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The Symbolic World

Os Corpos Sutis dos Anjos 1


Professor Jonathan Pageau
Quando falamos de “corpos sutis”, a ideia é que há alguns seres, como os anjos,
que não têm corpos físicos, como os nossos, mas também não são completamente
espirituais, existem em um reino intermediário, em que estão presentes o que os Padres
da Igreja chamam de “corpos sutis”, — embora nem todos os Padres da Igreja defendam
isso, há todo tipo de opinião, alguns dos Santos Padres se opõem muito claramente à
materialidade dos anjos.
São João Damasceno afirma o seguinte: “[Deus] é o próprio Criador dos anjos,
pois os trouxe do nada à existência e os criou segundo Sua própria imagem, uma raça
incorpórea, uma espécie de vento ou fogo imaterial”. Ora, entendemos “vento” e “fogo”
como coisas materiais, então perdemos o entendimento da analogia destas palavras com
as coisas invisíveis, inapreensíveis, mesmo no Mundo Físico, como maneira de significar
aquilo que é imaterial em sentido estrito, coisas que não têm corpos, como ideias,
virtudes, — as coisas que ativam os corpos, que não são elas mesmas incorporadas,
elas não têm corpos. Se os anjos são feitos de vento e fogo, um materialista entenderia
que eles são materiais, feitos de vento e fogo, mas se trata de “uma espécie de vento ou
fogo imaterial”, — São João Damasceno utiliza de uma analogia com o Mundo Físico
para descrever algo incorpóreo em sentido estrito.
Mais adiante, São João Damasceno diz: “A natureza do anjo […] é racional,
inteligente e dotada de livre-arbítrio, mutável em sua vontade ou inconstante. Pois tudo
o que foi criado é mutável, e somente o que não foi criado é imutável. Além disso, tudo
o que é racional é dotado de livre-arbítrio. Portanto, por ser racional e inteligente, é
dotado de livre-arbítrio; e, por ser criado, é mutável, tendo o poder de permanecer ou
progredir no bem ou de se voltar para o mal. Mas não é suscetível de arrependimento,
porque é incorpóreo. É devido à fraqueza de seu corpo que o homem vem a se
arrepender. […] Visto que [os anjos] são mentes, estão em lugares mentais e não são
circunscritos à maneira de um corpo. Pois eles não têm uma forma corpórea por
natureza, nem são estendidos em três dimensões. Mas, seja qual for o lugar que lhes
seja designado, ali eles estão presentes à maneira de uma mente e se energizam, e não
podem estar presentes e se energizar em vários lugares ao mesmo tempo”.
Isso pode causar confusão, porque se pode pensar que isso significa que os anjos
são fisicamente localizados, que estão em certos lugares em certos momentos, mas o
que São João Damasceno está dizendo é outra coisa, — ele está dizendo que os anjos
ocupam lugares mentais, e são circunscritos por lugares mentais; pode-se entender da
seguinte maneira: um ativador mental, como o anjo de uma virtude, o anjo da esperança,
por exemplo, não pode, ao mesmo tempo, ser o anjo da fé, porque cada anjo é
circunscrito ao ser o princípio ativador de determinado aspecto da realidade, tem um

