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A Bíblia e seus intérpretes:

uma breve história


da interpretação.
Pr. Eliandro Cordeiro
A NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA.
Introdução:
A Bíblia é um livro, e como tal exige, interpretação. Ela é um
livro escrito por homens, porém, é a Palavra de Deus.
Por que interpretar a Bíblia? Há uma distância em diversos
aspectos entre os autores das Escrituras e os seus leitores.
“Como Palavra de Deus, a Bíblia deve ser lida como nenhum
outro livro. Mas, tendo sido escrita por homens, ela deve ser
interpretada como qualquer outro livro.” (Lopes, A.N.p.21)
As duas naturezas da Bíblia
A Bíblia como livro humano:
A Bíblia não caiu pronta do céu, mas foi
escrita por diferentes pessoas em
diferentes épocas, línguas e lugares; isto é,
há um distanciamento entre o autor e o
leitor.
O fenômeno do distanciamento
em diversas áreas:
Distanciamento temporal: o último livro da Bíblia foi escrito no final do século 1 da
Era Cristã, cerca de dois milênio distante de nós. Nesse espaço de tempo ocorreram
mudanças culturais e linguísticas. Este “abismo temporal” deve ser levado em conta
durante a sua interpretação.
Distanciamento contextual: os livros da Bíblia foram escritos para atender a
determinadas situações, que já se perderam no passado distante. Recuperar o contexto
em que esses livros foram escritos é essencial para entendermos melhor a sua
mensagem.
Distanciamento cultural: o mundo em que os escritores da Bíblia viviam já não
existe. Embora a inspiração das Escrituras garanta a relevância para a nossa época,
essa comunicação foi registrada em determinada cultura. O intérprete deve considerar
o jeito de escrever daquela época e transpor a distância cultural.
Distanciamento linguístico: a língua em que a Bíblia foi escrita já não existe. Cada
língua tem o seu jeito próprio de comunicar conceitos e os leitores da Bíblia devem
levar em conta esse fato.
Distanciamento autoral: reconhecemos que teríamos uma compreensão melhor da
mensagem de alguns textos bíblicos se os seus autores estivessem vivos. Interpretar é
tentar transpor o distanciamento e chegar ao sentido exato do texto, à intenção
autoral.
A Bíblia como livro divino:
O fato de que a Bíblia foi inspirada por Deus,
sendo assim a Sua Palavra, deve ser levado em
conta por aqueles que desejam interpretá-la
corretamente. A divindade e a humanidade das
Escrituras devem ser mantidas em equilíbrio.
Enfatizar uma em detrimento da outra promove
erros hermenêuticos.
A natureza divina da Bíblia provoca outros
tipos de distanciamentos:
Distanciamento natural: a condição humana impõe limites à nossa
capacidade de entender e compreender as coisas de Deus. Não bastam,
portanto, ferramentas hermenêuticas corretas para entender as
Escrituras.
Distanciamento espiritual: somos pecadores e isso impõe ainda mais
limites à nossa capacidade de interpretação bíblica.
Distanciamento moral: é a distância que existe entre intérpretes
pecadores e egoístas e a pura e santa Palavra, que pretende trazer
lucidez.
Entendendo o lado humano da Bíblia:
Até que ponto o lado humano das Escrituras
possibilitou a entrada de erros na mesma?
Afirmamos que a Bíblia é a Palavra de Deus,
verdadeira em tudo que afirma, com algumas
qualificações que mencionamos a seguir:
3- Não sabemos tudo: não podemos explicar
1- Erros de copistas: ao dizer que a todas as questões bíblicas em termos
Bíblia é verdadeira em tudo que absolutamente satisfatórios. No entanto, não
afirma, não estamos negando que aceitamos soluções que diminuam a autoridade
erros de copistas se introduziram no das Escrituras, sugerindo erros ou contradições.
longo processo de criação da mesma. É preferível aguardar por mais informações que
A inerrância é um atributo dos nos ajude a achar soluções compatíveis com a
autógrafos. natureza da Escritura e sua origem divina.

2- Linguagem de acomodação: os 4- Traduções não são inerrantes: não se


autores se expressaram nos termos e afirma a inerrância das traduções bíblicas.
dentro do conhecimento disponível Em muitos casos, os tradutores tiveram que
daquela época, acomodando a
verdade revelada em termos do que tomar decisões relacionadas com a melhor
sabiam do mundo. Os autores se maneira de verter determinado termo ou
expressavam mediante a linguagem expressão, e tais decisões, não sendo
das aparências, acomodando-se ao inspiradas por Deus, nem sempre foram as
conhecimento da época. melhores ou as mais corretas.
OS PRIMEIROS INTÉRPRETES DO ANTIGO
TESTAMENTO
O Antigo Testamento é
interpretado por dois grupos:
1- Os intérpretes de fora da
comunidade cristã e os próprios
autores veterotestamentários;
2- Os autores do Novo Testamento
à luz do contexto interpretativo
amplo do judaísmo do primeiro
século.
Os autores do Antigo testamento:
A interpretação das Escrituras pelas próprias Escrituras.
Os homens que escreveram o Antigo Testamento, particularmente os
que vieram depois de Moisés, utilizaram as Escrituras já produzidas
antes de seu tempo. Isso se chama linguística de intertextualidade e
compreende as diversas maneiras pelas quais a produção e recepção
de dado texto dependem do conhecimento de outros textos por
parte de seu autor ou autores. É importante para nós entender
como os autores das Escrituras usaram as próprias Escrituras, dadas
antes deles. Afinal, foram eles os seus primeiros intérpretes.
As Escrituras como edifício
hermenêutico:
Podemos nos referir às Escrituras como uma grande empreitada
interpretativa. É natural que os autores bíblicos, ao registrarem
a revelação, o fizessem em termos e com a ajuda dos escritos
inspirados anteriores que já gozavam de status de Escrituras.
Encontramos em escritos anteriores o uso de fontes sagradas
antigas. Ao utilizar essas fontes, o próprio autor bíblico estava
engajado em sua interpretação. Interpretar é entender um texto
existente, apreender o seu sentido, e aplica-lo à situação
presente. Foi o que os autores do A.T. fizeram ao usar, em suas
obras, Escrituras já existentes.
