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Um dia meu filho Ananiel e minhas duas filhas, Lyadia e Ne'ema, invadiram o meu
escritório.
Eles estavam obviamente brigando e muito chateados.
Dava para ver que fui escolhido como o sortudo juiz que resolveria mais um caso
de briga entre irmãos.
Eles gritavam: "Vai você, pergunta você pro papai."
"Não, não! Vai você, vai você!"
Finalmente Ananiel, que tinha cinco anos na época, aceitou o desafio e disse:
"Tá bom, tá bom. Pai, não é verdade que Deus é menino?"
Ne'ema e Lyadia, com oito e nove anos respectivamente, tinham lágrimas nos
olhos.
Eu podia ouvir suas súplicas silenciosas:
"Por favor, não. Por favor, não. Diga que não é verdade. Já é ruim o suficiente que
nosso irmão é menino. Com certeza Deus é menina."
Eu lhes disse:
"Deus não é menino nem menina. Deus está além disso. Podemos falar de Deus
como se Ele fosse um menino. Mas não queremos dizer isso literalmente."
Eles me olhavam espantados e confusos.
Ficamos em silêncio e, então, meu filho gritou: "Você tá errado! Ele é menino!"
E saiu do quarto.
A Torá nos ensina que o primeiro ser humano foi criado à imagem de Deus.
No entanto, o versículo que descreve isso no Gênesis é bem estranho.
Eis a versão da Soncino Press (traduzida para o português), capítulo 1:27:
"E Deus criou o homem à Sua própria imagem, à imagem de Deus Ele o criou;
macho e fêmea Ele os criou."
O primeiro ser humano era "ele" ou "eles"?
A resposta é sim!
O primeiro ser humano era uma única entidade que incluía os dois sexos.
O primeiro ser humano não era realmente masculino; ele ultrapassava os gêneros
— e incluía tanto o masculino como o feminino.
Segundo o Midrash, o primeiro ser humano tinha duas faces — masculina e
feminina.
Mas, porque os dois sexos eram conectados "um atrás do outro" (um na parte da
frente e o outro na parte de trás), eles não podiam se ver e não eram conscientes
de sua unidade.
Nas cerimônias judaicas de casamento, recita-se uma bênção intrigante:
"Bendito sejas Tu, Eterno, nosso Deus, Rei do universo, que criou o ser humano à
Sua imagem."
Parece que essa bênção seria mais apropriada ao nascimento de uma criança do
que a um casamento.
Porém, quando uma criança nasce, não vemos a completa imagem de Deus.
Esta se manifesta apenas quando o masculino e o feminino se unem.
Portanto, Deus não é masculino ou feminino.
Deus está além do "ou isso ou aquilo".
A manifestação de Deus como além do tempo, do espaço e dos seres finitos é
considerada masculina.
A manifestação de Deus como dentro do tempo, do espaço e dos seres finitos é
considerada feminina.
Opressão ou Expressão
A Bíblia fala de Deus em terminologia masculina; já a verdade sobre o lado
feminino de Deus está na Tradição Oral e costumava ser revelada a poucos
escolhidos.
Somente muito depois na história os sábios discutiram esse assunto em público.
Por quê?
Primeiro, porque a tradição educacional judaica passa uma mensagem clara de que
Deus está além de nós e de que não somos Deus.
Se os sábios tivessem apresentado o mistério da imanência Divina muito cedo ao
público, correriam o risco de levar as pessoas a acreditar que elas mesmas são
Deus e que não há sentido nas fronteiras e limitações de tempo e espaço.
As pessoas teriam caído na armadilha do panteísmo.
O homem precisava entender que Deus está além antes de saber que Deus
também Se manifesta dentro de nós.
Há também uma razão moral por que a tradição judaica fala de Deus
predominantemente no masculino.
Um dos objetivos da Torá é guiar a humanidade e nos capacitar a fazer as escolhas
que expressam a nossa qualidade Divina e o nosso verdadeiro "eu interior", o
Divino intrínseco.
Porém, não conseguiremos isso até que dominemos as nossas inclinações egoístas
e subjuguemos alguns de nossos desejos animais.
Por isso, a Torá nos disciplina e nos guia rumo à submissão e à obediência a Deus,
o Rei — o Deus transcendente.
Mas isso apenas nos ajuda a acessar e manifestar nosso verdadeiro eu — o Divino
interior, a Rainha.
