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HERMAN WOUK

ESTE É O MEU DEUS


A Maneira Judaica de Viver

“Este é meu Deus e eu O Louvarei;


o Deus de meu pai, e eu O exaltarei.”
Êxodo 15:2 - O Cântico de Moisés
Título original: THIS IS MY GOD
Copyright © 1959, 1970, 1974, 1988 by
The Abe Wouk Foundation, Inc.
Copyright © renewed 1987 by Herman Wouk

Direitos exclusivos de edição desta obra


em língua portuguesa adquiridos pela
EDITORA E LIVRARIA SÊFER LTDA.
Alameda Barros, 735 CEP 01232-001 São Paulo SP Brasil
Tel. 3826-1366 sefer@sefer.com.br
Livraria Virtual: www.sefer.com.br Esta edição presta homenagem
ao autor desta obra

Tradução Lana Harari e Betty Rojter


Revisão Final Jairo Fridlin
HERMAN WOUK Z”L
Editoração Eletrônica Editora Sêfer 27/05/1915 – 17/05/2019
Capa Dagui Design
Que sua alma esteja ligada à corrente da vida.

Nota: ‫תנצב׳׳ה‬
Nesta obra, as citações da Torá foram extraídas do livro
TORÁ – A LEI MOISÉS, do Rabino Meir Matzliah
Melamed (Editora Sêfer, 2001).

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra,


por qualquer meio, sem a autorização expressa
da Editora e Livraria Sêfer Ltda.

2002, 2021
ISBN 978-85-85583-38-X
Printed in Brazil
ÍNDICE

Este livro é dedicado à memória de meu avô e mestre,


Mendel Leib Levine, Rabino em Minsk, Nova Iorque e Prefácio................................................................................................ 19
Tel Aviv. Seus noventa e quatro anos de vida abarcaram
desde os últimos dias de Abraham Lincoln até o início da Parte 1: A EXTRAORDINÁRIA
era nuclear. Liderou congregações e serviu como juiz em SOBREVIVÊNCIA DOS JUDEUS
cortes rabínicas na Rússia czarista e comunista, na América
livre e em Israel, que teve o privilégio de ver renascer e Prólogo.................................................................................................. 23
onde hoje descansa em paz.
Deus......................................................................................................... 24
Toda a renda gerada por “Este é o Meu Deus” Meu Objetivo ........................................................................................ 26
destina-se ao fundo de beneficência e educação criado
por minha esposa e eu em 1954, em memória de nosso 1 Quem Somos? ..................................................................................... 27
primogênito, Abe. O Quanto Disto É Verdade? ................................................................ 29
Ninguém tem mais consciência do que eu quanto aos Com Orgulho ........................................................................................ 30
limites e imperfeições deste livro. O tema é digno de um O Mistério .............................................................................................. 33
profeta; cada tópico demanda erudição profunda. Eu o “O Povo Eleito” ..................................................................................... 35
ofereço inspirado e amparado pela máxima de Rabi Tarfon O Alicerce da Sobrevivência ............................................................... 38
encontrada na Ética dos Pais:
2 A Predominância dos Símbolos ..................................................... 41
“A obra não é tua para que a termines; mas tampouco O Papel Que Desempenham ............................................................... 41
és livre para não participares dela.”
A Origem ................................................................................................ 42
A Força .................................................................................................... 43
Herman Wouk
Conformismo e Dignidade .................................................................. 45

Parte 2: A FÉ

3 Há muito para aprender .................................................................. 51


As lágrimas do Gaon de Vilna .............................................................. 52
A Essência .............................................................................................. 53
Isolamento .............................................................................................. 57

13
14 Este é o Meu Deus Índice 15

4 O Shabat ............................................................................................. 57 O Método de Abate ............................................................................. 115


O Que Diz o Gênesis ............................................................................ 58 Graus de Observância ........................................................................ 116
O Shabat no Primeiro Livro da Torá .................................................. 59 Por Que Se Importar? ......................................................................... 119
Uma Opinião ......................................................................................... 60 Como Nos Vestimos ........................................................................... 121
O Quarto Mandamento ........................................................................ 62 Nossa Casa ........................................................................................... 122
Conquistas Que Só o Shabat Traz ....................................................... 64
10 Nascimento, Maioridade Religiosa e Maturidade ................... 125
5 Celebrando a Natureza ................................................................... 67 Circuncisão .......................................................................................... 125
Um Calendário Diferente ..................................................................... 68 Bar-Mitsvá ............................................................................................ 127
Pêssach ..................................................................................................... 69 Bat-Mistvá. ............................................................................................ 130
Shavuót .................................................................................................... 72 Homens, Mulheres e Mudanças ....................................................... 132
Sucót ........................................................................................................ 73
11 Amor e Casamento .......................................................................... 135
Sheminí Atséret ....................................................................................... 75
O Sexo no Judaísmo ........................................................................... 135
Uma Síntese .......................................................................................... 75
Casamento ........................................................................................... 137
6 Os Dias Santificados ....................................................................... 77 Leis Muito Especiais ........................................................................... 139
Explicações Segundo a Lei .................................................................. 77 Divórcio ................................................................................................ 142
A Metáfora das Grandes Festas ........................................................... 79 Restrições .............................................................................................. 142
A Penitência ........................................................................................... 80
12 Morte .................................................................................................. 147
A Imortalidade em Cada Um de Nós ................................................ 82
O Enigma Impossível de Desvendar ............................................... 147
Tempo de Esperança ............................................................................. 84
O Que Vem Depois ............................................................................. 148
7 Dias de Luto e de Louvor ................................................................ 87 Uma Explicação ................................................................................... 150
Tishá beAv ................................................................................................ 87 O Cadish ................................................................................................ 153
Purim: Homenagem a Ester ................................................................. 88
A Festa das Luzes .................................................................................. 91 Parte 3: A LEI
Chanucá em Nossos Dias ...................................................................... 92
13 Onde Reside a Autoridade? .......................................................... 159
8 As Preces, a Sinagoga e os Devotos .............................................. 95
Um Dia na Sinagoga ............................................................................. 96 14 A Torá ................................................................................................ 161
Uma Noite na Ópera ............................................................................ 97 Moisés, o Homem ............................................................................... 161
O Que é Uma Sinagoga? ...................................................................... 99 A Torá de Moisés ................................................................................ 162
O Credo e o Serviço ............................................................................ 101 Inspiração Divina ................................................................................ 164
Somente as Preces em Hebraico Serão Ouvidas? .......................... 102 Escrituras Complementares .............................................................. 165
Diferenças que Vieram com o Tempo .............................................. 106 Sobre a Teoria da Evolução ................................................................ 167
Dificuldades que Todos Nós Enfrentamos ...................................... 108 O Texto Sagrado .................................................................................. 169
9 Alimentação, Vestuário e Moradia ............................................... 111 15 O Talmud .......................................................................................... 171
Nossa Dieta .......................................................................................... 112 O Primeiro Passo .................................................................................. 171
As Leis da Cashrut ............................................................................... 113 “Za Rabotu” .......................................................................................... 172
16 Este é o Meu Deus Índice 17