TORÁH PROFETAS PROFETAS OS ESCRITOS
Gênesis ANTERIORES: POSTERIORES: Salmos
Êxodo Josué Isaías Jó
Levítico Juízes Jeremias Provérbios
Números 1Samuel Ezequiel Rute
Deuteronômio 2Samuel Oseias Cantares
1Reis Joel Eclesiastes
2Reis Amós Lamentações
Obadias Ester
Jonas Daniel
Miqueias Esdras
Naum Neemias
Habacuque 1Crônicas
Sofonias 2Crônicas
Ageu
Zacarias
Malaquias
A pirâmide hermenêutica das Escrituras
NT

Profetas Escritos

Toráh
A transmissão escrita da Revelação
Tanto Israel como outros povos do Antigo Oriente
confiavam na escrita para a transmissão do que era
realmente importante. A tradição oral se ocupava
daquilo que era menos relevante.
Desde cedo, o material que hoje compõe o cânon do
A.T. adquiriu forma escrita para ser transmitido de
geração em geração. Mesmo na época de Moisés e
no Antigo Oriente Próximo, havia a consciência
clara da necessidade de preservar o que era
proveniente de Deus como revelação.
O uso de fontes escritas
Na Lei encontramos referências a fontes escritas que foram
provavelmente utilizadas por Moisés ou pelo editor final do Pentateuco
(êx.17.14;24.7;Nm 21.14;Dt 28.61). Sem dúvida, transparece que a
composição do Pentateuco utilizou fontes escritas existentes, algumas de
tempos anteriores a Moisés, outras do seu próprio tempo.
1- Isso em nada diminui a inspiração e autoridade da Bíblia;
2- Não significa que o Pentateuco foi composto por um redator
desconhecido;
3- Não se trata de Escritura usando Escritura, pois esse material escrito,
existente e anterior, nunca chegou a obter canonicidade ou status de
Escritura como se conhece hoje.
Os profetas anteriores
Os escritos de Moisés foram abundantemente usados e, portanto, interpretado pelos
Profetas (tabela).
1- Josué: com base na teologia do Pentateuco (Deuteronômio), Josué desenvolve vários
temas, tais como, aliança, guerra santa, distribuição de terra, unidade do povo. A
intenção é mostrar como Deus cumpriu fielmente sua promessa de dar aos patriarcas
uma terra de descanso, segundo tudo o quanto disse a Moisés.
2- Juízes a 2 Reis: continuam os principais temas de Josué. Pressupõe que seus leitores
conheciam as advertências de Moisés (Dt 4.26) e de Josué (Js 23.12ss) que são
mencionadas, assim como a explicação teológica para a queda da nação de Israel
séculos após conquista.
Profetas posteriores
Os mesmos princípios interpretativos dos profetas anteriores permanecem nos
posteriores. Há varias evidências claras de que os profetas escritores conheciam e
utilizaram as Escrituras existentes na composição de suas obras. Isaías, por exemplo,
recorre à Gênesis 13 e Deuteronômio 29. O profeta Jeremias usa o Pentateuco em
seus escritos e parece ecoar Êxodo 4.22. Há uma clara alusão a Êx.21.2 (cf. Dt 15.12),
etc.
Ezequiel praticamente reescreve as prescrições de Levítico e Deuteronômio quanto ao
templo e à ordem sacerdotal. Zacarias 5.1-4 se vale de Deuteronômio lembrando a
maldição sobre a terra.
Oséias cita Gn.3. para lembrar a quebra da aliança com Deus. E há muitos outros
exemplos do emprego do pentateuco como interpretação.
Os Escritos
Nos Escritos encontramos diversas obras que formam o que chamamos
de Literatura Sapiencial. Esses livros refletem a resposta subjetiva do
crente perplexo, que percebe que a obediência aos termos da aliança
prescrita e abençoada no Pentateuco nem sempre é recompensada.
Nos Escritos tem-se a crença das derrotas militares como castigo
divino, seguindo a perspectiva de Moisés. Tome-se como exemplo o
livro das Crônicas (Eg. Dt 28.36,37,64; Lv 26.17). Os profetas seguem
as mesmas perspectivas que os Escritos.
O ponto central: na própria estrutura do A.T. percebe-se a
interdependência dos seus escritos. O A.T. é um grandioso
empreendimento hermenêutico.
Característica da interpretação das
Escrituras no A.T
Não se fala, a rigor, em um método de
interpretação comum a todos eles, mas
pode-se apontar para alguns princípios que
pareciam controlar esse uso das Escrituras
em suas obras.
1- Atitude para com as Escrituras: autores do A.T.
Consideravam as Escrituras como sendo a infalível e
autoritativa Palavra de Deus quanto à fé e prática do
seu povo.
2- Propósito aplicativo: autores do A.T. consideravam
as Escrituras como tendo caráter válido e permanente
em contextos diferentes daqueles em que foram escritas,
dando à elas um caráter eminentemente prático.
3- Consciência de autoridade: os autores do A.T.
reconheciam o caráter profético das Escrituras, pois as
mesmas anteciparam situações que só viriam a acontecer
séculos depois.
4- Leitura natural do texto: os autores bíblicos, via de regra, usaram as
Escrituras existentes fazendo uma leitura natural do seu estilo, sem alegorias
ou interpretações fantásticas.
5- Base para desenvolvimento da teologia bíblica: o uso de Escrituras
anteriores pelos autores do A.T. é uma das principais chaves para o
desenvolvimento de uma teologia bíblica do A.T. A hermenêutica e a teologia
estão muito proximamente relacionadas no círculo hermenêutico. Existe uma
codependência entre as duas disciplinas porque existe a necessidade de
interpretar e fazer teologia.
6- Midrash: muitos estudiosos do A.T., judeus e protestantes, têm chamado o
uso da Escritura pela própria Escritura de midrash.
Os rabinos do antigo Israel
Sem Jerusalém, o templo e a monarquia
davídica, os escribas e rabinos tornam-se
importantes figuras da interpretação das
Escrituras para que o povo se volte à
Lei/Livros. Toda a mudança de referências
exige a interpretação das Escrituras.
Foi neste período que surgiram diversos
livros, contudo, não foram conhecidos como
inspirados.
A Torá oral
O Pentateuco representavam no cânon hebraico a primeira divisão,
chamada Torá (instrução). Por muitos séculos os judeus consideravam
Torá somente os escritos de Moisés como inspirados. Porém, no
período do segundo templo, surgiu a Torá oral.
A Torá oral consistia em toda a tradição exegética desenvolvida e
transmitida oralmente pelos rabinos, tanto em matérias legais
(halakah), quanto em exposições homiléticas (Agadah). A Torá oral
surgiu da necessidade de traduzir-se as Escrituras do hebraico para o
aramaico. Eram feitas leituras do texto hebraico nas sinagogas e estas
eram seguidas de um resumo explicativo em aramaico. Essas paráfrases
foram expandidas e elaboradas a ponto de surgir a necessidade de
serem registradas por escrito, dando origem aos primeiros targumin.
