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com o apêndice
DERUSH OR HACHAYIM
do Rabino Israel Lipschitz
Título original: ÍNDICE 7
IMMORTALITY, RESURRECTION, AND THE AGE OF
THE UNIVERSE: A KABBALISTIC VIEW
Copyright © 1993 by Association of Orthodox Jewish Scientists
ÍNDICE
Publicado pela KTAV Publishing House, Inc. – Hoboken, NJ

Direitos exclusivos de edição desta obra


em língua portuguesa adquiridos pela
Apresentação.....................................................9
EXODUS EDITORA
por Judah Mansbach
em parceria com a
EDITORA E LIVRARIA SÊFER LTDA.
Alameda Barros, 735 CEP 01232-001 São Paulo SP Brasil Prefácio ............................................................11
Tel. 3826-1366 Fax 3826-4508 sefer@sefer.com.br por Pinchas Stolper
Livraria Virtual: www.sefer.com.br
1. A Idade do Universo ...................................17
Tradução Beatriz Telles Rudge
Edição Final Jairo Fridlin
Revisão Técnica Engº David Zumerkorn 2. Longevidade e Imortalidade
Editoração Eletrônica Editora Sêfer em Fontes Judaicas ...................................35
Digitalização de Imagens Eliana Merlino
Projeto Gráfico e Capa Dagui Design
3. Sobre a Ressurreição ................................47
Fotolitos e Impressão OESP Gráfica
Agradecimento Michael Malogolowkin
4. Astrologia: Estrelas e Anjos .....................65
Nota: Nesta obra, as citações da Torá foram extraídas do livro TORÁ –
A LEI MOISÉS, do Rabino Meir Matzliah Melamed (Editora Sêfer, 2001).
5. Masculino e Feminino ..............................77
Observação: Nas palavras transliteradas, adotou-se o “ch”
para o som de “rr”, como carro em português. Apêndice .........................................................85
Derush Or Hachayim do Rabino Israel Lipschitz
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio,
Traduzido e Anotado por Yaakov Elman
sem a autorização expressa da Editora e Livraria Sêfer Ltda.

2003
Reprodução da Primeira Edição
2ª impressão: Fevereiro de 2015
do Derush Or HaChayim ..............................165
ISBN 85-85583-49-5

Printed in Brazil
APRESENTAÇÃO 9

APRESENTAÇÃO

Menos de quarenta anos atrás, a própria noção de um cientista


judeu ortodoxo ainda era considerada uma anomalia no meio
judaico. Hoje em dia, o rabino, ou autoridade da Torá, requer do
médico, engenheiro ou psicólogo praticante da observância religiosa,
que explique os princípios científicos que o guiam na sua tomada de
decisões haláchicas (concernentes à Halachá, o código de leis
judaico). Os rabinos, confrontados com a necessidade de aplicar a
Halachá a um mundo de tecnologia que muda rapidamente, acham
mais fácil comunicar suas necessidades a estudiosos da Torá que
sejam igualmente versados nas ciências.
O cientista judeu ortodoxo realmente evoluiu muito na síntese da
Torá e da ciência. As teorias geral e especial da relatividade de Einstein,
cuja confiabilidade foi comprovada pelos experimentos de dilatação
do tempo dos pesquisadores J. Haefele e R. E. Keating, as teorias do
“Big Bang” e da seqüência, enfatizaram as palavras dos nossos
Sábios, de abençoada memória: “Hafoch ba vahafoch ba dechula
ba” (“Revise-a [a Torá] vezes e mais vezes, pois tudo está nela”).
A Associação de Cientistas Judeus Ortodoxos (Association of
Orthodox Jewish Scientists - AOJS) sempre foi um intermediário
entre a Halachá e as novas tecnologias emergentes, e tem estado na
linha de frente ao enfrentar o desafio à fé colocado pelas modernas
descobertas científicas. Com convenções semestrais, conferências e
palestras, os Proceedings of the Association of Orthodox Jewish
Scientists, Intercom e seu boletim mensal, a AOJS tem ajudado físicos
e engenheiros, profissionais da saúde e cientistas comportamentais
obedientes à Torá a enfrentar as questões haláchicas reais do dia-a-
dia da comunidade ortodoxa judaica.
Os cientistas judeus ortodoxos, que trabalham pela AOJS,
tornaram-se uma importante fonte de informação científica confiável
10 IMORTALIDADE, RESSURREIÇÃO E IDADE DO UNIVERSO PREFÁCIO 11