O Que é o Talmud? ............................................................................. 174 22 Israel .................................................................................................... 231


A Presença da Agadá no Talmud ...................................................... 177 Como Aconteceu ................................................................................. 232
Os Líderes ............................................................................................... 233
16 O Direito Comum na Lei Judaica ............................................... 179
O Paradoxo da Existência do Estado Judeu .................................... 235
A Questão das Emendas ..................................................................... 179
A Realidade Israelense ......................................................................... 238
Poder de Veto ...................................................................................... 182
O Método Talmúdico ......................................................................... 184
EPÍLOGO
Desafios ................................................................................................ 185

17 Do Talmud ao Presente ................................................................. 189 Minha Resposta a Ben-Gurion ..................................................... 243


A Grande Transformação .................................................................. 189 Acreditar é Permitido ...................................................................... 246
Os “Primeiros”: Maimônides ............................................................ 190 O Deus de Moisés ............................................................................ 248
O Argumento Contra Maimônides .................................................... 193 O Mundo Exterior ........................................................................... 249
Shulchán Arúch ..................................................................................... 195 “Este é o Meu Deus” ....................................................................... 251
A Lei Vigente ....................................................................................... 197
Um Retrospecto ................................................................................... 198 Posfácio de 1969 sobre a Guerra dos Seis Dias
As Cinzas e o Ouro ......................................................................... 257
Parte 4: O PRESENTE O Sionismo Espiritual ..................................................................... 259
E a Religiosidade? ........................................................................... 260

18 Um Novo Cenário ........................................................................... 203


Posfácio de 1987 sobre os 40 Anos do Estado de Israel
19 O Que Foi o Iluminismo ............................................................... 205 A Terra e a Fé ................................................................................... 263
Fratura Exposta ................................................................................ 265
20 Ortodoxia ........................................................................................... 209 O Panorama Atual .......................................................................... 267
“Eu Devia Ter Aprendido Inglês” .................................................... 209
O Que é Ser Ortodoxo? ...................................................................... 211 Notas .................................................................................................. 271
O Declínio da Antiga Erudição ........................................................ 212
Referências ........................................................................................ 315
A Nova Forma de Estudar ................................................................ 213
Os Chassidim ........................................................................................ 216 Glossário .......................................................................................... 317

21 Dissidências .................................................................................... 219


Conservadorismo e Reformismo ...................................................... 220
O Processo Que Torna os Limites Menos Definidos ..................... 222
Ortodoxia e Dissensão ......................................................................... 223
Uma Nota Pessoal ............................................................................... 224
Assimilação .......................................................................................... 225
Os Assimiladores Entre Nós .............................................................. 228
Os “Indecisos” ...................................................................................... 230
PREFÁCIO

E m 1959, quando foi publicada a primeira edição de Este é o meu


Deus, o novo Estado Judeu estava em seu décimo primeiro ano de
independência. A maioria dos judeus da Diáspora via a existência de
Israel com simpatia – contribuía financeiramente, e mantinha distância.
Alguns grupos pequenos de sionistas da Diáspora tentavam em vão
promover o retorno em massa à Terra Prometida; outros, totalmente
antissionistas, proclamavam aos quatro ventos que Israel simplesmente
não tinha o direito de existir. Foi em meio a este cenário conturbado
que o livro veio a público.
O capítulo 22, intitulado “Israel”, era suficientemente acurado na
época. Hoje, as informações e considerações tornaram-se defasadas, o
que mostra o quanto o país se desenvolveu em apenas três décadas.
O judaísmo atravessa uma nova era. Depois da Guerra dos Seis Dias,
escrevi um posfácio para o livro, “As Cinzas e o Ouro”, onde registrei
a maneira como minhas próprias ideias estavam se modificando face
ao impacto dos sacrifícios e triunfos vividos por Israel. Para a presente
edição, escrevi um segundo posfácio, “Israel, 40 Anos: A Terra e a Fé”,
onde tratei de atualizar minha visão sobre o Estado Judeu.
Ao reler Este é o meu Deus, sinto que, além dos posfácios, eu teria
pouco a alterar. Tornei-me mais interessado pelo Chassidismo, admito,
mas permaneço basicamente um admirador desta vertente mística da
religião. Adquiri um conhecimento maior sobre a literatura iídiche, e
me sinto menos pessimista quanto à sua sobrevivência. A literatura
hebraica contemporânea também passou a me interessar mais. Mas se
eu me sentasse hoje para escrever o livro, a única diferença importante
estaria no tom que empregaria. Em essência, ele seria mais intenso,
mais judaico. Porque em 1959 eu estava preocupado em provar que era
possível um homem ocidental com educação superior levar uma vida
judaica tradicional – não apenas livre de sacrifícios intelectuais mas, na

19
20 Este é o Meu Deus

verdade, enriquecida pela própria condição judaica. Hoje, não tenho


a menor necessidade de provar o que veio a se revelar uma realidade.
O fato é que Este é o meu Deus já foi escrito. O modo como retrata
o atemporal dentro da religião judaica permanece tão acurado quanto
me foi possível explicar e explorar na época. Não consta de nenhuma
das milhares de cartas que recebi de leitores de vários países desde o
lançamento da primeira edição, nenhuma correção substancial quanto
ao conteúdo do texto.
O sucesso de Este é o meu Deus tem sido a grande recompensa por Parte 1
um trabalho de amor. Imaginei que estaria escrevendo para outros ju-
deus, pessoas que sentiam vontade de aprender mais sobre sua fé mas
que não dispunham de tempo ou suficiente conhecimento do idioma

A Extraordinária
hebraico para ir às fontes. Em vez disso, o livro acabou encontrando
um público maior, e passou a ser usado como um guia informal e obra
de referência tanto para judeus quanto para gentios. Esta é a razão do

Sobrevivência
subtítulo que incluí: A Maneira Judaica de Viver.
São muitas as maneiras judaicas de viver. Os caminhos que levam
a uma vida judaica são inúmeros. Mas o ponto de partida de todos

dos Judeus
eles é um, e apenas um: a nossa Lei, chamada em hebraico de Halachá.
E Halachá significa Caminho – um único Caminho.
Para todos aqueles que procuram o Caminho, e para aqueles que
simplesmente sentem curiosidade; para cada um dos que desejam
conhecer com clareza a verdade sobre o nosso povo eterno, escrevi
este livro simples.