Ironicamente, depois de um tempo, a submissão e a obediência a Deus — o poder
além de nós — nos transforma e passa a ser uma expressão de liberdade, uma
experiência elevada da manifestação de Deus como o poder fundamental dentro de
nós.
Inicialmente, ouvimos a voz de um Deus transcendente que nos manda obedecer.
Porém, depois que nos entregamos e obedecemos, ouvimos a mesma voz, mas
agora ela não vem de fora, mas sim de dentro de nós.
É como se a voz Divina falasse também através de nós.
Passamos a estar sintonizados com a voz de Deus falando através da nossa alma,
uma centelha de Deus.
Então os mandamentos não são mais apenas atos de obediência, mas sim a
expressão livre da nossa essência.
Ou seja, quando obedecemos ao desejo de Deus, descobrimos que isso é o que
queremos, porque nosso verdadeiro eu interior é um aspecto da vontade de Deus.
O Talmud traz duas opiniões opostas sobre o que acontecerá com os mandamentos
quando o messias chegar.
Um sábio diz que, como os mandamentos não serão necessários, no futuro eles
serão anulados.
Já outro sábio afirma que, no futuro, os mandamentos ainda serão válidos.
Não há contradição.
No futuro, a humanidade continuará a cumprir os mandamentos, mas não como
atos de obediência ao Deus transcendente, não como mandamentos, mas como a
expressão natural de quem somos — almas, centelhas de Deus.
Segundo a Cabalá, quando não seguimos os mandamentos, é como se
estivéssemos separando a manifestação do Divino interior (a Shechiná) da
manifestação do Divino "exterior" (o Santíssimo).
Quando obedecemos aos mandamentos, é como se uníssemos essas duas
manifestações.
Somos como um interruptor capaz de interromper um circuito que revela a unidade
misteriosa de Deus (superior e inerente), ou capaz de conectar o circuito.
Por isso, a Cabalá nos instrui a recitar antes de cumprir um mandamento: "Com o
propósito de unir o Santíssimo à Shechiná..."
É por meio das nossas escolhas que essa união se revela.
Nosso trabalho é reconhecer a unidade dos dois aspectos do Deus único —
transcendência e imanência — através da livre escolha de obedecer ao
mandamento de Deus.
Isso é exatamente "escolher fazer o que devemos fazer".
O que devemos fazer nos chega como uma ordem exterior.
O que escolhemos é nossa escolha interna.
Quando escolhemos fazer o que devemos fazer, revelamos a unidade da força
Divina dentro de nós com o Divino além de nós.
Assim nos sentimos conectados — um estado de consciência e uma incrível força de
vida nos permeiam.
Novamente eu peço que, por favor, tenha cuidado, porque estamos pisando em
solo perigoso.
Não unimos "partes" de Deus.
Deus não tem partes e já é absolutamente um.
Nosso trabalho e nossas conquistas espirituais são apenas epistemológicas (ou
seja, referentes a percepções) e não ontológicas (referentes à realidade).
Deus é um, era um e sempre será um.
No entanto, essa unidade é oculta e não é percebida, reconhecida ou
experimentada por nós.
Esse é o significado da descrição profética de Zacarias sobre a futura redenção:
"E nesse dia Deus será um e Seu nome será um" (14:9).
Deus é um agora, mas as pessoas não veem, reconhecem ou sentem essa verdade.
É como se tivéssemos um problema temporário nos olhos e sofrêssemos de visão
dupla.
Nosso problema não é para onde olhamos, mas o modo como olhamos — o modo
como percebemos.
Zacarias nos ensina que agora Deus é um, mas Seu nome não é um.
Ainda não reconhecemos ou percebemos a unidade de Deus.
Para nós, ela está oculta.
No futuro, nós a enxergaremos.
Vamos perceber e reconhecer que Seu nome é "Um".
Portanto, a história é, na verdade, uma evolução da consciência — uma aventura
da consciência rumo à realização e ao reconhecimento da unidade de Deus, a
experiência máxima do amor.
Sexualidade espiritual
Há várias alusões sexuais na Cabalá com relação às fases do processo de
consciência que unem, por assim dizer, as manifestações masculinas e femininas de
Deus.
Palavras como beijo, abraço e relação são comuns em obras cabalísticas.
