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A Vida secreta de Deus – Parte 5

A História de Amor Divina

Um dia meu filho Ananiel e minhas duas filhas, Lyadia e Ne'ema, invadiram o meu
escritório.
Eles estavam obviamente brigando e muito chateados.
Dava para ver que fui escolhido como o sortudo juiz que resolveria mais um caso
de briga entre irmãos.
Eles gritavam: "Vai você, pergunta você pro papai."
"Não, não! Vai você, vai você!"
Finalmente Ananiel, que tinha cinco anos na época, aceitou o desafio e disse:
"Tá bom, tá bom. Pai, não é verdade que Deus é menino?"
Ne'ema e Lyadia, com oito e nove anos respectivamente, tinham lágrimas nos
olhos.
Eu podia ouvir suas súplicas silenciosas:
"Por favor, não. Por favor, não. Diga que não é verdade. Já é ruim o suficiente que
nosso irmão é menino. Com certeza Deus é menina."
Eu lhes disse:
"Deus não é menino nem menina. Deus está além disso. Podemos falar de Deus
como se Ele fosse um menino. Mas não queremos dizer isso literalmente."
Eles me olhavam espantados e confusos.
Ficamos em silêncio e, então, meu filho gritou: "Você tá errado! Ele é menino!"
E saiu do quarto.

Infelizmente, muitos adultos acreditam que Deus é do sexo masculino.


E parece, em uma primeira leitura do Gênesis, que a Torá concorda.
O texto se refere a Deus como "Ele".
Embora a tradição judaica descreva Deus como pai e rei, há também referências a
Deus como "Ela" — mãe ou rainha.
Mas nós, que estamos a par da situação, entendemos que tudo isso é poesia
sagrada.
Nada do que dizemos sobre Deus pode ser interpretado literalmente.
Como já destacamos, segundo a Cabalá, Deus está além de descrições que usam
categorias lógicas definidas como "ou isso ou aquilo".
Vamos analisar agora quais são os aspectos masculinos e quais são os femininos de
Deus.
Muita gente pensa que Deus é infinito.
Não é bem assim.
Infinito é aquilo que continua eternamente no espaço.
Mas Deus criou o espaço e, portanto, não é restrito às leis e limitações deste.
Se descrevemos Deus como infinito, o que queremos mesmo dizer é que Deus está
além do espaço.
Infinito é o oposto de finito, ao passo que "além do espaço" significa "livre das
limitações do espaço".
Deus, que está além do espaço, é livre para ficar além do espaço e dentro dele
simultaneamente.
Portanto, Deus ultrapassa este mundo finito e, ainda assim, é completamente
inerente a cada centímetro da Terra.
Muita gente pensa que Deus é eterno.
Não é bem assim.
Eternidade é aquilo que continua para sempre no tempo.
Mas Deus criou o tempo e, portanto, não é restrito às limitações deste.
Se descrevemos Deus como eterno, o que queremos mesmo dizer é que Deus está
além do tempo.
Eterno é oposto de temporal, ao passo que "além do tempo" significa "livre das
limitações do tempo".
Deus, que está além do tempo, é livre para estar além do tempo e "dentro" dele
simultaneamente.
Portanto, Deus está além do tempo e, ainda assim, está presente em todos os
momentos, preenchendo-os completamente com toda a Sua presença.
E quando dizemos que Deus é um, significa que Deus é "não-dual".
Um é limitado; é o oposto de muitos.
Mas a não-dualidade é livre dos limites de um ou de muitos.
A não-dualidade é livre para estar além de muitos e dentro de muitos.
Por isso, Deus está além de você e de mim e de todos neste mundo, e ainda assim
está dentro de nós.
Como pode o ilimitado ser expresso dentro do limitado?
Como pode o Deus ilimitado ser expresso dentro do tempo, do espaço e dos seres
finitos?
Se o ilimitado não pudesse ser expresso dentro do limitado, isso seria uma
limitação.
A liberdade máxima deve incluir a liberdade de escolher ser restrito.
Do contrário, a liberdade não seria livre, mas sim uma limitação de escolhas — não
se poderia escolher ser restrito ou limitado.
Esse é o significado do princípio cabalístico chamado tsimtsum — a auto contração
Divina.
Segundo a Cabalá, Deus retirou a Sua Luz Infinita para criar um lugar para o
tempo, o espaço e os seres finitos.
Deus então preencheu o tempo, o espaço e a diversidade de seres com uma luz
restrita, para não "sufocar" Sua criação nem obliterar sua existência.
Por isso, de acordo com a Cabalá, Deus é livre para estar além do tempo e
presente em cada momento; além do espaço e ocupando cada centímetro da Terra;
além da multiplicidade e presente em bilhões de seres humanos finitos.
Deus é livre para se manifestar como cem por cento transcendente e também cem
por cento imanente.
Obviamente, trata-se de uma contradição; não é lógico.
Porém, sempre temos de ser lembrados que toda essa explicação é compreendida
do nosso limitado ponto de vista.
Da perspectiva de Deus, não há dois aspectos do Divino.
Apenas quando descrevemos a verdade Divina com a nossa linguagem limitada é
que precisamos falar de modo paradoxal.
Nas palavras de um sábio, a Cabalá não é o caminho do paraíso, mas do paradoxo.
Metaforicamente, dizemos que o Deus único tem duas faces — da transcendência e
da imanência.
A Cabalá explica que a face da transcendência Divina se identifica com o poder do
masculino e é chamada de "o Santíssimo".
A face da imanência Divina se identifica com o poder do feminino e é chamada de
Shechiná — a Presença Divina (ou "Espírito Imanente").
Na Cabalá, o masculino é o poder de separação racional, a habilidade de ver de
fora, como um observador objetivo.
O feminino é o poder de empatia, de intimidade; é a capacidade de sentir uma
situação de dentro, como participante.