Herman Wouk

Palm Springs
15 de março de 1987
Purim, 5747
PRÓLOGO

U m amigo meu, um judeu totalmente afastado de Deus e das práticas


religiosas – devo dizer que se trata de um homem notável, de
mente privilegiada – veio à minha casa numa noite fria de novembro
e, não sem um certo embaraço, disse: “Isto pode soar como uma sur-
presa, mas será que você pode me indicar algum material de leitura
sobre Chanucá? Acho que meu filho precisa saber um pouco mais sobre
sua própria origem.” Com uma pitada de ironia, acrescentou: “É uma
questão cultural, você compreende, não religiosa!”
Não é sempre que alguém, nem mesmo um prolixo novelista,
senta-se à mesa e escreve um livro em resposta a uma pergunta casual.
Mas acho que foi exatamente o que fiz aqui. Obviamente, o livro já exis-
tia e precisava apenas ser colocado no papel. O pedido do meu amigo
apenas precipitou as coisas. Na verdade, eu convivia com o desejo de
escrever sobre a fé judaica havia alguns anos.
O judaísmo sempre foi uma fonte de profundo interesse para mim.
É parte essencial da minha vida e da vida de minha família. Meus filhos
falam hebraico perfeitamente, leem o Antigo Testamento no original,
estão familiarizados com a literatura rabínica, e conhecem nossas leis
e tradições. É esta a nossa maneira de viver. Creio que posso oferecer
ao leitor interessado um esboço sobre o assunto, utilizando quaisquer
habilidades literárias que eu tenha conseguido aprender ao longo do
tempo para não aborrecê-lo com detalhes desnecessários, ou com mi-
nhas próprias teorias pouco relevantes.
Há muitos judeus que, embora não observantes, gostariam de
conhecer melhor os fundamentos e a prática da religião. Há também
não judeus que nutrem curiosidade em relação à nossa fé. Mas a litera-
tura disponível é tão extensa, poucas são as obras traduzidas [à época
– N.T.], e boa parte delas é tão rica em erudição que os interessados
sentem-se perdidos, sem saber ao certo por onde começar. A eles, aos
que procuram um começo, dedico este trabalho.

23
24 Este é o Meu Deus Prólogo 25

Não podemos esquecer que o básico para alguns é o excessivo claro aqui, observamos que a fé não é meramente um sentimento que
para outros. Procurei estabelecer um meio termo. Tenho a esperança conforta a alma – embora também o seja, o que faz dela um sentimento
de que os estudiosos que decidirem folhear o livro não tracem de ainda mais elevado. Argumentar intelectualmente contra a crença em
imediato um paralelo entre minha ignorância e tudo aquilo que foi Deus tem sido a missão de inúmeros pensadores ao longo do tempo,
omitido. Uma grande parte do trabalho foi eleger o conteúdo definiti- pensadores dotados de mentes invejáveis. Hoje em dia, como nos cem
vo. Minha missão era escrever um pequeno livro sobre um tema que últimos anos, a moda é não acreditar em Deus. Daí, a publicação de
abrange praticamente toda a História; um tema que ocupa bibliotecas tantos livros racionalistas, regularmente lançados por editoras meno-
inteiras, abrange todas as questões clássicas da vida humana, e suscita res. A própria popularidade alcançada por estes livros já deveria ser
permanentemente discussões as mais variadas e turbulentas. Reduzir suficiente para levantar suspeitas junto a pessoas criteriosas.
o escopo original solicitou um esforço imenso. Por outro lado, as ideias de Kierkegaard, que escreveu livros
profundamente religiosos, e negligenciados por mais de cem anos,
Deus encontra-se atualmente na vanguarda de um novo pensamento. Suas
obras não mudaram. O que, sim, está mudando, é a direção explorada
Não faz sentido discutir religião com quem tem a certeza de que por esta vanguarda. Torna-se cada vez mais claro que Freud pode ser
Deus não existe. Meu livro irritará tais pessoas e não lhes trará nenhuma uma muleta, assim como Marx e o pensamento racionalista, e que o
luz. Não posso mudar sua forma de pensar, e nem pretendo tentar. Mas, ateísmo pode não passar de duas bengalas e um par de suportes orto-
pessoalmente, vejo o agnosticismo, quando transformado em dogma, pédicos. Nenhum de nós tem todas as respostas, e é provável que nunca
como uma desvantagem tão grande quanto a superstição. Pode-se as tenhamos. Mas, numa terra de coxos, o homem que tem certeza de
pensar que não há prova concreta, decisiva, quanto à existência de que não manca costuma ser o mais gravemente aleijado.
Deus. Agora, imagine como o mundo seria estranho se o seu Criador Tenho a responsabilidade de descrever a concepção judaica de Deus
fosse visível como, por exemplo, um autor teatral em noite de estreia. da melhor maneira possível. Num outro tipo de livro, talvez o primeiro
Eis o universo, este fascinante conjunto de maravilhas organizadas capítulo abordasse exclusivamente este assunto. Minha esperança é que,
em perfeita ordem, que parece não ter um Autor. Eis a vida humana, aqui, a visão judaica do Criador seja uma constante, apreendida pelo
repleta de tristezas, episódios trágicos e futilidades, sempre terminan- leitor página após página. Sei que posso descrever nossa religião, mas
do com a morte. Para muitos, refutar a noção de que exista um Deus creio que serei menos hábil ao tratar de minúcias da teologia. Não obs-
orquestrando tudo isto parece lógico. Qualquer tipo de afirmação que tante, tentarei fazer o melhor. Também estou ciente de que cada tópico
se faça a respeito de Deus – se Ele existe ou não; se podemos ou não abordado levantará questões sobre Deus. Escrevo para pessoas que, pelo
conhecê-Lo – pode ser vista como um salto em direção à escuridão. menos, mantém a mente aberta em relação à existência e à obra de Deus,
Os religiosos tendem a encontrar, entre os agnósticos, uma certeza e que gostariam de conhecer algo sobre o caminho judaico que leva a Ele.
cristalizada quanto à fé em Deus: ela serviria de muleta para os fracos Um livro sobre judaísmo habitualmente suscita controvérsias. O
e amedrontados. Igualmente tolo, porém, seria afirmar que a ausência tema desafia a imparcialidade. Qualquer coisa que se escreva implica
de fé também representa uma muleta – desta vez, amparando depra- uma ótica pessoal. O leitor logo perceberá que credito a sobrevivência
vados e ignorantes. Confesso que não posso deixar de sorrir quando do povo judeu à intervenção Divina, e que o respeito à Lei de Moisés
alguém que evidentemente nada leu sobre o assunto, a não ser, talvez, é a chave para a continuidade. Muitos judeus fortemente identificados
o sumário em tom agnóstico de um livro como O Homem e Seus Deuses, discordarão do meu ponto de vista. Sei que se o livro chamar a atenção,
aproxima-se e me diz, num tom de voz condescendente, que as pessoas inevitavelmente provocará controvérsia. Meu objetivo é despertar o
fazem muito bem em ser religiosas, se isto lhes traz alento. interesse pelo judaísmo. Aqueles que discordarem de mim estarão
Em tese, a crença em Deus pode eventualmente vir a se revelar servindo a mesma causa, a partir de suas próprias convicções.
um equívoco. Mas enquanto isto não acontece, e trato de ser muito Existem pessoas – e não são poucas, nem tampouco ignorantes –
26 Este é o Meu Deus

que realmente acreditam na assimilação como a única solução definitiva


para a questão judaica. Este livro coloca-se exatamente no polo oposto
a esta visão. Eu acredito ser nossa missão a de viver e servir a Deus de
acordo com nossa identidade até o dia prometido em que Seu Nome
Capítulo 1
será Um sobre toda a terra. Vejo a extinção da fé e do conhecimento
judaicos como uma tragédia de proporções imensuráveis.
QUEM SOMOS NÓS?
Meu Objetivo

