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Anatomia da Alma – Introdução

Anatomia da Alma analisa a representação bíblica do homem como um ser criado à


"imagem de Deus".
As idéias principais dos textos são extraídas dos ensinamentos do grande mestre
chassídico Rebe Nachman de Breslav e de seu discípulo mais próximo, o Reb Natan.
Nestes textos vamos apresentar uma descrição da anatomia humana com seus
análogos espirituais essenciais, com a finalidade de encorajar a todos a realizar seu
pleno potencial por meio da percepção do corpo como um templo para a alma.
Seguimos a prática usual de dividir o corpo de acordo com sistemas fisiológicos,
como faz a maioria dos estudos de anatomia.
No entanto, estruturamos nossa abordagem específica em conformidade com a
nossa intenção de examinar a essência espiritual da anatomia humana.

A parte 1 introduz a noção de "anatomia espiritual", tomando a representação


bíblica de Adão como protótipo de toda a humanidade.
Discute também os conceitos de Adão no jardim do Éden, a ingestão do fruto
proibido da árvore do conhecimento do bem e do mal, a subseqüente expulsão do
Éden e o que ela significa para nós na atualidade.

A parte 2 detalha a necessidade do corpo e da alma de funcionarem juntos e em


harmonia.
A criação da alma e do corpo, sua interdependência e características fundamentais
são discutidas aí.
Muitos dos conceitos cabalísticos empregados nos textos são introduzidos nesta
seção.

Na parte 3, começamos a investigar a constituição interna do corpo.


Como será claramente demonstrado, o caráter da pessoa está enraizado na
circulação sanguínea e no sistema digestório.
Portanto, estes sistemas e órgãos serão analisados primeiro, para que possamos
entender como os traços básicos de nossa personalidade se desenvolvem durante a
infância.
Explicaremos, por exemplo, as fontes da ira e da arrogância, e como se originam a
avareza, a gula e a luxúria.

Em seguida, nas partes 4, 5 e 6, apresentamos os órgãos que podem ser usados


para combater os desejos mais vis do homem.
Entre eles, incluem-se os componentes do sistema nervoso central e os órgãos
contidos na caixa torácica (o coração e os pulmões — sedes do intelecto e das
emoções), que possuem os meios pelos quais o indivíduo pode aprender a
compreender-se.

A parte 7 trata do sistema nervoso periférico, ramos do intelecto que nos dotam do
potencial para controlar os próprios desejos e sublima-los para nosso benefício
espiritual.

Na parte 8, a discussão se concentra no sistema locomotor, que nos habilita a subir


a escada espiritual, cada um de acordo com as suas habilidades singulares.

Na parte 9, examinamos o sistema reprodutor e abordamos, do ponto de vista


espiritual, a pureza sexual, relações conjugais, concepção, gravidez e parto.

Finalmente, a parte 10 trata de questões como as razões pelas quais Deus viu a
necessidade de criar o homem com um corpo físico e necessidades físicas, o
propósito da morte e a idéia de recompensa final, o mundo vindouro, que pode ser
experimentado mesmo neste mundo, pelo simples direcionamento de nossos
esforços para a superação das aspirações materiais.

Vamos apresentar também o texto completo da história "O Filho do Rei e o Filho da
Criada", usada pelo Reb Natan como guia para o entendimento das respectivas
funções de nossa natureza física e espiritual.

Outros textos que farão parte deste estudo são:


-Relação das mitsvót específicas que se relacionam com os vários órgãos e
membros, com base no Sêfer Charedim.
-Texto que define em que sefirot se enraízam as características do homem, para
que ele possa, da melhor maneira, empenhar-se por alcançar sua imagem Divina,
trazendo um resumo dos ensinamentos do Tômer Devora (Este livro também será
estudado em breve).
-Diagramas e outras representações visuais que ilustram os conceitos cabalísticos
empregados em nossos textos
-Texto completo do Ticun Clali

- O Autor
Anatomia da Alma – Parte 1

À Imagem de Deus

As tradições midráshicas e cabalísticas afirmam que, quando havia profecia, a existência de


Deus era muito mais evidente do que é hoje.
Deus falava no coração do homem, o céu estava na terra, o espírito permeava a matéria.
Na realidade, isso continua sendo verdadeiro.
O homem ainda está conectado a Deus, a terra ainda está ligada ao céu, e a matéria segue
sendo permeada por espírito ou energia.
Na atualidade, sabe-se com certeza até mesmo que a matéria é apenas mais uma forma de
energia.
Entretanto, este fenômeno é profundamente oculto, e a humanidade, desesperada, busca um
caminho para religar-se a Deus.

O que une Deus e homem, céu e terra, espírito e matéria?


Há uma ponte para Deus?
Existe uma escada pela qual podemos subir ao céu e voltar trazendo sua luz para nossa vida
aqui embaixo?

Há uma ponte e uma escada.


Ela se chamam Torá.

O que é a Trá?

A Torá é um documento escrito que foi recebido e transmitido por Moisés no Sinai há pouco
mais de 3.300 anos.
É também a tradição oral que acompanhava esse documento, contendo instruções para o
entendimento do seu significado básico (porque o texto é extremamente conciso e diz muito
mais do que se vê de imediato) e o cumprimento de seus mandamentos.

A Torá Oral está em consonância com a Torá Escrita de quatro maneiras principais, codificadas
na palavra hebraica Pardes.
Pardes é a fonte da palavra inglesa Paradise (Paraiso, em português ), que se refere ao Jardim
do Éden.
É também um acrônimo dos quatro níveis de entendimento da Torá:
Pshat (sentido simples),
Ramez (alusão),
Daish (sentido homilético) e
Sod (Cabalá; sentido oculto ou segredo).
Juntos, estes quatros níveis são as chaves necessárias para a entrada no Paraíso da Torá.

Com estas quatro chaves, a Torá se abre e revela não apenas seus próprios segredos, mas
também os segredos do universo, da matéria (espaço), da história (tempo) e do homem (alma
e consciência).
Se desejarmos ver o que se passa nos bastidores e sondar os mistério da criação e da
existência humana, a Torá é o endereço certo, porque ela precedeu a criação.
Na verdade, a Torá não é nada menos do que uma iluminação do que denominamos a Mente
de Deus.
Ela é a ligação conceitual entre Ele e Seu mundo, entre Ele e nós.

Torá e Anatomia

Esta é a Torá. o homem...


Números 19:14

É bem sabido que a Torá contém 613 mitsvót (mandamentos; plural de mitsvá).
O significado da raiz do verbo letsavot (ordenar) é “ligar”.

1
Quando cumprimos uma mitsvá, estabelecemos uma ligação entre nós, assim como o mundo
que nos cerca, e Deus.

As 613 mitsvót se dividem em 248 preceitos positivos e 365 proibições.


Estes mandamentos abrangem todos os aspectos de nossa relação com Deus, com nossos
semelhantes e com toda a existência.
Por meio deles, Deus forneceu todas as ferramentas necessárias para que o homem possa
conectar-se a Ele e levar toda a criação a sua perfeição máxima.

O corpo humano possui 248 partes que correspondem aos 248 mandamentos positivos da
Torá, e 365 tecidos conjuntivos, veias tendões, que correspondem ás 365 proibições da Torá
(conforme Zôhar 1,1 70).
Assim, o homem foi moldado segundo o padrão da Torá.
Não só sua alma, mas também seu próprio corpo, que aparentemente o impede de superar as
limitações físicas deste mundo, são “uma Torá”.
Através desta conexão, ele pode utilizar tudo que está contido no mundo para reconhecer e
servir a Deus com o seu corpo.
Com sua alma, ele pode ascender além do mundo material e entrar no campo do espirito.
Com o corpo, ele é capaz de trazer para baixo o espiritual e canalizá-lo para o material,
criando a perfeição à qual estava destinada a vida humana na terra.

A Torá é o elo que permite ao homem fazê-lo.


O Rav Natan escreve sobre a ligação entre a Torá e o corpo humano:

Para efetuar uma cura, o médico deve ter conhecimento pleno da anatomia humana.
Ele precisa conhecer todas as partes do corpo - os órgãos, artérias, veias, etc.
Deve saber como os órgãos se inter-relacionam e dependem uns dos outros.
Deve também ter consciência de como cada órgão pode ser afetado por todos os outros.
Então, e somente então, o médico será capaz de entender a natureza da doença que ele
procura curar.
Do mesmo modo, a Torá é um corpo de leis, e cada mitsvá representa um “órgão” desse
“corpo”. Para poder compreender o verdadeiro valor da Torá, a pessoa tem de conhecer sua
“anatomia” - suas leis e ideais - como cada mitsvá se inter-relaciona com as outras como um
elemento individual integrante de uma Tora inteira.

O Rav Natan continua seu discurso explicando os paralelos entre a “anatomia” da Torá e a
anatomia humana.
Este é um tema central da Cabala, que descreve a conexão entre determinadas partes do
corpo e certas mitsvót.
O Rav Natan escreve que quem entende os textos do Zohar e do Arizal notará que todos os
mistérios da Cabala falam disso.

Apesar de ser corpórea, a forma humana é análoga à Torá e reflete os níveis mais altos de
espiritualidade.
Cada parte do corpo corresponde a um conceito espiritual especifico, a uma dada mitsvá.
Cada órgão e cada vaso contém seu próprio poder espiritual.
Quando dominados, estes poderes podem elevar o homem acima da forma material que abriga
sua alma.
Moisés é o modelo desta elevação.
Ele purificou seu corpo físico a tal ponto que sua corporeidade foi transformada em
espiritualidade.
A Torá dá testemunho disso quando relata que Moisés subiu ao céu e lá permaneceu quarenta
dias e quarenta noites sem comer nem beber (Deuteronômio 9:9).
Outro versículo afirma 33:1 : “Esta é a bênção com que Moisés, o homem de Deus, abençoou
o povo”.
Moisés é chamado de “homem de Deus” porque conseguiu transformar seu corpo físico num
templo Divino para seu espírito.

Assim está escrito (Êxodo 34:30):

2
“Ao descer Moisés do Monte Sinai com as duas tábuas do Testemunho na mão... Moisés não
sabia que resplandecia a pele de seu rosto por [Deus] ter falado com ele. E Aarão e todos os
filhos de Israel viram a Moisés, e eis que resplandecia a pele de seu rosto, e temeram
aproximar-se dele”.

Continua

3
Anatomia da Alma – Parte 2

No Jardim do Eden

Um dos primeiros passos que podemos dar para alcançar a verdadeira espiritualidade é nos
tornarmos mais conscientes do significado espiritual da anatomia humana.
Para fazê-lo, temos antes de reconhecer a grandeza da alma e aprender como ela se relaciona
com o corpo.
O Zohar afirma que a alma está em posição tão mais alta que a do corpo que este é chamado
de “sapato” em relação a ela.
Só a extremidade mais baixa da alma se “encaixa” no corpo.
Por meio de nosso desejo de aproximação de Deus, por meio de nossos pensamentos,
emoções, fala e ações, podemos trazer aqui para baixo iluminações cada vez mais fortes de
nossa própria alma.
Desta maneira, qualquer um tem a capacidade de fazer de seu corpo físico uma carruagem ou
um templo para as partes mais elevadas da alma, como fez Moisés.
O corpo humano não foi sempre como nós o conhecemos.
O corpo de Adão era de luz.
Ele irradiava Divindade e era tão esplêndido que os anjos se enganaram e consideraram
adorá-lo.
Mesmo depois de pecar, Adão se manteve um ser espiritual envolto num corpo físico que
emitia espiritualidade.
No entanto, em relação a seu nível antes do pecado, e certamente em relação ao nível que ele
deveria ter atingido, suas ações causaram um obscurecimento da Luz de Deus.
Seu corpo de luz (“cotnot or”, onde “or” se escreve com alef, vav, reish ), que revelava a
alma, solidificou-se e transformou-se num corpo de pele e epiderme (“cotnot or”, onde “or” se
escreve com aiyn, vav, reish  ) que ocultou a alma.
Luz (“or” com alef) e pele (“or” com aiyn) correspondem a duas árvores especiais do jardim do
Éden.
Está escrito na Torá (Gênesis 2:8-9):
“Deus plantou um jardim no Éden, no oriente, e pôs ali o homem que formara. Deus fez brotar
da terra toda árvore agradável à vista e boa para comer e a árvore da vida estava no meio do
jardim, assim como a árvore do conhecimento do bem e do mal.”
Pouco depois deste trecho, lemos o aviso de Deus :
“Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, pois no dia em que dela
comeres morrerás!”
A Torá afirma explicitamente que foi ordenado a Adão que não comesse da árvore do
conhecimento. De acordo com a Cabalá, a proibição incluia a árvore da vida, mas só até o pôr
do sol, a chegada do primeiro Shabat. Neste momento, comer da árvore da vida se tornaria
uma mitsvá. Depois de comer dela, Adão teria permissão para comer também da árvore do
conhecimento, porque então ele seria capaz de elevá-la e fazê-la voltar a sua fonte na árvore
da vida (pois o nível mais alto sempre inclui o mais baixo).
Portanto, foi só para dar a Adão a oportunidade de alcançar a espiritualidade mais elevada que
Deus o colocou no jardim com essas duas árvores.
Ambas foram feitas por Deus, porém, como com tudo que há na criação, Ele as formou de
modo que representassem energia potencialmente opostas ou complementares - dependendo
do uso que o homem fizesse delas.
A árvore da vida correspondia à alma, à espiritualidade.
A árvore do conhecimento do bem e do mal correspondia ao corpo, mais especificamente ao
potencial do corpo de revelar a alma e radiar sua santidade ou de ocultar e sufocar a alma.
A missão de Adão era transformar a árvore do conhecimento em árvore da vida, iluminar o
corpo com o or (luz) da alma.
Ao invés disso, ele fez a alma ser obscurecida pelo or (pele) do corpo.

Adão foi criado com a capacidade de discernir o bem do mal.


Por que então, foi tão tentado pelo mal?
Ele ansiava pela sua fonte espiritual.
Queria conhecer a Deus e perceber Sua presença em tudo e através de tudo que há no mundo,
até mesmo através do mal.

1
Mas o homem foi impetuoso.
Com uma presunção sutil, ele quis ser como Deus, criar mundos.
Logo, foi induzido a acreditar que era a vontade Divina que ele cometesse a transgressão.
Então ele apreciaria a Deus!
Ou assim ele pensava...
Que bom seria se ele tivesse suportado a dor da tentação!
Se tivesse percebido essa experiência como uma oportunidade de ligar-se a Deus, de ansiar e
clamar para ser salvo da tentação...
Se tivesse enxergado Deus oculto na angústia dessa provação, visto a árvore da vida
escondida no interior da árvore do conhecimento...

Mas não, a consciência de Deus, que estivera à espera de efetivação, foi nesse momento
fortemente comprimida.
Adão perdeu sua elevada capacidade de profecia.
Apartado dos níveis mais altos de sua alma, ele teve a sensação de “morte” - “pois no dia em
que dela comeres morrerás”.
Desde então, a missão do homem é buscar o espiritual e retornar a sua posição inicial.

A essência do homem é sua alma.


Se Adão não tivesse pecado, o homem poderia ter uma vida inteiramente espiritual - uma vida
plena de felicidade, contentamento e pureza.
Ele deveria ter vivido para sempre - a morte só foi decretada após o pecado.
Mas Adão comeu da árvore do conhecimento do bem e do mal e assim manchou sua alma
pura. Por ter sucumbido a seus desejos físicos, ele caiu de nível, foi banido do Jardim do Éden
e impedido de voltar pela espada que se volvia (Gênesis 3:24).
Nós, seus descendentes, temos de pagar pelos seus atos, e o preço é o conflito constante
entre as necessidades e desejos do corpo e as aspirações da alma.
Esse conflito entre corpo e alma é belamente ilustrado por uma das histórias clássicas do Rebe
Nachman, “O Filho do Rei e o Filho da Criada”, na qual se conta que uma rainha e sua criada
deram à luz no mesmo instante.
A criada trocou as crianças, de modo que seu filho cresceu como um príncipe, enquanto o
príncipe foi educado na casa dos servos.
Espalharam-se rumores de que as crianças haviam sido trocadas quando nasceram, e assim o
verdadeiro príncipe foi banido do reino pelo aspirante ao trono.
Ele vagou pelo mundo, satisfazendo os desejos de seu coração, mas por fim passou a refletir
sobre sua situação e a questionar seu estilo de vida.
“Se não sou o príncipe, eu deveria ter sido expulso de meu reino? E se de fato sou um
príncipe, condiz comigo viver assim?”
O príncipe começou a buscar a si mesmo - a sua verdadeira identidade - e acabou tornando-se
monarca de um reino maior do que o que lhe pertencia anteriormente.
Numa reviravolta interessante, o criado, que crescera como príncipe, tornou-se seu servo.

O Reb Natan comenta que a espada que se volvia e impedia que reentrasse no jardim do Éden
corresponde as “câmaras das trocas”. Nestas câmaras, enfrentamos continuamente conflitos
entre o bem e o mal, a luz e a escuridão, o doce e o amargo (conforme Isaias 5:20), cada um
deles se mostrando como a opção.
Em suma, essas câmaras representam nossos dilemas em relação a própria vida - devemos
escolher uma vida material ou espiritual?
O mal parece ser bom, o que na verdade é escuro apresenta-se claro e apropriado, e o que
tem sabor amargo pode tornar-se doce e maravilhoso.
O material é mau, ou o físico pode ser bom?
O espiritual é amargo demais ao paladar, ou a experiência espiritual pode ser doce?
O Reb Natan explica que a obscuridade a respeito do bem e do mal encontrada nessas
câmaras é simbolizada pela troca do príncipe pelo servo.
Foi essa falta de clareza que provocou os conflitos entre Isaak, Jacob e Esaú, José e seus
irmãos, os hebreus e as nações; e também a fonte da batalha permanente entre o corpo e a
alma.

2
Adão, ao comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, desceu a essas câmaras e
trocou o que era verdadeiramente bom - um eterno deleite espiritual - pela vida material e
temporal da qual depende agora a nossa existência.
A missão do homem é buscar espiritualidade, distinguir o bem do mal, para poder encerrar seu
exílio pessoal e reentrar no jardim.
É esta a luta incessante de toda alma em cada geração.
Frequentemente, a alma - que é tão elevada em sua fonte – assume a identidade de seu
ambiente material. Ela se rende e se torna cativa dos impulsos materialistas que detêm o
poder no momento, como fez o príncipe na história.
A alma esquece completamente suas origens reais, enreda-se na corporeidade e ilude-se
quanto à verdade de sua existência.
Mas é assim que deve ser?

Continua

3
Anatomia da Alma – Parte 3

Deus e a Alma

De acordo com o Rav Nachman, as funções do corpo físico e de suas contrapartidas na


alma são totalmente inter-relacionadas.
Ele via a alma em todos os aspectos da anatomia.
Sua forma de abordar o corpo, portanto, era inteiramente espiritual e cabalistica.
Assim sendo, esta aula tem o objetivo de fornecer uma base de conceitos cabalisticos
necessários para a compreensão de muitos dos ensinamentos que serão expostos pela
Cabalá neste sentido.

A palavra cabalá significa “recebido” e designa um conjunto de conhecimentos que foi


recebido profeticamente e transmitido com exatidão de geração em geração.
Um dos princípios fundamentais da Cabalá é que tudo que há na dimensão física possui
um análogo na dimensão espiritual.
Com efeito, um dos cognatos da palavra cabalá é hacbalá, que significa “paralelismo” ou
“correspondência”.
Isso provém de um antigo ensinamento cabalístico que diz: “Como em cima, embaixo;
como embaixo, em cima.” Com a finalidade de esclarecer esta idéia, costuma-se dedicar
a fase inicial do estudo da Cabalá ao entendimento de seu complexo sistema de
correspondências.
Não se deve, de maneira nenhuma, pensar que essas correspondências sejam
mecânicas. Ao contrário, elas nos proporcionam uma visão profunda das inter-relações
que governam toda a existência e nos levam de volta à raiz e fonte de toda a
complexidade do Próprio Ser Infinito que criou e continua a sustentar a totalidade do
holograma interdimensional que denominamos universo.

Assim, iniciaremos nossa exposição resumida do sistema cabalistico considerando o


Próprio Deus, a Fonte unitária de toda a existência.
Em seguida, apresentaremos os quatro (que na realidade são cinco) níveis do
Tetragrama, os cinco níveis da alma, os cinco níveis de universos e os cinco elementos
do mundo físico. Por fim mostraremos como as dez sefirot se relacionam com todos os
itens acima.

Deus e Seus Nomes

“Senhor dos mundos! Tu és o Oculto cuja unidade é infinita e absoluta e, portanto,


indivisível”.
Petichat Eliáhu, Ticuné Zóhar.

Não é por acaso que o principio da unidade indivisível de Deus está no início do Zôhar,
um dos mais importantes textos cabalísticos que existe. Esta primeira afirmação de
Eliáhu (o Profeta Elias) é uma indicação e advertência para todos aqueles que desejam
entender quem e o que é Deus.
Diferentemente de tudo que Ele criou, o Próprio Deus não está sujeito às leis de divisão,
categorização, quantificação e qualificação que caracterizam Sua criação.
Ele transcende todas as dicotomias, polaridades e paradoxos.
Todos estes aspectos fazem parte da criação.
Deus transcende a criação. Ele está fora do “sistema” que criou.
Não pode ser julgado segundo as suas regras nem está sujeito a elas.

A natureza bipolar da realidade é mencionada na seguinte declaração talmúdica :


„Tudo que o Santíssimo criou em Seu mundo, Ele criou macho e fêmea.”
“Macho e fêmea” refere-se, fundamentalmente, a pares de conceitos opostos, como céu
e terra, transcendência e imanência, revelação e ocultação, misericórdia e justiça,

1
onisciência Divina e livre-arbítrio humano, dia e noite, sol e lua, alma e corpo, mundo
vindouro e este mundo, etc.
Nossa experiência e percepção de Deus contêm algumas destas dicotomias ou paradoxos
básicos que estão embutidos no sistema da criação e só existem do nosso ponto de
vista, do ponto de vista do próprio sistema. Eles não definem Deus, mas apenas as
lentes duplas através das quais O percebemos.
Nas palavras do Maharal de Praga : “O significado [do Talmud ] é que o universo foi
criado de acordo com o princípio de opostos. A unidade do Bendito Nome, porém, é
absolutamente singular”.

O Salmista expressava esta mesma idéia quando cantou (Salmos 11 3:4-6): “Deus está
além da compreensão de todas as nações; Sua glória está acima dos céus mais
espirituais. Quem é como o Eterno, nosso Deus, que habita nas alturas? Ele olha para
baixo para ver o céu e a terra igualmente!”

A tradição cabalística é inequívoca.


O Próprio Deus está além de toda descrição. Ele é chamado de En Sof (O Infinito)
porque não há categoria finita com a qual possamos descrever a Ele ou a Sua Essência.
Apenas a Sua Luz, a Luz do En Sof, flui, contraída, através de todo o sistema de olamot
(universos, mundos). O termo olam deriva da raiz elem ou heelem, “ocultação” e
“encobrimento”. Basicamente, o olam (universo) é o “esconderijo secreto” de Deus.
Deus é Melech haolam, “o Rei do universo” ou “o Rei que Se oculta em Seu mundo”.
Os vários universos que Ele criou não são mais que filtros que retêm a intensa radiação
de Sua Luz Infinita. Estes filtros recebem diferentes denominações - Nomes Divinos,
sefirot, mundos, universos, dimensões ou, em seu conjunto, a dimensão espiritual.

Porém, perguntamos mais uma vez, por que precisamos de um sistema de canais, de
uma dimensão espiritual, entre nós e o Infinito?
Por que não podemos relacionar-nos diretamente com Deus?
Porque a energia seria quente demais - como um reator atômico. Não se pode ligar uma
lâmpada incandescente ao reator, a menos que se queira desintegrá-la.
É necessária uma usina geradora que reduza a potência da energia para que ela possa
ser usada sem causar danos.

O En Sof é O Infinito, com o e I maiúsculos. Por definição, Ele não permite a existência
de nada mais. Para que algo mais pudesse existir, para que o mundo, tudo que há nele e
todos nós existíssemos, o En Sof teve de criar um sistema redutor. Este sistema é como
um agente imitador ou uma escada, ou ainda, na linguagem dos cabalistas, um sistema
de “vestimentas” que oculta e diminui a luz de Deus.
A mais elevada destas “vestimentas” é o Nome IHVH (pronuncia-se Yud-Hê-Vav-Hê ou
Havaia, porque é proibido articular o Tetragrama como ele é escrito).

É sabido que temos relacionamentos diferentes com diversos tipos de pessoa.


Temos pai e mãe, cônjuge, amigos e professores. As vezes, até chamamos uma só
pessoa por vários nomes, de acordo com as circunstâncias. Isto ocorre porque podemos
manter formas distintas de relação com o mesmo individuo.
Dependendo do ambiente em que nos encontramos, se ele for mais ou menos formal, ou
até íntimo, podemos chamar uma pessoa por diversas designações, chegando mesmo a
usar diferentes inflexões da voz.
Em algumas ocasiões, o que dizemos não é tão importante quanto como o dizemos.
De maneira geral, conforme nos aproximamos de alguém, passamos a falar-lhe de modo
diferente, e os nomes e entonações tornam-se mais íntimos.
Por exemplo, digamos que você venha a conhecer uma pessoa que se chama Martin
Cohen. Numa situação formal, você o chamará de Sr Cohen. Quando você já o conhecer
melhor, ele se tornará Martin, e depois Marty; em seguida, você chegará a um nível em
que não há nomes. Isto é, embora o nome seja algo muito profundo, podemos dizer que
a pessoa é o seu nome?

2
O mesmo se aplica a Deus.
Há um versículo dos Salmos (65:2) que diz: “Lechá dumiá tehilá - Para Ti, o silêncio é
louvor” Chamamos Deus de “nosso Rei”, “nosso Pai”.
No Zôhar, nós O chamamos até de “nosso Avó”.
Moisés O denomina “Aquele tardio em irar-Se”.
O Próprio Deus diz a Moisés que Ele Se chama ehié asher ehié – “serei o que serei”, “sou
o que sou” ou “sou Aquele cuja existência só pode ser expressa como Ser”.
Daniel chama Deus de “Ancião dos Dias”. Nós O descrevemos como “misericordioso e
amoroso, sábio e justo”. Também O denominamos Adonai (Senhor); Elohim (Soberano
ou juiz); Shadai (Todo-Poderoso); e, no nível mais profundo, Havaia, o Ser em Si, o Ser
que transcende espaço e tempo, que foi, é e será eternamente, que está acima e além
da compreensão, a Fonte de toda existência.
Todos esses nomes denotam diferentes interações de Deus com a Sua criação.

Apesar de todas essas denominações serem muito profundas, Deus é mais do que
qualquer nome pelo qual possamos designá-Lo. Isto se deve ao fato de até o nome mais
elevado ser finito em comparação com a Luz Infinita que o preenche.
Um nome é uma criação que exprime uma certa relação, que estabelece a possibilidade
de um relacionamento entre Deus e qualquer coisa que Ele crie. Deus em Si, o Infinito,
está acima disso - Ele transcende todo relacionamento. E por esta razão que “Lechá
dumiá tehilá - Para Ti, o silêncio é louvor”.
Portanto, quando pronunciamos, pensamos ou meditamos sobre um Nome Divino,
estamos essencialmente nos relacionando com Deus, o Infinito, por meio desse Nome.
Como diz o Zóhar, os Nomes Divinos são como canais ou condutos através dos quais
flui a água.
A única diferença é que um canal físico existe mesmo quando não há água correndo por
ele. No entanto, os canais Divinos e tudo o mais não existiriam por um só instante se o
fluxo Divino de energia cessasse.

Agora desçamos um pouco.


Um dos princípios mais importantes da Cabalá é que Deus é Um. A Torá afirma
(Deuteronômio 6:4): “Shemá Israel Adonai Elohênu Adonai Echad.” Este é o Shemá
Pronunciamos essas palavras pelo menos duas vezes por dia.
Elas constituem uma das primeiras expressões que um Cabalista aprende e são as
últimas que ele profere antes de morrer. No umbral das portas “quando possível e
desejo” há uma mezuzá que as proclama. Essas palavras são encontradas também nos
tefilin que atamos diariamente ao nosso coração e à nossa mente. De todas essas
maneiras se anuncia o principio mais básico da Cabalá: D-us é Um..

Isso nos ensina que todas as coisas provêm de Uma Fonte Suprema.
Toda a criação é mantida coesa por Deus. Há Uma Força unificadora no universo, Deus
somente, o En Sof. A Torá nos diz (Deuteronômio 4:39:
“E saberás hoje, e considerarás no teu coração, que IHVH Hu Haelohim [Deus é o Poder
Supremo], em cima nos céus e embaixo na terra; não há nenhum outro.”

Abra um Chumash (os Cinco Livros de Moisés) ou um sidur (livro de orações) em


hebraico e contemple o nome IHVH. Como foi dito, não o pronunciamos como ele é
escrito, o que também nos ensina algo - que o Nome mais elevado de Deus, e ainda
mais a Sua Infinitude que permeia este Nome, estão além de nossa capacidade de
compreensão. IHVH é o Santo dos Santos da existência. Ele contém o segredo da
relação de Deus com o mundo que Ele criou. Abstendo-nos de proferir o Nome, e até
mesmo de pronunciar suas letras em voz alta, nós reconhecemos essa santidade.
Admitimos que, se há uma coisa no mundo inteiro que jamais deveria ser usada ou
tomada de forma indevida, ela é a própria Essência do Ser e da Existência, o Nome
Sagrado de Deus. Por reverência, portanto, e como sinal de que somos sensíveis ao que

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é totalmente integro e sagrado, podemos apenas pensar em suas letras e no que elas
significam, mas nunca proferí-las como elas estão escritas.

O Tetragrama é composto de quatro letras, Yud, Hê, Vav e Hê, mais um quinto nivel que
transcende e inclui os outros quatro, o topo do Yud .
De acordo com os cabalistas, estes cinco níveis abrangem tudo. É este o Nome que
representa a totalidade do que existe. Para os nossos propósitos, a única diferença entre
este Nome e o En Sof que o preenche e permeia é que, por meio deste Nome, Deus
deseja e determina que a criação exista. Como dissemos, no nível do puro En Sof, nós
não existimos. Deus, no entanto, quer que existamos.

Este Nome está relacionado aos tempos pretérito, presente e futuro do verbo hebraico
“ser”. Em hebraico, “foi” é haiá did, “é” é hovê ded, e “será” é ihiê didi.
Isto nos diz algo a respeito de Deus. Mostra-nos que Ele criou o tempo e que Ele está
absolutamente além e acima do tempo. Diz-nos também que, para criar, Ele ocultou Sua
lnfinitude e deu existência ao mundo de modo que Ele o permeasse, porém não o
anulasse. Mais uma vez, isto nos ensina que o Próprio Deus é Existência, mas que nada
poderia existir até que Ele lhe desse existência.
Podemos entender melhor essa idéia com a ajuda de um antigo ensinamento cabalistico
que afirma que essas quatro letras contêm o segredo da caridade.
De acordo com esta visão, o lud é como uma moeda, simples e pequeno. O Hê é como a
mão que dá a moeda. O Vav é o braço que se estende para dá-la. O último Hê é a mão
da pessoa que recebe a moeda.

Assim é a caridade no plano mundano, mas ela também pode ser entendida numa esfera
Divina. O Yud é existência. Existência é o que Deus quer dar Nesse nível, porém, a
existência é tão intensa que não podemos recebê-la. Assim, o Hê, como uma mão,
representa o conceito de algo que pode reter a existência. O Vav é mais uma extensão
disto, algo que reduz suficientemente a força para nos permitir existir O último Hê é a
nossa capacidade de receber a existência que Deus nos quer dar.

Deus e a Alma Humana


O Ari “Rav Isaac Luria, explica que os cinco níveis do Tetragrama correspondem aos
cinco níveis da alma. A alma, na realidade, é uma unidade, ligada ao Deus Único, mas
dividida em vários graus que representam aspectos distintos de sua relação com o
corpo. Estas cinco partes são conhecidas (em ordem decrescente) como:

Yechidá Essência única


Chaiá Essência viva
Neshamá Alma Divina
Rúach Espírito
Néfesh Alma residente

Elas correspondem também a cinco tipos de universo: Adam Cadmon (homem


primordial), Atsilut (proximidade ou emanação), Beriá (criação), Ietsirá (formação) e
Assiá ( Ação ou completude).

Todos esses conjuntos de cinco elementos podem ser descritos em termos de seus
correlatos no plano humano.
A vontade mais intima da pessoa corresponde ao topo do Yud, Yechidá e Adam Cadmon.
O nível da mente indiferenciada e anterior à conceituação equivale ao Yud, Chaiá e
Atsilut.
O processo de pensamento é associado à letra Hê, Neshamá e Beriá.
A fala e a comunicação são análogas ao Vav, Rúach e Yetsirá.
A ação corresponde ao Hê final, Néfesh e Assiá.

Tetragrama Universo Correlato na Alma Manifestação Humana

4
Topo do Yud Adam Cadmon Yechidá Vontade
Yud Atsilut Chaiá Mente
Hê Beriá Neshamá Pensamento
Vav Yetsirá Rúach Fala e sentimentos
Hê Assiá Néfesh Ação

Esses e outros paralelismos não são mecânicos.


Eles representam conexões muito profundas entre nós e as dimensões mais elevadas.
Como dissemos acima, nossa alma está enraizada no transcendental. Por conseguinte,
quando pensamos - por exemplo, quando contemplamos uma verdade, ou simplesmente
agradecemos o fato de estarmos vivos, ou percebemos num instante que Deus está
mesmo aqui conosco, apesar de todas as indicações em contrário - estes não são meros
pensamentos que vêm e se vão, para nunca mais serem repensados. Não. Esses
pensamentos são quem nós realmente somos, e quem nós realmente somos é algo
eterno.
Pensamentos como esses constituem a ligação entre nossa alma e Deus.
Quando sentimos algo intensamente, falamos do fundo do coração, agimos ou resistimos
ao impulso de agir, todos esses fenômenos são expressões da nossa alma vibrando e
operando dentro do nosso corpo e por meio dele.
Nosso corpo é sensível a essas vibrações mais elevadas, muito mais sensível do que
imaginamos...

Os antigos mestres ensinaram que também há cinco níveis no mundo material grosseiro.
Diz-se que a matéria é composta de quatro elementos básicos e um quinto “elemento
matriz” que harmoniza e unifica todos eles.
Os quatro elementos são fogo, ar, água e terra.
Eles correspondem a quatro tipos básicos de pessoa, ou a quatro traços de caráter que
existem em cada um de nós ( esses elementos não devem ser confundidos com os
elementos químicos).
O quinto “elemento” é o tsadic, o indivíduo justo que liga os quatro elementos e traços
de caráter uns aos outros e a Deus.

O Espaço Esvaziado
O ARI descreve a maneira pela qual Deus deu existência ao mundo:
Antes que todas coisas fossem criadas.., a Luz Sublime era simples [isto é, completa e
perfeita]. Ela preenchia toda a existência. Não havia espaço vazio que pudesse ser
caracterizado como espaço, vacuidade ou vão. Tudo estava cheio daquele simples Or En
Sof [Luz Do Infinito]. Não havia a categoria de começo nem a categoria de fim.
Tudo era uma Luz Infinita simples e indiferenciada.
Quando ocorreu à Sua Simples [isto é, perfeita] Vontade criar mundos e emanar
emanações... Ele contraiu [removeu] Sua Essência Infinita do ponto central de Sua Luz.
[Evidentemente, como a infinitude não tem centro, essa afirmação só pode ser feita do
ponto de vista do espaço que está prestes a ser criado.] Em seguida, Ele removeu essa
Luz [ainda mais], afastando-a para as extremidades em volta desse ponto central, e
deixou um espaço esvaziado e uma cavidade vazia.
Depois dessa contração, que resultou na criação de um espaço esvaziado e de uma
cavidade vazia bem no meio da Luz Infinita do En Sof, passou a haver um lugar para
tudo que viria a ser emanado [Atsilut], criado [ Briá], formado [ Yetzirá] e completado
[Assiá].
Então Ele lançou um cav [raio] único e direto de Sua Luz Infinita Circundante para
dentro do espaço esvaziado. Este cav desceu em etapas ao espaço esvaziado.
A extremidade superior desse cav tocava a Luz Infinita do En Sof [que circundava o
espaço] e estendia-se para baixo [para o interior do espaço esvaziado, em direção ao
centro], mas não ate chegar â extremidade inferior [para não fazer o espaço esvaziado
extinguir-se e fundir-se novamente com a Luz Infinita de Deus]. Foi através deste cav
[que serviu de conduto] que a Luz do En Sof foi trazida para baixo e espalhada no plano
inferior.. Através deste cav, a emanante Luz Sublime do En Sof se propaga e flui para

5
baixo, para dentro dos universos que estão localizados no interior desse espaço e dessa
cavidade.

O ponto central representa o primeiro tsimtsum, o ato inicial da criação. O círculo ao


redor dele é o espaço esvaziado, de onde Deus, por assim dizer, retirou-Se para deixar
lugar para a criação. A linha representa o cav.

Cinco Olamot e Dez Sefirot


Não só o En Sof, mas também o Or En Sof (a Luz Do Infinito) é tão formidável que nada
pode suportá-lo diretamente. Por isso, Deus contraiu Sua Luz a fim de criar um espaço
esvaziado ou vão, no qual Ele introduziu uma quantidade calculada dessa Luz através de
um conduto que o ARI chama de cav.
Até mesmo esse processo foi realizado em etapas, para evitar que o espaço esvaziado se
extinguisse e se fundisse novamente com a Luz Infinita de Deus.
Essas etapas são os vários universos a que o ARI se refere, denominados olamot
(singular: olam) e sefirot (singular: sefírá) em hebraico.
O termo “olam mier” vem da raiz “elem mlr”, que significa “ocultação”.
Os olamot servem para ocultar a Luz de Deus.
O Ari prossegue explicando o lugar das sefirot dentro dos olamot:

O cav mencionado acima que se estende em linha reta de cima para baixo.. – é
constituído de dez sefirot na forma de um homem em posição vertical com suas 248
partes componentes distribuídas por três linhas ou colunas, à direita, a esquerda e no
meio. Cada uma dessas dez sefirot é composta por outras dez, por mais dez, por mais
dez, ad infinitum.
É isto que o Zohar denomina tselem Elohím [a imagem Divina], como no versículo [
Gênesis 1:27 ] “Elohim criou o homem a Sua imagem; a imagem de Elohim o criou;
macho e fêmea Ele os criou”.

O termo sefirá relaciona-se com a palavra saper, que significa “expressar” ou


“comunicar”. Ele também é associado com o vocábulo sapir, “brilho” ou “luminar”, e com
sefar, “limite”. Em essência, todos esses conceitos estão relacionados e indicam que as
sefirot têm duas funções básicas. Em primeiro lugar, as sefirot são luzes ou luminares
que servem para revelar e exprimir a grandiosidade de Deus.
Em segundo lugar, elas são recipientes que limitam e delineiam a Luz Infinita de Deus,
trazendo-a ao plano finito de restrições.

Cinco Partsufim e Dez Sefirot


O Ari ensina que as dez sefirot são divididas em cinco unidades básicas conhecidas como
partsufim (plural de partsuf, que significa “persona”). A diferença entre eles é que,
enquanto uma sefirá representa um único atributo Divino ou uma irradiação espiritual
calculada da Luz de Deus, um partsuf é uma persona completa ou uma configuração de
sefirot.
Cada partsuf corresponde a uma determinada sefirá ou grupo de sefírot: Arich Anpin
(face alongada; paciência) corresponde a Kéter; Aba (pai) corresponde a Chochmá; Ima
(mãe) corresponde a Biná; Zeer Anpin (face diminuída) corresponde às seis sefirot de
Chéssed, Guevurá, Tiféret, Nétsach, Hod e Yessod‟; e Nucva de Zeer Anpin (a
contraparte feminina de Zeer Anpin) corresponde a Malchut.

As dez sefirot e os cinco partsufim:

Sefirá Partsuf Tradução Correspondente na família


Kéter Arich Anpin Face alongada Avô
Chochmá Aba Pai Marido; pai
Biná Ima Mãe Esposa; mãe
Seis sefirot Zeer Anpin Face diminuída Filho; noivo
Malchut Nucva Contraparte Filha; noiva

6
feminina

Há uma analogia quase de um para um entre as sefirot e os partsufim.


Porém, existem dez sefirot e apenas cinco partsufim.
O Cabalista perspicaz já deve ter notado que cada partsuf corresponde a uma sefirá,
exceto Zeer Anpin.
Além disso, não se pode dizer que o partsuf Nucva de Zeer Anpin seja tão completo
quanto os três partsufim superiores, Arich Anpin, Aba e Ima.
A razão disso é que, enquanto Arich Anpin, Aba e Ima começam com configurações
completas de dez sefírot, Zeer Anpin começa com seis sefirot, e Nucva com apenas uma.
O ARI explica este assunto de forma muito detalhada e acrescenta que os dois últimos
partsufim foram intencionalmente criados incompletos.
Eles só adquirirão a forma final de dez sefirot por meio das boas ações do homem.

As idéias centrais da Cabalá mostram como os atos do homem se correlacionam com as


dez sefirot e, sejam eles bons ou o contrário, exercem impacto sobre os mundos mais
elevados, com seus partsufim e sefirot.
O Ari escreve que Zeer Anpin e Malchut (que correspondem, respectivamente, ao Vav e
ao Hé, as duas últimas letras do Tetragrama) constituem a principal interface entre Deus
e o homem. Por conseguinte, a maioria das ações humanas estará relacionada a estes
dois partsufim e às sefirot que lhes são associadas.
No entanto, várias dessas ações também têm um efeito sobre os partsufim e sefirot
superiores.
É muito importante salientar que os ensinamentos cabalisticos sobre partsufim e sefirot
não têm absolutamente nenhuma relação com imagens físicas, mas tratam apenas de
forças e conceitos espirituais. A tradição cabalistica é inflexível no que se refere ao fato
de que tal terminologia é usada estritamente em nosso beneficio, para que possamos
discutir idéias elevadas de uma maneira que nós sejamos capazes de compreender.

As Três Colunas
Diz-se que as sefirot, distribuídas em três colunas, assemelham-se a um homem em
posição vertical. Em hebraico, reto é “iashar”, que faz alusão ao dever do homem de ser
moralmente integro e honesto para parecer-se com Deus, O Zôhar explica o conceito das
três colunas da seguinte maneira:
As dez sefirot estão dispostas numa ordem especial de três colunas.
A coluna da direita é chamada de longa” [porque representa o amor e a bondade de
Deus]. A coluna da esquerda é chamada de curta” [porque representa o julgamento e o
poder de restrição ]. A coluna do meio, ou tronco, é chamada de [intermediária] porque
representa a misericórdia, a harmonia perfeita entre amor e restrição...

As sefírot são os modos básicos de atuação do poder criativo de Deus e da providência


com que Ele dirige a criação rumo à perfeição final. Em termos cabalísticos, Deus é a
“alma do corpo cósmico” de olamot, e as sefirot são seus “órgãos” ou “membros‟.

A mais elevada das dez sefirot é Kéter.


Ela corresponde ao topo do Yud e à coroa da cabeça do corpo cósmico.
A sefirá seguinte, Chochmá, é associada ao Yud e ao hemisfério direito do cérebro.
Depois de Chochmá vem Biná, que se correlaciona com o Hê e o hemisfério esquerdo do
cérebro.
As seis sefirot seguintes (Chéssed, Guevurá, Tiféret, Nétsach, Hod e Yessod) são
análogas ao Vav e ao tronco, genitais e pernas.
Malchut, a última sefirá, corresponde ao Hê final e aos pés ou à contraparte feminina.
Assim, quando a Bíblia diz que o Eterno criou o homem “à imagem de Deus”, isto na
verdade se refere à imagem espiritual do ser humano, aos poderes que estão refletidos
nas sefirot.

O Corpo Cósmico

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O Zohar descreve em seguida as dez sefirot como um sistema unificado que Deus
preenche e dirige, da mesma forma que a alma preenche e dirige o corpo.
As “partes” do “corpo cósmico” estão assim dispostas:

Chéssed [bondade] é o braço direito, Guevurá [restrição ] é o braço esquerdo, e Tiféret


(harmonia] é o tronco. Nétsach [domínio] e Hod tem [ empatia ] são as duas pernas, e
Yessod [fundação; canal ] é a extremidade do corpo, o sinal da aliança sagrada. Malchut
[realeza] é a boca [da aliança sagrada]. Por isso ela é chamada de Torá Shebeal Pê
[Torá da boca ou Torá Oral]. [Acima destas “partes” do corpo está a “cabeça”, na qual]
Chochmá [sabedoria] é o [hemisfério direito do] cérebro, a sede do pensamento, e Biná
[entendimento] é [o hemisfério esquerdo do cérebro e] o coração, a capacidade de
discernimento do coração.
A respeito delas, esta escrito (Deuterinonimo 29:28): As coisas ocultas pertencem ao
Eterno [que corresponde á sefírá de Chocmá], nosso Deus [que corresponde á sefirá de
Biná. Kéter Elion [a coroa celestial ] é o Kéter [coroa] de Malchut [realeza], a respeito do
qual é dito (lsaías 46:10): Eu [Deus] proclamo o fim [Malchut] ainda no início [Kéter ].

Em seu conjunto, o sistema de olamot e sefirot foi criado para filtrar a Luz de Deus, de
modo que o homem pudesse interagir com Ele de forma segura, sem ser anulado.
Assim como o corpo humano encobre a intensidade da alma, as sefirot servem para
encobrir e ocultar a Luz Divina.

Estrutura antropomórfica das Dez Sefirot:

Sefirá Representação

Kéter Crânio
Chochmá [hemisfério direito do] cérebro
Biná [hemisfério esquerdo do cérebro] / coração
Chéssed Braço direito / mão direita
Guevurá Braço esquerdo / mão esquerda
Tiféret Tronco
Nétsach Perna direita / rim direito / testículo direito
Hod Perna esquerda / rim esquerdo / testículo esquerdo
Yessod Órgão sexual
Malchut Pés / coroa do órgão sexual

Faremos muitas referências à estrutura antropomórfica das sefirot e a explicaremos em


termos de seus paralelismos com o corpo humano, refletidos em todo o espectro dos
poderes espirituais contidos no homem.

Cinco Níveis da Alma

Sobre o versículo:
“E Deus soprou em suas [do homem] narinas o alento-alma da vida”
(Gênesis 2:7), o Zôhar acrescenta: “Aquele que exala, exala do âmago de seu ser.”
Assim, o “alento” que Deus insuflou no homem não poderá jamais ser separado Dele.
A alma humana é uma extensão do “alento” de Deus e está diretamente conectada a
Ele.
Esta conexão interna pode ser vista na etimologia dos cinco termos definidores dos
níveis da alma do homem.
A palavra Yechidá vem de echad e ichud, que significam “unicidade” e “união”.
No nível de Yechidá a alma ainda forma uma unidade com Deus, a Fonte.
A palavra Chaiá deriva de “chai”, “vida”, e de “chaiut”, “força vital”.
Chaiá é a própria força vital da alma, o nível no qual ela ainda está ligada a todas as
outras almas.

8
Na Bíblia, conectar-se com este nível é descrito como ser “atada no feixe da vida” (1
Samuel 25:29).
O vocábulo Neshamá é equivalente a neshimá, que significa “respiração”.
A razão disto é que, como consta, Deus insufla nossa alma Divina em nós do mesmo
modo que a insuflou em Adão. Além disso, o intelecto da pessoa se reflete em sua
maneira de “respirar” - isto é, em sua maneira de viver a vida
Rúach geralmente é traduzido como “espírito”, mas verifica-se que a palavra tem
também as conotações de vento, ar ou direção. Ela representa o caráter da pessoa, sua
capacidade de escolher uma direção, tomar decisões criteriosas e responsabilizar-se por
elas.
A palavra néfesh vem da raiz “nafash”, que significa “descansar”
Néfesh é a extremidade inferior da alma, quase totalmente identificada com o corpo, em
particular com a circulação sanguínea.
A Torá afirma (Deuteronômio 12:23): “O sangue é a Néfesh”.
O vocábulo hebraico néfesh também se assemelha ao aramaico “nafish”, que significa
“crescer ou espalhar-se”. Néfesh, assim, corresponde à circulação sanguínea, que se
espalha pelo corpo levando vida a todas as células.
Os cinco níveis da alma, portanto, formam uma cadeia que liga o homem aos universos
celestiais e, enfim, a Deus.

A Analogia do Vidreiro
Os antigos cabalistas comparavam essa relação a um vidreiro que deseja fazer um belo
vaso.
Como escreveu o Rab “Mestre” Aryeh Kaplan :
A “decisão” de fazer a vidro, que emana da vontade mais profunda é o nível de Yechidá
[unicidade]. Ela corresponde ao universo de Adam Cadmon e ao topo do Yíud. Em
seguida, vemos o próprio vidreiro antes de ele começar a assoprar. Este é o nível de
Chaiá [Essência Viva], correspondente ao universo de Atsilut, onde a força vital ainda
está no âmbito do Divino. Este nível e associado ao Yud do Tetragrama.
Depois, o alento [ Neshamá] emana da boca do vidreiro e desloca-se como vento
pressurizado [Rúach ] através do tubo de vidraria, expandindo-se em todas as direções
e formando um vaso rudimentar, o vento finalmente descansa [Nafash] no vaso
acabado...
Kaplan usa essa analogia como uma meditação para elevar-se, através de cinco estados
de consciência de amplitude crescente, a uma percepção cada vez mais clara do Divino:

A parte mais baixa da alma interliga-se com o corpo físico..


É no nível de Nêfesh, que a pessoa adquire consciência do corpo como um receptáculo
para o espiritual.
Porém, isto só é possível quando o individuo é capaz de isolar-se do fluxo contínuo de
estímulos internos e externos que ocupa seus pensamentos.
A consciência do espiritual, portanto, começa necessariamente com o aquietamento da
percepção do físico.
Por este motivo, essa parte da alma é, em essência, passiva e não ativa.
Para que a pessoa esteja preparada para experimentar a forte influência de Ruach, toda
estática deve ser eliminada.
Essa idéia também é sugerido pelo termo Nefesh, cujo sentido literal é “alma em
repouso”.
O segundo nível da alma é Rúach, o “vento” do alento de Deus que sopra em nossa
direção...
Neste nível, a pessoa vai além da espiritualidade serena de Néfesh e sente um tipo de
movimento completamente diferente.
Neste estado de consciência, informações podem ser transmitidas, é possível ter visões,
ouvir coisas e tomar conhecimento de graus mais altos de espiritualidade.
Ao alcançar o nível de Rúach, o individuo sente um espírito que provoca movimento e
não aquietamento.

9
Nos graus mais elevados, isto se torna a experiência de Rúach Hacodesh [Inspiração
Divina], o estado profético no qual a pessoa se sente totalmente elevada e transformada
pelo espírito de Deus.

No nível de Neshamá, você experimentaria o alento Divino...


Neste grau, você se torna consciente não só da espiritualidade como também de sua
Fonte. É exatamente esta a distinção entre um sopro e um vento.
É agradável sentir uma brisa num dia quente de verão, mas é muito diferente sentir o
sopro de uma pessoa intima lhe descendo pelo pescoço - isso denota uma certa
proximidade.
Portanto, no nível de Neshamá a pessoa alcança um alto grau de intimidade com Deus...

Se você quisesse ir adiante, qual seria o próximo nível, além do sopro?


Voltando á analogia do vidreiro, há o sopro, o vento e por fim o ar que se acomoda e dá
forma ao vaso.
O que viria antes do sopro?
O ar quando ainda se encontra nos pulmões do vidreiro.
A própria força vital do soprador, que se denomina Chaiá [Esséncia Viva].
Este é o quarto nível, no qual o alento ainda não está separado do soprador.
Trata-se, na verdade, da experiência de estar dentro do campo do Divino.

Finalmente, qual seria o grau além desse?


Poder-se-ia concebê-lo como a decisão inicial de assoprar quando ela entra na psique do
Soprador.
A ideia singular que Ele tem de criar estaria em Yechidá [Esséncia Única], o mais
elevado dos cinco níveis.

A partir dai, você está no campo do inimaginável.

Continua

10
Anatomia da Alma – Parte 4

O Corpo: Uma Vestimenta com Duplo Propósito

Nós perguntamos:
O corpo sempre tem de obscurecer a luz da alma?
O mundo (olam) sempre ocultará (elem) a luz do En Sof que o preenche e lhe dá
existência?
Podemos atravessar a dura fachada de matéria e materialidade para sentir o espírito
vivo que impregna todos os aspectos de nossa vida?

Vimos que os cinco olamot (mundos / universos) celestiais formam um sistema que
contrai progressivamente a Luz formidável de Deus conforme ela desce ao nível mais
baixo de corporeidade.
De modo semelhante, diz-se que os olamot atuam como “vestimentas” da Luz Divina
(Salmos 104:2).
Uma vestimenta serve a dois propósitos: ocultar e revelar.
No que se refere a Deus, os universos ocultam Sua verdadeira essência e, ao mesmo
tempo, a atenuam, para que ela possa ser revelada.
Este conceito também está implícito na idéia de um corpo (correspondente ao sistema de
universos) que esconde a verdadeira essência da alma (correspondente a Deus).
Deus, a Torá e a alma não podem manifestar-se neste “mundo da separação‟ (que é
análogo à árvore do conhecimento do bem e do mal) sem uma vestimenta” que oculte a
intensidade extraordinária de sua luz.

Deus criou o sistema desta maneira porque tinha a intenção de dar existência a uma
dimensão material na qual o ser humano pudesse funcionar como um agente
independente e livre.
O homem poderia então utilizar esse sistema como uma escada para elevar-se e
retornar a Deus.
Poderia também entrar no sistema e descobrir que Deus realmente está “envolto” no
tecido de sua própria vida.
De uma forma ou de outra, o propósito da criação por meio de olamot é possibilitar que
o homem se relacione com Deus.
Ai reside o mistério da relação entre o Templo Sagrado e o corpo humano.
Cada um deles é um microcosmo de todo o sistema projetado para ajudar o homem a
trazer revelações cada vez maiores da Luz de Deus às trevas deste mundo.

Se refletirmos sobre a idéia de que todo nível superior está oculto nos que estão abaixo
dele, e todo nível inferior se torna uma “vestimenta” para os que estão acima dele,
podemos entender melhor como o corpo se transforma na “vestimenta” da alma.
Como os mundos inferiores são vestes para os superiores, e uma roupa é feita para
ajustar-se ao corpo que ela cobrirá, o corpo assume a “forma” da alma.

Isso pode ser visto no fato de o corpo ser chamado de chômet (matéria), enquanto a
alma é denominada tsurá (forma).
Chômer, o corpo, na realidade é uma „matéria prima” flexível que adquire a “forma da
alma” conforme é moldada.
Quem persegue uma existência materialista modelará seu corpo de acordo com as
exigências especificas desse estilo de vida, e este corpo encobrirá sua alma.
Por outro lado, quem busca Divindade moldará e refinará sua natureza física com a
intenção de ser sensível aos sinais mais sutis da alma, de modo que a espiritualidade
inata da alma por fim irradiará de seu corpo.
Nos níveis mais elevados, o corpo físico desta pessoa se tornará um corpo espiritual
semelhante ao de Moisés, cujo rosto resplandecia quando ele desceu do Sinai após ter
recebido a Torá (Êxodo 34:29-30, 35); semelhante ao de Adão antes que ele comesse
da árvore do conhecimento do bem e do mal quando ele todo brilhava com mais

1
intensidade que o sol do meio-dia; e semelhante ao de Elias, que ascendeu ao céu num
“carruagem de fogo” (ver 2 Reis 2:1 1).

Os Quatro Elementos
Já observamos que quatro elementos básico constituem o mundo material - fogo, ar,
água e terra.
O Ari explica que esses quatro elementos correspondem às quatro letras do Tetragrama:

Tetragrama Elemento
Yud Fogo
Hê Ar
Vav Água
Hê Terra

Uma antiga tradição fala também de quatro níveis de existência física: domem (mineral),
tsomeach (vegetal), chai (animal) e medaber (falante, isto é, o homem); quatro
camadas principais do corpo: or (pele), bassar (carne), guidim (tendões) e atsamot
(ossos); e quatro tipos de fluidos corporais, conhecidos como os “quatro humores”,
classificados como branco, vermelho, verde (amarelo-esverdeado) e preto (marrom-
avermelhado) e baseados nos seguintes órgãos que lhes são correspondentes:

Fluido Órgão
Branco Ductos linfáticos
Vermelho, sangue Fígado
Verde, bile Vesícula biliar
Preto (fluidos imundos) Baço

As quatro camadas e os quatro humores serão discutidos em textos específicos.


Agora, portanto, nossa análise se concentrará nos quatro elementos e sua fonte oculta
única.

“E um rio sai do Éden para regar o jardim; dali ele se divide e converte-se em quatro
torrentes”.
(Gênesis 2:10)

Os quatro elementos se originam de um único elemento matriz.


Isto é indicado no seguinte versículo: “E um rio sai do Éden para regar o jardim; dali ele
se divide e converte-se em quatro torrentes.”
Ou seja, há uma fonte única que se divide em quatro - os quatro elementos.
O elemento matriz único é o tsadic, o justo cujo mérito mantém o mundo, como está
escrito (Provérbios 10:25): “E o tsadic é o sustentáculo do mundo”.
Ele é comparado ao –“topo do Yud”, a fonte das quatro letras do Tetragrama.
Este elemento matriz é denominado Yessod hapasbut, o “elemento simples”, porque, na
fonte, tudo está unido, como uma coisa só, sem diferenciação.

Tudo que há no mundo é composto de quatro elementos básicos.


Cada elemento contém traços de todos os outros, mesmo que apenas em proporção
microscópica.
Assim, o componente principal do domem (mineral) é “terra”, mas, podemos encontrar
traços de “água”, „ar” e “fogo” dentro dele.
A existência contínua do mundo baseia-se na combinação e interação adequadas destes
elementos.
Cada elemento tem uma constituição radicalmente diferente da dos demais.
No entanto, Deus, com Sua Infinita Sabedoria, criou-os de modo tal que eles pudessem
coexistir e sustentar a vida numa variedade quase infinita de combinações - enquanto o
ser que eles sustentam estiver vivo.

2
Quando a “vida” termina, os elementos se dispersam - criando, conceitualmente, uma
situação do “mundo da Separação”.
Assim, é a força vital que mantém os diversos elementos unidos para que o homem
possa existir.
Esta força vital é o elemento matriz único, o tsadic, que se elevou acima do materialismo
deste mundo.
Ele age como uma ponte entre o espiritual e o físico e pode, portanto, transmitir força
vital espiritual ao mundo físico.

Em sua fonte (o elemento matriz único, o tsadic), os quatro elementos na realidade são
um - conceitualmente, o “mundo da unidade” - e coexistem e interagem de forma
pacífica. Mesmo quando deixam sua fonte, eles podem existir em perfeita harmonia,
contanto que continuem a receber força vital do tsadic.
A harmonia só é perturbada quando os elementos, por alguma razão, são desligados
dessa força vital.
Neste momento, surgem a degeneração e a disfunção, que causam doença e
sofrimento...

Apesar de todas as pessoas serem compostas pelos quatro elementos, há quatro raízes
principais, que correspondem as quatro letras do Tetragrama.
Cada indivíduo está enraizado numa letra particular mais do que em qualquer outra, de
forma correlata, ele também está radicado no elemento específico e no traço de caráter
derivado dessa letra.
Isto explica as enormes diferenças que percebemos entre os temperamentos dos seres
humanos. Uns têm raiz no fogo, outros no ar, alguns na terra, e outros na água.
O mais importante é harmonizar as diferenças, porque quando se enfatiza a distinção, ao
invés da harmonia, a discórdia torna-se a norma, e as pessoas resistem e opõem-se
umas as outras.
Esta discórdia reverbera em seus elementos primordiais, causando desarmonia no Alto.
Por consequência, o mundo é afligido por destruição e doença.
A principal força reguladora capaz de harmonizar essas diferenças se encontra no
elemento matriz único, o tsadic.
Ele sabe como estabelecer um equilíbrio adequado entre os vários elementos de seu
domínio, isto traz harmonia e paz a cada individuo e à humanidade como um todo.
Este é o nível da aliança de paz que foi dada a Pinchás.
Por tê-lo atingido, Pinchás nunca morreu e, como o Profeta Elias, ascendeu ao céu numa
carruagem de fogo.
O tsadic é aquele que transcendeu o “mundo da separação” (correspondente à árvore do
conhecimento do bem e do mal) e ligou-se ao “mundo da unidade” (a árvore da vida).
Por ter harmonizado seus elementos, ele se torna o elemento matriz único que une a
todos os outros.

Como vimos, o corpo humano reflete a Torá, que contém 248 mitsvót (mandamentos)
positivos e 365 negativos. O conhecimento sinérgico que o tsadic possui da Torá inteira
(“o todo que é maior que a soma de suas partes”) liga-o a todas as mitsvót de uma vez.
Conectado com a unidade, ele percebe todas as mitsvót como um sistema unificado, e
vê como cada mitsvá abrange todas as outras, formando uma unidade.
Do mesmo modo, ele liga e harmoniza com sua alma as 248 partes e 365 tendões e
vasos de seu corpo.
Então ele pode atuar como o elemento matriz único para todos que estão abaixo de seu
nível.

Nos ensinamentos do Rav Nachman, aparece repetidas vezes, como uma máxima, que
qualquer um pode tornar-se tsadic num nível que lhe seja adequado. Na medida em que
a pessoa se desenvolve espiritualmente e obtenha o domínio sobre seu corpo - seus
quatro elementos - ela poderá merecer o titulo de tsadic para esse nível.

3
Isto se aplica até mesmo a quem se encontra numa posição espiritual relativamente
baixa.
Qualquer que seja o nível em que estejam, todos têm capacidade para harmonizar os
quatro elementos dentro de si e alcançar uma “aliança de paz”, a harmonia completa
entre corpo e alma.

Continua

4
Anatomia da Alma – Parte 5

Traços de Caráter Positivos e Negativos

No Shaarê Kedushá, o Rabi Chaim Vital (1542-1620), o principal discípulo do Ari,


escreve:
Assim como um artífice mestre é capaz de esculpir a figura humana na pedra, o Artífice
Mestre moldou o corpo na forma exata da alma. Dado que a alma, por sua vez, tem uma
composição análoga a da Torá, com suas mitsvót positivas e proibições, as partes do
corpo, embora formadas pelos quatro elementos materiais, são análogas ás partes da
alma e ás mitsvót correspondentes.

Adão deveria ter vivido eternamente.


Ao comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, ele maculou tanto sua alma
como seu corpo. Por conseguinte, doença, sofrimento e morte acometeram a
humanidade, conforme fora avisado a Adão (Genesis 2:17): “Mas da árvore do
conhecimento do bem e do mal não comerás, pois no dia em que dela comeres mot
tamut [morrerás]!”.
A expressão repetitiva mot tamut significa literalmente “morte morrerás”, indicando uma
morte dupla - física e espiritual.
Adão era o modelo de homem espiritual.
Porém, por ter comido da árvore do conhecimento do bem e do mal, ele desceu ao nível
material, arrastando consigo toda a criação.
Além disso, ao servir-se tanto do bem como do mal, ele fez tudo na criação tornar-se
uma mistura de bem e mal.

Adão foi colocado no Jardim do Éden, e foi-lhe dada a possibilidade de escolher.


Ele poderia ter escolhido uma vida espiritual, porém, ao servir-se do fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal, ele provocou a mistura do bem e do mal.
A partir dai, tudo passou a ser uma mescla dos dois.
A missão do homem desde então é separar o bom do mau, purificar-se do mal que o
cerca e que se encontra dentro dele.

Os Quatro Servos
Os quatro elementos contêm todos os recursos físicos que o homem necessita para
ganhar impulso em seu crescimento espiritual, mas também possuem as características
que podem inibir - e até mesmo reverter - esse crescimento.
É por esta razão que os quatro elementos são denominados “servos” - eles devem servir
fielmente á alma para que a pessoa se eleve na espiritualidade.

Nós podemos insuflar espirito e alma em nossos quatro elementos materiais, como está
escrito (Ezequiel 3 7:9): “Profetiza ao rúach [espírito, vento ou alento]; profetiza, filho
do homem, e diz ao rúach: “Assim diz o Eterno Deus: Vem das quatro direções, ó Rúach,
e sopra sobre estes mortos para que vivam!”’
Este versículo pertence à profecia dos ossos secos de Ezequiel.
Primeiro Deus o manda profetizar para os ossos, para que eles se unam.
Depois lhe é ordenado que profetize uma segunda vez, para que o rúach entre nos
corpos ainda mortos e os faça viver.

Como explica o Reb Natan, os corpos “mortos” correspondem aos quatro elementos, que
estão “mortos” se não estiverem ligados ao quinto elemento, o tsadic.
Quando estão conectados, eles ganham vida e podem incorporar todas as boas
qualidades que são identificadas com o conceito de tsadic - amor e temor, bondade e
limitação, humildade, responsabilidade e zelo, etc.
Quando não estão conectados, os quatro elementos materiais - na forma das
características mais abjetas - literalmente controlam a vida do individuo.

1
Este se torna seu “servo” e, portanto, suscetível às “quatro fontes primárias de danos”,
também denominadas “os quatro tipos de lepra”.
Os “danos” e “lepras” se manifestam em todos os tipos de sofrimento que afligem a
humanidade: doenças, dificuldades emocionais, guerras, exílio, etc..
Os quatro elementos tornam-se então a fonte de todas as más características básicas.
O Rabi Chaim Vital esclarece:

Fogo é o de constituição mais leve dos quatro, pois suas propriedades fazem o calor
aumentar. É a fonte da arrogância, daquele que se considera “acima” dos outros.
O fogo é também a fonte da ira.
Ira e arrogância levam à irritabilidade e ao desejo de poder e honraria.

Ar é a fonte da conversa frívola, a tendência para falar de assuntos insignificantes.


Também se refere à fala proibida: bajulação, falsidade, calúnia e zombaria.
O ar é também a fonte da presunção.

Água traz prazer - do elemento água vem os desejos intensos por todas as formas de
concupiscência.
Ela também provoca ciúme e inveja, levando ao comportamento desonesto e ao roubo
propriamente dito.

Terra é o elemento mais pesado e denota preguiça e depressão.


A pessoa dominada pelos aspectos materiais da terra sempre lamenta seu destino e
nunca está satisfeita com o que tem.

Traços de caráter e disposições interiores não estão incluídos nos mandamentos da Torá,
como se pode verificar com uma leitura atenta da lista de 613 mitsvót.
Há todo um conjunto de mandamentos que gira em torno dos relacionamentos
humanos, como amar ao próximo, dar caridade aos pobres, ajudar um inimigo em
dificuldade, não guardar rancor, não se vingar, não odiar o semelhante no coração, etc.
Há também numerosos mandamentos que tratam da relação do homem com Deus.
Em lugar nenhum, porém, encontramos um preceito que diga que devemos ser éticos,
humildes, afetuosos, bondosos, caridosos, compassivos, empáticos, generosos, e assim
por diante.
Tampouco é decretado que é proibido irar-se ou ser arrogante, invejoso ou malvado.
Mesmo um mandamento como “não odiarás a teu irmão em teu coração’ (Levítico
19:17) só pode ser interpretado como uma norma comportamental, e não como uma
diretriz referente a sentimentos.
Se, como vimos, os traços de caráter e as disposições interiores são tão essenciais, por
que eles não são sequer mencionados no sistema de mandamentos?

A resposta é que os traços de caráter e as disposições interiores são o objetivo - e a


própria base - dos mandamentos.
De fato, o refinamento e fortalecimento de nossas características morais são uma
precondição para a verdadeira observância dos preceitos, pois a premissa básica dos
mandamentos é que, se “agirmos” em conformidade com a moralidade objetiva da Torá,
esta moralidade se tornará parte da constituição espiritual e emocional da personalidade
humana.
Assim, a Torá não nos manda de forma direta “ser”, e sim “fazer”.
Isto é, seus preceitos são claramente concebidos por Deus para exercer impacto sobre
nossos traços de caráter básicos, mas por meio de nossas ações.
Agir de maneira afetuosa com uma pessoa, talvez apesar do fato não gostarmos dela,
obriga-nos a superar o sentimento que formamos em relação a ela, que nos impede de
vê-la como semelhante.
É evidente que o objetivo da ação é a transformação interior.
Quem vê os mandamentos como meras diretrizes comportamentais não compreende
este seu aspecto crucial.

2
Podemos perceber agora que o sistema de preceitos foi concebido para ajudar o homem
a expressar, desenvolver ou refinar traços de caráter inatos.
Quando ele é visto desta maneira, os aspectos referentes às disposições emocionais que
estão ocultos atrás de todos os mandamentos tornam-se evidentes.
A Torá pressupõe que estas disposições interiores e traços de caráter constituem a base
da personalidade humana e já estão presentes, em forma rudimentar, desde a infância.
O aperfeiçoamento dos traços de caráter positivos, por um lado, e a transmutação da
energia dos traços negativos, pelo outro, representam o maior desafio que a pessoa tem
de enfrentar ao longo de toda a vida.

O Rebe Nachman ensinou:


O importante é anular cada um de seus traços de personalidade.
Você deve esforçar-se para fazê-lo, até que seu ego seja eliminado, reduzido a nada
diante de Deus. Comece com uma característica, transmute-a, e em seguida trabalhe
sobre outra. Quando cada um dos traços for transformado, a glória de Deus começará a
brilhar e lhe será revelada.
Como afirma um versículo (Ezequiel 43:2), “A terra brilhava com a Sua glória”.
A glória de Deus é como a luz.
Um bastão fino produz uma sombra pequena, enquanto um objeto mais volumoso
projeta uma sombra maior.
Quanto mais luz for obstruída, maior será a sombra criada.
O mesmo se aplica á glória de Deus.
O material obstrui o espiritual e lança sombras sobre ele.
Quanto mais denso o objeto, mais escura a sombra.
Quando a pessoa está ligada a uma emoção ou desejo específico, a glória de Deus é
obstruída e uma sombra é produzida.
Assim, a luz de Deus é ocultada.
Quando o sujeito transmuta seus desejos e emoções negativas, a sombra é
gradativamente removida.
Depois que a sombra parte, a Divindade é revelada.
Então, „A terra [o materialismo da pessoa] brilha com a Sua glória [pois o espiritual não
está mais oculto]”.

Como veremos, as principais características da personalidade se correlacionam com os


vários órgãos do corpo.
O grau de controle que o homem exerce sobre seus instintos mais vis permite-lhe subir
a escada espiritual, fazendo emergir a beleza que se encontra no interior de sua alma.

Resumindo:
Tudo que dissemos sobre a relação que existe entre os mandamentos, por um lado, e os
traços de caráter e disposições interiores básicas, pelo outro, o Rabe Chaim Vital
escreve:
Os traços básicos de caráter do homem não se incluem entre as mitsvot efetivas da
Torá...
No entanto, eles são fundamentais para que as mitsvót possam ser cumpridas.
O aperfeiçoamento dos traços de caráter aumenta a capacidade da pessoa de
desenvolver a espiritualidade.
Porém, se permitir que seus traços negativos criem raiz e se transformem em veneno, o
sujeito se tornará incapaz de realizar qualquer uma das mitsvót adequadamente.
Por exemplo, nossos Sábios afirmam que “a arrogância e a ira são semelhantes à
idolatria”, e, em sentido inverso, que “a humildade pode elevar a pessoa ao nível da
profecia”.

Continua

3
Anatomia da Alma – Parte 6

O Paradoxo de Corpo e Alma

Considerando-se a composição etérea da alma em comparação com a densidade do


corpo físico, é realmente surpreendente que os dois sejam capazes de permanecer
juntos.
A alma sempre é atraída para sua fonte sublime, D´us, enquanto o corpo busca apenas
satisfação material.
O milagre da harmonia entre corpo e alma torna-se ainda mais evidente e admirável por
causa de suas naturezas divergentes.

“A alma do homem é a vela de Deus, que examina todas as entranhas do


abdômen’ (Provérbios 20:27).

Nossos Sábios explicam que Deus implantou dentro da alma uma necessidade incessante
de buscar a perfeição.
A alma tem uma curiosidade insaciável: ela procura e investiga - sempre atrás de uma
nova experiência.
A pessoa pode obter satisfação procurando-a no campo espiritual ou no físico.
A diferença entre as duas é que a satisfação espiritual perdura, dado que a alma é
eterna, enquanto a satisfação física só pode ser momentânea e logo é esquecida.
O individuo cuja alma examina todas as suas entranhas e busca a espiritualidade da vida
é verdadeiramente afortunado.

O Rebe Nachman descreve as diferenças entre corpo e alma com base no “côach
hamoshech” (força de atração) e no “côach hamachriach” (força de repulsão).
A força de atração é Deus, que age como a gravidade, para trazer a alma
constantemente para Ele, sua fonte espiritual.
A força de repulsão é o materialismo, porque ela “força” a alma a permanecer no mundo
físico.

O Rebe Nachman ensinou:


Tudo se assenta sobre a terra.
A gravidade terrestre puxa tudo para ela.
Só uma força oposta possibilita que pessoas e objetos se movimentem livremente.
Conforme a intensidade da força contrária à gravidade que atua sobre ele, um objeto
pode distanciar-se da terra.
Porém, quando esta força se dissipa ou é removida, o objeto retorna á terra.

O tsadic é o sustentáculo da terra, como consta nos Provérbios 10:25, e tudo no mundo
se apoia e repousa sobre ele.
O correto seria as pessoas serem atraídas para o tsadic, já que ele possui esta “força de
atração” espiritual.
No entanto, existe uma força contrária que as separa e afasta do tsadic: há quem faça e
diga coisas com a finalidade de manter a si mesmo e aos outros longe do tsadic.
O tsadic, como vimos, é o elemento matriz único dos quatro elementos básicos.
Em virtude de sua pureza, ele é o símbolo da espiritualidade para todos, e poderia
aproximá-los da fonte espiritual, mostrando-lhes os benefícios de tal modo de vida, se
não fosse pela existência da força de repulsão.
O mesmo se aplica a cada individuo.
A alma contém dentro de si as propriedades da Divindade.
Se fosse deixada por sua própria conta, ela subiria aos céus.

Todo individuo deveria ter consciência de que todos os obstáculos e dificuldades que
enfrenta na vida se originam da força de repulsão, do materialismo.

1
A força de “atração”, o tsadic, é mais poderosa que a de repulsão, pois a gravidade no
fim prevalece.
Logo, a força de repulsão é apenas temporária.
Quem deseja verdadeiramente a espiritualidade sempre é capaz de superar os
obstáculos e encontrá-la.

De fato, a principal missão do ser humano é vencer as forças de repulsão e lutar por
uma vida de espiritualidade. Porém, ironicamente, a força de repulsão torna-se um fator
decisivo nessa missão.
Unindo as duas forças opostas, a pessoa poderá tirar o máximo de proveito de suas
habilidades e ascender as alturas mais elevadas.

Observe por exemplo, um relógio mecânico.


Ele tem uma mola do aço enrolada firmemente no sentido contrário ao seu movimento
natural. A mola tenta desenrolar-se para sair desta posição forçada.
A pressão da mola se desenrolando obriga as engrenagens a se encaixarem, uma
movendo a outra.
É a reação de uma força contra uma força oposta que faz o mecanismo funcionar.
Assim, no produção industrial, a operação de uma máquina resulta de forças contrárias
trabalhando em uníssono.

É da natureza da alma aproximar-se de sua Fonte, a Divindade, a verdadeira força da


“gravidade”.

O Reb Natan conclui explicando que a interação entre corpo e alma ocorre por causa de
suas naturezas diferentes. Apesar de tal divergência, o corpo e a alma juntos podem
realizar prodígios extraordinários e magníficos neste mundo, servindo de receptáculos
para a espiritualidade e desenvolvendo o ambiente material necessário para que se
possa crescer.

“Façamos o Homem...”
As diferenças entre o corpo e a alma são enormes.
No entanto, a combinação dos dois é o que faz o homem.
Eles podem funcionar juntos em perfeita harmonia.
O Rebe Nachman ensinou: A pessoa deve cuidar de seu corpo, para que ele brilhe com
cada avanço espiritual que ela fizer. Pois a alma percebe e compreende níveis
extremamente elevados, enquanto o corpo os ignora.
A pessoa deve, portanto, purificar seu corpo, a fim de habilitá-lo a compartilhar das
percepções da alma.
A alma também se beneficiará de um corpo que está em sintonia com a espiritualidade,
porque, se ela cair de nível espiritual, o corpo que já experimentou a Divindade
possibilitará que ela recupere seu grau anterior de santidade. Isto pode acontecer
porque o corpo atingiu um nível correspondente de pureza.

Para alcançar este grau de harmonia e cooperação entre corpo e alma, o individuo deve
quebrar o atrevimento da luxúria e dos desejos corporais, contrapondo-lhe o
“atrevimento sagrado”, a vontade obstinada de aproximar-se da espiritualidade,
aconteça o que acontecer.
Ao fazê-lo, ele permite que sua alma se mescle completamente com seu corpo.

O corpo se mescla com a alma por meio do cumprimento das mitsvót (“mandamentos”
ou conexões). Quanto mais boas ações a pessoa pratica, maior é a submissão de seu
corpo a sua alma, o que possibilita que o corpo de fato sinta as realizações da alma.

No que diz respeito à maneira de conseguir o “atrevimento sagrado”, o Reb Nachman


oferece muitas sugestões práticas (como cumprir as mitsvót, rezar com fervor, dançar,
cantar, bater palmas, dar caridade, suspirar e ansiar por espiritualidade).

2
O seguinte ensinamento do Reb esclarece várias idéias que mencionamos anteriormente:
A alma corresponde ao homem, luz, vida, memória e sabedoria verdadeira - a sabedoria
da Tora.
O corpo corresponde ao animal, trevas, morte, esquecimento, filosofias estranhas e
tolice.
A missão do homem é se elevar acima do materialismo.
Isto está implícito na palavra “homem” em hebraico, Adam, que se escreve com alef –
dalet – mem. Alef significa aprender sabedoria; dalet equivale ao número quatro,
representando os quatro elementos; e o mem final é uma letra fechada, que simboliza o
além, o mundo vindouro.
Para alcançar o mundo vindouro mem, a pessoa deve superar as más características que
provem dos dalet (quatro) elementos. Isto é feito mediante o aquisição da sabedoria
verdadeira, a sabedoria do Torá, o alef.
Este é o significado do versículo Gênesis 1:26 –“Façamos o Adam”.
Aquele que luta por espiritualidade - pela verdadeira essência da vida - é chamado de
adam.

Bom Conselho
O Reb Natan escreve que a verdadeira sabedoria da Torá provém de suas 613 mitsvót,
conhecidas como os 613 “preceitos de conselho”.
Estes preceitos aconselham o individuo e o orientam na escolha entre os atos que devem
ser praticados e os que devem ser evitados.
O Reb Natan explica que ensinar uma pessoa a cometer um pecado não é considerado
um bom conselho, porque a expõe a sofrimento e humilhação.
De forma semelhante, se alguém tem uma “idéia brilhante” para obter ganhos
financeiros, mas não considera que tais ganhos podem afastá-lo da espiritualidade, esse
também não é um bom conselho, porque (Eclesiastes 5:12) “a riqueza às vezes tem a
finalidade de gerar o dano de seu possuidor”.
Se os prazeres mundanos forem perseguidos e os eternos, negligenciados, a riqueza
obtida desta maneira se revelará prejudicial.
Portanto, o melhor conselho para o sucesso neste mundo é o que conduz à vida eterna -
a orientação para a obtenção de espiritualidade.

Se Adão tivesse comido da árvore da vida, ele saberia identificar o conselho que o
levaria a seu destino mais elevado.
Ele conheceria o caminho da espiritualidade, da vida verdadeira e eterna.
Mas, Adão comeu da árvore do conhecimento do bem e do mal.
Por consequência, o conselho que se tem para lhe oferecer agora é confuso e
desorientador.
Todo dia exige novas decisões, cada problema requer uma abordagem diferente, e, o
que é ainda pior, nunca se sabe se uma determinada escolha é correta ou não.
Algumas idéias parecem muito boas no momento, mas a longo prazo, seus benefícios se
esgotam.
Outras escolhas poderiam ser benéficas se houvesse mais tempo disponível, mas o
tempo sempre se mostra escasso, tornando improvável que advenham ganhos de tal
conselho.
Estas circunstâncias frustrantes surgiram porque Adão comeu da árvore do
conhecimento.
Ele então foi banido do jardim do Eden, e uma espada que se volvia foi colocada na
entrada, para que o acesso fosse restrito apenas aos que o merecem.
A espada que se volvia corresponde à grande massa de conselhos desorientadores que
nos inunda.
Esta “espada” que também é chamada de hechalé hatemurot - as câmaras das trocas - é
o que produz pensamentos inconstantes e dúvidas incessantes na mente, sabotando
nossos esforços para focalizar a vida eterna.

3
Assim, verificamos que mesmo aqueles que se concentram com seriedade em sua vida
espiritual - ainda que eles possam já ter começado a seguir o caminho certo - também
se sentem muito confusos, com uma profusão de escolhas a sua disposição mesmo
dentro do campo de conselhos da Torá.
Portanto, não há alternativa a pessoa deve sempre procurar a verdade.
Tudo que for absolutamente verdadeiro a ajudará a descobrir o caminho certo.
Mas isto só acontecerá se essa busca for associada ao esforço para encontrar os
verdadeiros tsadikim, porque a Torá é composta de duas partes - uma Lei Escrita e uma
Lei Oral.
A Lei Escrita prescreve as 613 mitsitót, mas a Lei Oral transmitida por intermédio dos
verdadeiros tsadikim, explica como podemos cumprir da melhor maneira esses preceitos
de conselho.

O Reb Natan prossegue falando da importância de depositarmos nossa fé nos tsadikim.


Como sua natureza espiritual não foi corrompida pela árvore do conhecimento do bem e
do mal (isto é, eles transcendem os quatro elementos e correspondem ao elemento
matriz), os tsadikim são capazes de guiar-nos pelo caminho correto de desenvolvimento
espiritual e benefício eterno.
Os tsadikim que transcendem a materialidade estão em perfeita harmonia com a Torá e
o bom conselho.
Receber conselhos de tsadikim - por exemplo, aceitar seus ensinamentos de Torá é uma
retificação do ato de Adão de comer da árvore do conhecimento e habilita a pessoa a
ater-se à árvore da vida.
Por isto é importante que o individuo deposite sua fé nos tsadikím.
Quando foi banido do jardim do Éden, Adão também foi amaldiçoado (Génesis 3:19):
“Com o suor de teu rosto comerás pão”.
A necessidade de um esforço excessivo para ganhar o sustento surgiu por causa da
ingestão do fruto da arvore do conhecimento.
Podemos ver os efeitos do excesso, dado que ele é uma das principais causas de
confusão.
Comer, dormir ou trabalhar em excesso, por exemplo, gera confusão e dúvidas, além de
criar grandes dificuldades na vida.
Assim, a atitude mais sensata é buscar o conselho adequado e ser capaz de passar a
viver sem excessos.

A árvore do conhecimento é análoga ao conselho, porque ets, árvore em hebraico, tem a


mesma raiz de etsá, conselho.
O conselho, que agora é necessariamente deturpado na pessoa mediana, deve ser
solicitado aos tsadikim, cujo nível de espiritualidade os liga à árvore da vida.
Os tsadikim não foram maculados pelos efeitos da árvore do conhecimento do bem e do
mal e são capazes de discernir o conselho adequado.
O pecado de comer da árvore também corresponde à fé desvirtuada.
Consultar os tsadikim retifica nosso ato de comer da árvore do conhecimento e nos
dirige para o caminho do bom conselho - para o desenvolvimento material e espiritual.
A morte foi decretada para Adão, e por causa dele para toda a humanidade, devido ao
pecado de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal.
O homem já não pode obter uma ficha perfeita, escolhendo sempre o conselho correto e
encontrando o caminho pelo qual se chega ao jardim do Éden [Isto é, a espiritualidade
absoluta] e se entra nele durante sua vida.
Ele tem de falecer e deixar este mundo.
Só depois da morte ele pode tomar a estrada para o jardim do Éden, a Arvore da vida.
Porém, quanto mais o indivíduo fortalecer sua fé nos tsadikím, mais refinado será o
conselho que receberá deles, no qual poderá basear suas ações durante a vida.
Desta maneira, ele merecerá conselhos acertados, que o ajudarão na retificação de sua
porção no pecado de Adão, e assim estará muito mais perto de achar seu caminho para
a árvore da vida.

4
Corpo e alma correspondem a trevas e luz, e também são associados ao mal e ao bem,
pois o conhecimento do mal obtido por meio da árvore maculou o corpo humano,
arrastando-o ao materialismo.
Se Adão não tivesse pecado, o mal automaticamente pareceria inferior ao bem, e o
homem teria uma orientação clara de como chegar a seu destino - o Jardim do Éden.
Em nosso estado atual, contudo, o corpo deve separar-se da alma [ na morte] antes que
ela possa atingir sua perfeição máxima.
O corpo tem de retornar à terra - ao elemento do qual se originou.

Mas esta separação é na realidade um processo de purificação.


Na morte, o corpo, que é a parte do ser humano mais propensa a sucumbir ao mal, é
anulado. Na morte, nós nos despojamos do físico.
Mesmo se o individuo for um verdadeiro tsadic, ele terá de despojar se de sua
corporeidade, pois o decreto ocasionado por Adão afeta toda a humanidade.
O homem não pode entrar no jardim durante sua vida.
Só após a ressurreição, com o renascimento do corpo, a alma será reunida no corpo
num estado de pureza perfeita.
A alma, depois de lutar para superar os testes do materialismo e de retificar-se
enquanto ainda estava no mundo material, está pronta para sua recompensa final
quando o corpo morre.
Quando ocorrer a ressurreição, o antigo opressor da alma, o corpo, se tornará seu servo
benevolente.
O corpo então se sujeitará de boa vontade a essa “servidão”, por reconhecer a realeza
da alma. Porém, como na história “O Filho do Rei e o Filho da Criada”, a alma terá mais
razão ainda para estar satisfeita.
Justamente por causa do sofrimento e da purificação a que foi submetida, ela encontrará
à sua espera uma recompensa que é muito maior do que ela imaginara.

Continua

5
Anatomia da Alma – Parte 7

O Sistema Digestório

Os Órgãos Internos
A maioria dos livros de anatomia começa com o estudo das células ou do sistema ósseo,
que são as principais estruturas de sustentação do corpo.
Saber como o corpo humano é constituído e como suas partes são interligadas pode
fornecer uma visão geral da localização e função de cada órgão.
No entanto, quando se investiga a anatomia espiritual, é mais adequado iniciar com uma
discussão a respeito do desenvolvimento das características mais básicas das pessoas,
pois elas são os recursos essenciais para que o homem possa assumir sua forma
espiritual.
Portanto, nosso “quadro” será apresentado desta maneira.

Como vimos, o pecado de Adão foi comer da árvore do conhecimento.


Assim, nosso exame da anatomia espiritual começará pelo sistema digestório.
Os órgãos contidos neste sistema são as bases das características mais fundamentais do
ser humano.
Só poderemos avançar em nosso crescimento espiritual se reconhecermos o potencial
que está oculto nesses órgãos.

Os três maiores desejos do homem são a riqueza, o prazer sexual e a comida.


O Reb Nachman ensina que a cobiça de riqueza é um abismo sem fundo do qual é
extremamente difícil retornar.
A luxúria também é um grande teste que a pessoa encontra constantemente durante a
vida. No entanto, é a gula que o Rav Nachman chama de “avidez suprema”, porque a
comida dá força ao homem para perseguir todos os outros desejos, e ela nunca pode ser
evitada completamente.
Além disso, logo que chega ao mundo, a pessoa já quer comer.
Os outros impulsos, como amor, temor, paciência e humildade, desejo de sucesso ou
poder, inveja, ira e arrogância, tornam-se manifestos em diversas fases da vida.
Algumas características se desenvolvem na infância, e outras, na puberdade ou na idade
adulta.
Mas a necessidade que o corpo tem de comer, digerir e eliminar resíduos começa no
nascimento.
O Rav Nachman ensina que os desejos são supérfluos.
Eles são comparados à casca de uma fruta, que removemos e jogamos fora.
Do mesmo modo, podemos jogar fora todas as coisas insignificantes e viver sem elas,
como evidencia a criança que, surpreendentemente, “sabe” quanto alimento necessita e
não come em excesso.
Para sobreviver de forma ideal, o corpo humano precisa de uma dieta simples e
balanceada de carboidratos, proteínas, gorduras, frutas e verduras.
Porém, ensina o Rav Nachman, qualquer alimento pode ser elevado para que seja capaz
de proporcionar aquele estado de nutrição plena que era oferecido a Adão no jardim do
Éden.
O Talmud afirma que o homem deveria experimentar tudo que lhe é permitido para
poder apreciar as maravilhosas criações de Deus e agradecer-Lhe.
É claro, então, que se espera que sintamos prazer com a comida.
Mas há uma diferença entre comer numa medida que é essencial e ansiar por excessos.
Embora possamos viver de pão e água, usamos manteiga, margarina, mel e geléia para
enriquecer o pão, e adoçamos as bebidas para torná-las mais saborosas.
Estes são exemplos simples de acréscimos permitidos que podem levar a excessos se a
pessoa não for vigilante.
A manutenção adequada do sistema digestório é essencial para o crescimento e a saúde
física do homem.

1
Como o corpo é semelhante à alma, o bem-estar físico indica um bem-estar proporcional
nas capacidades da alma.
Uma relação harmoniosa entre corpo e alma só pode ser sustentada por meio da
alimentação, porque o corpo deve receber nutrientes para existir.
A alma sozinha não precisa de comida. Só quando o corpo e a alma se unem, a
alimentação torna-se necessária.
Por conveniência, trataremos os órgãos relacionados á digestão, processamento e
excreção dos alimentos como uma unidade, sob o título “O Sistema Digestório”, embora
a medicina ocidental os veja como sistemas separados. (É interessante notar que a
medicina chinesa e outras formas de medicina holistica ensinam que todas as partes do
corpo são interdependentes.) Assim, o estômago, o fígado, a vesícula biliar, o baço, os
rins e o sistema circulatório, que estão ligados de alguma maneira à digestão dos
alimentos, à sua conversão em nutrientes para o corpo e à sua excreção na forma de
matérias residuais, serão todos estudados como um sistema integrado.
Quando comemos, a comida desce ao estômago, onde ácidos e enzimas a decompõem
em partículas menores.
O trato digestivo continua a processar esse alimento, convertendo-o em nutrientes que
são então transportados para a circulação sanguínea.
Enriquecido com nutrientes, o sangue corre para o coração, onde é aprimorado ainda
mais, recebendo oxigênio, e em seguida é bombeado para todo o organismo, levando
nutrição ao corpo.
Tudo que não tem valor é rejeitado e expelido.
A capacidade do corpo de saber exatamente o que absorver e o que rejeitar é de fato
um dos mais admiráveis prodígios de Deus.

Examinaremos a importância da capacidade do corpo de absorver nutrientes e eliminar


resíduos, e como ela se relaciona com os poderes espirituais que possuímos e devemos
empregar para promover nosso crescimento espiritual.
Passaremos agora a analisar o processo de purificação e prosseguiremos com uma
investigação da circulação sanguínea, pois o sangue, embora faça parte do sistema
circulatório, levando oxigênio e nutrientes ao corpo inteiro, desempenha um papel
relevante também no sistema digestivo.
Como nosso primeiro contato com a satisfação material se dá por meio de nossa ligação
com a comida, discutiremos nossos hábitos alimentares e o trato digestivo.
Por fim, examinaremos os outros órgãos envolvidos no processo de purificação - o
fígado, a vesícula biliar, o baço, as glândulas sudoríparas e os rins.

Continua

2
Anatomia da Alma – Parte 8

O Processo de Purificação

Adão foi criado com a capacidade de ascender continuamente a graus cada vez mais
altos de espiritualidade.
Ele deveria fazê-lo usando o corpo como veículo, por meio da elevação da matéria ao
nível do espiritual.
Para que tivesse condições favoráveis para o cumprimento de sua missão, ele foi
colocado no Jardim do Éden. Porém, esse processo que transcorria tranquilamente foi
tolhido quando ele cedeu aos desejos físicos.
A queda de Adão e suas consequências podem ser comparadas a uma peça de cristal
bela e valiosa que é derrubada de uma grande altura e se estilhaça em milhares de
fragmentos, que se espalham por uma extensa área.
Adão continha dentro de si as almas de toda a humanidade num estado de união
perfeita.
Sua queda provocou a quebra desta união sagrada em incontáveis “centelhas de
santidade‟, que em seguida se dispersaram pelo mundo inteiro.
Desde então, o homem, utilizando as inclinações espirituais incorporadas em sua
natureza, tem a missão de procurar, encontrar, purificar e elevar essas centelhas, para
que elas possam voltar a sua fonte.
Isto reparará, e até aperfeiçoará, o recipiente do qual elas se originaram - Adão.

Onde quer que uma centelha sagrada seja encontrada, ela deve ser submetida a um
processo contínuo de birur, “purificação”, até que se conclua sua retificação.
As centelhas de santidade que foram espalhadas pelo mundo inteiro encontram-se hoje
em toda a criação: nos minerais e vegetais, em nossa comida e bebida.
Elas existem tanto nos animais que podem trabalhar para o homem como naqueles que
lhe podem servir de alimento.
São achadas em matérias-primas usadas na indústria e também no dinheiro e outros
bens que são comercializados no mundo todo.
O Rav Natan trata dessa idéia num de seus discursos:
Tudo neste mundo deve passar por um processo de purificação para alcançar sua
perfeição. Em nenhum lugar isto está mais evidente do que na produção dos alimentos.
O fazendeiro ara seus campos, planta as sementes e espera que elas criem raízes e
germinem. Ele cuida da plantação até que ela esteja pronta para ser colhida, e em
seguida separa o trigo da palha e o debulha. Então ele mói os grãos, isolando a farinha
pura do farelo grosseiro. Depois é necessário misturar farinha e água para fazer a
massa, formar um filão de pão e assá-lo. Só então as sementes que ele plantou muito
antes atingem seu estado de perfeição, o objetivo a que eram destinadas.

O corpo humano foi projetado para digerir os alimentos de maneira muito semelhante
aquela pela qual são produzidos os géneros alimentícios. Quando come, a pessoa
mastiga e tritura o alimento com os dentes. A comida desce ao estômago, onde ácidos e
enzimas a quebram em partículas ainda menores. Os demais componentes do trato
digestivo continuam o processo de transformação e depuração do alimento.
Purificado, ele passa ao sistema circulatório, que leva os nutrientes ao organismo.
A matéria residual é rejeitada e expelida pelo corpo.
O processo de purificação que ocorre dentro do corpo é um reflexo do processo de
purificação da alma.
O corpo sabe o que aceitar e purificar, e o que eliminar.
Assim como o corpo limpa e depura a comida que entra nele, também a alma, em sua
busca de espiritualidade, limpa e depura seus elementos nutritivos, e consequentemente
a si mesma.
Este processo de purificação e crescimento espiritual é um fenômeno contínuo, tanto no
âmbito pessoal como no universal.

1
De acordo com o plano de busca de perfeição da alma, todas as centelhas de santidade
caídas e perdidas - espalhadas e dispersas devido ao pecado de Adão - devem ser
recuperadas para que se reconstrua a “tsurá” (forma) espiritual original do homem.
Agora, o ser humano deve examinar cuidadosamente o ambiente material em procura do
espiritual.
O Rav Nachman ensina que tudo que existe, até mesmo a riqueza, precisa passar por
este processo de purificação:
As mesmas etapas necessárias para a produção dos alimentos devem ser seguidas para
o refinamento do dinheiro.
As etapas são: aceitação, retenção, digestão, distribuição e expulsão.
Quando comemos, fazemos uso das capacidades de aceitação e retenção, pois o corpo
retém a comida por um tempo. A digestão então faz a comida ser absorvida, e o Sistema
digestivo distribui os nutrientes necessários por todo o corpo. O coração e o cérebro
recebem os melhores nutrientes, porque desempenham as funções mais vitais. Em
seguida o corpo excreta a matéria residual.
O mesmo processo de refinamento precisa ser feito com o dinheiro.
Quando ganha dinheiro você deve retê-lo e não gastá-lo imediatamente - não agir como
aqueles que passam a vida perseguindo a riqueza e quando a adquirem, logo a
dilapidam. Você deve “digerir” esse dinheiro, guardando-o até que ele seja necessário, e
só então distribuí-lo. A melhor porção deve ser destinada á caridade, e o restante para
as suas necessidades. Também há supérfluos nos seus gastos.

Esses são alguns exemplos do processo de purificação no plano físico.


Conforme observamos, o mesmo tratamento deve ser aplicado à esfera espiritual.
Em todos os casos, a paciência tem importância crucial.
Assim como precisamos de tempo e concentração para ordenar uma pilha de papéis ou
de roupas, necessitamos de uma paciência infinita para ordenar nossa vida e os assuntos
espirituais.

Paciência
Uma das principais lições que podemos extrair do processo de purificação refere-se à
virtude da paciência. Uma refeição pode ser ingerida num tempo relativamente curto,
até mesmo em poucos minutos.
No entanto, para ser digerida de maneira adequada, a comida tem de passar por um
processo que dura algumas horas - para que os nutrientes sejam separados da matéria
residual e cada partícula seja enviada a seu destino próprio.
Todos nós precisamos aprender a ter paciência.
Há milênios, a humanidade está envolvida na retificação do pecado de Adão.
Desde tempos imemoriáveis, pessoas justas têm espalhado espiritualidade pelo mundo
inteiro, para despertar e unificar as centelhas adormecidas que caíram e se dispersaram
por causa desse pecado.
Apesar de estarmos agora nos aproximando do final de nossa espera por um mundo
aperfeiçoado, o processo foi longo e árduo. Portanto, uma paciência extrema se faz
necessária para a consecução desse objetivo em âmbito universal.
O mesmo se aplica à purificação espiritual de cada individuo.
Embora os benefícios de uma vida orientada para a espiritualidade não sejam
imediatamente percebidos, todo esforço despendido é parte do processo de purificação.
O Rav Natan cita um exemplo excelente da importância crucial da paciência.
Os judeus atingiram um nível espiritual muito alto quando receberam a Torá no Monte
Sinai. Foi-lhes então ordenado que aguardassem quarenta dias até que Moisês descesse
da montanha. Perto do fim deste período de espera, eles ficaram impacientes, e isso os
fez errar nos cálculos da previsão do retorno de Moisés.
Em vez de aguardarem apenas mais algumas horas, como Aarão lhes suplicou que
fizessem, eles se precipitaram e produziram um bezerro de ouro. Pela pressa, causaram
sofrimento a si mesmos e a todas as gerações futuras, um sofrimento que só terminará
com a chegada do Messias.

2
A pressa e a impulsividade são associadas às propriedades da água, como demonstra o
comentário de Jacob sobre seu filho mais velho (Gênesis 49:3-4): “Ruben, meu
primogênito.., primeiro em dignidade e primeiro em poder. [Mas porque foste] afoito
como as águas, não mais serás o primeiro. Por ser fluida, a água está presente em
quase todos os prazeres humanos. Nós nos banhamos nela, a ingerimos em bebidas
variadas, e ela é encontrada na maior parte dos alimentos que comemos. Também a
impulsividade pode afetar todos os aspectos da vida, e é o atributo que possibilita que a
pessoa se entregue aos prazeres sem pensar nas consequências”.

A água não fica parada.


O vento mais suave produz elevações e ondas na superfície de uma massa de água, e
rajadas mais fortes provocam redemoinhos até mesmo nas profundezas.
A impulsividade tem um efeito semelhante sobre a pessoa.
Mesmo quando as coisas parecem calmas, um simples desejo incontrolado pode causar
agitação em todo a estrutura emocional, chegando a gerar uma turbulência interna que
impede que a pessoa tenha paz de espírito.
Precisamos de muita paciência para esperar que passem as tempestades que
enfrentamos ao longo da vida.
A maioria dos anseios surge num frenesi.
O Rav Nachman ensina que o vendaval dos “perversos” - a luxúria humana - é
temporário. Ele ataca furiosamente com desejos nocivos, mas só por pouco tempo.
A paciência nos permite aguardar o fim da tempestade e vencer com inteligência as
forças que nos tentam dominar.

O Reb Natan escreve:


Em nossas orações diárias, louvamos a D´us: “Ele ilumina com misericórdia a terra e
seus habitantes, e na Sua bondade renova constantemente o ato da criação, todos os
dias.”
A luz principal é a da verdade, que é a Luz do Próprio Deus.
A purificação principal é a separação da falsidade da verdade.
Cada dia oferece uma oportunidade de busca da verdade.
Ainda que a verdade muitas vezes possa parecer obscurecida pela falsidade, são as
falsidades existentes em cada dia e em todas as épocas que por fim se dissipam,
enquanto a verdade permanece como será revelado um dia, para que todos vejam.
Assim, cada geração tem seu mal, que mais tarde é rejeitado e até mesmo repudiado
por todos. Outras falsidades tomam seu lugar, mas elas também se desintegram e
acabam sendo relegadas às lixeiras da história.
A paciência que se mantém durante a busca de espiritualidade e Divindade guia a pessoa
à luz e à verdade que no fim perdurarão.
A paciência, portanto, está inserida no cotidiano do cabalista.
Ao levantar-se de manhã, em vez de imediatamente comer e começar a cuidar de seus
negócios pessoais, ele reserva um tempo para as orações diárias.
Alguns se levantam ainda mais cedo para estudar Torá antes de rezar, ou dedicam um
tempo depois das preces matinais para o estudo ou a prática de boas ações, antes de
tratarem de seus assuntos mundanos. De forma semelhante, antes de comer, a pessoa
deve exercer o autocontrole, lavando as mãos e recitando as bênçãos apropriadas.

A Carruagem de Deus
Por meio de seus atos, o homem pode aperfeiçoar-se a ponto de tornar-se uma
“carruagem para Deus”. O Profeta Ezequiel inicia seu livro de profecia com uma
descrição de sua visão da carruagem de Deus conduzida por “quatro criaturas”.
A pessoa que se purifica completamente, livrando-se de suas características negativas e
refinando suas boas qualidades, torna-se digna de refletir a essência dessas “criaturas”
celestiais, que são capazes de “sustentar e conduzir” a carruagem de Deus - a
espiritualidade.
Cada uma das quatro “criaturas” da carruagem tem quatro „rostos”, com a aparência de
leão, touro, águia e homem (Ezequiel 1:10).

3
Estes quatro “animais” são considerados “reis”: O leão é o rei dos animais, o touro é o
rei dos animais domesticados, e a águia é a rainha das aves. O homem foi criado para
ser o rei de todos estes reis, o guardião supremo de todas as formas de vida.
Nossos Sábios explicam que o leão, o touro e a águia correspondem à mente, ao coração
e aos pulmões. Eles também correspondem aos sentidos da audição, visão e olfato.
O homem, como a categoria mais elevada dos seres vivos, é associado à fala.
Quando ele se porta de maneira principesca, todos esses importantes órgãos e sentidos
agem para impeli-lo a alturas cada vez maiores.
No entanto, nossos Escritos Sagrados ensinam que (Eclesiastes 7:14) “Deus os fez
correspondendo um ao outro”.
Esta é a “lei do paralelismo” - Para toda meta espiritual há um obstáculo material
correspondente, para que em cada nível, em cada momento e conjuntura da vida, nós
tenhamos livre-arbítrio para escolher que caminho seguir.

Portanto, quando hesita, o homem é dominado por três criaturas de corporeidade


grosseira: o cão, o jumento e o gavião, que representam o potencial para o mal.
Em sua degradação, o ser humano também é subjugado por três órgãos importantes, o
fígado, a vesícula biliar e o baço, cujos efeitos são destruição, ira e fúria.
O homem (adam), a quarta criatura, pode regredir ao nível do “adam belial”, o homem
mau.
Isto é sugerido pela própria palavra “belial lrila”, que também pode ser lida como “beli ol
ler ila”, literalmente “aquele que se desvencilha do jugo celestial”.
Dado que ele se distanciou de Deus, diz-se que a sua fala expressa mentiras, conversa
frívola e vulgaridades.

O alimento que a pessoa come é digerido, absorvido pela circulação sanguínea e depois
distribuído por todo o organismo.
O fígado, a vesícula biliar e o baço estão entre os principais órgãos do corpo que
realizam a transformação dos nutrientes, a filtração do sangue e a eliminação do
excesso de fluidos e da matéria residual.
Se ficarem subordinados aos órgãos superiores, eles ampliarão as faculdades espirituais
da pessoa.
Porém, se esses órgãos forem deixados sem controle, seus efeitos negativos farão
aflorar as piores características do sujeito - inveja, luxúria e avidez por honraria e poder
- de uma maneira extremamente degradante.

Maravilha das Maravilhas


O processo de purificação é tão admirável que nossos Sábios instituíram o costume de
recitar uma bênção após a satisfação das necessidades fisiológicas.
A bênção diz o seguinte:

Bendito sejas Tu, Eterno, nosso Deus, Rei do universo, que formaste o homem com
sabedoria e Criaste nele muitos orifícios e cavidades. É revelado e sabido perante o Teu
glorioso trono que, se apenas um dos muitos orifícios e cavidades se rompesse ou
abstraísse, seria impossível sobreviver ou postar-se diante de Ti mesmo por um breve
momento. Bendito sejas Tu, Eterno, que saras toda a carne e fazes maravilhas.

O Rav Natan explica que o processo de purificação é o objetivo de todo individuo.


Ele assinala que o corpo foi criado com poderes tão incríveis - é realmente a “maravilha
das maravilhas” - para que seja a mais perfeita usina de “purificação”.
De fato, é esta combinação singular de corpo e alma que produz a retificação final.

Continua

4
Anatomia da Alma – Parte 9

A Circulação Sanguínea

O corpo humano tem 248 partes, que correspondem aos 248 mandamentos positivos da
Torá. Ele também possui 365 tendões e vasos (ligamentos, artérias, veias, etc.), que
correspondem às 365 proibições da Torá.
Como o corpo necessita de membros para fazer as coisas, os mandamentos positivos
são associados ao sistema locomotor.
As proibições da Torá, por sua vez, são análogas ao tecido conjuntivo e ao sistema
circulatório - pois o sangue carrega consigo todos os desejos e a luxúria, que devem ser
contidos para que a pessoa possa cultivar os aspectos espirituais de sua existência.
O sangue, o elemento vital da maioria das formas de vida animal, é bombeado pelo
coração através de uma rede extremamente complexa de artérias e veias.
A circulação sanguínea tem dois propósitos principais: levar oxigênio e nutrientes aos
músculos e tecidos do corpo inteiro, e extrair o gás carbônico e outras matérias residuais
para livrar o corpo de qualquer substância tóxica que ele acumule.
Uma das redes mais incríveis que existe, o sistema circulatório é ao mesmo tempo
intrincado e impressionante, e torna-se ainda mais admirável quando consideramos suas
implicações espirituais.
Ele contém literalmente centenas de milhões de células que transportam os combustíveis
do corpo - alimentos e minerais.
Estas células recebem a comida digerida do trato intestinal, levam-na ao fígado e em
seguida ao coração.
O coração manda o sangue aos pulmões, onde ele é oxigenado.
O sangue então retorna ao coração e é bombeado para o corpo inteiro, distribuindo
oxigênio e nutrientes pelo caminho.
Além de disseminar estes elementos essenciais à vida, a circulação sanguínea também
remove as impurezas encontradas no corpo.
É por esta razão que a sangria (flebotomia) era o principal meio de cura no passado.
Ela tinha o propósito de retirar o sangue “usado” e “cansado”, possibilitando a
eliminação de resíduos e gerando a produção de uma nova provisão de sangue.
No Talmud consta o seguinte: “Eu, o sangue, sou a principal causa de doenças”.
O Rashbam [Rav Shmuel ben Meir, neto do Rashil] explica (na palavra bereish): “Todas
as doenças são transportadas [pelo corpo] através do sangue.”
Alguns deduziram do ensinamento do Rashbam que, com a prática regular de sangrias,
as impurezas que se alojam na circulação sanguínea e prejudicam o organismo seriam
eliminadas.
A respeito das impurezas espirituais, o Rav Nachman ensinou : A sangria é benéfica para
combater a maioria das características negativas”.
Doar sangue duas ou três vezes por ano pode multiplicar os efeitos positivos da sangria,
pois faz bem à própria pessoa, como assinala o Rebe Nachman, e também aos
receptores, que necessitam desesperadamente da dádiva vivificante do sangue sadio.

O Batimento Rítmico
O coração é formado por quatro câmaras - duas aurículas e dois ventrículos.
A aurícula direita recebe o sangue que volta do fígado através das veias e o bombeia
para o ventrículo direito.
Apesar de já ter sido purgado de matéria residual, o sangue ainda porta gás carbônico.
Portanto, é mandado do ventrículo direito aos pulmões, para expelir esse gás carbônico
e reabastecer-se de oxigênio.
O sangue oxigenado corre então para a aurícula esquerda, e daí para o ventrículo
esquerdo, de onde é impulsionado para o resto do corpo.
O Rei Salomão escreve (Eclesiastes 10:2): “O coração do sábio se volta para a direita,
enquanto o do tolo se volta para a esquerda”.
Nas Escrituras e no Talmud, o “lado direito” representa o bem, e o “lado esquerdo”
representa a tolice ou o mal.

1
O Rei Salomão refere-se aqui a desejos.
O sábio usa o intelecto para buscar o caminho que lhe é apropriado na vida, enquanto o
tolo segue os caprichos da inclinação de seu coração.
Assim, o lado direito corresponde à boa inclinação, e o lado esquerdo à má inclinação.
Dos quatro componentes do coração, o ventrículo esquerdo é o que precisa trabalhar
mais para desempenhar sua função, porque tem de bombear sangue para o corpo
inteiro.
A desvantagem espiritual deste sistema é que ele está no lado esquerdo, o lado do
“tolo”.
Por conseguinte, todo o sangue bombeado para o organismo corre junto com os maus
desejos da pessoa.
Isto não significa que a má inclinação automaticamente obterá o domínio do corpo.
Indica apenas que é necessário manter os desejos sob controle.
Quanto maior for o controle exercido sobre as inclinações - quanto mais espiritualidade a
pessoa respirar - mais pura será a circulação sanguínea.
Por outro lado, quanto mais intenso for o anseio da pessoa pelo materialismo, mais forte
será a influência da má inclinação sobre seu “suprimento de sangue”.
O Rav Nachman ensinou o seguinte: O pulso bate ritmicamente.
As vezes o batimento do pulso leva a pessoa a servir a Deus; outras vezes, ele a afasta.
Tudo depende do ar, ou espírito, que entra no corpo.
Como o sangue recebe oxigénio dos pulmões e o transporta para todo o corpo, a
inspiração de ar poluído faz o pulso bater num ritmo que tende para o materialismo. +
A inalação de ar puro - isto é, a busca de espiritualidade - fornece à circulação sanguínea
ar límpido para ser usado no serviço a Deus.

Sangue “Quente”
A cor vermelha do sangue simboliza o sofrimento, a ira e a matança.
Quando uma pessoa se corta e sangra, ela sente dor e sofre.
Quando ela é humilhada, seu rosto pode tornar-se “rubro”.
Caso se sinta furiosa e muito irritada, ela poderá ficar “vermelha de raiva”.
Estas reações representam o conceito de Guevurá (literalmente, “força”, “julgamento”).
Quando é julgado por má conduta, o indivíduo pode sofrer humilhação.
Se um infortúnio o acometer, ele talvez fique com raiva.
Neste sentido, cada um possui seu próprio sistema interno de justiça, que,
infalivelmente, lhe infligirá o sofrimento cabível, o Rav Nachman explica como esse
sistema funciona: “A “má inclinação” de um justo é angelical por natureza. Porém, na
maioria das pessoas, a “má inclinação” é na verdade seu próprio sangue poluído. Ele as
leva a agir de forma tola e a pecar”.

Conforme indicamos, o sofrimento pressupõe uma disfunção espiritual - é como se a


circulação sanguínea, poluída pela má inclinação, estivesse exigindo justiça a fim de
tornar-se pura novamente.
Assim, quando o indivíduo vê que está sofrendo e as coisas não estão acontecendo da
maneira que ele gostaria, ele deve entender que isto se deve à má inclinação, que se
manifesta através de seu sangue poluído, porque a má inclinação está “viajando junto”
com o sangue. O Rav Nachman ensina, portanto, que o sujeito pode mitigar os
julgamentos e o sofrimento subjugando seus desejos.
Assim fazendo, ele domina a má inclinação, seu “sistema circulatório defeituoso”, se
purifica.

Mencionamos antes a paciência demonstrada pelo corpo humano durante a


decomposição do alimento em seus nutrientes constitutivos.
Observamos ainda que a paciência é fundamental para o desenvolvimento espiritual.
Levando esta idéia um passo adiante, podemos compreender a grande importância da
paciência quando a pessoa está passando por um julgamento - quando está sofrendo,
por exemplo, ou tem de lidar com outras situações desagradáveis.

2
O exercício da paciência é em si mesmo um fator essencial para a mitigação dos
julgamentos e a purificação da circulação sanguínea.

Evidentemente, isso não significa que, se a circulação sanguínea for purificada, a cor do
sangue mudará.
O vermelho sempre significa julgamentos, e o sangue sempre será vermelho.
No entanto, há julgamentos que podem ser benéficos - quando são usados para
promover o exercício da prudência e do comedimento (por exemplo, a direção defensiva
ou a pacificação de uma situação explosiva).
Do ponto de vista espiritual, Guevurá representa o atributo do temor e reverência a
Deus e, portanto. tem um lado muito positivo.
O sangue é sinônimo da má inclinação, que causa julgamentos e sofrimento.
Quanto maior for o controle que o indivíduo exerce sobre a má inclinação, mais controle
ele terá da dor, frustração e humilhação que talvez tenha de suportar, e mais preparado
ele estará para lidar com o sofrimento.
Isto ocorre porque, num certo sentido, ele obtém um grau de “controle” sobre os
próprios julgamentos.