A Torá nos ensina que o primeiro ser humano foi criado à imagem de Deus.
No entanto, o versículo que descreve isso no Gênesis é bem estranho.
Eis a versão da Soncino Press (traduzida para o português), capítulo 1:27:
"E Deus criou o homem à Sua própria imagem, à imagem de Deus Ele o criou;
macho e fêmea Ele os criou."
O primeiro ser humano era "ele" ou "eles"?
A resposta é sim!
O primeiro ser humano era uma única entidade que incluía os dois sexos.
O primeiro ser humano não era realmente masculino; ele ultrapassava os gêneros
— e incluía tanto o masculino como o feminino.
Segundo o Midrash, o primeiro ser humano tinha duas faces — masculina e
feminina.
Mas, porque os dois sexos eram conectados "um atrás do outro" (um na parte da
frente e o outro na parte de trás), eles não podiam se ver e não eram conscientes
de sua unidade.
Nas cerimônias judaicas de casamento, recita-se uma bênção intrigante:
"Bendito sejas Tu, Eterno, nosso Deus, Rei do universo, que criou o ser humano à
Sua imagem."
Parece que essa bênção seria mais apropriada ao nascimento de uma criança do
que a um casamento.
Porém, quando uma criança nasce, não vemos a completa imagem de Deus.
Esta se manifesta apenas quando o masculino e o feminino se unem.
Portanto, Deus não é masculino ou feminino.
Deus está além do "ou isso ou aquilo".
A manifestação de Deus como além do tempo, do espaço e dos seres finitos é
considerada masculina.
A manifestação de Deus como dentro do tempo, do espaço e dos seres finitos é
considerada feminina.

Opressão ou Expressão
A Bíblia fala de Deus em terminologia masculina; já a verdade sobre o lado
feminino de Deus está na Tradição Oral e costumava ser revelada a poucos
escolhidos.
Somente muito depois na história os sábios discutiram esse assunto em público.
Por quê?
Primeiro, porque a tradição educacional judaica passa uma mensagem clara de que
Deus está além de nós e de que não somos Deus.
Se os sábios tivessem apresentado o mistério da imanência Divina muito cedo ao
público, correriam o risco de levar as pessoas a acreditar que elas mesmas são
Deus e que não há sentido nas fronteiras e limitações de tempo e espaço.
As pessoas teriam caído na armadilha do panteísmo.
O homem precisava entender que Deus está além antes de saber que Deus
também Se manifesta dentro de nós.
Há também uma razão moral por que a tradição judaica fala de Deus
predominantemente no masculino.
Um dos objetivos da Torá é guiar a humanidade e nos capacitar a fazer as escolhas
que expressam a nossa qualidade Divina e o nosso verdadeiro "eu interior", o
Divino intrínseco.
Porém, não conseguiremos isso até que dominemos as nossas inclinações egoístas
e subjuguemos alguns de nossos desejos animais.
Por isso, a Torá nos disciplina e nos guia rumo à submissão e à obediência a Deus,
o Rei — o Deus transcendente.
Mas isso apenas nos ajuda a acessar e manifestar nosso verdadeiro eu — o Divino
interior, a Rainha.
Ironicamente, depois de um tempo, a submissão e a obediência a Deus — o poder
além de nós — nos transforma e passa a ser uma expressão de liberdade, uma
experiência elevada da manifestação de Deus como o poder fundamental dentro de
nós.
Inicialmente, ouvimos a voz de um Deus transcendente que nos manda obedecer.
Porém, depois que nos entregamos e obedecemos, ouvimos a mesma voz, mas
agora ela não vem de fora, mas sim de dentro de nós.
É como se a voz Divina falasse também através de nós.
Passamos a estar sintonizados com a voz de Deus falando através da nossa alma,
uma centelha de Deus.
Então os mandamentos não são mais apenas atos de obediência, mas sim a
expressão livre da nossa essência.
Ou seja, quando obedecemos ao desejo de Deus, descobrimos que isso é o que
queremos, porque nosso verdadeiro eu interior é um aspecto da vontade de Deus.
O Talmud traz duas opiniões opostas sobre o que acontecerá com os mandamentos
quando o messias chegar.
Um sábio diz que, como os mandamentos não serão necessários, no futuro eles
serão anulados.
Já outro sábio afirma que, no futuro, os mandamentos ainda serão válidos.
Não há contradição.
No futuro, a humanidade continuará a cumprir os mandamentos, mas não como
atos de obediência ao Deus transcendente, não como mandamentos, mas como a
expressão natural de quem somos — almas, centelhas de Deus.
Segundo a Cabalá, quando não seguimos os mandamentos, é como se
estivéssemos separando a manifestação do Divino interior (a Shechiná) da
manifestação do Divino "exterior" (o Santíssimo).
Quando obedecemos aos mandamentos, é como se uníssemos essas duas
manifestações.
Somos como um interruptor capaz de interromper um circuito que revela a unidade
misteriosa de Deus (superior e inerente), ou capaz de conectar o circuito.
Por isso, a Cabalá nos instrui a recitar antes de cumprir um mandamento: "Com o
propósito de unir o Santíssimo à Shechiná..."
É por meio das nossas escolhas que essa união se revela.
Nosso trabalho é reconhecer a unidade dos dois aspectos do Deus único —
transcendência e imanência — através da livre escolha de obedecer ao
mandamento de Deus.
Isso é exatamente "escolher fazer o que devemos fazer".
O que devemos fazer nos chega como uma ordem exterior.
O que escolhemos é nossa escolha interna.
Quando escolhemos fazer o que devemos fazer, revelamos a unidade da força
Divina dentro de nós com o Divino além de nós.
Assim nos sentimos conectados — um estado de consciência e uma incrível força de
vida nos permeiam.
Novamente eu peço que, por favor, tenha cuidado, porque estamos pisando em
solo perigoso.
Não unimos "partes" de Deus.
Deus não tem partes e já é absolutamente um.
Nosso trabalho e nossas conquistas espirituais são apenas epistemológicas (ou
seja, referentes a percepções) e não ontológicas (referentes à realidade).
Deus é um, era um e sempre será um.
No entanto, essa unidade é oculta e não é percebida, reconhecida ou
experimentada por nós.
Esse é o significado da descrição profética de Zacarias sobre a futura redenção:
"E nesse dia Deus será um e Seu nome será um" (14:9).
Deus é um agora, mas as pessoas não veem, reconhecem ou sentem essa verdade.
É como se tivéssemos um problema temporário nos olhos e sofrêssemos de visão
dupla.
Nosso problema não é para onde olhamos, mas o modo como olhamos — o modo
como percebemos.
Zacarias nos ensina que agora Deus é um, mas Seu nome não é um.
Ainda não reconhecemos ou percebemos a unidade de Deus.
Para nós, ela está oculta.
No futuro, nós a enxergaremos.
Vamos perceber e reconhecer que Seu nome é "Um".
Portanto, a história é, na verdade, uma evolução da consciência — uma aventura
da consciência rumo à realização e ao reconhecimento da unidade de Deus, a
experiência máxima do amor.

