Você está na página 1de 14

SEMINÁRIO BÍBLICO PALAVRA DA VIDA

JONATHAN DE CARVALHO SAMPAIO

A COGNOSCIBILIDADE DE DEUS

Atibaia, SP
2023
1

INTRODUÇÃO

O ser humano, o ápice da criação de Deus, foi criado à Sua imagem e


semelhança1. Diferentemente de toda a restante criação, o homem é o único capaz
de ser racional, formular opiniões, adquirir conhecimento e ter discernimento.
Entretanto, o homem é limitado, primeiramente por sua condição de criatura e, em
segundo lugar, devido à sua queda. O pecado corrompeu todas as faculdades do ser
humano, distorcendo o que antes era santo, inclusive o seu entendimento acerca de
Deus, o Criador de todas as coisas.
A proposta deste argumento é abordar a ideia de que "a cognoscibilidade de
Deus não é inacessível em decorrência da revelação intencional do próprio Deus".
Como o homem, que é limitado e imperfeito devido ao seu pecado, pode chegar a
conhecer o Deus ilimitado e perfeito. Deus se manifesta à Sua criação, revelando-Se,
para que o homem, por meio desse conhecimento, possa chegar a conhecer a Deus.
Este argumento abordará a natureza da cognoscibilidade do ser humano e, a
partir desse entendimento, examinará a natureza de Deus, que escolhe se revelar de
maneira intencional. Isso com o objetivo de permitir que os seres humanos o
conheçam com base no que Ele se propõe a revelar, a fim de que o homem possa se
relacionar com seu Criador.
Examinaremos perspectivas relacionadas a como o ser humano pode
conhecer a Deus e se posicionar diante Dele. Veremos como a decisão intencional de
Deus de se revelar ao ser humano afeta nossa capacidade de conhecê-Lo e como
isso influencia diretamente o relacionamento entre a criação e o Criador de todas as
coisas.

DESENVOLVIMENTO

A VISÃO APOFÁTICA

A visão apofática, também chamada de via negativa, aponta que a única


maneira do homem vir a conhecer a Deus é olhando para aquilo que Ele não é.
Portanto, nessa visão vemos o ser humano buscando conhecer a Deus, porém, a

1
Gênesis 1.27
2

maneira correta é olhando com uma perspectiva negativa, não com o propósito
depreciativo acerca do Senhor, pois na visão apofática ao buscarmos entender o que
Deus não é, então, desta forma entenderemos e descreveremos o que Ele realmente
é.
Na obra "Teologia Mística" de Pseudo-Dionísio Areopagita2, o autor defende
de maneira bastante clara a visão apofática, enfatizando a inefabilidade de Deus e a
necessidade de se afastar das concepções humanas limitadas ao tentar conhecê-lo,
compreendê-lo e relacionar-se com Ele. Pseudo-Dionísio percebe que, devido à
limitação humana, é incompatível com a natureza limitada do homem compreender
um Deus ilimitado, uma vez que a natureza humana sempre tenderá a atribuir
conceitos e definições finitas a Ele, que é infinito.
Em sua obra, Pseudo-Dionísio aborda a necessidade de o ser humano
superar suas limitações. Segundo ele, para nos aproximarmos de Deus, é essencial
renunciar a todas as concepções finitas e limitadas que temos acerca do Senhor. Isso
requer o reconhecimento de que Deus transcende todas as categorias e faculdades
humanas. Em outras palavras, Deus não pode ser descrito, compreendido ou contido
por meio de palavras, uma vez que nossos conceitos são humanos e representam
apenas uma "imagem" limitada.

"Quanto mais olhamos para cima, mais os discursos se contraem pela


contemplação das coisas inteligíveis; assim, também, agora, ao penetrarmos
na treva superior ao intelecto, já não encontramos discursos breves, mas uma
total ausência de palavras e de pensamentos. Ao contrário, seguindo de cima
para baixo, o discurso se amplia na proporção de descida; agora, todavia,
elevando-se de baixo para cima, contrai-se na proporção da subida,
tornando-se profundamente mudo, para unir-se totalmente ao inefável" 3

