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DA MATÉRIA
E DOS
CORPOS GLORIOSOS
IS-GP – RER
-- 3 --
-- 4 --
RESUMO
Prefácio 9
-- 5 --
Dos corpos espirituais ou celestes.
59
Origens de Alexandria
Extratos 59
Sobre a escatologia de Orígenes 61
A doutrina de Orígenes em relação a Martinez 63
Apêndice: 145
A Ressurreição de Cristo.
145
Hans Küng
-- 6 --
-- 7 --
-- 8 --
PREFÁCIO
O tema da Reintegração da Matéria e dos Corpos Gloriosos segundo a doutrina
da Reintegração dos seres promulgada por Martinez de Pasqually (+1774), e fielmente
recolhida por Louis-Claude de Saint-Martin (1743-1803) e Jean -Baptiste Willermoz
(1730-1824), é uma das chaves iniciáticas desta Tradição Cristã que irrompe no
Iluminismo do século XVIII através da Ordem dos Cavaleiros Maçónicos do Universo
Élus Cohen. O seu impacto marcará uma orientação inevitável nos textos doutrinários
e rituais tanto do Élus Cohen como do Regime Escocês e Retificado, bem como na obra
de Saint-Martin e nas ramificações subsequentes dos seus seguidores no que veio a ser
chamado de Ordem Martinista.
-- 9 --
e um dos sublimes teólogos que iluminaram a Igreja..."), que aludem aos temas
apresentados.
Acreditamos que estas reflexões são de vital importância dada a confusão que
surpreendentemente ainda reina hoje sobre este aspecto chave e fundamental da
Iniciação Maçónica Cristã, especificamente no Regime Escocês e Retificado. É por isso
que deve ser enfatizada a advertência de Jean-Marc Vivenza a este respeito: “a Ordem
- isto é, o Regime Escocês Retificado - tem uma doutrina clara sobre a matéria expressa
em termos incontestáveis que não permitem, a priori, dúvidas. reserva, que
normalmente deveria eliminar toda confusão sobre estas questões para quem respeita
as posições willermozianas e não procura substituí-las por pontos de vista estranhos
ou externos a elas, porque no nível doutrinário [da Ordem] apenas estes têm
autoridade. Poderíamos resumir em poucas palavras, apesar de sua extensão, o
mistério doutrinário aqui analisado: “Perit ut Vivat”, lema que coroa a iniciação cristã
maçônica do Regime Escocês & Retificado.
Diego Cerrato
Presidente do GEIMME
Madri, 29 de outubro de 2012
Festa de São Miguel Arcanjo
-- 10 --
CARNE ESPIRITUAL E CORPO GLORIOSO
NO MARTINISMO
Dominique Clairembault
O XVARNAH PERSA
1
Este tema foi destacado por Henry Corbin em Spiritual Body and Celestial Earth, from Mazdean Iran to
Shiite Iran, Paris, Buchet/Chastel, 1979.
-- 11 --
individualidade espiritual. Nessa perspectiva, a aquisição do corpo de glória se
apresenta como uma participação no surgimento da Terra celeste, ou seja, na
transfiguração da Criação. Neste processo, a alma retém um corpo após a
morte, uma carne espiritual, o seu corpo ressurreto.2, que é a participação na
vida da Sabedoria, a Luz da Glória.
A TÚNICA DE LUZ
GLÓRIA
2
Essa ideia também está no Neoplatonismo, em Proclus, que fala da okhêma superior, symphyès, corpo
luminoso que é o órgão no qual o demiurgo colocou a alma em sua origem e que preservará além da
morte, ao contrário da okhêma inferior , pneumatikon, o veículo pneumático, que desaparecerá logo após
a morte.
3
O Zohar, Livro de Rute, trad. [em francês] Charles Mopsik, Verdier, 1987, p. 84.
-- 12 --
No simbolismo cristão o nimbus (do latim nimbus, “nuvem”) e a auréola
dos santos estão relacionados com a manifestação da glória divina e mostram
neles a presença da luz espiritual. Esta última representação também é anterior
ao Cristianismo. Pode ser encontrada na arte asiática e grega, bem como no
mazdaísmo. A auréola é de certa forma uma prefiguração da ressurreição num
corpo glorificado. Segundo Orígenes, este corpo ressurreto teria a forma de
uma esfera.
A RESSURREIÇÃO
Ele logo admitirá que a alma encontra outro corpo após a morte. Porém,
para ele, este novo envoltório não será mais terreno, será um “corpo glorioso”,
uma carne espiritual.
Essa evolução fica evidente em sua segunda carta aos Coríntios. Esta
nova posição lhe permitirá evangelizar os gregos que rejeitaram o cristianismo,
entre outras coisas, por causa do princípio da ressurreição dos corpos. Celso,
nos seus escritos Contra os Cristãos, referiu-se a isto como “esta ideia
ridícula”.5.
4
Marie-Émile Boismard descreve este processo em Ainda estamos falando da ressurreição?, Paris, Ed.
Cerf, 1995.
5
Celso, contra os cristãos, Febo, 1999, p. 125.
-- 13 --
Na verdade, Paulo passa da ideia da ressurreição à da imortalidade da
alma. Esta posição é também a dos Evangelhos, onde a vitória sobre a morte é
apresentada, não em termos da ressurreição do corpo terreno, mas da
imortalidade. Contudo, como comenta Paulo, para ascender ao céu a alma
assume um “corpo glorioso”. Para ele, revestimo-nos do germe deste corpo de
luz através do batismo, pelo qual também “revestimo-nos” do Cristo glorioso.
FC ŒTINGER
6
Ver Antoine Faivre, Golden Fleece and Alchemy, Milão, Archè, 1990.
-- 14 --
que a sua carne ressuscitada é a “matéria última”, a Sabedoria reformada. A
ressurreição do homem o revestirá de carne espiritual.
Œtinger diz que o homem encarnou duas vezes. A primeira pelo seu
nascimento e a segunda pela sua entrada na fé. Este segundo nascimento foi
antecipado no homem pela ressurreição de Cristo. A carne celestial do Jesus
ressuscitado preenche o universo e nos dá o alimento (carne e sangue)
necessário para a nossa regeneração. Assim, para Friedrich Christoph Œtinger, o
homem, depois de sua vida terrena, mantém uma corporalidade. Diz até que a
alma e o corpo estão permanentemente unidos. Esta visão do corpo glorioso do
homem participando da Criação restaurado em toda a sua pureza, na “Terra
Celestial”, não é diferente daquela encontrada no misticismo do Islã.
MARTINEZ DE PASQUALLY
O homem é um espírito, ele não tem corpo. Sua residência está localizada
no centro da imensidão celestial, local denominado Paraíso Terrestre. Porém,
para atuar no mundo, o homem é dotado de uma faculdade particular: a de
poder produzir um corpo glorioso, uma espécie de véu que lhe permite
aparecer e atuar na Criação. O homem pode operar com esse corpo, dando-lhe
a forma desejada. Segundo o que nos diz o Tratado sobre a Reintegração dos
Seres (§ 22), é precisamente pelo uso abusivo desse privilégio que o homem
perdeu aquele corpo glorioso para afundar-se num corpo de matéria que
doravante o obrigará a habitar o mundo terrestre. mundo.
TRATADO DE RESSURREIÇÃO
-- 15 --
interessantes. É provável que o autor seja o abade Pierre Fournie (1738-1825),
que foi secretário de Martinez antes de Saint-Martin. Este texto não tem título,
mas o seu conteúdo indica que se trata de um Tratado sobre a ressurreição.
A ARMADURA
No quadro natural, refere-se a este corpo de luz. Ele explica que o termo
“nudez” que caracterizou o primeiro homem e é designado pela palavra
gharoum, vem do árabe ghoram, que significa “osso despojado de carne”.
Especifica que a raiz hebraica ghatzam significa “uma força, uma virtude”.
Portanto, para ele, quando a Bíblia nos apresenta Adão em seu estado de
nudez, estamos sendo informados de que ele era imaterial, sem corpo de
carne.8. Saint-Martin também menciona esta vestimenta primitiva em O Novo
Homem, onde fala da vestimenta do primeiro homem que nunca deveria ter
7
Dos erros e da verdade, Louis-Claude de Saint-Martin, Vitot, Lily, 1979, p. 35-37, 43 e 49.
8
Imagem natural da relação que existe entre Deus, o homem e o universo, no final do capítulo. XIII.
-- 16 --
sido dividida, pois deveria ter espalhado o esplendor de sua luz celestial sobre
toda a Criação.9.
SOFIA
9
O Novo Homem, § 66.
10
Carta datada de 23 de agosto de 1793, Correspondência não publicada de Louis-Claude de Saint-Martin
e Kirchberger..., Paris, L. Schauer e Alp. Chuquet, 1862, pág. 101.
11
O Livro das Conquistas Espirituais de Meca, c. VIII. Henry Corbin dedica-lhe um longo extrato em
Spiritual Body and Celestial Earth..., op. cit., pág. 164-172.
12
Existem também outras teorias no Islã que evocam as sete cores, principalmente em Jalal-od-Din Rumi.
Sobre isso, ver CG Jung, Mysterium conjonctionis, Paris, 1982, vol. II, cap. v.
-- 17 --
O corpo glorioso, se for a nossa vestimenta primitiva, não é, portanto, o
próprio homem. Ele foi, segundo Martínez de Pasqually, o instrumento através
do qual Adão pôde intervir na criação para aí exercer o seu ministério. É igual a
Cristo, e Saint-Martin, numa bela carta ao amigo Vialetes d'Aignan, destacou
que “é mais que o invólucro incorruptível”, porque a vida do corpo é “o Verbo
eterno humanizado para restaura em nós a imagem desfigurada pelo
pecado13.Como também nos diz Saint-Martin em Sobre os erros e a verdade,
Cristo, que simboliza o número oito, é o único suporte, a única força com a qual
o homem pode elevar-se acima das trevas em que afundou. Este simbolismo
nos lembra o acesso ao oitavo clima, o mundo ao qual, segundo o misticismo
iraniano, acessa o homem da luz.14.
O MANTO DE ELIAS
Como vimos, foi pelo mau uso do seu corpo glorioso que o homem
causou a sua perda. Nesta perspectiva, entende-se que a tarefa essencial do
homem é recuperar o manto de luz que perdeu. Esse manto do qual ele pode
tecer as fibras em todos os momentos através do seu trabalho espiritual.
Porque embora o homem não possa redescobrir a sua roupa primitiva até sair
da vida terrena, já pode sentir os efeitos dela nos momentos em que se envolve
no silêncio para estar em comunhão com o reino da luz.
13
Ver a carta datada de 22 de outubro de 1795 em Martinist Documents, Paris,
Cariscript, 1980, No. 33.
14
Ver Henry Corbin, O Homem de Luz no Sufismo Iraniano, Paris, Présence, 1971.
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O REGIME ESCOCÊS RETIFICADO
E A DOUTRINA DA MATÉRIA
JEAN-BAPTISTE WILLERMOZ E A CORRUPÇÃO DA NATUREZA DO HOMEM
Jean-Marc Vivenza
(Grão Mestre/Grão Prior do DNRF-GDDG)
-- 19 --
terem sido escritos com infinita paciência pedagógica por Jean -Baptiste
Willermoz. Esta atitude de esquecimento é um erro e uma falha do ponto de
vista iniciático. É por isso que, diante desta situação problemática, que gera
numerosas e imprecisas convicções, bem como todos os tipos de pontos de
vista subjetivos, achamos útil e até necessário apresentar, da forma mais
completa possível, as teses eficazes sobre natureza.do homem, da matéria e do
seu destino, que foram “infundidos” pelo seu fundador no sistema aplicado
durante o Convento da Gália em 1778 em Lyon e ratificado definitivamente em
1782 em Wilhemsbad.
-- 20 --
Cristianismo: “Meu Reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste
mundo, os meus servos teriam lutado para que eu não fosse entregue aos
judeus; mas o meu Reino não é daqui” (João 18:36).
Outro aspecto é por vezes evocado sob a forma de uma questão tingida
em alguns de uma certa preocupação, relativa ao clima da história do
pensamento religioso ocidental, bastante influenciado por esta corrente: seriam
as teses de Willermoz marcadas por uma sensibilidade agostiniana? Sem dúvida,
pois podemos encontrar inúmeras declarações semelhantes às dos Retificados
nas obras do Bispo de Hipona (Sobre a Natureza e a Graça, De Trinitate, Sobre a
Graça e o Livre Arbítrio, A Cidade de Deus etc.). Estas teses, que se imporão
como marca distintiva no pensamento teológico de Santo Agostinho (354-430),
tratam da corrupção do homem, do estado degradado da criação, do carácter
defeituoso do mundo material, da necessidade da graça, e constituem o que se
chama efetivamente de “agostinianismo teológico”, que insistiu com
extraordinária força nas consequências trágicas e negativas da queda: “Pelo
facto da sua origem, todos os homens estão sujeitos à corrupção, a nossa
natureza só está viciada. direito a um castigo legítimo... Não pensemos que o
pecado não pode viciar a natureza humana, mas sabendo pelas Escrituras
divinas que a nossa natureza está corrompida, procuremos antes como isso foi
possível."[1].
-- 21 --
Observamos assim que a partir das famosas Palestras de Lyon (1774-
1776), Willermoz explicou a razão pela qual o homem está hoje revestido de um
corpo de matéria, pois em sua origem ele deve lutar para libertar os espíritos
que estavam aprisionados [nele], foi finalmente punido por seu crime e,
sofrendo o mesmo destino dos inimigos do Eterno, ou seja, sendo ele mesmo
precipitado, um espírito glorioso, em um “corpo de matéria escura”: “O homem
foi punido por seu crime em um de maneira condizente com a própria natureza
do seu crime, encontrando-se encarcerado em uma prisão feita desse mesmo
material que deveria conter [limitar sua ação] e assim submetido à ação sensível
dos Espíritos perversos sobre seus sentidos corporais. vêm desta matéria que foi
criada para mantê-los em privação... Adão, caído de seu estado de glória e
sepultado em um corpo de matéria escura, logo sentiu sua privação. Seu crime
continuamente aparecia diante de seus olhos…” (JB Willermoz, lição nº 6, 24 de
janeiro de 1774).
a) Tradição patrística
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A ideia de o homem estar aprisionado num corpo de matéria como
castigo pelo crime de Adão tem a sua origem nas Sagradas Escrituras e foi
posteriormente retomada por alguns Padres da Igreja. Mas foi sem dúvida
Orígenes, como já assinalamos, discípulo de São Clemente de Alexandria, quem
sistematizou, desenvolveu e edificou de forma mais completa a tese da queda
do homem na matéria, da sua descida nos corpos grosseiro e animal., como que
respondendo a uma falha anterior, e com base na história certamente chocante
do terceiro capítulo do Gênesis que diz, após o episódio do pecado original:
“[Yahweh] Deus fez túnicas de pele para o homem e sua mulher” (Gen .3: vinte
e um)
-- 23 --
particularmente no tema do pecado original, ainda antes de o santo Bispo de
Hipona ser reconhecido como Doutor da Igreja por Roma ( em 1295 por
Bonifácio VIIIº), isto sem levar em conta que, paralelamente à sua influência
determinante, Santo Hilário de Poitier (+367), tomando o pensamento de
Orígenes sobre a queda, traduzirá o seu Comentários sobre os Salmos, que ao
mesmo tempo fornecerão uma autoridade real e conjunta a Orígenes e Santo
Agostinho sobre numerosos teólogos ao longo da Idade Média Ocidental até a
idade clássica e o período moderno de São Bernardo de Claraval (1090-1153) ou
Guilherme de Saint-Thierry (1085-1148), e por eles à tradição cisterciense,
depois São Tomás de Aquino (+1274), São Boaventura (+1221) e Mestre Eckart
(1260-1328), que, no seu Comentário sobre o Prólogo de São João foi inspirado,
nomeando-o, por Orígenes, que comparou o amado apóstolo de Cristo à águia
evocada por Ezequiel (XVIII, 3-4), sem esquecer São João da Cruz (1542-1591) e
Santa Teresa de Ávila (1515-1582), convertida à leitura de Santo Agostinho,
santas espanholas penetradas pelas teses agostinianas, como seriam também
os maiores cristãos espirituais, teólogos e médicos do Ocidente[2].
b) Ensino Parental
c) Sentido de encarnação
-- 24 --
Desta forma, recordemos os autores piedosos que seguiram São Paulo.
Quando a Escritura fala da encarnação do Senhor, não é para nos mostrar que
Cristo veio para assumir a condição humana para magnificar o seu estado e
exaltar a nossa situação; para nos felicitar e encorajar-nos a desfrutar ainda
mais do nosso estado contaminado e infectado pelo pecado, para elogiar
complacentemente as nossas seduções sensíveis e nos convidar a deleitar-nos
nas nossas impressões carnais. Nunca devemos esquecer que, se Ele veio entre
nós em forma humana, foi para tomar sobre si a nossa natureza pecaminosa,
para assumir, por amor, a nossa triste condição deteriorada pela carência, para
cuidar do desamparo do nosso estado decaído. , e não para glorificar a carne e
seus frutos amargos, mas, pelo contrário, para nos chamar daqui de baixo para
as realidades celestiais: “Aquele [Jesus Cristo], que é de condição divina, diz
Paulo, não temeu destruir-se [ o verbo grego kenosis é, no plano metafísico,
ainda muito mais forte que a palavra “destruir”], assumindo a forma de servo,
tornando-se semelhante aos homens; e, tomando forma de homem, humilhou-
se, obedecendo até a morte, até a morte de Cruz. É também por esta razão que
Deus o elevou muito alto e lhe deu um Nome acima de todo nome, para que
diante do nome de Jesus todos os seres celestiais, terrestres e infernais se
ajoelhem, e qualquer língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para a glória de
Deus Pai” (Filipenses 2:7-11).
Até, diz São Paulo, ele se tornou “pecado” para nos fazer compreender
melhor o significado da Encarnação e “morreu pelos nossos pecados” (1, Cr
15,3), “ele levou os nossos pecados em seu corpo” (1 Pedro 2: 2.3); “…foi feito
pecado para que Deus condenasse o pecado na carne…” (Romanos 8:3).
-- 25 --
sangue de seu filho Abel, e este filho foi dado a ela apenas para esse propósito"
(Willermoz, lição 6, 24 de janeiro de 1774).