Considerando-se que a circulação sanguínea funciona como um sistema interno de


justiça da pessoa, podemos compreender como ela pode tornar-se o veículo de sua ruína
- tanto física como espiritual.
As pessoas envolvem-se em problemas por causa de seu “sangue quente” - a pressa, a
impulsividade e a ira.
Devido a sua própria forma de agir, elas impõem julgamento a si mesmas e determinam
que haja conseqüências para seus atos.

O Rav Nachman ensinou: Um sistema circulatório que está poluído pelo pecado cria
dificuldades para o ganho do sustento.
Quem rouba gera sangue pútrido dentro de si mesmo; e o mesmo se aplica a quem é
desonesto nos negócios, porque a palavra hebraica “damim” se traduz tanto como
“sangue”, quanto como “dinheiro”.
Os dois estão inter-relacionados da seguinte maneira:
Um sistema circulatório puro impede o roubo.
O roubo, por outro lado, polui o sangue e cria um círculo vicioso, fazendo surgir um
desejo cada vez mais forte de roubar, que tem um potencial intrínseco para sujar ainda
mais o sangue, que então exigirá um esforço extraordinário para ser purificado.
Além disso, como assinala o Rav Natan, “ilusão” em hebraico é “medamê”, que tem a
mesma raiz de “dam”, “sangue” . Idéias ilusórias provêm de um sistema circulatório
impuro - do mesmo sangue que carrega todos os desejos e a luxúria do sujeito.
Aprendemos também que “a avidez pelo prazer sensual se origina do sangue poluído da
pessoa”.
O próprio homem, portanto, é a fonte de sua ilusão e a principal causa de seus erros.

Vitória ou Verdade
O Rebe Nachman ensinou:
Aqueles que possuem a característica negativa de sempre querer sobrepujar os outros
não são capazes de aceitar a verdade.
Quando as pessoas querem estar sempre certas, mesmo se a verdade estiver clara
diante de seus olhos, elas a distorcerão para manter sua suposta superioridade, isto se
aplica em todas as áreas da vida.

O Mestre ensina que esta característica negativa é semelhante à rivalidade.


Ele explica que a fonte do desejo de ser vitorioso e do anseio de controlar os outros é o
próprio sangue do indivíduo.
Como diz um versículo (Isaias 63:3): “Veiez nitscham - Seu sangue salpicou”.
A raiz da palavra hebraica “nitscham”, “seu sangue” , é “nétsach”, que também se
traduz como “vitória”.

3
Logo, o desejo de ser vitorioso é inerente ao sangue.
Porém, quem serve a Deus com todo o seu ser consegue purificar seu sangue dos maus
desejos. Desta maneira, ele pode suprimir dentro de si o atributo da rivalidade e o
desejo de dominar os outros, e assim estabelecer a paz.

O Rav Nachman ensinou:


“Ninguém pode dizer a verdade absoluta sem ter antes limpado sua circulação sanguinea
das impurezas, que são indícios de falsidade. Reciprocamente, ninguém diz falsidades
sem ter antes poluído sua circulação sanguínea”.
“A falsidade é prejudicial à visão.” A vista fraca apresenta imagens falsas - objetos
grandes podem ser percebidos como pequenos, outros podem ser vistos em duplicidade.
Tais fenômenos são distorções - ou melhor, inverdades.

O Rebe prossegue afirmando que olhos lacrimosos turvam a visão.


As lágrimas são fluidos corporais excedentes secretados através dos canais lacrimais
(que fazem parte do sistema de purificação do corpo).
Além disso, o Rav explica, com base nos versículos Nafshi “[minha alma] partiu quando
ele falou” (Cântico dos Cânticos 5:6) e “O sangue é a néfesh [alma]” (Deuteronômio
12:23), que a fala, a alma e o sangue estão interconectados.
Se sujar sua fala - por exemplo, proferindo falsidades - a pessoa sujará também sua
circulação sanguínea e, por extensão, sua própria alma.
A verdade é uma; a falsidade é múltipla.
Só pode haver uma única verdade.
Ainda que a falsidade possa ser apresentada de muitas maneiras - literalmente, em
milhares de idéias, máximas e assim por diante - ela não é a verdade.
Falsidade é, portanto, sinônimo de excesso.
Por conseguinte, ela causa um excesso de fluidos e provoca lágrimas, que turvam e
distorcem a visão.

O Rebe Nachman ensina que a recíproca também é verdadeira - dizer verdade purifica o
sangue.
Do mesmo modo, para atingir o nível da verdade absoluta e ficar livre da falsidade, sem
ilusões a respeito da vida, o individuo precisa purificar seu organismo inteiro.
Este é o nível alcançado pelo tsadic.
Porém, qualquer pessoa, dependendo da intensidade com que ela lute pela verdade, é
capaz de purificar seu sistema circulatório.
Além disso, o choro e as lágrimas podem servir de veículos tanto para a purificação
como para a poluição da circulação sanguínea.
Chorar para obter objetos supérfluos produz sangue pútrido e lágrimas desnecessárias -
excesso e desperdício.
Mas chorar e rezar para eliminar objetos e anseios impróprios ajuda a purificar a
circulação sanguínea de excessos indesejados.

A Via Principal para o Arrependimento


O Rav Nachman ensina que há maneiras de purificar toda a circulação sanguínea de uma
vez.
A causa do pecado é a má inclinação que reside no coração, fazendo sangue pútrido fluir
pelo corpo inteiro.
Um modo de purificar o sangue é permanecer quieto quando se é insultado e suportar o
constrangimento.
Ficando em silêncio, a pessoa controla o desejo de revidar o insulto e contém a ira, uma
manifestação da má inclinação. Isso fica evidente na reação que é sentida pelo individuo
que é ofendido: humilhado, ele cora, e seu rosto fica rubro de vergonha.
Em seguida ele empalidece, como se seu sangue se tivesse exaurido.
O sangue simboliza os pecados, e a reação de ficar “branco” representa a limpeza desses
pecados que saturavam a circulação sanguínea.

4
Embora o sangue ainda esteja correndo pelo corpo, o autodomínio e a renúncia à réplica
constituem um arrependimento verdadeiro, pois são atos poderosos de controle da má
inclinação.
É claro que esse método de arrependimento tem suas desvantagens.
Em primeiro lugar, é extremamente difícil suportar o constrangimento.
Além disso, ainda que a vergonha possa ser causada pela própria pessoa (por exemplo,
quando ela comete um erro em público), muitas vezes ela é provocada pelos outros - e
sabemos que é proibido vexar alguém.
O Talmud compara a ação de humilhar ao assassinato e afirma: “Quem envergonha uma
pessoa em público desce ao Guehinom (inferno) e nunca mais sobe!”

O Rav Natan trata desta questão e explica que, apesar disso, o constrangimento pode
ser causado pelos outros, porque cada um escolhe agir da maneira que julga apropriada.
Embora não deva buscá-lo, a pessoa que é humilhada deve ter em mente os benefícios
espirituais que resultam do sofrimento que ela experimenta.
Porém, o constrangimento não precisa vir de uma fonte externa.
Com frequência, as pessoas admitem para si mesmas que agiram de forma tola e se
sentem envergonhadas - mesmo quando estão sozinhas.
Sentir-se humilhado pelos próprios erros e pecados é passar vexame diante de Deus.
Apesar de este tipo de constrangimento não exigir necessariamente que o indivíduo
controle a raiva, o reconhecimento do pecado também consiste numa forma de controle
- a decisão de subjugar os próprios desejos e não pecar mais, evitando assim novas
situações embaraçosas. Portanto, quem de fato quer arrepender-se sentirá vergonha de
seus pecados.

Depois de expor a lição sobre a atitude de suportar a humilhação como o melhor


caminho para o arrependimento, o Rav Nachman perguntou ao Reb Natan:
“Você cora de vergonha diante de Deus?”.

Certa vez, quando falava de sua juventude, o Rav Nachman disse: “Eu costumava ser
tão tímido diante de Deus que podia sentir, literalmente, a vergonha em meu rosto.
Muitas vezes, eu me colocava diante de Deus e me sentia constrangido, como se tivesse
sido humilhado na frente de um amigo. Havia ocasiões em que eu de fato enrubescia de
tanta vergonha”.

Além disso, o Rav Natan explica que toda pessoa deve suportar pelo menos algum
sofrimento antes de alcançar a espiritualidade. Ele pode ser a luta pessoal contra a má
inclinação, ou assumir a forma de antagonismo familiar, dificuldades financeiras ou
outros problemas particulares.
Esse sofrimento também é um tipo de constrangimento, e o indivíduo tem de ser
paciente e esperar até que as portas da espiritualidade se abram e ele encontre alivio.
Assim, todo sofrimento, se aceito com paciência, é uma maneira de permanecer em
silêncio diante da “humilhação” e pode produzir um arrependimento completo e
verdadeiro.

“Eu Serei”
O Rav Nachman elabora ainda mais essa idéia: “Como se vê em toda a Torá, Deus é
conhecido por vários Nomes. Um deles é Ehiê, cujo sentido literal é “Eu serei”. Isto não
significa que Deus mude de alguma maneira, nem que Ele tenha de vir a “ser”, Deus nos
livre. Deus é eterno e imutável. Antes, o conceito implícito no Nome Ehiê é Eu serei
revelado em medida cada vez maior”.


As quatro letras de Ehiê ( ), Alef=1, Hê=5, Yud=10 e H=5, totalizam 21.
Porém, se adicionadas com retrocesso (isto é, voltando-se cada vez à primeira letra até
que a palavra esteja completa) -    
+ + + , (1+6+16+21) - elas somam
44. Este é o mesmo valor em numérico de “dam”, “sangue”.

5
O Ari explica que este método de cálculo é usado quando há uma ocultação da
santidade.
Em contraposição a “panim” (face a face), ele é chamado de “achoraim” (parte de trás),
o que indica um encobrimento da santidade. Portanto, o Próprio Deus está oculto na
circulação sanguínea.
Por que Ele está escondido aí?
Como vimos, a circulação sanguínea está impregnada da má inclinação. Ainda assim,
mesmo num ambiente tão materialista, o Próprio Deus sempre está presente e espera,
com infinita paciência, que nos voltemos para Ele. No exato momento em que
reconhecemos nossos pecados, podemos imediatamente encontrar Deus!

O pecado rebaixa a pessoa ao nível da “não-existência”.


Nossos Sábios fizeram alusão a essa condição quando afirmaram: “Teria sido melhor que
o homem não tivesse sido criado.”
O arrependimento, por outro lado, equivale a um renascimento.
Ele liga a pessoa a Deus, como revelado no sagrado Nome Ehiê (Eu serei).
Suportando as dificuldades, o sofrimento ou a vergonha, o indivíduo atrai para si a
espiritualidade do Ehiê que está oculto em sua corrente sanguínea.
O processo se repete muitas vezes enquanto ele busca atingir níveis sempre mais
elevados.
O Rav Nachman assinala que esta idéia também é sugerida pela vogal utilizada para
definir a pronúncia da palavra “dam”.
As letras que compõem o alfabeto hebraico são consoantes, e as vogais são uma série
de pontos e traços.
A vogal de “dam” é o “camats” (que tem o som de “a”).
A palavra “camats” significa “fechado ou escondido”, porque estão ocultos na circulação
sanguínea tanto uma presença sagrada (Ehiê) como a má inclinação (as características
negativas). Deduz-se da palavra “dam” que a pessoa deve suportar o sofrimento em
silêncio - mantendo sob controle as características negativas como a ira, inveja,
impaciência e assim por diante - a fim de dominar sua má inclinação e assim revelar a
santidade.
Permanecendo calada, ela transforma “dam” em “dom” (“silêncio”), substituindo o
“camats” pelo “cholam” (vogal que tem o som de “o”), um ponto que é colocado acima
das consoantes.
O sangue corrente que antes fora usado para pecar torna-se silêncio, por amor a Deus,
liberando a Divindade oculta em seu interior, que leva ao verdadeiro arrependimento.
Isto corresponde à sefirá de Kéter (Coroa). Portanto, o “cholam” fica acima da letra
“dalet”, como a coroa fica sobre a cabeça.
Keter em si mesmo, está além da compreensão.
No entanto, todos podem encontrar algum aspecto de cada uma das dez sefirot em seu
próprio nível espiritual. Assim, cada pessoa tem um determinado “nível elevado de
Kéter” ao qual pode aspirar.
Após alcançá-lo, ela poderá ascender ao grau seguinte de espiritualidade.

Um Circuito de Alegria
Inspire profundamente. Retenha o ar. Agora expire. Assim você limpa seu sangue.

O Rav Nachman ensinou:


O sangue flui pelo corpo, junto com o oxigênio, purificando-o da matéria residual.
Mas a tristeza pode afetar de forma adversa este fluxo.
A tristeza se expressa pela respirarão superficial, que é comum em pessoas
melancólicas.
Ela pode provocar uma pulsação inadequada, fazendo a pessoa sentir se indolente.
O suspiro profundo de arrependimento, causado pelo desejo intenso de retornar ao
serviço de Deus, é uma cura para os efeitos da tristeza. Respirar ar puro introduz
oxigénio no organismo e o livra das impurezas produzidas pela tristeza.

6
O sangue deve poder fluir pelas veias sem impedimentos.
Quando há uma infecção em alguma parte do organismo, ela faz uma grande quantidade
de sangue acorrer ao local, interrompendo o fluxo sanguíneo normal. [Os vasos
sanguíneos se dilatam na área infectada, possibilitando um aumento do fluxo de
sangue]. As “shalosh regalim“[três festas] nos ajudam a recuperar a pulsação normal.
Por este motivo, “festa” diz-se „chag”, uma raiz que também se traduz como “círculo”,
fazendo alusão ao circuito do fluxo sanguíneo pelo corpo.
O Rebe Nachman explica que a comemoração de cada festa, em virtude da razão da
celebração, revela uma quantidade significativa de Divindade no mundo.
Pêssach nos permite reviver o Êxodo, com o milagre das dez pragas e a travessia do Mar
Vermelho.
Shavuót rememora o milagre da revelação, um evento admirável por Deus ter descido
sobre o Monte Sinai e Se revelado aos Hebreus enquanto lhes dava a Torá.
Sucót recorda o milagre das nuvens de glória que protegiam os Hebreus durante sua
permanência no deserto. Assim, a comemoração de cada festa proclama a presença de
Deus e nos possibilita experimentar as forças da espiritualidade que transcendem o
físico.
A respeito das festas, está escrito (Deuteronômio 16:14): “E te alegrarás no teu “chag”
[festa].” A alegria, portanto, é benéfica para o “chag”, que representa o circuito do
sangue.
Além disso, como as festas são chamadas de “regalim” (literalmente, “pés”), ficar alegre
nessas datas é especialmente benéfico para a circulação do sangue até os pés.
Ademais, como os pés representam as extremidades inferiores, os lugares mais
distantes de Deus, a alegria é uma das melhores maneiras de levar sangue e energia
vivificantes àqueles que estão afastados de Deus, enchendo-os de força e vitalidade para
que se aproximem Dele como nunca antes.

Recicle-se e Retorne
Por transportar vida pelo corpo inteiro, o sangue é, em certo sentido, a própria vida.
Além disso, devemos lembrar que uma determinada gota de sangue não percorre
exatamente o mesmo caminho a cada vez que circula pelo corpo.
Uma vez ela irá à cabeça, na volta seguinte, ao braço direito, e assim por diante.
O Rav Natan extrai uma lição importante deste fato: Visto que a vida flui por todas as
partes do nosso ser, podemos conectar-nos a qualquer elemento específico da Cabalá
como um pensamento da Torá, uma boa ação ou uma palavra gentil, e a partir daí
começar de novo.
No fim, essa vitalidade renovada atingirá todas as partes do nosso ser, e nossa relação
com Deus será intensificada em todos os aspectos.
Desenvolvendo essa idéia, o Rav Natan explica que a Torá menciona a palavra “admoni”
(o vermelho) em referência a duas pessoas: o Rei David e Esaú (1 Samuel 16:12;
Gênesis 25:25).
Os dois representam Guevura (força e julgamento), sendo um proveniente do lado da
santidade e o outro, do outro lado.
Uma das principais manifestações de Guevura, que pode ser usada para o bem ou para o
mal, é a audácia ou ousadia.
Se uma pessoa sente que está distante de Deus e tem vergonha de aproximar-se, ela
deve ser audaciosa e, a despeito de seus atos passados que causaram o afastamento,
acercar-se Dele continuamente, até começar a experimentar algum grau de
espiritualidade. Esta idéia é sugerida pelo fluxo contínuo de sangue pelo corpo e
representa a ousadia sagrada, a qualidade que o Rei David personificava travando
batalhas para revelar o reino de Deus.
Em contraposição, a principal fonte de audácia e ousadia impróprias se encontra no
“sangue quente”, o aspecto de “Esaú”, que existe dentro de cada pessoa e vem à tona
quando se buscam prazeres materiais.
Esta característica é importante e pode ser controlada e dirigida à santidade por meio do
exercício da paciência.
As “Kavanot” (meditações) da festa de Chanucá fazem alusão a tudo isso.

7
A opressão marcou esse período muito sombrio de nossa história, no qual os gregos não
poupavam meios nem ocasiões para intimidar os judeus e submetê-los a sua cultura
ateísta.
Foi necessária uma extrema ousadia da parte dos macabeus para travar guerra contra
forças tão superiores, em nome da honra de Deus.
Assim, o Ari escreve que a luz de Chanucá é extraída do Nome Sagrado “Nachal”,
acrônimo de “Nafshenu chictá Laadonai... - Nossa alma espera pelo Eterno; Ele é o
nosso amparo e nosso escudo” (Salmos 33:20).
O valor numérico da palavra hebraica “Nachal” é 88.
Somando-se 1 a este número para representar a palavra em si, obtém-se 89, o mesmo
valor numérico de Chanucá.
Os judeus foram severamente intimidados e oprimidos; no entanto, aguardaram
pacientemente a salvação, sem jamais perder a esperança de que Deus os ajudaria.
Quando surgiu a oportunidade, eles a aproveitaram e derrotaram as forças da heresia.
Além disso, verificamos que as palavras “dam adam” ( “sangue do homem”) têm a
mesma guematria (valor numérico) de Chanucá. e Nachal = 89, o que mostra mais uma
vez que o indivíduo precisa ter muita paciência em sua busca espiritual, sem deixar que
se enfraqueça o desejo de servir a Deus.
O sangue flui continuamente pelo corpo, e é aconselhável que a pessoa tire proveito
desse elemento vital, procurando, ansiando e esperando com paciência pelo momento
em que possa começar sua elevação espiritual.
Como o sangue, que não percorre sempre o mesmo trajeto e constantemente busca uma
nova direção dentro do corpo, nós podemos seguir um movimento constante de busca
da ocasião apropriada para estreitar nossa relação com Deus.

Álcool e a Arvore do Conhecimento


A árvore do conhecimento da qual Adão comeu era uma videira

O vinho tem dois poderes potenciais, um bom e outro mau.


Ele provém de uma fonte muito elevada, como está evidente na palavra hebraica que
designa “vinho”, “iáin”, cujo valor numérico é 70.
O vinho corresponde, portanto, às “70 facetas” da Torá e aos “70 anciãos” ”anciãos”
indica sabedoria.
Tomar vinho com pureza e alegria sagrada pode ajudar a pessoa a ascender a níveis
realmente muito elevados. isto é possível com a ingestão do vinho sacramental do
kidush no Shabat e nas festas, em Purim ou na celebração de uma mitsva.

Porém, o poder negativo inerente ao vinho e às bebidas alcoólicas também é enorme.


Ele pode despertar a luxúria, especialmente os desejos imorais.
Como afirma o seguinte versículo (Provérbios 23:31): „Não mires o vinho quando
rebrilha sua cor vermelha.”
Nossos Sábios comentam: “Pois o seu fim traz o vermelho [isto é, sangue, julgamentos
e sofrimento].”
O consumo excessivo de álcool atordoa a mente, pois ele entra na circulação sanguínea.
A pessoa pode sentir-se alegre quando está bêbada, mas isso só acontece porque o
álcool “esquenta” o sangue, incitando á imoralidade, á discórdia e a muitos outros
males.
Assim, quem bebe álcool em demasia não só se torna suscetível a doenças físicas como
também danifica a natureza espiritual de seu sangue. Inversamente, quem é cauteloso
na ingestão de vinho terá o mérito de beber um vinho antiquíssimo, que lhe trará
verdadeira alegria - O vinho preservado das uvas dos seis dias da criação (isto é, provar
da árvore da vida que foi preparada para o homem no Jardim do Éden).

Exame de Sangue
A depuração do sangue e a manutenção de uma circulação sanguínea pura requerem
muito esforço, tanto físico como espiritual.

8
Os médicos quase sempre pedem exames de sangue para detectar desequilíbrios no
organismo.
O “exame de sangue” é ainda mais necessário para a nossa saúde espiritual.
Considerando-se a complexidade da circulação sanguínea, uma breve revisão das idéias
apresentadas acima nos permitirá testar o estado espiritual de nosso sangue e retificar
qualquer impureza.
O sangue representa julgamento.
É preciso ter muita paciência para suportar o sofrimento (na forma de julgamento,
humilhação, etc.).
O sangue também representa o arrependimento e a sefirá de Kéter, o nível de Ehiê.
Quando permanecemos em silêncio diante do constrangimento e do antagonismo,
purificamos nosso sangue e realizamos nosso potencial mais elevado.
A alegria é benéfica para um fluxo de sangue normal, pois nos possibilita sentir um
espírito de renovação.

Continua

9
Anatomia da Alma – Parte 10

Alimentação: O Exílio no Egito

Vimos como o sangue transporta nutrientes para todo o organismo.


Examinaremos agora como os nutrientes chegam à circulação sanguínea através
dos alimentos.
Trataremos agora as partes do corpo relacionadas à alimentação - a boca, o
pescoço e os vários órgãos nele contidos, o estômago e os órgãos que lhe são
associados.

O pescoço, no qual se localiza a garganta, é uma parte muito estreita do corpo.


Assim, em hebraico, a garganta é denominada “metsar hagaron”, que literalmente
significa “o estreito do pescoço”.
Nesta passagem estreita se localizam três órgãos ou vasos vitais: a traquéia,
situada do lado direito da garganta, conduz o ar; o esôfago, situado à esquerda da
traquéia e parcialmente atrás dela, perto da nuca, transporta a comida; e as veias
jugulares e artérias carótidas, que conduzem sangue.

O Rav Nachman ensina que as histórias relatadas na Bíblia transmitem mensagens


para a vida contemporânea, e ilustra esta idéia com a terra do Egito, Mitsraim, que
corresponde ao “metsar hagaron”. A história dos hebreus como nação começa com
sua descida ao exílio no Egito, em consequência da venda de José como escravo.

A palavra “faraó”, que designa o soberano do Egito, representante das forças do


mal, tem a mesma raiz de “oref”, a nuca ou região posterior do pescoço, que faz
alusão ao esôfago, isto é, à alimentação. Para iludir os hebreus, o faraó precisava
da ajuda de seus três oficiais: o chefe dos açougueiros, o chefe dos padeiros e o
chefe dos copeiros (Gênesis 37:36, 40:2).
Eles correspondem aos tipos básicos de nutrientes que introduzimos em nosso
organismo: carne (animal), pão (vegetal) e vinho (líquido).
Assim, para dominar os hebreus, o faraó os manipulou por meio de sua
necessidade mais básica - a necessidade de comer.
Apesar de ter sido vendido como escravo ao Egito (o metsar hagaron), José, que
tinha inclinação espiritual, perseverou na busca da Divindade.
Na narrativa bíblica, vemos que ele enfrentou os três oficiais do faraó sob condições
adversas. José manteve-se firme e, por seus próprios méritos, tornou-se
governante de seus supostos senhores. Isto nos ensina que quem permanece
inabalável em seus esforços espirituais pode elevar-se acima das circunstâncias de
seu ambiente e tornar-se senhor de seu próprio destino.
Porém, os descendentes de José e de seus familiares - os hebreus - sucumbiram ao
faraó e seus oficiais.
Eles ficaram amigos dos vizinhos egípcios, comeram de seu pão (isto é, ficaram
presos na armadilha da estreiteza do pescoço - o metsar hagaron) e por fim se
tornaram seus escravos.
Evidentemente, o caminho para o mal - a escravidão espiritual - tem origem na
alimentação inadequada.

Além disso, aprendemos que a região do pescoço e da garganta, “garon‟,


corresponde ao Nome Sagrado “Elohim”. Isto pode ser inferido da seguinte
maneira:
Elohim, cujo valor numérico é 86, pode ser expandido de três formas (pois a letra
“hê” pode ser escrita por extenso com alef, hê ou Yud no final).
O triplo do valor numérico de Elohim ( ) é 258. Somando 1, para representar
a palavra em si, obtemos 259, o valor de “garon” ( ).

1
Este Nome Sagrado de Deus tem conotação de julgamentos e restrições, assim
como “garon”, por extensão. Portanto, ser apanhado em armadilha no garon ou
pelo garon - o exílio no Egito ou hábitos alimentares inadequados - indica uma
ocultação da Divindade e a servidão a um modo de vida materialista.

Comer é uma necessidade humana básica, a principal ação que une corpo e alma.
O Rav Nachman ensina que se a pessoa, ao alimentar-se, tiver como finalidade o
crescimento espiritual, ela pode ascender aos níveis mais elevados. Inversamente,
a obsessão constante por comida ou a submissão à glutonaria podem elevar à
estagnação espiritual. A respeito disto, Nachman ensinou:
“O ventre do iníquo sempre se sente vazio‟ (Provérbios 1 3:2 5). Isto se refere
àqueles que nunca estão satisfeitos e sempre desejam mais.”

O estômago, após receber a comida triturada, armazena-a enquanto ela é reduzida


a uma pasta. Esta pasta é então enviada ao intestino, onde continua sendo
quebrada em partículas menores antes de passar aos órgãos digestivos.
Este é o percurso do alimento no desempenho de sua função através do sistema de
purificação do corpo. Considerando- se que um estômago cheio leva algumas horas
para esvaziar-se, é de fato “o ventre do iníquo [que] sempre se sente vazio”,
porque aqueles que constantemente desejam comida nunca se sentem satisfeitos e
sempre têm vontade de comer mais, mesmo quando há alimento em seu
estômago.

O Rav Nachman também ensina:


“A paz e a prosperidade andam juntas, enquanto a fome é presságio de discórdia e
guerra. Portanto, o desejo intenso de comida é sinal de que a pessoa tem inimigos.
Dominando o anseio por comida, ela pode obter a paz com seus inimigos”.

À parte os inimigos humanos - aqueles que têm inveja ou ódio dos outros - os
“inimigos” aos quais o Rav Nachman se refere são na realidade os órgãos internos
da própria pessoa, que podem subjugá-la e escravizá-la.
Eles se aproveitam de seus desejos, sempre buscando prazeres materiais, jamais
se sentindo satisfeitos.
Estes “inimigos” tentam constantemente sujeitar a pessoa à luxúria, de forma cada
vez mais inextricável.

A Boca, os Dentes e o Estômago


É pela boca que toda a comida entra no corpo.
Trituramos o alimento com os dentes e depois o mandamos ao estômago, através
do esôfago.
O estômago atua como uma área de armazenagem, onde os ácidos gástricos e as
enzimas dissolvem o alimento para que ele possa ser digerido.

O versículo “Mi sam pê leadam? - Quem deu a boca ao homem?” (Êxodo 4:11)
também pode ser traduzido como “Quem colocou o homem? Sua boca!”.
Ou seja, o que habilita uma pessoa a portar o título de ser humano?
A boca.
Se o indivíduo come por gula, por sua boca ele é classificado como animal.
Porém, quando ele come com a intenção de nutrir o corpo para poder desenvolver-
se espiritualmente assim como fisicamente, sua boca pode conduzi-lo ao
elevadíssimo nível espiritual do homem, pois tal forma de comer enche o corpo
todo de reverência a Deus!
A boca funciona, portanto, como um órgão crucial na determinação da maneira pela
qual podemos tornar-nos “humanos” no sentido mais pleno da palavra.
Em seus ensinamentos Nachman expressa de várias formas a máxima de que o
homem honrado pode ser identificado pelo seu modo de usar a boca.

2
Embora se possa mostrar deferência com diversos órgãos, é a maneira de falar com
e sobre os outros que, mais claramente, indica respeito.
No entanto, a honradez não se limita ao jeito de falar. Nachman ensina que “a
glutonaria leva a pessoa a perder honra e estima”.
Vemos assim que é a boca, nos dois papéis que desempenha, como porta-voz e
consumidora, que define o nível do indivíduo.

O Baal Shem Tov e seus discípulos encontravam-se certa vez numa hospedaria.
Um freguês começou a tomar sua refeição, e o Baal Shem Tov disse a seus
discípulos que observassem atentamente.
Eles notaram que o rosto do sujeito tinha um certo ar bovino. O Baal Shem Tov
afirmou que isto se devia ao fato de ele ter a atitude de um boi sempre que comia.
Esta idéia é reforçada quando consideramos os dentes.
Os adultos têm 32 dentes, que ajudam tanto na trituração dos alimentos como na
pronunciação das palavras.
A palavra hebraica “cavod”, que significa “honra”, tem valor numérico de 32,
correspondendo aos 32 dentes. Portanto, vemos nos dentes mais um indicador de
que é a boca que define a honra - tanto para os outros como para a própria pessoa.

Há duas maneiras de comer como um animal.


Alguns ingerem alimentos de seres humanos, mas com o apetite de um animal.
Outros comem como seres humanos, mas alimentos que não são próprios para o
consumo humano. Pois há centelhas de santidade nos alimentos que comemos, e
se estas centelhas não forem retificadas adequadamente, tanto pela observância
das mitsvót relacionadas à comida como pelo ato de alimentar-se com todas as
atitudes corretas, tal comida só será apropriada para um animal, não para seres
humanos.
Comer “como um animal” de qualquer uma dessas duas maneiras pode provocar
doenças.
Um versículo afirma (Salmos 66:12): “Fizeste homens montar em nossa cabeça;
passamos por fogo e água “.
Quando come como um animal, a pessoa desce ao nível do animal.
Neste ponto, “homens montam em nossa cabeça”, pois descemos aos níveis mais
baixos. Então, “passamos por fogo e água”, que fazem referência a febres e
resfriados (isto é, doenças).
Isto é verdadeiro tanto no plano físico como no espiritual.
Água e fogo correspondem a amor e temor.
Quem possui conhecimento genuíno também possui amor e temor a Deus.
No entanto, a pessoa que desce a um nível animalesco é privada de seu
conhecimento; ela se submete a um amor e temor inapropriados: dominadas por
forças materialistas, suas emoções passam a concentrar-se no mundano e não na
essência espiritual.

“O Estômago Dorme”
Nossos Sábios ensinam que “o estômago dorme”.
Os comentários salientam que o esforço exigido pelo estômago para a digestão dos
alimentos “esgota” a pessoa e provoca sono.
Nachman apresenta uma idéia semelhante e a desenvolve em vários discursos.

A vitalidade essencial da pessoa encontra-se em seu intelecto.


Alguém que não esteja usando todo o potencial de seu intelecto é considerado
adormecido. Muitas pessoas que parecem estar vivas na verdade desperdiçam a
vida dormindo; elas não usam o intelecto em sua capacidade máxima.
Este “sono” pode ser causado por uma maneira inadequada de alimentar-se ou pela
ingestão de comidas impróprias.
A alimentação pode gerar confusão.

3
Logo depois de comer, o indivíduo frequentemente se sente confuso, porque as
forças das klipot [o outro lado] também se nutrem dos alimentos que ele ingere.
A mente se desenvolve com os nutrientes que recebe.
Quando a pessoa come sem necessidade, a comida supérflua danifica seu
discernimento.
Se o corpo estiver livre de excessos, o indivíduo será capaz de ter uma
compreensão clara de como deve conduzir sua vida.

O funcionamento da mente depende do que comemos: os nutrientes que ingerimos


são absorvidos pelo sangue e transportados para os pulmões através do ventrículo
direito do coração (circulação pulmonar).
O sangue oxigenado retorna dos pulmões para o ventrículo esquerdo do coração.
De lá ele é bombeado para a aorta, atravessando o arco aórtico, as artérias
carótidas e outros ramos arteriais, até chegar ao cérebro.
Assim, a mente é fortemente afetada pelos alimentos que ingerimos.

O Rav Nachman ensina ainda que mesmo os traços de personalidade de um


indivíduo dependem de sua dieta. Isto também se deve ao fato de a comida afetar
a mente por meio dos nutrientes, tanto físicos como espirituais, que lhe fornece.
Alimentos saudáveis ajudam a desenvolver a mente, enquanto alimentos nocivos à
saúde têm efeitos adversos.
Isso se aplica não só à distinção entre comida “casher” e “não casher”, mas
também entre alimentos nutritivos e fest food, assim como a comer com uma
postura adequada ou inadequada.

Comer demais pode provocar doenças.


Como tudo precisa de alguma fonte de sustento, até mesmo o alimento que
ingerimos deve receber nutrição de algum lugar.
Comer ativa o trato digestivo, que converte o alimento em nutrientes.
Para se manterem digeríveis, os próprios nutrientes devem ter uma fonte de vida,
que neste momento é o corpo. Quando a pessoa come quantidades razoáveis para
suprir ás necessidades do organismo, o alimento encontra sua “vida” dentro do
corpo.
Porém, quando se come mais do que é necessário, o alimento não encontra uma
fonte de sustento, porque ele não tem utilidade para o corpo.
Uma vez que, apesar disso, ele continua a buscar nutrição para manter-se vivo, ele
retira seu sustento do próprio corpo e pode causar um grande número de doenças.

A avidez por comida revela a distância entre o indivíduo e a verdade [isto é, a


Divindade].
Por causa desse desejo imoderado de comida, Deus, por assim dizer, esconde Sua
face dele, como consta (Deuteronômio 3 1:17): “Esconderei o Meu rosto, e ele será
devorado...”
Ou seja, sua ação de “devorar” Me faz esconder o Meu rosto.
É por esta razão que se costuma jejuar quando se é acometido por problemas.
O jejum, que representa uma quebra do desejo de comida, reverte o processo e
produz a revelação da Divindade.

Sonhos Doces
Além de seus ensinamentos a respeito dos efeitos da comida e do ato de alimentar-
se sobre a mente consciente, o Rav fala também de seus efeitos sobre o
subconsciente.
A comida transformada em nutrientes desempenha um papel fundamental no
funcionamento do subconsciente, como nos sonhos, por exemplo.
Quanto mais clara for a mente de uma pessoa, devido à nutrição e hábitos
alimentares corretos, mais claro será seu subconsciente, e mais capaz ela será de
ter o que o Talmud chama de “sonho angelical”.

4
Essa idéia é ilustrada pelo fato de a palavra hebraica para “comida”, “maachal”

( ) ter as mesmas letras de malach ( ) “anjo”.
Contudo, se a alimentação for inadequada, tanto a mente como o subconsciente
ficam sujeitos a distorções.
A pessoa terá sonhos “demoníacos”, que podem manifestar-se como emissões
noturnas, pesadelos e de outras formas semelhantes.
Assim, a alimentação inapropriada possibilita que o subconsciente incline a pessoa
a uma atitude materialista mesmo que seu desejo consciente seja encontrar Deus.

De fato, o Rav ensina em várias lições que padrões negativos de alimentação


resultam numa redução da consciência que, subsequentemente, impede que o
indivíduo cresça espiritualmente.
O Rav faz um paralelo com uma pessoa que está dormindo e sonhando.
No sonho, ela vive 70 anos.
Ao acordar, percebe que os 70 anos do sonho duraram apenas 15 minutos.
Analogamente, se a mente não for bem utilizada, toda a vida da pessoa pode
equivaler a apenas alguns minutos de valor verdadeiro - “tempo de qualidade”.
Por outro lado, se usar a mente em sua capacidade máxima, o indivíduo pode
realmente viver uma vida plena.
Uma alimentação adequada lhe permitirá realizar seu potencial e viver uma vida
plena - em vez de desperdiçar a vida “sonhando” .

Comer Como Mitsvá (“Mandamento ou Conexão”)


Começamos agora a perceber os efeitos debilitantes da glutonaria.
Ao invés de encher o estômago, a comida em excesso produz um vazio; a pessoa
pode sentir-se cheia, mas não satisfeita.
A gula cria “inimigos” e provoca doenças.
Sob o seu domínio, nunca se pode viver uma vida plena e vibrante.
Ela pode afetar a mente e traz desonra.
Também nos distancia da verdade, da espiritualidade, de Deus.
São inumeráveis os problemas - médicos, financeiros, espirituais e emocionais -
causados pela gula, a “avidez suprema”.

Do exposto acima, poder-se-ia concluir que é melhor tornar-se um asceta e


subsistir exclusivamente de pão e água.
Mas isso não é verdade.
Em princípio, o Rav era contrário ao excesso de jejuns, porque precisamos de força
para servir a Deus. É melhor dedicar as energias ao estudo da Torá e à oração e,
como nos diz o Rav, jejuar só quando exigido pela “halachá” (lei).
Além disso, o Rav Nachman enfatizava a importância e exaltava as virtudes da
comida no Shabat e nas festas. Nesses dias especiais, uma refeição simples não é
suficiente. Deve-se fazer todo o possível para preparar e desfrutar um banquete.
Está claro, portanto, que o ato de comer, em si, não é prejudicial; apenas os
motivos negativos que podem acompanhá-lo o são.
Além disso, alimentar-se por amor a uma mitsvá ou para ter força para servir a
Deus só pode levar a grandes alturas espirituais.

O Rav Ludel, um dos discípulos mais próximos do Rav Nachman, casou-se com uma
filha da família pobre. mas, devota do Rab Trastinetz. Diariamente, ele recebia uma
porção de “borscht” (sopa de beterraba) como refeição.
Após alguns dias, o Rav Ludel mostrou descontentamento com a comida parca e
sem gosto.
Seu sogro, o Rav Leib, percebeu e ofereceu-lhe um bocadinho de sua porção.
O Rav provou uma colherada e admirou-se com o incrível sabor, como se fosse
algum tipo de alimento celestial.
O Rav disse: “Veja, meu filho! Não é a comida; é quem a come!” (tradição oral).

5
Comer com Consciência
O Rav Nachman ensinou: Comer com a intenção de ganhar espiritualidade é a única
maneira de atingir certos graus de temor a Deus. Por meio da alimentação
apropriada, pode-se ascender a um nível além do intelecto, além de toda
compreensão [da Divindade] que já se tenha alcançado.
Para entender melhor esse ensinamento, imagine um rei que tem o poder de
destinar toda a riqueza da nação ao bem-estar de seu reino.
Todo ser humano é considerado um “rei”, e seu corpo, um “reino”. Quando come,
ele automaticamente reparte a “riqueza” que consome para assegurar o bem-estar
de seu “reino”.

Em termos cabalísticos, a riqueza de Deus desce através das sefirot superiores para
Malchut (Realeza / Reino, a sefirá mais baixa).
De Malchut ela é distribuída por todos os níveis inferiores da criação.
Portanto, Malchut deve receber das sefirot que estão “acima” dela, e estas, por sua
vez, receberão de níveis ainda mais altos.
Fornecer alimento para o próprio corpo com a consciência de que essa riqueza
provém de uma Fonte Superior possibilita que o indivíduo atinja um grau mais
elevado de percepção.
Com a percepção mais clara, pode- se alcançar um reconhecimento mais profundo
da existência de Deus, que resultará num grau extraordinário de reverência a Ele.
De fato, por meio de uma alimentação adequada pode-se ter o privilégio de
ascender a um nível de humildade absoluta e realmente sentir a presença de Deus.
O Rav Natan assinala que a dificuldade desse empreendimento é sugerida pela
expressão “partir o pão”.
O pão é o “sustento da vida” e como tal inclui todos os outros alimentos.
Isso é evidenciado pelo fato de a bênção recitada sobre o pão isentar a pessoa de
pronunciar as bênçãos exigidas pelos outros alimentos que constituem a parte
principal da refeição. A palavra hebraica para “pão”, “léchem” ( )l, está
etimologicamente relacionada com o vocábulo que designa “guerrear”, “lochem”

( ).
Comer pão ou, por extensão, qualquer outro alimento é mesmo uma batalha.
Para alcançar santidade por meio da comida, a pessoa tem de lutar para “partir”
suas atitudes em relação ao “pão”. Ou seja, é necessário ter em mente que se
come para obter benefícios espirituais, e não somente satisfação física.

No Shabat e nas festas, a batalha é menos intensa, e é mais fácil atingir esse
objetivo. Nos dias de semana, as pessoas se ocupam de seu trabalho e até são
consumidas por ele. Essa situação tende a reduzir seu alcance religioso e espiritual.
No Shabat, porém, o indivíduo descansa, desfruta o tempo e tem paz de espírito
para analisar sua vida e avaliar seus atos.
Com tranquilidade, é possível comer em paz e com a atitude certa.

O Talmud ensina que tudo que Shamai comia era em honra do Shabat.
Quando via um pedaço de carne de ótima qualidade no domingo ou na segunda-
feira, ele o comprava e guardava para o Shabat.
Se depois encontrasse uma peça mais apetitosa, ele comia a primeira e reservava a
melhor para o Shabat.
Shamai levava a espiritualidade do Shabat para suas refeições nos dias comuns,
mantendo sua mente concentrada no Shabat durante a semana inteira.
Todos podem fazer o mesmo.
Essa prática de trazer a santidade e espiritualidade do Shabat para os dias de
trabalho - por exemplo, transformando em hábito a avaliação do próprio progresso
espiritual - possibilita que a pessoa coma durante a semana não por gula, mas por
um desejo genuíno de crescimento espiritual.

6
Alimento Espiritual
Uma das histórias mais apreciadas do Rav Nachman é “O Inteligente e o Simplório”.
No início, apesar de seu grande esforço para aprender um ofício, o simplório não
passa de um sapateiro medíocre, que mal consegue ganhar seu sustento.
Mesmo assim, ele é extremamente feliz.
Graças a sua simplicidade e alegria, ele se torna o governante de seu distrito e por
fim galga à posição de primeiro-ministro do país.

O simplório aprendera o ofício de sapateiro.


Como ele era simples, teve de estudar muito para dominá-lo, e mesmo assim não
se tornou muito hábil na profissão.
Ele se casou e ganhava o sustento com seu trabalho.
Porém, como ele era simples e não tinha destreza no serviço, seus ganhos eram
escassos.
Devido a sua aptidão limitada, ele tinha de trabalhar incessantemente e quase não
tinha tempo para comer. Dava uma primeira mordida no pão enquanto fazia um
buraco com a sovela. Em seguida, passava o grosso fio de costura usado pelos
sapateiros de um furo a outro, e comia mais um pedaço de pão.
No entanto, ele estava sempre feliz.
Estava cheio de alegria em todos os momentos, pois tinha todo tipo de comida,
bebida e roupa.
Ele dizia à mulher: “Minha esposa, dê-me algo para comer”.
Ela lhe oferecia um pedaço de pão, e ele o comia.
Depois ele dizia: „Traga-me um pouco de sopa com aveia”, e ela lhe cortava mais
uma fatia de pão.
Ele comia e exclamava: “Que sopa boa e deliciosa.”
Então ele pedia carne e outros alimentos finos e, a cada pedido seu, ela lhe dava
mais um pedaço de pão.
Ele apreciava muito a comida e a elogiava veementemente, dizendo que ela fora
muito bem preparada e estava deliciosa.
Era como se realmente estivesse comendo os alimentos que pedia.

Quando contava essa história, o Rav comentou que o simplório realmente sentia no
pão o sabor de qualquer tipo de alimento que ele tivesse pedido (como ocorria com
o maná no deserto, que continha todos os sabores). Isso acontecia por causa de
sua simplicidade e intensa alegria.
A história passa a descrever então como ele degustava na água bebidas de toda
espécie, e como se sentia bem vestido para qualquer ocasião sempre que trajava
seu casaco de pele de carneiro.
Devido a sua despretensão, ele ficava feliz e satisfeito com tudo que comia, bebia e
vestia.
Embora fosse inicialmente alvo de zombaria para todos que o conheciam, ele por
fim se tornou o primeiro-ministro de seu país.

A batalha da comida “dentro ou fora do corpo” - seja por prazer físico, seja para
manter corpo e alma unidos, ou ainda para usá-la como um trampolim para a
espiritualidade - é longa e árdua.
O simplório domina sua cobiça com a compreensão de que há nutrição espiritual
contida em cada bocado que ele come ou bebe.
Assim, obtém energia espiritual, que o impulsiona para alturas cada vez maiores, e
por fim ele se torna líder dos homens.

Mencionamos num texto anterior o “rio que sai do Éden para regar o jardim”, que
corresponde ao elemento matriz único e aos quatro elementos básicos que
compõem o homem.
O Rav Natan escreve que, se injetar espiritualidade no ato de alimentar-se, a
pessoa poderá experimentar os prazeres maravilhosos do Éden através da comida:

7
Existe nutrição para o corpo [comida] e nutrição para a alma [por exemplo, o
sentido do olfato, a oração e a reverência a Deus].
A ingestão de comida para o corpo enfraquece a alma.
Como, então, nos é permitido comer?
Podemos nutrir a alma concentrando-nos no espiritual.
Quanto mais espiritual for a nossa motivação quando nos alimentamos, mais
espiritualmente nutritiva será a comida.
A ocasião mais favorável para comer visando à espiritualidade é o Shabat, quando
temos acesso ao “oneg”, o prazer especial desse dia. “Oneg” ( ) é um acrônimo
de “Éden” (( 
), Paraíso), “nahar” (( 
), Rio) e “gan” ( ), Jardim).
Assim, a comida que saboreamos no Shabat pode levar-nos a esses níveis
supremos representados pelo oneg.

A gula realmente degrada o indivíduo.


Porém, há esperança até mesmo para os que já se habituaram a esse padrão.
O Rav ensinou que quem come demais deve vomitar.
Geralmente se vomita mais do que se engoliu.
Em outras palavras, pode-se até expelir o que fora ingerido antes.
Da mesma maneira, quando o Demônio tomar mais do que é capaz de ingerir, ele
será forçado a devolver cada partícula de bem, cada alma preciosa que já engoliu e
mais.
Ele terá até de “vomitar” sua própria força vital.
Nesse ponto, a pessoa pode perceber que as coisas foram longe demais.
A gula à qual se entregou pode agora ser a motivação para uma mudança de rumo
em sua vida.
Ao perceber que “foi longe demais”, ela aprende a rejeitar seus antigos hábitos e
retorna a uma vida orientada para a espiritualidade.

Quem come demais deve fazer dieta para recuperar o controle de seus hábitos
alimentares. De forma semelhante, quem passou a ser dominado pela má
inclinação pode melhorar sua saúde física e emocional.
Quando simplesmente se decide que alimentos consumir e em que quantidade, e se
come de acordo com os ditames da Torá, ou seja, abstendo-se de ingerir certos
alimentos e parando para fazer uma bênção sobre os alimentos permitidos, é
possível reparar qualquer falha causada pela alimentação.
Se compreendermos a poderosa influência que a comida exerce sobre nós,
poderemos utilizar o ato de comer para elevar-nos às alturas espirituais mais
sublimes.

Continua

8
Anatomia da Alma – Parte 11

O Fígado, a Vesícula Biliar e o Baço

Agora analisaremos os órgãos que filtram as impurezas do corpo: o Fígado, a


Vesícula Biliar e o Baço.
O fígado e a vesícula biliar são partes integrantes do sistema digestório e o baço
desempenha um papel crucial no sistema circulatório e no sistema linfático.
Antes de explicar seus aspectos espirituais, é fundamental entender suas funções
dentro do corpo.

Introdução
O fígado está localizado predominantemente no lado direito da cavidade abdominal.
Ele é o maior órgão do corpo e tem duas funções importantes: a produção e
regulação de substâncias químicas para suprir às necessidades do organismo, e a
neutralização de substâncias tóxicas e produtos residuais.
Depois de ser parcialmente digerida, a comida entra no trato intestinal. De lá, os
nutrientes são transportados através das paredes do intestino para a circulação
sanguínea.
O sangue, após absorver os nutrientes, passa pelo fígado e seu sistema de
filtragem antes de retornar ao coração e aos pulmões.
É interessante notar que o fígado purifica o sangue antes que este seja enviado ao
coração.
Neste sentido, o fígado age como um servo do coração.
Para viabilizar a produção de novas substâncias químicas, o fígado “purifica” os
nutrientes brutos e os torna compatíveis com o corpo. Ele produz proteínas e
processa carboidratos (açúcares e amidos), convertendo-os em glicose que fornece
energia ao corpo, e armazena parte do açúcar para uso posterior.
O fígado também processa gorduras e produtos residuais do sangue.
Assim, todos os nutrientes absorvidos pelo fígado são refinados e depois devolvidos
ao corpo, seja para o sangue, seja para os tecidos, ou ainda na forma de energia.
As enzimas do fígado também limpam o sangue de bactérias e neutralizam
substâncias tóxicas que tenham entrado no organismo.
Como o fígado interage principalmente com o sistema circulatório, ele é associado
ao fluido de “cor vermelha”.

A vesícula biliar é uma pequena bolsa em forma de pêra, adjacente ao fígado, que
serve como local de armazenagem da bile, um líquido grosso, amargo, “amarelo-
esverdeado” produzido pelo fígado.
A bile, necessária para a digestão de gorduras, é descarregada no intestino delgado
quando há sinal da presença de alimento.
Ela neutraliza a acidez e quebra as gorduras. Depois que a vesícula biliar cumpre
sua função, a maior parte dos minerais da bile volta para o fígado através da
circulação sanguínea e é reaproveitada pelo corpo.
A seguinte afirmação de nossos Sábios faz menção a esse processo:
“O fígado se enfurece; a vesícula biliar expele líquidos para aplacar essa fúria.”
Ou seja, o fígado se enfurece quando comemos, porque é forçado a trabalhar
arduamente para purificar o organismo.
A vesícula biliar então expele líquidos para aplacar a fúria - pois, quando a bile
retorna, o trabalho do fígado praticamente terminou.
A vesícula biliar também transporta células deterioradas do sangue ao sistema
linfático, para que sejam removidas do corpo.

O baço, segundo algumas opiniões médicas, é parte do sistema linfático.


Outros, porém, o consideram um órgão do sistema circulatório e do sistema
imunológico, porque ele oferece proteção contra corpos estranhos e inúteis no
organismo e contra infecções.

1
Ele se localiza à esquerda do estômago, entre o estômago e o diafragma.
Os vasos linfáticos absorvem o líquido residual (denominado “linfa”) dos tecidos.
Os gânglios linfáticos filtram e destroem bactérias e outros corpos estranhos.
A cor dos linfócitos, que produzem anticorpos para combater substâncias nocivas, é
“branca”. Outros órgãos que também filtram as bactérias do corpo, como o baço e
as amídalas, contêm tecido linfóide semelhante ao encontrado no sistema linfático.

A principal função do baço é filtrar o sangue. Ele remove glóbulos vermelhos e


glóbulos brancos velhos, deteriorados e anormais, assim como bactérias e
partículas irregulares. Os linfócitos contidos no baço também produzem anticorpos
para enfraquecer ou matar bactérias, vírus e outras substâncias que causam
infecção. O Talmud ensina que o sangue contaminado tem a cor “preta”; por esta
razão, diz- se que o baço está ligado aos fluidos negros do corpo.

Esses três órgãos têm participação ativa no processo de purificação do corpo e


realizam um excelente trabalho. No entanto, são “atacados” continuamente por
impurezas que precisam ser filtradas. Neste sentido, eles são a principal conexão
do homem com sua natureza física, porque lidam exclusivamente com a matéria
que ele ingere (a comida) e sua purificação.

A medicina oriental atribui características particulares a cada órgão, de acordo com


a influência que ele exerce sobre o corpo. Por exemplo, é próprio do fígado, “caved”
em hebraico, invadir o domínio dos outros órgãos (devido a suas múltiplas
habilidades de processamento de substâncias, os efeitos do fígado são sentidos no
corpo inteiro).
Se lhe for permitido fazê-lo, ele causará problemas graves.
Por outro lado, se o fígado servir outros órgãos, tais como o coração e os rins, tudo
irá bem.
Essa idéia está expressa no versículo “Vaiachbed pará et Iibó - O faraó endureceu
seu coração” (Êxodo 8:28).
“Endureceu” em hebraico é “caved” (semelhante a fígado).
Logo, isso equivaleria a dizer que “o faraó „figadou‟ seu coração”, permitindo que
seu fígado, seu materialismo crasso, o controlasse.
Sua auto imposta subserviência à “personalidade de seu fígado” provocou sua
ruína. O certo teria sido o coração e os rins prevalecerem.
Se tivesse ouvido seu coração e o bom conselho (os “rins”), ele não teria causado
sua própria destruição e a de seu país.

Examinemos agora o impacto desses órgãos sobre o homem no que se refere a seu
caráter básico e sua estabilidade emocional.

Escravidão no Egito
O final do Gênesis e o início do Êxodo descrevem a descida da família de Jacob - os
filhos de Israel - à terra do Egito. No fim, conforme Deus predissera a Abrahão, eles
se tornam escravos “do faraó e de seus ministros”.
Lemos na Hagadá de Pêssach:
Bendito seja Deus que cumpre Sua promessa a Israel, bendito seja Ele! Pois Deus
calculou o fim [do exílio no Egito], de modo a cumprir Sua promessa a Abrahão,
nosso pai, na berit bem habetarim [aliança entre as metades]. Assim está escrito
(Gênesis 1 5:1 3-1 4): “Sabe com certeza que teus descendentes serão peregrinos
em terra que não lhes pertence, e os farão servir e os afligirão por 400 anos. Mas
então Eu julgarei essa nação à qual hão de servir; e depois eles sairão com grande
riqueza.”

A primeira parte dessa profecia realizou-se mais tarde, quando (Êxodo 1 :14) “eles
[os egípcios] amarguraram as suas vidas [dos hebreus] com serviço penoso, com
argamassa e tijolos e com todo tipo de trabalho do campo.

2
Todo o trabalho que lhes impunham era árduo”.

Quando fala dos exílios, o Zôhar afirma que o homem se enfraquece, tanto no
aspecto físico como no espiritual, devido às aflições que padece, e em seguida
aplica o versículo citado acima à labuta humana:
Amarguraram as suas vidas - isso faz alusão à vesícula biliar, que armazena fluidos
amargos [amarelo-esverdeados] e ameaça o corpo de febre e doença. [Em
hebraico, a vesícula biliar é chamada “mará”, de mar, que significa “amargo”.].
Serviço penoso com “chômer” [argamassa] e “levenim” [tijolos] – “levenim”, de
“levaná‟ [cor branca), correspondem aos fluidos brancos [línfócitos] que foram
afligidos pelo excesso de comida.
Do campo - refere-se ao fígado [fluidos vermelhos], como Esaú, também conhecido
como “Edom” [Vermelho], que era um homem do campo (Gênesis 25:27).
Todo o trabalho... árduo - faz alusão ao baço [fluidos negros].

O Zôhar deixa claro que a pessoa pode tornar-se suscetível a doenças e sofrimento
em conseqüência do “trabalho vigoroso” do sistema digestório.
O Rambam (Maimônides), célebre por sua competência como médico, ensina
também que “a maioria das doenças se deve ao excesso de comida”.
Comer demais estimula uma atividade intensa dos fluidos corporais que pode
sobrecarregar os órgãos e causar doenças graves.
Estudaremos agora as características espirituais desses órgãos e veremos que
esses princípios se refletem com exatidão no plano espiritual.

O Fígado
O Rav Nachman ensinou que o fígado é chamado de “caved”, que também se
traduz como „pesado‟ ou „carregado‟, porque ele purifica o sangue que está
„carregado‟ de substâncias desnecessárias.
A função do fígado, assim como a dos outros sistemas de filtragem do corpo, é
realmente pesada.
Se receber nutrição adequada, o fígado funciona como o principal filtro de
purificação do organismo.
Se não, ele faz o processamento, mas devolve as impurezas ao sangue.
Esses produtos não-essenciais começam então a acumular-se e no fim passam a
agir contra o bem-estar do corpo.
Essa dinâmica tem repercussões no plano espiritual, pois a comida que o corpo
digere pode nutrir e purificar o organismo ou ser prejudicial para o funcionamento
do corpo, dependendo da maneira pela qual ela é ingerida e de sua qualidade.
Assim, ela pode dar força ao indivíduo e auxiliá-lo em sua busca espiritual ou
debilitá-lo e inibir sua capacidade de elevar-se espiritualmente.
Em nossa análise do fígado, tenha em mente que a Néfesh, a parte da alma que faz
fronteira com o corpo, reside no sangue e está, portanto, intrinsecamente
conectada ao fígado, órgão cuja função principal envolve o sangue.
A palavra “néfesh” é associada com o desejo, como no versículo:
“Im iesh et nafshechem - Se é o vosso desejo” (Cênesis 2 3:8).
Assim, a circulação sanguínea transporta nossos desejos e anseios básicos.
A medida em que “filtramos nossa circulação sanguínea” - isto é, como
desenvolvemos nossa espiritualidade e dominamos nossos instintos mais abjetos -
determinará o curso de nossa subida pela escada espiritual.

O Talmud ensina que o “O fígado é cheio de sangue”. Como vimos, o fígado é um


ponto de parada fundamental para o sangue, que é o elemento vital que flui pelo
corpo humano.
Assim, na qualidade de órgão que purifica o nosso elemento vital, o fígado tem uma
importância inestimável para o organismo.

3
Situado na “encruzilhada” do sistema circulatório, o fígado pode funcionar como um
purificador eficaz do sangue poluído que corre pelo nosso corpo, ou poluí-lo ainda
mais.
Como observamos, a circulação sanguínea é um componente central de nossa
constituição espiritual. Se alguém deseja (néfesh) uma vida materialista, seu
sangue refletirá tal escolha. O fígado absorverá os “nutrientes da cobiça” e lançará
a gula de volta ao organismo. Por outro lado, se a pessoa deseja espiritualidade,
seu fígado processará os “nutrientes espirituais” e descarregará sangue puro no
organismo.
O sangue, que é vermelho, simboliza calor, ira e matança, e corresponde a Esaú,
que era “vermelho” (Gênesis 25:25).
Esaú, portanto, representa tanto as forças do mal como o fígado, um dos pontos
principais da atividade do sangue no corpo.
A ira e as acusações são a sua força, de modo que o indivíduo que se torna vítima
destas características coloca-se sob a influência e o controle de Esaú.
Mas o sangue e o vermelho não devem ser vistos apenas como entidades inimigas
da existência espiritual.
Na Cabalá, o vermelho representa as “Guevurot”, julgamentos ou forças, e é
associado ao atributo de temor. Quando a pessoa deseja Divindade, seu sangue
(isto é, força) é canalizado para um grau correspondente de temor a Deus, para
servi-Lo adequadamente.
Ela só se sujeita ao domínio de Deus e está livre da influência de Esaú.
Toda alma se ramifica ou tem raiz numa das 70 almas dos filhos de Israel que
desceram ao Egito (Génesis 46:27).
Estas 70 almas estão enraizadas nas 70 facetas da Torá.
Quando a pessoa cumpre a Torá, ela atrai espiritualidade - Deus.
Porém, quando se afasta da Torá, é como se ela se tivesse envolvido em idolatria.
Ela atrai as forças do outro lado - que se manifestam através das 70 nações
(conforme o Zohar).
Essas “forças” são então corporificadas nos 70 aspectos do caráter da pessoa.

Os filhos de Israel têm raízes na Torá, que possui ”70 facetas” - pensamentos e
preceitos que orientam o indivíduo no caminho espiritual e transformam suas
características negativas. Estas características negativas são denominadas “os 70
aspectos do caráter da pessoa” e referem-se aos atributos que fazem parte da
conformação das 70 nações. (O termo “70 nações” vem do número de nações
relacionadas em Gênesis 10.).
Quem se distancia da luz espiritual da Torá permite que as más características das
nações se enraízem dentro dele e se manifestem em comportamento perverso ou
imoral.
Além disso, assim como as 70 almas de Israel estão enraizadas em Jacob, as 70
nações têm suas raízes em Esaú e Ismael.
O fígado, como órgão que representa o materialismo crasso, possui 70 vasos
sanguíneos principais, que correspondem às influências negativas das “70 nações”.
O fígado em si corresponde a Esaú, enquanto seus lóbulos estão ligados a Ismael
(conforme o Zôhar).
Assim, a pessoa pode escolher a Torá e conectar-se à fonte de Jacob, ou buscar o
materialismo e conectar-se às fontes maléficas de Esaú e Ismael.

Ira e Orgulho: O Elemento Fogo


Em nossas Sagradas Escrituras, seria impossível encontrar um órgão tão
menosprezado quanto o fígado.
O Zôhar o compara a “Esaú, o Vermelho” (Gênesis 2 5:30).
Enquanto não se purificar e retornar a Deus, Esaú personifica o poder do mal.
O fígado também é associado à idolatria, que se assemelha à presunção e à
arrogância e corresponde ao fogo do Guehinom (Zohar 21) - Ira e Furor.

4
Dos quatro elementos, o fogo, que é quente e seco, é o de constituição física mais
leve [as propriedades do calor o fazem subir].
Na personalidade, o elemento fogo, portanto, é a fonte do orgulho, de quem se
considera “acima” dos outros. Um subproduto do fogo do orgulho é a ira.
Por causa da arrogância, a pessoa enfurece-se rapidamente quando seus desejos
não são satisfeitos da maneira esperada.
O sujeito humilde é mais capaz de exercer o autocontrole.
Assim, a arrogância e a ira, juntas, são as duas piores características do homem.
Elas também conduzem à irritabilidade e ao desejo de poder e honraria.
Desse modo, levam a pessoa a odiar aqueles que estão em posição mais elevada
do que ela.
A ira, o orgulho, a irritabilidade e o ódio dispensam comentários.
Todos reconhecem que essas características são desprezíveis.
No entanto, elas predominam de forma desmesurada em toda a sociedade.
É conveniente, portanto, citar aqui alguns dos ensinamentos do Rav Nachman
referentes à gravidade desses atributos e à maneira de controlar e influenciar
positivamente o fígado e a vesícula biliar a fim de superar seus efeitos negativos.

Orgulho e Humildade
O orgulho causa pobreza.
A comida e a bebida produzem arrogância.
A arrogância equivale à idolatria. Por meio da ligação estreita com um “tsadic”,
pode-se suplantar a arrogância.
Muitos posam de humildes, porque percebem que a arrogância é uma característica
desprezível. Assim, fingem-se modestos e relutantes em aceitar honrarias, embora
na realidade anseiem pelo respeito dos outros e persigam louvores.
Essa falsa humildade, que na verdade é arrogância, constitui idolatria.
A busca de honrarias é o motivo pelo qual o exílio não terminou.
A arrogância e a imoralidade sexual estão ligadas.
A arrogância leva à homossexualidade e à ira.
A inteligência, o poder e as posses materiais são os três principais fatores pelos
quais o indivíduo se torna arrogante.
Um homem arrogante é uma pessoa deformada.
A arrogância causa problemas.
Quando as coisas parecem transcorrer de forma contrária à vontade da pessoa, isso
é um sinal de arrogância.
A Torá (isto é, a espiritualidade) só pode encontrar lugar para si dentro de uma
pessoa humilde.
A fé gera humildade.
A humildade leva ao arrependimento.
A vivência do Shabat e a celebração das festas com alegria cultivam a humildade.
Ser verdadeiramente humilde não significa ser desleixado ou agir como se fosse
uma pessoa sem valor.
O indivíduo deve ter consciência de todo o seu valor e, ainda assim, agir com
humildade.
A humildade elimina a discórdia e o sofrimento e dá vitalidade à pessoa.
O deleite indescritível da vida eterna no mundo vindouro só pode ser sentido na
medida em que o indivíduo alcança a humildade neste mundo.

Ira e Irritablidade
A ira está enraizada no fígado, que é cheio de sangue e corresponde a Esaú, que
nasceu com a tez vermelha. Como Esaú representa a ira, seu poder se estende
sobre todos aqueles que se permitem encolerizar-se.
Quando cede à ira, a pessoa provoca o grande acusador, Esaú (isto é,
o Demônio).
As “acusações” de Esaú são os obstáculos, impedimentos e inimigos que
enfrentamos na vida. Eles literalmente se apoderam do homem furioso.

5
Sua ira afugenta a sabedoria, e a imagem de Deus desaparece de seu rosto.
A ira faz a pessoa dilacerar sua alma!
A ira faz a pessoa ter filhos tolos e encurta a vida.
A ira traz desgraça; a pessoa irada humilha a si mesma.
A ira [em hebraico, “chemá”], faz a pessoa perder o seu dinheiro.
A riqueza é descrita como um “muro protetor”,” chomá” em hebraico.
Quando se enfurece, o indivíduo transforma a “chomá” em “chemá”, e assim perde
sua riqueza.

A ira leva à depressão.


A ira faz a pessoa perder a sabedoria e a prudência.
A paciência e a contenção da ira trazem riqueza para a pessoa.
Quebre a força da ira com amor, controlando-se e agindo com bondade.
Então você poderá compreender os verdadeiros objetivos aos quais deveria aspirar.
A ira e a indelicadeza surgem quando o entendimento das pessoas é limitado.
Quanto mais profundo for o entendimento, mais a ira se dissipará, e a bondade, o
amor e a paz se propagarão.
O estudo da Torá desenvolve a capacidade de alcançar um entendimento mais
profundo.
A santidade da Terra de Israel ajuda a pessoa a eliminar sua ira.
Com a superação e eliminação de sua ira, você atrai o espírito do Messias para o
mundo. Você também se torna digno de bênçãos abundantes e de ganhar o
respeito e a admiração das pessoas.
Quando dominar a sua ira, você conseguirá alcançar os seus objetivos.

Amor e Ódio
O ódio infundado faz a pessoa comer alimentos que não são casher “adequados”.
[Isto “alimenta” o fígado, a fonte da ira e do ódio, causando mais ódio.]
O tumulto é um sinal de ódio.
O diálogo promove a paz.
A discórdia debilita os relacionamentos mais francos.
A avidez por comida faz a pessoa ter preferência por um dos filhos em detrimento
dos outros.
Comer no Shabat traz amor e paz.
Amor e bondade são sinônimos.
O amor leva ao encorajamento.
O amor causa alegria.

O Rav Nachman ensinou que quando a pessoa come, o fígado é alimentado


primeiro. Depois ele transfere para o resto do corpo os nutrientes, que por fim
chegam ao cérebro. Quando se jejua, o fígado é desconsiderado, porque o cérebro
precisa dispor dos nutrientes que já estão no organismo, e o fígado não recebe
nutrientes novos.
Assim, por meio do jejum, o fígado é subordinado ao cérebro.

Há dois tipos de paz. Um é o cessar-fogo; o outro, o diálogo pacífico.


O jejum representa um cessar-fogo [a dominação temporária dos inimigos, dos
poderes de “Esaú”, localizados no fígado; não se trata de uma paz permanente].
Em contraposição, o Shabat, ocasião em que somos obrigados a comer, significa
uma paz mais duradoura - um diálogo pacífico entre forças conflitantes, no qual
podemos comer sem nos sujeitarmos à influência de Esaú.
No Shabat, a mente reina suprema.

Conforme vimos a pessoa que se alimenta no “espírito do Shabat” pode elevar suas
perspectivas espirituais. Por meio do próprio ato de comer, é possível atingir um
nível mais alto que o da matéria da qual nos alimentamos! Isso ocorre porque a
palavra “shabat” é equivalente a “shévet” “sentar com calma e em paz”.

6
A alimentação pode trazer serenidade (como quando se participa de uma refeição
tranqüila de Shabat com a família) e é capaz de subjugar os inimigos e estabelecer
a paz.

A Vesícula Biliar
A maioria das pessoas admite, ou deveria admitir que seu sofrimento é causado por
suas próprias ações.
Se não cuidar da saúde, o indivíduo provocará doenças em si mesmo.
Se agir de forma irresponsável com o dinheiro, ele produzirá sua própria ruína
financeira.
A discórdia familiar geralmente é conseqüência de um “pequeno” lapso verbal.
A lista é infinita.

O Rav Nachman disse uma vez: “Se você não estiver disposto a sofrer um pouco,
sofrerá muito!” (tradição oral).
É de fato doloroso reconhecer e aceitar os próprios erros, mas esse é o primeiro
passo para retificá-los.
Ignorá-los, além de não evitar a dor, acaba sempre levando a pessoa a repeti-los, o
que causa um sofrimento ainda maior.

Um Pouco de Amargo(r).....
O Rav Nachman ensinou que a alma sempre procura fazer a vontade de seu
Criador. No entanto, quando vê que o corpo que a abriga não serve a Deus, ela
tenta abandoná-lo e retornar ao Criador, provocando doenças no organismo.
Os medicamentos podem restituir a saúde.
A doença surge porque o indivíduo se acostumou a ceder aos seus desejos.
Quando está doente, ele perde o apetite para a comida e é forçado a engolir todo
tipo de remédio e pílulas amargas para melhorar. Dessa maneira [sem nenhuma
intenção, é claro], ele mostra que é perfeitamente capaz de controlar seus desejos
por causa de um propósito que compreende.
Por conseguinte, a alma volta para ele, com a esperança de que ele também aceite
o “amargor” necessário para o retorno ao caminho espiritual.

A bile armazenada na vesícula biliar é extremamente amarga, porém esse próprio


amargor é um dos mais importantes “adoçantes” encontrados no corpo.
Produzida no fígado, a bile neutraliza a acidez e quebra as gorduras.
Depois de desempenhar sua função, uma parte desse líquido retorna a sua fonte,
para “pacificar e acalmar” o fígado depois de seu trabalho intenso de purificação do
sangue.
A afirmação de nossos Sábios citada acima faz alusão a esse processo: “O fígado se
enfurece; a vesícula biliar expele líquidos para aplacar essa fúria.”
Assim, da própria substância de que é feita a nossa ira, é criado um apaziguador
para abrandá-la. De forma semelhante, do âmago do sofrimento, o reconhecimento
do nosso erro causa a retificação...E PAZ

O Rav ensinou também que a paz é o remédio universal, como está escrito (Isaías
57:19): “Paz ao que está distante e para o que próximo está - diz o Eterno
- e haverei de curá-lo”.
As pessoas em geral adoecem porque os sistemas de seu corpo não estão
funcionando em harmonia – seus quatro humores ou elementos de alguma forma
estão em conflito.
Elas necessitam de medicamentos que restabeleçam o equilíbrio e possibilitem a
cura.
É curioso que os remédios sejam comumente muito amargos.
No entanto, as pessoas estão dispostas a suportar um pouco de amargor para
serem curadas - para obterem paz interior.
O mesmo se aplica à cura espiritual.

7
O indivíduo talvez tenha de agüentar uma certa medida de sofrimento - que pode
ser realmente amargo - mas depois ele percebe que a aflição provém de suas
próprias imperfeições espirituais; ele mesmo é a fonte de sua amargura.
O reconhecimento de suas falhas leva-o a aprimorar-se.
O amargor se torna assim o agente de cura, aproximando-o cada vez mais da paz
espiritual.

O Baço
As funções do baço incluem a manutenção do volume sanguíneo, a produção de
alguns tipos de células do sangue e a recuperação de materiais de células do
sangue deterioradas (filtrando as impurezas do sangue).
Para desempenhá-las, ele concentra sua energia nas impurezas encontradas no
corpo e trava uma batalha incessante para eliminar os excessos do organismo.
Quanto mais excessos houver, mais árduo será o trabalho do baço.

O baço costuma ser associado à melancolia.


A ligação é clara: ele representa a “bile negra”, e a depressão melancólica é
atribuída ao excesso de “bile negra”.
Assim, o baço, que opera regularmente com matérias inúteis, de fato tem um
trabalho muito “deprimente”.

A Sede da Depressão
O Rav Nachman ensinou que a melancolia é associada ao baço.
O baço só é capaz de filtrar uma quantidade limitada de sangue num determinado
período de tempo, e essa atividade é muito benéfica para a saúde.
Porém, quando existe um volume exorbitante de excessos no organismo, o baço
não consegue filtrá-los adequadamente.
Esses excedentes induzem a tristeza e a depressão [que por sua vez poluem ainda
mais o sangue, causando doenças].

O baço, “tchol” em hebraico, é considerado “frio e seco”, como a terra (“chol” em


hebraico significa “areia”), o mais baixo e denso dos quatro elementos.
Como tal, a terra corresponde à depressão.
Quanto mais triste for a pessoa, mais sua personalidade será dominada pela inércia
interior enraizada no elemento terra, que leva à preguiça e à indiferença, o que
causa ainda mais depressão e letargia.
O sangue poluído que o baço purifica é igualmente lento por natureza (ver Zôhar
22).
Além disso, o Rav Nachman ensinou que a pior “mordida da serpente” é a tristeza e
a preguiça, porque a serpente foi amaldiçoada com as seguintes palavras (Isaías
65:25): “A poeira será o alimento da serpente.”
A poeira representa a preguiça e a tristeza, que provêm do elemento terra.

Pela mesma razão, o Rav desaprovava os excessos (isto é, rigores) na busca da


espiritualidade.
Há um versículo que afirma (Levítico 18:5): “Viverá por eles”. “Viverás - e não
morrerás - por eles”.
As pessoas que estão sempre buscando restrições porque nunca estão seguras de
suas realizações em suas devoções espirituais geralmente são muito deprimidas.
O excesso de rigor no estilo de vida, na devoção e, na verdade, em todas as áreas
da vida leva à depressão.
Isso pode ser visto na palavra “chumrot” (rigores), que é semelhante a “chômer”
(matéria, em oposição a espiritualidade).
Assim, esses rigores terão um efeito contrário ao pretendido, porque a depressão é
um obstáculo para a conquista da grandeza espiritual.

Avareza: Obsessão e Inveja

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Em nenhuma outra área a depressão se manifesta de forma tão intensa quanto na
busca de riqueza.
Numa de suas principais lições, o Rav fala da ligação entre avareza e depressão.

O Rav Nachman ensinou que a face da santidade é resplandecente e expressa vida


e alegria.
A face do profano é obscura, representando melancolia e idolatria.
Há aqueles que são dominados pelo desejo de riqueza, mas se recusam a acreditar
que Deus pode sustentá-los com um mínimo de esforço de sua parte.
Essas pessoas investem todos os seus esforços na caça à fortuna, porém, tendo
acumulado uma vasta riqueza, ela não lhes dá prazer, como consta (Gênesis 3:17):
“Com tristeza comerás”.
Elas são atormentadas pelas forças do mal, da idolatria e da morte.

Por outro lado, o Rav Natan escreve que a fé corresponde à terra, como afirma o
seguinte versículo (Salmos 37:3): “Habitarás na terra e cultivarás a fé”.
Isso pode ser entendido à luz do fato de que, assim como o homem se firma sobre
a terra e é dependente dela, sua espiritualidade depende de sua fé.
Portanto, do mesmo modo que a busca de riqueza significa uma falta de fé na
capacidade de Deus de suprir às nossas necessidades, ter fé em Deus e acreditar
que ele nos pode prover nos elevará da “terra material” a um plano espiritual.

O Baço Ri
O Rav Nachman dedica a maior parte dos ensinamentos à apresentação de
fundamentos adicionais para esse princípio, destacando várias ações que podem
conduzir à avareza, como violar a aliança, dizer falsidades e assim por diante.
Em seguida, ele afirma que o baço desempenha um papel central no desejo
imoderado de riqueza.
O baço representa “Lilit”, a “esposa” de Satan, o Anjo da Morte.
Ela é a “mãe” da grande mistura de gente (Êxodo 12:38), a leviandade dos tolos.
Conforme o Zohar Ela incita as pessoas com riqueza e depois as mata.

Quando comeu da árvore do conhecimento do bem e do mal, Adão foi amaldiçoado:


“Com tristeza comerás.” A serpente também foi amaldiçoada (Gênesis 3:14): “Pó
comerás todos os dias da tua vida”, O “pó” corresponde ao dinheiro, como consta
(Jó 28:6): “Seu pó é ouro”.

O Rav Nachman explica que quando alguém fica obcecado por riqueza e gasta
“todos os dias de sua vida” perseguindo-a, sua maldição é idêntica à da serpente;
ou seja, a busca de fortuna de fato “devora” os dias de sua vida!
Ele passa a vida à procura de riqueza (isto é, pó).
Tal pessoa realmente come com tristeza e melancolia.

Como assinalamos, o baço é associado à melancolia, um estado anormal atribuído a


um excesso de “bile negra”.
A melancolia se caracteriza pela depressão, mau humor e ilusões - talvez os
maiores inimigos do homem.
As pessoas que fazem da busca de riqueza a única atividade de sua vida em geral
têm aspirações grandiosas. Como não se contentam com suas posses, elas sofrem
constantemente de depressão e tristeza e tendem à irritabilidade.

O Rav Nachman prossegue explicando o que o Zôhar quer dizer quando representa
o baço como “Lilit, a „mãe‟ da grande mistura de gente, a leviandade dos tolos, que
incita as pessoas com riqueza e depois as mata”.
A grande mistura de gente não aspirava à espiritualidade. Embora estivesse
impressionada com a recém-descoberta grandiosidade dos hebreus, ela ainda
estava imersa demais no materialismo para compreender a sua importância.

9
Seus integrantes saíram do Egito com os filhos de Israel, mas preferiram adorar (o
dinheiro e) o bezerro de ouro quando estavam no deserto.
Isto era idolatria, “a leviandade dos tolos”, pois “os incitou” oferecendo-lhes riqueza
como um substituto da espiritualidade.
Esse é o significado de “ela incita as pessoas com riqueza e depois as mata”.
O baço, que corresponde à avareza e à depressão, representa “Lilit”.
Ela provoca as pessoas durante toda a vida, porque elas estão sempre pensando
que “agora” terão lucro e “agora” ganharão dinheiro, mas na verdade “comem pó
todos os dias da sua vida”. A avareza as deixa vazias, dominadas pela melancolia.

Curiosamente, ela é chamada de “Lilit”, porque em hebraico “lamento” é “lelalá”.


Quem é acometido pelo atributo da avareza está sempre se lamentando e
reclamando da dureza do trabalho e do que lhe falta.

Uma conseqüência natural da avareza é a inveja - cobiçar as posses alheias.


“A verdade é”, afirma o Rav Nachman, “que às vezes é dada a um indivíduo uma
grande fortuna. Todos o invejam e passam a vida perseguindo a riqueza por causa
dessa inveja. Isso é obra do Demônio; ele trabalha arduamente para tornar um
homem rico, a fim de que muitos outros desperdicem a vida invejando-o. Que Deus
nos proteja dessa idéia enganosa”.

Além disso, “a leviandade é associada ao baço”.


Este é o significado de “ela é a leviandade dos tolos”: A avareza faz de tolas as
pessoas que esperam enriquecer rapidamente.
Em lugar de ficarem ricas, elas passam a vida perseguindo a riqueza.
Na maioria das vezes, acabam mal podendo pagar as contas e ficam muito
endividadas. Onde, então, estará a fortuna que buscaram “todos os dias de sua
vida”? Era a isso que os nossos Sábios se referiam quando disseram: “O baço ri”.

Quando usada corretamente, a riqueza é um meio poderoso para a conquista de


espiritualidade.
O Rav Nachman ensina que há certos caminhos da Torá que só podem ser
alcançados por intermédio de uma grande fortuna, razão pela qual Moisés e muitos
dos profetas e tsadikim que vieram depois dele eram extremamente ricos.
Essa riqueza era necessária para que eles pudessem obter revelações magníficas e
depois transmiti-las aos outros.
Contudo, o Rav Nachman disse também que o desejo de acumular riqueza e
adquirir poder é a maior cobiça de nossos tempos.
Até gerentes de baixo escalão se regozijam com a autoridade que têm.
Tudo isso é obra de Lilit, o baço. “Ela incita as pessoas com riqueza [isto é, poder]”,
mas depois, tendo desenvolvido nelas uma obsessão por riqueza e poder, “ela as
mata”. Uma vida inteira pode ser dedicada à busca de prosperidade que jamais
será encontrada.
Longe de ser uma atividade agradável, essa busca pode fazer a vida do indivíduo
ser completamente dominada por sentimentos de melancolia e profunda depressão.
Mas o Rav também ensina que a alegria gera vitalidade, de modo que aquele que
cai em depressão pode combater seus efeitos negativos tornando-se - ou mesmo
forçando-se a ficar alegre.

Continua

10
Anatomia da Alma – Parte 12

Purificação de Corpo e Alma

Uma das etapas mais fundamentais do processo de purificação é a remoção da


matéria residual do corpo.
Cinco sistemas principais realizam essa tarefa: o suor sai através da pele; os
pulmões eliminam o gás carbônico; o fígado, a vesícula biliar e o baço processam
os nutrientes e limpam o sangue; os rins filtram e excretam os líquidos; e o
intestino grosso expele resíduos sólidos.

É evidente que, da mesma maneira que os resíduos físicos, o excesso espiritual


também deve ser eliminado.
Porém, enquanto os primeiros são removidos automaticamente pelas funções
corporais, é necessário muito esforço para suprimir o excedente espiritual.
Assim como o corpo foi dotado de meios para depurar-se, nós recebemos de Deus
todas as ferramentas indispensáveis para nossa purificação espiritual.
A diferença é que deve existir o desejo de usar essas ferramentas para que nossos
esforços sejam bem-sucedidos.

Sangue, Suor e..............


O Rav Nachman ensinou que o suor é extremamente benéfico, porque livra o corpo
de líquidos poluídos. Estes poluentes resultam da incapacidade do baço de
filtrar todos os fluidos que passam por ele.
A presença de líquidos poluídos no organismo causa depressão; portanto, o suor -
isto é, a remoção da poluição que leva à depressão - traz alegria.

O Rav Nachman pertencia a uma escola de pensamento que exaltava o trabalho


pesado. Ele dizia repetidamente a seus discípulos que nada de valor pode ser
obtido se a pessoa não empenhar esforços em suas devoções.
O trabalho árduo pode fazer o indivíduo prorromper em suor.
Mas também se pode começar a suar devido a uma “irrupção de alegria”.
O esforço físico é capaz de produzir a purificação do corpo pela remoção dos
excessos. Mas esforços espirituais para despertar a alegria também podem
beneficiar o organismo. Assim o Rav conclui a lição acima:

O “suor bom”, que resulta do empenho na busca de espiritualidade [por meio da


prática de mitsvót, por exemplo], traz alegria. Um dia em que se transpira por boas
razões é cheio de regozijo, como um dia de festa. “Suor” em hebraico é “zelá”, um
acrônimo de “Zé halom assá IHVH. - Este é o dia que Deus fez [isto é, uma
festividade]; nele nos alegraremos e nos regozijaremos” (Salmos 118:24).

Prorromper em suor por causa da espiritualidade é motivo de festa!


Para ilustrar os benefícios do trabalho pesado e do suor como meios de purificação
do organismo, o doutor Riphael (Robert) Rosen, que foi diretor do Midwest Dialysis
Center em Duncan, Oklahoma, relatou a seguinte história:
Um paciente que era boiadeiro informou ao Centro que viajaria por dez dias para
arrebanhar cavalos selvagens. Aconselharam-no que não fosse, pois ele precisava
de diálise três vezes por semana, devido ao mau funcionamento de seus rins.
Ele partiu. Quando voltou, tinha ótima aparência, sentia-se bem, não apresentava
aumento no peso dos líquidos corporais e seus exames de sangue estavam apenas
um pouco piores do que usualmente.
Nas palavras do doutor Rosen: “Vimos então o benefício do trabalho árduo e da
transpiração - que puderam até substituir a diálise!” (Não sugerimos que aqueles
que necessitam de diálise optem por esse método de eliminação de matéria
residual do corpo. Simplesmente destacamos aqui os benefícios do trabalho árduo e
do suor para a saúde.)

1
O Rebe Nachman ensina também que banhos regulares e a imersão na micvá
(banho ritual) facilitam a abertura dos poros que possibilita que o corpo se purifique
do excesso de líquidos e de substâncias tóxicas.

............e Lágrimas

O Rav Nachman ensinou que “As lágrimas vêm da melancolia, que resulta dos
excessos.”
É inerente à natureza humana chorar quando se está deprimido e sofrendo.
Como vimos a depressão está relacionada com a presença de excessos no
organismo.
Logo, as lágrimas também são “excessos” e atuam como filtros para livrar o corpo
de líquidos supérfluos e substâncias tóxicas.

O baço corresponde à depressão, que é uma das principais causas da imoralidade.


Lilit é a “mãe da grande mistura de gente”.
Ela se assemelha a uma prostituta, uma mulher promíscua que gera “filhos
misturados”.
Ela também é comparada a uma “criada” que deve ser subjugada a sua patroa.
Do mesmo modo, as forças do materialismo devem permanecer sob o domínio do
Reino do Céu, a força da espiritualidade. É por essa razão que a recitação do
Shemá - a aceitação do jugo do Céu - ajuda a pessoa a controlar suas tendências
materialistas e a superar seus desejos luxuriosos.
Porém, se o indivíduo é exposto a muitos pensamentos lascivos, a mera recitação
do Shemá não é suficiente.
Ele deve também derramar lágrimas enquanto aceita o jugo do Céu, porque as
lágrimas são líquidos em excesso no corpo, chorando, ele remove a matéria
residual que é expelida pelo baço - a melancolia.
Assim, verter lágrimas pela espiritualidade combate os efeitos da melancolia.

Esaú Versus Lea


No nível espiritual, há dois tipos de lágrima.
Um é como as lágrimas de Esaú, que chorava amargamente pelo desejo de
experimentar todos os prazeres deste mundo (Gênesis 2 7:38).
O outro é como as lágrimas de Lea, que chorou quando suplicava para não ser
entregue a Esaú sendo forçada a casar-se com ele (Gênesis 29:17).

O Rav Natan escreve que a pessoa deve empenhar-se para livrar-se da luxúria, dos
excessos de seu organismo. Se não o fizer, estes excessos permanecerão no corpo,
envenenando-o.
Os líquidos supérfluos, que representa a depressão e dão origem a traços de
caráter negativos, correspondem a Esaú e Ismael, as forças do mal.
Quando não são filtradas, essas impurezas continuam a correr pelo corpo e por fim
afetarão a mente, convencendo a pessoa da “necessidade” da luxúria, Deus nos
livre.
Esaú e Ismael representam as filosofias estranhas que desviam o indivíduo do
caminho da retidão. Elas podem ser comparadas à árvore do conhecimento do bem
e do mal. Foi ordenado a Adão e Eva que não comessem dessa árvore.
A serpente, sabendo disso, começou a racionalizar esse ato com eles: “Se
comerem, vocês serão como Deus”, e assim por diante. No final, eles sucumbiram
aos falsos argumentos da serpente e comeram da árvore. Assim, foi o excesso de
pensamento e racionalização que levou Adão a pecar. Racionalizações semelhantes
provocam um grande dano em nossa capacidade de distinguir entre o verdadeiro e
o falso.
O choro, o derramamento de lágrimas pela espiritualidade, remove os excessos do
corpo. Chorar, suplicar e rogar a Deus em nossas orações para que Ele nos auxilie a

2
crescer espiritualmente ajuda a eliminar os excessos impuros, “Esaú e Ismael”, do
organismo.

Os Rins
Os rins contêm milhares de minúsculas unidades de filtragem que atuam sobre os
líquidos e a matéria residual e os enviam a seus devidos destinos, seja reciclando-
os e devolvendo-os ao organismo, seja excretando-os.
Os rins também controlam o nível de sal e de outros minerais essenciais no corpo.
É significativo o fato de haver um rim direito e um esquerdo.
A medicina não explica por que é necessário um par de rins, já que a pessoa pode
viver apenas com um.
Mas espiritualmente isso faz muito sentido.
O Tamud ensina que “os rins aconselham”.
O Rashi explica que essa idéia provém do seguinte versículo (Salmos 1 6:7):
“Bendirei ao Eterno que me guia; até de noite os meus rins me advertem”.
O Maharshá comenta que o par de rins indica o livre-arbítrio do homem, sua
capacidade de escolher entre o verdadeiro e o falso.
Também se observa que a principal atividade física dos rins, o processamento e a
purificação das substâncias tóxicas e das matérias residuais do corpo, ocorre à
noite, quando a pessoa descansa. (Quando nos deitamos com as pernas para o
alto, há um aumento do fluxo de sangue para os rins, e conseqüentemente do
volume de sangue purificado por eles.)
Isso é sugerido pelas palavras “até de noite os meus rins me advertem”.
O versículo também mostra que a atividade espiritual dos rins segue o mesmo
padrão da física.

Às vezes, tanto o bem como o mal parecem ser a escolha certa.


Os rins nos lembram de que há um lado direito e um lado esquerdo, que
representam o bem e o mal; e nos advertem “de noite” (quando está escuro e
estamos mais propensos a pecar), para que, nas ocasiões mais cruciais, possamos
escolher o que é certo.
Assim como os rins reciclam o utilizável e excretam os resíduos, nós também
devemos escolher e usar o que é bom, e rejeitar o mal.
Logo, “Os rins aconselham e o coração compreende”.
Há um ensinamento de nossos Sábios que é um excelente exemplo disso:
“Abrahão não tinha mestre. Então, como ele estudou a Torá? Deus fez os seus rins
agir como duas fontes de sabedoria, e eles lhe ensinaram Torá e sabedoria”. Eles
agiram como duas fontes: uma para ensinar a Abrahão os mandamentos positivos
e como cumpri-los, e a outra para impedi-lo de transgredir os mandamentos
proibitivos. Nossos Sábios ensinam que “Abrahão cumpria a Torá inteira mesmo
antes que ela fosse dada!”

A Árvore do Conhecimento
Vimos que a árvore do conhecimento do bem e do mal representa o conselho.
Nosso estudo dos rins revela agora que o corpo humano contém sua própria
“árvore do conhecimento do bem e do mal”, com a capacidade de distinguir o bem
do mal, o certo do errado.
A clareza das escolhas que podemos fazer depende de como esses filtros são
alimentados. Permitiremos que a serpente nos dê para comer dos frutos dessa
árvore, ou seguiremos o caminho da espiritualidade e receberemos nosso sustento
de um verdadeiro tsadic?
O Rav Nachman nos ensinou que os rins aconselham.
Eles também participam do sistema reprodutor [através das glândulas adrenais,
com as quais estão intimamente ligados].
Ouvir um conselho é como receber uma “semente”.
Esse conselho pode “fazer nascer” escolhas e atos.

3
Portanto, é fundamental só ouvir conselhos bons e válidos, de pessoas capazes de
aconselhar - os verdadeiros tsadikim.
A mente do tsadic é pura, logo, o seu conselho é correto.
Os órgãos reprodutores (isto é, o “conselho” dos rins) podem ser vistos como as
“partes do corpo que fazem nascer novas idéias”.
É importante entender que, se a mente estiver de alguma maneira maculada, a
pessoa não será capaz de determinar se o conselho que recebeu ou escolheu é
válido e apropriado.
Por isso, o Rav sugere que só se peça conselho a uma tsadic.
Desse modo, o indivíduo não precisa confiar somente em seu próprio “sistema de
filtragem”, que pode ou não estar funcionando adequadamente.

O paralelo que o Rav Nachman estabelece entre a reprodução e o aconselhamento


tem implicações ainda mais profundas.
Ao nascer, a criança não é um diamante polido.
São necessários muitos e muitos anos de esforço intenso para criá-la e educá-la, e
só depois que ela atinge a maturidade começamos a ver os verdadeiros frutos de
nosso trabalho.
Mesmo nesse ponto, só nos resta esperar e pedir a Deus que ela continue a
desenvolver-se no caminho certo. Dar ou receber conselho funciona de forma muito
semelhante. Quando pede um conselho, você não pode saber quais serão as
consequências de segui-lo. Só lhe cabe esperar ter escolhido um bom conselheiro,
cuja orientação lhe traga satisfação e estabilidade no futuro.

Muitos se consideram capazes de aconselhar os outros - e até a si mesmos.


Mas será que eles realmente podem ver “além do horizonte”?
Assim como a árvore precisa ser nutrida durante muitos anos para dar frutos, os
resultados satisfatórios dos conselhos dos tsaclikim quanto à maneira de alcançar
uma vida espiritualizada só podem ser vistos depois de anos de esforço.
Do mesmo modo que, no momento do nascimento, não vem à luz um indivíduo já
maduro, os conselhos dos tsadikim devem ser absorvidos, contemplados e seguidos
judiciosamente, no devido tempo, de acordo com a capacidade de cada um.
A pessoa precisa ter muita paciência para filtrar o organismo repetidas vezes, até
conseguir purificar-se.
Só então ela começará a experimentar uma vida verdadeiramente espiritual.

O Resultado “Final”
Este é seu “kessel‟ - seu jeito tolo; falam de forma tranqüilizadora sobre o seu fim.
Salmos 49:14.

Esse capítulo dos Salmos fala da incapacidade das pessoas de reconhecer que a
morte é uma realidade que se aplica a elas.
Os seres humanos se vêem como imortais, apesar de admitirem que ninguém vive
para sempre. Ao invés de se prepararem com suprimentos espirituais que os
acompanhem pelo longo caminho, eles muitas vezes se dedicam apenas a
atividades puramente materiais.
A respeito disso, o Rav Natan escreve: Embora a vaca vermelha tenha sido criada
para purificar os que estavam impuros, curiosamente ela não era sacrificada no
recinto do Templo Sagrado.
Na verdade, todas as ações relacionadas com a vaca vermelha tinham de ser
realizadas fora dos muros do Templo!.

Poder-se-ia pensar justo o contrário.


Se o serviço feito com a vaca vermelha consegue purificar até a pessoa mais
impura, não se deveria exigir que cada etapa de sua preparação fosse efetuada em
local sagrado?

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Porém, é exatamente por essa razão que ele deve ser executado fora do espaço
mais sagrado: o conceito da vaca vermelha representa um conselho muitíssimo
profundo - como se aproximar daqueles que parecem estar completamente
afastados da espiritualidade e estender-lhes a mão para ajudá-los.
Mesmo nos lugares mais distantes da santidade, é possível perceber o vazio e a
falsidade de uma vida materialista e começar a buscar a espiritualidade.

Na realidade, este mundo materialista é pura futilidade - uma sombra passageira -


e a vida é extremamente fugaz porque o materialismo parece tão atraente que as
pessoas tendem a ignorar suas implicações mais perigosas.
Elas podem perder de vista o bom conselho que está à sua disposição e perseguir
os bens materiais. “O que podemos fazer?”, dizem, “já estamos tão mergulhados
na materialidade!”.

É isso que significa o versículo “Este é seu kessel - seu jeito tolo; falam de forma
tranqüilizadora sobre o seu fim”.
O Rashi explica que “Você poderia pensar que eles esquecem sua mortalidade.
Porém, o versículo afirma: „Falam de forma tranqüilizadora sobre o seu fim.‟
É o seu kessel, sua tolice, que os faz desconsiderar o seu fim.”

A palavra hebraica “kessel” pode ser traduzida como “tolice” e como “lombo” (as
gorduras que envolvem os rins). Se os indivíduos desencaminhados ao menos
ouvissem o conselho de seus rins quanto à maneira de purificar o organismo, eles
com certeza cresceriam espiritualmente.
Mas há “gorduras” que cobrem e escondem os rins.
Elas são os chamarizes do mundo materialista que camuflam o verdadeiro objetivo
do homem.

Assim, o propósito do serviço realizado com a vaca vermelha é demonstrar que


mesmo “fora” - nos lugares mais remotos, mais afastados da espiritualidade -
Moisés, personificado no verdadeiro tsadic, está presente com conselhos para
ajudar os que desejam superar seu ambiente material.
Até mesmo aí, ele ilumina os espaços mais escuros com conselhos verdadeiros,
possibilitado que a pessoa se aproxime de Deus.

Confiança
Tu desejas verdade em meus rins [batuchot], e ensina-me sabedoria em meu
coração. Salmos 51:8

Para que eu saiba a verdade, de modo que meus rins me dêem bom conselho, Tu
deves colocar sabedoria dentro de mim.

A palavra hebraica “bitachon” significa “confiança”. Ter bitachon em Deus, confiar


que Ele provê às necessidades do homem, é uma atitude extremamente elevada.
Os rins são chamados em hebraico de “batuchot”, vocábulo semelhante a bitachon,
“confiança”.

A abundância provém da confiança em Deus.


Ouvir histórias e ensinamentos dos verdadeiros tsadikim desperta a pessoa de seu
sono espiritual. Então ela pode exprimir-se com fervor diante de Deus.
Suas palavras fortalecem-lhe a fé e a confiança em Deus, o que traz maior
abundância ao mundo.
Mas existem formas de confiança falsas e inapropriadas, contra as quais devemos
acautelar-nos. Desenvolver a confiança em Deus ajuda a eliminar as formas falsas
de confiança e gera prosperidade.

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Quando a pessoa trabalha com diligência para alcançar um estilo de vida espiritual,
seus rins, isto é, o conselho que ela escolhe, a orientarão a depositar cada vez mais
confiança em Deus.
Deus, por sua vez, colocará Sua sabedoria dentro dessa pessoa, de maneira que ela
se verá ainda mais direcionada para a espiritualidade.
Quando o homem se volta para Deus, cumprindo assim o propósito principal de sua
criação, Ele lhe concede abundância para que sua elevação espiritual possa
continuar.

Revisão
Até agora vimos as influências negativas que os instintos mais abjetos do homem
podem exercer sobre a alma, além de várias maneiras de combatê-las.
Examinamos também os quatro humores, três dos quatro elementos básicos - fogo,
água e terra - e alguns de seus efeitos sobre as emoções. (O elemento ar será
analisado em texto futuro).

O organismo humano dá a impressão de ter sido projetado para nutrir


características negativas.
O sistema digestório parece ser programado para dirigir a pessoa para o
materialismo.
As próprias veias pelas quais fluem o sangue impuro e os desejos excessivos agem
como pontas-de-lança dos impulsos imorais e da instabilidade emocional.
Isso explica por que a atração física e emocional do homem pelo materialismo se
inicia tão cedo, já no nascimento.
Como ensinam nossos Sábios : “A má inclinação começa o seu trabalho logo que o
bebê nasce!”.
Mas isso não significa que o homem não tenha recursos, nem que não possa travar
batalha contra essas más características.
Pois “Deus os fez correspondendo um ao outro” (Eclesiastes 7:14).
Assim, a “lei do paralelismo” dita que o homem tem livre-arbítrio para escolher o
caminho que deseja seguir (como demonstram os rins).
Portanto, se Deus projetou o ser humano para ter más inclinações, Ele também lhe
forneceu as ferramentas necessárias para superar esse mal, porque, como vimos,
os próprios sistemas internos que tendem a afastar-nos da espiritualidade contêm
elementos que nos podem guiar para uma existência espiritual.

Continua

6
Anatomia da Alma – Parte 13

Sistema Nervoso Central

Introdução
O cérebro é, de longe, o órgão mais complexo do corpo humano.
Com a medula espinhal (o grosso cordão de tecido nervoso que é um
prolongamento dele), o cérebro compõe o sistema nervoso central.
Ele é constituído de uma massa de tecido mole, chamada em linguagem coloquial
de “massa cinzenta” (embora seja cinzenta e branca), e, como diretor do sistema
nervoso, é o órgão do pensamento e da coordenação neural.
Com suas dezenas de bilhões de células, o cérebro transmite e recebe milhões de
mensagens por minuto.
Por exemplo, ele controla o ritmo do coração e da respiração e mantém o equilíbrio
químico do organismo, além de responder aos vários estímulos provenientes do
corpo inteiro e do ambiente externo.
O cérebro funciona como a unidade de processamento central de um
supercomputador.
Recebe constantemente informações de todos os órgãos e receptores e coordena as
atividades entre eles, além de armazenar essas informações na memória.
O cérebro também age como um posto de comando, assegurando a sinergia global
do organismo.
Em suma, tudo que acontece no corpo foi em algum momento processado por essa
massa cinzenta denominada cérebro.
O Rav Nachman ensinou que “A mente é o comandante superior do corpo”.

O encéfalo se divide em três partes principais - o cérebro, o cerebelo e o tronco


cerebral (mesencéfalo/medula oblonga).
Cada uma delas desempenha funções diferentes, porém perfeitamente
coordenadas.
O cérebro é a sede do intelecto, o cerebelo coordena os movimentos corporais, e o
tronco cerebral (composto pela medula, protuberância anular, mesencéfalo e
hipotálamo) transmite impulsos por todo o sistema nervoso.
Essas três áreas fundamentais do encéfalo atuam como veículos de seus
respectivos “mochin”, as faculdades espirituais do intelecto: o cérebro é a sede de
Chochmá (sabedoria); o cerebelo, de Biná (entendimento); e o tronco cerebral, de
Dáat (conhecimento).
O crânio, que abriga os mochin, corresponde a Kéter (coroa).

O Sistema Nervoso Central


O cérebro é a seção mais volumosa do encéfalo, ocupando a maior parte do crânio,
a caixa óssea que envolve e protege o encéfalo. O cérebro é o centro do intelecto,
da memória, da linguagem e da consciência.
Ele recebe e interpreta as informações transmitidas pelos sentidos e controla as
funções motoras do corpo.
Está dividido em duas metades, conhecidas como os hemisférios direito e esquerdo.
O hemisfério direito é associado às faculdades não verbais, não temporais,
relacionais, intuitivas e holísticas.
O hemisfério esquerdo está ligado com as faculdades verbais, temporais, analíticas,
racionais, lógicas e lineares.

O cerebelo é a segunda maior parte do encéfalo.


Está localizado logo abaixo do cérebro, na região posterior do crânio, próximo ao
tronco cerebral.
O cerebelo é responsável pela postura, pela coordenação e tônus muscular, e pela
manutenção do equilíbrio.

1
O tronco cerebral está situado perto do centro do encéfalo e desce até a
protuberância anular e a medula oblonga, onde se conecta com a medula espinhal.
Ele é composto principalmente de nervos que passam através da medula espinhal e
vão ao encéfalo, servindo assim de canal de transmissão de mensagens entre o
cérebro e o resto do corpo, através do sistema nervoso.
O tronco cerebral também controla e regula muitas funções corporais automáticas e
involuntárias.

A medula espinhal é constituída de tecido nervoso que passa pela coluna vertebral.
Trinta e um pares de nervos espinhais ligam o cérebro à medula espinhal e a
medula espinhal aos músculos, ao aparelho sensorial e a outras partes do corpo.
Junto com doze pares de nervos cranianos (assim chamados porque se ligam
diretamente ao encéfalo), eles controlam movimentos voluntários e sensações.
Os nervos do sistema nervoso vegetativo, que controla e regula funções motoras
involuntárias, como a do coração, pulmões, intestinos e vasos sanguíneos, também
se originam aí.

Os Mochin: Uma Visão Cabalística


Encontramos na Bíblia e nos escritos talmúdicos e cabalísticos muitas referências a
Chochmá (sabedoria), Biná (ou Tevuná; entendimento e / ou lógica) e Dáat
(conhecimento).
As três formam a “cabeça” da “árvore da vida das sefirot” e são chamadas, em
conjunto, de “mochin” (faculdades intelectuais).
As sete sefirot inferiores correspondem ao “corpo” e são denominadas “midot”
(traços de caráter), através das quais os mochin se manifestam.
Quando se medita sobre as sefirot, é aconselhável que, de forma alternada, elas
sejam ora visualizadas como um sistema unificado, ora consideradas como poderes
individuais ou grupos de poderes.
Como sistema unificado, as sefirot representam as fases compreendidas entre um
impulso ou vontade inicial (Kéter) e um ato final que satisfaz essa vontade
(Malchut).
Kéter pode ser visto como causa, e Malchut como efeito.
Todas as outras sefirot - tudo que acontece ao longo do caminho - são etapas do
processo de realização do impulso inicial.

A árvore da vida das sefirot costuma ser apresentada em três colunas: direita,
esquerda e do meio. À direita, correspondendo ao hemisfério direito do cérebro, ao
braço direito e à perna direita, respectivamente, encontram-se Chochmá, Chéssed
e Nétsach. À esquerda, correspondendo ao hemisfério esquerdo do cérebro, ao
braço esquerdo e à perna esquerda, estão Biná, Guevurá e Chochmá.
No meio, correspondendo ao tronco cerebral, à coluna vertebral e aos órgãos
sexuais, localizam-se Kéter, Tiféret, Iessod e Malchut. (Como veremos, a quase-
sefirá de Dáat só é incluída entre as sefirot quando Kéter não é, e vice-versa.).
Na Cabalá, a “direita” representa o conceito de misericórdia, amor e iluminação
ilimitados e incondicionais.
A “esquerda” simboliza o conceito de doação limitada e condicional (dependente do
merecimento ou da capacidade de receber do receptor).
O “meio” significa a sinergia perfeita dos dois pólos.
Como vimos as noções de direita, esquerda e meio são mencionadas na introdução
do Zôhar, intitulada “Petichat Eliahu” (Discurso de Elias), que aparece em muitos
livros de oração.
Essas dez sefirot estão dispostas numa ordem especial de três colunas.
A coluna direita é descrita como “longa” [porque representa amor e bondade].
A coluna esquerda é descrita como “curta” [porque representa julgamento e o
poder de limitação].
A coluna do meio, ou tronco, é chamada de “intermediária” [porque representa
misericórdia, a harmonia perfeita entre amor e limitação]. [Desta maneira, as dez

2
sefirot servem de canais através dos quais Deus regula Sua interação com os seres
humanos de acordo com seus atos.]
Acima de tudo, é Ele apenas que as dirige.
Nenhum poder O governa - nem em cima, nem embaixo, nem de qualquer lado.

As sefirot também podem ser vistas em grupos de três.


Kéter, Chochmá e Biná formam a tríade superior; Chéssed, Guevurá e Tiféret
compõem a segunda, do meio; Nétsach, Hod e Iessod constituem a terceira, a mais
baixa.
Por conter um conjunto completo de direita, esquerda e meio, cada tríade expressa
uma ação plena.
A tríade superior representa a concessão máxima de misericórdia,
independentemente de nosso mérito.
As tríades do meio e inferior refletem um exame cada vez mais rigoroso de nosso
mérito, a tal ponto que Deus pode negar Sua misericórdia se não formos
merecedores.
Evidentemente, a negação também é uma manifestação de amor.
Esse princípio pode ser encontrado no relacionamento entre pais e filhos.
Um pai que ama o filho não cederá a todos os seus caprichos.
O verdadeiro amor envolve o estabelecimento de limites, que mostra à criança que
o que ela faz tem consequências.
Sem limites claros, uma criança não pode ser considerada responsável por seus
atos; sem responsabilidade, ela jamais poderá amadurecer de fato.
Deus é o Pai supremo.
Não há nada que Ele deseje mais do que nos conceder Sua bondade.
Porém, Ele Se limita visando ao nosso próprio bem, até que cresçamos.
Tudo isso e muito mais é sugerido pelas várias combinações e configurações
inerentes à árvore da vida das sefirot.

Para falar sobre estas sefirot vamos utilizar um material do Rav Aryeh Kaplan onde
adaptamos as idéias aí apresentadas para atender os nossos propósitos.

Kéter: A Coroa
A palavra “Kéter” significa “Coroa”.
Como a coroa fica sobre a cabeça, Kéter está acima de todas as outras sefirot.
Assim, muitas vezes o Zôhar o denomina “gulgolta” (crânio).
Kéter também corresponde à luz espiritual, ou aura, que envolve nosso corpo e nos
liga à raiz de nossa alma na dimensão espiritual.
Kéter uma palavra cifrada que significa “a vontade de Deus”, a razão e causa
suprema pelas quais Ele criou tudo que existe, e também o propósito e objetivo
maior que toda a criação deve alcançar.
A única finalidade deste mundo é que o homem aspire a uma vida espiritual,
busque a Divindade.
Conforme subimos a escada espiritual, nós nos aproximamos cada vez mais da
vontade suprema de Deus.
É justamente por isso que Kéter é associado ao nível mais básico e forte de nosso
livre-arbítrio.
Na esfera de Kéter, não somos compelidos nem por nossa predisposição interna
nem pelas circunstâncias externas; nossas decisões são totalmente independentes.
Isso ocorre porque a “força de vontade” emana de nossa essência, a parte do nosso
ser que se assemelha a Deus.
Quando nos conectamos com esse grau profundo de volição interna, podemos
mover montanhas e somos capazes de elevar-nos às maiores alturas espirituais.
O Rav ensinou o seguinte:

Quem poderia dizer “Estou servindo verdadeiramente a Deus”?

3
Deus é tão sublime e venerável que nem mesmo os anjos podem compreendê-Lo.
Sendo assim, qual é a utilidade de nossas devoções?
A resposta é que devemos desejar servir a Deus.
Este desejo, ou vontade, é tão poderoso que define o propósito da criação: que o
ser humano deve querer servir a Deus.
O Rav Natan acrescenta: “Mesmo que alguém não consiga realizar a mitsvá que
deseja, mesmo que a própria capacidade de praticar a boa ação lhe seja tirada,
ninguém pode controlar sua mente; ninguém pode subtrair-lhe o livre-arbítrio.
Aquele que aproveita ao máximo a energia de sua própria vontade é incluído na
“vontade das vontades‟, o mais alto dos níveis, Kéter”.

Chochmá (Sabedoria) e Biná (Entendimento)


Enquanto Kéter é relacionado com o crânio, Chochmá e Biná são comparadas aos
dois hemisférios do cérebro.
Juntas, Chochmá e Biná são chamadas “as coisas ocultas”, porque, assim como os
pensamentos de uma pessoa só se tornam aparentes por meio de seus atos, os
efeitos de Chochmá e Biná só são visíveis quando revelados pelas sefirot mais
baixas.
Uma das fontes bíblicas de Chochmá e Biná é o seguinte versículo dos Provérbios
(3:19): “Deus criou a terra com Chochmá; Ele estabeleceu os céus com Biná.”
A Bíblia está afirmando aí que Chochmá e Biná são as forças básicas que Deus
empregou na criação do mundo.
Do ponto de vista do Divino, Chochmá constitui os axiomas que definem o mundo,
enquanto Biná representa o sistema lógico que liga esses axiomas.
Todas as leis da natureza são fundamentalmente axiomas.
Mesmo o axioma mais simples contém vários níveis.
Por exemplo, o axioma que diz que “a menor distância entre dois pontos é uma
reta” pressupõe a existência de pontos, retas, espaço, e assim por diante.
Todas essas categorias existem em Chochmá.
Em Biná, elas interagem logicamente e emergem como um sistema coerente de
leis.
Na perspectiva humana, Chochmá se manifesta como sabedoria Divina transmitida
por revelação profética.
Ela exprime a capacidade de atravessar as camadas superficiais da realidade e
perceber a essência das coisas.
Isso pode ser visto na construção da própria palavra Chochmá.
Se transpusermos as duas primeiras letras, obteremos Côach Má - literalmente, “o
“potencial de „o quê?””, ou o poder de questionar.
Neste sentido, Chochmá, Côach Má, refere-se à pergunta sobre o que uma coisa é
de verdade, a sua essência.
Chochmá também é chamada de “início”, como em “Reshit Chochmá
- O começo é sabedoria” (Salmos 111:10).
Análoga ao hemisfério direito, não verbal, do cérebro, Chochmá corresponde aos
axiomas fundamentais da cognição que estão subjacentes a todos os nossos
processos de pensamento.
Alguns desses axiomas já existem em nossa mente quando nascemos, outros lhe
são incorporados por meio de nossas experiências durante a vida.
Eles formam a base da nossa capacidade de estruturar e categorizar informações, e
assim adquirir sabedoria.

Biná é a capacidade de deduzir informações adicionais de dados que já foram


recebidos.
O Talmud define Biná como a “faculdade de entender ou distinguir uma coisa da
outra” (Sanédrium 93b).
Ela se assemelha à palavra hebraica “Bein”, que significa “entre”.
Neste sentido, Biná denota a habilidade de apreender relações implícitas.

4
Assim, enquanto Chochmá nos permite chegar à essência das coisas, Biná nos
possibilita percebê-las em relação com as outras.
No nível de Chochmá, tudo que existe é potencial ou essência indiferenciada.
É por meio de Biná que a mente diferencia as coisas.
Chochmá representa, portanto, o conhecimento indiferenciado, enquanto Biná é a
fonte da capacidade de analisar esse conhecimento e decompô-lo em seus
elementos constitutivos.
Podemos fazer uma analogia com a água (Chochmá) que flui através de um
sistema de canos (Biná).
A água em si mesma é um líquido “indiferenciado”, que não tem uma estrutura
macroscópica definida.
A estrutura lhe é imposta quando ela corre através da tubulação.

Deve-se mencionar que, em geral, as pessoas tendem a oscilar na aplicação de


Chochmá e Biná. Elas o fazem inconscientemente.
Porém, o sistema de pensamento cabalístico enfatiza a importância de tomar
conhecimento dessas mudanças sutis de estado de consciência e a necessidade de
integrá-las para que funcionem juntas.
Esse é o significado da seguinte afirmação do Sêfer Ietsirá (O Livro da Formação
1:4), uma instrução para meditação: “Entenda com sabedoria e seja sábio com
entendimento.”
A relação entre Chochmá e Biná também é expressa na Cabalá em termos de
masculino e feminino.
Na formação do ser humano, o homem fornece o espermatozóide, e a mulher o
acolhe no útero durante nove meses, até o surgimento de uma criança plenamente
desenvolvida.
Da mesma maneira, Chochmá assume a forma de uma série de fatos que podem
ser colocados no “útero” de Bíná para que deles se desenvolva uma estrutura lógica
completa.
Vemos assim que a força criativa masculina só pode ser aproveitada quando é
recebida, canalizada e processada dentro do “útero” feminino. [Essa idéia é
consistente com a relação entre sefirá e partsuf. Assinalamos aí que a sefirá de
Chochmá corresponde ao partsuf de Aba (pai), enquanto a de Biná corresponde a
Ima (mãe).].

