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Chaim David Zukerwar

As
3
Dimensões
da Kabalá
Essência, Infinito e Alma

Princípios Gerais da Sabedoria da Kabalá


Título original:

3
LA ESSENCIA, EL INFINITO Y EL ALMA
Copyright© 1997 by Chaim David Zukerwar
Publicado pela Fundación Kalnicki-Gross, Jerusalém As
Direitos exclusivos de edição desta obra Dimensões
em língua portuguesa adquiridos pela
da Kabalá
EDITORA E LIVRARIA SÊFER LTDA.
Alameda Barros, 735
Essência, Infinito e Alma
CEP 01232-010 São Paulo SP Brasil
Tel.: 3826-1366 Fax: 3826-4508 sefer@sefer.com.br
Livraria virtual: www.sefer.com.br

Princípios Gerais da Sabedoria da Kabalá


Tradução: Márcia Zugman
Revisão: Betty Rojter e Jairo Fridlin
Editoração Eletrônica: Jairo Fridlin
Ivo Minkovicius Baseados na Tradição Kabalista do
Capa: Chaim David Zukerwar Rabino e Sábio Kabalista
Produção da Capa: Stephanie & Ruti (Israel) Yits’chác Luria Ashkenazi wwww
Dagui Design (Brasil) que recebemos através de nosso Mestre,
Foto do autor: Esteban Alterman o Rabino e Sábio Kabalista
Impressão: Sumago Gráfica Editorial Mordechai Schainberguer ww
quem, por sua vez, a recebeu de seu Mestre,
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por o Rabino e Sábio Kabalista
qualquer meio, sem a autorização expressa dos editores. Iehudá Tsvi Brandwain ww
discípulo direto do Sábio e Rabino Kabalista
4ª Edição: Dezembro de 2015
 Iehudá Leib haLevi Ashlag ww
ISBN 85-85583-16-9
Printed in Brazil
6 AS 3 DIMENSÕES DA KABALÁ: ESSÊNCIA, INFINITO E ALMA APROVAÇÃO E INTRODUÇÃO 7

1. O homem atua de acordo com objetivos, assim como


Aprovação e Introdução está escrito no livro Messilát Iesharim do Ramchal (o grande
Sábio Kabalista Moshé Chaím Luzzatto): “O fundamento da
de nosso Mestre, o Sábio Kabalista
generosidade e da origem do trabalho espiritual é que o homem
Rabino Mordechai Schainberguer distinga e verifique qual é a sua função neste mundo, devendo
fixar sua observação e direção aonde investe seus esforços todos
os dias de sua vida.”
Jerusalém, 17 de Sivan de 5757.
Portanto, o homem é diferente dos outros seres vivos, já que
estes são muito desenvolvidos ao chegar ao mundo, enquanto
“À imagem de Elokim fez o homem.” que o homem precisa de mais tempo até se tornar independente.
O significado deste versículo concentra a totalidade da Isso ocorre porque o homem ativa seu potencial segundo o
essência do homem, com sua definição, função, objetivo e a objetivo que se proponha, e é sabido que todo fruto que é doce
árdua responsabilidade que recai sobre ele. Assim como está em seu término é muito amargo em seu início.
escrito no livro Tômer Devorá do grande Kabalista Rabi Moshé
2. O homem é um ser social, sua existência e desenvolvimento
Cordovero em seu prólogo: é conveniente para o homem
dependem de seu ambiente, e sua altura espiritual é avaliada
assemelhar-se ao Cadósh Barúch Hú; então ele existirá em sua
de acordo com a sua contribuição à sociedade. O ticún/correção
forma superior. Sendo que caso se assemelhe a Sua aparência
do mundo depende da relação do homem e seu ambiente, e de
e não às suas ações, desvirtuaria de sua forma original, e
quanto está disposto a abdicar de seus interesses pessoais em
sobre ele dirão: linda aparência, mas atos vagos. Já que o
prol do bem comunitário.
fundamento da Forma Superior do homem são suas atividades
Veremos por que há tantos problemas no mundo, e tanta
e ações, e que proveito terá em aparentar-se de Forma Superior
destruição e guerras etc. Desde o começo da vida social, tenta-
exteriormente, enquanto suas ações são opostas às do Cadósh
se, através de todos os meios, encontrar fórmulas diversas e
Barúch Hú?
estranhas de acordos e soluções, para que todos os habitantes
O homem se distingue de todas as formas viventes, em todas
do mundo possam viver tranquilamente, um ao lado do outro,
os estratos e mundos, pelo fato de haver sido criado à imagem
sem medo e em completa confiança. A principal causa e origem
do Cadósh Barúch Hú e por possuir Neshamá Elokit/alma
(dos problemas) é que no mundo é aceito como cume da justiça
superior, assim como está escrito na tefilá da manhã/Shacharit
e da integridade o princípio geral de “o que é meu é meu e o
(Eclesiastes 3:19): A superioridade do homem sobre o mundo
que é teu é teu”. Essa é a fonte de todos os sofrimentos, já que
animal é nula já que tudo é futilidade, exceto a Neshamá.
cada um define para si mesmo o que é “o meu” e o que é “o
Vamos nos deter nos atos concretos fundamentais que teu”, e enquanto o homem continuar sendo egoísta, pensando
individualizam o homem: que o mundo inteiro lhe pertence, e enquanto seu semelhante
8 AS 3 DIMENSÕES DA KABALÁ: ESSÊNCIA, INFINITO E ALMA APROVAÇÃO E INTRODUÇÃO 9