Outrossim, o autor ressalta as limitações da linguagem e das concepções


humanas. Ele argumenta que nossa linguagem e nossos pensamentos conceituais
são inadequados para descrever a natureza divina, pois qualquer tentativa do ser
humano de atribuir características antropomórficas a Deus limita e distorce a verdade
divina sobre quem Ele realmente é. Portanto, de acordo com Pseudo-Dionísio, é

2
AREOPAGITA, Pseudo-Dionísio.Teologia Mística: Edição Bilíngue. 2a edição-Edição bilíngue,
revista e ampliada ed. Mauad X, 2021.
3 Teologia Mística: Edição Bilíngue. 2a edição-Edição bilíngue, revista e ampliada ed. Mauad X, 2021.
p.37
3

necessário transcender as limitações da linguagem e da razão para buscar uma


compreensão genuína de Deus.

"Quando afirmávamos Aquele que se encontra além de toda afirmação,


devíamos afirmá-Lo, partindo do que Lhe era mais afim; mas quando
negamos Aquele que se encontra além de toda a negação, temos de negá-
Lo, partindo do que Lhe é mais distante." 4

Ademais, o autor afirma que a visão apofática é uma teologia de mistério e


silêncio, pois essa é a abordagem adequada em relação a Deus. Devemos reconhecer
que a verdade divina é tão profunda e insondável que não pode ser plenamente
compreendida ou expressa por meio de palavras. Portanto, o silêncio e a
contemplação são formas de nos aproximarmos de Deus. Pseudo-Dionísio argumenta
que o conhecimento divino transcende a razão, e para compreendê-Lo, é necessária
a contemplação silenciosa.
Adicionalmente, o autor aborda a questão da unidade por meio da negação,
defendendo que ao rejeitarmos nossas concepções limitadas sobre Deus, podemos
nos aproximar de uma união mais profunda com o Divino. À medida que nos
desvencilhamos de nossas limitações conceituais, nos tornamos mais receptivos à
presença de Deus em nossas vidas. Pseudo-Dionísio argumenta que a mente
humana, por si só, não é capaz de compreender Deus, mas podemos nos aproximar
dEle ao negar nossos conceitos restritos a seu respeito.

O HOMEM E SUA NATUREZA COGNITIVA

O ser humano é o ponto mais elevado da criação de Deus, sendo criado à sua
imagem e semelhança. Diferentemente do restante da criação, o ser humano foi
dotado da habilidade de pensar e formular opiniões. A capacidade de raciocínio é
exclusiva da humanidade, permitindo-nos cumprir o mandato cultural de Deus, que
envolve cultivar e guardar a criação5. Deus permite que por meio da razão o ser
humano adquira conhecimento através da criação e desenvolva uma cultura,
explorando os recursos que o Senhor concedeu.

4
Teologia Mística: Edição Bilíngue. 2a edição-Edição bilíngue, revista e ampliada. p.39
5 Gênesis 2.15-18
4

Da mesma forma como o pecado afetou toda a criação, corrompendo-a de tal


maneira que o que era anteriormente santo e perfeito se tornou impuro e desagradável
a Deus, também influenciou a razão do homem. Esse impacto se estendeu ao
mandato cultural de desenvolver a cultura, sendo afetado pela corrupção do pecado.
Antes da queda, todo conhecimento adquirido pela cultura do mundo apontava para
Deus, o criador de todas as coisas. No entanto, após a queda, o homem não
experimenta mais um relacionamento harmonioso entre Criador e criatura. Em vez
disso, encontra-se em uma condição de busca de conhecimento para satisfazer suas
necessidades em um mundo destinado à morte, ou seja, para garantir sua própria
sobrevivência.
Diante de sua condição caída, o ser humano busca incansavelmente adquirir
conhecimento para encontrar respostas que preencham o vazio interior, confrontando
seu próprio orgulho e carregando consigo uma lei natural que delineia o que é
considerado bem ou mal. C.S. Lewis, em sua obra "Cristianismo Puro e Simples"6,
afirma que todo ser humano carrega consigo uma Lei Moral Natural, derivando dos
próprios princípios sobre o mundo o que é correto. Assim, enfrenta os desafios do
cotidiano guiado por sua própria Lei Natural.

