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Haikai domingo
Menino brincando numa bicicleta,
Ousadia temperada por emoções contrastantes,
Vida em equilíbrio...
Os evangelhos da tradição cristã abrem suas páginas com a descrição de uma história empolgante...
Magos do oriente. Homens que tinham seus corações seduzidos e inquietados pelos silêncios dos espaços infinitos do cosmo,
que se estendia sobre suas cabeças.
Impelidos pelos estudos de textos sagrados e pela intuição de suas almas, põem se em marcha...na ânsia de poder contemplar
o divino que veio habitar a terra.
No caminho uma estrela brilha no horizonte escuro das suas noites. Conduz e sustenta seus passos, em meio a desafios e
provações, até o lugar onde no coração do silêncio e do despojamento encontram o divino amamentando-se no seio de sua mãe.
Nas entrelinhas desta história fervilham muitas provocações ao nosso entendimento. Sobretudo a adquirimos um olhar
especial, no qual nos percebermos – e nossa própria vida – inseridos numa mística existencial, em que o divino, o humano, o terreno e
o universo se entrelaçam na mesma ciranda da vida.
O olhar espiritual...
Mas,
faz sentido falar de espiritualidade no mundo de hoje...
em que a tecno-ciência nos fascina a cada dia e instante com seus constantes, velozes e inesperados “milagres’ de
descobertas e invenções;
onde os suspiros da alma por felicidade são sufocados pelo consumismo materialista;
em que vivemos uma estranha esquizofrenia coletiva, sendo que ao mesmo tempo em que estamos tão conectados pelas
mídias sociais, definhamo-nos em solidão e nos sentimos separados do colo do universo;
onde profecias, sonhos e utopias são tratados com medicamentos para cura de nossa loucura?
Se faz...
como falar deste assunto nesta nossa era comum, que prefere viver mais a partir do chão concreto de suas experiências, do
que se interessar por contos do vigário sobre uma realidade que escapa a seu entendimento e sensações corporais?
Queremos, pois, com este artigo, aventurarmos pela complexa, oceânica e fascinante dimensão da espiritualidade...
não tanto para justificar sua necessidade para a condução de nossas vidas nos tempos atuais, mas para mostrar ser ela uma força
tão essencial à nossa existência como a da gravidade, eletromagnetismo ou sexual.
Uma forma de inteligência através da qual compreendemos os mistérios que atravessa a realidade que fundamenta nosso existir.
Para tal, vamos percorrer o seguinte caminho:
- Entender o que é a espiritualidade a partir de uma visão holística, que nos envolve desde nossa base biológica, nossos laços de
interdependência e nosso agir cotidiano;
- Abordar a complexidade do ser humano na perspectiva de um novo olhar antropológico, que identifica em sua estrutura três
dimensões fundamentais: exterioridade, interioridade e profundeza.
- Apontar três caminhos para o cultivo de uma espiritualidade libertadora;
- Identificar três modos de alimentarmos a nossa espiritualidade no cotidiano de nossas vidas
- e deixarmos um provocação inconclusiva que evidencia a espiritualidade como uma força necessário para fazermos a
transformação que desejamos na nossa vida.
Pelo espírito, Somos todos Um (imagem: somos todos um)
Numa visão fragmentada, cultivar a espiritualidade significa adubar um aspecto do ser humano, o espírito, seja pela
meditação ou oração para que se possa achar o “Eu” mais profundo, ou Deus. O que por vezes, implica num distanciamento do
material ou da dimensão corporal. Sendo necessário que nos recolhemos em espaços onde possamos encontrar condições de silencio,
paz e tranquilidade para praticarmos a interiorização.
De certa forma, esse entendimento tem o seu valor. Pois, certamente o silêncio e a solidão têm uma relevância no cultivo do
espírito. Algumas vezes também ajudam a parar nossas atividades cotidianas para que possamos imprimir novas perspectivas ao nosso
agir.
Entretanto, essa visão fragmentada que separa o corpo do espírito nos leva ao entendimento da espiritualidade como uma
tarefa entre outras que temos na vida. Por ser fundamentalmente reducionista, falha em explorar a riqueza humana quando esta deve
ser entendido de forma holística.