pensar igual, como conseguirá cada um chegar à “sua justiça” Está claro que tudo se encontra dentro da Torá, assim como
senão através da guerra e da imposição? está dito: “A Torá observarei e...criou o mundo”. O homem
Isso e muito mais ocorre já que, como é sabido, cada país transita através das letras da Torá pelo extraordinário mundo
e movimento levanta como bandeira o símbolo da bondade e do Cadósh Barúch Hú, repleto de luz e de plenitude. Porém esse
os mais elevados ideais que, a seu parecer, representam o bem é um mundo secreto, que se revelará somente no Sod/nível de
supremo. Se dividíssemos o mundo em direita e esquerda, seria entendimento interior da Torá.
subentendido que a direita pensaria e estaria segura de que ela é Isso faz com que o objetivo e todo o “projeto da Criação”
o melhor e o completo, enquanto a esquerda é o maior expoente em todos os níveis encontrem-se na Torá mais oculta, e se o
do mal. Portanto, deve-se lutar contra a esquerda até extirpá-la homem não se aprofundar em seu estudo, é evidente que não
da terra. Enquanto a esquerda pensa exatamente o oposto, que conseguirá entender a correlação entre causas e efeitos para
ela representa o bem e a direita é o maior expoente do mal e, chegar ao objetivo final.
portanto, há que destruí-la. Desse modo resulta que todos os
meios e energias humanas são mal- aplicadas em instrumentos 2. O homem é um ser social e deve transformar sua natureza,
de destruição. que é toda “desejo de receber” em seu extremo oposto, que é
somente o desejo de dar, por mais que pareça utópico atuar
Em resumo, sempre que a sociedade estiver edificada sobre
contra nossa própria natureza. De onde poderá o homem
interesses egoístas, não haverá possibilidade alguma de se
receber a motivação e a energia para atuar contra sua natureza
chegar a uma convivência saudável e feliz. A única solução é
básica? É claro que é na força espiritual da Torá que se encontra
o altruísmo e a entrega do homem à comunidade.
sobre toda a realidade do homem, e é a que lhe dá a força para
E além de tudo, o homem deve se colocar sobre todas as
obtê-la. Nesse sentido é preferível o Sod/nível de entendimento
criações e assemelhar-se ao Supremo, à essência do Criador, já
interior da Torá (a Kabalá) do que os outros níveis de expressão
que de outro modo não chegará a seu objetivo, e nem sequer
da Torá, por ser ele a completa espiritualidade e a pura Suprema
chegará ao nível de um anjo. A problemática aqui exposta tem
Luz que aparece em abundância na Torá, revelada ou de forma
solução já que “o Cadósh Barúch Hú não exige o impossível”,
oculta. E por isso, sua força é firme no objetivo de transformar
por mais que não haja possibilidade alguma de concretizá-la,
a natureza “de receber” do homem para a natureza “de dar”.
completamente, salvo através do trabalho na parte interior
3. Assemelhar-se ao Cadósh Barúch Hú: e como já foi dito,
da Torá (a Kabalá). Apresentá-la-emos através de 3 pontos e
o objetivo do homem deve ser dirigido a assemelhar-se ao
aprofundaremos neles segundo sua devida ordem:
Cadósh Barúch Hú, já que Sua Essência é impossível de ser
1. O homem atua de acordo com objetivos. E qual é o conhecida. Isso é alcançado ao imitar Seus atos, como está
objetivo? Seguindo a leitura do livro Messilat lesharim, ele escrito “através de Teus atos, Te conhecerei”. Dessa conclusão,
indica: O objetivo do homem é receber a plenitude que o o homem aprende que há uma grande necessidade do estudo
Cadósh Barúch Hú criou para ele. Onde está essa plenitude? da Kabalá, já que através dele nos são revelados, nitidamente,