“Enquanto você for orgulhoso, não poderá conhecer a Deus. Uma pessoa
orgulhosa sempre está desdenhando coisas e pessoas, e, é claro, se você
fica olhando de cima para baixo, não poderá olhar para nada que esteja acima
de você”7

O orgulho da mesma maneira que afasta o homem de conhecer a Deus, faz


com que o seu ego não venha conhecer nem a si mesmo, pois sempre irá buscar na
razão maneiras que venham apontar para o seu propósito aqui na terra, irá buscar a
partir dos seus próprios esforços conhecer como é o mundo fora da caverna8, e que
não sejam sombras refletidas na parede de um mundo corrompido.

“Qualquer conhecimento verdadeiro que possamos ter de nós mesmos será


sempre fruto de revelação, e não mera inteligência. Não há autorreflexão que
seja suficiente para nos levar ao autêntico autoconhecimento. O
conhecimento que Deus tem de nós nos humilha não apenas porque somos
ignorantes com respeito a ele, mas sobretudo poque somos ignorantes com
respeito a nós próprios e, por conseguinte, dependemos dele para saber
realmente quem somos.”9

6
LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. 1a edição ed. Thomas Nelson Brasil, 2017.
7 LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. p.16
8 PLATÃO. A Alegoria da Caverna.
9
MADUREIRA, J. Inteligência Humilhada. 1a edição ed. Edições Vida Nova, 2017. p.43
5

Diante de sua condição como pecador, o homem se percebe limitado até


mesmo em conhecer a si próprio, pois à medida que busca compreender mais sobre
si, mais evidente se torna o vazio em seu coração, do tamanho de Deus. Jonas
Madureira, em sua obra "Inteligência Humilhada", argumenta que o homem só pode
contemplar sua própria imagem através de algum meio, como um espelho, reflexo,
entre outros. Portanto, o ser humano nunca poderá alcançar um conhecimento
completo de si mesmo e do mundo ao seu redor, pois continuamente se reconhecerá
dependente daquele que é a origem de todas as coisas, a razão fundamental por trás
de todo conhecimento.

“Conhecemos, pois, o nosso alcance; somos alguma coisa e não somos tudo.
O que temos de ser nos rouba o conhecimento dos primeiros princípios que
nascem do nada, e o pouco que temos de ser nos oculta a visão do infinito.” 10

A própria natureza pecaminosa impede que o homem, por seus próprios


meios, alcance o conhecimento direto de Deus. Em sua condição de pecador, ele não
pode por si só se aproximar de Deus. Na incessante busca pela sobrevivência, o
homem não encontrará por meio de suas próprias obras a resposta que o conduzirá
à salvação da morte. Isso evidencia a necessidade de uma ação divina que não esteja
ligada ao pecado.

A NATUREZA DE DEUS

Diferentemente do ser humano, que é limitado e pecador, Deus é totalmente


santo, separado do pecado, tudo aquilo que se opõe à sua natureza divina. Ele é
eterno, não tendo início nem fim, existindo em toda a eternidade em sua plenitude,
além do tempo, perfeito em todos os aspectos. Ele é a razão de toda a existência,
sendo Ele a fonte do visível e do invisível11, visto que tudo emana dEle.

“Não está em lugar nenhum este ‘lugar’; e embora nos aproximemos dele e
nos afastemos dele, não está em lugar nenhum, um lugar que não é lugar.
Tu, Verdade, presides em todos os lugares e a todos os que buscam aprender
de Ti, por mais variadas que sejam suas perguntas, Tu dás uma reposta, tudo
em um único momento. Tu dás Tua resposta com clareza, embora nem todos
a ouçam com clareza” 12

10
PASCAL, Blaise. Pensamentos. Montecristo Editora, 2021. p.174
11
Colossenses 1
12
AGOSTINHO, SANTO. Confissões - vol. 2. 1a edição ed. Penkal, 2021. p.71
6

Deus, em Sua eternidade perfeita, é o Criador de tudo o que existe, tanto o


conhecido quanto o desconhecido, habitando toda a vastidão do universo, desde a
menor partícula até a maior, sendo a razão fundamental por trás de todas as coisas.
No âmago de toda a criação, Deus concebe o homem com o propósito de estabelecer
um relacionamento entre Criador e criatura. Ele espera que o ser humano, por meio
de sua capacidade intelectual, honre e glorifique o Senhor em todas as suas atitudes,
reconhecendo a grandeza divina em meio à perfeição da criação.13
No entanto, Deus observa o homem, criado para se relacionar com o Criador,
seguindo na direção oposta à Sua natureza santa. O homem decide pecar, resultando
no completo afastamento daquilo para o qual fora originalmente criado: a relação
íntima com Deus. Como consequência do pecado, tanto o homem quanto toda a
criação são corrompidos, condenando toda a humanidade à morte eterna.