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força de convicção, insiste ainda mais para que não haja a menor dúvida de
ambiguidade: “Deus, tendo enviado o seu próprio Filho numa carne semelhante
à do pecado, e para ao pecado, condenou o pecado na carne, para que a justiça
da lei se cumprisse em nós que andamos em conduta, não segundo a carne,
mas segundo o Espírito” (Romanos 8:3-4). Depois desta impressionante
recordação, que exige ser lida com temor e tremor, o apóstolo dos gentios
continua levado por uma fúria santa e, como se não bastasse, desejando
firmemente fazer penetrar a mensagem da salvação no coração dos seus
ouvintes, ele continua sua pregação com estas linhas temíveis: “Na verdade,
aqueles que vivem segundo a carne desejam o que é carnal; mas aqueles que
vivem segundo o espírito, o espiritual. Pois as tendências da carne são a morte;
mas os do espírito, da vida e da paz, visto que as tendências da carne são
contrárias a Deus: não se submetem à Lei de Deus, nem sequer podem fazê-lo;
portanto, aqueles que estão na carne não podem agradar a Deus” (Romanos
8:5-8).
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coisas materiais e nunca morrerá. Esse é o seu verdadeiro título de nobreza;
sinta fortemente a sua felicidade, mas sem orgulho: ele perde a sua corrida e te
joga de volta no abismo. Seja degradado! apesar da sua grandeza primitiva,
quem é você diante do Eterno? Adore-o desde o pó e separe cuidadosamente
este princípio celestial e indestrutível de estranhas misturas; cultive sua alma
imortal e aperfeiçoável, e torne-a capaz de se unir à origem pura do bem, então
ela será libertada dos vapores grosseiros da matéria” (Regra Maçônica, Arte II,
Imortalidade da alma).
Willermoz explica muito bem, em termos que não deixam margem para
incertezas, esta essência fugitiva e mortal da carne: “o homem, durante a sua
permanência na terra, é um composto ternário: a saber, de duas substâncias
passageiras [uma alma ou passiva e transitória vida e um corpo de matéria que
desaparece completamente após a duração prescrita] que o constituem animal
como a besta, e de um espírito inteligente e imortal pelo qual ele é
verdadeiramente a imagem e semelhança divina.[3].A carne está, portanto,
destinada ao abandono, ao esquecimento, segundo a indicação de Eclesiastes:
“O que é torto não pode ser endireitado” (Eclesiastes 1:15); Tentar espiritualizar
a carne, como alguns sugerem, é um erro, um absurdo radical; Para Willermoz
trata-se mais de livrar-se da carne para acessar [plenamente] o espírito.
-- 28 --
contrário, como confirma São Paulo, o renascimento espiritual revela ainda mais
a sua constituição sombria, porque “A carne tem desejos contrários ao espírito,
e o espírito contrário à carne, como se fossem antagônicos um ao outro”
(Gálatas 5:17). Temos ainda mais para nos livrar do velho, o que indica que é
aconselhável livrar-nos dele, esquecê-lo sem ansiar pelo seu triste destino,
abandoná-lo à sua miserável finitude: “…se você ressuscitou com Cristo, procure
as coisas do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus. Aspire às coisas
do alto, não às coisas da terra. Pois vocês morreram, e a sua vida está escondida
com Cristo em Deus [...] mortifiquem os seus membros terrenos [...] despojem-
se do velho homem com as suas obras, e revistam-se do novo homem, que está
sendo renovado até o conhecimento perfeito, segundo a imagem do seu
Criador” (Colossenses 3:1-10).
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à plena compreensão dos elementos que explicam o lugar e o status do homem,
ou o “menor espiritual”, no plano Divino, bem como a composição exata de seu
envoltório corporal antes e depois da Queda: “Qual é a natureza desta nova
forma corporal [o de Cristo após sua Ressurreição], e qual constitui a diferença
essencial entre este e o primeiro? Pedimos aos homens carnais e materiais que
nada veem senão através dos olhos da matéria, e aos que estão
suficientemente infelizes para negar a espiritualidade do seu ser, e aos que,
unidos exclusivamente ao sentido literal das tradições religiosas, só querem ver
na forma corpórea do homem primitivo antes de sua queda um corpo de
matéria como aquele em que estão atualmente revestidos, reconhecendo
apenas uma matéria mais purificada. É o próprio Jesus Cristo quem lhes vai
provar a diferença essencial entre estas duas formas corporais e o seu destino,
revestindo-se de uma depois da sua ressurreição, depois de ter destruído a
outra no túmulo.[5].
-- 30 --
elementares, e que é apenas um envoltório imaterial do ser. essencial que quer
manifestar sua ação espiritual e torná-la visível aos homens revestidos de
matéria”.[6].
O que devemos reter daquilo que Jesus Cristo nos mostrou, depois da sua
paixão no madeiro da Cruz, manifestando-se aos seus discípulos? Willermoz nos
explica isso em benefício de nossa instrução: “O Jesus Cristo ressuscitado
assume esta forma gloriosa toda vez que quer manifestar sua presença real aos
seus apóstolos para fazê-los saber que é a mesma forma, isto é, em uma forma
perfeitamente semelhantes e com as mesmas propriedades com que o homem
estava vestido antes de sua prevaricação; e ensinar-lhes o que deveriam aspirar,
a serem vestidos novamente após sua perfeita reconciliação, no fim dos
tempos.” [7].
-- 31 --
totalmente apagados, pois são apenas produtos de ações secundárias, com as
quais o princípio único de toda ação viva só cooperou através de sua vontade
que ordenou suas ações ( ...) assim como o templo material erguido sob as
ordens de Salomão foi destruído assim que a glória do Senhor e as virtudes que
lhe estavam associadas foram retiradas, também o Templo universal
desaparecerá quando a ação divina retirar seus poderes dele, atingindo o prazo
prescrito para sua duração”[8].
-- 32 --
CONCLUSÃO: DO CORPO GLORIOSO AO “ELEMENTO SANTO”
Como, desde então, não nos alegrarmos com esta última perspectiva,
com esta “apocatástase” que só deveria assustar os seres presos aos tristes e
efémeros vestígios diante dos seus olhos, detidos pelas relíquias divisórias dos
bens temporais corruptíveis que consideram, na sua opinião o erro, como
tesouros maravilhosos, quando tudo o que existe neste submundo está
impregnado de decadência, está condenado à degradação e à morte; “os céus,
com um barulho ensurdecedor, se dissolverão; Os elementos, queimados, se
dissolverão, e a terra e tudo o que ela contém serão consumidos. Porque é
necessário que todas estas coisas sejam dissolvidas desta maneira…” (2 Pedro
3:10-11). Alegremo-nos, pelo contrário, com a ideia certa da chegada do
Cordeiro de Deus na sua luz esplêndida, cumprindo-se então para todos os seres
-- 33 --
espirituais regenerados, e para os eleitos do Senhor, os menores reconciliados e
santificados, uma formidável dissolução em forma de “Reintegração” (ou mais
precisamente uma “Integração em Deus”) que os autorizará a serem revestidos
novamente com seu corpo glorioso, sendo integrados, pela graça, na
“substância luminosa” original, reunidos para eternidade no seio do “Elemento
Sagrado” para habitar em sua natureza “espiritual divina”[onze].
NOTAS:
[1]. Santo Agostinho, De la nature et de la grace, Cap. XX, em Oeuvres complètes de Saint
Augustin, sob a direção de M. Raulx, t. XVII, Bar-le-Duc 1871.
[2]. A este respeito, acusar Santo Agostinho (a quem devemos a fecundidade do pensamento
religioso ocidental em vários domínios, e que libertou a Igreja do maniqueísmo) de donatismo,
pelagianismo e arianismo, de ser fonte de diversas “heresias”, é um manifesto falsidade que se
deve tanto à ignorância quanto ao desejo de polêmica por vários motivos:
1º. Em primeira instância, os principais reformadores do século XVI, Lutero e Calvino, que
não se consideravam de todo “heréticos” antes do Credo Niceno (325), foram
inspirados, para fundar a sua doutrina da justificação, principalmente por São Paulo e
do Evangelho, e não do autor das Confissões, embora tenham tido este último em alta
estima; A sua atitude de ruptura cismática com Roma foi, no entanto, inspirada, e isto
é facilmente esquecido, pelo exemplo das igrejas autocéfalas orientais chamadas
“Ortodoxas”, e não pelas posições eclesiais do Arcebispo de Hipona, absolutamente
intransigente nesta questão. a “unidade da noiva de Jesus Cristo” (Cf. De Civita Dei).
2º. Quanto a responsabilizar Santo Agostinho pelo suposto “jansenismo”, ou pelo que
geralmente se entende como tal, usando uma terminologia duvidosa para designar
uma corrente que tomou forma autêntica quando foi apoiada em França pelo piedoso
pároco Jean Duvergier de Hauranne, abade de Saint-Cyran (1581-1643) - mostrou uma
sensibilidade espiritual inicialmente acolhida com grande simpatia por São Vicente de
Paulo (+1660), seguido pelo Cardeal Pierre de Bérulle (1575-1629), fundador em 1611
da “Sociedade do Oratório de Jesus”) - é conceder a Luís XIV uma curiosa autoridade
em assuntos espirituais, matéria de que lhe faltava completamente.
Com efeito, embora não se pretenda aqui entrar nos numerosos detalhes dos acontecimentos
históricos que marcam o chamado episódio Jansenita, basta assinalar que a bula Unigenitus
que o Papa Clemente XI, entregou, finalmente concedeu a Luís XIV em setembro de 1713 Para
condenar o oratoriano Pasquier Quesnel, ele se limita a declarar heréticas as 101 proposições
extraídas das Reflexões Morais, obra de Quesnel publicada em 1692, e ignora completamente
um movimento imaginário que levaria o nome de “Jansenismo”, e que só existia na mente de
seus inimigos.
Paradoxalmente, o rei insistiu abusivamente que Clemente tivesse o controle total da Santa Sé
sobre ela. Não parece que era isso que procurava o galicano Luís XIV, que acabou com um
merecido castigo pela sua cegueira e ódio religioso.
-- 34 --
verdade”, como “discípulos de Santo Agostinho”, que consideravam à graça como único meio
de salvar as criaturas devido ao seu livre arbítrio e tendência ao pecado, a história mostra que
estamos realmente na presença de uma “heresia imaginária”, de um “fantasma” cuja
terminologia Roma nunca condenou porque não existe O Jansenismo, uma vez que este termo
nada mais é do que a utilização de um nome polémico cuja assinatura obscura será expressa
em 1711 através do abominável ato de Luís XVI que decidiu, furioso por não ter conseguido
subjugar e silenciar os teólogos agostinianos que apontaram a sua erros e criticou o seu
absolutismo, arrasou a abadia de Port-Royal, exumou escandalosamente os corpos das freiras
cistercienses que descansavam pacificamente no cemitério do claustro e espalhou os seus
ossos para os entregar aos cães selvagens.
[3]. J.-B. Willermoz, Le Traité des deux natures (Tratado das Duas Naturezas), MS 5940 n°5,
Biblioteca de Lyon.
[4]. Ibidem.
[5]. Ibidem.
[6]. Ibidem.
[7]. Ibidem.
[8]. Instruções Secretas dos Grandes Cavaleiros Professos, Coleções Georg Kloss, Biblioteca do
Grande Oriente dos Países Baixos, Haia [1º catálogo, seção K, 1, 3].
-- 35 --
professor simbólico, fundos Willermoz, ms. 5919-12 - Publicado na íntegra no Boletim
Informativo nº 9 do GEIMME em dezembro de 2006).
[10]. Ibidem.
DA RESSURREIÇÃO DO
CORPOS GLORIOSOS
Jean-Baptiste Willermoz15
(1730-1824)
15
Extraído de sua obra Tratado das Duas Naturezas, MS 5940 nº 5, Biblioteca Municipal de Lyon.
-- 36 --
mistério inefável da Divina Trindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que
constituem um só Deus, que sobe gloriosamente ao céu em sua presença, onde
o Deus será eternamente tornado visível aos anjos e aos homens santificados,
neste glorificado humano forma.
-- 37 --
rejeitados. É nesta ressurreição finalmente gloriosa em que a consumação real
do corpo e do sangue de Jesus Cristo fornece, a todos os que dela participam
dignamente, o germe fecundo.
-- 38 --
LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN
E ELE
CORPO DE MATÉRIA ESCURA
Da destruição da “carne da corrupção”
e acesso ao estado celestial
segundo o Filósofo Desconhecido
Jean-Marc Vivenza
-- 39 --
cede nada aos cargos de mestre-de-obras da reforma de Lyon, mas também, em
muitos aspectos, vai muito mais no rigor da sua análise e na severidade dos seus
julgamentos, amplificando algumas das advertências razoavelmente pouco
claras de Willermoz.
-- 40 --
vertigem interior ao descobrir alguns dos seus textos mais radicais, destinados a
produzir, justamente, na alma de seus leitores, um “despertar” de sua
dormência fatal.
-- 41 --
mundo da criatura que somos, uma criatura que o Filósofo Desconhecido
descreve como um “inseto vil” (sic). Falando desta infeliz situação, Saint-Martin
nos diz: “É no momento do seu nascimento corporal que vemos começar as
dores que o aguardam. É então que ele mostra todas as marcas da mais
vergonhosa desaprovação; Nasce como um inseto vil na corrupção; Ele nasce
em meio ao sofrimento e aos gritos da mãe, como se fosse uma pena para ela
dar-lhe à luz; agora, que lição para ele ver que, de todas as mães, dar à luz uma
mulher é a mais dolorosa e perigosa! Mas assim que começa a respirar, fica
coberto de lágrimas e é atormentado pelos males mais agudos. Os primeiros
passos que dá na vida anunciam assim que ele só vem para sofrer, que é
verdadeiramente filho do crime e da dor. Ó homem, derrame lágrimas amargas
pela enormidade do seu crime, que mudou tão horrivelmente a sua condição;
tremam diante do desastroso decreto que condena sua posteridade a nascer
sob tormento e humilhação, quando deveria conhecer apenas a glória e a
felicidade inalterável" (Sobre Erros e Verdade).
-- 42 --
Todo o discurso de Saint-Martin é de grande fidelidade conceitual em
relação a Martinez, que efetivamente usa o termo “degeneração” no Tratado da
Reintegração para descrever a transmutação de Adão: “O primeiro homem
degenerou de sua faculdade de ser”. Tratado, 29); «O que acabei de vos contar
sobre a prevaricação de Adão e sobre o fruto que dela resultou mostra-vos
muito claramente qual é a nossa natureza corporal e espiritual, e o quanto
ambas se degeneraram...» (Tratado, 45); “O espiritual menor [...] degenerou e
[...] foi destruído na inação espiritual divina a ponto de se tornar o túmulo da
morte” (Tratado, 49). Ora, o termo degeneração, no vocabulário do século XVIII,
embora evoque uma “mudança de estado do bem para o mal” (Cf. Dicionário da
Academia Francesa, 1762), também devido à sua raiz latina degenerare, de
gênero , gênero, e a preposição "de" que rege o ablativo, indica a ação de
"deixar seu gênero", "separar-se de sua espécie", perder "as qualidades de sua
raça", "tornar-se um bastardo", "alterar sua essência "., "arruinar sua natureza",
ou transformar seu ser a ponto de se tornar completamente outro, e isso num
sentido negativo extremamente forte. Podemos, portanto, confirmar uma
perfeita semelhança doutrinária entre Martinez, Willermoz e Saint-Martin nesta
questão da matéria, uma vez que, em termos quase idênticos, expressam o
mesmo pensamento sobre a natureza e origem do composto material e,
portanto, sobre o seu destino. , nada, visto que os dois termos estão
evidentemente ligados, visto que são absolutamente comparáveis, teoria que se
encontrará formulada e especificada nas Palestras de Lyon (1774-1776) e que se
tornará parte essencial da doutrina do Escocês Retificado Regime, e ao mesmo
tempo elemento fundamental do pensamento Saint-martinista[4].
-- 43 --
círculo material, "O homem tinha que ter cuidado para não se demorar muito
neste assunto e transferir seus desejos para ele, porque que benefícios
espirituais ele poderia receber dele, já que se opõe ao espírito?" (SM, Lição de
Lyon nº 86, 5 de janeiro de 1776).
É por isso que, sem qualquer reserva, o Filósofo Desconhecido nos diz
que o envoltório material em que estamos encerrados é a causa da situação
dolorosa que sofremos; É a carne, o composto grosseiro que assumimos, não
sem múltiplas dificuldades, que está na origem da nossa relação sofrida e
desorientada no mundo, a razão da nossa incapacidade de ascender aos
domínios espirituais: “Este corpo material que carregamos é o órgão de todos
os nossos sofrimentos; pois é ele quem, ao estabelecer limites densos à nossa
visão e a todas as nossas faculdades, nos mantém na privação e na dor;
Portanto, não devemos de forma alguma esconder que a união do homem com
esta cobertura grosseira é o mesmo castigo a que o seu crime o submeteu
temporariamente, pois vemos os efeitos horríveis que ele sente desde o
momento em que foi vestido até o momento em que foi vestido. que é
despojado; e é aqui que começam e continuam as provas, sem as quais não
poderia restabelecer as relações que tinha anteriormente com a Luz” (Dos erros
e da verdade).
-- 44 --
situação. Também podemos ver por que ele está em sua própria servidão, em
vez de estar a serviço de seu mestre” (O Ministério do Homem Espírito).
Longe de ser uma proteção contra a morte, um muro para nos proteger
da infecção e da destruição na lama vil da degeneração, os corpos, para Saint-
Martin, são o mesmo produto da putrefação após a queda e devem retornar
àquela origem putrefata para serem destruídos. : «Observem também a própria
natureza e verão pela infecção que é o resíduo final de todos os corpos, qual é o
objeto da existência desses mesmos corpos e se não estão destinados a servir
de invólucro e barreira à putrefação, uma vez que esta putrefação é a sua base
fundamental e também o seu fim. Prova de que a natureza se destina a servir de
prisão ou absorvente de iniquidade” (Do espírito das coisas, vol. I).