As fontes para o estudo da
interpretação rabínica das Escrituras
1- Midrashim (“investigar, averiguar”): na época rabínica significou tanto um tipo de
literatura quanto uma forma de interpretação da literatura bíblica. É um método de
interpretação. O midrash ia além de uma interpretação literal e simples, ele procurava
penetrar no espírito da passagem, indo além do sentido evidente da mesma. O midrashim se
subdivide em: midrashim haláchicos e midrashim adádicos, ou homiléticos.
2- Mishna: depois da queda de Jerusalém em 70 d.C., mestres e estudiosos judeus conhecidos
como tannaim continuaram a elaborar e sistematizar a Torá oral, processo esse que, segundo
imagina-se, foi iniciado pelo Rabino Hillel, antes de Cristo. Ashna é uma obra haláchica, ou
seja, concentra-se na exposição de material legislativo do Pentateuco.
3- Talmude: existem dois tipos: o de Jerusalém e o Babilônico. Ambos são compostos do
Mishna e Guemara (exposições minuciosas de detalhadas do Mishna).
A exegese rabínica
Quanto ao seu conteúdo e propósito, encontramos dois
tipos de exegeses: a exegese haláchica e agádica.
• Exegese haláchica: dedica-se à interpretação das leis
escritas da Torá com o propósito de definí-las e
entender seus princípios.
• Exegese adádica: aplica-se a todo o material de
caráter não legislativo tais como narrativas, profecias e
salmos.
Quanto ao método da exegese rabínica, encontramos
também duas formas: o peshat e o midrash.
• Peshat (“despir”, “depenar”): este método é a atividade
exegética dos rabinos que busca expor o sentido do texto
bíblico por meio de um método similar, em vários aspectos, ao
método que hoje chamamos de gramático-histórico.
→ Busca o sentido mais simples: evitava ir além do sentido
natural do texto.
→ Exegese literal: procurava dar o sentido literal do texto.
→ Atenção à linguagem bíblica: reconhecia que nem todas as
palavras do texto têm a necessidade de conter algum sentido
oculto.
O Peshat existia em oposição ao método midrash.
• Midrash: o alvo dos rabinos com esse método era encontrar a
aplicabilidade da Torá para o seu próprio tempo. O método não se
preocupa com o sentido original e contextual de uma passagem. Trata-se
de um tipo de interpretação conhecida como “alegoria”.
→ Multiplicidade de sentidos num único texto: os seus intérpretes
criam num tipo de revelação progressiva.
→ Alegorização do texto bíblico: uma das causas para alegorizar textos
da Torá era o conceito mecânico de inspiração adotado pelos rabinos, o
que tendia a minimizar o aspecto humano das Escrituras.
→ Significado dos detalhes: buscavam significado espiritual e teológico
em todo e qualquer detalhe do texto sagrado.
•Notarikon (Kabbalah): no cada nome próprio tinha um sentido. O
método cabalístico entra como um intérprete, usando novas palavras e
combinando as primeiras e últimas letras de algumas palavras
consideradas “especiais”.
→Tendência à harmonização: concebia-se as Escrituras como uma
unidade monolítica simples e era insensível ao fato de que a
revelação foi dada de forma progressiva, e que há um crescendo na
mesma, resultando em diferenças na linguagem bíblica. Como
resultado, todas as contradições encontradas eram resolvidas pela
harmonização.
→Atualização ou aplicação: essa é uma característica central da
interpretação midráshica. Interpreta-se as Escrituras para aplicar
resultados ao presente. Baseava-se na pressuposição de que um texto
tinha muitos sentidos e vários níveis de significados.
Regras de interpretação
O sistema de interpretação dos rabinos foi desenvolvido oralmente durante um
longo tempo até que as regras utilizadas foram compiladas de maneira sistemática.
As sete regras (middot) de Hillel:
1) Qal wahomer (leve e pesado).
2) Gezerah shawah (equivalência de expressões).
3) Binyan ab mikathub ‘ehad ( construindo a partir de um texto).
4) Binyan ab mishene kethubim (construindo a partir de dois textos).
5) Kelal upherat (o geral e o particular).
6) Kayoze bo bemaqom áher (analogia feita de outro lugar).
7) Dabar halamed meinyano ( explicação obtida do contexto).
O Novo Testamento e a exegese rabínica
Os escritos do Novo Testamento utilizaram-se,
em sua hermenêutica, dos princípios e
métodos rabínicos de interpretação? Era Paulo
um rabínista?
Paralelos citados:
1- Uso de midrash em Rm.9-11, ou seja, citação de passagens do A.T., algumas vezes
ligadas entre si por uma palavra-chave e um rápido comentário a fim de aplicar o texto.
2- Uso da primeira regra de Hillel: 1Co 9.9, citando Dt 25.4; 2Co 3.6-11 citando Êx.
34.30 e Jr 31.31ss.
3- Midrash em 1Co 10.1-4 da agadah sobre a peregrinação dos israelitas no deserto, ou
seja, há uma expansão e atualização da passagem com a alegoria da “rocha”.
4- O tratamento alegórico da agadah sobre Sara e Hagar em Gl 4.21-31. Paulo
denomina a passagem de alegoria.
5- Seu argumento baseado no singular da palavra sperma em Gl.3.16, conforme a
LXX (Gn12.7; 13.15; etc) relembra os artifícios rabínicos em uma única palavra ou
letra.
6- O midrash em Abraão, o pai da fé, em Rm.4.
Fórmulas literárias fixas:
— Tema e pergunta levantados pelo texto do dia;
— Contrapergunta e exposição;
— Aplicação escatológica por meio de um argumento “do menor para o maior”.
— Texto final.
Alguns estudiosos identificam um padrão similar em Gl. 4.21-5.1:
— Introdução e texto inicial - 4.2ss com Gn.21.
— Citação complementar (4.27;Is 54.1) e exposição ligada verbalmente ao texto
inicial e final (4.22-29).
— Texto final e aplicação (4.30-5.1).
Os problemas das fontes rabínicas
• O estado dos textos rabínicos: muitos textos hoje não dispõem de um
aparato crítico.
• Compreensão dos textos: muitos estudiosos do N.T. estão lendo os
textos rabínicos com os óculos dos comentaristas judeus medievais.
• A data exata dos textos rabínicos: as datas são grandemente
questionáveis.
• A exatidão das atribuições: a autoridade que o mishna reivindica é
basicamente a das atribuições. Mas será que são exatas?
• Anacronismo: encontramos estudiosos do N.T. citando textos do século
IV ou V para ilustrar o ensino e método rabínico do século I.