Hoje, os judeus têm a mesma liberdade e igualdade de direitos


garantidas a todos os cidadãos, condição tantas vezes negada ao longo
de nossa saga na Diáspora. Em Israel, caminha-se livremente sobre o
solo sagrado, uma realidade que para muitos de nós ainda é um milagre.
Para o povo judeu, o triste resultado das profundas transformações O povo judeu existe há mais de três mil e trezentos anos. A arqueolo­
gia já comprovou esta realidade há muito tempo. Muitos intelec-
tuais tentaram (e continuam tentando) desvendar os fatores determi-
históricas ocorridas ao longo dos últimos séculos tem se revelado, sobre-
tudo, no declínio da produção intelectual e na perda do conhecimento nantes para nossa sobrevivência enquanto povo, religião e cultura ao
acumulado. Isto já aconteceu antes, em outros períodos críticos da nossa longo de mais de três milênios repletos de momentos ameaçadores,
história. Os livros de Esdras e Neemias, datados do exílio babilônico, quase impossíveis de transpor. Sob o ponto de vista histórico, o fato
descrevem uma comunidade ainda mais próxima da ignorância e do em si é tão singular quanto foi revolucionária para o estudo da física
consequente risco de extinção do que a nossa. Felizmente, a reafirma- a descoberta da velocidade da luz. Uma explicação se faz necessária.
ção da identidade judaica através do estudo verifica-se hoje em todo A Bíblia, fonte primeira sobre nossa origem, relata que os judeus
o mundo livre. Tenho a esperança de que meu livro possa servir como descendem de um nômade mesopotâmico chamado Abrahão. No al-
instrumento elementar neste processo. vorecer da história, Deus ordenou a Abrahão que seguisse com suas
O leitor perceberá que me detenho nos aspectos mais atraentes e tendas e rebanhos para Canaã, hoje a terra de Israel. Abrahão foi o pai
impressionantes dos judeus e do judaísmo. Para mim, são eles os mais de Isaac, e Isaac foi o pai de Jacob. Estes são os três Patriarcas do povo
significativos. Geração após geração, os erros cometidos por judeus judeu. Para fugir de um período de fome, Jacob migrou com todos os
costumam ser divulgados de forma exagerada e, muitas vezes, menti- seus para o Egito. A grande família de Jacob prosperou e se multiplicou
rosa. Os nazistas gastaram milhões para fazer o mundo acreditar que na província de Goshen, ao norte, onde o terreno era apropriado para
éramos menos do que humanos, num prólogo de sua tentativa em nos a criação de rebanhos.
destruir completamente. Meu objetivo, neste livro, é falar a verdade – O Egito era, então, o mais precioso diamante da civilização medi-
sobre a minha fé e sobre o meu povo. terrânea, a Roma ou a América daqueles dias, insuperável nas ciências e
Uma nota sobre estilo: se algumas vezes adoto uma forma mais nas artes, e invencível nas guerras. Sob alguns aspectos, sua arquitetura
amena de escrever, isto não quer dizer que eu esteja abordando os fatos e escultura não tiveram paralelo na história. O regime de governo resu-
com menor rigor. O leitor não tiraria proveito algum de jargões técni- mia-se à imutável tirania de faraós, burocratas e sacerdotes. A religião,
cos empregados com o propósito de convencê-lo do peso das minhas como todas as religiões da época, era um emaranhado de idolatrias, ao
palavras. Procurei escrever da forma mais clara e agradável possível, qual não faltavam rituais obscenos, mitos infantis e a adoração de dei-
e trabalhei com afinco em busca da simplificação. dades representadas por imagens em parte humanas e em parte bestiais.

27
28 Este é o Meu Deus Quem Somos Nós? 29

Em vez de adotarem os usos e costumes locais, os descendentes O Quando Disto É Verdade?