Outro sentido de Chochmá faz alusão ao passado, enquanto Biná se refere ao


futuro.
Isso pode ser visto nas palavras “masculino‟ e “feminino” em hebraico.
Masculino é “zachar”, vocábulo formado pelas mesmas consoantes de “zocher”
(lembrar).
Feminino é “nekevá”, que contém as mesmas consoantes de “nikev” (perfurar;
penetrar).
Assim, o masculino “lembra-se” do passado, enquanto o feminino “penetra” no
futuro.
Tanto Chochmá como o passado podem ser explicados em termos das “informações
que possuímos”. O futuro, por outro lado, só existe nas projeções de nossa
imaginação, que são produtos de Biná.
Devemos, portanto, usar nossa Biná para “vê-lo”.

Dáat (Conhecimento)
Como vimos, Chochmá “fecunda” Biná, o “útero”, que “armazena” o passado e “dá
à luz” o futuro. Contudo, embora possamos recordar o passado e talvez antever o
futuro, só conhecemos o presente.
Dáat (conhecimento) é o resultado da confluência de Chochmá e Biná.
O momento presente, situado na interseção entre o passado e o futuro,
corresponde a Dáat.
Dáat representa, portanto, a idéia da união perfeita de opostos.

5
É por essa razão que a Torá usa esse termo para referir-se a relações conjugais,
como no seguinte versículo (Gênesis 4:1): “E Adão conheceu Eva, sua esposa”.
Não há relacionamento mais íntimo do que o conhecimento entre marido e mulher -
dois opostos.
Por meio das relações matrimoniais, os cônjuges se tornam “uma só carne” (ib.
2:24) e podem conceber um filho que constituirá a unificação tangível de suas
características.
Assim, tanto a união de marido e mulher como o filho nascido dela personificam o
conceito de Dáat.
Dáat é também uma manifestação especial de Kéter.
Isso pode ser visto no fato curioso de quase nunca encontrarmos Kéter e Dáat
juntos na representação da estrutura das sefirot.
Sempre que Kéter é contado entre as dez sefirot, Dáat é excluída, e vice-versa.

O Arizal discute a relação mutuamente excludente entre Kéter e Dáat em


diversos lugares.
Kéter e Dáat são, respectivamente, as manifestações interna e externa do mesmo
conceito.
Kéter, como vimos, equivale à nossa vontade mais básica, a volição interior
inviolável.
Dáat, por outro lado, é o nível do intelecto que empregamos para nos conectarmos
com o mundo.

No que concerne a Chochmá e Biná, Dáat representa uma manifestação externa.


Chochmá e Biná são processos completamente internos, e por isso são
denominadas “as coisas ocultas”, enquanto Dáat é a capacidade de expressar essa
atividade interior para os outros. Assim, Chochmá e Biná, e também, em grau mais
elevado, Kéter, são as forças subjacentes aos processos internos de pensamento,
enquanto Dáat é a base da capacidade de comunicar os próprios pensamentos de
forma efetiva.
Na esfera da consciência humana, vimos que Chochmá representa o que se poderia
chamar de pensamento puro e indiferenciado, ainda não decomposto em idéias ou
conceitos diferenciados.
No nível de Chochmá, encontramos os axiomas mais básicos da existência numa
espécie de unidade primordial.
Bíná, o nível seguinte, representa o poder de diferenciação, a capacidade de
analisar e fazer distinções lógicas.
Nesse sentido, Biná é o sistema lógico pelo qual os axiomas fundamentais de
Chochmá são delineados e definidos.
Dáat poderia ser denominada “lógica aplicada”, a manifestação da mente interior.
Portanto, Dáat é a capacidade de comunicar o que sabemos.
Isso pode ser visto na definição talmúdica de surdo-mudo:
“O surdo-mudo não tem Dáat”.
Embora ele possa ter as faculdades intelectuais, por lhe faltar a capacidade de
transmitir seu conhecimento ao mundo, considera-se que ele não tem Dáat.
Por outro lado, quando se torna capaz de comunicar-se, seja por escrito, seja pela
linguagem de sinais, ele deixa de ser classificado como “mudo” pela lei judaica.
Vemos assim que a capacidade fundamental de comunicar-se e estabelecer uma
relação inteligente com o mundo externo é função de Dáat.

Juntas, Chochmá, Biná e Dáat constituem os processos mentais básicos


subjacentes a toda expressão criativa. No entanto, apesar de representarem os
níveis mais abstratos da mente, elas na verdade se derivam do impulso primordial
da vontade (Kéter), que é muito mais sutil e abstrato e está acima dos axiomas e
da lógica da criação.
Kéter, portanto, abrange Chochmá, Biná e Dáat numa unidade transcendente.

6
Isso é demonstrado por uma guematria (equivalência numérica) muito
impressionante: a soma dos valores numéricos de Chochmá (73), Biná (67) e
VeDáat (480) , o valor exato de Kéter (620).

Criação: O Centro Nervoso


“Deus criou a terra com Chochmá; Ele estabeleceu os céus com Biná; e com Dáat
dividiu os abismos”.
(Provérbios 3:19-20).

Na história da criação (Gênesis 1), o Nome Divino Elohim é mencionado 32 vezes,


que equivalem aos 32 caminhos da sabedoria com os quais Deus criou o mundo.
Se buscássemos um paralelo no corpo humano, esses 32 caminhos
corresponderiam ao sistema nervoso.
Trinta e um pares de nervos espinhais ligam a medula espinhal aos músculos, ao
aparelho sensorial e a outras partes do corpo.
O trigésimo segundo caminho, o nível mais elevado, corresponde a todo o
complexo de nervos cranianos.

[E Esaú disse:] “Não se chama ele com razão Jacob, visto que por duas vezes me
enganou? Primeiro tomou a minha primogenitura, e eis que agora tomou minha
bênção!”
Gênesis 27:36.

Com base neste versículo, o Rav Nachman ensina que o patriarca Jacob (Yaacov)
representa o intelecto. Isso pode ser verificado no Targurn (tradução) aramaico do
versículo, no qual “ele me enganou” – “vaiaakveni” é traduzido como
“vechachmeni” (palavra derivada de chochmá).
Como se sabe, Jacob teve doze filhos.
Jacob e seus filhos são associados ao caminho mais elevado da sabedoria: Jacob é
análogo ao cérebro, e os doze filhos, aos doze nervos cranianos ligados a quatro
dos cinco sentidos: visão, audição, olfato e paladar.

Os 31 pares de nervos espinhais que saem da medula espinhal e se estendem pelo


corpo inteiro correspondem aos outros 31 caminhos da sabedoria.
Estes nervos são responsáveis pela maior parte do quinto sentido, o tato, que
conecta o cérebro com o resto do corpo.
Os 31 nervos espinhais, portanto, são associados a Dáat, que reside no tronco
cerebral e se propaga pela medula espinhal e outras partes do sistema nervoso
para ligar o corpo inteiro à mente.
Essa abordagem é coerente com o princípio geral segundo o qual tudo que é
formulado em Chochmá e Bíná é canalizado para as sefirot inferiores através de
Dáat.
Por meio de Dáat, integramos os níveis mais altos de consciência, Chochmá e Biná,
a todas as nossas ações.
Assim, podemos explicar o versículo citado acima à luz de nossa compreensão das
sefirot superiores:
“Deus criou a terra [o homem] com Chochmá; Ele estabeleceu os céus com Biná [a
integração de Chochmá]; e com Dáat dividiu os abismos [criou um sistema pelo
qual o homem pode ter acesso às profundezas da criação e incorporá-las a todos os
seus atos].”
Quando desenvolvemos nosso intelecto concentrando-nos na espiritualidade,
evocamos os próprios poderes da criação!

Continua

7
Anatomia da Alma – Parte 14

Intelecto Fiel

Dizemos que Chochmá e Biná correspondem ao intelecto, ao que conhecemos e


entendemos.
Kéter, por outro lado, é análogo à fé - não uma fé “irracional”, mas uma fé que ao
mesmo tempo inclui e transcende o intelecto.

O intelecto de Deus é infinito; o nosso não é.


Por mais que subamos a degraus elevados da escada espiritual, sempre haverá
níveis ainda mais altos dos quais nem seríamos capazes de aproximar-nos.
O intelecto humano pode ser comparado à mente de uma criança que está em
constante aprendizagem - seja com o auxílio de professores, de livros ou das
experiências da vida.
À medida que cresce, ela compreende mais; é fortalecida pelos conhecimentos que
adquire, e estimulada a aprender ainda mais.
Cada nova descoberta abre horizontes mais amplos.
O indivíduo percebe então que há muito mais a saber do que ele pensara
inicialmente. Sempre restarão campos inteiros de conhecimento que ainda são
desconhecidos, níveis cada vez mais altos de sabedoria que ele precisa dominar.
Essa percepção o torna mais humilde.
Nós somos essa criança.
Antes que nos precipitemos como o proverbial “elefante numa loja de cristais”,
devemos tomar consciência de nossas presentes limitações e mostrar humildade.
Embora o nosso desejo seja alcançar os níveis mais elevados de entendimento
espiritual, não podemos esperar que o nosso próprio intelecto, ainda em
amadurecimento, sozinho nos conduza a eles.
Devemos desenvolver um respeito saudável pelos nossos mestres, depositando
nossa fé nos que são mais sábios do que nós.
Acima de tudo, devemos ter fé na existência de um Deus cujo intelecto transcende
o nosso.
Esta fé por si mesma nos impulsionará para os graus intelectuais mais altos.
Ela também criará dentro de nós a humildade necessária para que evitemos
avançar demais, ou com rapidez excessiva, em nossa busca.

O Rav Nachman ensinou que um cabalista deve sempre visar à sabedoria mais
elevada e ao intelecto mais profundo que se encontra em tudo.
Ele deve ligar-se a esse intelecto de modo que este possa iluminar o seu próprio
intelecto.
Dessa maneira, ele será capaz de aproximar-se de Deus
E por meio de qualquer objeto.
Pois o intelecto mais profundo é uma grande luz que brilha continuamente para a
pessoa. Assim está escrito (Eclesiastes 8:1): “A sabedoria do homem faz
resplandecer seu rosto.”
A citação acima é extraída do primeiro discurso do Rav Nachman.
Essa lição fala da importância de desenvolver ao máximo o intelecto. Buscando a
sabedoria, a pessoa pode ascender a Chaiá, o nível da alma que corresponde ao
grau mais alto e profundo de Chochmá, trazendo Essência Viva a sua vida
cotidiana.

Ele explica esse fenômeno comparando a mente à luz solar, a fonte luminosa que
nos permite ver claramente o que está à nossa frente e assim saber que caminho
tomar na vida. Porém, diz ele, a luz do sol é extremamente brilhante, tão intensa
que não podemos mirá-la diretamente, para não ficarmos cegos.
Só podemos olhar para o sol através de um filtro ou anteparo, ou ver sua luz
refletida pela lua.

1
Da mesma maneira, o intelecto humano é uma luz fortíssima que pode “cegar” a
pessoa que o usa sem “filtros”, ou seja, quem tenta ser “esperto demais” e começa
a pensar que sabe tudo que há para saber.
Para nos protegermos desta atitude, necessitamos do filtro da fé.
Como a lua reflete a luz do sol, a fé reflete a luz do intelecto.
Este filtro de fé consiste no conhecimento da existência de um intelecto superior.
Tendo isso em mente, ninguém será tão arrogante a ponto de pensar que sabe
tudo. Porém, a pessoa não é capaz de realmente entender esse intelecto, assim
como não pode ver o sol, e por isso precisa basear-se nessa mesma fé para ganhar
confiança e continuar a adquirir conhecimento.
Todas as pessoas, por mais seguras que possam parecer, têm dúvidas.
Elas se confrontam com uma grande variedade de questões e situações
embaraçosas durante a vida.
O intelecto nem sempre pode “ver” além desse tumulto.
Em muitas ocasiões, o “sol” (isto é, a capacidade de decidir) é encoberto, e a
escuridão prevalece.
O indivíduo simplesmente não consegue “enxergar” uma saída para os seus
problemas. É a sua fé (luz refletida) na existência de uma solução que resolve a
situação.
Há uma alusão a isso no seguinte versículo (Isaías 30:26): “A luz da lua se
parecerá com a do sol.”
Quando a fé é forte, a “luz da lua” no fim aumentará e brilhará tão intensamente
quanto a do sol.
A fé guiará a pessoa por momentos difíceis, até que ela alcance a clareza genuína -
o verdadeiro intelecto.

Porém, nem tudo que se apresenta como intelecto é o verdadeiro intelecto.


Há filosofias e idéias que parecem bastante impressionantes, mas podem afastar o
indivíduo de Deus. Apesar de esse tipo de intelecto também ser chamado de “luz
solar”, a luz que ele reflete é a das falsas crenças.
Como se evidencia com freqüência, a vida das pessoas pode ser arruinada por
crenças errôneas.
Sobre essa categoria de intelecto está escrito (Isaías 24:23): “Ficará assombrada a
lua e envergonhado o sol...”

Jacob e Esaú
A Bíblia relata que Jacob era um “homem íntegro” que estudava a Torá e buscava a
espiritualidade, enquanto Esaú era um “perito caçador, homem do campo”.
Um dos principais episódios da história de Jacob e Esaú é a disputa pela
primogenitura.
Um dia, Esaú volta do campo cansado e faminto, depois de ter praticado homicídio,
adultério e idolatria.
Ele pede que Jacob o alimente, e este o atende com satisfação - sob a condição de
Esaú renunciar à primogenitura. Esaú o faz em troca de uma porção de lentilhas.

A Cabalá interpreta essa disputa da seguinte maneira: Jacob aspirava a uma vida
espiritual. Esaú, por outro lado, só estava interessado na existência material.
Vimos que Chochmá é associada ao conceito de “começo”, de ser “o primeiro”,
como no versículo “O começo é sabedoria” (Salmos 111:10).
Jacob, que buscava a sabedoria verdadeira, compreendia a importância da
primogenitura (isto é, Chochmá, que é chamada reshit, o “começo”).
Assim, quem procura a espiritualidade está ligado conceitualmente ao patriarca
Jacob, que representa o intelecto. Em virtude de sua busca de espiritualidade,
Jacob teve a oportunidade de receber a primogenitura, proeminência e bênção.

Esaú, por outro lado, preferiu satisfazer seus desejos corporais, visando apenas a
uma vida material.

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Ele estava disposto a renunciar ao verdadeiro intelecto em troca de prazeres físicos,
temporais. Aqueles que escolhem o caminho de Esaú passam toda a vida
obstruindo a luz do verdadeiro intelecto.
Eles se distanciam de Deus e podem chegar a cometer as piores transgressões -
adultério, idolatria e assassinato (o qual muitas vezes se manifesta no hábito de
envergonhar e ridicularizar os outros, equiparado pelos nossos Sábios ao homicídio
e reconhecido no mundo como “assassinato moral”).

O Rav Natan explica que a aspiração a uma vida material equivale ao castigo de
“caret” - exclusão espiritual. Quando busca a verdadeira Chockmá, a pessoa se
aproxima cada vez mais de Kéter, o nível mais alto de comunhão com Deus.
Todavia, quem rompe a conexão com Kéter, Deus nos livre, sofre caret, ou seja, é
excluído de sua Fonte. Seu próprio empenho na vida material torna-se sua punição,
porque tal empenho jamais poderá trazer satisfação genuína.
Essa atitude é retratada no personagem de Esaú, que desprezou o espiritual, e se
expressa num sentimento de alienação de Deus, da família e até de si mesmo.

O Verdadeiro Intelecto
O Rav Natan escreve que por mais inteligente que a pessoa seja, se suas palavras
não forem palavras de verdade, elas não têm valor e podem até ser perniciosas.
Por exemplo, um médico prescreve um determinado tratamento e, com seu
conhecimento especializado, explica minuciosamente como o paciente será
beneficiado, apresentando provas para sustentar sua visão.
Porém, se o paciente vier a sofrer em conseqüência do tratamento, de que vale a
sabedoria do médico?
Esse princípio se aplica a tudo neste mundo.
Se não tiver chegado à verdade da questão, o indivíduo não adquiriu sabedoria
nenhuma.
A única forma de intelecto genuíno é a verdade.

O verdadeiro intelecto só pode ser atingido por meio da fé.


Embora, aparentemente, a fé só seja empregada quando o intelecto é incapaz de
apreender algo, em sua fonte, fé e intelecto (verdade) são uma coisa só.
Isso ocorre porque, por meio da fé, a pessoa é capaz de discernir e aceitar dos
outros (os verdadeiros tsadikim) o que ela “sabe” que é verdadeiro.
Em suma: “O conhecimento só é chamado de conhecimento quando leva a pessoa
a reconhecer Deus”.

Intelecto Transcendente e Imanente


Como vimos a alma é composta de cinco níveis interligados (Néfesh, Rúach,
Neshamá, Chaiá e Yechidá).
Os primeiros três, Néfesh, Rúach e Neshamá, são descritos como os “níveis
imanentes da alma”.
Eles correspondem, respectivamente, aos nossos desejos inconscientes, identidade
consciente (o eu) e consciência superior.
Os dois últimos níveis, Chaiah e Yechidá, são associados a Chochmá e Kéter.
Como, em geral, não somos capazes de interiorizá-los, eles são chamados de
“makifim” (“níveis circundantes de consciência”).
Ou também de “Or Makif “”Luz Circuinvolvente - A Luz que envolve uma pessoa” -
“pairam além” de nosso nível atual de Biná (entendimento).

Como poderíamos tentar alcançar esses graus mais elevados?


A resposta é que teríamos de reviver todas as fases de nosso desenvolvimento
físico (estado embrionário, infância, adolescência, juventude e maturidade).
Segundo a Cabalá, esse desenvolvimento ocorre em três etapas principais: “ibur”
(gestação), “ienicá” (amamentação) e “mochin” (intelecto maduro).

3
Em essência, elas consistem na passagem de um estado de consciência
embrionária e potencial à interiorização e efetivação dos níveis mais elevados de
nossa alma.
São períodos de crescimento e transformação espiritual, mais do que de
desenvolvimento mental e emocional.
Ou seja, mais do que marcar o nascimento de novos níveis de intelecto, elas
representam as principais etapas do processo de “dar à luz” a si mesmo.

É necessário um grande esforço para alcançar esses graus mais altos.


A luta e as dificuldades enfrentadas correspondem às fases de gestação e
amamentação.
Porém, essa luta conduz à satisfação de ver uma “criança” crescer e atingir a
maturidade plena, por meio da internalização de uma consciência expandida de
Deus em todas as áreas da vida.
O Rav ilustra esse conceito estabelecendo uma analogia com uma mulher em
trabalho de parto.
O parto sempre é acompanhado de algum grau de dor.
À medida que se aproxima a hora do nascimento, a dor pode tornar-se quase
insuportável, e, nesse momento, muitas mulheres gritam como se estivessem
morrendo. Então surge uma nova vida.
Da mesma maneira, para “dar à luz” um nível mais elevado de consciência,
devemos suportar as “dores do parto”, clamando a Deus que nos ajude.

Nachman também explica que, sempre que interiorizamos esse nível de intelecto
transcendente, que antes estava um pouco além de nosso alcance, e o tornamos
imanente, o grau seguinte - o intelecto transcendente que até então nos era
impossível alcançar - torna-se acessível.
É como caminhar a um ponto no horizonte longínquo, além do qual não podemos
enxergar.
Quando chegamos a esse ponto, um novo horizonte se abre diante de nossos olhos.
Exatamente do mesmo modo, nosso processo de crescimento e amadurecimento
espiritual/intelectual está destinado a prosseguir por toda a eternidade, de fato ad
infinitum.
Mesmo depois da morte física, a alma eterna continua a buscar o infinito.
Essa é a dádiva de Deus para Suas criaturas: a capacidade de obter a vida eterna,
de atingir níveis sempre mais altos de Divindade, de aproximar-se Dele cada vez
mais, subindo continuamente a escada cósmica, internalizando um nível após o
outro, para todo o sempre.

Naassê Venishmá
“Naassê venishmá” [faremos e ouviremos] tudo que Deus falou Êxodo 24:7

Quando Israel recebeu a Torá no Sinal e declarou “Naassê venishmá”, anjos


desceram e puseram duas coroas sobre a cabeça de cada um.
Uma coroa correspondia ao “naassê”, e a outra, ao “nishmá”.
Essas coroas foram removidas mais tarde, depois que Israel adorou o bezerro de
ouro, mas serão recolocadas no futuro. Assim está escrito (Isaías 35:10): “E
retornarão os que foram redimidos por Deus; virão a Tsion com cânticos de júbilo e
uma alegria eterna sobre a cabeça.”.
Todos os comentaristas fazem uma pergunta óbvia: Como pode o “naassê”
preceder o “nishmá”?
Como é possível fazer algo antes de ouvir o que deve ser feito?
Como pôde Israel aceitar a Torá com tanta pressa, mesmo antes de saber o que
estava aceitando?

A opinião consensual é que o fazer se refere ao cumprimento das mitsvót, enquanto


o ouvir diz respeito à compreensão do significado das mitsvót.

4
Isso pode ser comparado à situação de um adulto que sabe o que é melhor para
seu filho e lhe diz que cumpra suas obrigações, esperando que, quando
amadurecer, a criança entenda com clareza a importância e a necessidade desses
deveres.
Mas a Bíblia e os ensinamentos de nossos Sábios sempre são muito mais profundos
do que aparentam inicialmente, e o Rav Nachman explica o suposto paradoxo do
“naassê venishmá” com uma abordagem original e com muita maestria:

As palavras “naassé venishmá” correspondem aos aspectos ocultos e revelados da


Torá.
“Naassé - faremos” é um sinônimo da Torá revelada e significa os preceitos que
cada um pode cumprir de acordo com o seu nível.
“Nishmá - ouviremos” é um sinônimo da Torá oculta, a que está além do grau atual
de compreensão do indivíduo.
Esta mesma relação existe entre a Torá e a oração.
“Faremos” é um sinônimo da Torá - aquela que nos é revelada, que sabemos como
cumprir. “Ouviremos” é um sinônimo daquilo que está oculto e corresponde às
coisas pelas quais temos de rezar.
A Torá é o aspecto revelado do conhecimento.
A oração representa a Torá oculta - o que está além de nossa capacidade de
entendimento e interiorização no momento.
Ela corresponde ao “Makif” (a luz circundante), e pedimos, em nossas orações, que
possamos alcançá-lo e apropriar-nos dele.

Com a descrição dessa relação dinâmica, o Rav nos ensina que nosso objetivo deve
ser compreender o que está oculto e torná-lo revelado.
Isso se realiza por meio do estudo da Torá com a intenção de cumprir seus
preceitos, seguido de uma oração na qual pedimos a Deus que tenhamos o mérito
de entender o sentido profundo do que acabamos de estudar.
Era este o propósito do Rei David quando proferiu a seguinte oração (Salmos
119:18): “Desvenda meus olhos para que eu possa perceber as maravilhas ocultas
de Tua Torá!”
Assim fizeram todos os nossos grandes profetas e sábios, bem como o Rei David
nos cinco livros de Salmos que, significativamente, correspondem aos cinco livros
da Torá.
Com os Salmos, o Rei David de fato transformou a Torá em prece.
Nós somos capazes de fazer o mesmo.
A Torá é a vontade de Deus.
Depois de estudá-la, podemos transformar o trecho que aprendemos em oração.
“Restituindo a Deus Sua Torá em forma de oração” (isto é, rezando para que
possamos cumprir o estudado e ter o mérito de compreender a profundidade da
Torá), nós Lhe dizemos que queremos o que Ele quer e completamos o círculo,
transformando nossa vontade na Dele.
Ao fazê-lo, obtemos o mérito de ter nossas orações traduzidas em mais Torá, num
nível mais profundo - o que estava oculto é revelado; o que estava totalmente fora
de nosso alcance é interiorizado em todas as áreas de nossa vida.
Então nos tornamos dignos das duas coroas do Naassê Venishmá que adornavam o
povo hebreu no Sinai!

Nachman conclui que essas coroas são a essência da grande alegria que sentiremos
no mundo vindouro - elas são “o Kéter” que nos esforçamos por alcançar, o nível
mais alto de comunhão com Deus.
Por isso, há um versículo que afirma (Isaías 35:10): “E retornarão os que foram
redimidos por Deus; virão a Tsion com cânticos de júbilo e uma alegria eterna
sobre a cabeça”.
A “alegria eterna” é a alegria do mundo vindouro, que no presente está além de
nossa compreensão.

5
Quando “rezamos a Torá de Deus”, pondo a nossa vontade em conformidade com o
Seu desejo de nos levar à posição de merecer a vida eterna, podemos atingir a
alegria e o contentamento do mundo vindouro mesmo agora, neste mundo.

Continua

6
Anatomia da Alma – Parte 15

Kéter: O Crânio

O intelecto é a “coroa” das realizações do homem na vida.


No entanto, como vimos ele deve ser controlado e filtrado pela fé.
Por um lado, a fé representa a sefirá de Kéter e, pelo outro, a sefirá de Malchut.
Isso nos apresenta um paradoxo.

Considere o seguinte: Kéter, a sefirá mais elevada, corresponde ao crânio, que em


geral atinge seu tamanho máximo quando a pessoa tem vinte e um anos.
Por conseguinte, a expansão e o crescimento físico do cérebro, que vinham
ocorrendo até esse momento, chegam ao seu limite.
A ampliação é detida.
Essa é a relação entre a fé (Kéter; o crânio) e o intelecto (Chochmá e Biná; os
hemisférios direito e esquerdo do cérebro).
A fé impede o intelecto de ir além de um certo ponto.
Ao mesmo tempo, porém, a fé corresponde a Malchut, a sefirá mais baixa.
Como tal, Malchut serve de passagem para todas as sefirot mais elevadas.
Sua própria essência evidencia o desejo de crescer além das limitações presentes.

Como é possível que a fé seja tanto Kéter como Malchut?


Como ela pode, simultaneamente, limitar e permitir a expansão?

A Escada Espiritual
Para explicar esse paradoxo, precisamos entender mais um ensinamento do Arizal.
Lembre-se de que, com base no Nome Inefável de Deus, IHVH, a Cabalá fala de um
grande sistema de cinco universos celestiais.
Cada um desses universos é um microcosmo, uma réplica em miniatura composta
de inúmeros níveis dentro de níveis que são, por sua vez, réplicas em miniatura do
universo (e de todo o grande complexo de universos) do qual fazem parte.
Algo análogo a esse sistema pode ser encontrado em nosso mundo físico - a célula
de um organismo vivo.
A informação básica necessária para a reprodução do organismo inteiro (chamada
de DNA) está codificada no interior de cada célula.
Da mesma maneira, dentro de cada universo, e em cada nível ou sefirá dentro de
cada universo, existem miríades de níveis, cada um dos quais constitui uma réplica
em miniatura do sistema inteiro.
De modo semelhante, como vimos, a alma humana pode ser comparada a uma
escada composta de cinco grandes degraus (Néfesh, Rúach, Neshamá, Chaiáh
Yechidá) que atinge os níveis mais elevados da dimensão espiritual.
Cada um desses degraus, por sua vez, é formado por cinco degraus menores.
Por exemplo, há Néfesh, Rúach, Neshamá, Chaiá e Yechidá de Néfesh; Néfesh,
Rúach, Neshamá, Chaiá e Yechidá de Rúach; Néfesh, Rúach, Neshamá, Chaiá e
Yechidá de Neshamá, e assim por diante, que perfazem 25 degraus menores.
O sistema não termina aí, porque se subdivide repetidamente.
Todo degrau menor tem mais cinco degraus, que produzem um subtotal de 125
degraus.
Embora o sistema seja ainda mais complexo, com muitas subdivisões adicionais,
pararemos aqui para analisar o sentido dessa profusão de níveis dentro de níveis
dentro de níveis, que suscita a seguinte questão: Por que há tantos níveis?

Pense nisso por um instante.


Mesmo Néfesh de Néfesh tem cinco degraus menores; ou seja, mesmo o nível mais
baixo de Néfesh contém uma iluminação do nível mais alto de Yechidá.
De onde vem essa Yechidá de Néfesh de Néfesh?
A resposta é que ela se baseia na Néfesh de Néfesh de Yechidá.

1
Isso significa que uma iluminação de Yechidá desce até o nível mais baixo de nossa
Néfesh, o que tem implicações espantosas.

Isso indica que o sistema inteiro está interligado.


No que se refere a Yechidá de Néfesh, por exemplo, o grau mais alto de Néfesh
nunca é separado de sua fonte em Yechidá.
Yechidá de Néfesh é literalmente uma extensão de Néfesh de Yechidá.
Este fato nos mostra que o nível espiritual mais elevado que podemos alcançar
(Yechidá) está presente em nossa vida atual (Néfesh).
Neste exato momento e lugar, podemos lançar-nos à eternidade e trazer sua luz
vivificante às nossas experiências mais mundanas.
Nossa tarefa, portanto, é realizar a Yechidá de nossa Néfesh, tirá-la do estado
potencial e dar-lhe uma posição dominante em nossa vida.
Um dos benefícios que obtemos do fenômeno da multiplicidade de níveis é a
proximidade.
A distância entre os grandes degraus de nossa escada espiritual individual diminui.
Assim, o nível mais alto de Néfesh (Yechidá de Néfesh de Néfesh) fica muito mais
perto da extremidade inferior de Rúach (Néfesh de Néfesh de Rúach) que fica
imediatamente acima dele.
O processo é idêntico à experiência de subir e descer uma escada física.
É impossível passar de um degrau a outro se eles estiverem afastados demais.
O mesmo se aplica à subida da escada espiritual de nossa alma.
Visto que cada degrau menor está muito mais perto do degrau ainda menor que
está logo acima dele, não precisamos subir aos pulos.
Podemos crescer espiritualmente dando um pequeno passo de cada vez, mantendo
a consistência em nossas devoções e ascendendo um pouco mais a cada dia, sem
desanimarmos devido ao que ainda falta.
De modo semelhante, pequenos passos também são vantajosos quando ocorre uma
descida espiritual.
Se o nosso grau de devoção declinar, Deus nos livre, não perderemos tudo de uma
vez.
Receberemos muito apoio pelo caminho e numerosas oportunidades de
recuperação, para que retornemos à posição anterior e continuemos a subir a níveis
sempre mais elevados.

O Ari ensina que o grau mais alto de Néfesh (Yechidá de Néfesh) é um templo para
a extremidade inferior de Rúach (Néfesh de Rúach).
De fato, é aí que os níveis se sobrepõem e unificam.
Assim, conforme crescemos, internalizamos e integramos o nível que antes talvez
estivesse fora de nosso alcance.
Por exemplo, embora até este momento fôssemos incapazes de ir além de Yechidá
de Néfesh, agora podemos alcançar Néfesh de Rúach.
Além disso, a luz de Rúach passa também a permear nossa Néfesh, a ponto de o
próprio Ruach elevá-la e incorporá-la dentro de si.
Este princípio é válido em todos os níveis da ascensão.
O grau mais alto sempre eleva e transforma o que está abaixo dele.

Isso explica nosso aparente paradoxo.


Cada universo tem dez sefirot, e mais dez sefirot dentro de dez sefirot.
No interior de cada universo, Malchut (correspondente a Néfesh) é a sefirá mais
baixa, enquanto Kéter (correspondente a Yechidá) é a mais alta.
À medida que se sobe a escada espiritual, o Kéter de um universo mais baixo
torna-se a Malchut de um universo superior.

O crânio humano, que abarca e limita o intelecto, é associado a Kéter, que reflete
nossa fé num intelecto superior que transcende o que podemos entender no
presente.

2
Assim, a própria limitação é uma abertura para graus cada vez mais altos de
intelecto e fé. Nosso Kéter atual é na realidade a Malchut do nível mais elevado que
atingiremos em seguida.

O Talmud nos ensina que “No futuro, os justos se sentarão com suas coroas na
cabeça e se deleitarão com o brilho da Shechiná [Presença Divina].”
O Rav Nachman pergunta: “Não deveria ser „coroas sobre a cabeça‟? Ou seja, o
intelecto transcendente que corresponde a Kéter não deveria repousar sobre a
cabeça?”
A resposta é que “em” faz alusão ao intelecto transcendente (Kéter) que
atualmente circunda a cabeça dos justos, mas que no futuro será internalizado e
imanente.
Quando esta interiorização ocorrer, um intelecto transcendente maior se abrirá, que
é a Malchut do próximo nível.

Kéter e a Paciência
De uma forma ou de outra, todos os ensinamentos do Rav Nachman oferecem uma
visão profunda da dinâmica da verdadeira elevação espiritual.
Numa de suas principais lições (que citaremos abaixo), ele explica que, até certo
ponto, todo crescimento e avanço ocorrem dentro dos limites da posição atual da
pessoa.
Por exemplo, quando alguém está no nível de Néfesh, todos os seus esforços
espirituais até esse momento visavam à retificação dos cinco níveis de sua alma
dentro de Néfesh.
Só depois de concluir essa retificação o indivíduo estará pronto para avançar para o
próximo nível, Rúach.
Porém, aqui surge um problema.
Como a pessoa sabe que atingiu seu apogeu no nível inferior e está preparada para
passar para o grau seguinte?
Como ela pode entender as implicações da subida ao próximo nível?
Além disso, restrições são necessárias para manter a mente sob controle e assim
evitar que a pessoa seja exposta a níveis demasiadamente intensos, que estão
além das habilidades que ela desenvolveu até então.
Como ela pode superar com segurança o seu nível atual sem ir além das limitações
de sua mente racional?

Essa é a função de Kéter.


A palavra kéter significa “coroa”, mas também denota “espera”, como vemos em
“Espera-me [catar] um pouco” (Jó 36:2).
A “coroa” indica que há “algo acima”, que impele a pessoa a subir ao nível
seguinte.
No entanto, deve-se notar que é impossível atingir esse nível diretamente.
Existe uma “barreira” que cerca o indivíduo e o impede de avançar além de seu
alcance.
Essa barreira, Kéter, se manifesta na característica da paciência, que impõe um
período de espera entre a absorção do conhecimento no nível que já foi atingido e a
passagem para um nível mais elevado.
Quem “usa a cabeça” perceberá a diferença.
Com o intelecto sob controle, ele será capaz de reconhecer suas limitações e
deficiências.
Ao mesmo tempo, sempre procurará esforçar-se para chegar a níveis mais
elevados e estará pronto para aproveitar as oportunidades de crescimento.
Assim, Kéter atua como uma barreira automática que impede a pessoa de ir “longe
demais, rápido demais”.
Para poder subir continuamente a escada espiritual, o indivíduo deve empenhar-se
no cultivo da virtude da paciência, uma necessidade absoluta para a obtenção de
Kéter - o intelecto mais elevado.

3
Vejamos como o Rav Nachman traduz esses ensinamentos em conselhos práticos
para aqueles que buscam um modo de vida espiritual.

As Nove Camaras

“Detrás dessa cortina, por meio da busca do pensamento [superior] que alcança e
no entanto não alcança, nove câmaras são criadas.
Elas não são nem [do nível das] luzes, nem espíritos, nem almas sublimes.
Ninguém pode compreendê-las...
Elas não se fazem acessíveis ou conhecidas”.
(Zohar)

O cérebro nunca descansa.


Mesmo quando a pessoa dorme, a mente permanece ativa, ainda que em estado
subconsciente.
Na dimensão espiritual, o nível mais alto do cérebro é Kéter, no qual se tenta
alcançar um intelecto de natureza transcendente.
Porém, até onde o ser humano pode subir intelectualmente?
A que altura pode chegar a mente?
Considerando-se que há tantos níveis, mesmo no mundo mais baixo de Assiá, e
muitos mais nos universos superiores, é possível ao homem “tocar o céu”?
Poderá ele ter esperança de algum dia obter conhecimento absoluto de Deus?
Numa de suas lições mais profundas, o Rav. Nachman explica:

Saiba que existe uma luz mais elevada do que Néfesh, Rúach e Neshamá.
É a Luz do Infinito.
Embora o intelecto não possa captá-la, a mente corre e persegue-a
constantemente. Em virtude desta “corrida”, é possível ao intelecto captar a Luz no
sentido de “alcançar e não alcançar”.
Pois a verdade é que não é possível realmente captá-la, porque esta Luz está num
nível acima de Néfesh, Rúach e Neshamá. E saiba que é impossível captar esta Luz
mesmo no sentido de “alcançar e não alcançar”, exceto por meio da prática das
mitsvót com alegria.

O Rav explica em seguida que, por meio da prática das mitsvót com alegria, a
pessoa redime e eleva a Shechiná (a Presença Divina, que corresponde à sefirá de
Malchut) de Seu exílio.
O conceito da Shechiná no exílio pode ser entendido, num nível simples, como a
ocultação de Deus - o homem é incapaz de estar ciente de Deus a cada instante
porque a Presença Divina não é sentida com facilidade.
É por esta mesma razão que a Shechiná é associada a Malchut.
Malchut traduz-se como “realeza” e é a sefirá na qual ocorre a interação entre Deus
e o homem. Aceitando plenamente Deus como Rei, o homem mostra consciência e
reconhecimento da Presença Divina. Logo, a expressão “Shechiná no exílio” indica
que o homem ainda não admitiu completamente a Malchut de Deus e não sente a
Sua Presença. Para tomar consciência plena da Shechiná, a pessoa deve cumprir as
mitsvót com alegria.

O Zôhar ensina que todas as mitsvót da Torá correspondem ao nível de Néfesh, e


assim, por extensão, também ao nível de Malchut.
Isso pode ser deduzido do seguinte versículo (Levítico 4:2): “Se uma alma [néfeshj
pecar por engano contra uma mitsvá proibitiva...”, O fato de a Escritura usar o
termo mitsvá ligado a néfesh indica que as mitsvót da Torá correspondem ao nível
de Néfesh.
O pecado mancha a Néfesh e os elementos que lhe são associados - Malchut e a
Shechiná. Inversamente, a prática das mitsvót retifica Malchut, e praticá-las com
alegria eleva Malchut. Isso de fato pode ser percebido, pois, quando está alegre, a

4
pessoa se sente enaltecida e fica entusiasmada.

Na disposição antropomórfica das sefirot, Malchut representa os pés.


A alegria é um meio de elevar os “pés” e iniciar a ascensão a níveis mais altos.
A pessoa começa a subir do degrau mais baixo da escada espiritual e avança a
partir de Malchut (os “pés”), passando pelas seis sefirot seguintes e continuando
até atingir o nível dos mochin: Chochmá, Biná e Dáat.
Esse movimento pode ser comparado ao de uma criança que primeiro aprende a
construir brincando com um conjunto simples de blocos de madeira.
Quando já domina a montagem com peças básicas, ela está pronta para usar um
jogo de blocos de encaixe e assim alcançar um padrão mais complexo de projetos e
construções.
Em seguida, pode passar para artefatos metálicos sofisticados que simulam
edificações e requerem novas ferramentas, e assim por diante.

Na elevação espiritual, como vimos acima, até certo ponto todo crescimento e
avanço ocorrem dentro das limitações do nível presente da pessoa.
Kéter, que está relacionado à palavra “catar” (esperar), conforme mencionamos,
atua de modo a impedir que a mente avance além de seu alcance e passe para o
grau seguinte antes que a pessoa esteja preparada.
Isso explica por que Kéter se evidencia na virtude da paciência - o indivíduo
reconhece (isto é, tem consciência de) suas deficiências, mas ao mesmo tempo
continua a lutar por níveis mais altos.

Assim, o Rav Nachman descreve Kéter como “messader umeiashev” dos mochin.
Messader significa “o que coloca em ordem”, e meiashev, “o que assenta”.
Kéter “impõe ordem” quando a mente perde a razão e fica fora de si, indo além de
sua capacidade atual.
Ele assenta a pessoa em seu lugar, restabelecendo o devido equilíbrio do
crescimento espiritual. Em essência, ele fornece os rudimentos da paciência e
também ensina uma forma de paciência mais concentrada aos que estão dispostos
a esforçar-se para obtê-la.

Esse aspecto de Kéter torna-se ainda mais indispensável no nível espiritual mais
alto que o ser humano pode alcançar.
Neste grau elevadíssimo, os três mochin interagem uns com os outros, triplicando
sua força espiritual (ou seja, Chochmá, Biná e Dáat de Chochmá interagem com
Chochmá, Biná e Dáat de Biná e de Daat).
Assim, quando se sobe a escada espiritual por meio da alegria, cria-se uma força
“multiplicada por nove” (três vezes três mochin) de poderes espirituais.
Agora, se Kéter é necessário nos níveis inferiores, nos quais se lida com apenas
uma força, ele o é muito mais quando a pessoa se vê diante de três forças
triplicadas. Em tal situação, o intelecto pode “explodir” e crescer exponencialmente,
de forma desproporcionada.
A força restritiva de Kéter é imprescindível para manter a mente sob controle.

O Rav Nachman explica que este é o mistério das nove câmaras mencionadas no
Zôhar; Os três mochin, Chochmá, Biná e Dáat, interagem uns com os outros.
A interação os expande e os transforma em nove câmaras de conhecimento e
energia espiritual.
O Zôhar ensina que essas câmaras não podem ser descritas: elas se referem ao
nível mais sublime, que “alcança e no entanto não alcança” contato direto com o
Infinito. Isto é, ainda que esse nível esteja além da capacidade de compreensão do
homem, a mente corre em sua direção.
A alma busca sua fonte, e a mente procura o conhecimento supremo, o
conhecimento de Deus.

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Quem aprende a conter-se, utilizando tanto o intelecto como a fé e misturando-os
para que trabalhem em uníssono, pode atingir o Kéter de seu nível atual. Depois
ele pode ir adiante e para cima - por meio da alegria - até entrar em níveis
espirituais que são realmente muito impressionantes; e então ascender
continuamente, a graus cada vez mais altos - para aproximar-se das nove câmaras.

Ratson (Vontade)
Quando tratarmos do sistema respiratório, falaremos mais sobre o conceito de
desejo.
Vontade e desejo estão intimamente relacionados, mas também podem ser opostos
perfeitos: a vontade em geral se baseia numa escolha racional, enquanto o desejo
costuma originar- se de emoções profundas.
Estabelecemos uma distinção entre Kéter, a vontade [ou instinto] primordial, e
Dáat, o desenvolvimento desse instinto, que se manifesta como desejo.
Kéter, como a primeira sefirá ou emanação, é considerado a “vontade primordial”
porque, quando foi criado, não havia nada, exceto a Luz do Infinito.
Kéter é, portanto, uma “vontade inicial”, enquanto Dáat, que se segue a Chochmá e
Biná, é uma manifestação desenvolvida dessa vontade e, portanto, mais
estreitamente associada ao desejo.
Kéter é a fonte do livre-arbítrio do homem - sua capacidade de decidir como agir e
reagir nas diferentes situações da vida.
Quando é direcionada para o bem, essa capacidade pode levar a pessoa ao nível de
Kéter.
Contudo, ela também pode tornar-se uma força nociva.
Quando um discípulo lhe pediu que definisse o livre-arbítrio, o Rav Nachman
respondeu: “É realmente muito simples: Se quiser, você faz. Se não quiser, você
não faz.”

O Rav Natan comenta que essa afirmação aparentemente simples transmite um


ensinamento muito importante. As pessoas em geral agem como se não pudessem
fugir ao controle de seus desejos ou impulsos.
Às vezes, justificam uma ação ou reação negativa alegando que são assim mesmo
e não podem mudar. O Rav ensina aqui que todos, a qualquer instante, podem
mudar, simplesmente escolhendo de modo diferente.
O Rav Natan vê implicações muito amplas nessa lição.
Ele explica que Deus, no momento em que criou o homem, colocou em suas mãos
o poder do livre-arbítrio. Quando uma pessoa resolve buscar a espiritualidade, essa
decisão “obriga” Deus, por assim dizer, a ativar os poderes que se encontram na
criação para apoiar o seu desejo.
Inversamente, se alguém prefere seguir os desejos mais vis de seu coração, ou até
mesmo a maldade absoluta, essa decisão “obriga” Deus a apoiá-lo e auxiliá-lo no
caminho escolhido.

Com o exercício da sua vontade, a pessoa pode libertar-se do passado, subir ao


Kéter de seu nível atual e daí seguir avançando, ou desfazer-se de todo bem que já
tenha realizado e descer a graus muito inferiores aos de sua presente posição.
A vontade controla tanto as mudanças comportamentais como as espirituais.
Como instinto primário do homem, ela se torna o primeiro passo na busca de
espiritualidade.

A “Vontade das Vontades”


Num de seus discursos clássicos sobre o assunto, o Rav Natan define a vontade da
seguinte maneira: A força principal é a vontade. O homem deve acostumar-se a
ansiar, desejar, almejar, anelar e aspirar, a cada instante, por Divindade - estudar
a Sua Torá, cumprir as Suas mitsvót “conexões” e também de todas as outras
maneiras servi-Lo adequadamente.

6
O Rav Nachman ensinou que a vontade é o aspecto principal do serviço a Deus.
Nem mesmo os anjos poderiam afirmar verdadeiramente que servem a Deus da
forma apropriada, por causa de Sua grandeza e elevação, que não podem ser
descritas.
Assim sendo, como é possível que o homem tenha esperança de um dia servir a
Deus?
Devido ao seu desejo de servir a Deus.
Nesta área, todas as pessoas podem ser iguais.
Embora sejamos todos diferentes, e dois indivíduos não possam ter os mesmos
desejos, a vontade e o desejo de cada um atuam como sua maior força na luta
para alcançar o mais elevado dos níveis.

Quem dirige sua vontade para Deus no fim subirá a um nível de verdadeira
espiritualidade. Mesmo que seja impedido por fatores externos de realizar o que
deseja no serviço a Deus, ele não será responsabilizado por isso. Contanto que não
perca a esperança e continue querendo fazer o bem e servir a Deus, ele será
recompensado, porque seu desejo está na direção certa.

A principal recompensa que a alma pode obter é chegar à vontade suprema, que,
na linguagem do Zôhar, é denominada “raavá deraavin” (literalmente, “a vontade
das vontades”).
A alma foi enviada do plano mais elevado a este universo material grosseiro.
Enquanto sua alma estiver contida no corpo físico, a pessoa deve aprender a guiar
sua vontade para a vontade do seu Criador. Isso pode ser comparado à situação de
duas pessoas que se sentem muito próximas.
Quanto maior a distância que as separa, maior a sua vontade de unir-se
novamente.
De modo semelhante, a alma viajou do mais alto dos níveis – Kéter - a este mundo
inferior. Aqui ela deve aprender a orientar sua vontade para voltar a sua fonte e
merecer a proximidade de Deus no mundo vindouro. Por outro lado, uma má
vontade afasta a pessoa de Deus. Assim como os bons desejos acabam conduzindo
a boas ações, os maus desejos rebaixam o indivíduo e o distanciam de Deus.

O Rav Natan explica em seguida que, como Kéter é a primeira manifestação da


vontade de Deus de criar o mundo, tudo na criação reflete um aspecto da vontade
Divina. Por esta razão, o homem pode encontrar Deus em toda parte, pois Sua
vontade está presente em tudo. Assim, não existe desespero para quem busca a
espiritualidade.
Em qualquer lugar ou nível em que esteja, o homem sempre pode encontrar Deus.
Esta deve ser a principal ocupação do homem na vida, desejar e ansiar por
Divindade.

O Rav Natan explica ainda que a recompensa para quem busca a espiritualidade é a
capacidade de avançar espiritualmente, com o crescimento constante da
consciência e do conhecimento de Deus, bem como de pôr sua vontade em
conformidade com a vontade de Deus e ser incluído na Sua Unidade.
Direcionando sua vontade para servir a Deus da melhor forma possível, o indivíduo
conecta-se a Kéter, a vontade suprema.
Como vimos, uma vez que Kéter é definido como sendo, ao mesmo tempo, o
propósito supremo da criação e a recompensa do mundo vindouro, a pessoa pode
de fato experimentar e provar sua recompensa eterna mesmo neste mundo.

Curiosamente, o Rav Nachman ensina que, por meio da alimentação, pode-se


adquirir uma consciência mais profunda dessa vontade.
Esta afirmação é surpreendente, porque a vontade representa Kéter, o nível
espiritual mais alto, enquanto comer parece ser uma função mundana grosseira.
Todavia, como explica o Rav Natan, a alimentação facilita a consecução do objetivo

7
espiritual do homem neste mundo: ela sustenta a vida, mantendo a alma ligada ao
corpo. Isso é particularmente verdadeiro quando se come com a intenção de obter
a força necessária para alcançar o espiritual, pois este tipo de alimentação eleva as
centelhas sagradas que se encontram nos alimentos.
Comer com esta atitude pode despertar na pessoa uma vontade e um desejo
intenso de espiritualidade (a ponto de ela quase poder fundir-se com Kéter).

Continua

8
Anatomia da Alma – Parte 16

Pensamento e Imaginação

Kéter, a vontade primordial, é chamada de “áin” (nada) porque transcende o nível


do pensamento, que começa em Chochmá.
Chochmá, por sua vez, é “reshit”, “começo”, a capacidade de criar.
Como tal, ela é a interface entre o nada e a criação.
O Rav Nachman ensinou o seguinte que: O pensamento é extremamente valioso.
A pessoa de fato pode criar coisas com a mente.

Cuide bem de seus pensamentos, porque eles podem literalmente criar algo vivo.

Quanto mais elevada for uma capacidade, mais longe ela chegará.
Você pode chutar um objeto com o pé, mas poderá arremessá-lo a uma altura
maior com a mão.
Sua voz tem um alcance ainda maior, sendo capaz de chamar alguém que está
muito distante.
A audição vai mais longe, pois você ouve sons, como fogo de artilharia, de uma
distância enorme.
Mas a visão a supera, porque enxerga coisas que estão no céu.
Acima de tudo está a mente, que é capaz de penetrar nas alturas mais sublimes.
Portanto, você deve protegê-la mais que tudo.

O Amalec Interior
Os pensamentos do homem são “rac rá col haiom” (exclusivamente maus o dia
todo). Gênesis 6:5.

Sabendo que os pensamentos podem alcançar as alturas mais extraordinárias,


devemos compreender que eles nunca são meros pensamentos.
Jamais nos devemos permitir supor que o que pensamos não tem importância.
Os bons pensamentos são extremamente benéficos tanto para quem os pensa
como para o mundo como um todo, enquanto os maus pensamentos são muito
prejudiciais.
O Rav ensinou que nos antigos anfiteatros, os monarcas costumavam encenar
batalhas entre animais selvagens e suas presas.
O mesmo tipo de luta é travado todos os dias em nossa mente: batalhas entre bons
e maus pensamentos.
Quando os bons pensamentos se saem vitoriosos, isto causa um grande prazer no
Alto.

O Rav Nachman explica também um trecho correlato do Zôhar: “Todo dia contém
um bem oculto. Porém, um anjo acompanha o dia e impede que as pessoas
[indignas] usufruam desse bem. Esse anjo pode assumir muitas formas - escuridão,
espinhos, cobras, escorpiões - que agem todas como guardiões que protegem o
bem do dia e evitam que quem não é merecedor se beneficie dele. De fato, se não
fosse por esses guardiões, os perversos poderiam penetrar livremente nos
mistérios da Torá [e partilhar do bem oculto desse dia].
É por essa razão que, quando alguém que não é digno tenta ter acesso aos
mistérios da Torá, tropas de anjos destruidores, que se manifestam como
escuridão, encobrimento, confusão, etc., imediatamente o cercam e confundem
seus pensamentos, impedindo a intrusão. Porém, quando uma pessoa digna deseja
entrar, esses guardiões a auxiliam... Levam-na ao bem oculto e falam em seu favor
ao Mestre do Universo...”

As “cobras e escorpiões” são os pensamentos que confundem o indivíduo quando


ele quer aprender os mistérios da Torá. Contudo, se ele persistir no desejo de

1
encontrar Deus, esses mesmos pensamentos o ajudarão; então ele achará um
grande bem todos os dias... Pois a pessoa tem a capacidade de inclinar seus
pensamentos na direção que quiser. Mesmo que os pensamentos se
desencaminhem, ela tem o poder de dominá-los e fazê-los voltar ao rumo correto

O Rebe Nachman ensina que os pensamentos nocivos que acometem as pessoas


servem como um lembrete da batalha incessante contra Amalec, o arqui-inimigo da
nação hebraica. Este é o significado do versículo citado acima, “Os pensamentos do
homem são “rac rá col haiom” (exclusivamente maus o dia todo)”. Em hebraico, as
letras finais dessas quatro palavras formam “Amalec”.
Pensamentos maus e lascivos representam o Amalec interior.

Amalec também denota dúvidas e confusão.


Isso pode ser visto no valor numérico da palavra “Safec”, “dúvida”, que é 240, o
mesmo da palavra “Amalec”.
As dúvidas, como Amalec, atacam furtivamente.
Mesmo antes de percebermos que estamos sitiados, nós nos sentimos oprimidos
por pensamentos e emoções conflitantes. Portanto, é um mandamento bíblico
lembrar Amalec, isto é, ter consciência dele e de seu jeito dissimulado e combatê-lo
incessantemente.

O Poder do Pensamento
O Rav Nachman nos ensinou:
Seja qual for o pensamento da pessoa, é aí que ela está.

O pensamento tem um poder incrível.


O segredo é concentrar toda a sua energia na realização de algo.
Isso é verdadeiro mesmo quando se trata de coisas mundanas.
A única condição é que a concentração seja absoluta, a ponto de você estar
disposto, literalmente, até a dar a própria vida a fim de alcançar o seu objetivo.

A melancolia e a depressão impedem que você controle os seus pensamentos.


Com alegria, você pode orientar a sua mente de forma adequada.

O roubo leva a pessoa a ter pensamentos ilícitos.


Mesmo cobiçar as posses alheias é uma ofensa muito grave. Como o poder da
mente é tão grande, até pensar com cobiça sobre os bens dos outros é considerado
um tipo de roubo.

O pensamento está num nível muito elevado, que transcende o da fala.


Se quiser ascender a esse nível, você deve permanecer em silêncio: pois mesmo a
fala boa e digna pode fazê-lo perder essa altura do pensamento.

Os pensamentos realmente estão entre as maravilhas de Deus.


Eles ficam agrupados na mente, como feixes [de informações], um sobre o outro.
Quando necessita, a pessoa lembra um fato “tirando-o” do lugar em que ele está na
mente.
Isso é uma grande maravilha, pois onde se localizava tal pensamento até então?
Há muitas associações e símbolos na mente, todos localizados nesses feixes.
Nós nos lembramos de algo porque encontramos alguma idéia que estimula a
associação e o simbolismo identificados com um pensamento específico.
Este pensamento então é trazido daqueles “feixes”.
Quando um pensamento é retirado, todos os outros são movidos e reordenados
num padrão diferente [como ocorre com os feixes físicos - quando se retira um
item do conjunto, toda a ordem é desfeita.

2
Os maus pensamentos são comparados ao “chamêts” [pão fermentado, que se
expande quando fermenta]. Deve-se tomar cuidado para que esses pensamentos
não “expandam” sua influência sobre a mente.
Quando se “expandem”, eles “preenchem” todo o crânio e não deixam espaço para
o temor ao Céu.
Quem tem a mente maculada por pensamentos estranhos sempre tomará
conhecimento de discórdias e discussões [que ocuparão a sua mente e o afastarão
da espiritualidade].
O estudo da Torá à noite é benéfico para a proteção dos pensamentos.

A pessoa deve permanecer em vigilância constante e absoluta contra os


pensamentos imorais.
Tais pensamentos podem apartá-la de Deus, a fonte da vida.

Às vezes, parece que os maus pensamentos dominam a pessoa.


Ela pode tentar eliminá-los combatendo-os diretamente - sacudindo a cabeça,
enfrentando a questão, etc. Porém, isso não ajuda, pois a força dos pensamentos
parece crescer na proporção do vigor com que lutamos contra eles.
É muito mais proveitoso desviar a mente para outros assuntos.
A concentração num tópico escolhido reduzirá os esforços necessários para a
superação dos maus pensamentos.

Um pensamento que produz Humildade


A humildade é o melhor caminho para a aquisição de sabedoria, como afirma o
seguinte versículo (jó 28:12): “A Chochmá vem do áin [nada].”
Vimos que o “áin” corresponde a Kéter, e Chochmá deriva de Kéter.
Como o “áin” se refere ao nada, quem desenvolve o atributo da humildade (ou
seja, a anulação de si mesmo) pode alcançar a verdadeira Chochmá.
Por outro lado, quem separa a sabedoria da humildade desliga-se de Kéter, a fonte
da verdadeira sabedoria.
A sabedoria então passa a ser só dele, mas é imperfeita, tanto no pensamento
como na capacidade criativa que dele resulta.
O indivíduo deixa de aceitar suas deficiências, e, como o Rav Nachman ensinou,
“Quem só confia na própria mente pode cometer erros graves e chegar a um mal
terrível”. “O intelecto sempre avisa à pessoa que não se torne arrogante.”
Deve-se compreender que “o principal aspecto do serviço a Deus está na
simplicidade absoluta, na ausência de sofisticação”.

Deixando de lado a sofisticação e a presunção, a pessoa pode tornar-se “íntegra” e


servir a Deus com toda a simplicidade.

Na época em que vivemos, na qual as seitas, sobretudo “religiosas”, estão muito


difundidas, é possível que se questione a afirmação do Rav citada acima, “Quem só
confia na própria mente pode cometer erros graves e chegar a um mal terrível”.
Os membros dessas seitas aprendem que o pensamento independente é perigoso e
são induzidos à irreflexão. Porém, a diferença entre o processo de pensamento
guiado de Chochmá e a irreflexão vazia é que Chochmá é uma expressão de Côach
Má, “o poder de „o quê?” - que faz referência à capacidade de perguntar e
investigar.
Repetidas vezes, em suas conversas e aulas, o Rav Nchman estimulava os alunos a
fazer perguntas e exortava os discípulos a usarem o pleno potencial de suas
faculdades mentais.
A advertência do Rav sobre os perigos de confiar no próprio intelecto diz respeito
ao intelecto destituído de Torá. Ele se endereçava aos principais adeptos do
Iluminismo na época, homens muito instruídos que tinham abandonado a
observância da Torá e seguiam os ditames de sua própria mente, não os de nossos
Sábios.

3
O resultado disso foi o “caret” (exclusão) de Kéter, uma alienação completa da
Cabalá e a assimilação ao ambiente material.
Poder-se-ia dizer que, usando sua própria chochmá, eles se desligaram de Kéter e
assim perderam as defesas que os teriam protegido e mantido dentro do campo da
espiritualidade.

Imaginação ou Ilusão
Veremos em texto próximo que Dáat corresponde ao Santuário e ao Templo
Sagrado. Mas não é uma tarefa fácil construir o santuário interno da mente.
A edificação de uma estrutura física requer a elaboração e aprovação de um
projeto.
Em seguida, devem ser contratados trabalhadores para a execução do serviço, e os
materiais de construção têm de ser adquiridos.
Mesmo quando tudo parece pronto, inúmeros obstáculos podem surgir e provocar
atrasos.
Da mesma forma, quando nos dedicamos à edificação espiritual da mente,
precisamos de projetos, trabalhadores e suprimentos, e temos de enfrentar as
dificuldades que inevitavelmente aparecem.
Deus, em Sua bondade, forneceu-nos todos os planos necessários para o nosso
desenvolvimento espiritual quando nos deu a Torá.
A Torá contém um conjunto abrangente de leis que têm a capacidade de abrir o
coração e a mente para esferas que estão muito além do mundo material.
Até a pessoa mais inculta pode experimentar a espiritualidade, as alegrias do
Shabat e das festas, as orações comoventes e sinceras que liberam as emoções, a
satisfação duradoura dos atos de caridade, e assim por diante.
Isso é possível porque a estrutura da Torá é análoga à do corpo humano.
Portanto, independentemente de sua condição, neste mundo o homem sempre
pode conectar-se com a Torá - e assim com Deus.

Os “trabalhadores e suprimentos” são os sentidos, membros e órgãos do corpo.


Obstáculos e barreiras também são inerentes ao organismo, mas o opositor mais
forte que encontramos quando tentamos construir nosso santuário interno reside
na própria mente.
Como o Rav Nachman ensinou, “Os maiores empecilhos que enfrentamos são os da
mente”.
Isto se refere aos poderes da imaginação e da ilusão.

“Deus formou Adão do pó da “adamá” [terra].” Adam [Adão] tinha este nome
porque foi formado da adamá. Gênesis 2:7.

O Rav ensinou que “A pessoa deve elevar-se sobre sua imaginação para alcançar o
intelecto. Ninguém pode transpor os portões da humildade sem antes ter aprendido
a superar as próprias ilusões.”
A imaginação é um “combustível” incrível para o pensamento, pois estimula a
mente a buscar o desconhecido e a procurar novas idéias, invenções e percepções.
Ela possibilita que o intelecto ultrapasse seus limites atuais, mas também facilita o
desvio da mente para áreas proibidas.
Vimos que a característica distintiva do ser humano se encontra no intelecto, e que
ele recebeu as ferramentas necessárias para usar esse intelecto com sabedoria.
Vimos também que o homem tem liberdade para decidir se quer fazer bom ou mau
uso do intelecto.
Como nos ensina a narrativa bíblica, Adão foi formado da “adamá” (terra).
A palavra hebraica “adamá” é semelhante a “medamê”, que significa “imaginação”.
O homem não é composto só de “adamá”, mas também do poder de “medamê”
(imaginação). Se ele preferir abusar do intelecto, a imaginação o ajudará nesse
caminho, servindo de obstáculo à obtenção do verdadeiro intelecto.

4
Por outro lado, se o indivíduo realmente quiser fazer a vontade de Deus, a
imaginação será indispensável, pois, sem ela, ele não poderá nem começar a captar
a espiritualidade. Isso pode ser verificado no emprego de um verbo que tem a
mesma raiz de “medamê” no seguinte versículo da Escritura (Isaías 14:14):
“Edamê Lelion - eu me assemelharei ao Altíssimo.”

Era a isso que o Rav se referia quando afirmou que a imaginação deve ser
subjugada ao intelecto. A imaginação é uma força poderosa.
Ela é a fonte da capacidade criativa do homem e pode lançá-lo às alturas mais
sublimes quando é usada adequadamente.
Porém, se não for guiada pelo intelecto verdadeiro, ela também pode
desencaminhá-lo.

Imaginação: A ponte entre o Físico e o Espiritual


O Reb Natan escreve que a imaginação age como um intermediário.
Ela serve de ponte entre o físico e o espiritual, entre corpo e alma.
A capacidade de visualizar algo na mente vem do poder da imaginação.
Ainda que a imagem mental que formamos seja de um objeto físico, este processo
de visualização é na verdade uma experiência “espiritual”.
Logo, a imaginação pode ao mesmo tempo ser considerada como o ponto mais alto
do plano físico e o ponto mais baixo do plano espiritual.
Ela é a ponte entre o material e o etéreo.
Esse poder do intelecto se estende muito além das limitações físicas.
Quem que tem o intelecto puro está muito distante do pecado e até do erro.
Porém, desde o pecado de Adão, o corpo físico se tornou tão grosseiro que mal
podemos “imaginar” como seria estar completamente livre de imperfeições.
É necessário algum tipo de ponte que promova a interação do intelecto com a
matéria, de modo que o indivíduo possa dominar seus desejos físicos.
Aí reside o poder da imaginação: ela une as forças do corpo e da alma.
Se usar a imaginação com sabedoria, a pessoa pode realmente ascender do nível
físico para o espiritual.

Por essa razão, o homem é chamado de Adam [Adão].


Ele é formado de adamá o pó, o físico; mas pode elevar-se sobre o mundo material
por meio do uso da imaginação e alcançar o nível da profecia.
“Imaginarei” em hebraico é “adamê”. Desta forma, podemos entender o significado
do seguinte versículo (Qséias 12:11): “Através dos profetas adamé [serei
imaginado].”

Quem permanece imerso na materialidade só é capaz de relacionar-se com a


espiritualidade por conjectura; ela lhe é totalmente abstrata. Porém, se usar a
imaginação para buscá-la, ele poderá subir a níveis muito altos de Divindade.

Angelical ou Demoníaco
O Rav nos ensina: “A fé só existe na imaginação. Na esfera que a mente é capaz de
compreender, o conceito de fé não pode existir.”
Por ser necessária onde falta entendimento, a fé fortalece o homem, encorajando-o
a buscar o que, no presente, está além de seu alcance, e o mantém concentrado no
espiritual.
Assim, a imaginação pode ser um catalisador para a obtenção de espiritualidade.

Por outro lado, o Talmud ensina o seguinte: “O homem não peca, a menos que um
espírito de insensatez o domine.”
Engana-se a pessoa que baixa a guarda pensando que um pecado não lhe fará mal.
Com esta atitude, ela cai do intelecto para a insensatez, danificando sua mente.
Sua imaginação, na qual está enraizada a fé, também é desvirtuada, e passa a
manifestar-se em pensamentos ilusórios.

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“A deturpação do intelecto aumenta o poder da ilusão.”
Sucumbindo ao poder negativo da ilusão, a pessoa perde algo de sua Divindade e
desce do nível humano para o animal.
Embora os animais possuam um intelecto rudimentar, falta-lhes um conhecimento
claro e bem definido.
O indivíduo cujos pensamentos se degeneram a tal ponto inevitavelmente desce do
nível da espiritualidade.
O Rav relaciona esse tipo de intelecto enganador e desvirtuado com os demônios.
Nossos Sábios ensinam que “os demônios foram criados na tarde da primeira
sexta-feira, pouco antes do pôr do sol. Como o sol já se punha, só os seus espíritos
foram criados, pois não houve tempo de formar corpos para eles. Por este motivo,
os demônios têm espírito, mas não possuem corpo físico” (Zôhar 1).
Consequentemente, os demônios estão sempre buscando um corpo para habitar.

A imaginação pode ser comparada a um espírito sem corpo – um espírito ou


pensamento “desincorporado”. Assim, agir de maneira precipitada, com base em
pensamentos ou objetivos imaginados, sem exercer o autocontrole (Kéter),
equivale a fornecer o próprio corpo para um demônio, e leva a pessoa a declinar
com facilidade para um comportamento “demoníaco”.
Nesse estado, ela fica vulnerável às forças do mal e nunca sabe ao certo onde
acabará. Por isso, o Rav ensinou que ninguém pode transpor os portões da
santidade sem antes subjugar seu poder interno de ilusão.
Ele também enfatizava que os aspectos negativos da imaginação - o “demônio”
dentro de cada um - são ainda mais potentes no indivíduo orientado para a
espiritualidade.
O “demônio” da ilusão, à procura de um corpo no qual possa repousar, tende a
escolher o corpo de um estudioso da Torá e, mais especificamente, de alguém
versado em halachá (os códigos da lei ).
A razão para isso está relacionada com a necessidade de manter o equilíbrio entre o
bem e o mal no mundo. O estudo da halachá e seu cumprimento meticuloso
ajudam a definir com nitidez o caminho espiritual que a pessoa deve seguir,
moldando seu estilo de vida. Assim, o conhecimento dessa pessoa é bastante claro
- ela sabe o que é permitido e o que é proibido.
Se não houvesse uma força para contrabalançar esse conhecimento, seria fácil
escolher o caminho correto; o rumo a seguir seria cristalino.
Portanto, para assegurar o livre-arbítrio, o poder da ilusão tenta esmagar esse
conhecimento claro e bem definido.

Isso fica mais evidente no ensinamento do Rav segundo o qual, quando a pessoa
começa a obter clareza intelectual, esses “demônios” que se originam de sua
imaginação tornam-se ainda mais fortes.
Sempre há graus mais elevados de intelecto a atingir, e nunca devemos pensar
que, por termos atravessado alguns portões de santidade, já subjugamos de forma
definitiva as nossas ilusões. Nesta vida, o equilíbrio entre o bem e o mal é mantido
em todos os níveis, para que se garanta o livre-arbítrio em cada etapa do caminho.
Assim, em todo nível se encontram obstáculos e ilusões, que devem ser
enfrentados e vencidos continuamente.
O Rav ensinou também que a criação de idéias de Torá retifica pensamentos
impróprios, porque a pessoa precisa esforçar-se e desenvolver sua imaginação até
que seja capaz de formar um “corpo” para as novas idéias.
Praticamente todos os pensamentos humanos são produtos da imaginação, e a
criação de um conceito de Torá certamente exige essa faculdade.
No entanto, deve-se sempre examinar a relação entre os conhecimentos já
existentes e os que estão sendo produzidos, para assegurar que as novas idéias
sejam condizentes com uma visão válida da Torá. Isso serve para retificar os
pensamentos inadequados e a imaginação desvirtuada da pessoa.

6
Por outro lado, a fundamentação de ensinamentos inovadores em idéias distantes
da Torá só intensifica os poderes de ilusão, como veremos agora.

As Câmaras das Trocas


“E viu a mulher que a árvore era boa para comer e desejável para os olhos... Ela
tomou do seu fruto e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu.”
Gênesis 3:6

Quando se aproximou de Eva para incitá-la a comer da árvore do conhecimento, a


serpente disse: “Sereis como Deus, conhecedores do bem e do mal”, e
imediatamente a mulher viu que a árvore era boa para comer e desejável para os
olhos: “Ela tomou do seu fruto e comeu, e deu também a seu marido, e ele
comeu”.

O Rav Natan escreve que o erro deles foi tentar ir além dos limites de seu Kéter, as
barreiras superiores. Pensaram que, dessa maneira, poderiam ser como Deus.
Porém, ao invés disto, eles desceram às câmaras das trocas, onde o bem se torna
mal, e o mal se torna bem.

As câmaras das trocas são a imaginação desvirtuada, onde a pessoa pensa que
sabe e entende, mas na verdade não sabe nem entende. Essa idéia é expressa no
seguinte versículo (Isaías 5:20): “Ai dos que chamam o mal de bem e o bem de
mal. Eles trocam escuridão por luz e luz por escuridão; trocam o amargo pelo que é
doce e o doce pelo amargo”.
Toda a amargura da vida, que inclui o ódio e a ira, tristeza e inveja, discórdia,
conquista e a avidez de honraria, provém da imaginação.

O Rav disse uma vez que o Talmud afirma que a má inclinação tem sete nomes:
má, incircuncisa, impura, inimiga, obstáculo, pedra e cobra.
Em nossos dias, ela deveria ganhar um nome adicional: o poder da ilusão.

Continua

7
Anatomia da Alma – Parte 17

Chochmá e Biná

O Arizal ensina que Chochmá e Biná são indissociáveis.


Elas são descritas como “duas amigas que nunca se separam” (Zôhar 3), e são
análogas ao cérebro, que se divide nos hemisférios direito e esquerdo, que também
não se separam, apesar de cada um ter identidade própria.
Como vimos, Chochmá representa a sabedoria indiferenciada, o hemisfério direito
“não verbal”, enquanto Biná é a manifestação dessa sabedoria, o hemisfério
esquerdo “verbal”.
O Sêfer Yetsirá afirma: “Entenda com sabedoria e seja sábio com entendimento.”
Isso significa que, para que se alcancem os níveis mais elevados de consciência de
Deus, Chochmá e Biná devem ser utilizadas em conjunto.

Em outra perspectiva, Chochmá e Biná correspondem, respectivamente, ao cérebro


(que controla os processos de pensamento) e ao cerebelo (que é responsável pela
coordenação muscular e pelo equilíbrio do corpo).
Neste sentido, Chochmá representa o intelecto como um todo, a capacidade de
dominar um assunto e integrar seus princípios fundamentais aos processos
mentais.
Biná refere-se à capacidade de dirigir o corpo com base nos comandos da mente.
Isso só é possível devido à faculdade mental de derivar informações adicionais de
dados já recebidos.
Em seus esforços para alcançar a espiritualidade, a pessoa precisa de ambas.

Essa idéia é ilustrada pelo fato de, no nível de Chochmá, todo ser humano saber
que Deus existe. Mesmo aqueles que não O buscam O reconhecem de forma
latente. Até quem se autodenomina ateu possui uma percepção profunda de Deus,
ainda que encoberta.
Biná comanda o trabalho de compreensão e desenvolvimento desse conhecimento
latente.
Sem ela, a Chochmá inata não tem serventia.

O Rav ensinou: Saiba que há pessoas más que passam a vida inteira tentando
desarraigar-se de Deus e de Sua Torá. No entanto, uma minúscula centelha de
espiritualidade permanece, sempre procurando reacender a chama espiritual que há
dentro delas.
Porém, por estarem tão profundamente entrincheiradas na maldade, elas redobram
seus esforços para se desarraigarem, de modo que acabam rejeitando até a mais
ínfima ligação com Deus.
Infelizmente, na maioria dos casos, quando as pessoas atingem esse nível de
ateísmo, elas morrem. Então elas vêem, de imediato, a verdade que com tanto
empenho tentaram negar, mas é tarde demais. Que Deus nos livre!

A Metrópole de Roma
Quando o Rei Salomão desposou a filha do faraó, [o arcanjo] Gavriel [Gabriel]
desceu e plantou um canê [junco] no mar. Um banco de areia se formou [em volta
do junco], sobre o qual mais tarde se erigiria a metrópole de Roma.

O Rav ensinou que há dois tipos de “cané”.


Um é “kenê‟ [adquire], como em “Kenê Chochmá, kenê Biná - Adquire sabedoria,
adquire entendimento” (Provérbios 4:5).
O outro é associado a “Repreende a fera do canê [junco]” (Salmos 68:31).
Chochmá representa a sabedoria pura, que é o conhecimento de Deus, enquanto as
falsas crenças e os estilos de vida indesejáveis são comparados a animais
selvagens.

1
A plantação de falsas crenças na mente permite que a “fera” crie raízes e espalhe
seu veneno, tomando o lugar da verdadeira sabedoria.
A verdadeira sabedoria é a espiritualidade.
A pessoa inicia sua estadia na terra com a mente aberta, pronta para absorver todo
tipo de conhecimento e informação.
Conforme o tempo passa, as informações obtidas se acumulam, criam raízes e se
expandem.
Quando o indivíduo dirige sua mente para a espiritualidade, elas podem expandir-
se ainda mais, pois o espiritual está além do tempo e do espaço e, portanto, é
infinito.
Porém, se ele optar pela busca dos bens materiais, com as falsas crenças e os
estilos de vida indesejáveis que os acompanham, sua mente será poluída por
desejos não naturais.
Primeiro, uma pequena dose de mal lançará raízes, depois um pouco mais; por fim,
anseios perversos dominarão a mente inteira.
O cérebro sorverá e armazenará uma enorme quantidade de materialismo, e
restará pouco espaço para que qualquer outra coisa entre e se desenvolva.
O espiritual será praticamente banido.

Nesta lição o Rav explica o significado do trecho talmúdico citado acima:


O Rei Salomão representa a sabedoria espiritual.
A filha do faraó simboliza as falsas crenças e um estilo de vida indesejável.
Gavriel corresponde a guevurot, julgamentos.
O mar é “o mar de sabedoria” que se encontra na mente das pessoas.
Roma representa o ateísmo.

O casamento do Rei Salomão com a filha do faraó refere-se ao indivíduo que faz
uso da mente para acumular falsas crenças. O anjo Gavriel representa os
julgamentos, constrangimentos e restrições que ele enfrenta na vida, em
conseqüência de sua dedicação à busca dos bens materiais.
Os desejos materiais são comparados ao junco plantado no mar.
A mente, originalmente aberta para a espiritualidade ilimitada, agora tem um
diminuto objeto material plantado dentro dela, tomando espaço.
Como o Rashi explica: um mar sem obstruções corre livremente, mas um único
junco atrai toda a sujeira que passa flutuando.
À medida que a sujeira se acumula, o junco transforma-se em banco de areia e por
fim numa grande porção de terra.
Dessa maneira, as falsas crenças, que podem ter começado como algo muito
pequeno, tornam-se um polo para o qual serão atraídas outras idéias antiéticas.
Essas infrações “aparentemente minúsculas” acabam se juntando e adquirindo o
tamanho e a força da “cidade de Roma”, a capital do império que destruiu o Templo
e torturou e assassinou milhões de pessoas: o arquétipo do ateu.

Mente Aberta ou Estreita?


À luz do ensinamento do Rav apresentado acima, percebemos que as pessoas que
se definem como científicas, seculares, liberais e de mente aberta têm, na verdade,
a mente muito estreita e limitada.
Ao invés de enxergar uma inteligência infinita manifesta na química da vida e no
milagre da consciência humana que essa química sustenta, elas preferem ver
processos acidentais e aleatórios.
Tendo a mente fechada para a Divindade, elas simplesmente não conseguem
compreender as pessoas espiritualizadas e religiosas.
Além disso, como só pensam em termos materialistas, elas se impedem de ver o
que está além da matéria - ou dentro dela.
Peça a um cético em relação à existência de Deus que observe um pedaço de
madeira através das lentes de um microscópio eletrônico. Faça-o ver que ela é
composta de fibras, que são feitas de celulose, que é constituída de moléculas, que

2
são feitas de átomos, que são compostos de partículas subatômicas como prótons,
elétrons e nêutrons, que são formadas de partículas elementares de dimensões
inferiores às das subatômicas, denominadas quarks e léptons.
Faça-o entender que não se trata de entidades físicas, mas de feixes de energias
vibratórias; e que essas energias vibratórias são freqüências de uma única força
básica de energia vibratória que está continuamente criando e recriando todos os
átomos e moléculas do universo, a cada momento.
Faça-o compreender que o que outrora era conhecimento profético ou cabalístico
do “interior” da matéria é hoje teoria científica aceita.
Quem não conseguir ver a maravilha de tudo isso é realmente tacanho e tem a
mente obstruída por suas próprias idéias preconcebidas e limitadas.

Examinemos agora a atitude de uma mente aberta, em contraposição à de uma


mente estreita, no contexto dos acontecimentos vivenciados pelos hebreus no Mar
Vermelho.
Eles tinham o mar a sua frente, um deserto cheio de animais selvagens de um lado,
rochedos escarpados intransponíveis do outro, e atrás, os egípcios a persegui-los.
De seu ponto de vista, eles estavam diante de pouquíssimas escolhas, todas muito
dolorosas: pular no mar, voltar para a escravidão no Egito, lutar com os egípcios ou
fugir para o deserto (Shemot 21:5).
Mas os poderes de Deus não são limitados pelas categorias de tempo e espaço. Sua
escolha foi “abrir o Mar Vermelho”!

É claro que não enfrentamos situações como essa todo dia.


Tampouco esperamos de fato ver um milagre revelado em nossa época... ou
esperamos?

No plano espiritual, tudo pode acontecer.


Quando uma pessoa que tem uma vida exclusivamente materialista encontra
dificuldades, ela só pode considerar as opções que estão de acordo com sua
maneira de ver as coisas.
Assim, ela se decidirá por uma solução “natural”, baseada em seu modo de
entender os problemas. Esta pessoa tem a mente estreita.
Procurando apenas soluções que podem ser concebidas por sua mente finita, ela
automaticamente exclui todo um conjunto de recursos possíveis que não se
harmonizam com suas idéias.
Por outro lado, quem busca a espiritualidade sabe que sempre pode confiar em
Deus.
Como Deus é infinito, Ele é capaz de oferecer recursos incontáveis.
Este indivíduo com certeza tentará imaginar soluções próprias, mas também estará
atento a outras possibilidades que possam surgir, porque ele sabe que Deus, em
Sua infinita sabedoria, pode ajudá-lo de inúmeras maneiras.
Muitas vezes, durante a vida, parece que não há saída, ou que as opções
disponíveis não são factíveis.
No entanto, de alguma forma, uma solução inesperada se materializa.
Não há limite para o que Deus pode fazer.
Logo, por definição, o plano espiritual está além das restrições de tempo e espaço.
Ele não se assemelha a nada que a inteligência humana finita seja capaz de
imaginar.
Por essa razão, a fé em Deus e o esforço para viver uma vida espiritual são
indicadores seguros de uma mente aberta.
Como Deus está acima do espaço e do tempo, quem se relaciona com Ele pode
esperar que qualquer coisa aconteça.
Em contraposição, a mente estreita do indivíduo que só busca o materialismo limita
seu potencial apenas ao que o mundo material pode oferecer. Ele nunca poderá
realmente apreciar as maravilhas inerentes à criação.

3
Memória: Recordação do Futuro....

Quem é sábio? Aquele que vê o “nolad” [futuro].

O Rav Moshé Sofer comenta que a palavra “nolad” (literalmente, “nascido”) indica
uma ligação profunda entre o que já “nasceu” no passado e o que ainda está para
nascer no futuro.
Ela nos ensina que o futuro só pode ser visualizado e compreendido por meio do
estudo do passado.
Como notamos acima, Chochmá e Biná representam a “lembrança” do passado e a
“projeção” do futuro.
Vimos como a imaginação pode preencher a lacuna entre o espiritual e o material.
A memória, do mesmo modo, pode ser entendida como uma ponte entre o passado
e o futuro.

O Rav Nachman ensinou que a pessoa sempre deve ter em mente a imagem de
seus objetivos.
O Rav explica que, se quiser construir uma casa, primeiro você precisa visualizar a
aparência desejada da casa pronta. Com base nesta imagem, você pode projetar os
detalhes, fazer as plantas necessárias, adquirir os materiais de construção e depois
trabalhar na construção propriamente dita.
Durante todo o processo, a imagem mental não só orienta seus passos, mas
também atua como um forte estímulo que o impele a executar o plano.
Seu maior incentivo é a imagem final da edificação, que se destaca em sua mente
em todas as etapas.
Essa atitude é fundamental para que se alcance sucesso na vida.
Nosso objetivo supremo, que devemos sempre ter em mente, é o mundo vindouro.
O Rav fala de “lembrar-se constantemente do mundo vindouro e manter esse
objetivo em posição proeminente na mente”.
Como podemos lembrar-nos de algo que está no futuro?
Uma das respostas é que o mundo vindouro representa uma dimensão que está
fora da nossa realidade presente.
Nessa dimensão, o tempo ainda não é segmentado, e passado, presente e futuro
são uma coisa só.
Do ponto de vista do nosso estado de consciência atual, o mundo vindouro se
encontra no futuro; porém, da perspectiva da nossa alma transcendente, ele existe
agora (porque a alma também transcende o tempo).
Além disso, dado que a alma se origina nessa dimensão e retorna a ela toda noite
enquanto dormimos, temos a memória dela inculcada firmemente em nossa psique.
Assim, podemos “lembrar” o futuro.

Na história “O Filho do Rei e o Filho da Criada”, do Rav , o verdadeiro príncipe,


embora tenha sido criado como servo, ainda se sente atraído pelos modos da
realeza.
O que estava naturalmente gravado em sua psique nunca foi de todo apagado.
No fim, ele se torna senhor do rei anterior (que na verdade era seu servo) e
governa a “terra dos tolos” como um “rei sábio”.
O Rav Natan explica que a luta entre o verdadeiro príncipe e o servo simboliza a
batalha incessante entre o corpo (servo) e a alma (príncipe).
Embora se encontre neste mundo material, a alma jamais esquece completamente
a sua origem e acabará por buscá-la.
No mundo vindouro, a alma do homem transcenderá esta vida material para entrar
numa dimensão na qual ela reinará suprema.

O Rav Nachman ensinou que a Torá é vasta.


Como se pode pretender estudá-la inteira e retê-la na memória?

4
Imagine se quiséssemos adicionar água, ainda que em pequena quantidade, a um
barril que já está cheio.
Parte do líquido contido no barril teria de ser derramada para dar espaço ao que
seria acrescido. Porém, diferentemente do barril e do que ele armazena, a natureza
espiritual da Torá transcende a noção de espaço. Assim, quem busca a
espiritualidade sempre pode aumentar seu conhecimento da Torá sem perder nada
da sabedoria que adquiriu antes.
Quanto mais espiritualidade a pessoa cultivar em seu intelecto, maior será a sua
capacidade de guardar novas informações desse tipo.
No entanto, é muito fácil esquecer nosso verdadeiro objetivo.
Considerando-se as numerosas exigências físicas da vida, o empenho aplicado no
ganho do sustento e no cuidado da família pode tranqüilamente fazer o indivíduo
esquecer sua natureza e potencial espiritual.
Como ensina o Rav “O esquecimento é comparado a nuvens que cobrem os olhos”.
A vista pode tornar-se fraca, e o futuro (o mundo vindouro) ser logo esquecido.
Portanto, o Rav ensina também que a pessoa deve proteger sua memória para não
se tornar esquecida.
O esquecimento é análogo ao conceito de „coração agonizante‟ [o coração é um
aspecto de Biná e se refere ao futuro] e predomina naqueles que consideram este
mundo corpóreo como o único mundo.
O maior esforço da memória deve ser dedicado a recordar a lembrança do futuro.
O Rav Nachman ensina que a oração, o canto e a alegria fortalecem a memória e
combatem o esquecimento. Por meio da oração, a pessoa pode cuidar de sua
memória e nutrir uma consciência constante do mundo vindouro.

...e Esquecimento do Passado


O Rav ensina que a tendência humana para o esquecimento é, em alguns aspectos,
muito benéfica: Se não houvesse o esquecimento, seria totalmente impossível
servir a Deus.
Você se lembraria de todo o seu passado, e as recordações [desagradáveis] o
deprimiriam e não permitiriam que você se elevasse para aproximar-se Dele.
Tudo que você tentasse fazer seria obscurecido pelas memórias do passado.
Mas Deus lhe deu o poder de esquecer e desconsiderar o passado.
O passado ficou para trás, não voltará, e não precisa ser trazido à memória.
Graças à sua capacidade de esquecer, você não tem de ser dominado por ele.

É muito importante compreender isso quando se serve a Deus.


A maioria das pessoas se angustia com os acontecimentos pretéritos,
principalmente durante a reza. Quando o indivíduo recita suas orações, a devoção
muitas vezes é dissipada pelas recordações. Ele pensa nos negócios ou em
assuntos familiares, perguntando-se, com preocupação, se cometeu algum erro ou
deixou de fazer algo importante.
Apesar de estar tentando servir a Deus por meio da oração ou do estudo, ele pode
ficar perturbado pensando em seus numerosos pecados e falhas.
Esse é um problema universal, e todos reconhecem as suas dificuldades.
O mais aconselhável nesses casos é simplesmente esquecer.
Assim que um acontecimento [doloroso] passar, esqueça-o por completo e nunca
mais pense nele.
Entenda bem esse princípio, porque ele é fundamental.
O Rav Nachman prossegue: Em nossa literatura sagrada, vemos que Deus nos deu
o poder de esquecer para que sempre possamos apreciar a Torá como se a
estivéssemos estudando pela primeira vez.
Por causa do esquecimento, você pode reaprender ou revisar uma lição como se
estivesse estudando algo novo.
Assim, você pode admirá-la tanto quanto na primeira vez em que a viu.

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O Midrash (Vaicrá Rabá 19:2) compara essa situação à de trabalhadores
contratados para encher barris que têm vazamentos, recebendo pagamento diário.
Quanto mais líquido eles despejam nos barris, maior é o volume que vaza.
Os tolos se queixam: “Por que estamos trabalhando em vão? De que serve encher
os barris, se todo seu conteúdo vaza?”
Mas os sábios respondem: “Que diferença faz? Acaso não somos pagos por dia de
trabalho? Se os barris vazam, nosso salário não é reduzido por isso”.

Esta mesma atitude deve ser mostrada em relação aos estudos sagrados.
Talvez você os esqueça, mas a sua recompensa não será reduzida.
No futuro, Deus fará cada um se lembrar de tudo que já aprendeu, mesmo que o
tenha esquecido durante a vida.

O Sonho do Faraó
O faraó falou a José: “No meu sonho, eu estava sobre a orla do Nilo. De repente,
subiram sete vacas, gordas de carne e formosas à vista... Em seguida, também
subitamente, outras sete vacas [subiram], magras e muito feias de forma.., E as
vacas vazias e feias devoraram as sete vacas primeiras, as gordas. Elas as
engoliram completamente, mas não se notava que houvessem entrado nas suas
entranhas, e sua aparência era feia como no princípio” .

Quando fala sobre esquecimento, o Rav Natan adverte que devemos tomar cuidado
com o “sonho do faraó”.
A Bíblia relata que o faraó sonhou com sete vacas gordas e sete vacas magras.
Depois de engolir as “vacas gordas”, as magras não davam sinal de as terem
consumido. O sonho faz alusão à tendência das pessoas de “engolir todo o bem”
que existe em sua vida - isto é, esquecer o bem de modo tão absoluto que não
resta nem vestígio dele em sua memória.
É certo que o indivíduo deve esquecer suas más ações e os erros do passado, que
poderiam inibir seu crescimento espiritual, e ao mesmo tempo relembrar os
equívocos cometidos e esforçar-se para corrigi-los.
No entanto, ele tem de recordar o bem que praticou.
A lembrança constante do positivo possibilita que ele empregue suas forças
interiores para crescer continuamente.
Isto lhe trará alegria, que por sua vez preservará sua memória.

Em outro lugar, o Rav Natan explica que o faraó está relacionado com a “hafraá”,
“interferência”, simbolizando as ilusões e pensamentos inoportunos que se infiltram
na mente.
A pessoa deve sempre combater o sonho do faraó, e a força do tsadic (Justo) pode
ajudá-lo nessa tarefa.
Foi José que apresentou a solução que salvou o faraó e o país inteiro (na verdade,
todas as nações afetadas) da fome, mostrando que o conselho dos tsadikim é capaz
de neutralizar os efeitos nocivos dos maus sonhos e ilusões.

Vimos que o pecado de Adão foi ter comido da árvore do conhecimento do bem e
do mal, que o separou do conselho correto. Este conselho pode ser redescoberto
nos ensinamentos dos tsadikim. Quem realmente deseja superar a má inclinação -
com suas ilusões, pensamentos negativos e más recordações - se beneficiará muito
com o estudo dos conselhos oferecidos pelos verdadeiros tsadikim (“justos”).

Criação Ex Nihilo

“Em Sua bondade Ele renova constantemente o ato da criação, todos os dias.
Quão grandes são as Tuas obras, ó Deus; a tudo fizeste com Chochmá”
(Ofício da manhã).

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A pessoa deve empenhar-se para só ter pensamentos bons e produtivos, e assim
renovar e revigorar seu intelecto diariamente.
Isso se assemelha à criação, quando “a tudo fizeste com Chochmá” (Salmos
104:24). Deus repete o ato da criação do mundo de novo, “ex nihilo” [a partir do
nada], todos os dias.
Da mesma maneira, o indivíduo deve renovar a mente e o intelecto diariamente.

O primeiro passo é iniciar o dia sem julgamentos preconcebidos.


Assim como a criação ocorreu ex nihilo, você também deve começar o dia com uma
atitude ex nihilo.
Diga: “Hoje não será a mesma coisa de sempre. Este dia é totalmente novo!”
Mantenha-se aberto para idéias novas e vigorosas, sem prender-se a rotinas.
Encare até mesmo suas atividades cotidianas de forma diferente e original.

A maioria dos inventores são pessoas que rejeitam noções e idéias predefinidas e
estão dispostas a testar novas abordagens para alcançar os objetivos desejados.
Pode-se dizer o mesmo da busca de espiritualidade.
Adotar um enfoque diferente a cada dia abre novas perspectivas espirituais.

O Rav Natan acrescenta que Deus injeta esse poder de renovação em cada dia.
“Imagine”, ele escreve, “um artista que produz as obras mais belas”.
Seria possível visualizar uma pessoa tão criativa fazendo a mesma coisa toda vez?
Deus, o Artista Supremo, recria o mundo inteiro todos os dias.
Poder-se-ia pensar, por um instante, que Deus - que fez um mundo tão incrível e
tudo que há nele - faria a mesma coisa por tantos milênios, sem jamais criar nada
novo?
É claro que não!
Todo dia é uma criação original.
Assim como Deus renova o mundo, trazendo sempre uma novidade, você pode
seguir esse exemplo e revigorar-se diariamente.
O segredo é ver cada dia como uma criação inédita, uma criação “ex nihilo”.

Noticiário 24 Horas por Dia

Dáat (intelecto) é a própria vida!

Ao levantar-se pela manhã, quem não lê o jornal ou ouve o rádio para informar-se
de todos os “acontecimentos importantes do dia”?
Quem consegue ficar sentado à mesa do jantar sem assistir ao noticiário das sete
horas?
Como é possível ter uma boa noite de sono sem antes verificar o que está
ocorrendo no mundo?
Se seguirmos o conselho da mídia, não poderemos viver sem notícias.
A pergunta é: que notícias? Por que o mundo é tão obcecado por notícias?

Afirmamos acima que Deus injeta o poder de renovação em cada dia.


Assim, sempre há as “notícias do dia”, nas quais se pode perceber e experimentar o
frescor da criação de Deus.
Além disso, vimos que a recompensa do mundo vindouro é um nível sempre
crescente de conhecimento da Divindade.
Portanto, nossa avidez por notícias é na realidade um desejo instintivo de Dáat, ou
seja, de Divindade, a fonte da vida.
Como o conceito da criação - as inúmeras inovações que Deus produz todos os dias
- corresponde a Chochmá e Biná, a mente tem uma tendência inata a buscar
constantemente o novo. O tipo de novidade que você procura é uma questão de
escolha.

7
Você pode ser alimentado de forma passiva pela seleção de notícias feita pelos
jornalistas locais, ou buscar a renovação verdadeiramente original e mais recente
existente em cada dia, que é capaz de revigorá-lo com um novo interesse pela
vida.

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Anatomia da Alma – Parte 18

Dáat: O Templo Sagrado – Parte 1

Moisés recebeu a ordem de construir o Santuário no qual a Presença Divina seria


revelada na terra. “Olha”, disse-lhe Deus, “chamei a Betsalel... e fiz com que ele
ficasse repleto do espírito de Deus, em Chochmá (sabedoria), Tevuviá
(entendimento) e Daat (conhecimento)..” (Êxodo 31:2-3).

A Cabalá define Dáat como “rúach hacódesh”, ”inspiração Divina”.


Quando os poderes de Chochmá e Biná são combinados, obtém-se Dáat
(conhecimento) e constrói-se um Santuário.
Isso também pode ser realizado no nível individual.
Todos são capazes de tornar-se um Templo Sagrado no qual o rúach hacóclesh
pode manifestar-se!
O Rav Nachman ensinou o seguinte: “A aquisição de Dáat é comparável à
construção do Templo Sagrado, enquanto a ausência de Dáat corresponde à sua
destruição”. Portanto, o objetivo do homem deve ser a obtenção de Dáat, a
construção de um santuário pessoal de espiritualidade, onde Deus possa ser
revelado.

Como vimos Daat é a manifestação externa de Kéter.


Ela é uma quase-sefirá formada pela confluência de Chochmá e Biná.
A principal retificação de tudo que está imperfeito neste mundo se faz por meio da
construção do intelecto de Dáat. O Rav Natan explica que a razão fundamental
disso é o pecado de Adão, que consistiu em comer do “ets hadaat”, a “árvore do
conhecimento do bem e do mal”.
Como a imperfeição que ele criou com este pecado estava na esfera de Dáat, sua
retificação também deve acontecer por intermédio de Dáat

Dáat: O Tronco Cerebral e a Coluna Vertebral


O Rav Nachman nos ensinou que “Chochmá é o intelecto potencial; Biná é o
intelecto lógico; Dáat é a verdadeira sabedoria adquirida”.
Chochmá é a primeira revelação do intelecto, o intelecto potencial, porque ainda
indiferenciado.
Biná é o processo de pensamento lógico por meio do qual Chochmá se torna
manifesta. Finalmente, quando o que foi absorvido e compreendido pode ser
aplicado no nível prático, chega-se a Dáat.
Podemos entender melhor essa idéia se lembrarmos que Dáat corresponde ao
tronco cerebral e à coluna vertebral.
Tudo que é processado no cérebro se manifesta nas reações do corpo aos
comandos cerebrais. A coluna vertebral, por ser uma extensão do tronco cerebral,
reflete a capacidade de Dáat de receber de Chochmá e Biná.
Como vimos, Chochmá representa o passado, e Biná representa o futuro.
Dáat é o poder do presente, o aqui e agora, onde interagimos com as forças à
nossa volta. Assim, é só por meio de Dáat que podemos realmente tomar
consciência da Divindade que nos cerca e preenche.
Para saber como é possível conscientizar-se da espiritualidade por meio de Dáat,
você deve lembrar que, na disposição das sefirot, Chochmá está do lado direito, e
Biná, do lado esquerdo.
Direita e esquerda correspondem, respectivamente, a Chassadím (bondade) e
Guevurot (julgamento).
Explicamos que Chochmá é o aspecto masculino que se une com Biná, o aspecto
feminino, para criar Dáat. A combinação de Chochmá e Biná é crucial para a
atuação de Dáat.
Do ponto de vista prático, se tentássemos estruturar nossa vida só com bondade,
seríamos esmagados e não conseguiríamos funcionar.

1
Por outro lado, se quiséssemos viver com base apenas no julgamento, não
poderíamos subsistir, porque o mínimo descumprimento de nossas
responsabilidades exigiria uma punição severa.
O equilíbrio entre bondade e julgamento é essencial para uma existência saudável.
Da mesma maneira, alcançar uma combinação perfeita de amor (Chéssed) e
respeito (Guevurá) a Deus é equivalente a adquirir conhecimento Dele.
O amor possibilita que você se doe sem restrições, enquanto o respeito o ajuda a
manter a distância necessária para servir a um Ser tão elevado.

Dáat também gera um equilíbrio salutar nas relações humanas.


Ela representa a compaixão, um estado no qual a bondade e a contenção são
exercidas simultaneamente.
Um exemplo claro dessa combinação é o ato de disciplinar uma criança com
sabedoria. Às vezes, os pais castigam o filho com severidade para aplacar sua
própria raiva, ou então se abstêm completamente de discipliná-lo, por medo de
torná-lo ainda mais rebelde.
Essas duas atitudes são prejudiciais à criança.
Se for estabelecida corretamente, a disciplina pode fazer o filho entender que tipos
de comportamento são inaceitáveis e como ele deve comportar-se no futuro.
A contenção é usada aí como uma forma de punição, mas associada ao amor.
Esta é a verdadeira compaixão, a compaixão criada por Dáat.

Aiê? e Meló: Esperança, Não Desespero


A compreensão da necessidade da mistura de forças opostas (Chéssed e Guevurá)
para sustentar a criação pode auxiliar-nos a perceber como a Divindade está
presente neste planeta terreno grosseiro.
O princípio mais básico da existência é que Deus permeia toda a criação, dos níveis
mais altos até os mais baixos.
Por um lado, quanto mais a pessoa se elevar, maior será a revelação de Divindade
que ela experimentará, e mais ela será atraída à espiritualidade.
Em graus mais baixos de existência, por outro lado, a presença de Deus torna-se
cada vez mais encoberta.
Nos níveis inferiores, pode parecer que Ele é, Deus nos livre, inexistente.
Assim, vemo-nos diante da seguinte pergunta: considerando-se o mundo material
grosseiro em que vivemos, como é possível que simples seres humanos nutram a
esperança de ter alguma percepção de Deus?

Existe um nível no qual a revelação da grandeza de Deus é tão sublime que nos é
totalmente insondável.
É o nível do “Aiê mecom Kevodó? - Onde é o lugar de Sua glória?”.
Nem os tsadikim podem compreender o “mecom Kevodó” (lugar de Sua glória),
porque, quanto mais elevam, mais eles percebem a grandiosidade de Deus em
contraposição a sua própria insignificância. Eles ficam com a pergunta, “Aiê?”.
No extremo oposto da balança estão os piores pecadores, que se encontram tão
distantes da espiritualidade que parecem não ter absolutamente nenhuma ligação
com Deus.
Como poderiam então começar a buscá-Lo?
Para avançar, eles devem perceber que a imponência e a grande misericórdia de
Deus descem dos níveis mais altos até este mundo material. Desta forma, Deus
sustenta o mundo, e “Meló col haarets Kevodó - O mundo inteiro está repleto de
Sua glória” (Isaías 6:3). Segue-se que, apesar da tão formidável grandeza de Deus,
sempre podemos encontrá-Lo, porque Ele está em toda parte.

Em cada geração há um tsadic tão magnífico que compreende esses dois conceitos,
Aiê? e Meló. Ele mostra aos que têm inclinação para a espiritualidade que,
independentemente do que já tenham alcançado, eles ainda não entendem nada da

2
essência de Deus. Ao mesmo tempo, ele é capaz de mostrar à pessoa mais
afastada da espiritualidade que Deus está ao lado dela, sempre acessível.

Vemos que os conceitos de Aiê? e Meló representam os dois extremos de uma


escala. O primeiro indica um estado de incessante anseio e questionamento:
“Quando chegarei ao meu objetivo?”
O outro se caracteriza por um sentimento de incapacidade de encontrar Deus e de
falta de merecimento para aproximar-se da santidade, de modo que é necessário
“mostrar” à pessoa que “o mundo inteiro está repleto de Sua glória”.
Do ponto de vista da lógica, os dois jamais poderiam coexistir.
Em geral se presume que quem tem inclinação para a espiritualidade está afastado
do materialismo; e que quem é materialista não busca o espiritual. No entanto, é
interessante notar que todos nós vivenciamos esses extremos em nossa vida diária.
Freqüentemente oscilamos entre a esperança e o desespero; também conhecemos
as conseqüências de pensar que “chegamos” ou de perder toda a fé na nossa
capacidade de um dia começar de novo.
Daat é a “ponte” entre esses dois opostos.
Com Daat, sempre podemos encontrar Deus - onde quer que estejamos.
Mesmo no abismo mais profundo, podemos recuperar o ânimo com a consciência
de Sua proximidade, sabendo, ao mesmo tempo, o quanto estamos distantes Dele.
O tsadic é alguém que aperfeiçoou sua Dáat e por isso é capaz de compreender e
entrelaçar esses dois conceitos, apreendendo-os como um só.
Ele transita entre os mundos superiores e inferiores com naturalidade, como se
estivesse indo e vindo entre dois quartos. Por ter unido os dois opostos aparentes
dentro de si, ele pode iluminar a Dáat das demais pessoas, de maneira que todo
aquele que aceitar a sua orientação será capaz de perceber Deus em seu próprio
nível.

Os Três Compartimentos
“O homem não peca, a menos que um espírito de insensatez o
domine.”

O Rav Nachman ensinou que Daat indica uma ligação e uma união, conforme está
escrito (Gênesis 4:1): “E Adão conheceu Eva, sua esposa”. A união pode assumir
duas formas.
A união sagrada consiste em ligar-se aos tsadikim, à Torá, a Deus.
Esta união vem da Daat sagrada.
Uniões pecaminosas, por outro lado, vêm da Daat desvirtuada.
Vimos que o encéfalo se divide em três seções principais: o cérebro, o cerebelo e o
tronco cerebral.
Esta divisão é análoga à faculdade da mente de compartimentar e analisar
informações para chegar a conclusões lógicas.
De acordo com o Rav esse processo composto de três etapas (compartimentagem,
análise e decisão conclusiva) reflete a capacidade mental de “estabelecer
compartimentos” para proteger a pessoa do pecado, principalmente do pecado da
imoralidade.
Os compartimentos do encéfalo correspondem a Chochmá, Biná e Daat, como
explicamos. Quando concentra sua mente na obtenção de mais espiritualidade,
você se orienta para a santidade. Sua união interna, a combinação de sabedoria e
entendimento, cria então uma Daat de santidade, um santuário onde a Divindade
pode ser revelada. Porém, se você se afasta da santidade por nutrir falsas crenças
ou por desperdiçar sua energia mental em pensamentos imorais ou pecaminosos,
sua capacidade de alcançar a Daat sagrada é danificada.
Os compartimentos de sua mente ficam fragmentados; a sabedoria (Chochmá) se
dissipa, e a lógica (Biná) o abandona.
O Arizal ensina que só as forças da santidade possuem Daat, enquanto as forças do
mal existem sem Daat.

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O Zôhar afirma que “Elas [as forças do mal] começam em união, mas terminam em
separação”.
A união não pode perdurar no campo do mal, porque aí não há possibilidade de
fusão de amor e temor, bondade e contenção. Não é possível, portanto, atingir
Daat, aquela mescla benéfica que resulta na compaixão.
Quando Daat é desvirtuada, a compaixão diminui, e a bondade é substituída pela
crueldade. As pessoas nesse estado ficam insensíveis aos sentimentos dos outros e
negligentes com a propriedade alheia.
Danos e abusos tornam-se freqüentes.
E o que é ainda pior, a compaixão é muito mal empregada, sendo muitas vezes
consumida - e desperdiçada - com pessoas indignas.
Quando a imoralidade reina, Daat é desvirtuada e o sentido de compaixão é
deturpado. Sente-se pena dos criminosos - terroristas, assassinos, estupradores e
assim por diante - enquanto os cidadãos cumpridores das leis temem por sua vida,
e indivíduos que não merecem reprovação sofrem restrições injustificadas.
Alguns mostram uma preocupação extrema com a conservação da natureza,
enquanto a humanidade definha devido à pobreza.
Foi por essa razão que Deus criou o homem com um “triunvirato” firmemente
plantado em sua mente: Chochmá, Biná e Daat.
Tentando combinar a bondade de Chochmá com as restrições de Biná, o indivíduo
pode desenvolver uma Dáat bem constituída e aprender a construir e criar com
moderação, para o seu próprio benefício e em proveito da humanidade como um
todo.
Deus deu ao homem a oportunidade de formar “compartimentos” sólidos em sua
mente e assim cultivar Daat.
Enquanto Daat cresce, esses compartimentos agem como barreiras contra os maus
pensamentos, para que a pessoa. possa banir qualquer idéia ou ato imoral antes
que eles tenham a chance de estabelecer um baluarte em sua mente. Caso se torne
vítima de um pensamento indecoroso, o indivíduo pode fortalecer- se com a ajuda
desses compartimentos e combater a imoralidade antes mesmo que ela se
transforme em palavra falada ou ação efetiva.
Ele tem a possibilidade de analisar e classificar o pensamento e então decidir o que
fazer com ele: bani-lo ou permitir que se manifeste como ato ou fala.
Dominando dessa maneira as idéias indecorosas, o sujeito retifica sua Daat e
obtém mais Daat. Quem consegue fazê-lo irradia amor e bondade de modo
apropriado, beneficiando os demais seres humanos.

O Rav sugere o estudo da Torá como um recurso para a superação de tendências


imorais: “A Torá é chamada de Daat. Com Dáat, é possível subjugar todas as
características negativas, principalmente a imoralidade.”

A Árvore do Conhecimento: Bem e Mal


Pudemos vislumbrar a importância do intelecto, especialmente em seu aspecto de
Daat, que está relacionada com a nossa capacidade de atuar como um povo santo
neste mundo.
Examinemos agora a influência que ela exerce, tanto positiva como negativa.

O Rebe Nachman nos ensina:


- Dáat é assim chamada quando, por intermédio dela, a pessoa vem a reconhecer
Deus.
- Dáat corresponde à paz, e a discórdia indica uma forma comprimida de Daat.
- O caminho para alcançar a condição de “homem” é o estudo da Torá (Números
19:14): Isso se deve ao fato de a Torá ser adquirida em três etapas: o estudo, que
corresponde a Chochmá; a compreensão do estudado, que se refere a Biná; e o
domínio do assunto, que equivale a Daat.
Os principais aspectos do intelecto, Chochmá e Biná (pois Daat resulta de sua
confluência), são associados às duas primeiras letras do Tetragrama, Yud e Hê.

4
Juntos, Yud e Hê têm valor numérico de 15, e [dado que eles podem ser
expandidos de três maneiras diferentes] 3 vezes 15 são 45, o equivalente numérico
de adam, homem.
- Daat contém a verdadeira alegria do mundo vindouro.
Você pode provar do gosto dessa Daat ainda neste mundo, por meio do estudo da
halachá, os códigos da lei.
Cada lei aprendida nesses códigos lhe dá uma nova porção de Daat.
- Quando sua Daat está íntegra, a alma pode desenvolver-se. Inversamente, se sua
Dáat estiver desvirtuada, você é chamado de “estéril”, incapaz de procriar e gerar
descendência.
“Estéril” em hebraico é “limiechá”, por associação com a palavra “melach” [“sal”,
isto é, “amargura”]. Assim como o sal provoca sede, a alma tem sede de
espiritualidade, e esta sede corresponde ao sofrimento. Ela pode ser saciada com
visões originais da Torá.
- Obter Daat só para si não é suficiente. A pessoa deve transmiti-la aos outros,
para que mesmo depois de sua morte ela possa “manter se viva” por meio da Daat
que deixou neste mundo. Isso pode ser realizado por intermédio dos filhos, que são
criados a partir da semente que se origina nos “mochin”, e também pelo ensino da
Torá.
- Daat é comparada à luz do dia. Quem alcança a fé absoluta em Deus atinge Daat.
Então, mesmo as suas “noites” são tão claras quanto o dia.
- O homem se distingue por Daat, a capacidade de discernir o bem do mal.
- Quem estuda a Torá sem Daat [sem aplicar esse conhecimento] é comparado a
Labão, que só se valia de artimanhas. Tal pessoa usa sua Daat para sobrepujar os
outros e provocar discórdia.
- Quem não possui Daat tem de esforçar-se mais para ganhar o sustento. Quanto
menos Daat a pessoa tiver, mais precisará trabalhar.
O maná, que era o alimento dos israelitas no deserto, representa uma grande Dáat.
Assim, quem possui Dáat mantém-se com mais facilidade.
- A vida é vivida por meio do intelecto. Considera-se que a pessoa que não
consegue fazer bom uso de seu intelecto desperdiça a vida dormindo.
Esse “sono” é causado pela alimentação inadequada.
- A verdadeira pobreza é a da mente.
- Quando a Dáat de uma pessoa excede sua capacidade de dirigi-la, o intelecto cria
heresias. A faculdade de controlar o intelecto é proporcional às boas ações da
pessoa.
- Toda dor, sofrimento e até mesmo o exílio resultam da falta de Dáat.

O Rav também oferece sugestões que ajudam a retificar e desenvolver nossa Dáat:
- O intelecto é incompleto sem uma ligação com os tsadikim. Para atingir um grau
de perfeição, o intelecto deve ser puro. Os tsadíkim, que são puros, auxiliam a
pessoa a alcançar pureza mental.
- A Terra Santa tem o poder de purificar a mente.
- A alegria eleva a mente.
- A honestidade nos negócios possibilita que a pessoa reze com a mente pura.
- Os três mochin correspondem às três festividades. A observância das três
festividades pode retificar os mochin.

Continua

5
Anatomia da Alma – Parte 19

Dáat: O Templo Sagrado – Parte Final

Doença Mental...
Psiquiatras e psicólogos são hoje obrigados a acompanhar as constantes mudanças
no campo da saúde mental. Novos tipos de neurose parecem surgir em velocidade
alarmante, e enfermidades antes inexistentes estão sempre sendo descobertas.
A medicina não consegue explicar esse fenômeno.
Soluções concretas ainda precisam ser encontradas, e, neste ínterim, remédios são
prescritos indiscriminadamente para compensar nossa falta de compreensão da raiz
do problema.
Um círculo vicioso pode ser criado quando, por exemplo, um distúrbio leve exige
medicação. O Manual do Uso de Medicamentos para Médicos descreve com clareza
os efeitos colaterais de cada tipo de remédio, que causam, por sua vez, outros
problemas, que requerem nova medicação.
Infelizmente, uma parcela significativa da humanidade sofre de doenças mentais e
emocionais, algumas das quais são consideradas hereditárias, enquanto outras são
atribuídas às circunstâncias da vida.
Que Deus mande uma cura completa para todos!

Assim como a fisiologia do homem é análoga a sua constituição espiritual, a saúde


mental espelha a saúde espiritual.
Vimos que Kéter representa espera e paciência.
A mente deveria ter um mentor que lhe dissesse: “Ainda não é hora. Espere, seja
paciente. Você não pode ter tudo que quer imediatamente. Talvez seus desejos se
realizem em algum momento no futuro, mas não agora. Você precisa aprender a
ter paciência. Agora você tem de trabalhar duro e tentar aperfeiçoar-se. Viva a vida
plenamente no presente. Com o passar do tempo, você deve conseguir alcançar
seus objetivos.”

Aí reside a solução para quase todas as doenças mentais.


Quando Kéter está desvirtuado, reduz-se a capacidade da pessoa de criar uma
estrutura na qual seu estado mental e emocional possa crescer e florescer.
O resultado: anomalias em abundância.
Verificamos, assim, que muitos distúrbios estão associados a tendências
compulsivas, como o transtorno bipolar (maníaco-depressivo) e o transtorno
obsessivo-compulsivo.
Além disso, todas as formas de desejo imoderado (obsessão por pensamentos
imorais, vício do trabalho, distúrbios alimentares, etc.), embora em geral sejam
reconhecidas como doenças, na realidade estão relacionadas com impulsos
incontidos.
Como ensina o Talmud “A ira causa perda de intelecto.”
A ira denota falta de paciência.
A perda de intelecto ocorre porque a falta de paciência reflete um defeito no nível
de Kéter, que faz a mente sofrer.
Ademais, vimos que o desvirtuamento de Kéter leva ao “caret” (exclusão) da
pessoa e é responsável por diversos tipos de “demência” que podem acometê-la,
como as psicoses.

Mostramos a ligação que há entre Kéter (vontade) e o livre-arbítrio.


O ser humano tem a capacidade de escolher e agir sem nenhuma compulsão.
Suas decisões podem ser tomadas com total independência de considerações
externas, O homem pode ser um ente verdadeiramente responsável, empregando a
paciência, que significa a sabedoria de saber o que deve e o que não deve ser feito,
como a chave de uma vida normal.

