento oculto de modo eficiente. Então a pessoa não deveria
exigir impacientemente de assim mesmo fazer progressos, que só podem ser feitos sob
determinadas condições. Quem, durante um mês, dirigir conscientemente sua atenção para
o aspecto positivo em todas as suas experiências, notará pouco a pouco que um sentimento
se insinua em seu íntimo, como se sua pele se tornasse permeável de todos os lados e sua
alma se abrisse amplamente diante de uma série de processos ocultos e sutis de seu
entorno, que antes disso lhe passavam totalmente desapercebidos. Trata-se justamente
disso: combater a falta de atenção diante de coisas sutis, presente em todas as pessoas.
Tendo-se notado que o sentimento descrito se faz presente na alma como uma espécie de
bem-aventurança, deve-se tentar dirigi-lo em pensamento para o coração, e de lá deixá-lo
fluir para os olhos, e destes para o espaço à frente e ao redor. Nota-se então, que dessa
forma se obtém uma relação mais íntima com o espaço circundante. Cresce-se, por assim
dizer, acima de si mesmo. Aprende-se a considerar parte de seu entorno como algo
pertencente a si mesmo. Para esse exercício é necessária muita concentração e,
principalmente, o reconhecimento do fato de que todos os sentimentos turbulentos,
paixões, emoções, têm um efeito totalmente destrutivo sobre o estado de alma mencionado.
Quanto à repetição dos exercícios dos primeiros meses procede-se como já foi indicado para
os meses anteriores.

No quinto mês deve-se tentar desenvolver em si o sentimento de enfrentar qualquer


experiência nova com total imparcialidade. O discípulo esotérico deve romper
completamente com a maneira de pensar com a qual nos defrontamos quando as pessoas
dizem o seguinte diante de algo que acabam de ouvir ou ver: "Nunca ouvi semelhante coisa,
jamais vi isto, não acredito, isto é uma ilusão". Ele deve estar disposto a aceitar em qualquer
momento uma experiência totalmente nova. Tudo o que até então ele reconheceu como lei ,
o que lhe pareceu possível, não pode servir de entrave para a aceitação de uma verdade
nova. A formulação pode ser bastante radical, mas correta, para a situação de alguém
chegar ao discípulo esotérico e lhe dizer: "Desde a noite passada a torre da igreja X está
totalmente inclinada"; o discípulo do esoterismo deve estar sempre aberto para a
possibilidade de que seus conhecimentos da natureza obtidos até então ainda possam ser
ampliados por um fato como este, aparentemente tão inaudito. Quem, no quinto mês,
esforçar-se no sentido de ter essa mentalidade, notará que um sentimento se insinua em
sua alma, como se naquele espaço mencionado no quarto exercício algo passasse a ter vida,
como se ali algo se movimentasse. Esse sentimento é extremamente delicado e sutil. Deve-se
tentar captar atentamente essa vibração sutil do meio circundante, e permitir, por assim
dizer, que ela flua para dentro através de todos os cinco sentidos, especialmente pelos
olhos, ouvidos e pela pele, enquanto esta contém o sentido calórico. Nesse grau do
desenvolvimento esotérico não se deve dar tanta importância às impressões dessas
vibrações sobre os sentidos inferiores, do paladar, do olfato e do tato. Nesse grau ainda não
é possível distinguir corretamente as inúmeras influências ruins que nesse âmbito se
imiscuem às boas; por essa razão o discípulo deixa isto para uma etapa posterior.

No sexto mês deve-se tentar repetir todos os cinco exercícios de maneira sistemática e
alternando-os ordenadamente. Desse modo, pouco a pouco se estabelece na alma um belo
equilíbrio. Notar-se-á, principalmente, que insatisfações existentes em relação a certas
manifestações e seres do mundo desaparecem totalmente. Apodera-se da alma um estado
de espírito conciliador perante todas as vivências, que de forma alguma pode ser
considerado indiferença, mas do contrário, é ele que de fato traz a possibilidade de se
trabalhar no mundo de maneira progressiva e no sentido de melhorá-lo. Surge uma
compreensão serena de coisas para as quais a alma antes estava totalmente fechada. Até
mesmo o andar e os gestos da pessoa transformam-se sob a influência de tais exercícios; e
se um dia a pessoa notar que sua caligrafia adquiriu um outro caráter, ela pode admitir que
está preste a alcançar um primeiro degrau no caminho ascendente. É preciso insistir mais
uma vez em dois aspectos:

Em primeiro lugar, os seis exercícios ora mencionados paralisam a influência perniciosa


que outros exercícios ocultos possam ter, de modo que permanece apenas o que é
favorável. Em segundo lugar, eles asseguram em realidade por si mesmos o êxito positivo
do trabalho de meditação e concentração. O mero cumprimento, por mais consciencioso
que seja, dos preceitos morais em uso não são suficientes para o discípulo esotérico, pois
essa moralidade pode ser egoísta quando a pessoa afirma que quer ser boa para ser
considerada boa. O discípulo do esoterismo não pratica o bem porque quer ser considerado
bom, mas porque reconhece, pouco a pouco, que somente o bem consegue levar a evolução
adiante, enquanto o que é mal, insensato e feio constitui um obstáculo a essa evolução.