para a comunidade observante da Torá em todo o mundo, e são PREFÁCIO


reconhecidos como provedores, de maneira muito prática, de
importantes contribuições ao desenvolvimento da Halachá.
Em conformidade com esta prática, a Associação dos Cientistas Vivemos uma época de ciência sofisticada, na qual muitos judeus
Judeus Ortodoxos se orgulha de publicar quatro manuscritos inéditos praticantes da Torá adquiriram proeminência. Portanto, é surpreen-
do falecido Rabino Aryeh Kaplan, de abençoada memória. dente e decepcionante que relativamente tão poucos tenham usado
O Rabino Kaplan, um escritor e pensador criativo e prolífico, que seu conhecimento científico, talento e prestígio para demonstrar e
durante sua curta vida tanto contribuiu para a revitalização do defender a ausência de contradição entre suas vidas como cientistas
judaísmo na América e no mundo, interessava-se particularmente e como judeus observantes da Torá. Isto é especialmente verdadeiro
pelos problemas suscitados pelas modernas teorias cosmológicas. O numa época em que a expansão explosiva do conhecimento
ensaio título desta coleção, “A Idade do Universo”, foi proferido como científico desafiou de tal maneira o modo como os cientistas
palestra pelo Rabino Kaplan na convenção do inverno de 1979 da encaravam o universo, que, a cada dia, a barreira entre a ciência e
Associação. Embora entristecidos com a precoce morte do Rabino a fé se torna menor. Em anos recentes houve muitos físicos, biólogos
Kaplan, nos alegramos por ajudar a perpetuar sua memória e suas e astrônomos que descobriram a fé, convencidos de que o universo
idéias através dessa publicação. é produto de projeto e mente e não do acaso e acontecimentos
A Associação mostra seu reconhecimento à Sra. Toby Kaplan aleatórios. Os novos recursos da ciência revelam um tal grau de
Seidenfeld por nos dar acesso aos manuscritos de seu marido. complexidade e engenhosidade manifestas na concepção do mais
Gostaria de agradecer ao Dr. Yaakov Elman por assumir a tarefa de simples dos organismos que o pensamento de muitos mudou.
editar os manuscritos e por traduzir e anotar o Derush Or Hachayim O Rabino Aryeh Kaplan e a AOJS desempenharam ambos uma
do Rabino Israel Lipschitz. E, Acharon Acharon Chaviv (“por último, função chave ao chamar a atenção de grandes platéias para o
o mais querido”), gostaria de agradecer ao Dr. Neil Maron, Presidente legítimo papel que a Torá desempenha no mundo da ciência.
da Associação dos Cientistas Judeus Ortodoxos, por perceber a O Rabino Kaplan foi original, criativo, empreendedor e corajoso.
importância deste projeto. Sinto-me grato por sua confiança em mim Ele estava preparado para expressar pontos de vista que eram
e por seu incentivo, sem o qual este livro não teria sido finalizado. tentadores e controversos; ele possuía um entendimento único da
Torá em todas suas facetas e uma espantosa habilidade para descobrir
Judah Mansbach textos inéditos escritos pelos grandes de gerações passadas. Ele
Editor Chefe acreditava que o conhecimento científico era o escudeiro da Torá e
Comitê de Publicações da que, pela exploração de ambos, ele poderia revelar a grandeza da
Associação dos Cientistas Judeus Ortodoxos Torá assim como a sabedoria do Criador e Mestre do universo. De
maneira otimista, ele previu que os avanços do conhecimento
científico iriam demolir as opiniões contrárias à Torá de muitas
pessoas. Às vezes, ao invés de apresentar sua própria visão, ele se
12 IMORTALIDADE, RESSURREIÇÃO E IDADE DO UNIVERSO PREFÁCIO 13

baseava em textos não publicados que havia descoberto em suas pensam e era capaz de expressar pensamentos profundos e compli-
infindáveis pesquisas. cados em linguagem do dia-a-dia.
Somente uma pessoa de reputação ilibada, elevada erudição e Encontrei este extraordinário indivíduo pela primeira vez quando
estatura excepcional poderia ter se aventurado a escrever sobre “por acaso” vi seu artigo sobre “Imortalidade da Alma” no Intercom,
tópicos tão delicados e controversos. Acima de tudo, Aryeh Kaplan o jornal da Associação dos Cientistas Judeus Ortodoxos, e me
era um homem em busca da verdade, que vivia a convicção de que surpreendi com sua espantosa capacidade de explicar um tópico
no final das contas a verdade é a Torá. Por ser um mestre tanto da difícil, normalmente reservado aos eruditos avançados, um tópico
Torá como da ciência, ele enxergava a harmonia no encontro dos quase nunca abordado em inglês, com tal simplicidade que poderia
dois mundos em contraste com outros que, ou setorizavam suas vidas ser entendido por qualquer leitor inteligente. Ficou claro para mim
em dois mundos hermeticamente selados, ou vagavam de um mundo que seu talento especial poderia preencher uma importante lacuna
ao outro, denegrindo um enquanto abandonavam o outro. da vida judaica em idioma inglês.
Quem mais senão o Rabino Aryeh Kaplan possuía o toque mágico Um indivíduo despretensioso, de fala mansa, modesto apesar de
para fazer com que complicados conceitos místicos, filosóficos ou seu imenso renome e popularidade, Aryeh Kaplan acreditava
religiosos viessem à vida com clareza, força e simplicidade? Somente firmemente em apresentar à juventude judaica não afiliada e alienada
ele foi capaz de mergulhar seu vaso profundamente nas fontes de sua herança cultural.
nossa tradição, mais profundamente do que havia sido feito na língua Ele foi um pioneiro do movimento de Teshuvá, o movimento
inglesa até seu tempo, para nos trazer revigorantes e reveladoras moderno de retorno à observância judaica. “Através da história, os
abordagens da Torá. judeus sempre foram observantes,” ele ponderou numa entrevista.
Pessoa de grande sinceridade, persistência e dedicação, ele tinha “O movimento de Teshuvá é apenas uma normalização. O povo
a rara capacidade de se trancar em sua sala e trabalhar incessante- judeu está como que se reajustando novamente. Estamos fazendo o
mente por dias a fio até resolver um problema ou produzir um que devemos fazer.” Realmente, seus livros refletem uma filosofia
manuscrito extremamente original. comum, similar. A mensagem que ele tentava transmitir era que “o
Conceitos religiosos muitas vezes são de difícil entendimento e, judaísmo é um assunto vivo, em desenvolvimento. Uma pessoa
para muitos, reservados e inatingíveis. O Rabino Kaplan possuía a buscando sentido na vida não precisa ir a nenhum outro lugar.”
rara habilidade de colocá-los em foco. Ele tinha os dons e talentos O excepcional calor humano, a sinceridade e a dedicação total à
especiais que tornam possível conectar a ciência à Torá, a filosofia à Torá de Aryeh Kaplan foram uma inspiração para milhares de pessoas
ação e o misticismo à lógica. Ele sabia como tomar conceitos abstratos que ele atingiu pessoalmente. As portas de sua casa estavam sempre
e lhes dar vida. Ele tinha o dom de restabelecer a fé, de trazer a abertas, sua mesa cheia de convivas de Shabat (o sábado judaico) e
mensagem viva de Deus a nossos corações e mentes. Apesar do estudantes. Ele viajou por toda parte para compartilhar seu
fato de ser um estudioso profundo e prestigiado, um raro Talmid conhecimento e engajamento com jovens em seminários, retiros e
Chacham (erudito) que dominava todos os ramos da sabedoria da campi universitários.
Torá, ele possuía o toque comum; ele entendia como as pessoas O Rabino Aryeh Moshe Eliyahu ben Shmuel Kaplan abandonou
14 IMORTALIDADE, RESSURREIÇÃO E IDADE DO UNIVERSO A IDADE DO UNIVERSO 17

