Você está na página 1de 4

Artigo – Travessia

Haikai domingo
Menino brincando numa bicicleta,
Ousadia temperada por emoções contrastantes,
Vida em equilíbrio...

Meu insta hj:


Se não podemos escolher o que viver, podemos escolher como viver
Entredoismundos
Vida equilibrada
Haikai – espiritualidade
Raios de sol que aquece o mundo
Sorriso de uma criança que encanta a vida,
Intersomos.

Espiritualidade –  modo de ser, força para viver


Prologo
Quando você trabalha e age espiritualmente, não há poder maior que você.
Vandana Shiva

Os evangelhos da tradição cristã abrem suas páginas com a descrição de uma história empolgante...
Magos do oriente. Homens que tinham seus corações seduzidos e inquietados pelos silêncios dos espaços infinitos do cosmo,
que se estendia sobre suas cabeças.
Impelidos pelos estudos de textos sagrados e pela intuição de suas almas, põem se em marcha...na ânsia de poder contemplar
o divino que veio habitar a terra.
No caminho uma estrela brilha no horizonte escuro das suas noites. Conduz  e sustenta seus passos, em meio a desafios e
provações, até o lugar onde no coração do silêncio e do despojamento encontram o divino amamentando-se no seio de sua mãe.

Nas entrelinhas desta história fervilham muitas provocações ao nosso entendimento. Sobretudo a adquirimos um olhar
especial, no qual nos percebermos – e nossa própria vida – inseridos numa mística existencial, em que o divino, o humano, o terreno e
o universo se entrelaçam na mesma ciranda da vida.
O olhar espiritual...

Introdução (imagem: espiritualidade nos temos atuais)

Mas,
                           faz sentido falar de espiritualidade no mundo de hoje...
 em que a tecno-ciência nos fascina a cada dia e instante com seus constantes, velozes e inesperados “milagres’ de
descobertas e invenções;
 onde os suspiros da alma por felicidade são sufocados pelo consumismo materialista;
 em que vivemos uma estranha esquizofrenia coletiva, sendo que ao mesmo tempo em que estamos tão conectados pelas
mídias sociais, definhamo-nos em solidão e nos sentimos separados do colo do  universo;
 onde profecias, sonhos e utopias são tratados com medicamentos para cura de nossa loucura?
Se faz... 
 como falar deste assunto nesta nossa era comum, que prefere viver mais a partir do chão concreto de suas experiências, do
que se interessar por contos do vigário sobre uma realidade que escapa a seu entendimento e sensações corporais?
Queremos, pois, com este artigo, aventurarmos pela complexa, oceânica e fascinante dimensão da espiritualidade...
não tanto para justificar sua necessidade para a condução de nossas vidas nos tempos atuais, mas para mostrar ser ela uma força
tão essencial à nossa existência como a da gravidade, eletromagnetismo ou sexual.
Uma forma de inteligência através da qual compreendemos os mistérios que atravessa a realidade que fundamenta nosso existir.
Para tal, vamos percorrer o seguinte caminho:
- Entender o que é a espiritualidade a partir de uma visão holística, que nos envolve desde nossa base biológica, nossos laços de
interdependência e nosso agir cotidiano;
- Abordar a complexidade do ser humano na perspectiva de um novo olhar antropológico, que identifica em sua estrutura três
dimensões fundamentais: exterioridade, interioridade e profundeza.
- Apontar três caminhos para o cultivo de uma espiritualidade libertadora;
- Identificar três modos de alimentarmos a nossa espiritualidade no cotidiano de nossas vidas
- e deixarmos um provocação inconclusiva que evidencia a espiritualidade como uma força necessário para fazermos a
transformação que desejamos na nossa vida.
Pelo espírito, Somos todos Um (imagem: somos todos um)

Espiritualidade vem da palavra Espírito. 