Com efeito, pelo seu crime, ao ficar preso sob as cadeias da matéria, o
homem caiu realmente nas mãos do Inimigo, do Príncipe que reina sem
concessões neste mundo - o Evangelho confirma-o com força: «Tudo aqui
embaixo está nas mãos de o Maligno” (I João 5:19). É por isso que, insiste Saint-
Martin, o Adversário nos lembra constantemente que ele é o senhor da matéria
e esta “matéria” é, precisamente, o seu “reino”: “Os escravos do inimigo
também estão em agitação, sem nenhum benefício. Este inimigo, depois de
obter uma vitória quase universal, age como mestre e tirano sobre seus súditos.
Ele os humilha com uma dor intensa para fazê-los sentir que a matéria é o seu
reino. Ele os pune por terem tido a imprudência de agir sem o seu Deus,
atormentando-os nesta terra, como num lugar onde Deus não age” (O Novo
Homem, § 58).
-- 45 --
inimigo, que é o lugar onde ele reina sobre a matéria, que é o composto geral
deste universo caído destinado à corrupção e à morte. Deste fato percebemos
melhor o motivo das repetidas advertências do Filósofo Desconhecido para que
nos libertemos da região carnal, pois vincular-nos a esses vestígios obscuros
implica diretamente unir nosso destino ao do mundo; Entregar-se à carne é, na
verdade, distanciar-se de Deus, distanciar-se do amor do Pai, no qual não há
desejo da carne nem orgulho da vida material: «Não ameis o mundo, nem o que
há no mundo. mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele.
Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência
dos olhos e a ostentação das riquezas, não vem do Pai, mas do mundo” (1 João
2:15-16) [5].
-- 46 --
podemos ver qual é hoje a sua lamentável situação. Também podemos ver por
que ele está em sua própria servidão, em vez de estar a serviço de seu mestre”
(O Ministério do Homem Espiritual).
-- 47 --
unida a ele, ela precisa que esta união seja o efeito de uma lei de justiça que se
cumpra sobre ela para expiar a sua prevaricação. Não podemos duvidar que
esta união seja um castigo para ela. Sua dor é comprovada pela repulsa entre
ela como ser espiritual e seu corpo. (…) O corpo só tende para as coisas
materiais, escuras como ele, e acaba por se reunir com o seu centro, que é a
Terra. Ora, como imaginar uma repulsa maior do que a de dois seres que
tendem cada um para dois centros opostos, um superior e outro inferior? Como
podemos imaginar que a união deles possa ser eterna, já que essa união
começou e, pela ação particular de cada um, tendem a se separar? É necessário
que no final se rompa a relação que os sujeita um ao outro e que continuem a
afastar-se até à perfeita reintegração de cada um na sua fonte, a saber, os
corpos particulares no corpo geral, o corpo geral no corpo geral. eixo central do
fogo e a alma espiritual do homem em seu princípio divino. (…) É uma sucessão
contínua de corpos que nascem e outros que são destruídos; o que é para nós
uma indicação muito contundente de que a matéria não é eterna, pois, dado
que os corpos particulares nascem sob o nosso olhar, é natural concluir daí que
o corpo geral também nasceu, e as produções particulares devem ser operadas
pelo mesmo leis de produção geral, visto que todo ser criado apresenta a
imagem do princípio do qual provém. (…) O trabalho da alma deve ser,
portanto, alcançar sem parar o seu princípio divino através dos seus desejos e
orações e desapegar-se de todo apego que possa retê-la nas coisas criadas e
perecíveis que lhe são inferiores” (SM , Lição de Lyon nº (nº 92, 6 de março de
1776).
A matéria não é, portanto, apenas uma prisão, mas é também uma prisão
exigente para nós, aumentando o poder da sua dominação. Consequentemente,
longe de apostar numa espiritualização quimérica e improvável da matéria ou
da carne, Saint-Martin faz-nos ver que o desaparecimento e o regresso ao nada
do composto obscuro, isto é, a sua “reintegração”,[6]É uma necessidade para
que a verdade eterna possa ser conhecida: «Se um dia a matéria universal não
desaparecesse, como então a verdade eterna poderia ser conhecida? Como
perdemos a medida do espírito, o seu peso e o seu número, é o peso, o número
e a medida física da ordem inferior que nos governa e nos serve de regra” (O
Homem de Desejo, § 187).
-- 48 --
desta matéria que abusa de você. Como só existe através das divisões e nas
divisões, também habitua o teu olhar à divisão... » (O Homem do Desejo, § 211);
«Você se deixou materializar tanto que perdeu toda a ideia das coisas de cima; e
você ia dizer: haverá uma região espiritual? Você se espiritualizará quando se
perguntar: a matéria existe? (O Homem do Desejo, § 271). Confirma-se,
referindo-se a esta matéria e à sua responsabilidade no obscurecimento
universal, que aquilo que Saint-Martin designa como sendo “o caminho da
desordem e da mentira” (Ibid., § 18), é absolutamente entristecedor: “A
matéria, a matéria, o que um véu desastroso que você estendeu sobre a
verdade! (O Homem de Desejo, § 7).
-- 49 --
“Neste estado de reprovação em que o homem está condenado a rastejar, e
onde apenas percebe o véu e a sombra da verdadeira luz, ele preserva em
maior ou menor grau a memória de sua glória, ele é alimentado mais ou menos
com o desejo de superá-lo, tudo isso pelo livre uso de suas faculdades
intelectuais, pelos empregos que a justiça lhe prepara e pelo emprego que deve
ter no trabalho. Alguns se deixam subjugar e sucumbem às inúmeras armadilhas
plantadas neste esgoto elementar, outros têm a coragem e a sorte de evitá-las.
Pois bem, devemos dizer que quem melhor se preservar terá permitido que a
ideia do seu Princípio seja menos desfigurada e estará o menos afastado do seu
estado primeiro” (Dos erros e da verdade).
É por isso que Saint-Martin nos diz que quando o nosso envoltório
material que constitui este corpo escuro submetido ao inimigo retornar ao
túmulo, então a alma subirá ao céu numa luz viva que se irradiará através da
autêntica clareza do espírito, prefigurando o que O que acontecerá com toda a
-- 50 --
criação material quando ela afundar no nada: «Quando o seu corpo está
imbuído de toda a sua iniquidade, ele o abandona. Volte para a terra, que é o
grande tanque; e sua alma purificada sobe em direção à sua região de origem
com toda a agilidade de sua natureza. Quão belo será este espetáculo futuro,
em que todas as almas que não sucumbiram à prova ascenderão assim para a
região da luz! Você vê o universo inteiro afundando no nada e ao mesmo tempo
perdendo todas as suas formas e toda a sua aparência? Você vê todos esses
espíritos purificados elevando-se no ar como a chama de um grande fogo e
mostrando uma clareza deslumbrante, em vez de todas aquelas matérias que
serão consumidas e nunca mais existirão? (O Homem de Desejo, § 203).
-- 51 --
quantos espíritos mataram as letras de outras palavras! É necessário que tanto
no operador quanto em nós, a ideia e as palavras carne e sangue sejam
abolidas, ou seja, devemos voltar, como o reparador, à região do elemento puro
que foi nosso corpo primitivo, que contém dentro de si mesma a eterna
SOPHIA, as duas tinturas, o espírito e a palavra. Somente por esse preço é
possível que as coisas que acontecem no reino de Deus também aconteçam em
nós” (O Ministério do Homem Espiritual). Para fazer isso, o que deve ser feito? A
resposta de Saint-Martin é claramente imposta: «...lembremo-nos da frase
pronunciada por São Paulo, em 1 Cr 15,50: Digo-vos isto, irmãos, que a carne e
o sangue não podem herdar o reino de Deus, e que dizemos pela mesma razão
que o reino de Deus não pode habitar com carne e sangue, consequentemente
a carne e o sangue deverão desaparecer para que as profecias de paz dos
judeus possam ser cumpridas" (Ecce Homo, § 6).
-- 52 --
Compreendemos agora muito melhor porque, em última análise, Saint-
Martin nos dá esta mensagem que parece ter pretendido para a futura
Sociedade dos seus íntimos, isto é, para os autênticos Independentes que
teriam compreendido o verdadeiro segredo do reino do Espírito.: «Eu me
prepararei ao mesmo tempo para o sono e a paz e o despertar dos justos, na
alegria e vivacidade do espírito. Porque, estando a matéria muito distante,
abaixo de mim, os seus vapores infectados e escuros não perturbarão o
esplendor da minha atmosfera” (O Homem do Desejo, § 70).
Mas ele escreve sobretudo para mostrar como as duas ordens, isto é, a
carnal e a espiritual, se distinguem radicalmente: “Tenha sempre em mente que
você tem um corpo que pertence à terra” (264). Depois, abordando o tema do
destino da dissolução da matéria corpórea do homem à qual ele retornará
repetidas vezes, Saint-Martin nos confessa uma informação que podemos
considerar como uma chave real simbólica: «Se houve algo para a incorporação
do homem na forma, haverá algo para sua separação” (774). O que poderia ser
esse “algo”?
-- 53 --
O ensinamento de Saint-Martin é, portanto, firmemente afirmado, pois
não deixou de se impor em todos os seus escritos, tornando-se um elemento
central do seu pensamento: o corpo, o nosso corpo de carne e osso, é uma
barreira de matéria escura que nos separa de Deus, já que o corpo primitivo,
puramente espiritual, era um dom divino imaterial e puro, enquanto aquele que
temos atualmente, para nossa expiação e como retribuição pelo crime de Adão,
é fruto de uma degeneração impura, produto de um “fenômeno monstruoso ”,
como escreveu Willermoz, que deve perecer e ser totalmente apagado.
-- 54 --
Criador” para apresentar-lhe “espiritualmente” e para a eternidade a “imagem
fiel e os frutos gloriosos das leis” que nos foram dados, para que universal será
restabelecida a harmonia que devolverá tudo à "Unidade": "A bênção da
reintegração da matéria é o ato final de sua existência, um ato que, repetido
todos os dias através da destruição de corpos particulares, nos anuncia
exatamente como deve ser operado para a dissolução geral, pois concordamos
que as leis são as mesmas (...) é sempre este verbo eterno e universal: é sempre
a palavra do mesmo filho que deve desatar os mesmos laços de criação
temporal, conhecidos é esta palavra que os uniu em sua origem e os sustenta
desde que a natureza começou a existir na aparência em forma material. (…) A
palavra do filho divino é tão necessária para operar a dissolução da matéria
universal, como o foi para ordenar a sua produção e montagem; pois se assim
não fosse, seria necessário que a própria matéria fosse depositária do seu verbo
de criação, para que pudesse, por sua própria vontade, abreviar ou prolongar a
sua existência...” (Tratado de Bênçãos) ).
NOTAS
[1] Saint-Martin, que nunca se sentiu confortável neste mundo, esperava ser libertado o mais
rápido possível; Ele confessará: «A esperança da morte é a consolação dos meus dias, por isso
gostaria que nunca se dissesse: a vida após a morte; porque só existe um” (Retrato histórico e
filosófico, 1789-1803, § 109). Contudo, se esta esperança de morte era um tom constante do
seu ser, ele não se absteve de descrever, durante o tempo da sua curta estadia nesta terra, a
realidade da triste situação em que os homens se encontram, e em termos que muitas vezes
superar até mesmo as mais austeras descrições do já rigoroso Blaise Pascal (1621-1663), um
gênio espiritual já não inclinado ao abençoado otimismo sobre o destino das criaturas, como
-- 55 --
sabemos, vendo-se por vezes superado no quadro sombrio que fez da matéria realidade.
[2] Esta página de O Novo Homem continua assim: «A adolescência e a juventude serão
apenas um desenvolvimento sucessivo de todos estes germes. Um regime físico, quase sempre
contrário à natureza, continuará a impor o princípio da sua vida na direção oposta. Um regime
moral destrutivo de toda a moralidade continuará a prejudicar ainda mais o seu ser interior e a
desviá-lo da sua linha, a tal ponto que ele nem sequer acreditará que existe uma linha para ele
seguir. Seu espírito rejeitará doutrinas de todos os tipos por causa de suas contradições ou
porque servirão apenas para enganá-lo. Atividades ilusórias irão absorver seu tempo e
esconder de você sua verdadeira ocupação o tempo todo. É assim que, no meio de uma
tempestade perpétua, ele chega ao fim da vida, para terminar de selar definitivamente o
decreto que o condenou a vir para este vale de lágrimas, e vê seu corpo atormentado pelos
procedimentos de um ignorante. medicina., e seu espírito por conselhos desajeitados,
enquanto nestes momentos perigosos esse espírito só pretende entrar em seu caminho e
talvez sinta secretamente toda a dor de estar separado dele" (O Homem Novo, § 9). Sem
dúvida podemos comparar esta passagem de O Novo Homem com um trecho das Instruções
aos Homens de Desejo, texto que, embora apócrifo, contém algumas verdades interessantes.
Estas Instruções devem obviamente ser seguidas com a maior cautela. Robert Amadou,
durante a sua publicação, alertava assim os leitores, designando-os como “semificcionais”: “A
grafia dos dois manuscritos não é da mesma caligrafia. Nem um nem outro designam Saint-
Martin nem Martinez de Pasqually", por isso teremos o cuidado de não lhes conceder
autoridade excessiva que não têm e que não procuram. Mas, seja como for, eis o que escreve
o autor anónimo destas Instruções, que não deixa de recordar as descrições da geração dos
seres em Saint-Martin: «O espírito menor desce ao corpo, ou ao seu envoltório, ou a sua
prisão, que acabaram de lhe dar, e neste momento ele começa a sentir sofrimento, porque a
maior dor que um espírito pode sentir é estar limitado na sua ação. Consideremos por um
momento a situação deste ser. Ele tem os dois punhos apoiados sobre os olhos; envolto no
âmnio [O âmnio, ou bolsa amniótica, é o envoltório que se forma ao redor do embrião e
depois do feto], sobrenadante em um fluido de corrupção, privado do uso de todos os seus
sentidos espirituais, divinos e corporais; Ele se alimenta através dos abismos de sua forma,
submetido a tão grandes privações que só recebe vida através de um ser quase tão fraco
quanto ele; que participa de todas as suas tristezas, dos seus sofrimentos e dos seus males. Ó
crime do nosso primeiro pai! Aqui está o castigo justo que você merece. A justiça do Eterno
submeteu toda a posteridade de Adão a passar pelos mesmos caminhos” (Cf. Instruções aos
desejos dos homens, Instrução IX, p. 3).
[3]O fruto perverso da operação de “Adão”, segundo Martinez, foi a geração de uma forma de
matéria escura na qual o menor era introduzido e trancafiado como punição pelo seu crime. A
partir de então, em vez de reinar sobre a terra e dominá-la como ser espiritual não carnal,
passou a residir neste mundo “como o resto dos animais”, confundido com a sinistra realidade
material: “Se também me pedissem como a mudança foi feita da forma gloriosa de Adão para
uma forma de matéria e se o próprio Criador deu a Adão o corpo de matéria que ele assumiu
assim que transgrediu, eu responderia que assim que Adão cumpriu seu vontade criminosa, o
Criador, por sua onipotência, transmutou imediatamente a forma gloriosa do primeiro homem
em uma forma de matéria passiva, semelhante àquela que procedeu de sua horrível operação.
O Criador transmutou esta forma gloriosa precipitando o homem nos abismos da terra, de
onde emergiu o fruto da sua prevaricação. O homem passou então a habitar a terra como o
resto dos animais, enquanto antes de seu crime ele reinou sobre esta mesma terra como
Homem-deus e sem se confundir com ela ou com seus habitantes" (Tratado, 24). O que
Martinez mais enfatiza, voltaremos a isso mais detalhadamente em um texto futuro que
tratará do que verdadeiramente é a doutrina da reintegração no pensamento do fundador do
Élus Cohen, é que o pecado original levou a uma “degeneração” do corpo de glória e da alma
-- 56 --
de Adão, "degeneração" que este último transmite a toda a sua posteridade pelas suas obras
carnais corporais, até o fim dos tempos, quando a matéria será destruída, "até que se dissipe
completamente, tornando qualquer coisa temporal vem até o fim" (Tratado, 274): "O que
acabei de lhe contar sobre a prevaricação de Adão e sobre o fruto que dela resultou mostra-
lhe muito claramente o que é a nossa natureza corporal e espiritual, e como elas se
degeneraram, tanto a uma como a outra, pois a alma se submeteu ao sofrimento da privação e
a forma tornou-se passiva, tão impassível como teria sido se Adão tivesse unido a sua vontade
à do Criador. É aí que se pode reconhecer com sensibilidade o que chamamos espiritualmente
de decreto pronunciado pelo Eterno contra a posteridade de Adão, até o fim dos séculos, e
que vulgarmente chamam de pecado original” (Tratado, 45).
[4] Descobrimos, em perfeita continuidade com Martinez, sob a pena de Willermoz nas
Palestras de Lyon, onde a questão do estatuto da matéria e do corpo do homem moderno foi
objeto de numerosos comentários, alguns versos que são um resumo perfeito da obra de
Martinez. pensei: «O corpo material [do homem], no qual ele está envolvido, é
completamente contrário à sua natureza primeira. É por isso que o espírito que está preso
tende sempre a livrar-se dele e deseja ardentemente ver rompidos os seus laços. (...) O Criador
é um ser demasiado puro para poder comunicar-se diretamente com um ser impuro como é o
homem neste corpo de matéria com o qual está coberto pelo seu castigo (...) é necessário que
ele comece purificando seu corpo de forma para poder começar sua reconciliação aqui
embaixo. E, como se não bastasse esse julgamento que aplica à corrupção da carne do
homem, Willermoz nos mostra então, sempre na mesma lição 6 de 24 de janeiro de 1774, as
trevas do espírito vendido às forças do mal: “o homem emanou em um estado de glória e
pureza para operar os decretos do Eterno na criação universal, longe de agir de acordo com as
leis, preceitos e mandamentos que havia recebido, orgulhoso do poder que acabava de ser
posto em movimento sob o olhar do O próprio Criador, neste estado recebeu a insinuação do
intelecto maligno sob o qual abandonou sua própria boa vontade e agiu de acordo com seus
conselhos demoníacos. Como o homem será punido por esse ato culpado? Ouçamos mais uma
vez Willermoz para saber: «(...) O homem foi punido pelo seu crime de uma forma de acordo
com a própria natureza do seu crime, viu-se encerrado numa prisão exatamente desta matéria
que ele deveria conter e ele, portanto, submeteu-se à ação sensível desses espíritos perversos
sobre seus sentidos corporais provenientes dessa mesma matéria que havia sido criada para
mantê-los em privação... (...) Adão, caído de seu estado de glória e enterrado em um corpo de
matéria escura, ele logo sentiu sua privação. Seu crime ainda estava diante de seus olhos... »
(Willermoz, lição nº 6, 24 de janeiro de 1774). Poderíamos fazer uma comparação entre os
textos de Willermoz e os de Saint-Martin nas Lições de Lyon, mostrando a desconfiança
comum em relação à realidade material corporal: «Todos os homens estão na mesma situação.