uma promissora carreira em física, decidindo, ao invés disso, dedicar- Capítulo 1


se totalmente à disseminação da Torá. Ele conseguiu a união de
muitos elementos numa só personalidade, ele era o sábio talmúdico, A IDADE DO UNIVERSO
o homem da Halachá, o mestre da civilização ocidental e o cientista,
com um entendimento espantoso da Cabalá, do misticismo judaico A questão da idade do universo tem sido discutida em círculos
e do pensamento chassídico. de estudo da Torá por mais de um século. A Torá parece ensinar que
No processo de levar a Torá às massas, o Rabino Kaplan revelou o universo não tem mais que seis mil anos. Na verdade, muitas
muito do que antes estivera oculto. Sua mente continha bibliotecas pessoas diriam que qualquer opinião que afirme que o universo
de livros esperando serem escritos. Foi a vontade do Eterno que ele tem mais de seis mil anos necessariamente contradiz a Torá. Por
tenha revelado tanto e nada além disso. outro lado, parece haver um grande número de provas baseadas
em observação de que o universo tem muito mais de seis mil anos.
Rabino Pinchas Stolper Uma série de abordagens foram propostas para resolver este
Vice-Presidente Executivo da problema, algumas das quais foram discutidas num livro publicado
União das Congregações Judaicas Ortodoxas da América há alguns anos.1 Nossa preocupação, contudo, não é simplesmente
resolver a questão, mas fazê-lo de uma maneira solidamente baseada
nos ensinamentos da Torá. Em outras palavras, procuramos uma
solução que realmente conste na literatura clássica da Torá.

Princípios Metodológicos

Antes mesmo de tentarmos começar a resolver este problema,


devemos estabelecer alguns princípios metodológicos. O primeiro é
o mais importante. Devemos estar plenamente conscientes do que
dizem as fontes primordiais a respeito da questão. Infelizmente, as
pessoas muitas vezes expressam suas próprias idéias como princípios
da Torá, atribuindo a autoridade de fontes clássicas a noções às
quais estas são completamente opostas.
Em segundo lugar, devemos ter em mente que não há nenhuma
opinião constritiva em assuntos que não envolvam a lei judaica ou
artigos fundamentais de fé. Deve-se sempre chegar a uma conclusão
final em questões haláchicas (legais), uma vez que é necessário saber
como agir, mas no tocante a uma questão não haláchica, como a
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idade do universo, qualquer opinião encontrada numa fonte da Torá Outro exemplo seria a questão do universo ser geocêntrico ou
reconhecida é aceitável. heliocêntrico. Pouquíssimos, mesmo dentre os mais conservadores
Este princípio é referido em várias passagens talmúdicas. Por judeus observantes da Torá, diriam, hoje em dia, que a crença num
exemplo, o Talmud evita proferir uma opinião final sobre questões universo heliocêntrico contraria os ensinamentos da Torá. Mas num
que envolvam os tempos messiânicos e classifica o assunto como passado muito recente, muitos sustentavam a crença de que um
Hilcheta Lemeshicha, “uma lei pertencente ao Messias.” Onde não mundo geocêntrico era essencial ao judaísmo.2
há conseqüências práticas, um veredicto final não precisa ser Eu também me lembro que há cerca de trinta anos, quando
proferido. eu estava na Ieshivá (academia de estudos judaicos), houve uma
Outro exemplo é o uso no Talmud da expressão “Ambas são discussão a respeito de se mandar um foguete para a lua. Um
palavras do Deus vivo.” Esta frase aparece em dois trechos, uma importante rabino defendeu com firmeza que, de acordo com os
vez em contexto não haláchico e outra no que diz respeito a uma ensinamentos da Torá, não haveria como isso ser possível. Seus
discussão haláchica entre a Escola de Hilel e a Escola de Shamai. argumentos eram impecáveis mas, obviamente, errôneos. É muito
No primeiro caso, o Talmud não profere um veredicto final perigoso colocar-se num ponto de vista intelectual.
(Pessac), enquanto no último ele conclui: “A lei segue a Escola de
Hilel”. Novamente, em questões não haláchicas, não há necessidade Abordagens Possíveis
de um veredicto final.
O perigo aparece claramente em qualquer discussão sobre a idade
Pontos de Vista Intelectuais do universo, uma vez que a questão da idade do mundo é funda-
mental para qualquer discussão sobre o judaísmo e a ciência. Se
Ao tentar resolver uma questão tão básica quanto a idade do esta questão não for resolvida, a ciência e o judaísmo continuarão
universo, é importante não se colocar num ponto de vista intelectual. em constante confronto.
Uma vez que a comunidade tenha tomado uma posição a respeito A abordagem mais simples é ignorar o problema. Conheço um
de um assunto - mesmo uma posição errada - voltar atrás é difícil. professor ortodoxo de biologia que, na sinagoga, sustenta com
Um exemplo que imediatamente vem à mente é o da existência firmeza que o mundo tem menos de seis mil anos, mas em classe,
de vida extraterrestre. Cerca de dez anos atrás, alguns eminentes ensina a cronologia científica padrão. É como se ele tivesse um
rabinos expressaram a opinião de que a crença em vida fora da sistema de crenças quando está em meio a pessoas ortodoxas e
Terra era praticamente uma heresia. Lembro-me de ter escrito um outro quando está com seus colegas profissionais. Esta pode ser a
artigo para o Intercom rejeitando essa idéia e demonstrando que saída mais fácil, mas obviamente não é uma abordagem satisfatória.
gigantes como o filósofo judeu Saádia Gaon acreditavam que a vida Outra visão é a de muitos judeus ortodoxos que encaram a ciência
em outros mundos se conformava totalmente aos ensinamentos da em geral como uma fraude - principalmente por causa dessa questão
Torá. O que muitos contemporâneos alardeavam como heresia, era específica. Para os que mantêm esta visão, as deficiências morais
uma opinião baseada na Torá perfeitamente aceitável. dos cientistas são tomadas como provas de sua desonestidade
20 IMORTALIDADE, RESSURREIÇÃO E IDADE DO UNIVERSO A IDADE DO UNIVERSO 21