1 Vídeo original disponível em: https://youtu.be/MTuDl7o-1bE?feature=shared


papel no mundo de lidar com esse aspecto, circunscrevendo-se por esse aspecto.
É por isso que muitos Santos Padres falam que anjos têm “corpos sutis”, — eles
não são completamente incorpóreos, porque, em certo sentido, apenas Deus é
completamente incorpóreo, mas seus corpos também não são circunscritos pelas
carnes, acontece que seus corpos são mais fluidos, são sutis; é algo difícil de entender.
Em Perelandra, de C. S. Lewis, há muitos entendimentos interessantes, mas
alguns podem levar à confusão, porque a ideia dos anjos na obra é de seres que são
como que feitos de luzes, quase de maneira física, seres de outra dimensão, mas,
avançando demais nessa linha e caindo no materialismo, perdemos o sentido daquilo
que realmente se entende tradicionalmente por “corpo de luz”, ou “corpo sutil”, — um
corpo assim é um corpo que projeta sentido sobre outros corpos, é um corpo espiritual,
— circunscrito, por estar fazendo determinada coisa, mas que, ao mesmo tempo, projeta
luz sobre outros corpos, projeta sentido sobre as outras coisas.
Todos nós temos corpos sutis, nesse sentido. Temos corpos físicos, mas também
corpos sutis, que são as maneiras através das quais influenciamos o mundo sem estar
diretamente conectado a ele fisicamente; nossa própria capacidade de dar sentido é, de
certa forma, uma faculdade de termos corpos sutis. Um bom exemplo é quando, em
contos de fadas ou histórias de fantasia, fala-se de magos que agem à distância, e há
muitas ideias New Age ou espiritualistas a respeito de algum tipo de substância sutil, às
vezes chamada de ectoplasma, uma substância física, mas mais sutil, que permite isso,
só que, na verdade, agir à distância através de um corpo sutil é algo que todo ser humano
faz todos os dias, — quando, por exemplo, um pai pede ao filho que lhe traga um copo
de água, é uma ação à distância que projeta sentido através da inteligência, não através
da força física, é usar o corpo sutil para afetar a realidade.
Os corpos sutis estão associados ao sentido, à criação de sentido, e energizam
os corpos, como as mentes fazem, segundo o papel que possuem, segundo a
inteligência de que participam, — essa é a melhor maneira de entender o que é um corpo
sutil. Uma história, por exemplo, é um corpo sutil; não está circunscrita pelo mundo, pode-
se escrevê-la, mas mesmo seu registro escrito não é ela, a história é uma série de pontos
inteligentes unidos em um todo coeso, o que tem um efeito sobre as pessoas. Se
contamos uma história, podemos afetar os outros através de nossos corpos sutis e
mudar o seu curso de ação, — podemos “enfeitiçá-los” através de ferramentas de sentido
e projeção inteligente.
Frequentemente, especialmente os anjos inferiores — arcanjos e anjos da guarda
— nos têm por corpos, porque eles agem sobre nós; recebem algo de Deus e agem
sobre nós, de modo que encarnamos os padrões que eles regem conforme funcionamos
no mundo. No entanto, os anjos superiores não agem diretamente sobre nós, eles agem
através de outros anjos sobre os corpos; os anjos mais elevados são tão sutis, o tipo de
padrão que manejam é tão elevado, que esse padrão congrega outros padrões. Um anjo,
então, tem outros anjos sob si, que agem sobre o mundo, e assim por diante, até chegar
ao Mundo Físico, manejado por essa hierarquia de agência, ou de padrão, acima de si,
que, ao mesmo tempo, desce sobre si.
Os corpos dos anjos não são corpos físicos, não se estendem em três dimensões,
— o anjo da esperança não se estende em três dimensões, ele age através de nós, tem
sua âncora em nós, não como um corpo, mas como uma mente energizando o mundo.
Mesmo a Internet é um corpo sutil, — o tipo de influência que temos online ao
escrevermos e postarmos coisas é uma influência sutil, não é uma influência física, é
uma ação à distância que é uma extensão de um determinado corpo sutil.
Uma boa maneira de entendermos os corpos sutis é entendermos a noção de que
parte da nossa própria manifestação tem que ver com o sentido e com a criação de
sentido. Quando os Santos Padres falam que os anjos são feitos de fogo imaterial, não
se deve entender isso como se referindo a um tipo de corporalidade de ficção científica,
a uma presença em outra dimensão ou coisa do tipo, na verdade se trata de como as
mentes ativam os corpos.
Algumas analogias que usamos são analogias próprias, porque são imagens
diretas do que o aspecto incorpóreo representa. Um exemplo bem simples é o da prática
da Oração de Jesus na Igreja Ortodoxa, “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende
piedade de mim, pecador”. Na prática tradicional, o monge olha para o próprio umbigo,
ou para o próprio centro, e, então, inspirar na primeira parte da oração e expirar na
segunda; através desse ritmo de respiração, tenta fazer com que a oração entre no
coração, alinhando-se com as batidas do coração, que, de certa forma, tornam-se a
oração, por um lado, há a ação física — a repetição da oração, a respiração, a postura
firme, o olhar para o centro — e, por outro lado, a ação sutil, que é fazer a oração entrar
no centro do próprio ser, substituir todos os pensamentos fugidios e distrativos do ser
por essa oração. A ação física se alinha com ação sutil de levar a Oração de Jesus ao
próprio centro, substituindo os próprios pensamentos, paixões, e caos com ela, de modo
que ela se torne o padrão básico segundo o qual o praticante existe; o padrão mesmo
da oração é o padrão segundo o qual o praticante deve existir, — uma invocação do
Cristo, uma invocação do ideal, e um reconhecimento da própria distância do ideal.
Analogias não são arbitrárias, elas são importantes e, muitas vezes, podem ser
bastante estreitas; isso significa algo bastante difícil para um materialista ou modernista
entender: quando alguém experimenta esse tipo de ser sutil, é possível que o
experimente de maneira bastante similar a uma visão, ou a uma audição, ou a uma
manifestação física, porque a analogia entre a manifestação física e o sentido espiritual
não é arbitrária. O que isso significa é que é possível ver um anjo, é possível ouvir um
anjo, e assim por diante, — tudo isso é possível, e a maneira como acontece é através
de uma espécie de analogia, que aponta para a verdadeira incorporalidade e para a
verdadeira realidade espiritual.
Há uma história de um missionário que foi para um país de Terceiro Mundo
conviver com um povo de cultura mais tradicional e as pessoas do povo disseram para
ele que uma deusa estava aparecendo em determinado lugar; elas o levaram para o
lugar em que ela estava se manifestando, uma praia, mas o missionário não a via.
Poderíamos chegar a uma de duas conclusões: ou a população, que estava vendo
a deusa, na verdade estava iludida como um todo; ou essas pessoas haviam aprendido
a notar padrões sutis na realidade através de que eram capazes de ver, com o Olho do
Coração, a agência que se manifestava diante delas como sua deusa. A segunda opção
é completamente possível, e não contradiz a causalidade material, só enfatiza a
capacidade de percepção dos padrões sutis que se manifestam no mundo.

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