O fardo que os sujeita é a matéria, esse ser composto inferior ao qual seu espírito está ligado
desde o nascimento corporal até a dissolução de seus corpos. O poder deste mesmo SER que
lhe impôs este fardo é necessário para ajudá-lo a carregá-lo e para libertá-lo dele e restaurá-lo
à sua simplicidade de natureza como um ser espiritual divino” (Saint-Martin, lição nº 89, 14 de
fevereiro de 1776). Confirma-se que as Lições de Lyon também adotarão a mesma posição
doutrinária de Martinez no que diz respeito ao composto material, e verão no corpo atual do
homem o tributo de suas indústrias culpadas, vendo nos elementos da realidade material os
sinais patentes de uma degradação, vergonhosa, de um “fenómeno monstruoso” pelo qual o
homem foi atingido, algo a que se referem as numerosas passagens dos rituais do Regime
Escocês Retificado, desde o grau de Aprendiz até ao de Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa,
expressando um pensamento que permeia todo o sistema fundado por Willermoz. Permitir-
nos-ão assinalar rapidamente, mais uma vez, visto que o tema é da maior importância, que é
esta mesma doutrina, absolutamente semelhante, que culmina o Regime Retificado,
constituindo a parte mais essencial do seu ensinamento: “A união de um ser inteligente com
corpo material, que seguiu a prevaricação do homem, foi um fenômeno monstruoso para
-- 57 --
todos os seres espirituais. Ele lhes mostrou a extrema oposição que existia entre a vontade do
homem e a lei divina. Na verdade, a inteligência concebe sem dor a união de um ser espiritual
e pensante com uma forma gloriosa e impassível, como era a do homem antes da queda; mas
não pode conceber a união de um ser intelectual e imortal com um corpo de matéria sujeito à
corrupção e à morte. Esta reunião inconcebível de duas naturezas muito opostas é, no
entanto, o triste atributo do homem hoje. Por um lado, faz brilhar a grandeza e a nobreza da
sua origem; por outro lado, ele é reduzido à condição dos mais vis animais e é escravo das
sensações e das necessidades físicas. (…) Aqui está, meu querido irmão, porque o ser
inteligente que constitui o homem é espiritual e imortal, e porque os corpos, a matéria, os
animais, o próprio homem como animal, e todo o universo criado só podem ter uma duração
momentânea. Assim, todos esses seres materiais, ou dotados de alma passiva, morrerão e
desaparecerão por completo, sendo apenas produtos de ações secundárias, nas quais o único
Príncipe de toda ação viva apenas cooperou com sua vontade que ordenou os atos” (Instrução
secreta dos Cavaleiros Professos, manuscrito 5475, documento 2, da Biblioteca Municipal de
Lyon).
-- 58 --
[7] Caderno de um jovem Élu Cohen, BM de Lyon, Willermoz Funds, MS 5.476 (34), publicado
por Robert Amadou, revista Atlantis, nº 245, março-abril de 1968, pp. 268-282.
EXTRATOS
A RESSURREIÇÃO DA CARNE
(Contra Celso V. 18s.)
Nem nós nem as escrituras divinas dizem que aqueles que morreram
antigamente quando ressuscitaram da terra viverão com a mesma carne que
tinham, sem sofrer qualquer mudança para melhor...Porque ouvimos muitos
textos que falam da ressurreição de uma maneira digna de Deus. Por enquanto
basta citar as palavras de Paulo na sua primeira carta aos Coríntios (15, 35ss):
“Alguém dirá: Como podem os mortos ressuscitar? E com que tipo de corpo eles
aparecerão? Tolice: o que você semeia não ganha vida se não morrer. E o que
você semeia não é o corpo que há de ser, mas um simples grão, por exemplo, de
trigo ou alguma outra semente. Mas Deus dá-lhe um corpo como quer, e a cada
uma das sementes o seu corpo correspondente.” Observe, então, como nestas
palavras é dito que “o corpo que há de ser” não é semeado, mas que daquilo
que é semeado e lançado como grão nu na terra, Deus dá “a cada uma das
sementes o seu corpo correspondente”.; algo assim acontece com a
ressurreição. Pois da semente lançada às vezes surge uma espiga, e às vezes
uma árvore como a mostarda, ou uma árvore ainda maior no caso da oliveira de
caroço ou das árvores frutíferas.
-- 59 --
Assim, Deus dá a cada um corpo segundo o que determinou: é o que
acontece com o que foi semeado, e com o que se torna uma espécie de
sementeira, de morte: no momento oportuno, do que foi semeado, cada um
terá de voltar para receber o corpo que Deus designou para ele de acordo com
seus méritos. Também ouvimos que a Bíblia nos ensina em muitas passagens
que há uma diferença entre o que surge como uma semente que é semeada e o
que surge como o que nasce dela. Diz: “É semeado na corrupção, surge na
incorrupção; é semeado em desonra, surge em glória; semeia-se na fraqueza,
surge na força; semeia-se um corpo natural, surge um corpo espiritual” (1 Cor
15,42). Quem ainda tentar entender o que quis dizer aquele que disse: “Tão
terrestres, assim são os homens terrestres, e tão celestiais, assim são os
homens celestiais. E assim como trazemos a imagem do terrestre, também
trazemos a imagem do celestial” (1Cor 15, 48). E embora o Apóstolo queira
esconder neste ponto os aspectos misteriosos que não seriam apropriados aos
mais simples e aos ouvidos da massa daqueles que são induzidos a uma vida
melhor pela simples fé, no entanto, para que não interpretemos mal as suas
palavras, depois de “trazermos a imagem celestial”, ele foi forçado a dizer:
“Digo-vos isto, irmãos, que nem a carne nem o sangue podem herdar o reino
dos céus, nem a corrupção herda a incorrupção.” Então, como estava ciente de
que havia algo inefável e misterioso neste ponto, e como era apropriado para
quem deixou o que sentia à posteridade por escrito, acrescentou: “Eis que vos
falo sobre um mistério.” Normalmente isto é dito das doutrinas mais profundas
e místicas que são justamente mantidas escondidas das pessoas comuns...
Não dizemos que o corpo corrompido volta à sua natureza original, assim
como o grão de trigo corrompido não volta a esse grão de trigo (cf. 1 Cor 15,
37). Dizemos que assim como a espiga cresce a partir do grão de trigo, também
existe um certo princípio incorruptível no corpo, do qual o corpo surge “em
incorrupção” (1Co 15:42). São os estoicos que dizem que o corpo
completamente corrompido retorna à sua natureza original, pois admitem a
-- 60 --
doutrina de que existem períodos idênticos. Com base no que acreditam ser
uma necessidade lógica, afirmam que tudo será novamente recomposto
segundo a mesma composição original que deu origem à dissolução. Mas não
nos refugiamos num argumento tão inatingível como o de que tudo é possível
para Deus, porque temos consciência de que não entendemos a palavra “tudo”
aplicada a coisas inexistentes ou inconcebíveis. Por outro lado, dizemos que
Deus não pode fazer algo ruim, porque o deus que poderia fazer isso não seria
Deus. “Se Deus faz algo ruim, não é Deus” (Eurip. fr. 292 Nauck).
Quando Celso afirma que Deus não quer o que é contra a natureza, deve-
se fazer uma distinção no que ele diz. Se para alguém o que é contra a natureza
equivale ao mal, dizemos também que Deus não quer o que é contra a natureza,
assim como não quer o que vem do mal ou do absurdo. Mas se se refere ao que
é feito segundo a inteligência e a vontade de Deus, segue-se necessária e
imediatamente que isso não será contra a natureza, pois o que Deus faz não
pode ser contra a natureza, mesmo que sejam coisas extraordinárias ou que
pareçam seja assim para alguns.
“…aqueles que são julgados dignos da ressurreição dos mortos tornam-se como
anjos no céu (não só pela ausência de atividade sexual), também porque os
corpos de humilhação transfigurados tornam-se semelhantes aos corpos dos
anjos, etéreos, uma luz cintilante (augoeides)”.
SOBRE A ESCATOLOGIA DE ORÍGENES:
-- 61 --
possíveis, sem se comprometer com nenhuma: “aqui embaixo” “a substância
humana” dos indivíduos é afetada pelas qualidades terrestres, “lá em cima”
pelas qualidades celestes, adaptada ao novo mundo. A unidade também
depende, em termos estoicos, de um Logos espermático ou razão seminal, que
está presente no corpo terrestre e que germinará para dar origem ao corpo
glorioso.
-- 62 --
“qualidade” muda, do terreno ao celestial. Os corpos gloriosos são descritos,
portanto, como “cintilantes” (augoeidè) e etéreos.
16
Esta seção foi extraída do Apêndice I do livro “Os ensinamentos secretos do Martinismo” de Jean-Marc
Vivenza, Ed. Manakel, Madrid 2010.
-- 63 --
As almas culpadas se materializaram e receberam um corpo carnal para
submetê-las à justa sanção que sua ação culpada merecia; tal é a tese de
Orígenes conhecida como ensomatose, que descreve a descida aos corpos de
entidades espirituais, entidades que vêm a este mundo para completar uma
purificação redentora. Nesse sentido, Orígenes estabelecerá uma etimologia
única entre alma (psuchê) e frio (psuchros), para significar o fato de que as
almas são entidades, inteligências “resfriadas” que vêm a este mundo para
expiar, estando vestidas de corpos materiais, seus pecados. Justiniano também
relatará, numa carta dirigida aos Padres reunidos no Concílio de Constantinopla,
a doutrina professada pelos monges origenistas semelhante em todos os seus
pontos às teses do Peri Archôn: «As entidades racionais esfriaram
(distanciaram-se eles mesmos) da caridade divina, daí o seu nome de almas; é
por causa de um castigo que eles foram revestidos de corpos mais grossos, os
nossos, e foram chamados de homens. Aqueles que atingiram o auge do mal
assumiram corpos frios e escuros; eles são e são chamados de demônios e
espíritos malignos. É, portanto, em virtude de um castigo e de uma pena pelos
pecados cometidos numa existência anterior que a alma recebeu um corpo”
(Carta de Justiniano ao Concílio, e Anátema IV do Concílio de Constantinopla, K.,
p. CXXII).
Por outro lado, Orígenes apoiará a sua tese de uma Queda na matéria,
nos corpos grosseiros e animais, como que respondendo a uma falta anterior,
baseando-se na história verdadeiramente avassaladora do terceiro capítulo do
livro do Gênesis, onde é disse, após o episódio do pecado original: “Deus fez
túnicas de pele para o homem e sua mulher e os vestiu” (Gênesis 3:21). O
método confirmará que a posição de Orígenes está claramente expressa nas
suas obras e testemunhará esta identidade nestes termos: «Orígenes imaginou
uma preexistência mítica das nossas almas. Adão e Eva, segundo ele, eram
intelectos nus antes de cobrirem as túnicas de pele; Eram absolutamente
incorruptíveis, imortais, isentos de necessidades naturais como comer, beber ou
dormir” (De Resurr.). Como podemos ver, o corpo material é para Orígenes uma
vestimenta grossa e degradada, uma marca concreta da Queda e ele não
hesitará, em sustentar a sua tese, em recorrer a certas passagens da Escritura
que vieram corroborar a sua visão, em particular estes trechos dos Salmos:
“Antes de ser humilhado, perdi-me” (Sl 118,67); “Volta, ó minha alma, ao teu
descanso” (Sl 104:7); "Tire minha alma da prisão!" (Sl 142:8). O pensamento de
Orígenes, dito sem rodeios, é a expressão de uma doutrina que podemos
resumir da seguinte forma: «A desgraça da alma é ter descido, é a ensomatose,
a queda no corpo material. A salvação para a alma é voltar para o lugar de onde
veio. Esquema comum ao Neoplatonismo, Gnose, Orfismo e Teosofia
Bramânica. É este esquema que Orígenes adota” (C. Tresmontant, op. cit.,
página 431). O que é muito chocante, em qualquer caso, e digno de observação
é que, como Martinez, Orígenes pensa no fim dos tempos como uma cessação
do universo material, uma espécie de “desmaterialização” que põe fim ao
-- 64 --
composto grosseiro, dissolvendo o carnal elementos.: «As almas abandonam os
corpos que assumiram, com os quais estavam vestidas. O estado final será,
portanto, incorpóreo. Toda a natureza material e corpórea será abolida. Toda a
criação será libertada da escravidão da matéria” (De Princ., II, 3, K).
-- 65 --
-- 66 --
MARTINEZ DE PASQUALLY
EA
DOUTRINA DA REINTEGRAÇÃO
Criação necessária,
transmutação do menor emanado e aniquilação da matéria, retornando os
seres ao seu estado primitivo original e poder espiritual divino
Jean-Marc Vivenza
“Sem prevaricação não teria havido criação material temporal, nem terrestre nem celeste (...)
Conhecereis a necessidade de cada coisa criada, e de cada ser emanado e emancipado”
(Tratado, 224)
Tratado sobre a reintegração dos seres de Martinez de Pasqually. Edição com introdução e legendas de
Robert Amadou, Diffusion Rossicrucienne, 2002.
-- 67 --
Tratado de Reintegração que é e continua a ser, em nossa opinião, um
elemento fundamental na teoria para aqueles que desejam avançar em direção
à luz, um pensamento que acreditamos ser portanto essencial, a exemplo de
Willermoz e Saint-Martin (que simplesmente o peneiram descartando o dois
pontos críticos que incluía[1]), trabalhar, aprofundar e estudar com verdadeira
atenção, pois representa um verdadeiro tesouro espiritual que nos foi
providencialmente legado, mostrando claramente em vários pontos
importantes diferenças significativas com as posições dogmáticas da Igreja, que
devem ser reconhecidas e assumidas pelos nossos sentidos e não tentar corrigir
o legado da História através da transformação, sob pena de se afastar
completamente, não só da autenticidade doutrinária Martinezista, mas também
do ensinamento Willermoziano e Saint-Martiniano que é a sua extensão. O
desafio é, portanto, muito importante.
-- 68 --
acontecimentos ocorridos desde a emanação inicial, desde que os primeiros
espíritos angélicos se rebelaram (Tratado, 4 e 5), sendo expulsos “da sua
morada espiritual por terem nela produzido uma horrível dissensão” (Tratado,
224).
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supra celestial, bem como celeste ou terrestre, nem qualquer espírito enviado
para entrar em ação nas diferentes partes da criação. Não se pode duvidar de
tudo isso, pois os espíritos menores ternários jamais teriam saído do lugar que
ocupavam na imensidão divina para operar a formação de um universo
material” (Tratado, 237); ou ainda mais explícito: “Devemos nos convencer de
que a matéria primeira só foi concebida pelo espírito bom para conter e sujeitar
o espírito mau em estado de privação e que verdadeiramente esta matéria
primeira, concebida e gerada pelo espírito e não emanando dele, só tinha sido
concebido para estar exclusivamente à disposição dos demônios” (Tratado,
274).
Vemos que está fora de questão que a Igreja aceite qualquer restrição à
ação do Criador, fazendo com que a proposta assim formulada por Martinez: “o
-- 70 --
Criador, querendo punir o orgulho e a prevaricação dos primeiros espíritos que
emanou de seu seio, e estabelecer para eles um lugar de privação, onde
exercerão por um tempo imemorial toda a sua malícia e todo o poder que lhes
foi inato de sua emanação, concebe em sua imaginação o plano deste universo
físico, para servir como limite e separá-los de sua corte divina” (Discurso de
instrução a um recém-recebido nos três primeiros graus Cohen, BM de Lyon,
ms. 5919-12), é quase uma blasfêmia em sua totalidade que é intolerável e que
levou a anátemas mais formais no Concílio de Constantinopla II no ano 553[3].
III. ADÃO CRIOU PURO ESPÍRITO IMATERIAL, TRANSMUTADO EM UMA “FORMA DE MATÉRIA”
-- 71 --
semelhança, um “verbo de criação” libertando-o “da sua imensidão divina para
ser homem-Deus na terra (…) Adão tinha dentro de si um verbo poderoso, pois
da sua palavra de mandamento nasceriam formas gloriosas e impassíveis
semelhantes às que apareceram na imaginação do Criador, segundo a sua boa
intenção e a boa vontade espiritual divina” (Tratado, 47). Da mesma forma, e de
acordo com a “imagem e semelhança” que recebeu do Todo-Poderoso: “No seu
estado de glória, este primeiro menor não tinha em si nenhuma ação ou
operação espiritual e muito menos material, mas, pelo contrário, todos os tipos
de ações e operações espirituais de maneiras gloriosas. Essas formas gloriosas
não estavam sujeitas ao tempo, assim como Adão não estava sujeito ao
tempo…” (Tratado, 239).
Recebendo um corpo material como punição por seu crime, Adão tentou
sair desta prisão sombria para se unir novamente à fonte espiritual da qual
emanava. Adão, segundo Martinez, por sua Queda, por sua vez arrasta o mundo
criado para uma depravação horrível; Os vestígios do mal são universalmente
visíveis aqui, e o sofrimento, a morte, a adversidade, os espinheiros, os espinhos
e muitas outras coisas também testemunham tragicamente esta triste
realidade, como diz o apóstolo Paulo, “toda a criação geme” em antecipação à
libertação do cadeias às quais está sujeito (Romanos 8:19-22).