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os caminhos do Conhecimento Superior, a causa da Criação de sua Neshamá, com seu amplo coração e com sua palavra
etc., até chegar a seu objetivo final. purificada, para abrir os caminhos dentro de um público
amplo e inteligente que procura o conhecimento verdadeiro
Em síntese, parte do Sod do Pardes é imprescindível para
em seu contato com o Infinito-Criador, aproximando-os da
se alcançar os objetivos do homem e para sua progressão no
luminosidade e da origem de suas almas.
trabalho espiritual. E já foi dito em muitas oportunidades
que a aproximação do homem ao Cadósh Barúch Hú, com E agora, tendo recebido esta compilação, fruto de seu
entrega e amor, só é alcançada com perfeição através de seu esforço, julgo-o merecedor de que o elevem à mesa de estudo
aprofundamento na sabedoria da Kabalá. E todos os grandes dos Reis da Torá. Apesar de suas palavras terem sido escritas em
Sábios do Zôhar e da Torá Interior – todos que a estudaram e língua estrangeira, escutei de forma oral a maioria do que está
aplicaram, e aqueles que estudam e compreendem a importância aqui escrito, enquanto os colegas estudiosos, que compreendem
do estudo da Kabalá em nossos dias – expressaram de forma esse idioma latino, estudaram-no e o revisaram, e enviaram
rigorosa e contundente que, pela falta de dedicação ao estudo da suas bênçãos. Ele já é conhecido como grande especialista na
Torá em seu nível mais interior, a Kabalá, acometem-se várias matéria, através de suas aulas, e pelo benefício que outorga
e duras desgraças para o povo de Israel e para o mundo inteiro. à nível coletivo; tudo isso de forma desinteressada, e pelo
caminho da Torá e da Halachá.
* * *
Que o Cadósh Barúch Hú lhe dê força e que Sua Presença
Nossa geração obteve o que não foi alcançado por muitas
o acompanhe sempre, e que triunfe em tudo o que faça,
das gerações que nos precederam, isto é, que haja uma enorme
engrandecendo infinitamente a Torá.
sede pelo conhecimento espiritual, “a palavra de haShém”, ou
seja, a Kabalá. Este fenômeno ocorre mais especificamente Com meu maior respeito ao Cadósh Barúch Hú, à Torá e a
entre os jovens, que sentem uma imperiosa necessidade pelo seus estudiosos, o abaixo assinado
verdadeiro conhecimento espiritual e, a partir dela, chegam à
Kabalá; e através dela, às suas raízes. Mordechai Schainberguer
Junto ao acima dito, devemos agradecer ao Cadósh Barúch
Hú por haver nos enviado fiéis emissários respeitosos de O Rabino e Sábio Kabalista Mordechai Schainberguer é um dos
maiores expoentes da Sabedoria da Kabalá na atualidade. Ensina em
haShém, a quem lhes deu o dom da compreensão, encontrando
cursos e seminários na cidade velha de Jerusalém e em diversas cidades de
assim uma linguagem clara e pura para ensinar aos jovens a Israel. Em Meron, estabeleceu e dirige a comunidade “Or HaGanuz”, cuja
estrutura desta sabedoria. particularidade e objetivo está em “Amarás a teu próximo como a ti mesmo”,
baseada em uma vida de Torá e mitsvót.
Um dos mais destacados guias nessa Sabedoria é o conhecido É continuador direto da interpretação do livro Ticunê Zôhar – as correções
Rabino Chaim Zukerwar – que o Cadósh Barúch Hú o fortaleça espirituais do Zôhar iniciadas por seu Mestre, o Rabino e Sábio Kabalista
e o proteja! – que foi dotado de compreensão na profundidade Iehudá Tsvi Brandwain, discípulo direto do grande Sábio Kabalista do século
XX, o Rabino Iehudá Leib Halevi Ashlag.
12 AS 3 DIMENSÕES DA KABALÁ: ESSÊNCIA, INFINITO E ALMA ÍNDICE 13