intelectual. Entretanto, esta também é uma abordagem totalmente “Não há falsidade no trabalho da Criação.”3 A teoria acima parece
insatisfatória, como fica evidente para qualquer um que tenha alguma fazer de toda a Criação um ato de falsidade.
ligação, mesmo que remota, com a ciência organizada. Além disso, o argumento é arbitrário. Se Deus pudesse ter criado
Duas soluções populares enfrentam o problema diretamente: um universo com história há seis mil anos, então Ele também poderia
A primeira assume que cada dia da Criação durou milhões ou tê-lo criado cinco minutos atrás. Não se discute que um Deus
até bilhões de anos. Os seis dias da Criação, sob este ponto de vista, onisciente poderia ter nos criado com todas nossas lembranças, assim
representam os bilhões de anos que o universo demorou para se como com registros e histórias retrocedendo milhares de anos. Mas
desenvolver. então, com um Deus onipotente, tudo - não importa quão ilógico -
Há uma série de dificuldades com esta teoria, a começar pelo é possível. Ainda assim, normalmente assumimos que Deus nos deu
fato de não haver nenhuma sugestão dela em qualquer passagem a razão e criou o mundo de maneira tal que pudesse ser entendido
da literatura clássica da Torá. pela mente humana.
Outra abordagem é assumir que o universo foi criado com sua É claro que todos sabemos que estas objeções podem ser
“história” como um de seus elementos. Assim, quando Deus criou resolvidas. É impossível refutar o argumento de que o mundo foi
as árvores, Ele as criou com anéis de crescimento que parecem indicar criado com uma história, e se alguém se sente confortável com ele,
que elas tiveram uma extensa existência passada. Um cientista muito bem. Entretanto, muitos devem sentir que este é um argumento
vivendo nos primeiros séculos da Criação - prossegue o argumento - que beira a desonestidade intelectual e a sofística, e que também é
seria capaz de discutir as “condições meteorológicas” existentes antes um argumento capaz de criar mais problemas do que soluções.
da Criação baseando-se nos anéis das árvores maiores. (Muito similar Mas há uma questão ainda mais séria. Em nenhuma passagem
a esta, há a questão de Adão ter ou não umbigo.) da literatura da Torá existe a mais leve sugestão de tal possibilidade.
Se as árvores pudessem ter sido criadas com uma história Se não fosse pelas descobertas científicas, ninguém teria pensado
aparente, todo o resto do universo também poderia. Os genes de em apresentar tal argumento. Assim, ele é ex post facto e desprovido
todas as criaturas contêm evidência de seus ancestrais, mas os genes de base na Torá.
teriam sido criados com essa “história”. Fósseis e formações geoló- Na verdade, esta abordagem foi postulada primeiramente por
gicas de aparência arcaica também poderiam ter sido criados há um cientista gentio, alguns anos antes de Darwin publicar sua Teoria
menos de seis mil anos. Mesmo o urânio usado para a datação da Evolução. Na época, os cientistas o encararam como um argu-
radiocarbônica poderia ter sido criado com características que o mento tolo, mesmo antes de Darwin. Atualmente, ele não parece
fariam parecer ter bilhões de anos. nem um pouco mais convincente.
Um problema desta abordagem é que ela faz com que o Criador Há outra questão que deve ser tratada diretamente. Muitos grupos
pareça ter perpetrado uma fraude. Se é heresia acreditar que o mundo cristãos fundamentalistas adotaram a idéia do criacionismo, um
tem mais de seis mil anos de idade, por que Deus o criaria de maneira ensinamento baseado na interpretação literal da Bíblia. Naturalmente,
a induzir um observador honesto a uma opinião falsa? Isto é tanto uma vez que os gentios não levam em consideração a Torá Oral, sua
mais sério à luz do Midrash (literatura rabínica homilética) que afirma: abordagem certamente será muito diferente da nossa. Além disso,
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muitos de seus argumentos, foram refutados muito convincentemente Cordovero (o “Ramac”) e o Rabino Isaac Luria (o “ARI”) rejeitavam
por algumas das melhores mentes científicas. Para judeus ortodoxos, este conceito em geral. Assim, o autor de Vaiac’hel Moshe escreve:
alinhar-se com tais grupos é tanto perigoso quanto anti-Torá. “Podemos ver a grandeza do Ari, pois havia uma opinião (relativa a
ciclos sabáticos) que havia sido aceita por todos os antigos cabalistas,
Ciclos Sabáticos mas que foi rejeitada pelo ‘Ari’.” 7
Aqui, contudo, o segundo princípio discutido anteriormente entra
A única alternativa remanescente é pesquisar a literatura clássica em ação. Uma vez que isto não é assunto para a lei, não há opinião
da Torá e determinar se há qualquer afirmação pertinente relativa à constritiva. Embora o “Ari” possa ter sido o maior dos cabalistas,
idade do universo. Significativamente, há um conceito muito sua opinião sobre o assunto de maneira alguma é absolutamente
importante, apesar de pouco conhecido, que é discutido no Sêfer restritiva. Uma vez que havia muitos cabalistas importantes que
ha-Temuná, um antigo trabalho cabalístico atribuído ao tanaíta defendiam o conceito de ciclos sabáticos, esta é uma opinião válida
(mestre do Talmud) do primeiro século, Rabi Nechunia ben ha-Cana. e aceitável.8
O trabalho discute as formas das letras hebraicas e é fonte de muitas De acordo com o Sêfer ha-Temuná, portanto, houve outros
das opiniões mais citadas sobre o assunto na literatura haláchica. mundos antes de Adão ter sido criado. Estes eram os mundo de
Portanto, o Sêfer ha-Temuná não é uma obra obscura, sem ciclos sabáticos anteriores.
importância, mas sim uma obra em que a maioria das autoridades Significativamente, há uma série de referências a esta abordagem
haláchicas confia. no Midrash. Assim, comentando o versículo “E foi tarde e foi manhã:
O Sêfer ha-Temuná fala sobre ciclos sabáticos (Shemitot). Isto se dia um” (Gênesis1:5), o Midrash Rabá afirma: “Isso ensina que houve
baseia no ensinamento talmúdico de que “o mundo existirá por seis ordens de tempo antes desta.” 9
mil anos e, no sétimo milésimo ano, será destruído.” 4 O Sêfer ha- Outro ensinamento do Midrash bastante conhecido também
Temuná afirma que este ciclo de sete mil anos é apenas um ciclo parece apoiar o conceito de ciclos sabáticos. O Midrash declara que
sabático. Contudo, como há sete ciclos sabáticos em um jubileu, o “Deus criou universos e os destruiu.”10 Um dos importantes trabalhos
mundo está destinado a existir por quarenta e nove mil anos. cabalísticos clássicos, Maaréchet Elocut, declara explicitamente que
Há uma dúvida a respeito de qual ciclo estamos vivendo hoje. esta passagem se refere a mundos que existiram nos ciclos sabáticos
Algumas autoridades opinam que estamos atualmente no segundo anteriores à criação de Adão. A mesma fonte afirma explicitamente
ciclo sabático.5 Outros defendem a opinião de que estamos atual- que o ensinamento midráshico de que “houve ordens de tempo antes
mente no sétimo ciclo.6 De acordo com esta opinião, o universo desta [Criação]” também está falando de ciclos sabáticos anteriores.11
teria 42 mil anos de idade quando Adão foi criado. Como veremos, Um trecho talmúdico parece substanciar esta visão de ciclos
as implicações disso são muito importantes. sabáticos. De acordo com o Talmud - e alguns Midrashim também-
Antes de prosseguir, deve ser mencionado que a maioria dos houve 974 gerações antes de Adão.12 Este número deriva do versículo
textos cabalísticos mais recentes não mencionam esses ensinamentos. “Ele se lembra da Sua aliança para sempre, a palavra empenhada
Isto porque dois dos maiores cabalistas recentes – o Rabino Moisés para mil gerações” (Salmo 105:8). Isto indicaria que a Torá estava
24 IMORTALIDADE, RESSURREIÇÃO E IDADE DO UNIVERSO A IDADE DO UNIVERSO 25