-- 72 --
Portanto, a “emanação” do primeiro Adão deve ser distinguida da
“criação” material deste mesmo Adão, mas desta vez realizada como punição
pelo seu crime e inserção no tempo, no espaço e na encarnação grosseira da
carne. recebido por causa do pecado. A história bíblica da criação em seis dias,
que trata da geração de formas materiais e de uma espécie de lodo da criatura
caída, também é explicada e interpretada desta forma por Martinez que,
embora atribua a Deus a ideia de um mundo material, nega a sua criação em
seis dias: “O número de dias que dou às seis operações da criação não pode
corresponder ao Eterno, que é um ser infinito, sem tempo, sem limites nem
extensão; Mas estes seis dias anunciam a duração e os limites do processo desta
mesma matéria, ou seja, que esta matéria durará seis mil anos em toda a sua
perfeição e, depois de sete mil, cairá numa terrível deterioração onde
permanecerá até sua completa dissolução. (...) O número setenário, que deu
perfeição a todo ser criado, é o mesmo que destruirá e abolirá todas as coisas.
Da mesma forma que atuou no início para fazer subsistir tudo o que existe neste
universo material, no final operará para demolir sua obra. (...) Assim como tudo
terá subsistido numa sucessão de grau em grau, por ordem divina, tudo chegará
ao seu fim por gradação e retornará ao seu primeiro começo” (Tratado, 227).
-- 73 --
gloriosas como a sua, para servir de morada para os seres espirituais menores
que o Criador enviou” (Tratado, 23).
Como já observamos em Louis-Claude de Saint-Martin e o corpo da
matéria escura, Martinez usa o termo “degeneração” para descrever a
transmutação de Adão: “O primeiro homem degenerou de sua faculdade de ser
pensar” (Tratado, 29). “O que acabei de dizer sobre a prevaricação de Adão e
sobre o fruto que dela resultou demonstra muito claramente qual é a nossa
natureza corporal e espiritual, e como elas se degeneraram, tanto uma como
outra…” (Tratado, 45); “O espiritual menor [...] degenerou e é aniquilado na
inação espiritual divina, a ponto de se tornar o túmulo da morte” (Tratado, 49).
E quando examinamos o significado do termo “degeneração” no vocabulário do
século XVIII, vemos que certamente evoca uma “mudança de estado do bem
para o mal” (cf. Dictionnaire de l'Académie Française, 1762), mas por causa de
sua raiz latina: degenerare de gênero, gênero, e a preposição "de" que rege o
ablativo, indica a ação de "deixar o gênero", "separar-se da própria espécie",
perder "as qualidades da própria raça", " tornar-se um bastardo", "alterar sua
essência", "arruinar sua natureza", ou transformar seu ser a ponto de se tornar
completamente outro, e isso num sentido negativo extremamente forte.
-- 74 --
criador. Ele mesmo liga seu poder divino ao do príncipe dos demônios e efetua
uma criação de perdição. Após esse crime, degenerou de seu estado de glória e
tornou-se uma desgraça para a terra, sujeito à justiça divina, à inconstância dos
acontecimentos temporais e à dos corpos planetários que antes lhe eram
inferiores. Assim, ele e toda a sua posteridade são mantidos em privação divina
num círculo de matéria” (Tratado, 210).
Adão, por esta degeneração (que tocou, não a forma aparente do corpo
de glória no sentido de “imagem” recebida do Criador e que felizmente está
muito protegida, pois caso contrário o menor seria reduzido ao estado animal),
sofreu uma profunda mudança em seu ser corpóreo pelo efeito da
transmutação da substância, tendo mudado completamente o que era,
reduzindo-o a fazer uso de essências espirituais materiais para sua reprodução,
sendo como era um espírito celestial, glorioso e imaterial.
-- 75 --
forma “aparente” (Tratado, 30), tal como aponta Martinez em outra parte de
sua terminologia, ou seja, acidental, não representa falta de mudança do ponto
de vista ontológico. A forma acidental não é um elemento substancial, mas uma
“qualidade acrescentada à substância” (cf. São Tomás, Summa. Th., I, q. 76, a.
4); então este é adquirido, perdido ou modificado porque a forma é um atributo
e não uma essência; Forma (μορφή) na verdade significa “traço”, traço de uma
causa formativa de um substrato no espírito, como na matéria. Formas de
“aparências” semelhantes podem ser compostas de substâncias muito
diferentes, para dar um exemplo simples, mas muito revelador para o nosso
propósito, entre um homem vivo e o seu cadáver a forma é a mesma, mas
podemos dizer que ambas as formas ainda têm a mesma substância? Será fácil
compreender que não é esse o caso. Portanto, quando Martinez diz: “Posso ser
questionado se a gloriosa forma corporal em que Adão foi colocado pelo Criador
era semelhante à que temos agora. Responderei que não diferia em nada do
que os homens têm hoje. A única coisa que os diferencia é que o primeiro era
puro e inalterável, enquanto o que temos atualmente é passivo e sujeito à
corrupção” (Tratado, 23), estabelece nestas linhas que as duas formas corporais
do homem têm a mesma aparência., pois o cadáver ainda tem a mesma
aparência do corpo vivo, embora vazio de sua substância primitiva. Foi o que
aconteceu com Adão, que, apesar de manter a imagem do Criador como
modelo, foi, no entanto, metamorfoseado por diferenças substanciais numa
horrível forma corpórea de vil matéria terrena.[5].
-- 76 --
É importante neste momento, antes de abordar a questão da
reintegração como aniquilação e dissolução do universo material e de todas as
formas corporais carnais, compreender o significado da situação geral que
Martinez desenvolve diante dos olhos do leitor, uma situação na forma de uma
explicação para convencer seus discípulos quando afirma que o universo físico
material construído por ordem do Criador pelos “espíritos inferiores que
produzem as três essências espirituais das quais provêm todas as formas
corpóreas” (Tratado, 256), responde a uma necessidade que é imposta a Deus.,
sendo a função deste universo colocar os espíritos malignos em privação: “O
Criador usou a força das leis sobre a sua imutabilidade, deixando este universo
físico com a aparência de uma forma material, para ser o lugar fixo onde esses
espíritos malignos teriam que agir e exercer toda a sua malícia na privação”
(Tratado, 6). Pois Adão, embora originalmente criado glorioso e imaterial, com a
sua queda, posteriormente arrasta todas as gerações a sofrer em privação uma
existência animal num mundo material onde os vestígios do mal estão sempre
presentes (Tratado, 24), obrigando-nos a viver numa situação terrível.
depravação experimentando os efeitos da criação passiva, contaminada e
impura: “Adão, [em seu estado de glória] era um ser puramente espiritual e não
estava sujeito a nenhuma forma de matéria, pois nenhum espírito puro pode
estar contido em uma forma.” importa, mas sim aqueles que transgrediram”
(Tratado, 257).
-- 77 --
1:31), sendo condenado à aniquilação e destruição; isto não faria
absolutamente nenhum sentido em termos do plano divino e das bênçãos do
Criador que seriam dadas sem arrependimento. E a Igreja, pelo seu ponto de
vista dogmático, afirma com firmeza: “A carne é o suporte da salvação”
(Tertuliano, res. 8, 2). “Cremos em Deus que é o criador da carne; acreditamos
no Verbo que se fez carne para redimir a carne; “Cremos na ressurreição da
carne, na conclusão da criação e na redenção da carne.” [7].
A criação para a Igreja é livre, Deus não criou por necessidade, a criação
não foi uma manifestação necessária, não foi imposta a Deus nem por
necessidade externa (prevaricação dos espíritos), nem por uma necessidade
interna (o desenvolvimento dialético da divindade). A criação, segundo os
Padres, não é uma teogonia, é uma graça, incluindo a primeira graça, a graça
creatix, ligada à graça salvatriz e reparadora segundo Hugo de São Vítor (+1141),
pois o cristianismo foi essencialmente concebido por a maioria dos médicos e
teólogos como sendo uma metafísica da caridade. No entanto, a concepção
Martinezista da Criação, tomando o seu lugar nas correntes Neoplatónicas e no
Origenismo, é uma metafísica da necessidade, uma metafísica do
distanciamento da Unidade e da corrupção.
Isto explica por que para Martinez, como para Willermoz e Saint-Martin,
o composto material, a carne, o universo físico, é um “lugar de privação”, um
fruto escuro, pois é consequência de uma ruptura, de uma fratura, de um
drama celestial que é o da prevaricação demoníaca e depois adâmica. A matéria
é, portanto, uma prisão corrompida e infectada na qual foi precipitado o
primeiro homem, um ser puramente espiritual e de forma corpórea imaterial,
não dotado de carne e matéria em sua origem, sendo deste fato conduzido à
esperança (vendo-a como a felicidade ao qual é normal e legítimo aspirar) da
aniquilação desta forma de matéria por uma dissolução que “apague
completamente” a “figura corporal do homem e faça com que este corpo
miserável seja aniquilado, assim como o sol o faz desaparecer .” o dia da
superfície da terra quando ela a priva de sua luz” (Tratado, 111). Não poderia
ser mais claro sobre o destino da carne e do mundo material concebido por
Martinez, esse destino de aniquilação destaca-se em diversas partes do Tratado
sobre a Reintegração dos Seres: “A criação só pertence à matéria aparente, que
ao mesmo tempo vem apenas da imaginação divina, deve retornar ao nada”
(Tratado, 138) [8].
-- 78 --
privação a que esta pena o precipita. O homem hoje, tendo a mesma origem
devido à sua forma corporal, deve participar de castigos corporais que também
têm a mesma origem. Quanto ao ser espiritual, deve terminar o que o primeiro
homem ainda deve espiritualmente à justiça divina. Quão grande deve ter sido a
falha de nosso primeiro Pai temporal para que ele degenerasse de seu estado
de glória até ser revestido com um corpo de matéria que não havia sido feito
para ele; até atingir toda a sua posteridade com o seu crime e o seu castigo: e
esta é a fonte do pecado original pelo qual todos os homens são corrompidos.
(...) A incorporação do Messias numa forma corpórea humana demonstra
fisicamente a prevaricação do primeiro Adão. A morte física e temporal de
Cristo nos mostra a aniquilação de Adão e sua reconciliação após a pena de
privação. A ressurreição de Cristo na forma de um corpo de glória representa
perfeitamente para nós o primeiro estado do primeiro Deus-homem da terra,
quando ele foi vestido com um corpo semelhante, puro e glorioso, não sujeito à
corrupção.[9].
-- 79 --
Portanto, tomando o exemplo de Moisés quando deposita seus metais e
matéria impura durante sua prostração diante do Eterno no Monte Horebe, a
reintegração corresponderá ao depósito, com a separação definitiva entre o
material e o espiritual, com a dissipação de todos os vapores grosseiros de
matéria impura que não podem ter parte com o divino: “Moisés entrou ali
desprovido de todos os tipos de metais e de toda matéria impura, fez sua
prostração, com o rosto no chão e o corpo deitado em toda a sua extensão,
representando o repouso da matéria provocado pela presença do espírito do
Criador e o repouso natural dado a todas as formas após suas operações
temporárias. Esta atitude representa também a necessária reintegração de
todas as formas corporais particulares na forma geral, bem como a separação
ou suspensão que atinge a alma ao contemplar o espírito, porque o corpo
material não pode participar do que se passa entre o menor e o a criança,
espírito divino” (Tratado, 191). É evidente, então, inegável e absolutamente
certo de que Martinez, de acordo com a sua doutrina, destina todos os corpos e
toda a matéria criada de que são formados, não à espiritualização, mas ao nada:
“A criação só pertence à matéria”., vindo de nada mais do que a imaginação
divina, deve retornar ao nada” (Tratado, 138).
-- 80 --
Comecemos esta série de citações com uma Oração de Invocação na qual
o emulador reza aguardando a completa “destruição de sua forma material”:
“Espírito que se estabeleceu como meu guia e Guardião [...] eu ordeno muito
particularmente que a você [...] pela constituição do meu formulário e [...] pelo
trabalho e manutenção do meu formulário, e a você [...] pela reparação e
sucessão das partes do meu formulário até a hora marcada pela sua destruição
completa; “Unir vocês três para atender meu pedido…”[11].
-- 81 --
prova certa da abjuração que faço, diante do Eterno e daquele que me vê e
ouve por sua ordem, dos princípios da matéria prejudiciais ao homem de
desejo. Amém"[15].
-- 82 --
Só espero que, se ainda hoje algumas almas, em busca de aventura,
lerem ritualmente estas antigas Orações da Ordem, eventualmente
complementando-as com os nomes de poder que as acompanham,
compreendam o que expressam (talvez porque pudessem saber exatamente e
com certeza de quem são os “espíritos” que procuram nas suas circunferências)
e sabem pelo menos perceber o que realmente pedem nas suas invocações
dirigidas ao Céu, suplicando aos seus anjos, aos seus padroeiros ou ao Eterno,
que se separem dos seus “ antigo hábito da matéria”, e implorando com seus
perfumes que complete o despojamento da alma da matéria mais grosseira que
a rodeia, para que um dia possa ocorrer sua reintegração final.
Como, então, não nos alegrarmos com esta última expectativa, esta
apocatástase que só deveria aterrorizar os seres presos aos tristes vestígios
passageiros que têm diante dos olhos, retidos pelos patéticos restos dos bens
temporais corruptíveis que tomam, por engano? , como tesouros maravilhosos,
apesar de tudo o que existe neste submundo estar alterado pela decadência e
estar condenado à degradação e à morte?; “Naquele dia, diz o apóstolo Pedro,
os céus se dissolverão com um ruído ensurdecedor, os elementos serão
abrasados e dissolvidos, e a terra e tudo o que nela há serão consumidos…” (2
Pedro 3:10-11).
Notas:
-- 83 --
dar-lhe um aspecto conforme à revelação do Evangelho. Isto se explica porque as
posições teológicas de Martinez refletem na verdade o unitarismo modalista que
Sabellius professava, identificando na Trindade três modalidades de expressão:
Pensamento, Vontade e Ação, mas negando a distinção das Pessoas, que tanto
Willermoz quanto Saint-Martin, cristãos bem familiarizados com sua religião, não
podiam aceitar legitimamente, assim como, devido a uma incrível imaturidade de sua
cristologia, as afirmações de Martinez se relacionavam com o docetismo ao não
aceitarem que Jesus se submetesse aos sofrimentos da Paixão. Isto é precisamente o
que Robert Amadou enfatizou: “As fraquezas do conceito Martinezista devem-se à
imaturidade da sua cristologia. Da mesma forma, a teologia Martinista da Redenção é
embrionária, mais verbal do que real. Certamente, mais do que a morte de Cristo, o
que importa é a sua vinda na carne e a sua Transfiguração. Martinez se conecta neste
ponto com a ortodoxia; mas não é, sobretudo, em termos de forma? Volte à
ambiguidade. Desta forma, Martinez aceita o nascimento virginal de Jesus; Mas, ao
privar Jesus dos sofrimentos físicos da Paixão, por exemplo, ele não sucumbe ao
Docetismo? […] O docetismo, na cristologia, é considerado um traço característico dos
gnosticismos. Esta rejeição de um compromisso entre o espírito, o divino e a matéria
afirma que Cristo só tinha a aparência de um ser humano feito de outra substância.
Portanto, o Jesus crucificado poderia ter sido um sósia do Salvador [...] assim como
poderia ter sido um Jesus único, mas impassível. Esta última tese se encontra em
Martinez” (R. Amadou, Introdução ao Tratado sobre a Reintegração dos Seres, Coleção
Martinista, Difusão Rosicrucienne, Le Tremblay, França, 1995, p. 39).
[2]. Como sublinham muitos artigos do seu Catecismo oficial, o Magistério Romano,
encontrando as mesmas formulações em todas as igrejas Orientais e Reformadas: “A
Catequese sobre a Criação é de extrema importância. Refere-se aos próprios
fundamentos da vida humana e cristã: explica a resposta da fé cristã…” (CIC, § 282); “A
criação é o fundamento de 'todos os planos salvíficos de Deus', 'o início da história da
salvação' (DCG 51), que culmina em Cristo. Pelo contrário, o mistério de Cristo é a luz
decisiva sobre o mistério da criação; revela o fim para o qual “no princípio Deus criou
os céus e a terra” (Gn 1,1): desde o início, Deus previu a glória da nova criação em
Cristo (cf. Rm 8,18-23).)” (CIC, § 280); “É por isso que as leituras da celebração da
Vigília Pascal, celebração da nova criação em Cristo, começam com a história da
criação; Além disso, na liturgia bizantina, a história da criação é sempre a primeira
leitura das vigílias das grandes festas do Senhor. Segundo o testemunho dos antigos, a
instrução dos catecúmenos para o batismo seguiu o mesmo caminho (cf. Ethérie,
pereg. 46: PLS 1, 1089-1090; Santo Agostinho, catec. 3, 5)” (CIC, § 281) . (Catecismo da
Igreja Católica, Catechismus Romanus, publicado em Roma pelo Papa João Paulo II em
11 de outubro de 1992).
[3]. A Igreja recorda: “Acreditamos que Deus não precisa de nenhuma preexistência
nem de nenhuma ajuda para criar (cf. Concílio Vaticano I: DS 3022). A criação não é
uma emanação necessária da substância divina (Cf. Concílio Vaticano I: DS 3023-3024).
Deus cria livremente ‘do nada’ (DS 800; 3025)” (CIC, § 296); “Por bondade divina, a
criação participa desta bondade (“E Deus viu que era bom (...) muito bom”: Gn 1:4. 10.
12. 18. 21. 31). Porque a criação é querida por Deus como um dom dirigido ao homem,
uma herança que lhe é destinada e confiada. A Igreja teve que defender
-- 84 --
repetidamente a bondade da criação, incluindo o mundo material (cf. DS 286; 455-463;
800; 1333; 3002)” (CIC, § 299). (Catecismo da Igreja Católica, op. cit.).