1
No entanto, o homem moderno é submetido a formas de pressão, tanto internas
como externas, que eram desconhecidas algumas décadas atrás.
Em vez de aceitar o desafio moral da modernidade e enfrentar sua dura realidade,
muitos perdem a paciência e escolhem a saída mais fácil: isentar-se da
responsabilidade espiritual.
Ao invés de esperar o momento adequado, a pessoa muitas vezes se sente
“compelida” a agir de determinada maneira, “impor” uma idéia ou “forçar” uma
decisão específica. Como o lema é “não vacilar”, ela sente que “tem” de fazer
alguma coisa: comprar... correr... jogar... adquirir... possuir, etc.
A compulsão - não a paciência é a ordem do dia.
Além disso, quando se equivocam, as pessoas não conseguem simplesmente
admitir o erro e se complicam tentando racionalizar seus atos.
Com essa atitude, elas se esquivam da responsabilidade em relação a si mesmas, a
suas ações e ao ambiente.
Não faz muito tempo, tornou-se moda entre os terapeutas tentar fazer o indivíduo
sentir-se satisfeito consigo mesmo - uma idéia muito nobre, proposta pelo Rav
Nachman há duzentos anos! Porém, esse conselho muitas vezes foi difundido à
custa de um senso básico de responsabilidade.
A idéia predominante era: “Contanto que eu me sinta bem, não importa o que eu
faça ou o que acontece à minha volta.”
Graças a Deus, essa linha de pensamento está em declínio, porque, com muita
freqüência, era evidente que ela não promovia a saúde e sim uma modalidade
severa de doença mental, e as pessoas mais próximas dos que buscavam essa
forma tão deturpada de auto complacência eram as que mais se machucavam.

.......E Remédios Sugeridos


A chave da maturidade é a responsabilidade, entendida como a capacidade do
indivíduo de responder não só pelos seus atos, mas também pelos seus
pensamentos. Assim como as ações têm um efeito visível sobre o ambiente, os
pensamentos também produzem um efeito - ainda que nem sempre aparente no
momento - sobre a própria pessoa e o seu caráter.
O indivíduo responsável é aquele cujo senso de responsabilidade está firmemente
arraigado em seu caráter.
Como afirma o Talmud: “Toda pessoa deve dizer: „O mundo foi criado para mim‟.”
O Rav explica o que isso significa: “Eu sou responsável por tornar o mundo um
lugar melhor”.

O Talmud ensina também que “O homem não peca, a menos que um espírito de
insensatez o domine”. Esse “espírito de insensatez” é uma compulsão interior que
nos tira do equilíbrio e nos leva a fazer coisas que talvez não fizéssemos se nossa
mente estivesse bem focalizada.
Para superar essa compulsão, devemos observar nossos atos com calma e
objetividade.
Se notarmos que fizemos algo errado, nossa primeira reação deve ser vencer o
instinto natural de negar ou racionalizar.
Neste sentido, a saúde mental pode ser definida como a capacidade de distinguir
entre “mim” e “minhas ações”.
É só quando nos esquivamos de nossas responsabilidades, permitindo que nossos
atos passem desapercebidos, que, por assim dizer, o espírito de insensatez começa
a residir em nosso interior.
Quanto mais nos deixamos cair, mais ele se torna parte de nós.
É claro que Deus nos criou com as habilidades e oportunidades necessárias para
escolhermos a vida e assim nos libertarmos de todas as compulsões.
Porém, até percebermos o enorme valor dessas oportunidades, cada pecado que
cometemos possibilita que muito mais tolice entre e se instale em nós.
Isso se aplica especialmente aos pecados relacionados à imoralidade.

2
Como o sêmen do homem se origina na mente, qualquer ato que envolva
desperdício de sêmen é na realidade um desperdício injustificado da mente.

O Rav Natan escreve que a maioria das pessoas se entrega a excentricidades


claramente insensatas.
Isso ocorre porque elas não assumiram a responsabilidade por suas transgressões
do passado e não se arrependeram delas, como se pode deduzir da passagem
talmúdica citada acima.
Essas pessoas podem chegar a um estado em que, na composição de sua
identidade, predomina a insensatez e só há uma porção mínima de intelecto.
O Rav Natan também salienta que, neste caso, a maior parte delas poderia ser
classificada como lunática! No entanto, deve-se notar que o intelecto é tão
poderoso que, mesmo em quantidade ínfima, ele é capaz de contrabalançar toda a
tolice que o indivíduo incorporou.
Mesmo aqueles a quem só resta um vestígio diminuto de intelecto ainda possuem
livre-arbítrio e podem, a qualquer instante, modificar seu estilo de vida e passar a
ter uma vida normal, sem pecado e sem culpa.

O Rav ensinou que o despertar do sentido inato de bem da pessoa lhe permite
levantar-se da tolice na qual se entrincheirou e a habilita a retificar sua mente.

O Rav Nachman ensina também que “caridade é julgamento”. Quando um indivíduo


é procurado para fazer um donativo, ele precisa tomar algumas decisões. É
necessário avaliar se a causa é digna, o que e quanto ele deve dar, e assim por
diante.
Portanto, praticar a caridade é semelhante a fazer julgamentos, e ajuda a pessoa a
obter Daat e retificar sua mente.

O Talmud afirma que “É proibido mostrar piedade a quem não tem Daat”.
Porém, também consta que “Todo aquele que demonstra compaixão para com os
outros verá a compaixão do Céu”.
Se a pessoa não tem Daat, como pode o Céu apiedar-Se dela [se é proibido]?
A resposta é que quem pratica a caridade age com compaixão e, dessa forma,
torna-se digno de obter Daat e a compaixão do Céu.
Obtendo Daat, ele fica protegido do pecado, pois “O homem não peca, a menos que
um espírito de insensatez o domine”.
Portanto, a caridade preserva a Daat, e a Daat intacta defende a pessoa do pecado.

Depressão ou Alegria
O Rav ensinou que as pessoas só ficam longe de Deus e não se interessam pela
espiritualidade porque não têm “ishuv hadáat” [calma ou serenidade mental].
Quando está deprimido, o indivíduo não consegue controlar sua mente a ponto de
alcançar essa serenidade.
Portanto, deve-se sempre buscar a alegria.

Quem tem “ishuv hadáat” pode manter sua mente concentrada no espiritual.
Essa pessoa é capaz de examinar de forma seletiva o enorme volume de
informações a que está exposta, e assim se põe em sintonia com o conhecimento
que a ajudará a alcançar seu objetivo.
Vimos que Kéter é o “messader umeiashev” do intelecto.
“Messader” significa “o que coloca em ordem”, e “meiashev”, “o que assenta”.
Neste sentido, “ishuv hadáat” quer dizer “assentar a própria Daat”.
A motivação para assentar a própria mente habilita a pessoa a ligar Daat a Kéter,
ou seja, ao espiritual.

O Rav Nachman nos ensina que a rotina diária tende naturalmente a afastar as
pessoas da espiritualidade.

3
As necessidades materiais, mesmo as mais simples, em geral nos impedem de
concentrar-nos em nossos objetivos - sobretudo quando eles são espirituais!
Se avaliássemos nosso progresso espiritual todos os dias e refletíssemos sobre a
viabilidade de nossas metas, teríamos mais certeza de seu valor e buscaríamos
Daat de forma mais efetiva.
O problema é que, freqüentemente, a capacidade de concentração nas questões
mais importantes da vida é, na melhor das hipóteses, intermitente. As pessoas
sentem-se oprimidas pelo que pensam ser a magnitude de suas dificuldades.
Ao invés de se sentirem contentes e serenas, elas se inclinam à depressão.
A depressão é um dos meios mais eficazes da má inclinação para impedir que elas
se concentrem em seus objetivos, e assim se forma um círculo vicioso.
O Rav relaciona esse estado mental com o exílio.
A respeito da redenção, está escrito (Isaías 55:12): “Com alegria saireis [do
exílio]”.
A alegria é um sinal de liberdade.
A calma mental nos conduz à alegria, que por sua vez liberta nossa mente.
A alegria nos restitui a capacidade de orientar a nossa vida para o objetivo
supremo, a redenção.
A depressão, por outro lado, é associada ao exílio e à servidão.

A Mishná afirma: “Quem é rico? Aquele que se regozija com a sua porção.”
O caminho para a verdadeira satisfação é alegrar-nos com a parte que nos cabe.
Essa “porção” não consiste necessariamente nos objetos tangíveis que possuímos
num determinado momento.
Ela se refere mais ao que é de fato significativo para nós, o que realmente importa,
a começar da gratidão por estarmos vivos.
É a descoberta de quem somos e a alegria de saber por que nascemos; a
capacidade de desvendar e desenvolver nosso potencial - que o Rav denomina “os
pontos bons” dentro de nós.
Então, quem é rico?
Aquele que é capaz de ver e apreciar o bem; de ter uma visão positiva da vida.
Evidentemente, é mais fácil falar do que fazer.
Porém, se a pessoa se esforçar, ela conseguirá alegrar-se e ter uma vida cheia de
felicidade e contentamento.

A Abertura do Mar
Durante o Êxodo, Moisés usou sua vara para abrir o mar. Durante
a redenção final, a pena abrirá o “mar de sabedoria”.
Zôhar.

Como afirmamos, Adão foi criado para atingir um estado de perfeição.


Ele perdeu essa chance quando comeu do “ets haddat” (árvore do conhecimento) e
desceu ao domínio do mal.
Essa descida tinha como propósito uma subida.
É só quando se desce que se pode não apenas recuperar o que foi perdido, mas
também alcançar um nível mais elevado que o inicial.
Neste sentido, não foi por acaso que a descida foi causada por uma falha em Daat
e, por conseguinte, “a própria Daat foi para o exílio” (ou seja, agora é muito difícil
obter Dáat verdadeira). Só quando o Mashíach vier, Dáat será redimida, porque
então “a terra estará repleta de Dáat [conhecimento] de Deus, como as águas
cobrem o mar” (Isaías 11:9).

Como parte de sua função cósmica de retificar o pecado de Adão, o povo hebreu
tem a missão de redimir Dáat do exílio e reparar a Dáat desvirtuada, tendo por
modelo a redenção dos hebreus do exílio no Egito.

4
Este exílio foi uma descida necessária que tinha o propósito de preparar Israel para
subir ao Sinai, entrar na Terra Santa e construir o Templo (todos esses aspectos
integram a Dáat sagrada retificada).
Os hebreus só puderam sair do exílio no Egito graças à força e ao mérito de Moisés,
porque, como escreve o Ari, Moisés corresponde a Dáat.
Nesta qualidade, ele tinha a missão de levar Israel à Terra Santa para realizar a
retificação final de Dáat.
Infelizmente, apesar de ter conseguido fazer muitas retificações, Moisés não foi
capaz de concluir sua tarefa.
A razão disto é um dos mistérios mais profundos da Torá.
Temos a impressão de que, por causa de seus pecados, o povo de Israel tornou-se
indigno de entrar na Terra Santa com Moisés.
Isto com certeza é verdade, mas os motivos mais profundos não estão escritos
para que todos vejam.
Basta dizer que, durante aqueles quarenta anos cruciais no deserto, Moisés e os
filhos de Israel plantaram as sementes da futura redenção.
Lá eles foram alçados aos níveis mais elevados de visão profética; viram milagres e
compreenderam o plano de Deus para Israel e para toda a humanidade.
Embora tenham tentado, com todo o seu ser, antecipar a redenção final, eles
entenderam que ainda não chegara o momento.
Sua função era arar a terra e lançar as sementes para que as gerações futuras
fizessem a colheita.
Por mérito deles, Deus planejou milagres e maravilhas ainda maiores do que os
testemunhados e vividos pelo povo hebreu na travessia do Mar Vermelho.

Quando os israelitas saíram do Egito, o Mar Vermelho obstruiu o seu caminho e os


impediu de entrar diretamente na Terra Prometida.
Em nossos dias, há também um “mar” que bloqueia nossa capacidade de retornar à
espiritualidade da Terra Santa.
É o “mar” da sabedoria imprópria e das falsas crenças (Daat impura e desvirtuada)
que nos bombardeiam diariamente e nos impedem de ver a Divindade em toda
parte.
Para nos ajudar a superar esse obstáculo, Deus está abrindo o “mar de sabedoria”,
desvendando os mistérios da Torá que se encontram na Cabalá para que Sua
Presença seja revelada no mundo.
O Zôhar, os escritos do Ari e os ensinamentos dos verdadeiros tsadikim, que
representam Moisés, contêm os mistérios mais magníficos da literatura referente à
Torá. Esses conhecimentos constituem os aspectos ocultos da Torá que serão
revelados na época do Mashíach.
Sua fonte é o nível de Kéter, o grau mais elevado de conhecimento de Deus que
pode ser alcançado no mundo.

O Rav Natan explica que o conceito de pena (mencionado acima na citação do


Zôhar) faz referência a isso. A pena representa a escrita e o registro dos
ensinamentos da Torá que revelam a Divindade.
Assim como a vara de Moisés foi usada para abrir o Mar Vermelho, essa pena é
empregada para abrir o “mar de sabedoria”. Os tsadikim que revelam esses
ensinamentos estão envolvidos continuamente na “abertura do mar de sabedoria” a
fim de tornar manifesta a Presença de Deus neste mundo.
À medida que esses conhecimentos são divulgados, mais pessoas se voltam para a
espiritualidade.
A “abertura” no mar de falsas crenças aumenta, e cresce o número dos que passam
por ela. No final, a verdadeira Daat e a boa vontade obterão um triunfo absoluto; o
Mashiach virá e revelará a maior dimensão espiritual que existe além do que é
aparente e da qual toda a humanidade pode participar.

5
O Rav nos ensinou o seguinte: O maior sofrimento do atual exílio é conseqüência
do fato de Israel ter caído da Dáat suprema [fé na providência milagrosa de Deus]
e posteriormente ter chegado na crença equivocada de que tudo depende da
natureza, do acaso ou do destino.
Na realidade, essa crença é a causa de seu sofrimento.
Vivendo entre as nações gentias e aprendendo com elas, o povo passou a pensar
que tudo depende [das leis] da natureza e do destino. Quando readquirirem Dáat
(conhecimento] da providência Divina, as pessoas não sofrerão mais. Porque a
verdade é que Israel está acima das leis naturais. Só quando peca, Deus nos livre,
ele fica sob o domínio da natureza.
É então que ele vive exílio e humilhação.

Dáat: O Templo Sagrado


Todo aquele que tem Daat - é como se o Templo Sagrado tivesse sido construído
em sua época.

Quando achar conveniente, Deus mandará o Mashíach, cuja responsabilidade será


construir o Templo Sagrado, que será usado para orações e sacrifícios. No entanto,
poderíamos muito bem perguntar se a construção do terceiro Templo, pela qual
ansiamos com todo o coração, destina-se apenas ao recebimento da oferenda de
alguns sacrifícios. Deve haver aí um sentido mais profundo do que notamos à
primeira vista.
O que é, realmente, o Templo, e o que representam os sacrifícios?

A era messiânica anunciará o alvorecer de uma época de grande Daat,


conhecimento de Deus.
As inovações tecnológicas dos últimos anos são revelações notáveis de
conhecimento, mas falta-lhes a durabilidade de Daat.
O fato de a ciência e a tecnologia não serem capazes de criar nada eterno indica
que deve haver algo além delas, um conhecimento maior do que todos os avanços
que possam ser feitos por pesquisadores e cientistas.
E há.
O conhecimento maior é a espiritualidade - a Divindade.

Vimos que o mundo foi estabelecido com um sistema de “três colunas”, que se
manifestam nos atributos de Chochmá, Biná e Daat.
Chochmá corresponde à sabedoria que possuímos, o que estudamos e sabemos.
Biná representa a incorporação dessa sabedoria na construção de nossa vida.
Daat é a aplicação final do nosso aprendizado - a formação de uma estrutura
funcional completa. Daat é a “coluna do meio” - a combinação da sabedoria
adquirida com a capacidade de usá-la de maneira lógica, para chegar a conclusões
responsáveis e gratificantes.
Uma análise mais minuciosa da afirmação dos nossos Sábios de que Daat é um
sinônimo do Templo Sagrado nos permitirá entender melhor o que o Templo
significa em diversos níveis.
Como estrutura física, ele conterá um altar sobre o qual serão ofertados os vários
sacrifícios. Mas esse Templo Sagrado também simboliza a construção da mente do
indivíduo - a obtenção de Daat e pureza.
Este é o nível no qual a pessoa é capaz de absorver espiritualidade e tornar-se um
templo para a alma Divina, o que leva à formação de uma consciência expandida de
Deus.
O desenvolvimento desta consciência não é uma tarefa fácil.
Sacrifícios têm de ser feitos.

Pois nesse dia.. sairá um manancial da Casa de Deus...joel 4:18

6
O que significa oferecer um sacrifício no Templo Sagrado, e qual é a relevância
disso para nós?
O sacrifício (“corban” em hebraico) consiste numa oferenda para Deus, que pode
ser de três tipos: por ação de graças, de pecado ou queimada.
O Arizal explica que o ser humano é a forma mais elevada de vida, mas, quando
peca, ele perde a superioridade e desce ao nível do animal.
Quando se arrepende, ele leva um animal como sacrifício, indicando que deseja
“sacrificar” suas tendências animalescas abjetas e voltar à condição anterior de ser
humano. Assim, o pecador vai à Casa de Deus e oferece o animal sobre o altar,
tomando uma forma inferior de vida e ofertando-a a Deus, elevando-se dos níveis
mais baixos aos quais caíra e retornando às posições mais altas.
Ao mesmo tempo, por intermédio do sacrifício, o homem, por assim dizer, traz
Deus de Sua morada sublime e revela Sua presença nos níveis inferiores.
O sacrifício efetivamente aproxima dele, neste mundo mais baixo, a presença de
Deus. Portanto, é o “sacrifício” que une todos os mundos - o mundo material com
os universos espirituais - causando uma revelação da Divindade até então
desconhecida.

Podemos ainda ampliar essa idéia.


A palavra “corban” deriva de “carev”, “aproximar”. (O “b” e o “v” são representados
pela mesma letra hebraica, “bet” ou “vet”).
Assim, quando uma pessoa, por amor a Deus, oferece um sacrifício, este
literalmente a aproxima de Deus.
O cohen (sacerdote), que executa os ritos sacrificiais, e o animal não podem ter
nenhum defeito (Levítico 21:18, 22:20).
Num sentido mais largo, o ato de levar um sacrifício indica que, no serviço a Deus,
o indivíduo deve esforçar-se para obter “temimut” (integridade; perfeição).
A Torá chama a oferenda por ação de graças de “zevach hashlamim” (sacrifício de
pazes) (Levítico 7:1 1).
A raiz “shalem” significa “inteiro”, “completo” ou “perfeito”, e também “paz”.
Portanto, fazer uma oferenda por ação de graças é semelhante a aproximar-se de
Deus por meio da aquisição da integridade, porque o corban leva todos os mundos
ao estado de perfeição e completude. Isso, por sua vez, traz a paz que reinará nos
dias do Mashíach.

O Templo é o único local onde é permitida a oferta de sacrifícios, que aproximam


pessoa de Deus, porque ele corresponde a Daat, conhecimento de Deus.
Este conhecimento, que será revelado a todos no futuro, é um “manancial de
sabedoria” que sairá continuamente do Templo Sagrado, que simboliza o intelecto
expandido. O Profeta Joel (4:18) previu uma era na qual esse conhecimento estará
à disposição de todos, quando as pessoas terão superado seus instintos
animalescos que hoje bloqueiam seu caminho para a compreensão do Divino.

A verdade é que a nossa mente é um Templo Sagrado; ou, pelo menos, poderia
ser. Com Daat, o homem é capaz de dominar e refinar seus instintos mais abjetos,
por meio da elevação de sua natureza animalesca, a fim de aproximar-se de Deus.
Quem consegue fazê-lo com alegria merece, mesmo nestes tempos, uma revelação
da Divindade semelhante à revelação global que será conhecida quando o Mashíach
vier.
No fim, Daat com certeza será revelada.
A obtenção da verdadeira Daat anunciará o término de todo sofrimento.
Ela conduzirá à reunião dos exilados, à vinda do Mashíach e à reconstrução do
Templo Sagrado, tanto no sentido espiritual como no físico.
Esta é a magnitude do poder de Daat.
Que isso se realize rapidamente, em nossos dias. Amém.

Continua

7
Anatomia da Alma – Parte 20

O Sistema Circulatório

A Caixa Torácica
O oxigênio é essencial para a nossa sobrevivência - uma necessidade absoluta para
o sangue, os tecidos e, na realidade, para todas as células do corpo.
Nós introduzimos oxigênio nos pulmões, que usam essa substância vital para
purificar o sangue.
Vitalizado e oxigenado, o sangue flui então para o coração, que o bombeia para o
resto do corpo.
Se no plano físico o coração e os pulmões desempenham funções vitais críticas, no
nível espiritual sua tarefa não é menos crucial.
Além de serem estruturados anatomicamente para trabalhar em conjunto, esses
órgãos também são interdependentes espiritualmente, como veremos.
Nosso estudo do sistema circulatório começará com uma breve descrição da
constituição e do funcionamento desses órgãos.

Os pulmões são dois órgãos distintos, formados por massas de tecido esponjoso e
localizados na caixa torácica, ou peito. O pulmão esquerdo é menor do que o direito
(para deixar espaço para o coração, que fica à esquerda, entre os dois pulmões.)
Cada pulmão é dividido em lobos (seções); o pulmão direito tem três lobos, e o
esquerdo tem dois.
Os pulmões inspiram o ar, fornecem oxigênio ao corpo inteiro e eliminam o gás
carbônico, um produto residual.
As passagens de ar estão ligadas à faringe, que se estende até a traquéia e se
ramifica nos brônquios, através dos quais o oxigênio vai para os pulmões.
Aí o sangue absorve o oxigênio e transporta-o para o coração, de onde ele é
bombeado para o resto do organismo.
O coração, situado na região central do tórax, tem sua maior porção no lado
esquerdo do corpo. Ele tem o tamanho aproximado de um punho humano e é
composto de quatro câmaras, com um sistema de vasos e válvulas que se
coordenam para bombear o sangue.
Essas quatro câmaras constituem duas aurículas e dois ventrículos.
As aurículas atuam como cavidades de acumulação do sangue antes que este possa
fluir para os ventrículos, de onde será impulsionado para fora do coração.
A aurícula esquerda recebe o sangue que foi oxigenado nos pulmões através da
veia pulmonar.
O sangue oxigenado é transportado da aurícula esquerda para o ventrículo
esquerdo, que então o bombeia para todo o organismo.
Depois de concluir sua tarefa de levar oxigênio a todas as partes do corpo, o
sangue volta, cheio de gás carbônico, através das veias, para a aurícula direita, que
o passa para o ventrículo direito.
Este impulsiona o sangue para dentro da artéria pulmonar, que o leva aos pulmões,
onde a matéria residual é eliminada.
O sangue é novamente oxigenado e retorna dos pulmões à aurícula esquerda do
coração, e o ciclo se reinicia.
É interessante observar, num plano mais geral, a interação entre o coração e os
pulmões.
O Zôhar descreve o coração como “quente” - um músculo em constante movimento
que recebe sangue “quente”, com baixo teor de oxigênio, e o devolve, purificado e
renovado, a todas as partes do corpo.
Os pulmões aspiram o ar fresco que “esfria o calor do coração”.
Isso é realizado mediante a “agitação” dos lobos pulmonares, que funcionam como
“abanos” e “esfriam” o coração.
Encontraremos em nosso estudo um padrão espiritual semelhante.

1
A Carruagem de Deus
O Zôhar afirma que os quatro rostos das criaturas da carruagem sagrada da visão
de Ezequiel - de leão, touro, águia e homem - correspondem, respectivamente, à
mente, ao coração, aos pulmões e ao poder do pensamento.
A mente, o coração e os pulmões também são associados a Chochmá, Binah e
Dáat, as três sefirot que representam as faculdades intelectuais (mochin) e se
localizam na parte superior da estrutura das dez sefirot.
O quadro abaixo mostra a relação entre cada rosto da carruagem, o órgão ou
função do corpo e a sefirá correspondente:

Rosto da Carruagem Órgão ou Função Sefirá / Posição


Leão Mente Chochmá/direita
Touro Coração Biná/esquerda
Águia Pulmões Dáat/centro
Homem Pensamento

O leão/mente corresponde a Chochmá, que fica do lado direito na disposição das


sefirot.
O touro/coração corresponde a Biná, situada no lado esquerdo, como vemos no
seguinte versículo (Ezequiel 1:1 O): “A cara de um touro do lado esquerdo.”
Note que o coração se localiza na região central do corpo, deslocado para a
esquerda.
A águia representa os pulmões, que são análogos a Dáat, a fusão de Chochmá e
Biná.
Assim como as asas da águia, os lobos pulmonares “se agitam” (ver Zôhar 2).
Dáat é o “caminho do meio” que mescla as forças opostas de Chochmá e Biná -
direita e esquerda; e os pulmões, de modo semelhante, ocupam os dois lados do
corpo, direito e esquerdo.

Quando o indivíduo se esforça para ter uma vida espiritual, todos esses poderes se
unem para transformá-lo numa “carruagem de Divindade”.
Como vimos, para todo aspecto da materialidade há um nível espiritual
correspondente.
A cada momento, a pessoa tem livre-arbítrio para escolher o caminho que deseja
trilhar (ou, pelo menos, a maneira pela qual seguirá um determinado caminho).
Apesar de serem tão dinâmicas, as faculdades vitais inerentes ao coração e aos
pulmões também têm potencial para o pecado.
A missão do homem é definir a direção que tomará e assumir o controle de seu
próprio destino - para tornar-se uma carruagem de Divindade - e assim aproximar-
se cada vez mais de Deus.

Continua

2
Anatomia da Alma – Parte 21

Tsimtsum: O Espaço Esvaziado

Embora Deus tenha criado o ser humano e o mundo que ele habita, o homem é
responsável pelo que faz com este mundo.
Ele foi incumbido da tarefa de aperfeiçoá-lo e deve cumpri-la, com ou sem a
intervenção clara de Deus.
O trabalho de aprimoramento, ou retificação, ocorre em dois planos
simultaneamente: pensamento e ação.
A “ação” corresponde às sete sefirot inferiores, e o “pensamento”, às três sefirot
superiores, os mochin.
De maneira bastante direta, é o pensamento subjacente a cada ação que determina
seu poder de efetuar retificação.
A expressão hebraica “hirhurê lev”, cujo sentido literal é “pensamentos do
coração”, refere-se de forma específica ao tipo de pensamento que envolve um
conflito ou hesitação entre duas formas opostas de lidar com a realidade.
Esse conflito é associado ao coração porque seus ventrículos direito e esquerdo são
chamados de “sedes” da boa e da má inclinação, respectivamente.
Isso explica as emoções divergentes que as pessoas enfrentam com muita
freqüência.
A “sabedoria do coração” - a interiorização de Chochmá na Binah do coração -
consiste no reconhecimento e na escolha do conselho do ventrículo direito, ligado à
boa inclinação, e na rejeição do conselho do ventrículo esquerdo, relacionado com a
má inclinação. Essa sabedoria deve ser bastante criativa para resistir a qualquer
ataque direto ou de flanco da má inclinação.
Neste aspecto, o coração é uma verdadeira maravilha, pois sua ação criativa
espelha o ato original da criação.
Para compreender essa idéia, examinemos um dos ensinamentos mais célebres do
Rav Nachman - a Torá do espaço esvaziado.
Ainda que os conceitos que estamos prestes a discutir sejam muito difíceis, e o
esforço exigido para entendê-los seja enorme, as recompensas são proporcionais
ao empenho.

O Paradoxo da Criação
Já fizemos referência aos ensinamentos do Ari sobre o espaço esvaziado, conhecido
em hebraico como “chalal hapanui”.
Antes da criação, só existia Deus.
Deus é denominado En Sof, o Eterno, o Infinito - Ele não tem começo, meio nem
fim; não é limitado por tempo nem espaço e é onipresente.
Como Deus está em toda parte, não havia “espaço” para a criação acontecer,
nenhum lugar que pudesse conter Sua Luz Infinita.
Assim, Ele comprimiu Sua Luz, removendo-a de um “ponto central”, por assim
dizer, para criar um espaço esvaziado.
Neste espaço seriam formados todos os universos celestiais e também o mundo
material - as galáxias, nosso sistema solar, o planeta Terra e o homem.

Primeiro, a Luz de Deus envolveu externamente esse espaço esvaziado.


Em seguida, Ele reintroduziu Sua Luz, na forma de um cav (raio), no espaço
esvaziado, de modo lento e gradativo, para evitar que o espaço se enchesse com
demasiada rapidez ou de Luz em excesso, o que o faria desintegrar-se de novo
dentro do En Sof.
Dessa maneira, Deus começou a criar os universos celestiais dentro do espaço
esvaziado, primeiro as dez sefirot do universo do Adam Cadmon (homem
primordial), depois as dos universos de Atsilut (proximidade e emanação), Beriah
(criação) e Yetsirá (formação) e, finalmente, as do universo de Assiah (ação ou
conclusão), no qual nosso mundo físico se tornou manifesto.

1
É evidente que a imagem de Deus removendo Sua Luz e depois a reintroduzindo
não deve ser entendida de forma literal.
Deus existe igualmente em todo lugar, a cada instante.
A “remoção de Sua Luz” do “espaço esvaziado” para “dar lugar” à criação não
implica, de jeito nenhum, que Ele não estivesse ou não esteja mais lá.
Deus estava “lá” exatamente da mesma maneira, tanto antes como depois de criar
o espaço esvaziado, e antes e depois de introduzir o “cav”.
A diferença entre “antes” e “depois” existe apenas do nosso ponto de vista - porque
o mundo inteiro foi criado só por causa da humanidade.
Como explica o Ari, Deus comprimiu Sua Luz e criou o espaço esvaziado para que o
homem pudesse ter existência independente e livre-arbítrio.
Com certeza, Ele está em toda a criação, pois sem Divindade nada pode existir.
Porém, se a existência de Deus fosse clara e óbvia neste mundo, o homem não
teria livre-arbítrio. Por esta razão, Ele contraiu Sua Luz, por assim dizer, ocultando-
Se do homem, fazendo parecer à visão humana limitada que há um vácuo, um
lugar desprovido de Divindade.
Este é o mistério do tsimtsum (contração de Si Mesmo).
Por um lado, o espaço esvaziado deve ser considerado como desprovido de
Divindade - se assim não fosse, ele não seria um espaço “esvaziado”.
Por outro lado, Deus deve necessariamente estar presente nele - pois nada, nem
mesmo o que se denomina “espaço vazio”, pode existir sem a presença da
Divindade.
A respeito desse paradoxo do espaço esvaziado, o Rebe Nachman ensinou:
O Bendito Nome criou o mundo por profunda compaixão.
Ele desejava revelar Sua compaixão, porém, sem mundo, a quem poderia mostrá-
la?
Portanto, Ele deu existência a toda a criação, da emanação mais elevada até o
ponto mais baixo no centro do mundo físico, tudo para demonstrar Sua compaixão.
Todavia, quando o Bendito Nome desejou criar os mundos, não havia lugar para
fazê-lo, porque tudo que existia era Sua Infinita Essência [que impedia a existência
de qualquer coisa finita]. Por isso, Ele contraiu Sua Luz. Em virtude deste tsimtsum
[contração de Si Mesmo], um espaço esvaziado foi produzido.
Foi dentro deste espaço que todas as personas [partsufim] e atributos [sefirot]
Divinos foram formados.
O espaço esvaziado era absolutamente necessário para a criação.
Sem ele, não teria havido lugar para criar o universo.
O tsimtsum que resultou no espaço esvaziado no momento nos é incompreensível.
Só seremos capazes de apreender esse conceito no final dos tempos, porque temos
de atribuir [ao espaço esvaziado] dois estados incompatíveis, a saber, existência e
não-existência.
O espaço esvaziado foi formado em conseqüência do tsimtsum, por meio do qual
[na medida de nossa capacidade de expressão] Deus contraiu [removeu] Sua
Essência.
Portanto, a Essência de Deus não existe [nesse espaço].
Se Sua Essência estivesse lá, o espaço não estaria vazio, e não haveria nada além
da Infinita Essência.
Se isso fosse verdade, não haveria lugar nenhum para a criação do universo.
A pura verdade, porém, é que a Essência de Deus deve ainda assim estar nesse
espaço, pois é indubitável que nada pode existir sem Sua força vital. [Logo, se a
Essência de Deus não estivesse no espaço esvaziado, nada mais poderia existir lá.]
É impossível o ser humano compreender o conceito de espaço esvaziado; só no
final dos tempos ele será entendido.

Apliquemos agora essa abordagem da criação ao indivíduo, na perspectiva de um


dia, uma hora, e até mesmo um instante.
O Rav Nachman ensinou que antes da Criação, a Luz do Santíssimo era En Sof
[infinita], O Santíssimo quis revelar Sua [qualidade de] Malchut [realeza].

2
Porém, como não pode haver rei sem nação, Ele “precisou”, por assim dizer, criar
seres humanos que pudessem aceitar o jugo de Sua realeza.
Só é possível perceber Sua Malchut pelos Seus atributos [isto é, sefirot], porque
através dos atributos percebemos Sua Divindade, e então podemos saber que há
um Senhor, um Soberano e uma Autoridade Suprema.
Assim, Ele contraiu a Luz do En Sof para as extremidades, deixando o “chalal
hapanui” [espaço esvaziado], e dentro deste “chalal hapanui” Ele criou os
universos, que são os próprios atributos.
Podemos entender melhor a necessidade da criação e do espaço esvaziado com o
auxílio do seguinte versículo (Salmos 104:24): “Quão imensa é a multiplicidade de
Tuas obras, Deus! Fizeste a todas com Chochmá [Sabedoriaj.”
Como vimos, Chochmá representa uma sabedoria indiferenciada, enquanto Biná é a
manifestação dessa sabedoria.
No nível de Chochmá, tudo que existe é potencial ou essência indiferenciada, ao
passo que Biná é a fonte da capacidade de analisar esse conhecimento e decompô-
lo em seus elementos constitutivos.
Se relacionarmos esses conceitos com o ato da criação e o espaço esvaziado, a
criação representa Chochmá, e o espaço esvaziado representa Biná.
Só com Chochmá, não haveria diversificação na criação.
É por meio do espaço esvaziado, correspondente a Biná, que o projeto de todos os
universos passa a existir.
O tsaiar [desenhista] dos atributos é o coração [que representa Biná].
Assim está escrito (Êxodo 31:6): “No coração dos sábios coloquei sabedoria.”
A idéia da criação origina-se em Chochmá, como consta (Salmos 104:24):
“Quão imensa é a multiplicidade de Tuas obras, Deus! Fizeste a todas com
Chochmá”, e toma forma no coração.
O coração é o “tsaiar” [aquele que dá forma a essa idéia], como está escrito (Salmo
73:26):
“Tsur [rocha] do meu coração.”

Mas há uma Yetsirá [formação] para o bem e uma Yetsirá para o mal.
Sobre o versículo “Vayitser IHVH Elohim - E o Senhor Deus formou [o homem do pó
da terra]” (Cênesis 2:7), os Sábios ensinaram:
“Vayitser tem dois yuds [mas um teria sido suficiente]. Por quê? Eles representam
os dois ietsarin [inclinações], a boa inclinação e a má inclinação.”
Bons pensamentos são [uma expressão da] boa inclinação; maus pensamentos são
[uma expressão da] má inclinação...
[Assim, quando tem bons pensamentos, a pessoa purifica o espaço da criação.]
Porém, quando tem maus pensamentos, a pessoa obstrui o espaço da criação, isto
é, o espaço onde os atributos são revelados.
Porque o coração é o “tsur dos mundos” (conforme Isaías 26:4), ou seja, tsaiar,
aquele que dá forma aos atributos.

No nível individual, enquanto o coração da pessoa flamejar com uma paixão


fervorosa, a revelação dos atributos [finitos] é impossível, porque a paixão do
coração é na realidade um anseio infinito pelo En Sof. Portanto, o coração deve
contrair seu desejo ardente e criar um “espaço vazio”, conforme escreveu o Rei
David (Salmos 109:22): “Meu coração é um chalal [espaço vazio] dentro de mim.”
É somente por meio da contração do desejo do coração que se pode obter uma
revelação das “midot” [atributos finitos], isto é, a capacidade de servir ao Bendito
Nome em etapas, na “midá” [medida] correta...
Vemos, então, que quando o indivíduo nutre em seu coração bons pensamentos
sobre o serviço ao Bendito Nome, seu coração se torna um aspecto de “tsur [isto é,
tsaiar] do meu coração” e de “meu coração é um chalal [espaço vazio] dentro de
mim”. Dentro do chalal do seu coração, suas ações podem ser reveladas, e por
meio de suas boas ações e atributos revela-se que ele aceita inteiramente o jugo
do reino do Céu.

3
Se fosse evidente e indubitável que a sabedoria Divina impregna todos os níveis da
criação, o homem não teria escolha além de servir a Deus.
Ele veria, literalmente, a grandeza de Deus, e seria consumido por um desejo
irresistível de unir-se com Sua Luz Infinita.
Para que isso não aconteça, o coração deve transformar-se num espaço vazio, no
qual a Divindade possa ser revelada por etapas, como afirma o seguinte versículo
(Salmos 109:22): “Meu coração está oco dentro de mim.”
Assim, o coração (Biná) corresponde ao vão da criação, o espaço esvaziado, dentro
do qual é introduzida a Divindade de modo gradual.
É este o significado de “No coração dos sábios coloquei sabedoria” (Êxodo 31:6).
Pois a Chochmá Divina está oculta no interior de Biná, que corresponde ao coração.
Portanto, mesmo no espaço esvaziado, a Divindade existe de forma encoberta.
Biná, então, representa o conceito do espaço esvaziado no qual ocorre a formação
de todos os universos.
Para encontrar a Divindade oculta, devemos ter pensamentos bons e positivos.
Estes bons pensamentos nos levam à prática de boas ações, pois resultam numa
“boa criação”.
Contudo, quando temos maus pensamentos, nossa “criação” é má [ela obstrui a
Divindade]. Nosso vão, nosso “espaço esvaziado”, torna-se uma fonte de
características ruins e maus atributos, e, de certa maneira, nós destruímos a
criação, enchendo o espaço esvaziado de maldade, Deus nos livre.

Nisto consiste o segredo do espaço esvaziado.


A Luz de Deus estava em toda parte, mas Ele abriu um “espaço esvaziado” a fim de
dar “lugar” para a Criação. Do mesmo modo, devemos “abrir espaço” para uma
“boa criação” em nosso coração, no qual a Divindade possa entrar e habitar.
Para fazê-lo, precisamos ter bons pensamentos, produzindo uma boa criação - um
nível melhor e mais elevado de consciência.
Assim mereceremos obter uma revelação ainda maior da Divindade.
De fato, quando transformamos nosso coração num espaço esvaziado para receber
Divindade, então, simplesmente tendo bons pensamentos, formamos uma nova
criação. Em seguida, podemos subir ao nível de operar milagres - tentando imitar o
milagre original da criação.
Caso tenha sido difícil compreender o mistério do espaço esvaziado, podemos
consolar-nos com um ensinamento diferente do Rav Nachman:
“A localização [ou espaço] da pessoa que realmente possui um „coração‟ não é
relevante. Como Deus é denominado Hamacom [o Lugar] do Universo, quando se
sente Deus no coração, esse é o único lugar que importa!”.

Parada Cardíaca
Um ataque cardíaco pode ter diversas causas.
Ele pode resultar da redução do fluxo de sangue que chega ao coração, causada
pelo entupimento das artérias que o alimentam.
Pode ocorrer também quando o coração, enfraquecido, não consegue bombear o
sangue de forma adequada.
Esses mesmos fatores de risco estão presentes na dimensão espiritual.
O coração tem um anseio firmemente arraigado de servir a Deus, mas os vasos
através dos quais o “sangue” deste anseio deve ser transportado às vezes se
entopem ou desgastam.
Enquanto a pessoa não se despoja do excesso de “gorduras e colesterol” - desejos
materiais - de seu sistema espiritual, os vasos não conseguem suportar a pressão
da atividade de bombeamento do coração, e a “circulação sanguínea” fica poluída
pelas impurezas dos maus pensamentos.
Quando os atos do indivíduo são bons, em conseqüência de bons pensamentos, o
coração permanece sadio.
Pensamentos impuros, por outro lado, obstruem o sistema com más ações,
provocando um “ataque cardíaco” espiritual.

4
Uma “parada cardíaca” espiritual pode acontecer quando diminui a determinação do
coração de servir a Deus, em conseqüência de pensamentos impróprios. Estes
pensamentos obstruem o coração, impedindo-o de fazer seu trabalho de maneira
apropriada, o que leva, inevitavelmente, a um enfraquecimento - às vezes, até
mesmo à cessação - da determinação de buscar a espiritualidade.
Como se pode evitar uma parada cardíaca espiritual?
A compreensão da natureza da “doença” conduzirá à descoberta da “cura”.
Como vimos, a criação tem dois aspectos opostos: o bem e o mal.
O coração dá forma e corpo aos pensamentos, possibilitando que as idéias se
manifestem. Neste sentido, os pensamentos do homem são análogos ao ato da
criação. Sempre que pensamos, devemos perceber que estamos realizando um ato
de criação. Por causa disso, o Rav Nachman recomenda que não se deixe que as
coisas saiam do controle. Com base no princípio de que tudo na criação tende a
buscar sua fonte, ele ensina que o coração (Biná) também procura, por instinto, a
sua fonte (Chochmá), de modo que o coração, por natureza, arde com um desejo
devorador de servir a Deus.
O perigo é que a pessoa queira subir a escada espiritual rápido demais, tentando ir
além de suas possibilidades, Isso provoca um esgotamento ou “apagamento”
espiritual - quando alguém que ainda não é capaz de absorver o conteúdo dos
níveis espirituais que se empenha por alcançar reduz sua devoção; ou quando seu
grau de observância das mitsvót “conexões” é inadequado para a consciência
espiritual que ele busca.
Neste caso, seu coração desejoso não recebe nutrição prática suficiente para
manter-se batendo de modo apropriado.
A cura pode ser encontrada no ato da criação.
Deus formou os universos dentro do espaço esvaziado.
Para cumprir o propósito da criação, foi necessário formar mundos inferiores, de
diferentes níveis, que fornecessem um ambiente ao qual a alma pudesse descer
para servir a Deus, apesar de Ele estar oculto. O homem, por sua vez, também
funciona em diversos níveis.
Seu coração “pensa”, e as funções mais baixas de seu corpo traduzem fielmente
esses pensamentos em atos físicos. Se os pensamentos provenientes do coração
forem bons, os atos físicos serão bons; maus pensamentos, por outro lado, gerarão
más ações.
A partir do momento em que as boas ações se manifestam, elas mantêm o coração
em funcionamento constante, “proporcionando- lhe” um sentimento de realização
que fortalece seu desejo de praticar boas ações.
Podemos ver que temos de cuidar de nossos pensamentos com muito zelo, pois
cada um deles contém um potencial extraordinário.
Bons pensamentos conservam a saúde espiritual do coração, de modo que ele pode
continuar “batendo” de maneira equilibrada, ansiando por espiritualidade e, ao
mesmo tempo, permanecendo sob controle para que não se “consuma” por ir além
de sua capacidade.

Remédio para o Coração: Fé


As medidas que devem ser tomadas para impedir uma parada cardíaca são
assustadoras.
Mas as dificuldades para evitar um ataque espiritual do coração são ainda maiores!
Como vimos, o Rav Nachman ensinou que o coração corresponde ao espaço
esvaziado.
Neste espaço, há muitas questões que exigem respostas; porém, as respostas nem
sempre aparecem. Isto se deve ao paradoxo do espaço esvaziado: “Deus está
lá...”” Não está...” Ele tem de estar.. .“
Reina a confusão, e isto pode deixar o “coração pesado”, já que as perguntas que
se originam desse paradoxo necessariamente excluem a possibilidade de solução.
Como é muito difícil achar Deus nessas indagações, a pessoa deve apoiar-se na fé

5
para “aliviar” o coração sobrecarregado, porque Deus existe até (e principalmente)
onde há questões irrespondíveis.
Mesmo alguém acometido por um “coração pesado” pode encontrar Deus, desde
que se fortaleça com a fé.
Perguntas relacionadas à fé, somadas a outros fardos, como problemas financeiros
ou dificuldades em casa, pesam muito sobre o “coração compreensivo”.
Esta pressão incessante contribui, com muita freqüência, para o surgimento de um
quadro cardíaco instável. Às vezes, uma simples “mudança de dieta”, como a
adoção de materiais de leitura que inspirem mais fé do que heresia, é suficiente
para aliviar a pressão.
Outros casos podem requerer “medicação” - uma dose diária de oração, por
exemplo.
Infelizmente, há ocasiões em que são necessárias “pontes de safena” ou outras
cirurgias de “coração aberto”, que obrigam a pessoa a promover uma mudança
radical em seu estilo de vida a fim de obter espiritualidade.
Veremos que as perguntas podem gerar um coração dividido.
O Rav Nachman ensinou que devemos fortalecer nossa fé para que possamos
alcançar um estado de paz interior.
Esta paz interior é a resposta para qualquer pergunta herética que surja no
coração.
Costuma-se erguer as mãos depois de lavá-las para comer pão, antes de enxugá-
las. Quando o faz, a pessoa traz santidade aqui para baixo.
Há um versículo que afirma (Salmos 134:2): “Erguei vossas mãos com santidade e
bendizei ao Eterno.”
Isso indica que quando levantamos as mãos até os olhos ou a testa (isto é, a
mente), apontando Chochmá, conseguimos fazer descer bênçãos para o coração
(Biná).
O Rav Nachman ensina que, embora a principal fonte de fé esteja no coração, a fé
se transforma em convicção verdadeira quando se espalha pelo corpo todo Ele
explica que seremos capazes de absorver santidade erguendo as mãos se
acreditarmos que o ato de levantar as mãos produz esse efeito.
É este o significado do seguinte versículo (Salmos 119:86): “Todas as Tuas mitsvót
são fé” - devemos crer que, por meio da observância das mitsvót, trazemos a nós
santidade dos céus. Desta maneira, estendemos a nossa fé para fora, do coração
para as mãos (que são os “veículos” através dos quais fazemos descer influências
do Alto).
Assim, a pessoa pode espalhar sua fé de modo que o corpo inteiro a sinta e a
transforme em fé verdadeira.
Quem alcança a verdadeira fé efetivamente eleva seu intelecto a um nível no qual
pode compreender de verdade o que antes só sabia pela fé.
Este é o sentido da idéia de ser capaz de fazer descer santidade (Chochmá) para o
coração (Biná).
A fé fortalece nossa capacidade de enfrentar as tribulações da vida, desde que
estejamos dispostos a esforçar-nos para atingir esse nível.
Desenvolver a fé não é uma tarefa fácil. Ela envolve o corpo inteiro.

Oração e Hitbodedut: Meditações do Coração

Servi a Deus com todo o vosso coração.


Deuteronômio 11:13.

Que devoção é praticada no coração?


A oração!
Na estrutura das dez sefirot, Chéssed (bondade) à direita e Guevurá (julgamento) à
esquerda seguem-se imediatamente a Biná. Biná, que se localiza bem acima de
Guevurá, é a fonte de todos os julgamentos, como consta (Provérbios 8:14): “Eu
sou Biná; a força [Guevurá] é minha.”

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Além disso, sabemos que Biná está enraizada no coração, que se situa ligeiramente
à esquerda no corpo humano (Zôhar).
Podemos deduzir daí que Biná, como fonte de Guevurá (força), indica que o coração
tem um enorme poder que, se canalizado adequadamente, pode conduzir a pessoa
a Deus.
O Rav Nachman ensina, portanto, que quando alguém desperta seu coração para
servir a Deus, tanto a força como os julgamentos (que se encontram no coração) o
inspiram com palavras de entusiasmo.
O conceito de julgamento refere-se aos sofrimentos que a pessoa enfrenta (por
exemplo, problemas familiares, confusão, dúvidas, adversidade).
Os julgamentos a estimulam a examinar seus pensamentos e atos para verificar se
estão enraizados no bem ou, Deus nos livre, no mal.
Depois de ver a verdade de seus atos, quer ela seja impelida a mudar de atitude,
quer seja incentivada por suas boas ações a continuar praticando boas ações, ela
poderá clamar a Deus com palavras entusiasmadas de prece absolutamente
sincera.
Esse despertar do coração em oração mitiga os julgamentos, porque servir a Deus
com sinceridade no coração revela o melhor (isto é, o melhor julgamento e a
franqueza) dos desejos da pessoa.
As preces verdadeiras agem como um guia e a conduzem por um caminho que por
fim aliviará seus sofrimentos.
Assim, o ato de rezar confere ao indivíduo o poder de trazer ao mundo bondade e
abundância, o oposto de julgamento.
O Rav ensina que a prece é o meio mais eficaz para a obtenção de revelação da
Divindade no coração. Isso explica por que a Amidá (Dezoito Bênçãos) é lida em
silêncio - ela exprime o anseio mais profundo do coração, que está oculto.
Uma das recomendações mais enfáticas do Rav é que todos, sem exceção,
recolham-se em hitbodedut diariamente.
Hitbodedut é a expressão pessoal das preces e o diálogo particular com Deus,
realizados em local isolado.
Cada um deve escolher um horário do dia para refletir sobre seus atos passados,
meditar sobre sua presente situação e rezar pelo futuro.
O Rav sugere que seja reservado um intervalo de uma hora para esta finalidade
todos os dias, mas a pessoa pode (e deve) começar com períodos mais curtos, até
mesmo de cinco ou dez minutos, e depois, à medida que avançar, estender esse
tempo. Durante a hitbodedut, as orações devem ser recitadas na língua materna,
porque “quando se reza na língua materna, as preces fluem mais facilmente do
coração”.
De certo modo, a prática da hitbodedut também é uma maneira de
mitigar os julgamentos do coração.
Não existe ninguém que não sinta perplexidade, frustração, ira ou culpa, e
raramente as pessoas encontram um jeito de expressar esses sentimentos sem
ferir a si mesmas ou aos outros, em geral os que lhes são mais próximos.
A hitbodedut prescrita pelo Rav - julgar a si mesmo, aos próprios pensamentos e
atos - permite que tais sentimentos sejam exteriorizados de modo seguro e
positivo.
Ele ensinou o seguinte: “O coração é a fonte do julgamento. A prática da
hitbodedut retifica o coração; ela estabelece um sentido apropriado de julgamento
na pessoa, e ao mesmo tempo diminui seu potencial para o mal”.

Esta forma de oração é um instrumento poderoso que auxilia o indivíduo a obter


espiritualidade, pois possibilita que ele comunique a Deus o que pesa sobre seu
coração, que expresse seus sentimentos mais íntimos - dor, alegria, gratidão,
tristeza - tudo que se acumula no coração.
Por meio da hitbodedut, ele pode ordenar seus pensamentos, confrontar-se
diretamente consigo mesmo e analisar sua rotina diária.

7
Pode julgar seus atos passados, avaliar sua presente situação e entrever seu
futuro.
O mais importante é que, na hitbodedut, ele tem a oportunidade de articular esses
pensamentos em prece diante de Deus.
A hitbodedut é uma forma vigorosa de expressão pessoal, sem os sentimentos de
vergonha que o indivíduo experimenta quando confessa suas falhas a alguém.
Ela ajuda a eliminar as frustrações que provêm das emoções contidas que não têm
como se extravasar.
Deus sempre está extremamente perto, porque reside em nosso coração - dentro
do nosso “espaço esvaziado”. E Ele sempre escuta.

Continua

8
Anatomia da Alma – Parte 22

O Coração Compreensivo

Reis, presidentes e primeiros-ministros são vistos por todos como os comandantes


superiores de suas respectivas forças armadas.
No entanto, é o comandante supremo que dirige todas as tropas para que
executem as ordens gerais dos comandantes superiores.
No corpo humano, a mente poderia ser considerada o comandante superior, e o
coração seria o comandante supremo.
Para reagir adequadamente em todas as situações, o coração deve ser capaz de
entender as necessidades de suas tropas, isto é, do corpo.
Como comandante supremo, o coração tem uma função bastante difícil.
Ele deve constantemente exortar as tropas a fazerem o melhor possível, manter
seu moral elevado e incutir nelas vitalidade e energia.
Ele tem de ser criativo, sempre apresentando “idéias novas” para conservar corpo e
alma juntos.
O Rav ensinou:
A audição depende do coração, como está escrito (1 Reis 3:9): “Dá a Teu servo um
coração que escuta [compreende] para julgar o Teu povo e discernir entre o certo e
o errado.”
Se as palavras faladas não penetram no coração do ouvinte, é como se elas jamais
tivessem sido ouvidas [ou-vidas].
Em hebraico, o conceito de “prestar atenção” é denominado “tessumat lev”
[literalmente, “atenção do coração”].
Para escutar de verdade o que alguém nos diz - não só as palavras, mas também
sua intenção - o coração deve permanecer atento.
[Esta idéia pode ser aplicada à] oração, o “serviço do coração”.
Quando rezamos, temos de concentrar a atenção do nosso coração e ouvir as
palavras que dizemos para que elas penetrem em nosso coração.
Só então o Próprio Deus de fato “ouvirá” e escutará as nossas preces.
O coração “ouve”.
A audição começa nas orelhas, mas deve terminar com o entendimento do coração
daquilo que foi dito. Um professor deve falar ao coração do aluno, e o aluno precisa
prestar atenção e gravar essas palavras em seu próprio coração.
Assim, o entendimento está enraizado no coração e é uma ferramenta importante
para o desempenho de sua função de “comandante supremo” do corpo.

Biná (Entendimento)
Como vimos Chochmá é a sabedoria que aprendemos dos outros, por meio do
estudo, da observação e assim por diante.
Ela representa a capacidade de dominar um assunto e integrar seus princípios
fundamentais a nossos processos mentais.
Biná é capacidade de extrair informações adicionais dos dados que já foram
integrados, e compreender ou distinguir uma coisa da outra. Ela está relacionada à
palavra hebraica “bem”, que significa “entre”, e, neste sentido, implica distância e
separação: para ver algo com objetividade, você tem de afastar-se.
Assim, Biná é a faculdade de examinar tudo que já foi aprendido por Chochmá,
tomar distância emocional e intelectual destas informações, pesquisá-las e
investigá-las.
Todo ser humano possui mente e coração, que correspondem às sefírot de
Chochmá e Biná, respectivamente.
Cada um de nós tem um estoque básico de conhecimentos, sobre os quais a mente
atua e nos quais ela se fundamenta para dirigir o corpo.
Porém, os comandos da mente consistem essencialmente em impulsos neurais, que
são reações automáticas. É no coração, Biná, que tem um enfoque diferente do da
mente, que avaliamos e compreendemos de fato uma dada situação.

1
É a maneira pela qual nosso coração “ouve” e “entende” uma adversidade que
determina nossa forma de reagir a ela.
O homem tem uma consciência instintiva disso.
Várias figuras de linguagem retratam as pessoas como portadoras de um “coração
de pedra”, um “coração de ouro”, um “coração frio” ou um “coração compreensivo”.
O coração é suscetível a todas as dores e aflições experimentadas pelo corpo.
Ele também sente nossas alegrias e apreensões e corresponde ao amor e ao temor.
A respeito do coração compreensivo, o Rav ensinou: O coração é Biná, que se
refere ao entendimento. Quando alguém sofre, o coração “entende” o sofrimento e
o sente com extrema intensidade. Isto ocorre porque, quando o corpo enfrenta um
perigo, o sangue aflui ao coração - o comandante supremo - em busca de conselho.
O coração tenta “repelir” esse “sangue invasor” adicional que acorreu a ele.
É por esta razão que o coração bate mais rápido quando se defronta com o perigo.
Há um versículo que afirma (Provérbios 20:5): “O conselho dentro do coração do
homem é como água profunda, mas o homem de entendimento o faz aflorar.”
A “água profunda” dentro do coração são as idéias [isto é, novos ensinamentos e
percepções] logicamente pensadas que aconselham a pessoa para que ela alcance
seu objetivo na vida
Não é fácil manter o controle do corpo, com todas as suas complexidades.
Como vimos, atuam nele muitas forças opostas que causam sofrimento, cada uma
puxando o indivíduo numa direção diferente. Portanto, o coração deve ser um
órgão muito especial para conseguir comandar suas “tropas”.
Ele tem de ser extremamente ativo na condução das atividades corporais, para que
todos os obstáculos ao bem-estar físico sejam enfrentados e vencidos.
No entanto, podem surgir circunstâncias nas quais o coração, na qualidade de
comandante supremo, não funciona efetivamente como um líder e se torna um
fantoche daqueles que deveria governar.
Nessas ocasiões, ele renuncia à posição de comando e se transforma num “coração
tolo” (Eclesiastes 10:2) - cheio de luxúria - que deseja as paixões auto induzidas do
corpo (produzidas pelos vários órgãos internos, que devolvem sangue poluído ao
coração).

Tudo isso se manifesta na estrutura física do coração.


Suas câmaras à direita e à esquerda abrigam a boa e a má inclinação.
Assim, é o coração que contém a possibilidade de escolha entre o certo e o errado.
O lado direito expele o mal (gás carbônico) e gera o bem (bombeando o sangue
para os pulmões e trazendo deles oxigênio novo e vivificante para enriquecer o
sangue).
Do ponto de vista espiritual, a função de distribuir o bem cabe ao lado esquerdo do
coração, a residência da má inclinação, cuja tarefa é obscurecer o bem e incitar as
pessoas a fazer o mal. Para que o “coração compreensivo” desempenhe bem o seu
papel, ele tem de manter o controle de seus soldados, bombeando o sangue de
modo a causar resultados espiritualmente benéficos.
O Rav Nachman ensinou que a maior força do homem está no coração.
Quem tem o “coração forte” nada temerá.
Tal pessoa pode obter muitas vitórias.
É este o significado do seguinte ensinamento dos nossos Sábios:
“Quem é poderoso? Aquele que domina sua inclinação.”
Com o coração forte, podemos manter o controle em qualquer situação e superar
todos os obstáculos. Quando subjugamos nossa má inclinação, obtemos uma vitória
decisiva.
Como ensinou o Rav: “Quem tem o coração forte [força de vontade e
determinação] não terá medo de travar batalha [com o maligno].”
Examinemos agora alguns dos efeitos da má inclinação sobre o coração, e as
“armas” de que dispomos para combatê-la.

Tratamento Para o Coração Congestionado

2
A insuficiência cardíaca congestiva pode ser fatal.
Às vezes, essa condição requer cirurgia.
O mesmo se aplica à enfermidade do coração espiritualmente congestionado.
O Rav ensinou que os maus pensamentos congestionam o coração.
Os desejos se originam no coração; os perversos são controlados pelos desejos de
seu coração.
As três maiores cobiças que impedem o coração de sentir temor e amor a Deus
são: Avareza, Luxúria e Gula.
Os desejos ardentes de prazeres materiais são sentidos principalmente no coração;
eles bloqueiam sentimentos de espiritualidade
Contudo, mesmo que esses obstáculos pareçam intransponíveis, existe tratamento;
uma “cirurgia” pode ser recomendada.
O Rav ensina que a expressão “um coração de pedra‟ refere-se àqueles que estão
longe da caridade, enquanto „um coração misericordioso‟ aplica-se a pessoas
caridosas”.
A prática da caridade pode aliviar os efeitos da congestão cardíaca espiritual.
Portanto, o Rav propõe a caridade como remédio para todos os males espirituais do
coração.
Porém, muitos perguntam, e quem não tem condições de fazer caridade?
O Talmud ensina que há muitos níveis de caridade, que podem ser divididos em
duas categorias principais:
Tsedacá (caridade em sentido estrito) e
Guemilut Chassadim (atos de bondade).
Embora se suponha que a caridade sempre envolve contribuição monetária, isso
nem sempre é verdade. Ela pode consistir em outras formas de assistência, como a
arrecadação de fundos, trabalho voluntário e assim por diante.
Além disso, o Talmud explica que a prática de Guemilut Chassadim (atos de
bondade) é considerada ainda mais elevada que as contribuições em dinheiro, por
três motivos:
1. A caridade se resume à ajuda financeira. Um ato de bondade pode ser executado
com o corpo, com dinheiro ou qualquer outra coisa que a pessoa tenha.
2. Só se dá caridade para os pobres. Um ato de bondade pode ser dirigido tanto
aos ricos como aos pobres.
3. Só se dá caridade para os vivos. Um ato de bondade pode ser dirigido tanto aos
vivos como aos mortos.

Podemos deduzir do Talmud que o uso que o Rav faz do termo “caridade” não se
limita a contribuições monetárias para causas nobres (embora elas sejam muito
importantes quando possíveis).
Qualquer ação caridosa ou ato de bondade serve para “abrir” o coração do indivíduo
e “criar espaço” dentro dele para as necessidades de outra pessoa, porque a
caridade é uma expressão de amor e compaixão.
É isto que ajuda a livrar o coração da “congestão” espiritual.
Os benefícios da prática da caridade são de fato muito amplos.
O Rav ensinou que existe um “Noam Elion”, um prazer grandioso e sublime, que
emana da Fonte Divina e desce continuamente a este mundo em proveito do
homem. Para tornar-se receptor deste enorme prazer, o indivíduo deve primeiro
despertar seu coração com amor genuíno a Deus.
Este amor é produzido pela prática da caridade.
A caridade em geral, e particularmente aquela que beneficia a Terra Santa, concede
ao doador uma porção maior desse prazer Divino

Divisão e Discórdia
O Rav ensinou que o coração tem duas inclinações, uma para o bem e uma para o
mal. Isto causa uma divisão dentro da pessoa. [Um exemplo desta divisão é]
quando alguém sente que “sabe” que Deus está sempre presente, porém é
displicente com a oração e não a usa para realmente falar com Ele.

3
Se sentisse de verdade a presença Divina, ela com certeza rezaria com toda a
força.
O fato de a pessoa ser displicente e não se esforçar para rezar com concentração
absoluta mostra que uma parte dela “não reconhece” a presença de Deus, isto
resulta do coração “dividido”
Uma definição simples de discórdia é a falta de acordo entre duas partes.
Dois países podem desentender-se, ou duas famílias, ou dois indivíduos.
A discórdia que existe no interior do coração é conseqüência de uma cisão entre o
lado direito, que se esforça para obter espiritualidade, e o lado esquerdo, que puxa
para o materialismo.
Quem ainda não conseguiu purificar completamente seu coração sempre sentirá
essa “discórdia interna”.
O questionamento da fé e a confusão a respeito dos objetivos imediatos e futuros
do indivíduo são sintomas de um coração dividido.
O Rav explica esse fenômeno da seguinte forma:
O mundo está repleto de discórdia.
Há guerras entre as grandes potências mundiais; conflitos em diferentes
localidades; desentendimentos entre famílias; discórdia entre vizinhos e atritos
dentro de casa: entre marido e mulher, pais e filhos.
A vida é curta; morre-se um pouco a cada dia.
O dia que acabou de passar nunca voltará, mas as pessoas ainda brigam e jamais
se lembram de seu objetivo supremo na vida.
As características de uma nação se refletem nos indivíduos.
Algumas nações são conhecidas pela ira, e outras, pela crueldade.
Assim, cada nação possui uma propriedade distintiva.
Esses traços também são encontrados nas famílias.
Mesmo alguém que deseje viver em paz pode ser arrastado a um conflito em
virtude de residir entre partes conflitantes.
O ser humano é um microcosmo e tem dentro de si o mundo e tudo que há nele.
Um homem que vive sozinho pode enlouquecer, porque sua personalidade é
obrigada a concentrar-se nas “nações em guerra” que estão em seu interior, e ele
não acha paz.
Quando o Mashíach vier, todas essas guerras serão abolidas.
Quando o coração está dividido, o que a pessoa pode fazer para “recompor-se”?
O Rav dava muita ênfase ao estudo dos códigos da Torá e da lei.
Eles são ricos em discussões entre os Sábios, às vezes bastante acaloradas, a
respeito do que é permitido e do que é proibido, do que é puro e do que é impuro,
e assim por diante.
O objetivo da pessoa durante o estudo deve ser elucidar as opiniões dos Sábios,
estabelecer a “paz” entre visões opostas e chegar a uma conclusão clara.
Este método de estudo - o exame de opiniões contrárias e a formulação de uma
solução conciliadora - pode ter um efeito profundo e duradouro sobre o caráter.
O emprego de Biná (entendimento) na resolução de um conflito referente à lei da
Torá pode pôr em “paz” o coração dividido entre duas inclinações.
Embora este método de estudo avançado apresente dificuldades para quem não
está familiarizado com o sistema de investigação talmúdica e o estudo avançado da
Torá a recomendação do Rav do estudo dos códigos para a obtenção de benefícios
duradouros se estende a todos.
Em várias lições, ele fala da importância do estudo e do conhecimento dos códigos
para que se possa seguir o caminho apropriado na vida.
O Rav ensinou também que a boa inclinação é conhecida como “uma criança pobre,
porém sábia” (Eclesiastes 4:13) [pobre, porque poucos a escutam; sábia, porque
ela guia o indivíduo pelo caminho da vida].
A má inclinação é comparada a “um rei idoso, porém tolo”, [as pessoas tendem a
ouvi-lo, porque ele é o rei, mas seu conselho é tolo].
Essas duas inclinações representam o reino da santidade e o reino da impureza.
Quem estuda a Torá com empenho fortalece o reino da santidade.

4
Assim, consta no Sháar Hamítsvót (Vaetchanan “O Arizal costumava fazer um
enorme esforço quando estudava os códigos da Torá e o Talmud. Ele se esforçava
tanto que começava a suar.”
O Rav ensina que o conselho que vem de fontes impróprias sufoca o coração e o
putrefaz. O coração é então comparado a um vaso sanitário; seu conselho é
malcheiroso. O Rav Chaim Vital escreve que o Arizal, quando estudava, punha-se a
suar com a intenção de quebrar os poderes ilusórios da má inclinação que
envolvem o coração.
Como vimos o excesso de produtos residuais polui o organismo e que o suor
purifica o corpo desses resíduos.
Ainda assinalamos que os 613 mandamentos da Torá são chamados de “613
preceitos de conselho”.
Este tipo de conselho também põe em harmonia o coração, livrando-o da divisão
interna.

Continua

5
Anatomia da Alma – Parte 23

A Sede de Emoção
O coração é a sede das emoções.
O amor e o temor (reverência) abrangem todas as emoções humanas.
O amor a Deus é o grau máximo ao qual se pode aspirar no serviço Divino, mas é
inatingível antes que se alcance a reverência a Deus.
Uma das 613 mitsvót da Torá é honrar e respeitar os idosos e os sábios, como está
escrito (Levítico 19:32):
“Honrarás as pessoas idosas..e temerás a teu Deus”.
Nossos Sábios, com sua visão penetrante do comportamento humano, perguntam:
“E quanto àquele que fecha os olhos e finge não ver os idosos, e assim não se
levanta para honrá-los? [Eles respondem:] É justamente por esta razão que, a
respeito de todo pensamento oculto no coração do homem, está escrito „Temerás a
teu Deus‟.”
Os nossos Sábios explicam que o indivíduo, no fundo de seu coração, sabe se
reconheceu a presença de uma pessoa digna de honra ou se preferiu ignorá-la.
Talvez ele consiga enganar os outros fingindo que não a notou; e pode até fazê-los
acreditar que ele é um justo, porque age “à altura da situação” sempre que não
pode escapar ao escrutínio de seu olhar.
Na verdade, porém, este indivíduo é inescrupuloso.
Por este motivo está escrito “Temerás a teu Deus”: como Deus conhece todos os
pensamentos, o homem que O teme jamais se esquivará das mitsvót. Pode-se até
iludir os outros, fazendo-os pensar que se está cumprindo uma mitsvá, mas não é
possível enganar a Deus.
O amor e o temor (ou reverência) são os dois aspectos do serviço a Deus mais
citados na literatura sobre a Torá.
A maioria das fontes destaca que eles abarcam praticamente todos os outros
ensinamentos.
O amor corresponde aos 248 mandamentos positivos, pois a pessoa será zelosa ao
cumprir uma mitsvá se o fizer como um ato de amor. Por outro lado, o temor e a
reverência são associados às 365 proibições, porque, muitas vezes, só o temor
impede a pessoa de transgredir.
Este temor pode ser o temor a Deus, mas também o medo de ser descoberto
praticando um ato ilegal ou imoral, ou ainda o receio de uma perda financeira ou de
uma doença.
Qualquer que seja a origem, em geral é o temor que evita que o indivíduo
transgrida quando confrontado com o pecado.
Assim, nossos Sábios recomendam que a pessoa se concentre no temor a Deus que
há no coração quando seus pensamentos precisarem ser controlados, quando suas
convicções mais íntimas e profundas estiverem sendo questionadas por emoções
antagônicas.

Jerusalém: Temor Perfeito


Abrahão chamou o lugar [aonde foi para sacrificar Isaac] de Irá [temor].
Shem o chamou de Shaiem [perfeição].
Portanto, declarou o Santíssimo, para não menosprezar nenhum destes tsadikim,
seu nome será Yerushaláim [Jerusalém].
O que seria mais emocionante do que testemunhar a reconstrução de Jerusalém?
Depois de dois milênios de guerras e desolação, hoje Jerusalém cresce mais
rapidamente do que qualquer outra cidade do mundo.
Esses acontecimentos foram previstos por nossos Profetas e preditos por nossos
Sábios, de modo que não deveriam parecer de todo surpreendentes. Porém, o
aspecto mais empolgante do soerguimento de Jerusalém é saber que todos podem
dar sua contribuição pessoal a cada momento de sua vida.
Como isso é possível?
O Rav ensinou que a fonte do temor está no coração.

1
Todos devem esforçar-se para desenvolver o temor a Deus.
O aperfeiçoamento da reverência a Deus de cada um de fato faz Jerusalém ser
reconstruída, porque Jerusalém é Yerushalem [literalmente, “temor perfeito”].
Este ensinamento sintetiza algumas das lições mais importantes do Rav.
Uma das mitsvót básicas que temos de cumprir continuamente é a de “irat
Hashem” (temor, veneração, reverência a Deus), a manutenção permanente de
uma atitude de respeito e consciência de Deus. Esta mitsvá se aplica a cada
instante, independentemente do que estejamos fazendo, se estivermos envolvidos
em atividades espirituais ou nas mais mundanas.
Como podemos estar sempre conscientes da presença de Deus?
Nos discursos do Rav encontram-se ensinamentos referentes à elevação do grau de
reverência a Deus por meio do esforço para controlar os impulsos do coração.
Nessa mesma linha de pensamento: A reconstrução de Jerusalém não é o único
benefício do desenvolvimento do temor a Deus.
“A profecia foi perdida após a destruição do Templo Sagrado” e só retornará com a
reconstrução de Jerusalém.
Como a fonte da profecia é o temor a Deus, quando este temor é aperfeiçoado, ele
é elevado e revelado no mundo.
Esta cadeia de eventos cria um anjo que pode efetivar profecias.
Três fatores principais debilitam o sentido de reverência no coração.
São as três formas de cobiça: avareza, imoralidade e gula. O anseio ardente do
coração por esses desejos toma o lugar do potencial para a reverência a Deus.
Para retificá-los, a pessoa deve introduzir Chochmá, Biná e Dáat em seu coração.
Estes três mochin correspondem, respectivamente, às três formas de cobiça do
coração. [Isso nos ensina que] o poder do intelecto pode ser usado para combater
os aspectos negativos das emoções.
Ele prossegue explicando que cada um desses desejos pode ser retificado por uma
das três festas.
Na época do Êxodo, os hebreus receberam muita riqueza.
Deduz-se daí que a festa de Pêssach pode retificar a avareza.
Antes da revelação no Monte Sinai, foi ordenado aos hebreus que se abstivessem
de manter relações conjugais; assim, Shavuót retifica os pecados sexuais e a
luxúria.
Em Sucót, a colheita é armazenada; portanto, é inerente a essa época do ano o
potencial para a retificação da gula.
Não é por coincidência que há um preceito de subir para Jerusalém em cada uma
dessas festas: uma interpretação mais profunda mostra que, retificando essas
formas de cobiça, podemos ascender ao nível do temor a Deus.
Como cada festa tem suas características próprias, conclui-se que em cada uma
delas um novo nível de intelecto, ou uma nova revelação da Divindade, se
manifesta.
Desta maneira, os três mochin podem neutralizar os efeitos das três formas de
cobiça.
Vemos mais uma vez como é importante que o coração detenha o domínio do
corpo.
São as principais formas de cobiça que impedem o coração de alcançar o temor
perfeito e, por conseguinte, de reconstruir Jerusalém.
Esses desejos, que emanam das emoções incontroladas afetam diretamente o
coração.
No entanto, o controle dos desejos conduz a um coração puro e reverência perfeita,
por meio dos quais se pode experimentar a Divindade.
Isso realiza uma medida da reconstrução de Jerusalém, pois, quando Jerusalém
(Interna) for reconstruída, a presença de Deus será revelada para que todos vejam.
Como o Rav ensina que por meio da “reconstrução de Jerusalém” - da retificação da
reverência a Deus no coração do indivíduo - é criado um anjo que por sua vez
concede poderes espirituais e qualidades angelicais à pessoa!

2
A Chave do Tesouro

Ele [Deus] será a estabilidade do tempo, uma opulência de salvação, sabedoria e


conhecimento; [porém é] o temor a Deus [que] é Seu tesouro.
Isaías 33:6.

Referindo-se às provas e tribulações que o povo hebreu enfrentará antes da


redenção final, Isaías profetizou que a capacidade de conservar a fé em Deus nessa
época dependerá do grau de temor a Deus de cada um.
O temor, portanto, é chamado de “tesouro de Deus”, porque é uma fonte
inesgotável de força em momentos de necessidade.
Nossos Sábios observam que o versículo acima contém seis termos-chave seguidos
de um sétimo.
Os seis correspondem às seis ordens da Mishná (e às seis seflrot de Chésseci a
Yessod).
O sétimo, mais uma vez, é o “temor a Deus”, Seu tesouro (correspondente a
Malchut).
Assim, o versículo nos ensina que, sem temor a Deus, não se pode pretender
sondar as profundezas da Torá. Sem temor e reverência a Deus, não é possível
entrar nos recintos mais íntimos da Torá. Os portões permanecem trancados.
Portanto, “Quem estuda a Torá sem reverência ao Céu é comparado a alguém que
recebeu as chaves do tesouro que está na parte interna, mas não possui as chaves
do portão externo. Como essa pessoa pode entrar?”.

Alegria
O lugar principal da alegria é o coração.
De todas as emoções humanas, a alegria é a mais jubilosa, mas também a mais
fugidia. Quem sente alegria no casamento, no trabalho e nos demais ambientes
desejará prosseguir de forma produtiva no caminho escolhido.
Por outro lado, a depressão, o oposto da alegria, é o pior inimigo do ser humano e
o maior obstáculo às suas realizações.
O Rav ensina que a alegria e a felicidade podem libertar o indivíduo das limitações
que o prendem ao mundo material.
“Não se pode obter “ishuv hadaat” [calma e serenidade mental, reflexão minuciosa,
julgamento sóbrio] a menos que se alcance primeiro um estado mental alegre”.
A alegria a que o Rav faz alusão aqui não é uma “risada superficial” ou uma atitude
despreocupada.
Trata-se de uma alegria vigorosa, que transpõe as barricadas que foram erigidas
pelos inúmeros problemas e confusões da vida, e consegue entrar no coração.
Como está escrito (Isaías 55:12): “Pois com alegria saireis [do exílio] - com alegria
podemos deixar para trás nossas frustrações e antecipar a ajuda e salvação de
Deus.
O poder da alegria é tão intenso que pode levar a pessoa a ter uma revelação da
Divindade dentro de seu coração.
O Rav ensina ainda que, de certo modo, a Presença Divina é análoga à alegria do
coração. Quem cumpre as mitsvót com alegria eleva a Presença Divina de seu
exílio.
Desta maneira, a pessoa é capaz de “ver” Deus, pois Sua Presença torna-Se
revelada!
No entanto, a depressão, a aflição mais comum da humanidade, atrapalha.
Como vimos, a depressão vem de dentro - do desejo de excessos assim como de
expectativas irrealistas de perfeição.
Quando tem um “dia ruim”, o indivíduo fica emocionalmente esgotado; a ira se
instala, e os nervos ficam à flor da pele.
De imediato, ele fecha sua mente e coração para todo sentimento possível de
alegria.

3
Ainda que ele busque ativamente a felicidade nesse momento, ela tenderá a
escapar-lhe.
O Rav ensina que, de todas as devoções necessárias para o serviço a Deus, a
alegria é a mais difícil de obter e, uma vez alcançada, a mais difícil de manter.
Quando a pessoa passa dificuldade e está cercada de problemas financeiros,
familiares e/ou de saúde, pode parecer que a única alternativa é cair em depressão.
Porém, é justamente então que o coração deve ser a sede da alegria.
Como “comandante supremo” do corpo humano, o coração tem a capacidade de
superar a tristeza e a depressão.
Ele pode reanimar nosso espírito e nos inspirar para que reassumamos as nossas
responsabilidades.
Este fenômeno pode ser observado em inúmeras situações, ensina o Rav Nachman.
Quando está intensamente alegre, a pessoa pode ficar entusiasmada a ponto de
dançar e bater palmas.
Este espírito provém do coração alegre porque, quando há alegria em profusão, o
espírito se eleva. As mãos e os pés recebem mensagens positivas do coração e
agem de acordo com elas. Além disso, diz o Rav “Um coração pesado [cheio de
tristeza, inveja, etc.] produz um rosto triste”, enquanto “um coração feliz melhora a
aparência do indivíduo!”.

Anseio
O Rav ensinou: O coração sempre deseja e se inflama.
Às vezes o anseio é por santidade; outras vezes, por prazeres materiais, como a
avareza.
Há um rúach que pode descer e “esfriar” o coração ardente.
Este rúach é comparado à Presença Divina e é trazido para dentro do coração por
meio da prática da caridade.
Os anseios e aspirações são inerentes à natureza humana.
Todos têm ímpetos de vontade, mas é a qualidade dos desejos mais profundos da
pessoa que determinará se ela anseia por espiritualidade ou por satisfação
material. Além disso, os desejos podem crescer e fugir ao controle.
Vimos que mesmo os anseios espirituais podem ser perigosos, caso o indivíduo
busque um grau de espiritualidade para o qual não tenha preparo intelectual ou
emocional.
Assim, o Rav ensinou: “O espírito [rúach] da pessoa deve ser regulado para que o
coração arda adequadamente [por Deus)”.
O Rav ensina também que o coração às vezes arde por espiritualidade e, outras
vezes, se inflama por desejos mundanos. O estudo da Torá tem o poder de regular
esses dois tipos de anseio.
Além disso, quando a pessoa tem um desejo abrasador de Deus em seu coração, se
ela quiser estudar a Torá ou rezar e, por alguma razão, for impedida de fazê-lo (por
exemplo, se estiver no deserto ou sem livros), então esse desejo ardente, por si
mesmo, inscreve um [novo] ensinamento de Torá no Alto.
O forte anseio por Torá e espiritualidade possibilita que a pessoa sorva
espiritualidade do Coração Sublime (Biná).
Como veremos a Torá é composta de cinco livros, que correspondem aos cinco
lobos pulmonares.
Dado que os pulmões têm um “efeito resfriador” sobre o coração, segue-se que o
estudo da Torá pode ajudar a “resfriar” e controlar os desejos ardentes, sejam eles
de materialismo ou de um grau de espiritualidade que ainda está além do alcance
do indivíduo.
O Rav ensina também que a caridade tem o mesmo poder da Torá de ajudar a
pessoa a subjugar sua cobiça. Ele ilustra essa idéia com o caso de alguém que é
dominado pela avareza, o desejo ardente de riqueza e bens materiais.
Se praticar a caridade, ele demonstrará que tem fé em Deus e acredita que Ele é o
provedor. Assim, superará temporariamente suas ambições materiais e se tornará
merecedor de auxílio para alcançar a verdadeira espiritualidade.

4
Amor
Talvez a emoção mais poderosa seja o amor.
Ele pode ser tão avassalador que nada seria capaz de detê-lo.
O Rei Salomão compreendeu bem essa força quando disse (Cântico dos Cânticos
8:7): “As muitas águas não poderiam apagar o amor”.
Isso ocorre porque o amor humano está enraizado no atributo Divino de Chéssed
(bondade). Como Deus concede continuamente Sua bondade à criação, os
sentimentos de bondade e amor são sempre abundantes no mundo.
Eles podem levar o homem a alturas incríveis - ou a profundezas abissais.
O amor ao dinheiro pode fazer a pessoa arriscar a própria vida - ou a vida de quem
lhe atravanque o caminho.
A imoralidade sexual é uma perversão do amor que, com muita freqüência, provoca
a dissolução da família e gera filhos ilegítimos ou indesejados.
Como se vê nos anais da história, o amor ao poder provocou muitas guerras e
carnificinas. Por outro lado, o mesmo atributo do amor, quando bem empregado,
pode ser a base de um casamento sadio e de um lar afetuoso e acolhedor.
Ele é capaz de impulsionar a pessoa para ápices de criatividade que beneficiam
toda a humanidade.
O poder impressionante do amor - tanto em seus aspectos construtivos como nos
destrutivos - pode ser explicado pela proximidade entre Chéssed e Biná (Chéssed
vem logo depois de Biná).
As sefirot mais altas (Kéter, Chochmá e Biná, de natureza “intelectual”) são
ocultas.
A primeira manifestação desses poderes extraordinários nas sefirot mais baixas
ocorre através da sefirá de Chéssed, que representa a atitude de aproximar-se dos
outros e desdobrar-se em favor deles.
Visto por outro prisma, Chéssed é mais elevado que Guevurá, o que indica que ele
está “acima e além” das restrições, mais uma evidência do enorme poder do amor.
Como vimos repetidas vezes nestes textos, existe um paralelo entre o bem e o mal:
toda força contém o mesmo potencial para o bem e para o mal.
Assim, se o amor não for contido - por meio de Guevurá, a reverência e o temor a
Deus - ele pode ser extremamente destrutivo.
Porém, se for controlado na medida certa, o amor é a ferramenta mais eficaz para
a edificação da humanidade e da paz, como está escrito (Salmos 89:3):
“Chéssed é o alicerce sobre o qual foi edificado o mundo”.
Em nossa análise do sistema respiratório, examinaremos com mais detalhes o
poder do atributo do amor.
Concluímos com um dos ensinamentos do Rav sobre o amor :
“Quem espalha o amor e estabelece a paz entre as pessoas realiza importantes
retificações no Alto.”

Continua

5
Anatomia da Alma – Parte 24

O Pulso
O sangue é o veículo que transporta tudo que circula pelo corpo.
Quando há uma doença no organismo, Deus nos livre, ela pode muitas vezes ser
detectada pelo pulso, que reage e se altera diante de uma enfermidade.
Assim, variações na pulsação podem ser usadas para diagnosticar a doença
específica que precisa ser tratada.
Ainda que esta abordagem não seja seguida e nem mesmo reconhecida pela
medicina ocidental moderna, ela é praticada usualmente na medicina oriental e
alternativa e se mostra bastante eficaz.
Vimos que o fluxo do sangue é afetado pela maneira pela qual introduzimos
oxigênio em nossa circulação.
Há dez modalidades de pulso, que correspondem aos dez mandamentos.
Os pulmões, que possuem cinco lobos, são associados aos cinco livros de Moisés (a
Torá) e aos cinco livros de Salmos (a oração).
Assim, a Torá e a oração são benéficas para o pulso.
A fonte das dez modalidades do pulso se encontra no Zôhar: “As dez sefirot são
representadas pelas dez vogais do alfabeto hebraico. De acordo com o pulso, pode-
se diagnosticar a doença...”
O Zôhar considera as dez modalidades análogas às dez sefirot, que por sua vez
correspondem aos dez tipos de vogal diacrítica usados na língua hebraica (na
realidade, eles são nove, sendo o décimo a ausência absoluta de vogal, assim como
se diz que Malchut não tem luz própria e só reflete as diversas energias das sefirot
superiores que fluem através dela).
Essas vogais diacríticas funcionam como uma espécie de código Morse.
O código aqui é bastante simples: uma vogal diacrítica pode ser constituída de um,
dois ou três pontos (em várias formações), um traço com um ponto embaixo, ou
um traço.
Comparando-se o ritmo do pulso em lugares específicos do corpo com as vogais
diacríticas, é possível identificar a fonte espiritual da doença que está por trás de
qualquer sintoma físico.
Assim, o Zôhar afirma: Às vezes, o pulso consiste numa única batida curta. Se a
batida for baixa, trata-se de um “chiric” (um ponto único que é colocado embaixo
da letra).
Se for mais alta, ela corresponde ao “cholam” (um ponto único acima da letra).
Se for média, é um “shuruc” (um ponto único no meio da letra)
Outras vezes o pulso consiste em duas batidas iguais, uma imediatamente depois
da outra, correspondendo ao “tseirê” (dois pontos colocados embaixo da letra, um
ao lado do outro).
Se uma batida for alta e a outra baixa, trata-se de um “shiva‟ (dois pontos embaixo
da letra, um acima do outro)...
Às vezes, uma batida sobe e a outra desce...
Às vezes, uma batida é longa (como um traço) e a outra é curta...

Com a finalidade de prosseguirmos em nosso estudo do pulso, revisemos agora


algumas analogias cabalísticas básicas.

É necessário relembrar que as dez sefirot correspondem às quatro letras do


Tetragrama (YHVH) mais o topo do Iud.
De cima para baixo, Kéter corresponde a este topo; Chochmá, ao próprio Yud;
Biná, ao primeiro Hê; as seis sefirot de Chéssed a Iessod, ao Vav e Malchut, ao Hê
final.
Essas analogias se estendem aos cinco níveis da alma (Yechidá, Chayah, Neshamá,
Rúach e Néfesh), aos cinco universos (Adam Cadmon, Atsilut, Beriá, Ietsirá e
Assiah) e, finalmente, aos cinco partsufim [Arich Anpin, Aba, lma, Zeer Anpin e
Nucva de Zeer Anpin (Malchut)].

1
Concentremo-nos agora no partsuf de Aba, que, como vimos, corresponde à sefirá
de Chochmá, ao universo de Atsilut e ao nível da alma de Chaiah.
Há uma bela alusão à ligação entre Chochmá (sabedoria) e Chaiah (essência viva)
no seguinte versículo (Eclesiastes 7:1 2): “”Chochmá tchaiê baaleha” - A sabedoria
vivifica quem a possui”.
Com base nesta ligação, o Ari explica que, oculta na sefirá de Chochmá, encontra-
se a Essência Viva de Deus, que vivifica todos os níveis abaixo dela.
A expansão do Tetragrama associada com Chochmá-Aba-Chayah (quando escrita
segundo o método conhecido como achoráim totaliza 184.
Este é também o valor numérico da palavra “dofec”, “pulso” em hebraico: Dalet
(4), Pê (8O), Cuf (100).
Assim, a Essência Viva, fonte da vitalidade humana, pode ser encontrada e sentida
no pulso.
O Rav Chaim Vital registra que seu mestre, o Ari, de fato era capaz de determinar
uma deficiência ou doença espiritual sentindo o pulso da pessoa.

Afirmamos acima que o corpo é composto de quatro elementos básicos: fogo, ar,
água e terra.
Há um calor corporal natural (fogo), o sangue transporta oxigênio pelo organismo
(ar), uma grande proporção do corpo é líquida (água), e o próprio corpo é feito do
elemento terra.
Quando todas as partes do corpo funcionam adequadamente, prevalece a harmonia
e a pessoa goza de boa saúde.
Caso algum desses elementos constitutivos comece a comportar-se de modo
irregular, surge uma doença.
Uma vez instalada no organismo, a doença entra na circulação sanguínea e pode
ser prontamente detectada no pulso.
O Zôhar prossegue: Uma única batida de tom baixo corresponde à vogal diacrítica
chiric, indicando que o elemento água [os líquidos corporais e suas fontes] não está
estável.
Se o pulso lateja em batidas isoladas de tom alto [isto é, cholam], o elemento fogo
[o calor corporal e suas fontes] está forte demais.
Uma batida tripla, análoga ao kibuts, denota que o elemento ar está soprando
maus ventos, seja agitando os líquidos, seja causando perturbações na
temperatura do corpo.
Outras batidas de ritmo duplo correspondem ao tseírê e ao shevá.
Cada uma delas significa que um determinado elemento está, de algum modo,
correndo desgovernado e provocando doença.
Por outro lado, o pulso uniforme corresponde ao patach ou ao camats, que
representam cura e saúde.
O Zôhar continua com exemplos adicionais que explicam o significado das pausas
entre as batidas da pulsação.
Elas permitem que a entrada (isto é, a consciência crescente) da força vital
espiritual ocorra em etapas, em conformidade com a capacidade humana de
absorvê-la.
O Ari também esclarece como, através de cada vogal diacrítica (cada batida da
pulsação), se pode detectar qual das sefirot é dominante num determinado
momento, e assim reconhecer o pecado específico que é a influência preponderante
dentro da pessoa, o que possibilita sua retificação.
Certa vez, um médico vangloriou-se diante do Baal Shem Tov de ser capaz de
diagnosticar qualquer doença sentindo a pulsação.
O Baal Shem Tov lhe disse que também podia identificar enfermidades de maneira
semelhante.
Então ele tomou o pulso do médico, sentiu os batimentos e diagnosticou
corretamente sua doença. Em seguida, o médico tomou o pulso do Baal Shem Tov
e sentiu os batimentos, mas deteve-se, perplexo.
Ele não conseguia interpretar a pulsação.

2
Depois que ele se foi, o Baal Shem Tov afirmou:
“Eu sofro de uma enfermidade que ele não compreende: „Estou doente de amor [a
Deus]‟ (Cântico dos Cânticos 2:5). O médico não está familiarizado com esta
doença; portanto, não foi capaz de diagnosticá-la!”

A Princesa e o Castelo de Agua


Talvez a mais célebre de todas as histórias do Rav seja “Os Sete Mendigos”.
Apresentaremos aqui excertos do conto, acompanhados de alguns dos comentários
do Rav Natan que oferecem esclarecimentos profundos sobre a dimensão espiritual
do pulso.
O Rav Nachman disse: “Eu lhes contarei como as pessoas se alegravam
antigamente.”
Então ele começa a narrar a história de um menino e uma menina que se perdem
na floresta.
Todo dia, durante sete dias, aparece um mendigo com uma “deformidade” diferente
e lhes dá pão e água.
Na ordem de sua entrada no relato, os mendigos são: cego, surdo, com
imperfeições na fala, de pescoço deformado, corcunda, sem mãos e sem pés.
Cada mendigo deixa uma porção adicional de pão para as crianças e as abençoa
para que sejam “como ele”.
Posteriormente, os dois saem em busca de seu destino.
Por fim, deixam a floresta e voltam à civilização, juntando-se às fileiras de
desabrigados, e acabam casando um com o outro.
Na celebração do casamento e nos sete dias subseqüentes, lembram-se da
bondade de Deus quando lhes forneceu alimento em seus primeiros dias na
floresta, por intermédio dos mendigos.
Sentem enormes saudades dos mendigos, e, em cada um dos dias que se seguem
ao casamento, um dos mendigos comparece para regozijar- se com eles.
Cada mendigo tem uma história própria para contar, por meio da qual ele explica
que sua deformidade não é realmente um defeito, e sim o seu maior bem,
esclarecendo assim por que abençoou as crianças para que fossem “como ele”.
No sexto dia, eles se alegram e sentem enormes saudades [dizendo]: “Como o sem
mãos poderia ser trazido para cá?”
De repente, ele aparece e diz: “Aqui estou! Vim para o seu casamento!” Ele lhes
fala da mesma maneira que os outros [mendigos] e os beija.
Depois diz: “[Vocês pensam que há algo de errado com as minhas mãos.]
Na verdade, não há nada de errado com as minhas mãos. Tenho muito poder nas
mãos. Mas não as uso no mundo físico, porque preciso desse poder para algo
totalmente diverso. A este respeito, tenho a declaração do castelo de água.”
O mendigo sem mãos relata que, certa vez, estava sentado com um grupo de
homens que se vangloriavam do que podiam realizar com as mãos.
O mendigo lhes assegurou que tinha mais poder nas mãos do que eles e contou a
incrível história da princesa e do castelo de água.

Era uma vez um rei que desejava uma princesa.


Ele tramou todo tipo de plano para capturá-la, até que finalmente conseguiu
aprisioná-la.
Então o rei teve um sonho no qual a princesa se debruçava sobre ele e o matava.
Quando acordou, ele ficou preocupado.
Convocou os intérpretes de sonhos, e todos disseram que o sonho se realizaria em
seu sentido literal, a princesa de fato o mataria.
O rei não podia decidir o que fazer com ela.
Se a matasse, ele sofreria.
Se a mandasse embora, ficaria furioso, porque então outro homem a possuiria.
Ele se sentiria terrivelmente frustrado se isso acontecesse, já que se esforçara
tanto para conquistá-la. Além disso, se ele a exilasse e eia acabasse com outro
homem, haveria uma chance ainda maior de o sonho se realizar.

3
Com um aliado, ela poderia matá-lo mais facilmente. No entanto, o rei estava
amedrontado por causa do sonho e não queria mantê-la perto dele.
Mas não sabia o que fazer com ela.
Em conseqüência do sonho, o amor que ele sentia pela princesa aos poucos
começou a diminuir. Conforme o tempo passava, seu desejo era cada vez menor, e
isto afetou os sentimentos dela por ele - o amor que ela sentia pelo rei declinou
mais e mais, até que ela passou a odiá-lo.
No fim, ela fugiu.
O rei enviou seus homens para buscá-la.
Quando regressaram, eles relataram que ela estava perto do castelo de água.
Este castelo era todo feito de água. Tinha dez muralhas, uma dentro da outra,
todas feitas de água. Os pisos no interior do castelo também eram feitos de água.
[O castelo] tinha árvores e frutos, todos feitos de água.
É desnecessário dizer que o castelo era lindo e incomum.
Um castelo de água certamente é algo maravilhoso e extraordinário.
Ninguém pode entrar no castelo de água.
Ele é todo feito de água, e qualquer um que entrasse se afogaria.
Neste ínterim, a princesa que fugira caminhava à volta do castelo de água.
O rei foi informado de que ela circundava o castelo.
Ele reuniu seu exército e partiu para capturá-la.
Quando viu que eles se aproximavam, a princesa decidiu refugiar-se dentro do
castelo.
Preferiria afogar-se a ser aprisionada pelo rei e obrigada a permanecer com ele.
Havia também a possibilidade de ela conseguir entrar no castelo de água e
sobreviver.
Quando viu que ela fugia para dentro da água, o rei disse: “Se é assim ..“, e
ordenou que atirassem nela [dizendo]: “Se ela morrer, morreu.”
[Os soldados] lançaram os dez tipos de flecha, nos quais haviam passado os dez
tipos de veneno.
A princesa correu para dentro do castelo, atravessou os portões e alcançou as
muralhas de água.
Ela transpôs as dez muralhas do castelo de água, até chegar ao seu interior.
Quando lá chegou, ela desmaiou.
Quando descrevia seu encontro com os homens que se vangloriavam do grande
poder de suas mãos, antes de contar a história da princesa, o mendigo relatou que
um deles afirmara que era capaz de fazer retroceder uma flecha mesmo depois de
ela ter sido disparada e ter atingido o alvo.
O mendigo sem mãos lhe perguntou se ele podia fazer retroceder os dez tipos de
flecha, ou seja, as dez flechas portadoras dos dez tipos de veneno, um mais tóxico
que o outro.
Ele admitiu que só era capaz de fazer retroceder um tipo de flecha. “Se isso é
verdade”, concluiu o mendigo sem mãos, “então você não pode curar a princesa”.
Outro homem jactou-se de ter o poder da caridade, pois sempre que alguém lhe
dava algo na realidade era ele que estava fazendo uma doação para a pessoa.
O mendigo sem mãos informou-lhe que há dez tipos de caridade e perguntou qual
deles ele era capaz de fazer. Ele respondeu que dava o dízimo. “Se é assim”,
concluiu o mendigo sem mãos, “você não pode curar a princesa. Não pode nem
mesmo se aproximar do lugar onde ela está. Você só é capaz de passar por uma
muralha”.
A água é comparada à caridade, como consta em “Tua caridade é como as ondas
do mar” (Isaías 48:18).
Logo, ele não poderia atravessar as dez muralhas do castelo de água para salvar a
princesa.
Um terceiro se gabou do poder de transmitir sabedoria através das mãos.
O mendigo sem mãos lhe perguntou: “Que tipo de sabedoria você é capaz de
transmitir com as mãos? Há dez tipos de sabedoria.” Quando ele respondeu que só
podia transmitir um tipo, o mendigo retorquiu: “Neste caso, você não pode curar a

4
princesa. Você não é capaz de entender o pulso dela, já que existem dez
modalidades de pulsação.” Ele só podia transmitir um tipo de sabedoria e, portanto,
só compreendia uma modalidade de pulsação.
Um quarto alardeou sua capacidade de deter vendavais com as mãos.
Ele conseguia conter o vento e fazê-lo soprar com a intensidade adequada, para
que fosse benéfico.
O mendigo sem mãos lhe disse que há dez tipos de vento, que correspondem aos
dez tipos de melodia . Como ele só podia controlar um tipo de vento, também seria
incapaz de salvar ou curar a princesa.
Finalmente, todos os presentes perguntaram ao mendigo sem mãos qual era a sua
habilidade.
Ele respondeu: “Eu consigo fazer o que vocês não conseguem. [Em cada um dos
casos que vocês apresentaram] há nove porções que vocês não são capazes de
realizar. Eu posso realizar todas elas.”
Então ele começou a contar a história da princesa.
Retomamos agora o relato, com a princesa desmaiada no castelo de água, após ter
sido atingida pelas dez flechas envenenadas.

Eu a curo.
Quem não possui os dez tipos de caridade não pode atravessar as dez muralhas,
pois se afogará na água. O rei e seu exército tentaram persegui-la, mas todos se
afogaram. Eu, por outro lado, consegui transpor as dez muralhas de água.
Estas dez muralhas de água são como as ondas do mar que se erguem como uma
muralha. Os ventos sustentam as ondas e as levantam... Eu consegui atravessar as
dez muralhas.
Também consegui extrair os dez tipos de flecha da princesa.
Conheço ainda as dez modalidades de pulsação e pude detectá-las com meus dez
dedos. Cada um dos dez dedos tem o poder de detectar uma das dez modalidades
de pulsação. Então eu consegui curá-la com os dez tipos de melodia. Assim eu a
curo, pois tenho esse enorme poder em minhas mãos. Agora lhes dou [aos recém-
casados] este poder de presente. [Quando ele concluiu sua fala] houve uma intensa
alegria e uma tremenda celebração.
O mendigo sem mãos simboliza o grande Tsadic.
Ele pode entrar no castelo de água sem se afogar, porque possui os dez tipos de
caridade. É capaz de extrair os dez tipos de flecha (que causam doenças) e de
detectar a enfermidade através das dez modalidades de pulsação.
O mendigo sem mãos pode então eliminar a doença por meio dos dez tipos de
canto, porque a alegria representa saúde e cura.
A princesa é a alma capturada pelo rei, a má inclinação.
No início ela se sente à vontade, mas aos poucos começa a perceber que a vida não
é feita só de satisfação material, e então ela foge.
Porém, a má inclinação é implacável e sempre vai ao encalço da pessoa.
A princesa entende que deve escolher entre uma vida de materialismo e uma vida
de espiritualidade. Assim como os hebreus decidiram entrar no Mar Vermelho
quando estavam sendo perseguidos pelos egípcios, a princesa preferiu entrar no
castelo de água a ser dominada pela má inclinação.
O castelo de água representa o verdadeiro conhecimento, como consta em “O
mundo estará repleto do conhecimento de Deus, como as águas cobrem o mar”
(Isaías 11:9).
No entanto, para conseguir atravessar as muralhas, para adquirir conhecimento da
Torá, o indivíduo precisa praticar a caridade; caso contrário, ele estará sujeito a
cair e afogar-se em sabedorias heréticas.
Só o verdadeiro Tsadic possui o conhecimento necessário e, portanto, só ele pode
transpor com segurança as muralhas do castelo.
Ele é capaz de sentir o pulso da alma, determinar com precisão suas doenças
espirituais e curá-la com os dez tipos de canto.

5
O Rav ensina que esses dez tipos de canto são encontrados nos Salmos, nos
louvores a Deus e na descrição de Sua bondade e caridade para conosco.
No fim, só o “mendigo sem mãos”, o verdadeiro tsadic, é capaz de interpretar
corretamente o pulso da princesa e de curá-la.

Os dez tipos de canto serão discutidos quando estudarmos “O Sistema


Respiratório”.

O pulso é um fator decisivo na determinação do estado de saúde físico e espiritual


da pessoa.
Como se pode estabelecer um fluxo adequado de sangue?
Por meio da alegria!
E a alegria é alcançada por meio dos dez tipos de melodia.
Estes dez tipos de melodia regulam as dez modalidades de pulsação, desobstruindo
a circulação para que o sangue flua suavemente através das artérias e veias.
Um pulso - físico e espiritual - sadio indica boa saúde.

Continua

6
Anatomia da Alma – Parte 25

O Sistema Respiratório

Os Pulmões
O ar é inspirado pelo nariz ou pela boca e desce até os pulmões, de onde o oxigênio
essencial para a vida é transferido para o sistema circulatório, canalizado através
do coração e distribuído pelo sangue.
O oxigênio é utilizado, e desse processo resulta o gás carbônico, produto residual
que volta aos pulmões, através do sangue, para ser eliminado.
O funcionamento geral dos pulmões em conjunto com o coração já foi discutido,
agora examinaremos mais profundamente o aspecto espiritual desta parceria,
assim como a relação dos pulmões com a boca e o nariz (os órgãos da respiração),
a traquéia, a laringe e o pescoço.
Discutiremos também o poder da fala.
Em nossa análise do sistema respiratório, a palavra hebraica “rúach” aparecerá
muitas vezes.
Rúach tem diversos significados.
No mundo físico, refere-se a um vento que sopra, ou ao ar que se transforma em
vento quando respiramos.
No mundo metafísico, rúach pode ser um espírito, ou a própria espiritualidade; o
rúach do homem é a essência espiritual básica de sua personalidade.
Também é possível que uma pessoa seja possuída por um rúach (espírito)
desencarnado, por um rúach de desespero ou um rúach de alegria.
Um rúach Divino pode repousar sobre um profeta.
O Rúach Hacodesh (inspiração Divina) ilumina sua mente, mas um “rúach seart”
(uma tempestade, isto é, inquietação mental ou emocional) pode ameaçar sua fé.
O Mashíach (Messias) será abençoado com seis qualidades de rúach: “O rúach de
Deus repousará sobre ele - um rúach de sabedoria e compreensão, um rúach de
capacidade de aconselhamento e de fortaleza, um rúach de conhecimento e de
temor a Deus” (lsaías 11:2).
Não surpreende que (a crença no) Mashíach seja literalmente o “rúach apênu”
(sopro de nossas narinas) (Lamentações 4:20).
Antes da vinda do Mashíach, um rúach de ateísmo varrerá o mundo.
Quando ele finalmente chegar, um rúach oposto, de Divindade, purificará nosso
coração, livrando o mundo do rúach de impureza que nos impede de ver e sentir
Deus ( Zacarias 13:2).

Durante o estudo dos ensinamentos do Rav Nachman sobre o coração e os


pulmões, devemos ter em mente todos esses significados.
Às vezes, parecerá que o Rav mistura os sentidos, falando, de um fôlego, sobre um
rúach físico e um rúach espiritual. Isso é intencional: para o Rav os dois eram
inseparáveis.
A realidade física está sempre entrelaçada com a realidade espiritual.
O Rav ensinou que consta no Zôhar: “Os vasos sanguíneos do coração são
regulados pelo rúach [que sai dos pulmões]. Este é o significado de “Eles [os anjos
vivos] seguiam para onde o rúach se dirigisse”” (Ezequiel 1:12). [Os anjos vivos
correspondem aos vasos sanguíneos do coração; o rúach corresponde ao oxigênio
que entra no coração através dos pulmões.]
Pois sem o rúach que é criado pelas “canfê reiá” [“asas‟, isto é, lobos, dos
pulmões], que abanam continuamente o coração e o esfriam, seu calor consumiria
o corpo inteiro.
O Rav observa nesta lição que um rúach (vento) forte às vezes apaga uma chama
e, outras vezes, reacende uma brasa quase extinta.
Ele explica detalhadamente o que acontece quando o vento atiça uma chama que
está prestes a morrer por falta de oxigênio, como de repente a chama se revigora e
ganha vida de novo.

1
O Rav nos faz lembrar que a alma do homem é comparada a uma vela.
Assim como uma vela que se está quase apagando pode ser reacendida, o toque
mais sutil do rúach Divino na alma humana é capaz de reavivá-la e reacender seu
amor e temor a Deus instantaneamente.

Voltando à metáfora do coração e dos pulmões, o Rav compara os líderes


espirituais do povo hebreu ao rúach criado pela agitação dos lobos pulmonares, que
se assemelha ao bater de asas, e os próprios hebreus, ao coração.
A função dos líderes, diz ele, é insuflar rúach vivificante no coração de cada um.
Os pulmões têm a função de regular a atividade do coração, de mantê-lo
trabalhando devidamente, assegurando que ele não se superaqueça nem fique
petrificado de frio.
Do ponto de vista espiritual, é necessário, da mesma forma, abanar a chama Divina
em nosso coração, para que nossas devoções não se tornem secas e sem vida.
Ao mesmo tempo, devemos cuidar de manter o equilíbrio, para que nosso anseio
espiritual não se torne tão intenso a ponto de ameaçar “consumir o corpo inteiro”.
Como disse o Rav: “O fluxo de rúach deve ser regulado para que o coração arda
adequadamente [por Deus]”.
O fluxo de rúach deve ser controlado de acordo com o nível de entusiasmo da
pessoa, de modo que a chama do desejo de seu coração não seja extinta nem
superaquecida.
Mas como se pode controlar o ar que é introduzido nos pulmões - e no espírito?
Quando o coração está em perigo, os pulmões têm de agir rapidamente.
Eles inspiram ar fresco e úmido, esfriam o coração e assim o auxiliam a manter
uma temperatura corporal estável.
O Rav ensina que o homem pode beneficiar-se desse mesmo método na vida
espiritual. Devemos esforçar-nos para inspirar ar úmido - não apenas o ar físico,
mas o ar úmido espiritual da Torá, porque a Torá é comparada à água.
De fato, devemos inalar Torá e depois exalar essa mesma Torá em forma de
oração.
O ato de respirar Torá e oração dá aos nossos pulmões a habilidade de regular
o “desejo ardente” do coração de servir a Deus, para que ele não sofra
uma “combustão” espiritual.
O Rav também ensinou que o homem extrai sua força vital do atributo Divino de
Malchut [realeza], que é a própria raiz da existência. Pois Malchut é o aspecto do
Rúach Hacodesh, o nível de “Ester se vestiu de Malchut” (Ester 5:1), a respeito do
qual nossos Sábios observaram que não está escrito “„vestiu trajes de Malchut‟ mas
„vestiu-se de Malchut‟, o que faz alusão ao fato de que o Rúach Hacodesh descera
sobre Ester.”

A vida depende da respiração.


Mas o que é a respiração?
É a inspiração e expiração do oxigênio vital, que podem ser comparadas ao
seguinte versículo (Ezequiel 1:14):
“Os anjos vivos corriam e retornavam como se fossem clarões de relâmpagos”.
[Mais uma vez, os anjos vivos referem-se ao coração, que bombeia vida para o
corpo.]
Quando a pessoa se liga à sagrada Malchut de Deus falando palavras de Torá e
oração, ela inspira e expira Rúach Hacodesh - espírito Divino.
Este é o significado de “Porei em vós um rúach sagrado” (Ezequiel 36:26).
Este rúach não é outro senão o espírito Divino que a pessoa inala quando respira
palavras de santidade. [Este espírito entra no coração e o mantém ardendo
incessantemente por Deus.].
Isso está implícito no seguinte versículo (Gênesis 1:2): “O rúach de Deus pairava
sobre as águas”.
Quando o indivíduo estuda a Torá, que é comparada à água, o rúach de Deus, que
é Rúach Hacodesh, paira sobre ele e lhe insufla vida. Pois [assim como é impossível

2
viver sem ar] é impossível viver sem a Torá, conforme aprendemos no Zôhar: “Se o
rúach dos lobos pulmonares não abanassem continuamente o coração e o
esfriassem, seu calor consumiria o corpo inteiro”.
Aprendemos também o seguinte:
“Os pulmões representam a qualidade da água, a água da Torá”.
Sem esta “água” [ou ar úmido, como mencionado acima], o desejo ardente de
aproximar-se de Deus o consumiria. Porém, quando seu desejo é revestido de
palavras de Torá e oração, ele está protegido...
Isso enfatiza a importância da fala sagrada, que é equivalente ao ato de absorver e
expelir rúach.
Quando respira “rúach sagrado”, rezando ou estudando Torá, por exemplo, ou
falando palavras gentis e reconfortantes, você está respirando espiritualidade.
O ar que você respira é então considerado “rúach sagrado”.
É este tipo de rúach que “esfria” os desejos ardentes do coração.

Um Pulmão Sadio
Tendo em mente que palavras de Torá são benéficas para os pulmões e o coração,
podemos compreender o ensinamento do Rav que relaciona a festa de Shavuót com
os pulmões.
O Rav ensinou que a festa de Shavuót traz a cura para os pulmões.
Os cinco lobos pulmonares correspondem aos cinco livros da Torá.
Anualmente, em Shavuót, recebemos a Torá.
Portanto, Shavuót é uma época especialmente benéfica para os pulmões; nesta
ocasião, podemos receber “vida nova”.
Porém, só o estudo da Torá não é suficiente.
Devemos também cultivar um nível elevado de fé.
Quando Moisés desceu ao Egito pela primeira vez e falou da redenção iminente, os
hebreus se recusaram a escutar.
Isso se explica da seguinte maneira (Êxodo 6:9): “Eles não escutaram a Moisés por
causa do “cotser rúach” e da dura servidão”.
A expressão “cotser rúach” significa, literalmente, “falta de ar”.
O Rav esclarece que os hebreus naquele momento mostraram falta de fé na
promessa de Moisés. Com base nisto, ele ensina que a falta de fé indica um pulmão
defeituoso - “falta de ar”.
Assim, o fortalecimento da fé serve para retificar os pulmões.
Pulmões sadios garantem muito mais do que o bem-estar físico.
Como deve haver oxigênio suficiente para que o cérebro funcione bem, o Rav
ensinou que “um pulmão sadio melhora a visão e ajuda a pessoa a obter uma
grande Dáat [intelecto]”.
Isto está em conformidade com o que afirma o Talmud: “Por que o pulmão é
chamado de “reiá”? Porque ele “meirá” [ilumina] os olhos!”
Quando o indivíduo está confuso, seu intelecto não consegue “ver” bem, e seu
raciocínio dedutivo fica debilitado.
Da mesma maneira que um pulmão fisicamente sadio sustenta o cérebro com todo
o oxigênio necessário, um pulmão espiritualmente sadio é capaz de abrir a mente.

Continua

3
Anatomia da Alma – Parte 26

A Respiração
A respiração é o processo no qual o corpo inala e expele o ar.
Respiramos pelo nariz e pela boca.
Estas passagens de ar estão ligadas à faringe, que se estende até a traquéia, a qual
se ramifica em brônquios, através dos quais passa o oxigênio para chegar aos
pulmões.
A laringe, onde se localizam as cordas vocais, é adjacente à faringe.
Além de estarem conectados fisicamente, esses órgãos se interligam da mesma
maneira no plano espiritual.
A respiração, apesar de ser uma atividade bastante natural, na realidade consiste
numa operação complexa que envolve três funções básicas: expiração, pausa e
inspiração.
A inspiração, por sua vez, ocorre em três fases: diafragmática, intercostal e
clavicular.
Estas fases correspondem aos movimentos pulmonares na região abdominal, no
centro da caixa torácica e perto do topo dos pulmões, e facilitam a inalação de ar
fresco.
O esforço físico acelera a respiração.
O nervosismo e a tensão limitam a amplitude respiratória, produzindo movimentos
curtos e superficiais, enquanto a calma e a serenidade estão associadas a uma
respiração mais suave e profunda.
Se você respirar corretamente, seu cérebro receberá o suprimento adequado de
oxigênio de que necessita para manter-se e funcionará com perfeição. Há vários
estudos que mostram a eficácia dos exercícios respiratórios, e muitos manuais que
ensinam a respirar da maneira certa.
Porém, os efeitos espirituais de uma boa respiração são ainda mais acentuados e
extensos.

O Suspiro
Naqueles dias, o rei do Egito havia morrido; e os filhos de Israel suspiraram pelo
trabalho e gritaram, e os seus clamores pelo trabalho subiram a Deus. E Deus
ouviu os seus gemidos e Deus lembrou-Se de Sua aliança com Abrahão, com lsaac
e com Jacob. E Deus viu os filhos de Israel, e Ele soube [que chegara a hora da
salvação].
Êxodo 2:23-25.

Note que os versículos acima não mencionam a oração nem a fala.


Eles só usam termos como suspirar, gritar, clamar e gemer.
Quando o faraó morreu, os hebreus tiveram um breve alívio: em vez de trabalhar,
eles foram obrigados a comparecer ao funeral de seu rei “benevolente”. Eles não
podiam falar - estavam mergulhados demais na escravidão.
Porém, jamais perderam a capacidade de suspirar e gemer diante de Deus.
O funeral do faraó ofereceu-lhes a oportunidade perfeita para desabafarem seus
sentimentos intensos.
Os egípcios pensaram que os hebreus estivessem tristes com a morte do faraó,
mas na verdade eles gritavam por assistência Divina. Desta maneira, conseguiram
despertar a misericórdia de Deus.
Logo depois, a Torá relata o episódio de Moisés diante da sarça ardente, quando
Deus anunciou a redenção.
Esta justaposição de acontecimentos não é fortuita.
De fato, a jornada espiritual dos hebreus da servidão para a revelação no Sinai se
iniciou com seus suspiros.

O Talmud ensina: “O suspiro quebra o corpo da pessoa”.