de Jacob preservaram sua própria identidade, criando, assim, uma
espécie de nação dentro de outra nação. O que os distinguia era sua Desde meados do século 18 até o início do século 19, quando
religião. Segundo a Bíblia, Abrahão transmitiu a seus descendentes a pensadores de mente privilegiada ainda tentavam livrar-se das
concepção de um grande Ser espiritual, o Criador do Universo, que amarras intelectuais da Idade Média, tornou-se popular a opinião de
a eles prometeu a Terra de Israel e o destino histórico de líderes da que a Bíblia não passaria de um aglomerado de lendas sem qualquer
humanidade. Mais adiante, a Bíblia conta que os egípcios tornaram valor, de que Moisés seria uma invenção, tal e qual Apolo [figura da
escravos os estrangeiros dentro do seu território. Levantou-se Moisés e, mitologia grega – N.T.], e que o Êxodo do Egito, bem como todos os
num triunfo espetacular, considerado sobrenatural sob alguns aspectos, fatos a ele relacionados, jamais teriam acontecido. Foi neste momento
libertou os escravos e conduziu-os através do deserto até a fronteira da que a arqueologia tomou a forma de ciência e, à medida que as des-
Terra Prometida. Mas não seria este o maior de seus legados. cobertas se multiplicavam, renascia o respeito pela Bíblia como fonte
No deserto, precisamente no Monte Sinai, ou Horeb, Moisés de referências sobre a Antiguidade, num processo que dura até hoje.
passou por uma experiência mística, até certo ponto vivenciada tam- A extensão das provas materiais existentes que confirmam as escrituras
bém pelo povo, que mudaria a história do mundo. O que aconteceu hebraicas não é, porém, de conhecimento do grande público. Alguns
exatamente durante a revelação no Sinai, nunca saberemos ao certo. A autores contemporâneos ainda tendem a repetir os chavões do século
Bíblia menciona manifestações da natureza que lembram um vulcão em 19. Já há algum tempo, os arqueólogos sabem que é exata a história da
erupção. Mas nenhuma erupção vulcânica jamais registrada resultou civilização mediterrânea oriental relatada na Bíblia. Eles têm em mãos
num corpo de estatutos que viria a ser a lei da civilização. Quando os provas substanciais que corroboram os principais pontos do relato na-
israelitas deixaram os pés do Monte Sinai e retomaram a caminhada cional judaico. Eles sabem – deixando de lado o ceticismo característico
em direção à Terra Prometida, eles não eram mais uma tribo unida do raciocínio científico – que tudo aconteceu.
pela fé, mas sim uma nação vivendo segundo a Torá, a Lei de Moisés, Os escritores da Bíblia eram profetas apaixonados, e não frios his-
a ele entregue como a Palavra do Criador. toriadores. Eles não selecionavam, não organizavam, não “editavam”
a história nem tampouco tiravam conclusões, como costumam fazer
Além do código de leis, a Torá continha também histórias popula- os professores universitários hoje em dia. E estes professores sabem
res, e terminava com uma acurada profecia sobre o futuro dos judeus. disto quando leem a Bíblia. Assim, não podem simplesmente ignorá-la
A previsão indicava que, após um brilhante período monárquico na Terra enquanto documento verídico. Nenhum acadêmico ou intelectual sério
Sagrada, a prosperidade os tornaria insensíveis, que se distanciariam contesta que Moisés viveu e legislou, que os descendentes de Abrahão
da religião avançada que os havia transformado em nação, e passariam conquistaram Canaã, e que a monarquia judaica conheceu o apogeu e
a adotar a idolatria praticada por outros povos semitas vizinhos, e que a decadência, por exemplo.
estes fatos levariam ao colapso político, à derrota militar e à completa
A maior parte dos registros históricos da Roma e Grécia antigas
destruição nacional. A Torá profetizava ainda que os remanescentes so-
não deu trabalho aos arqueologistas – passados em mãos de geração a
breviveriam no exílio em longa agonia, passando por provações, seguin-
geração, encontravam-se em poder de estudiosos. Do ponto de vista
do de um lugar para outro, enfrentando perseguições – mas que jamais
judaico, ler tais registros é quase como ler o jornal de ontem. Gregos
desapareceriam e que, num futuro remoto, retornariam a Israel para
e Romanos conheciam muito bem os judeus e suas leis, e escreveram
viver de acordo com a Lei de Moisés e ser uma luz para outras nações.
longamente sobre o assunto. Ao contrário do que se observa durante a
A maior parte desta profecia já se concretizou e tornou-se fato era imperial, é fato que a trajetória judaica torna-se mais difícil de ser
histórico. Alguns cristãos realmente acreditam que ela teria se esgota- reconstituída a partir destes documentos ao longo dos períodos caóticos
do há dois mil anos. Nós, judeus, temos a certeza – e este é um ponto que seguiram-se à queda de Roma. Mas sabemos que, também durante
fundamental da nossa fé – de que será provado o contrário. estes períodos, os judeus continuaram vivendo de acordo com suas leis.
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Em síntese, podemos afirmar que somos descendentes de uma pessoas. Vamos imaginar um judeu em boa situação financeira e ra-
pequena nação que, há mais de três mil anos, foi libertada da escravidão zoavelmente culto que pense desta forma. Para caracterizá-lo melhor,
no Egito por Moisés, caminhou sob sua liderança através do deserto do digamos que ele administre uma empresa de nível médio, e que tenha
Sinai até as fronteiras de Canaã, e de suas mãos recebeu a Lei. Chama- se graduado contador ou advogado numa universidade de prestígio.
mo-nos judeus e nossa herança é o judaísmo porque, durante o exílio Vive numa casa confortável em um subúrbio elegante, orgulha-se de seu
que seguiu-se à decadência de nossa nação – previstos pela Torá – a potente aparelho de som, e tem uma genuína predileção por Brahms.
tribo que conseguiu sobreviver por mais tempo foi a tribo de Judá. É bom no golfe e no tênis, e tem como passatempo favorito levar seu
Se voltarmos no tempo não mais do que o período equivalente veleiro ao mar. Seus avós eram razoavelmente religiosos; seus pais,
a cinco gerações, no máximo, veremos que quase todos os judeus do muito menos e ele, totalmente indiferente.
mundo, hoje, são descendentes de judeus observantes, profundamente Nosso personagem prepara churrascos de carne de porco e de
religiosos. Historicamente, os israelitas que abandonaram a Lei assi- carne de boi com a mesma satisfação e sem o menor constrangimento.
milaram-se e perderam por completo sua identidade em um ou dois Talvez até tenha se filiado nos últimos tempos a um templo da vizi-
séculos. Os judeus remanescentes são, em sua maioria, filhos, netos e nhança [nos Estados Unidos, a palavra templo geralmente se refere às
bisnetos daqueles que preservaram a fé e mantiveram intactos os elos congregações judaicas reformistas – N.T.], porque seus filhos começa-
da corrente que liga o século 21 ao alvorecer da humanidade. ram a se sentir um pouco deslocados junto aos colegas que frequentam
Antes de nos determos na análise desta fé, podemos observar igrejas. Ou talvez tenha discutido com a mulher, e se recusado a fazer
