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1. O meio tempo
Pense que você está preso no trânsito. Quilômetros de engarrafamento, com certeza
você chegará atrasado, está quente dentro do carro, o lugar não é dos mais seguros, os
passageiros que estão com você não param de reclamar, os carros ao redor buzinam
freneticamente como se o som das buzinas fizessem o trânsito andar. Contudo, se os seus
pensamentos e sentimentos fizessem barulho, certamente estariam buzinando.
Impaciência, frustração, raiva, impotência, insegurança, ansiedade.
Por esse motivo, desaprendemos a esperar. Achamos que o tempo gira em torno de
nós e não de Deus. Com a chegada da modernidade, “tiramos o arbítrio” de Deus, do Deus
que controla a história e assumimos esse fardo para nós mesmos. Assim como no mito
grego de Atlas, cuja tarefa era carregar o mundo nas costas, tomamos para nós um peso
insuportável, peso esse que não fomos criados para carregar. A espera se torna
angustiante, sufocante, falta-nos ar, pois falta-nos perspectiva para além das luzes
vermelhas, das buzinas e do caos. Pela perda de perspectiva, buscamos anestesiar a
espera, como quando dormimos no carro para que a viagem “passe mais rápido”, ou
mexemos no celular enquanto esperamos por alguém. O problema é que quando
anestesiamos a espera, anestesiamos tudo o mais, nos embriagamos para que não
precisemos esperar.
Aqui estamos nós, presos no tráfego, num dos poucos momentos em que
encarnamos o verdadeiro estado da nossa existência humana: A caminho, no meio tempo,
esperando.
Um dos dons mais necessários para o fim dos tempos é o de discernimento. Creio
que não somente o discernimento de espíritos que está listado em 1 Coríntios 12, mas o de
discernimento de eras, tempos e estações. Se não soubermos discernir pela Escritura e
pelo Espírito o que já nos foi dado (e podemos desfrutar) e o que ainda não nos foi dado (e
ainda precisamos esperar e clamar), inverteremos as expectativas e andaremos em
círculos, cambaleantes, como bêbados que não sabem de onde vieram, onde e quando
estão e muito menos para onde vão. Nômades sem destino e não peregrinos rumo à
terra.
A natureza desta presente era já nos anuncia que não devemos depositar todas
nossas esperanças nos esforços que empenhamos para mudar o mundo. O adjetivo
principal desta era já foi dado: caída! Talvez a falta de discernimento nos conduza, então, a
uma fé pessimista que aguarda o pior numa espera passiva e angustiante, como se Deus
tivesse feito a promessa, nos abandonado e só lembrará dela no dia de cumpri-la. Quando
na realidade, logo depois de nos dar uma missão para cumprir enquanto esperamos, nos
diz: “eis que estarei convosco até a consumação dos séculos!”
Um exemplo da embriaguez dessa era que pode passar desapercebido aos nossos olhos é
o que Paulo dá em 2 Timóteo 4. Lá, ele insta Timóteo a conservar sua fé, a lutar com um
soldado e a correr a carreira. Lute! Corra! Guarde!
No final do capítulo, Paulo dá uma das instruções mais profundas que se pode encontrar
nas escrituras a respeito da segunda vinda de Cristo.
Desde agora me está guardada a coroa da justiça, que o Senhor, reto juiz,
me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos os que
amam a sua vinda. 2 Timóteo 4:8
No entanto, por vezes deixei de perceber os versos que seguem, até que John Piper em
seu livro “Come, Lord Jesus!”, me abriu os olhos. No versículo seguinte, Paulo diz:
“Empenhe-se por vir até aqui o mais depressa possível. Porque Demas, tendo amado o
presente século, me abandonou e se foi para Tessalônica” (2 Tm 4:9,10a).
Existe um contraste nítido aqui. Só chega ao final da corrida quem ama a vinda de
Jesus mais do que ama o presente século. Demas se embriagou, perdeu seu telos, foi para
um destino que não devia, não terminou sua corrida pois não se manteve sóbrio.
EMBRIAGOU-SE NAS PAIXÕES DESTA ERA.
Se, como homem, lutei em Éfeso contra feras, qual foi o meu
proveito? Se os mortos não ressuscitam, "comamos e bebamos, porque
amanhã morreremos". Porque alguns ainda não têm conhecimento de Deus.
Digo isto para vergonha de vocês. 1 Coríntios 15:32; 34
Uma vez que tudo será assim desfeito, vocês devem ser pessoas que vivem
de maneira santa e piedosa,
esperando e apressando a vinda do Dia de Deus. Por causa desse dia, os
céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos se derreterão pelo calor.
Nós, porém, segundo a promessa de Deus, esperamos novos céus e nova
terra, nos quais habita a justiça. 2 Pedro 3:11-13
Nós vivemos em uma era medonha, um mundo brutal. Mas na vida de Cristo e na
obra do Espírito, vislumbramos e participamos da redenção. Nós temos um telos, um Reino
de onde a paz reinará, Deus será adorado, o Messias reinará para sempre e a morte será
destruída pela vitória. Por isso, podemos correr nesta direção até mesmo nos nossos dias
ordinários, quando trabalhamos, quando sentamos desnorteados na cama logo após
acordar, quando passamos tempo demais no celular quando prometemos a nós mesmos
que nunca mais iriamos fazer isso, quando pecamos, quando cultuamos, quando assistimos
um filme com um amigo, quando nos atrasamos, quando somos pontuais, quando
colocamos nossa filha para dormir, quando nossa filha não nos deixa dormir, quando
votamos, quando fazemos sexo com nossa esposa, quando fritamos um ovo e comemos
com pão e até quando ficamos presos no trânsito.
“(...) como povo messiânico, a igreja habita no presente com uma certa
leveza do ser. Se somos estrangeiros e peregrinos em território
estrangeiro, então somos também peregrinos em um tempo estranho.
(...) somos chamados e formados para ser um povo que espera – que
aguarda (novamente) pela vinda do Messias. Somos um povo do futuro
que não tenta escapar do presente, mas se sente de certa forma
inquieto no presente, assombrado pela fragmentação do “agora”.
O futuro que esperamos – um futuro em que a justiça fluirá como
as águas e a retidão como um ribeiro que corre incessantemente – paira
sobre o nosso presente e nos permite ver qual o alvo pelo qual
trabalhamos aqui e agora, quando oramos: “venha o teu Reino”. (...) Na
adoração, experimentamos “os poderes do mundo vindouro”, que faz
brotar em nós o anelo pelo reino que virá, já que essa experiência
também funciona com um tipo de provocação: ela nos dá uma
percepção suficiente do que virá, de modo que olhamos para nosso
mundo decaído e vemos todas as formas pelas quais o reino ainda não
chegou. “vem Senhor Jesus!” e “Quanto tempo ainda, ó Senhor?!”
sao as orações de um povo afinado com o futuro.” - James K. A.
Smith