• Paralelomania: colocam lado a lado elementos do Cristianismo e
Judaísmo primitivos, constatam similaridades, e, com base nelas,
concluem que o Cristianismo copiou isto ou aquilo do Judaísmo da
época.
A COMUNIDADE
DO MAR MORTO
A descoberta dos rolos de Qunram, em 1947,
trouxe mais luz sobre os intérpretes das
Escrituras do A.T. no período do Segundo
Templo e no início do período apostólico.
Esses documentos refletem as práticas
hermenêuticas daquela época.
Embora as interpretações contidas neles tem
similaridades com a exegese rabínica,
distancia-se desta e se aproxima mais daquelas
praticadas no N.T.
Produzidos na mesma época e dentro do
mesmo contexto linguístico, cultural e, até
certo ponto religioso, as duas comunidades se
consideravam legítimas herdeiras do Judaísmo.
A comunidade que produziu os manuscritos
¬Quem escreveu os manuscritos? Há duas teses principais:
seita dos essênios e o grupo dos “terapeutas”.
¬Crenças da comunidade: consideravam-se o remanescente fiel,
o verdadeiro Israel. Forte consciência escatológica, messianismo,
crendo na futura aparição de três messias.
¬As Escrituras: os essênios aceitavam o A.T. como Palavra de
Deus e propunha observância meticulosa à Lei de Moisés.
Os escritos da comunidade
— Escritos bíblicos: até a descoberta do Mar Morto, os manuscritos
mais antigos do A.T. em hebraico datavam dos séculos IX e X d.C., e
os gregos (LXX) do século IV d.C.
— Escritos religiosos: os mais conservados na vida da irmandade são:
A Regra da Comunidade (1QS), O Documento ( ou Pacto) de Damasco
(CD), O Rolo da Guerra.
— Exposições bíblicas: comentários ou Pesherim.
— Expansões bíblicas: obras em que as narrativas bíblicas são
reescritas e expandidas (Bíblia reescrita).
— Escritos seculares: assuntos não religiosos (Rolo de bronze).
A hermenêutica dos
intérpretes de Qunran
− Era mais aplicação do que exegese, consistindo no emprego direto de
passagens das Escrituras à história da irmandade.
− Crença na revelação contínua, distinguindo-a em três períodos.
− Consciência escatológica, ou seja, as profecias do A.T. tinham sentido
velado, conhecido apenas pelo Mestre da Justiça e que se aplicava
somente à irmandade. A escatologia controlava a interpretação.
− Mistério e revelação: concebiam que a revelação bíblica era dada em
dois estágios: raz ( mistério divino comunicado por meio dos profetas)
e pesher (o sentido velado do mesmo, por meio de intérpretes da
irmandade e especialmente o Mestre da Justiça).
→ Referencial escatológico e atualização: para esses intérpretes, as
profecias não tinham qualquer aplicação ao tempo em que os
profetas escreveram, mas se referiam ao tempo do fim.
→ Alegoria: alegorizar significa “expressar uma coisa em termo de
outra”. Significa entender que o texto está dizendo uma coisa
utilizando-se de outra, ou seja, o verdadeiro sentido do texto não é
o que está aparentemente óbvio, mas o oculto por detrás das
palavras.
→ Interpretação por revelação: o Mestre da Justiça era considerado
aquele a quem Deus havia revelado todos os mistérios dos profetas,
e a quem Deus havia concedido o sentido das Escrituras.
A relação entre os autores do N.T.
e os intérpretes do Qunran
Semelhanças e diferenças:
As semelhanças são aparentes, sendo a maioria explicada pelo
fato de que as duas comunidades surgiram num mesmo
contexto cultural, linguístico e religioso, que foi o Judaísmo
do segundo Templo. Outras podem ser explicadas à luz da
semelhança histórica entre os dois grupos: ambos saíram do
Judaísmo com a convicção de que eram o verdadeiro Israel, e
de que possuíam a chave hermenêutica da interpretação das
Escrituras de Israel. Textos que encontramos no N.T. referentes
a Jesus Cristo são encontrados nos escritos da comunidade,
porém, com outra interpretação.
Consciência escatológica: os autores do N.T. estavam
conscientes de estarem vivendo os últimos tempos e de que
tudo o que foi escrito no A.T. tinha como alvo os cristãos
(1Co10.11). Israel é apenas um exemplo para a Igreja, serve
como princípio para aplicar às circunstâncias presentes.
Mistério e revelação: para os autores neotestamentários, o
A.T. era um livro fechado, até que as mentes fossem
iluminadas quanto ao seu sentido real (2Co 3 e 1Co 2.6-16).
O plano divino da salvação era um mistério só conhecido
por meio de revelação (cf. 1Co 2.7-10). Tal revelação estava
ligada à interpretação das Escrituras, conforme todo o N.T
(1Co 15.51-56; Ef 5.31-32; Rm 16.25-26).
—Referencial escatológico: os autores do N.T. acreditavam que a
morte e a ressurreição de Cristo, bem como o surgimento e
expansão da igreja, eram o cumprimento das Escrituras e citam o
A.T. nesse sentido. E as Escrituras se cumprem em Cristo, quando a
Lei seria escrita no coração do seu povo. Portanto, o messias já veio.
Enquanto para a comunidade de Qunran, interpretavam que estavam
recebendo uma nova revelação e que deveria elaborar novas leis.
—Alegoria: Paulo interpreta Gl 4.21-31 referindo-se às duas leis (lei
e graça). Ele interpreta o texto num contexto maior, diferente de
Qunran que não tinha a noção de história progressiva da salvação,
na qual cada etapa ilumina, esclarece, e dá sentido à anterior.
Filo de
Alexandria
Filo de Alexandria é importante para a história da
interpretação bíblica devido à, principalmente, sua influência
sobre vários dos primeiros intérpretes cristãos que seguiram o
método alegórico da interpretação por ele realizado e
popularizado.
Simpático à filosofia grega, a hermenêutica de Filo tornou-se o
método de interpretação predominante em uma das mais
importantes escolas e catequese nos primórdios da Igreja Cristã:
a Escola de Alexandria. E, com devidas modificações ao longo
do tempo, ainda permaneceu como método hermenêutico na
Idade Média.
Filo escreveu diversas obras, porém, com caráter hermenêutico
alegórico, uma vez que o método se encaixa à filosofia platônica
e, ao ver de Filo, às doutrinas da Torá.
Filo e as Escrituras:
Embora Filo cite os Profetas e os Escritos, é o Pentateuco a parte mais citada das Escrituras.