Sexualidade espiritual
Há várias alusões sexuais na Cabalá com relação às fases do processo de
consciência que unem, por assim dizer, as manifestações masculinas e femininas de
Deus.
Palavras como beijo, abraço e relação são comuns em obras cabalísticas.
Esse é um dos motivos por que apenas pessoas maduras devem estudar Cabalá.
Caso contrário, essas sagradas metáforas sexuais podem ser desrespeitadas.
Confesso que sinto um grande medo ao escrever estas ideias.
Rezo para que você trate este assunto com grande sensibilidade e reverência.
Ele pode ser facilmente mal compreendido.
Essas alusões sexuais sugerem que a vida é um processo gradual da percepção da
unidade de Deus — a experiência máxima de amor.
Há, o tempo todo, uma cósmica e sagrada sexualidade espiritual em jogo.
Nossa escolha é se participamos ou não dela ao escolhermos um veículo para sua
manifestação.
Como já mencionei, tudo isso é visto sob a nossa perspectiva.
É apenas uma maneira de entender, o melhor que conseguimos, o propósito da
vida e o nosso papel.
Da perspectiva de Deus, há apenas unidade.
Nunca há separação entre o transcendente e o imanente.
Há sempre e somente simples unidade.
Essa é a mensagem oculta por trás da história da criação do primeiro ser humano.
Como notamos, Adão era, originalmente, uma única entidade com duas faces —
masculina e feminina —, e os dois lados eram conectados "frente/verso".
Deus disse: "Não é bom que esteja o homem só; far-lhe-ei uma companheira frente
a ele."
Então Deus trouxe animais a Adão para ver como ele os chamava.
Mas Adão não encontrou um parceiro entre eles e ficou triste.
Deus o fez dormir e, de acordo com a Cabalá e com o Talmud, dividiu-o ao meio,
separando o lado masculino do lado feminino.
Depois Ele os colocou frente a frente.
Embora Adão fosse originalmente um único ser, ele/ela não estava ciente do
verdadeiro significado dessa misteriosa unidade.
Uma vez que ele/ela se dividiu em dois, ele/ela/eles conseguiram se encarar e
escolher se unir, alcançar a consciência da verdadeira união e sentir o êxtase do
amor.
Essa é uma metáfora da história cósmica da vida e indica o propósito da criação.
Ela nos ensina que todos temos um papel na peça universal, cujo tema é o
processo do autoconhecimento Divino.
Nesse processo, a união se torna consciente e é sentida e manifestada como amor.
Deus é um.
Mas Ele sabe que é um?
Deus sente a Sua unidade?
Deus tem a escolha de se tornar um?
A resposta é sim e não.
A resposta está além do "ou isso ou aquilo" da nossa mente lógica.
Nossa missão na vida não é entender essa profunda verdade, mas sim facilitá-la,
vivê-la, senti-la, celebrá-la.
Nossa missão é reconhecer a unidade e revelar o amor.
Nossa missão é perceber que somos fundamentalmente "um" com relação aos
outros e a Deus.
Nosso desafio é perceber que somente o amor é real.
O Livro dos Provérbios (16:4) ensina que Deus criou tudo para Si mesmo.
Porém, o Livro dos Salmos (89:3) traz que a Criação do mundo se baseia no bem e
no amor.
A Criação foi egoísta ou desprendida?
A resposta está além do "ou isso ou aquilo".
A resposta é o amor.
O amor está além do "ou isso ou aquilo" do egoísmo versus desprendimento.
Segundo a Cabala, Deus é um, e nós — apesar da ilusão da nossa separação de
Deus e uns dos outros — estamos incluídos e permeados pela unidade de Deus.
O verdadeiro poder da sexualidade do ser humano está fundamentado no processo
universal da sexualidade espiritual.
Há um desejo de união e revelação de unidade.
Por isso a sexualidade é algo tão potente e deve ser abordada com extremo
respeito.
Segundo a tradição judaica, quando o sexo representa a expressão real do amor,
ele é o sagrado dos sagrados.
De acordo com a Cabalá, se Deus não está no quarto, o sexo é entediante.
A verdadeira satisfação sexual é parte de um serviço espiritual — um veículo para a
expressão da unidade Divina — o amor verdadeiro.
Só então ele se conecta ao circuito universal do autoconhecimento Divino — a
percepção máxima do amor eterno.
Sexualidade sem amor não é verdadeira intimidade, e nunca alcançará as sublimes
elevações do êxtase.