FUNDAMENTOS DE UMA EDUCAÇÃO ESOTÉRICA(12)

Anotações da aula esotérica de 6 de Junho de 1907, realizada em Munique(13)

Temos de obter clareza quais são, em realidade, os fundamentos de uma educação


esotérica, qual é sua essência. A escola à qual pertencemos é organizada de tal forma que
abarca vários círculos. Todas as pessoas novas que chegam, são as que estão "à procura".
Quem avança, faz parte dos que "se exercitam". Somente então se segue a verdadeira
"educação". Nossa escola divide-se nesses três círculos. Todos nós ingressamos na Escola
Esotérica para desenvolver certos órgãos no interior, que nos capacitam a vivenciar por nós
próprios os mundos superiores. Aliás, como se consegue desenvolver órgãos em seu
interior? Todos nossos órgãos surgiram por uma atividade anteriormente executada por
nós mesmos. Ilustremos isso por meio de um exemplo: Houve uma época em que todos nós
ainda não possuíamos olhos. Naquela época o ser humano ainda se movia nadando,
flutuando num mar primordial líquido. Para orientar-se, ele dispunha de um órgão que
hoje existe apenas de forma rudimentar. Trata-se da assim denominada epífise, ou glândula
pineal. Ela situa-se no alto, no meio da cabeça, um pouco voltada para dentro. É possível vê-
la em alguns animais, quando se remove a calota craniana. Por meio desse órgão o ser
humano pré-histórico conseguia perceber se ele se aproximava de algo útil ou inútil. Mas
esse órgão servia principalmente à percepção de calor ou frio. Quando, naquela época, o Sol
emanava sua luz para a Terra, o ser humano não conseguia vê-lo, mas a pineal o levava
para os pontos do mar líquido onde o Sol aquecia a água. Esse calor lhe dava um sentimento
de grande felicidade. O ser humano permanecia longo tempo nesses locais e aproximava-se
bastante da superfície, para que os raios solares pudessem atingi-lo. Pelo fato de os raios
solares incidirem diretamente sobre seu corpo, formaram-se nossos olhos atuais. Portanto,
foram necessárias duas coisas para que os olhos pudessem surgir: em primeiro lugar o Sol
tinha de brilhar, por outro lado os seres humanos tinham de vir nadando para os locais
aquecidos pelo Sol e expor-se ao mesmo. Se as pessoas de então não o tivessem feito, mas
dito: quero desenvolver apenas o que já existe em mim –, elas teriam desenvolvido
glândulas pineais cada vez maiores, um órgão horroroso, mas jamais teriam obtido olhos.

Devemos imaginar algo análogo em relação ao desenvolvimento de olhos espirituais. Não


devemos dizer: ora, os mundos espirituais já existem dentro de mim, preciso apenas
permitir que se desenvolvam. As pessoas de então também não conseguiam fazer o Sol
desenvolver-se a partir do seu interior, mas certamente os órgãos para enxergá-lo. Assim
também nós somente conseguimos desenvolver os órgãos para enxergar o Sol espiritual, os
mundos superiores, mas não conseguimos desenvolvê-lo [o Sol espiritual] a partir de nós
mesmos. Porém, jamais conseguiremos desenvolver os órgãos se, por um lado, o Sol
espiritual não nos enviar sua luz, e por outro lado, se não nos apressarmos em nos expor a
ele, para que possa incidir sobre nós. Os locais onde o Sol espiritual brilha para nós são as
Escolas Esotéricas, e todos que se sentem atraídos pelas Escolas Esotéricas serão atingidos
pelos raios, desde que se comportem de acordo com as indicações da Escola.