destinada a ser revelada depois de mil gerações. Como Moisés era cordilheiras como o Himalaia (citado nominalmente) foram
da 26ª geração depois de Adão, deve ter havido 974 gerações antes obviamente formadas por grandes abalos sísmicos.
de Adão. O Maaréchet Elocut afirma explicitamente que estas Ele conclui que estes eram os abalos especificamente mencio-
gerações existiram nos ciclos sabáticos anteriores à criação de Adão. nados no Sêfer ha-Temuná, e que esta é uma nova comprovação
O conceito de ciclos pré-adâmicos era bastante conhecido entre dos ensinamentos da Torá. Esta declaração é muito significativa.
os Rishonim (antigas autoridades), e é citado em fontes como Bahya, Hoje em dia, muitas pessoas no mundo da Torá se sentem
Recanati, Tsiyoni e Sêfer ha-Chinuch.13 Ele também é mencionado ameaçados pelas descobertas geológicas e paleontológicas. Elas
no livro O Cuzarí e nos comentários de Ramban e Ibn Ezra.14 encaram dinossauros e outros fósseis como problemas de difícil
solução. Aqui, por outro lado, um dos mais destacados estudiosos
Tiféret Yisrael da Torá do século passado tem uma visão completamente diferente,
encarando essas descobertas como confirmatórias de um importante
Uma das mais recentes autoridades a falar sobre o conceito de ensinamento da Torá. Enquanto muitos judeus ortodoxos de hoje
ciclos sabáticos é o Rabino Israel Lipschitz, autor de Tiféret Yisrael, se sentem na obrigação de desafiar toda declaração científica
um comentário sobre a Mishná, a compilação da Lei Oral. No fim referente à paleontologia ou geologia, o autor de Tiféret Yisrael
da seção talmúdica de Nezikin (“Danos”), ele inclui um ensaio achava que essas descobertas ratificam conceitos da Torá.
intitulado Derush Or Hachayim. Como esta obra fala de criações
anteriores e de seres humanos existentes antes de Adão, ela foi Rabino Isaac de Aco
extremamente polêmica. Na verdade, ela foi omitida de algumas
edições do comentário (e teve suas páginas arrancadas de outras!). O Sêfer ha-Temuná estabelece que a idade do mundo, pelo menos
Além disso, por causa do Derush, uma série de grupos chassídicos de acordo com algumas interpretações clássicas, é de 42 mil anos.
não usam nada do Tiféret Yisrael.15 Ou seja, o mundo tinha 42 mil anos quando Adão foi criado. Este
Um dos problemas com o Derush é que o autor não cita todas as ensinamento foi matéria de uma interpretação muito significativa
fontes. As mais importantes são Ibn Ezra, o Ramban e Bahya, que do Rabino Isaac de Aco (1250-1350). Ele era um estudioso e colega
estão entre as mais ambíguas, especialmente para quem não viu a do Ramban (Nachmânides), e um dos mais importantes cabalistas
apresentação na fonte original, o Sêfer ha-Temuná. de seu tempo. Ele é muito citado no grande livro clássico do Rabino
A abordagem do Rabino Lipschitz é muito interessante. Ele cita a Eliáhu de Vidas, o Reshit Chochmá. O Zôhar foi publicado em sua
idéia cabalística de universos existentes antes de Adão e depois época e ele é conhecido como o indivíduo que investigou (e ratificou)
conclui: “Vejam como os ensinamentos de nossa Torá foram sua autenticidade.
justificados pelas descobertas modernas!”16 Depois ele cita achados Muitos anos atrás, como parte de um projeto de pesquisa, obtive
como o de um mamute encontrado perto de Baltimore, assim como uma fotocópia de um dos importantes trabalhos do Rabino Isaac: o
os dinossauros. Como estas criaturas não existem mais, obviamente Otsar ha-Chayim.17 Nele descobri uma interpretação inteiramente
viveram em ciclos sabáticos anteriores. Ele prossegue dizendo que nova do conceito de ciclos sabáticos.18
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O Rabino Isaac de Aco escreve que, uma vez que os ciclos período em que a Terra era “vã e vazia” (Tôhu va-vôhu). Assim, o
sabáticos existiam antes de Adão, sua cronologia deve ser medida período “vão e vazio” mencionado na Torá durou 15 bilhões de
não em anos humanos, mas em anos Divinos. Assim, o Sêfer ha- anos.
Temuná está falando de anos Divinos quando declara que o mundo A dificuldade com esta abordagem é que os sete dias da Criação
tem 42 mil anos de idade. Isso tem conseqüências espantosas, pois teriam então ocorrido há menos de seis mil anos. Isso recolocaria as
de acordo com muitas fontes do Midrash, um dia Divino dura mil mesmas questões originalmente suscitadas.
anos terrestres e um ano Divino, consistindo de 365 ¼ dias, equivale Há, contudo, uma outra abordagem, referida no Talmud e no
a 365.250 anos terrestres. Midrash.
Assim, de acordo com o Rabino Isaac de Aco, o universo teria Um dos mistérios da Torá envolve os dois relatos da Criação. O
42.000 x 365.250 anos de idade. Isto vem a ser 15.340.500.000 primeiro relato está registrado em Gênesis 1:1 – 2:3, o segundo em
anos, um número muito significativo. Partindo de cálculos baseados Gênesis 2:4-23. Várias discrepâncias entre essas duas versões estão
na expansão do universo e outros observações cosmológicas, a anotadas no Talmud e no Midrash.
ciência moderna concluiu que o Big Bang ocorreu há aproxima- Assim, na primeira versão, a Torá diz: “E criou Deus o homem à
damente 15 bilhões de anos. Mas aqui vemos o mesmo número sua imagem, à imagem de Deus o criou; macho e fêmea criou-os.”
apresentado numa fonte da Torá escrita há mais de setecentos anos! (Gênesis 1:27). Isto parece indicar que o homem e a mulher foram
Estou certo de que muitos vão achar que isto é objeto de muita criados simultaneamente. Por outro lado, a segunda versão afirma
controvérsia. Contudo, é importante saber que esta opinião existia explicitamente que Eva foi criada a partir da costela de Adão. O
em nossa literatura clássica; além disso, que um dos mais importantes Talmud levanta esta questão e depois explica que Deus criou o
cabalistas de sete séculos atrás calculou a idade do universo e chegou homem e a mulher simultaneamente em pensamento, mas de fato
à mesma conclusão que a ciência moderna. Assim, como diria o criou Adão primeiro e Eva a partir da costela de Adão. Os dois relatos
autor de Tiféret Yisrael, os estudos cosmológicos modernos confir- do Gênesis se referem a esses dois atos de criação.19
mam nossa abordagem da Torá (em oposição, por exemplo, à Um antigo comentário emprega este conceito para resolver uma
abordagem fundamentalista). contradição haláchica (legal). No Talmud existe a questão do mundo
ter sido criado no mês hebraico de Tishrei ou Nissan. O Talmud
Situando isso na Torá afirma que, no tocante a assuntos legais, devemos nos guiar pela
opinião de que o mundo foi criado em Nissan.20 Isto tem conse-
Agora devemos nos perguntar onde isso se situa no texto da Torá. qüências práticas, tais como o fato da Bircat ha-Chamá (a Bênção
Onde encontramos na Torá qualquer sugestão desses 15 bilhões de do Sol) ser recitada em Nissan, ao invés de Tishrei. Ainda assim, o
anos ou, na verdade, algum lugar onde possamos encaixá-los? Talmud cita explicitamente que em Rosh Hashaná (Ano Novo)
Basicamente há duas abordagens. A primeira é a do Maaréchet dizemos: “Este dia é o início da Tua obra,” porque seguimos a opinião
Elocut, uma obra que citamos anteriormente. De acordo com esta de que o mundo foi criado em Tishrei.
fonte, a Torá se cala a respeito de eventos que ocorreram durante o A dificuldade é notada pelos Tossafót, que afirmam (em nome
28 IMORTALIDADE, RESSURREIÇÃO E IDADE DO UNIVERSO A IDADE DO UNIVERSO 29