Esse é um dos motivos por que apenas pessoas maduras devem estudar Cabalá.
Caso contrário, essas sagradas metáforas sexuais podem ser desrespeitadas.
Confesso que sinto um grande medo ao escrever estas ideias.
Rezo para que você trate este assunto com grande sensibilidade e reverência.
Ele pode ser facilmente mal compreendido.
Essas alusões sexuais sugerem que a vida é um processo gradual da percepção da
unidade de Deus — a experiência máxima de amor.
Há, o tempo todo, uma cósmica e sagrada sexualidade espiritual em jogo.
Nossa escolha é se participamos ou não dela ao escolhermos um veículo para sua
manifestação.
Como já mencionei, tudo isso é visto sob a nossa perspectiva.
É apenas uma maneira de entender, o melhor que conseguimos, o propósito da
vida e o nosso papel.
Da perspectiva de Deus, há apenas unidade.
Nunca há separação entre o transcendente e o imanente.
Há sempre e somente simples unidade.
Essa é a mensagem oculta por trás da história da criação do primeiro ser humano.
Como notamos, Adão era, originalmente, uma única entidade com duas faces —
masculina e feminina —, e os dois lados eram conectados "frente/verso".
Deus disse: "Não é bom que esteja o homem só; far-lhe-ei uma companheira frente
a ele."
Então Deus trouxe animais a Adão para ver como ele os chamava.
Mas Adão não encontrou um parceiro entre eles e ficou triste.
Deus o fez dormir e, de acordo com a Cabalá e com o Talmud, dividiu-o ao meio,
separando o lado masculino do lado feminino.
Depois Ele os colocou frente a frente.
Embora Adão fosse originalmente um único ser, ele/ela não estava ciente do
verdadeiro significado dessa misteriosa unidade.
Uma vez que ele/ela se dividiu em dois, ele/ela/eles conseguiram se encarar e
escolher se unir, alcançar a consciência da verdadeira união e sentir o êxtase do
amor.
Essa é uma metáfora da história cósmica da vida e indica o propósito da criação.
Ela nos ensina que todos temos um papel na peça universal, cujo tema é o
processo do autoconhecimento Divino.
Nesse processo, a união se torna consciente e é sentida e manifestada como amor.
Deus é um.
Mas Ele sabe que é um?
Deus sente a Sua unidade?
Deus tem a escolha de se tornar um?
A resposta é sim e não.
A resposta está além do "ou isso ou aquilo" da nossa mente lógica.
Nossa missão na vida não é entender essa profunda verdade, mas sim facilitá-la,
vivê-la, senti-la, celebrá-la.
Nossa missão é reconhecer a unidade e revelar o amor.
Nossa missão é perceber que somos fundamentalmente "um" com relação aos
outros e a Deus.
Nosso desafio é perceber que somente o amor é real.
O Livro dos Provérbios (16:4) ensina que Deus criou tudo para Si mesmo.
Porém, o Livro dos Salmos (89:3) traz que a Criação do mundo se baseia no bem e
no amor.
A Criação foi egoísta ou desprendida?
A resposta está além do "ou isso ou aquilo".
A resposta é o amor.
O amor está além do "ou isso ou aquilo" do egoísmo versus desprendimento.
Segundo a Cabala, Deus é um, e nós — apesar da ilusão da nossa separação de
Deus e uns dos outros — estamos incluídos e permeados pela unidade de Deus.
O verdadeiro poder da sexualidade do ser humano está fundamentado no processo
universal da sexualidade espiritual.
Há um desejo de união e revelação de unidade.
Por isso a sexualidade é algo tão potente e deve ser abordada com extremo
respeito.
Segundo a tradição judaica, quando o sexo representa a expressão real do amor,
ele é o sagrado dos sagrados.
De acordo com a Cabalá, se Deus não está no quarto, o sexo é entediante.
A verdadeira satisfação sexual é parte de um serviço espiritual — um veículo para a
expressão da unidade Divina — o amor verdadeiro.
Só então ele se conecta ao circuito universal do autoconhecimento Divino — a
percepção máxima do amor eterno.
Sexualidade sem amor não é verdadeira intimidade, e nunca alcançará as sublimes
elevações do êxtase.
O espelho de Deus
Quando o Livro de Gênesis afirma que Deus criou o homem à Sua imagem, está
tratando sobre a principal questão da vida.