O espelho de Deus
Quando o Livro de Gênesis afirma que Deus criou o homem à Sua imagem, está
tratando sobre a principal questão da vida.
Os pagãos esculpiram imagens de deuses em pedra e madeira, mas o Gênesis nos
diz que nossa verdadeira tarefa é ser um reflexo vivo da imagem de Deus.
A pessoa que é expressão e reflexo de Deus está realmente O servindo.
Na Torá, Deus nos ordena a "andar" em Seus caminhos.
Conforme a interpretação dos sábios, esse mandamento significa que temos de
emular os atributos Divinos, tais como misericórdia, bondade, generosidade e
confiabilidade - visitando doentes, consolando enlutados, cumprindo nossas
promessas e desenvolvendo traços positivos de personalidade.
A pessoa que realmente cultiva essas qualidades e as expressa em ações concretas
se transforma em um reflexo do Divino.
Nosso objetivo como seres humanos é escolher o amor e nos tornar, por assim
dizer, um espelho de Deus.
Mas como podemos fazer isso?
A Torá aborda essa questão e nos mostra o caminho.
Os mandamentos da Torá, que nos chegam por revelação Divina, nos capacitam a
concretizar a imagem Divina que fomos criados para ser e, assim, refletir os
atributos de Deus, conectar o circuito do autoconhecimento de Deus e sentir o
amor.
Por isso meu comportamento não pode ser ditado apenas por mim; deve ser guiado
por Deus.
Fora dos parâmetros dos mandamentos, nem mesmo a sabedoria mais grandiosa e
as mais elevadas práticas espirituais formuladas pelo mestre mais iluminado podem
me capacitar a completar o circuito do autoconhecimento Divino e do amor.
A verdade é que o desejo de encontrar Deus vem de Deus (como veremos no
próximo capítulo).
De algum modo somos participantes de um processo de autoconhecimento Divino e
de amor.
Cada um de nós é um personagem da peça escrita pelo Grande Autor, e servimos
como veículo para o Seu próprio processo de autoconhecimento e realização.
Nossa escolha é se fazemos nosso papel conscientemente, se escolhemos emular
Deus e refletir de volta para Ele a luz da verdadeira unidade.
Na Cabalá, a expressão de Deus e o nosso reflexo da Sua verdade são chamados
respectivamente de "luz direta" e "luz refletida".
Cada personagem da peça pode escolher refletir a luz de Deus e conectar o circuito
de autoconhecimento Divino e de amor.
Isto é servir a Deus — contribuir para facilitar esse processo Divino, por meio do
qual o Um se torna consciente através da livre escolha e é sentido como amor.
O valor das nossas escolhas, portanto, não é medido pela influência que temos no
que acontece à nossa volta, mas pelo que acontece dentro de nós.
O foco das nossas escolhas não deveria ser a mudança do mundo, mas sim uma
mudança interior e a conquista de uma consciência maior da verdade de Deus.
Esse é o único objetivo e a verdadeira conquista na vida.
Lembre-se do que Deus disse no Livro do profeta Jeremias: "Somente aquele que
Me conhece, que faz justiça, pode se orgulhar."
Essa também é a mensagem do versículo em Provérbios (3:6): "Reconheça-O em
todos os seus caminhos."
No entanto, o processo não começa nem termina conosco.
Como revela o Livro de Isaías (44:6): "Eu sou Deus, sou o primeiro e o último, e
não há outro deus [nenhum outro poder] além de Mim."
Da perspectiva do personagem, ele é o assunto, e a história é sobre ele.
Começa e termina com ele.
Mas da perspectiva do Autor, Ele é o assunto e toda a história é só sobre Ele.
O personagem é o veículo para o processo de manifestação e reflexão do Autor.
O verdadeiro sentido da vida do personagem é conquistado quando ele serve de
instrumento para a vida do Autor.
A realização máxima do personagem é vivenciar o Autor.
Nosso serviço a Deus é conectar o circuito de autoconhecimento e realização de
Deus — a experiência do amor.
Nossa maior recompensa é a própria oportunidade de participar e facilitar esse
processo Divino interior.
A recompensa do amor é o amor.
Há uma alusão a esse processo na magnífica obra do Rei Salomão,
O Cântico dos Cânticos, chamado no Talmud de O Santo dos Santos — o sagrado
que misteriosamente inclui vários sagrados.
Esse é o verdadeiro amor, uma unidade que inclui muitos e ainda assim permanece
uma (como Adão, que compreendia os dois sexos).
O drama do qual participamos é a história.
É uma aventura em consciência.
Não começa nem termina conosco; é sobre Deus.
Todos sabemos que a vida não tem sentido ou função a menos que seja o meio
para um grande final além de nós mesmos.
Esse é o caminho dos mandamentos que nos guia em nosso serviço ao Grande Ser
— Deus. (Para saber mais sobre este assunto, veja meu livro Luz Infinita, capítulo
7.)
Nosso papel no drama é assumir a tarefa como anunciada em Deuteronômio
(4:39): "E saberás hoje, e considerarás em teu coração que o Eterno, Ele é o Deus,
em cima nos céus e embaixo na Terra; não há nenhum outro."
O clímax desse drama acontecerá quando todos os personagens finalmente
assumirem a responsabilidade — esse vai ser o momento em que a profecia de
Zacarias será cumprida: "E nesse dia Deus será um e Seu nome será um."
E então saberemos que a vida não foi a minha ou a sua história — foi a história
Dele.
A história é a autobiografia de Deus, auto publicada, para um mercado exclusivo:
Deus.
É escrita por Deus, sobre Deus, em nome de Deus.
Não há como comprar uma cópia dessa autobiografia e colocá-la na estante.
Mas podemos nos identificar como personagens na história, ter um papel na
autobiografia de Deus.
Podemos escolher superar o mal, fazer o bem, amar e nos tornar personagens
conscientes e significativos na Sua história.