de Rabênu Tam) que em Tishrei o mundo foi criado em pensamento, Há um outro ensinamento midráshico pertinente, baseado na
enquanto em Nissan ele foi criado de fato.21 Significativamente, até tradição de que sempre que uma seção da Torá começa com a
o “Ari” defende o conceito de que houve duas Criações: uma em expressão “E estas” (ve-Êle), ela é uma continuação da seção
pensamento e uma de fato.22 anterior, ao passo que quando ela começa somente com “Estas”
Pareceria, então, que os sete dias da Criação descritos na Torá (Êle), ela representa uma quebra em relação à seção anterior.
ocorreram em pensamento e não na realidade. É claro que os O Midrash nota que o segundo relato da Criação (Gênesis 2:4)
pensamentos de Deus não são os mesmos que os nossos, e é possível começa com a expressão “Esta” ao invés de “E esta”. Portanto, diz
dizer que a Criação em pensamento, na verdade, se refere à criação o Midrash, esse relato não deve ser associado ao que é descrito nos
dos correspondentes espirituais do mundo físico. Esta visão se versículos que o precedem, pois o relato anterior trata de “vão e
encontra em várias fontes chassídicas.23 vazio”.25 O Midrash inequivocamente trata os sete dias da Criação
Assim, pode ser que os sete dias da Criação tenham ocorrido há como sendo de “vão e vazio”.
mais de 15 bilhões de anos, antes do Big Bang. Isso representou a
criação da infra-estrutura espiritual do universo, a que o Talmud se Conclusão
refere como “criação em pensamento”. Depois, o universo se
desenvolveu de acordo com o plano de Deus, guiado pela infra- Como demonstra esta discussão, fontes clássicas da Torá não só
estrutura espiritual que Ele havia criado. Finalmente, menos de seis mantêm que o universo tem bilhões de anos de idade, como também
mil anos atrás, Deus criou Adão como o primeiro de um novo tipo apresentam o número exato proposto pela ciência moderna. Há
de ser. Embora os seres humanos existissem antes de Adão, ele foi o dois relatos da Criação na Torá, o primeiro falando da infra-estrutura
primeiro a adquirir uma sensibilidade espiritual especial e a ser capaz espiritual do universo, que se completou em sete dias. Isso ocorreu
de comunicar-se com Deus. há cerca de 15 bilhões de anos, antes do Big Bang. O segundo
Num comentário de Rashi (Rabino Shelomo Yits’chaki) há uma relato fala da criação de Adão, que ocorreu há menos de seis mil
alusão a uma criação em pensamento separada. Rashi afirma que o anos.
nome Divino ‘Elokim’ é usado no primeiro relato da Criação porque O que é mais importante é que não há um conflito real entre a
Deus se elevou em pensamento para criar o mundo com o atributo Torá e a ciência a respeito dessa questão tão crucial. Só se pode
da Justiça. Só mais tarde Deus empregou o Tetragrama (nome Divino dizer que os ensinamentos da Torá foram ratificados pelas modernas
composto pelas letras Iud-Hê-Vav-Hê), indicando que o atributo da descobertas científicas.
Misericórdia também estava em ação. É significativo, contudo, que
o nome Elokim seja usado durante todo o primeiro relato da Criação.
Algumas fontes chassídicas também associam a “criação com justiça”
aos mundos que foram “criados e destruídos”.24 O Sêfer ha-Temuná
afirma claramente que o primeiro ciclo sabático foi de justiça
inflexível.
30 IMORTALIDADE, RESSURREIÇÃO E IDADE DO UNIVERSO A IDADE DO UNIVERSO 31