Na tradição bíblica espírito é ruah, o sopro divino, a energia primordial com a qual tudo foi criado. Logo, é vida, dinamismo,
propósito e interação entre todos os seres vivos. Princípio de unidade sagrada do ser humano, como uma coexistência dinâmica,
interconectada e interligada de matéria, energia e espírito.
 Podemos intuir, assim, o espírito como sendo uma dimensão profunda e fundamental de cada um de nós. Realidade
vivencial, tão essencial quanto a respiração, que atravessa nosso modo de existir e ser, desde a nossa base biológica.
Pesquisas recentes, do final do século XX, conduzidas pelos neuropsicólogos Michael Persinger e V.S Ramachandra, pelo
neurologista Wolf Singer, pelo neurolinguista Terrence Deacon e por técnicos usando scanners modernos para fazer imagens cerebrais
detectaram o que eles chamaram de o ponto de Deus no cérebro. 
Num estado místico, conforme estes estudiosos, temos uma excitação detectável acima do normal nos lóbulos frontais
cerebral. Esses lóbulos são ligados ao sistema límbico, o centro das emoções e valores. O que indica que a estimulação do ponto de
Deus não está ligada a uma ideia ou pensamento, mas a fatores emocionais e experienciais, ou seja, a uma espiritualidade viva.
Deste então, fica claro para nós que espiritualidade tem nada a ver com o entendimento dominante, o qual afirma que o ser
humano é composto dualístico de corpo e alma, mateira e espírito. 
Espiritualidade supõe concebermo-nos como um todo holístico e integrado: conosco mesmos, com os outros, o universo e
coma Fonte Criadora de tudo que há (presente desde nossas medulas até nas estrelas mais distantes).

Modo de ser e viver (imagem: espiritualidade no dia a dia)

Numa visão fragmentada, cultivar a espiritualidade significa adubar um aspecto do ser humano, o espírito, seja pela
meditação ou oração para que se possa achar o “Eu” mais profundo, ou Deus. O que por vezes, implica num distanciamento do
material ou da dimensão corporal. Sendo necessário que nos recolhemos em espaços onde possamos encontrar condições de silencio,
paz e tranquilidade para praticarmos a interiorização.
De certa forma, esse entendimento tem o seu valor. Pois, certamente o silêncio e a solidão têm uma relevância no cultivo do
espírito. Algumas vezes também ajudam a parar nossas atividades cotidianas para que possamos imprimir novas perspectivas ao nosso
agir.
Entretanto, essa visão fragmentada que separa o corpo do espírito nos leva ao entendimento da espiritualidade como uma
tarefa entre outras que temos na vida. Por ser fundamentalmente reducionista, falha em explorar a riqueza humana quando esta deve
ser entendido de forma holística.
A espiritualidade não deve ser apenas compreendida como uma maneira de viver certos momentos da vida, mas, como no
dizer de Panikar, uma experiência integral da vida. Uma atitude fundamental a ser vivida a todo momento e em todas as
circunstâncias. Seja na
 Arrumação da casa,
 Trabalhando,
 Dirigindo um carro,
 Numa mesa de bar, conversando com os amigos,
 Experimentando um momento íntimo com nossos entes amados,

As pessoas que criam espaço para o profundo e para o espiritual se tornam centradas, serenas e cheias de paz. Elas irradiam
vitalidade e entusiasmo, onde estão ou naquilo que fazem, porque têm Deus dentro de si. Esse Deus é amor, o qual, nas palavras de
Dante, move os céus, as estrelas e nossos próprios corações.

Três dimensões – o tao 423 (imagem homo trivuniano)


Este modo de perceber a espiritualidade, como uma experiência holística da vida, supõe também enxergarmos a nós, seres
humanos, como um todo complexo. Ou seja, não deve haver justaposição de partes constitutivas do nosso ser, pois tudo em nós está
dinamicamente entrelaçado, compondo um sistema vivo, interconectado e harmônico. 
Percebermo-nos, portanto, como uma sinfonia ou constelação de múltiplos fatores, dimensões e interconexões. Entretanto, há
uma coerência única que sustenta esta complexidade do nosso ser, que podemos identificar em três dimensões fundamentais: a
exterioridade, a interioridade e a profundeza.

A exterioridade: corporificação 

A exterioridade podemos referi la como a nossa dimensão corporal.


     Somos, pelo nosso corpo, um todo imerso no tempo e no espaço. Um sistema vivo, que de modo sucinto pode ser identificado
como,
 Um animal do filo vertebrado, da classe dos mamíferos, da ordem dos primatas, da família dos hominídeos, do gênero homo
e espécie sapiens. Dotado de um corpo com mais de cem trilhões de células, continuamente renovadas por seu sistema
genético, ao longo do curso de 3,8 milhões de anos de historia evolutiva.
 Um ser possuidor de um cérebro complexo consistindo de aproximadamente cem bilhões de neurônios, que nas suas partes
constitutivas controla nossas ações instintivas, emoções e nossa capacidade de conceitualização e pensamento abstrato;
 Um ser dotado de sentimentos, inteligência, amor, compaixão e êxtase
Nosso corpo como um todo, vive numa complexidade de relacionamentos interconectados que se interiorizam e
exteriorizam.  Com o cosmo, a natureza, sociedade, outros seres, e com a realidade que inclui e sustenta todos eles: o ar que
respiramos, o alimento que nos nutre, as roupas que usamos, e as energias que revitalizam nossos corpos.
A interioridade: a psique/mente humana

