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Aula 2- SALVOS NA ESPERANÇA

Como viver no meio tempo?

1. O meio tempo

Pense que você está preso no trânsito. Quilômetros de engarrafamento, com certeza
você chegará atrasado, está quente dentro do carro, o lugar não é dos mais seguros, os
passageiros que estão com você não param de reclamar, os carros ao redor buzinam
freneticamente como se o som das buzinas fizessem o trânsito andar. Contudo, se os seus
pensamentos e sentimentos fizessem barulho, certamente estariam buzinando.
Impaciência, frustração, raiva, impotência, insegurança, ansiedade.

Vivemos na ilusão de que de alguma forma nós controlamos o tempo. Nos


relacionamos com ele sempre insatisfeitos, por nunca tê-lo suficientemente, e como
“senhores do tempo”, queremos fazê-lo passar mais devagar, ou às vezes mais rápido.
Creio que seja por esse motivo que filmes sobre viagem no tempo costumam nos cativar
tanto nosso fascínio, de certa forma, dão forma à nossa fantasia de controlar, corrigir, domar
o indomável.

Por esse motivo, desaprendemos a esperar. Achamos que o tempo gira em torno de
nós e não de Deus. Com a chegada da modernidade, “tiramos o arbítrio” de Deus, do Deus
que controla a história e assumimos esse fardo para nós mesmos. Assim como no mito
grego de Atlas, cuja tarefa era carregar o mundo nas costas, tomamos para nós um peso
insuportável, peso esse que não fomos criados para carregar. A espera se torna
angustiante, sufocante, falta-nos ar, pois falta-nos perspectiva para além das luzes
vermelhas, das buzinas e do caos. Pela perda de perspectiva, buscamos anestesiar a
espera, como quando dormimos no carro para que a viagem “passe mais rápido”, ou
mexemos no celular enquanto esperamos por alguém. O problema é que quando
anestesiamos a espera, anestesiamos tudo o mais, nos embriagamos para que não
precisemos esperar.

Aqui estamos nós, presos no tráfego, num dos poucos momentos em que
encarnamos o verdadeiro estado da nossa existência humana: A caminho, no meio tempo,
esperando.

2. Espera, esperança e anseio

O próprio Espírito confirma ao nosso espírito que somos filhos de Deus.


E, se somos filhos, somos também herdeiros; herdeiros de Deus e coerdeiros
com Cristo, se com ele sofremos, para que também com ele sejamos
glorificados.
Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não
podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós.
A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus.
Pois a criação está sujeita à vaidade, não por sua própria vontade, mas por
causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será
libertada do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de
Deus.
Porque sabemos que toda a criação a um só tempo geme e suporta
angústias até agora.
E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito,
igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a
redenção do nosso corpo.
Porque na esperança fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é
esperança. Pois quem espera o que está vendo?
Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos.
Da mesma maneira, também o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza. Porque
não sabemos orar como convém, mas o próprio Espírito intercede por nós
com gemidos inexprimíveis.
E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque
intercede pelos santos de acordo com a vontade de Deus. Romanos 8:16-27

2.1 - O atual e o ideal

“A realidade é que o tempo é um rio no qual somos jogados.O tempo é


um presente de Deus, um meio de adoração. Eu preciso que a igreja
me lembre da realidade: o tempo não é uma mercadoria que eu
controlo, gerencio ou consumo. (...) Ele [o tempo] não gira em torno de
mim. O tempo gira em torno de Deus: o que Ele fez, o que Ele está
fazendo e o que Ele fará. Vivemos num mundo em espera, o mundo
onde o próprio tempo, junto com toda a criação, geme com dores de
parto, esperando por certo nascimento.” - Tish H. Warren

Quando encaramos a amplitude dos eventos cósmicos da segunda vinda de Jesus,


pode surgir um problema que é o de esquecer que diante de tudo isso, Deus está
trabalhando pessoalmente em cada um de nós.
Eu mesmo poderia falar horas e horas sobre a parousia, o Filho do homem vindo
nas nuvens, sua marcha em glória pelo deserto, mas o mais perto que tenho disso é minha
Bíblia aberta, um quarto fechado e não muito da sensação que eu esperava que essas
narrativas me trariam.
Na eclesiologia é a mesma coisa. Poderíamos falar por muito tempo de uma multidão de
nações e santos vestidos de branco, mas o mais perto que tenho disso são bancos duros
de madeira (ou cadeiras de plástico) e algumas pessoas que são por vezes incrivelmente
difíceis de se relacionar.
Nos deparando com nossa realidade comum, e vislumbrando o ideal perfeito do
Reino vindouro, podemos cair em desespero, ou nos hiper-fixarmos nas realidades futuras e
perder contato com o ordinário. Precisamos de anseio e de esperança para não
sucumbirmos à apatia ou à ansiedade.

"Anseio sem esperança é ansiedade."