1
O Rav explica que suspirar pelo desejo de obter espiritualidade quebra as barreiras
físicas grosseiras do corpo e fortalece a alma, possibilitando que a pessoa comece a
elevar-se espiritualmente.
Quando era jovem, o Rav Nachman praticava muitas devoções com o objetivo de
quebrar sua corporeidade, a fim de alcançar níveis mais altos de espiritualidade.
Uma delas era o ato de suspirar.
O Talmud ensina que “o suspiro quebra o corpo da pessoa”. Portanto, o Rav
freqüentemente suspirava diante de Deus. Em seguida, ele observava suas reações
físicas. Muitas vezes, ele não conseguia mover os braços logo depois de uma
sessão de suspiros.
Mais tarde, o Rav ensinou que “Suspirar pela santidade beneficia mais a pessoa do
que a flagelação do corpo”.
Ele afirmou também que “Suspirar profundamente é semelhante a circuncidar-se.
A remoção do prepúcio é uma retificação, e um suspiro profundo por espiritualidade
remove o prepúcio do coração.”
Vimos que o coração é a sede de muitas das emoções mais profundas do homem.
O Rav nos ensina que suspirar ajuda não só a transcender essas emoções, mas
também a transformá-las e direcioná-las para a espiritualidade.

Pela palavra de Deus foram criados os céus; pelo sopro de Sua boca, todas as suas
hostes. (Salmos 33:6).

O Rav ensinou que o mundo inteiro foi criado pelo sopro - o sopro de Deus.
O sopro Divino é o grande sustentáculo da vida.
Se não houver sopro, não haverá vida.
Portanto, se a pessoa sente que lhe falta algo na vida, isto indica uma escassez de
“sopro”, aquele sopro que é o espírito de Deus, que tudo criou e sustenta.
O Rav explica então que uma inspiração profunda contrabalança esse sentimento
de “falta” na vida da pessoa e produz uma sensação de preenchimento.
Como a falta de ar resulta de uma insuficiência, o ato de respirar profundamente
pode supri-la.
Dado que tudo que o indivíduo tem - ou de que ele carece - em geral é sentido no
coração, o que falta pode ser completado pelo ato de suspirar.
Com um suspiro, introduzimos espírito, vida e vitalidade no coração, preenchendo o
vazio.
Respire fundo, suspire, e diga para si mesmo: “Quero introduzir mais força vital em
meu coração. Quero introduzir o sopro de Deus em minha vida.”
Respirar corretamente é uma arte.
Com uma respiração correta, você preenche o vazio que há em sua vida.
Sem ela, o vazio pode ser ampliado e tornar-se potencialmente devastador para
seu equilíbrio emocional e/ou espiritual.
Quando suspira, você inspira de forma prolongada e profunda, absorvendo o
espírito de Deus que Ele insuflou em você quando o criou.
Além disso, ao longo da vida, todos nós cometemos erros e nos desconectamos em
alguma medida - tanto de nós mesmos como do espírito de Deus.
O suspiro de arrependimento por nossas más ações do passado restabelece a
conexão.

No entanto, se tivermos nutrido um desejo de satisfação material, e gemermos e


suspirarmos devido a nossa incapacidade de obtê-la, estes suspiros aviltam nosso
sopro e espírito. Ficamos então angustiados e deprimidos por não termos atingido
nossos objetivos materiais. Desta maneira, nós nos distanciamos ainda mais de
Deus e, portanto, da perfeição.
Como o empresário que é bem-sucedido financeiramente, mas sempre almeja e
deseja mais riqueza, é fácil nos concentrarmos naquilo que nos falta e não em tudo
que temos.

2
O Rav ensina, por conseguinte, que a arte da respiração concentrada e profunda é
a fórmula para uma vida plena e satisfatória.
Pode-se praticar a respiração profunda por ela mesma, ou em proveito do
“espírito”.
O benefício físico será o mesmo nos dois casos.
Porém, o ato de suspirar e respirar fundo com a intenção de obter espiritualidade
realmente liga a pessoa a sua Fonte, que não é outra senão o Próprio Deus.

A Corda de Segurança
O Rav ensinou que para respirar, é necessário inalar o ar.
Há duas “cordas de segurança” às quais as pessoas podem conectar-se para obter
esse elemento vital: a corda da santidade e a corda da impureza.
Os justos inspiram ar puro, enquanto os maus inspiram ar impuro.
Não se pode sobreviver sem aspirar o ar através de um desses dois canais.
Quando uma pessoa lamenta seus atos passados e deseja arrepender-se, ela
rompe sua ligação com a fonte impura de ar.
Então ela começa a inalar um novo suprimento de ar fresco da fonte de santidade.
Inversamente, aquele que deseja o mal e suspira quando não consegue alcançá-lo
se separa da fonte de ar puro e automaticamente se liga à impureza.
O Rav também ensinou o seguinte: “Por um único [mau] desejo que a deixará
contente durante quinze minutos, a pessoa pode perder todo a sua porção, tanto a
deste mundo como a do mundo vindouro”.
O Rav Shmuel Ytsaac era um dos discípulos mais próximos do Rav
Certa vez, o Rav agarrou as roupas de Shmuel Ytsaac perto de seu coração e disse:
“Só por causa de um pouco de sangue em seu coração [maus desejos] você
perderá este mundo e o vindouro? “Crechts es ois”! [Suspire para expeli-lo!]”.

O Nariz e s Boca
O nariz constitui a principal passagem de ar.
Ele contém vários filtros, compostos de membranas mucosas e saliências
microscópicas semelhante a pêlos, denominadas cílios, que purificam o ar que entra
no organismo.
Como vimos o corpo humano tem muitos sistemas de filtragem e eliminação de
matéria residual.
O nariz também age como um filtro, retendo as impurezas do ar e redirecionando a
matéria residual que depois será expelida.
“Af”, uma das palavras hebraicas que designam “nariz”, também significa “ira”,
como consta em “atemorizei-me diante do “af” [ira]” (Deuteronômio 9:19).
Em outro sentido, o nariz representa a paciência, como em “erech apaim” (Êxodo
34:6) - literalmente, de “nariz comprido”, isto é, de muito fôlego, tardio em irar-Se,
paciente.
O Rav estende-se sobre o valor da paciência e os benefícios da espera até que a ira
se dissipe.
Ele compara a ira a um vendaval violento que se levanta mas acabará aquietando-
se.
A paciência nos ajuda a aguardar que as tempestades passem e permite que nos
religuemos ao “fôlego prolongado” de Deus, a Fonte de toda vida!
Já estudamos a importância da paciência em nossos esforços espirituais no tocante
ao processo de purificação.
Agora discutiremos função adicional do nariz, o sentido do olfato ainda será
discutida.
Agora nos concentraremos na boca como parte essencial do sistema respiratório.
O pescoço, a garganta e a traquéia serão analisados em textos mais adiante junto
com a boca, no que se refere ao poder da fala.

Malchut é a boca - a Torá da boca [Torá Oral].


(Zôhar).

3
Malchut é o principal atributo por meio do qual o homem pode interagir com Deus.
Às vezes, ela também é chamada de Shechiná, a Presença Divina.
A aceitação da Malchut (realeza) de Deus é o primeiro e mais importante requisito
para o reconhecimento de Sua soberania e para o serviço Divino.
Malchut é associada à boca, porque um “melech” (rei) governa sobretudo pela fala.
Seus éditos, que provêm dos pensamentos que ocorrem à sua mente, têm de ser
proferidos para que os súditos lhes obedeçam.
As intenções do melech também só se podem tornar conhecidas por meio de
palavras que revelem esses pensamentos do rei.
A mesma correlação existe entre a Torá Escrita e o conjunto de ensinamentos orais
recebidos no Sinai que a acompanha a Torá Oral, que é análoga a Malchut,
permite-nos compreender a vontade de Deus que está expressa na Torá Escrita.
A Lei Escrita contém uma grande quantidade de mitsvót que não são explicadas de
forma detalhada. É só por intermédio da Torá Oral que entendemos o que Deus
quer de nós, o que nos habilita a servi-Lo adequadamente.
Por ser a revelação da vontade de Deus, Malchut refere-se tanto à “boca” como à
Lei Oral.
Assim o Rav ensinou que a boca corresponde à Lei Oral.
Quem estuda Torá por amor a Deus e em honra de Deus retifica sua boca e merece
a proximidade da Shechiná de Deus [que corresponde a Sua boca].
Inversamente, quem estuda Torá com intenção de atingir objetivos pessoais de
honraria, riqueza, etc., faz a Presença Divina ser exilada [isto é, ocultada dele].
É enorme o poder da boca em nossa busca de espiritualidade.
Se os motivos forem puros, as palavras que dizemos podem ser usadas para criar a
ligação mais íntima com Deus.
Por outro lado, palavras proferidas com segundas intenções, faladas não por amor
a Deus, mas para nosso ganho pessoal ou em detrimento de outra pessoa, causam
o distanciamento da Presença Divina.
A razão disso é clara: pronunciar palavras que contrariam o propósito da criação
equivale a afastar Deus e rejeitar o jugo de Sua soberania.
Quando nos sentimos longe de Deus, isso evidencia que O afastamos por meio de
nossa fala.
Quando mandamos a Presença Divina para o exílio, nosso próprio exílio espiritual e
físico com certeza se seguirá.

A Traquéia e a Laringe: Constrição...


A sabedoria se exprime por meio da fala.
No entanto, nem todo pensamento pode ou deve ser proferido integralmente.
É necessário que a pessoa organize suas idéias antes de manifestá-las e decida se
as emitirá ou conterá.
Este princípio está representado na estrutura da traquéia e da laringe, que são
cavidades estreitas sustentadas por anéis cartilaginosos que impedem que elas
cedam devido à pressão da aspiração.
A traquéia, através da qual passa o ar, é denominada “canê” em hebraico.
A palavra hebraica canê tem também outros significados: pode ser traduzida como
“adquirir” ou “junco”.
Ela aparece em “cané [adquire] sabedoria” (Provérbios 4:5); e é empregada de
outra maneira em “Repreende a fera do canê [junco]” (Salmos 68:31).
Assim, canê, num sentido, representa a sabedoria simples que, quando adquirida,
leva à espiritualidade. Em outro sentido, as feras do junco representam as filosofias
estranhas que afastam da espiritualidade.
Pode-se usar a traquéia para adquirir sabedoria e proferir palavras de
espiritualidade, ou então para pecar por meio da exposição de “filosofias estranhas”
e ideais imorais.
A pessoa deve saber quando é apropriado exprimir seus pensamentos e usar a fala:
sempre que o objetivo for estudar Torá ou servir a Deus.

4
Ela deve saber também que precisa conter sua fala quando tiver o ímpeto de usar
linguagem inadequada ou discorrer sobre filosofias que não correspondam à
verdade de Deus.
O estudo do Talmud é associado à laringe
O Talmud, que contém as seis seções da Mishná, é análogo aos seis anéis
cartilaginosos da traquéia. (Na realidade, existem nove seções de cartilagem na
traquéia. Os “seis anéis” aos quais o Rav se refere aqui são os três pares de
cartilagem: aritenóides, corniculadas e cuneiformes.)
Este paralelo nos mostra como devemos usar a laringe: para estudar Torá e servir
a Deus.

........E Criação

Porque, com IH, IHVH formou mundos.


(Isaias 26:4).

Porque com as letras Yud e Hê do Tetragrama, IHVH formou mundos - este mundo
e o mundo vindouro.
Deus formou o mundo com as duas primeiras letras do Tetragrama (IHVH).
Com a diminuta letra Yud, que corresponde a Chochmá (sabedoria), Ele formou o
mundo vindouro. Com a letra Hê, que corresponde a Biná (entendimento), Ele
formou este mundo.
Yud e Chochmá representam o nível do pensamento puro, a alma da Torá que será
revelada no mundo vindouro.
Hê e Biná representam o nível da Torá que Deus usou para “falar” e assim dar
existência a este mundo.
O valor numérico da letra Hê (5) faz alusão às cinco famílias fonéticas do alfabeto
hebraico: gutural, labial, palatal, lingual e dental.
Quando articulamos nossos pensamentos de Torá, despertamos as próprias forças
da criação.

Continua

5
Anatomia da Alma – Parte 27

Ar Puro
Imagine como seria acordar de manhã e sentir o ar puro e fresco.
Se não houvesse a preocupante poluição, chuva ácida, monóxido de carbono, nem
a emissão de outras partículas e gases que contaminam o ar à nossa volta - apenas
ar puro e saudável para respirar com segurança e tranqüilidade.
É lastimável que o desenvolvimento tecnológico tenha tornado essa experiência
praticamente impossível.
Mesmo as comodidades mais básicas utilizam fontes de energia que sujam a
atmosfera. Poluentes são lançados por automóveis, fábricas, usinas de energia
convencional, e inúmeros outros aparatos tecnológicos da vida moderna.
Seria necessário viajar para longe dos centros metropolitanos para respirar um
pouco de ar puro, e nem mesmo aí o ar seria absolutamente limpo, porque a
poluição afeta até as regiões mais remotas.
É paradoxal que, em nome do progresso, quase tenhamos transformado o ar puro
numa categoria extinta como a ave dodô!
Todos estão muito inquietos com a poluição atmosférica.
Os ambientalistas exigem com urgência políticas que obriguem a indústria a limpar
o ar e os mananciais. Leis severas contra os poluentes estão sendo promulgadas no
âmbito federal, estadual e municipal.
Na esfera espiritual, porém, uma “legislação” que assegura a pureza do ar já está
em vigor há muito tempo.
Trataremos agora de saber se ela tem sido cumprida ou não, e como a poluição de
cunho espiritual pode ser retificada e até mesmo transformada em algo benéfico.

A respiração é a porta dos desejos mais íntimos da pessoa e afeta todos que a
cercam.
Bons sentimentos e desejos irradiam bons pensamentos.
Maus desejos influenciam os outros de maneira nociva.
Temos conhecimento de que, quando expiramos, expelimos o gás carbônico, um
produto residual.
No entanto, é importante compreender que, ao mesmo tempo, “exalamos” nossos
pensamentos e sentimentos mais íntimos.
Estes sentimentos que saem de nós permanecem no ar e podem ser carregados
para os outros. Nós também podemos ser receptores dessas “emoções
transportadas pelo ar”.
Dependendo da força que estiver por trás delas, às vezes até somos capazes de
“ler” os pensamentos da outra pessoa, porque já absorvemos seus sentimentos.
Isso pode ser verificado se observarmos a maneira pela qual as pessoas interagem
- como elas irradiam seus próprios sentimentos e reagem aos sentimentos dos
outros.
Num “dia bom”, as pessoas emitem calor.
Num “dia ruim”, elas podem ser hostis: “Cuidado: mau humor...”
Como o coração é a sede das emoções, os sentimentos que o indivíduo transmite
provêm dele.
A atividade incessante do coração desperta desejos, que se definem tomando a
forma de pensamentos.
Estes pensamentos são constantemente “exalados”, e, ao mesmo tempo, idéias e
emoções alheias são “inaladas”, do mesmo modo que o coração recebe oxigênio
dos pulmões e através deles expele gás carbônico.
Assim, além de ondas sonoras e de rádio, de bactérias e outras partículas, o ar
“carrega” pensamentos.
Do ponto de vista espiritual, a “pureza” da atmosfera resulta dos desejos e
emoções das pessoas que estão nas redondezas.
Em locais onde elas buscam o bem, todos podem respirar ar fresco e puro.

1
Criação de Almas

“Nafshi” [minha alma] saiu de mim quando Ele falou.


(Cântico dos Cânticos 5:6)

A palavra hebraica néfesh se traduz como “alma” ou como “desejo”.


Vimos que Néfesh é a parte da alma que tem ligação com o corpo.
Através de Néfesh, a alma pode tomar conhecimento do corpo físico como um
receptáculo para a espiritualidade.
O Rav discute a relação etimológica entre os conceitos de “desejo” e “alma”, que
está presente no termo néfesh, e mostra como os desejos podem de fato criar
almas.
Este fenômeno decorre fundamentalmente da idéia apresentada acima: que a
pessoa “exala” os desejos de seu coração.
O importante, assinala o Rav, é como os desejos são expressos.
Em “Minha alma [nafshi] saiu de mim quando Ele falou”, “nafshi” denota “meu
desejo”, e “falou” refere-se à articulação desses desejos.
A maneira pela qual o indivíduo exprime seus desejos mais íntimos - sejam eles
espirituais ou materiais - determina as conseqüências desses desejos.
O verdadeiro objetivo da pessoa, que sempre é uma forma de criação nova, é
equivalente à “criação de novas almas”.
Como o Rav chega a esse paralelo?
O Rav explica que o fato de os desejos e pensamentos serem “carregados” pelo ar,
criando almas, pode ser um potente catalisador do bem ou uma força negativa
fatal.
Ele relaciona esse conceito com a estrutura lingüística do idioma hebraico, que é
denominado “Lashon hacódesh”, a “língua sagrada”. Diferentemente de muitos
alfabetos, que têm vogais e consoantes, o alfabeto hebraico só possui consoantes.
Como a matéria inanimada, essas consoantes não são capazes de “mover-se”, ou
seja, não podem orientar o leitor quanto à maneira de pronunciar as palavras que
elas compõem.
Assim, elas são análogas ao corpo, que precisa que a alma guie seus movimentos.
A articulação correta só pode ser conhecida com a ajuda das vogais diacríticas, os
pontos e traços que constituem as “almas” das letras.
Elas determinam não só a pronúncia dos vocábulos, mas também seus significados
e usos.
Considere, por exemplo, as letras de “a y i, i-sh-v”.
Dependendo da disposição das vogais, elas podem formar as palavras “iashav”,
“ioshevou” “ieshev”, três tempos diferentes do verbo “sentar”, ou ainda “iashuv”,
“iashiv”, “iashov” e “iushav”, várias formas de “retornar”.

...........colares de ouro com “necudot hakessef” [pontos de prata].


(Cântico dos Cânticos 1:11)

O corpo não tem vida sem a alma.


Do mesmo modo, as letras hebraicas não têm vida sem as vogais.
Para dar “vida” à língua hebraica, é necessário criar as vogais diacríticas.
Isso é feito por meio das “necudot hakessef”.
“Necudot” traduz como pontos (ou vogais), enquanto “kessef” vem da raiz
“lichsof”, “desejar” ou “ansiar”.
É o desejo que cria os pontos, as vogais diacríticas, que são a alma das letras e as
tornam vivas.
De acordo com o que a pessoa quiser que as letras digam, ela escolherá as vogais
que criarão essas palavras.
De igual maneira, ensina o Rav, a respiração, que porta os desejos do indivíduo,
gera uma força vital que tem o poder de elevá-lo ou de exauri-lo espiritualmente.

2
Conforme explicamos, essa mesma respiração viaja para os outros e os influencia
também.
Uma visita ao Muro das Lamentações, em Jerusalém, por exemplo, pode despertar
idéias de Divindade até naqueles que não têm nenhuma base espiritual.
De algum modo, quando estão nesse local, as pessoas sentem-se estimuladas a
clamar a Deus ou a emitir um pensamento, mesmo que simples, para comunicar-se
com seu Criador.
As próprias pedras estão impregnadas das lágrimas, preces e devoções de milhões
de pessoas que passaram por lá através dos séculos.
Em contraposição, quando o indivíduo se encontra num ambiente imoral, é muito
difícil não se deixar corromper pelas circunstâncias.
O Rav ensinou que quando deseja o bem, a pessoa cria um sentimento bom que
pode ser compartilhado e expresso de muitas maneiras, para bons propósitos.
Maus desejos produzem o efeito contrário.
A pessoa deve articular seus bons desejos para aumentar suas influências.
O Rav observou que, muitas vezes, nossos desejos não são satisfeitos.
Este fato é espantoso, porque a generosidade de Deus desce constantemente para
o mundo.
Ele explica que as pessoas têm desejos não realizados porque não possuem os
“recipientes” necessários para receber a generosidade. Se nos concentrarmos
intensamente em nossos desejos mais profundos e os colocarmos “para fora”, por
meio da fala articulada, poderemos criar os recipientes indispensáveis para o
recebimento de bênçãos.
O que pode ser feito quando o indivíduo tenta criar os recipientes apropriados,
porém, ainda assim, não vê seus “sonhos” se tornarem realidade?
O Rav ensinou que quando realmente deseja alguma coisa [de valor espiritual],
mas não consegue obtê-la, o indivíduo nunca deve conformar-se com o fato de ela
parecer inalcançável. Ele deve desejar e ansiar sem cessar, até que mereça
satisfazer seus desejos e atingir seu objetivo.
A articulação dos desejos torna os objetivos da pessoa mais próximos da realidade.
Assim como o indivíduo pode ser despertado e estimulado espiritualmente
observando as devoções dos outros, ele também pode inspirar-se com seus
próprios gritos e desejos de servir a Deus.
O Rav acrescenta: “O desejo de viajar para encontrar o tsadic cria um recipiente
para o recebimento de bênçãos.”

Poluição Atmosférica
Os pensamentos (que se formam na esfera de Dáat, que também corresponde aos
pulmões) são manifestações da vontade, que está baseada em Kéter.
Quando a pessoa está imbuída de bons desejos, isto é um sinal de que sua
vontade, que é um reflexo de Kéter, está em sintonia com a espiritualidade.

Acabamos de ver que bons pensamentos e desejos purificam o ar do ambiente


espiritual, enquanto maus pensamentos e desejos contaminam a atmosfera. O Rav
ensinou que “o estudo da Torá, que é uma manifestação dos bons desejos da
pessoa, pode beneficiar o mundo”.
Inversamente, como assinalamos, maus desejos putrefazem o ar.
A zombaria, a linguagem profana e a difamação são consideradas formas
desvirtuadas de fala que putrefazem o ambiente.
Muitos exemplos óbvios de fala desvirtuada são vistos na mídia, que se mantém às
custas do sensacionalismo, amplificando os males da sociedade sob o rótulo de
“reportagens objetivas”.
Isso não significa que todas as notícias sejam deturpadas, mas que é necessário
muito discernimento para separar o “ouro” da “escória”.
Neste ínterim, os meios de comunicação de massa seguem exercendo uma forte
influência sobre o modo de pensar e sentir das pessoas, levando-as de um assunto

3
“digno de nota” para outro, envolvendo-as numa discussão acalorada depois da
outra, tudo em nome da “liberdade de expressão”.

Do ponto de vista espiritual, a mídia desvia a atenção da sociedade daquilo que é


realmente importante e polui o ar com palavras e mais palavras que obscurecem a
verdade e impedem que as pessoas compreendam o drama Divino que se desenrola
diante de seus próprios olhos.
Esta modalidade perigosa de poluição atmosférica deveria ser erradicada.
E se você não for capaz de pensar as palavras certas ou nem mesmo de proferir
uma breve oração?
É possível que você tenha um desejo intenso de espiritualidade, mas não consiga
articulá-lo.
Para situações como essa, o Rav Natan oferece o seguinte conselho:
“O desejo é tão potente que, ainda que você não consiga pronunciar uma só
palavra, ainda que você se veja impedido de expressar-se por meio de qualquer
forma de linguagem, seu desejo, em si mesmo, continua sendo uma arma
extremamente eficaz. Mesmo que você não consiga dizer o que há em sua mente,
ninguém jamais poderá tirar-lhe o desejo do bem.”

Continua

4
Anatomia da Alma – Parte 28

O Pescoço: Exílio e Êxodo


O ar que entra pelo nariz ou pela boca é conduzido à faringe, que se estende até a
traquéia, e depois passa através dos bronquíolos para chegar aos pulmões.
Assim, é evidente que o pescoço e a garganta desempenham um papel
fundamental no sistema respiratório.
Além disso, como a região da garganta contém as pregas vocais e, portanto, a
faculdade da fala, ela tem muita influência na esfera espiritual.
Para que um pensamento se realize, a pessoa deve exprimi-lo.
Toda ação segue um processo de três etapas: pensamento, fala e ato efetivo.
Os pensamentos se originam na mente, são articulados pela fala e então são
concretizados.
O Zôhar ensina que “todos os pensamentos são expressos”.
Assim, mesmo se o indivíduo não tiver consciência desse processo, seus
pensamentos são manifestados, muitas vezes de maneiras sutis.
Portanto, ele deve vigiar com muito cuidado seus pensamentos, pois eles acabarão
se transformando em palavras faladas.
Os pensamentos são contraídos e comprimidos na fala.
A fala sai pela “passagem estreita da garganta” e por fim se expressa em atos.
A incapacidade de realizar bons desejos se deve, com freqüência, à “fala
incompleta”.
A pessoa deve, portanto, enunciar claramente seus desejos e expressá-los diante
de Deus.
Então seus pensamentos sairão do aperto, da “estreiteza do pescoço”,
e se tornarão completos ao serem proferidos.
A fala completa e perfeita habilitará a pessoa a satisfazer seus desejos e atingir
seus objetivos.
Em hebraico, o pescoço é denominado “metsar hagaron”, a “passagem estreita da
garganta”. Este termo faz alusão ao conceito de “tsimtsum”, “contração” -
especificamente, a contração que deve ocorrer antes que o pensamento e a fala
possam manifestar-se.
Este tsimtsum precedido por um tsimtsum anterior, que acontece entre o
pensamento e sua expressão verbal, já que o pensamento tem de ser canalizado
através da fala.
As palavras devem então passar pela garganta, antes de se tornarem efetivas.
A articulação das idéias, sua expressão em palavras, cristaliza os pensamentos,
aproximando a sua realização.

Descida ao Egito
A Torá relata que Abrahão viajou da Mesopotâmia a Canaã.
Logo depois de sua chegada, iniciou-se uma época de fome, e ele continuou
avançando para o sul, em direção ao Egito.
Quando se aproximava do Egito, ele decidiu esconder sua mulher, Sara, num
grande baú.
Porém, os guardas de fronteira egípcios a descobriram, e ficaram fascinados com
sua beleza, que superava a de todas as mulheres que já tinham visto.
Decidiram levá-la para dar prazer ao faraó.
Percebendo o perigo que isso representava para sua própria vida, Abrahão lhes
disse que Sara era sua irmã.
Naquela noite, o faraó tentou aproximar-se de Sara, mas foi impedido por uma
força sobrenatural. Sempre que se acercava dela, ele recebia um golpe violento.
Entendendo a gravidade da situação, o faraó chamou Abrahão de manhã.
“Como você pôde fazer isso comigo?”, queixou-se. “Por que não me disse que ela é
sua mulher? Por que falou que ela era sua irmã, permitindo que eu pensasse que
podia tomá-la para mim por mulher?”

1
O faraó então devolveu Sara a Abrahão e os mandou embora carregados de
presentes (Gênesis, capítulo 12).
O Rav extrai desse texto uma lição que se aplica aos hebreus de todas as gerações.
Abrahão representa o indivíduo que busca santidade.
Aonde quer que ele vá, ele procura a Divindade.
Por conseqüência, é atraído para a terra de Canaã, que tem um imenso potencial
para a revelação da Divindade.
Sua “esposa” e companheira é a faculdade da fala, representada por Sara, cujo
nome se deriva do hebraico “sar” (“ministro” ou “governante”) e se relaciona,
portanto, com o conceito de Malchut “pê” (a realeza inerente à boca).
No entanto, quando se inicia um período de “fome”, indício de uma lassidão em sua
espiritualidade, “Abrahão” desce ao “Egito”.
O Egito, Mitsraim em hebraico, simboliza a região do pescoço e da garganta, como
sugere a expressão “metsar hagaron”.
No Egito, a qualidade da fala refinada fora exilada.
A palavra “faraó”, um termo genérico usado para designar todos os governantes
egípcios, tem as mesmas letras de “oref”, a nuca, e também de “pê rá”, a “má
fala”.
O principal aspecto do exílio no Egito foi o aprisionamento do poder da fala pelo
faraó e sua nação. (De certo modo, o faraó pode ser considerado o “magnata da
mídia” da Antigüidade, pois interceptava a livre expressão e a escravizava a sua
ideologia)
Há ocasiões em que a pessoa deseja dizer palavras de espiritualidade -
representadas por Sara - porém suas palavras são interceptadas de alguma
maneira e não podem manifestar-se numa fala virtuosa.
Elas são “transmitidas” ao faraó por seus oficiais, e o faraó, ao ver a beleza do
potencial contido na fala, toma “Sara” para si.
Seus oficiais e ministros representam as “klipot” (forças do mal) que tentam
aprisionar a fala sagrada.
Quando alguém lamenta o fato de, equivocadamente, ter-se envolvido demais no
mundo material e procura arrepender-se, o “faraó” (desejo materialista), que
julgava ter assumido o controle da espiritualidade, fica aflito.
Além de ter de devolver “Sara” (a fala sagrada) a “Abrahão” (o que busca a
espiritualidade), ele também deve dar-lhe “presentes”, isto é, centelhas adicionais
de santidade que ele e seus oficiais haviam pilhado em conseqüência do mau uso
que fazemos do poder da fala.
Assim, se os desejos e a fala da pessoa forem bem intencionados, mesmo se tiver
sido capturada pelo “faraó e seus conselheiros”, ela pode elevar sua fala a um nível
de santidade.
A busca de espiritualidade se torna então um verdadeiro processo de purificação,
que limpa a alma e traz mérito e pureza até para outros que tenham sido
aprisionados e exilados.
É por isso que Pêssach - a festa que comemora a saída da estreiteza do Egito - é
chamado na Cabalá de “pê sach”, “a boca que fala”, uma alusão à “liberdade de
expressão”.
A fala pura conduz à liberdade; a fala desvirtuada corresponde ao exílio.
Se retificarmos nossa fala, mereceremos o “Êxodo” e nos tornaremos um povo
livre, uma criação elevada.
Isso mostra o enorme valor e poder da fala.
Evidentemente, o conceito de “liberdade de expressão” pode ser enganador.
Não precisamos procurar muito longe para ver os estragos provocados em nome
desse princípio.
Essas três palavras destroem a sociedade em seus fundamentos, permitindo que
qualquer um diga qualquer coisa, sem levar em consideração quem possa ser
prejudicado, ofendido ou afetado de alguma outra maneira adversa.
O Talmud propõe uma definição diferente para “liberdade de expressão”.

2
Livre expressão é a fala que não insulta, não gera mal-estar nem desperta paixões
negativas.
Assim aprendemos: “O Rav Yossi disse: “Jamais falei de um modo que me
obrigasse a desculpar-me depois.”
O Rashi oferece duas explicações para as palavras do Rabi Yossi (na palavra
vechazarti): “Nunca tive de verificar quem está perto de mim” (porque ele jamais
falou mal dos outros), ou “Nunca tive motivo para negar ter dito alguma coisa”.
Isto é livre expressão, da qual o indivíduo jamais precisa envergonhar-se.
Nossos Sábios afirmam: “Com cada respiração, deve-se louvar a Deus.”
O Rav comenta: “Com cada respiração, com cada palavra proferida, pode-se
invocar a glória de Deus.”
Falar de modo apropriado, mesmo quando se trata de assuntos mundanos - e
evitar a fala desvirtuada - aproxima o homem sempre mais de Deus.
Este é o significado de “livre expressão”: palavras que a pessoa pode dizer onde
quer que esteja e em qualquer situação em que se encontre.
São palavras que nos tornam merecedores do “Êxodo”. Por meio delas, nós nos
tornamos homens livres.

Continua

3
Anatomia da Alma – Parte 29

Som Terapêutico
Nem tudo que expressamos com a boca merece ser chamado de “fala”.
O Rav Nachman afirma que apenas as palavras que são aceitas são consideradas
como fala.
Isso pode ser deduzido do seguinte versículo (Salmos 19:4): “Não se considera
nem linguagem nem palavras, quando [o que é dito] não é ouvido.”
Quando as nossas palavras contêm o “bem”, as pessoas as aceitam, porque
tendem naturalmente a buscar o bem.
Palavras que não portam nenhum bem em geral são rejeitadas.
Para saber o que é bom, necessitamos de Dáat.
Só quando incorporarmos Daat à nossa fala as nossas palavras serão aceitas
O Rav exalta aqui a importância da boa fala.
“Bom” é um conceito relativo.
Analisando-se a vida em todos os aspectos, verifica-se que há inúmeros níveis de
“bom”. O mal pode disfarçar-se de bem, o que explica por que muitas mentiras são
aceitas junto com a fala verdadeira e boa; e todos admitiriam que a difamação e
outras formas de fala desvirtuada não são “boas”.
Esses tipos de fala têm um efeito muito prejudicial sobre a pessoa que os profere -
além do dano que causam ao ouvinte e ao sujeito que é difamado.
Porém, precisamos definir agora o “bem” que deve ser incorporado à fala.
Quando diz que é necessário “incorporar Daat à fala”, o Rav se refere ao
conhecimento e ao reconhecimento de Deus.
Pode-se chegar ao reconhecimento de Deus de diversas maneiras, mesmo em
assuntos mundanos.
É possível reconhecê-Lo por meio da alegria, da reverência, da oração, do amor ou
qualquer outra das muitas emoções - ou mesmo frustrações - que a pessoa
experimenta.
É necessário estimular ativamente o intelecto para reconhecer Deus.
Munidos do conhecimento de Deus, incorporaremos Dáat de forma automática a
nossas palavras quando falarmos.

Voz
A voz também tem um grande poder, como ensinou o Rav Nachman: A voz de
quem reza com vigor e concentração profunda é comparada ao trovão.
Este “trovão” desperta o temor ao Céu no coração da pessoa.
Com temor ao Céu, sua voz também pode estimular os outros a servir a Deus.
Quando uma pessoa aprende um ensinamento da Torá e cita o nome do tsadic que
o revelou pela primeira vez, este tsadic, apesar de estar no Gan Éden [paraíso],
ouve a sua voz.
Quando alguém alcança a pureza, então Deus o ajudará, mesmo sem fala [ou seja,
mesmo que ele só clame a Deus com gritos e suspiros, sem exprimir em palavras
as suas súplicas].

O Rav Nachman também ensinou que o estudo da Torá com amor e reverência a
Deus corresponde às primeiras duas letras do Tetragrama, Yud e Hê.
O amor e a reverência estão contidos em Chochmá e Biná, que são associadas às
letras Yud e He. O ato de extrair as palavras de dentro de si é comparado à letra
Vav e, que tem forma semelhante à de um “tubo” ou conduto.
O ar expelido com as palavras corresponde ao Hê final do Tetragrama.
Assim, o estudo da Torá em voz alta representa o Tetragrama completo.

Canto
O canto, em alguns aspectos, é uma forma mais potente de exprimir pensamentos
profundos do que a fala. Assim, os diferentes tipos de música refletem todos os

1
estados emocionais que existem, com ritmos alegres, melodias serenas ou canções
melancólicas.
Nessa qualidade, o canto pode desempenhar um papel importante em nosso bem-
estar emocional e físico, dando expressão aos nossos sentimentos mais íntimos.
O Rav ensinou que tem dez tipos de canto e os dez Salmos revelados pelo Rav:
Há dez tipos de canto. Estes dez tipos de canto dão vitalidade às dez modalidades
de pulso. Quando a alegria [expressa através do canto e Salmos] é desvirtuada, o
pulso é afetado de forma negativa.
Assim, a doença pode resultar da tristeza e da melancolia.
No Shabat, o Rav encorajava seus discípulos a cantar muitas “zemirot” (canções
tradicionalmente entoadas à mesa do Shabat).
O próprio Rav alguns anos antes de sua morte, cantava as zemirot.
O Rav ensinou:
O canto suaviza os decretos.
Por meio do canto e da alegria, a pessoa pode proteger e preservar a memória, e
passará a ter em mente o mundo vindouro.
Cada tipo de sabedoria tem seu próprio canto e sua própria melodia.
A sabedoria da Torá possui melodias próprias, assim como as sabedorias heréticas.
Há um canto especial que corresponde à fé.
Ele falava freqüentemente do poder que a música tem de motivar a pessoa para o
serviço Divino.
É bom criar o hábito de inspirar-se com melodias.
Conceitos grandiosos estão contidos em toda melodia sagrada, e eles são capazes
de despertar seu coração e aproximá-lo de Deus.
Mesmo que não cante bem, você pode inspirar-se entoando uma melodia da melhor
maneira possível quando estiver sozinho.
O grau de elevação da melodia é incomensurável.

Terapia da Fala
Muitas pessoas têm a fala defeituosa.
Alguns defeitos mal podem ser notados, enquanto outros, infelizmente, são muito
acentuados.
Até Moisés, o maior tsadic de todos os tempos, tinha dificuldade para falar.
Assim como há tratamentos que corrigem os distúrbios físicos associados à
linguagem, uma abordagem terapêutica apropriada pode eliminar os bloqueios
espirituais presentes na fala, porque, com certeza, essas deficiências existem no
plano espiritual.
Seguem abaixo várias sugestões do Rav para a superação dos impedimentos
espirituais para a “livre expressão” .
A razão pela qual os pedidos da pessoa nem sempre são atendidos é a falta de
eloqüência em suas palavras. Por isso, essas palavras não penetram no coração
daquele a quem os pedidos são dirigidos.
A Torá é chamada de “gazela graciosa” (Provérbios 5:19), porque sua eloqüência
confere graça e encanto àqueles que a estudam com diligência.
A concentração no estudo da Torá desenvolve o intelecto e dá eloqüência à
faculdade dê expressão da pessoa.
Então os seus pedidos, sejam eles orações e súplicas a Deus ou solicitações a
amigos e parentes, serão acolhidos.
Por esta razão, a pessoa deve acostumar-se a pronunciar as palavras da Torá.
Lê-las silenciosamente não é suficiente.
Há ocasiões em que a pessoa deseja rezar, mas encontra sua mente obscurecida
por pensamentos estranhos e sombrios.
Para “ver” a saída da escuridão, ela deve exprimir suas palavras de oração com
absoluta sinceridade e verdade.
A existência de Deus é real, e Ele é a maior luz por meio da qual se pode ver o
caminho para atravessar a escuridão.

2
Quanto mais a pessoa diz verdade, mais ela se aproxima da verdade absoluta.
Assim, dizer a verdade leva a um estado de fala retificada.
A caridade retifica a fala.
A caridade eleva o indivíduo à verdadeira condição de ser humano.
A diferença mais importante entre o homem e o animal reside na faculdade da fala.
Os animais também têm uma “linguagem”, composta de seus sons peculiares, mas
a enunciação de palavras, a pronunciação de letras de forma correta e coerente, é
uma exclusividade da espécie humana.
Nossos Sábios ensinam: “„Que prometeste com a tua boca” (Deuteronômio 23:24) -
isto se refere à caridade.
Assim, a caridade retifica a boca e, através dela, a faculdade da fala - que é o
atributo que define a condição de ser humano.
A prática da caridade cria uma atmosfera tranqüila.
O ato de ajudar e ser ajudado gera sentimentos de proximidade entre as pessoas.
Essa tranqüilidade melhora a faculdade da fala, pois faz as ondas sonoras se
deslocarem com mais eficiência e percorrer distâncias mais longas.
Por meio da caridade, aquele que aperfeiçoou sua própria fala pode atingir um
círculo mais amplo de pessoas e estimulá-las a servir a Deus.

Lashon Hacodesh: A Língua Sagrada


O idioma hebraico costuma ser chamado de “língua sagrada”.
Como “lashon” significa “idioma” e “língua”, pode-se deduzir dessa expressão que a
pessoa deve preservar a santidade de sua língua.
Quando o Rav Nachman menciona a língua sagrada em suas lições, fica claro que
ele se refere ao uso da fala para propósitos santificados, como quando se
pronunciam palavras de Torá, de oração, ou que demonstrem gentileza,
encorajamento e compaixão.
Por outro lado, deve-se evitar a blasfêmia, a difamação, a zombaria e outras
formas de fala negativa, que representam o oposto da santidade e não deixam
espaço para ela.
Embora seja necessário empregar uma linguagem mundana na vida cotidiana, tudo
que é mundano pode ser feito com a intenção de promover a espiritualidade.
Essa atitude melhora a fala e a eleva a um nível de santidade.
Graus extraordinários de pureza podem ser alcançados por meio do cultivo de uma
“língua sagrada”, como ensina o Rav: O valor de uma “língua sagrada” é de fato
muito grande. Ela constitui a essência da linguagem usada por Deus na criação do
mundo. Portanto, todos deveriam esforçar-se para obter uma língua sagrada.
Conforme o grau de santidade da língua que atinge, a pessoa é capaz de despertar
o poder específico que Deus usou para criar o mundo.
O Rav Nachman ensinou que o exílio do povo hebreu é um reflexo da fala
desvirtuada: As 70 almas originais da nação hebraica (Gênesis, capítulo 46) estão
enraizadas nas 70 facetas da Torá. Por outro lado, as 70 línguas são a fonte das 70
nações do mundo, que estão mergulhadas nos 70 traços de caráter negativos.
Essas 70 línguas estão muito distantes das 70 facetas da Torá.
Cair no traço de caráter negativo específico de uma das 70 línguas é equivalente a
cair no exílio sob o jugo da nação que está enraizada nessa língua.
O Rav Nachman oferece o seguinte antídoto para quem caiu na fala desvirtuada:
Em hebraico, o nome Chavá [Eva] pode referir-se à fala, como em “Uma noite à
outra iechavê (exprimirá] Daat” (Salmos 19:3). Portanto, Eva, que foi criada por
Deus por meio da língua sagrada, representa a fala pura. Como Eva é “a mãe de
todo ser vivente” (Gênesis 3:20), deduzimos que a fala da pessoa a acompanha em
todo lugar durante a sua vida, exatamente como uma mãe acompanha o filho
pequeno até nos locais mais sujos.
Por conseguinte, se o indivíduo se esforçar para obter pureza na fala, mesmo que
ele desça aos níveis mais baixos, sua fala sagrada [isto é, Eva] o acompanhará e o
lembrará constantemente da presença de Deus.

3
O Mashíach
Todos anseiam pelos dias que se seguirão à vinda do Mashíach.
Será uma época de pura felicidade e alegria, boa saúde, prosperidade,
contentamento e consciência ampliada da espiritualidade.
Um Shabat perpétuo, uma era de paz e diálogo profícuo entre marido e mulher,
entre vizinhos, entre o homem e sua comunidade, enfim, entre todas as pessoas -
na realidade, entre o ser humano e toda a criação.
O Rav ensina que é possível experimentar uma amostra desse futuro grandioso
mesmo em nossos dias, pois cada um de nós tem um pouco do Mashíach dentro de
si!
“O Mashíach é um aspecto da fala, como em „messiach ilmim‟ [Deus faz os mudos
falar].”
Na era do Mashíach, as pessoas serão capazes de exprimir seus pensamentos
livremente, sem causar dor aos outros, pois todos se empenharão na busca da paz
e da espiritualidade.
O diálogo profícuo que ocorrerá então será a expressão do anseio por verdade de
cada indivíduo, do desejo sincero de poder “ver” e “sentir” a Divindade.
O meio para alcançar este nível de fala se encontra na Torá, a manifestação da
sabedoria de Deus.
Assim, o Rav ensina:
“O espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gênesis 1:2) - isto se refere ao
espírito do Mashíach conforme Zôhar; “águas” refere-se à Torá.
O versículo nos diz que o espírito do Mashíach pode ser encontrado na Torá.
Quem estuda Torá em voz alta, e principalmente quem emite idéias originais de
Torá, faz o espírito do Mashíach repousar sobre ele.
Quando o Mashíach vier, a reunião dos exilados será concluída.
Todos os hebreus que ainda não tiverem seguido para a Terra de Israel até então
se ajuntarão, provenientes de todos os cantos do globo, e se dirigirão para a Terra
Santa, onde ocorrerá a mais prodigiosa revelação da Divindade.
Mesmo nos dias de hoje, é possível “experimentar” a espiritualidade da Terra.

A Terra Santa
A fala é um aspecto de Malchut, a mais baixa das sefirot, que corresponde à terra
[em oposição aos céus, que correspondem ao pensamento].
Quando a pessoa pratica a fala sagrada, sua fala é associada à Terra Santa; a fala
sobre assuntos mundanos é associada às outras terras.
É claro que mesmo os justos às vezes têm de envolver-se em conversas
mundanas; no entanto, quando o tsadic fala de coisas mundanas, sua intenção é
elevar aqueles que residem em “outras terras” à condição da Terra Santa.
Pelo mesmo motivo, falar com santidade tem o poder de trazer a espiritualidade da
Terra Santa àquele que fala.
Além disso, quando o Mashíach vier, ele proclamará abertamente o domínio
absoluto de Deus.
As pessoas então rejeitarão suas diversas formas de idolatria e buscarão apenas a
Divindade.
A respeito da época do Mashíach:
“Quando a fala for purificada, ela se tornará a fala da fé. Esta fala espalhará a fé
entre as nações.”
Assim, toda pessoa, na medida em que deseje trazer o Mashíach, deve expressar
constantemente sua fé em Deus. É esta declaração de fé que traz à tona o aspecto
do Mashíach que existe dentro de cada um de nós.
“A fé depende da boca. Para fortalecer a fé, a pessoa deve proferir continuamente
palavras de fé, inúmeras vezes.”
Vimos que “Malchut é a boca”. Assim, a emissão de palavras de fé, que é
equivalente à aceitação da Malchut de Deus, tem o poder de aperfeiçoar a língua.
Palavras de fé podem levar todas as pessoas a se comunicarem por meio de uma
“linguagem” comum - a do serviço a Deus.

4
O Rav ensinou que atualmente, a fala do homem é imperfeita.
Quando toda a humanidade se voltar para Deus, a fala será aperfeiçoada, como
consta: “Farei então com que os povos voltem a conhecer uma língua pura, com a
qual todos possam invocar o Nome de Deus, para servi-Lo com seus sentimentos
unidos.”

Continua

5
Anatomia da Alma – Parte 30

O Sistema Nervoso Periférico – Parte 1

Introdução
Em qualquer exército, a eficiência de um comandante é medida por sua habilidade
na direção dos oficiais que lhe são subordinados e pelo desempenho de suas tropas
no campo de batalha.
De modo semelhante, no corpo humano, a competência do cérebro (comandante
superior) e do coração (comandante supremo) só pode ser avaliada segundo a
atuação de seus "oficiais" e de suas "tropas".
Os "oficiais" são os cinco sentidos — visão, audição, olfato, paladar e tato — que
fazem parte do sistema nervoso periférico.
As "tropas" são os demais sistemas do corpo.
É significativo o fato de quatro de nossos órgãos sensoriais — olho, orelha, nariz e
boca — estarem localizados na cabeça e na face.
O Rei Salomão ensinou (Eclesiastes 2:14):
"Os olhos do sábio estão em sua cabeça, mas o tolo caminha na escuridão."
O Talmud indaga: "Porventura os olhos do tolo estão em seus pés? Na verdade,
isso significa que, mesmo enquanto ainda se encontra no processo de planejar suas
ações, o sábio já está com o pensamento à frente, no resultado final."
Os órgãos sensoriais não foram colocados na cabeça por acaso.
A cabeça representa o projeto intencional e o ato determinado, o conceito de "ação
final" que é concebida "primeiro no pensamento" (oração Lechá Dodi).
Como os órgãos sensoriais são essenciais na definição das ações que são exigidas
nas diferentes situações, é conveniente que eles estejam localizados na cabeça,
onde ocorrem as atividades de planejamento e pensamento.
E, é claro, dado que o mundo vindouro é a meta suprema que deve sempre ocupar
o nosso pensamento e guiar as nossas ações, para que os olhos, orelhas, nariz e
boca desempenhem seu papel de oficiais do intelecto de forma eficaz e fidedigna,
eles nos devem orientar e conduzir a esse objetivo final.

Começaremos estes textos com uma breve exposição das características fisiológicas
dos quatro sentidos que estão baseados na cabeça e na face.
Uma análise das qualidades espirituais destes sentidos será apresentada nos textos
subseqüentes.
O sentido do tato, apesar de também funcionar na cabeça, está mais associado a
outras partes do corpo e será examinado nos textos que tratarão do "O Sistema
Locomotor".

A Cabeça, a Face e a Testa


O cérebro está situado na caixa craniana, logo atrás da testa.
Para quem possui uma visão espiritual penetrante, a testa é uma janela para a
alma. O Ari era capaz de ver as encarnações anteriores da pessoa gravadas em sua
testa.
O Zõhar, quando trata da fisiognomonia (a ciência da face), dedica uma seção
extensa ao “metsach” (“testa”).
Os traços de caráter, pensamentos e ações da pessoa estão delineados no
tamanho, forma, cor da pele, tipo, número de rugas e outras características de sua
testa.
Mesmo um olho não treinado pode ver que a testa revela o estado de espírito do
indivíduo.
Tente observar com atenção a testa das pessoas com as quais você está em
contato. Você logo aprenderá a discernir muito mais a respeito delas do que aquilo
que suas palavras transmitem.
O estado mental do indivíduo também pode ser facilmente detectado em seu
semblante: a alegria brilha na face, assim como a clareza de pensamento; um

1
estado de espírito melancólico se reflete numa "fisionomia sombria", que é logo
reconhecida pelos outros.
Assim, tanto a testa como a face espelham pensamentos.

Os Órgãos Sensoriais
O globo ocular é revestido por tecidos protetores denominados “esclera” (o „branco
do olho”) e córnea. Ao redor da esclera se encontram os músculos extraoculares,
que coordenam o movimento dos dois olhos, fazendo-os funcionar juntos e
convergir.
Embora em geral não sejam visíveis, os músculos extraoculares são vermelhos.
A pupila é o orifício circular negro no meio do olho através do qual passa a luz.
A íris, a membrana colorida que circunda a pupila, é composta de tecido muscular e
regula a quantidade de luz que penetra no olho.
Como uma câmara fotográfica de lentes ajustáveis, os músculos da íris dilatam ou
contraem a pupila, dependendo da incidência de luz e do foco.
A orelha é composta de três partes (externa, média e interna), pelas quais as
ondas sonoras são captadas e transmitidas ao cérebro através do nervo auditivo.
As ondas sonoras entram pela orelha externa e são amplificadas na orelha média.
Em seguida, passam para a orelha interna, onde receptores sensoriais as
convertem em impulsos nervosos.
Há cavidades cheias de ar na orelha média que ajudam a regular a pressão no
órgão.
A pressão do ar é mantida pelo ar que vem de fora da orelha e pela tuba auditiva,
que liga a orelha média à garganta.
Fluidos existentes na orelha interna contribuem para a manutenção do equilíbrio
corporal.
O nariz é o órgão do olfato e também parte integrante da atividade respiratória.
Ele possui células sensoriais que transmitem os odores ao cérebro através do nervo
olfativo.
A respiração e suas implicações espirituais foram apresentadas em textos
anteriores.
Nestes textos, trataremos principalmente da faculdade do nariz de distinguir odores
variados.
A língua é o principal órgão do sentido do paladar, embora outras partes da boca
também atuem na gustação.
Existem quatro categorias básicas de sabor - doce, amargo, salgado e azedo - que
são detectadas por cerca de dez mil papilas gustativas na superfície da língua.
Vários nervos estão envolvidos na transmissão dos sabores ao cérebro.
O processo se inicia quando começamos a mastigar e as pupilas gustativas acionam
as glândulas salivares.
Assim, diversas partes do corpo são postas em ação para produzir a experiência de
saborear os alimentos.
Os receptores táteis estão presentes no corpo inteiro.
Apesar de geralmente associarmos o tato às mãos e aos pés, há receptores táteis
que respondem ao toque, pressão, dor, temperatura e vibração em toda a extensão
da pele e nos pêlos.
O sentido do tato será discutido brevemente nestes textos, como parte dos cinco
sentidos, mas o "poder do toque" será explicado nos textos que tratarão do "O
Sistema Locomotor".

Continua

2
Anatomia da Alma – Parte 31

O Sistema Nervoso Periférico – Parte 2

A Menorá de Sete Lâmpadas


Quando tu [Aarão] acenderes a menorá, suas sete lâmpadas deverão brilhar em
direção ao centro [literalmente, face] da menorá.
Números 8:2

O Zôhar compara a cabeça do ser humano à menorá (candelabro) do Santuário.


A menorá tinha sete lâmpadas nas quais se colocava óleo.
O óleo que era usado na menorá corresponde aos “mochin” (faculdades
intelectuais), enquanto as sete lâmpadas representam os sete orifícios da cabeça:
dois olhos, duas orelhas, duas narinas e a boca.
O Rebe Nachman ensinou que as sete "lâmpadas" (orifícios) da cabeça só podem
irradiar luz Divina se forem santificadas.
Esta santificação pode ser obtida se as diretrizes abaixo forem seguidas:
- Os olhos: Evite olhar para o mal e para a tentação; fique atento para "ver" o bem
em tudo.
- As orelhas: Escute os sábios e evite ouvir difamação e maledicência; tenha fé nos
tsadikim e afaste pensamentos heréticos.
- O nariz: Esforce-se para adquirir temor ao Céu (como em "Ele respirará com o
temor a Deus" — Isaías 11:3); supere a "respiração superficial" dos desejos
materiais.
- A boca: Diga a verdade e mantenha-se afastado da falsidade; use as palavras
para edificar e não para ferir ou debilitar os outros; profira palavras de Torá,
oração, encorajamento, etc.

Os sentidos são vias de mão dupla.


O uso dos olhos para ver o bem produz boas imagens na mente.
Estas, por sua vez, levarão a luz da mente (ou seja, o intelecto) aos olhos e os
farão ver ainda mais o bem.
"Escutar os sábios" fortalece a fé e torna os ouvidos mais receptivos à Divindade
que nos cerca.
O mesmo princípio se aplica aos outros sentidos.
"A fonte dos cinco sentidos se encontra na mente. Usá-los para o bem promove
uma grande retificação da mente".

Rosh Hashaná: Tribunais da Mente

Os olhos de Deus estão sobre ela [a Terra] desde a cabeça [princípio] do ano até o
fim do ano.
(Deuteronômio 1 1 :1 2 )

O Midrash ensina que o caminho seguido por uma nação é determinado pela pessoa
que a encabeça.
Também no plano fisiológico, não acontece no corpo nada que não tenha antes sido
processado (com a rapidez de um relâmpago) pelas sinapses entre os neurônios.
De forma semelhante, no ciclo do ano judaico, Rosh Hashaná (o ano-novo) é
literalmente a "cabeça" do ano.
Durante o ano, não acontece nada que não tenha sido preestabelecido, pelo menos
em potência, na "cabeça".
O cérebro pode ser visto como um tribunal.
Os sentidos são as testemunhas, e a mente, atuando como um juiz imparcial,
proclama a sentença.
Na qualidade de juiz, a mente toma inúmeras decisões rapidamente, com base nas
informações fornecidas pelos sentidos.

1
Quanto mais precisas forem as informações, mais acertadas serão as decisões.
Um volume enorme de dados deve ser processado pelo cérebro para que possamos
atravessar uma rua ou dirigir um automóvel ou bicicleta.
Quando uma pessoa aprende a guiar, ela tem uma percepção mais clara disso e
costuma perguntar: "Como posso concentrar-me ao mesmo tempo em olhar para
frente, para os lados, para trás, e mover minhas mãos e meus pés, principalmente
quando tenho de engrenar a marcha para subir uma ladeira íngreme?"
Depois de algum tempo, parece que o cérebro, milagrosamente, consegue
coordenar todas essas atividades numa seqüência harmoniosa.
No entanto, uma pequena falha ou descuido pode colocar a vida em risco.
Ainda que nem sempre tenhamos consciência disso, nossa vida corre perigo 24
horas por dia — e não apenas quando estamos na estrada.
Um movimento em falso, por um erro de cálculo ou uma interpretação equivocada
das informações oferecidas pelos sentidos, pode causar um desastre.
É evidente, portanto, a importância da retificação e da afinação dos sentidos.
As decisões fundamentadas no processamento das impressões transmitidas pelos
nossos sentidos têm amplas conseqüências, que nos afetam diretamente, como
indivíduos, e podem estender-se às pessoas que nos cercam: familiares, amigos,
vizinhos e colegas de trabalho.
Na verdade, os efeitos de nossas decisões podem perdurar por gerações.
Agora tente imaginar o tribunal celestial em Rosh Hashaná.
Segundo a tradição, todo ano, nessa data, somos julgados por Deus.
Com base em nossa conduta individual e coletiva no ano que passou, Ele decide o
que necessitaremos para cumprir a nossa missão no ano que se inicia.
Como ocorre esse julgamento?
Acaso devemos permanecer omissos e passivos num tribunal que definirá a nossa
vida não só no próximo ano, mas em todos os anos seguintes, na terra e também
na eternidade?
Há algo que possamos fazer para assegurar nossa inscrição no livro da vida em
Rosh Hashaná?
É claro que podemos agir, purificando os nossos sentidos (as "lâmpadas de nossa
menorá") e através deles os nossos pensamentos.
Nossos atos — no ano que passou e em todos os anteriores — são meras
manifestações de nossos padrões mentais.
Nossa conduta é conseqüência do modo pelo qual percebemos a nossa existência
neste mundo.
O fator decisivo no julgamento em Rosh Hashaná não é, portanto, o que fizemos
até agora, e sim como pensaremos de agora em diante — o indicador mais preciso
de nossas ações futuras.
Em Rosh Hashaná, "tudo está na cabeça".
São os nossos pensamentos que determinam como seremos julgados nesse dia
santificado. Isso pode parecer injusto.
Se porventura uma pessoa não conseguir evitar pensamentos imorais em Rosh
Hashaná, ela estará condenada para sempre?
É evidente que Deus leva em consideração os testes a que Ele submete cada ser
humano, e é leniente (tolerante, demasiadamente permissivo, condescendente)
quando necessário. Porém, isso não significa que não devamos dar muita
importância aos nossos pensamentos.
Quando nos ocorre um mau pensamento, somos inteiramente responsáveis por
afastá-lo e expulsá-lo da mente antes que ele tenha a chance de desenvolver-se.
No início, o trabalho é árduo — mas só até percebermos como é fácil!
Este é o "serviço" de Rosh Hashaná.
Isto explica por que Rosh Hashaná é a "cabeça" do ano.
Assim como uma semente pode conter, em estado potencial, uma árvore inteira,
em Rosh Hashaná o terreno é preparado para tudo que acontecerá no ano que
começa.

2
Pode-se considerar que, da mesma maneira que todas as partes do corpo se ligam
ao cérebro através do sistema nervoso, todos os dias do ano estão ligados a Rosh
Hashaná e dele extraem sua força vital.
Neste sentido, na essência de cada Rosh Hashaná estão condensadas todas as
lições que precisaremos aprender no novo ano.
O que pensamos nesse dia, portanto, tem extrema importância, porque o
julgamento no tribunal celestial não se baseará apenas nas ações do ano anterior.
Apesar de serem relevantes, elas não são tão fundamentais nem tão determinantes
do futuro quanto a qualidade e o conteúdo dos pensamentos que nos ocupam a
mente em Rosh Hashaná.
Se nossos pensamentos forem santificados e nós soubermos que podemos
melhorar, independentemente do que tenhamos feito no passado, este será um
fator decisivo que "convencerá" a corte celestial da sinceridade do nosso desejo de
que esta vida sirva de ticun (retificação) não só do ano que termina, mas de todos
os anos de nossa existência atual e das encarnações anteriores.
Assim nos poremos em harmonia com o plano supremo de Deus para toda a
criação.
Esses conceitos têm aplicações muito mais amplas.
Cada Rosh Hashaná é apenas uma "célula" de um sistema de anos-novos que se
ligam ao primeiro ano-novo no jardim do Éden. (A tradição nos conta que o sexto
dia da criação, no qual Adão foi criado, era Rosh Hashaná. Logo, Rosh Hashaná é
chamado de “iom harat olam”, o "aniversário do mundo", não em referência ao
mundo que fora criado cinco dias antes, mas à criação de Adão, o "microcosmo",
para quem todas as criaturas foram formadas.)
De modo semelhante, cada indivíduo neste planeta é parte da consciência maior
que denominamos Adão (humanidade).
Em Rosh Hashaná, cada criatura da terra é "julgada" — sua existência é avaliada
em relação ao papel que ela deve desempenhar no grande drama coletivo da vida
neste mundo.
O "veredicto" proferido consiste simplesmente naquilo que é necessário para se
restabeleça a harmonia entre a criatura e o seu propósito original.
Rosh Hashaná, portanto, religa tudo que há neste mundo ao pensamento seminal
primordial da criação, reafirmando a razão de sua existência e sua missão no amplo
quadro da vida.
As considerações acima iluminam as palavras do Rebe Nachman quando ele diz que
Rosh Hashaná é a cabeça.
Elas explicam por que ele enfatiza a necessidade de termos pensamentos bons e
santificados nessa data, o que exige que estejamos cientes de todas as idéias que
entram em nossa mente e usemos cada uma delas para alcançar uma consciência
mais elevada de Deus.
Evidentemente, devemos prestar atenção aos nossos pensamentos e mantê-los
puros todos os dias; porém, em Rosh Hashaná, a cabeça do ano, o poder do
pensamento é centuplicado.
Por esse motivo, o Rebe Nachman observa também que é muito importante visitar
os grandes tsadikim nessa ocasião. Os tsadikim são o “rosh” (cabeça), os
verdadeiros líderes de Israel.
Assim, em Rosh Hashaná, podemos retificar e afinar os nossos sentidos por meio
da união de três "cabeças":
- Rosh Hashaná: a cabeça do ano.
- O tsadic: o rosh e líder de Israel.
- O rosh do indivíduo: a mente e os pensamentos da própria pessoa.

Quando essas "cabeças" são reunidas e, juntas, formam uma só cabeça, ocorrem
grandes retificações, e uma dimensão inteiramente nova da vida se abre para nós
onde antes víamos apenas uma repetição infinita do passado.

Continua

3
Anatomia da Alma – Parte 32

O Sistema Nervoso Periférico – Parte 3

Os Olhos: Janelas para o Mundo


Os olhos talvez sejam os órgãos sensoriais mais importantes.
A visão nos apresenta cores e formas — na verdade, o mundo todo que nos cerca.
De certo modo, o ser humano é capaz de ouvir, cheirar, sentir sabores e apalpar
com os olhos, que lhe proporcionam uma experiência sensorial disseminada que
não pode ser reproduzida por nenhum outro órgão (ou seja, através da visão é
possível imaginar mais prontamente a reação dos demais sentidos).
A visão permite que se veja a maravilha e a beleza da criação física de Deus.
Destituídos de visão, nós nos desligaríamos da realidade e seríamos privados do
contato genuíno e nítido com o mundo.
No âmbito espiritual, "ver" também significa olhar as coisas de maneira profunda
com a finalidade de descobrir sua essência.
Sem uma boa "visão", somos incapazes de perceber a presença de Deus a nossa
volta.
Em nossa vida cotidiana, devemos ter cuidado para que nossos olhos não
enxerguem apenas o que queremos ver, em contraposição ao que de fato existe.
Interesses velados podem distorcer com facilidade a percepção, como indica a
seguinte injunção da Torá (Êxodo 23:8; Deuteronômio 16:19): "Não tomarás
suborno. O suborno cega os olhos dos sábios e perverte as palavras dos justos."
Quando a faculdade de julgamento é turvada por motivos escusos, perdemos a
capacidade de discernir entre o bem e o mal, entre "absolver o inocente e condenar
o culpado" (Deuteronômio 25:1).
Mesmo os justos correm o risco de ter suas "palavras pervertidas".
E se até os sábios, que possuem uma visão aguçada, podem errar na definição do
que vêem, com certeza quem tem uma visão espiritual fraca deve ser
especialmente cauteloso.
A boa visão corresponde a um grau expandido de consciência, conhecimento e
intelecto. Em termos cabalísticos, os olhos são uma extensão do hemisfério direito
do cérebro, que é associado à sefirá de Chochmá. Portanto, devemos perguntar-
nos: "Como usamos os nossos olhos?"
Enxergamos a essência real do que vemos, ou julgamos as coisas pela aparência
externa? (Lembre-se de que Chochmá é côach má, a essência da coisa)
De que maneira podemos alcançar esse "nível puro de Chochmá", o foco e a
concentração que nos habilitarão a perceber a essência íntima das coisas?

Quando os olhos se fixam num objeto, as pupilas se dilatam ou se contraem para


regular a quantidade de luz que penetra.
Esse movimento de dilatação e contração possibilita que os olhos funcionem
adequadamente, sem causar danos à retina. De modo semelhante, quando saímos
em busca de uma sabedoria espiritual profunda, é prudente que no começo nos
limitemos a um nível mais baixo de intelecto.
Nas etapas iniciais, convém que nos concentremos nos resultados parciais e não
nos objetivos finais, para que o intelecto se "dilate e contraia" de forma natural e
possa gradativamente atingir níveis mais elevados.
O Rebe Nachman ensinou:
Os olhos defrontam-se constantemente com visões deslumbrantes.
Se purificassem seus olhos, as pessoas seriam capazes de ver muitas coisas
magníficas apenas com base no que enxergam com a vista. Porém, as coisas
passam diante dos olhos com tamanha rapidez que não há tempo para que eles se
fixem nelas e apreendam tudo que vêem...
No entanto, quem é digno pode alcançar um nível mais elevado de visão e tornar-
se capaz de vislumbrar maravilhas de extraordinária beleza em toda parte.

1
Como os olhos da maioria das pessoas não são puros, eles não formam o foco de
modo adequado e são impedidos de perceber essas visões esplêndidas e
admiráveis.

O Rebe Nachman refere-se aqui às visões que são descortinadas pelo olho da
mente.
Estas visões magníficas não estão reservadas apenas para os tsadikim, que
purificaram seus sentidos e atingiram os níveis mais altos de consciência.
Na verdade, elas estão sempre presentes em nossa vida, quando estamos
acordados e quando dormimos.
Os tsadikim conseguem prestar atenção a tudo que acontece porque eles
purificaram e afinaram seus sentidos, de modo que podem perceber as coisas num
comprimento de onda diferente.
Por conseguinte, eles sabem "selecionar o canal" quando uma imagem poderosa ou
um bom pensamento lhes vem à mente.
Desta maneira, são capazes de "ver" e compreender o que passa diante do olho de
sua mente antes que a visão se vá.
Os grandes tsadikim eram tão hábeis nisso — seus olhos eram tão puros — que,
para onde quer que olhassem, enxergavam coisas fascinantes e entendiam
verdades profundas.
Como veremos, em muitos casos eles abriam os olhos para grandes verdades
justamente quando os fechavam!

Providência Divina
Como observamos em texto anterior, o olho tem quatro cores (branco, vermelho,
preto e a cor da íris), que correspondem a quatro das sete sefirot inferiores:
Chéssed (bondade), Guevurá (julgamento), Tiféret (beleza) e Malchut (realeza).
Em Malchut, todas as luzes superiores convergem e são percebidas.
Chéssed, Guevurá e Tiféret atuam de forma concatenada para trazer bênçãos dos
mochin (faculdades mentais) para Malchut, revelando assim a providência e realeza
Divina na criação.
Do mesmo modo, três cores do olho — o branco (que é associado a Chéssecl), o
vermelho (Guevurá) e a da íris diversamente pigmentada (Tiféret — que representa
a beleza da multiplicidade de cores) — trabalham juntas para regular a luz e dilatar
a pupila negra (Malchut) de maneira que ela possa formar o foco e transmitir
imagens ao cérebro com eficiência.
O Rebe Nachman dizia com freqüência que, neste mundo, deve-se buscar acima de
tudo o Próprio Deus, bem como os sinais de Sua providência e sabedoria.
Nosso despertar aqui embaixo sempre produz uma reação correspondente no Alto.
Assim, quando usamos nossos olhos como lentes por meio das quais possamos ver
Deus em toda parte neste mundo, e começamos literalmente a enxergar através do
véu que nos separa Dele, então o Próprio Deus volta Seus olhos para nós.
Se tentarmos fixar nosso olhar para percebê-Lo, Deus retribuirá e nos fitará, até
que a Sua visão e a nossa convirjam perfeitamente no mesmo ponto. Talvez seja
este o sentido da seguinte profecia (Isaías 52:8): "Olho no olho vereis a Deus
quando Ele voltar a Tsion."
"Olho no olho" significa que há uma correlação entre os nossos olhos e os olhos de
Deus.
Em geral, concebemos a providência Divina como a constante "super-visão" e
"visto-ria" que Deus faz de todos os detalhes de Sua criação.
Porém, esta é uma "visão parcial" das coisas.
Quando, por esquecimento ou qualquer outro motivo, tiramos Deus do foco de
nosso olhar, então "suprimimos a imagem" à qual, completando o processo,
corresponderia o olhar de Deus.
Deus sempre está de "olhos abertos" para aqueles que O buscam.
Assim como "Do céu Ele perscruta os filhos do homem, para ver se há alguém que
tem discernimento para buscá-Lo" (Salmos 14:2), nós também devemos voltar-nos

2
para Ele, pois a nossa capacidade de discernir a providência Divina torna completo
o ciclo da visão, que estabelece a "visão perfeita", a revelação da realeza (Malchut)
de Deus, por nosso intermédio.
É este o significado de "Olho no olho vereis a Deus quando Ele voltar a Tsion".
Comece a treinar seus olhos para que vejam, por exemplo, que o sustento vem
somente de Deus, como está escrito (Salmos 145:15): "Os olhos de todos se
voltam para Ti com esperança, pois Tu lhes proporciona o alimento de que
precisam no tempo apropriado."
Em nenhuma outra situação percebemos com tanta clareza a necessidade de
"manter o foco" em Deus como em nossos esforços para ganhar a vida.
Com o enfoque correto, teremos uma atitude de confiança absoluta em Deus.
É esta a idéia expressa no versículo "Os olhos de todos se voltam para Ti com
esperança..."
O primeiro passo é dirigir o olhar para o céu pedindo sustento.
Quando nossos "olhos" se concentram Nele — quando encontramos um ponto de
contato — cria-se um recipiente no qual podemos receber Sua fartura.
Para ver a Providência Divina, você precisa romper a fachada das relações
materiais que parecem governar sua existência.
Olhe além dos intermediários que cercam seu ganha-pão.
Veja a mão de Deus e reconheça Sua providência atuando de forma direta em sua
vida.
Mas nunca dê por certa essa providência.
Rogue a Deus que lhe conceda uma fonte permanente de sustento; peça-Lhe para
ver Sua mão agindo em sua vida; reze para ter plena confiança Nele.
Aprenda a crer firmemente que as suas preces são ouvidas.
Este é o papel que você deve desempenhar para que se complete o ciclo da
providência Divina.
É assim que você pode começar a fazer sua vista convergir com a de Deus, olho no
olho.
O caminho mais efetivo para o fortalecimento da confiança em Deus e da fé em Sua
providência é o estudo da Torá.
Vimos nos textos iniciais que a Torá pode ser estudada em quatro níveis: pshat
(sentido simples), remez (alusão), drash (sentido homilético) e sod (sentido
oculto).
O rolo da Torá, por sua vez, também contém quatro níveis:
taamim (signos da leitura cantada),
necudot (vogais),
taguim (coroas sobre as letras) e
otiot (as próprias letras).
Os dois primeiros não são visíveis; só podem ser vistas as letras negras e as
misteriosas coroas. Porém, escondidos dentro delas estão as vogais e os signos da
cantilação, que são elementos fundamentais para a leitura da Torá.
Sem as vogais, seria impossível saber a pronúncia correta das letras, e sem os
signos da cantilação jamais poderíamos entoar corretamente as palavras da Torá e
sentir sua verdadeira doçura.
O Rebe Nachman ensinou:
Quando o sábio traz Tora para o povo, a providência Divina é atraída para este
mundo. Isto ocorre porque a Tora contém signos de cantilação, vogais diacríticas,
coroas e letras que estão representados nas três cores do olho e na da pupila...
Quando um sábio extrai ensinamentos originais da Tora, ele faz descer o "poder de
visão" da providência de Deus sobre nós, e cada indivíduo, de acordo com seu grau
de proximidade da Tora, sente a providência Divina focalizada nele. [E então pode
"focalizar" melhor a Divindade.]

Porém, a pessoa deve tomar cuidado para que a sua vista permaneça "verdadeira".
O Rebe Nachman ensina:
A falsidade é nociva aos olhos, tanto no sentido físico como no espiritual.

3
A falsidade danifica a visão, e a visão danificada produz imagens distorcidas.
A falsidade engana as pessoas, fazendo um objeto grande parecer pequeno ou
criando uma imagem dupla de um único objeto.
A verdade, por outro lado, é única [ela é o selo da Unidade Absoluta de Deus].
Embora seja multifacetada, a verdade é - e só pode ser - uma.

A falsidade é uma afronta clara à providência Divina.


Quando mentimos, de certa forma afastamos Deus para fazermos o que queremos.
Em resposta, Deus age como se desviasse Seus olhos de nós.
A verdade é o único caminho para a restauração de nossa ligação com Ele.
Só dizendo a verdade, acreditando em seu poder e vivendo-a podemos recuperar a
nossa vista, focalizando-a novamente em Deus e em Sua Divina providência.
Então Sua supervisão direta se restabelece sobre nós, numa medida ainda maior.

Foco: O Mundo Vindouro


Como vimos, para adquirir uma visão espiritual potente, devemos ser capazes de
concentrar nossa vista na Divindade.
Isto, por sua vez, nos coloca de forma mais direta sob a providência Divina.
(Deus não precisa que nos voltemos para Ele para "tomar conhecimento" de nós;
ainda assim, Ele faz a extensão de Sua providência depender da intensidade com
que nos dirigimos para Ele.)
A verdade é que a Divindade permeia toda a criação, pois sem Deus nada poderia
existir.
No entanto, conforme assinalamos, devemos esforçar-nos para manter o foco na
Divindade a ponto de romper a fachada deste mundo e descobrir a realidade oculta
do mundo vindouro. De certa forma, precisamos fechar os olhos para este mundo a
fim de enxergar além de sua máscara; caso contrário, passaremos a vida inteira
sem ter a menor idéia de que Deus estava aqui o tempo todo, logo abaixo da
superfície, onde menos esperaríamos encontrá-Lo.
O Talmud ensina que o "tamanho" da Torá é 3.200 vezes maior que o deste
mundo.
Porém, você pode cobrir o olho com o dedo mínimo e bloquear completamente essa
grande luz!
O Rebe Nachman compara esta atitude à de uma pessoa que está diante de uma
montanha elevada e tapa o olho com uma moeda. Ainda que a montanha seja
milhões de vezes maior do que ela, a moeda a encobre totalmente.
Da mesma maneira, a Torá é imensa e vasta, mas o "dedo mínimo" que é este
mundo se coloca sobre nossos olhos e nos impede de ver sua grande luz.
De fato, este mundo é mesmo uma criação minúscula comparado à Torá, que é tão
imensa.
Contudo, como o "dedinho" está bem na frente do olho, ele consegue bloquear a
visão de forma tão absoluta que o indivíduo não é capaz de enxergar algo muito
maior.
"Portanto", explica o Rebe Nachman, "quando a alma entra neste mundo, a pessoa
fica submersa em seu absurdo vazio, e parece-lhe que a vida é só isso.
Desta forma, o mundo pequeno e diminuto a impede de ver a luz grandiosa e
extraordinária da Torá, que é muitos milhares de vezes maior...
Porém, se remover esta pequena obstrução da frente de seus olhos — se desviar os
olhos do mundo e parar de olhá-lo fixamente; levantar a cabeça, erguer os olhos e
contemplar e considerar tudo que há acima deste mundo obstrutivo e impeditivo —
ela terá o mérito de ver a magnífica e esplêndida luminosidade da Torá e dos
tsadikim.
Assim ouvi em nome do Baal Shem Tov, que disse: 'Ai, ai, ai! O mundo está cheio
de iluminações e verdades místicas fantásticas e deslumbrantes. Porém, uma
pequena mão se coloca bem na frente dos olhos e tolhe a vista dessas iluminações
grandiosas.”

4
Em conformidade com essa perspectiva do Baal Shem Tov, o Rebe Nachman ensina
que, se você quiser alcançar o nível do mundo vindouro mesmo neste mundo, basta
fechar os olhos.
Todo dia, feche os olhos por alguns minutos para as aflições e os prazeres
mundanos, delicadamente afaste a sua mente de tudo que acontece a sua volta e
transporte-se para outra dimensão.
Quanto mais você "fechar os olhos para este mundo", mais fácil será atingir a
verdadeira espiritualidade e trazer a essência do mundo vindouro para a sua vida.
É este o segredo do gesto de fechar e cobrir os olhos quando dizemos a oração do
Shemá.
Até certo ponto, o mundo revela Deus, Sua Providência, Sua Luz e Sua admirável
Unidade. Além desse ponto, porém, este mesmo mundo O esconde.
Assim, cerramos os olhos e os cobrimos com a mão quando recitamos o Shemá
para romper a fachada deste mundo e tentar alcançar a Unidade que está detrás
dele. Fechamos os olhos e proclamamos: "Ouve, Israel, YHVH é nosso Deus, YHVH
é Um."

Olhando Além

Experimentai e vede quão bom é o Eterno.


Salmos 34:9

Como Deus é bom, parece lógico que não deveria existir maldade nem crueldade no
mundo; só deveria haver o bem.
Porém, na realidade, o sofrimento é bastante freqüente, muito mais freqüente do
que gostaríamos de admitir.
Seja devido a doença, pobreza, angústia, problemas familiares ou inúmeras outras
formas de aflição, as pessoas sentem alguma espécie de dor todo dia.
Como vimos nos textos iniciais: "A quem tem conhecimento [Dáat], nada falta".
Quem possui Dáat está consciente da presença de Deus em tudo que encontra.
No entanto, a existência da dor — nossa ou de outra pessoa — reduz a consciência
do espiritual.
Nosso desafio neste mundo é ver além da dor e do sofrimento, compreender e de
fato sentir a bondade que há neles.
O Rebe Nachman ensinou:
Quando uma pessoa está sofrendo severamente, a maior causa da angústia é [não
o sofrimento físico em si, mas] o fato de Dáat [conhecimento] lhe ter sido tirada.
Com Dáat, entende-se que tudo que Deus faz tem um propósito e é, afinal, para o
bem.
Sem Dáat, a pessoa perde de vista esta verdade fundamental e, por conseguinte,
sente angústia.
A diminuição de sua ligação com Deus é a real fonte de seu sofrimento.
Para aliviar essa angústia, o indivíduo deve olhar além do sofrimento e fortalecer
sua fé no mundo vindouro.
Observe que, por um instinto natural, alguém que experimenta uma dor intensa
cerra os olhos, como se estivesse piscando e olhando bem longe...
Ele age assim porque, intuitivamente, está buscando Dáat, a grande Daat que será
revelada no futuro distante, no mundo vindouro, quando o verdadeiro propósito de
tudo será desvendado.

O Mau-Olhado

Quem possui um olho generoso será abençoado.


Provérbios 22:9

Há o "olho generoso" e o "mau-olhado".

5
As duas expressões são usadas há milénios e aparecem na Escritura e no Talmud
como indicadores da estatura de um homem.
Abrahão é o modelo da pessoa que tem um "olho generoso".
Ele sempre procurava ver o bem nos outros e não sentia inveja nem ódio de seu
semelhante.
Bilaam, por outro lado, é o epítome daquele que lança "mau-olhado" — o indivíduo
que sempre busca defeitos nos outros ou tem inveja de suas posses ou posição (ver
Avot 5:19).
O Talmud atribui poderes quase místicos ao mau-olhado.
Uma pessoa que vê os bens alheios com inveja nos olhos pode ser acometida pelo
mal. Por isso, a lei talmúdica nos proíbe de construir nossa casa perto demais da do
vizinho.
A privacidade é muito importante, pois evita que miremos os haveres do próximo
com olhar de cobiça. Os vizinhos devem manter entre si uma distância razoável ou,
no mínimo, as casas devem ser construídas com uma separação e um espaço entre
elas.
O "mau-olhado" geralmente é entendido como o ato de fitar uma pessoa com a
intenção de que algo nocivo lhe aconteça. Ele inclui também a cobiça das posses
dos outros, o aborrecimento diante de seu sucesso (como se o sucesso alheio
tivesse algum impacto sobre a própria capacidade de ser bem-sucedido na vida), a
mesquinharia, e assim por diante.
O Rebe Nachman ensina que o mau-olhado provoca uma aceleração do ritmo
respiratório.
De alguma maneira, a inveja e a ira em face do sucesso alheio aumentam a
cadência da respiração do indivíduo. Portanto, o Talmud ensina: "O copo para a
recitação da bênção após a refeição deve ser dado a alguém que tem um olho
generoso. Assim está escrito (Provérbios 22:9): “'Quem possui um olho generoso
será abençoado.' Não leia apenas 'será abençoado', mas abençoará..."
Por outro lado, devemos ser cautelosos com pessoas de olhos mesquinhos e
invejosos, como adverte o Rei Salomão (Provérbios 23:6): "Não participe da
refeição de quem tem olhos malévolos."
Não se trata de mera superstição.
Assim como o olho generoso abençoa, o mau-olhado tira.
A fonte do poder do mau-olhado é a cobiça.
Quando se olha com cobiça para os bens de uma pessoa que faz mau uso do
dinheiro ou, por algum outro motivo, não é digna da riqueza que possui, ela pode
perder suas posses, Deus a livre.
É evidente que a nossa maneira de olhar para as propriedades dos outros pode
incitar o julgamento Divino contra eles. Do mesmo modo, quando vemos as posses
dos outros de forma generosa, nosso olhar é capaz de atrair bênçãos para eles.
A compreensão de que os olhos são as "janelas da mente" confere uma importância
ainda maior ao "mau-olhado".
O Rebe Nachman ensinou:
A memória depende dos olhos, como está escrito (Êxodo 13:9): "[Os tefilin serão
como] memória entre os teus olhos." Para proteger a memória, a pessoa deve
antes se proteger do mau-olhado — dos maus pensamentos sobre os outros, da
inveja e de todas as formas de negatividade. O mau-olhado é capaz de causar
danos não apenas a quem o recebe, mas também a quem o lança, e com
intensidade ainda maior.
Inversamente, o cultivo do mau-olhado está associado com o esquecimento.

Porém, não precisamos viver sempre com medo do mau-olhado, de pessoas que
nos possam desejar o mal. O Rebe Nachman ensina que quem se sente incapaz de
proteger-se do mau-olhado deve fugir dele.
No entanto, se conseguirmos compreender a essência do mau-olhado, poderemos
agir de modo muito mais eficaz: retificando-o.

6
Digamos que alguém lance um mau-olhado contra uma pessoa por causa da alta
posição que ela ocupa. Este mau-olhado resulta da queda do atributo de Malchut
(realeza, que, quando desvirtuada, produz baixa auto-estima e a necessidade de
rebaixar os outros para valorizar-se).
Para corrigir sua Malchut decaída, o indivíduo deve tentar elevar a Malchut de Deus
- por meio do estudo da Torá e de outras formas de disseminação do Nome de
Deus no mundo.
Desse modo, ele demonstra que é fiel a Deus e não à sua própria necessidade de
enaltecer-se. Isso retifica o mau-olhado da Malchut decaída em sua raiz.

O Olhar Lascivo
Olho em hebraico é “áin” ( ) e tem exatamente a mesma pronúncia do nome da

letra hebraica “áin” ( ).
A guematriá (equivalente numérico) da letra áin é 70, que por um lado corresponde
às 70 almas da casa de Jacob (Gênesis, capítulo 46) e às 70 facetas da Torá e, pelo
outro, às 70 nações arquetípicas do mundo e às 70 características malévolas.

De todos os atributos negativos de todas as nações do mundo, a imoralidade sexual


é o mais difundido e o mais prejudicial.
A nação de Israel, portanto, é obrigada a manter a pureza sexual por meio da
superação dos desejos libidinosos.
Assim nos ordena a oração do Shemá (Números 15:39): "Não erreis seguindo..,
vossos olhos."
O Talmud interpreta esta passagem como uma norma que exige que nos
resguardemos de idéias sexuais imorais.
Esta é mais uma razão para cobrirmos os olhos durante a recitação do Shemá.
Quando o fazemos com a intenção de superar nossos desejos libidinosos, anulamos
os efeitos poderosos da imoralidade das 70 nações.
Com efeito, o gesto de cobrir os olhos também "cobre" o mau “áin” das 70 nações,
protegendo-nos de sua influência.
Outro meio de defesa contra os desejos libidinosos é a mitsvá do tsitsit.
Assim, enquanto recitamos o Shemá, também olhamos para o tsitsit, porque a
palavra “tsitsit” tem a mesma raiz de “tsits”, "fitar".
O ato de fitar o tsitsit, usando os olhos, funciona como uma forte proteção contra
pensamentos libidinosos.

Continua

7
Anatomia da Alma – Parte 33

O Sistema Nervoso Periférico – Parte 4

Audição, Olfato e Paladar


As orelhas, o nariz e a garganta estão estreitamente relacionados na fisiologia
humana.
O conduto auditivo se liga à cavidade nasal, e há canais de comunicação direta das
orelhas com a garganta, que se conecta à caixa torácica.
Já vimos anteriormente a relação íntima que existe entre a boca, a garganta e os
pulmões, assim como a função da laringe e da traquéia, que unem os pulmões à
garganta e aos orifícios respiratórios.
Também do ponto de vista cabalístico há uma forte associação entre a orelha, o
nariz e a boca.
O ARI explica que os quatro elementos básicos são a fonte de tudo que existe no
mundo.
Os quatro elementos derivam sua essência das quatro letras do Tetragrama, que
por sua vez estão enraizadas no topo da primeira letra, o Yud.
As quatro letras do Tetragrama e, por conseguinte, os partsufim (ou sefirot) e
níveis da alma mais baixos, também se refletem nas faculdades humanas da visão,
audição, olfato e fala.

Tetragrama Partsuf Nível da alma Órgão


Yud Chochmá Chaiá Olhos
Hê Biná Neshamá Orelhas
Vav Zeer Anpin Rúach Nariz
Hê Malchut Néfesh Boca

As Orelhas
O Rebe Nachman ensinou:
O coração "ouve".
Apesar de, tecnicamente, ouvirmos pelas orelhas, o processo tem de ser
complementado pelo coração, que facilita o entendimento do que foi ouvido.
Assim, um professor deve falar ao coração de seu aluno, enquanto o aluno deve
prestar atenção e envolver o coração (por meio da concentração) no que o
professor diz.
Quando o aluno não leva ao coração as palavras do professor, quando ele não tenta
concentrar-se para compreender as lições do professor, ele efetivamente se separa
da sabedoria.

O professor deve pesar com muito cuidado suas palavras.


Quem o ouve só deve "escutar" e aceitar o que for necessário para o seu
crescimento espiritual — e nada mais.
O aluno precisa ser meticuloso na escolha dos assuntos nos quais se concentrará,
pois nem tudo que ele ouve é benéfico.
Tudo que estiver além de seu presente nível intelectual e espiritual é considerado
excedente e deve ser ignorado.
Vemos, portanto, que é o coração que "ouve", e assim as orelhas são associadas a
Biná.
Já analisamos a relação que há entre a orelha e a fé nos tsadikim.
Um estudo aprofundado nos mostrará agora com mais clareza o papel fundamental
desempenhado pela orelha na aceitação dos ensinamentos dos tsadikim.
Deve-se ter fé nos tsadikim para realmente escutar o que eles dizem, e esta fé é
um remédio espiritual eficaz para defeitos da audição.

"Ele desperta meu ouvido..."


Vimos que a orelha tem um papel crucial no crescimento espiritual.

1
Apresentamos abaixo alguns excertos dos ensinamentos do Rebe Nachman que
tratam da importância de ouvir instruções diretamente do tsadic e conselhos para
situações nas quais isso não é possível.

É muito mais benéfico ouvir ensinamentos de Tora diretamente de um tsadic cio


que estudar Tora sozinho. Isso ocorre porque ouvindo diretamente do tsadic a
pessoa se liga à alma do tsadic.
É muito importante ir ao encontro do tsadic para ouvir dele ensinamentos de Torá.
Sempre que se ouve um ensinamento de Torá de uma fonte que não é a original,
quanto mais distante o ensinamento estiver de sua fonte, menor será o seu
impacto sobre quem o ouve.
Estudar de um livro impresso está ainda mais distante da fonte do ensinamento.

Admitimos que é importante ouvir em primeira mão a Torá do tsadic.


Porém, o que devemos fazer se não pudermos viajar para vê-lo?
Ou se não soubermos que tsadic procurar ou nem sequer quem é considerado um
tsadic?
O Rebe Nachman oferece uma alternativa: "Levantar cedo de manhã para estudar
Torá faz bem aos ouvidos."
Isto se baseia no seguinte versículo (Isaías 50:4): "Deus me deu a língua dos que
aprendem, para que eu possa, com minhas palavras, dar apoio aos fatigados. Ele
me desperta a cada manhã, e aguça meu ouvido para que eu possa, como
discípulo, escutar."
O Rashi explica que Isaías (um mestre extremamente respeitável) era acordado
bem cedo a cada manhã para receber a inspiração Divina necessária para ensinar
aos fatigados e aos sedentos de espiritualidade.
Esta lição se aplica a todos que buscam espiritualidade.
Levantar cedo para servir a Deus, especialmente por meio do estudo da Torá,
retifica a audição, possibilitando que se receba inspiração espiritual.
Além disso, como o estudo da Torá inclui a aprendizagem dos ensinamentos dos
tsadikím, pronunciar suas palavras durante o estudo é semelhante a ouvir os
ensinamentos diretamente de sua boca.
Porém, nem tudo que é falado merece ser ouvido; e nem todo orador pode ser
considerado um transmissor digno da mensagem espiritual.
Como vimos em texto anterior, o Rebe Nachman cita o versículo "Não há linguagem
nem palavras; sua voz não é ouvida" (Salmos 19:4) para explicar que palavras
proferidas não se caracterizam como fala se as pessoas não as podem "ouvir".
Isto se refere à fala desprovida de verdade intelectual, ou à fala que afasta as
pessoas de Deus.
A respeito de professores que empregam esse tipo de linguagem, o Rebe afirmou:
Há indivíduos que dão aulas sobre a Torá, mas não são eruditos cia Tora; antes,
eles são eruditos demoníacos da Tora. As pessoas vão ouvir suas preleções,
supondo que obterão auxílio e orientação para servir a Deus. No entanto, a Torá
que esses professores apresentam é deturpada e não pode ajudar aos que ouvem
suas palavras.
Pelo contrário, suas preleções na realidade esgotam os ouvintes, tanto
espiritualmente como fisicamente. [0 mesmo se aplica às obras escritas por esses
"eruditos".]

Para crescer espiritualmente, não basta abster-se de ouvir difamações, blasfêmias


e outras formas ofensivas de fala. Deve-se também ser seletivo no tocante a quem
se ouve.
A fala de uma pessoa indigna, independentemente do que ela diga, pode ter um
efeito nocivo sobre a capacidade do indivíduo de esforçar-se para adquirir
espiritualidade.
É importante notar ainda que não são apenas as palavras que podem ter um efeito
benéfico ou prejudicial. O Rebe Nachman ensina que "ouvir canções e melodias dos

2
perversos é nocivo para a alma, enquanto ouvi-las de pessoas justas é muito
benéfico".
Assim, é necessário ter muito cuidado na escolha do tipo de música que se ouve.

Fé nos Sábios
O Talmud ensina que há cinco órgãos que não estão inteiramente sob o controle da
pessoa — os dois olhos, as duas orelhas e o órgão sexual — porque são suscetíveis
a influências externas.
Vimos que pelo sentido da audição o indivíduo pode "ouvir as palavras dos justos" e
assim aumentar sua fé nos tsadikim.
Todavia, a orelha está sempre aberta aos sons das influências destrutivas, que
podem ter efeitos igualmente fortes e desviá-la com facilidade de sua tarefa de
concentrar-se na espiritualidade.
Portanto, a orelha é muito sensível a discórdias.
O Rebe Nachman ensina que quando uma pessoa é exposta a palavras de discórdia
— muitas vezes proferidas em argumentações contra a Torá e os tsadikim — ela
deve compreender que o próprio fato de ter ouvido a discussão foi orquestrado por
Deus e só tem o propósito de beneficiá-la.
Deve entender também que as deficiências mencionadas na disputa são apenas
dela mesma. É importante que o indivíduo que presencia polêmicas admita que as
palavras que ouve contêm indicações das áreas espirituais que ele mesmo precisa
retificar.
Reafirmando sua aceitação da Torá e fortalecendo sua fé nos tsadikim, ele
aprenderá a superar suas imperfeições e a corrigir seus erros.

Shemá [ouve], Israel, o Eterno é nosso Deus, o Eterno é Echad [Um)


(Deuteronômio 6:4)

Para que a fé chegue ao coração, deve-se escutar com atenção as palavras que são
ouvidas.
Assim, a declaração mais fundamental de nossa fé em Deus se inicia com a palavra
shemá (ouve).
No versículo da Torá que começa com shemá (  
) e termina com echad ( ,
um), duas letras estão grafadas em tamanho maior que as demais: o “áin” () de
shemá e o “dalet” () de echad, que formam a palavra hebraica “ed”,
“testemunho”. Portanto, com nossa profissão de fé damos testemunho da Unidade
de Deus e de Seu Reinado sobre toda a criação.
Se o áin e o dalet fossem removidos, as letras que restariam na primeira palavra do
versículo, shemá ( 
), e na última, echad ( ) comporiam a palavra “esmach”

( ), que aparece em "Esmach — Regozijar-me-ei em Deus" (Salmos 104:34).
Isso mostra que a "alegria do Alto é concedida a todo aquele que proclama sua fé
diariamente" (Zôhar III, 236b).
O Reb Natan explica que a fé fortalece a alegria, e a alegria fortalece a fé.
A alegria, portanto, é a essência de nossa fé.
Todos devem regozijar-se em Deus, e este regozijo será a sua salvação.
Assim, todo judeu deveria alegrar-se diariamente com a afirmação do Shemá e com
a intensidade de sua fé.
Nisso consiste a felicidade e a esperança eterna do judeu, pois a pessoa não leva
nada deste mundo quando falece, exceto a alegria que alcançou por meio da fé em
Deus e da observância das rnitsvót.
Para que a recitação do Shemá seja mais efetiva e possamos obter o máximo
benefício de nossas palavras, devemos afinar nossos ouvidos com a finalidade de
não dizer o Shemá mecanicamente, mas de fato "escutar" nossa profissão de fé e
gravá-la em nosso coração.
Este é o principal meio de retificação das orelhas.

3
O Nariz
O nariz faz parte do sistema respiratório e é o principal órgão pelo qual o ser
humano inspira ar fresco e oxigênio para sustentar o corpo.
Neste texto, estudaremos o nariz em sua relação com a paciência e a oração, além
de sua importância na qualidade de órgão do olfato.

Paciência e Controle
Vimos em texto anterior que o nariz é associado tanto à ira como à paciência.
O Rebe Nachman compara a ira a um vendaval violento de duração limitada.
Quem é capaz de, pacientemente, "esperar que passem" a tempestade e a fúria
dos momentos turbulentos da vida recebe vitalidade da Fonte de toda vida!
A ligação entre a paciência e a retificação do nariz pode ser percebida no termo
usado para descrever o controle da “ira”, “arichat apaím”, que significa,
literalmente, "prolongamento do nariz".
A ira também é comparada à fumaça que "sai pelas narinas" (conforme. 2 Samuel
22:9). Assim, a contenção da ira por meio da paciência se assemelha a uma
inalação longa e profunda de ar fresco que ajuda a pessoa a evitar os efeitos
devastadores da perda da calma.
Vê-se com clareza, portanto, que o aperfeiçoamento do atributo da paciência é um
meio de retificação do aspecto espiritual do nariz.
O Rebe Nachman ensinou: "Quem tem o mérito de manter a calma nunca teme não
conseguir algo na vida. Ele tem a paciência necessária para esperar pelo [bem] que
está chegando."

Quem não impõe limites ao seu espírito é [como] uma cidade abatida e sem muro
protetor.
(Provérbios 25:28)

A paciência é uma grande virtude, enquanto a ira e a irritabilidade são nocivas não
só ao corpo, mas também à alma.
Paciência, comedimento e autocontrole — são essas as qualidades que colocam a
pessoa a uma distância saudável de seu ambiente, impedindo-a de reagir de forma
excessiva ou impulsiva em situações que exigem julgamento maduro e criterioso e
ponderação cuidadosa.
O versículo acima nos ensina que a ira também prejudica a capacidade de ganhar o
sustento, de obter o "muro protetor" da segurança financeira.
De acordo com o Rebe Nachman, a recompensa pelo autocontrole é o aumento da
segurança financeira.
O autocontrole de fato é análogo a uma “chomá” (muro) protetora.
Quando o indivíduo se enraivece, sua chomá é rompida pela chemá (ira).
Embora as pessoas tendam a considerar suas propriedades como uma fonte de
segurança, ninguém se sentirá realmente seguro se não houver um "muro protetor"
em volta de suas posses.
Sem ele, a riqueza corre perigo.
Vemos aqui que o verdadeiro muro de proteção é o autocontrole.
O Rebe Nachman ensina ainda que quando o Maligno vê que a pessoa está prestes
a receber bênçãos abundantes de riqueza, ele tenta transformar sua “chomá” em
“chemá”. Portanto, quando percebe que está na iminência de ser dominado pela
ira, o indivíduo deve entender que a fartura está à sua espera.
Se conseguir controlar a ira, ele adquirirá riqueza.
A avidez por dinheiro, assim como a ira, é comparada à idolatria (Zôhar), enquanto
a paciência é associada à fé, o oposto da adoração de ídolos.
É evidente que a fé é necessária em tudo que diz respeito ao ganho do sustento.
Assim, quando a raiva toma conta do sujeito, a fé torna-se impraticável e a avareza
não pode ser evitada.
A contenção da ira também conduz à verdadeira humildade.

4
Isto se aplica particularmente à pessoa que, na agonia da ira, transforma-a em
compaixão.
Ela canaliza toda a força da raiva acumulada e a converte em compaixão para com
aqueles que antes a enfureciam.

O Filtro
O nariz tem duas narinas, que facilitam a atividade respiratória.
O Zôhar afirma que, assim como o lado direito e o lado esquerdo representam
Chéssed (abundância, bondade) e Guevurá (julgamento severo), a narina direita
corresponde à idéia de um aroma agradável, enquanto a esquerda corresponde a
fumaça e ira.
O Rebe Nachman ensina que, quando consegue manter a calma, a pessoa extrai ar
agradável, puro e limpo da "fumaça" da ira que não se manifestou, da mesma
maneira que o nariz filtra o ar.
Assim, a contenção da ira consiste num processo de filtração do espírito que o livra
do mal e preserva o bem.
A capacidade de tirar algo aprazível da própria raiva é adquirida com o
desenvolvimento do autocontrole, que permite que a pessoa "respire" ar puro.
Vimos no anteriormente, que o nariz é associado ao nível da alma de Rúach
(espírito). Assim, utilizando nosso rúach — esse espírito puro que filtramos —
ganhamos a habilidade de transformar nosso intelecto latente em consciência
efetiva da espiritualidade, e então podemos vir a perceber a diferença entre
"direita" e "esquerda", entre o bem e o mal.

O "Sentido" da Oração
A forte influência exercida pelo nariz torna-se ainda mais evidente quando o
analisamos sob outros aspectos.
O Rebe Nachman ensina que a oração é relacionada com o nariz, conforme está
escrito (Isaías 48:9): "Pela glória de Meu Nome conterei Minha ira; em Meu louvor,
“echtom” [reprimirei]..."
Em hebraico, "nariz" pode ser traduzido como “af” ou como “chotem”.
Por conseguinte, "em Meu louvor, echtom" sugere uma ligação entre a oração e o
nariz.
Quem pratica a oração sincera pode ter certeza de que será digno de usufruir o
"sopro da vida".
Isso também faz referência ao papel fundamental desempenhado pela oração em
nossa vida cotidiana.
Assim como não se pode viver sem respirar, uma atividade realizada pelo nariz, é
de vital importância que se confie no poder da oração para a obtenção da salvação
pessoal (Rabino Yaakov Meir Shechter).
O Rebe Nachman acrescenta que a faculdade física de sentir cheiro é aguçada pelas
preces, porque a oração e o nariz conceitualmente são uma coisa só.
A oração é comparada ao nariz ainda em outro sentido: Embora seja muito
importante rezar constantemente por salvação, devemos sempre manter uma
paciência extrema (representada pelo nariz) enquanto esperamos que Deus atenda
às nossas preces.
O Mashíach corresponde tanto à oração como ao nariz.
A Escritura nos diz que o poder extraordinário do Mashíach será proveniente de seu
nariz, como consta (Isaías 11:3): "Ele respirará o temor a Deus."
Isso significa que sua vitalidade será obtida através do nariz, a cada inspiração.
Além disso, nossos Sábios ensinam: "O Mashíach será capaz de 'farejar' a falsidade
e de julgar com o sentido do olfato."
Como vimos, a oração é associada ao nariz.
A principal arma que o Mashíach utilizará para conquistar o mundo e administrar a
justiça verdadeira não será espada, artilharia nem outro instrumento material de
guerra, e sim a oração. O Rebe Nachman diz que cada um de nós tem "um nariz e
um olfato" que refletem, no nível pessoal, "o nariz e o olfato" do Mashíach.

5
Logo, o indivíduo possui dentro de si uma porção diminuta do Mashíach e,
praticando a prece sincera, pode despertá-la e cultivá-la, apressando assim a vinda
do Mashíach.
Esta é mais uma razão que nos obriga a nos resguardarmos da imoralidade, pois
pensamentos e comportamentos imorais dificultam a oração e, portanto, danificam
o aspecto do Mashíach que possuímos.

Um Olfato Puro
A imoralidade também tem uma base no nariz.
Anatomicamente, o sentido do olfato está associado com o sistema límbico do
cérebro, que faz a ligação entre os processos cognitivos e os emocionais, ou seja,
entre pensamentos e sentimentos.
Como o impulso sexual é, sem dúvida, uma das paixões humanas mais fortes, que
exerce impacto tanto sobre a mente como sobre as emoções, no campo fisiológico
o nariz e o desejo sexual estão inter-relacionados.
Do ponto de vista espiritual, o Rebe Nachman ensina que só é possível obter um
olfato puro por meio da pureza sexual.
Quando falta pureza sexual, a energia espiritual inevitavelmente se reduz.
Isto, por sua vez, afeta o nariz, que representa a capacidade de filtrar o puro do
impuro, como vimos.
A conexão entre o nariz e a imoralidade pode ser vista nos termos que a Torá
emprega para proibir o adultério (Êxodo 20:13): "Ló tinaf — Não adulterarás."
Nossos Sábios comentam que o vocábulo “tinaf” é formado pela combinação das
palavras “tem” “af” (dê o nariz), de onde se deduz a seguinte exortação: "Não
tente nem cheirar o perfume de uma [outra] mulher", pois isso leva ao adultério.
O Talmud ensina que o aroma está intimamente relacionado com a alma, com base
na semelhança entre as palavras “Rúach” (  
, alma; espírito) e “rêach” ( ,
cheiro).
O Rebe Nachman observa que, enquanto fica parado, um objeto malcheiroso não
exala um odor tão terrível; porém, se for movido, ele voltará a cheirar muito mal,
talvez ainda mais do que antes.
De modo similar, quando a alma peca, ela é envolta num odor fétido.
Para "movê-la" ao arrependimento, o tsadic deve saber como repreendê-la de
modo que o aroma naturalmente agradável da alma seja estimulado, pois uma
repreensão ofensiva poderia fazer a alma "feder" ainda mais.
Na busca da espiritualidade, deve-se sempre enfatizar o bom e aprazível, e não a
severidade e outras atitudes que possam desencorajar a procura da Divindade.
Dessa maneira, a pessoa por fim alcançará um nível de pureza, emitirá odores
fragrantes e exalará a beleza da vida espiritual.

O Paladar
Há cerca de dez mil papilas gustativas na língua e na boca.
Sabores específicos são percebidos com mais intensidade em determinadas regiões
da língua.
O azedo é detectado sobretudo nas áreas laterais, o amargor é sentido na faixa
posterior, e o doce e o salgado, principalmente na ponta da língua.
O sentido do olfato também tem uma participação importante na percepção dos
sabores, pois estimula as delicadas papilas gustativas e aguça o apetite e os sucos
gástricos, além de exercer grande influência sobre a vontade de experimentar os
alimentos.
Como vimos, um "olfato" afiado depende da pureza, de modo que a pessoa que
mantém seus pensamentos e atos puros sentirá um sabor acentuado na comida.
Muitos aspectos do sentido do paladar já foram tratados antes, em nossa discussão
dos hábitos alimentares.

O Reb Natan fala de sabores "doces e amargos" num discurso sobre a alimentação:

6
O maná continha todos os gostos do mundo, mas é comparado com mais
freqüência ao mel e ao azeite (Êxodo 16:31; Números 11:8).
Há um versículo que afirma (Ezequiel 16:1 9): "Com farinha, azeite e mel te
alimentei..."
Nestes três itens, que representam os amidos, as gorduras e os açúcares,
encontram-se os ingredientes e sabores fundamentais da maioria dos alimentos.
Isso ocorre porque precisamos de todos esses elementos para, de fato,
experimentar as maravilhas da criação de Deus.
De todos os sabores, o pão é o mais básico e importante.
Verificamos assim que na Terra de Israel o pão tem um gosto muito aprazível à
língua (cf. Deuteronômio 8:9).

O Reb Natan acrescenta que há um problema inerente aos sabores doces como o
do mel.
Adão cometeu o pecado de comer da árvore do conhecimento porque a fruta
parecia apetitosa ao paladar.
As pessoas tendem a desejar alimentos doces.
As crianças em particular, e também muitos adultos, têm vontade de ingeri-los.
Para retificar o pecado de Adão, a pessoa deve controlar seu apetite para doces e
aprender a misturar gostos de todos os tipos.
O hábito de provar e apreciar diferentes espécies de alimento eleva o homem à
categoria da "Terra Santa", onde todos os sabores podem ser degustados no pão.
O Reb Natan conclui que não convém desejar só comidas doces.
Tampouco necessitamos de uma ampla variedade de alimentos.
Ao contrário, basta direcionar o paladar para os aspectos espirituais da comida,
como faz o simplório na história do Rebe Nachman.
Sempre que o simplório pedia um tipo específico de comida, sua esposa cortava
uma fatia de pão e lhe dava. No entanto, quando a ingeria, ele sentia todos os
sabores possíveis.
Da mesma maneira, quando comemos pela experiência espiritual, podemos
degustar todos os sabores do mundo numa única fatia de pão!

Continua

7
Anatomia da Alma – Parte 34

O Sistema Nervoso Periférico – Parte 5

A Face: A Verdadeira Imagem do Homem


As qualidades espirituais da face são extraordinárias.
Embora haja muitas maneiras de identificar uma pessoa — pelo modo de andar,
constituição física, voz e assim por diante — a face é claramente sua característica
mais distintiva, o retrato mais fiel da essência do ser.
O Reb Natan escreve:
A face é o principal meio de identificação e determinação do valor de qualquer
coisa. Uma pessoa pode ser imediatamente reconhecida pelo rosto.
Além disso, seus pensamentos e fala se exprimem através da face.
Do mesmo modo, tudo que há no mundo tem uma "face", seus atributos
identificadores próprios, por meio dos quais pode-se vir a perceber seu valor, isto
é, seu valor de verdade.
Assim, a face reflete a verdade.
Esta verdade é, de fato, a Divindade que está presente em cada faceta da criação.
Assim como Deus só pode ser Um, a verdade também só pode ser uma.

A face, o aspecto mais saliente e expressivo da aparência do indivíduo, representa


a verdade. O Ari ensina que a verdade é a "luz do semblante", e que há 370 luzes
radiantes no semblante (Ets Chaim 13:14).
Quem deseja e diz somente verdade pode obter essas luzes, e com elas um rosto
luminoso. Porém, a verdade não é o único aspecto da face.
O Rebe Nachman ensina que há uma "face de pureza", que corresponde a luz, vida,
alegria, verdade e fé; e uma "face de impureza", que corresponde a escuridão,
morte, tristeza, falsidade e idolatria.
O Rebe explica que a preocupação com o sustento dá à pessoa um "rosto" sombrio
e triste, uma "face de impureza" que reflete toda a melancolia e inquietações
associadas com o ganha-pão.
Esta face é caracterizada por dias repletos de previsões pessimistas acerca da
própria condição financeira no futuro.
O estado de apreensão constante diante do peso das responsabilidades leva a
pessoa a acreditar que apenas por meio da "minha força e do poder da minha mão
consegui estes bens" (Deuteronômio 8:17), uma atitude totalmente equivocada.
O indivíduo deve depositar toda a sua fé em Deus como o único Provedor.
Então, qualquer que seja sua ocupação, seus esforços conduzirão à espiritualidade,
desde que seu trabalho seja feito com honestidade.
Quem acredita que seu sustento vem exclusivamente de Deus pode obter a "face
de pureza", ao contrário dos que crêem que o ganha-pão nada tem a ver com a
providência Divina e assim adquirem a "face de impureza".
Só a pessoa que possui fé verdadeira é capaz de apreciar a vida.
Ela se sente segura porque sabe que Deus suprirá às suas necessidades.
Logo, a fé e, por extensão, o controle da avareza criam um semblante luminoso.
Como ensina o Rei Salomão (Provérbios 15:13): "O coração feliz ilumina o
semblante."
Assim, o semblante luminoso reflete a verdade e a fé escondidas no indivíduo.
Estas representam a satisfação com o que se tem e a ausência de desejos
impróprios, e podem, portanto, retificar a avidez por comida e imoralidade.
Isso ocorre porque quem vive uma vida de verdade, não precisa de experiências ou
posses adicionais, para sentir-se satisfeito.
O Talmud também nos diz que podemos observar na face o reflexo da verdade.
"Quando a pessoa depende dos outros, seu rosto fica de todas as cores [de
vergonha]".

1
O Rebe Nachman ensina que isto se aplica não só àqueles que dependem
financeiramente dos outros, mas também aos que desejam honrarias, respeito e
atenção e, desta maneira, criam dentro de si uma dependência.
O Rebe Nachman tinha um discípulo cuja ambição era tornar-se um rebe [líder
espiritual]. O Rebe Nachman lhe disse: "Mas você nem sequer conseguirá recitar a
bênção de agradecimento após as refeições com a intenção apropriada!"
A pessoa que deseja com veemência ser respeitada está, por definição, longe da
verdade.
Ela realiza suas devoções e despende energia tentando obter o reconhecimento dos
outros. Suas orações nunca poderão ser sinceras, porque sempre estará presente a
necessidade de valorização como alguém que reza com consciência.
Este indivíduo pode acabar convencendo-se da veracidade de suas devoções e rezar
com grande fervor, pensando que está imerso no serviço a Deus, mas na realidade
o que deseja é honra e atenção.
Sua face também "fica de todas as cores", porque reflete emoções internas que não
são genuínas.
A arrogância desse indivíduo muitas vezes provoca constrangimento, pois os outros
sentem que um sujeito de tal estatura não deveria precisar de auxílio.
No outro lado da balança estão aqueles que ficam felizes quando recebem ajuda, o
que também modifica o semblante (Licutê Moharan I, 251:4). Neste caso, a
"mudança do semblante" é um bom sinal, porque a alegria é um atributo positivo.
Todavia, esse tipo de alegria em geral tem vida curta, porque o indivíduo continua
carente e logo voltará a necessitar de ajuda.
Portanto, sua alegria é limitada e inevitavelmente incompleta.
A alegria genuína e duradoura não provém do recebimento de nada, mas só da
satisfação interior que nasce, de forma espontânea, da obtenção da verdade.
Por conseguinte, a pessoa deve sempre se esforçar para alcançar a verdade, que
fará seu semblante brilhar verdadeiramente.
O Rebe Nachman ensinou:
A pessoa deve purificar seu semblante, de modo que seu rosto brilhe como um
espelho. Então, os outros serão capazes, literalmente, de se "ver" em seu
semblante tão luminoso. Eles perceberão que têm o próprio rosto imerso na
escuridão e, desta maneira, serão levados ao arrependimento.

A Testa
Uma passagem muito conhecida do Zõhar desvenda os mistérios da testa,
analisando cada ruga e vinco e explicando como se pode "ler" a face de uma pessoa
em sua fronte.
Localizada entre o cérebro e a parte do rosto na qual se encontram os órgãos dos
sentidos, a testa constitui uma interface entre eles.
Devido à posição proeminente que ocupa, ela pode revelar pensamentos com um
simples movimento.
A testa é associada à sefirá de Kéter no que diz respeito aos poderes ocultos da
mente; e também a Dáat, porque ela pode ser "reveladora" e, conforme vimos,
Dáat é a manifestação externa de Kéter.

O diadema de ouro [do sumo sacerdote] estará sobre a testa de Aarão... leratson
[para aceitação] diante de Deus.
Êxodo 28:36-38
A citação acima é a chave para a compreensão da eficácia da testa.
A expressão "para aceitação diante de Deus" refere-se à aceitação do
arrependimento e perdão dos pecados.
As palavras "diante de Deus" indicam que sobre o tsits (o diadema de ouro) estava
gravado o Nome Sagrado de Deus, o Tetragrama. Mas tsits também significa "fitar"
e sugere que, para que o diadema efetive o perdão, a pessoa deve olhar com
atenção e tentar encontrar a Divindade.