APÊNDICE

Trechos selecionados de Otsar ha-Chayim,


páginas 86b-87b

Há prova evidente de que o mundo existiu por muitos anos a


partir do versículo de Isaías: “O menino morrerá com cem anos”
(Isaías 65:20). Hoje, se uma criança com menos de três anos morre,
dizemos que um bebê morreu. No futuro derradeiro, se um homem
de cem anos de idade morrer, diremos que um bebê morreu, por
causa da extrema longevidade que as pessoas gozarão. Se pessoas
de pouca fé rejeitarem essa estranha questão, diga-lhes que isto já
Eu, o insignificante Isaac de Aco, achei por bem registrar um aconteceu, pois Matusalém viveu trinta anos menos que um milênio.
grande mistério que deveria ser mantido muito bem escondido. Um Certamente, no tempo de Matusalém considerava-se uma pessoa
dia de Deus dura mil anos, pois está escrito: “Pois mil anos são aos que morresse aos cem anos de idade como tendo morrido muito
teus olhos como o dia de ontem” (Salmo 90:4). Como um de nossos prematuramente.
anos tem 365 ¼ dias, um ano das Alturas equivale a 365.250 de
nossos anos. Dois anos das Alturas são mais de 730 mil dos nossos
anos. A partir daí, continue multiplicando por 49.000 anos, cada
ano consistindo de 365 ¼ dias, e cada dia sobrenatural sendo mil
de nossos anos, pois está escrito: “Naquele dia só Deus será exaltado”
(Isaías 2:11). “Quem poderá contar as proezas de Deus?” (Salmos Observem: nossos olhos vêm que o mundo existiu por um tempo
106:2). Abençoado seja o nome Daquele cujo glorioso reino dura muito longo. Isto é para rejeitar a opinião daqueles que dizem que o
para todo o sempre! mundo não existiu mais de quarenta e nove mil anos, que seriam
Tudo isso se refere ao que dizem as Escrituras. Contudo, não sete ciclos sabáticos.
importa quantas vezes este número seja dobrado, não chegaria a
ser um segundo para [Deus]… Entretanto, no tocante ao Ser Infinito,
basta que Ele seja chamado Infinito.
32 IMORTALIDADE, RESSURREIÇÃO E IDADE DO UNIVERSO A IDADE DO UNIVERSO 33

NOTAS 18. Otsar ha-Chayim, página 86b. Ver texto completo no apêndice deste artigo.
19. Eruvin 18a, Berachót 61a.
1. Ver Aryeh Carmell e Cyril Domb, editores, “Challenge: Torah Views on Science 20. Rosh Hashaná 11b-12a.
and Its Problems” (Nova York, Associação de Cientistas Judeus Ortodoxos, 21. Tossafót sobre Rosh Hashaná 27a, s.v. kemaan. Ver também Or ha-Chayim
1976, págs. 132-135). sobre Gênesis 1:1, nº 16.
2. Ver Maamar Mevo ha-Shémesh, impresso em conjunto com o Sêfer ha-Techuná 22. Peri Ets Chayim sobre o serviço de Rosh Hashaná.
do Rabino Chayim Vital. 23. Ver Nôam Elimélech, Chaiê Sara.
3. Tana deve Eliyahu Zuta 3, e ver Ialcut Shimoni I, r. 1. 24. Ver Nôam Elimélech, Bo.
4. San'hedrin 97a. 25. Bereshit Rabá 12.2.
5. Ver Derush Or Hachayim, traduzido e anotado neste apêndice.
6. Ver Livnat ha-Sapir.
7. Vaiac’hel Moshe, introdução.
8. É significativo que o Radbaz (Rabino David ibn Zimra) esteve entre os que
defenderam o conceito de ciclos sabáticos. Ele também escreveu o Maguen
David como comentário sobre o Sêfer ha-Temuná. Embora o Radbaz tenha se
notabilizado por suas responsas (Sheelot uteshuvot ), ele também foi um
importante cabalista. Na verdade, numa passagem, o discípulo mais
proeminente do “Ari”, o Rabino Chayim Vital, indica que o Radbaz foi o mestre
do “Ari”.
9. Algumas autoridades, como Maimônides em seu “Guia dos Perplexos” e no
“Sêfer ha-Icarim”, dão uma interpretação diferente a este Midrash, mas ele é
certamente mais facilmente entendido à luz do princípio exposto pela Sêfer
ha-Temuná.
10. Sêfer ha-Temuná 314.
11. Aqui também é importante notar que o “Ari” apresenta uma interpretação
totalmente diferente do ensinamento “Deus criou mundos e os destruiu”,
dizendo que isto se refere a universos espirituais, e não físicos. Isto se enquadra
à oposição geral do “Ari” ao conceito de ciclos sabáticos antes da Criação.
Muitos dos maiores cabalistas antigos se opunham ao “Ari” neste aspecto.
12. Chaguigá 13b.
13. Bahya, Tsiyoni e Recanati sobre Levítico 25:8.
14. Ver Cuzarí 1:67, Ramban sobre Gênesis 2:3, Ibn Ezra sobre Gênesis 8:22.
15. O texto completo do Derush do Rabino Lipschitz se encontra no apêndice
deste volume.
16. Derush Or Hachayim 4a (veja adiante).
17. O único manuscrito completo encontra-se na Biblioteca Estatal Lenin, Moscou
(Coleção Guenzburg, nº 775).
LONGEVIDADE E IMORTALIDADE 35