Os pagãos esculpiram imagens de deuses em pedra e madeira, mas o Gênesis nos
diz que nossa verdadeira tarefa é ser um reflexo vivo da imagem de Deus.
A pessoa que é expressão e reflexo de Deus está realmente O servindo.
Na Torá, Deus nos ordena a "andar" em Seus caminhos.
Conforme a interpretação dos sábios, esse mandamento significa que temos de
emular os atributos Divinos, tais como misericórdia, bondade, generosidade e
confiabilidade - visitando doentes, consolando enlutados, cumprindo nossas
promessas e desenvolvendo traços positivos de personalidade.
A pessoa que realmente cultiva essas qualidades e as expressa em ações concretas
se transforma em um reflexo do Divino.
Nosso objetivo como seres humanos é escolher o amor e nos tornar, por assim
dizer, um espelho de Deus.
Mas como podemos fazer isso?
A Torá aborda essa questão e nos mostra o caminho.
Os mandamentos da Torá, que nos chegam por revelação Divina, nos capacitam a
concretizar a imagem Divina que fomos criados para ser e, assim, refletir os
atributos de Deus, conectar o circuito do autoconhecimento de Deus e sentir o
amor.
Por isso meu comportamento não pode ser ditado apenas por mim; deve ser guiado
por Deus.
Fora dos parâmetros dos mandamentos, nem mesmo a sabedoria mais grandiosa e
as mais elevadas práticas espirituais formuladas pelo mestre mais iluminado podem
me capacitar a completar o circuito do autoconhecimento Divino e do amor.
A verdade é que o desejo de encontrar Deus vem de Deus (como veremos no
próximo capítulo).
De algum modo somos participantes de um processo de autoconhecimento Divino e
de amor.
Cada um de nós é um personagem da peça escrita pelo Grande Autor, e servimos
como veículo para o Seu próprio processo de autoconhecimento e realização.
Nossa escolha é se fazemos nosso papel conscientemente, se escolhemos emular
Deus e refletir de volta para Ele a luz da verdadeira unidade.
Na Cabalá, a expressão de Deus e o nosso reflexo da Sua verdade são chamados
respectivamente de "luz direta" e "luz refletida".
Cada personagem da peça pode escolher refletir a luz de Deus e conectar o circuito
de autoconhecimento Divino e de amor.
Isto é servir a Deus — contribuir para facilitar esse processo Divino, por meio do
qual o Um se torna consciente através da livre escolha e é sentido como amor.
O valor das nossas escolhas, portanto, não é medido pela influência que temos no
que acontece à nossa volta, mas pelo que acontece dentro de nós.
O foco das nossas escolhas não deveria ser a mudança do mundo, mas sim uma
mudança interior e a conquista de uma consciência maior da verdade de Deus.
Esse é o único objetivo e a verdadeira conquista na vida.
Lembre-se do que Deus disse no Livro do profeta Jeremias: "Somente aquele que
Me conhece, que faz justiça, pode se orgulhar."
Essa também é a mensagem do versículo em Provérbios (3:6): "Reconheça-O em
todos os seus caminhos."
No entanto, o processo não começa nem termina conosco.
Como revela o Livro de Isaías (44:6): "Eu sou Deus, sou o primeiro e o último, e
não há outro deus [nenhum outro poder] além de Mim."
Da perspectiva do personagem, ele é o assunto, e a história é sobre ele.
Começa e termina com ele.
Mas da perspectiva do Autor, Ele é o assunto e toda a história é só sobre Ele.
O personagem é o veículo para o processo de manifestação e reflexão do Autor.
O verdadeiro sentido da vida do personagem é conquistado quando ele serve de
instrumento para a vida do Autor.
A realização máxima do personagem é vivenciar o Autor.
Nosso serviço a Deus é conectar o circuito de autoconhecimento e realização de
Deus — a experiência do amor.
Nossa maior recompensa é a própria oportunidade de participar e facilitar esse
processo Divino interior.
A recompensa do amor é o amor.
Há uma alusão a esse processo na magnífica obra do Rei Salomão,
O Cântico dos Cânticos, chamado no Talmud de O Santo dos Santos — o sagrado
que misteriosamente inclui vários sagrados.
Esse é o verdadeiro amor, uma unidade que inclui muitos e ainda assim permanece
uma (como Adão, que compreendia os dois sexos).