-- 85 --
que tudo seja feito de acordo com a sua vontade. Essa é a diferença infinita entre a
força da lei divina, eterna e imutável, e a força da lei humana, que passa e desaparece,
tão rapidamente quanto a forma corpórea do homem desaparece da face da terra,
assim que o espírito do menor é separado desta forma” (Tratado, 236). Mas esta
transmutação que Martinez chama de “terrível mudança à qual o Criador sujeitou
Adão” (Tratado, 235), foi uma mudança de substância, porque Adão recebeu uma
forma corporal material composta pela “substância de uma forma aparente”, idêntica
à “a forma corporal de todos os seres existentes nos três mundos [que] provêm de três
princípios: enxofre, sal e mercúrio... Na verdade, nenhum ser pode revestir-se da
substância em forma aparente sem que ela seja composta por estes três princípios”
(Tratado, 230). O invólucro corporal de Adão antes da Queda, destinado a “operar
temporariamente as vontades do Criador”, pois “sem este invólucro nada poderia
operar sobre outros seres temporais sem consumi-los pela faculdade inata do espírito
de dissolver tudo o que está ligado a "aproxima-se" (Tratado, 230), de um glorioso
envoltório corporal que "nada mais é do que a produção do seu próprio fogo", sendo
os espíritos em tal medida "substancialmente" diferentes da natureza corporal passiva
da qual a corrente minor, que não suporta qualquer contato com a matéria escura sem
destruí-la: “levando em conta que nenhuma matéria pode ver e conceber o espírito
sem morrer e sem que o espírito dissolva e aniquile qualquer forma de matéria no
momento de seu aparecimento” (Tratado, 38). Portanto, é absolutamente impossível
que ele pudesse ter sobrevivido, mesmo que houvesse apenas o menor traço, por
menor que fosse, do corpo original de glória de Adão na atual forma material impura
que ele recebeu como "punição por seu crime horrível", já que se se fosse esse o caso,
esse vestígio remanescente teria sido imediatamente um fator de dissolução e
aniquilação de todas as formas de matéria. Assim, e é fácil de compreender, a
“substância da forma material” (Tratado, 70) em que Adão estava aprisionado, forma
material substancial que é a “figura real da forma aparente que apareceu na
imaginação do Criador e que foi rapidamente operada por seus divinos trabalhadores
espirituais e colocada em substância de matéria aparente sólida passiva para a
formação do universal, geral e particular templo” (Tratado, 79), está destinado ao
mesmo fim que tudo o que é uma forma de matéria passiva sólida aparente, por isso
deve desaparecer “no tempo prescrito e limitado pelo Criador” (Tratado, 91). O filho
de Adão, cada menor, espera dele não uma “espiritualização da carne”,
evidentemente, mas uma “reconciliação após longo e árduo trabalho e a reintegração
de sua forma corpórea [que] só será realizada por meio de uma putrefação
inconcebível para os mortais. É esta putrefação que degrada e elimina completamente
a figura corporal do homem e faz aniquilar o seu corpo miserável, tal como o sol faz
desaparecer o dia da superfície da terra quando a priva da sua luz” (Tratado, 111).
[5]. Esta aparência semelhante entre o Adão imaterial e o Adão após a queda não
significa de forma alguma, e seria impreciso chegar a tal conclusão, que entre a “forma
corporal original” de Adão e a sua “forma corporal atual” não há diferença. de
natureza “substancial”. Martinez enfatiza, por sua evidente referência aos elementos
conceituais da escolástica e em particular à doutrina medieval da analogia, que entre a
forma corporal original e a forma atual de Adão há uma semelhança de aparência, mas
“semelhança de aparência” não existe, é “identidade de substância”; É um erro
profundo chegar a tal conclusão no plano teórico, pois a analogia não afirma uma
-- 86 --
identidade entre dois termos, mas sim uma semelhança parcial, incompleta ou mesmo
enganosa ou ilusória em alguns casos, mostrando que não devemos confundir o que o
“nome” e o que é “o ser das coisas” (Summa. th., II-II, p. 57, a.1, ad 1um). Da mesma
forma, entre “as formas corporais ativas e passivas” (Tratado 6), e as “gloriosas formas
impassíveis” (Tratado, 47), a distância é enorme, consistindo numa “degeneração”, ou
mesmo numa “transmutação” (Tratado, 24). ) que é o ato de transformar uma
substância em outra, um ato de “metamorfose” (Treatise, 195), ou seja, uma mudança
de forma como consequência de um crime, um crime na terminologia Martinezista que
se traduz pela manifestação de uma forma material, uma “terrível prisão escura”, um
lugar de “privação eterna” (Tratado, 30), a geração de uma “criação tão impura que o
Criador se irritou com o homem” (Tratado, 23), resultando em degradação, trata-se,
isto é, de uma perda de qualidades ontológicas devido à degeneração substancial do
primeiro homem: “Adão, pela criação da forma material passiva, degradou a sua
própria forma impassível, da qual deveriam emanar formas gloriosas como a sua” (
Ibid.). Esta degradação, por uma degeneração da substância (produzindo corpos que
diferem uns dos outros “substancialmente”, como uma espécie difere de outra por
geração, ou degeneração, por corrupção, transmutação, metamorfose ou perda da
essência primitiva daquilo que a natureza fornece a muitos exemplos, conforme
explicado na nota [4]), dará origem a uma punição contínua e severa, um
“molestamento” devido à geração de matéria passiva e impura: “O Criador permitiu
que subsistisse o trabalho impuro do menor, para que este menor foi molestado de
geração em geração, desde tempos imemoriais, tendo sempre diante dos olhos o
horror do seu crime. O Criador não permitiu que o crime do primeiro homem fosse
apagado de debaixo dos céus, para que seus descendentes não pudessem alegar
ignorância por sua prevaricação e assim aprenderem que os trabalhos e misérias que
ele suporta e suportará até o fim dos tempos são não vem do Criador divino, mas do
nosso primeiro pai, criador da matéria impura e passiva” (Tratado, 23) O que vai
acontecer (é preciso insistir mais uma vez nesta questão) com esta matéria impura e
passiva? Qual será o seu destino final: será “regenerada”, “transformada”,
“espiritualizada”? Pelo menos não o do mundo para Martinez. É o que deve acontecer
segundo a forma corporal do menor, constituída de matéria impura e passiva: “a
forma corporal do homem será apagada da face da terra assim que o espírito do
menor se separar desta forma” (Tratado, 236).
-- 87 --
bons porque foram bem-feitos pelo Soberano, mas mutáveis, porque foram feitos do
nada” (Cf. Decreto de união Cantate Domino, 4 de fevereiro de 1442).
[7]. Catecismo da Igreja Católica, op. cit., § 1015, “resumo” do artigo 11 (“Creio na
ressurreição da carne”, 1992).
[8]. Os esforços quase desesperados para tentar salvar, por exemplo (mas muitos
outros poderiam ser acrescentados), a posição eclesiástica que proclama e defende o
dogma da “ressurreição da carne”, com a concepção Martinezista da criação material,
por compreensível que estes seguem uma orientação que conhecemos bem e sobre a
qual há muito temos as maiores reservas, enfrentam um grave problema, que quem
tenta conciliar o inconciliável parece não se aperceber, dando origem a inconsistências
teóricas. não podem deixar de surpreender pelas acrobacias semânticas a que são
obrigados quando falam, por exemplo, de uma “carne” para descrever o corpo da
glória, atribuindo essa “carne” como um fantasma terminológico (já que em última
análise não é a carne, mas querem chamá-la assim), as promessas da eternidade
espiritual. Este exercício improvável carece de qualquer validade em relação às teses
de Martinez; isto, dito sem animosidade e com amizade, é simplesmente absurdo.
Reiteramos com firmeza que “uma espiritualização da carne” ou uma “carne
espiritualizada pela regeneração”, sendo uma impossibilidade nos termos de Martinez,
a quadratura do círculo, já que a “carne”, no sentido exato dado pelo autor do O
Tratado sobre a reintegração, seja na forma corpórea material temporal e terrestre do
homem caído, “o trabalho [de uma] operação concebida e exercida pelo trabalho de
minhas mãos contaminadas” (Tratado, 44), evidentemente nunca foi glorioso nem o
faz. beneficiam da incorruptibilidade e da eternidade nos escritos de Martinez, razão
pela qual a gloriosa forma corporal de Adão, “forma impassível e de natureza superior
à de todas as formas elementares”, não pode ser conferida com o adjetivo “carne”.
uma contradição radical, tanto em termos do vocabulário Martinezista como de todas
as suas ocorrências, uma vez que a carne, isto é, o corpo material, é, para o milagreiro
de Bordeaux, tanto no Tratado como nos rituais ou textos de Cohen, uma
consequência de prevaricação: “Sem esta prevaricação não teria havido criação
material temporal, tanto terrestre como celestial; (...) Conhecereis a necessidade de
cada coisa criada e de cada ser emanado e emancipado” (Tratado, 224).
2) Ou, pelo contrário, apoiar as teses de Martinez, como fizeram Willermoz e Saint-
Martin, considerando que a criação material foi antes de tudo um castigo para os
-- 88 --
espíritos rebeldes e a carne foi uma cobertura escura, tendo transformado
substancialmente os filhos de Adão em seres. de matéria impura, vendo assim a
aniquilação das formas corporais durante a reintegração como uma verdadeira
libertação e retorno à Unidade espiritual original.
É por esta razão que este desejo de conciliar a posição Martinezista com a fé
dogmática da Igreja não faz absolutamente nenhum sentido a nível eclesiástico, nem a
nível iniciático, pois conduz a um beco sem saída categórico na forma de uma
perspectiva baseada numa análise fadada ao fracasso inevitável. A única atitude
coerente, se quiseres considerar-te verdadeiramente participante nas Ordens das
quais pretendes ser membro, é assumires com clareza o pensamento dos seus
fundadores, questionando-o, claro, trabalhando-o, aprofundando-o, que é o mais
desejável, mas sobretudo, respeitá-lo nas suas afirmações e fundamentos essenciais, e
não tentar distorcê-los ou transformá-los com contorções teóricas inaceitáveis para
torná-los, através de um exercício improvável, “doutrinariamente compatíveis” com o
ensinamento da Igreja.
-- 89 --
teses de Orígenes após a cristianização de Martinez levadas a cabo por Willermoz e
Saint-Martin nas Lições de Lyon (1774-1776), não haveria a possibilidade de um lugar
humilde, com a sua singularidade, dentro da casa do Pai? Estamos convencidos de que
a esta questão se pode dar uma resposta não fechada a priori, não aderindo à ideia de
que a metafísica grega é totalmente contrária ao cristianismo, que há muito deixamos
de apoiar, e é sobre isso que iremos tenha a oportunidade de voltar para explicá-lo
com mais detalhes em um texto futuro: “Por um retorno às Origens”.
[9]. Ver Fragmentos Soltos do Livro Branco, no Manuscrito de Argel, Paris, BNF FM 4
1282, Livro Verde do Élus Cohen, p. 98-99.
[12]. Ibidem.
[13]. Ibidem.
[17]. Ibid., Conjuração, em Instrução sobre uma invocação de reconciliação para o uso
do HH. de graus altos (inferiores), p. 91.
-- 90 --
-- 91 --
A CONCEPÇÃO DE MATÉRIA
EM MARTINEZ DE PASQALLY E
NO REGIME ESCOCÊS E RETIFICADO
Por Edmond Mazet*
INTRODUÇÃO
-- 92 --
Faivre17 designado aqui por AF, e a Instrução Secreta aos Grandes Professos,
publicada como um apêndice ao livro de Le Forestier, Ocultismo e Maçonaria
Templária no Século XVIII18, nomeado por LF.
17
Edição Baucens, 1975.
18
Edição Aubier-Montaigne, Paris e Nauwelaerts, Louvain, 1970.
19
Edições Traditionnelles, Paris, 1969.
-- 93 --
II. LUGAR DO MUNDO MATERIAL NA DOUTRINA DE MARTINEZ
-- 94 --
Notemos, porém, que não se trata de uma incorporação material desses
Espíritos. Pelo contrário, Martinez afirma que o “príncipe dos demônios” e seus
“espíritos malignos aderentes” estão “libertados de todas as formas materiais”
(Tratado, p. 496). A sua punição consiste exclusivamente em ficarem confinados
nos limites espaciais que podem ser especificados por referência à Tabela
Universal.
-- 95 --
“Ele esperava ter o mesmo sucesso do eterno Criador, mas ficou
extremamente surpreso, assim como o diabo, pois em vez de uma
forma gloriosa, obteve apenas de sua operação uma forma escura e
totalmente oposta à sua. Na realidade, ele apenas criou uma forma
de matéria, em vez de criar uma forma pura e gloriosa, tal como
estava em seu poder. O que aconteceu com Adam após sua
operação? Ele refletiu sobre o fruto perverso que resultou, e viu que
havia provocado a criação de sua própria prisão, que fechou mais
estreitamente a si mesmo e a toda a sua posteridade em limites
sombrios e na privação espiritual divina até o fim dos tempos.
(Tratado, pp. 140-142)
Devido a esta situação que tem desmaiado o homem, surgirá uma nova
classe de espíritos, ligados a Cristo, cuja principal missão será, a partir deste
momento, trabalhar pela reintegração do homem. Mas o estudo desta situação
foge ao propósito deste artigo.
21
Segundo o abade Barruel, “o maçom martinista cópia Manes e os albigenses”, “eles têm a carne criada
pelo diabo para terem o direito de prostituí-la” (citado por Emile Dermenghem, The Dreams, p. 44;
edições do Conhecimento, Paris 1926). Le Forestier (ob. cit., p. 297) encontra na doutrina de Martinez “o
claro eco das doutrinas maniqueísta e gnóstica”. Na realidade, existem semelhanças entre certas
concepções de Martinez e certos aspectos da gnose antiga, principalmente com a gnose de Valentin. Mas
isso não leva ao dualismo.
-- 96 --
Quanto à doutrina segundo a qual a criação do universo material seria
devida a um demiurgo diferente de Deus, Martinez atribui-a explicitamente às
mentiras dos demônios:
-- 97 --
Dissemos que para Martinez a matéria só tem uma realidade aparente. A
primeira vez que ele nos fala sobre o universo físico, ele nos diz que ele foi feito
“em aparência, em forma material”. Ele então usa a expressão “matéria
aparente”. Ele explica isso em uma passagem onde fala sobre a forma corporal
material do homem:
“Vou dizer aqui que não devemos ver esta forma corpórea como um
corpo real de matéria existente, pois ela provém nada mais do que as
primeiras essências espirituais destinadas, pelo primeiro verbo da
criação, a reter as diferentes impressões apropriadas para as formas
que deveriam ser usadas na criação universal. As atuais formas
corpóreas não podem ser consideradas reais sem admitir uma
matéria inata no Criador divino, o que é repugnante à sua
espiritualidade. Ele é chamado de Criador porque criou tudo do nada
e toda a sua criação vem da imaginação.”
(Tratado, pág. 300)
-- 98 --
(Tratado, p. 334-336)
(p. 282): “Todo ser de forma corpórea nasceu das três essências
espirituais: Mercúrio, Enxofre e Sal.”
22
Este “círculo de divindade” é a mesma coisa que a “imensidade divina” em que primeiro emanaram os
primeiros espíritos: “Antes dos tempos, Deus emanou seres espirituais, para sua própria glória, em sua
imensidão divina” (Tratado, p. 112). ). O universo criado, com suas três divisões supra celestial, celeste e
terrestre, constitui outro círculo, exterior à imensidão divina, como se vê na Mesa Universal. Os espíritos
são capazes de se libertar da imensidão divina para serem enviados em missão ao universo criado, o que
Martinez (pelo menos na “versão elaborada” com vocabulário mais rigoroso) chama de “emancipação”.
No final dos tempos, o universo criado desaparecerá e os espíritos emancipados se reintegrarão à
imensidão divina, mas mantendo sua existência diferenciada.
-- 99 --
(p. 252): “os demônios têm poder sobre as formas corpóreas da matéria
aparente, embora deva-se saber que esses mesmos demônios não podem
impedir a reintegração das substâncias espirituais que compõem as formas,
uma vez que essas substâncias não provêm delas”.
Resulta de tudo isto que as formas materiais são compostas, o que é outra
forma de expressar a sua falta de realidade intrínseca, em comparação com os
seres espirituais que são seres simples. O caráter compósito das formas
materiais sugere a sua inevitável dissolução. Veremos mais tarde o que mantém
a sua coesão durante a duração da existência aparente que lhes é concedida.
-- 100 --
que ele introduz e explica da seguinte forma: “esta figura [o triângulo]
representa apenas as três essências espirituais que cooperaram na forma
terrestre geral, cuja representação é a seguinte: . O ângulo inferior representa
Mercúrio; o ângulo direcionado ao meio-dia representa o Enxofre; e aquele
direcionado para o norte representa o Sal” (Tratado, pp. 268-270). Aqui, por
analogia com os horizontes terrestres, meio-dia significa direita e norte significa
esquerda.
23
“Existem quatro elementos, mas apenas três princípios (Ersten), ou seja, um Mercúrio, um Enxofre e um
Sal, presentes em todos os elementos” (Paracelsus, Philosophia Magna, citado por Alexandre Koyré em
Mystiques, Spirituels et Alchimistes du XVIè siècle, coleção Idées, NRF).
-- 101 --
homem sempre que ele opera apenas em virtude desses três poderes ternários,
que são: poderes aéreos, terrestres e ígneos. (Tratado, p. 272) 24. Observemos
que os elementos são chamados aqui de potências ternárias, e que essas
potências ternárias são em número de três; veremos imediatamente como isso
deve ser entendido. Também pode ser surpreendente aqui que Martinez
reconheça apenas três elementos. Esta divergência com os quatro elementos da
Alquimia também aparece nas Lições de Lyon e na Instrução Secreta aos
Grandes Professos; exceto por uma nuance: os três elementos reconhecidos
nestes dois últimos textos não são ar, terra e fogo, mas água, terra e fogo. E na
Instrução Secreta está claramente afirmado que o ar não é um elemento:
Por um lado, este texto é muito preciso no sentido de que existe uma
razão metafísica necessária para a existência de apenas três elementos, assim
como existem apenas três princípios. Esta razão é “a lei ternária e sagrada, que
presidiu à sua criação”, lei à qual voltaremos mais tarde. Por outro lado, não há
dúvida de que estes três elementos são fogo, água e terra; e deve-se admitir
que a passagem do Tratado que menciona o ar em vez da água resulta de uma
inadvertência por parte de Martinez ou do seu transcritor.
24
Martinez também fala, isoladamente, de “fogo elementar” (por exemplo, Tratado, p. 216).
-- 102 --
de três elementos, eles próprios compostos de três essências”. Portanto os
elementos não são substâncias simples, mas, como disse Paracelso (ver nota 7),
“misturados”. Ainda mais precisamente, cada um deles “é em si um ternário,
numa proporção respectivamente desigual em número, peso e medida, dos três
princípios fundamentais de toda encarnação” (LF, p. 1034). Isto explica por que
Martinez qualificou os elementos como “poderes ternários”, devido às três
essências espirituais concorrentes na composição de cada um deles. 25.