Para ele, as Escrituras estavam acima da literatura secular. O Antigo Testamento não têm o
mesmo valor que obras humanas. As Escrituras são autoritativas, de origem divina. Homero
nunca foi colocado ao lado de Moisés.
No entanto, concernente à inspiração da Revelação, Moisés é tanto o receptor quanto o
transmissor da Palavra de Deus. Ao contrário do Judaísmo, Filo não vê Moisés como um
receptor passivo, mas como um autor real do Pentateuco. A Escritura é uma palavra que veio a
Moisés e que também procedeu dele, ao mesmo tempo. A personalidade de Moisés permanece
ligada à Torá. Assim, a inspiração divina está por detrás da personalidade humana, mas não
toma o seu lugar.
Quanto ao propósito das Escrituras, Filo não a considerava como um fim em si mesma, mas era
o meio de obter comunhão com Deus. Assim, a Torá não era só o registro de fatos antigos, mas
prefigurava a experiência do homem com Deus. Ela é o relato dos fatos passados e o manual
para a progressão espiritual no presente.
O texto utilizado por Filo era a LXX, sendo o único intérprete judeu na história da
interpretação da Bíblia que utiliza exclusivamente a versão grega do Antigo Testamento e não o
texto hebraico.
O método exegético de Filo:
Filo estava batalhando contra duas frentes: os excessos interpretativos
de poucos “alegoristas extremos” e os “literalistas” que interpretavam
literalmente passagens que continham referências a Deus como se Ele
fosse homem (antropomorfismo).
Filo alegorizava qualquer passagem das Escrituras, pois seu
pressuposto fundamental é que por detrás do sentido literal subjaz o
sentido alegórico, que é o verdadeiro e mais importante.
Para tal, ele reconhecia dois tipos de níveis de sentido na Escritura,
o literal e o alegórico. Esta estrutura faz menção à herança
platônica, onde a alma ganha maior importância que o corpo.
O caráter da alegoria de Filo:
• Moisés pretendeu dizer algo da sua sabedoria
ocultando-o além do sentido literal da Torá. Alegoria
significa a aplicação de todo o tipo de interpretação
que pressupõe a existência de sentidos ocultos, além
daquele sentido natural e óbvio da passagem.
• Nem todo sentido não literal é necessariamente
alegórico. Filo alegorizava passagens que eram ao
mesmo tempo sagradas e difíceis. Provavelmente
herdou isso dos intérpretes da literatura grega, os
quais justificavam os vícios dos deuses com alegorias.
A grande alegoria
Filo compunha as suas alegorias dentro de uma alegoria maior,
a qual lhe dava consistência e unidade. O Pentateuco era o
“adesivo arquitetônico” utilizado em suas interpretações. A
linha mestra da interpretação é a ideia de que as Escrituras são
mapas que guiam o crente numa jornada rumo à perfeição
espiritual. Como em Platão, a alma deve se libertar do corpo
que a aprisiona a este mundo.
Assim, cada parte do Pentateuco se encaixa como passo a passo
nesta jornada espiritual. Para ele, Platão derivou as suas ideias
de Moisés.
Filo e o Novo Testamento:
Teriam os autores neotestamentários sido influenciados por Filo, dado a presença de
algumas “alegorias” em seus textos? Há diferenças enormes!
(a) Paulo quase nunca usa alegoria.
(b) Paulo e Filo têm pressupostos totalmente diferentes.
(c) Paulo tem consciência escatológica.
Além dessas, há diferenças em conceitos teológicos. Filo e Paulo concordam quanto à
transcendência de Deus, mas discordes quanto ao acesso a Ele. O Logos de Filo e o
Cristo de Paulo, enquanto radicalmente diferentes, representam um mecanismo similar
pelo qual o Deus transcendente se torna imanente. Entretanto, o Logos de Filo é
atemporal, o de Paulo é um evento histórico.
FLÁVIO
JOSEFO
A interpretação de Flávio Josefo tem características
semelhantes à dos cristãos em alguns aspectos, e diferentes das
leituras do Judaísmo, pois conviveram num mesmo período.
Mesmo não se convertendo ao cristianismo, Josefo acreditava no
que os cristãos diziam acerca de Jesus.
Em todas as suas obras, Josefo cita o A.T. dividindo-o em Lei,
Profetas e Escritos.
Josefo e a alegoria: raramente o historiador judeu usa alegoria
nos seus escritos.
O historiador interpreta a narrativa bíblica com os seguintes
alvos em mente:
→ O objetivo apologético
→ O objetivo teológico
Os escritores do Novo
Testamento e Flávio Josefo
É difícil saber se Josefo conhecia os escritos neotestamentários ou o apóstolo
Paulo, embora, quando morreu, já circulasse cópias dos Evangelhos e das cartas
paulinas.
Diferenças entre Josefo e o N.T:
−Escatologia: Josefo não tem interesse escatológico. Os escritores do N.T. viam-se
como profetas e afirmavam que o A.T. encontra o seu cumprimento em seus
próprios dias.
−Atualização: Josefo se preocupa em interpretar o A.T. para harmonizar com a
cultura grega. O N.T. aplica as Escrituras “cristocentricamente”.
−Resolução de problemas do texto: Josefo se preocupa com remoção e adaptação
de dificuldades dos textos. Os autores do N.T. creem que as Escrituras são a
Palavra de Deus tal como é.
OS AUTORES
DO NOVO
TESTAMENTO
A Bíblia e os autores do Novo Testamento: os autores do N.T. eram as
Escrituras judaicas que vieram a se chamar Antigo Testamento. A
versão mais usada era a LXX.
O Antigo Testamento no Novo: os autores do N.T. construíram seus
escritos sobre a revelação escrita prévia, as Escrituras
veterotestamentárias.
Duas formas de citações:
1-Citações formais: “está escrito” ou coisa semelhante, seguidos pela
reprodução do A.T.
2-Alusões intencionais: quando não há uma referência direta das
Escrituras, mas está dependendo de uma ou mais passagens do A.T.
•Dificuldades com as citações: mantém-se a interpretação hermenêutica,
respeitando o seu princípio, embora distoe das palavras.
•Localização ignorada: quando o autor cita a passagem, mas não parece
conseguir localizá-la no A.T.
•Mudanças intencionais do texto: quando ocorre a mudança de uma ou
outra palavra para adaptar a passagem ao seu contexto, sem alteração
alguma do sentido original.
•Uso da LXX: alguns vezes se utiliza a LXX, noutras o texto hebraico.
•Tradução independente: às vezes cita-se uma passagem de maneira
diferente do texto hebraico e da LXX.