2
É necessário colocar o tsits sobre a testa — ou seja, conectar a mente e os
pensamentos à procura da espiritualidade — para ter êxito na busca de Deus.
O Ari escreve que, quando o indivíduo cumpre uma mitsvá, as letras associadas a
ela ficam gravadas em sua testa e iluminam seu rosto nesse dia.
Inversamente, quando se comete uma transgressão, as letras correspondentes
também aparecem na testa.
As mitsvót e transgressões ficam inscritas na fronte da pessoa ao longo do dia e
depois são apagadas, para que a área fique limpa para as boas e más ações do dia
seguinte.
A exceção a esta regra é a mitsvá da caridade, que permanece gravada, como está
escrito: "A caridade perdura por todo o sempre" (Salmos 111:3).
Assim, a testa irradia a luz mais esplêndida das boas ações, iluminando o
semblante da pessoa com o brilho de suas mitsvót.
A testa também pode revelar sentimentos.
Duas características opostas "exibidas" claramente pela fronte são a humildade e o
atrevimento.
A pessoa modesta tem um semblante luminoso que reflete humildade.
A falta de vergonha e o atrevimento também se exibem de forma ostensiva, como
indica o seguinte versículo (jeremias 3:3): "Mantiveste a fronte de uma meretriz e
não te mostraste envergonhada."
O Rebe Nachman o explica deste modo:
Antes de cometer uma transgressão, o indivíduo tem alguma consciência de Deus e
sente um certo constrangimento diante Dele. Ele só pecará, Deus o livre, se um
espírito de insensatez o dominar. Depois, quando ele se arrepende, esse espírito se
transforma num espírito de sabedoria. Então ele se sente envergonhado diante de
Deus por causa dos pecados que cometeu - muito mais envergonhado do que se
sentira antes de pecar.
O pecado em si foi motivo de vergonha, mas agora é o arrependimento que faz o
constrangimento refletir-se em seu rosto. Desta maneira, ele atinge um nível mais
elevado de consciência de Deus, e esta nova humildade brilha então em sua testa,
distinguindo-a da "fronte da meretriz", que não mostra nenhuma vergonha.
Com humildade, pode-se alcançar um grau muito alto de compreensão do temor a
Deus.

Graça Divina
Testa em hebraico é “metsach”.
O Rebe Nachman ensina que há um poder de impureza conhecido como “metsach
hanachash”, "testa da serpente", que se refere às forças destrutivas do ateísmo.
O metsach hanachash deriva seu vigor das pessoas que têm vida longa mas não
preenchem seus dias com santidade. O ateísmo torna-se purulento e se fortalece à
medida que a vida avança.
A antítese do metsach hanachash é o metsach haratson, a "testa da graça Divina",
que corresponde a Kéter.
Como vimos antes, Kéter representa o partsuf de Arich Anpin, que se traduz como
"face alongada".
À vida longa do metsach hanachash contrapõe-se o metsach haratson, Kéter, a
Face Alongada que tem a conotação de "vida longa" - das forças da santidade.
Como seu poder é extraído da "vida longa" que está repleta de graça Divina, o
metsach haratson pode sobrepujar o metsach hanachash, as forças do ateísmo.
O Rebe Nachman ensinou que o caminho para despertar o poder do metsach
haratson e superar o metsach hanachash é a prática da caridade.
Isso ocorre porque a caridade denota vida longa, como está expresso no seguinte
versículo (Eclesiastes 11:1): "joga teu pão sobre a superfície das águas e, após
muitos dias, volverás a achá-lo."
Portanto, a prática da caridade é associada a "muitos dias", que tem o sentido de
Arich Anpin, a Face Alongada.

3
O metsach haratson ganha assim o poder de proteger a pessoa das provocações do
ateísmo. Isto está em conformidade com o ensinamento do Ari segundo o qual a
mitsvá da caridade permanece gravada na testa, o que faz deste preceito a chave
para o poder do metsach haratson.

O Êxodo e o Sêder
Quando chegou o momento do Êxodo do Egito, os judeus não tiveram tempo de
assar “chamêts”, “pão fermentado”.
O Reb Natan escreve que a palavra hebraica “chamêts” (  ) tem as mesmas
letras de “metsach” (), e que há uma ligação direta entre os conceitos.
Para relembrar o Êxodo, os judeus comemoram Pêssach comendo “matsá” em vez
de “chamêts” durante todos os dias da festa.
Eles celebram o sêder na primeira noite e realizam várias mitsvót ordenadas numa
seqüência específica, que começa com o “cadêsh” (a recitação do Kidush) e culmina
no “nirtsá” (aceitação).
Se a ordem do sêder for seguida meticulosamente, as devoções dessa noite serão
aceitas de boa vontade por Deus.
Assim como a história de Pêssach se repete todo ano, em cada geração, o Reb
Natan aplica a idéia central desse evento ao ser humano de todas as épocas.
Na jornada rumo à espiritualidade, antes de iniciar seu Êxodo pessoal, o indivíduo
passa por alguma forma de escravidão, que o prende a um estilo de vida
materialista, e deve apressar-se para sair desta condição.
Em tais circunstâncias, ele não tem tempo de preparar o “chamêts” — “pão e
outras iguarias bem assadas”.
Devido à urgência da fuga do materialismo, é preciso contentar-se com a matsá.
Como tudo neste mundo, o chamêts tem aspectos negativos e positivos, que se
originam da árvore do conhecimento do bem e do mal.
Porém, em geral, por fermentar, ele é associado a características nocivas, como a
arrogância (porque o pão "sobe", por exemplo), a ira e o ateísmo, conforme indica
o seguinte versículo (Salmos 73:21): "Meu coração itchamêts [fermenta]" (isto é,
se enfurece com o sucesso dos perversos).
Do lado positivo, chamêts tem as mesmas letras de metsach (testa), e sua raiz se
encontra no nível elevado de ratson (vontade).
Neste sentido, o chamêts reflete uma grande sabedoria espiritual.
Para obtê-la, o indivíduo deve preparar-se com muito afinco e devoções intensas.
Dado que, na busca da espiritualidade, é imprescindível livrar-se antes da
escravidão do materialismo, a pessoa não deve pressupor que logo será digna de
alcançar um grau superior de sabedoria.
Talvez ela demore muito tempo para chegar a um nível espiritual elevado, e neste
ínterim ainda não estará pronta para consumir chamêts.
É por esta razão que somos proibidos de comer chamêts em Pêssach — por medo
de que ainda não tenhamos atingido o nível necessário de ratson.
Portanto, conduzimos o sêder, que significa "ordem", e através dele organizamos
nossas prioridades.
Começamos com o cadêsh, que se traduz como "preparação" (Gênesis 38:21),
como se estivéssemos dizendo: "Ainda não estamos prontos para adquirir uma
grande sabedoria, mas estamos dispostos a fazer o máximo esforço para alcançá-
la. Devemos comportar-nos adequadamente e ir de mitsvá em mitsvá, de devoção
em devoção, empenhando nossos esforços na espiritualidade passo a passo.
Esperamos concluir o nosso `seder' com nirtsá, que indica boa vontade, com a qual
todas as nossas devoções serão aceitas."
A ingestão de chamêts é proibida até o fim de Pêssach, porque é preciso esperar a
"abertura do mar" (que ocorreu no último dia).
Vimos em texto anterior que a abertura do mar corresponde ao descerramento dos
portais da sabedoria (a verdadeira Dáat).

4
Assim, depois de ter o mérito de entrar no mar de sabedoria e atravessá-lo com
segurança, sem sucumbir ao ateísmo ou outras filosofias nocivas pelo caminho, a
pessoa pode comer chamêts.
Após concluir com sucesso todas as etapas de Pêssach, em vez de dirigir suas
energias espirituais para o materialismo, ela pode ter certeza de que sua atividade
intelectual se voltará para a fé e o desejo espiritual verdadeiro.
Então seu chamêts se tornará metsach — o metsach haratson — graça Divina.

Continua

5
Anatomia da Alma – Parte 35

O Sistema Nervoso Periférico – Parte Final

Os Pêlos: Portais da Sabedoria


Os pêlos compõem o tegumento do corpo humano.
Tegumento significa "envoltório externo" e é o conjunto formado pela pele e suas
glândulas, cabelos, pêlos e unhas que cobrem e protegem os órgãos internos e a
superfície externa do corpo.
Analisaremos os pêlos juntamente com o sistema nervoso periférico porque, assim
como a testa, eles representam níveis espirituais muito elevados.
Além disso, em diversas ocasiões eles reagem como órgãos sensoriais, como
quando "ficam em pé", "sentem" a eletricidade atmosférica ou o frio, e assim por
diante.
Os pêlos têm forma cilíndrica e funcionam como um revestimento protetor do
corpo. Eles podem ter diferentes comprimentos, espessuras e cores e, dependendo
de sua localização, podem ser macios ou ásperos. Por exemplo, se comparado aos
pêlos da face, o cabelo (para os fins deste estudo, este termo designará o conjunto
de pêlos que cobrem a parte superior e posterior da cabeça) em geral é muito mais
macio.
O cabelo e os pêlos da face correspondem a alguns dos níveis mais elevados de
santidade.
O Zôhar descreve diversos tipos de pêlo: longo e curto; encaracolado e liso; áspero
e macio; grosso e fino; branco, vermelho, loiro e preto.
As múltiplas diferenças entre um tipo de pêlo e outro fazem alusão às variadas
características humanas. Sucintamente, o Zôhar define os pêlos como canais que
possibilitam que a luz de Deus seja filtrada das mais excelsas alturas até níveis
muito inferiores.

Os Pêlos: Uma Introdução Cabalística


O Ari explica que todos os tipos de pêlo representam julgamento e, portanto,
contração de luz, pois julgamento significa restrição. Sendo assim, não seria
benéfico eliminá-los? Respondendo claramente a esta questão, o Ari escreve que o
julgamento é parte integrante deste mundo.
No entanto, ele deve ser moderado.
Por conseguinte, prossegue ele, o cabelo deve ser curto, para minimizar nossa
exposição ao julgamento, mas alguma quantidade precisa permanecer.
Isso pode ser deduzido da proibição da Torá de raspar as “peot”, os pêlos dos
"lados" da face.
A palavra “peá” () (singular de peot) tem o mesmo valor numérico do Sagrado
Nome de Deus Elohim (=86), que se refere aos Julgamentos Sagrados.
Como os pêlos faciais começam onde as peot terminam, a proibição de tosar
também se aplica à barba. Porém, ainda que, em alguns níveis, estes pêlos de fato
representem julgamento, em sua fonte eles correspondem a atributos elevados de
misericórdia, conforme será explicado abaixo.

Os Portais da Sabedoria
O Rebe Nachman ensina que a mente possui grande sabedoria, mas é necessário
abrir certos "portais" para que ela seja revelada.
O cabelo constitui estes "portais", pois se encontra fora da cabeça, como se
estivesse protegendo tudo que está dentro dela, da mesma maneira que um portão
protege um edifício de intrusos.
É por isso que as palavras hebraicas “sear” (), “cabelo”, e “sháar” (),
“portão”, são escritas da mesma forma, fazendo alusão aos "portais da sabedoria".
O que exatamente significam estes portais?
O Rebe Nachman ensina que as mitsvót da Torá são portais através dos quais se
deve passar para obter "percepção da Divindade" — um intelecto mais sagaz e uma

1
compreensão mais elevada de Deus. Somente por meio da observância das mitsvót
é possível atravessar os portões e alcançar a verdadeira sabedoria espiritual.
Isso ocorre porque o intelecto está oculto no interior da mente, e só podemos
"adentrá-lo" por seus "portões" — cumprindo as mitsvót, somos capazes de
desvelar o intelecto encoberto. Assim, a percepção da Divindade" é esse grande
intelecto, e as mitsvót que Deus nos deu são os portais através dos quais podemos
entrar para atingi-la.
O sear faz menção a esses portais, pois se assemelha à palavra sháar, remetendo-
se aos portões das mitsvót. Nesta mesma lição, o Rebe Nachman ensina que
cabelos pretos correspondem a Malchut (que também é análoga à pupila negra do
olho). Isso indica que, para obter "percepção da Divindade", deve-se aceitar a
Malchut de Deus, o jugo do Céu, e cumprir Seus mandamentos, as mitsvót.
Quanto mais completa for a observância das mitsvót, maior será a capacidade de
alcançar "percepções da Divindade" mais elevadas.
[A expressão "cabelos pretos", quando empregada nos escritos sagrados, em geral
se refere a uma fase imatura ou inicial de desenvolvimento intelectual, ao contrário
de "cabelos brancos", que indica um período mais maduro. Malchut, a mais baixa
das sefirot, representa o começo, ou o portal, de percepções mais apuradas da
Divindade. Portanto, a associação de Malchut aos "cabelos pretos" faz alusão à
entrada da pessoa no caminho da espiritualidade.]
O Rebe Nachman nota que a letra hebraica “shin” recebe um ponto no alto à direita
e tem o som de "sh"; quando o ponto é colocado à esquerda, ela se transforma na
letra “sin”, que tem o som de "s". Assim, a pronúncia dessa letra depende do
"ponto de vista" do observador.
É possível ver o cabelo como um “sháar” e buscar a sabedoria que ele "protege", ou
focalizar os seus aspectos externos, vendo-o como nada mais que “sear” (cabelo).
Todos têm alguma "matéria estranha" dentro de si, tanto os tolos como os sábios.
Ela se manifesta nos cabelos, que crescem sobre a cabeça, mas fora do corpo.
O sábio "aponta" sua matéria estranha para a espiritualidade — de modo que seus
searot (cabelos) se tornam shearim (portões), através dos quais ele aumenta sua
sabedoria e apreensão da Divindade.
Assim, o Profeta Elias é descrito como "um homem de cabelos compridos" (2 Reis
1:8). Todavia, os searot do tolo só produzem mais matéria estranha, isto é,
inimigos, como disse o Rei David (Salmos 69:5): "Os meus inimigos são mais
numerosos que os cabelos da minha cabeça."
Isso acontece porque o tolo, em vez de procurar o sháar da sabedoria, contenta-se
em dar ao sear uma posição importante em sua vida, concentrando demasiado
tempo e esforço em características externas insignificantes, como o cabelo, que só
o conduz a mais excessos. Estes excessos, por sua vez, só o farão ganhar inimigos.
Essa idéia está implícita no seguinte versículo (Eclesias-tes 10:2): "O coração do
sábio se volta para a direita [shin / sháad, enquanto o do tolo se volta para a
esquerda [sin / sear]."
Nessa mesma linha de raciocínio, o Rebe Nachman ensina que o amor é nutrido
pela mente assentada e clara (livre de matérias estranhas), enquanto o ódio se
desenvolve devido a uma perturbação mental.
Quanto mais a pessoa deixar que sua mente seja danificada, principalmente pela
avareza, mais intenso será o ódio que a envolverá — tanto o ódio que ela sente dos
outros como o ódio que os outros têm dela.
É evidente que, quanto maior for a duração da perturbação mental, mais extenso
será o período no qual os inimigos terão motivo para manter o ódio.
Além disso, também surgirão "inimigos gratuitos" — que nunca tiveram razão para
odiar o indivíduo, mas o odeiam mesmo assim. Estes inimigos são análogos ao
cabelo, porque, assim como o cabelo está fora do corpo e tira seu sustento dos
"excessos da mente", esses inimigos "extrínsecos" são criados com a matéria
mental excedente.
É necessário livrar a mente dos excessos para obter amor. De modo semelhante, o
Talmud usa a palavra “cluá” (cabelo trançado ou encaracolado) para descrever Eva,

2
que representa Biná (entendimento). Assim, o cabelo encaracolado corresponde ao
entendimento, podendo referir-se a um nível mais profundo ou a uma forma
"estranha" de entendimento — isto é, a pessoa pode usar seu intelecto para crescer
espiritualmente ou para "torcer" a verdade.

Calvície
É um fato interessante que, embora o cabelo esteja sempre crescendo, o feixe de
fios que vemos seja composto de células mortas (motivo pelo qual não sentimos
dor quando os cortamos). Seguindo o mesmo padrão da maioria das células do
corpo, o crescimento do cabelo é rápido na juventude, mas diminui, e às vezes
cessa completamente, à medida que a pessoa envelhece.
As raízes podem até morrer, provocando a calvície.
Quanto maior for o intelecto revelado pelo indivíduo, mais forte será a oposição que
ele despertará (porque as pessoas tendem naturalmente a opor-se a qualquer idéia
nova). No entanto, a oposição só é sentida no começo, quando esse intelecto maior
é revelado pela primeira vez (e está além da capacidade da maioria das pessoas
captar a sua importância).
Mais tarde, quando o intelecto é plenamente revelado em toda a sua profundidade,
a matéria estranha que era a causa da discórdia e da oposição diminui e
desaparece.
O Rebe Nachman explica que essa evolução dos acontecimentos relacionados com a
revelação do intelecto reflete-se no cabelo. Quando é jovem, o indivíduo tem a
cabeça cheia de cabelos, que constituem a matéria estranha que o faz opor-se a
novas idéias. (Ele também tem o sangue quente e disposição para desafiar um
intelecto maior que o seu.)
Conforme ele envelhece, seu cabelo cai, e ele talvez comece a ficar calvo.
A esta altura, sua mente está desenvolvida e pode ser reconhecida como um
intelecto superior, como ensina o Zôhar: "A mente dos anciãos é assentada e
relaxada."

A Barba
O número 13 é associado a muitos conceitos inter-relacionados no judaísmo e na
cabala. Aos 13 anos de idade, o jovem torna-se bar mitsvá (cujo sentido literal é
"filho do mandamento"), entra na comunidade de Israel e é plenamente aceito
como membro efetivo, em pé de igualdade com os mais velhos.
O Talmud ensina que existem 13 princípios exegéticos da Torá (Safrá Debê Rav,
introdução) e fala também de 13 níveis de santidade que podem ser alcançados por
meio do estudo da Torá. Foram necessários 13 itens para a construção do
Santuário (Êxodo 25), 13 rios de especiarias correrão pelo jardim do Éden como
parte da recompensa dos justos (conforme Zôhar), e a Cabala menciona as 13
retificações da barba (13 "pontos" ou "traços faciais") do partsuf (Persona Divina)
de Arich Anpin (formado pelas sefirot Keter, Chochmah e Bina).
Mas talvez o conceito mais importante relacionado com o número 13 seja o dos 13
Atributos de Misericórdia de Deus, por intermédio dos quais até o pior pecador, por
mais que se tenha desencaminhado ou por mais graves que sejam as suas
transgressões, pode obter o perdão Divino (ver Êxodo 34:6-7).
O Ari escreve que os 13 Atributos de Misericórdia estão enraizados em Kéter e se
manifestam nos 13 pontos da "barba de Arich Anpin", conhecidos como as 13
retificações da barba.
O Ari estende-se sobre o assunto, explicando muitos mistérios da Cabalá por meio
desses pontos da barba. A "barba de Arich Anpin" é descrita como análoga à barba
do homem, que corresponde, portanto, aos mais elevados níveis espirituais.
Examinemos agora brevemente esse paralelo entre os 13 Atributos de Misericórdia
e a barba sublime de Arich Anpin.

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Deus, misericordioso e benevolente, tardio em irar-Se e grande em amor e
verdade; que guarda misericórdia por milhares de gerações, perdoa pecado,
rebelião e erro, e absolve.
Êxodo 34:6-7

Depois do pecado do bezerro de ouro, Deus proclamou a Moisés Seus 13 Atributos


de Misericórdia, que são: (1) Deus, (2) misericordioso (3) e benevolente, (4) tardio
(5) em irar-Se (6) e grande em amor (7) e verdade; (8) que guarda misericórdia
(9) por milhares de gerações, (10) perdoa pecado, (11) rebelião (12) e erro, (13) e
absolve. (Esta ordem dos 13 atributos foi estabelecida pelo Ari, como consta no Ets
Chaim.)
O Zôhar e o Ari detalham cada um dos 13 atributos, relacionando-o com uma
posição na face.
O atributo da verdade, por exemplo, é associado às bochechas.
Vimos em texto anterior que a "fisionomia da face" é a verdade, que se manifesta
nas bochechas, onde a fisionomia é mais evidente.
Os outros pontos da "barba" são o bigode, os pêlos abaixo da boca, próximos às
orelhas, no pescoço e assim por diante.
No total, há 13 pontos pelos quais a barba pode ser identificada, sendo alguns os
próprios pêlos, e outros, as áreas onde a pele é visível, como os lábios e as
bochechas (para uma explicação mais detalhada, ver Ets Chairn).
Arich Anpin corresponde ao nível de Kéter (vontade ou graça Divina) e se traduz
como "face comprida ou alongada", sugerindo antiguidade.
Seus "cabelos", portanto, são brancos como os de um avô.
A citação apresentada acima, "A mente dos anciãos é assentada e relaxada", indica
que o despertar do conceito de Arich Anpin provoca o despertar correlato de uma
grande misericórdia, porque no nível de Kéter a misericórdia de Deus é absoluta e
pura. Assim, como um avô, Ele deseja conceder o máximo de bem,
independentemente dos méritos de Seus "netos".
Por conseguinte, apesar de os pêlos, principalmente os da face, representarem
julgamentos, a barba é maleável — ou seja, apesar de estarmos cercados de
julgamentos, eles sempre podem ser abrandados e suavizados, e resultar em
decretos piedosos.
Este é o mistério dos 13 Atributos de Misericórdia.
Ainda que a pessoa tenha pecado e feito o julgamento prevalecer, ela é capaz de
despertar a benevolência de Deus a tal ponto que mesmo um decreto severo pode
ser anulado e transformado em misericórdia e perdão.
Logo, a barba humana, por ser análoga à Barba Sublime de extraordinário poder,
simboliza uma força espiritual incrível.

A Beleza do Semblante
A barba personifica a honra e a beleza do semblante.
Há um versículo que afirma (Levítico 19:32): "Honrarás a face do zaken [velho]."
A palavra hebraica “zaken” se escreve exatamente da mesma maneira que “zacan”,
que significa “barba”.
Assim, a honra do semblante do homem se manifesta pela barba.
Isto ocorre porque as 13 retificações da barba correspondem aos 13 princípios
exegéticos da Torá: quanto mais conhecimento da Torá a pessoa adquire, maior é a
sua percepção do que constitui um Semblante Divino.
No Licutê Moharan, o Rebe Nachman ensinou:
A paz só pode ser alcançada por meio da iluminação da face, pela honra majestosa
do semblante, a barba... o semblante majestoso corresponde a explicações da
Tora; porque a Tora é explicada pelos 13 princípios exegéticos que fluem das 13
retificações do “zacan” [a barba de Arich Anpin], o nível do semblante majestoso.
Assim está escrito: "Honrarás a face do zaken [velho]." É impossível obter um
semblante tão majestoso, senão pela retificação da “berit” [isto é,” pureza
sexual”]...

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O Rebe Nachman estabelece aí uma relação entre a barba e os órgãos sexuais, que
é mencionada em diversas fontes. O Sêfer letsirá (1:3) fala muito da “milat
halashon” (“circuncisão da língua”) como da “milat hamaor” (“circuncisão do
membro”).
O Talmud chama os pelos pubianos de "barba de baixo" e, de modo semelhante,
diz que o "sinal de cima" da adolescência (os pêlos faciais) não costuma aparecer
antes que o "sinal de baixo" (os pêlos pubianos) tenha começado a crescer.
Na lição acima, o Rebe Nachman amplia esta analogia:
Assim como o crescimento dos pêlos pubianos deve preceder o surgimento da
barba, o controle dos desejos sexuais deve preceder a revelação dos 13 princípios
exegéticos que fluem das 13 retificações da barba. (Porém, isto não significa que,
antes de alcançar a pureza sexual, não se possa obter nenhum conhecimento da
Torá, e sim que a revelação da Divindade que se encontra na Torá é proporcional
ao grau de pureza da pessoa.)
O Rebe Nachman prossegue:
A afinação da voz no canto é condizente com [o grau de pureza sexual e] o
refinamento da sabedoria da pessoa por meio dos 13 princípios exegéticos.
Essa idéia está refletida em: "Zaken - zé caná chochmá" [“0 ancião é aquele de
quem se diz: 'Este adquiriu sabedoria'"].
É o “canê” [traquéia] que facilita a expressão da voz.., e, com uma voz pura e
clara, realiza-se o seguinte versículo: "Farei então com que os povos voltem a
conhecer uma língua pura, com a qual todos possam invocar o Nome de Deus, para
servi-Lo com seus sentimentos unidos."

Resumidamente, pode-se dizer então que o controle do desejo sexual leva a


revelações de ensinamentos da Torá, que se manifestam no semblante majestoso
da pessoa que merece o título de zaken, que faz alusão a canê, a voz clara e pura.
Esta voz conduz à paz, pois, com uma voz clara e pura, todos invocarão o Nome de
Deus e O servirão unidos.

Os Nove Atributos de Misericórdia


Arich Anpin significa, literalmente, "face comprida" ou "face alongada" e é o partsuf
correspondente a Kéter.
Zeer Anpin significa "pequena face" e é um partsuf de estatura mais baixa.
Na qualidade de persona principal, Arich Anpin contém 13 retificações da barba.
Zeer Anpin possui nove retificações, que correspondem aos nove atributos de
misericórdia que Moisés invocou quando os espiões difamaram a Terra Santa e
Deus quis punir o povo hebreu (Números 14:18): "(1) Tardio (2) em irar-Se, (3)
grande (4) em amor, (5) perdoa pecado (6) e rebelião, (7) absolve os que fazem
penitência (8) e não absolve os que não fazem penitência, (9) mas cobra os
pecados dos pais nos filhos, netos e bisnetos."
Esses nove atributos são análogos aos nove pontos da barba de Zeer Anpin, cujos
cabelos são pretos como os de um jovem.
Em conformidade com o que vimos em referência a Arich Anpin, a "cor" e o
"tamanho" dos pêlos da barba são indicadores da natureza da misericórdia que
pode ser invocada e obtida em cada nível. Assim, Zeer Anpin pode ser entendido
como um "pai" que dá de acordo com os méritos dos filhos.
Neste nível, portanto, a misericórdia é restrita, e por isso só há nove atributos em
vez de 13.
Num de seus ensinamentos mais extensos sobre o poder do discurso de Torá de um
tsadic, o Rebe Nachman delineia as aplicações práticas dessas nove retificações,
explicando-as segundo a apresentação do Zôhar.
- A primeira retificação: Pêlos e mais pêlos que vão da frente das orelhas à
margem superior da boca — Este é o conceito de searot [cabelos], expresso em
"Shaarê [os portões de] Tsion" (Salmos 87:2), que corresponde [ao poder dos
ensinamentos do tsadic de subjugar a má inclinação no coração dos que se reúnem
para ouvi-lo; a idéia da permutabilidade entre sháar e sear (portão e cabelo) já foi

5
explicada neste texto]. "Da frente das orelhas à margem superior da boca", ou
seja, antes de ouvirem [entenderem] o que seria esperado deles se aceitassem a
Torá, eles abriram a boca e disseram (Êxodo 24:7): "Nós faremos." É esse o
significado de "Sua boca precedeu suas orelhas".
- A segunda retificação: [O bigode sobre o lábio] de um lado ao outro — Após
subjugar o mal que há neles, conforme explicado acima, o tsadic os livra da
submissão à autoridade do outro lado e os conduz ao domínio da santidade.
É esse o significado de "de um lado ao outro".
- A terceira retificação: Abaixo das duas narinas há um caminho que é cheio,
mas não visível — "Abaixo das duas narinas há um caminho" refere-se ao nariz
[isto é, a respiração e a oração]... "Um caminho que é cheio", porque (Salmos
34:10) "nada falta aos que O temem..." "Mas não visível", pois a pessoa deve ser
humilde [tornar-se invisível] e não confiar em seus próprios méritos...
- A quarta retificação: Os lados [da face] são cobertos [de pêlos] de cada lado -
Isto é a ligação das almas deles [à alma do tsadic]. Diz-se então que aqueles [que
seguem o tsadic] "o cobrem [cercam] de todos os lados".
- A quinta retificação: Dois “tapuchin” [“bochechas”] são visíveis, vermelhos
como a rosa - [Quando um tsadic pronuncia palavras calorosas de estímulo], as
valvas do coração são “niftachin” [abertas].
As misericórdias do Coração Sublime então são atiçadas, e brotam palavras
fervorosas, semelhantes a brasas vermelhas como a rosa.
- A sexta retificação: Num “chut” [fio] cabelos pretos duros “talian” [cascateiam]
até o peito - Este é o conceito de aproximar-se da Torá... pois suas lições são "tilê
tilim shel halachot [pilhas sobre pilhas de leis]"... "Num chut [fio]" corresponde a
"Deus é rigoroso com os tsadikim por um “chut hasseará” [“fio de cabelo”]".
- A sétima retificação: Lábios, vermelhos como a rosa e totalmente sem pêlos -
Isto faz alusão à criação dos anjos [por meio de palavras de Torá pronunciadas com
santidade], como consta em (Salmos 33:6): "Pela palavra de Deus os céus foram
formados e, pelo sopro de Sua boca, todas as suas hostes angelicais."
"Vermelhos como a rosa", como consta em (Salmos 104:4): "Ele torna os ventos
Seus mensageiros, e o chamejante fogo vermelho Seu atendente."
- A oitava retificação: Pequenos cabelos descendo até a garganta e cobrindo a
parte posterior do pescoço - "Pequeno" aqui é sinônimo de Edom / Esaú, como
consta em (Obadias 1:2): "Eis que te fiz pequeno entre as nações."
"Descendo até a garganta" é sinônimo da espada [que deve ser tomada de Esaú
para punir os perversos], e corresponde a (Salmos 149:6): "Exaltações a Deus
provêm de sua garganta, e em suas mãos portam espadas de dois gumes."
"A parte posterior do pescoço" refere-se à subjugação do poder do outro lado, a
saber, Esaú, que vira as costas [e se recusa a aceitar os ensinamentos Divinos].
- A nona retificação: Cabelos longos e curtos que terminam juntos — Isto
corresponde à Terra de Israel, que é dividida entre as tribos.
Porque cada uma das 12 tribos foi comparada a um animal diferente e recebeu
seus atributos característicos ["judá é um leão... Naftali, uma gazela... Benjamin,
um lobo... Dan, uma serpente..." (Rashí, Êxodo 1:19)], e algumas tribos eram
maiores e outras menores, elas são comparadas a (Salmos 104:25) "animais
pequenos e grandes".

Assim, quando a pessoa ouve os discursos de Torá dos tsadikim e começa a


cumprir as mitsvót, ela não só domina sua má inclinação e atravessa os portais da
santidade (1), mas também abre caminho para que o tsadic ajude outros a passar
"de um lado (o do mal) ao outro (o do bem)" (2).
Isto é possibilitado pela oração pungente do tsadic (3), que une a congregação (4).
Esta oração, quando vem do coração, abre o Coração Sublime, revelando
misericórdia (5), e permite que sejam desvendados novos ensinamentos de Torá,
dos quais todos podem usufruir (6).
Estes ensinamentos criam anjos (7), que por sua vez combatem as forças do outro
lado e as subjugam (8).

6
Com a derrota do outro lado, a santidade é revelada no mundo, especialmente a
santidade da Terra Santa (9).
O Rebe Nachman explica em seguida que essa revelação de santidade é o segredo
da batalha final contra o mal.
Todo aquele que luta para revelar santidade (por meio de mitsvót e orações, por
exemplo) cria anjos e assim pode vencer qualquer oposição à espiritualidade.
Este indivíduo é chamado de guerreiro valente, pois é capaz de travar uma guerra
para libertar a "Terra Santa" de seus opressores.
O guerreiro valente adquire o poder de revelar a santidade da Terra Santa, ou seja,
de revelar Divindade e, deste modo, subir continuamente a escada espiritual!

As Peot
Os cachos de cabelo conhecidos como peot (peá no singular) estendem-se das
têmporas (logo acima de onde se iniciam as costeletas) até as orelhas.
Como explicamos, as peot não devem ser raspadas nem curtas demais, apesar de
representarem julgamento, porque o julgamento é fundamental para a existência
do mundo.
“Peá” significa "canto" ou "extremidade".
As peot são canais importantes através dos quais a sabedoria Divina pode ser
recebida e representam a revelação mínima do extraordinário intelecto sublime.
Vimos em texto anterior que os sete orifícios da face correspondem aos sete braços
da menorá.
A menorá em si é análoga à cabeça, e o óleo contido nela representa a mente.
Assim, o cérebro corresponde à luz, e os cabelos atuam como canais que propagam
essa luz e exibem seu enorme poder.
A luz produzida pelo homem pode difundir-se de várias maneiras.
A lâmpada elétrica, por exemplo, espalha a luz largamente por todas as direções. já
o raio laser é um feixe de luz concentrada que pode ser direcionada para um ponto
específico, próximo ou distante de sua fonte, de forma muito mais efetiva.
A luz do cabelo poderia ser comparada à da lâmpada elétrica, enquanto a das peot
se assemelharia à do raio laser.
Assim, as peot, apesar de pequenas, podem exercer um grande impacto.
O Rebe Nachman disse certa vez: "O mais leve movimento das peot causa uma
grande alegria no Alto", porque elas são uma demonstração visível da dedicação da
pessoa a Deus.
O Reb Natan escreve que a aceitação da Torá através dos séculos se deve à barba
e às peot. Quando um judeu queria assimilar-se às nações, a primeira coisa que ele
fazia era raspá-las, a fim de livrar-se dos sinais externos do judaísmo e assumir a
identidade da cultura circundante.
A barba e as peot têm tanta importância porque correspondem à barba e às peot
Divinas, que canalizam as forças da espiritualidade e as fazem descer até o homem
em porções "manejáveis".
Portanto, a barba e as peot não são meros "pêlos faciais".
Elas funcionam como barreiras eficazes contra a invasão das filosofias ateístas e da
imoralidade que nos cerca.
Desta maneira, atuam não apenas como uma afirmação categórica de nossa fé,
mas também como protetoras dessa fé.

O Reb Natan oferece várias considerações esclarecedoras a respeito da importância


de deixar crescer a barba e as peot.
A Torá proíbe que se raspe a barba e as peot com uma navalha ou outros tipos
semelhantes de lâmina. Embora esta lei seja um “choc” - preceito para o qual a
Torá não apresenta motivo — o Reb Natan sugere a seguinte idéia: “Barba”
(“zacan”) faz alusão a “zaken”, que significa “ancião”, ou “vida longa”. A lâmina é
um artefato capaz de ceifar a vida. Sobre a proibição de cortar as pedras do altar
com instrumentos metálicos, nossos Sábios comentam: "Não é razoável colocar
algo que pode ceifar a vida sobre algo que concede vida longa."

7
Este princípio também pode ser aplicado à raspagem da barba com uma lâmina.
O Reb Natan explica ainda que as três festas correspondem à "fisionomia da face",
pois a alegria que se sente no coração é revelada nessas ocasiões.
(A observância das festas eleva o ambiente material para o serviço a Deus,
produzindo uma manifestação de alegria, da mesma maneira que a alegria se
manifesta no semblante.)
As festas também são associadas ao intelecto, que é composto de três colunas —
direita, esquerda e do meio (Chochmá, Biná e Dáat) — sobre as quais se pode
construir um Santuário.
Considerando-se a importância do número “3” em muitos conceitos da Torá, é
importante notar que, juntas, as duas peot e a barba perfazem “3”.
As duas peot correspondem às colunas da direita e da esquerda, e a barba, à do
meio.
Assim, a barba e as peot são análogas às festas, ao intelecto, e à alegria e beleza
do semblante!
Em outro discurso, o Reb Natan explica por que uma criança muito pequena já
pode deixar crescer as peot, mas o crescimento da barba não começa antes da
puberdade.
Este fenômeno está relacionado com o conceito de intelecto transcendental — os
níveis de espiritualidade que no momento estão além do alcance da pessoa e pelos
quais ela tem de lutar continuamente.
O caminho para chegar ao intelecto transcendental é a oração e clamor a Deus.
Por fim, o que antes era transcendente é internalizado e torna-se imanente,
abrindo novos horizontes de intelecto transcendental mais elevado.
A interiorização deste novo intelecto pode ser realizada por meio da santificação
das "sete lâmpadas" (os orifícios da cabeça) que, conforme explicamos, refletem a
pureza da mente.
Com a santificação dessas lâmpadas, a pessoa ganha a habilidade de esforçar-se
para atingir os níveis de intelecto que ainda estão além de seu alcance.
À medida que a criança cresce, suas faculdades intelectuais se desenvolvem.
Porém, por mais que aprenda, ela sempre terá uma capacidade limitada de
absorver e internalizar o conhecimento.
Vimos que “peá” significa "canto" ou "extremidade" e representa uma revelação
mínima da Divindade. Deduz-se daí que o intelecto imaturo da criança não
consegue absorver níveis elevados de Divindade.
Assim, as peot, que crescem desde a infância, são comparadas a um clamor a Deus
pedindo que Ele nos conceda revelações de sabedoria e nos permita interiorizar o
intelecto transcendental que ainda está fora do nosso alcance.
A barba, por outro lado, corresponde aos 13 princípios exegéticos da Torá.
É por isso que ela só aparece mais tarde, quando o intelecto está mais maduro e é
capaz de absorver muito conhecimento.
A barba simboliza, portanto, a interiorização do intelecto transcendental, pois
contém os principais canais de revelação da Divindade.

Continua

8
Anatomia da Alma – Parte 36

O Sistema Locomotor – Parte 1

Introdução
Vimos que as 613 rnitsvót se dividem em 248 mandamentos positivos e 365
proibições, que correspondem às 248 partes e aos 365 vasos e tendões do corpo
humano.
As 248 partes do corpo enumeradas na Mishná na realidade são as masculinas.
O Talmud acrescenta mais quatro, que pertencem exclusivamente ao sistema
reprodutor feminino.
Assim, a mulher possui um total de 252 partes constituintes.
Porém, como a definição talmúdica de "parte do corpo" inclui diversos órgãos e
articulações, assim como ossos (por exemplo, as quatro partes adicionais
consideradas presentes apenas no corpo da mulher), há uma discrepância entre o
Talmud e a visão científica contemporânea no que diz respeito a esse número — a
medicina ocidental moderna só conta 208 partes no corpo humano.
Essa questão é tratada em muitos trabalhos.
Citamos repetidas vezes a afirmação bíblica de que o homem foi criado à imagem
de Deus, e mais especificamente à imagem do Nome Divino IHVH, que se reflete de
muitas maneiras e em diferentes níveis.
Se olharmos "de dentro para fora", o esqueleto humano corresponde ao lud, os
nervos e tendões, ao primeiro Hê, a carne, ao Vav, e a pele, ao Hê final.
Se observarmos "de cima para baixo", os dois hemisférios do cérebro
correspondem ao lud e ao Hê, o tronco e os braços, ao Vav, e as extremidades
inferiores, ao Hê final.
Isto nos ensina que, qualquer que seja a abordagem, o corpo humano está
destinado a ser um templo para a presença de Deus neste mundo.
Nele não há nada que não tenha algo a nos ensinar a respeito do serviço Divino.

Nos textos a seguir, estudaremos as dimensões espirituais inerentes aos ossos e à


pele, bem como ao tronco, braços e pernas.
Como sempre, nossa análise será guiada pelo princípio básico de que somos em
essência seres espirituais habitando corpos físicos, e não seres físicos que possuem
almas.
Esta distinção importante entre dois modos possíveis de nos percebermos faz uma
grande diferença no que se refere à nossa maneira de viver neste mundo, e é a
idéia fundamental que nos orienta na compreensão da "alma da anatomia".
Na prática, despertamos nossa alma e curamos nosso corpo por meio da
canalização de Dáat (conhecimento Divino) para cada uma das 248 partes do
organismo.
É este o propósito dos mandamentos, mais precisamente dos 248 preceitos
positivos da Torá.
A Torá é a Luz Divina, a inteligência universal que se propaga continuamente pela
criação.
Nossa tarefa é tomar consciência dessa luz e interiorizá-la em todas as células de
nossa mente, coração e corpo.
Como afirmou o Rebe Nachman, é isso que estabelece nossa conexão com Moisés,
que foi capaz de dominar o plano físico mais do que qualquer outro ser humano que
já viveu, e, por conseguinte, teve o mérito de transmitir a Torá a Israel.
Essa conexão está implícita na advertência da Escritura relativa ao alcoolismo
(Provérbios 31:5): "Para que ele não beba e olvide o que foi mechucac
[decretado]."
O Rebe Nachman nos lembra que Moisés é chamado de mechokec, "o legislador"
(Deuteronómio 33:21), palavra hebraica cujo valor numérico é 248. Portanto, na
qualidade de legislador, Moisés é associado tanto à estrutura das mitsvót (os
decretos da Torá) como às partes do corpo.

1
Neste sentido, o poder de Moisés "revestido" nas 248 partes do corpo humano
instrui cada uma delas, orientando-a a prestar atenção às mitsvót que se aplicam a
ela.
O álcool, por outro lado, confunde o cérebro e tolda a capacidade de perceber a
realidade.
Quando estamos "bêbados", ou seja, quando nossa mente é turvada pelos
chamarizes inebriantes do mundo físico, esquecemos Moisés, a Daat (conhecimento
Divino) que está revestida nas 248 partes do corpo.
O Reb Natan observa que o Shemá, nossa profissão de fé, tem 248 palavras.
Este número, como vimos, corresponde aos mandamentos positivos, que são
análogos à estrutura óssea humana, e também expressa o valor da palavra
“rachem” (, compaixão). Logo, deve-se enfatizar que o maior ato de compaixão
que se pode fazer é esclarecer uma pessoa de modo que ela reconheça Deus e
assim aperfeiçoe a sua forma Divina.

A ossatura humana é dividida em duas partes: o esqueleto axial e o esqueleto


apendicular.
O primeiro é formado pela coluna central de ossos (o crânio, a coluna vertebral, as
costelas e o esterno), e o segundo é constituído pelos grupos simétricos de ossos
situados dos dois lados dessa coluna central (os ombros, braços e pernas).
O esqueleto estrutura e suporta os órgãos.
Ele é composto de ossos e cartilagens e interage com as diversas partes do corpo
através dos tendões e ligamentos.
Alguns ossos protegem os órgãos internos vitais, como o cérebro, o coração e os
pulmões. Os ossos também são repositórios de minerais.
Assim, quando o cérebro detecta níveis insuficientes de cálcio, por exemplo, ele
envia um comando para que os ossos o liberem em quantidade adequada para ser
absorvida pela circulação sanguínea.
Além disso, a medula óssea, que preenche as cavidades da maioria dos ossos,
produz células do sangue essenciais.
Os músculos são controlados pelos nervos, que reagem aos impulsos do cérebro.
Os tendões e ligamentos são elementos importantes do sistema locomotor que,
juntamente com os músculos, são encontrados na maior parte da estrutura óssea.
A carne, no sentido que atribuímos ao termo nestes textos, é o tecido macio que
cobre os ossos e inclui os músculos.
A pele é parte do tegumento [que contém também os pêlos (discutidos
anteriormente), as unhas e algumas glândulas] e constitui o revestimento externo
do corpo.
Ela é composta de duas camadas principais (a externa, denominada epiderme, e a
interna, conhecida como derme) e funciona como um envoltório protetor contra
bactérias e infecções. As glândulas sudoríparas da pele eliminam excessos de
líquido e produtos residuais do corpo.

O Corpo: Uma Visão Cabalística


Observamos que o corpo humano, "criado à imagem de Deus", pode ser visto como
um reflexo do Nome Divino IHVH.
A forma humana também personifica as dez sefirot.
O crânio corresponde a Kéter; o hemisfério direito do cérebro, a Chochmá; e o
hemisfério esquerdo, a Biná.
O tronco cerebral e a coluna vertebral são associados a Dáat.
O braço e a mão direita são análogos a Chéssed; o braço e a mão esquerda, a
Guevurá; e o tronco, a Tiféret.
A perna e o rim direito são relacionados com Nétsach; a perna e o rim esquerdo,
com Hod; e o sinal da aliança sagrada, a circuncisão, com lessod.
O espaço no qual o indivíduo se posta (isto é, seus pés) representa sua Malchut
(realeza).

2
A correspondência entre as sete sefirot inferiores e as partes do corpo é mostrada
abaixo:
Sefirá Representação Física Representação
Conceitual

Chéssed Braço e mão direita Doação


Guevurá Braço e mão esquerda Restrição
Tiféret Tronco Harmonia, verdade
Nétsach Perna, rim e testículo direito Vitória, perseverança
Hod Perna, rim e testículo esquerdo Submissão, majestade
lessod Órgão sexual Aliança, canal
Malchut Pés, coroa do órgão, consorte, espaço Recebimento, reciprocidade

Em seu estado ideal, "retificado", as dez sefirot se distribuem em três colunas:


direita, esquerda e do meio.
As colunas à esquerda e à direita contêm forças espirituais de enorme potência,
aparentemente contrárias.
A coluna direita sempre representa misericórdia e bondade, em contraposição à
esquerda, que denota severidade, disciplina e restrição.
A direita é caracterizada pelo amor e aceitação incondicionais e pela prontidão para
transcender limites por meio da fusão do eu com o outro, enquanto a esquerda
enfatiza obrigações e responsabilidades, limites estabelecidos e a definição de si
mesmo.
Embora possa parecer que cada coluna, em si mesma, não tem absolutamente
nada a ver com a outra, na verdade elas formam pares de opostos
complementares.
Esta relação se efetiva na coluna do meio, cuja função é sintetizar as forças
supostamente contrárias da "direita" e da "esquerda", gerando harmonia, união e
paz.
Quando a coluna do meio funciona dessa maneira, diz-se que as dez sefirot se
encontram em estado retificado.
Esse assunto já foi abordado quando discutimos Chochmá e Bina, que definem as
funções mentais da direita (intuitivas, artísticas) e da esquerda (analíticas, lógicas).
Cada uma delas, considerada isoladamente, é imperfeita.
A mente humana necessita de Daat, a confluência de Chochmá e Bina, para
alcançar um estado de perfeito equilíbrio.
O mesmo princípio se aplica a todas as faculdades humanas: a harmonia é obtida
quando aprendemos a balancear os aspectos opostos de nossa personalidade.
De acordo com a antiga doutrina, isso só é possível quando permitimos que a
influência unificadora de Chochmá, Bina e Dáat (nossa consciência Divina superior)
desça e entre nos "compartimentos" separados e opostos de nossas midot (traços
de caráter e emoções).

O Tronco
O tronco corporifica o conceito de Tiféret, a coluna do meio, de harmonia e
verdade. Ele representa o objetivo supremo de uma vida harmoniosa
fundamentada na verdade e equilibra as tendências contrárias do lado "direito" e
"esquerdo" de nossa personalidade.
Enquanto Chéssed (correspondente à mão direita) simboliza doação e aceitação
incondicionais, e Guevurá (a mão esquerda) simboliza a justiça aplicada com base
apenas no mérito do receptor, Tiféret (o tronco) harmoniza os dois extremos.
Por essa razão, ela às vezes é denominada “rachamim” (misericórdia) e, outras
vezes, “mishpat” (julgamento justo e correto).
Tiféret é, portanto, o julgamento misericordioso (julgamento mitigado pela
misericórdia), a combinação perfeita de dois opostos aparentes.
É por isso que “juiz” em hebraico é “shofet”.

3
O juiz serve de árbitro entre partes litigantes e as ajuda a chegar a um acordo
amigável, mishpat.
Apesar de, como indivíduos, percebermos a realidade de maneiras distintas, o juiz
verdadeiramente sábio nos auxilia a reconhecer e aceitar as vastas diferenças que
existem entre nós, e até a superá-las, para que sejamos capazes de viver juntos
em harmonia, o que constitui uma expressão de Tiféret.
O Rebe Nachman ensina que Tiféret, a coluna do meio, corresponde à oração, que
é comparada a (Salmos 149:6) "uma espada de dois gumes [que rompe as
barreiras entre a pessoa e Deus]".
Quando reza, o indivíduo deve ter cuidado para não apontar sua "espada"
demasiadamente para a direita, em direção a Chéssed, nem para a esquerda, em
direção a Guevurá.
É importante manter-se centrado e não perder a mira.
O Reb Natan explica esse ensinamento do Rebe Nachman: Abrahão, Isaac e Jacob
personificam as sefirot de Chéssed, Guevurá e Tiféret.
Abrahão é a expressão de Chéssed, como se vê claramente em suas notórias
qualidades de bondade e hospitalidade.
Isaac é o modelo de Guevurá, pois estava disposto a fazer um sacrifício pessoal
extraordinário por amor a Deus.
Mas é Jacob que é conhecido como Tiféret, porque integrou perfeitamente os
atributos do pai e do avô em sua própria vida.
Abrahão gerou dois filhos, Ismael e Isaac.
Isaac também teve dois filhos, Esaú e Jacob.
Nos dois casos, o primogênito representava uma espécie de operação de drenagem
genética— em duas etapas, os “siguim” (impurezas) foram separados da semente
pura dos Patriarcas, para que, na terceira geração, dos filhos de Jacob, a nação
santa de Israel fosse estabelecida.
Em outras palavras, Abrahão e Isaac "trabalharam juntos", cada um desenvolvendo
ao máximo seu atributo próprio, até conseguirem fundir esses atributos em Jacob.
Assim nasceu a nação judia.
Abrahão deu a seu primogênito o nome de Ismael (em hebraico, Ishmael, cujo
significado literal é Ishmá El — Deus ouvirá). Isso indica que Deus ouve as nossas
preces, como diz claramente o anjo de Deus a Hagar, mãe de Ismael, quando lhe
comunica que ela dará um filho a Abrahão (Gênesis 16:11): "Chamarás seu nome
Ismael, porque Deus escutou tua aflição."
Neste sentido, porém, Ismael também sugere que obtemos tudo que precisamos
graças ao Chéssed (bondade) de Deus.
Esta idéia, apesar de ser absolutamente verdadeira, dá margem a um grande erro,
pois pode levar à conclusão equivocada de que não precisamos esforçar-nos para
conseguir as coisas.
"Se Deus já ouviu minha oração, por que eu haveria de incomodar-me em rezar
ainda mais?"

Esaú representa a abordagem oposta.


O nome Esaú () significa "terminado" ou "concluído", pois deriva da palavra
hebraica “assui” (, feito). Ele retrata, portanto, o homem que considera que "se
fez por si próprio" e se relaciona com o mundo como se tivesse suma importância
— e fosse o objetivo supremo da existência.
Foi Esaú que perguntou (Gênesis 25:32): "De que me servirá a primogenitura?",
expressando uma negação da providência Divina e, por conseguinte, um repúdio da
oração.
É o poder de Esaú dentro do indivíduo que o faz perguntar: "Por que rezar, se as
minhas preces são inúteis? Como não há providência, minha oração não produzirá
efeito."
Ele rejeita a compaixão Divina, dizendo que Deus não escuta as nossas preces e
que nós só obtemos o que merecemos.

4
As perspectivas de Ismael e de Esaú, que devem ambas ser rejeitadas, são
simbolizadas na cerimônia da berit milá (circuncisão).
A circuncisão consiste basicamente na remoção do prepúcio, que tem duas
camadas, uma externa e uma interna.
Logo, há duas etapas nessa mitsvá: a “milá” (corte), que retira a camada externa;
e a “periá” (revelação), na qual se descola e puxa a fina membrana interna para
"revelar" a coroa da glande.
A camada externa do prepúcio representa uma “kelipá” (casca) de corporeidade
irredimível.
Ela deve ser totalmente rejeitada e removida.
A camada interna tem conotações mais sutis, porém é uma kelipá mesmo assim.
A circuncisão judaica não é completa sem a retirada de ambas.
Remover o prepúcio sem despegar e puxar a fina membrana para expor a coroa da
glande é o mesmo que não fazer a circuncisão.
A aplicação desse princípio a Esaú e Ismael mostra o seguinte: Esaú corresponde à
parte da humanidade que não se circuncida. Ele desdenha a circuncisão e tudo que
está relacionado com ela, e não vê nenhuma razão para voltar-se para Deus.
Ismael, por outro lado, pratica a circuncisão, porém apenas parcialmente.
Ele remove a camada externa do prepúcio, mas deixa a camada interna intacta.
Essa idéia também pode ser estendida à oração: Esaú representa o lado da pessoa
que não quer retirar o prepúcio do coração, enquanto Ismael retrata o lado que
tenta fazê-lo, mas não conclui o processo.
O Reb Natan associa esses conceitos à "espada de dois gumes" da oração,
simbolizada por Tiféret, que foi mencionada acima:
Para ser digna de empregar com eficácia a "espada do oração", a pessoa deve
saber combater com ela, sem desviá-la para a direita nem para a esquerda.
Por exemplo, quando se considera a duração aparentemente infinita do atual exílio,
não se deve tirar a conclusão equivocada de que todas as preces do povo hebreu
pedindo salvação foram inúteis, Deus nos livre.
Isso seria inclinar a espada, de modo inadequado e trágico, para a esquerda,
transformando o atributo Divino da compaixão em crueldade, como se o Santíssimo
não ouvisse as nossas orações. Tampouco se deve deduzir, de maneira igualmente
equivocada, que não tem sentido despender energia na reza porque sem a bondade
de Deus é impossível obter alguma coisa por meio da oração.
Confiar unicamente na bondade de Deus é incliná-la, de forma inapropriada, para a
direita.
É necessário seguir o caminho equilibrado do meio.
A pessoa deve sempre aumentar seu empenho na oração, sabendo que seus
pedidos nunca são infrutíferos; porém, ao mesmo tempo, precisa ter em mente
que, sem a bondade de Deus, ela não pode conseguir nada, por maiores que sejam
seus esforços e devoções.
Quando fazemos nosso parte, rezando constantemente por salvação, Deus com
certeza faz a Sua e, por Si Mesmo, agracia-nos com Sua bondade e nos redime.
Essa atitude equilibrada é desenvolvida por meio da prática da caridade (o atributo
característico de Jacob, expresso em "Justiça e tsedacá (caridade) em Jacob"
(Salmos 99:4)).
É por isso que damos caridade antes de rezar.
Ao fazê-lo, repartimos nós mesmos a abundância, e isso nos habilita e elevar a
qualidade de nossas orações.
Ao mesmo tempo, nossas orações associadas à caridade dão a Deus ocasião e
motivo para atender aos nossos pedidos e conceder-nos a abundância que
buscamos.
Jacob, o progenitor das doze tribos de Israel, personifica a coluna do meio e
representa o caminho intermediário da verdade que harmoniza os extremos.
Quando rezamos, devemos seguir a trilha de Jacob e acreditar que Deus ouve e
aceita as nossas preces.

5
No entanto, precisamos continuamente fortalecer-nos e intensificar as nossas
orações, pois sempre há muito mais para pedir.

Continua

6
Anatomia da Alma – Parte 37

O Sistema Locomotor – Parte 2

Carne e Osso
O Rebe Nachman disse certa vez: "Muitas pessoas se enganam, pensando que o
aspecto e o comportamento de um tsadic devem ser diferentes dos das outras
pessoas. Isso não é verdade. O tsadic parece ser igual a todos e não diferir dos
demais seres humanos.
No entanto, ele é algo totalmente distinto."
De que maneira o tsadic se diferencia de nós?

O Rebe Nachman compara a alma à Terra de Israel, e o corpo ao Rio Jordão, que
constitui a fronteira oriental da Terra Santa.
"Fronteira" representa algo que separa a pessoa da santidade.
O corpo pode ser uma fronteira.
Se nos deixamos arrastar às coisas profanas, nosso corpo adquire as características
dessas "fronteiras" que nos desligam da espiritualidade da Terra Santa.
Para podermos experimentar a verdadeira espiritualidade, devemos antes nos
despojar de todas as "vestes estranhas", as aspirações materiais.
O tsadic é alguém que "atravessou a fronteira" da materialidade e entrou no
domínio da existência espiritual.
Sua mente tem consciência constante de Deus, que também é sentida - e
compartilhada - pelo corpo.
Esse estado pode ser atingido por qualquer pessoa que se esforce para isso.
Essa é a função das partes componentes do corpo humano.
Elas devem praticar as mitsvót, elevando assim o indivíduo e permitindo que ele vá
além do limite de sua materialidade por meio do uso sagrado dessa mesma
materialidade.

O Rebe Nachman ensinou:


A pessoa deve sentir muita compaixão de seu corpo. A alma anseia constantemente
por ascender a níveis mais altos. À medida que cresce e se torna mais elevada, ela
deve ser capaz de transmitir ao corpo parte da iluminação que obtém. Porém, para
que isso aconteça, é preciso que antes o corpo se submeta à alma. É este o
propósito das mitsvót: elas predispõem o corpo físico para o influxo espiritual da
alma.
Por meio da observância das mitsvót, o corpo torna-se um recipiente limpo e puro
que pode ser iluminado pela alma.
Isso aumenta a fé e leva a pessoa a níveis mais elevados de espiritualidade.
Não é por um capricho infundado que o Rebe Nachman enfatiza a importância da
submissão do corpo à alma por meio do cumprimento das mitsvót.

A palavra “mitsva” deriva da mesma raiz de “tsevet”, vocábulo que denota uma
equipe ou unidade que se agrupa com um objetivo comum.
A Torá é vista como uma só unidade que contém muitas mitsvót distintas, cada
uma delas correspondente a uma parte do corpo.
Da mesma maneira, o corpo é uma só unidade, embora seja constituído de muitas
partes distintas, e é mantido coeso pelos tendões e nervos.
Estes tendões e nervos, que também são associados às mitsvót, como foi explicado
antes, são na realidade extensões da alma.
A prática das mitsvót liga todas as energias do indivíduo e as mantém "juntas"
numa só unidade de trabalho, subjugando as forças contrárias que existem dentro
dele.
Por outro lado, pecado ou transgressão em hebraico é “averá”, palavra cuja raiz é
“avar”, que significa "passar por ou através de".
O termo conota, portanto, desarticulação e instabilidade.

1
Logo, por meio da observância das mitsvát a pessoa consegue "manter-se coesa",
fortalecendo sua verdadeira identidade, enquanto a transgressão provoca tumulto
interior e perda de identidade, conforme ensinou o Rebe Nachman: Para sentir "paz
em seus ossos" - paz interior - a pessoa deve ter reverência ao Céu.
Isso leva ao aperfeiçoamento do corpo e da alma.
O Rebe Nachman ensinou: A palavra averá [ , “transgressão”] indica um
“over” [ , “atravessamento”] dentro dos ossos, de “ever a ever” [, de “lado
a lado”].
A palavra mitsvá, porém, conota ajuntamento.
Quando cumpre um monte de preceitos, a pessoa reúne os fragmentos estilhaçados
de seus ossos, como está escrito (Salmos 34:21):
"[Deus] preserva todos os seus ossos; nem sequer um deles é quebrado."
Há também um versículo que afirma (Ezequiel 32:27):
"Suas iniqüidades serão gravadas nos seus ossos."
O Rebe Nachman ensina que isso significa que cada averá (pecado, transgressão)
tem sua própria combinação de letras.
Por exemplo, se alguém transgride o preceito "Não terás outros deuses diante de
Mim" (Êxodo 20:3), ele destrói a combinação positiva das letras dessa proibição e
forma com elas uma combinação negativa.
Esta ficará gravada em seus ossos, cumprindo as palavras do seguinte versículo
(Jeremias 5:25): "Vossas iniqüidades repeliram estas coisas [boas, positivas];
vossos pecados apartaram de vós tudo que é bom."
Como esse processo pode ser revertido?
O Rebe Nachman revela que a mitsvá de “Vidui Lifnê Hashem” (geralmente
traduzida como "confissão diante de Deus") é o método mais eficaz para a remoção
dos "pecados gravados" nos ossos, porque a própria fala emana dos ossos,
conforme está escrito (Salmos 35:10):
"Todos os meus ossos dirão..."
Ou seja, quando todos os meus ossos pronunciarem suas confissões, as
combinações de letras gravadas neles serão rearranjadas e retificadas.
O fato é que poucas pessoas compreendem o que é uma confissão.
Costuma-se imaginá-la como uma espécie de "viagem de culpa", e assim seus
efeitos positivos são perdidos.
A palavra hebraica “vidui” (, confissão) tem a mesma raiz do verbo “lehodot”
(), que significa “agradecer” ou “admitir”.
Na verdade, o sentido literal da forma reflexiva desse verbo, “lehitvadot”, é
"admitir para si mesmo", embora em geral ela seja traduzida como "confessar".
O “vidui lifnê Hashem” consiste em falar diretamente com Deus, com nossas
próprias palavras, clamando a Ele e dando expressão à nossa dor e aos nossos
conflitos, dizendo-Lhe tudo que fizemos — em suma, realizar uma catarse (ou seja,
"descarregar-se").
Essa articulação de nossas falhas pressupõe uma percepção profunda de que
sempre nos encontramos diante de Deus.
A averá bloqueia essa percepção fundamental.
Porém, quando nos arrependemos e nos voltamos para Deus, falando diretamente
com Ele, conseguimos remover o bloqueio (e sua combinação negativa de letras)
formado pela averá e tomar consciência de que estamos na presença de Deus.
Por meio desse tipo especial de comunicação com Deus, restabelecemos nossa
ligação com nós mesmos e reconhecemos quem realmente somos, em
contraposição ao que fizemos e ao que nos foi feito.
Isso nos liberta das distorções e imperfeições internas que foram causadas por
nossos pecados, e nos permite alcançar uma objetividade que é impossível de obter
enquanto nossos conflitos permanecem trancados dentro de nós.
Só quando somos livres para ser quem somos podemos verdadeiramente
reconhecer e louvar a Deus.

2
O Rebe Nachman assinala que, para ser mais efetiva, a confissão deve ser feita na
presença de um sábio da Torá que tenha atingido graus muito elevados de
humildade e devoção.
É este o significado do seguinte versículo (Provérbios 16:14):
"A ira do rei é um mensageiro da morte, mas o homem sábio a pacifica."
As combinações negativas de letras que o pecado produz são os "mensageiros da
morte" — anjos destruidores que atacam o pecador.
O "homem sábio" refere-se a Moisés, sobre quem está escrito (Números 12:3):
"O homem Moisés era muito “anav” [“humilde”]." Um sábio dessa qualidade é
capaz de pacificar a ira de Deus, porque sua “anavá” (, humildade e anulação
de si mesmo) elimina o efeito negativo do “avon” (, pecado).
Com base nesse ensinamento, os discípulos do Rebe Nachman costumavam
confessar-se diante dele, porém, atendendo ao seu pedido, eles interromperam
essa prática cerca de três anos antes de seu falecimento.
Os chassidim de Breslav até hoje se confessam (isto é, dizem em voz alta tudo que
fizeram) em suas sessões diárias de hitbodedut (oração reservada e solitária diante
de Deus).

O Rebe Nachman ensina ainda o seguinte sobre a importância da confissão:


Todas as mitsvót combinadas criam uma estrutura completa, que é análoga às 248
partes do corpo e aos 365 tendões e vasos.
A alegria também constitui uma estrutura completa, que permeia todo o corpo da
Tora, como está escrito (Salmos 19:9):
"Os preceitos de Deus são de absoluta retidão e trazem alegria ao coração!"
Cumprindo as mitsvót com alegria, a pessoa pode estender essa alegria de modo
que ela seja sentida no corpo inteiro.
Quando uma região específica não "sente" alegria, isso é um sinal de que ela foi
maculada pelo pecado.
Como observamos, o ato da confissão retira a obstrução ou a mancha causada pelo
pecado, e isso possibilita que um sentimento de alegria plena flua pelo corpo
inteiro.

O Rebe ensina também que "todo tipo de alegria física tem seu limite, enquanto a
alegria espiritual é ilimitada. Quem consegue ir além das limitações do
materialismo, usando seu corpo para praticar mitsvót e assim alcançar a
espiritualidade, pode obter uma alegria irrestrita e completa".

Oração e Ressurreição
O Rebe Nachman ensinou:
Rezar com concentração expande a mente e revigora a alma.
Isso traz vida nova aos ossos.
Uma mancha na alma é também uma mancha nos ossos, como está escrito
(Salmos 6:3-4):
"Meus ossos tremem; minha alma está amedrontada..." Este medo resulta da falta
de reza com concentração. Para remover qualquer mancha da alma e, por
conseguinte, dos ossos, a pessoa deve rezar de maneira que seus próprios ossos
sintam as palavras, como consta (ib. 35:10): "Todos os meus ossos dirão: 'Deus!
Quem é como Tu?"
Isso ocorre porque a concentração é uma função da mente, e a medula óssea é a
"mente" e a "alma" dos ossos. Quando concentramos a mente na oração, a "mente"
dos nossos ossos [a medula óssea] desempenha sua função de forma adequada e
revigora os ossos e as demais partes do corpo.

Os ossos são comparados a uma sucá, como nesta passagem (Jó 10:11): "Tu me
vestiste com pele e carne; em ossos e tendões “tessochecheni” [me ocultaste]."
Rezar com toda a força e concentração reflete as palavras do seguinte versículo
(Salmos 35:10): "Todos os meus ossos dirão: 'Deus! Quem é como Tu?" Como os

3
ossos são análogos à sucá, esse tipo de oração é associado ao ato de entrar numa
sucá (cabana) e cumprir os preceitos relacionados com ela, deixando-se envolver
totalmente pelas mitsvót.

A Carne

O homem é de carne, e os anjos são de fogo; mas o homem é superior


(Licutê Moharan II, 1:2)

O corpo humano é composto, em grande parte, de carne e osso.


A carne é constituída basicamente do mesmo tipo de tecido dos órgãos internos.
Como vimos anteriormente, os órgãos dão origem à má inclinação do homem e
seus atributos indesejáveis.
No entanto, a carne, feita do mesmo tecido, pode ser transformada num adversário
formidável das características negativas.
O Rav Amram Chassida travou uma batalha feroz com sua má inclinação.
Quando ele finalmente venceu, a má inclinação apareceu a sua frente como uma
coluna de fogo. O Rav Amram lhe disse: "Você é feita de fogo, e eu sou feito de
carne. Mas eu sou superior!"
Embora fosse um grande tsadic, o Rav Amram também era humano.
Ele quase sucumbiu à tentação e chegou muito perto de cometer um pecado grave.
Porém, ele se conteve e derrotou a má inclinação.
Sua carne, tão simples e fácil de tentar, tornara-se superior até ao fogo de um
anjo.
Tamanho é o poder da luta pela espiritualidade!
A Cabalá nos diz que os humanos habitam o universo de Assiá, enquanto os anjos
residem no universo de letsirá. Poder-se-ia supor, então, que os anjos ocupam uma
posição mais elevada na hierarquia espiritual.
Todavia, nossos Sábios ensinam que as almas dos seres humanos estão enraizadas
no universo de Beria (conforme o Zôhar), que fica acima daquele no qual os anjos
residem.
Por essa razão, o homem, apesar de ser feito de carne e osso, pode alcançar níveis
que nem os anjos podem atingir!
É esse o significado de "O homem é de carne, e os anjos são de fogo; mas o
homem é superior".
O Rebe Nachman explica que os desafios que os anjos apresentam ao homem
provêm do atributo da inveja que resulta do desejo que eles têm de manter sua
condição de superioridade.
O objetivo do homem deveria ser subir a sua própria fonte, que é mais alta que o
universo angelical. Quando o homem se controla para não pecar, na realidade ele
está controlando os "anjos" ou, mais especificamente, o mau impulso, e é assim
que ele supera até mesmo o nível dos anjos.
Essa vitória humana faz com que os anjos sintam inveja e os incita a tentar com
mais empenho ainda provocar a queda do homem.
O Rebe Nachman acrescenta que mesmo os anjos sagrados, cuja função é auxiliar
as pessoas no serviço a Deus, têm inveja da pessoa que se eleva além deles.
Se até os anjos podem sucumbir ao furor da inveja, quanto mais suscetível é o
homem!
É necessário um altíssimo grau de autocontrole para sobrepujar essa característica
negativa.
O Talmud discute extensivamente a inveja.
Ela causa a deterioração dos ossos e da carne.
Quem domina esse atributo negativo pode transcender as limitações materiais da
carne e dos ossos e adquirir um "corpo espiritual" imune à devastação natural da
decomposição física.
O Reb Natan escreve:

4
É do conhecimento de todos que, depois da morte, o corpo se decompõe. A carne
deixa de ser nutrida pela alma e, como não tem mais meios de subsistência,
necessariamente se deteriora.
Ainda assim, o Rei David afirmou (Salmos 16:9-10): "Por isto se alegra meu
coração... até a minha carne descansará segura. Pois não abandonarás a minha
alma ao abismo; nem permitirás que Teu devoto veja a destruição."
A que se refere o Rei David?
Ele fala da pessoa que reconhece seu Criador enquanto ainda está viva e, portanto,
tem o mérito de iluminar seu corpo com as realizações de sua alma.
Na medida em que consegue fazê-lo, ela transforma seu aspecto físico numa
entidade espiritual, de modo que, mesmo após a morte, sua "carne descansará
segura".

Quanto mais buscarmos a Deus (de acordo com o conselho e os ensinamentos dos
grandes tsadikim) e incorporarmos os níveis mais elevados de espiritualidade a
nossa vida cotidiana, mais capazes seremos de sobrepujar nossa inveja mesquinha,
e assim teremos certeza de que até a nossa carne se preservará após a morte.
O conceito de transcendência das limitações físicas também pode ser aplicado à
pele que reveste nosso corpo.
A pele esconde a essência do homem.
O primeiro homem foi criado com um tipo diferente de cobertura.
Ele era luminoso por si e em si mesmo, e era capaz de difundir esse brilho
espiritual interior.
Depois do pecado, o revestimento do corpo de Adão tornou-se a pele que
conhecemos, a "capa" rígida que temos hoje. O Reb Natan escreve que essa
transformação da pele luminosa resultou do fato de Adão ter comido da árvore do
conhecimento do bem e do mal.
Assim, a pele corresponde à “kelipat nóga”, que é uma mistura de bem e mal.
Essa kelipá é semelhante à imaginação, ou ao poder de ilusão, por meio da qual se
pode evocar tanto o bem como o mal.
A imagem assim concebida é na verdade um "envoltório" sobre a realidade.
Nossa tarefa é remover todos os envoltórios da mente que ocultam o bem luminoso
que há no interior, e também distinguir o bem do mal.
Quando o homem busca a espiritualidade, sua pele torna-se capaz de irradiar o
bem gerado por Deus por todos os outros setores da Sua criação. Isso é parte da
"aura" que sentimos quando estamos na presença de uma pessoa santa.
Em outro discurso, o Reb Natan amplia esse conceito.
Ele estabelece um paralelo entre a "pele" e a fé, e nos encoraja a cultivar a
imaginação para fortalecer a fé.
Mesmo nossa capacidade de relacionar-nos com Deus, diz ele, está baseada na
imaginação, pois não somos capazes de apreendê-Lo de fato.
Deus nos deu permissão para chamá-Lo por determinados nomes que O
descrevem, mas na realidade eles não são mais do que representações.
Se não tivesse comido da árvore do conhecimento, Adão, e toda a humanidade,
conseguiria ter uma percepção verdadeira de Deus através da "vestimenta
luminosa" de sua pele.
Contudo, Adão pecou e perdeu essa capacidade.
Só depois de comer da árvore ele notou que estava nu — desprovido de suas
vestes luminosas (Gênesis 3:7).
Não possuía mais a faculdade de sentir Deus diretamente e agora só podia
concebê-Lo por meio da imaginação, representada pela kelipat nóga (pele).
Isto se tornou a essência da fé: o homem só pode captar Deus através da
"vestimenta" (isto é, a pele) que representa a fé.
O fortalecimento da fé nos habilita a desenvolver uma consciência mais elevada de
Deus e uma relação mais intensa com Ele.

O Sentido do Tato

5
O sentido do tato está presente no corpo inteiro.
A sensação de dor também está associada com o tato.
Esta sensibilidade física é indispensável para a sobrevivência, pois sem ela jamais
perceberíamos que sofremos um corte, uma queimadura ou qualquer outro tipo de
lesão.
Da mesma maneira, nosso tato espiritual e nossa ligação com a espiritualidade são
fundamentais para a nossa existência.
Quando cumprimos as mitsvót, empregando nosso corpo físico em atividades
espirituais, nós nos tornamos espiritualmente sensíveis.
Todos possuem sensibilidade, mas em geral ela se limita a algumas áreas
específicas.
No plano espiritual, se tomarmos a caridade como exemplo, observaremos que
algumas pessoas mostram interesse em ajudar os sem-teto e os desamparados,
enquanto outras preferem auxiliar os deficientes, ou manter instituições de ensino,
de saúde, e assim por diante.
Quando fazem donativos, as pessoas sempre favorecem seu campo de interesse.
Ninguém pode dizer que os demais não sejam importantes; porém, um
determinado tipo de caridade tende a atrair mais alguns indivíduos do que outros.
A sensibilidade deles simplesmente está mais afinada com essas áreas específicas.
De modo semelhante, certas partes do corpo realizam uma mitsvá especialmente
bem, enquanto outras têm melhor desempenho numa mitsvá diferente.
Quando a pessoa desenvolve seu corpo inteiro por meio de todas as mitsvót que
pode praticar, ela se põe em sintonia espiritual com áreas adicionais e se torna
mais sensível e empática de maneira geral.
Até o seu toque físico se transforma num "toque de sensibilidade", profundamente
apreciado por todos que convivem com ela.

Continua

6
Anatomia da Alma – Parte 38

O Sistema Locomotor – Parte 3

Os Braços e as Mãos
As mãos são chamadas de “iadaim” em hebraico.
Cada mão tem cinco dedos, que juntos contêm 14 ossos — quatro dedos possuem
três ossos cada um, 12 no total, e o polegar tem dois, perfazendo 14.
O valor numérico da palavra iad () é 14, fazendo alusão aos 14 ossos da mão.
(A importância disso será explicada adiante neste texto).
Quando uma pessoa de corpo proporcionado estende lateralmente os braços, a
distância de uma ponta a outra é igual à sua altura.
Os braços e as mãos correspondem, portanto, à amplitude máxima, ou às
limitações gerais, do seu potencial.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado a nosso alcance espiritual.
Na árvore das sefirot, Chéssed (amor e bondade) e Guevurá (julgamento e
restrição) correspondem ao braço (e mão) direito e ao braço (e mão) esquerdo.
Assim como o alcance dos nossos braços representa nossas limitações físicas,
pode-se dizer que Chéssed e Guevurá simbolizam os extremos de nosso alcance
espiritual.
Chéssed descreveria o ponto mais distante que no momento podemos atingir do
lado do amor, doação e aceitação, enquanto Guevurá representaria o limite
superior de nossa capacidade atual de fazer julgamentos adequados.
Como Chéssed e Guevurá são as sefirot que estão em contato direto com os
mochin (faculdades intelectuais), elas exprimem pensamentos.
O presente nível dos pensamentos de uma pessoa indica a extensão de sua
capacidade espiritual, o seu alcance. Seus pensamentos determinarão quanto de
Chéssed e Guevurá ela usará, de acordo com o nível em que se encontra.
As mãos, representadas por Chéssed e Guevurá, também expressam pensamentos,
através dos gestos e movimentos que em geral acompanham a fala.
Elas estão sempre se mexendo; o modo pelo qual elas se movem depende das
intenções do indivíduo. Portanto, o Talmud declara: "Mãos ativas!", pois elas
revelam incessantemente as emoções interiores.
Assim, as mãos mostram não só o alcance físico externo da pessoa, mas também
sua condição espiritual.
Em nenhuma outra circunstância isso é mais evidente do que na oração e na fé,
como veremos.

Armas "À Mão": Oração e Fé


O Rebe Nachman ensinou:
As mãos são comparadas à oração, como quando Moisés ergueu os braços em
súplica durante a batalha com Amalec; e oração e fé são sinônimos.

Sabemos que quem acredita sinceramente em Deus costuma mover as mãos


durante a reza, como que para dar ênfase às palavras.
Porém, há muitas pessoas que se consideram "sofisticadas" e são contidas demais
para exibir em público qualquer manifestação de sentimentos íntimos.
Esta incapacidade de colocar emoção genuína nas orações demonstra uma
deficiência na fé.
Quando os judeus lutaram com Amalec no deserto, Moisés subiu ao alto de uma
colina próxima e orou pela vitória.
Enquanto ele rezava, diz a Torá, "suas mãos ficaram fiéis" — estendidas em súplica
(Êxodo 17:12).
A fé animou suas preces e deu-lhe força para levantar as mãos para Deus.
Enquanto suas mãos se mantinham erguidas — enquanto ele exprimia sua fé em
Deus — os hebreus triunfavam. Esta era a arma perfeita para ser usada contra
Amalec, o modelo da sofisticação e do ateísmo.

1
Assim, as mãos, a oração e a fé, num determinado nível, são sinônimas.
O Rebe Nachman ensina que "as preces devem ser oferecidas como súplicas, como
pedidos de misericórdia, e não como exigências".
A atitude da pessoa quando reza torna-se aparente através das mãos, e as
"exigências" e "pedidos" muitas vezes são expostos pelos movimentos manuais.
O Rebe Nachman também ensina que há uma alusão à manifestação da fala por
meio das mãos na seguinte passagem (Eclesiastes 10:20):
"Uma criatura que tem “kenafaim” [asas] dirá."
Estas "asas" na verdade são mãos, que "transmitem" a fala ao destinatário,
revelando e aperfeiçoando as expressões do emissor.
De certa maneira, as mãos funcionam de modo análogo ao das “canfê reiá”, os
“lobos do pulmão”. Note que os braços saem do tronco exatamente na altura dos
pulmões, e sua posição corresponde à das asas de uma ave.
Assim como os lobos pulmonares facilitam a passagem do ar, possibilitando a fala,
as mãos ajudam na produção da mensagem verbal.
Portanto, quando a pessoa se sente impelida a bater palmas ou movimentar as
mãos de outras formas quando se comunica com Deus, suas orações são mais
efetivas.
O Rebe Nachman ensinou que o ato de exprimir-se com as mãos durante a reza
equivale a um determinado nível de "ver Deus" (cf. Números 12:8).
A palavra hebraica navi (), que significa profeta — alguém que "vê" uma
imagem de Deus — relaciona-se com a locução “niv sefataim” [, movimento dos
lábios] (Isaías 57:19), que designa "fala". Outro versículo afirma (Oséias 12:11):
"Através da mão dos profetas, faço uma imagem ser vista."
Assim, as orações, combinadas com os movimentos das mãos, permitem que se
perceba uma "imagem de Deus".

Mãos Desvirtuadas, Fé Desvirtuada


Sabemos que a fé é um elemento importante na prece sincera, e que as mãos
exprimem a fé — ou a falta dela.
As mãos e a fé podem ser desvirtuadas pela avareza, como consta (Deuteronômio
8:17): "O meu poder e a força da minha mão me conseguiram esta riqueza."
Isso ocorre porque tanto as mãos como a fé fornecem o sustento da pessoa: as
mãos labutam, e a fé em Deus faz com que Ele supra às suas necessidades.
A busca obsessiva de riqueza mostra uma falta de fé na capacidade de Deus de
prover o sustento.
O Rebe Nachman ensina que hoje a idolatria (o contrário da fé) está presente,
sobretudo, na adoração do dinheiro.
A idolatria se relaciona de forma tão estreita com o dinheiro porque a prata e o
ouro representam Chéssed e Guevurá, que juntos refletem a beleza (Tiféret) das
cores celestiais (cada sefirá corresponde a uma cor diferente).
Como vimos, as "mãos" — simbolizadas por Chéssed (prata) e Guevurá (ouro) —
são análogas à fé.
Quando há fé, a verdadeira beleza do dinheiro é revelada, porque ele é usado para
sustentar a busca de Divindade.
Quando existe fé, mesmo o dinheiro que é gasto para atender às necessidades
mundanas da pessoa reflete espiritualidade. Porém, se o indivíduo não tem fé, e o
dinheiro não é empregado com propósitos espirituais, a beleza dessas "cores" (que
espelham Chéssed e Cuevurã) é ocultada. Então os homens ficam insatisfeitos com
a riqueza que possuem e tentam obter mais.
Por essa razão (embora às vezes nem tenham consciência disso) as pessoas são
ávidas por pôr as "mãos" (isto é, Chéssed e Guevurá) em dinheiro. Pois as mãos
expressam tanto o meio de vida do indivíduo como a sua capacidade de direcionar
a sua labuta para transformá-la em fé. O Rebe Nachman ensina, portanto, que "tão
grande é o valor de viver dos frutos do próprio trabalho, que quem o faz pode
reconhecer a glória de Deus de um modo que nem os anjos são capazes de
perceber!".

2
Uma maneira de retificar mãos (e fé) desvirtuadas é receber conselho e repreensão
dos verdadeiros tsadikim, porque os ensinamentos dos tsadikim instilam fé em
Deus nas pessoas.

O poder da Criação

No princípio, Deus criou os céus e a terra.


Gênesis 1:1

Vimos que a oração e a fé podem atuar como armas poderosas através das mãos —
contanto que a oração seja sincera. Mas isso não é tudo.
Por meio da prece, as mãos são capazes de despertar o poder da criação.
Isso se explica da seguinte maneira: O Rashi comenta que o versículo "No
princípio..." revela o “côach” (força) de Deus.
O mundo é Sua criação, e Ele pode dar qualquer porção de terra a quem Ele
desejar. Originalmente, Ele deu a Terra Santa aos cananeus e depois a tomou deles
e a entregou como herança a Israel.
Além disso, falando do ato da criação, um versículo afirma (Isaías 48:13): "Minha
mão estabeleceu o fundamento da terra; e Minha direita expandiu os céus."
Nossos Sábios nos dizem que a primeira "mão" se refere à mão esquerda de Deus.
Isso nos ensina que ambas, "direita e esquerda", colaboraram na criação do céu e
da terra.
Relembre agora que "mão" em hebraico é “iad” por causa dos 14 ossos que a
compõem.
Há 28 letras hebraicas no primeiro versículo da Torá.
"Força" em hebraico é “côach”, cujo valor numérico é 28.
Como cada mão possui 14 ossos, as duas juntas contêm "28 ossos", que
representam o côach de Deus.
Com base nisso, o Rebe Nachman afirma que toda pessoa tem dentro de si a
capacidade de despertar o poder da criação com suas mãos (isto é, suas orações).
Ele ensinou:
Há pessoas que fazem movimentos com as mãos enquanto rezam - algumas até
batem palmas - porque isso as ajuda a intensificar a concentração.
Essa atitude é muito benéfica, pois liga o indivíduo à criação.
O relato da criação é o documento que atesta que Israel tem a posse da Terra
Santa, porque o propósito de iniciar as Escrituras com a história da criação foi
revelar a santidade da Terra.
Rezando a Deus a pessoa mostra que O aceita como o Criador do mundo.
Há um total de 28 ossos nos dedos das mãos.
Estes 28 ossos correspondem às 28 letras do primeiro versículo da Tora, que
descreve a criação do mundo.
O movimento das mãos durante a oração desperta as forças da criação, trazendo
para a pessoa a santidade da Terra Santa! A santidade da Terra Santa a auxilia a
anular os maus pensamentos que lhe invadem a mente durante a reza.
(Isso não significa que o indivíduo deva bater palmas e fazer movimentos que
perturbem os que estão rezando perto dele. É necessário ser cuidadoso e sempre
mostrar consideração pelos outros.)
Certa vez, quando discorria sobre os movimentos das mãos durante as orações, o
Rebe Nachman disse que é a eles que o Zôhar se refere quando fala das "mãos que
escrevem segredos": A gesticulação com as mãos durante a reza pode realmente
inscrever segredos no Alto!

As "Três Mãos"
Quando descreve o Êxodo e a abertura do Mar Vermelho, a Torá menciona "três
mãos” que correspondem a Chéssed, Guevurá e Tiféret:

Hebraico Português Sefirá

3
lad Haguedolá Mão Grande Chéssed
lad Hachazacá Mão Forte Guevurá
lad Haramá Mão Sublime Tiféret

[As referências às três mãos nas Escrituras se encontram no Êxodo: lad Haguedolá
(14:31), lad Hachazacá (6:1) e lad Haramá (14:8).]

Chéssed, Guevurá e Tiféret são as sefirot que transmitem a força vital Divina dos
mochin.
Em outras palavras, Chochmá, Biná e Dáat são reveladas através de Chéssed,
Guevurá e Tiféret.
O Rebe Nachman ensina, portanto, que por meio das "mãos" podemos apreender a
Torá, os mochin.
Pode-se entender melhor essa idéia à luz do fato de Daat ser formada pela
unificação de Chochmá e Biná.
Chochmá e Biná correspondem às duas primeiras letras do Tetragrama, “lud” e
“Hé”.
O equivalente numérico de IH () é 15.
A letra Hê pode ser expandida de três maneiras diferentes, e 3 vezes 15 são 45.
Este é o valor numérico de “adam” (), “homem”.
A plena utilização da mente (Chochmá e Biná) para a santidade possibilita que o
indivíduo assuma a identidade de ser humano.
O versículo "Esta é a Torá — o homem" (Números 19:14) indica que a identidade
do ser humano é obtida por meio da Torá, e de modo mais específico pelos mochin
da Torá. Ainda assim, é necessário "manejar" a Torá para apreendê-la
corretamente e entender como se deve pôr em prática os seus ensinamentos para
adquirir espiritualidade.
Só então o sujeito se torna um verdadeiro homem.
Isso se consegue por intermédio das "três mãos" — Chéssed, Guevurá e Tiféret.
As "três mãos" têm o poder de abrandar decretos severos.
O Rebe Nachman ensina que as palmas podem anular discórdias.
A separação entre direita e esquerda acarreta discórdia.
Quando bate palmas, unindo a mão grande (direita) e a mão forte (esquerda), a
pessoa estabelece a "paz" entre elas (a mão sublime).
A paz produz a mitigação de todos os decretos penosos.
O Ari ensina que as mãos, além de se estenderem em direção a níveis mais altos
(os mochin, para apreender a Torá), também possuem a capacidade de chegar aos
mundos inferiores e elevá-los.
Elas têm a habilidade única de estender-se nos dois sentidos, erguendo e
levantando o que está "embaixo" e alongando-se para cima para trazer a
abundância do Alto.
O Ari escreve ainda que o Nome Sagrado que Deus usou para criar o mundo é
conhecido como Shem Mem-Bet, o Nome Sagrado de Quarenta e Duas Letras.
Este Nome é associado ao domínio de Biná.
Assim como as mãos são necessárias para apanhar algo num nível mais baixo e
levantá-lo, todas as elevações das esferas inferiores para as que lhes são
superiores são executadas por meio desse Nome Sagrado de Quarenta e Duas
Letras.
Isso ocorre porque, como vimos, "mão" em hebraico é “iad” (cujo valor numérico é
14), e existem "três mãos": a "mão grande", a "mão forte" e a "mão sublime". Três
vezes “iad” (14) são 42, valor correspondente ao Nome de Quarenta e Duas Letras
e a Biná.

O Rebe Nachman ensinou:


Quando há uma pessoa doente ou necessitada, costuma-se levar um “pidion”
[dinheiro de resgate] a um tsadic. O tsadic coloca as mãos sobre o dinheiro para
abrandar o decreto.

4
Isso funciona porque o dinheiro é associado aos pés [isto é, o meio de vida] que
sustentam a pessoa.
Os "pés" também representam julgamentos, e é preciso mitigar os julgamentos em
sua raiz, que fica em Bina.
Assim, as "três mãos", quando colocadas sobre o dinheiro (julgamentos),
correspondem à elevação dos julgamentos (pés) para a esfera de Bina (o intelecto),
a fonte dos julgamentos, onde eles são mitigados e também adoçados.

Canhoto?
Vimos que as sefirot estão dispostas em três colunas complementares.
Além disso, explicamos que a mão direita representa Chéssed (Abrahão), a
esquerda, Guevurá (Isaac), e a coluna do meio, onde elas se unem, simboliza
Tiféret (Jacob; verdade).
O Rebe Nachman ensina que, em sua fonte, as "três mãos" são na realidade uma
só.
A direita, como o poder supremo, corresponde ao potencial de agir.
A esquerda, subordinada à direita, corresponde à ação efetiva.
Contudo, no início do processo, não há atividade visível — nem sequer uma idéia
concreta, e muito menos um resultado, mas apenas um pensamento.
Isso é comparado a "uma só mão".
Nesse ponto, as mãos aparecem como uma só, sem nada que diferencie a direita
da esquerda.
A pessoa tem de "separar as mãos" — definindo o pensamento básico e em seguida
o desenvolvendo.
Só então ela poderá pôr em prática esse pensamento.
Relacionando o que foi dito com Chéssed, Guevurá e Tiféret, devemos lembrar que
o estado ideal de retificação das sefirot é seu alinhamento em três colunas.
O valor de ter "três mãos" — e não uma só — é que podemos recorrer ao poder
único de cada "mão" para desenvolver o nosso potencial.
O Reb Natan explica que o principal catalisador da realização de qualquer potencial
é a verdade (Tiféret), porque "a verdade perdura e a falsidade não".
Se a pessoa estiver comprometida com a verdade, suas idéias acabarão sendo
efetivadas e perdurarão.
Na ausência da verdade, suas ações, mesmo que se concretizem, por fim se
tornarão estéreis.
Está claro, portanto, que devemos, em primeiro lugar, buscar a verdade em nossos
empreendimentos. Assim, quando começarmos a formular os pensamentos e a
tomar medidas para fazê-los acontecer, eles poderão persistir.
E quando alguém se afasta da verdade?
O Rebe Nachman, discorrendo sobre os efeitos da falsidade e da discórdia, afirmou:
"O mentiroso reencarna como canhoto."
O Reb Natan explica que isso se baseia no seguinte versículo (Salmos 144:8): "Sua
boca profere futilidade; sua destra é uma destra de falsidade."
Quando fala inverdades, a pessoa separa a mão esquerda da direita e não
consegue diferenciar o certo do errado.
Conseqüentemente, ela tem uma "destra falsa" — a esquerda se torna a mão mais
forte.
O Rebe Nachman ensinou também que "quem se envolve em discórdia reencarna
como canhoto".
Aprendemos isso com Côrach, que tentou separar-se de Aarão.
O povo hebreu se divide em três grupos, que representam as "três colunas" de
Chéssed, Guevurá e Tiféret.
O cohen representa Chéssed, o levita, Guevurá, e os israelitas, Tiféret.
Corach (um levita) tentou fazer a esquerda dominar a direita (ele queria ocupar
uma posição superior à de Aarão, o sumo sacerdote, um cohen).
Portanto, o castigo para quem se envolve em discórdia é ter sua mão direita
subjugada à esquerda.

5
O Ari escreve que quando alguém tem uma inclinação excessiva para uma
determinada característica, isso indica que ele precisa esforçar-se para retificar
esse atributo na encarnação atual.
Os ensinamentos do Rebe Nachman que foram citados acima não necessariamente
ditam as razões para a estada de qualquer pessoa aqui na terra; no entanto, eles
podem servir como um guia eficaz para quem se acha propenso à falsidade ou à
discórdia.

As Bênçãos Sacerdotais
As mãos são essenciais para que se possam trazer bênçãos ao mundo.
Por exemplo, há um mandamento bíblico que ordena que os cohanim [sacerdotes]
abençoem a nação de Israel diariamente.
Os sacerdotes devem estender as mãos enquanto recitam as bênçãos que fazem a
Presença de Deus repousar sobre o povo (ver Números 6:22-27).
O Rebe Nachman ensina que a prática das mitsvót com alegria eleva os pés, pois
uma pessoa feliz tem vontade de dançar.
Conforme os pés se erguem, as mãos também se movem para cima.
Quando elas alcançam uma posição "elevada", bênçãos são trazidas ao mundo,
como consta (Levítico 9:22): "Aarão levantou suas mãos e abençoou o povo."
Quem recebe bênçãos do Alto é capaz de transferir suas dádivas para os outros,
mesmo àqueles que estão em níveis mais baixos.
Como vimos, o Rebe Nachman enfatiza que a maior bênção é Dáat, uma
consciência superior de Deus.
As mãos representam, portanto, a capacidade que a pessoa tem de trazer bênçãos
ao mundo quando chega mais perto de uma vida espiritual.
"Levantando suas mãos" para Deus, ela demonstra que O reconhece.
Além disso, como as mãos simbolizam a capacidade de "estender-se para fora",
quem ergue as mãos para Deus é capaz de transmitir aos outros sua aceitação da
Divindade.
O Reb Natan acrescenta que o ato de levantar as mãos para Deus em súplica
desperta a compaixão Divina a ponto de revelar Seus 13 Atributos de Misericórdia.
Os sacerdotes precisam elevar as mãos porque têm de fazer estas bênçãos
abundantes descer sobre cada hebreu.
Porém, não são só os sacerdotes que possuem a habilidade de despertar os 13
atributos.
Todo indivíduo pode fazer a misericórdia de Deus se manifestar em toda a sua
amplitude. Quanto mais as pessoas erguerem as mãos orando e suplicando, mais
dádivas serão concedidas.
Com o aumento das bênçãos, as pessoas ficarão livres para usar as mãos apenas
para orar, em vez de empregá-las no trabalho árduo pelo sustento material.
Então as mãos serão utilizadas para obter espiritualidade e ajudar a estendê-la aos
outros!
Numa das últimas lições que ministrou em sua vida, o Rebe Nachman discorreu
longamente sobre a importância das mãos na busca diária de espiritualidade.
Ele explica como a pessoa pode usar as mãos para atrair a sabedoria celestial que a
ajudará no serviço a Deus:
As mãos [através de seus movimentos] fazem referência aos "sinais" que a pessoa
deve "receber" e compreender para saber como cumprir sua missão na vida.
A sabedoria celestial, por ser uma luz muito intensa, nem sempre pode ser revelada
de forma clara e direta ao homem.
Assim, o indivíduo deve observar os sinais que lhe são enviados do céu, e depois
entender como aplicá-los em sua vida diária. Suas mãos poderão então se abrir
para receber [a sabedoria Divina que, conforme desce, se materializa como]
sustento, como consta (Salmos 145:16): "Abres Tuas mãos e sacias todos os seres
de acordo com a Tua vontade."

6
Quem compreende as alusões que lhe são reveladas pode aspirar a um aspecto
elevado da vontade de Deus — servir a Deus além de toda limitação humana ou
restrição física.

Os Dedos
O Rebe Nachman ensinou:
"Os cinco dedos correspondem às cinco Famílias fonéticas: gutural, labial, palatal,
lingual e dental."
Vimos que as mãos desempenham um papel semelhante ao da fala, porque
também retratam processos mentais e comunicam idéias.
O Rebe Nachman ensinou que essa função é particularmente evidente nos dedos.
Cada um deles tem uma forma diferente, de modo a executar a tarefa para a qual é
mais apropriado.
Os 28 ossos dos dedos (14 em cada mão) representam as 28 "épocas" da vida.
O Rei Salomão as descreve da seguinte maneira (Eclesiastes 3:1-8): "Um tempo
para nascer... para morrer;.., para chorar... para rir;... para abraçar... para se
afastar;.., um tempo para a guerra... para a paz...".
O Reb Natan acrescenta que cada uma dessas épocas e concepções de vida tem
potencial para emitir "sinais", por meio dos quais se pode vir a reconhecer Deus.
Portanto, há uma analogia estreita entre os dedos e a faculdade da fala, pois
através dela o oculto se torna revelado, enquanto os dedos representam as
"épocas" nas quais Deus pode ser revelado.
Os cinco dedos se referem ainda a outro tipo de revelação: O Talmud fala de 50
portais de Biná, sendo o 50° portal o que foi revelado por Deus para a realização do
Êxodo. Este mesmo nível será revelado na época da vinda do Mashíach.
É a este nível que os cinco dedos de cada mão fazem alusão.

O Rebe Nachman ensinou:


Cada mão tem cinco dedos. Quando se batem palmas, os cinco dedos da mão
direita encontram os da esquerda, e vice-versa.
Quando a mão direita toca a esquerda, "cinco que encontram cinco" perfazem 25;
no encontro reverso, quando a esquerda toca a direita, o total sobe para 50.
Este "cinqüenta" corresponde ao 50° nível, que é a fonte da salvação.
Portanto, bater palmas durante as orações desperta o poder da salvação e apressa
a redenção.

A cura está nas Mãos


O Rebe Nachman ensinou:
[A Tora começa descrevendo como Deus no princípio criou o mundo com dez
pronunciamentos.]
Um anjo foi criado com cada um desses pronunciamentos.
À medida que Deus expandia a criação, cada pronunciamento se dividia e
subdividia em muitas "centelhas" [isto é, pronunciamentos menores].
É esse o significado do seguinte versículo (jeremias 23:29): "As Minhas palavras
são como o fogo, e como um martelo que estilhaça a rocha."
De modo semelhante, a partir de cada anjo se criaram muitos anjos, em
conformidade exata com o número de centelhas.
Em seguida, um anjo que havia sido criado por um pronunciamento original tornou-
se o arcanjo de tropas inteiras de anjos inferiores, criados a partir das centelhas.
Cada um desses anjos [inferiores] é "responsável" por um determinado aspecto da
criação.
Até as árvores e plantas [principalmente as que possuem propriedades medicinais]
têm guias angelicais que supervisionam seu crescimento, como afirmaram os
Sábios: "Não há nada aqui embaixo, nem mesmo uma simples erva, que não tenha
um anjo no alto que lhe bata dizendo-lhe para crescer."

7
Cada um desses anjos recebe sua força vital do pronunciamento específico que é a
fonte de sua criação. Em seguida, ele transmite a quantidade certa dessa força vital
ao que está a seu cuidado.
Esse poder que têm os anjos de receber e transmitir força vital é denominado o
poder das "mãos". [“Força” em hebraico é “côach” palavra cujo valor numérico é
28, o número de ossos contidos nos dedos das duas mãos.]
Com a "mão direita" o anjo recebe força vital.
Com a "esquerda", ele fornece a quantidade exata necessária ao que está a seu
cuidado aqui embaixo.
É esse o significado da afirmação de nossos Sábios "ele lhe bate dizendo-lhe para
crescer".
A "batida" é dada com a mão esquerda do anjo [pois o lado esquerdo representa
Guevurá, julgamento].
A Torá nos ordena (Provérbios 4:20-22): "Meu filho, ouve com atenção minhas
palavras; inclina para elas teus ouvidos... Pois são vida para quem as encontra e
cura para toda a carne."
Aprendemos daí que toda cura emana de Deus, através de Sua Torá.
A Torá é a fonte do poder [de cura] dos anjos, que por sua vez o transmitem às
diferentes ervas que estão a seu cuidado. Este poder se manifesta quando a pessoa
aceita a Torá e tem fé nos Sábios que a revelam; porque a Torá foi dada aos
Sábios, e quem se desvia dos ensinamentos deles é descrito como 'aquele que
provoca uma rachadura na parede [da fé]".
É esse o significado da seguinte injuncão (Deuteronômio 17:11):
"Não te desviarás, nem à direita nem à esquerda, do que eles [os Sábios] te
ensinarem."
Se você se desviar à direita [isto é, tender para o zelo desnecessário], a "mão
direita" de seu anjo [sua capacidade de receber do arcanjo e do pronunciamento
que lhe são correspondentes] será tolhida.
Se você se desviar à esquerda [transgredindo a Tora], a "mão esquerda" do anjo
[sua capacidade de transmitir] será tolhida. É claro que a remoção das mãos de seu
anjo significa que você não pode receber a cura, pois sem um anjo que lhe conceda
força vital a erva da qual depende sua cura perde o poder medicinal.
Assim, o grau de ligação da pessoa com a Torá determina em que medida ela pode
ser curada.

Continua

8
Anatomia da Alma – Parte 39

O Sistema Locomotor – Parte Final

As Pernas
As pernas fazem parte do esqueleto apendicular.
Elas descem da extremidade inferior do tronco e são os pilares mestres que
sustentam o corpo e o principal meio de locomoção do ser humano.
Espiritualmente, elas representam o ponto mais baixo e distante que se pode
alcançar.
As pernas põem o homem em contato com o solo.
Comprimindo o chão com as pernas, ele é capaz de subir e elevar-se da terra.
As pernas correspondem às sefirot de Nétsach e Hod, junto com o órgão sexual
(que é associado a lessod) elas formam a tríade inferior de sefirot.
A palavra Nétsach vem da raiz de “lenatseach”, que significa “obter domínio” ou
“vitória”.
Hod significa “esplendor”, mas também se relaciona com o termo “hodaá”,
“admissão”, que sugere um estado de submissão.
Nétsach é uma extensão de Chéssed, o predicado da doação.
Só quem está "no controle" é capaz de oferecer benevolência aos outros.
Hod é uma manifestação de Guevurá, a característica da contenção.
Os dois atributos são indispensáveis para que se atinja o equilíbrio, pois é preciso
saber não só negar, mas também consentir.
Usando as duas "pernas", a pessoa pode avançar, confiante na "vitória" e no êxito
de seus empreendimentos, e ao mesmo tempo contrabalançar essa atitude com
uma consciência saudável de que há momentos em que é necessário deter-se e
submeter-se a forças superiores.
O Rebe Nachman enfatizava a importância do equilíbrio dessas duas forças opostas.
Em muitos lugares ele usa a expressão "ser perito em 'correr e retornar’, que se
baseia na visão de Ezequiel (1:14) das "chaiot correndo e retornando como se
fossem clarões de relâmpagos".
No serviço a Deus, a habilidade de "correr" é necessária nas ocasiões em que
desejamos "ascender ao céu" (Salmos 1 39:8).
A capacidade de "retornar" é imprescindível quando somos forçados a "fazer nossa
cama no inferno". Isso significa, por um lado, que você não deve permitir-se
permanecer no nível em que se encontra se for digno de ascender a um grau mais
alto. Onde quer que você esteja, nunca se contente com a sua posição.
Você pode mais, e é obrigado a desenvolver e usar essa capacidade.
Isso é Nétsach, a habilidade de que você necessita para conseguir acreditar e saber
que pode avançar continuamente, indo sempre mais longe.
Por outro lado, caso você caia, Deus o livre, então, por mais longe você tenha ido,
ainda que tenha chegado ao abismo, e até mesmo ao extremo da depravação,
Deus o livre, você jamais deve perder a esperança.
Haja o que houver, busque a Deus e implore a Sua ajuda.
Mantenha-se firme da maneira que puder, em qualquer situação.
Mesmo no fosso mais profundo, Deus pode ser encontrado.
Você deve ligar-se a Ele e não soltar.
Isso é Hod, a habilidade de retornar, de achar Deus até quando "sua cama está no
inferno", de submeter-se, mesmo nas circunstâncias mais desfavoráveis, à Sua
vontade e somente à Sua vontade.
Suas pernas têm uma força extraordinária.
Aprenda a usá-las.
Exercite-se para adquirir a habilidade de ficar em pé com firmeza.
Quando decidir avançar, faça-o com convicção. Imponha-se.
Quando tiver de parar e ceder, faça-o sem hesitar e sem lamentar-se.
Para ser capaz de ceder, você precisa compreender o segredo do retraimento.
A perna direita corresponde à autoafirmação, e a esquerda, ao retraimento.

1
Para caminhar, é necessário combinar as duas.
Quando se afirmar, você não deve excluir Deus.
Quando tiver de retrair-se, não se deixe enganar pensando que é menos por isso.
Os maiores tsadikim conheciam o segredo do retraimento, e aí residia a sua
grandeza.
Mesmo a respeito de Deus se diz o seguinte:
Sempre que se encontra uma menção à grandeza e onipotência de Deus, há
também uma referência a Sua humildade.
Essa idéia consta na Tora, é repetida nos Profetas e reiterada nos Escritos
Sagrados.
Na Tora (Deuteronômio 10:17) está escrito: "O Eterno, vosso Deus, é o Ser
supremo e a mais alta Autoridade, o Deus grande, poderoso e temível, que não da
consideração especial e não aceita suborno."
E logo depois (ib. 10:18): "Ele assegura a justiça ao órfão e à viúva, e ama o
estrangeiro, dando-lhe pão e roupa."
Isso se repete nos Profetas, onde consta (Isaías 57:15): "Pois assim diz [Deus], o
sublime Altíssimo, que habita a eternidade, cujo Nome é sagrado: 'Elevado e
transcendente é o lugar que habito, mas estou com os que têm o espírito
alquebrado e oprimido. Vivifico o espírito humilde e dou novo alento ao coração
partido’”
E é reiterado nos Escritos Sagrados (Salmos 68:5): "Cantai a Deus, entoai louvores
a Seu Nome. Glorificai ao que percorre os céus com Seu Nome, lud-Hê, e exultai
em Sua presença."
Logo em seguida (ib. 68:6) está escrito: "[Mesmo] em Sua santa morada, Deus é
pai para os órfãos e defensor das viúvas."
Siga o exemplo de Deus, dos tsadikim e dos anjos.
Saiba quando deve avançar com rapidez e quando precisa retroceder, e dê cada
passo com a certeza da fé. Dessa maneira, você assentará sua vida sobre "pés
firmes".
Esse equilíbrio entre as forças de Nétsach e Hod realmente leva ao estabelecimento
de um lessod (fundamento) sólido e duradouro.
Assim como Chéssed e Guevurá atingem a perfeição quando se combinam em
Tiféret, também Nétsach e Hod se fundem e se tornam perfeitos em lessod.
O Ari ensina que toda a energia espiritual que desce das oito sefirot superiores (de
Kéter a Hod) se concentra em lessod, que é uma "sefirá abrangente". Isso ocorre
porque lessod corresponde ao órgão da procriação, onde toda a energia canalizada
converge e pode ser compartilhada com Malchut na etapa final do desenvolvimento
da espiritualidade.
Esse conceito se reflete no sêmen que é transportado de lessod para Malchut.
Dessa forma, Malchut também se torna uma "sefirá abrangente", pois recebe toda
a energia e abundância das sefirot superiores através de lessod.
A interação entre lessod e Malchut conclui o processo de descida da força vital
através do sistema das sefirot.
Portanto, podemos deduzir que quando a pessoa alcança um estado em que suas
aspirações espirituais são equilibradas — por meio da retificação de sua imagem
Divina — ela está pronta para direcionar essa estabilidade para os outros.
A finalização desse ciclo requer a participação de Malchut, representada pelo
cônjuge.
Esse aspecto do propósito do ser humano será discutido em nossos textos do "O
Sistema Reprodutor".
Nos escritos sagrados lemos muitas vezes que os "pés correspondem a Malchut,
ainda que, como assinalamos, eles também sejam associados a Nétsach e Hod.
Nétsach e Hod fundem-se em lessod, que por sua vez se combina com Malchut.
Como Malchut contém todas as sefirot, e também representa o nível mais baixo,
alguma referência específica determinará em cada caso se as pernas e os pés
devem ser identificados com Nétsach e Hod ou com Malchut.

2
O Ari ensina que Hod, por ser a extremidade inferior do lado esquerdo do corpo
(que denota julgamentos), é o local da fonte do mal em estado potencial.
Por essa razão, quando Jacob lutou com o anjo da guarda de Esaú, o anjo o feriu
na coxa esquerda, indicando o enfraquecimento da capacidade de Jacob de
combater o mal durante o exílio (ver Gênesis 32:26).
Como vimos, as pernas e os pés representam o limite mais baixo a que o homem
pode chegar e, portanto, seu contato permanente com o mundo material.
A existência espiritual é denominada "vida", enquanto a focalização exclusiva no
material causa insensibilidade e morte espiritual.
O Rebe Nachman ensina que os pés, representando Malchut, são os pontos mais
próximos do lado da morte, do domínio do "outro lado", como afirma o seguinte
versículo (Provérbios 5:5): "Seus pés descem à morte."
Assim, o indivíduo que desvirtua seus "pés" não só se prende a uma existência
material, mas, na verdade, transfere sua energia espiritual para o outro lado e
permite que as forças do mal se alimentem através dele, Deus nos livre.
Nessa mesma linha de raciocínio, o Rebe Nachman ensina que o mundo físico
inteiro é comparável aos "pés", o extremo inferior dos universos de santidade.
É esse o significado das palavras "a terra é o estrado para Meus pés" (Isaías 66:1).
É evidente que se pode achar Deus em toda parte, mesmo no ambiente mais
mundano.
No entanto, a santidade encontrada nos níveis mais baixos tem uma força
infinitamente menor do que a descoberta em graus mais elevados.
Além disso, a exposição intensa ao mundo material pode subjugar a pessoa,
distanciando-a da própria santidade que ela busca.
Por conseguinte, o Rebe Nachman recomenda com veemência que procuremos a
Deus por meio do estudo da Torá e da oração, e não desçamos aos planos mais
baixos para compreender nossa missão espiritual.

Andar Altaneiro
O Rebe Nachman ensinou:
"Para poder andar no caminho do arrependimento, a pessoa deve conhecer a
halachá, os códigos da lei judaica."

"Andar" em hebraico é “halichá” (), palavra que tem uma ligação estreita com
“halachá” (), os códigos da lei judaica.
Como os termos que designam "andar" e os códigos são semelhantes, concluímos
que o conhecimento dos códigos é o requisito para que se obtenha êxito no
caminho da vida. Os códigos determinam o que é permitido (referindo-se à sefirá
de Nétsach, porque nos indicam quando e como avançar) e o que é proibido
(referindo-se a Hod, porque nos mostram quando devemos deter-nos).
Tal conhecimento "traz paz" ao coração que, sem ele, ficaria dividido.
Saber o que fazer em qualquer situação produz uma atitude segura e sadia
(fundamento ou lessod) em relação à vida.
O Rebe Nachman ensinou também que a oração é análoga aos pés.
Rezar a Deus significa reconhecer o Seu domínio, e esta é a essência do "manter-se
de pé".
Além disso, a reverência é associada aos pés, como consta (Eclesiastes 12:13):
"O fim de tudo... é temer a Deus."
O temor é o "fim", que denota os níveis mais baixos.
Assim, o indivíduo deve iniciar sua busca espiritual sobre "pés firmes", com temor a
Deus.
"Pés firmes" (o temor a Deus consolidado) criam um canal através do qual se
podem receber dádivas abundantes de Deus.

As três festas são denominadas “shalosh regalim” [literalmente, "três pernas"]


porque revelam a reverência a Deus.
Cada uma das três festas celebra numerosos milagres.

3
Pêssach rememora o Êxodo e a abertura do Mar Vermelho.
A revelação no Monte Sinai aconteceu em Shavuót, quando a Torá foi entregue.
Sucót nos faz lembrar as sete nuvens de glória que protegiam Israel no deserto.
A observância das três festas nos religa aos milagres que elas comemoram e nos
permite manifestar a reverência a Deus.

No entanto, nem tudo que se relaciona com os "pés" é necessariamente positivo.


Como o homem tem livre-arbítrio, o potencial para o mal sempre deve existir.
O Rebe Nachman ensinou: "Reguei [pé] corresponde a ragal [calúnia], pois o
caluniador 'anda' de um lugar para o outro espalhando suas mentiras caluniosas."
De todas as formas de maledicência, a calúnia é de longe a pior.
O Talmud equipara a calúnia ao assassinato, porque caluniar alguém pode causar-
lhe danos incalculáveis, sejam eles financeiros, emocionais, espirituais ou mesmo
físicos.
Quem profere calúnias também debilita seu próprio "fundamento" — as "pernas" —
e não tem sobre o que se apoiar. Por outro lado, quando as pessoas se abstêm de
caluniar e fofocar, a paz aumenta no mundo.
(A paz, shalom, é análoga a lessod— "fundamento" — o equilíbrio perfeito entre
Nétsach e Hod)
A arrogância também é associada aos pés, conforme está escrito (Salmos 36:12):
"Que não me domine o pé da arrogância."
O indivíduo arrogante em geral tem complexo de inferioridade e sente que, para
obter reconhecimento, precisa vangloriar-se. Mas a arrogância é uma característica
desprezível, e por causa dela o povo hebreu é forçado a permanecer no exílio e não
pode voltar ("ir" de regresso) a sua Terra.
O ateísmo é igualmente retratado pelos "pés", como se pode deduzir do seguinte
Salmo (73:2-3), no qual o Rei David descreve como o sucesso dos perversos quase
o fez afastar-se do caminho da verdade: "Quanto a mim, por pouco meus pés não
se desviaram; quase resvalaram meus passos. Pois invejei os arrogantes quando vi
a paz dos perversos...".

O Ganha-Pão
O meio de vida da pessoa é comparado aos pés, como aprendemos:
"O dinheiro do indivíduo o põe em pé [lhe dá segurança financeira]."
O Rebe Nachman ensinou:
É importante que a pessoa eleve seu meio de vida ao nível do “lechem panirn” [o
pão da proposição do Templo]... Ele era assado na sexta-feira à tarde e
milagrosamente se mantinha fresco até o Shabat seguinte, nove dias depois.
Assim, o pão da proposição significa um sustento fácil, que vem direto de Deus
[semelhante ao maná]. Quando o indivíduo consegue elevar seu ganha-pão a esse
nível da "face" (panim), ou seja, quando ele crê com fé plena que Deus lhe proverá,
então, por meio do seu sustento, ele obtém perdão para os pecados e revela a
Divindade no mundo.

Ganhar a vida não é simples e exige persistência e trabalho árduo. A pessoa nunca
sabe ao certo quais serão os resultados de seus esforços. O Rebe Nachman ensina
que todos os tipos de ofício estão enraizados nas 39 formas arquetípicas de
trabalho que eram executadas na construção do Santuário.
Isso indica que, para o indivíduo que tem fé, mesmo uma ocupação mundana
adquire um caráter espiritual, como se por meio do trabalho ele estivesse erigindo
um Santuário (pois é isso, de fato, que ele está fazendo quando supre à sua família
com fé). Quem não tem fé, porém, pratica em vão as "39 formas de trabalho".
Apenas os que percebem que só Deus fornece o sustento não precisam preocupar-
se com a subsistência.
Assim, o homem deve sempre trabalhar na construção de sua fé, que também
corresponde às pernas.

4
O Rebe Nachman ensina ainda que a necessidade de fazer viagens de negócios é
conseqüência de uma deficiência da fé. O Reb Natan explica que o exílio em geral
resulta da fé desvirtuada. Assim como Adão e Eva foram expulsos do jardim do
Éden porque comeram da árvore do conhecimento, e a nação hebraica foi exilada
na Babilônia para retificar o pecado da idolatria, todas as viagens que a pessoa faz
são necessárias para a retificação de sua fé.
O conceito de viajar de um lugar para o outro se refere ao uso dos pés para
localizar e elevar todas as centelhas de santidade espalhadas pelo mundo.
Assim, embora o desvirtuamento original da fé tenha causado o padrão de "viagem
e exílio" que caracteriza nosso povo, as pessoas podem usar as viagens para
produzir benefícios espirituais — para si mesmas e até para o mundo todo.
Como grande parte das viagens é de negócios, a crença de que só Deus fornece o
sustento é um aspecto da fé que deve ser fortalecido. O Talmud ensina:
"As pernas do homem são a sua garantia: aonde quer que ele tenha de ir, elas o
levarão."
Isso significa que, quando os "pés" são fortes, eles mantêm o indivíduo firme e
asseguram que ele não descerá ao domínio do mal e da impureza.
Atualmente, as pessoas estão em constante movimento — dirigindo-se ao trabalho,
às compras, a uma visita, a uma aula de Torá, e assim por diante.
O homem contemporâneo tem abertos diante de si horizontes que nem sequer
eram sonhados há alguns séculos. Assim, a capacidade de efetuar retificações é
muito maior hoje do que em qualquer geração anterior.
As viagens constituem oportunidades para que todos exerçam essa capacidade.
O Rebe Nachman ensina que, em todo lugar que visita, a pessoa pode fazer
retificações praticando ali uma boa ação.
Com a mera abstenção do pecado, ela já retifica automaticamente centelhas de
santidade nos locais a que viaja.