“Pois, enfim, que é o homem na natureza? Um nada em relação ao infinito,


tudo em relação ao nada: um meio entre nada e tudo. Infinitamente afastado
de compreender os extremos, o fim das coisas e o seu princípio estão para
ele invencivelmente ocultos num segredo impenetrável; igualmente incapaz
de ver o nada de onde foi tirado e o infinito que o absorve.”14

Deus, em sua absoluta simplicidade, não é composto de partes, sendo único


e perfeito em todos os aspectos. Ele é o arquétipo perfeito de tudo o que é atribuído
ao seu caráter santo, sendo completamente autônomo, não dependendo de meios
externos para a sua própria existência. Contudo, diante da humanidade corrompida
pelo pecado, Deus, por sua própria asseidade, não necessitaria intervir em relação ao
homem, desprovido do conhecimento sobre si. No entanto, por ser perfeito em todos
os seus atributos, Ele manifesta seu caráter perfeito ao se aproximar do homem,
buscando redimir tudo o que está condenado pelo pecado. Dessa forma, todos podem
vir a conhecer a si mesmos e a Deus, não por seus próprios esforços, mas por
intermédio de Deus.

A REVELAÇÃO DE DEUS AO HOMEM

Deus, sendo perfeito em todos os seus atributos, observa o homem


corrompido pelo pecado, incapaz, por suas próprias forças e obras, de conhecer a

13
1 Coríntios 10.31
14
PASCAL, Blaise. Pensamentos. p.172
7

Deus e estabelecer um relacionamento com o seu Criador. Por sua própria vontade,
Deus opta por se revelar ao homem. Ele faz isso tanto de maneira geral, por meio de
sua criação, quanto especificamente através de seu Filho, que veio à terra para redimir
os pecados. Além disso, revela-se por sua Palavra registrada nas Escrituras.

“Deus não é como nós. Sua sabedoria, seus objetivos, sua escala, de valores,
seu modo de proceder difere tanto do nosso que não temos possibilidade de
comparar nossos caminhos com os seus ou inferi-los por analogia segundo a
ideia que fazemos do homem ideal. Não podemos conhecê-lo a menos que
Ele fale e conte a seu próprio respeito. Mas, a realidade, Ele tem falado. Falou
aos seus profetas e apóstolos e através deles, e tem falado nas palavras e
atos do seu próprio Filho. Através de sua revelação, a que temos acesso
pelas Sagradas Escrituras, podemos formar uma noção verdadeira sobre
Deus; sem ela nunca o faremos. Parece assim que a força positiva do
segundo mandamento é exigir que formemos nossa ideia sobre Deus com
base na sua Santa Palavra e não qualquer outra fonte.” 15

J.I. Packer, em sua obra "O Conhecimento de Deus", afirma que não podemos
verdadeiramente conhecer a Deus a menos que Ele fale e se revele por conta própria.
No entanto, antes mesmo de uma revelação específica ao homem, Deus se deu a
conhecer por meio de sua criação. Mesmo diante da corrupção causada pelo pecado,
Deus continua revelando seu caráter através de seu poder criativo. Os céus declaram
a sua glória proclamando a obra de suas mãos16.
Toda a criação aponta para o Deus Criador de todas as coisas. Apesar de
existirem diversas hipóteses e teorias sobre a ciência do homem e sua relação com o
universo, é somente por meio da criação que qualquer pessoa pode reconhecer um
ser soberano, transcendente ao visível e ao racional, que sustenta tudo o que existe
na palma de sua mão. Porque dEle, e para Ele são todas as coisas.17