•Texto em outro contexto: mesmo não ocorrendo alterações significativas
nas citações, o texto referido é empregado pelo autor num contexto
aparentemente diferente do original.
Princípios controladores da
hermenêutica neotestamentária
Cristo é a chave das Escrituras: os autores estão convencidos de que Cristo é a
chave que abre o sentido do A.T.
Os últimos dias já raiaram: os autores estão convencidos de que o seus dias são
dias de cumprimento, de realização da promessa do A.T., e que, em Cristo, a
época futura predita pelos profetas havia raiado.
Tipologia: os autores compreendem que há uma continuidade íntima entre os
eventos narrados no A.T. e aqueles ocorrendo nos dias dos autores do N.T.
A diferença entre tipologia e alegoria: o tipo aponta para a correspondência
histórica e teológica de um evento, ao passo que, alegoria não respeita o texto
nem o contexto, mas busca um sentido oculto por detrás do texto.
Interpretação como um dom espiritual dos apóstolos: os
autores tem a consciência de que são levados pelo Espírito
Santo a descobrir o verdadeiro sentido dos antigos escritos
do Livro Sagrado, sentido esse que é consistentemente
cristocêntrico.
O Espírito como Mestre: a revelação dos mistérios de Deus
contidos nas Escrituras do A.T. era um dom apostólico,
consignado aos autores do Novo Testamento como parte da
inspiração divina.
Revelação dos mistérios: no N.T., mistério não significa
segredo, mas revelação que fora se desdobrando
progressivamente ao longo da história da salvação.
OS INTÉRPRETES DA BÍBLIA
NA HISTÓRIA DA IGREJA
CRISTÃ
Alexandrinos e antioquianos.
A Escola de Alexandria: o sistema interpretativo é
a alegorese. Seus principais representantes são
Heráclito e Platão. Já no século I, seus principais
representantes foram: Filo (o judeu), Clemente de
Alexandria, Orígenes e Atanásio (pais da Igreja).
A Escola de Antioquia: o sistema interpretativo é
a do sentido literal. Fundada por Luciano de
Antioquia, teólogo cristão (240- 312 d.C).
Os pais latinos
Principais características hermenêuticas:
−Preferência pela interpretação literal.
−Atenção ao contexto histórico da passagem.
−Preferência pelo sentido do texto que melhor reflete a intenção do
autor.
−Utilização de alegorias ocasionais.
−Observação da regra que passagens mais complexas devem ser
interpretadas à luz das mais nítidas.
−Regra de fé da igreja, isto é, exegese + dogmas.
Os intérpretes da Idade Média
Características da interpretação bíblica dessa época:
O uso da quadriga, i.é: os quatro sentidos das Escrituras.
Apoio às inovações da Igreja Medieval (ponto interpretativo
central da Lei na liturgia da Igreja).
Aplicações práticas: no desejo de aplicar as Escrituras,
espiritualizava-se seu sentido para permitir acomodação.
Ênfase na complexidade das Escrituras (a Bíblia como um
livro fechado aos fiéis e aberto somente aos bispos e monges).
Presença de uma tradição
hermenêutica gramático-histórica
Surgimento das escolas de teologia: na Idade Média Alta, surgiram as escolas
de teologia nas catedrais, onde se estudava a Bíblia mais academicamente
(quaestio e lectio).
A influência de Rashi: cristãos eruditos tiveram contato com estudiosos
judeus que tinham uma abordagem das Escrituras influenciada pelo
literalismo de Rashi.
Publicação de obras que favoreciam a interpretação literal: Aristóteles
influenciava as pessoas nesse período, mais do que Platão.
Surgimento das ordens mendicantes: essas ordens
interpretavam literalmente as palavras de Jesus nos
Evangelhos.
A tradução das Escrituras para o vernáculo: a
divulgação das Escrituras para o vernáculo
contribuiu para uma leitura simples e direta por
parte do povo.
A luta dos huguenotes na Espanha: os huguenotes
rompem com o chamado quatro sentidos da Bíblia
(quadriga) e abordam o texto de acordo com
pressupostos que em tudo nos lembra a hermenêutica
de Antioquia.
OS
REFOR
MADO
RES
Características da interpretação
dos reformadores:
•Ênfase no sentido literal, gramatico-histórico do texto;
•A necessidade da iluminação do Espírito Santo;
•A necessidade de estudar as Escrituras;
•Escritura com Escritura, ou seja, a Escritura se autointerpreta;
•A intenção do autor, i.é; há apenas um sentido em cada texto;
•O uso de outras obras;
•Linguagem figurada.
ESCOLÁS
TICOS E
PURITA
NOS
Entendendo a hermenêutica da
Pós-Reforma
As controvérsias internas: tratados, ensino bíblico e confissões
surgiram das controvérsias.
Contrarreforma: era preciso que as igrejas reformadas tivessem
respostas claras e prontas para seus membros.
Necessidade de catequese: facilitar a harmonização e síntese dos ensinos
das Escrituras.
Preservação da doutrina da Reforma: sistematizaram as doutrinas em
forma de manual doutrinário e confessional da igreja.
“Papa de papel?”: as Escrituras eram a autoridade máxima, o próprio
Deus falando aos crentes.
Os puritanos
Características da interpretação dos puritanos:
Alto apreço pelas Escrituras: Deus fala pelas Escrituras.
Escritura com Escritura: suficiência e autointerpretação.
Predominância do sentido natural.
A Bíblia é sobre Cristo: Cristo é o centro das Escrituras.
Necessidade de conversão e iluminação do Espírito Santo para
a real compreensão da Bíblia.
Intenção autoral.
Desejo de aplicar as Escrituras.
A INTERPRETAÇÃO DAS
ESCRITURAS NA
MODERNIDADE
O impacto do Iluminismo na
interpretação da Bíblia
− Rejeição dos relatos miraculosos;
− Distinção entre fé e história;
− Ideia de erros nas Escrituras;
− Exegese controlada pela razão;
− Concepção de mito;
− Separação dos dois Testamentos;
− A influência da dialética de Hegel.
Principais metodologias críticas
Crítica das fontes: nega a integridade e autoria tradicional dos livros
bíblicos.
Crítica da forma: o alvo do intérprete é reconstruir o ambiente
vivencial em que essas fontes foram produzidas para assim chegar
ao sentido do texto.
Crítica da redação: centraliza as suas atenções na figura dos
escribas, arquivistas, editores ou colecionadores que haviam
combinado as fontes para formar o texto escrito em sua forma final.
A CHEGADA DA PÓS-MODERNIDADE
NA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA.
Características da pós-modernidade
A pluralidade da verdade: toda a verdade é relativa.