ÍNDICE

ARTE, FORMA E SUBSTÂNCIA


INTRODUÇÃO A arte de Israel: forma e substância 93
“Religião”, “Deus” e “Alma” 21 A música e a arte de Israel 100
A linguagem da Sabedoria 25
A percepção da realidade 35 A PAZ E A GUERRA
O espiritual e o material 40 A maldição de Caim 109

A ALMA ANTES DO NASCIMENTO E


Néfesh – Rúach – Neshamá 47 DEPOIS DA MORTE
A alma de acordo com a narração da Torá 50 As rotações da alma 119

O ENCADEAMENTO DOS MUNDOS


COORDENADAS ESPIRITUAIS
A articulação dos estados espirituais 129
A vontade, o tempo e o espaço 55
O espaço espiritual da alma 61
OS ESTADOS DA ALMA
Os estados da vontade e do desejo 68
Princípios gerais da Kabalá para o trabalho
espiritual nas leis da Torá e as Mitsvót 149
A ESSÊNCIA, O INFINITO
E A ALMA DA TEORIA À PRÁTICA
Atsmút, Ein-Sof, Neshamá 75 Quatro práticas ancestrais do povo de Israel 161

OS 32 CAMINHOS DA Conceitos básicos 181


SABEDORIA Índice de diagramas 190
A Árvore das Vidas/Ets Chaím 83 Bibliografia 192
Meus agradecimentos à Sra. Sarita Gross,
por seu incondicional apoio INTRODUÇÃO
e valiosos conselhos.
16 AS 3 DIMENSÕES DA KABALÁ: ESSÊNCIA, INFINITO E ALMA INTRODUÇÃO 17

   “A fusão com os Livros Verdadeiros ativa

  '   o homem e lhe traz a vontade e a força

    dos sábios que escreveram aqueles textos.

   O saber não é o objetivo do estudo, e sim

'    um meio para semear a

   Vontade Superior, a Vontade e Desejo

 '   de Dar e Beneficiar, no coração do homem.

  '  É isso que mede o nível espiritual do homem.

  '   Isso é todo o homem.”

  

     Rabino Iehudá Leib Halevi Ashlag


18 AS 3 DIMENSÕES DA KABALÁ: ESSÊNCIA, INFINITO E ALMA INTRODUÇÃO 19

A transcrição dos vocábulos hebraicos para a


grafia portuguesa considera, basicamente,
as regras ortográficas e normas de pronúncia
do português, e concede algumas exceções:
muitas vezes o acento prosódico torna-se ortográfico
para mostrar ao leitor a forma mais similar
à pronúncia da língua hebraica. O conteúdo deste texto está destinado

Assim mesmo, preferiu-se não utilizar a ao estudo sob a orientação de um iniciado


palavra Cabala – com o “c” – apesar de que na Sabedoria da Kabalá tal como fora
essa seria a maneira correta de grafá-la exposto pelo Rabino e Sábio Kabalista
em português, por causa da conotação Iehudá Halevi Ashlag kwweumz.
de “cálculo supersticioso” e outras O resultado da leitura individual,
deformações que desvirtuam o seu significado.
sem um guia, deverá ser considerado
Por esta razão, foi transcrita com “K” e acento agudo,
como mera introdução.
ressaltando a dicção hebraica original.
Por último, o uso frequente de iniciais maiúsculas
tem o objetivo de ressaltar certos conceitos chaves
de um modo puramente didático;
o mesmo propósito guia a tradução
repetida dos mesmos.

Nota do Editor: A transliteração dos termos hebraicos segue as


normas adotadas pela Editora Sêfer, onde as letras  e  são
grafadas como “ch”, devendo ser pronunciadas como “rr” (carro);
“sh” deve ser pronunciado como “ch”(chave).
“RELIGIÃO”, “DEUS” e “ALMA” 21

“RELIGIÃO”, “DEUS”
e “ALMA”

Muitos dos termos que costumamos empregar ao nos


referirmos a temas como judaísmo e espiritualidade chegaram a
nós através de traduções e possuem uma carga de subjetividade
quanto ao seu significado e a seus objetivos. Isso afeta não
somente a quem se aproxima da Sabedoria de Israel através
de textos traduzidos, mas também chega a um nível ainda
mais profundo, deformando nossa percepção do judaísmo. Em
outras palavras: Acostumamo-nos a avaliar e interpretar a
Sabedoria de Israel de acordo com parâmetros estranhos à
nossa própria tradição.