Dança
Quem se sente feliz pode "exaltar-se" a ponto de ter necessidade de expressar seus
sentimentos através da dança e de movimentos corporais. O Rebe Nachman
ensina: "A pessoa deve esforçar-se para alcançar a alegria de modo que até seus
calcanhares sintam essa alegria. Então, por meio da dança, ela será capaz de
abrandar julgamentos."
Já assinalamos que tanto os braços como as pernas correspondem à fé.
Examinemos agora a força desses quatro membros quando trabalham em uníssono.

O Rebe Nachman ensinou: "A dança e as palmas emanam do espírito que se


encontra no coração. Pode-se observar facilmente que, quando o coração está
alegre, a pessoa dança e bate palmas..."
Os braços, e em especial as mãos, unem-se para bater palmas; as pernas, e em
especial os pés, movem-se em conjunto quando se dança.
O espírito que liga os pés e as mãos é a felicidade e a alegria. A pessoa o adquire
por intermédio do tsadic, que é descrito como "um homem que tem espírito" (ver
Números 27:18). Ou seja, o tsadic é associado ao espírito porque ele inspira as
pessoas para a busca da Divindade.
O Rebe continua:
Por meio do tsadíc, que representa o espírito do coração, a arrogância é eliminada,
como está escrito (Salmos 36:12): "Que o pé do orgulho não venha contra mim."
A idolatria também é suprimida, como consta: "'... e lavai vossos pés' [Gênesis
18:4] - isto se refere à idolatria" [e a arrogância é equiparada à idolatria].
Assim, quando os pés se erguem na dança [por intermédio do tsadic, o espírito que
se encontra no coração], a arrogância, que na realidade é idolatria, é eliminada.
Dessa maneira, julgamentos Divinos e decretos severos são mitigados, pois
"enquanto existir a adoração de ídolos, a ira Divina visitará o mundo".

5
Quando a idolatria desaparece, a ira Divina também desaparece e chassadim
[bondades] são trazidos ao mundo. Então, os pés são "os pés dos chassiclav [Seus
devotos]" (1 Samuel 2:9) - uma alusão ao aspecto de chassadim.
Isso se relaciona com "... chasdê [as bondades de] David são fidedignas" (Isaías
55:3); elas são descritas como "fidedignas" porque [por intermédio do "espírito" e
influência do tsadic] a heresia e o ateísmo são extintos...
Esse [espírito] também corresponde à batida de palmas porque, por meio do
espírito, a iluminação das mãos é revelada, como consta (Cântico dos Cânticos
5:2): "A voz do meu Amado “dofec” [pulsa]."
“Dofec” é um aspecto do espírito [o sopro / espírito que faz o coração bater e
pulsar e é a fonte da vibração das mãos]. Um versículo que vem em seguida a esse
(Cântico dos Cânticos 5:4), "O meu Amado estendeu a Sua mão pelo buraco", faz
alusão à revelação da iluminação das mãos, que é a batida de palmas.
Nesse ponto, a adoração de ídolos -que se refere à heresia - é eliminada.
Assim está escrito (Êxodo 17:12): "E as mãos dele [de Moisés] ficaram fiéis."
As mãos e os pés, quando são retificados, correspondem à fé.
Quando desvirtuados, eles representam arrogância, idolatria e heresia.
A arrogância é comparada ao pé.
Assim como a pessoa conta com os pés para suster seu corpo físico, ela depende de
seu espírito arrogante para firmar-se emocionalmente. Essa arrogância pode ser
combatida e anulada por "pés dançantes" - contanto que o espírito que os move
seja proveniente do coração e do tsadic.
O Rebe Nachman prossegue:
Verificamos, portanto, que por intermédio do tsadic - ou seja, do espírito que se
encontra no coração - a iluminação das mãos e dos pés (isto é, as palmas e a
dança) é revelada. A arrogância e o ateísmo são assim eliminados, e a fé é
aumentada. Então se cumprem as palavras do seguinte versículo (Salmos 26:12):
"Meu pé está assentado num lugar plano." "Meu pé está assentado" é uma
referência à fé, enquanto a heresia é descrita como "um pé que se desvia" (ver
Salmos 73:2).
A Tora também é associada às mãos e aos pés, porque contém ensinamentos
revelados e ocultos.
O revelado corresponde às mãos, como consta em "O meu Amado estendeu a Sua
mão pelo “chor” [buraco]" (Cântico dos Cânticos 5:4) - o “chor” faz menção a
"charuto” [gravada] “sobre as tábuas" (Êxodo 32:16), que é a Tora revelada.
A Tora oculta corresponde aos pés, conforme a seguinte explicação dos nossos
Sábios: "’As voltas de tuas coxas' [Cântico dos Cânticos 7:2] - assim como a coxa,
as palavras da Tora também ficam ocultas”.

A heresia gera decretos severos, enquanto a Torá e os tsadikim atraem espírito e


força vital. Quando estamos alegres, dançamos e batemos palmas, disseminando
esse espírito pelo nosso corpo. Com a introdução do espírito de alegria da Torá em
todas as partes que o compõem, o organismo se purifica por meio do
fortalecimento da fé.
Isso elimina a heresia e, portanto, abranda decretos severos. Como o tsaclic é
análogo ao espírito avivado, a ligação estreita com o tsadic também suaviza
decretos severos.
A dança é tão eficaz para abrandar sentenças porque é em Malchut, o nível
espiritual mais baixo, que os julgamentos se manifestam.
De fato, os julgamentos também são chamados de "pés", porque correm para
cumprir sua missão.
O Rebe Nachman ensinou:
Todas as bênçãos provêm de Chochmá, enquanto os julgamentos se originam em
Bina. Chochmá e Bina são mochin. A energia ou abundância que elas emitem desce
até as sefirot de Nétsach e Hod e em seguida fluí através de lessod para Malchut.

6
"Joelho" em hebraico é “bérech” [], palavra cujas letras estão contidas em
“berachá” [, bênção] e “bechorá” [, primogenitura].
“Bechorá” faz alusão a Chochmá, a primeira sefirá.
As bênçãos que emanam de Chochmá passam por Biná e depois descem, através
das “bircáim” (joelhos/pernas], aos domínios inferiores, onde predominam os
julgamentos.
As bênçãos, trazidas de Chochmá a Malchut, podem abrandar os julgamentos de
Malchut.
Além disso, Nétsach e Hod estão na fonte da profecia e do canto. A pessoa que se
regozija genuinamente e dança com alegria pode alcançar algum nível de profecia,
que corresponde ao canto e ao júbilo verdadeiro.
Todos os que mantêm a Torá (por meio da caridade) também são elevados pela
alegria, porque o sustento da Torá corresponde aos pés, que dão suporte ao
homem.
De fato, a alegria eleva tudo que está associado com os pés.

Iessod, o Tsadic
Observamos que as pernas e os pés são análogos a Nétsach e Hod, que se fundem
em lessod.
Como veremos nos próximos textos referentes ao Sistema Reprodutor, a sefirá de
lessod corresponde ao órgão sexual e também ao tsadic, a pessoa justa, que passa
no teste mais difícil deste mundo porque consegue controlar o impulso sexual.
Em muitas lições, o Rebe Nachman emprega a palavra "pés" para designar os
tsadikim, pois eles são o principal sustentáculo da nação judia.
Por outro lado, verificamos também que o povo judeu é ligado ao tsadic assim
como os pés se ligam ao corpo. Logo, o tsadic é chamado tanto de "pés" como de
"corpo".
Essa aparente contradição é explicada quando se nota que o tsadic está num nível
mais elevado que as pessoas comuns, assim como o tronco e as extremidades
superiores do corpo estão acima das pernas, e, apesar disso, são os pés e as
pernas que sustêm o corpo.
Da mesma maneira, a grandiosidade do tsadic se deve, em certo sentido, ao povo
judeu - os que dependem dele e com os quais ele tem de relacionar-se.
Ele os sustenta e, ao mesmo tempo, é sustentado por eles. Assim, quando os
hebreus pecaram com o bezerro de ouro, Deus disse a Moisés (Êxodo 32:7):
"Desce"; e nossos Sábios explicam: "Desça do seu nível. Eu lhe conferi grandeza só
por causa de Israel."
Conforme assinalamos, a energia espiritual que desce através de Nétsach e Hod é
canalizada por lessod para Malchut. Portanto, estas quatro sefirot juntas são
chamadas de "pés" da Persona Divina.
Examinaremos agora de que forma os tsadikirn correspondem às pernas e aos pés,
para que possamos compreender melhor por que se diz que Nétsach e Hod se
fundem em lessod. Também tentaremos entender por que o povo judeu é
considerado os "pés" do tsadic - por que ele é associado a Malchut em relação ao
tsadic, que por sua vez é comparado a lessod.
Isso nos ajudará a compreender o significado da liderança e quem é digno de
exercê-la.

O Rebe Nachman ensinou:


Os líderes da geração são simbolizados pelos pés, porque o conselho é análogo aos
pés, como consta (Êxodo 11:8): "O povo que está a teus pés"- o Rashi explica que
essa expressão significa "aqueles que seguem o teu conselho". Enquanto se
preparavam para o Êxodo do Egito e tudo que ele representava, os hebreus, que
teriam de deixar o ambiente material em que viviam e partir para a viagem
espiritual suprema rumo ao Sinai e à Terra de Israel, precisavam acima de tudo de
um líder dedicado que pudesse aconselhar cada indivíduo de acordo com as suas

7
necessidades. Eles encontraram esse líder em Moisés, cuja abnegação em favor de
seu povo está bem documentada.
Essa combinação de abnegação e sabedoria concedida por Deus para aconselhar fez
de Moisés o modelo de liderança.
Assim, líderes são aqueles capazes de dar conselhos verdadeiros e benéficos que
ajudem o povo a avançar espiritualmente. Porque esses líderes vão para o meio do
povo e se misturam com ele, aconselhado-o a respeito do arrependimento e do
serviço a Deus, eles são comparados aos pés.
Está escrito no Deuteronômio (7:12): "E sucederá, “ékev”, se ouvires estes
juízos..." O sentido literal de “ékev” é "calcanhar", a parte posterior do pé, que
corresponde aos julgamentos. Quem ouve e segue os "pés" da nação (que se
referem aos verdadeiros líderes que a repreendem) consegue saber quando os
julgamentos estão prestes a descer ao mundo e pode ajudar a atenuá-los por meio
do arrependimento.
Vemos assim que a interação entre os líderes e o povo se dá no nível dos "pés".
Isso ocorre porque a humildade desempenha um papel crucial na relação entre um
líder e seus seguidores.
As pernas simbolizam a humildade e a modéstia, porque são membros que
geralmente ficam escondidos e se situam na parte "inferior" do corpo.
A pessoa humilde está disposta a ouvir os outros e escutar seus conselhos.
Com base nestes conselhos, ela pode trabalhar para aprimorar-se.
O Rebe Nachman ensina que, ainda mais que uma geração meritória, uma geração
que se encontra num nível espiritual baixo precisa de um líder que lhe transmita
grande sabedoria e intelecto.
Os que estão em graus mais baixos, principalmente na época que antecede a
chegada do Mashíach, representam os "pés", ou seja, as extremidades inferiores.
O Ari escreve que todas as almas estão enraizadas na alma de Adão, o primeiro
homem. As almas das primeiras gerações estavam enraizadas nas extremidades
superiores de Adão. Com a aproximação da era do Mashíach, as novas almas que
nascem têm raiz nas extremidades inferiores de Adão.
Como essas últimas gerações provêm dos calcanhares e pés do primeiro homem,
os dias que precedem a vinda do Mashlach são conhecidos como "ikveta
Demeshicha" (“as pegadas do Mashíach”).
O líder supremo de que tal geração necessita não pode ser menos que alguém
como Moisés, que é análogo ao Mashíach.
Que ele venha rapidamente, em nossos dias. Amém.

Continua

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Anatomia da Alma – Parte 40

O Sistema Reprodutor – Parte 1

Introdução
O sistema reprodutor salienta as diferenças anatômicas entre o homem e a mulher.
Essas diferenças são visíveis externamente e refletem as magníficas qualidades que
o ser humano recebeu de Deus para ser capaz de trazer vida nova este mundo.
Iniciaremos estes textos com uma descrição geral dos órgãos reprodutores
masculinos e femininos.
Em seguida, com base no conhecimento de alguns dos aspectos mais admiráveis da
fisiologia humana, poderemos apreciar com mais clareza as suas contrapartidas
espirituais.
Apesar de a reprodução envolver todo o conjunto das dez sefirot, de Kéter a
Malchut, nosso estudo se concentrará particularmente nas últimas duas, lessod
(fundamento) e Malchut (realeza).

A reprodução só acontece quando o homem e a mulher coabitam.


Nesse processo, o homem emite esperma (um líquido gelatinoso que contém
milhões de células espermáticas) nas vias genitais femininas.
Quando um único espermatozóide fertiliza um óvulo, forma-se um embrião que se
desenvolve ao longo da gestação e resulta num bebê.
O homem atinge a puberdade — fase do desenvolvimento em que ele se torna apto
a reproduzir-se — aos 13 anos aproximadamente. (É por isso que, de acordo com a
lei judaica, o menino passa a ser considerado "adulto" nessa idade.)
O sistema reprodutor masculino fica na parte externa do corpo e compreende o
saco escrotal, os testículos e o órgão sexual.
O esperma (ou sêmen) é produzido e amadurecido por um grande número de
glândulas e ductos dentro dos testículos, que também produzem hormônios
masculinos.
Quando o homem fica excitado, seu órgão torna-se ereto, possibilitando a
ejaculação (emissão de sêmen).
Os principais órgãos reprodutores masculinos estão situados na região externa
porque a temperatura corporal interna é muito alta e não permitiria que o esperma
se desenvolvesse. O saco escrotal mantém os espermatozóides a uma temperatura
ligeiramente inferior à do interior do corpo.
O sistema reprodutor feminino, localizado na área interna do organismo,
compreende os ovários (que produzem os óvulos e hormônios femininos), as tubas
uterinas (também denominadas ovidutos ou trompas de Falópio) e o útero.
Por volta dos 12 anos de idade, a menina atinge a puberdade e começa a ter o
fluxo menstrual — processo que prepara o revestimento uterino para receber os
óvulos fecundados.
Com a união conjugal, os fluidos genitais dos parceiros se juntam, e pode ocorrer a
fecundação, em geral dentro das tubas uterinas.
O óvulo fecundado se divide e forma um embrião, que é implantado na parede do
útero, onde se desenvolve até ser capaz de sobreviver fora dele.
Durante o amadurecimento, o embrião (o ser humano nas fases iniciais de seu
desenvolvimento intrauterino) e o feto (o ser humano em desenvolvimento após o
fim do terceiro mês a partir da concepção) são nutridos através da placenta, que
permite a troca de nutrientes, oxigênio e produtos residuais com a mãe.
Quando o feto atinge a "maturidade", a parede do útero começa a contrair-se
ritmicamente, devagar no início e depois com freqüência e intensidade crescentes
(que causam as dores do parto), até acontecer o milagre do nascimento.
Depois de dar à luz, a mãe tem a habilidade natural de nutrir o bebê com leite
humano por meio da amamentação, processo para o qual seu corpo se foi
preparando durante a gravidez.

1
O Ari oferece várias explicações para o fato de a puberdade ter início aos 12 anos
na mulher e só um ano mais tarde no homem.
As dissertações sobre esse tema encontradas em diversos capítulos do seu livro
Ets Chaim são demasiadamente extensas para serem discutidas aqui.
Portanto, recomendamos que o leitor faça uma pesquisa independente sobre o
assunto.
O Reb Natan explica que as idades de amadurecimento do homem e da mulher
diferem porque o homem corresponde a Zeer Anpin — que é análogo à Torá
Escrita, interpretada por meio dos 13 princípios exegéticos.
Por essa razão, ele se torna "adulto" aos 13 anos.
A mulher, por sua vez, corresponde a Malchut, que personifica as 12 tribos, o reino
de santidade e fé (o reino de Israel, que aceitou a Torá no Sinai, é composto de 12
tribos). Por isso, ela atinge a idade adulta aos 12 anos.
Como a dimensão física espelha a espiritual, a perfeição da união de Zeer Anpin
com Malchut reflete-se na união de marido e mulher.
A "semente" do plano espiritual é a energia espiritual que flui diretamente de Deus
através das sefirot, dos níveis mais elevados aos mais baixos, até chegar à sefirá
de lessod.
Essa energia é chamada de “shefa” (que em geral se traduz como "força vital",
"esplendor" ou "abundância").
À medida que o shefa desce, cada sefirá contribui com suas características
específicas.
Quando alcança lessod, a "semente" está plenamente desenvolvida e pronta para
ser transportada para Malchut. Os "frutos de lessod" são depositados em Malchut,
para que o Reino de Deus possa ser revelado e estabelecido na terra.
Assim como cada sefirá fornece suas qualidades únicas a lessod, cada parte do
corpo humano colabora com suas propriedades distintivas para formar a semente
que dará origem a um novo ser.
Conforme nos ensina o Talmud, o esperma é extraído do corpo inteiro, de todos os
órgãos, glândulas e hormônios (pois são todos responsáveis pela saúde).
Além disso, o Zôhar explica que o sêmen, que é branco, se origina na "massa
branca" do cérebro; portanto, a mente é a verdadeira fonte do esperma humano.
(No nível prático, quando o indivíduo está prestes a coabitar, ele tem algum
pensamento sobre relações conjugais, mesmo que fugaz, que precede os atos.)
Num processo semelhante ao sistema de interação das sefirot, que começa nos
mochin (intelecto) e desce a lessod antes de passar para Malchut, os pensamentos
durante a coabitação têm um efeito enorme sobre a constituição das características
do bebê que deverá nascer, pois a semente provém da mente.
A transferência da "semente" espiritual de Zeer Anpin para Malchut, que é análoga
à fecundação do óvulo, resulta no que poderia ser descrito como a "gravidez" de
Malchut e a revelação (nascimento) de um novo shefa no mundo.
Da mesma maneira, toda a estrutura das "sefirot pessoais" (que se manifestam no
intelecto e nos traços de caráter do indivíduo), de Kéter e Chochmá para baixo,
contribui para o desenvolvimento do sêmen físico.

Iessod e Malchut: Uma Introdução Cabalística


Muitos dos conceitos relacionados a lessod e Malchut, que correspondem à união do
masculino com o feminino, serão analisados nos próximos textos.
Apresentaremos aqui apenas uma breve introdução ao tema.
Zeer Anpin compreende seis sefirot, de Chéssed a lessod.
De forma mais precisa, toda a energia de Chéssed, Guevurá e das sefirot que se
seguem fica contida em Zeer Anpin até chegar à sefirá de lessod. (Portanto, a
revelação de Chéssed, etc., só ocorre no nível de lessod.)
Através de lessod, Zeer Anpin transmite shefa (abundância) a Malchut.
Malchut o recebe e fica grávida, até que esse shefa esteja pronto para ser
transferido ao mundo a fim de beneficiar a humanidade.

2
O Sêfer letsirá explica que as seis direções espaciais (norte, sul, leste, oeste, para
cima e para baixo) correspondem às seis sefirot de Zeer Anpin.
Qualquer que seja a localização da pessoa, as seis direções sempre apontam para
fora. Isso define o aspecto masculino, pois o homem se relaciona com o mundo e
se expressa com uma atitude voltada para o "exterior".
Por outro lado, Malchut, o aspecto feminino, é uma única sefirá e o ponto central
para o qual convergem as seis direções de Zeer Anpin.
Logo, o aspecto feminino da criação é representado pela introspecção e constitui o
destino final de Zeer Anpin.
Se ampliarmos essa idéia, podemos ver Zeer Anpin e Malchut como os dias de
semana e o Shabat.

As seis sefirot de Zeer Anpin correspondem aos seis dias de semana, o aspecto
masculino, quando saímos para cuidar de nossos negócios — nossas necessidades
materiais ou nossos esforços espirituais. No Shabat, ficamos na esfera feminina,
porque então podemos absorver os frutos de tudo que fizemos durante a semana.
Assim, mesmo que a pessoa tenha um árduo trabalho físico ou espiritual a semana
inteira, sem o Shabat ela não tem como receber os benefícios de sua diligência.
Zeer Anpin e Malchut têm uma relação muito especial porque correspondem ao Vav
e ao Hê final do Tetragrama.
Essa relação é uma extensão da associação entre Aba / Chochmá (pai / sabedoria)
e Ima / Biná (mãe / entendimento), que correspondem, respectivamente, ao lud e
ao primeiro Hê do Tetragrama.
Porém, há uma diferença: enquanto Chochmá e Biná (como pai e mãe) são
consideradas de "igual condição", Zeer Anpin e Malchut — a princípio — não são
iguais e são descritos como "filho" e "filha".
Zeer Anpin é o "irmão mais velho", e Malchut é a "irmã mais nova".
Como "filhos", eles são separados e diferentes, e precisam crescer para que
venham a desempenhar seus papéis como parceiros iguais.
Só quando ambos amadurecem, Zeer Anpin se une a Malchut e a chama "minha
irmã, minha noiva" (Cântico dos Cânticos 4:9, 4:10, 4:12, 5:1, 5:2).
Quase três quartos da obra do Ari tratam do "crescimento e amadurecimento" de
Zeer Anpin e Malchut.

O despontar da função reprodutora assinala um marco fundamental no processo de


desenvolvimento do ser humano.
O amadurecimento e a reprodução andam juntos e estão ligados com Dáat.
Quando observamos o crescimento de uma criança, verificamos que um certo grau
de inteligência já está presente desde o momento do nascimento, quando fica
evidente que uma nova mente chegou ao mundo.
O recém-nascido sadio mostra imediatamente uma percepção aguçada do ambiente
e responde à sua maneira.
O sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico (que são inter
relacionados) funcionam desde o começo.
Em poucos meses, o bebê adquire algum controle dos braços e das mãos, e alguns
meses depois as pernas ganham força e coordenação.
Nesta fase, o intelecto da criança é extremamente limitado.
Para crescer, ela ainda precisa interpretar e armazenar muitas informações em sua
mente em desenvolvimento, aprender e entender.
Com a chegada da puberdade, começamos a notar que ela já adquiriu um
repertório próprio de conhecimentos, que constitui seu nível de Dáat.
Quando o ser humano amadurece a ponto de ser capaz de procriar, ele já pode
trazer ao mundo revelações adicionais do intelecto.
lessod, como vimos, corresponde ao órgão sexual, o ponto para o qual converge o
fluxo de energia espiritual e física que se origina dos poderes combinados do corpo
inteiro e de todas as sefirot.

3
Pode-se afirmar, assim, que a atitude da pessoa no que se refere às relações
conjugais é o principal indicador de seu caráter inato, do quanto ela se esforçou
para desenvolver-se e do grau de maturidade psicológica que alcançou.
Ou seja, o caráter e o aperfeiçoamento pessoal acompanham o crescimento
intelectual, tanto no homem como na mulher.
Em termos mais específicos, a natureza do Chéssed (a capacidade de amar e cuidar
dos outros) ou da Guevurá (o senso de julgamento e restrição) do indivíduo,
independentemente de como e quanto se tenha desenvolvido, se expressará em
sua conduta com o cônjuge antes, durante e depois das relações maritais.
Nessas ocasiões, é extremamente importante que os parceiros adquiram
sensibilidade para que saibam incluir Deus no relacionamento.
Assim se estabelecerá o Reino de Deus neste mundo, pois a glória Divina só poderá
ser revelada em sua plenitude quando reinar a paz e as pessoas interagirem umas
com as outras com o máximo de amor e respeito.

Macho e fêmea Ele os criou.


(Gênesis 1:27)

O Zõhar ensina que toda alma possui características "masculinas" e "femininas".


Antes de descer ao mundo físico, a alma se separa, e suas características se
dividem em "duas entidades", sendo uma masculina e a outra feminina.
Por isso o casamento e a união conjugal são tão importantes: eles tornam a unir as
"duas metades" da alma.
Podemos agora compreender melhor um interessante ensinamento do Ari: Cada
uma das dez sefirot corresponde a um Nome Sagrado de Deus, que exprime um
poder Divino específico.
O Nome Sagrado associado a lessod é Shadai (  ), que se traduz como "Há o
bastante!" e indica que Deus é capaz de suprir plenamente às necessidades de todo
indivíduo.
O Nome Sagrado análogo a Malchut é Adonai, que significa "Senhor", pois Ele é o
Senhor do universo e Rei absoluto.
Há um versículo que afirma (Gênesis 35:11): "Eu sou El Shadai; frutifica e
multiplica-te..."
A expansão das letras do Nome Sagrado Shadai (  ) (Shin, Dalet, lud), resulta
nos termos  
(shin, iud, nuri), 
(dalet, lamed, tav) e (iud, vav, dalet).
Se eliminarmos as letras iniciais de cada um deles, ficaremos com as "letras
ocultas" iud, nun (cujo valor numérico é 60), lamed, tav (430) e vav, dalet (10),
que, em conjunto, somam 500.
Observamos em textos anteriores que o corpo do homem é composto de 248
partes, e o da mulher, de 252.
Logo, a entidade única formada pela junção de dois indivíduos — homem e mulher
— é constituída de 500 partes.
Como as relações conjugais devem ser praticadas com recato, escondidas do olho,
essas "letras ocultas" (que não são pronunciadas) correspondem à ligação especial
entre o homem e a mulher, que os une em santidade para que possam procriar.
O casal que reconhece a importância do ato marital — a beleza e a intimidade que
existem na fusão de dois opostos numa unidade — alcança a paz, e assim a realeza
de Deus se estabelece e consolida mais e mais.

Iessod
Encontramos nos escritos do Ari os conceitos de Or lashar(luz direta) e Or
Chozer(luz refletida).
Deus nos envia diretamente Sua abundância, que nos sustenta, nos dá vitalidade e
possibilita que pratiquemos boas ações. Estas boas ações dão um certo prazer a
Deus. Como um pai ou uma mãe, Ele fica contente quando Seus filhos "crescem" e
se tornam capazes de imitá-Lo.

4
É esse tipo de “nachat” (satisfação) que Ele obtém de nossos atos.
Assim, quando nos esforçamos para seguir Seu exemplo, é como se Lhe
estivéssemos dando algo em retribuição.
O Rebe Nachman ensinou:
O benfeitor corresponde ao aspecto masculino, enquanto o beneficiário corresponde
ao aspecto feminino. Quem dá aos outros representa o masculino, e quem recebe
representa o feminino. Este princípio se aplica a todos os universos, em todos os
níveis. Mesmo Deus, quando obtém prazer da prática de boas ações de suas
criaturas, é considerado, por assim dizer, um Beneficiário, refletindo o aspecto
feminino.

Essa idéia pode ser compreendida à luz da interação do homem com Deus por meio
das sefirot.
A abundância de Deus emana do Alto e desce, passando por todas as sefirot e por
lessod, até chegar a Malchut.
Malchut, como já mencionamos muitas vezes, é a sefirá mais baixa e o ponto a
partir do qual o homem pode vir a reconhecer e servir a Deus.
A aceitação da realeza de Deus é o primeiro passo para nos aproximarmos Dele.
Portanto, é através da sefirá de Malchut que começamos a interagir com Deus e
estabelecemos um relacionamento fundamental com Ele.
(Lembre que Malchut corresponde ao feminino, que pode ser associado à aceitação
do jugo do reinado de Deus.)
Só depois que admitimos o jugo de Sua Malchut (reinado) podemos passar a
relacionar-nos com lessod, que funciona como uma ponte para as esferas mais
elevadas.
Assim como Deus sente prazer por conceder-nos Sua abundância, Ele também fica
satisfeito quando Suas criaturas avançam e O reconhecem e servem em níveis cada
vez mais altos.
A sefirá de lessod corresponde à “berit”, o órgão genital masculino.
Na Cabalá, lessod é denominado “chai olamim” — a "vida dos mundos": "vida"
tanto porque ele serve à própria essência e propósito da vida, como porque está
"vivo", ou seja, é necessário para a geração de vida; e "mundos" porque ele age
como um catalisador que possibilita a interação dos mundos superiores com este
mundo (Malchut).
lessod é ao mesmo tempo a sefirá que transporta shefa das esferas mais altas para
Malchut e um ponto de retransmissão a partir do qual Malchut, depois de receber
força vital e abundância do Alto, pode retribuir a Deus com o prazer que Lhe causa
o serviço Divino de Suas criaturas.
lessod representa, portanto, um dos maiores prazeres do ser humano, um tipo de
prazer que envolve as camadas mais profundas da psique.
Mas o prazer pode ser bom ou mau, porque pode conduzir a pessoa nessas duas
direções.
Assim, o lessod (fundamento) de um indivíduo pode estar num nível de santidade e
impeli-lo a buscar graus cada vez mais altos de Divindade. No entanto, o desejo
sexual também pode afastar a pessoa da espiritualidade (e freqüentemente o faz).
Nos textos seguintes, analisaremos o significado do fato de luxúria e espiritualidade
emanarem da mesma fonte.

Continua

5
Anatomia da Alma – Parte 41

O Sistema Reprodutor – Parte 2

A Aliança Abrahão
O pai de Abrahão, Terach, era célebre entre os idólatras de sua época.
Abrahão cresceu num ambiente de idolatria e sentia um vazio em sua vida.
Buscando preenchê-lo, ele encontrou Deus.
Mesmo em períodos extremamente difíceis, nos quais enfrentou fome, guerra e
esterilidade, ele se manteve fiel a Deus.
Por fim, Deus fez uma aliança eterna com Abrahão e seus descendentes.

Deus apareceu a Abrahão e disse-lhe: "Eu sou El Shadai; anda diante de Mim e sê
perfeito. E constituirei Minha aliança contigo... Estabelecerei a Minha aliança entre
Mim e ti, e tua descendência depois de ti... Eu serei teu Deus.., e tu herdarás esta
terra... Esta é a Minha aliança... Todo homem será circuncidado...
Gênesis 1 7:1 -1 4

A aliança (“berit” em hebraico) é o pacto que Deus fez com Abrahão e com a nação
judia. É importante compreender o significado da aliança que Deus, o Rei dos reis,
estabeleceu com Seu povo.

Será possível que, simplesmente por termos sido circuncidados quando nascemos,
já tenhamos feito nossa parte na aliança?
É concebível que a circuncisão nos isente de guardar a aliança e tudo que ela
representa?
Algum rei mortal faria uma aliança com um povo que não estivesse disposto a
honrá-la, valorizá-la e fazer o máximo para cumpri-Ia em todas as ocasiões?
Com certeza, esse povo tudo faria para impedir que o pacto fosse violado.
Quão maior deve ser então o sentimento de obrigação do judeu de honrar, cumprir
e guardar a aliança com Deus constantemente, durante toda a vida!
Mas qual é a essência dessa aliança?
O que exatamente se exige do judeu que a respeita?
Onde nos é dito que ela deve ser honrada e guardada ao longo da vida, com outros
atos além daquele que é mencionado no relato do pacto que Deus fez com
Abrahão, ou seja, a circuncisão?

O órgão sexual — o sinal específico da aliança de Deus — tem o poder de dar


origem a uma nova vida.
Porém, a procriação só pode ocorrer quando há união sexual.
O Talmud ensina que são necessários três parceiros para a concepção de um filho:
"O pai fornece os componentes brancos do corpo [ossos, tecidos, etc.]; a mãe
contribui com os vermelhos [pele, carne, etc.]; e Deus insufla vida na criança..."

O ser humano só vem ao mundo quando esses três parceiros atuam juntos.
Como isso acontece?
Casamento em hebraico é “kidushin”, que deriva da palavra “códesh” (sagrado).
Quando a união de marido e mulher é sagrada, a Presença Divina, o terceiro
parceiro, habita entre eles.
Assim, a união sexual, se praticada com santidade, reflete a atitude respeitosa do
casal para com o poder de procriação concedido por Deus.
A obediência às diretrizes estabelecidas para as relações sexuais assegura a
proteção do sinal da aliança e, conseqüentemente, a salvaguarda da própria
aliança.

O Rebe Nachman ensinou:

1
A pessoa que se casa de acordo com a lei da Tora e mantém sua conduta conjugal
dentro dos limites da Torá é reconhecida como alguém que honra a aliança de
Abrahão.
O melhor caminho para aproximar-se de Deus é a preservação da aliança.

Circuncisão
A circuncisão é o aspecto físico do nosso compromisso com a aliança firmada entre
Deus e Abrahão.
Quando o homem nasce, o prepúcio cobre a glande (ponta) do pênis.
No entanto, esse prepúcio é desnecessário e, como outros "excessos", pode ser
eliminado do corpo sem causar efeitos adversos.
A “berit milá”, “aliança da circuncisão”, exige sua remoção.
Portanto, a circuncisão consiste na retirada do prepúcio, denominado “orlá”, para
revelar a glande.
Na realidade, duas camadas cutâneas recobrem a glande do pênis.
A primeira é o prepúcio em si, que deve ser retirado, e a segunda é uma membrana
fina que precisa ser aberta, descolada e puxada.
Após o procedimento de remoção completa da orlá, denominado “milá”, a ponta do
órgão ainda fica coberta pela membrana fina, e por isso a “periá” tem de ser
realizada.
Periá significa “descobrir” ou “revelar” e consiste na abertura da membrana para
expor a glande.
A simples remoção do prepúcio, com a preservação da membrana intacta, torna a
circuncisão inválida.
O Ari escreve que a mitsvá da berit milá corresponde à visão profética da
carruagem sagrada descrita por Ezequiel (1:4):
"Olhei e percebi que um vento tempestuoso vinha do norte, uma nuvem imensa e
um fogo resplandecente; um nóga [brilho radiante] estava a seu redor, e um
chashmal surgiu no fogo."
O Rebe Nachman explica como essa visão pode ser aplicada à condição humana:
O vento tempestuoso representa os obstáculos, interpostos pelos familiares, amigos
e dificuldades financeiras, que o indivíduo tem de enfrentar em sua busca
espiritual.
A nuvem imensa simboliza dúvidas e confusão, tais como os questionamentos
relativos à fé.
O fogo resplandecente faz alusão à avareza, luxúria, arrogância e explosões súbitas
de raiva.
O “nóga” é um brilho composto em parte pelo bem e em parte pelo mal.
O bem do nóga deve ser reincorporado à santidade, para que o mal, privado de sua
fonte de vida, definhe e morra.
O “chashmal” funciona como uma barreira, impedindo que o mal do nóga penetre
no domínio da santidade.
O prepúcio representa as três kelipot (cascas) inteiramente más, retratadas pelo
vento tempestuoso, pela nuvem imensa e pelo fogo resplandecente da visão de
Ezequiel.
Ele recobre toda a glande do pênis, que é denominada “ateret Haiessod” (a coroa
de lessod), e impede que o “shefa” (abundância) Divino passe, como deveria,
através de lessod para chegar a Malchut.
A remoção do "prepúcio" — “milá” — efetua a retirada simbólica dessas três kelipot
de lessod, permitindo que a abundância seja transportada livremente.
No entanto, esse fluxo não será adequado se não houver uma revelação completa
de lessod.
A fina membrana que circunda a glande do pênis é associada à quarta kelipá
(kelipat nóga).
Somos obrigados a fazer a “periá” - o descolamento e repuxo dessa membrana -
para que a cabeça do órgão seja revelada.
A periá impede que o elemento mau do nóga entre no domínio da santidade.

2
Num discurso sobre a remoção do prepúcio, o Reb Natan apresenta ainda outra
aplicação desses conceitos:
Há um preceito conhecido como orla, que proíbe a ingestão dos frutos das árvores
nos três primeiros anos após o plantio.
No quarto ano, é permitido comer os frutos, mas antes é necessário resgata-los.
A partir do quinto ano, a pessoa pode gozar dos frutos de seu trabalho sem
restrições.
Isso nos ensina o valor da humildade e da rejeição da arrogância.
Há quatro níveis de humildade, que correspondem aos primeiros quatro anos.
O indivíduo deve ser humilde diante de seus superiores, de seus colegas, e até
perante os que estão em posição mais baixa do que ele.
Mesmo depois de alcançar este terceiro nível de humildade, no qual ele se
considera inferior a todos, o sujeito deve esforçar-se para atingir um grau mais
elevado.
Os três primeiros níveis ainda contém uma dimensão de arrogância e representam
as três kelipot más - pois em cada um deles a pessoa se recusa, em alguma
medida, a humilhar-se diante dos outros. Mesmo quem age com "completa
humildade" - uma humildade que o coloca abaixo do padrão de consideração que se
costuma mostrar ao ser humano - pode possuir alguma arrogância, porque talvez
sinta que não lhe convém ser tão humilhado.
Este é o mal sutil do noga. Só quando o indivíduo percebe que, perante o Criador,
sua humildade sempre deve ser absoluta, seu nóga se torna uma força totalmente
positiva.

A arrogância é a característica humana mais negativa.


Ela corresponde ao prepúcio e deve ser erradicada.
Esse atributo tende a sabotar a própria pessoa, sendo a principal causa de sua
humilhação.
O indivíduo arrogante é desprezado justamente em conseqüência de sua
arrogância.
Seus atos também lhe trazem humilhação, porque ele espera e exige que as coisas
sejam como ele quer, quando em geral elas não são. Em nenhuma outra situação
esse defeito fica mais evidente do que na atitude das pessoas em relação a seu
desempenho sexual.
Algumas gostam de "exibir" suas proezas, porém as bravatas em geral ocasionam
sua própria humilhação.
Por outro lado, quem busca a espiritualidade da aliança de Abrahão remove o
prepúcio — a arrogância — que é a fonte de sua humilhação e vergonha.
O Rebe Nachman ensinou, portanto, que "a vergonha e o constrangimento
coincidem com a imoralidade sexual, e a imoralidade sexual equivale à aliança
violada".
O Rebe Nachman também ensinou: A berit corresponde ao chashmal que protege a
pessoa do mal [conforme vimos acima], porque “chash” se refere a "silêncio", e
“mal” sugere milá [circuncisão].
Já observamos que o prepúcio é análogo à humilhação.
Quando um indivíduo é insultado ou passa por outro tipo de constrangimento, mas
permanece calado e controla seu desejo natural de revidar a ponto de nem sequer
guardar rancor no coração, ele revela as qualidades da berit e assim obtém um
enorme mérito.
Portanto, a aliança de Abrahão cultiva no sujeito a característica do autocontrole:
apesar de humilhado, ele se abstém de responder.
Esse comportamento purifica o coração.
É bastante significativo que se considere que o coração também tem um prepúcio.
A pessoa que se volta para Deus é capaz de (e na verdade é obrigada a)
"circuncidar" seu coração (conforme Deuteronõmio 10:16).

3
(É interessante notar que há uma membrana anatômica que envolve externamente
o coração, conhecida como pericárdio. Certas enfermidades são tratadas pela
medicina ocidental por meio da remoção cirúrgica do pericárdio.)

O Rebe Nachman ensina que a berit é associada ao conceito de "frutifica e


multiplica-te".
A pessoa que guarda a aliança merece ganhar a vida com facilidade, e sua renda
pode ser "frutífera".
A berit também é denominada "aliança de paz" (Números 25:12), porque o
indivíduo que preserva a aliança conseguirá encontrar a fugidia bênção da paz —
dentro de sua casa, de seu corpo e de sua alma.
Onde há paz, há abundância e bênção, como aprendemos (Salmos 147:14):
"[Deus] estabelece a paz em tuas fronteiras; Ele fornece colheitas abundantes."
O profeta Ezequiel (36:30) fala da "vergonha da fome", que consiste num reflexo
da vergonha do prepúcio, como consta (Josué 5:8-9): "Quando Josué acabou de
circuncidar todo o povo... Deus disse: 'Hoje tirei de vós a vergonha do Egito.- A
remoção do prepúcio, ou seja, a eliminação das kelipot que envolvem a berit,
representadas pela "fome" e pela "escassez", abre os canais para que a abundância
chegue à pessoa.
Portanto, qualquer forma de aviltamento da aliança pode levar à pobreza.

Um Bom Acordo
Deus comunicou a Abrahão que faria uma aliança com ele e toda a sua
descendência. Essa aliança é o sinal de que Deus será fiel ao povo judeu, e o povo
judeu será fiel a Deus.
Ela é anunciada em "Todo homem será circuncidado" (Gênesis 17:10).
Assim, o Rebe Nachman ensina: Todos os judeus são chamados de tsadikim, por
serem circuncidados.
Em outras palavras, o mérito da berit milá é muito grande e, por si mesmo, confere
ao indivíduo a distinção da santidade e o título de tsadic.
O Zôhar ilustra essa idéia com a seguinte história:
Abrahão cumpriu o mandamento de Deus e circuncidou seu filho mais velho, Ismael
(Gênesis 17:25).
Conseqüentemente, durante quatrocentos anos, o anjo da guarda de Ismael
apresentou um pedido de recompensa perante o Tribunal Celestial.
"Não é verdade que todo indivíduo que é submetido à berit mita tem uma porção
em Teu Nome?", indagou o anjo. "Sim", respondeu Deus. "Se é assim", prosseguiu
o anjo, "por que não foi dada a Ismael uma porção de santidade igual à de Isaac, o
outro filho de Abrahão?''.
"A circuncisão de Ismael não foi feita por amor à mitsvá", explicou Deus.
"Ainda assim", argumentou o anjo, "ele foi circuncidado".
Deus respondeu: "Ismael de fato receberá uma porção de santidade como
recompensa. No entanto, como sua berit mílá foi vazia e destituída de um
significado mais profundo, a porção de santidade que lhe será dada também será
vazia e sem valor.
A Terra Santa será a recompensa de Ismael, mas ele só a possuirá quando ela
estiver despovoada de judeus."

Com efeito, continua o Zõhar, a presença árabe na Terra Santa será o principal
impedimento para o retorno do povo judeu a sua pátria, até que termine o mérito
da rnitsvá da circuncisão de Ismael.
Se essa é a retribuição da berit quando ela não é realizada por amor à mitsvá e não
tem significado, quão maior deve ser a recompensa para os que a fazem com a
intenção de cumprir a vontade de Deus!
Além disso, o Midrash afirma que Abrahão fica sentado à porta do Guehinom e
protege todos que foram devidamente circuncidados, impedindo sua entrada.

4
Contudo, os que propositadamente abusam da berit não serão defendidos por
Abrahão.
Mas como ele pode saber se a alma preservou ou não a santidade da berit durante
a vida?
O prepúcio do indivíduo que não a guardou cresce de novo e o identifica como
alguém que, com um comportamento sexual impróprio, fez mau uso da dádiva que
recebeu.
Assim, quem se esforça com sinceridade para salvaguardar a aliança é reconhecido
por Abrahão e salvo do Guehinom.

Amor e Casamento
Abrahão é o modelo de Chéssed (atos de bondade).
Seu amor aos semelhantes era tão grande que ele sempre buscava maneiras de
ajudá-los. Por isso ele teve o mérito de ser o primeiro a receber o mandamento da
milá.
Qual é a relação entre Chéssed e milá?
Como vimos, a energia de Chéssed só pode ser revelada através de lessod.
Na época de Abrahão, a Torá ainda não tinha sido dada.
De que modo, então, se manifestava sua devoção?
Em seu grande anseio de servir a Deus.
Abrahão sentia que sua missão era revelar ao mundo o Chéssed (bondade) de Deus
e o Seu Reinado. Ele também tinha um desejo avassalador de conceder amor e
bondade aos outros.
No entanto, para trazer tanto amor ao mundo, ele precisava ser circuncidado.
A circuncisão removeu todas as kelipot que poderiam impedi-lo de transmitir o
Chéssed e o shefa de Deus às pessoas. Do ponto de vista espiritual, esse ato
efetuou a necessária eliminação de todas as características negativas, que são
simbolizadas pelo prepúcio.

O Rebe Nachman ensinou: "O Chéssed — amor — se mostra por meio do desejo e
do anseio da pessoa. Quem tem um grande amor ansiará profundamente por obter
o que deseja. Este amor se manifesta na berit."
Amar (como chéssed) significa doar-se aos outros sem restrições.
Isso define o objetivo do casamento: Cada cônjuge deve assumir o compromisso de
doar-se ao outro sem limites ou condições.
O vínculo do casamento é essencialmente espiritual e transcende os desejos físicos
e as necessidades materiais dos parceiros.
Quem observa a ligação espiritual que existe entre o homem e a mulher percebe
que há um espírito que envolve o amor e vai muito além da dimensão física.
Os casais que têm essa visão do casamento conseguem superar os momentos
difíceis que inevitavelmente aparecem, porque sua aliança gira em torno das
necessidades primordiais dos parceiros — as necessidades espirituais.
Por outro lado, os casamentos que, equivocadamente, se baseiam apenas na
atração física deterioram-se com o passar do tempo.
A relação se desgasta, e os parceiros começam a afastar-se.
O casal de mentalidade um pouco ultrapassada pode até sentir que tem a obrigação
de permanecer junto, talvez por causa dos filhos, mas não haverá mais satisfação
no casamento. Porém, se os cônjuges estiverem "em sintonia com seu tempo", é
possível que eles se envolvam em relações extraconjugais ilícitas.
Então a falsidade entra em sua vida e passa a fazer parte da rotina diária, e o medo
de ser descoberto corrói qualquer coisa boa que ainda tenha sobrado nessa relação
agonizante.
Quando o chéssed (os sentimentos de amor e bondade) de um relacionamento é
desvirtuado, a berit também é desvirtuada, porque lessod é a manifestação de
Chéssed. Ou seja, se Chéssed for desvirtuado na fonte, ele já estará desvirtuado
quando se manifestar como lessod, e a relação física do casal refletirá esse fato.

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Na maioria dos casos, a deturpação já estava presente desde o início, e nunca
houve amor verdadeiro, baseado num vínculo espiritual.
Além disso, como já explicamos, Chéssed é a primeira revelação dos mochin.
Por conseguinte, uma aliança enganadora ou rompida é um sinal claro de uma
mente desvirtuada.
Assim, o Rebe Nachman ensina: O profeta prediz (Isaías 11:9): "Não causarão
dano e nada destruirão em todo o Meu santo monte, porque a terra estará repleta
de Dáat [conhecimento] de Deus, como as águas cobrem o mar."
A compaixão e a bondade dependem inteiramente de Dáat, que será muito grande
no futuro messiânico.
Por essa razão, quando o Mashíach vier, não haverá crueldade nem desejo de
prejudicar os outros.
A compaixão se propagará por toda parte.
Atualmente, porém, há ocasiões em que as forças do mal se alimentam da
compaixão... Então a compaixão é distorcida.
Quando a compaixão é distorcida, ela se transforma em crueldade, e Dáat é
desvirtuada... Quando Dáat é desvirtuada, surgem desejos intensos de relações
ilícitas [como o adultério].
Isso está em conformidade com o que disseram os Sábios: "O homem não peca, a
menos que um espírito de insensatez entre nele [e distorça sua Dáat]."
Por outro lado, quando Dáat é aperfeiçoada, a pessoa fica protegida dessas
paixões.
O Rebe Nachman está nos dizendo que o amor e a compaixão nem sempre são o
que parecem. Por exemplo, quando se deixa de repreender um filho por
"compaixão", ele perde a chance de aprender o que se espera dele. Por outro lado,
um ato aparentemente cruel que tem a finalidade de disciplinar uma criança pode
fortalecer o seu caráter.
A falta de disciplina na medida certa pode ser um reflexo da Dáat desvirtuada, na
qual a compaixão é mal empregada. Assim, o equilíbrio perfeito, expresso em
Tiféret e lessod (a coluna do meio), é um elemento necessário em qualquer
relacionamento.
Esse equilíbrio no convívio com os outros revela uma mente harmoniosa, uma Daat
bem desenvolvida, na qual o amor e a compaixão são verdadeiros e benéficos, e as
relações são honestas.
O indivíduo que tem a Dáat equilibrada é capaz de manter um casamento maduro,
amoroso e fecundo.
Isso ocorre porque sua Dáat desce até lessocl, permeando todos os aspectos da
personalidade e os traços de caráter (refletidos em sua estrutura pessoal de
sefirot), e por fim se manifesta num relacionamento sadio com o cônjuge, que
envolve doação, honestidade e lealdade.
A preservação da aliança e o estabelecimento de uma relação fidedigna, por sua
vez, contribuirão para o pleno desenvolvimento de Dáat.
No entanto, a pessoa cuja Dáat é deturpada se envolverá em relações ilícitas.
Ela não será fiel ao cônjuge, porque, muito provavelmente, suas intenções no
relacionamento não são boas nem honestas.
De fato, nossos Sábios comparam as relações ilícitas à falsidade e à idolatria, pois o
sujeito que as mantém vive uma mentira.
Ele não pode descobrir a espiritualidade, pois seus próprios atos o afastaram da
verdade, que é a Divindade. Assim, ele acabará desvirtuando sua Dáat, que
normalmente o aproximaria de Deus.
Verificamos, portanto, que a berit e a fé são interdependentes.
A lealdade e fidelidade ao cônjuge dependem do cuidado na conduta sexual, que,
por sua vez, resulta de uma Dáat equilibrada.
O controle dos desejos libidinosos coloca o indivíduo no caminho da honestidade e
da verdade. É interessante notar que o atributo da fé era também a marca
registrada de Abrahão, como declara a Escritura (Gênesis 15:6): "Ele acreditou em
Deus." Com base neste versículo, o Midrash ensina que "Abrahão foi o primeiro

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crente e o primeiro a circuncidar-se". Logo, há uma ligação intrínseca entre a fé e a
berit: Abrahão foi o primeiro de sua época a ter fé no Deus Verdadeiro, e por isso a
mitsvá da circuncisão lhe foi dada.
Amalec, por outro lado, representa o ateísmo.
Isso ficou evidente quando os amalequitas lutaram com os judeus — eles castraram
as vítimas (ver Deuteronõmio 25:18). O Rebe Nachman ensina, portanto, que "a fé
só pode ser mantida quando se guarda a aliança".
Há uma relação estreita entre esses conceitos: a pessoa que guarda a aliança é (ou
se torna) honesta e digna de confiança. Além disso, como aprendemos acima, a
preservação da aliança habilita o indivíduo a adquirir a verdadeira Dáat, uma
consciência expandida, porque sua mente é protegida.
Inversamente, quem desvirtua a aliança "debilita sua mente" e reduz seu intelecto
ao nível dos impulsos biológicos. Assim, a verdadeira Dáat acompanha a
observância da aliança, bem como o amor e a compaixão, que são manifestações
desse intelecto.
Por seu turno, o adultério — a infidelidade ao parceiro — corrompe a aliança e é
equivalente (no nível humano) à idolatria — a deslealdade ao Divino.
Porém, o Rebe Nachman nos ensina que há um remédio.
As meditações cabalísticas do mês de Elul correspondem à observância da aliança.
Com elas, aprende-se a "trilhar o caminho do arrependimento".
Quem se desvia da direção correta e é atraído pela imoralidade danifica as vias e os
atalhos que deveria seguir em sua vida. O arrependimento e o retorno à
observância da aliança retificam as más ações e reconduzem a pessoa ao caminho
certo.

Shadai: "Há O Bastante!"


Podemos agora compreender melhor como o Nome Sagrado Shadai se relaciona
com o conceito da berit, e como a pessoa que guarda a aliança recebe
espiritualidade desse Nome e assim vem a reconhecer Deus.
Shadai é um acrônimo de “Sheiesh Dai”, "há o bastante!".
Deus possui recursos suficientes para sustentar cada faceta da criação.
Esse Nome Sagrado exprime a idéia de que o indivíduo não precisa ir além de seus
limites — intelectuais, emocionais, materiais ou financeiros — para encontrar
satisfação.
Quem busca a espiritualidade sempre será sustentado com o "bastante" por Aquele
que tudo sustenta.
Leia com atenção os seguintes ensinamentos:

Shadai indica contentamento com a própria porção.


Isso se reflete na fé, pois quem tem fé intensa não anseia por bens materiais.
Quando guardamos a aliança, e assim quebramos nossa cobiça, atraímos o poder
desse Nome Sagrado de Deus.
A arrogância leva ao desvirtuamento da aliança.
A observância da aliança reflete comedimento e humildade.
O comedimento consiste no reconhecimento de que os recursos de Deus são
suficientes para suprir a todas as nossas necessidades.

Continua

7
Anatomia da Alma – Parte 42

O Sistema Reprodutor – Parte 3

Iessod: O Tsadic
No Talmud e no Midrash, há inúmeras referências aos tsadikim e sua grandeza,
porém não encontramos nenhuma descrição concisa do que faz um indivíduo ser
chamado de tsadic.
Como se define tsadic?
Evidentemente, o termo faz alusão a um sujeito espiritualizado, mas será ele um
profundo conhecedor da Torá, ou alguém que reza com fervor?
Uma pessoa que é muito meticulosa na prática de determinadas mitsvót, ou que
cumpre todas as mitsvót com a máxima perfeição possível?
A Cabalá enuncia com clareza o significado de tsadic.
"Quem é tsadic?", pergunta o Zõhar. "Aquele que guarda a aliança".

Na Cabalá, lessod corresponde ao nível do tsadic, a pessoa justa.


José é apresentado como o modelo do tsadic, porque venceu com firmeza o maior
teste a que foi submetido, repelindo as investidas sexuais da esposa de Potifar
(Gênesis 39).
Como o impulso sexual masculino em geral é muito mais forte que o feminino, este
texto se concentrará principalmente, mas não exclusivamente, nos desafios
enfrentados pelo homem nessa área.
No entanto, muitos dos conceitos aqui discutidos podem ser aplicados também às
mulheres.

Zeer Anpin, o conjunto formado por seis das sefirot inferiores (Chessed, Guevurah,
Tiferet, Netzach, Hod e Iessod), representa o nível logo acima de Malchut, a sefirá
mais baixa. A natureza da relação entre eles será explicada em texto posterior de
forma mais detalhada.
Neste ponto, podemos entender que lessod (que está contido em Zeer Anpin) é o
grau imediatamente superior a Malchut e constitui a sua raiz ou fonte.
O Rebe Nachman ensina que há dois níveis de berít.
O mais elevado refere-se ao tsadic, a pessoa que guarda a aliança, e o mais baixo é
associado ao conhecimento da Torá, que diferencia o puro do impuro, o permitido
do proibido, o próprio do impróprio.
O nível mais alto da berit foi atingido por Abrahão, cujo atributo característico era
Chéssed. Como vimos, a energia de Chéssed só se torna revelada em lessod.
Por isso, o mandamento da circuncisão foi dado a Abrahão.
O nível secundário, mais baixo da berít foi alcançado pelo servo de Abrahão,
Eliezer, que dominava a fundo os ensinamentos de seu senhor.
Os indivíduos que chegam a esses patamares são conhecidos, respectivamente,
como “tsadic” e “lamdan”, justo e erudito.
O erudito se encontra, necessariamente, num grau inferior ao do tsadic, assim
como o conhecimento deve sempre estar subordinado à prática de boas ações -
pois o conhecimento sozinho pode desencaminhar a pessoa.
Quem alcança o nível mais elevado da berít pode ser extremamente "fértil".
Assim, Abrahão é chamado (Gênesis 17:5) "pai de uma multidão de nações": além
de seus próprios filhos, ele "gerou" as almas de muitos convertidos.
O indivíduo que ascende a um alto grau de retidão pode ensinar a outras almas o
serviço Divino.
Vemos, então, que ser um tsadic significa ter atingido um nível extraordinário,
superior até mesmo ao dos que dominam a Torá inteira.
A observância da berít - o cumprimento das leis que dizem respeito à aliança -
permite que até a pessoa mais simples alcance esse nível, ainda que não em seu
grau mais elevado.
Muitos talvez se mostrem céticos em relação a essa idéia.

1
Então isso é tudo que é necessário para ser um tsadic?
A resposta, diz o Rebe Nachman, é "sim".
"É possível ser um tsadic mesmo sem ser um erudito... Até o sujeito mais simples
pode ser um tsadic".

O valor numérico da palavra hebraica berit () é 612, porque esta mitsvá inclui
as outras 612 mítsvót.
A palavra Torá (), por sua vez, vale 611, porque também está incluída na
mitsvá da berít.
Logo, podemos concluir que a observância da berít tem o mesmo valor de todas as
outras mitsvót juntas.
Qualquer esforço que façamos para obter pureza sexual e assim guardar a aliança
automaticamente nos impulsionará para a Torá e a santidade.
Além disso, o Rebe Nachman ensina que não se pode nem começar a captar os
ensinamentos de um tsadic se a mente não estiver livre de pensamentos
libidinosos.
Mesmo o erudito, que já dominou o nível mais baixo da berit, pode ser
desencaminhado pelos seus estudos.
A pessoa deve sempre se empenhar para alcançar o grau mais alto da berit,
purificando-se da luxúria. Só então ela será capaz de compreender os
ensinamentos do tsadic.
Este é um princípio básico para todos, em qualquer fase da vida.
Essa argumentação parece conter uma contradição: Como é possível que uma
pessoa cuja aliança está desvirtuada tenha a esperança de aprender alguma coisa
sobre a espiritualidade?
Para retificar o que está desvirtuado, ela tem de aprender — com o tsadic — a
corrigir suas más ações.
Porém, ela não será capaz de compreender os ensinamentos do tsadic enquanto os
seus erros não tiverem sido retificados!
Este paradoxo se resolve da seguinte maneira: todos são capazes de entender as
lições do tsadic na medida em que estiverem dispostos a retificar seus erros.
Se a pessoa admitir que praticou más ações, que estas se originam de alguma falha
dentro dela mesma, e que ela deve, em última análise, contar com o auxílio do
conselho do tsadic para reparar essa falha, então ela poderá beneficiar-se de seus
ensinamentos.
A compreensão desse princípio é de fundamental importância quando se inicia a
busca de espiritualidade.
A aliança é o alicerce sobre o qual se pode verdadeiramente começar a construir
uma vida espiritual. Porém, considerando-se as tentações que nos cercam, que
serão discutidas em breve, como podemos ter a pretensão de superar os
obstáculos?
As idéias apresentadas acima — a aceitação da responsabilidade pelos próprios
defeitos e a disposição para receber a orientação do tsadic — nos ensinam que a
opção pela Divindade existe e pode ser feita por qualquer um, de acordo com os
esforços que ele empenhe em sua busca.
Assim como só podemos querer chegar aos degraus mais altos de uma escada se
primeiro subirmos os mais baixos, se a pessoa começar lentamente e trabalhar com
persistência, ela alcançará níveis crescentes de espiritualidade e por fim poderá
atravessar os portais da santidade para experimentar a verdadeira doçura dos
ensinamentos do tsadic.

Um Alicerce Sólido...

O tsadíc é o sustentáculo do mundo.


Provérbios 10:25

Como se atinge o nível do tsadic?

2
Como é possível guardar a berit?
Quais são os benefícios do esforço para resguardar e valorizar a função
reprodutora?
A que perigos está exposta a pessoa que sucumbe às tentações sempre presentes?
O Talmud e o Zóhar falam de um "vento tempestuoso" que provoca um tumulto nos
lares antes do início do Shabat.
Os seis dias de semana são análogos às seis sefirot de Zeer Anpin, enquanto o
Shabat corresponde a Malchut. Assim, quando lessod (a sexta sefirá, associada ao
sexto dia) está pronto para transferir sua semente para Malchut — marcando o
começo do Shabat — um "vento tempestuoso" (ou seja, uma súbita irrupção de
obstáculos) acomete de forma devastadora para impedir essa transferência,
instigando a pessoa a sucumbir à ira ou à transgressão.
As tentações, como os dias de semana, compõem um ciclo que se repete
regularmente.
Como Malchut corresponde tanto ao cônjuge como à fala, é possível resistir às
tentações por meio da santificação da fala.
Dessa maneira, a pessoa "santifica" seu casamento, demonstrando o devido
respeito ao parceiro e jamais se envolvendo em relações proibidas.
A santificação de Malchut desperta o desejo de espiritualidade e diminui os anseios
nocivos.
O Rebe Nachman ensina que existe um "orvalho de santidade" cujas gotas descem
ao mundo trazendo bênçãos abundantes e prosperidade.
Esse orvalho representa as "gotas" de sêmen que, como vimos anteriormente,
emanam da mente. O indivíduo que se comporta visando a espiritualidade traz
bênçãos ao mundo através de suas "gotas".
Por outro lado, os atos sexuais proibidos desperdiçam o sêmen, enfraquecem a
mente e esgotam a abundância - em suma, constituem uma rejeição impudente de
todo o bem que Deus nos concede.
Assim, a violação da aliança, como o desperdício de sêmen, dissipa as bênçãos e a
fartura, que então se tornam alimento para os poderes malignos do outro lado.

Vemos, portanto, que a observância da aliança consiste num processo de


santificação, enquanto a violação da aliança por meio da impureza sexual tem o
efeito contrário.
O nível mais básico de observância da berit é o cumprimento das leis referentes ao
casamento e à pureza familiar estabelecidas na Torá.
Seguem abaixo os casos mais freqüentes de violação da aliança:
- Relações com uma mulher que não cumpre as leis de pureza familiar.
- Relações com uma mulher que a Torá proíbe o homem de desposar (por exemplo,
o casamento de um Cohen (sacerdote) com uma divorciada; ou, ainda pior,
adultério, incesto e casamento misto).
- Relações extraconjugais.
- Homossexualismo.
- Masturbação.
Todas essas práticas constituem uma violação da aliança e o extremo oposto da
atitude de respeito e santificação da função procriadora concedida por Deus.
Elas provocam o desperdício de sêmen e a transferência de toda a bênção e
prosperidade para o outro lado, as forças do mal, que são parasitas da santidade.

O Rebe Nachman ensinou:


Um desejo ardente no coração é comparado a um vento tempestuoso.
Esse desejo pode ser "esfriado" pela fala santificada. Se o indivíduo não tomar a
iniciativa de "esfriá-lo", ele próprio será "esfriado" pelo vento tempestuoso - que o
fará ter uma ejaculação noturna.

A palavra hebraica que designa esse tipo de emissão é “keri”, que se assemelha a
“kerirut”, que significa frieza. A ejaculação noturna é denominada “micrê laila”, pois

3
a tempestade violenta que queima por dentro e causa a emissão deixa o indivíduo
frio e indiferente às influências da espiritualidade. Quando ele sucumbe à tentação
e desperdiça seu sêmen, suas aspirações espirituais se "esfriam".
Porém, se resistir às tentações, ele conseguirá "acalmar-se" e encontrar satisfação
física e espiritual nas relações lícitas.
Infelizmente, a verdadeira observância da aliança não é um nível fácil de atingir.
O mundo em que vivemos apresenta inúmeras formas de sedução, e o homem é
exposto a tentações de toda espécie muito antes de pensar em casar-se.
Quanto mais se adia o matrimônio, mais difícil se torna guardar a pureza do sinal
da aliança. Por isso, o Rebe Nachman aconselha seus discípulos a se casarem cedo,
antes que sejam dominados pela tentação.
Nossos Sábios ensinaram: Quem se casa antes dos vinte anos de idade é salvo dos
pensamentos libidinosos.
Apesar de nem sempre ser viável desposar-se nessa idade, as pessoas certamente
devem casar-se logo que seja possível.
Porém, mesmo depois do matrimônio, sem dúvida surgirão dificuldades que
poderão atrapalhar a observância da aliança.
Pressões profissionais e financeiras, problemas com os filhos, o excesso de viagens
e muitas outras circunstâncias representam, com freqüência, sérios desafios.
Quando se acrescenta à lista de tentações diárias a presença cada vez mais
ostensiva da mídia, conclui-se que estamos diante de uma tarefa realmente
colossal.
Ainda assim, a instituição do casamento é tão fundamental para a manutenção do
equilíbrio emocional e espiritual do ser humano que o Reb Natan certa vez afirmou:
"Se você for casado e me disser que se dedica ao serviço do Todo-Poderoso, eu
acreditarei. Se você não for casado e me disser que se dedica ao serviço Divino, eu
não acreditarei!".

O Rebe Nachman ensina que a imoralidade pode destruir o corpo.


Isso está de acordo com o seguinte ensinamento do Talmud: "O homem tem um
pequeno órgão [a berit]: se o fizer passar fome, ele ficará satisfeito; se o
alimentar, ele nunca ficará satisfeito."
Quanto mais o indivíduo se envolver na atividade sexual, maior será seu apetite
carnal. Quanto mais ele respeitar a função procriadora por meio da moderação,
maior será sua satisfação nas relações conjugais.
Isso ocorre porque o autocontrole produz clareza mental.
Quem busca constantemente prazeres sensuais mais intensos por fim dissipa sua
energia vital e tolda sua mente, fazendo mal a si mesmo e aos outros.
Isso pode ser observado com clareza na sociedade moderna, que apresenta índices
crescentes de homossexualismo, pedofilia, abuso sexual e crimes sexuais violentos.
As pessoas que praticam esses atos tiveram a mente violada e pervertida pela
exposição incessante ao conteúdo sedutor de filmes, livros, anúncios publicitários e
assim por diante.
O homossexualismo e a masturbação, por exemplo, são as formas mais evidentes
de desperdício de sêmen.
No entanto, muitos conselheiros profissionais atualmente defendem essas práticas
como formas benéficas de descarga do estresse emocional.
Muitas vezes, a pessoa que busca ajuda terapêutica é encorajada a adotar um
comportamento que, ao invés de propiciar-lhe a estabilidade emocional de que
necessita, mina suas energias e debilita sua mente.
Essa abordagem é devastadora e conduz o infeliz cliente a uma situação de abuso
sexual permanente — de si mesmo, ainda por cima — com pouca esperança de
melhora, até que ele um dia acorde e perceba que foi mal orientado e enganado.
É por isso que a primeira fase da teshuvá (arrependimento) em geral envolve uma
mudança total de estilo de vida — a passagem de um extremo para o outro — para
que a pessoa possa eliminar completamente os hábitos negativos de seu

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comportamento e tenha tempo para estabelecer um novo padrão e adaptar-se a
ele.
Por exemplo, sabe-se que a única maneira de superar a dependência de álcool ou
drogas é a abstinência absoluta.
O alcoólatra que diz "só mais um gole..." nunca será capaz de suplantar o vício.
O mesmo é válido para a promiscuidade sexual, com uma única diferença.
No caso da dependência de álcool ou drogas, o indivíduo nunca pode retomar suas
antigas práticas. No caso das relações sexuais, porém, há uma segunda fase da
teshuvá, denominada "santificação do que é permitido".
Em outras palavras, de acordo com o judaísmo, relações sexuais sadias e amorosas
dentro dos limites sagrados do casamento e em conformidade com as leis de
pureza familiar são uma forma muito mais eficaz de retificação das más ações do
passado do que qualquer tipo de abstinência.
No entanto, como dissemos, a primeira fase da teshuvá costuma exigir moderação
e autocontrole.
Enquanto não aprende a conter-se, a pessoa não tem lessod, falta-lhe uma base
sólida sobre a qual possa firmar-se. Depois de exercer a moderação e aprender
suas preciosas lições, ela pode avançar para uma vida nova e saudável.
Porém, o que acontece com as pessoas que não conseguem fazer teshuvá pelos
erros do passado?
Não há esperança para elas?
Essa questão nos remete à dádiva Divina da reencarnação.
Todas as fontes cabalísticas afirmam que a alma (ou uma parte dela) se reencarna
para retificar as más ações cometidas na vida anterior.
Para facilitar o processo, as circunstâncias da vida levam o indivíduo a atuar
justamente naquelas áreas que requerem retificação.
De acordo com o Ari o Talmud faz alusão a isso quando relata que indagaram ao
Rabi lossef a respeito de seu pai, o Rabá: "Que mitsvá ele cumpria com mais
cuidado?" Quem formulou a pergunta sabia que todo judeu tem a obrigação de
cumprir todas as mitsvót da melhor maneira possível. Porém, é evidente que a
questão era mais profunda: se uma pessoa é excessivamente ligada a uma mitsvá,
isso indica que ela nasceu com a missão de retificar essa mitsvá.
Assim, a pergunta referia-se à mitsvá específica na qual a alma do Rabá fora
deficiente na encarnação anterior. O Ari escreve que o mesmo se aplica a cada
indivíduo.
Suas maiores fraquezas espirituais constituem as características próprias que
devem ser retificadas.
Assim, quem nasce com uma tendência para derramar sangue deve subordinar
essa inclinação ao serviço Divino, tornando-se um shochet (magarefe ritual) ou um
mohel (indivíduo que executa a circuncisão).
Os traços de caráter que, por determinação Divina, devem ser trabalhados nesta
vida impõem dificuldades para todos. Porém, nossa tarefa é descobrir como usá-los
em favor de Deus, e não contrariar as Suas instruções.
O mesmo se pode dizer dos impulsos sexuais, do desejo de riquezas materiais, e
assim por diante.
O Rebe Nachman ensina que o desvirtuamento da aliança traz a "espada", como
consta (Levítico 26:25): "Trarei sobre vós espada em vingança da aliança."
Esta espada se manifesta nos vários tipos de sofrimento que afligem as pessoas.
A berit, por sua vez, representa paz. A preservação da aliança traz paz ao
casamento, permitindo que marido e mulher aprendam a comunicar-se um com o
outro numa relação sagrada de lessod e Malchut.
Dessa maneira, o casal pode edificar um lar sobre alicerce sólido.
Por outro lado, onde a aliança é violada, não há fundamento firme para a
construção da vida conjugal.
A relação é instável, e a insegurança preenche a existência.

Porém, nem tudo está perdido.

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O Reb Natan escreve que mesmo uma pequena medida de intelecto é suficiente
para resistir aos piores ataques à mente (e ao lessool) do indivíduo e assegurar-lhe
a vitória.
O Rebe Nachman ensina que tudo acontece "na mente".
A semente emana da mente porque é aí que ocorre toda a "ação".
Assim, a mente pode controlar um impulso que levaria a pessoa a afastar-se da
espiritualidade.
Se o impulso voltar, a pessoa verdadeiramente empenhada será capaz de, mais
uma vez, redirecionar sua mente.
Como vimos, quem busca a espiritualidade tem uma mente aberta e consegue
transformar seus pensamentos para mudar o foco. Por outro lado, quem não
procura a espiritualidade possui uma mente estreita, e seus pensamentos podem
facilmente fixar-se num único trilho.

O Rebe Nachman acrescenta que o sêmen do ser humano é muito precioso.


A palavra hebraica iacar (, precioso) tem as mesmas letras de keri (,
ejaculação).
Quem exalta a honra de Deus por meio de uma conduta moral apropriada é alguém
de muito valor e adquire a capacidade de erguer mesmo aqueles que caíram por
causa do desperdício de sêmen.
A glória de Deus pode então ser revelada e elevada mesmo pelos que estão apenas
começando a reconhecê-Lo!
Ainda que a pessoa tenha de fato desvirtuado a berit, sempre há esperança.
A berit é chamada de chotem (selo), porque a aliança de Abrahão é o selo de Deus
sobre o corpo do homem.
A aliança corrompida é associada a "hechtim bessarô — sua carne está selada" [isto
é, seu órgão foi bloqueado com emissão seminal] (Levítico 15:3).
Aprendendo a controlar-se para guardar a aliança, o indivíduo pode elevar-se do
estado de "hechtim bessarô" para o estado de chotem (o selo da aliança) e assim
retificar suas falhas.

... Traz Contentamento à Vida

Se não fosse pelo sal, o mundo não poderia suportar a amargura.


Zôhar I, 241b

O sal é uma substância singular porque, apesar de seu gosto picante, serve de
condimento para quase todos os tipos de comida.
Portanto, o sal possui duas qualidades opostas — o sabor pungente e a propriedade
de adoçar os alimentos, tornando-os palatáveis.
Num sentido mais profundo, a "dicotomia do sal" representa tanto o sofrimento que
aflige a pessoa como o consolo que ela encontra ao enfrentá-lo.
O Talmud faz um paralelo entre o sal e o sofrimento, com base no fato de Deus ter
estabelecido aliança com ambos: Há uma aliança com o sal, como consta (Levítico
2:13): "Não deixarás faltar o sal da aliança eterna de Deus [nos sacrifícios].,.e há
uma aliança com o sofrimento (ver Deuteronômio 28:69). Tal como o sal amacia a
carne, também o sofrimento [amacia a pessoa, porque ele] obtém perdão para o
pecado.

É uma realidade da vida que o sofrimento acomete a todos.


Algumas pessoas têm pequenos aborrecimentos, outras têm dificuldades
financeiras, e outras ainda enfrentam doenças graves ou problemas na família.
Alguns sofrem diariamente, outros de forma intermitente, mas todos padecem.
No entanto, quase sempre se admite que as coisas "poderiam ser ainda piores".
O Talmud compara o sal ao sofrimento, porque “tal como o sal amacia a carne,
também o sofrimento obtém perdão para o pecado".

6
Apesar da dor que causa, o sofrimento possui dentro de si um "adoçante" — pois
faz o homem reconhecer seus erros e o ajuda a direcionar sua vida para a
retificação de suas falhas. (Essa dualidade também existe na vesícula biliar:
embora contenha a bile amarga, ela tem a função de "adoçar")
Analisando o uso que o Talmud faz da palavra "aliança" em referência ao sal e ao
sofrimento, o Rebe Nachman revela mais uma maneira pela qual a aliança pode
conduzir a pessoa a uma vida repleta de doçura e contentamento.

O Rebe Nachman ensinou:


O tsadic corresponde à berit.
Ele sustenta o mundo inteiro e carrega todas as suas bênçãos, como esta escrito
(Provérbios 10:6): "Bênçãos sobre a cabeça do justo." Porque o tsadic [isto é,
lessod] contém a "semente" de todas as almas, da qual emana a abundância para o
mundo.
O Rebe Nachman prossegue, explicando que o conceito de tsaclic faz alusão à
observância da aliança. Qualquer um, na medida em que guarde a aliança, pode
merecer o título de tsadic. A aliança ajuda a pessoa a suportar o sofrimento e
receber bênçãos, e também a ganhar o sustento com mais facilidade.
Assim, a preservação da berit, que é associada tanto ao nível do tsadic como à
aliança do sal, alivia a outra aliança, a do sofrimento.
Como isso se realiza?
A semente, que se origina no cérebro, é comparada ao “tal”, o orvalho sagrado da
Luz de Deus que flui dos mundos superiores. Essa idéia se baseia no seguinte
ensinamento:
O Rabi Shimon levantou-se e iniciou seu discurso.
Ele disse: "A Ti, ó Deus, pertencem a grandeza amorosa e o poder.
[A Ti pertence] a harmonia [desses dois extremos].
[A Ti pertence] o domínio e a empatia para com tudo o que existe nos céus e na
terra.
A Ti, ó Deus, pertence a realeza e a soberania absoluta acima de tudo"
(1 Crônicas 29:1 I ).
Ouvi, vós que sois exaltados, que dormis em Hebron, e [Moisés] o pastor fiel.
Acordai de vosso sono! "Despertai e cantai, ó vós que habitais no pó!
Porque o Teu orvalho será um orvalho de luzes, e a terra expelirá seus mortos"
(Isaías 26:19).
Estes são os justos, a respeito dos quais se diz (Cântico dos Cânticos 5:2): "Eu
estou dormindo, mas o meu coração vigia; eis a voz do meu Amado que bate. Abre
o teu coração para Mim, Minha irmã, Minha amiga, Minha pomba, Minha gêmea
perfeita, porque a Minha cabeça está cheia de orvalho, e os Meus cachos, das gotas
da noite."
Pois, na verdade, os justos não estão mortos.
Por essa razão, sobre deles se diz: "Despertai e cantai, ó vós que habitais no pó!"
Pastor fiel, tu e os Patriarcas deveis acordar e cantar para despertar a Shechiná
[literalmente, a "Presença Residente de Deus"].
Porque enquanto a humanidade não for capaz de perceber a Presença de Deus na
criação se dirá que a Shechiná está dormindo no exílio!
Até agora, todos os justos descansaram num sono profundo. [Porém, quando
chegar o momento da redenção] a Shechiná subitamente emitirá três gritos para
acordar o pastor fiel!
Ela lhe dirá: Levanta-te, ó pastor fiel, porque sobre ti está escrito: "Eu estou
dormindo, mas o meu coração vigia; eis a voz do meu Amado que bate"
[repreendendo-me afetuosamente] com as Quatro Letras do Seu Nome.
E Ele diz: "Abre para Mim, Minha irmã, Minha amiga, Minha pomba, Minha gêmea
perfeita." Pois (Lamentações 4:22) "a expiação de teu pecado está completa, ó filha
de Tsion; Eu não mais te exilarei". "Porque a Minha cabeça está cheia de tal
[orvalho]."
O que significa "cheia de tal"? Isso se refere ao Santíssimo, Bendito seja Ele.

7
Ele diz: Desde o dia em que o Templo terreno foi destruído e Eu enviei Israel ao
exílio, tu pensaste que eu habitasse em paz a Minha Morada Celestial.
Não!
A verdade é que Eu não entrei [em Minha Morada] no Alto desde o dia em que tu
foste ao exílio.
Para mostrar que Eu não entrei durante toda a longa noite do teu exílio, Eu te dou
um sinal: "A Minha cabeça está cheia de tal, e os Meus cachos, das gotas da noite."
O valor numérico de tal [, as letras hebraicas tet-lamed] é 39 e equivale às três
primeiras letras do Meu Nome [quando elas são "expandidas" com alef]:
lud-Vav-Dalet = 20, Hê-Alef = 6, e Vav-Alef-Vav = 13 (totalizando 39).
A quarta letra, Hê-Alef, vale 6 e representa a Minha Shechiná no exílio.
Somadas, as Quatro Letras do Nome Sagrado perfazem 45.
Quando a última letra, Hê-Alef (), é separada das demais, [isto é, quando a
Minha Presença é ocultada da humanidade] elas totalizam apenas 39.
A última letra, portanto, representa a Shechiná, que é incapaz de receber o tal
[orvalho] das três primeiras letras porque está no exílio.
Porém, quando este tal descer para "encher" a Shechiná com o fluxo de todas as
Fontes Celestiais, Ela será revivificada, e a redenção terá chegado.
Nessa ocasião, o pastor fiel e os sublimes Patriarcas imediatamente se levantarão.
Este é o mistério da unificação do Nome de Quatro Letras de Deus, IHVH.

A guematriá (equivalente numérico) básica do Tetragrama, IHVH (), é 26.


A segunda, terceira e quarta letra do Nome podem ser"expandidas" de quatro
maneiras diferentes, gerando quatro equações numéricas distintas.
Uma delas se obtém quando se escreve o Nome com alefs, como faz o Zôhar:
lud-Vav-Dalet = 20, Hê-Alef = 6, Vav-Alef-Vav= 13, Hê-Alef= 6, totalizando 45.
A última letra, Hê-Alef, corresponde à Shechiná e à sefirá de Malchut.
O orvalho (isto é, a abundância) de Deus que desce até Malchut vem das três
primeiras letras, IHV, [quando expandidas:, que somadas perfazem 39
e têm o mesmo valor numérico de tal ().
O tal é associado às 39 formas de trabalho que eram praticadas na construção do
Tabernáculo.
Como se sabe, toda a abundância e bondade vêm ao mundo através do
Tabernáculo (isto é, do Templo, onde há uma revelação da Divindade).
O indivíduo que guarda a aliança atrai para si o tal da abundância.
Assim, quando ele executa as 39 formas de trabalho para ganhar a vida, seus
esforços são um aspecto do Tabernáculo construído, que corresponde às 39 luzes
do tal.
Seu sustento vem facilmente e é sempre doce.
Por outro lado, quando a pessoa viola a berit, seu trabalho é um aspecto do
Tabernáculo destruído. Seu sustento vem com dificuldade e é cheio de amargura.
Isso equivale a receber as 39 chibatadas prescritas pela Torá como castigo para
diversas infrações.
A observância da aliança ajuda a pessoa a viver uma vida repleta de
contentamento e felicidade, e também a protege para que ela não se torne vítima
da idolatria da avareza.
Nada faz o homem perder a vitalidade e a virilidade como a preocupação e a
tristeza. Isso leva à depressão, que traz como conseqüência novas inquietações, ad
infinitum.
Portanto, a preocupação com a própria situação financeira (que, como foi explicado
anteriormente, resulta da violação da berit) pode encurtar a vida da pessoa.
De modo semelhante, quem se rebela contra o tsadic, o verdadeiro guardião da
aliança, é punido e assolado por uma insatisfação mesquinha.
A preservação da aliança e a atenção às palavras do tsadic auxiliam o indivíduo a
superar essas preocupações e o conduzem à alegria.

8
Noé e o Arco-Íris
A aliança do arco-íris também é um símbolo da observância da berit.
Como afirmamos antes, a Torá reflete a saga ainda inacabada da humanidade.
Podemos notar, por exemplo, que a história de Noé e do dilúvio retrata a batalha
universal contra a imoralidade (ver Gênesis 6-9).
As almas da geração do dilúvio estavam mergulhadas na imoralidade.
Elas praticavam adultério, homossexualismo, masturbação e bestialismo.
O desperdício desenfreado de sêmen provocou julgamentos terríveis, a tal ponto
que a humanidade teve de ser extinta.
O castigo dessa geração foi "condizente com o crime".
Seu principal pecado consistia no desperdício de sêmen.
O Talmud afirma que quem emite esperma em vão é julgado como se tivesse
provocado um dilúvio no mundo. Podemos compreender melhor essa idéia quando
percebemos que uma única ejaculação contém várias centenas de milhões de
células espermáticas, cada uma delas com o potencial de fecundar um óvulo
feminino.
Este sêmen está "vivo", pois tem o poder de gerar vida.
Logo, o desperdício de esperma não é menos que uma perda de vida — tal como o
dilúvio, ele também elimina a possibilidade de vida.
Um só homem da geração foi considerado digno de ser salvo do dilúvio que Deus
produziu no mundo. Noé é o único personagem bíblico que leva o título de tsadic.
O tsadic é uma pessoa que guarda a aliança, e Noé foi escolhido, em sua geração
imoral, como o único guardião da berit.
A fim de escapar do dilúvio, ele teve de construir uma arca, que protegeria também
a sua família e pelo menos dois exemplares de cada espécie animal.
O Rebe Nachman ensina que o vocábulo “tevá” (arca em hebraico) também pode
ser traduzido como "palavra".
A "palavra" de Noé era a oração.
Foi esta "palavra" de oração — o uso mais sagrado e efetivo da fala — que
protegeu os que estavam na arca das águas destruidoras do dilúvio.
Vemos assim que, para obter salvação, Noé, o tsadic da geração, tinha de dirigir
suas preces para Deus.
O tsadic, como já observamos, é assim chamado porque guarda a aliança.
Por isso, ele pode unir-se com Malchut, que representa a fala, e dessa maneira
fortalecer sua oração e direcioná-la adequadamente.
Foi graças a suas preces que Noé foi salvo da destruição do dilúvio.
Ele também conseguiu preservar sua família, porque, como tsadic, era capaz de
reforçar suas orações. Quando saiu da arca depois que o dilúvio cessou, Noé ficou
estarrecido ao ver a destruição da terra.
Ele rezou, e Deus lhe prometeu que jamais provocaria novamente um dilúvio de
tais proporções no mundo. Como lembrança dessa promessa e sinal de Sua aliança,
Deus deu a Noé o arco-íris.
Em troca de Sua aliança e proteção, Deus esperava que o homem seguisse Seu
exemplo e respeitasse os padrões da moralidade humana.
Porém, em pouco tempo, Ham (Cham), o filho mais moço de Noé, causou um dano
incalculável cometendo uma transgressão sexual.
Noé o amaldiçoou severamente com as seguintes palavras (Gênesis 9:1 8- 29):
"Escravo serás".
Ham transgrediu a berit — a própria força que permitira a Noé sobreviver.
Ham significa "quente" e denota o "sangue quente da luxúria" que desencaminha a
pessoa. Pelo "calor" descomedido dessa transgressão, Ham foi amaldiçoado com a
escravidão. Porque ele se deixou escravizar por seus desejos, sua maldição foi a
servidão absoluta.
Esse é o destino dos que não controlam a luxúria.
O Rebe Nachman dá uma aplicação mais prática a esses conceitos e ensina que a
berit de Noé e a berit de Abrahão têm muito em comum.

9
O arco-íris, que representa a berit de Deus com Noé, é denominado keshet, palavra
hebraica que também pode ser traduzida como "arco".
A aliança de Abrahão, de modo semelhante, é chamada de keshet habrit, o arco da
aliança, uma alusão à berit quando ela se mantém com pureza.
O órgão da berit pode ser visto como um arco; e o sêmen, como a flecha.
A observância da berit desenvolve o poder da oração efetiva.
Por meio da retificação da aliança (arco), o indivíduo pode tornar-se um "arqueiro
de flechas", capaz de direcionar suas orações com extrema eficácia para o "alvo".
A berit exerce esse efeito sobre a oração porque Zeer Anpin corresponde à voz, e
Malchut, à fala.
lessod, que representa a berit, é uma manifestação de Zeer Anpin, e Malchut
recebe de lessod. Portanto, quem guarda a berit retifica a voz e dá poder à fala, ou
oração.
Por outro lado, quem desvirtua a berit danifica sua voz, perdendo assim o gosto da
oração. Logo, a violação da berit diminui o poder das rezas.
Isso também está relacionado com o fato de a traqueia possuir seis anéis
cartilaginosos que a sustentam.
lessod é a sexta sefirá de Zeer Anpin.
Assim, o desvirtuamento de lessod, o "sexto" aspecto de Zeer Anpin, causa a
deterioração da voz.
Já vimos antes que o sêmen provém do corpo inteiro.
O Rebe Nachman ensina também que quem guarda a aliança merece sentir a
doçura de suas preces no corpo inteiro.
Todos os seus ossos a sentem, como cantou o Rei David (Salmos 35:10):
"Todos os meus ossos dirão: 'Deus, quem é como Tu?" Suas orações são como
flechas que correm certeiras, retas e sinceras, a seu destino.

Continua

10
Anatomia da Alma – Parte 43

O Sistema Reprodutor – Parte 4

O Remédio Geral
Certa vez, quando discorria sobre o tema da aliança, o Rebe Nachman observou
que talvez chegue a três quartos a proporção da população masculina mundial que
tem ejaculações noturnas.
Às vezes isso é conseqüência do excesso de comida, ou então de doenças.
No entanto, elas também podem resultar de pensamentos pecaminosos, e neste
caso as ramificações são realmente assustadoras.
O Rebe Nachman tinha isso em mente quando revelou o Ticun Clali (Remédio
Geral).

Sabemos que para cada pecado há um ticun apropriado, uma determinada ação
que retifica o dano espiritual causado pela transgressão.
Contudo, que ticun pode haver quando precisamos corrigir muitos pecados, ou
mesmo um só que tenha muitas ramificações?
Será necessário executar os numerosos ticunim (retificações) específicos?
Esse método seria viável?
O Rebe Nachman nos diz que não, e apresenta o conceito de retificação geral, um
Remédio Geral para todos os pecados.
O Rebe Nachman ensinou:
Há 365 proibições na Tora, que correspondem aos 365 tendões e vasos sanguíneos
do corpo. A transgressão de um único mandamento danifica a veia ou o tendão
especifico associado a esse mandamento.
É praticamente impossível retificar cada transgressão, porque uma mitsvá tem
muitas ramificações, assim como um vaso sanguíneo possui muitos capilares.
Como se deve proceder, então, para efetuar uma retificação completa?
Aqui se aplica o conceito de Remédio Geral, um remédio único que está acima de
tudo e retifica tudo.
Ele pode ser obtido por meio da retificação da berit.
[A Tora tem um total de 613 mitsvót. O valor numérico da palavra berit é 612; se
lhe adicionamos 1 pela própria mitsvá da berit, ele passará a ser 613. Assim, a
observância desta mitsv á abrange todas as outras.]
Retificando a aliança, a pessoa pode retificar todos os seus pecados.
Esse remédio é eficaz porque a berít é associada ao Nome Sagrado Shadai, "Há o
bastante!".
Deus tem o bastante - bondade e capacidade suficientes - para retificar até os
piores pecados, as transgressões mais nocivas. Se, depois de ejacular
indevidamente e desperdiçar sêmen, o indivíduo começar a guardar a aliança e a
buscar o Remédio Geral, ele realmente se aproximará de Shadai, a bondade de
Deus.
Arrependendo-se, ele adquire a capacidade de shadei [que se traduz como
"lançar"] todas as retificações necessárias para todas as veias e tendões, e retifica
até as áreas mais complexas.
Como vimos anteriormente, a berit inclui todos os níveis da Torá e da
espiritualidade. Guardando a berit, a pessoa consegue lançar retificações em áreas
que, de outra maneira, seria impossível alcançar.
Assim, até mesmo os mais graves pecados podem ser corrigidos quando se realiza
a retificação geral da aliança.

O Remédio Geral (Ticun Clali)


O Remédio Geral que o Rebe Nachman revelou é análogo aos dez tipos de canto
com os quais o Livro dos Salmos foi composto.
Quando examinamos o poder do canto, vimos que ele é uma expressão viva do
âmago do ser.

1
O Rebe Nachman ensina que os dez tipos de canto dão vitalidade às dez
modalidades de pulso.
Quando a alegria é desvirtuada, o pulso se enfraquece.
O Remédio Geral invoca o nível do canto e da alegria, que são capazes de
sobrepujar a melancolia e a depressão que provocam as ejaculações.
O canto rejuvenesce as veias e tendões avariados, levando retificação até aos
capilares mais remotos.
Ele também tem o poder de separar o bem do mal e de apagar as manchas
espirituais que resultam do pecado.
Para que se efetue essa retificação tão potente, o Rebe Nachman recomenda a
recitação de dez capítulos do Livro dos Salmos. Ainda que outros dez salmos
quaisquer também possam corresponder aos dez tipos de canto, os dez capítulos
que compõem o Remédio Geral revelado pelo Rebe Nachman são os seguintes:
16, 32, 41, 42, 59, 77, 90, 105, 137, 150.
Juntos, eles constituem uma retificação muito eficaz e devem ser recitados depois
de uma ejaculação noturna, o mais cedo possível, de preferência no mesmo dia.
Como esses dez capítulos do Ticun Clali são um remédio especial para o pecado da
emissão de sêmen em vão (a violação do sinal da aliança, que abrange todos os
outros pecados), eles também funcionam como uma retificação geral para as
demais transgressões.

Sabemos que a observância da aliança requer pureza sexual e equivale a todas as


outras mitsvót juntas.
Deduz-se, portanto, que a violação da aliança por meio da impureza sexual produz
uma mancha espiritual muito mais grave do que a causada por qualquer outro
pecado.
Assim, a profanação da berit é uma transgressão específica com ramificações muito
extensas.
Justamente por isso, é necessário um Remédio Geral — um Ticun Clali — para
retificá-la.
O Rebe Nachman afirmou: "A recitação desses dez capítulos do Livro dos Salmos é
um remédio muito maravilhoso e uma retificação extremamente poderosa.
Ela é totalmente original.
Desde a época da criação, os tsadikim buscavam a cura para esse pecado.
Deus foi generoso comigo, concedendo-me esse entendimento e permitindo-me
revelar o remédio para o mundo."
O Rebe Nachman nos ensina que a recitação dos dez salmos do Remédio Geral
retifica todas as manchas causadas pelo sêmen desperdiçado — e por todos os
nossos pecados — e nos conduz ao verdadeiro arrependimento.

É preciso enfatizar que o Rebe Nachman recomendava a recitação do Remédio


Geral como retificação para uma ocorrência noturna acidental, e não para o
desperdício deliberado de sêmen.
Não devemos supor, equivocadamente, que o conhecimento do Remédio Geral
torna irrelevante o pecado intencional. De fato, o Zôhar ensina que não há
penitência efetiva para a emissão proposital de sêmen.
No entanto, apesar da gravidade do pecado da violação deliberada do sinal da
aliança, o Rebe reiterava, com veemência, que esse ensinamento do Zôhar não
deve ser entendido estritamente.
Ele argumentava que o arrependimento ajuda em todos os pecados, mesmo num
tão grave como esse.
O verdadeiro arrependimento consiste em não repetir o pecado: deparar com a
mesma situação, enfrentar a mesma tentação e resistir.
Nas palavras do Rebe Nachman: "Não desista jamais!"

O Reb Natan escreve:


Há uma centelha de santidade eterna dentro de cada judeu.

2
Quem derrama seu sêmen em vão danifica essa centelha vital e traz infortúnio, e
até morte, para o mundo.
Entretanto, é possível arrepender-se.
Ele deve tornar medidas para reparar e retificar sua ''centelha de santidade".
Para fazê-lo, precisa associar-se ao tsadic - aquele que guarda a aliança
completamente.
Deste modo, ele se torna digno de revelar níveis adicionais da Bondade Divina por
meio de seu arrependimento.
Logicamente, a penitência não deveria ser permitida para quem perdeu o direito a
essa centelha.
Porém, caso se arrependa de fato, ele fará com que novos níveis de Bondade sejam
revelados.

Sugestões Úteis
Não é fácil dominar o impulso sexual.
A pessoa precisa de toda a ajuda possível para vencer essa inclinação implacável.
Por isso, o Rebe Nachman oferece várias sugestões que podem ser extremamente
úteis para a superação da luxúria.
Num sentido amplo, o Rebe Nachman ensina que o cumprimento das mitsvót
corresponde à retificação da berit.
A palavra mitsvá vem da raiz de “letsavot”, que significa "unir" ou "juntar".
É por meio do cumprimento das mitsvót que o indivíduo pode recuperar suas
"perdas" e recolher seu sêmen "desperdiçado" para retificá-lo.
O Rebe Nachman também ensina:
"Quando você for merecedor da verdadeira alegria a ponto de regozijar-se o
suficiente para dançar, o Próprio Deus protegerá sua aliança e o ajudará a guardar
a pureza."
A depressão, chamada de "picada da serpente", leva à violação da berit.
A alegria, por outro lado, é a arma mais eficaz contra a depressão e, portanto, o
melhor método para a superação da luxúria e a observância da aliança.
O estudo da Torá é outra ferramenta essencial para a preservação da aliança.
O Rebe Nachman afirmou que o estudo da Torá tem um poder enorme e é capaz de
tirar a pessoa de qualquer abismo.
Certa vez, quando indagado sobre uma berit desvirtuada, o Rebe respondeu:
"A Torá [na sefirá de Tiféret] fica acima da berit [lessod]!" [Mencionamos antes que
a berit inclui todas as outras mitsvót da Torá. Isso parece contradizer o que o Rebe
diz aqui — que o nível da Torá é mais alto que o da berit. Porém, devemos
entender que a Torá é na realidade o pensamento de Deus, que Ele nos revelou
para que possamos saber que caminho seguir a fim de nos aproximarmos Dele.
Neste sentido, a berit está enraizada na Torá.
No entanto, no nosso nível, ela abrange as outras mitsvót.]

O Rebe Nachman ensinou também:

- A verdade protege da desonra o sinal da aliança.


- Inspirar os outros para o serviço a Deus é uma retificação da violação da aliança.
(Os que foram inspirados também estavam "fora do campo da santidade", como
está o sêmen desperdiçado, e todos são então restituídos à santidade).
- Para retificar a aliança, busque a paz.
- Ganhar dinheiro com o fim de praticar a caridade serve para retificar os damim
[dinheiro] da pessoa, o que efetivamente limpa damim [o sangue da imoralidade e
da impureza]. A caridade é comparada à semente, como consta (Oséias 10:12):
"Semeai para vós caridade."
A semente retificada — pela observância da aliança — purifica a mente e limpa as
veias. Assim a caridade pode retificar a mente.
- Todo aquele que pratica bondade e caridade retifica sua aliança.
- A caridade é uma retificação da violação da aliança.

3
A violação da berit pelo desperdício de "sêmen" faz a abundância espiritual ser
transferida para o outro lado. A prática da caridade restitui essa abundância ao
campo da santidade. Porém, isso só acontece se o receptor for merecedor.
Dar caridade para pessoas ou causas indignas direciona ainda mais abundância
para o outro lado, aumentando a gravidade dos pecados do indivíduo.
- A Terra Santa pode ajudar a purificar a berit.
Quando Deus fez a aliança com Abrahão, Ele lhe prometeu a Terra Santa.
Há uma relação implícita entre as duas.
A oração e a hitbodedut também ajudam.
A oração desempenha um papel fundamental na busca de pureza, como veremos
em texto futuro. Além disso, conforme explicamos resumidamente, o Rebe
Nachman revelou o Remédio Geral como um meio para combater a luxúria e
retificar o dano espiritual causado pelas transgressões sexuais.

Continua

4
Anatomia da Alma – Parte 44

O Sistema Reprodutor – Parte 5

Malchut: O Princípio Feminino


Malchut, a última sefirá, significa “realeza” e representa a conclusão e a
culminância da criação, que é a revelação do Reinado de Deus.
Na fisiologia humana, a "energia" de Malchut está contida nos órgãos reprodutores
femininos.
Espiritualmente, Malchut também é considerada um "princípio feminino", porque se
beneficia do fluxo de energia espiritual que emana do Alto.
Como vimos, Malchut devolve o que recebe em forma mais completa e refinada.
Na união conjugal, o homem dá centenas de milhões de células espermáticas, das
quais, em geral, apenas uma consegue fundir-se com o núcleo do óvulo feminino.
Da fertilização deste único óvulo, ela desenvolve um bebê perfeito.
Antes de discutir os órgãos femininos em detalhes, revisaremos alguns dos
princípios e manifestações de Malchut.

Zeer Anpin e Malchut são duas personas Divinas que atuam separadamente, mas
são interdependentes.
Cada um denota uma entidade individual diferente — porém, é incompleto sozinho
e precisa interagir com o outro. Como mencionamos, Malchut representa
introspecção, a capacidade de olhar para dentro de si e orientar-se.
Isso pode ser visto com mais clareza nas manifestações de Malchut como Lei Oral,
oração e fé.

A Lei Escrita e a Lei Oral


O Zôhar ensina que a Lei Escrita (a Torá) corresponde a Zeer Anpin, e a Lei Oral, a
Malchut. Apesar de ser a fonte primária de todos os preceitos, bem como de todos
os aspectos da espiritualidade, a Lei Escrita não fornece diretrizes claras para a sua
execução.
Seus versículos são concisos e não podem ser compreendidos segundo o significado
aparente.
Isso também acontece com Zeer Anpin: é completo em si mesmo, mas está fora de
alcance.
Quando juntamos a Lei Escrita e a Lei Oral, obtemos uma combinação perfeita.
A Lei Escrita apresenta um versículo, e a Lei Oral o interpreta.
Percebemos então que todas as leis estão delineadas em poucas palavras na Lei
Escrita, e passamos a vê-la com um respeito mais profundo em virtude de seus
tesouros abundantes.
Por outro lado, se a Lei Escrita e a Lei Oral fossem tomadas como entidades
separadas, teríamos duas unidades isoladas, e nenhuma delas, sozinha, poderia
orientar-nos para a espiritualidade.
Assim, Malchut (a Lei Oral) completa Tiféret (isto é, Zeer Anpin, a Lei Escrita).
De fato, a Lei Oral revela as conexões mais profundas entre as várias partes da Lei
Escrita. Por essa razão, não devemos cumprir os mandamentos da Torá sem o
"sábio conselho" da Lei Oral.
A tentativa de seguir qualquer um de seus mandamentos ou estatutos sem
relacioná-lo com outras partes da Escritura, conforme a explicação da Lei Oral,
pode levar a sérias distorções.
Por ser um aspecto de Malchut, a Lei Oral tem a capacidade única de receber do
grau mais elevado — a Lei Escrita — e dar-lhe forma prática, permitindo assim que
ela se comunique com todos os níveis que se encontram abaixo dela.
A pessoa que segue os "ditames de Malchut", a Lei Oral, mesmo sem possuir
nenhum conhecimento ou compreensão da Lei Escrita, cumpre suas obrigações
básicas. No entanto, como já afirmamos, o inverso não é verdadeiro.

1
Torá e Oração
Zeer Anpin e Malchut também representam, respectivamente, a Torá (como Lei
Oral e Lei Escrita) e a oração.
A Torá nos ensina o que fazer.
Porém, para traduzir esse conhecimento em atos, precisamos da oração.
Por meio do estudo, podemos tornar-nos profundos conhecedores da ciência da
busca da espiritualidade, mas é a reza que nos faz verdadeiramente merecedores
de perceber e internalizar o propósito de nossos estudos.
Vemos aqui, mais uma vez, que Malchut funciona como um refletor de Zeer Anpin,
sendo a oração o complemento perfeito da Torá.
A pessoa que pede a Deus a capacidade de cumprir a Torá pode ascender a planos
espirituais mais elevados, nos quais será capaz de buscar percepções mais amplas
e profundas da Divindade.
Assim, Malchut, que é originalmente receptora da Torá de Zeer Anpin, torna-se o
catalisador por meio do qual o indivíduo pode transformar suas conquistas
intelectuais em realizações muito maiores.
Malchut facilita a revelação do Reinado de Deus, porque é a sefirá pela qual
podemos interagir com Ele.
Quando Deus nos manda abundância, e nós admitimos que ela provém Dele,
demonstramos, com este reconhecimento, a nossa submissão ao Seu Reinado.
Dessa maneira, passamos a ser um fator decisivo na revelação de Sua Malchut.
Nossa participação nessa relação dinâmica requer que demos uma forma mais
completa a tudo que recebemos e o devolvamos a Deus.
Esta, como vimos, é a função de Malchut.
Por meio da reza, adquirimos a capacidade de desempenhar esse papel.
Em nossas orações, muitas vezes pedimos que Deus faça coisas por nós.
Talvez estejamos cheios de problemas e não consigamos vislumbrar uma saída.
Então, quando rezamos a Deus, rogamos por uma solução ou salvação que
depende da intervenção Divina e pode estar acima e além do curso normal, ou
"natural", dos acontecimentos.
Se persistirmos, nossas preces provavelmente serão atendidas.
Esta é a verdadeira manifestação de Malchut - nossa capacidade de comandar.
Em certo sentido, seria a capacidade de dirigir o Próprio Deus, de "forçá-Lo", por
assim dizer, a alterar as circunstâncias "naturais" e melhorar a nossa sorte.
Isso define a relação mútua entre Zeer Anpin e Malchut, na qual recebemos a
energia espiritual que Deus investe em nós e a utilizamos para servi-Lo, a ponto de
nos tornarmos, de certo modo, os "benfeitores", e Deus, o "Beneficiário".
O Rebe Natan salienta que Zeer Anpin e Malchut juntos constituem as sete sefirot
inferiores.
A Torá é chamada de "sete", como consta (Provérbios 9:1): "Lavrou suas sete
colunas." A oração também é chamada de "sete", como está escrito (Salmos
119:164): "Sete vezes ao dia Te dirijo meu louvor..."
Assim, a Torá e a oração representam, cada uma, a estrutura de sete sefirot de
Zeer Anpin e Malchut quando os dois estão unidos.
O Rei David é conhecido como a personificação de Malchut.
O valor numérico de David () é 14, que equivale à soma das sete colunas da
Torá com os sete louvores da oração.
Quem combina as duas devoções - o estudo da Torá e a oração — aperfeiçoa seu
aspecto de Malchut, como fez o Rei David.
Na época atual, Zeer Anpin e Malchut são desiguais, porque um é acima de tudo
doação, e a outra, quase só recebimento.
É por isso que a desigualdade prevalece neste mundo.
O Ari ensina que, quando o Mashíach vier, Malchut (o elemento feminino) será
igualada a Zeer Anpin e, em certos aspectos, até o superará.
O Reb Natan observa que, nos dias de hoje, quem leva a sério o estudo da Torá e a
oração — principalmente na hitbodedut— e os torna "sócios iguais", investindo o

2
mesmo esforço em ambos, atinge um grau da paridade entre Zeer Anpin e Malchut
que existirá na era messiânica.


Outro conceito fundamental associado a Malchut é a fé.
Ela se baseia na idéia de que existe algo que transcende o meu conhecimento, de
cuja existência tenho consciência, mas que no momento não posso apreender.
O Rebe Nachman ensina que, nesse sentido, Malchut funciona como um funil —
largo numa ponta e estreito na outra.
Se não fosse pela minúscula abertura que há no fundo, através da qual flui a
sabedoria celestial, jamais seríamos capazes de compreender o intelecto superior,
em nenhum nível.
Assim, Malchut é o "funil" através do qual Chochmá pode passar para ser
comunicada à humanidade. (Esse conceito já foi explicado antes, no que diz
respeito aos mochin)
Na direção inversa, a fé deve ser orientada para a busca da Divindade, do Intelecto
verdadeiro e mais elevado.
A pessoa cuja fé (Malchut) é uma "entidade separada", não voltada para Zeer
Anpin (a Torá) e os níveis acima dele — para o Próprio Deus — não pode obter
entendimento espiritual.
Ela afasta Malchut de sua fonte de energia espiritual, impedindo que o verdadeiro
intelecto lhe seja transmitido, e nutre, assim, uma fé inapropriada ou desligada de
qualquer inteligência verdadeira.
De forma semelhante, as pessoas fascinadas por "intelectos estranhos", como as
doutrinas ateístas e outras idéias tolas que se disfarçam de sabedoria, podem até
acreditar na existência de um conhecimento vasto, mas seu intelecto está
desencaminhado.

Fala
Como vimos anteriormente, a fala também está relacionada com o conceito de
Malchut.
Um líder não governa sem a fala.
Seus decretos têm de ser revelados para que os súditos obedeçam.
Da mesma maneira, Malchut, por meio da fala, proclama a vontade de Deus e
anuncia a Sua soberania.
O Rebe Nachman ensinou: "Malchut corresponde à Presença Divina. Quem retifica a
fala é digno da capacidade de estabelecer contato íntimo com Malchut, a Presença
Divina."
Malchut, representada pela boca, é o ponto através do qual os pensamentos mais
sublimes são canalizados até se revelarem neste plano físico grosseiro.
Embora não se possa jamais saber o que uma pessoa está pensando, suas idéias
podem ser reveladas pelo aspecto de Malchut que existe na fala.
Malchut consiste, assim, na culminância do processo de pensamento, bem como no
acionador de novas idéias (que não teriam sido trazidas à mente se outros
pensamentos não tivessem sido emitidos e ouvidos).

Todos os "pares" que analisamos aqui são inseparáveis e interdependentes.


O pensamento e a fala, embora distintos, são indissociáveis.
O mesmo se aplica ao intelecto e à fé, Torá e oração, Torá Escrita e Torá Oral,
Tiféret e Malchut, masculino e feminino.
Em cada caso, é justamente por causa das diferenças que os dois se
complementam e interagem.
Ambos são sócios efetivos, apesar de terem funções muito diferentes.
Assim como hormônios diversos influenciam as várias partes do organismo de
maneiras distintas, porém necessárias, essas forças manifestam aspectos
diferentes, mas igualmente importantes, de conceitos espirituais.

3
É precisamente a singularidade de cada uma que possibilita a relação entre elas, de
modo que novas idéias e conceitos sejam revelados — para que vida nova seja
criada!

Eva
Tal como Adão (Adam) é o modelo de homem, Eva (Chavá) é o modelo de mulher.
A palavra hebraica chavá tem a conotação de "fala", como no seguinte versículo
(Salmos 19:3): "Uma noite à outra iechavê [comunica] conhecimento."
Eva é, portanto, a fala de Malchut que aperfeiçoa o ser humano e o diferencia dos
animais — o homem é o único ser da criação que possui esse poder.
Assim, é bastante significativo que um dos sentidos da raiz do nome Adam
(homem) seja dom (silêncio)!
Esta acepção se refere ao silêncio do pensamento meditativo, a atividade mental
antes da emissão da idéia.
Eva, portanto, é a fala criativa que brota do silêncio profundo da meditação.

Duas tradições descrevem a criação de Eva.


Uma afirma que ela foi formada de uma costela extraída de Adão.
A outra diz que Adão e Eva foram criados juntos, um de costas para o outro, e
depois foram separados no meio.
Essas duas versões podem ser encontradas nos próprios nomes de Adão e Eva
quando eles são relacionados com o Tetragrama.

O valor numérico de Adam é 45 (, alef= 1, dalet= 4, mem = 40), o mesmo do


Tetragrama, IHVH, quando o nome de cada letra é escrito por extenso e expandido
com alef ( lud = 20, Hê = 6, Vav= 13, Hê= 6).
Contadas pelo seu valor simples, as letras do Tetragrama somam 26 (Iud=10,
Hê=5, Vav=6, Hê=5).
Quando elas são omitidas dos nomes das letras escritos por extenso (que totalizam
45), as letras remanescentes (=10, =1, =7, =1) perfazem 19, o equivalente
numérico de Chavá (Eva) (, =8, =6, =5).
Esses mesmos valores são obtidos quando o Tetragrama de 45 é dividido no meio.
Os nomes das primeiras duas letras escritos por extenso (=20, =6) somam
26, e os nomes das últimas duas letras escritos por extenso ( =13, =6)
somam 19.
Assim, por dois métodos de cálculo bastante relevantes, o Tetragrama de 45 é uma
combinação especial de 26 com 19, que totaliza 45, “Adam”.
O primeiro método, pelo qual extraímos as letras "internas" da mulher (19) e
deixamos as iniciais (26), que correspondem ao homem, é o análogo ou a
contrapartida oculta da tradição segundo a qual Eva foi extraída do lado ou da
costela de Adão.
Neste sentido, o aspecto masculino de Adam (45) é o Nome IHVH (26) em Si,
enquanto seu aspecto feminino e oculto é Chavá (19).
O segundo método de cálculo, pelo qual o Tetragrama é dividido no meio, é o
análogo ou a contrapartida oculta da tradição segundo a qual Adão e Eva foram
criados juntos, um de costas para o outro, e só depois foram separados, divididos
no meio.

Continua

4
Anatomia da Alma – Parte 45

O Sistema Reprodutor – Parte 6

O Tesouro

Vayíven, e Deus a construiu...


Gênesis 2:22

Depois de separar Eva de Adão, Deus a construiu dando-lhe uma forma completa.
De acordo com o Talmud, isso significa que Ele "construiu" a forma feminina como
um otsar, um depósito ou silo, uma estrutura mais estreita no topo e mais ampla
embaixo, com a finalidade clara de carregar dentro de si um feto.
O corpo da mulher começa a tomar esse feitio quando ela atinge a puberdade e sua
pelve começa a alargar-se, porque nessa fase ela chega à idade na qual a
concepção já pode ocorrer.
O Rebe Nachman ensina que “otsar”, a palavra empregada para descrever a forma
feminina, também significa "tesouro".
O tesouro inerente à mulher é o temor a Deus, como consta (Isaías 33:6):
"O temor a Deus é Seu tesouro."
Quem não possui esse tesouro não pode passar pelos portões da santidade.
Essa qualidade também pode ser deduzida da correlação entre a mulher e a sefirá
de Malchut, que corresponde ao temor e à reverência.
Poder-se-ia pensar que, mesmo sem um verdadeiro temor a Deus, as devoções
pudessem ser feitas apenas por amor. No entanto, o amor sem reverência e
respeito não tem muito sentido.
Como acontece nos relacionamentos físicos, esse amor acaba.
Por que razão ele haveria de perdurar?
Por outro lado, numa relação baseada no amor e no respeito, cada um desses
aspectos reforça o outro.
Deus criou no homem a habilidade de amar e doar-se, porém, sem a personificação
da reverência, o predicado da mulher, ele não seria capaz de fortalecer-se e
renovar-se quando se sentisse oprimido pelas numerosas e variadas vicissitudes da
vida.
A reverência e o temor a Deus impõem as restrições necessárias que possibilitam
que a pessoa prossiga no caminho certo quando tudo parece desanimador.
O temor a Deus sempre pode levá-la de volta a seu nível anterior — e fazê-la
avançar para alturas ainda não alcançadas.

Abundância
O homem interage com Deus na esfera de Malchut.
Por esse motivo, é importante conhecer bem a natureza dessa sefirá, para que
possamos relacionar-nos com Ele de forma mais efetiva.
O Ari ensina que os universos estão em constante movimento.
Um instante é diferente do outro, porque o equilíbrio de energias em cada universo
está sempre se alterando, incessantemente.
O Reb Natan acrescenta que é justamente por isto que o arrependimento funciona
para todos: a cada momento se inicia uma vida nova, numa situação que nunca
existiu antes.
Em nenhum outro lugar essa mudança permanente é percebida com mais clareza
do que em Malchut, a sefirá que reflete o aspecto feminino.
As transformações mais acentuadas e freqüentes são as que acontecem no corpo
da mulher. Todo mês, o ciclo menstrual afeta seu organismo, assim como seu
estado mental e emocional.
As alterações físicas que ocorrem durante a gravidez são ainda mais notáveis que
as diferenças fisiológicas entre o homem e a mulher.
Essas modificações nem sempre fizeram parte da vida da mulher.