A morte da razão: rejeita-se o ideal moderno de que a
verdade pode ser alcançada por meio da análise racional.
Abandono da neutralidade: não existem pesquisas
neutras.
A defesa do inclusivismo: opiniões cedem espaço às
outras.
O conceito de “politicamente correto”: respeitar é saber
que a opinião do outro é tão verdadeira quanto a minha.
O impacto na interpretação
cristã das Escrituras
Sincronia: a interpretação da pós-modernidade é sincrônica, isto é,
busca interpretar o texto à luz de si próprio e da interpretação do
próprio leitor sem se importar com a autoria, época e motivo que foi
escrito, nem com o processo histórico.
Pluralidade de interpretações: não há sentido único de um texto. Cada
nova leitura bem pode ser uma nova interpretação.
Epistemologia: a hermenêutica se preocupa mais com a natureza do
entendimento de um texto do que com a sua verdade.
Perda do sentido original: considera-se impossível alcançar o sentido
original do texto, mas apenas extrair sentidos que dependerão de
circunstâncias em que estiver o leitor.
A morte do autor: fazendo uso da filosofia e da ciência
da época, a hermenêutica pós-moderna relativiza os
sentidos dos texto e afirma não haver um sentido
possível, mas vários, pois o seu autor está morto, e, com
ele, a sua intenção.
Retorno à alegorese: a hermenêutica pós-moderna
representa um retorno à alegoria, uma vez em que não há
um sentido literal dos textos e podem ser interpretados
como o leitor o entender.
Deslocamento do sentido: o sentido do texto é dado
pela interação do leitor com o texto, deslocando-se da
intenção autoral ou contexto.
VERTENTES
FORMADORAS DOS
INTÉRPRETES PÓS-
MODERNOS
VERTENTE TEOLÓGICA-PSICOLÓGA
Schleiermacher:
Adota o método histórico-crítico.
Na hermenêutica: a tarefa do intérprete é entender uma declaração a
princípio tão bem quanto possível e depois melhor que o próprio autor.
A interpretação do texto se baseia na compreensão e tem uma dimensão
gramatical e outra psicológica.
A sua teologia consiste em “o sentimento e gosto pelo infinito” e
primariamente nas emoções.
A vertente exegética:
Bultmann:
Rejeita totalmente o conceito da veracidade e inerrância das Escrituras e
acredita que o método histórico- crítico é a melhor ferramenta para tratar
o texto sagrado.
A linguagem do Novo Testamento é mitológica.
A História é um sistema fechado de causa e efeito, não há espaço para
milagres.
Jesus estava preso a essa visão mitológica e pregou a vinda de um reino
escatológico que nunca realmente chegou. O Jesus histórico foi
transformado em mito pelos discípulos.
O método exegético de Bultmann é a demitologização, isso é, busca o
cerne original das palavras e eventos sobre Jesus.
A vertente teológica
Karl Barth:
Se opõe ao liberalismo teológico e ao método
histórico-crítico propondo uma nova
hermenêutica conhecida por Neo-ortodoxia.
Distingue a inspiração verbal da inspiração
literal.
A História não pode transmitir o mundo de
Deus. As Escrituras só falam mediante a fé.
A vertente linguística:
Ferdinand Saussure:
Aplicou as ideias do estruturalismo à linguística.
Distingue língua da fala. Língua se refere à
estrutura da linguagem, aos símbolos, enquanto
a fala é aquilo que aparece da linguagem, é o que
se fala. O trabalho do intérprete é com a
linguagem, pois o autor pode transmitir
inconscientemente uma série de outros sentidos
por meio da estrutura que governa toda a língua.
Vertente filosófica:
Hans-Georg Gadamer:
Se opõe à ideia de que a verdade pode ser alcançada pelo método correto, pois esse
é sempre determinado por uma época. Portanto, não se pode falar da hermenêutica
como uma ciência que tem como alvo o conhecimento objetivo.
Não há neutralidade no processo interpretativo.
Rejeita a intenção do autor.
O entendimento de uma passagem não é causado inteiramente pelos pressupostos do
leitor e nem inteiramente pela situação histórica original do texto, mas por uma fusão
de ambas as perspectivas denominada “horizontes”.
Jacques Derrida:
Considerado o pai do desconstrucionismo e do pós-
estruturalismo, tem suas hermenêuticas filosóficas em
voga hoje nos círculos acadêmicos.
O desconstrucionismo de Derrida é uma reação crítica
contra o conceito praticado no ocidente de categorizar
fenômenos pela diferenciação e oposição entre eles, e
o subsequente favorecimento um sobre o outro. Não é
uma oposição, mas um paradoxo. Para Derrida, a
tarefa do intérprete é desconstruir o texto.
Para Derrida, falamos porque falta sentido às coisas.
Os intérpretes da Bíblia
na pós-modernidade
Uma série de “hermenêuticas” surgiram a partir de meados do século
XX como resultado do trabalho de Scheleiermacher, Bultmann,
Barth, Gadamer e Derrida. Todas elas têm um ponto em comum: são
sincrônicas.
Podemos classificar as metodologias interpretativas no período da
Reforma e no período moderno como diacrônicas, pois têm a
preocupação com a história do texto, origem, desenvolvimento, texto-
contexto e gramática. A análise sincrônica, porém, procura ver o
texto em si mesmo, sem relação com a história da qual faz parte. O
intérprete sincrônico concentra-se na presença literária do texto como
um todo, no mundo construído pela narrativa.
A hermenêutica que se volta ao aspecto sincrônico acaba por pender à
alegoria.
Algumas das principais hermenêuticas
da pós-modernidade.
Estruturalismo como hermenêutica: como método de análise e
interpretação, o estruturalismo aborda práticas culturais, linguagens
humanas, lendas e textos literários examinando as relações e funções
entre as menores partes desses conjuntos ou sistemas.
Estruturalismo bíblico: foi um dos primeiros métodos sincrônicos de
exegese a causar impacto nos estudos bíblicos acadêmicos, pois segue
o mesmo método interpretativo secular.
A morte do estruturalismo: o estruturalismo já tem sido declarado
morto, dando lugar ao pós-estruturalismo, que critica aquele: 1)
Negação da liberdade do indivíduo; 2) Negação da História.
Crítica da narrativa, ou a nova crítica literária: essa crítica é
essencialmente sincrônica, pois se preocupa principalmente com os
aspectos literários da narrativa bíblica. Não focaliza no contexto ou
na história, mas na forma como os autores bíblicos narram a história.

Hermenêutica reader responser: enfatiza o envolvimento do leitor


na produção e na determinação do sentido de um texto. Ela foi uma
reação à nova crítica literária e ao estruturalismo. A hermenêutica
reader response enfatiza a relação recíproca entre o leitor e o texto.