O drama do qual participamos é a história.
É uma aventura em consciência.
Não começa nem termina conosco; é sobre Deus.
Todos sabemos que a vida não tem sentido ou função a menos que seja o meio
para um grande final além de nós mesmos.
Esse é o caminho dos mandamentos que nos guia em nosso serviço ao Grande Ser
— Deus. (Para saber mais sobre este assunto, veja meu livro Luz Infinita, capítulo
7.)
Nosso papel no drama é assumir a tarefa como anunciada em Deuteronômio
(4:39): "E saberás hoje, e considerarás em teu coração que o Eterno, Ele é o Deus,
em cima nos céus e embaixo na Terra; não há nenhum outro."
O clímax desse drama acontecerá quando todos os personagens finalmente
assumirem a responsabilidade — esse vai ser o momento em que a profecia de
Zacarias será cumprida: "E nesse dia Deus será um e Seu nome será um."
E então saberemos que a vida não foi a minha ou a sua história — foi a história
Dele.
A história é a autobiografia de Deus, auto publicada, para um mercado exclusivo:
Deus.
É escrita por Deus, sobre Deus, em nome de Deus.
Não há como comprar uma cópia dessa autobiografia e colocá-la na estante.
Mas podemos nos identificar como personagens na história, ter um papel na
autobiografia de Deus.
Podemos escolher superar o mal, fazer o bem, amar e nos tornar personagens
conscientes e significativos na Sua história.
Muitas vezes as pessoas dizem: "Se realmente há um Deus, por que Ele não faz
mais milagres? Eu acreditaria em Deus se visse o mar se partir ou algum outro
fenômeno sobrenatural."
Essa questão parte de uma orientação "masculina" com relação a Deus.
Deus, o Milagreiro, faz parte da "história Dele", mas não tem muito a ver com a
"história Dela".
No passado, Deus fez milagres para prevenir algumas tragédias terríveis.
Ele invalidou algumas leis da natureza para fazer a história continuar — do
contrário, ela teria terminado.
Mas esse tipo de intervenção não é o modo ideal pelo qual Deus quer agir.
Ele prefere não fazer milagres.
Ele os faz apenas quando não há outra maneira de garantir que a história continue
ou para mostrar Seu controle sobre a natureza.
As pessoas não mudam realmente ao observar um milagre.
É claro, em um primeiro momento elas ficam bastante tocadas e parecem mudar.
Mas o deslumbramento se vai rapidamente e elas voltam às suas antigas
características.
Esse padrão é recorrente nas histórias da Torá.
Os israelitas presenciaram a milagrosa divisão do mar e foram salvos da destruição
nas mãos do exército egípcio.
No entanto, não muito tempo depois, sua fé se deteriorou e eles começaram a
reclamar das condições de vida no deserto.
Os milagres não mudam as pessoas, somente as pessoas podem mudar a si
mesmas; e para conseguir isso, elas têm de fazer escolhas e ser mais proativas.
Há outra razão por que Deus reluta em fazer milagres.
Isso acontece porque a história da vida é a "história Dela".
A estrela do show é a manifestação progressiva do espírito de Deus na
humanidade.
Os milagres suprimem o crescimento da expressão da Shechiná dentro de nós.
A luz da imanência Divina deve evoluir por meio de nossas escolhas, compromissos
e trabalho duro.
Isso explica o estranho comportamento dos israelitas, que passaram quarenta anos
no deserto lutando com o significado da sua identidade.
O deserto era um lugar milagroso para o povo judeu.
Eles recebiam uma porção diária de maná, o pão celestial que caía diariamente do
céu.
Bebiam água que brotava abundantemente de uma pedra.
Por quarenta anos os israelitas moraram em um milagroso deserto onde tudo
estava de cabeça para baixo.
Geralmente o trigo vem do solo, e a água, do céu, mas por quarenta anos
acontecia o contrário.
No deserto os israelitas viviam em um útero Divino, como um feto cujas
necessidades são completamente supridas.
Mas ainda assim, com todos esses confortos, eles reclamavam e se rebelavam.
Por quê?
Porque sob essas condições milagrosas, seu desenvolvimento interior estava
reduzido.
É como quando vivemos sob a sombra de nossos pais.
Temos uma força incansável que exige ser estabelecida e expressa.