Termos tão familiares como “Religião”, “Deus” e “Alma”,


a partir dos quais surgem as discordâncias entre os defensores
da “Religião” e dos chamados “laicos”, são conceitos estranhos
ao judaísmo. Tais conceitos baseiam-se em traduções simplistas
e errôneas que dividiram os homens e criaram confusão em
nosso mundo espiritual.

O vocábulo “Religião” provém do latim re-ligare, que quer


dizer “voltar a ligar aquilo que foi desconectado”. Esse conceito
não aparece nos textos da tradição hebraica, nem em nossa
tradição oral até a Idade Média. Neste período, os sábios judeus
eram pressionados a participar de confrontações verbais, com
o intuito de demostrar a validade da espiritualidade do povo
de Israel.
22 AS 3 DIMENSÕES DA KABALÁ: ESSÊNCIA, INFINITO E ALMA “RELIGIÃO”, “DEUS” e “ALMA” 23

Baseados nisso, Sábios como o Rabino, Médico e Poeta Nossa tradição descreve que todos os aspectos da vida são
Iehudá Halevi (século X) em seu livro O Cuzari, e Maimônides diferentes graus de uma mesma e única realidade, o Infinito/
(século XIII), especificamente em seu Guia dos Perplexos, Ein-Sof. Esta realidade gerada pelo Cadósh Barúch Hú
encontraram-se forçados a declarar que a Torá de Israel é contém todos os estados possíveis, e é ilimitada e indivisível.
também uma “Religião”, organizada com bases lógicas e sobre
A palavra “Deus” deriva do latim Deus, que, por sua vez,
uma estrutura desenvolvida. Por isso recorreram ao vocábulo
provém de Zeus, divindade da mitologia grega, filho de Cronos,
Dat, que significa norma e iniciação.
“Deus” do tempo. Isto dificulta nossa compreensão e deforma
nosso conceito da realidade, já que pretende definir a base e
O judaísmo consiste na iniciação de um povo inteiro nas
objetivo da Torá de acordo com uma lógica humana limitada
normas/mitsvot* que os aproxima, gradativamente, ao Cadósh
pelo espaço e pelo tempo.
Barúch Hú.**
Nossa tradição nos transmite que “Antes da emanação
Essas normas constituem as leis objetivas a partir das quais das emanações e da criação dos mundos, a Luz do Infinito
o Cadósh Barúch Hú conforma Sua Criação, e que, codificadas, preenchia toda a realidade” (livro Ets Chaím – “A Árvore das
nos são transmitidas através da Torá. Vidas”), sendo a Criação uma projeção inferior de Sua mesma
Luz.
A palavra “Religião” não é aplicável ao judaísmo, uma vez
que confunde e faz com que este seja interpretado com base Na Torá, nos livros dos Profetas, Escritos etc. encontramos
em doutrinas estranhas. O conceito “religar” implica no ato dez nomes gerais que designam dez formas através das quais
de voltar a ligar duas ou mais coisas separadas. o homem pode perceber a plenitude da Luz Infinita que se
expande desde a Essência do Criador (consulte o vocábulo
A Criação está permanentemente unida ao Cadósh Barúch NOMES no capítulo “Conceitos Básicos”).
Hú – do contrário, não existiria. O dilema está na forma em que
Todos os nomes e denominações que a Torá emprega
o homem, síntese da Criação, se relaciona e percebe o Cadósh
não se referem à Essência do Criador, já que SUA Essência
Barúch Hú: com a consciência de que Ele e sua Criação são
encontra-se além de qualquer nome e denominação possível.
uma Unidade, ou fracionando a continuidade da realidade e
Os nomes mencionados na Torá em referência ao Criador
da vida.
indicam a percepção que o homem tem da plenitude da Luz
que se expande de SUA Essência, denominada na linguagem
da Kabalá, Atsmút.
* Mitsvót: Código que inclui 613 instruções contidas na Torá, para o trabalho A confusão e a falta de rigorosidade continuam quando
espiritual do povo de Israel. chegamos ao conceito “Alma”. Aqui, geralmente se multiplicam
** Cadósh Barúch Hú: Denominação hebraica empregada para designar, de as definições, ficando finalmente o conceito pendente em uma
forma geral, o Criador.
24 AS 3 DIMENSÕES DA KABALÁ: ESSÊNCIA, INFINITO E ALMA A LINGUAGEM DA SABEDORIA 25