Hermenêutica da “Teologia da Libertação”: defende que o texto


bíblico deve ser lido a partir das necessidades socioeconômicas do
mundo em que os leitores vivem. Utiliza as categorias da filosofia
política do marxismo nessa leitura.
Desconstrucionismo
O desconstrucionismo é uma prática de leitura que parte da
suspeita e do princípio de que todo o texto, teoricamente, se
autodestrói, pois ele representa os interesses de dominação de
determinados grupos. Rejeita e busca desconstruir qualquer noção de
verdade que se proponha unitária, absoluta, universal, ou mesmo
coerente. Concentra-se em achar “rupturas” ou inconsistências que
tornam o texto contraditório ou sem sentido. É uma forma de
subjetivismo ou mesmo nihilismo.
Hermenêutica da suspeita
Os mestres da suspeita: Ricouer admite a influência de Marx, Nietzsche e Freud
em seu pensamento. Ele os considerava “mestres da suspeita”, pois cada um deles,
em sua área, procurou desmascarar, desmistificar e expor a realidade, partindo de
uma crítica à religião como uma máscara para ocultar outros interesses não
declarados em seus textos sagrados.
Características da hermenêutica ricoueriana:
1- Separação entre texto e autor: uma vez escrito, o texto se divorcia
irremediavelmente do seu autor.
2- “Abertura” na interação com o texto: o leitor deve manter uma interação
aberta com o texto, já que o texto é uma voz “desencarnada”.
3- Suspeita e ideologia: O desejo de encontrar o sentido do texto bíblico no
“mundo defronte do texto” relativiza radicalmente a mensagem das Escrituras.
Desafios atuais aos
intérpretes da Bíblia
A utilização do método
histórico-crítico
Cristãos comprometidos com a autoridade e
confiabilidade das Escrituras podem usar o método
histórico- crítico? O desafio para o intérprete que tem
a autoridade e infalibilidade da Escritura em alto
apreço é saber até que ponto tais ferramentas podem
ser úteis na interpretação do texto sagrado, já que
utilizam pressupostos por vezes antagônicos às suas
convicções de que a Bíblia é a Palavra de Deus.
Os pressupostos do Racionalismo: propuseram uma volta ao Jesus histórico sob a
crítica de que a Igreja Cristã, pelos seus dogmas e decretos, deturpou a imagem
humana do verdadeiro Jesus. Para tal, era necessário voltar à história com as
ferramentas da análise científica e neutra do método histórico-crítico.
As limitações da crítica da forma: nega-se a historicidade das narrativas dos
Evangelhos sugerindo ser uma invenção da comunidade da fé.
→ Não explica o desenvolvimento da imaginação da comunidade;
→ Não leva em conta o fato de que os eventos e ditos de Jesus foram
testemunhados por pessoas que estiveram com ele;
→ Não explica o alto grau de unanimidade que existe entre os evangelhos;
→ A reconstrução que faz dos evangelhos é somente especulativa;
→ Acaba com quase toda a historicidade dos evangelhos.
O método histórico- crítico sob ataque:
- A crítica histórica é analítica e não sintética.
- A crítica histórica depende de uma
reconstrução da História e do mundo antigo que
não pode ser feita senão somente na base de
conjecturas.
- A crítica histórica concentra-se em determinar
a veracidade do registro bíblico e esquece-se de
perguntar qual a sua significação para nossos
dias.
Resposta às hermenêuticas pós-modernas: nascidas na
pós-modernidade, as hermenêuticas sincrônicas têm
atingido com ímpeto os arraiais evangélicos no mundo.
A obra de E.D. Hirsch nos ajuda a responder às
interpretações contrárias à leitura das Escrituras
como Palavra de Deus inspirada e inerrante.
• Não determinar que não existe um texto intencional
do autor é aceitar que ele tem inúmeros sentidos. Logo,
Gadamer não tem como estabelecer qual sentido é
legítimo.
• O texto são expressões de pessoas individuais reais,
logo, o texto não está desassociado do seu autor.
• Não se pode exagerar acerca da influência e
dificuldade do contexto em que o autor
escreveu. Embora não plenamente, hoje
pode-se transpor as categorias culturais,
linguísticas etc., e fundir o nosso horizonte
com o do autor e leitores originais.
• O texto tem apenas um sentido, mas várias
aplicações em diferentes contextos culturais.
É impossível a recuperação da intenção do autor?
•A intenção autoral não significa o processo mental pelo qual
o autor do texto bíblico passou a escrever.
• Não se refere ao plano do autor ao escrever, mas o que se
deduz do seu escrito.
• A recuperação autoral está no próprio texto.
• Valer-se do contexto e subterfúgios externos não é o todo
da análise.
• A natureza intencional e pessoal do sentido por si só
demonstra que, mesmo morto, o autor continua importante
para a determinação do seu escrito.
As limitações da natureza humana:
Há diferentes interpretações acerco do quanto a queda afetou o
nosso conhecimento de Deus. Isso infere diretamente às discussões
acerca do seu conhecimento pelas Escrituras.
O conhecimento de Deus em Calvino:
O conhecimento de Deus e de nós mesmos são duas coisas
correlatas: o conhecimento de nós mesmos nos conduz ao de Deus, e
o conhecimento de Deus conduz-nos a conhecer a nós mesmos.
Diferentes epistemologias:
As epistemologias racionalista, empirista ou positivista afirmam que
a razão humana é capaz de, por si mesma, alcançar a verdade.
Contudo, não há nenhum modo de se ter um conhecimento de Deus.
As novas hermenêuticas apresentam com essa afirmação apenas
uma pseudo-humildade.
Diferenças quanto à hermenêutica reformada:
→ O caráter proposicional e inspirado da Revelação: Deus visando que a
sua vontade e a verdade se perdessem pela corrupção humana fê-las
escrever nas Escrituras Sagradas.
→ A possibilidade de conhecer: afirmamos a possibilidade de
conhecermos o sentido das Escrituras, sentido esse pretendido por Deus
por intermédio do autor humano.
→ Sentido disponível a todos: o sentido das Escrituras é claramente
exposto e explicado que a suficiente compreensão das mesmas pode ser
alcançada pelos meios ordinários (pregação, leitura e oração).
• Sentido único: a Escritura tem em cada texto seu
um sentido único e verdadeiro.

• As Escrituras como referencial: como não há


nas Escrituras sentidos múltiplos, é ela mesma o
tribunal em controvérsias religiosas, onde a igreja
sempre apelará.

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