A história Dele ou a história Dela


Cabalá é uma palavra em hebraico que significa "receber", mas também "paralelo".
Um dos princípios fundamentais da Cabalá é que o microcosmo reflete o
macrocosmo.
Portanto, a dinâmica da nossa vida individual reflete a dinâmica da vida universal.
A história de Adão e Eva no Jardim do Éden, porém, não apenas se compara ao
processo universal como também representa o recorrente padrão da vida.
Adão e Eva viviam livremente no Jardim do Éden.
Eles tinham apenas uma restrição: Deus ordenou que não comessem da Árvore do
Conhecimento do Bem e do Mal.
Mas as frutas proibidas parecem mais saborosas.
Além do mais, ter uma serpente sedutora por perto, encorajando-os a comer,
tornou o desafio ainda mais difícil.
A maioria das pessoas conhece essa parte da história.
Um pouco menos conhecido é o que a serpente realmente disse para atraí-los ao
pecado.
Ela não disse: "Ei, sabe o quê? Deus não quer que comam daquela árvore porque
Ele sabe que, no dia em que comerem, ficarão ricos."
Ela sabia que, no fundo, as pessoas não são motivadas por riqueza; não é dinheiro
que elas querem.
A serpente também não os seduziu dizendo que ficariam famosos.
A fama também não atrai.
E ela não usou o sexo como isca.
Não disse que o fruto proibido lhes daria uma ótima vida sexual.
De acordo com a Torá, os seres humanos não são realmente atraídos por sexo.
Ou seja, a história nos ensina que riqueza, fama e sexo não podem persuadir as
pessoas a fazer algo errado.
Essas coisas são apenas imitações daquilo que realmente queremos conquistar.
A serpente sabia o verdadeiro desejo do ser humano.
Ela disse: "Deus não quer que vocês comam da árvore porque, se comerem, serão
como Deus."
Agora sim, isto é atraente!
A serpente sabia o segredo humano, mas conduziu Adão e Eva a uma cópia do
verdadeiro.
Segundo a Torá, a raiz de todos os desejos e de todas as ambições da humanidade
é a vontade de ser Divino.
Riqueza, fama e prazer sexual nos atraem apenas como imitações do desejo mais
básico de sermos onipotentes e parecidos com Deus.
Mas essas coisas não satisfazem nossos verdadeiros desejos.
Essa história nos ensina que, no fundo da alma, queremos ser quem já somos.
Como nosso verdadeiro "eu interior" é uma manifestação da imanência Divina,
queremos alcançar a condição de sermos Divinos.
Por isso, mesmo quando fazemos algo errado, trata-se de um esforço de reivindicar
o direito de sermos nosso próprio deus.
É isso que está errado.
Somos criados à imagem de Deus, mas não somos deuses.
Tudo que queremos conquistar na vida é ser quem somos.
A verdadeira liberdade é a liberdade de sermos nossa verdadeira essência.
Quero ser livre para ser eu mesmo.
A manifestação da imanência Divina está explodindo de dentro de mim, buscando
ser expressa.
Esse era o dilema fundamental de Adão e Eva.
Eles tinham de se perguntar: "Devemos abandonar nossa liberdade e obedecer a
Deus, ou nos afirmamos e fazemos o que quisermos?"
Eles não compreendiam que a resposta não era "ou isso ou aquilo" — a resposta
era sim e sim.
O desafio é perceber que nosso poder interior é completamente unido ao poder
exterior, além de nós.
Quando obedecemos e nos rendemos à voz de Deus que vem "de fora", damos
expressão e afirmação à voz de Deus que há dentro de nós.
Essa é a ironia, o mistério, o êxtase da unidade Divina.
Vivemos a entrega de nós mesmos como uma autoafirmação.
A entrega ao Deus além de nós revela nosso aspecto interior de Deus — a alma.
É como passar o dedo em uma fita de Mobius — uma superfície contínua e
unilateral que pode ser feita com uma tira de papel retangular quando viramos uma
das pontas 180 graus e a colamos na outra ponta.
A princípio você está do lado de fora, mas depois passa para o lado de dentro.
E quando segue em frente, acaba ficando novamente do lado de fora.
Adão e Eva não entendiam isso.
Eles pensavam que podiam se estabelecer e se afirmar afrontando o mandamento
de Deus.
Mas quando eles simplesmente desafiaram a Sua vontade, em vez de se sentirem
capacitados por essa autoafirmação corajosa, sentiram-se fracos e assustados.
Antes desse ato de rebeldia, eles se sentiam à vontade na presença de Deus, mas
depois eles se esconderam.
Ou seja, sua autoafirmação em forma de rebeldia contra o desejo de Deus acabou
sendo uma entrega — uma perda de si mesmo.
A Cabalá explica que Adão e Eva separaram a Shechiná do Santíssimo.
Separaram a manifestação da imanência Divina da manifestação da transcendência
Divina.
Essa é a dinâmica de toda má ação.
Quando separamos o Divino interior do Divino "além", nosso eu interior "se
encolhe"; é arrancado da sua fonte e perde a sua base.
Não apenas não podemos encarar Deus, mas nossa autoestima fica severamente
baixa.
De acordo com a metáfora da Cabalá, quando a manifestação da imanência Divina
se desconecta da manifestação da transcendência Divina, a própria Shechiná não
mais reflete a grandeza da transcendência Divina — o Santíssimo — e diminui em
estatura.
A cabalá nos ensina que a luz da lua simboliza a luz da imanência Divina e a luz do
sol simboliza a luz da transcendência Divina.
A relação ideal, simbolicamente falando, ocorre quando o sol e a lua estão frente a
frente.
Assim, a luz da lua é um reflexo completo e reluzente da luz do sol.
No entanto, quando a lua não está frente a frente com o sol, sua luz se reduz.