“Não há nada sobre a terra que não mostre ou a miséria do homem, ou a


misericórdia de Deus; ou a impotência do homem sem Deus, ou a potência
do homem com Deus. Todo o universo ensina ao homem ou que ele é
corrompido ou que é redimido. Tudo lhe ensina sua grandeza ou sua
miséria.”18

Blaise Pascal afirma em sua obra "Pensamentos" que toda a criação revela a
miséria do homem por ser pecador e estar distante de Deus, sem conhecimento sobre
Aquele que sustenta todas as coisas. No entanto, ao mesmo tempo, mostra a

15
PACKER, J. I. O Conhecimento de Deus. 1a edição ed. Mundo Cristão, 1980. p.41
16
Salmo 19.1
17
Romanos 11.36
18
PASCAL, Blaise. Pensamentos. p.97-98
8

grandeza de um Deus misericordioso que cuida desde os pequenos pássaros até os


seres humanos19, indo ao encontro destes com o propósito de redimi-los.
Deus não se mantém desconhecido para o homem, nem se revela de modo
que seja incompreensível para as faculdades humanas; ao contrário, Ele se manifesta
de maneira clara e acessível para todos os que buscam conhecê-lo. Uma das formas
específicas de revelação divina ocorreu por meio de sua Palavra, utilizando homens
inspirados pelo Espírito como instrumentos para que sua mensagem pudesse ser
conhecida e compreendida. Deus usou uma linguagem humana para transmitir seu
caráter e tornar-se cognoscível pelos seres humanos.

“pois conhecer a Deus é um relacionamento capaz de fazer vibrar o coração


do homem. O que acontece é que o Criador todo-poderoso, o Senhor dos
Exércitos, o grande Deus diante de quem as nações são como uma gota no
oceano, se aproxima e começa a conversar com ele através das palavras e
verdades das Sagradas Escrituras.”20

J.I. Packer, neste trecho fala sobre Deus conversar com o profeta Jeremias,
e destaca que Deus utiliza palavras ao se comunicar com o homem. Assim como duas
pessoas se conhecem por meio de conversas e palavras, Deus se apresenta de
maneira comunicativa para que o homem, por meio do que já está familiarizado, possa
conhecer o Senhor e estabelecer um relacionamento intencional com Ele.
A Bíblia não é apenas um conjunto de livros desconexos ao longo do tempo;
é, na verdade, a revelação progressiva de um Deus fiel que deseja se tornar conhecido
por seu povo. Ele se revela de forma direta a Abraão, estabelecendo uma aliança de
fidelidade com sua descendência e sustentando seu povo ao longo de toda a história.
Deus demonstra sua natureza cognoscível por meio de seus atos, milagres e pelas
palavras que, ao longo do tempo, foram registradas de acordo com sua vontade. Tudo
isso aponta para Jesus, Seu Filho, o próprio Deus encarnado. Jesus não se revela
distante, mas veio à Terra a fim de sofrer como homem e entregar a sua vida em favor
de muitos. Hoje, temos acesso completo às Escrituras e podemos nos aprofundar nas
palavras de um Deus misericordioso, que busca os pecadores e se revela a todos que
o buscam.
Deus se comunica com o homem de maneira compreensível e clara, suas
palavras não se limitam a um período específico da história humana, mas são eternas,

19
Mateus 6
20
PACKER, J. I. O Conhecimento de Deus. p.29
9

falando diretamente aos nossos corações e aplicáveis independentemente da


situação. O homem só pode conhecer a Deus ao procurá-lo em sua revelação para
nós. Hoje, temos a oportunidade de nos dedicar ao estudo de Suas verdades,
buscando um conhecimento cada vez mais profundo deste Deus eterno. Ao crermos
nele, temos a segurança de desfrutar da Sua glória por toda a eternidade.