Capítulo 2

LONGEVIDADE E IMORTALIDADE
NAS FONTES JUDAICAS

Com o rápido progresso na descoberta das causas do envelheci-


mento e morte, a ciência está hoje à beira de eliminar estas fraquezas,
que até agora têm sido consideradas partes inevitáveis do ciclo de
vida humano. Ao mesmo tempo, a discussão de problemas éticos e
teológicos, suscitados pela perspectiva de extrema longevidade,
tornou-se muito mais importante. Se a ciência conseguir prolongar
a vida humana e eliminar a morte, surgirão questões sobre se isso é
desejável e sobre as conseqüências morais desses atos.
Nos ensinamentos clássicos judaicos, discute-se consideravel-
mente sobre as razões do envelhecimento e da morte, assim como
sobre a possibilidade deles serem eliminados.
De acordo com a Torá, o homem foi criado originalmente como
uma criatura imortal.1 Deus, então, ordenou a Adão que não comesse
da Árvore do Conhecimento, dizendo: “...no dia em que comeres
dela, morrerás” (Gênesis 2:17). Isso não queria dizer que ele fosse
morrer imediatamente, uma vez que a Torá diz claramente que,
subseqüentemente, Adão viveu 930 anos. O significado era que um
processo seria iniciado através do qual a morte acabaria por subjugá-
lo.2 Em termos modernos, isso significa que um relógio biológico,
através do qual o corpo acabaria por encerrar seus próprios processos
vitais, entrou em ação.
Ainda assim, como relata a Torá, as gerações seguintes a Adão
gozaram do que atualmente seria considerado uma longevidade
extrema (veja a tabela que contém os números exatos na página
seguinte). Nas gerações entre Adão e Noé, a maior idade foi atingida
por Matusalém, que chegou aos 969 anos de idade. A idade média
36 IMORTALIDADE, RESSURREIÇÃO E IDADE DO UNIVERSO LONGEVIDADE E IMORTALIDADE 37

de morte para estas dez gerações foi de 857,5 anos. Se descontarmos Os comentaristas judeus clássicos tomaram esses números com
as vidas anormalmente curtas de Enoc e Lemech, a média seria de muita seriedade. A possibilidade dos anos mencionados na Torá
929 anos. serem menores que o ano do calendário atual foi discutida em impor-
tantes comentários, mas é universalmente rejeitada.4 Há razões
LONGEVIDADE DAS PRIMEIRAS GERAÇÕES BÍBLICAS exegéticas para tanto.
Nome Idade de Idade da Relação Em primeiro lugar, a Torá afirma que Mahalalel tinha 65 anos de
Paternidade Morte idade quando teve seu filho Iared. Se aceitarmos que o ano bíblico
era só um quinto do ano atual, então Mahalalel teria 13 anos na
Adão 130 930 7,15 ocasião. Mas, nesta mesma escala, Matusalém ainda teria vivido até
Set 105 912 8,69 os 194 anos de idade e a idade média de morte teria sido 186 anos.
Enosh 90 905 10,06 Para ajustar a extensão do ano bíblico de modo que a idade
Kenan 70 910 13,0 média de morte fosse de 120 anos - um número alto, mas possível -,
Mahalalel 65 895 13,77 teríamos que dizer que um ano atual equivale a 7,74 anos bíblicos.
Iared 162 962 5,94 Na mesma escala, contudo, teríamos que assumir que Mahalalel
Enoc 65 365 5,62
tivesse pouco mais de oito anos ao ter seu primeiro filho. É óbvio,
Matusalém 187 969 5,18
portanto, que é impossível reconciliar os números ajustando a
Lémech 182 777 4,27
extensão do ano bíblico.
Noé (Dilúvio) 500 950 1,9
Além disso, a partir do relato do Dilúvio, é óbvio que o ano
Sem 100 600 6,0
Arpach’shad 35 438 13,69 mencionado na Torá é um ano normal, consistindo de doze meses
Shela 30 433 14,43 normais.5 Ainda assim, seguindo esse relato, a Torá afirma claramente
Éber 34 464 13,65 que Noé viveu 950 desses anos. De qualquer maneira que se
Peleg (Torre de Babel) 30 239 7,97 interprete o significado disso, é claro que a Torá afirma literalmente
Reu 32 239 7,47 que estas gerações viveram além dos 900 anos de idade.
Serug 30 230 7,67 O primeiro comentarista conhecido a fornecer uma interpretação
Nachor 29 148 5,10 desse padrão de longevidade foi Flávio Josefo, um historiador judeu
Terach 70 205 2,93 que viveu no primeiro século.6 Ele aponta diversas razões para as
longas vidas que estes indivíduos gozaram. Em primeiro lugar, eles
Também são importantes as idades em que estes indivíduos estavam próximos da Criação inicial e eram “amados por Deus”.
geraram filhos. Noé foi o mais velho, tornando-se pai aos 500 anos, Além disso, a dieta deles contribuía para sua longevidade, o que
enquanto os mais jovens foram Mahalalel e Enoc, sendo que ambos indica que mesmo tempos de vida extremamente longos estão dentro
tiveram seus primeiros filhos com a idade de 65 anos. A idade média das possibilidades físicas. Finalmente, vidas longas lhes foram
de paternidade era de 117 anos.3 concedidas para que pudessem fazer observações astronômicas de

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