25
Pelo termo “potências” o contexto mostra que se refere aqui à capacidade dos elementos de produzir
certos efeitos em virtude de suas propriedades específicas. Martinez tem, sem dúvida, em mente o uso de
elementos num “culto”, uso perigoso para o oficiante indigno ou mal preparado.
26
Alguns textos citados podem levar a crer que os elementos são idênticos aos princípios. Parece claro que
isso só resulta de uma escrita um tanto rápida, pois outras passagens citadas, sem dúvida escritas com
mais rigor, mostram perfeitamente que princípios e elementos, embora correspondentes entre si, são
diferentes.
-- 103 --
O mesmo texto especifica também o papel mediador atribuído a
Mercúrio pela representação triangular do Tratado: “O enxofre ou o fogo são
sempre colocados no centro do corpo, mas o Mercúrio ou o sólido é sempre
colocado entre as outras duas essências e pode ser considerado como sendo o
centro (= meio termo) dos três; é uma lei geral da natureza que não é acidental,
pois é depositária da dupla ação. Enxofre e Sal, ou água e fogo, são dois
princípios de natureza tão oposta que nunca se uniriam sem um meio que
modere a sua ação recíproca e vincule os seus efeitos; Mercúrio ou o corpo
sólido terrestre que constitui todos os corpos é o meio tão necessário, é o ser
de dupla ação porque por um lado recebe e por outro comunica. É necessário,
portanto, que seja investido de propriedades mais consideráveis e mais
poderosas que os outros dois princípios para poder sofrer e resistir a esta ação e
reação contínua” (AF, pp. 44,45).
27
Na verdade, há alguma dúvida no detalhe da terminologia dos Élus Cohens no que diz respeito aos
princípios corporais. Assim, pág. 43, o fluido, que é o oposto da parte ígnea que corresponde ao sangue,
corresponde à parte aquática ou à carne; mas, pág. 57, é visivelmente a parte ígnea que se chama fluido,
sem dúvida precisamente por sua correspondência com o fluido sanguíneo. Apesar destas pequenas
divergências, o significado dos três princípios corporais é perfeitamente claro. Em particular, a associação
do fogo com o sangue é constante e importante.
-- 104 --
V. ORIGEM DAS ESSÊNCIAS ESPIRITUAIS
28
Os três grandes luminares do Martinismo; segunda página: Martinez de Pasqually (L'Initiation 1969, no.
1, pp. 10-30; no. 2, pp. 58-84)
As fontes suplementares utilizadas são os “Cadernos D” de Jean-Baptiste Willermoz, parcialmente
publicados por G. Van Rijnberk em Episodes de la vie ésotérique 1780-1824, Lyon, P. Derain, 1948.
-- 105 --
contra os prevaricadores, mas também nas diferentes classes
espirituais da imensidão divina.”
(Tratado, pág. 524)
29
Caderno D 5 de Jean-Baptiste Willermoz.
-- 106 --
estão ligados respectivamente aos Espíritos inferiores e inferiores.
Salientaremos também que a espécie e o número de um espírito não são
inerentes à sua natureza, mas são atribuídos a ele por decreto divino e podem
ser alterados: tais mudanças realmente ocorreram após a queda. 30. Por fim,
faremos bem em observar que o homem não está incluído nesta organização
original da imensidão divina, na qual não se encontra nenhuma classe espiritual
marcada com o número quaternário:
30
Em particular, os Espíritos inferiores setenários e os Espíritos menores ternários assumem a categoria de
maiores e inferiores, respectivamente. Para saber o significado destas “promoções” veja o artigo de
Robert Amadou.
-- 107 --
As Lições de Lyon especificam a emancipação da seguinte forma destes
espíritos:
Este segundo texto fala apenas dos Espíritos menores ternários e não dos
Espíritos inferiores setenários. Isto porque o docente, ao falar do “universo
físico”, tem em mente o mundo terrestre, como demonstra a menção ao plano,
em forma de triângulo equilátero, do “universo” em questão. A formação do
universo terrestre depende, na verdade, exclusivamente dos espíritos ternários,
enquanto os espíritos setenários estão relacionados com o mundo celeste,
como será especificado mais adiante.
-- 108 --
palavras utilizadas, dizendo que as essências espirituais apenas pré-existem
“potencialmente” e não “realmente” nos espíritos daqueles de onde vêm,
tornando-se substâncias apenas no próprio ato de sua produção.
Para que essa ordenação ou essa explosão de caos fosse possível, foi
necessário diferenciar as essências espirituais e colocá-las em condições de se
unirem para formar os elementos:
31
Carta de Jean-Baptiste Willermoz para Jean de Turkeim datada de 12/18 de agosto de 1821, publicada
por Emile Dermenghem em Les Sommeils, ob. cit.
-- 109 --
sólida, outra mais fluida [= ígnea aqui] e a outra mais aquáticos, foi
inserido neles um veículo de seu próprio fogo, que reconhecemos ser
o princípio da ação corporal ou o modo passivo dos corpos”.
(AF, pág. 87)
Este eixo central está, diz Martinez, “ligado aos círculos supra celestiais”
(Tratado, p. 512). Na verdade, vê-se na Mesa universal que o eixo central é um
círculo intermediário entre o supra celestial e o celestial e, portanto, circunda as
duas divisões inferiores da criação. Quanto ao seu papel, Martinez o define
como um “agente geral, particular e universal” porque é “o órgão dos espíritos
inferiores que o habitam e que nele operam com base no princípio da matéria
corpórea aparente”.
32
Caderno D 9 de Jean-Baptiste Willermoz.
-- 110 --
O fogo deste eixo não deve de forma alguma ser confundido com o fogo
elementar que é, como vimos, um composto de essências espirituais. Martinez
destaca bem esta distinção ao descrever o fogo do eixo central como incriado.
Se este é incriado, é porque foi emanado, não certamente de Deus, mas dos
espíritos ternários menores que o formaram: veremos, de facto, mais tarde, que
todos os espíritos têm o poder de fazer emanar de si mesmos. um fogo
imaterial33.
“O veículo geral que anima cada indivíduo nos três reinos, animal,
vegetal e mineral, bem como os veículos particulares que preservam
cada partícula dos corpos [...] são simples emanações dos espíritos
do eixo que neles se reintegram após sua duração temporal”.
(AF, pág. 41)
33
Este fogo fornece-lhes a substância da “forma gloriosa” na qual estão revestidos para operar no universo
criado.
-- 111 --
Mas outra passagem atribui uma origem superior ao veículo geral,
fazendo-o provir do “Ser” espiritual maior que presidiu a Criação e deu ação, vida
e movimento” (AF, pp. 39-40).
Seja o que for, é somente por causa da presença desses veículos neles
que os corpos mantêm a sua existência “na aparência da forma material” pela
duração que é fixada de acordo com os desejos do Criador.
A segunda função dos veículos é animar corpos que, sem eles, não
poderiam ter vida ou movimento:
34
A física de Martinez revela-se ao mesmo tempo atomística e não mecanicista, o que é muito interessante
do ponto de vista da história da ciência.
-- 112 --
No caso dos animais, pode-se especificar que a “sede da alma corpórea
passiva é o sangue” (AF, p. 44). Isto significa que, ao contrário do fogo
elementar, o fogo incriado do eixo pelo menos não tem uma afinidade
particular com ele, e o sangue é, como sabemos, a parte ígnea do corpo
animal.35. Da mesma forma, nas plantas, a parte ígnea é a seiva, que deve ser
considerada a sede da alma passiva através da qual “proporciona a vegetação e
o crescimento” do organismo.
35
Que a alma passiva tenha sua sede no sangue faz parte da tradição judaica. Este princípio vital é
chamado em hebraico de nèphesh; e Levítico ensina que “a nephesh da carne está no sangue” (Levítico
17:11). Martinez está em conformidade com a lei judaica neste ponto, proibindo seus discípulos de
consumir sangue.
-- 113 --
“Mas,” Martinez continua imediatamente.36- todas essas ações e esse
movimento das formas materiais não poderiam vir deste único
princípio inato, e este princípio, ou esta partícula de fogo incriado,
nunca produziria nada nas formas corporais se não fosse reagido por
uma causa principal e superior que opera e torna adequado à
movimentação e manutenção desses formulários. Esta causa
superior, como podemos ver, nada mais é do que estes divinos
agentes setenários espirituais, que presidem e dirigem as diferentes
ações e movimentos de todos os corpos nos quais operam o seu
pensamento e a sua vontade tal como os conceberam.
Não trataremos aqui dos espíritos mais velhos octonários: seu papel não
é cosmológico, mas sim soteriológico. Vamos nos concentrar nos espíritos mais
velhos setenários.
36
Utilizamos frequentemente a expressão “Martinez escreve” ou outras semelhantes. Deve entender-se
que estas fórmulas não devem ser tomadas literalmente, sendo apenas formas abreviadas de dizer "está
lido no Tratado de Reintegração", uma vez que não sabemos ao certo quem foi escrito (especialmente a
“versão elaborada” que Nós estamos usando).
-- 114 --
Apesar desta complementaridade, o papel dos espíritos setenários
parece ser de natureza superior ao dos espíritos ternários. Com efeito, Martinez
diz-nos que eles “presidem e dirigem as diferentes ações e movimentos de
todos os corpos nos quais fazem os seus pensamentos e irão operar tal como os
conceberam”. Pelo contrário (Tratado, p. 518), “os espíritos do eixo são simples
sujeitos que só agem quando liderados, porque não têm inteligência”. As Lições
de Lyon Dizem, qualificando um pouco mais (AF, p. 41), que possuem apenas “a
inteligência necessária para operar aquilo que lhes é fornecido pelo Criador”,
mas especifica-se que “são apenas seres de ação corporal e são desprovidos das
faculdades do Pensamento” e da Vontade.”
37
Kepler atribui aos planetas a capacidade de calcular conscientemente suas órbitas.
-- 115 --
signos planetários comuns, chamadas vulgarmente de estrelinhas.” Ali se
encontra o setenário: “Esses signos seguem, em sua disposição, a mesma ordem
que reina entre as estrelas do círculo planetário; isto é, eles se unem sete por
sete.”
-- 116 --
planetas inferiores ligados aos três ângulos do último triângulo
celeste.
(Tratado, p. 506)
A estes três últimos retorna a última efusão sobre o corpo terrestre das
influências descendentes do supra celestial:
38
Citamos aqui, excepcionalmente, a “versão original”, um pouco mais detalhada neste ponto do que a
“versão elaborada”.
-- 117 --
dessa atração é regulada para equilibrar a altitude de acordo com o peso que
tende a atrair esses glóbulos em direção à terra. Uma vez estabelecido esse
equilíbrio, o movimento vertical dá lugar ao movimento horizontal que atrai as
células sanguíneas umas em direção às outras para uni-las. Em tudo isso os
agentes planetários trabalham com o discernimento e habilidade dos bons
trabalhadores sob o comando dos espíritos setenários, e o caráter inteligente e
livre desta ação setenária que preside todos os fenômenos do universo não
poderia ser mais bem demonstrado.
Para maior clareza da exposição que se segue, vale dizer primeiro que
existem diferentes tipos de essências espirituais, que se distinguem pelo seu
maior ou menor grau de sutileza, como se verá claramente mais adiante. Mas
para cada grau de sutileza essas essências espirituais são sempre três e têm os
mesmos nomes: enxofre, sal e mercúrio.
Esta “matéria” das estrelas, bem como a sua vida passiva, provém, no
entanto, da mesma fonte que a matéria e a vida dos corpos sublunares:
-- 118 --
(Tratado, p. 282)
O que precede também deve ser entendido num sentido moral: os seres
celestiais estão isentos das fraquezas que tornam o homem tão facilmente
vítima das armadilhas dos demônios.
-- 119 --
A corporeidade celestial é, portanto, claramente diferente da
corporeidade terrestre. No entanto, submete os espíritos que estão revestidos a
permanecer nos corpos fixos durante todo o tempo.
39
Ideia clássica na tradição hebraica (Êxodo 33:20; Isaías 6:5).
-- 120 --
influência elementar, se não for uma influência pura e simples (do
espírito que o rege). Ele não é suscetível a nenhum alimento, exceto
aquele que seu espírito lhe fornece. Nenhuma partícula do fogo
central atua sobre ele.”
(Tratado, pág. 180)
-- 121 --
Mas é de se assinalar de imediato que "os Espíritos do eixo têm uma única ação
neles: assim só podem operar uma espécie de forma", enquanto os Espíritos
que habitam os três mundos "podem produzir novas formas a cada instante e
variá-las infinitamente".
40
Carta de Jean-Baptiste Willermoz para Jean de Turkheim datada de 12/18 de agosto de 1821, publicada
por Emile Dermenghem em Les Sommeils op. cit.
-- 122 --
“Adão”, escreve Willermoz, “foi emanado para a imensidão supra
celestial com uma multidão incontável de inteligências humanas,
formando ali a universalidade de sua classe”.
Foi deste círculo que Adão, escolhido entre a multidão de seres inferiores
para exercer a autoridade divina sobre os espíritos caídos, foi emancipado para
o mundo celestial. Willermoz escreve:
41
É também na forma de um corpo de glória que o demônio aparece diante dele neste mesmo lugar
celestial para tentá-lo (Tratado, p. 124).
-- 123 --
Mas isto não é tudo. Adão produziria a partir dela formas gloriosas
semelhantes às suas. “Ele tinha em si um ato de criar a posteridade de uma
forma espiritual, isto é, de uma forma gloriosa, semelhante ao que tinha antes
de sua prevaricação: uma forma impassível e de natureza superior à de todas as
formas elementares” (Tratado, págs. 138-140).
Adão, lemos depois disso, “viu que ele havia efetuado a criação de sua
própria prisão, que encerraria mais estreitamente a si mesmo e sua posteridade
em limites sombrios e na privação espiritual divina até o fim dos tempos”. Esta
prisão nada mais era do que a mudança da forma gloriosa para a forma material
e passiva.
Mas Martinez acrescenta: “A forma corporal que Adão criou não era
realmente a sua, mas antes semelhante à que ele teria depois da sua
prevaricação.” Com efeito, o próprio Adão viu o seu corpo glorioso transformar-
se diretamente num corpo material: “o Criador, fazendo uso da sua
omnipotência, transmutou imediatamente a forma gloriosa do primeiro homem
numa forma de matéria passiva semelhante à que surge da sua operação
-- 124 --
criminosa”.”. E esta é a queda do céu na terra: “O Criador transmutou esta
forma gloriosa precipitando o homem nos abismos da terra, de onde veio o
fruto da sua prevaricação. Assim, o homem começou a viver na terra, como o
resto dos animais.” (Tratado, p. 144).
Quanto à forma material criada por Adão, ela não tinha vida e o Criador
poderia tê-la destruído. Mas Martinez explica-nos (Tratado, pp. 150-152) que
Ele estava ligado “pela Sua divina imutabilidade” à promessa feita a Adão de
auxiliá-lo em todos os seus atos de criação, emancipando os menores
destinados a ocupar os corpos criados por Adão. É por isso que “ele coroa seu
trabalho encerrando na forma de matéria criada por Adão um ser inferior que o
infeliz Adão submeteu a uma horrível prisão de trevas”.
Este segundo ser menor e desencarnado que nos é dito (Tratado, p. 174)
é Eva. Através dela Adão terá uma posteridade terrestre em vez da posteridade
espiritual que foi chamado a ter. Isto significa, para os espíritos menores do
supra celestial, solidariedade com Adão42, a necessidade de descer um após o
outro à matéria ao mesmo tempo e na medida em que a série de gerações
carnais descendentes de Adão e Eva produza novos corpos.
Esta oposição das duas posteridades de Adão, a que ele poderia ter tido e
a que realmente tem, é bem apontada por Martinez na seguinte passagem:
“Desde a sua prevaricação, dele só saem formas corporais materiais,
sujeitas como ele a castigos temporais, ao passo que se tivesse
permanecido no seu estado de glória só emanaria formas corporais
espirituais e impassíveis (…). Tal é a mudança produzida nas leis de
ação e funcionamento do primeiro menor; Ele tinha o poder, em seu
estado de glória, de fazer uso de essências puramente espirituais
para a reprodução de sua forma gloriosa, enquanto depois de seu
crime, estando condenado a reproduzir-se materialmente, não podia
42
Esta participação dos demais menores após a punição de Adão pode parecer injusta, se se acreditar que
eles não participaram deste evento. A Jean de Turkheim que pergunta “(se) Adão pecou sozinho ou (se)
todos os seres inteligentes emanados com ele participaram desta prevaricação”, Willermoz responde:
“Adão foi o primeiro e o único emancipado de seu círculo para veio habitar o centro das quatro regiões
celestes (...), e estando em correspondência de pensamento e vontade com os demais seres de sua classe
(menor) que ainda não poderiam estar em correspondência de ação com ele, visto que não estavam ainda
emancipados para operar livre e conscientemente qualquer ação, e não podem sê-lo até depois de terem
obtido sua emancipação temporária de Deus naquele momento (...). Adão, tentado e seduzido pelo diabo,
pecou gravemente através de suas faculdades de Pensamento, Vontade e Ação. A inumerável multidão de
sua classe imediatamente adquiriu conhecimento e pecou tanto quanto possível. Alguns rejeitam-no com
toda a sua Vontade, outros aderem mais ou menos, outros aderem a ele com toda a sua Vontade. Você
não acha que vê no primeiro o Justo ou o Predestinado ou o Abençoado de meu Pai, no segundo a
multidão de humanos levados pelos prazeres e seduções do mundo, e no terceiro os maiores malandros,
até os maiores vilões dos vários séculos?
Toda a classe foi assim contaminada pela prevaricação do homem, os mais justos estão cheios de grande
solidariedade pelos mais culpados e é necessário que cada um pague a sua parte pela sua permanência
mais ou menos prolongada na encarnação material e na morte corporal. ali devem sofrer, bem como nas
penas expiatórias e purificadoras que a Misericórdia lhes atribui após a morte”.
-- 125 --
mais fazer nada além de fazer uso de essências. materiais para
reprodução.”