“Ele é, pois, verdadeiro: tudo instrui o homem de sua condição; mas, é preciso
entendê-lo bem: porque não é verdadeiro que tudo descubra Deus, e não é
verdadeiro que tudo oculte Deus. Mas, é verdadeiro, ao mesmo tempo, que
ele se oculta aos que o tentam e se descobre aos que o procuram; porque os
homens são todos, ao mesmo tempo, indignos de Deus e capazes de Deus:
indignos por sua corrupção, capazes por sua primeira natureza.” 21

Outrossim, Deus, que é a Palavra e a razão de todas as coisas, existem todas


as coisas por meio dele; a própria Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Jesus é
o próprio Deus revelando-se de forma específica ao homem; seu conhecimento não é
meramente racional, mas por meio de Cristo, o conhecimento torna-se visível e
tangível. Sua vida foi perfeita, pois Deus é perfeito, e todas as coisas são feitas por
ele e para ele.
O homem adquire conhecimento por meio de relacionamentos, e Jesus,
durante sua vida na Terra, se relacionou diretamente com o homem, demonstrando
em sua conduta o caráter de um Deus santo, totalmente separado do pecado. Ele é o
exemplo perfeito para todos que buscam conhecer o Senhor. A vida de Cristo se
aproxima da nossa, pois ele foi plenamente humano e enfrentou todas as dificuldades,
porém, em todas as situações, Cristo foi perfeito. Sua vida prática nos revela quem
Deus é, pois podemos observar o exemplo de uma vida santa e testemunhar de perto
a fidelidade de Deus ao entregar sua vida em favor da humanidade, mesmo quando
esta se afastou dele ao pecar.
A obra de Cristo na cruz revela ao homem o conhecimento de Deus, não
apenas por meio da criação ou de suas palavras, mas também ao substituir o homem
e sacrificar sua vida na cruz para a remissão dos pecados. Deus demonstra sua
grandeza ao perdoar os pecados e vencer a morte pela ressurreição, oferecendo ao
homem a possibilidade de conhecer eternamente sua divindade. Por meio de sua
graça, Deus oferece a vida eterna ao lado dele para todos que desejam conhecê-lo.

21
PASCAL, Blaise. Pensamentos. p.97
10

A obra de Cristo na cruz é suficiente para revelar a graça de um Deus acessível a


todos que o buscam.

O CONHECIMENTO DE DEUS

O conhecimento de Deus não é inacessível ao homem, mas se revela


diretamente a ele por meio de suas revelações gerais e específicas. Ao buscar
conhecer a Deus, o homem também obtém compreensão sobre si mesmo e tudo que
o rodeia. O homem só pode se ver através de reflexos, mas em Deus, ele encontra a
razão de todas as coisas, pois tudo emana Dele.

“Para conhecermos a Deus, precisamos sempre de mediações, o que nos


impede de, por nós mesmos, falar sobre Deus de maneira adequada; por sua
vez, para conhecer-nos, Deus não precisa de nenhuma mediação. Ele
sempre tem um conhecimento adequado de todas as coisas, incluindo o de
si mesmo. Isso, por si só, já nos coloca em posição de irredutível inferioridade
a ele. Nada compreendemos sem espelhos, nem a nós mesmos. Não nos
vemos face a face.” 22

Deus é a fonte de todo conhecimento, e Ele se apresenta ao homem de


maneiras antropomórficas e antropofágicas, para que por meio do conhecimento
humano, o homem possa conhecer Deus e seus atributos, tudo de maneira perfeita,
pois Deus é perfeito em todos os seus atributos. Deus, em sua simplicidade e unidade,
se revela em sua trindade, para que a partir do Pai, do Filho e do Espírito, seu ser e
suas obras possam ser testemunhados pelas pessoas, permitindo assim que seu
nome seja honrado e glorificado.

“Conhecemos, pois, o nosso alcance; somos alguma coisa e não somos tudo.
O que temos de ser nos rouba o conhecimento dos primeiros princípios que
nascem do nada, e o pouco que temos de ser nos oculta a visão do infinito.” 23

O homem, por si só, em sua natureza é limitado e indigno de vir a conhecer a


Deus. No entanto, Deus redime todas as coisas, inclusive o conhecimento, e por meio
de Sua revelação intencional, permite ao homem conhecê-lo. Mesmo com as
limitações da natureza pecaminosa, o homem pode reconhecer e afirmar verdades
sobre a natureza de Deus, pois ele se revelou dessa maneira. Tomás de Aquino afirma

22
MADUREIRA, J. Inteligência Humilhada. p.42
23
PASCAL, Blaise. Pensamentos. p.174
11

em sua obra "Suma Teológica"24 que a única maneira apropriada para o homem falar
sobre Deus é por meio de uma linguagem analógica. Ao atribuir características a
Deus, entende-se que há uma proporção entre o que é atribuído às criaturas e o que
é atribuído a Deus, reconhecendo que o que se refere ao Senhor está em uma ordem
elevada, pois ele é perfeito.