áurea “espiritual” e “mística”, sem conteúdo, objetivo nem


direção. Isto quer dizer que, quando se fala de “Alma” ou espírito,
trata-se geralmente, como nos casos de “Religião” e “Deus”, de A LINGUAGEM
traduções inexatas das noções originais hebraicas.
DA SABEDORIA
A Luz projetada desde o Infinito dentro do espaço da
Criação adquire diversas gradações à medida que desce e
distancia-se de sua origem e de sua fonte.
A linguagem – em sua forma escrita e oral – é a ferramenta
Estes graus da Luz do Infinito, em sua descida pelos básica para se transmitir uma sabedoria. Por essa razão, é
diversos mundos, adquire características diferentes, de acordo impossível entender o judaísmo sem o conhecimento do real
com a sua distância espiritual em relação à fonte que a emite, significado dos conceitos e códigos transmitidos por esta
o Infinito/Ein Sof. Sabedoria.

Por isso, a tradição da Kabalá possui uma vasta e exata A Sabedoria de Israel está composta da tradição escrita/
nomenclatura, que indica os diferentes graus e formas através Torá shebichtáv e da tradição oral/Torá shebealpê que, em
das quais a “Alma” se manifesta. O estudo dessa nomenclatura conjunto, formam o conhecimento judaico.
(a qual desenvolveremos ao longo de nosso livro), tanto em sua A Torá de Israel, nossa Sabedoria e tradição, pode ser
forma teórica como na aplicação das Mitsvót, é a base do estudo comparada a um grande pomar com árvores frondosas, fortes
da Sabedoria da Kabalá. ramos e profundas raízes das quais extraem sua vitalidade. Para
que essas árvores deem frutos, é necessária uma elaboração da
qual participem todos os elementos de nosso pomar.
A semente colocada na terra deve receber luz e água para
finalmente dar seu fruto.
Nossa tradição nos relata que o homem é comparado a uma
árvore do campo. Para que o homem possa receber, é necessário
que transforme, através de seu trabalho, a matéria- prima do
mundo.
No mundo não há edifícios já construídos; devemos
construí-los. Para comer pão, devemos plantar, colher e depois
assar etc.
26 AS 3 DIMENSÕES DA KABALÁ: ESSÊNCIA, INFINITO E ALMA A LINGUAGEM DA SABEDORIA 27