duas coisas: que a preservação do judaísmo é um feito que honra o parte de alguma instituição de outra religião. Ele é um americano ca-
espírito humano, e que, se a genealogia pode ser motivo de orgulho, os loroso, brilhantemente inteligente, e generoso.
judeus têm todo o direito de sentirem-se orgulhosos de sua linhagem. Agora, o vemos caminhando pela Quinta Avenida, em Nova York,
após um árduo dia de trabalho em seu escritório, a caminho da estação
onde apanhará o trem suburbano que o levará para casa. Dois homens
Com Orgulho
passam por ele na rua. São, possivelmente, sobreviventes do Holocaus-
to. O homem mais idoso usa barba e um chapéu forrado de pele, e nas
“Coisa estranha Deus escolher os judeus”, diz a letra de uma laterais da face, junto às orelhas, ostenta dois longos cachos grisalhos.
velha cantiga inglesa à qual ainda hoje muitos cristãos – e não poucos Apesar da temperatura amena, usa um longo e surrado casaco preto.
judeus – sussurram “amém”, apesar da pressão que existe hoje em O outro, um pouco mais jovem, é pálido, não tem barba, e veste roupas
dia contra os que menosprezam as minorias étnicas. comuns. No entanto, sua origem estrangeira é tão visível quanto a de
Quando dois gentios trocam confidências e a questão judaica entra seu companheiro. O chapéu preto, comum, é grande para sua cabeça;
na conversa, mesmo se estiver implícito que nenhum deles é franca- o paletó é um jaquetão há muitos anos fora de moda, e as calças têm
mente antissemita, não é incomum que acabem concordando que os as bocas largas demais. Seu olhar é vago, abstrato. Quando estes dois
judeus tendem a ser arrogantes, intrometidos, ruidosos, ardilosos nos judeus passam pelo nosso homem, ele se ressente e grita por dentro:
negócios, vulgares nas maneiras, e tão presos ao espírito de clã que se “Eu não pertenço a esta espécie! Se eles são judeus, eu não sou.” E sua
juntam num só bloco contra o mundo cristão. Ambos também dirão que aflição torna-se ainda maior ao se dar conta de que poderia anunciar
conhecem judeus diferentes, e que alguns deles são grandes amigos. sua revolta aos quatro ventos sem que isto fizesse a menor diferença.
É claro que nem todos os cristãos partilham destas ideias. Mas o leitor Ele é um deles.
certamente está familiarizado com o quadro. E por quê? O que tem em comum com as pessoas de um grupo
Na realidade, existem judeus que têm uma opinião pior que a de sobre o qual pouco sabe e menos ainda quer saber. Figuras como os
muitos cristãos a respeito de si mesmos e de sua origem. Mas preferem dois homens na rua lhe trazem à memória a atmosfera melancólica e
não falar a respeito, pois sabem que podem facilmente ofender outras deprimente que associa à casa de seus avós judeus, dois velhinhos tão
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emaranhados numa teia de tabus que isto praticamente os incapacitava nossos filhos, por exemplo –, enfim, algo que desperta a curiosidade
para a vida moderna. Quase não falavam inglês. Tinham costumes es- sobre nosso povo. Existe um mistério em torno dos judeus e do judaís-
tranhos que não eram capazes de explicar, como não acender as luzes mo. Por causa desse mistério, muitos leitores terão sido induzidos a
ou riscar fósforos em feriados religiosos. Que coisa mais estúpida! abrir este livro e, mesmo discordando de cada linha que aqui escrevo,
E por que as suspeitas mesquinhas sobre os ingredientes de ali- continuarão, pelo mesmo motivo, lendo-o até o fim para encontrar a
mentos em conserva, e a eterna desconfiança, sem lógica, em relação chave da charada. E é nesse mistério que reside o orgulho da Casa de
aqueles que viviam ou pensavam diferente? Ele ia, relutante, visitar Abraão. Este orgulho perdura apesar dos séculos de ostracismo, da falta
os avós naquele apartamento pequeno e escuro, mas quando descia e de refinamento da qual ainda somos acusados, e das longas costeletas
encontrava a claridade da rua, sentia-se como se tivesse acabado de e gorros de pele que, num momento negro da história, altivamente de-
sair de uma prisão. Se alguma coisa é certa neste mundo incerto, no safiavam o amarelo das faixas que éramos obrigados a usar nos braços.
seu caso trata-se exatamente da convicção de que ele não tem e nem
nunca terá nada em comum com aquela cultura morta. O Mistério
Homens como aqueles dois judeus o ofendem, e não apenas por
lembrá-lo que ele é tão estrangeiro quanto eles. Ofendem-no com o Anos atrás, houve uma grande polêmica em Israel em torno
fato de estarem vivos, com o fato de preservarem aquela cultura que da questão “Quem é Judeu?” Após mais de três mil anos de história
cheira a mofo, e de obrigá-lo a defrontar-se com ela, ao insistirem, ininterrupta, qualquer povo deveria ser totalmente capaz de definir
através de sua mera presença nas ruas, que ele está enterrando uma a si mesmo. Mas os debatedores discutiam como se ninguém jamais
parte de seu passado que simplesmente não pode ser enterrada. Ho- houvesse pensado antes no assunto.
mens como aqueles dois judeus simbolizam os esqueletos que ele tão A discussão era urgente, pois estava em jogo a questão da cidada-
cuidadosamente mantém no armário... nia israelense. Tendo o país surgido, em parte, para acolher judeus opri-
Talvez nosso personagem tenha ouvido falar de pessoas modernas midos, uma das leis referentes à sua fundação dispunha que qualquer
que são “ortodoxas” – um médico aqui, um advogado ali, até mesmo judeu poderia obter a cidadania, se assim o desejasse. Eventualmente,
um homem de negócios. Talvez ele até os tenha conhecido em algum isto poderia levar à pergunta: qualquer indivíduo que optasse pela
lugar, e observado uma certa afinidade quanto a preferências musicais cidadania israelense estaria, através deste ato, declarando sua condição
ou literárias. Mesmo assim, não pôde deixar de notar que estavam de judeu? Exatamente, o que era um judeu? O debate acabou sem que
presos a bobagens como restrições alimentares e o respeito ao Shabat. as partes chegassem a um acordo. Creio que o governo designou uma
Na verdade, achou que eram pessoas incompreensíveis, e passou a comissão para examinar o assunto, um clássico método político para
classificá-lo como neuróticos que estavam alimentando alguma ten- se livrar do problema.
dência doentia com seu estilo de vida. Nos Estados Unidos, pode-se, a qualquer momento, abrir um debate
Vá dizer a um tipo desses que ele deve se orgulhar em ser judeu. de salão sobre este mesmo assunto. Os vários participantes sustentarão
Ele dará uma gargalhada. Diga a ele que faz parte de um povo eleito, teses segundo as quais os judeus são uma raça, uma nação, uma religião,
e ele estará disposto a tirar o paletó e brigar até lhe provar o contrário. um povo ou uma seita, ou, ainda, dizerem que ser judeu é um estado
Levá-lo a pensar de forma diferente seria quase impossível até mesmo de espírito. Jamais existe consenso em torno da questão (exceto entre os
para o mais eloquente escritor. Exceto por uma particularidade. antissemitas, para quem os judeus são demônios internacionais). Posso
Tanto o cristão que critica os judeus quanto o judeu alienado descrever aqui como o judaísmo, por si próprio, define o que é um ju-