(Tratado, pág. 526)
“Eu lhe mostrei como ele transmutou sua forma gloriosa, por causa
de seu crime, em uma forma de matéria terrestre. Mas este segundo
corpo de matéria terrestre tinha a mesma forma aparente do corpo
de glória no qual Adão havia emanado.”
(Tratado, pp. 174-176)
-- 126 --
Jean-Baptiste Willermoz recorreu à ênfase pascaliana para traduzir esta
contradição do homem caído:
-- 127 --
ao ponto de ter fixado a sua imagem a fim de dar aos Mestres Escoceses de
Santo André para meditar na joia do quarto grau. Há outra parte escrita sobre a
união das duas naturezas no Cristo, num tratado ainda inédito. [Atualmente
editado pela Editorial Manakel, Madrid 2004, em espanhol: Instruções Cohen,
pp. 105-170, O Deus Homem, Tratado sobre Duas Naturezas Jean Baptiste
Willermoz].
-- 128 --
Essa combinação simplesmente implora para ser desfeita, e é isso que
acontece quando o termo mediador que a mantém artificialmente coesa é
removido. Então chega a hora da dissolução do corpo material.
-- 129 --
veículo ou princípio da vida passiva é retirado da forma que habita, os veículos
particulares que serviam de ligação aos princípios corporais de cada partícula do
indivíduo e que ali estavam pela oposição de sua natureza em estado de tensão,
deixam de ser reagidos pelo veículo geral do ser, e sendo livres tendem a
libertar-se do seu envoltório.” A conferência que seguimos não especifica que
estes veículos privados sejam reintegrados no eixo central, mas a anterior
completa-a neste ponto.
-- 130 --
Esta indecisão, bem como a correção indicada na nota 11, mostra qual
era a situação intelectual dos Élus Cohen de Lyon que participaram nestas
Lições. Esforçaram-se por esclarecer os ensinamentos deixados por Martinez, e
nem sempre o conseguiram sem dificuldades, o que não lhes deve ser atribuído.
-- 131 --
repentina e absoluta, para serem reintegrados ambos na massa total
dos elementos, que por sua vez serão reintegrados nos princípios
simples e fundamentais, e estes serão reintegrados na fonte primitiva
secundária que recebeu o poder de produzi-los fora de si. Esta
reintegração final e absoluta da matéria e dos princípios da vida que
sustentam e mantêm a sua aparência será tão rápida quanto a sua
produção; e todo o universo será apagado tão repentinamente que a
vontade do Criador será ouvida; para que não fique o menor vestígio,
como se nunca tivesse existido.”
(LF, pág. 1035)
Vimos num texto citado acima (LF, p. 1035) que Jean-Baptiste Willermoz
Justificou este carácter ternário com referência a uma “lei ternária e sagrada”:
segundo este texto, “só existem três princípios e três elementos, e não pode
haver mais, porque a lei ternária e sagrada que preside à sua criação imprime a
seu próprio número ali, por ser o selo indivisível de seu poder e de sua
vontade”.
-- 132 --
que todos os seres espirituais possuem, mas particularmente e principalmente o
próprio Deus. Os textos do Regime Escocês & Retificado falam sobre isso em
diferentes ocasiões: primeiro alusivamente no grau de Aprendiz, depois
explicitamente no grau de Mestre Escocês de Santo André:
-- 133 --
“Tivemos uma ideia deste famoso número ternário da criação de
todas as formas pela união da intenção, da vontade e da palavra que
ilumina a ação divina, que sem dúvida é a Palavra. Na verdade, de
que serviria a intenção sem a vontade, a vontade sem a palavra e a
palavra sem efeito ou ação? A intenção, a vontade e a palavra eram
necessárias para operar cada uma das três partes da criação, mas foi
a palavra que determinou a ação da intenção e da vontade divinas. É
por esta determinação que a Palavra aconteceu; é então certamente
na Palavra do Criador que existe o número ternário da criação geral,
universal e particular, e não em outro lugar; pois a intenção, a
vontade e a palavra produzem um efeito espiritual ou uma ação; o
que nos faz ver que o Verbo da criação não se produz por si mesmo,
mas é emanado da intenção, da vontade e da palavra do Criador”.
(Tratado, pp. 180-182)
-- 134 --
Este esquema permitirá interpretar a “lei ternária e sagrada”, invocada
por Willermoz, como o “número ternário da criação” presente, segundo Martinez,
na Palavra divina que reúne e manifesta as três faculdades espirituais
fundamentais do Criador46.
46
O acoplamento da Palavra ou do Verbo com a ação é mais bem compreendido se o pensamento de
Martinez for colocado mais uma vez na perspectiva da tradição hebraica: o nome hebraico davar
()דברefetivamente tem o duplo sentido de palavra e ato.
-- 135 --
Escocês de Santo André. Mas noutro aspecto o número 3 está mais
particularmente relacionado com o primeiro grau. Entra assim numa série
coerente com os números 6 e 9, ligados respectivamente ao segundo e terceiro
graus, e o significado desta série está diretamente ligado à doutrina
Martinezista sobre a matéria. Este significado é explicado clara e sinteticamente
na Instrução Secreta dos Grandes Professos, e o melhor que podemos fazer é
citar a passagem correspondente deste texto, uma citação um tanto extensa,
mas muito edificante:
-- 136 --
imediatamente que o princípio da vida passiva e passageira, que
tinha essas partes em união, é retirado, este corpo é entregue ao seu
nono número, que, na ausência de apego, tende rapidamente à sua
decomposição e dissolução final. Então os elementos, os princípios e
as misturas, com os quais foi formado, voltam sucessivamente à sua
origem”.
(LF, pág. 1034-1035)
Por que esta alusão ao caos? Em primeiro lugar, porque o caos nos
remete à queda, à grande perturbação inicial que quebrou a harmonia da
imensidão divina e lançou o processo cosmogônico. Trata-se, desde o início da
marcha iniciática, de definir exatamente o enquadramento e colocá-lo na sua
verdadeira perspectiva metafísica e gnóstica - muito antes de o aprendiz poder
começar a sondar a profundidade desta perspectiva.
-- 137 --
permanência das coisas temporais, sendo esta vida terrestre a permanência que
nos é imposta para preparar a nossa reintegração.
Embora este texto não nos ensine nada sobre a natureza dos “seis
imensos pensamentos”, mostra bem que o papel do senário na criação não diz
respeito principalmente, ou mesmo de todo, à produção das essências
espirituais, mas sim à sua organização nas formas corporais e na animação
destas. Por outro lado, o acréscimo aritmosófico, a que alude o mesmo texto,
48
“Adão, cheio de orgulho, desenhou seis circunferências semelhantes às do Criador, ou seja, operou os
seis atos espirituais de pensamento que tinha em seu poder para satisfazer sua vontade de criação”
(Tratado, p. 140).
49
Isto está relacionado com a estrela de seis pontas dividida em dois triângulos: o “triângulo inferior”
(ponta para baixo) representa, como já sabemos, as três essências espirituais da matéria; O “triângulo
superior” (ponta para cima) representa, como acabamos de ver, a Palavra divina.
-- 138 --
pelo qual Martinez destaca os “seis pensamentos da criação” do número
ternário da criação, mostra que estes seis pensamentos provêm, através do
Verbo, de três princípios divinos fundamentais. faculdades 50.
50
“É também através deste Verbo e de sua emanação que reconhecemos com certeza que o primeiro
número ternário de qualquer criação é coeterno em Deus, conforme segue: intenção 1, vontade 2 e palavra
3, da qual provém a ação ou o Verbo . Adicione esses três números e você terá 6, como segue: 1 e 2
somam 3 e 3 formam 6. Assim se completam os seis pensamentos da criação geral e particular do
Eterno…” (Tratado, p. 182).
51
Não se pode evitar aproximar os “seis imensos pensamentos” de Martinez das seis Sefirot inferiores:
Chesed, Geburah, Tipharet, Netzaj, Hod e Yesod, que na Cabala juntamente com Malkut formam a
“pequena face” responsável pela manifestação ad extra. e em particular da criação temporal. O Zohar
coloca estas seis Sefirot em correspondência com os seis dias do Gênesis, Malkut correspondendo ao
Sabá.
Pode ser que haja espaço para Martinez ter recordado um elemento de tradição, não apenas hebraica, mas
mais precisamente cabalística.
-- 139 --
208). Parece que se refere à possessão, que Martinez imagina, sempre
penetrando em seus pensamentos, como uma “união” de três poderes
espirituais pervertidos do espírito demoníaco com a vida animal senária do
homem.
Este aspecto demoníaco da novena não parece ter sido assumido pelo
Regime Escocês & Retificado, que vê apenas neste número o sinal do carácter
compósito e inerte da matéria, incapaz de manter a sua coesão sem a ajuda de
um agente superior.
A Instrução Secreta dos Grandes Professos reúne uma ilustração
surpreendente da “inércia” da novena na propriedade do número 9, de que
seus múltiplos são sempre reduzidos a este mesmo número pela adição de seus
algarismos:
52
A bateria do terceiro grau, repetida pelos dois Vigilantes, dá com efeito um total de 3 x 9 = 27 golpes, e
27→9 [2 + 7 = 9]. Por outro lado, a tapeçaria do grau recolhe oitenta e uma lágrimas (9 x 9 = 81→9).
A propriedade do número 9 aqui invocada é apontada por Martinez no Tratado (p. 222), mas ali parece
referir-se ao sinal da perpetuação da raça irreconciliada de Caim.
53
Ritual do grau de Mestre para uso da Loja “L'Humanité” no Leste de Crest, certificado e autorizado em
16 de abril de 1787. Lyon 1787 - Paris 1967.
-- 140 --
A inscrição "Ternário formato novenario dissolvitur” está relacionado ao
corpo material, formado pelo ternário de essências espirituais que se dissolve
quando “é liberado ao seu nono número” pela retirada da alma vital. Este “nono
número” é indicado pelos três grupos de três bolas localizadas nos cantos do
túmulo; esses três grupos ternários representam mais precisamente os três
elementos fogo, água e terra, que são as “misturas ternárias” das essências
espirituais. A retirada da alma vital é evocada pelo vapor inflamado que escapa
da urna funerária, sendo esta urna provavelmente uma imagem do coração que
é a “casa” da vida passiva; mas esta mesma chama também simboliza a fuga da
matéria da alma ou espírito espiritual, com a qual está relacionada a segunda
inscrição “deponens aliena ascendit unus”, assim o Venerável Mestre ensina ao
destinatário quando lhe fala do mausoléu:
-- 141 --
-- 142 --
APÊNDICE
A RESSURREIÇÃO DE CRISTO
Hans Küng
-- 143 --
tradicional, o autor redescobre para o homem moderno, crente ou não, o
essencial da mensagem cristã, vista numa perspectiva teologicamente
rigorosa e honesta, crítica e construtiva.
O maçom retificado educado poderá observar a concordância perfeita que
existe entre esta explicação esclarecida da ressurreição de Cristo e a
representação alegórica dela que é feita no simbólico 4º Grau do RER
(Mestre Escocês de Santo André), e que Willermoz expõe abertamente em
seu ensaio O Homem-Deus, Tratado das Duas Naturezas (§18, Da
Ressurreição e dos Corpos Gloriosos).
-- 144 --
“Mas não se pode provar que na Antiguidade há testemunhos de outras
ressurreições?” Na verdade, foi alegado sobretudo, muitas vezes, o
aparecimento após a sua morte de Apolónio de Tiana, como nos conta
Filóstrato. “E a ressurreição de Jesus não perde assim o seu caráter
extraordinário?” Resposta: Observe a diferença com a ressurreição de Jesus: A
partir da experiência da ressurreição de Apolônio, alguma pessoa já chegou à
convicção - uma convicção que transforma toda a sua vida e que será
proclamada em todos os lugares e acima de tudo - que através daquele homem
Deus falou e agiu de forma decisiva? Isto é o que há de extraordinário na
ressurreição de Jesus, não a forma da história.
Até que ponto Jesus - que possivelmente esperava que, enquanto ainda
estivesse vivo, ocorresse uma dramática mudança escatológica - preparou os
seus discípulos para um acontecimento tão dramático, não sabemos; As
profecias sobre a morte e a ressurreição que os Evangelhos nos contam, na
forma em que ali aparecem, foram provavelmente formuladas posteriormente.
A única coisa certa é a seguinte: os discípulos, que esperavam para breve o
Reino de Deus, viram, naquele momento, as suas esperanças realizadas:
realizadas com a ressurreição de Jesus para uma vida nova. Essa ressurreição foi
considerada o início da salvação final. Este conceito era também, pelo menos
naquela época, “de autênticas raízes judaicas”: não apenas os judeus que
seguiam Jesus, mas muitos judeus de então esperavam a ressurreição dos
mortos, uma vez que, como vimos, a fé na ressurreição geral dos mortos, ou
pelo menos os justos, apareceram pela primeira vez no livro de Daniel e na
literatura apocalíptica. Por outro lado: o que muitos judeus esperavam no
futuro para todos os homens, para a jovem comunidade cristã já tinha
acontecido antecipadamente, por causa das suas experiências pascais, na
pessoa de Um só: a ressurreição de Jesus foi o início da revolução geral
ressurreição dos mortos, início do fim dos tempos, com um último período de
graça até o aparecimento do esperado “Filho do homem” (segundo Dan 7:13).
Isto tinha uma base sólida na fé judaica da época.
-- 145 --
cristãos encontraram-na sobretudo na passagem de um salmo que penetrou no
Credo: «Ele está sentado à direita do Pai. " E de fato: não há frase da Bíblia
Hebraica que seja citada, literalmente ou com variações, tantas vezes no Novo
Testamento quanto o versículo 1 do Salmo 110: “O Senhor disse ao meu Senhor:
Senta-te à minha direita”. Isto não implica uma “comunidade de essência”, mas
– o máximo que um judeu poderia dizer como monoteísta – uma “comunidade
do trono” de Jesus ressuscitado com Deus, seu Pai, no “trono da glória”, no
“trono "do próprio Deus. E a imagem do “trono”, tirada do mundo da realeza,
deve evidentemente ser entendida como símbolo de dominação, para que o
reino de Deus e o reino do Messias se tornem praticamente idênticos. “Jesus é
Senhor” (em hebraico, o maran; em grego, o kyrios): esta é a mais antiga
profissão de fé – dirigida contra todos os outros senhores deste mundo – da
comunidade cristã.
Com isso fica claro o seguinte: desde o início não foi um fato histórico
comprovado, mas sempre uma convicção baseada na fé a afirmação de que com
a morte de Jesus tudo não acabou, e que Jesus não permaneceu na morte, mas
entrou no eterno vida de Deus. Mas essa fé hoje não pede a ninguém que
acredite numa intervenção “sobrenatural” de um Deus ex machina, contrária às
leis da natureza. Esta fé baseia-se na convicção de uma morte “natural” e na
aceitação da realidade verdadeira, autêntica e divina: entendida como o estado
final do homem, livre de todo sofrimento. Da mesma forma que a exclamação
moribunda de Jesus: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc
15,34), já deu uma guinada positiva no Evangelho de Lucas com a citação do
salmo: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Sl 31,6; Lc 23,46), e mais
tarde em João: «Tudo está consumado» (19,30).
-- 146 --
fisiológico? A pergunta do homem de hoje é plenamente justificada e temos
que explicar diretamente:
O que então significa “ressurreição”? Agora posso dar uma resposta curta
a essa pergunta:
-- 147 --
pela obra de Deus, para a vida eterna não é um fato histórico, concreto e
imaginável, muito menos biológico, e ainda assim é um evento real na esfera de
Deus. O que isto significa? O que significa “vida” neste caso? Olhar para a
pintura da Ressurreição de Grünewald [ver imagem no final deste artigo] é um
aviso: o Senhor Ressuscitado não é um ser diferente, puramente celestial, mas
permanece, ainda um corpo, mas ao mesmo tempo um espírito, aquele homem,
Jesus de Nazaré, que foi crucificado. E esse homem não se torna, pela
ressurreição, um fluido impreciso, fundido com Deus e com o universo, mas,
estando na vida de Deus, continua a ser aquele ele, determinado e
inconfundível, que já era: embora, em por outro lado, parte, sem a limitação
espaço-temporal da forma terrena. É por isso que em Grünewald o rosto se
transforma em pura luz. Segundo os testemunhos das Escrituras, a morte e a
ressurreição não apagam a identidade da pessoa, mas antes preservam-na
numa forma irrepresentável, transfigurada, numa dimensão totalmente
diferente.
O que resulta de tudo isso? Nós, homens de hoje, formados nas ciências
naturais, precisamos de uma linguagem clara que nos seja dirigida: para que a
identidade pessoal seja preservada, Deus não precisa dos restos mortais da
existência terrena de Jesus. É uma ressurreição para uma forma de existência
completamente diferente. Talvez isso possa ser comparado ao da borboleta que
levanta as asas e abandona o que era o casulo da lagarta. Assim como o mesmo
ser vivo abandona a antiga forma de existência (lagarta) e assume uma forma
inconcebivelmente nova, totalmente liberada, leve e aérea (borboleta), também
podemos imaginar nosso próprio processo de transformação pela obra de Deus.
É uma imagem. Não precisamos vincular a ressurreição a nenhum fato
fisiológico.
Mas a que está então ligada a ressurreição? Nem ao substrato, que muda
constantemente desde o início, nem aos elementos desse corpo determinado,
mas à identidade daquela pessoa inconfundível. A corporalidade da ressurreição
não exige – nem então nem agora – que o corpo morto volte à vida. Pois Deus
ascende a uma nova forma, não mais concebível, como Paulo paradoxalmente
diz, como soma pneumatikón, como “corpo pneumático”, como “corporeidade
espiritual”. Com aquela expressão, verdadeiramente paradoxal, Paulo quis dizer
as duas coisas ao mesmo tempo: continuidade, pois “corporeidade” significa
identidade da mesma pessoa que existiu até agora e que não se desfaz
simplesmente, como se a história vivesse e sofresse até agora. agora. Agora
teria perdido toda a relevância. E descontinuidade: já que “espiritualidade” não
significa que o corpo antigo continue a existir ou volte à vida, mas que existe
uma nova dimensão, a dimensão “infinita”, que se impõe ao transformar tudo o
que é finito após a morte.
-- 148 --
A Ressurreição de Cristo, no Retábulo de Isenheim,
do pintor alemão Matthias Grünewald (século XVI)
-- 149 --