O Cadósh Barúch Hú nos deu os elementos básicos para Esses dois caminhos de entendimento “cuidam” do interior
podermos completar a Criação. da Torá, já que ocultam mais do que revelam.
O Cadósh Barúch Hú nos deu a Torá, o plano – mas, para Ao entrar no laboratório de um grande cientista, sem o
extrair a Sabedoria contida na Torá, devemos nos esforçar e, conhecimento dos códigos de sua ciência, pouco ou nada
auxiliados por ela, extrair os frutos do nosso interior. entenderemos, apesar de termos tudo frente aos nossos olhos.
Quando a Torá não é trabalhada e estudada, é como ter-se A terceira letra (s) indica-nos o drash.
uma semente, terra e água, tudo potencialmente; mas, para Drash provém do verbo exigir (aursk). Esta leitura encerra
comer o pão, falta o trabalho do homem. E, por sua vez, para uma busca, pela qual o homem exige um significado mais
que todos possam comer, falta ensinar a arar, plantar, colher, profundo do texto do que nas perspectivas anteriores.
assar e saber dar.
A última letra do pardes (x) indica-nos o sod.
A palavra pomar, em hebraico pardes (x s r p), alude ao
pomar da Sabedoria, visto que as letras desta palavra formam Sod significa segredo. O Zôhar,* um dos livros mais
as quatro perspectivas através das quais entendemos a Torá. importantes da Sabedoria da Kabalá, define o sod como causa,
já que quem conhece a causa, conhece a consequência, ou seja,
A primeira letra (p) refere-se ao peshat. o “segredo”.
Peshat caracteriza o simples, é o relato literal da Torá. Enquanto o peshat e o rémez são, de certo modo, passivos
É exatamente o que lemos e escutamos, sem segundas para o principiante, o drash e o sod são decididamente ativos;
intenções. É a origem de todas as formas de percepção. provém de um imperativo totalmente consciente da vontade.
A segunda letra (r) alude ao rémez. Cada uma dessas perspectivas, através das quais a Torá se
expressa e se manifesta, não indicam uma mudança na essência
Rémez indica-nos uma insinuação. Não há uma diferença
interior da Torá, e sim na forma pela qual ela se apresenta perante
substancial com o Peshat, mas revela o interior dele.
nossa percepção e entendimento.
O rémez dá uma dimensão mais profunda ao relato, já que
O Rabino Ashlag nos explica que, do mesmo modo que uma
os personagens, as situações e todos os detalhes apresentados
pessoa se veste para apresentar-se frente ao público, a Torá se
pela Torá, inclusive as letras, nos transmitem uma lição sempre
atual.
No Peshat as ideias são expressas de forma direta, detalhada * O livro Zôhar recolhe a Sabedoria interior de Israel, a Kabalá, transmitida
e explicitamente, enquanto que no rémez são mencionadas pelo pelos Sábios da Mishná (copilação da tradição oral de Israel) até o tanaíta
Rabi Shimón Bar Iochai twwghz, século II. O termo zohar contém dois aspectos:
caminho invisível da insinuação e, para um bom entendedor, brilho e esplendor (da plenitude da Luz); e também cuidado e advertência
meias palavras bastam. (lehizahêr), já que para receber e transmitir Luz é necessário um cuidado
especial em nossos atos e intenções.
28 AS 3 DIMENSÕES DA KABALÁ: ESSÊNCIA, INFINITO E ALMA A LINGUAGEM DA SABEDORIA 29

“reveste” com diferentes “vestimentas” para que os homens 4. A linguagem da Kabalá


possam se aproximar dela, gradativamente, fazendo-a parte de
A linguagem da Kabalá utiliza todas as linguagens antes
suas vidas  .
mencionadas. A Kabalá, por ser a parte interior da Torá,
O entendimento integral da Torá requer uma visão que não é uma matéria separada da Torá e sim aquela que
sintetize a Sabedoria em uma só e única visão, como se sintetiza, une e forma a Torá como um todo indivisível.
observássemos, ao mesmo tempo, um mesmo acontecimento
a partir de todos os ângulos possíveis.
O vocábulo Kabalá significa literalmente recepção, ou seja,
Cada uma das perspectivas do pardes é imprescindível para é o estudo que prepara o homem para receber todos os graus e
que nossa compreensão da Sabedoria seja plena. planos de vida como uma única realidade.
Sendo Sod a causa, ela inclui todas, já que quando O capítulo Pirkê Avot da Mishná relata-nos que “Moshe kibêl
compreendo o significado interior como consciência dos Torá miSinai umessará lihoshúa...” – “Moshé recebeu a Torá
objetivos, começo a perceber a ordem na qual cada aspecto do Sinai, transmitindo-a logo a Ieoshua ...”. A palavra kibêl
cumpre sua função. /recebeu refere-se à Kabalá/recepção. Todos os Patriarcas,
Profetas e verdadeiros Sábios do povo de Israel foram e são
Mekubalím/Kabalistas, ou seja, receptores e transmissores
A Sabedoria da Torá é expressa da Sabedoria Interior da Torá, a Kabalá.
através de quatro linguagens gerais: A Kabalá permite-nos, através de seu estudo, fabricar os
instrumentos para conseguir uma leitura profunda, lúcida
1. A linguagem da Torá
e objetiva da Torá escrita/Torá shebichtáv e da Torá oral /Torá
Expressa nos 5 livros de Moisés (Pentateuco). shebealpê.
O conhecimento desta Sabedoria nos introduz ao trabalho
2. A linguagem da Halachá
espiritual consciente a partir do estudo das leis que regem os
Compêndio de leis e códigos, que inclui a Mishná, diversos planos da realidade. Essas leis estão codificadas nos
o Talmud, o Shulchán Arúch etc., transmitido diversos textos da espiritualidade de Israel: a Torá, o Sêfer
em uma linguagem técnica e sintética. Ietsirá, o Talmud, o livro Zôhar, o Ets Chaím, o Shulchán Arúch,
o Sidur etc.
3. A linguagem da Agadá
A linguagem da Kabalá é denominada Linguagem
Midrásh, relatos que ampliam e continuam a tradição das Ramificações/sfát haAnafím. Esta linguagem dá ao
escrita, Torá shebichtáv (Pentateuco) e a tradição oral, Torá vocabulário da Torá, da Halachá e da Agadá uma perspectiva
shebealpê (Mishná, Talmud, Shulchán Arúch etc.). multidimensional.
30 AS 3 DIMENSÕES DA KABALÁ: ESSÊNCIA, INFINITO E ALMA A LINGUAGEM DA SABEDORIA 31