A espiritualidade não deve ser apenas compreendida como uma maneira de viver certos momentos da vida, mas, como no
dizer de Panikar, uma experiência integral da vida. Uma atitude fundamental a ser vivida a todo momento e em todas as
circunstâncias. Seja na
Arrumação da casa,
Trabalhando,
Dirigindo um carro,
Numa mesa de bar, conversando com os amigos,
Experimentando um momento íntimo com nossos entes amados,
As pessoas que criam espaço para o profundo e para o espiritual se tornam centradas, serenas e cheias de paz. Elas irradiam
vitalidade e entusiasmo, onde estão ou naquilo que fazem, porque têm Deus dentro de si. Esse Deus é amor, o qual, nas palavras de
Dante, move os céus, as estrelas e nossos próprios corações.
A exterioridade: corporificação
A interioridade é composta pelo nosso universo psíquico (da nossa mente), tão complexo quanto o mundo exterior. Uma vez
habitado por impulsos, desejos, paixões, poderosas imagens e arquétipos ancestrais.
Os desejos são possivelmente as estruturas mais básicas da nossa psique. Na sua dinâmica parece não ter limites. Por isso,
como possuidores de desejos, simplesmente não desejamos isto ou aquilo, nós desejamos tudo e o Todo.
Do ponto de vista da espiritualidade, o objeto secreto e constante do nosso desejo é Ser na totalidade.
A tentação, entretanto, é identificar o Ser com uma de suas manifestações: beleza, bens, dinheiro, saúde, carreira, um ente
amado, filhos e assim por adiante. Quando isso ocorre, uma fixação com o objeto do desejo se forma, somos sequestrados pela ilusão
da identificação do Ser ilimitado com as coisas finitas.
Daí ocorre uma sensação de frustração e de fracasso, porque a dinâmica espiritual do desejo é caracterizada por querer tudo e
não apenas uma parte. Consequentemente, um sentimento de não realização ocorre e, com isso, o vazio existencial.
Como seres humanos precisamos tomar cuidado para guiarmos nossos desejos pelo labirinto dos vários objetos em foco, sem,
contudo, perder a referência à totalidade do Ser. O Infinito ou a Fonte da Realidade, que normalmente chamamos de Deus, onde
encontramos descanso e sentido para as inquietações do nosso coração.
A profundeza: o espírito
Nós também possuímos uma profundeza.
Temos a capacidade de ir além das meras aparências, do que vemos, escutamos, pensamos e amamos. Para habitarmos o
outro lado das coisas, suas profundezas, onde elas, mais do que coisas, possuem uma dimensão adicional: símbolos ou metáforas para
outra realidade, que as transcende e que elas relembram, apresentam e identificam.
Nós seres humanos percebemos valores e significados e não apenas eventos e ações. O que realmente conta não são as coisas
que acontecem conosco, mas o que elas significam para nossas vidas e as experiências que elas nos dão. Tudo o que acontece tem um
caráter simbólico, sacramental.
Assim,
uma montanha é, para nós, mais que uma montanha, transmite o significado do majestoso;
o mar evoca a grandiosidade,
o céu estrelado reflete a imensidão,
uma fotografia recorda uma pessoa amada,
e os olhos profundos de uma criança revela o mistério da vida
Perceber a profundidade do mundo e de todas as coisas, bem como a nossa própria, constitui o que chamamos de espírito.
Este não é apenas parte do nosso ser, mas expressão daquele momento de consciência pelo qual vivenciamos o significado e valor de
todas as coisas.
É também aquele estado de consciência pelo qual percebemos o todo e que somos partes integral dele. Pois, nos permite
experimentar a não dualidade. A experiência de estarmos ligados e religados (a raiz da palavra religião) uns aos outros e todos à Fonte
Originária.
Unidos pelo fio de energia, de vida e significado, tornando-nos um cosmo ao invés de caos, uma sinfonia composta pelo
entrelaçamento de tons diversos.
Uma planta não é algo que está somente à minha frente, ela é uma ressonância, um símbolo e um valor dentro de mim.
Reconheço dentro de mim dimensões montanhosas, vegetais, animais, humanas, estelares e divinas. Tudo se torna permeado de
veneração e pelo sagrado.
Nós, enquanto seres humanos, somos únicos porque temos a capacidade de experimentar nossa profundeza. Nos
conscientizando da Presença que sempre nos acompanha, do Centro ao redor do qual organizarmos nossa vida interior e que se torna
fonte de inspiração e realização para os grandes sonhos, e dá significado à vida.