Qualquer órgão que tenha tido um passado também terá um futuro. A pineal também
voltará a ser um órgão importante. E as pessoas que estão nas escolas esotéricas já estão
trabalhando em sua formação. Os exercícios que recebemos não agem apenas no corpo
astral e corpo etérico, mas também na glândula pineal. Quando a atuação é muito eficaz, ela
vai da pineal para os vasos linfáticos e de lá para o sangue. Entretanto, não somente aqueles
que atualmente fazem exercícios esotéricos terão no futuro pineais desenvolvidas, mas
todas as pessoas. Nas pessoas que constituirão a raça má(14) ela será um órgão para os
piores e mais terríveis impulsos, e será tão grande que ocupará a maior parte do corpo.
Enxerga-se muitos mosquitos constituindo uma nuvem de mosquitos; pelo fato de tantos
corpos humanos semelhantes a glândulas perambularem pela Terra ver-se-ia,
analogamente, a própria Terra, a partir do espaço cósmico, como uma grande glândula.
Contudo, naqueles que desenvolverem sua pineal de maneira correta, esta será um órgão
muito nobre e perfeito.

Vejamos agora mais de perto os exercícios que nos são dados, lembrando que são esses os
exercícios que tornam nossas almas receptíveis para os raios de Sol espirituais.
Os seis exercícios colaterais servem, por assim dizer, como preparo para os verdadeiros
exercícios ocultos. Naquele que se dedica aos mesmos com a seriedade e dedicação
adequadas, os primeiros geram a disposição anímica necessária para colher os frutos
corretos dos exercícios ocultos.

1. Controle do pensamento: Deve-se tomar pelo menos cinco minutos de tempo todos os
dias para pensar sobre um pensamento o mais insignificante possível, que de antemão
não cause interesse algum, associando-se a esse objeto, de maneira lógica, tudo que se
possa pensar a seu respeito. É importante tratar-se de um objeto insignificante, pois a
obrigação que é preciso impor-se para mantê-lo na consciência por muito tempo é que
faz despertar as capacidades adormecidas da alma. Depois de algum tempo nota-se
então na alma um sentimento de solidez e segurança. Entretanto, não se deve
imaginar que esse sentimento tome a pessoa de surpresa, com grande intensidade.
Não, trata-se de um sentimento muito delicado e sutil, que precisa ser prescrutado.
Aqueles que afirmam não conseguir notar esse sentimento dentro de si parecem-se em
geral com as pessoas que saem à procura de um objeto muito pequeno e delicado entre
muito outros objetos. Elas procuram, mas superficialmente, e então não conseguem
achar o objeto pequeno, por não repararem nele. É preciso escutar atentamente
dentro de si, então dá para notar esse sentimento, que aparece principalmente na
região anterior da cabeça. Uma vez sentido ali, deve-se vertê-lo em pensamento no
cérebro e na medula espinal. Aos poucos se tem a sensação de que da região anterior
da cabeça partem raios para dentro da medula espinal.

2. Iniciativa da ação: Para tanto é necessário escolher uma ação, que cada um concebe
por si mesmo. Quem, por exemplo, optou como exercício de atividade regar uma flor,
assim como consta da instrução, faz algo totalmente inútil. Pois a ação deve originar-se
da própria iniciativa, ou seja, é preciso que cada um a conceba por si. Com esse
exercício logo se fará notar um sentimento parecido com: "eu consigo realizar algo",
"sou capaz de mais coisas que antigamente", "tenho um impulso para ser ativo". Em
realidade sente-se isso em toda a parte superior do corpo. Tenta-se então deixar esse
sentimento fluir para o coração.

3. Estar acima de prazer e sofrimento: Por exemplo, de repente tem-se vontade de chorar.
Este é o momento para fazer esse exercício. Faz-se um esforço violento para não
chorar nesse momento. Tente-se, quando se tem vontade de rir, deixar de rir e
permanecer calmo. Isso não significa que não se deva mais rir, mas é preciso dominar-
se, ser senhor sobre o riso e o choro. Tendo conseguido dominar-se algumas vezes,
logo se nota então um sentimento de serenidade e equanimidade. Deixa-se esse
sentimento fluir por todo o corpo, vertendo-o a partir do coração primeiro para os
braços e as mãos, para que irradie através das mãos para as ações. Em seguida deixa-
se fluí-lo para os pés e finalmente para a cabeça. Esse exercício exige uma auto-
observação séria, que deveria ser praticada pelo menos durante quinze minutos por
dia.

4. Positividade: Deve-se saber encontrar em tudo que é ruim o grãozinho bom, em tudo
que é feio o belo, e ainda em todo criminoso a faísca divina. Então surge o sentimento
de expandir-se além da própria pele. É um sentimento semelhante à ampliação, como
a que ocorre com o corpo etérico após a morte. Quando se tem esse sentimento, deve-
se fazê-lo irradiar a partir de si mesmo através dos olhos, ouvidos e a pele toda, mas
principalmente através dos olhos."