possuem, no fundo de seus corações, algo que – não sei o que é, se é deu. Mas faço-o sem pretender que esta minha versão venha a resolver
um sentimento, uma noção, ou um impulso primitivo semelhante ao um problema que há muito desafia o tempo e a sabedoria dos homens.
que temos ao bater três vezes na madeira quando falamos da saúde dos Nossa história nos confere vários atributos estranhos que nenhum
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outro povo reivindica, nem sequer deseja reivindicar para si. O primeiro “O Povo Eleito”
é o de termos surgido como uma só família. A nação formada de quinze
milhões de almas [em 2001 – N.T.] descende de um homem, Abrahão, Esta é uma expressão forjada francamente com a intenção de
e de uma casa tribal, Israel. perturbar qualquer pessoa lúcida.
O segundo atributo afirma que o sangue não é fator decisivo nesse Ao nosso redor existem, obviamente, “pessoas eleitas”, invejadas
parentesco. A fé, sim, é que é decisiva. Um homem ou uma mulher que por todos. Existe a elegante e imperturbável classe dominante da In-
se devotam ao culto do Deus de Abrahão e à obediência de Sua Lei, glaterra. Existem as grandes figuras de projeção internacional que têm
transmitida pelas mãos de Moisés, podem se tornar membro de nossa dinheiro e poder, montam cavalos de raça, voam em aviões fretados,e
velha casa. Assim, embora não sejamos um povo que faz campanhas navegam em iates particulares. Existem os homens severos e fortes que
pela conversão dos gentios, nossos efetivos ampliaram-se bastante e dirigem gigantescas corporações financeiras e que preferem jamais
ganhamos, por esse meio, alguns dos nossos mais notáveis líderes e ser fotografados. Estes grupos de pessoas “eleitas” por nascimento,
sábios. As Escrituras também nos falam de tais parentes adotivos. Por circunstância ou sorte, caracterizam-se, geralmente, pela ausência de
outro lado, contudo, através da assimilação e da renúncia declarada judeus no seu meio.
à fé, perdemos um grande número de judeus. Entretanto, a força da
Existem grupos menores de homens eleitos nas artes, na indústria,
nossa origem é tão grande que um judeu convertido para outro credo
nos esportes, nas finanças e no mundo da alta costura. Eles residem
continua sendo aos olhos do mundo apenas um judeu convertido e nada
nos melhores bairros, e seu entretenimento se dá nos hotéis de luxo e
mais. Então, é a descendência ou a fé que determina quem é judeu. É
nos clubes da alta sociedade. Aí, podem se encontrar alguns judeus.
este o mandamento da nossa tradição.
Poucos, porém. No que reside então a “eleição” dos judeus? Existiria
O terceiro atributo reza que nossa nação começou a existir antes ela apenas na cabeça dos judeus? Isto não nos igualaria aos grupos
mesmo de possuir uma terra. Recebemos nossa lei estatutária de Moisés, fechados que existem em qualquer parte do mundo, como os Babbits de
no deserto. Para outros povos, a condição nacional significa, primeira- Zênite, Boston, Moscou, Paris, Buenos Aires ou qualquer comunidade
mente, a convivência de todos num só lugar. Também sob este aspecto, pequena, todos eles persistentes em sua convicção de que o seu modo
os judeus apresentam-se como uma nação peculiar que sequer apare- de vida é o melhor de todos, e que eles são melhores do que as outras
ceu num determinado lugar, já que seu próprio pai, Abrahão, era um pessoas? Existe uma antiga anedota que diz que o homem provinciano
peregrino. Mas foi assim muito antes que seus integrantes pudessem cultua a si mesmo por conta do seu próprio provincianismo. Se “povo
reivindicar qualquer solo como seu. Acredito que a habilidade judaica eleito” fosse apenas isso, a designação atribuída aos judeus não teria
para sobreviver sem uma terra durante tanto tempo provenha deste importância e não valeria a pena discuti-la. Mas é a Bíblia Sagrada
fato. A Terra Santa seria a complementação histórica dos judeus, mas que descreve assim os judeus. São milhares as citações nesse sentido.
não seu ponto de origem. O tema domina as Escrituras. Aqui vão alguns trechos, extraídos ao
O mais estranho de todos os atributos é o propósito que nossa acaso, do livro que para a maior parte do mundo ocidental é aceito, de
tradição confere à nossa história e origem. É francamente sobrenatural. uma maneira ou outra, como o oráculo de Deus:
A tradição sustenta que o Criador deu ao nosso povo a incumbência de
servir de testemunha de Sua lei moral na Terra. Daí vem a tão repetida ex- E o Eterno disse a Abrão: “Anda de tua terra e da tua parentela e da casa
pressão: “O povo eleito.” Nossa história, nas Escrituras e posteriormente, de teu pai, para a terra que te mostrarei. E farei de ti uma grande nação, e
compõe-se principalmente de um melancólico relato de como falhamos abençoar-te-ei, e engrandecerei teu nome, e serás uma bênção. E abençoarei
em nos colocarmos à altura de tão elevada designação e das catástrofes os que te abençoarem, e aqueles que te amaldiçoarem, amaldiçoarei; e serão
daí resultantes. Entretanto, a designação continua, a missão permanece benditas em ti todas as famílias da terra.”
e nós continuamos vivos por causa disto. É que nos ensina a nossa fé. Gênesis 12:3
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“E agora, se ouvirdes atentamente Minha voz e guardardes Minha de acordo com estes preceitos compõem os Justos do mundo. Nossa
aliança, sereis para Mim o tesouro de todos os povos, porque toda a terra fé reconhece que certos homens, fora do judaísmo, alcançaram um
é Minha. E vós sereis para Mim um reino de sacerdotes e um povo santo. grau de devoção a que poucos mortais conseguem chegar. Para nós,
Estas são as palavras que falarás aos filhos de Israel.” duvidar de sua salvação é impossível. Nossa tradição sustenta que Jó,
Êxodo 19:5 a suprema figura do homem piedoso em agonia, estava entre os Justos
do mundo. Jó não era judeu.
“E dar-vos-ei como uma luz para as nações, a fim de que a Minha salvação Como fica, então, a questão em Israel? Como diz a Bíblia, ela
possa chegar ao extremo da Terra.” continua sendo respondida pela escolha da família de Abrahão, suas
Isaías 49 disciplinas e deveres em relação a Deus. As disciplinas são as leis da
Torá, que fazem de Israel um povo duradouro. Os deveres consistem
O cristianismo aceita sem discussão esta visão do destino judaico.
na tarefa de viver segundo a lei de Deus e de manter iluminados, na
Uma importante doutrina cristã (segundo entendo) é a de que Jesus
História, o conhecimento e o amor do Eterno.
ampliou esta seleta comunhão, a fim de nela abarcar todos os que acredi-
tavam na sua divindade e seguiam seus ensinamentos. Por esse motivo, No curso das gerações, começando pelo Êxodo, muitos gentios
um dos nomes da Igreja aceito pelos cristãos é “A Nova Israel”. O mesmo tomaram sobre si esse fardo e converteram-se ao judaísmo. A Bíblia
cristianismo, porém, associou a aceitação à uma condição essencial: fala das multidões de não judeus que saíram do Egito acompanhando
todos os que não ingressassem na nova comunhão estariam arriscando Israel, fascinados e inspirados por Moisés. O judaísmo jamais procurou