A interioridade é composta pelo nosso universo psíquico (da nossa mente), tão complexo quanto o mundo exterior. Uma vez
habitado por impulsos, desejos, paixões, poderosas imagens e arquétipos ancestrais.
Os desejos são possivelmente as estruturas mais básicas da nossa psique. Na sua dinâmica parece não ter limites. Por isso,
como possuidores de desejos, simplesmente não desejamos isto ou aquilo, nós desejamos tudo e o Todo.
Do ponto de vista da espiritualidade, o objeto secreto e constante do nosso desejo é Ser na totalidade. 
A tentação, entretanto, é identificar o Ser com uma de suas manifestações: beleza, bens, dinheiro, saúde, carreira, um ente
amado, filhos e assim por adiante. Quando isso ocorre, uma fixação com o objeto do desejo se forma, somos sequestrados pela ilusão
da identificação do Ser ilimitado com as coisas finitas.
Daí ocorre uma sensação de frustração e de fracasso, porque a dinâmica espiritual do desejo é caracterizada por querer tudo e
não apenas uma parte. Consequentemente, um sentimento de não realização ocorre e, com isso, o vazio existencial.
Como seres humanos precisamos tomar cuidado para guiarmos nossos desejos pelo labirinto dos vários objetos em foco, sem,
contudo, perder a referência à totalidade do Ser. O Infinito ou a Fonte da Realidade, que normalmente chamamos de Deus, onde
encontramos descanso e sentido para as inquietações do nosso coração.

A profundeza: o espírito
Nós também possuímos uma profundeza. 
Temos a capacidade de ir além das meras aparências, do que vemos, escutamos, pensamos e amamos. Para habitarmos o
outro lado das coisas, suas profundezas, onde elas, mais do que coisas, possuem uma dimensão adicional: símbolos ou metáforas para
outra realidade, que as transcende e que elas relembram, apresentam e identificam.
Nós seres humanos percebemos valores e significados e não apenas eventos e ações. O que realmente conta não são as coisas
que acontecem conosco, mas o que elas significam para nossas vidas e as experiências que elas nos dão. Tudo o que acontece tem um
caráter simbólico, sacramental. 
Assim,
 uma montanha é, para nós, mais que uma montanha, transmite o significado do majestoso;
 o mar evoca a grandiosidade,
 o céu estrelado reflete a imensidão,
 uma fotografia recorda uma pessoa amada,
 e os olhos profundos de uma criança revela o mistério da vida
Perceber a profundidade do mundo e de todas as coisas, bem como a nossa própria, constitui o que chamamos de espírito.
Este não é apenas parte do nosso ser, mas expressão daquele momento de consciência pelo qual vivenciamos o significado e valor de
todas as coisas. 
É também aquele estado de consciência pelo qual percebemos o todo e que somos partes integral dele. Pois, nos permite
experimentar a não dualidade. A experiência de estarmos ligados e religados (a raiz da palavra religião) uns aos outros e todos à Fonte
Originária. 
Unidos pelo fio de energia, de vida e significado, tornando-nos um cosmo ao invés de caos, uma sinfonia composta pelo
entrelaçamento de tons diversos. 
Uma planta não é algo que está somente à minha frente, ela é uma ressonância, um símbolo e um valor dentro de mim.
Reconheço dentro de mim dimensões montanhosas, vegetais, animais, humanas, estelares e divinas. Tudo se torna permeado de
veneração e pelo sagrado.
Nós, enquanto seres humanos, somos únicos porque temos a capacidade de experimentar nossa profundeza. Nos
conscientizando da Presença que sempre nos acompanha, do Centro ao redor do qual organizarmos nossa vida interior e que se torna
fonte de inspiração e realização para os grandes sonhos, e dá significado à vida.
Estamos falando de uma energia primordial e originária que tem o mesmo direito de existir que outras energias: como a
sexual, emocional ou intelectual, que são partes de nosso ser. Essa profundeza dentro de nós representa a nossa condição espiritual e é
também chamada de espiritualidade.

Caminhos para o cultivo da espiritualidade libertadora (imagem: espiritualidade libertadora)


Para nutrirmos nossa dimensão espiritual, não temos que necessariamente professar um credo ou aderir a uma religião. Pois
ela não é monopólio de ninguém e nenhuma instituição. Encontra-se radicada no íntimo de todas as pessoas e em todos os estágios da
nossa existência.
Por tanto, não é algo que devemos buscar num céu distante, mas dentro de nós e a partir da radicalidade de nossa realidade
vivencial.
Em termo práticos e pedagógico, podemos falar de três caminhos possíveis pelos quais podemos experimentar esta energia
libertadora, como fonte de amadurecimento para uma existência de mais realização e comprometimento com o bem-viver de toda
forma de vida na sua biodiversidade.