5. Imparcialidade: É preciso manter-se em mobilidade, estar sempre pronto a assimilar


algo novo. Quando alguém nos conta algo que consideramos improvável, em nosso
coração sempre deve permanecer um local onde podemos dizer: ele poderia ter razão.
– Isso não precisa tornar-nos acríticos, afinal podemos investigar. Então nos sobrevém
um sentimento como se de fora algo fluísse em nossa direção. Nós o sugamos pelos
olhos, ouvidos e toda a pele.

6. Equilíbrio: As cinco sensações descritas anteriormente devem ser harmonizadas; para


tanto deve ser dar constantemente a mesma atenção a todas elas.

Esses exercícios não precisam ser feitos cada qual durante um mês. Foi necessário indicar
um tempo. O importante é fazer os exercícios justamente nessa seqüência. Quem fizer o
segundo exercício antes do primeiro não terá qualquer proveito. Pois o aspecto importante
é a seqüência. Há pessoas que até acreditam dever iniciar com o sexto exercício, com a
harmonização. No entanto, é possível harmonizar algo quando nada existe? Quem não
quiser fazer os exercícios na ordem correta, não terá proveito deles. É como se alguém
precisasse dar seis passos sobre uma pequena ponte e quisesse dar primeiro o sexto passo;
da mesma forma é insensato iniciar com o sexto exercício.

(1) Extraído de: Anweisungen für eine esoterische Schule – Aus den Inhalten der "Esoterischen Schule". [Indicações
para uma educação esotérica – Conteúdos da "Escola Esotérica"]. GA 245. Dornach: Verlag der Rudolf Steiner
Nachlassverwaltung, 1969.
(2) pp. 9-12.
(3) ‘A tarefa da Ciência Espiritual’: As anotações, sem data, dessa palestra proferida em Berlim, provavelmente no
ano de 1903 ou 1904, são de Marie Steiner-von Sivers.
(4) ‘Dito de Hegel’. Texto literal: "O mais profundo pensamento está ligado à figura do Cristo histórico e exterior, e
o aspecto grandioso da religião cristã é que, apesar dessa profundidade, ela pode ser facilmente captada do ponto
de vista exterior pela consciência, e ao mesmo tempo convida a um aprofundamento. Ela serve a qualquer nível
de instrução e ao mesmo tempo satisfaz as mais elevadas exigências." De Vorlesungen über die Philosophie der
Geschichte [Preleções sobre a História da Filosofia]. Terceiro parágrafo, 2o. Capítulo: O Cristianismo, vol. 9 da
edição completa. Berlim, 3ª ed. 1848.
(5) N.T.: No original consta ‘teosófica’ ao invés de ‘antroposófica’, pois nessa época Rudolf Steiner atuava como
conferencista no seio da Sociedade Teosófica, da qual foi o secretário-geral na Alemanha, tendo se separado da
mesma em 1913, fundando então a Sociedade Antroposófica. Neste texto isso vale para todas as ocorrências da
palavra Antroposofia ou antroposófico(a).
(6) ‘livro antigo’ refere-se à Geometria de Euclides.
(7) N.T.: ‘Maia’ é uma antiga palavra hindu, que designa o mundo sensório como uma ilusão, pois para os antigos
hindus o mundo espiritual apresentava uma realidade mais forte e presente do que a apresentada pelos sentidos.
(8) N.T.: No original consta o termo ‘Gemüt’, que não possui tradução precisa para o português; entre outros,
pode-se utilizar índole, ânimo, sentimento, etc.
(9) pp. 15-21.
(10) ‘Exigências gerais...’ Foi sob essa designação que os assim chamados exercícios colaterais foram escritos por
Rudolf Steiner em Outubro de 1906 para serem reproduzidos, pouco depois de tê-los mencionado no ciclo de
conferências Vor dem Tore der Theosophie [Diante do portal da Teosofia] (GA 95), proferidas em Stuttgart em
agosto/setembro de 1906.
(11) Essa lenda encontra-se na seguinte obra de Goethe: Noten und Abhandlungen zu besserem Verständnis des
West-östlichen Divans – Allgemeines [Anotações e ensaios para melhor compreensão do divã ocidental-oriental –
Aspectos gerais].
(12) pp. 103-107.
(13) Texto de anotações manuscritas de um ouvinte. Publicado pela primeira vez na edição alemã de 1969.
(14) N.T.: não se deve compreender a palavra ‘raça’ como algo relacionado a etnia, aspecto físico, etc. Ver, por
exemplo, o ciclo de Steiner O Apocalipse de João. A revelação bíblica de iniciação cristã. (GA 104). São Paulo:
Antroposófica, 2003, palestra de 21/6/1908, pp. 84 - 86.

Ver também:

A meditação antroposófica e exercícios colaterais, de V.W. Setzer;


Meditação: Como? Quando? O que?, transcrição de palestra de H. Zimmermann.

Vinculos:

Seção de Antroposofia
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