ou, segundo algumas opiniões, incorrendo na perdição eterna. almas para salvar através da conversão. Ensina que a salvação reside
na conduta dos indivíduos perante Deus, e não na sua aceitação dos
A ideia de salvação restrita a apenas um grupo jamais existiu na
mandamentos específicos que os remetem à casa de Abrahão. As difi-
fé judaica. No judaísmo, as atitudes retas são o caminho que leva a
culdades enfrentadas pelos judeus são bastante conhecidas, de modo
Deus. Este caminho está aberto para judeus e gentios.
que poucas pessoas, em qualquer idade, chegam a querer partilhar de
A religião judaica sequer reclama para si o pioneirismo no culto a nosso destino, embora qualquer homem ou mulher possam fazê-lo.
um Deus único. O Livro do Gênesis mostra que esse culto já existia nos
tempos de Abrahão. Era e continua sendo a religião ética universal de Aí está, portanto, o mistério que envolve os judeus. Sua tradição,
todos os homens de bem. Nossa tradição a denomina “Lei dos filhos do mesmo modo que a da religião do Ocidente, ensina que eles são os
de Noé”, e ela é fundamentada em sete grandes preceitos: remanescentes de uma grande e antiga casa, dotada de uma finalidade
histórica que deriva de Deus. Naturalmente, os racionalistas convictos
O culto a Deus. acham isso difícil de engolir, e são numerosos hoje em dia, contando em
A proibição de matar. suas fileiras com muitos judeus de excepcional inteligência. Para estes,
resta a questão de como os judeus sobreviveram a tantas iniquidades
A proibição de roubar.
sem jamais perecer enquanto povo.
A proibição do incesto e das aberrações sexuais.
O fato é que não se pode contestar a ideia de uma grande linha-
A proibição de comer “os membros de um ser vivo”, ou seja, a gem, ainda que judeus venham em todas as formas, exatamente como
crueldade contra os animais. os demais seres humanos. Por exemplo, as Forças Armadas dos Esta-
A proibição da blasfêmia. dos Unidos têm por missão elevadas finalidades de defender a pátria.
O estabelecimento de cortes, juízes e de um sistema de equidade Marinheiros bêbados, coronéis fraudulentos ou generais mentirosos
para todos. não alteram a elevada natureza de sua missão. São apenas exemplos do
divórcio entre a natureza e os ideais humanos. O fracasso dos judeus
De acordo com o Talmud, as nações e os indivíduos que vivem em se colocarem à altura de sua missão é o tema de Jeremias e de Isaías.
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Para aqueles que têm uma crença, os judeus são um mistério, imbuído do conhecimento acumulado e da natural autoridade contida
porque tal intervenção de Deus na história da humanidade não pode na antiga sabedoria comunitária. Ouvir um rabino erudito explicar a
ser explicada em termos racionais. Para os incrédulos, os judeus são Torá e depois ler uma apreciação racionalista do judaísmo é, de certa
um mistério porque, pelas leis ordinárias dos organismos nacionais, maneira, como sair de um concerto de Mozart e ler, no dia seguinte,
deveriam ter desaparecido há muitos séculos e, no entanto, aqui estão. a opinião dos críticos. O principal argumento que o ponto de vista
racionalista emprega é o de ser atualizado, científico, mais próximo da
O Alicerce da Sobrevivência verdade. Ele vê apenas ingenuidades nas teses da religião, com todos
os seus recursos e sua majestosa estrutura. Mas não passa de um sonho,
Os pensadores leigos estão longe de se declararem incapazes de ainda que fascinante, duradouro, bem engendrado. Para o pensador
explicar nossa sobrevivência, mas nem por isso conseguem elaborar religioso, este ponto de vista representa uma simples avaliação feita
uma tese convincente a respeito. por estranhos mal informados e que não conseguem vivenciar o pro-
Fazendo especulações em torno da capacidade de sobrevivência blema. E ficamos nisto.
de nosso povo, historiadores e sociólogos convergem para o elemento Poderíamos, por enquanto, deixar as coisas paradas nesse ponto?
primeiro de nossa vida que nos distingue dos outros povos – a Lei de Nele reside um antigo e insistente dilema. Não é muito provável que
Deus. Na legislação religiosa que nos guia há milênios, o pensamento consigamos resolvê-lo por meio de mais ou menos palavras a favor de
moderno encontra um sistema institucional, uma teia de hábitos de uma ou outra posição. Poderíamos talvez nos guiar pelo exemplo dos
raciocínio e de conduta, admiravelmente calculados para possibilitar físicos, esses heróis intelectuais do nosso tempo. Alguns dizem que a
a uma pequena nação, mesmo quando fragmentada no seio de outras ação da luz se desenvolve de tal maneira que só se poderia concebê-la
nações, continuar existindo apesar de todos os fatores contrários, em na figura de ondas encadeadas, mas outras pesquisas vêm demonstrar
meio a todas as adversidades. Nós seríamos responsáveis pela preser- que a luz é formada de uma torrente de partículas. Seria um dilema
vação da Lei, e não o contrário. insolúvel. Mas os físicos, com aquela intuição peculiar que distingue
Já o ponto de vista sustentado pela tradição parte do outro extre- o espírito moderno, combinam as teorias sobre as ondas e sobre as
mo. Afirma que a Lei de Deus é que determina a sobrevivência, que partículas para desenvolver suas experiências, visando elaborar uma
ela deve ser obedecida por derivar da vontade de Deus, e que o povo ideia mais clara da verdade, sem antecipar uma conclusão final e pros-
eterno sobrevive por graça Divina. Todo o nosso folclore, explorando seguindo em suas tarefas baseados nos conhecimentos mais avançados
e definindo o judaísmo, começa, termina e se alimenta constantemente de que possam dispor.
desse conceito. O homem racionalista prefere formular sua teoria do E isto é o que nós podemos fazer aqui. Traço este esboço do
judaísmo com base nos fatos visíveis: a estranha durabilidade dos ju- judaísmo para aqueles que, por um motivo ou outro, querem saber
deus, a grandeza e o poder da Bíblia, a importante influência hebraica algo a respeito. Não entraremos em divergências a respeito de nossas
na cultura ocidental. Ele exclui Deus dos fatos, mas concorda em ad- teorias sobre o mistério. A luz deste credo brilha há mais tempo que
mitir Sua existência como produto da imaginação do homem, como qualquer outra. É a luz religiosa mais antiga que existe, fonte da reli-
um elemento do problema judeu igual a outros elementos. Identifica gião do ocidente e mesmo do humanismo ético, que pretende negar
na lei hebraica certas semelhanças com antigas legislações semitas, que a religião. Esta luz nos encaminha para o estudo. Podemos estudá-la
indicam que, em geral, a época e o local de sua origem são os mesmos juntos, quer a consideremos formada de ondas, quer de partículas, ou
alegados pela tradição. Reconhece certa diferença na lei judaica: sua ainda, de uma combinação de ambas as coisas.
grandeza literária, seu conteúdo impregnado de moralidade e seu
impressionante esquema de sobrevivência. Não reconhece mais do
que isso.
O ponto de vista tradicional dura há mais de trinta séculos. Está

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