Cada conceito da Linguagem das Ramificações/sfát Nos ensina o Rabino Ashlag que no espiritual, ao contrário
haAnafím desprende-se de um conceito prévio, encadeando do material, o ato de dar e receber não são simultâneos. Quando
assim causa e consequência, assim como uma árvore onde alguém me dá um objeto, eu o recebo imediatamente. No nível
cada ramo cresce de outro ramo. Quem seguir cuidadosamente espiritual, não é necessariamente igual. O dar e o receber não
o caminho dos ramos, chegará ao tronco e, depois, às raízes que são simultâneos. Quem ensina uma sabedoria não tem garantia
sustentam a árvore. nenhuma de que esta seja recebida, e sim que o “aluno” terá
que se esforçar para aprendê-la.
A Linguagem das Ramificações/sfát haAnafím não se
revela ao estudioso em sua aproximação exterior, uma vez A Torá nos foi entregue, Matán Torá, mas a recepção
que se dirige a causas interiores da Torá, para as quais é depende do nosso esforço. Cada geração, através de seus Sábios,
imprescindível o estudo dos códigos próprios da Kabalá. Estes deve revelar novos aspectos da Torá, já que a Torá é um projeto
códigos atuam em todas as perspectivas simultaneamente e, para todas as gerações.
quando conseguimos incorporá-los, adquirimos a sabedoria
para enxergar as causas e consequências interiores da realidade Avraham, Yits’chác, Iaacóv, nossos Patriarcas, como
e da vida. indivíduos, antes da consolidação do povo de Israel, chegaram a
entender os princípios gerais contidos na Torá mesmo antes do
Os primeiros livros mencionados por nossa tradição (de Matán Torá. Por outro lado, quando se pensa em todo um povo
acordo com o Midrash, o Talmud e todos os escritos Kabalísticos no decorrer de todas as gerações, necessitamos de um sistema
de todas as épocas), mesmo antes da entrega da Torá, são livros educativo integral, baseado em princípios e leis que atinjam a
puramente de Kabalá, como o livro Raziêl haMalách,* cuja todos os indivíduos, a recepção da Torá/cabalat haTorá.
existência supera 5000 anos, e também o Sêfer Ietsirá **/“Livro
da Formação”, escrito por Avraham Avinu. A Kabalá nos introduz ao conhecimento de como receber
todos os graus da Sabedoria, através da aplicação das leis e dos
A Torá escrita/Torá shebichtáv e a Torá oral /Torá shebealpê, códigos contidos na Torá, as Mitsvót.
formam as leis objetivas que regem a Criação, portanto elas já
existiam antes do mundo. Isso é similar às leis da física que o Quando entendemos e realizamos as Mitsvót de forma
homem não as inventa e sim as descobre. consciente, ou seja, não somente em sua manifestação exterior
e sim, também, modificamos nossa atitude interior, começa
a surgir a verdadeira harmonia entre as pessoas. Então
poderemos pensar na verdadeira espiritualidade e na fusão
* Vide “Midrash Shocher Tov Bereshit”, “Meám Loez Bereshit”, “Sêfer haIashar, do homem com o Cadósh Barúch Hú. Por outro lado, até
Nôach”.
chegarmos a este momento, ainda estaremos centralizados
** De acordo com os Kabalistas de todas as épocas e com os primeiros
em nós mesmos, ou seja, não estaremos prontos a dar. Apenas
intérpretes (“Sêfer Ietsirá”, Aryeh Kaplan, Introdução XII).

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