Segundo a Cabalá, originalmente a luz da lua era tão luminosa quanto a do sol.
Depois que Adão e Eva comeram da Árvore do Conhecimento, a luz da lua se
reduziu.
Na era messiânica, a luz da lua será restabelecida e brilhará assim como a do sol.
Isso acontecerá quando a humanidade retornar a Deus.
Então a consciência de Deus preencherá a Terra como a água preenche os oceanos.
Ou seja, a unidade misteriosa de Deus que está além e dentro do tempo, do espaço
e da humanidade será vivida conscientemente por todos.
Quando lemos a Torá sob a luz da Cabalá, descobrimos que trata-se menos da
"história Dele" e mais da "história Dela".
A estrela do show é a evolução da Shechiná e Seu retorno à união suprema, frente
a frente, com o Santíssimo.
Por favor, por favor, lembre-se de que tudo isso é epistemológico (referente a
percepção), e não ontológico (referente à realidade).
A Torá mostra como Adão e Eva intuíram a manifestação interior da Shechiná e
equivocadamente procuraram se estabelecer como deuses ao desafiar Deus.
Ao fazê-lo, eles conseguiram o oposto.
Ao se afastar de Deus, perderam sua conexão com a Fonte Divina de toda a
autoestima e não puderam mais encará-Lo.
O tema da Torá, então, é o avanço da humanidade em sua luta para reconstruir o
desenvolvimento da Shechiná (nossa fonte Divina mais profunda de autoestima) e
alcançar uma união "frente a frente" com o Santíssimo.
A redenção de toda a humanidade é descrita como a redenção da Shechiná.
Na prática, isso significa que, quando for a hora da redenção, não sofreremos mais
com a maldição da dominação masculina: "...e ele dominará a ti" (Gênesis 3:16).
Não pensaremos mais que Deus é masculino, apenas transcendente.
Compreenderemos que Deus está além do "ou isso ou aquilo" da transcendência
versus imanência.
Deus é um.
E somos um com Deus, embora não sejamos iguais a Ele.
Essa unidade é o milagre do verdadeiro amor.
Perdoe-me por me repetir, mas lembre-se de que esse processo de redenção é
apenas epistemológico — é apenas um processo de consciência e experiência.
Ontologicamente, Deus foi, é e sempre será um e único.
Mas o processo é a unidade se tornar consciente.
Quando Adão e Eva morderam o fruto proibido, separaram a Shechiná do
Santíssimo, reduziram a sua estatura e trouxeram ao mundo a maldição da
dominação masculina.
O aspecto masculino de Deus — transcendência Divina — se tornou predominante.
(Isso armou o palco para o monoteísmo, explicado no capítulo 7.)
A "história Dele" começou com o fruto proibido e continuou com o assassinato de
Abel cometido por seu irmão Caim.
E seguiu com uma série de crimes, culminando na destruição do mundo na época
de Noé.
A "história Dela" começou quando Abrahão obedeceu ao mandamento de Deus, "vá
por ti mesmo", e continuou quando ele começou a restabelecer a fonte Divina da
autoestima humana por meio de um relacionamento com Deus.
Até o surgimento de Abrahão, as pessoas estavam presas ao modo "ou isso ou
aquilo" de pensar.
Elas acreditavam que ou eram deuses, ou não eram nada.
Ou seja, ou acreditavam que a Divindade era completamente interior e eles eram
Divinos, ou que a Divindade estava completamente além e eles não eram nada.
A imanência e a transcendência Divinas eram termos que se excluíam mutuamente.
Essa parece ser a história de todas as religiões e filosofias políticas.
A humanidade está em uma gangorra, para cima e para baixo, indo de um extremo
ao outro.
Ou percebemos o Divino em nós, e portanto o indivíduo é o que importa, sendo
livre para fazer o que quiser, ou o Divino está além da humanidade e o indivíduo
deve sacrificar tudo pelo conjunto maior.
Abrahão, porém, estabeleceu a base para um novo caminho — além do "ou isso ou
aquilo".
Era o caminho da unidade, a arte de amar.
Segundo a Cabalá, Abrahão e Sara iniciaram o processo da redenção da Shechiná.
Esse processo continuou através dos esforços de Isaac, Rebeca, Jacob, Rachel, Lea
e dos doze filhos de Jacob.
No entanto, eles conseguiram redimir a Shechiná apenas para si mesmos, como
indivíduos.
A redenção da Shechiná ainda tinha de ser conquistada nacionalmente.
Esse processo começa com a libertação da nação de Israel da escravidão no Egito e
progride com a revelação coletiva da Torá no Monte Sinai, quando toda a nação
encontrou Deus cara a cara. (Como relata Moisés em Deuteronômio 5:4: "Face a
face falou o Eterno do meio do fogo convosco.")
O auge da redenção nacional acontecerá quando o povo judeu retornar à Terra
Prometida e reconstruir o Templo Sagrado em Jerusalém.
Mas isso não é suficiente, porque a redenção suprema tem de ser universal —
alcançando o mundo todo.
Por isso, o final dessa grande história de amor é a chegada do messias, que irá
negociar a paz mundial e inspirará o amor universal.
Então a consciência da misteriosa unidade Divina e o êxtase do amor vão abarcar e
preencher tudo. "Então a sabedoria de Deus preencherá a Terra como as águas
preenchem os mares" (Isaías 11:9).
Amor e paz reinarão supremos.
É isso que o mundo espera. No prédio da Assembleia Geral da ONU, em Nova York,
há um muro onde estão inscritas as palavras do profeta Isaías:
"E eles converterão suas espadas em relhas de arado e suas lanças em foices.
Uma nação não erguerá espada contra outra nação, nem o homem aprenderá a
guerrear."
(Isaías 2:4)