1
Elas só surgiram depois que Adão e Eva comeram da árvore do conhecimento do
bem e do mal.
Antes do pecado, eles coabitaram, e seus filhos, Caim e Abel, nasceram
imediatamente.
Porém, depois que comeram da árvore, Adão e Eva foram castigados, cada um de
uma maneira diferente.
Em vez de permanecer no Jardim do Éden, livre de preocupações com o sustento, o
homem foi forçado a sair e amaldiçoado com a obrigação de trabalhar duro e suar
para suprir às suas necessidades materiais.
A mulher, por sua vez, foi punida com o desconforto dos ciclos menstruais e da
gestação e a dor do parto (Rashi sobre Gênesis 3:16-19).
O princípio do "nascimento imediato" que existia no jardim do Éden também se
refletia no plano conceituai, de modo que o homem, em sua condição existencial
antes de comer da árvore, era capaz de conceber novas idéias e ver imediatamente
seus efeitos.
Uma das conseqüências para toda a humanidade da transgressão de Adão e Eva foi
a necessidade de passar pelos estágios dolorosos da experimentação e da tentativa
e erro, e pela angústia da espera impotente, antes de desfrutar dos resultados ou
obter a recompensa de seus empreendimentos.
Apesar das tribulações que temos de enfrentar na vida em decorrência dos atos do
primeiro homem, essa situação pode ser benéfica para o nosso crescimento
espiritual.
Uma vantagem, como dissemos anteriormente, é que o arrependimento é mais
efetivo.
Por essa razão, a pessoa precisa entender que suas orações devem ser sempre
diferentes, ajustando-se constantemente às necessidades cambiantes e aos novos
desafios que surgem.
Como nossa comunicação com Deus ocorre na esfera de Malchut, que corresponde
à fala e à oração, a mudança e a oração — dois aspectos de Malchut— devem ser
integradas para que o arrependimento seja eficaz.
Outro benefício dos castigos de Adão e Eva diz respeito às transformações sofridas
pela mulher e à sua manifestação em Malchut.
As mudanças que se observam em Malchut são análogas aos períodos da infância,
maturidade, casamento e parto.
No que se refere ao relacionamento entre o homem e Deus, que se expressa em
Malchut, devemos perceber que a capacidade humana de exercer controle sobre o
envio da abundância de Deus para este mundo varia de acordo com as constantes
modificações que ocorrem dentro dessa sefirá.
Assim, as diferentes fases — infância, maturidade, casamento e parto — que são
representadas na esfera de Malchut correspondem aos diversos níveis da prática de
boas ações.
Deus mandará prosperidade ao mundo de acordo com os esforços do indivíduo para
obter conhecimento Dele.
Se o homem empregar toda a sua força no cumprimento das mitsvót, Deus lhe
concederá dádivas abundantes.
Se ele pecar, as dádivas lhe serão negadas, ou então serão enviadas em profusão,
mas logo serão desviadas, por caminhos sinuosos e "becos escusos", para o outro
lado, que penetra em Malchut e puxa o shefa (abundância) para si, Deus nos livre.
É importante notar, como explica o Ari, que feminino em hebraico é nekevá ().
As letras que compõem essa palavra representam as três fases do desenvolvimento
feminino: ketaná (infância), naará (puderdade) e boguéret (maturidade).
A última letra (hê) corresponde ao Hê final do Tetragrama.
Uma mulher jamais voltará à infância depois de ter atingido a puberdade, e não
voltará à puberdade após ter passado à idade adulta.
A sefirá de Malchut, porém, está sempre mudando.

2
Depois que ela chega à maturidade e "acasala" com Zeer Anpin, o shefa desce.
Entretanto, como a humanidade ainda não está pronta para a redenção, Malchut
tem de retroceder para a fase da imaturidade e recomeçar todo o processo.
Quando a humanidade inteira se voltar para Deus, na época messiânica, Malchut
amadurecerá plenamente e permanecerá nesse nível.
Então haverá shefa em profusão, todos gozarão de boa saúde e prosperidade, e o
sofrimento será eliminado da face da terra.

Um Alicerce Puro
Uma das diferenças entre a fisiologia masculina e a feminina é que o homem se
torna capaz de procriar quando atinge a puberdade sem que tenham ocorrido
grandes mudanças visíveis em seu corpo. O
prepúcio, que representa diversas características negativas, já fora removido muito
antes, na circuncisão. Por outro lado, o corpo da mulher começa a sofrer várias
transformações bastante visíveis na puberdade: a pelve e os quadris se alargam e
os seios se desenvolvem, para citar apenas alguns exemplos.
O lessocl feminino, ao contrário do masculino, ainda possui uma kelipat nóga,
refletida no hímen, que deve ser penetrado para que a mulher se reproduza.
O desenvolvimento feminino é análogo às mudanças que acontecem em Malchut
nas diferentes fases de seu amadurecimento.
Só quando "amadurece" Malchut está pronta para unir-se com Zeer Anpin e assim
receber o shefa Divino.
Nossos Sábios ensinam que a virgindade denota pureza.
O Ari discorre longamente sobre esse tema, mas os seus ensinamentos estão além
do escopo deste texto. No entanto, uma idéia básica em sua abordagem é que a
existência do hímen possibilita que a mulher se resguarde da exposição a forças
indecorosas até que ela esteja pronta para manter relações conjugais puras com a
finalidade de procriar.
Nesse ponto, o lessod masculino se combina com o lessod feminino, estabelecendo
um "fundamento" sólido sobre o qual a concepção e o nascimento podem ocorrer.
Esse conceito nos ensina que Deus dá a cada indivíduo um meio de proteger-se do
ateísmo e da imoralidade.
Se quiser, a pessoa pode defender-se dessas forças e construir uma vida espiritual
com os recursos que lhe foram concedidos por Deus, porque todos possuem a
capacidade de estabelecer alicerces morais sólidos para as futuras gerações.

Renovação: O Ciclo Mensal


Malchut corresponde à lua.
De acordo com as fases de seu ciclo, a lua começa a crescer no princípio de cada
mês, fica cheia no meio do mês, e depois começa a minguar.
Quando parece quase sumir, ela de imediato se renova e volta a crescer.
Assim, a lua está em constante transformação, tal como a mulher, que tem o ciclo
mensal da menstruação.
Ambas são manifestações de Malchut.
Quando o ciclo menstrual se inicia, são secretados vários hormônios que estimulam
o desenvolvimento dos óvulos.
Cerca de 14 dias depois, um óvulo está maduro e pronto para ser fecundado.
Esse estado de maturidade dura poucos dias.
Se a fertilização não ocorrer nesse período, o óvulo começa a degenerar, e logo
depois a mucosa uterina, junto com o óvulo, é expelida com a menstruação.
É impressionante a semelhança entre esse ciclo e o da lua, que cresce até atingir a
"maturidade" na metade do mês, fica cheia por poucos dias e depois míngua.
O Reb Natan afirma que é possível associar esses ciclos à existência humana.
Todos têm seus altos e baixos, "quartos crescentes e minguantes", que hoje
chamamos de biorritmos.
O Ari escreve que todo indivíduo tem, em cada mês, pelo menos um dia no qual
tudo "dá certo", e vários outros dias felizes.

3
Mas como se deve lidar com as ocasiões mais difíceis, que também estão
espalhadas em cada mês?
A resposta está na mensagem contida nos ciclos físicos encontrados na natureza —
o lunar e o menstrual.
Tudo o que acontece, bom ou mau, é parte do ciclo vital incessante.
Quando uma época ou acontecimento nos traz sucesso, alívio ou felicidade,
devemos tirar o máximo proveito da situação. Porém, quando chegam os
inevitáveis momentos difíceis, devemos conter a tendência para o pessimismo ou o
negativismo e extrair forças dos bons tempos, conscientes de que, assim como a
lua míngua, ela também cresce.
É por isso que a lua nova é denominada “Rosh Chodesh”.
A palavra hebraica “chodesh” tem as mesmas letras de “chadash” (novo).
A renovação mensal da lua nos ensina que a pessoa sempre pode renovar-se,
independentemente da situação em que esteja.
Na verdade, prossegue o Reb Natan, ela pode renovar-se todos os dias.
O Rei David personifica todas as qualidades de Malchut que se manifestam na lua.
Nossos Sábios ensinam que ele estava fadado a nascer morto.
Porém, Deus permitiu que Adão tomasse conhecimento desse fato e, para salvar o
grande potencial que enxergou na alma de David, lhe concedesse 70 anos de sua
própria vida. (Por conseguinte, Adão viveu apenas 930 anos, em vez dos mil anos
que estava predestinado a viver).
Em conformidade com o padrão cíclico que se observa em Malchut, o Rei David
sempre se renovava. Mais do que qualquer outra personalidade bíblica, ele
enfrentou sofrimentos terríveis durante toda a vida.
No entanto, constantemente se reanimava e revigorava.
Assim, embora ao início "não tivesse vida", ele conseguiu, com a energia que
gerava em sua alma por meio de seus esforços de renovação, criar para si uma
vida plena!.

Pureza Familiar
A Torá proíbe a mulher de manter relações conjugais durante e imediatamente
após o período menstrual, até que ela tenha contado sete "dias limpos", nos quais,
ao examinar-se, não tenha encontrado o mínimo vestígio de sangue.
Em seguida, ela entra nas águas purificadoras da micvá (banho ritual) e volta a ser
permitida para o marido.
Tudo isso faz parte da mitsvá da pureza familiar.
Durante a menstruação, considera-se que o útero tem uma "ferida aberta".
Assim, o contato abrasivo com um objeto estranho nesses dias poderia produzir
uma irritação e causar sérios problemas de saúde.
Essa é apenas uma das explicações para a abstenção de relações conjugais durante
e logo após o período menstrual.
O Talmud apresenta outra razão importante para esse intervalo de abstinência
imposto pela Torá: a prática ininterrupta de relações íntimas poderia levar a uma
familiaridade excessiva e à diminuição do amor e do respeito mútuo.
A proibição do contato íntimo durante parte do mês mantém vivo o aspecto de
novidade no relacionamento.
Menstruação em hebraico é “nidá”, termo que deriva das raízes “nad” e “nadad”
(“exilado” e “vagar”).
Vemos assim que o conceito de exílio está ligado ao fenômeno da menstruação.
Depois que Adão comeu da árvore do conhecimento, um de seus castigos foi a
expulsão do jardim do Éden. Eva também comeu da árvore, e uma das punições foi
a menstruação — uma espécie de "banimento".
O Rebe Nachman ensinou:
Há 365 proibições na Torá, que correspondem aos 365 tendões e vasos sanguíneos
do corpo humano. Quem se guarda do pecado, principalmente do pecado sexual,
mantém seu sistema vascular limpo e sadio. Porém, aqueles que cometem

4
pecados, em particular pecados sexuais, tornam todo o sangue impuro, da mesma
maneira que o sangue menstrual é considerado impuro.
Isso é análogo ao conceito do "sangue menstrual" da Presença Divina.
Ele representa o exílio de Malchut, pois A "separa" de Seu "Marido" (Zeer Anpin).
Vossas ações no que diz respeito aos mandamentos Divinos produzem uma reação
correspondente na atitude de Deus em relação a nós. Assim, a incapacidade
humana de evitar o pecado é o motivo da permanência de Israel e da humanidade
no exílio, fora do Jardim do Éden.

O fato mais trágico do exílio ocorre quando os judeus esquecem a riqueza de sua
própria cultura e se assimilam às nações que os acolhem. Eles perdem a
sensibilidade espiritual e começam a lutar pelas comodidades materiais que seus
vizinhos possuem. No entanto, essa situação não é irreversível.

A imersão mensal na micvá após a menstruação funciona como um "portão"


através do qual se passa da impureza para a pureza.
Os pecados que fazem a pessoa descer da espiritualidade e a forçam a exilar-se e
distanciar-se da Divindade podem ser removidos e limpos pelas águas purificadoras
da micvá.
O Reb Natan explica como a imersão na micvá pode livrar a pessoa do pecado:
A imersão na micvá é um ato de anulação de si mesmo diante de Deus, porque o
ser humano não sobrevive na água. Mergulhando completamente seu corpo, a
pessoa demonstra que está disposta a sacrificar a própria vida para purificar-se
completamente do pecado.
Essa forma de anulação de si mesmo indica um estado de "nada" que em hebraico
se denomina "má".
O valor numérico de má é 45, o mesmo de IHVH [quando expandido com alefs).
O arrependimento e o retorno a Deus constituem uma retificação e purificação da
"impureza menstrual" espiritual, e permitem que o aspecto de Adão e o aspecto de
Eva se unam, tornando-se um, em santidade.

O Rebe Nachman compara o caráter cíclico e oscilante das relações conjugais na


vida judaica — os períodos de intimidade e os períodos de abstinência — com o
movimento das criaturas angelicais da carruagem sagrada de Deus, que "corriam e
retornavam" (Ezequiel 1:14).
Podemos inferir daí que, para que se alcance a espiritualidade, também são
necessárias fases de proximidade física e fases de abstinência.
Logo, quem pratica as leis de pureza familiar pode manter-se puro mesmo nas
épocas de impureza, se o desejo de pureza tiver proeminência em sua mente.
Por outro lado, aqueles que se recusam a anular-se diante de Deus permanecerão
impuros mesmo nos dias de aparente "pureza".
O Rebe Nachman ensinou também que as mãos correspondem à fé.
O valor numérico de “nidat” (, sangue menstrual, 454) é igual à guematriá de
iad (, mão) quando suas letras (yud e dalet) são expandidas (iud, vav, dalet,
= 20, mais dalet, lamed, tav,  = 434).
A imperfeição criada quando o indivíduo desvirtua suas mãos, que significam fé, é
comparada à impureza menstrual.
A retificação da fé é a verdadeira purificação da "menstruação".

Nutrição
A amamentação é uma função natural que a mulher só pode exercer depois de dar
à luz uma criança.
Durante a gravidez, o feto tira seu sustento dos alimentos que a mãe ingere.
A lactação se inicia após o parto, quando os hormônios suprimem o fluxo menstrual
e estimulam a produção do leite materno para o bebê.

5
O Rebe Nachman afirma que, durante o aleitamento, o sangue menstrual, um sinal
de impureza, é transformado numa substância de pureza absoluta que mantém a
vida de um ser ainda fraco demais para prover a própria subsistência.
O Rei David disse (Salmos 103:2): "Bendiz o Eterno, ó alma minha, e não te
esqueças de Seu guemul [benefícios]."
O Talmud observa que a palavra “guemul” também se refere ao aleitamento.
O Rei David estava agradecendo a Deus que, na espécie humana, o seio materno
esteja localizado junto do coração, que é a sede de Biná, diferentemente das
glândulas mamárias de outros mamíferos, que se situam perto das genitálias.
O ser humano é criado para servir a Deus e ter uma vida espiritual.
Portanto, ao contrário dos animais, ele não é forçado a ver a região genital
enquanto mama.
O fato de o bebê não se alimentar na mesma área do corpo da mãe em que é feita
a excreção da matéria residual inspirou ainda mais gratidão ao Rei David.
O Ari escreve que o Nome Sagrado de Deus associado a Biná é Elohim.
Como os seios humanos estão próximos do coração, o centro de Biná, esse Nome
Sagrado faz alusão à amamentação.
A palavra hebraica “dadim” (singular: “dad”) significa "seios".
A mulher tem dois seios, o direito e o esquerdo.
Das cinco letras de Elohim (), as primeiras duas, à direita, são EL (), as
últimas duas, à esquerda, são IM (), e o Hê () fica no meio.
Depois que Deus estendeu o espírito de profecia de Moisés aos 70 anciãos, a Torá
relata (Números 11:27): "Eldad e Meidad profetizam no acampamento."
Quando o seio direito e o esquerdo se combinam com as letras da direita e da
esquerda do nome Elohim, ou seja, quando se põe um “dad” com “EL” e um dad
com “IM”, formam-se as palavras Eldad e Meidad.
Os seios, situados na região de Biná, simbolizam, portanto, a fonte da qual se pode
receber profecia.
A letra Hê, que está no centro do Nome Sagrado Elohim, corresponde ao leite que
abastece os dois seios.
O valor numérico de “chalav” (, leite) é 40.
Há três expansões da letra Hê que, quando somadas com as letras que as
constituem, também perfazem 40.
Assim, os seios representam alguns dos níveis mais elevados da espiritualidade,
dos quais a pessoa pode obter alimento espiritual para sustentar-se.
O Rebe Nachman ensinou:
Há uma fonte espiritual de abundância que é conhecida como Eldad e Meidad.
Esses nomes correspondem aos seios.
A abundância é associada com a letra Hê, como consta (Gênesis 47:23):
"Hê lachem zera [eis semente para vós]."
Assim, as letras que formam os nomes de Eldad e Meidad - relacionados com a
abundância - juntamente com a letra Hê, que significa abundância, compõem o
Nome de Elohim, uma fonte infinita de abundância.
O pecado danifica a letra Hê, de modo que a perna da letra é removida, e resta a
forma de um dalet. [A "perna" da letra Hê é a letra iud, que conota Chochmá,
sabedoria. O indivíduo peca devido a um espírito de insensatez (como vimos
anteriormente); portanto, sua perna - sabedoria é "removida".]
A letra dalet, que é análoga à palavra hebraica “dal” [pobre], denota pobreza.
Logo, o dalet também representa Malchut, porque esta sefirá não possui nada de
seu - ela só tem o que recebe de Zeer Anpin.
Assim, quando a pessoa peca, a letra Hê de Elohim é convertida em dalet, e se lê El
dami - "Deus está silencioso", que significa "a profecia é retida".
Para mudar essa situação, é necessário rezar.
A oração "abre" Malchut para receber o shefa da profecia que foi diminuído em
conseqüência do pecado.
Para retificar seus pecados e obter abundância, o indivíduo deve ser humilde e
temer a Deus.

6
Com essas qualidades, Malchut é reconstruída, e o shefa pode ser levado para
dentro dela.

A mãe que tem uma dieta balanceada fornece alimento saudável e suficiente para
seu bebê.
O mesmo se aplica à nutrição espiritual.
O Rebe Nachman ensina que uma mulher desavergonhada transmite o atributo da
impudência para o bebê que amamenta.
Por outro lado, uma mulher recatada passa para o filho seus predicados refinados.
Assim, pelo aleitamento físico também se transmitem influências espirituais
fundamentais.
O Reb Natan, num de seus discursos clássicos, em que trata da alimentação
humana, escreve:
O homem é um ser singular entre todos os animais porque o bebê humano mama
dos seios, que ficam próximos do coração, a moradia de Biná.
Os demais mamíferos, por outro lado, mamam perto da região de excreção da
matéria residual.
Ampliando essa idéia, podemos deduzir que cada indivíduo tem um lugar específico
do qual pode tirar seu sustento, e não se deve jamais tentar prejudicar o meio de
vida de outra pessoa.
Quando isso é feito, a situação criada obriga o sujeito que foi lesado a levantar-se e
defender-se dos que usurparam ou de alguma maneira violaram sua vida ou seu
ganha-pão.
Em seguida, o Reb Natan associa esse conceito ao fenômeno da assimilação
judaica.
Para garantir que os não judeus tenham uma conduta humana em relação a ele, o
judeu deve comportar-se de modo característico e cumprir a lei da Torá.
Quando tenta agir como as outras nações, ele invade o território do não judeu e o
ameaça, levando-o a reagir de modo violento e desumano contra os "judeus
invasores".

Vimos que os seios simbolizam um manancial de alimento espiritual extremamente


profundo, poderoso e individualizado.
Num sentido mais largo, cada um deve ganhar o sustento em seu próprio nível e
não perseguir um estilo de vida que seja inapropriado para as suas possibilidades
no momento.
Os seios são também chamados de “shadaim”.
Esse vocábulo contém a palavra dai — "basta”, que indica que a pessoa não precisa
ir além de sua própria fonte de fartura para satisfazer suas necessidades; há
espiritualidade em profusão à disposição de todos.

Continua

7
Anatomia da Alma – Parte 46

O Sistema Reprodutor – Parte 7

"Frutificai e Multiplicai-vos"
Há algo que alegre mais o coração do que um casamento?
O Reb Natan escreve que o júbilo do matrimônio é comparável ao regozijo do
mundo vindouro.
Contudo, ele mesmo questionava abertamente essa alegria, tal como o Rei
Salomão (Eclesiastes 2:2): "Em relação à alegria, a que conduz?"
Na verdade, que motivos têm os noivos para alegrar-se?
O que garante que sua relação se consolidará e perdurará?
Eles conseguirão arcar com as responsabilidades financeiras?
Os filhos sobreviverão? (A taxa de mortalidade infantil era bastante alta na época
do Reb Natan.)
E quanto aos demais problemas inerentes a sua educação — as doenças infantis, os
desafios da adolescência e outras dificuldades "normais" que acompanham o
desenvolvimento das crianças?
O Midrash expressa uma idéia semelhante quando explica, por meio de uma
analogia, o seguinte versículo (Eclesiastes 7:1):
"Um bom nome é melhor que um bom óleo; e o dia da morte é melhor que o dia do
nascimento."
Imagine que um navio esteja partindo ao mesmo tempo em que outro aporta ao
término de uma viagem (quando ainda não existia radiocomunicação, era
impossível saber se uma viagem marítima transcorria bem e quando a embarcação
chegaria).
Muitas pessoas vão despedir-se do navio que zarpa e, aos gritos, desejam "boa
viagem!". Porém, não há ninguém para dar boas-vindas ao navio que regressa ao
lar.
Observando a cena, um homem sábio comenta:
"Seria muito mais apropriado que as atitudes fossem opostas.
A partida da embarcação deveria causar uma grande preocupação.
Quais serão os ventos e demais condições que ela encontrará?
Que tribulações estarão a sua espera?
Por sua vez, o navio que aporta deveria ser saudado com vivas, porque concluiu
incólume seu itinerário."
Da mesma maneira, todos se regozijam com um nascimento.
Contudo, quem pode saber qual será a sorte dessa criança quando ela crescer e
tiver de enfrentar as dificuldades inevitáveis da vida?
Seria mais adequado alegrar-se por uma pessoa que já finalizou sua jornada e
faleceu com um bom nome.
Apesar de tudo isso, o Reb Natan compara o júbilo nupcial com o do mundo
vindouro!
O Rebe Nachman ensina que a união de um casal é algo muito precioso.
O Reb Natan explica que essa união está enraizada no grau mais elevado do plano
Divino para a criação, um nível que não pode ser concebido pela mente humana.
A alma está enraizada na primeira inspiração — o "pensamento" que precedeu todo
ato criativo.
Foi o pensamento de Deus de criar almas que, por assim dizer, O "fez" dar origem
ao restante do universo.
Portanto, a criação inteira constitui uma estrutura para o desenrolar da existência e
da atividade das almas humanas, e o único propósito da criação é a revelação da
Divindade.
Esse propósito é cumprido quando praticamos boas ações durante nossa estada na
terra, enquanto estamos envoltos no corpo físico.

1
No entanto, a descida da alma ao plano material só é possível graças à união de
marido e mulher. No ato da união, o casal alcança aquele nível mais sublime, e
assim permite que almas muito elevadas sejam trazidas a este mundo.
Vimos acima que o teste mais difícil da espiritualidade é a necessidade de controlar
o desejo físico.
Analisaremos agora como a espiritualidade e a sexualidade — termos que parecem
ser contraditórios por definição — se unem em santidade para gerar uma nova
vida.

Em sua fonte, a alma é uma entidade única.


Quando entra neste mundo, ela se divide em dois corpos distintos, que são
paralelos a duas forças opostas (a masculina e a feminina) que devem ser
empregadas na busca da Divindade.
Cada "metade" tem de passar por um longo processo de crescimento individual
para depois procurar a outra.
Por fim, as duas serão reunidas pelo matrimônio.
O Reb Natan escreve que o aspecto mais inusitado da concepção — que possibilita
a vinda de uma alma sagrada do mais elevado dos níveis — é que ela se inicie
pelos órgãos do sistema excretor!
(Embora a genitália feminina, ao contrário da masculina, não faça parte do sistema
excretor, ela poderia ser assim caracterizada, pois o esperma entra pela mesma via
do sangue menstrual.)
A descida da alma tem de começar pelos órgãos excretores justamente porque, em
sua fonte, ela é uma entidade excelsa que possui uma enorme capacidade de
revelar a Divindade.
Portanto, em virtude de sua constituição inata, a alma conseguiria resistir à
tentação com facilidade.
Essa habilidade natural impediria o livre-arbítrio do ser humano, que só pode existir
se houver equilíbrio entre as forças do bem e do mal.
Assim, as forças do mal a princípio se opõem à vinda da alma a este mundo, e só
concordam com ela porque a concepção resulta da excitação do desejo sexual, que
se manifesta nos órgãos mais baixos.
Dessa forma, considera-se que a alma foi "conspurcada" pela corporeidade, e
mantém-se o equilíbrio entre a espiritualidade e a materialidade.
Em seguida, o Reb Natan explica que depois da concepção, que ocorre quando a
sensualidade do casal é despertada e atinge o clímax, a alma se põe a caminho da
terra e passa por todos os universos celestiais.
Após o período de gestação, que culmina nas dores e no sangue do parto, essa
alma finalmente entra numa forma humana.
Podemos deduzir daí que quem deseja alcançar a espiritualidade tem de enfrentar
um dilema.
Por um lado, o ser humano procura sua fonte, que se encontra no nível mais
elevado.
Pelo outro, ele nasceu da luxúria e, portanto, possui algumas das características
mais baixas.
Conseqüentemente, é curioso que a instituição do casamento seja tão prestigiada
na tradição e na literatura judaica, e devemos tentar entender o que a torna tão
importante.

Dáat
A Bíblia usa o termo Dáat para referir-se às relações conjugais, como vemos no
seguinte versículo (Gênesis 4:1): "E Adão conheceu Eva, sua mulher."
Quando marido e mulher se unem com pureza e santidade, suas almas se juntam e
formam um veículo para a revelação da Dáat da Divindade.
O beijo representa a unificação do lud e do Hê, as primeiras letras do Nome (),
que correspondem aos partsufim (personas) Divinos Aba e Ima (pai e mãe); e o ato

2
sexual, enraizado no nível de lessod, representa a unificação do Vav e do Hê, as
letras finais do Tetragrama (), que correspondem a Zeer Anpin e Malchut.
Assim como os dois querubins no Santo dos Santos, eles constroem um mishcan
(tabernáculo) ou uma mercavá (carruagem) para o Nome Divino IHVH.
São esses pensamentos e intenções elevadas que o casal deve entreter quando se
une para gerar uma nova vida.
Os partsufim Aba e Ima são análogos às sefirot de Chochmá e Binah.
A confluência de Chochmá e Bíná cria uma revelação de Dáat.
O encontro de Zeer Anpin e Malchut, que acontece na sefirá de lessod, constitui a
consumação plena dessa revelação.
Essa dupla convergência produzida pela união conjugal deve ser uma experiência
positiva para que possa de fato trazer as almas mais elevadas para corpos
terrenos.
Por conseguinte, o Talmud ensina que é necessário eliminar a raiva e pensamentos
fúteis antes das relações maritais, de modo que a união se efetue numa atmosfera
de amor, paz e harmonia.
Durante a relação, deve-se manter o recato e um sentimento de gratidão pelo
magnífico poder proporcionado pelo enlace conjugal. O Rebe Nachman acrescenta
que o comportamento decoroso durante o ato sexual pode ser comparado ao
cumprimento da mitsvá da sucá, e também que esse grau de modéstia torna a
pessoa digna da santidade da Terra Santa.
Isso ocorre porque, ao observar esses preceitos (da sucá e da estadia na Terra
Santa), o indivíduo é completamente circundado pela mitsvá.
Da mesma maneira, o casal que se mantém coberto (por um lençol ou colcha)
durante as relações maritais é totalmente envolvido pela mitsvá que está
praticando.
As relações conjugais podem acontecer a qualquer hora.
Porém, como o recato determina que os parceiros permaneçam fora do alcance do
olhar (a escuridão e o encobrimento acentuam a experiência auditiva e tátil), é
preferível que elas sejam realizadas de noite.
Como o Shabat representa paz, a noite de sexta-feira é a ocasião mais propícia
para a união marital.
O Rebe Nachman ensinou:
Há dois níveis de observância da berit.
Considera-se que a pessoa que mantém relações maritais nos seis dias de semana
guarda a berit, desde que ela tome cuidado para não transgredir as leis da Tora.
No entanto, o indivíduo que guarda a berit mantendo relações maritais [apenas] na
noite do Shabat atinge um grau mais elevado.
O primeiro tipo [inferior] de união corresponde à halachá [a lei revelada], e o
segundo, à Cabala [a tradição oculta]...
O indivíduo que cumpre as obrigações conjugais de acordo com a lei da Tora, ainda
que seja nos seis dias de semana, alcança um nível do qual ele pode revelar a
Divindade para todos, o nível da Tora revelada, a halachá.
O grau mais alto, da prática de relações conjugais apenas no Shabat, corresponde
aos mistérios mais profundos da Tora, a Cabala, e cria um relacionamento mais
íntimo com Deus.

O Rebe Nachman ensina que o desejo sexual se origina na mente.


Logo, é fundamental que a mente, como fonte do desejo, esteja ligada a Deus
durante a relação conjugal.
Isso possibilita que o casal traga uma alma pura e iluminada para o filho que é
concebido.
Evidentemente, a relação marital nem sempre resulta em concepção.
Ainda assim, vinculando-se à Divindade durante a união íntima, o casal pode
despertar e elevar as almas em sua fonte (o nível do pensamento, conforme já
explicado) e levá-las ao arrependimento.

3
Portanto, a concentração mental no relacionamento com Deus durante as relações
conjugais é uma fonte de Dáat verdadeira, porque, havendo ou não concepção, o
mundo fica imbuído do conhecimento de Deus.
A união marital geralmente começa com um abraço e um beijo.
Esses atos produzem fortes sentimentos de ligação no plano físico e criam vínculos
espirituais análogos.
Os princípios cabalísticos do “chibuc” (abraço), “nishuc” (beijo) e “zivug”
(intimidade) referem-se a relacionamentos espirituais nos mundos superiores.
Embora esses conceitos cabalísticos não tenham absolutamente nenhuma relação
com a ação física, eles são incorporados às ações dos parceiros que se entregam à
intimidade conjugal com pureza.
De fato, atos puros de intimidade física são descritos como uma união de almas.
Tal como Chochmá (que representa o pensamento Divino inicial) é a fonte de todas
as almas, também o pensamento (por ser o princípio e a fonte do ato marital) é a
fonte da concepção de uma alma.
Assim, o despertar de Chochmá, o aspecto masculino, é um elemento de Dáat.
A ele corresponde o despertar de Biná, o aspecto feminino, outro elemento de
Dáat.
O ato de intimidade efetivo é Dáat, a união desses dois elementos distintos
(conforme discutido em texto anterior.

No ato sexual, os cônjuges se unem literalmente.


As diferentes forças que existem dentro deles se combinam para formar uma só
unidade, uma manifestação de Dáat, que é fruto da fusão de seus intelectos (e
pode concretizar-se na geração de um filho).
Por outro lado, o resultado de um relacionamento proibido não tem nenhuma
ligação com Dáat.
Neste caso, os elementos de Chochmá e Biná que são forçados a manter-se em
estreita proximidade não possuem a mesma forma e nunca poderão misturar-se
verdadeiramente.
A mesma aversão que uma pessoa sente quando mantém uma relação sexual com
alguém que lhe é fisicamente repulsivo é experimentada pela alma que é ligada a
outra alma que ela considere detestável.
Essa é uma das razões para o grande rigor da Torá no que diz respeito às relações
sexuais.
As uniões proibidas incluem a coabitação com uma mulher (mesmo a própria
esposa) que esteja no período menstrual ou que ainda não se tenha purificado com
a imersão na micvá, o adultério, o incesto e o homossexualismo.
Várias delas são chamadas de "abominação" pela Torá.
A alma foi criada para buscar a espiritualidade.
Todo tipo de atividade sexual proibida, devido à natureza do vínculo que se
estabelece com a anuência das duas partes, cria uma barreira espiritual.
O envolvimento de duas almas num relacionamento ilícito produz uma ligação com
o outro lado — e não é tão fácil romper esta ligação terminando o relacionamento.

Como vimos, o sêmen se origina na mente (Kéter), "viaja" espinha (Dáat) abaixo
até chegar a lessod, e então é transportado para Malchut, seu destino final.
A compreensão desse processo pode levar-nos a manter distância das atividades
sexuais proibidas e a preservar o recato em nossas relações conjugais.
Um viajante que se desvia da rota preestabelecida perde o rumo.
Do mesmo modo, um mínimo afastamento dos preceitos morais determinados pela
Torá pode desencaminhar seriamente quem busca o aperfeiçoamento espiritual.
Por esse motivo, embora o Talmud autorize todo tipo de intimidade entre marido e
mulher, os Sábios recomendam com veemência que se observem certos
parâmetros .

4
A introdução de práticas inusitadas nas relações conjugais pode criar fantasias, que
poderão produzir outras aberrações, sinais de uma mente perturbada que talvez
sejam muito difíceis de conter.
Essa mesma visão ética se aplica aos relacionamentos proibidos.
No início, pode parecer que a relação está apenas um passo além do aceitável.
Porém, uma coisa leva à outra, e o "quase aceitável" talvez conduza a atos mais
insólitos.
O aumento dos índices de homossexualismo, pedofilia e estupro que se observa na
atualidade testemunha a extrema insensibilidade que pode resultar das atitudes
sexuais liberais que infestam a sociedade.
Um indicador claro do grau de insanidade a que se chegou são os esforços para
racionalizar e justificar tais comportamentos.
Todos nós devemos rezar com fervor para que sejamos protegidos e não nos
deixemos seduzir por essas atitudes.
E quem tem uma conduta sexual anômala deve orar incessantemente para
abandonar esse estilo de vida e recuperar uma estatura moral razoável.
Era esse o desafio do protagonista do conto "O Filho do Rei e o Filho da Criada",
relatado pelo Rebe Nachman, no qual um príncipe se torna escravo e um escravo se
torna príncipe.
O príncipe da história, em vez de agir com realeza, mostrar uma atitude majestosa
em relação à vida e exercer plenamente o domínio, deixou-se escravizar pelos seus
desejos.
De modo semelhante, as pessoas que se desencaminharam moralmente tentam
comportar-se como se tivessem controle da própria vida, mas na realidade são
escravas de seus anseios neuróticos e fantasias eróticas.

Relações Conjugais
Apesar das injunções severas contra as uniões proibidas, não se deve concluir que
a Torá veja as relações maritais sob uma luz negativa.
Ao contrário, o judaísmo considera a intimidade um elemento muito importante e
positivo da vida conjugal e a recomenda enfaticamente (dentro de limites
razoáveis).
O Talmud ensina que Josué foi punido por ter imposto a abstinência sexual aos
judeus por apenas uma noite.
Além disso, a literatura talmúdica e cabalística usa metáforas inspiradas na união
marital para explicar muitos conceitos, como vemos na seguinte passagem:
"Por que a chuva é chamada de “revia”? Porque ela “rovêa” [fertiliza] o solo."
Essas metáforas são empregadas porque se considera que a união santificada de
marido e mulher é um dos atos mais belos e potentes de que o ser humano é
capaz.
Na verdade, o objetivo supremo de todo indivíduo deve ser alcançar esse mesmo
nível de conexão íntima com Deus.
Assim, é a atitude da pessoa em relação à união conjugal que marca a diferença
entre um ato espiritual e um ato libidinoso.
O Rebe Nachman ensina que devemos fortalecer-nos e reunir todos os nossos
poderes internos para elevar os nossos desejos: "A pessoa deve repelir a luxúria
com a mão esquerda e aproximá-la com a direita".

Concepção
Vimos anteriormente que o próprio ar que a pessoa respira é influenciado pelos
seus desejos.
A excitação sexual se inicia com um desejo.
É a natureza desse desejo que criará a atmosfera para a união sagrada.
Quem está no nível do tsadic direciona seus desejos para a unificação das letras da
Torá, produzindo novas revelações e, dessa maneira, "gerando almas". Isso dá
origem a revelações ainda maiores da Divindade no mundo.

5
Contudo, mesmo a pessoa mediana pode revelar a Divindade por meio da união
conjugal, que lhe confere a faculdade de trazer uma nova alma ao mundo.
Assim, na relação marital, quase tudo depende da atitude do casal — tanto sua
orientação mental como seu estado físico exercerão influência sobre a formação da
criança.
Portanto, o Rebe Nachman ensinou que é muito importante dirigir os pensamentos
para a espiritualidade durante a união conjugal.
Essa disposição mental não reduzirá a sensibilidade corporal nem diminuirá, de
maneira nenhuma, a capacidade de procriar.
Ao contrário, os pensamentos espirituais durante a intimidade física têm um efeito
extremamente benéfico sobre o filho que é concebido, bem como sobre o casal
envolvido.
Num tom mais prático, como o ciclo menstrual e as fases da lua são conceitos
relacionados, o Rebe Nachman recomenda que o casal, antes de manter relações,
recite os trechos bíblicos que se referem à lua nova (Números 28:11-15).

Como a temperatura interna do corpo é alta demais para o desenvolvimento das


células espermáticas, sua formação ocorre no saco escrotal.
Quando o homem está pronto para desempenhar seu papel na união conjugal, o
esperma é transportado para dentro do corpo, atinge a temperatura corporal e em
seguida é emitido.
O Rebe Nachman ensinou:
O homem "sustém a respiração" nas relações maritais por duas razões:
Em primeiro lugar, isso permite que o esperma conserve a temperatura elevada do
corpo e assim consiga fecundar o óvulo feminino.
Em segundo lugar, o corpo não pode expelir fluidos e inspirar simultaneamente.

Nessa mesma lição, o Rebe Nachman fala de um "ar puro e fresco" e o associa à
riqueza e à abundância.
Conforme assinalamos, os desejos da pessoa influenciam sua atitude em relação à
união conjugal.
Na verdade, esses desejos circulam no próprio ar que ela respira.
Esse ar também influencia a pureza do sêmen.
Quem respira ar puro melhora seu estado de saúde, e o "organismo limpo"
aumenta a qualidade de seu esperma.
Isso é extremamente benéfico para a criança que é concebida na união.
Esse princípio atuante no nível físico também se aplica no campo espiritual.
A pureza espiritual durante as relações exerce influência positiva sobre o caráter do
filho gerado.
Essa pureza traz riqueza e abundância, que são simbolizadas pelo sêmen.

Continua

6
Anatomia da Alma – Parte 47

O Sistema Reprodutor – Parte 8

A Imagem Divina
O homem foi criado com o propósito de revelar a "imagem Divina".
Como vimos, ele foi dotado de um corpo análogo aos universos celestiais e às
sefirot, para que seja capaz de alcançar a espiritualidade.
O primeiro homem deveria ter atingido esse nível, mas ele pecou, "estilhaçando"
sua imagem Divina e espalhando centelhas de santidade pelo mundo inteiro.
Desde então, seus descendentes — toda a humanidade — com seus esforços para
obter espiritualidade, "recolhem" essas centelhas e reconstroem a imagem Divina
que foi perdida.
Quando o indivíduo morre, cessa seu trabalho de retificação do pecado de Adão.
Por isso, a primeira mitsvá da Torá é "frutificai e multiplicai-vos" — gerai filhos —
para que o processo de "reconstrução" da "imagem Divina" prossiga
ininterruptamente, até ser concluído.
Essa é a importância da procriação.
"Filhos" em hebraico é “banim”, palavra cuja raiz se relaciona com “binian”
(edificação), pois os filhos constituem a edificação e o alicerce do mundo.
Sem eles, o mundo não teria existência permanente.
A Torá expressa com clareza essa idéia, ilustrando-a por meio do desejo de
Abrahão e Sara de conceber um filho.
Depois de longos anos de esterilidade, Sara diz a Abrahão (Gênesis 1 6:2):
"Talvez serei edificada através dela [Hagar]."
O Rashi comenta essas palavras:
"Daí aprendemos que uma pessoa sem filhos não só não 'está edificada' como se
encontra em estado de ruína."
De fato, o que restará dela depois do término de sua vida?
Quem levará seu nome e continuará sua obra depois que ela partir?
Os filhos representam algo ainda mais fundamental do que o meio de construção do
futuro de seus pais.
Eles também podem ajudar a retificar o passado.
O Reb Natan escreve:
Ter filhos e tentar transmitir-lhes o reconhecimento de Deus é uma retificação
muito grande da berit.
A pessoa nunca sabe que tipo de prole gerará.
De sua semente poderá provir um tsadic, talvez até um eminente tsadic.
Mesmo entre os ancestrais do célebre Rabi Shimon bar lochai, autor do sagrado
Zôhar, havia pessoas muito simples e comuns.
Porém, delas descendeu esse notável tsadic, que revelou níveis tão magníficos de
Divindade e santidade no mundo.
O Rabi Shimon, em sua grandeza, foi capaz de retificar as falhas de todos os seus
ancestrais. Na verdade, com seus numerosos méritos, ele assumiu a
responsabilidade pela retificação do mundo inteiro.

A procriação é a primeira mitsvá da Torá e apresenta vastas implicações para a


vida diária de cada indivíduo. Uma delas é o conceito de renovação: a pessoa
jamais deve transformar-se numa "árvore seca" que não gera frutos.
Ela deve tentar crescer todos os dias, "dar à luz" idéias e novas maneiras de
encontrar Deus mesmo nesta existência material.
Podemos inferir também que é necessário compartilhar nossa sabedoria e
conhecimento da espiritualidade com os outros — "plantar sementes" de Divindade
nas mentes e corações.
Contudo, além das diversas aplicações gerais que se podem deduzir dela, essa
mitsvá exige de nós a efetiva geração de filhos, que "frutifiquemos e nos
multipliquemos" literalmente.

1
A Missão
Adão e Eva coabitaram, e no mesmo dia Caim e Abel vieram ao mundo.
Esse fenômeno de "desenvolvimento instantâneo" foi possível naquele momento
porque as almas só precisavam descer dos níveis espirituais elevados nos quais
tinham sido criadas à existência espiritual do Jardim do Éden.
Logo depois, devido à transgressão de Adão e Eva, surgiu a necessidade de um
período de nove meses para que o óvulo fecundado se transforme num bebê
plenamente desenvolvido.
Essa espera deve ocorrer porque a descida de uma alma sublime dos mundos
celestiais para este plano material é uma mudança muito drástica e exige um
tempo de adaptação ao novo ambiente.
O Talmud faz uma breve descrição do que acontece nesse período de gestação:
"Enquanto o bebê está no ventre da mãe, um anjo lhe ensina a Torá inteira.
Quando chega a hora do nascimento, o anjo lhe dá um tapa sobre o lábio superior
[cuja marca pode ser vista no sulco que há entre a boca e o nariz], e todos os seus
ensinamentos são esquecidos."
Aqui surge uma pergunta óbvia: Por que estudar, se tudo será esquecido?
Os comentários afirmam que, sem o estudo da Torá antes do nascimento, ninguém
teria a mínima chance de vencer as forças ofuscantes do materialismo.
As matérias aprendidas, apesar de serem esquecidas no nível da consciência,
deixam uma forte impressão na alma, e quem assim desejar pode basear-se nessa
fonte para adquirir um vasto conhecimento da espiritualidade.
O Rebe Nachman ensinou:
Antes do nascimento, ensina-se à pessoa tudo que ela deve tentar alcançar e
realizar ao longo de sua existência.
No momento em que entra no mundo, ela se esquece de todo esse conjunto de
conhecimentos.
Sua missão na vida é procurar o que perdeu.
Os "bens perdidos", sua missão esquecida, podem ser encontrados com o tsadic.
"Durante a revelação no Monte Sinai", diz o Talmud, "todos os hebreus estavam
enfeitados com coroas [de luzes espirituais]. Quando eles cometeram o pecado do
bezerro de ouro, as coroas lhes foram tiradas, e Moisés mereceu ficar com todas
elas". Deduz-se desse ensinamento que os "bens perdidos" — as luzes espirituais
do povo hebreu — podem ser achados com os tsadikim. Procurando o verdadeiro
tsadic — alguém que possui uma visão espiritual clara — a pessoa pode descobrir
seu rumo correto, porque o tsadic compreende os diversos caminhos da
espiritualidade e é capaz de direcioná-la para o que lhe é mais apropriado.

O Processo de Purificação
O conceito espiritual de "gravidez" mencionado nos Escritos Sagrados pode ser
comparado à formação de um "embrião" na sefirá de Malchut.
Como tudo que existe na dimensão física espelha o plano espiritual, o mesmo
termo se aplica a dois fenômenos distintos, um físico e o outro espiritual.
Sabemos que a interação entre o homem e Deus ocorre na esfera de Malchut.
Tal como uma mãe que sempre busca o melhor para a prole, Malchut também tenta
elevar seus "filhos".
As pessoas merecedoras podem beneficiar-se prontamente dessa ligação e
ascender com bastante facilidade.
Porém, como Malchut se relaciona com o indivíduo que foi negligente e se perdeu,
que chegou a um estado que exige retificação antes que ele possa voltar a avançar
e elevar-se?
O Ari ensina que a função de Malchut não é apenas receber o shefa do Alto e
transmiti-lo ao mundo. Ela também procura erguer as almas que se desligaram de
sua fonte e desceram tanto que ficaram aprisionadas nas esferas mais baixas.
Como Malchut representa a aceitação do Reinado Divino, é por meio dela que Deus
toma as medidas necessárias para a implementação de Seu plano mestre: que
todos venham a reconhecê-Lo neste mundo.

2
Alguns não conseguem fazê-lo por conta própria e precisam de ajuda externa.
Esse auxílio pode ser prestado pelos tsadikim, os justos que personificam lessod,
alcançam um alto grau de reconhecimento da Divindade e se mantêm fiéis a Deus.
Malchut recebe energia de lessod (o tsadic) e faz a ligação entre o tsadic e as almas
que necessitam de purificação, possibilitando que elas se beneficiem de seus
ensinamentos espirituais elevadíssimos.
A luz dos tsadikim (isto é, seus ensinamentos e conselhos) passa por Malchut para
chegar à população mais ampla.
De forma semelhante, as boas ações das pessoas que seguem a orientação dos
tsadikim voltam para eles (ou seja, para lessod) através de Malchut.
Por si mesmos, esses atos não poderiam alcançar as esferas superiores, pois ainda
não são suficientemente puros.
Malchut os eleva e purifica, de modo que eles possam chegar ao tsadic, que os faz
subir ainda mais.
Assim, todas as boas ações praticadas são conduzidas ao alto pelo tsadic e
incorporadas aos "edifícios espirituais de santidade".
[Malchut é a sefirá que procura as almas perdidas porque, como interface entre
Deus e a humanidade, ela é considerada a fonte das almas.
Além disso, Malchut é a mais baixa das sefirot e, portanto, está mais perto do
domínio das forças do mal.
Vimos que há centelhas de santidade (isto é, almas) que são arrebatadas pelas
forças do materialismo e ficam presas no reino do mal.
Como seus erros as distanciaram de Deus, suas máculas pessoais equivalem a
falhas em Malchut, que representa a aceitação do Reinado Divino.
Portanto, essas almas têm de passar através de Malchut para serem retificadas.
Com certeza, por mais que tenham caído, as centelhas acabarão por lamentar sua
situação e começarão a buscar sua fonte.
O Ari examina minuciosamente esse assunto em muitos de seus escritos,
descrevendo, por exemplo, a descida de Malchut às esferas mais baixas para
efetuar retificações, mas esses ensaios estão além do escopo deste texto].
Assim, com a ajuda do tsadic, Malchut vai ao encontro das almas que cometeram
erros ou transgressões, e valoriza todo sinal positivo.
Cada boa ação praticada se converte num farol luminoso no qual Malchut pode
basear-se para auxiliar a pessoa a retornar à espiritualidade.
No entanto, como é possível esperar que alguém que permaneceu muito tempo
longe da Divindade seja capaz de receber essa luz espiritual fulgurante e se
beneficie dela?
Nesses casos, o conceito da "gravidez" de Malchut adquire uma importância
fundamental.
As almas que estavam afastadas de Deus passam por um período de "gestação", no
qual lhes são apresentadas oportunidades progressivas de desenvolvimento e
crescimento para a volta à espiritualidade.
Sem essa etapa intermediária, a grande distância entre seu nível presente e o
caminho a seguir jamais poderia ser transposta.
Portanto, a "gravidez" de Malchut consiste num processo de purificação e simboliza
os testes e tribulações que a alma deve suportar antes de "nascer" para a
espiritualidade.

Gravidez e Parto
Após a concepção, o óvulo fecundado dá origem a um embrião que se implanta na
parede do útero.
Aos poucos, uma forma mais definida começa a surgir, e o embrião se torna um
feto humano.
O Talmud ensina que o valor numérico da palavra hebraica heraion (), que
significa "gravidez", é 271 — o número de dias entre o momento da concepção e o
fim do desenvolvimento pré-natal.
Segundo a medicina moderna, esse período de maturação dura 266 dias.

3
(Quando essa aparente contradição foi apresentada a um obstetra de um dos
principais hospitais de Nova York, sua resposta foi:
"O Talmud trata desse assunto há muito mais tempo que a medicina moderna. Ele
é que deve saber!")
Às vezes, a gravidez é interrompida inesperadamente.
Um desequilíbrio hormonal, o estresse físico ou emocional e outros problemas
podem provocar o aborto do feto.

A gestação tem sua contrapartida no plano espiritual, conforme ensinou o Rebe


Nachman:
A revelação de uma nova idéia ou de um novo caminho no serviço a Deus é
comparável a uma gravidez.
A pessoa deve esperar, permitindo que a idéia seja "gestada" até que chegue a
hora certa do "nascimento".
Porém, a discórdia pode causar um "aborto", forçando a idéia a sair antes do
tempo, ainda pouco desenvolvida, e assim destruindo a "vida" que ela poderia
trazer ao mundo.

Quando a gravidez sadia chega a seu termo, a mulher entra em trabalho de parto.
Com a iminência do nascimento, as contrações uterinas delicadamente posicionam
o feto para que ele entre de cabeça para baixo no estreito canal do parto.
As contrações se intensificam e, nos momentos finais, podem provocar dores
violentas.
A mãe começa a sentir as pernas pesadas e frias, o sangue flui do útero, e a bolsa
amniótica se rompe. Então a criança começa a sair e, com a ajuda de Deus, nasce
com saúde.
Vimos que a passagem do sêmen de lessod para Malchut simboliza o afluxo de
abundância. Depois de ser "gestada" na sefirá de Malchut, essa abundância Divina
pode ser concedida ao mundo.
A "gravidez" tem o propósito de resguardá-la das forças do outro lado, até que ela
se "desenvolva plenamente" e as pessoas estejam prontas para recebê-la.
Está escrito no Zôhar que a mulher grita "70 vezes" antes de dar à luz.
Isso acontece porque Malchut e as seis sefirot de ZeerAnpin são compostas, cada
uma, de dez sefirot próprias.
Para que Malchut "dê à luz" e revele o shefa no nível atual da pessoa, ele tem de
passar por todas as sefirot de Zeer Anpin e Malchut. Logo, ele atravessa sete sefirot
multiplicadas pelas dez sefirot que cada uma contém dentro de si, 70 sefirot no
total.
O Rebe Nachman ensinou (Licutê Moharan I, 21:7):
As contrações lancinantes do trabalho de parto correspondem à dor que a pessoa
tem de suportar antes de "dar á luz" novas idéias potencialmente brilhantes ou um
novo conhecimento espiritual.
A mulher em trabalho de parto emite 70 gritos de agonia antes que a criança
nasça. Da mesma maneira, quem deseja que novos níveis de Divindade lhe sejam
revelados deve gritar repetidas vezes enquanto reza, para que seja capaz de "dar à
luz" essas idéias originais e elevadas.

O Rebe Nachman ensinou ainda que, tal como o nascimento é acompanhado de


uma dor intensa e muitos gritos, o cumprimento das mitsvót também pode ser um
processo doloroso.
A cada mitsvá que tenta fazer, a pessoa pode encontrar inúmeros obstáculos no
caminho.
Nessas ocasiões, ela deve clamar a Deus que a auxilie.
A caridade funciona como um catalisador potente que ajuda a alargar as portas
"estreitas" que parecem reter a capacidade de "dar à luz", ou seja, de cumprir as
mitsvót de forma adequad. É particularmente benéfico praticar a caridade em favor
de mulheres que estejam prestes a dar à luz.

4
O Rebe Nachman recomenda também que se recite o capítulo (salmo) 100 do Livro
dos Salmos durante o trabalho de parto para que a mulher dê à luz com mais
facilidade.
A soma das letras iniciais das duas primeiras palavras que o compõem, mizmor
letodá [ml, ], é 70, o número de gritos que a mulher emite antes de dar à luz.
As primeiras palavras do salmo evocam a bondade.
Além disso, as 43 palavras desse salmo anulam os efeitos das kelipot que tentam
impedir o nascimento da criança para que ela não venha a reconhecer Deus.
Essas kelipot dizem (1 Reis 3:26):
"Gani li, gam lach, lo ihiê— Nem para mim, nem para ti, haverá [uma criança]."
As 43 (mg, () letras cujo valor numérico é 43) palavras do salmo neutralizam o
poder do gam (, 43), que sintetiza o desejo das kelipot de impossibilitar o
nascimento.

O Zôhar ensina que o sangue do parto representa o sustento que é fornecido para o
outro lado e se manifesta em julgamentos severos.
O frio que a mulher sente nas pernas devido à interrupção do fluxo normal de
sangue é um indício da presença de julgamentos.
O conceito de parto como uma revelação de novas idéias se relaciona com a
restrição da mente, ou seja, julgamentos, antes da obtenção de conhecimento.
Os julgamentos estão baseados em Malchut, que se manifesta nos pés.
Por essa razão, eles são percebidos principalmente nas pernas e nos pés e fazem a
pessoa sentir-se "pesada" e letárgica.
Depois do nascimento, o fluxo normal de sangue se restabelece.
Portanto, o parto é considerado uma mitigação de julgamentos.

O Rebe Nachman ensinou:


"Mizmor letodá hariu Lashem col haarets"
[Um salmo de ação de graças: Aclamai com regozijo o Eterno, habitantes de toda a
terra]
(Salmos 100:1).
Esse salmo faz alusão ao parto, bem como ao ato de "dar à luz" novas leis e à
compreensão de novos conceitos da halacha.
A palavra letodá [agradecimento; louvor] contém as mesmas letras de toladá
[nascimento].
A palavra halachá, que se refere à lei judaica, é um acrônimo de “hariu Lashem col
haarets”.
Para compreender os códigos da halachá, o indivíduo deve suportar dificuldades tão
intensas quanto as enfrentadas pela mulher durante o parto.
Quando o "filho" finalmente nasce, Deus pode ser louvado com um novo
entendimento, um novo grau de reconhecimento Dele e de Sua Malchut.

Continua

5
Anatomia da Alma – Parte 48

O Sistema Reprodutor – Parte Final

Exílio e Êxodo

Assim como há “tsirim” [dobradiças] e “delatot” [portas] numa casa, a mulher


também possui dobradiças e portas.
Berachot 45a

A palavra hebraica tsirim, que significa "contrações", também pode ser traduzida
como "dobradiças".
Quando o feto está pronto para nascer, ele é empurrado pelas contrações uterinas,
e o colo do útero se dilata e se abre, como uma porta, para dar passagem à criança
que vem ao mundo.
O Rebe Nachman ensinou que a sefirá de Malchut corresponde à letra dalet.
A palavra dalet tem as mesmas letras de “delet”, a porta que deve ser aberta para
que o nascimento ocorra.
O dalet vale 4 e expressa o conceito dos quatro exílios dos quatro reinos do mal.
Portanto, a humanidade tem a missão de "cortar" toda a extensão dos domínios do
mal para libertar a santidade de Malchut que está aprisionada dentro deles.
Esse "corte" é representado pela abertura do colo do útero durante o trabalho de
parto.
Sabemos que o homem é constituído por quatro elementos, que se baseiam num
único elemento matriz.
De modo semelhante, o poder do mal tem quatro reinos, que são oriundos de um
domínio que é a matriz do mal e se manifesta em Amalec, como consta (Números
24:20): "Amalec é a primeira das nações".
Assim, Amalec é um obstáculo à santidade de Malchut e tenta sobrepujá-la.
Percebendo isso, o Profeta Samuel, quando vingou os judeus de Agag, rei de
Amalec, o "cortou" em quatro partes (1 Samuel 15:33).
A idéia é a mesma.
A santidade de Malchut foi libertada por meio do "corte" de Agag, que é análogo à
abertura do colo uterino.
O Reb Natan escreve que o parto difícil simboliza a batalha de Amalec contra a fé.
Malchut corresponde à fé, e seu desejo é "nascer" e despertar a fé no mundo.
É justamente a isso que Amalec se opõe.
Na época do Êxodo, Deus operou milagres impressionantes, suscitando a fé até
àqueles que estavam extremamente afastados Dele.
O exílio dos descendentes de Abrahão no Egito era comparável ao sofrimento de
uma mulher em trabalho de parto que tem dificuldade para dar à luz.
Com o Êxodo, a nação de Israel (fé) por fim nasceu, mas logo Amalec levantou a
cabeça, com a intenção de impedir que o "recém-nascido" sobrevivesse por muito
tempo. Portanto, a salvação final requer a extinção completa de Amalec, a
eliminação de todas as forma de ateísmo, para que as delatot (portas) possam ser
abertas, e o "recém-nascido" consiga crescer e alcançar a maturidade plena.

Mashíach ou Aborto?
O Talmud afirma:
"O Mashíach não pode vir antes que nasçam todas as almas que foram criadas."
E declara ainda: "Aquele que não procria é considerado como se tivesse cometido
assassinato!"
A razão dessa analogia extremamente severa é que o único propósito da existência
humana é revelar a Divindade.
Como o homem é criado à "imagem de Deus", toda criança que nasce aumenta a
revelação da Divindade no mundo.

1
Segue-se que aquele que não se reproduz diminui a revelação de Deus no mundo,
o que equivale ao assassinato.
Se a infecundidade é equiparada ao assassinato, o que se poderia dizer do aborto?
A alma humana, nascida ou não, é uma parte de Deus.
Conforme assinalamos, a gravidez é o início de um processo de revelação da
Divindade.
A tentativa de interromper uma gestação é também uma tentativa de diminuir a
presença de Deus neste mundo.
O aborto só é permitido quando necessário para salvar a vida da mãe, que já é, em
si mesma, uma revelação da Divindade.
(Quando a existência do feto põe em perigo a vida da mãe, não há dúvida de que é
a vida do nascituro que deve ser interrompida.)
Abrahão e Sara foram os primeiros a revelar, de forma apropriada e completa, o
Reinado de Deus neste mundo.
Abrahão era o modelo de Chéssed, que se manifesta na sefirá de lessod.
O nome Sara tem a mesma raiz de “sevará” (autoridade, poder).
Assim, Sara personifica Malchut.
A confluência de lessod com Malchut revela a Divindade no mundo.
Porém, Abrahão e Sara eram estéreis.
Depois de muita oração (que também é uma manifestação de Malchut), eles
conseguiram ter filhos.
Ismael, Isaac, Jacob e Esaú são considerados seus descendentes.
(Abrahão gerou Ismael depois que Sara lhe deu sua serva Hagar por mulher.
Assim, Ismael é considerado filho do "casal". Jacob e Esaú eram os filhos de Isaac.)
Na Hagadá de Pêssach, falamos de quatro tipos de filho: o sábio, o mau, o simples
e o que não sabe perguntar.
O Rebe Nachman ensina que esses "quatro filhos" correspondem aos descendentes
de Abrahão e Sara.
Isaac representa o sábio; Esaú, o mau; Jacob, o simples (ver Cênesis 25:27); e
Ismael, o que não sabe perguntar (a Bíblia não registra nenhuma fala de Ismael).
Os quatro — inclusive o mau — são equivalentes a dalet (cujo valor numérico é 4),
a manifestação de Malchut, porque os filhos, independentemente de como venham
a ser — nos melhores e nos piores casos — contribuem de alguma maneira para a
retificação de Malchut.
Como já mencionamos, o filho muitas vezes redime seus pais e antepassados.
Porém, há situações em que é o filho que precisa de redenção — nem mesmo os
Patriarcas e as Matriarcas só tiveram filhos perfeitos.
Sobre esses dois tipos de descendência, o Rebe Nachman observou:
"Bons filhos são o melhor remédio para seus progenitores".
A respeito dos filhos que se desviam do caminho correto, o Rebe Nachman afirmou:
"A pessoa deve rezar para ter muitos filhos, mesmo sem saber como eles virão a
ser. Por fim o Mashíach virá, retificará o mundo inteiro e o restituirá ao estado
espiritual em que se encontrava no dia da criação de Adão e Eva!"

E Pluribus Unum

Shemá Israel! [Escuta, Israel!] O Eterno é nosso Deus, o Eterno é Um!


Deuteronômio 6:4

O ser humano foi criado com a finalidade de "frutificar e multiplicar-se" e assim


gerar novas revelações da Divindade incessantemente, como explicamos
anteriormente.
Porém, por que ele deve ser tão fecundo?
Não seria suficiente se cada casal tivesse apenas dois filhos, de modo que a
população mundial se mantivesse constante?
Por que é necessário ter mais filhos ou constituir uma família muito numerosa?

2
O Talmud ensina: "Quem não povoa o mundo é considerado como se tivesse
diminuído a imagem Divina nele."
Isso ocorre porque toda criança nasce com uma mente própria.
Ela traz ao mundo um intelecto singular que nunca existiu antes aqui.
(É por isso que os filhos nem sempre escutam os país — a mente de cada um é
absolutamente individual.)
Todo novo intelecto é capaz de reconhecer Deus e refletir Sua grandeza de uma
maneira específica.
Portanto, o Rebe Nachman ensina que "uma elevação da taxa de natalidade
revelará mais da honra de Deus".
As pessoas que têm um estilo de vida materialista tendem a ver os filhos como
pouco mais que um aumento no número de membros da família e um peso
adicional no orçamento doméstico.
Em alguns lares, as crianças são de todo indesejadas — elas representam um
estorvo para os pais. Outros casais acham bom ter filhos e, depois de um
"acréscimo" ou dois, generosamente reservam algum "tempo de qualidade" para
eles, dedicando-lhes algumas horas da semana — sem perguntar se as crianças
estariam interessadas em passar justamente essas horas com os pais.
As famílias mais voltadas à espiritualidade também têm necessidades materiais que
precisam ser atendidas, mas seus objetivos são totalmente diferentes, muito mais
significativos e duradouros.
Basta observar uma dessas famílias para perceber o calor, o respeito e a
proximidade que existem entre as pessoas.
Isso não quer dizer que eles sejam anjos, nem que não haja conflitos, mas
simplesmente que sua visão de mundo é mais ampla e que é possível suprir à
família — com largueza espiritual.
Essa idéia está implícita no Nome Sagrado de Deus associado com lessod - Shadai -
que é uma combinação das palavras "iesh dai - há o bastante!".
As pessoas que têm uma vida espiritual acabam encontrando os recursos
necessários para sustentar suas famílias numerosas, que engrandecem a honra e a
glória de Deus.

É maravilhoso que cada indivíduo, de sua perspectiva própria, chegue a um


reconhecimento pessoal de Deus.
Porém, quando percebem que todos estão adorando o Deus Único, as pessoas
descobrem um conceito ainda mais belo.
O Rebe Nachman ensinou:
Cada indivíduo compreende a vida de uma maneira distinta.
Não há duas pessoas idênticas.
É por isso que Deus fica muito satisfeito quando, de uma variedade de opiniões
proferidas a respeito de uma questão de halachá, uma delas é aceita pela maioria.
Que muitos concordem com uma idéia é algo muito precioso aos olhos de Deus.

Não existem duas pessoas iguais.


Nunca houve, na história da humanidade, dois sujeitos idênticos em todos os
detalhes - e jamais haverá.
As pessoas podem ser parecidas, mas não exatamente iguais.
Assim, cada um tem sua própria concepção de Deus - cada um O vê de um ponto
de vista diferente.
Quando recitamos o Shemá, nossa profissão de fé, reconhecemos, de nossas
diversas perspectivas, uma verdade universal: Deus é Um.
Esse conceito é extremamente significativo.
Embora cada indivíduo possua uma visão diferente, todos podem concordar em
"Uma" coisa.
É esse estado perfeito de harmonia, de "pluralismo fundamentado na Unidade mais
elevada", que possibilita que as pessoas superem suas diferenças e alcancem a paz
verdadeira.

3
O Reb Natan escreve que aí reside a importância da mitsvá de ter o maior número
possível de filhos.
O ato de trazer mais e mais pessoas ao mundo, cada uma com uma mente própria,
com uma visão distinta de Deus, porém servindo ao Deus Único da melhor maneira
que pode, produz uma revelação extremamente poderosa da glória de Deus.
Como será bonito, quando o Mashíach vier, ver tantas pessoas diferentes com um
objetivo comum!
Nessa época, reinará a paz verdadeira.
O Rebe Nachman ensinou:
O Sêfer letsirá (4:12) nos diz que com duas pedras se constroem duas casas, com
três pedras, seis casas, e com quatro pedras, 24 casas...
Ou seja, com duas "pedras", A e B, podem ser feitas duas combinações (AB e BA);
com três "pedras", A, B e C, seis combinações; com quatro "pedras", A, B, C e D,
24 combinações, e assim por diante.
Cada pedra adicional aumenta o resultado exponencialmente.
As "pedras" mencionadas acima representam almas (conforme Lamentações 4:1).
Dessa maneira, um simples quorum de 10 pessoas produz 3.628.800 combinações!
Imagine o aumento do número de combinações com cada "pedra" — cada alma —
que é acrescentada à população.
Pense no número de combinações que são criadas por 100 pessoas... 1.000
pessoas... 2.500 pessoas... ou mais.
A quantidade de possibilidades é surpreendente!
O Rebe Nachman explica que cada uma dessas "pedras" — almas — é incorporada
ao "edifício" da santidade.
Cada indivíduo, tornando-se parte dessa "edificação", aumenta a "comunidade
mundial" da santidade.
Daí resulta a importância vital da geração de filhos.
Quanto mais filhos a pessoa tiver, mais ela ampliará a estrutura da santidade no
mundo.

Paz na Terra

O Rabi Eleazar disse em nome do Rabi Chanina:


Os eruditos trazem paz ao mundo, conforme foi dito (Isaías 54:13): "Todos os teus
filhos [banáich] serão instruídos sobre Deus; e grande será a paz dos teus filhos."
Não leiam banáich [teus filhos], mas bonáich [teus construtores].
(Berachot 64a)

O Rabino loshiáhu Pinto comenta essa passagem:


Os que buscam a espiritualidade por meio do estudo da Torá participam da
construção de alicerces sólidos para o mundo (assim como as crianças são os
alicerces do mundo).
Conforme está escrito, "Não há paz para os malévolos" (Isaías 48:22); somente os
que procuram o espiritual conseguem obter harmonia.
Além disso, os eruditos, que estudam e ensinam, levam paz às pessoas que
estavam afastadas da espiritualidade e, de forma ainda mais direta, àqueles que os
apoiam.
Isso pode ser deduzido da repetição da palavra banáich no trecho citado:
"'Todos os teus filhos serão instruídos sobre Deus; e grande será a paz dos teus
filhos.' Não leiam banáich, mas bonáich."
As palavras “banáich” e “bonáich” se relacionam com Bina (entendimento).
Os que se dedicam à busca do entendimento da espiritualidade são os verdadeiros
construtores do mundo.
Eles transmitem o conhecimento de Deus para todos, enchendo a terra de paz e
harmonia.

Continua

4
Anatomia da Alma – Parte Final

Vida e Morte

"E Era Muito Bom"


A vida que conhecemos se inicia com a concepção e termina com a morte.
Entre esses dois eventos desenrolam-se a primeira e a segunda infância, a
puberdade, a adolescência, a juventude, a meia-idade e, se merecermos, a velhice.
Sobre a vida, o Rei Salomão escreveu (Eclesiastes 1:2): "Futilidade das futilidades -
diz Cohélet. Futilidade das futilidades, tudo é futilidade!"
Os sábios explicam que, se cada uso da palavra "futilidade" no singular valer um, e
cada uso no plural ("futilidades") valer dois, esse versículo contém no total sete
"futilidades"!
O Midrash pergunta:
"Por que sete vezes futilidade?
Elas correspondem às sete fases da vida do ser humano."

O Midrash ilustra essas fases:


- O bebê é como um rei. Ele é colocado numa "carruagem" real, e todos o abraçam
e beijam.
- Durante a infância, ele é comparado a um porco, porque está sempre se sujando.
- Quando chega à puberdade, ele se assemelha a um cabrito saltitante.
- Na adolescência, adora exibir sua bravura e vangloriar-se, como um garanhão.
- Ao atingir a juventude, quando assume a responsabilidade do casamento e tem
de ganhar o sustento, ele é comparado a uma mula.
- Na meia-idade, ele casa os filhos e parece um cão atrevido, pois precisa buscar
com audácia os meios para fazê-lo.
- Finalmente, na velhice, quando só pode "imitar" o que os jovens fazem, ele é
semelhante a um macaco.

O Midrash acrescenta que o Rei Salomão, o mais sábio dos homens, empregou o
termo “hevel” (futilidade; névoa ou vapor) para nos ensinar que a vida passa muito
rapidamente, sem nenhum benefício para o indivíduo.
A vida é a "névoa das névoas" — ela logo desaparece, dissipa-se sem que você
perceba.
Embora esse não seja um resumo muito animador da breve existência do ser
humano, ele é bastante exato.
Como se pode escapar desse ciclo infeliz?
Quando faz essa afirmação, o Rei Salomão com certeza se refere a uma vida
materialista, pois ele assim prossegue (Eclesiastes 1:3): "Que proveito traz toda a
labuta do homem sob o sol?"
O Midrash comenta: "Nenhum proveito — sob o sol. Porém, e acima do sol? Isso
tem valor!"
O que está "acima do sol"?
O que se encontra acima do mundo material?
A espiritualidade.
A pessoa que deseja uma vida materialista facilmente reconhecerá a si mesma ou a
seus entes queridos nas etapas enumeradas acima.
Por outro lado, quem tenta viver uma vida espiritual — no nível que lhe seja
possível — se verá "acima" dessas descrições.
As aspirações espirituais aliviam a opressão da vida cotidiana e são acompanhadas
de recompensas que estão fora do âmbito dos "benefícios" oferecidos pela vida
material.

Certa vez, quando conversava com seus discípulos a respeito da existência, O Rebe
Nachman observou:
"O que importa não é quanto tempo a pessoa vive, e sim como ela vive."
O Rebe, que só viveu 38 anos, referia-se ao grau de espiritualidade que se pode
alcançar durante a vida.
O Reb Natan escreve repetidas vezes no Licutê Halachot que a espiritualidade é,
com absoluta certeza, acessível para todos, até mesmo para os que estão muito
afastados de Deus.
De fato, quanto mais o indivíduo se tiver "afundado" no materialismo, maior será a
revelação da glória Divina quando ele se voltar para Deus.
Jetró era um sumo sacerdote da idolatria.
Quando ele chegou ao acampamento israelita e disse "Agora sei que Deus está
acima de todos os deuses" (Êxodo 18:11), a glória de Deus foi exaltada em todos
os mundos — neste mundo e em todos os universos celestiais.
Jetró mergulhara na idolatria.
Como idólatra, ele estava no nível espiritual mais baixo, e, no entanto, seu
reconhecimento de Deus causou uma enorme revelação da glória Divina — uma
revelação que penetrou a escuridão de sua vida pregressa!
Todos são capazes de produzir tal revelação.
A pessoa só deve tomar cuidado para não tentar fazer o que está além de suas
possibilidades.

Vimos ao longo deste estudo que, em todos os aspectos da vida, estamos a um


pequeno passo da espiritualidade.
Deus criou o ser humano com uma forma capaz de refletir e irradiar o Divino
imediatamente — a qualquer momento, em qualquer lugar — se ele assim desejar.
O Reb Natan disse certa vez:
"Se a pessoa não consegue cumprir uma mitsvá inteira, ela não deveria então
cumprir meia mitsvá?"
Toda boa ação — ainda que incompleta, desde que praticada com uma intenção
sincera — cria um anjo que atua como um defensor diante do tribunal celestial no
dia do juízo!.

O Dia do Juízo

É de 70 anos a extensão de nossas vidas, ou, para os mais fortes, 80 anos.


A maioria deles é conturbada, e então eles são cortados...
Salmos 90:10

À medida que a pessoa envelhece, a morte se torna mais iminente, mas ela pode
acontecer em qualquer idade — na meia-idade, na juventude, na infância ou até
pouco depois do nascimento.
O momento da morte é o dia do juízo do indivíduo, no qual suas ações, boas e más,
são examinadas.
O Zôhar ensina que esse dia é composto de sete julgamentos:
- A morte em si.
- O relato das ações, boas ou más, da pessoa.
- O sepultamento.
- O julgamento da sepultura.
- A decomposição do corpo.
- O Guehinom.
- O intervalo antes da completa purificação da alma.

O Ari afirma que esses julgamentos não têm a finalidade de punir, e sim de
purificar a pessoa do pecado.
Assim, o Guehinom — e a reencarnação, quando decretada — são meios de
purgação dos pecados.
A morte também é parte integrante desse processo de limpeza.
O método de cálculo que Deus utiliza quando faz o balanço final de nossas ações
está muito além do entendimento humano.
Com Sua ilimitada misericórdia, Ele lança na coluna de créditos todas as
circunstâncias atenuantes — a educação, o ambiente, a comunidade, recursos
financeiros e assim por diante.
Ainda assim, o julgamento é real, e nós somos considerados plenamente
responsáveis.
A principal pergunta a que devemos responder é: Eu me esforcei o suficiente?
O Reb Natan escreve que o mais importante advogado de defesa no dia do juízo é o
"fator vontade", quanto a pessoa quis a espiritualidade.
Se a vontade tiver sido forte ao longo de toda a vida, ainda que tenhamos sido
negligentes, nosso crédito será muito maior.
Isso não significa que um empenho pouco enérgico seja suficiente.
"Eu simplesmente não consegui" não é uma desculpa aceitável.
O "fator vontade" do Reb Natan requer que se faça o máximo esforço possível.
E se nossos esforços não forem bem-sucedidos, o que podemos fazer?
Tentar mais uma vez, e outra, e outra ainda.
Como o Rebe Nachman costumava dizer: "Guevalt! Nunca desista!"

Recompensa e Castigo
E Deus viu que era tov meod, muito bom...
Gênesis 1:31

Em cada dia da primeira semana da criação, Deus gerou um aspecto específico do


mundo.
Todos os dias, após inspecionar Sua obra, Ele dizia: "Isto é bom".
No sexto dia, depois de ter criado o mundo inteiro, inclusive o homem, "Deus viu
tudo o que fez, e eis que era muito bom".
O Midrash indaga:
"Por que Deus acrescentou a palavra 'muito' no sexto dia — 'muito' bom?"
Várias opiniões são apresentadas:
"Muito bom' — isso se refere à morte!";
"Muito bom' — isso se refere à beneficência e à compaixão para com os outros!";
"Tov meod, 'muito bom' — isso se refere a Adão!".

Já afirmamos em diferentes contextos que o homem deve lutar do começo ao fim


da vida.
Se você perguntar a qualquer pessoa razoável "Aonde conduz a vida?", a resposta
mais provável será: "À sepultura!"
Sendo assim, qual é o valor da vida?
A existência física é necessariamente limitada.
Alguns têm a sorte de viver o bastante para colher pelo menos alguns benefícios,
mas não há quem não tenha de enfrentar adversidades na vida.
O que se ganha em troca?
O indivíduo que busca a espiritualidade sabe que a vida não termina com a morte.
Além disso, apesar de ainda estar limitado pelo corpo físico neste mundo, ele já
pode experimentar a existência espiritual elevada que o espera.
A Mishná ensina (Avot 4:21): "Este mundo é comparado à antecâmara do palácio
[o mundo vindouro]. Prepare-se na antecâmara, para poder entrar no palácio!"

Porém, este mundo é mais do que uma preparação para o mundo vindouro.
Uma pessoa sensível e inteligente perceberá que, assim que entra na antecâmara,
ela já se encontra dentro do palácio.
Se vivermos com essa idéia em mente, nossa consciência nos elevará, e seremos
impelidos a agir em conformidade com ela, fazendo esforços bem calculados e
meticulosos para nos aperfeiçoarmos enquanto é possível.
Talvez as verdadeiras alegrias e comodidades do palácio estejam atualmente fora
de nosso alcance. Entretanto, não estamos tão longe delas e podemos sempre
lembrá-las.
Assim como a perspectiva de um casamento marcado alegra o coração, a
expectativa das alegrias do mundo vindouro também pode nos fazer vislumbrá-las
e até mesmo senti-las antes de as termos de fato alcançado.
Para chegar ao mundo vindouro, é necessário passar pela entrada do palácio.
Essa "entrada" é o processo da morte.
Ainda que a idéia de morrer possa ser aterrorizante, para uma pessoa mediana
essa passagem é, na realidade, "muito boa" e importante.

Se a história se tivesse desenrolado de maneira diferente, se Adão não tivesse


pecado, o ser humano viveria eternamente.
Ele foi criado com um corpo espiritual que deveria ser perpétuo.
No entanto, isso não aconteceu, porque o homem não passou no teste e desceu ao
materialismo — uma condição que não pode durar para sempre.
Mas o sofrimento e a morte são benéficos para o ser humano, porque a maior parte
do processo de purificação da pessoa que tenta viver uma vida espiritual ocorre
enquanto ela ainda está viva, e a morte se torna assim a etapa final da retificação.
Depois da morte, o corpo se decompõe, e todos os prazeres físicos com os quais
nos deleitávamos são abolidos.
Porém, quando a época da ressurreição finalmente chegar, nós que sofremos
"renasceremos".
O corpo físico será recriado em estado material - mas também espiritual.
Então viveremos para sempre, como Deus originalmente pretendia que a
humanidade vivesse.
É esse o significado dos ensinamentos do Midrash citados acima:
"Muito bom' - isso se refere à morte!"; "Muito bom' - isso se refere à beneficência e
à compaixão para com os outros!"; "Tov meod, 'muito bom' - isso se refere a
Adão!"
A morte é algo muito bom porque pode livrar o ser humano de todas as impurezas.
Muito bom representa a beneficência, porque a prática de tais atos nos leva ao
mundo vindouro.
Finalmente, "Muito bom refere-se a Adão (Adam)!".
A palavra “meod” () tem as mesmas letras de Adam (), porque, por meio da
existência neste mundo que conhecemos, podemos tornar-nos Homem no sentido
mais elevado: um indivíduo inteiramente espiritual, o ápice da criação.

Que possamos todos ter o mérito de testemunhar a revelação de Deus, com a


reconstrução do Templo Sagrado, a reunião dos exilados e a vinda do Mashíach,
rapidamente em nossos dias, amém.

Por: Chaim Kramer


Esta história foi contada pelo Rebe Nachman numa noite de sábado, em 14 de
outubro de 1809.
O Rebe e seus discípulos discutiam as guerras napoleônicas, que então se
alastravam pelo continente europeu.
O Reb Naftali, um discípulo próximo do Rebe, disse que a carreira de Napoleão era
surpreendente porque, apesar de não ter nascido na realeza, ele chegara à posição
elevada de imperador.
De modo bastante significativo, no mesmo dia em que este conto foi relatado, era
assinado o Tratado de Schonbrunn, que concedia a Napoleão o controle da porção
austríaca da Polônia.
O Rebe Nachman afirmou:
"Quem sabe que tipo de alma ele possui?
É possível que ela tenha sido trocada.
Há uma câmara de trocas onde almas às vezes são trocadas."

A história, de acordo com a interpretação do Reb Natan no Licutê Halachot,


constitui a base da descrição do corpo e da alma de nosso estudo (Anatomia da
Alma) que concluímos ontem.
Apresentamos a seguir o conto na íntegra.

O Filho do Rei e o Filho da Criada

Era uma vez um rei que mantinha em seu palácio uma criada para servir à rainha.
Ela não era uma simples serviçal, que não poderia aproximar-se do rei, mas sim
uma dama de companhia.
Na mesma hora em que a rainha deu à luz, essa criada também teve um filho.
Nasceram dois meninos, e a parteira trocou os bebês, para ver o que aconteceria e
como a situação se desenrolaria.
Ela trocou os recém-nascidos, colocando o filho do rei ao lado da criada e o filho da
criada ao lado da rainha.
Os dois meninos começaram a crescer.
O suposto filho do rei tinha cada vez mais prestígio e progredia continuamente, até
que se tornou muito talentoso.
O suposto filho da criada, que na realidade era o filho legítimo do rei, cresceu na
casa da serva.
Os dois estudavam juntos na mesma escola.
O verdadeiro filho do rei era chamado de "filho da criada", porém, por natureza,
sentia-se atraído pelos hábitos da realeza, apesar de ter sido educado na casa da
criada.
Por outro lado, o filho da criada, que era conhecido como "filho do rei", por
natureza inclinava-se para uma conduta diferente, não para os modos da realeza.
Contudo, como cresceu no palácio real, ele aprendeu as maneiras da corte e sabia
comportar-se em conformidade com elas.
A parteira não conseguiu guardar o segredo e contou a alguém que trocara os
meninos.
Assim, como um amigo sempre tem outro amigo de confiança, e este, por sua vez,
tem mais um, da maneira habitual o segredo foi sendo revelado, até que todos só
falavam da troca do filho do rei.
É claro que as pessoas não conversavam abertamente sobre isso, pois não era
desejável que o rei tomasse conhecimento do ocorrido.
Não havia jeito.
O monarca poderia não acreditar no boato, já que a notícia talvez fosse falsa.
Ademais, como ele poderia destrocar os meninos?
Não, os rumores não podiam ser comunicados ao rei.
No entanto, as pessoas sussurravam à vontade sobre o assunto entre si.
Um dia, alguém revelou o segredo ao falso filho do rei, contando-lhe que o povo
andava dizendo que ele e o filho da criada haviam sido trocados quando nasceram.
"Porém", acrescentou o informante, "você não pode investigar o caso, pois isso
estaria abaixo de sua dignidade. Além disso, realmente não há maneira de
averiguar a verdade. Só lhe estou contando o fato porque algum dia é possível que
haja uma rebelião contra o rei, e a posição dos rebeldes talvez seja fortalecida se
eles puderem alegar que querem conduzir ao trono o verdadeiro filho do rei. Refiro-
me àquele que dizem ser, segundo os rumores, o filho do rei. Portanto, você deve
conceber um plano para liquidá-lo".
O falso filho do rei começou a perseguir o pai do outro rapaz, que na realidade era
seu próprio pai.
Ele estava sempre buscando maneiras de prejudicá-lo, e causava-lhe sucessivos
danos, tentado forçá-lo a fugir do reino levando o filho.
Enquanto o rei estava vivo, o filho não tinha muito poder, mas ainda assim ele
conseguia atormentar o servo.
Algum tempo depois, o rei envelheceu e morreu, e o filho da criada herdou o reino.
Ele passou a infernizar ainda mais a vida do pai do outro rapaz, oprimindo-o
constantemente.
Ele agia com esperteza, para que não descobrissem quem era o autor daqueles
atos cruéis, pois não seria conveniente que as massas tomassem conhecimento do
que ele fazia.
No entanto, de modo sorrateiro, ele maltratava o pai com obstinação.
O pai do verdadeiro príncipe compreendeu que o novo rei o perseguia por causa
dos boatos. Ele contou a história inteira a seu "filho", que na realidade era o filho
legítimo do rei, e disse: "Qualquer que seja a verdade, tenho muita pena de você.
Se você for meu filho, com certeza eu tenho dó de você. Se você de fato for o filho
do rei, minha piedade é ainda maior. Ele quer destruí-lo completamente, Deus nos
livre! Você tem de ir para muito longe daqui."
O jovem ficou muito abalado.
Porém, como o rei continuasse a afligi-lo incessantemente, ele decidiu partir.
Seu pai lhe deu uma quantia considerável, e ele se pôs a caminho.
O filho legítimo do rei sentia-se muito perturbado por ter sido exilado sem motivo.
Ele refletiu sobre a situação e tentou entender por que estava sendo banido.
"Se sou mesmo o filho do rei, com certeza não mereço ser tratado assim; e se não
sou filho do rei, também não mereço ser forçado a fugir sem razão. O que fiz de
errado?"
Ele estava muito amargurado e começou a beber e freqüentar bordéis.
Decidiu passar a vida a embebedar-se e a perseguir os desejos de seu coração, já
que fora expatriado sem motivo.
Nesse ínterim, o novo rei governava com mão de ferro.
Sempre que ouvia pessoas espalhando boatos da troca, punia-as com severidade.
Ele reinava com rigor e arrogância.

Um dia, o rei e seus ministros saíram para caçar.


Chegando a um local aprazível, onde corria um rio, pararam para descansar e
espairecer.
O rei se deitou e começou a pensar no filho da criada que ele expulsara sem
nenhuma razão.
Qualquer que fosse a verdade, não agira com justiça.
Se o outro de fato fosse o príncipe, ele não só perdera sua posição por causa da
troca como ainda fora banido sem motivo.
Por outro lado, se ele não fosse o filho do rei, certamente não merecia ser exilado,
pois não fizera nada de errado.
O rei refletiu e arrependeu-se de seu pecado e da grande injustiça que cometera,
mas não sabia o que fazer ou que conselho seguir, e também não podia conversar
com ninguém sobre o problema.
Ele ficou muito preocupado e deprimido.
Ordenou aos ministros que voltassem para casa, pois estava extremamente
angustiado e não tinha vontade de praticar esporte.
O grupo inteiro retornou.
De volta ao palácio, o rei, evidentemente, tinha muitos outros interesses e
inquietações.
Ele se ocupou de seus negócios e logo esqueceu o assunto.

Entrementes, o filho exilado continuava a agir da mesma maneira, esbanjando seu


dinheiro.
Um dia, ele saiu para passear sozinho e no caminho se deitou para descansar.
Ele começou a pensar no que lhe acontecera: O que Deus me fez? Se eu sou o filho
do rei, com certeza isso não está certo. E se não sou o filho do rei, mesmo assim
não mereço ser fugitivo e exilado. Então ele passou a analisar a questão sob uma
luz diferente. "Por outro lado, se é assim, se Deus pode fazer tal coisa, trocar o
filho de um rei e causar-lhe todas essas tribulações, será que o meu
comportamento faz sentido? Será que é correto eu agir dessa maneira?"
Ele se lastimou e arrependeu-se profundamente das más ações que praticara; mas
logo foi para casa e de novo se embebedou.
Porém, como já principiara a ter sentimentos de remorso e arrependimento,
aqueles pensamentos voltavam constantemente a atormentá-lo.
Uma noite ele foi dormir e sonhou que haveria uma feira num certo dia e lugar à
qual ele tinha de comparecer.
Lá ele deveria aceitar o primeiro trabalho que lhe oferecessem, mesmo que o
considerasse abaixo de sua dignidade.
Quando ele acordou, tinha o sonho firmemente gravado em sua mente.
Às vezes, idéias desse tipo logo são esquecidas, mas esse sonho não lhe saía da
memória.
No entanto, como achasse que seria muito difícil realizá-lo, ele simplesmente se
embriagou ainda mais.
O sonho se repetiu várias vezes e sempre o deixava muito perturbado.
Certa noite, disseram-lhe no sonho: "Tenha dó de si mesmo e faça o que lhe foi
ordenado."
Então ele percebeu que tinha de obedecer ao sonho.
Ele entregou ao estalajadeiro todo o dinheiro que lhe restava e suas roupas finas, e
foi para a feira vestindo trajes simples de mascate.
Chegou ao local e se levantou cedo para ir à feira, onde encontrou um comerciante
que lhe perguntou: "Você gostaria de ser contratado para um serviço?" "Sim",
respondeu ele. "Estou conduzindo um rebanho", disse o comerciante. "Trabalhe
para mim." Por causa do sonho, ele não parou para pensar no assunto e concordou
imediatamente: "Sim."
O comerciante o empregou e logo lhe deu o que fazer, mandando-o de lá para cá,
como um senhor que dá ordens a seus servos.
O jovem começou a avaliar sua situação.
Aquele tipo de servidão com certeza não era condizente com a sua posição social,
pois ele era uma pessoa delicada e agora teria de conduzir rebanhos, andando a pé
ao lado dos animais.
Ainda assim, não conseguia mudar de idéia.
O comerciante continuava a dar-lhe ordens como um senhor.
O jovem perguntou-lhe: "Como poderei conduzir os animais sozinho?"
"Tenho outros tropeiros para meu gado", respondeu o mercador. "Você poderá
trabalhar ao lado deles."
Isso posto, o comerciante deu-lhe um rebanho para conduzir.
Ele o levou para fora da cidade, onde os tropeiros estavam reunidos, e todos
partiram juntos.
O jovem tangia o gado, e o mercador seguia ao lado a cavalo, tratando o animal
com crueldade, fúria e arrogância, e sendo particularmente perverso com o rapaz.
Ao ver a maldade do comerciante, o jovem ficou muito assustado, temendo que ele
o golpeasse com seu bastão.
Ele era tão delicado que uma pancada assim com certeza o mataria.
Desse modo ele conduzia o rebanho com o mercador a acompanhá-los.
Por fim o grupo parou, e os tropeiros pegaram o saco de pão que o comerciante
lhes dera para comer. Ofereceram ao jovem um pedaço, e ele comeu.
Em seguida, passaram perto de uma densa floresta, onde as árvores se erguiam
muito próximas umas das outras.
Duas das vacas que o jovem conduzia se desgarraram.
O comerciante gritou-lhe e ele correu para apanhá-las, mas elas se afastaram ainda
mais, e o moço continuou a persegui-las.
A floresta era tão densa e cerrada que, assim que entrou, ele perdeu de vista os
companheiros. Quanto mais ele corria, mais as vacas se distanciavam. Ele
prosseguiu no encalço delas, até que se viu embrenhado na floresta.
Ele refletiu sobre a sua situação. Independentemente do que eu faça, morrerei.
Se eu voltar sem os animais, o mercador me matará. Ele temia tanto o mercador
que julgava que seria morto se regressasse sem as vacas.
Porém, se eu ficar aqui, serei morto pelos animais selvagens da floresta.
Por que haveria eu de retornar? Como poderia enfrentar o comerciante sem as
vacas?
Ele sentia um medo mortal de seu empregador.
O jovem continuou a perseguir as vacas, porém, quanto mais ele corria, mas elas
se afastavam. Nesse ínterim, anoiteceu. Ele jamais passara a noite metido numa
floresta como aquela. Ao ouvir os uivos dos animais selvagens, ele decidiu:
Treparei numa árvore e lá esperarei o dia clarear.
Durante toda a noite, ele escutou o rugido das feras. De manhã, o jovem notou que
suas vacas estavam paradas ali perto. Desceu da árvore e tentou apanhá-las, mas
elas fugiram novamente. Mais uma vez, ele corria atrás delas, e elas se afastavam
mais e mais. Quando as vacas encontravam um pouco de capim e paravam para
pastar, ele tentava pegá-las, mas elas disparavam e escapavam.
Incansavelmente, ele as perseguia, e elas fugiam, embrenhando-se cada vez mais
na floresta. Chegaram a um ponto tão longínquo no interior da floresta, tão
distante da civilização, que os animais selvagens já não tinham nenhum medo do
homem.
A noite caiu mais uma vez, e o jovem sentiu grande pavor quando ouviu o rugido
das feras. Então ele avistou uma árvore imensa e começou a subir nela. Chegando
ao topo, deparou com outra pessoa deitada ali e ficou muito assustado.
Porém, ao mesmo tempo, sentiu um certo alívio, pois encontrara outro ser
humano. Os dois começaram a fazer perguntas.
"Quem é você?", indagou o jovem. "Um ser humano. E quem é você?" "Um ser
humano." "Como veio parar aqui?" O moço não queria contar com pormenores tudo
que acontecera e então respondeu: "Por causa das vacas. Eu cuidava de um
rebanho, e dois animais se desgarraram. Foi assim que cheguei aqui." Em seguida,
ele perguntou ao desconhecido que encontrara na árvore: "E você, como veio parar
aqui?" "Cheguei aqui por causa de um cavalo", respondeu o outro. "Eu estava
cavalgando, e, quando parei para descansar, o cavalo correu para dentro da
floresta. Tentei apanhá-lo, mas ele se afastava cada vez mais, até que eu cheguei a
este lugar."
Os dois decidiram somar suas forças e não se separar.
Disseram que permaneceriam juntos mesmo quando voltassem à civilização.
Passaram a noite na árvore, ouvindo os uivos, urros e toda a barulheira dos
animais selvagens.
De manhã, o jovem escutou um riso muito alto, "Ah, ah, ah!", que ressoava.
A risada parecia propagar-se por toda a floresta.
Era uma gargalhada tão estrondosa que o som fazia as árvores tremular e oscilar.
O rapaz estava apavorado e aterrorizado com o barulho.
O desconhecido que ele encontrara na árvore lhe disse: "Não tenho mais medo
disso, porque já passei algumas noites aqui, e sempre antes do amanhecer escuto
esse ruído de uma forte risada que faz as árvores tremular e balançar."
O jovem ainda estava muito abalado e disse ao companheiro:
"Este lugar parece estar cheio de demônios. Não se escuta uma risada assim em
locais civilizados. Quem já ouviu uma gargalhada ressoar pelo mundo inteiro?"
Logo amanheceu, e eles viram seus animais parados ali perto, as vacas do jovem e
o cavalo do desconhecido, lado a lado. Os dois desceram e começaram a persegui-
los, um atrás das vacas, e o outro atrás do cavalo.
As vacas se distanciavam mais e mais, e o rapaz corria atrás delas como antes.
O outro também corria atrás do cavalo, que fugia para mais longe.
Por fim eles se separaram e ficaram muito afastados um do outro.
Em sua caçada pela floresta, o jovem achou um saco cheio de pão.
Uma mercadoria muito valiosa em regiões ermas.
Pôs o saco sobre o ombro e continuou a perseguir os animais.
De repente, deparou com mais um desconhecido. Inicialmente ele ficou muito
assustado, mas também sentiu algum alívio por ter encontrado outro ser humano.
"Como você veio parar aqui?", indagou o estranho. Ele lhe devolveu a pergunta:
"Como você veio parar aqui?" O estranho respondeu: "Eu, meus antepassados e os
antecessores deles fomos criados aqui. E você, como chegou? Nenhum homem da
civilização vem a este lugar."
O jovem ficou muito amedrontado. Ele compreendeu que o desconhecido não era
um ser humano, pois dissera que seus ancestrais haviam crescido ali, e que
nenhum homem de uma região civilizada jamais estivera lá.
Então, obviamente, ele não era um ser humano.
Contudo, o estranho da floresta nada fez para prejudicá-lo e se comportava de
maneira amigável. "O que você está fazendo aqui?", perguntou o homem da
floresta ao filho legítimo do rei. Ele respondeu que seguia o rastro de seus animais.
"Pare de perseguir seus pecados", disse o estranho. "Eles não são animais de modo
nenhum. São os seus pecados, e o estão atraindo. Agora, chega! Você já obteve o
castigo merecido, pode parar de persegui-los. Venha comigo, e você receberá o que
lhe cabe."
O verdadeiro filho do rei o acompanhou, mas teve medo de falar com ele ou fazer-
lhe perguntas. Ele percebeu que um ser inumano como aquele poderia abrir a boca
e engoli-lo.

Enquanto caminhava atrás do homem da floresta, ele encontrou seu companheiro


perseguindo o cavalo. Assim que o viu, o jovem sinalizou: Este estranho não é um
ser humano. Não lhe diga nada, nem trate com ele de jeito nenhum, pois ele não é
humano. Depois sussurrou tudo isso ao ouvido do colega e lhe disse como
descobrira. Seu colega, o homem do cavalo, viu o saco de pão sobre seu ombro e
pôs-se a suplicar: "Meu irmão, há dias não como! Dê-me um pouco de pão."
O jovem respondeu: "Neste local ermo, tais súplicas não valem nada. Tenho de
cuidar da minha própria vida primeiro; e preciso do pão para mim."
O outro continuou a implorar e rogar: "Eu lhe darei tudo que tenho."
Porém, o verdadeiro filho do rei percebeu que naquela selva nenhum presente ou
suborno valia tanto quanto o pão e replicou: "O que você poderia me dar cujo valor
se compare ao do pão numa selva?" "Eu lhe darei todo o meu ser", respondeu o
homem do cavalo. "Eu me venderei pelo pão!"
O homem do gado decidiu que seria vantajoso adquirir uma pessoa em troca de um
pouco de pão. Então ele comprou o outro como servo para o resto da vida, e este
lhe prometeu e jurou que seria seu escravo eternamente, mesmo quando
voltassem à civilização.
O filho do rei lhe daria o pão, ou melhor, eles comeriam juntos do saco até que o
pão acabasse.
Os dois acompanharam o homem da floresta.
O dono do cavalo, que agora era escravo do verdadeiro príncipe, seguia o tropeiro,
que caminhava atrás do homem da floresta.
A situação agora estava um pouco mais fácil para o filho do rei.
Quando precisava levantar algo, ou fazer qualquer outra coisa, ordenava ao
escravo que fizesse por ele. Os dois seguiram o homem da floresta até chegarem a
um lugar cheio de cobras e escorpiões. O filho do rei sentiu muito medo.
Apavorado, perguntou ao homem da floresta: "Como poderemos passar?"
"Se você acha isso difícil", respondeu o outro, "como poderá chegar a minha casa?"
Isso posto, ele apontou para sua casa, que estava suspensa no ar, e indagou:
"Como você poderá entrar em minha casa?"
Eles prosseguiram com o homem da floresta, que os guiou com segurança através
do local e depois os levou a sua casa.
Lá, ele lhes deu comida e bebida, e depois foi embora.
O verdadeiro filho do rei utilizava-se do servo para atender a todas as suas
necessidades.
Entretanto, o escravo se exasperava. Ele se vendera porque, na ocasião, precisara
de pão. Mas agora tinham muita comida.
Por uma necessidade momentânea de alimento, seria escravo pelo resto da vida.
Ele gemia e suspirava: Como cheguei a este estado — a ser um escravo?
O verdadeiro filho do rei, que era o seu senhor, perguntou-lhe:
"Que posição tão elevada você tinha antes, para se lamentar tanto de ter chegado
a este estado?"
O outro respondeu contando toda a sua história.
Ele tinha sido um rei, mas o povo espalhou um boato dizendo que ele fora trocado
quando nasceu.
Então ele exilou seu amigo. Um dia lhe ocorreu que sua atitude não fora correta, e
ele se arrependeu. Depois disso, sempre sentia remorso pelo ato cruel e pela
grande injustiça que cometera.
Uma noite ele sonhou que poderia reparar seu erro abdicando o trono e indo para
onde seus olhos o levassem. Isso seria uma expiação de seu pecado, mas ele não
quis fazê-lo. Porém, os sonhos continuaram a atormentá-lo e a insistir para que ele
se fosse, até que ele finalmente resolveu obedecer.
Renunciou ao trono e andou sem destino até chegar àquele lugar.
E agora se tornara um escravo.
O verdadeiro filho do rei ouviu em silêncio tudo que disse seu escravo recém
adquirido e pensou consigo mesmo: Verei o que acontece e depois decidirei como
lidar com ele. Naquela noite, o homem da floresta retornou.
Deu-lhes comida e bebida, e os três lá passaram a noite.
Pouco antes do amanhecer, ouviram a risada estrondosa que fazia todas as árvores
tremular e balançar. O escravo instou ao verdadeiro filho do rei que perguntasse ao
homem da floresta o que significava aquilo.
O filho do rei indagou ao homem da floresta: "O que é este som de risada
estrondosa que ouvimos todos os dias antes do alvorecer?"
Ele respondeu: "É o som do dia rindo da noite. A noite pergunta ao dia: 'Por que,
quando você chega, eu não tenho nome?' Então o dia dá esta risada muito forte, e
amanhece. Este é o significado do som da risada."
O filho do rei achou esse fato espantoso, pois é uma coisa extraordinária que o dia
ria da noite.
De manhã, o homem da floresta partiu novamente, e eles permaneceram lá,
comendo e bebendo. À noite ele voltou, e os três comeram, beberam e passaram
mais uma noite.
Naquela noite, ouviram os sons emitidos pelos animais selvagens.
Eles uivavam e rugiam com vozes diferentes. O leão urrava, o leopardo rosnava, e
as aves piavam e grasnavam com seus gritos característicos.
Todos faziam barulhos estridentes, e no início o jovem e seu escravo tremeram de
medo. Estavam tão apavorados que não conseguiam concentrar-se nos sons.
Porém, mais tarde, começaram a apurar a audição e puderam ouvir som de música,
uma melodia de beleza excepcional.
Escutaram com mais atenção e perceberam que se tratava de uma canção
extremamente deslumbrante, que despertava imensa alegria em quem a ouvia.
Todas as alegrias do mundo não eram nada — as outras alegrias tornavam-se
insignificantes — quando comparadas ao magnífico deleite de escutar essa canção.
Eles discutiram a situação e combinaram que permaneceriam ali.
Tinham comida e bebida suficientes e poderiam desfrutar daquele enlevo
maravilhoso, perto do qual todos os outros prazeres eram desprezíveis.
O escravo pediu com insistência a seu senhor, o verdadeiro filho do rei, que
perguntasse ao homem da floresta qual era o significado daquela canção, e ele
assim fez. O homem da floresta respondeu que a canção fora composta quando o
sol fez uma roupa para a lua.
Todos os animais da floresta haviam dito que a lua os ajuda muito, porque eles têm
hábitos noturnos. Às vezes eles têm de entrar numa área desabitada e não podem
fazê-lo de dia, então a noite é o período em que estão mais ativos.
Com seu brilho noturno, a lua lhes presta um grande favor.
Assim, os animais selvagens decidiram compor uma nova melodia em honra à lua.
"É esta melodia que vocês ouvem agora. Os animais e as aves estão cantando uma
nova canção para celebrar o fato de a lua ter ganhado uma roupa do sol."
Quando souberam que aquele som era uma melodia, eles a escutaram com mais
atenção ainda e perceberam que a canção era muito bela e maravilhosa.
O homem da floresta prosseguiu: "Por que vocês acham isso tão inusitado?
Eu tenho um instrumento que ganhei de meus antepassados, que o herdaram de
seus ancestrais. Sua caixa é feita de folhas e cores especiais.
Quando o instrumento é colocado sobre um animal ou uma ave, a criatura
imediatamente começa a cantar esta canção."
Nesse exato momento, a risada foi ouvida, e amanheceu.
O homem da floresta seguiu seu caminho, como antes.
O verdadeiro filho do rei pôs-se a buscar o instrumento.
Ele procurou pela sala inteira, mas não o encontrou e temeu ir mais longe.
O verdadeiro filho do rei e seu escravo tinham medo de pedir ao homem da floresta
que os levasse de volta à civilização.

Mais tarde, o homem da floresta retornou e comunicou que os reconduziria à


civilização.
Ele os levou a uma área desabitada e mostrou o magnífico instrumento ao filho do
rei, dizendo-lhe: "Eu lhe dou este instrumento." Em seguida, referindo-se ao filho
da criada, que se tornara rei e agora era escravo novamente, ele disse ao jovem:
"Logo você saberá como lidar com ele."
"Aonde iremos?", perguntaram.
O homem da floresta respondeu que eles deveriam informar-se e procurar um lugar
conhecido como "a terra dos tolos e o rei sábio."
"Em que direção devemos ir para começar a indagar sobre essa terra?",
perguntaram eles. O homem da floresta apontou-lhes a direção e disse ao
verdadeiro filho do rei: "Vá para lá, a esse país, e você alcançará sua grandeza."
Eles se puseram a caminho.
Queriam muito encontrar um animal, selvagem ou domesticado, para experimentar
o instrumento e verificar se ele produziria a magnífica canção, mas não acharam
nem um nem outro.
Depois chegaram a uma região mais povoada e avistaram um animal, sobre o qual
colocaram o instrumento. Ele logo começou a entoar a canção da floresta.
Continuaram viajando e encontraram o país que o homem da floresta descrevera.
Um muro o cercava, e só se podia entrar por um portão. Era necessário andar
algumas milhas à volta do muro para alcançá-lo. Eles caminharam circundando o
muro até que finalmente chegaram ao portão. Porém, os guardas não queriam
permitir que eles entrassem. O rei local tinha morrido, e seu filho subira ao trono.
Em seu testamento, o rei declarava que, embora o país fosse chamado "a terra dos
tolos e o rei sábio", após a sua morte ele passaria a ser denominado "a terra dos
sábios e o rei tolo". O homem que se comprometesse a recuperar o antigo nome —
"a terra dos tolos e o rei sábio" — e tivesse sucesso na empreitada se tornaria o
novo rei. Por isso não se permitia que ninguém entrasse no país, a menos que a
pessoa estivesse preparada para tal missão.
Não queriam que o filho do rei entrasse.
Perguntaram ao jovem: "Você poderia incumbir-se da tarefa de restaurar o nome
original da terra?"
Evidentemente, ele não tinha condições de fazê-lo.
Portanto, os dois não puderam entrar. O escravo insistiu com o filho do rei para que
voltassem para casa, mas este não desejava partir, já que o homem da floresta lhe
dissera para ir a essa terra, na qual ele obteria sua grandeza.
Nesse exato momento, chegou um homem a cavalo. Ele quis passar pelo portão,
mas os guardas não o deixaram entrar, pela mesma razão. Vendo o cavalo do
desconhecido ali parado, o verdadeiro filho do rei colocou sobre ele o instrumento,
e começou a soar a maravilhosa melodia da floresta.
O dono do cavalo implorou-lhe que vendesse o instrumento, mas ele não queria
vender. "O que você me poderia dar em troca de um instrumento tão fantástico?",
indagou o filho do rei. O cavaleiro respondeu: "De que lhe serve este instrumento?
Ele não tem utilidade efetiva. Na melhor das hipóteses, você poderia fazer com ele
uma apresentação musical e ganhar alguns centavos. Eu possuo conhecimento, que
é melhor do que seu instrumento. De meus antepassados, herdei conhecimento
para discernir uma coisa da outra. Quando alguém faz uma afirmação, com a
tradição que possuo, posso discernir uma coisa da outra. Nunca a revelei a
ninguém neste mundo. Porém, se você me der seu instrumento, eu lhe transmitirei
esse conhecimento."
O filho do rei decidiu que seria muito maravilhoso discernir uma coisa da outra.
Assim, ele deu o instrumento ao cavaleiro, e este lhe ensinou o método pelo qual
poderia discernir uma coisa da outra.

Munido dessa nova habilidade, o verdadeiro filho do rei dirigiu-se ao portão.


Ele entendeu que poderia tentar recuperar o nome original da terra, já que agora
discernia uma coisa da outra, embora ainda não soubesse como, nem com que
meios.
No entanto, discernindo uma coisa da outra, ele discerniu que isso seria possível.
Assim, decidiu que diria aos guardas que o deixassem entrar porque agora se
esforçaria para restaurar o nome original da terra. Afinal, o que ele tinha a perder?
Então ele pediu aos guardas do portão que lhe permitissem passar, dizendo-lhes
que tentaria recuperar o nome anterior da terra. Eles o deixaram entrar e
informaram aos ministros que havia sido encontrado um homem disposto a
empenhar-se para restaurar o nome original da terra.
Ele foi levado aos ministros, que lhe disseram: "Você deve compreender que não
somos tolos, Deus nos livre. Contudo, o falecido rei possuía uma sabedoria tão
extraordinária que, comparados a ele, éramos todos considerados tolos.
Por essa razão o país era chamado 'a terra dos tolos com o rei sábio'.
Quando o rei morreu, seu filho subiu ao trono. Ele também é sábio, porém,
comparado a nós, não é nem um pouco inteligente.
Portanto, o país agora leva o nome oposto, 'a terra dos sábios com o rei tolo'."
"O rei deixou um testamento dispondo que, quando for encontrado um sujeito
capaz de recuperar o nome original do reino, ele deverá ser rei. Ele também
ordenou que seu filho abdique em favor dessa pessoa tão sábia quando ela for
identificada, e lhe permita governar. Essa pessoa terá de possuir uma sabedoria tão
excepcional que, comparados a ela, todos os demais parecerão tolos.
Esse homem será rei, e então o nome do reino voltará a ser 'a terra dos tolos e o
rei sábio', já que, comparados a ele, todos os outros serão considerados tolos.
Agora você sabe no que está se envolvendo."
Os ministros prosseguiram: "Faremos um teste para verificar se você é tão sábio.
Há aqui um jardim que foi deixado pelo falecido rei, um homem extremamente
sábio. O jardim é uma grande maravilha. Instrumentos de metal de todos os tipos
crescem nele, instrumentos de prata e de ouro. É um prodígio admirável. Porém, é
impossível entrar no jardim. Qualquer um que entra logo começa a ser perseguido
e se põe a gritar. Ele não sabe quem o faz correr e não enxerga nada, mas é
acossado até ser expulso do local. Vejamos se você é sábio o suficiente para entrar
nesse jardim."
O filho do rei perguntou se quem entrava no jardim era espancado de alguma
maneira. Eles responderam: "Basicamente, o indivíduo é perseguido e não sabe
quem o persegue. Mas ele foge aterrorizado."
Era isso o que relatavam as pessoas que haviam entrado no jardim. O verdadeiro
filho do rei dirigiu-se ao jardim e viu que à sua volta havia um muro cujo portão
estava aberto. Não havia guardas, pois, obviamente, um jardim assim não precisa
ser vigiado. Ele se aproximou e avistou a estátua de um homem.
Olhando mais de perto, viu que havia uma placa acima da figura, na qual se lia que
aquele homem fora rei muitos séculos atrás e que durante seu reinado houve paz.
Antes e depois de seu reinado guerras tinham sido travadas, mas durante seu
reinado houve paz. Ele analisou situação.
Agora conseguia discernir uma coisa da outra, e entendeu que tudo dependia
daquele homem. A pessoa que entrasse no jardim e fosse perseguida não precisaria
fugir. Se ela ficasse ao lado desse homem, ele a salvaria.
Além disso, se a estátua fosse colocada dentro do jardim, em vez de apenas ficar
perto dele, qualquer um poderia entrar com segurança. O filho do rei pôde discernir
tudo isso, pois era capaz de discernir uma coisa da outra. O filho do rei entrou no
jardim.
Logo que começou a ser perseguido, ele caminhou até a estátua do homem, que
ficava fora do jardim, bem perto da saída, e postou-se ao lado dela. Assim ele
conseguiu escapar ileso, sem sofrer nenhum dano.
As pessoas que tinham entrado antes fugiam tão apavoradas quando eram
perseguidas que se machucavam. Contudo, o filho do rei saíra incólume e tranquilo,
porque se posicionara ao lado da estátua.
Os ministros ficaram perplexos ao vê-lo são e salvo.
Então o verdadeiro filho do rei ordenou que a estátua fosse colocada dentro do
jardim. Isso feito, todos os ministros puderam entrar. Eles entraram e saíram em
paz, sem sofrer nenhum tipo de lesão. Os ministros disseram: "Todavia, apesar de
termos visto tal façanha, você não merece receber o reinado por um feito apenas.
Nós o submeteremos a mais uma prova."
Eles explicaram:
"O falecido rei tinha um trono. O trono é muito alto, e ao lado dele se encontram
muitas espécies de animais e aves esculpidas em madeira. Há uma mesa perto da
cama, e sobre a mesa há uma lâmpada."
"Vários caminhos pavimentados e murados partem do trono. Esses caminhos se
estendem de todos os lados do trono, mas ninguém sabe que relação existe entre
eles e o trono."
"A uma certa distância, num desses caminhos, há um leão de ouro. Quando alguém
se aproxima, ele abre a boca para devorá-lo. Porém, o caminho vai muito além do
leão. O mesmo ocorre com os outros caminhos que saem do trono; eles são
praticamente iguais.
Em cada um deles há um tipo diferente de animal selvagem, um leopardo, por
exemplo, feito de outro metal. É impossível aproximar-se desse leopardo.
O caminho prossegue além do ponto em que está o animal.
Essa é a regra em todos os caminhos." "Os caminhos percorrem o país inteiro.
Ninguém entende a relação entre o trono com todos os seus detalhes e esses
caminhos. Este será o seu teste. Veja se consegue compreender o significado do
trono e de tudo que está associado a ele."
Quando lhe mostraram o trono, o filho do rei notou que ele era extremamente alto.
Aproximou-se para observá-lo melhor.
Contemplando-o, percebeu que ele era feito do mesmo tipo de madeira da caixa do
instrumento que lhe dera o homem da floresta.
Ele continuou a examinar e viu que faltava uma rosa no topo do trono.
Ele compreendeu que, se a rosa estivesse em seu devido lugar, o trono teria o
mesmo poder da caixa e produziria música sempre que fosse colocado sobre um
animal ou uma ave.
Olhando com mais atenção, reparou que a rosa, que desaparecera do topo do
trono, estava deitada na base do trono. Se ele a pegasse e a recolocasse no alto, o
trono teria o mesmo poder da caixa.
O falecido rei concebera cada detalhe com tamanha sabedoria que ninguém seria
capaz de compreender seu significado até que chegasse uma pessoa
excepcionalmente sábia para discernir a idéia.
Ela saberia reordenar e dispor corretamente todos os objetos relacionados com o
trono.
Então ele viu que o mesmo acontecia com a cama.
Ela teria de ser um pouco deslocada do lugar onde estava.
A mesa também precisaria ser um pouco afastada, e a posição da lâmpada, do
mesmo modo, teria de ser ajustada.
As aves e animais deveriam ser transferidos para locais diferentes.
Assim, uma ave seria removida de um lugar e posta em outro, e o mesmo seria
feito com todos os outros animais.
O rei encobrira tudo com inteligência, de maneira que só uma pessoa muito sábia
seria capaz de fazer a reorganização corretamente.
O mesmo princípio era válido para o leão que estava no caminho.
Ele teria de ser colocado em outro lugar, bem como os demais animais dos
caminhos.
O filho do rei deu instruções para que tudo fosse rearranjado adequadamente, e a
rosa fosse removida da base do trono e inserida no topo. Tudo foi disposto na
ordem certa. Os animais e as aves então começaram a cantar uma melodia muito
maravilhosa. O desempenho de cada um era perfeito. Como recompensa, o
verdadeiro filho do rei ganhou o reino. O verdadeiro filho do rei foi coroado e disse
ao filho da criada: "Agora compreendo que sou realmente o filho do rei, e você é
realmente o filho da criada."

Fim

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