Estamos falando de uma energia primordial e originária que tem o mesmo direito de existir que outras energias: como a
sexual, emocional ou intelectual, que são partes de nosso ser. Essa profundeza dentro de nós representa a nossa condição espiritual e é
também chamada de espiritualidade.
1. Autoconhecimento
Todas as grandes tradições religiosas nos ensinam que o caminho para Deus começa com o conhecimento de nós mesmos.
Toda fala sobre espiritualidade que se pretenda autentica deve, portanto, partir do chão do coração do ser humano, pulsante
de paixões e desejos.
Por isso, Tereza de Ávila, grande expressão de santidade da tradição cristã católica, nos ensina que a melhor maneira de se
chegar ao conhecimento de Deus é o auto conhecimento ao dizer que: “não penseis que havereis de entrar no céu, sem
primeiro entrar dentro de vós mesmos e considerar vossas misérias”
2. Experiência do Amor
Como já vimos, espiritualidade não tem a ver com o movimento da razão, mas, como lembra Pascal, com um assentimento
do coração.
É uma experiência profunda de amor e liberdade. De amar e ser amado. Algo que nasce de dentro para fora, de baixo para
cima. Nos incendeia, transfigura e fortalece.
3. Compromisso com o outro
Este amor experimentado espiritualmente torna-se serviço ao outro, seja outra pessoa ou forma de vida (animal ou vegetal)
que nos interpele. Aqui reside a autenticidade de nossa espiritualidade.
Pois, uma vivência espiritual que não nos faça sentir pertencentes a um todo maior e comprometidos com o bem comum,
pode ser alienação e/ou fuga de nós mesmos e do mundo.
1. Meditação
Comum em todas a tradições religiosas e também presente fora delas, a meditação é a abertura do coração... onde podemos
saborear o amor que nos criou, recria em cada aurora e sustenta e conduz em meio as venturas e desventuras do dia-a-dia.
É o momento de não fazer nada, baixarmos a guarda das nossas resistências e nos entregarmos... simplesmente deixar Deus
ser e agir em nós e através de nós.
2. Compaixão
Compaixão é o amor na sua feição mais radical, a misericórdia, que fundamenta a insustentável leveza do nosso ser.
Compaixão por nós mesmos: sendo mais gratos pelo que somos e temos, e deixando de nos culpar e condenar tanto pelos
nossos erros.
Compaixão pelos outros: sendo capazes de estar ao lado dos que sofrem ou são vítimas de algum preconceito, respeitando
suas dores e angustias.
3. Solidariedade
Pela solidariedade reconhecemos que somos todos um. Estamos, em meio à diversidade de formas e essências, interligados e
tudo o que fazemos ressoa em nós, nos outros e no universo.
Por isso, nossas relações devem estar pautadas pelo cuidado, como uma forma de espiritualidade ativa, que nos faz honrar a
existência da vida que viceja dentro e em torno nós.
Conclusão
Cultivar nossa dimensão espiritual, longe de ser (como muitos pensam) uma alienação ou fuga do mundo, do nosso corpo,
sentidos e emoções, supõe nos entranharmos para dentro de nós mesmos e da realidade que nos cerca. Para sentir as vibrações de
nosso corpo, as erupções dos nossos sentidos e emoções e nos percebermos como um nexo pertencente a uma imensa vida que,
generosamente, reluz dentro e em torno a nós.
Como uma força/energia criativa, dinâmica e que nos interconecta numa teia de relações micro e macrocósmicas, a
espiritualidade é também, conforme nos fala How Gadaner e James Willians, uma forma de inteligência do mundo. Um modo de
perceber a realidade e a nós mesmos, a partir de e para além daquilo que é trivial e cotidiano.
Uma subversão do olhar que nos faz enxergar (e nos conectar com)
Fontes
O Tao da Libertação – explorando a Ecologia da transformação
A mística do instante presente – o tempo e a promessa
Canal do Youtube IESH – Video: Espiritualidade, com vive-la – reflexões de Padre Domingos Cunha
Canal do Youtube Paz e Bem - Vídeo
Youtube Vandana Shiva – espiritualidade é poder