3. A disciplina da espera e o telos

Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que,


segundo a sua grande misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança,
mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança
que não pode ser destruída, que não fica manchada, que não murcha e que
está reservada nos céus para vocês, que são guardados pelo poder de Deus,
mediante a fé, para a salvação preparada para ser revelada no último tempo.
Nisso vocês exultam, embora, no presente, por breve tempo, se necessário,
sejam contristados por várias provações, para que, uma vez confirmado o
valor da fé que vocês têm, muito mais preciosa do que o ouro perecível,
mesmo apurado pelo fogo, resulte em louvor, glória e honra na revelação de
Jesus Cristo.
Mesmo sem tê-lo visto vocês o amam. Mesmo não o vendo agora, mas
crendo nele, exultam com uma alegria indescritível e cheia de glória,
obtendo o alvo dessa fé: a salvação da alma.
Por isso, preparando o seu entendimento, sejam sóbrios e esperem
inteiramente na graça que lhes está sendo trazida na revelação de Jesus
Cristo. 1 Pedro 1:3-9; 13

Um dos dons mais necessários para o fim dos tempos é o de discernimento. Creio
que não somente o discernimento de espíritos que está listado em 1 Coríntios 12, mas o de
discernimento de eras, tempos e estações. Se não soubermos discernir pela Escritura e
pelo Espírito o que já nos foi dado (e podemos desfrutar) e o que ainda não nos foi dado (e
ainda precisamos esperar e clamar), inverteremos as expectativas e andaremos em
círculos, cambaleantes, como bêbados que não sabem de onde vieram, onde e quando
estão e muito menos para onde vão. Nômades sem destino e não peregrinos rumo à
terra.
A natureza desta presente era já nos anuncia que não devemos depositar todas
nossas esperanças nos esforços que empenhamos para mudar o mundo. O adjetivo
principal desta era já foi dado: caída! Talvez a falta de discernimento nos conduza, então, a
uma fé pessimista que aguarda o pior numa espera passiva e angustiante, como se Deus
tivesse feito a promessa, nos abandonado e só lembrará dela no dia de cumpri-la. Quando
na realidade, logo depois de nos dar uma missão para cumprir enquanto esperamos, nos
diz: “eis que estarei convosco até a consumação dos séculos!”

"Finalmente, a contagem espiritual do tempo é animada pelo


futuro. Tal orientação futura nós chamamos de "esperança". A igreja é
um povo do futuro, uma comunidade do reino que está sempre
aprendendo a esperar. A fixação popular no fim dos tempos é, na
verdade, fundamentalmente a-histórica: ela vê o presente apenas como
uma contagem regressiva para o que é ditado por algum suposto futuro
que já foi determinado, com gráficos para diagramar a sequência. (...) A
contagem regressiva do fim dos tempos é uma narrativa de declínio: o
relógio está correndo para o arrebatamento; tudo nesse ínterim é
apenas o tempo suportado antes que a cápsula de fuga desça. Em
contraste, a contagem espiritual do tempo tenta discernir onde a
restauração do Espírito já está acontecendo no gemido da criação.” -
James K. A. Smith

“Essa é a nossa vida, somos treinados para esperar; e nosso


treinamento por meio da santa espera progride à medida que nossas
expectativas rompem com o amor a este mundo" - Agostinho de
Hipona

3.1 O engarrafamento é tudo o que existe?

Imaginemos que no meio do engarrafamento no qual estamos, esqueçamos que


estávamos indo para algum lugar, esqueçamos o nosso telos. E se todos abandonamos
nossos destinos e compromissos para onde estávamos indo, e acreditássemos que a
rodovia encardida é tudo o que há? As pessoas começaram a descer de seus carros e
procurar o melhor lugar para acampar na beira da estrada. Talvez alguém tiraria uma
churrasqueira do porta malas e começaria um churrasco, alguns começariam a jogar truco,
afinal não vamos a lugar nenhum mesmo.
Disputas surgiriam para decidir quem conseguirá ficar mais confortável. Cabos e
baterias começam a ser roubados de outros carros, além de outros itens que serão usados
como material para fazer fogo. Uns começam a dominar sobre outros, montando seu
próprio território e tentando prolongar sua existência nessa rodovia acreditando que fumaça,
disputa, asfalto e pilares de concreto são tudo o que existe.