No entanto, por melhor que pareça, isso não é o fim.


A paz, a fraternidade e o amor não são um destino, mas uma jornada interminável.
A jubilosa consciência da unidade de Deus — a experiência do amor — crescerá
para sempre.

A natureza dos milagres e os milagres da natureza


Tudo isso acontecerá por um grande milagre?
Não.
E para explicar, precisamos nos aprofundar na natureza dos milagres.

Muitas vezes as pessoas dizem: "Se realmente há um Deus, por que Ele não faz
mais milagres? Eu acreditaria em Deus se visse o mar se partir ou algum outro
fenômeno sobrenatural."
Essa questão parte de uma orientação "masculina" com relação a Deus.
Deus, o Milagreiro, faz parte da "história Dele", mas não tem muito a ver com a
"história Dela".
No passado, Deus fez milagres para prevenir algumas tragédias terríveis.
Ele invalidou algumas leis da natureza para fazer a história continuar — do
contrário, ela teria terminado.
Mas esse tipo de intervenção não é o modo ideal pelo qual Deus quer agir.
Ele prefere não fazer milagres.
Ele os faz apenas quando não há outra maneira de garantir que a história continue
ou para mostrar Seu controle sobre a natureza.
As pessoas não mudam realmente ao observar um milagre.
É claro, em um primeiro momento elas ficam bastante tocadas e parecem mudar.
Mas o deslumbramento se vai rapidamente e elas voltam às suas antigas
características.
Esse padrão é recorrente nas histórias da Torá.
Os israelitas presenciaram a milagrosa divisão do mar e foram salvos da destruição
nas mãos do exército egípcio.
No entanto, não muito tempo depois, sua fé se deteriorou e eles começaram a
reclamar das condições de vida no deserto.
Os milagres não mudam as pessoas, somente as pessoas podem mudar a si
mesmas; e para conseguir isso, elas têm de fazer escolhas e ser mais proativas.
Há outra razão por que Deus reluta em fazer milagres.
Isso acontece porque a história da vida é a "história Dela".
A estrela do show é a manifestação progressiva do espírito de Deus na
humanidade.
Os milagres suprimem o crescimento da expressão da Shechiná dentro de nós.
A luz da imanência Divina deve evoluir por meio de nossas escolhas, compromissos
e trabalho duro.
Isso explica o estranho comportamento dos israelitas, que passaram quarenta anos
no deserto lutando com o significado da sua identidade.
O deserto era um lugar milagroso para o povo judeu.
Eles recebiam uma porção diária de maná, o pão celestial que caía diariamente do
céu.
Bebiam água que brotava abundantemente de uma pedra.
Por quarenta anos os israelitas moraram em um milagroso deserto onde tudo
estava de cabeça para baixo.
Geralmente o trigo vem do solo, e a água, do céu, mas por quarenta anos
acontecia o contrário.
No deserto os israelitas viviam em um útero Divino, como um feto cujas
necessidades são completamente supridas.
Mas ainda assim, com todos esses confortos, eles reclamavam e se rebelavam.
Por quê?
Porque sob essas condições milagrosas, seu desenvolvimento interior estava
reduzido.
É como quando vivemos sob a sombra de nossos pais.
Temos uma força incansável que exige ser estabelecida e expressa.
Essa força é a manifestação do nosso Divino interior que deve evoluir e aparecer.
Por isso, o deserto milagroso não era o destino dos israelitas, mas apenas parte do
processo e da jornada.
O destino original era a Terra Prometida.
Mas o engraçado é que quando eles estavam quase chegando, começaram a ter
dúvidas.
Então mandaram um grupo de espiões para averiguar.
Esse grupo voltou depois de uma rápida olhada e disse ao povo que a Terra
Prometida consome seus habitantes.
Ou seja, era um lugar que exigia muito trabalho.