1. Autoconhecimento 
Todas as grandes tradições religiosas nos ensinam que o caminho para Deus começa com o conhecimento de nós mesmos.
Toda fala sobre espiritualidade que se pretenda autentica deve, portanto, partir do chão do coração do ser humano, pulsante
de paixões e desejos.
Por isso, Tereza de Ávila, grande expressão de santidade da tradição cristã católica, nos ensina que a melhor maneira de se
chegar ao conhecimento de Deus é o auto conhecimento ao dizer que: “não penseis que havereis de entrar no céu, sem
primeiro entrar dentro de vós mesmos e considerar vossas misérias”
2. Experiência do Amor
Como já vimos, espiritualidade não tem a ver com o movimento da razão, mas, como lembra Pascal, com um assentimento
do coração. 
É uma experiência profunda de amor e liberdade. De amar e ser amado. Algo que nasce de dentro para fora, de baixo para
cima. Nos incendeia, transfigura e fortalece.
 
3. Compromisso com o outro 
Este amor experimentado espiritualmente torna-se serviço ao outro, seja outra pessoa ou forma de vida (animal ou vegetal)
que nos interpele. Aqui reside a autenticidade de nossa espiritualidade.
Pois, uma vivência espiritual que não nos faça sentir pertencentes a um todo maior e comprometidos com o bem comum,
pode ser alienação e/ou fuga de nós mesmos e do mundo.

Podemos alimentar nossa espiritualidade através de três fontes preciosas:

1. Meditação
Comum em todas a tradições religiosas e também presente fora delas, a meditação é a abertura do coração... onde podemos
saborear o amor que nos criou, recria em cada aurora e sustenta e conduz em meio as venturas e desventuras do dia-a-dia.
É o momento de não fazer nada, baixarmos a guarda das nossas resistências e nos entregarmos... simplesmente  deixar Deus
ser e agir em nós e através de nós. 

2. Compaixão
Compaixão é o amor na sua feição mais radical, a misericórdia, que fundamenta a insustentável leveza do nosso ser.
Compaixão por nós mesmos: sendo mais gratos pelo que somos e temos, e deixando de nos culpar e condenar tanto pelos
nossos erros.
Compaixão pelos outros: sendo capazes de estar ao lado dos que sofrem ou são vítimas de algum preconceito, respeitando
suas dores e angustias.

3. Solidariedade
Pela solidariedade reconhecemos que somos todos um. Estamos, em meio à diversidade de formas e essências, interligados e
tudo o que fazemos ressoa em nós, nos outros e no universo.
Por isso, nossas relações devem estar pautadas pelo cuidado, como uma forma de espiritualidade ativa, que nos faz honrar a
existência da vida que viceja dentro e em torno nós.

Conclusão
Cultivar nossa dimensão espiritual, longe de ser (como muitos pensam) uma alienação ou fuga do mundo, do nosso corpo,
sentidos e emoções, supõe nos entranharmos para dentro de nós mesmos e da realidade que nos cerca. Para sentir as vibrações de
nosso corpo, as erupções dos nossos sentidos e emoções e nos percebermos como um nexo pertencente a uma imensa vida que,
generosamente, reluz dentro e em torno a nós.
Como uma força/energia criativa, dinâmica e que nos interconecta numa teia de relações micro e macrocósmicas, a
espiritualidade é também, conforme nos fala How Gadaner e James Willians, uma forma de inteligência do mundo. Um modo de
perceber a realidade e a nós mesmos, a partir de e para além daquilo que é trivial e cotidiano. 
Uma subversão do olhar que nos faz enxergar (e nos conectar com)

 O infinito que habita nossa finitude


 O milagre diário da vida escondido nos detalhes de cada instante
 A força oculta presente em nossos pequenos gestos de gentileza e cuidado
 os significados submersos nas tramas absurdas que o teatro da existência nos desvela em cada ato
   A espiritualidade, portanto, ressalta Vandana Shiva, nos da força para fazermos a transformação necessária em direção a uma
vida resignificada  e sustentável. Pois, quando trabalhamos e agimos espiritualmente, somos capazes de expandir nossas próprias
possibilidades.

Fontes
O Tao da Libertação – explorando a Ecologia da transformação
A mística do instante presente – o tempo e a promessa
Canal do  Youtube  IESH – Video: Espiritualidade, com vive-la – reflexões de Padre Domingos Cunha
Canal do Youtube  Paz e Bem - Vídeo
Youtube Vandana Shiva – espiritualidade é poder

Você também pode gostar