“A orientação para o futuro do tempo cristão nos lembra de que somos


um povo a caminho. Ela nos permite viver no presente como um povo
alternativo, esperando pacientemente pelo porvir mas nunca abrindo
mão do nosso telos. Nós nunca estaremos realmente confortáveis.
Buscamos a justiça, praticamos a misericórdia e proclamamos o reino
vindouro. - Tish H. Warren

"Espera sem telos é embriaguez"

Um exemplo da embriaguez dessa era que pode passar desapercebido aos nossos olhos é
o que Paulo dá em 2 Timóteo 4. Lá, ele insta Timóteo a conservar sua fé, a lutar com um
soldado e a correr a carreira. Lute! Corra! Guarde!
No final do capítulo, Paulo dá uma das instruções mais profundas que se pode encontrar
nas escrituras a respeito da segunda vinda de Cristo.
Desde agora me está guardada a coroa da justiça, que o Senhor, reto juiz,
me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos os que
amam a sua vinda. 2 Timóteo 4:8

No entanto, por vezes deixei de perceber os versos que seguem, até que John Piper em
seu livro “Come, Lord Jesus!”, me abriu os olhos. No versículo seguinte, Paulo diz:
“Empenhe-se por vir até aqui o mais depressa possível. Porque Demas, tendo amado o
presente século, me abandonou e se foi para Tessalônica” (2 Tm 4:9,10a).
Existe um contraste nítido aqui. Só chega ao final da corrida quem ama a vinda de
Jesus mais do que ama o presente século. Demas se embriagou, perdeu seu telos, foi para
um destino que não devia, não terminou sua corrida pois não se manteve sóbrio.
EMBRIAGOU-SE NAS PAIXÕES DESTA ERA.

Quão importante é amar a segunda vinda?


Essa relação entre amar e lutar é muito importante para nós, porque mostra
como é crucial amarmos a segunda vinda do Senhor. Este amor não é
marginal. Não é opcional. É um meio pelo qual os cristãos são impedidos
de cair. É uma condição do coração cristão que nos protege do amor
destrutivo de Demas para com esta era. É um vislumbre emocionante do
prêmio no final da maratona da vida que nos mantém correndo (Fp 3:14).
Amar a vinda do Senhor é uma extensão para o futuro de amar o Senhor
agora. E amar o Senhor agora é essencial para ser um cristão.
- John Piper

Se, como homem, lutei em Éfeso contra feras, qual foi o meu
proveito? Se os mortos não ressuscitam, "comamos e bebamos, porque
amanhã morreremos". Porque alguns ainda não têm conhecimento de Deus.
Digo isto para vergonha de vocês. 1 Coríntios 15:32; 34

“A marca singular da paciência não é perseverança ou fortitude, mas


esperança. Ser impaciente [...] é viver sem esperança. A paciência se
baseia na ressurreição. É uma vida orientada para um futuro que foi feito
por Deus, e o seu sinal é ansiar, não tanto para se libertar dos males do
presente, mas em antecipação do bem que virá.” - Robert Wilken

4. Como cantar maranata?

Uma vez que tudo será assim desfeito, vocês devem ser pessoas que vivem
de maneira santa e piedosa,
esperando e apressando a vinda do Dia de Deus. Por causa desse dia, os
céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos se derreterão pelo calor.
Nós, porém, segundo a promessa de Deus, esperamos novos céus e nova
terra, nos quais habita a justiça. 2 Pedro 3:11-13

Nós vivemos em uma era medonha, um mundo brutal. Mas na vida de Cristo e na
obra do Espírito, vislumbramos e participamos da redenção. Nós temos um telos, um Reino
de onde a paz reinará, Deus será adorado, o Messias reinará para sempre e a morte será
destruída pela vitória. Por isso, podemos correr nesta direção até mesmo nos nossos dias
ordinários, quando trabalhamos, quando sentamos desnorteados na cama logo após
acordar, quando passamos tempo demais no celular quando prometemos a nós mesmos
que nunca mais iriamos fazer isso, quando pecamos, quando cultuamos, quando assistimos
um filme com um amigo, quando nos atrasamos, quando somos pontuais, quando
colocamos nossa filha para dormir, quando nossa filha não nos deixa dormir, quando
votamos, quando fazemos sexo com nossa esposa, quando fritamos um ovo e comemos
com pão e até quando ficamos presos no trânsito.

“(...) como povo messiânico, a igreja habita no presente com uma certa
leveza do ser. Se somos estrangeiros e peregrinos em território
estrangeiro, então somos também peregrinos em um tempo estranho.
(...) somos chamados e formados para ser um povo que espera – que
aguarda (novamente) pela vinda do Messias. Somos um povo do futuro
que não tenta escapar do presente, mas se sente de certa forma
inquieto no presente, assombrado pela fragmentação do “agora”.
O futuro que esperamos – um futuro em que a justiça fluirá como
as águas e a retidão como um ribeiro que corre incessantemente – paira
sobre o nosso presente e nos permite ver qual o alvo pelo qual
trabalhamos aqui e agora, quando oramos: “venha o teu Reino”. (...) Na
adoração, experimentamos “os poderes do mundo vindouro”, que faz
brotar em nós o anelo pelo reino que virá, já que essa experiência
também funciona com um tipo de provocação: ela nos dá uma
percepção suficiente do que virá, de modo que olhamos para nosso
mundo decaído e vemos todas as formas pelas quais o reino ainda não
chegou. “vem Senhor Jesus!” e “Quanto tempo ainda, ó Senhor?!”
sao as orações de um povo afinado com o futuro.” - James K. A.
Smith

Em outras palavras: Maranata, vem logo, Senhor Jesus.

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