Essa força é a manifestação do nosso Divino interior que deve evoluir e aparecer.
Por isso, o deserto milagroso não era o destino dos israelitas, mas apenas parte do
processo e da jornada.
O destino original era a Terra Prometida.
Mas o engraçado é que quando eles estavam quase chegando, começaram a ter
dúvidas.
Então mandaram um grupo de espiões para averiguar.
Esse grupo voltou depois de uma rápida olhada e disse ao povo que a Terra
Prometida consome seus habitantes.
Ou seja, era um lugar que exigia muito trabalho.
Eles pensaram: "Por que temos de deixar este deserto maravilhoso e ir a uma terra
que requer tanto esforço e trabalho? O que é tão promissor na Terra Prometida?"
Este era o dilema: por um lado, o espírito Divino interior queria se manifestar
através das escolhas, dos esforços e do trabalho deles.
Por isso, eles se ressentiam de todos os brindes do deserto.
Mas era muito bom ter tudo de bandeja e se aquecer à luz de Deus.
Por que eles teriam de se sujar com o trabalho do mundo físico quando podiam
ficar em êxtase, aproveitando o deserto sobrenatural?
Para que deixar a vida no deserto e ir trabalhar?
Essencialmente, essa história captura a real crise de identidade de toda a
humanidade:
"Deus está dentro ou além de nós?"
Somos parte da "história Dele", presenciando como Deus, acima de nós, estala os
dedos, anula as leis da natureza e faz milagres?
Ou somos parte da "história Dela", servindo de veículo para a manifestação do
aspecto do Divino interior, buscando participar de um processo de aperfeiçoamento,
expresso através de nossas lutas, escolhas e esforços?
Mais uma vez a resposta é sim e sim.
Os quarenta anos no deserto foram um período para a revelação da face da
transcendência de Deus, nos mostrando que Deus é o Poder que está acima e além
das leis e das limitações da natureza.
Durante esse período, os israelitas desenvolveram uma crença profunda na
transcendência Divina — Deus Se manifestava como o Santíssimo.
E eles entenderam que não eram Deus.
Mas então chegou o momento da manifestação da face da imanência Divina — o
aspecto de Deus expresso internamente na humanidade.
Essas são as duas faces de Deus, um e único.
O problema da vida milagrosa no deserto era que a luz da transcendência Divina
ocultava a luz da imanência Divina.
E o perigo na Terra Prometida era que a luz da imanência Divina poderia ocultar a
luz da transcendência Divina.
Na Terra Prometida, os israelitas poderiam pensar que todo o sucesso era
realmente seu e não tinha nada a ver com Deus.
O dilema dos israelitas antes de entrar na Terra Prometida lança luz sobre o nosso
dilema atual.
Todo dia testemunhamos avanços incríveis na ciência e na tecnologia.
Nós também somos criadores de mundos.
Parece que estamos ascendendo à condição de deuses.
Vamos deixar que esse poder nos suba à cabeça e nos leve a pensar que somos
deuses e que podemos fazer o que quisermos?
Ou aceitamos humildemente esses poderes como presentes de Deus, sinais da luz
crescente do Divino interior?
Escolheremos fazer a nossa obrigação, obedecer com humildade e seguir os
mandamentos de Deus, conectando, assim, a luz do Divino interior à luz do Divino
"além de tudo"?
Nós nos iludimos e pensamos que a vida é a nossa história, ou chegamos à
compreensão suprema de que tudo faz parte da "história Dele/Dela" e de que a
nossa alegria é servir?
Em suma
Então, Deus é masculino ou feminino?
Agora você sabe a resposta.
A imagem completa de Deus é a unidade do amor — além do "ou isso ou aquilo".
Somos todos parte da aventura Divina em consciência, não importa se escolhemos
saber ou não.
Mas a nossa maior alegria é saber.
Todo pensamento, toda palavra e todo ato pode ser como um fio que conecta ou
desconecta as correntes de consciência que unem as luzes Divinas — exterior e
interior.
Nosso desafio é escolher o amor e vivenciar o mistério elevado da unidade de Deus.
Conseguimos a felicidade verdadeira quando escolhemos completar o circuito da
sabedoria e do autoconhecimento de Deus, deixando a luz do amor brilhar.
Esse é o nosso trabalho, essa é a nossa recompensa.
Continua