Eles pensaram: "Por que temos de deixar este deserto maravilhoso e ir a uma terra
que requer tanto esforço e trabalho? O que é tão promissor na Terra Prometida?"
Este era o dilema: por um lado, o espírito Divino interior queria se manifestar
através das escolhas, dos esforços e do trabalho deles.
Por isso, eles se ressentiam de todos os brindes do deserto.
Mas era muito bom ter tudo de bandeja e se aquecer à luz de Deus.
Por que eles teriam de se sujar com o trabalho do mundo físico quando podiam
ficar em êxtase, aproveitando o deserto sobrenatural?
Para que deixar a vida no deserto e ir trabalhar?
Essencialmente, essa história captura a real crise de identidade de toda a
humanidade:
"Deus está dentro ou além de nós?"
Somos parte da "história Dele", presenciando como Deus, acima de nós, estala os
dedos, anula as leis da natureza e faz milagres?
Ou somos parte da "história Dela", servindo de veículo para a manifestação do
aspecto do Divino interior, buscando participar de um processo de aperfeiçoamento,
expresso através de nossas lutas, escolhas e esforços?
Mais uma vez a resposta é sim e sim.
Os quarenta anos no deserto foram um período para a revelação da face da
transcendência de Deus, nos mostrando que Deus é o Poder que está acima e além
das leis e das limitações da natureza.
Durante esse período, os israelitas desenvolveram uma crença profunda na
transcendência Divina — Deus Se manifestava como o Santíssimo.
E eles entenderam que não eram Deus.
Mas então chegou o momento da manifestação da face da imanência Divina — o
aspecto de Deus expresso internamente na humanidade.
Essas são as duas faces de Deus, um e único.
O problema da vida milagrosa no deserto era que a luz da transcendência Divina
ocultava a luz da imanência Divina.
E o perigo na Terra Prometida era que a luz da imanência Divina poderia ocultar a
luz da transcendência Divina.
Na Terra Prometida, os israelitas poderiam pensar que todo o sucesso era
realmente seu e não tinha nada a ver com Deus.
O dilema dos israelitas antes de entrar na Terra Prometida lança luz sobre o nosso
dilema atual.
Todo dia testemunhamos avanços incríveis na ciência e na tecnologia.
Nós também somos criadores de mundos.
Parece que estamos ascendendo à condição de deuses.
Vamos deixar que esse poder nos suba à cabeça e nos leve a pensar que somos
deuses e que podemos fazer o que quisermos?
Ou aceitamos humildemente esses poderes como presentes de Deus, sinais da luz
crescente do Divino interior?
Escolheremos fazer a nossa obrigação, obedecer com humildade e seguir os
mandamentos de Deus, conectando, assim, a luz do Divino interior à luz do Divino
"além de tudo"?
Nós nos iludimos e pensamos que a vida é a nossa história, ou chegamos à
compreensão suprema de que tudo faz parte da "história Dele/Dela" e de que a
nossa alegria é servir?

Em suma
Então, Deus é masculino ou feminino?
Agora você sabe a resposta.
A imagem completa de Deus é a unidade do amor — além do "ou isso ou aquilo".
Somos todos parte da aventura Divina em consciência, não importa se escolhemos
saber ou não.
Mas a nossa maior alegria é saber.
Todo pensamento, toda palavra e todo ato pode ser como um fio que conecta ou
desconecta as correntes de consciência que unem as luzes Divinas — exterior e
interior.
Nosso desafio é escolher o amor e vivenciar o mistério elevado da unidade de Deus.
Conseguimos a felicidade verdadeira quando escolhemos completar o circuito da
sabedoria e do autoconhecimento de Deus, deixando a luz do amor brilhar.
Esse é o nosso trabalho, essa é a nossa recompensa.

Continua

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