“Quis tornar-se perfeitamente cognoscível a estes; e assim, querendo


aparecer a descoberto aos que o procuram de todo o coração, e oculto aos
que o evitam de todo o coração, tempera seu conhecimento, de sorte que deu
marcas de si visíveis aos que o procuram e obscuras aos que não o
procuram.”25

O maior propósito de Deus para o homem desde a sua criação é que, por
meio do desenvolvimento da cultura e em todas as suas atitudes, o homem possa
honrar e glorificar a Deus, exaltando o seu nome. A marca mais visível de Deus na
vida do homem nos dias atuais é a presença do Espírito Santo em todos aqueles que
um dia creram em Jesus como Salvador. Essa presença não apenas possibilita que o
nome de Deus seja proclamado e conhecido por outras pessoas através das suas
obras realizadas, mas também permite ao homem conhecer mais sobre o próprio
Deus. Isso ocorre ao experimentar diariamente a redenção e o desfrutar de um
relacionamento direto e acessível com o Senhor.

CONCLUSÃO

O conhecimento de Deus é alcançável pela humanidade por meio das


revelações gerais e específicas concedidas por ele. Neste estudo, explorou-se a ideia
de que a cognoscibilidade de Deus não é inatingível, uma vez que Ele se revela
intencionalmente à Sua criação. A visão apofática, compreende-se que o homem só
pode adquirir conhecimento de Deus através do entendimento do que Ele não é,
possibilitando uma compreensão mais profunda de sua natureza. No entanto, essa
busca por conhecimento enfrenta as limitações da natureza humana, corrompida pelo
pecado, tornando o homem incapaz de se compreender completamente e dependente
da revelação divina.

24
Tomás de Aquino. Suma Teológica
25
PASCAL, Blaise. Pensamentos. p.95-96
12

A natureza cognitiva do homem, dotado de racionalidade e compreensão, mas


corrompido pelo pecado que distorce seu entendimento sobre Deus e a própria
natureza. Na busca pelo conhecimento, o homem confronta suas limitações e
reconhece sua dependência de Deus para alcançar um entendimento verdadeiro de
si mesmo.
Além disso, a natureza de Deus, perfeito em todos os aspectos, cuja revelação
se manifesta através da criação, das Escrituras e, de maneira suprema, em Cristo.
Deus procura se revelar ao homem, permitindo que, por meio de suas ações e
Palavra, Ele seja conhecido e compreendido, especialmente na pessoa de Jesus
Cristo, que veio à terra para redimir a humanidade e estabelecer um relacionamento
com ela.
A revelação divina é essencial para o conhecimento tanto de Deus quanto do
homem, possibilitando que o homem compreenda a si mesmo e a Deus de forma mais
profunda. Apesar das limitações naturais do homem para conhecer a Deus, a
revelação divina é o meio pelo qual o homem pode compreender a grandeza e a
natureza do Criador.
Portanto, a cognoscibilidade de Deus não está fora do alcance humano; pelo
contrário, ele se revela intencionalmente para que o homem possa conhecê-lo e
estabelecer um relacionamento autêntico com seu Criador, apesar das limitações
impostas pela condição humana.
13

REFERÊNCIAS

AREOPAGITA, Pseudo-Dionísio.Teologia Mística: Edição Bilíngue. 2a edição-Edição


bilíngue, revista e ampliada ed. Mauad X, 2021.

LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. 1a edição ed. Thomas Nelson Brasil,


2017.

PLATÃO. A Alegoria da Caverna.

MADUREIRA, J. Inteligência Humilhada. 1 edição ed. Edições Vida Nova, 2017.


a

PASCAL, Blaise. Pensamentos. Montecristo Editora, 2021.

AGOSTINHO, SANTO. Confissões - vol. 2. 1 edição ed. Penkal, 2021.


a

PACKER, J. I. O Conhecimento de Deus. 1 edição ed. Mundo Cristão, 1980. p.41


a

Tomás de Aquino. Suma Teológica

Você também pode gostar