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Cosmovisão Reformada
Rei e Pastor:
O Senhor na visão e vivência dos salmistas (5)
vontade.6 Negando a sabedoria de Deus é que conseguirei ser tão sábio quanto Ele.
Tem lógica isso? poderia alguém perguntar...
Mas, quem disse que a lógica tem compromisso com a verdade? Ela apenas
procura demonstrar friamente a decorrência de suas pressuposições. A sua “lógica”
é ser fiel aos seus pressupostos. É uma “relação de decorrência”; um encadeamento
de enunciados a partir de determinadas premissas conduzindo gradativamente a um
resultado.7 Portanto, o problema não está na lógica mas nos pressupostos que
adotamos. Creio que isso tem lógica.
Retornando: Temos aqui uma suspeita moral sobre a integridade do ser de Deus.
Ele – começam a inferir – não é tão santo, justo e bondoso como quer nos fazer crer
(Gn 3.1-5). Portanto, o caminho do crescimento, pensam Adão e Eva, é o da
desobediência. Isso consumado, instalou-se o caos na sua vida, em suas relações e
na criação. (Gn 3.7-24). A paz da criação estabelecida por Deus foi quebrada ali, 8
ainda que antes, já estivera trincada no coração do homem e da mulher.
As Escrituras nos mostram com insistência, que é Deus mesmo quem nos instrui
(Sl 32.8-9).9 No entanto, curiosamente, nossos primeiros Pais que tinham a
presença contínua de Deus com eles, rejeitaram a instrução divina, preferindo a
sabedoria que supostamente viria da árvore no Jardim do Éden.
Narra Moisés: “Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável
aos olhos e árvore desejável para dar entendimento (( )ׂשכלśâkal), tomou-lhe do fruto
e comeu e deu também ao marido, e ele comeu” (Gn 3.6). Eles desejavam o
sucesso por seus próprios meios, mas, conheceram o fracasso por serem guiados
simplesmente por suas sensações em oposição à ordem divina.
O entendimento proposto por Deus nunca pode começar por um ato de falta de
entendimento que se concretize em desobediência à sua Palavra. Antes, deve
começar pela obediência aos seus preceitos e, ele amadurece no processo de
aprendizado da obediência. A obediência à verdade é purificadora (1Pe 1.22).
6
Devo parcialmente essa observação ao meu grande amigo, Rev. Ricardo Rios que, em correspondência
privada (08.06.18), disse: “A minha tese é que o ateísmo é uma resposta aos ditames de Deus. Como eu não
posso seguir suas ordenanças, eu nego que elas existam. A autonomia é uma deificação humana”.
7
Veja-se: Ricardo Santos, Lógica: In: Pedro Galvão, org., Filosofia: uma introdução por disciplinas, Lisboa,
Edições 70, 2013, [p. 7-43], p. 7.
8
Cf. P. Tripp, Admiração, São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 22.
9
“Instruir-te-ei (( )ׂשכלśâkal) e te ensinarei o caminho que deves seguir; e, sob as minhas vistas, te darei
conselho” (Sl 32.8). A palavra aqui traduzida por “instrução”, é traduzida também por “entendimento” (Gn
3.6; Sl 14.2; 53.2; 2Cr 30.22); “inteligência” (Jr 3.15); “atentar” (Sl 106.7); “prudência” (1Sm 18.5; Sl
2.10; 94.8; 111.10; Is 52.13); “êxito” (1Sm 18.14,15,30; 2Rs 18.7); “discernimento” (Sl 36.3); acudir (Sl
41.1). A palavra se refere “à ação de, com a inteligência, tomar conhecimento das causas. (...) Designa o
processo de pensar como uma disposição complexa de pensamentos que resultam numa abordagem sábia e
bastante prática do bom senso. Outra consequência é a ênfase no ser bem-sucedido” (Louis Goldberg, Sakal:
In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida
Nova, 1998, p 1478). Vejam-se: William Gesenius, Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament, 3. ed.
Michigan: WM. Eerdmans Publishing Co. 1978, 789-790; Louis Goldberg, Sakal: In: R. Laird Harris, et. al.,
eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1478-1480;
Robert B. Girdlestone, Synonyms of the Old Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (1897),
Reprinted, 1981, p. 74, 224-225.
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A falta de entendimento
Aqui temos mais uma lição preciosa para nós que muitas vezes tendemos a trocar
a instrução de Deus por outra, estranha à sua Palavra. Essa é uma tendência
normal do homem pecador. Portanto, todos nós sem exceção estamos, ainda que
por vezes de modo sutil, dispostos a substituir o Criador pela criatura (Rm 1.25), 12
criando e cultuando a deuses afeitos aos nossos desejos e circunstâncias.
10
“Existe uma recompensa, não somente após obedecer aos mandamentos de Deus, mas durante a obediência
deles” (Matthew Henry, Comentário Bíblico de Matthew Henry, 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das
Assembleias de Deus, 2006, (Sl 19), p. 411).
11
“Ele [Jesus Cristo] tornou-se o Autor de nossa salvação, visto que se fez justo aos olhos de Deus, quando
remediou a desobediência de Adão através de um ato contrário de obediência” (João Calvino, Exposição de
Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 5.9), p. 137-138).
12
“20Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade,
claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram
criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; 21porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o
glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios,
obscurecendo-se-lhes o coração insensato. 22Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos 23 e mudaram a
glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves,
quadrúpedes e répteis. 24 Por isso, Deus entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências de seu
próprio coração, para desonrarem o seu corpo entre si; 25pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira,
adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém!” (Rm 1.20-25).
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e medida de toda a realidade. 13 Por isso é que todo humanismo autônomo não
passa de um ato idólatra onde Deus é subjetivamente destronado e o homem
colocado como centro da realidade, perdendo assim todas as referências
metafísicas.
13
“A forma extrema da idolatria é o humanismo, que vê o homem como a medida de todas as coisas”
(R.C. Sproul, O que é a teologia reformada: seus fundamentos e pontos principais de sua soteriologia,
São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 33). Veja-se também: R.C. Sproul, A santidade de Deus, São
Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 205. Na provável primeira carta que Calvino escreveu depois de ter se
fixado em Genebra (1536), alegra-se com o avanço da Reforma e a consequente diminuição da
superstição e idolatria. Então diz: “Deus permita que os ídolos sejam erradicados também do
coração” (Carta escrita ao seu amigo Francis Daniel no dia 13 de outubro de 1536. In: João Calvino,
Cartas de João Calvino, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 30). Veja-se também: João Calvino,
Instrução na Fé, Goiânia, GO: Logos Editora, 2003, Cap. 8, p. 22.
14
Kevin J. Vanhoozer, A Trindade, as Escrituras e a função do teólogo: contribuições para uma teologia
evangélica, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 99. Lembrei-me da figura empregada por Barth (1886-1968):
“Não se pode despedir-se da vida e da sociedade. Elas nos cercam por todos os lados; elas nos impõem
questões; elas nos confrontam com decisões. Nós devemos sustentar nossa base. O fato de que hoje nossos
olhos estão mais amplamente abertos às realidades da própria vida se dá porque desejamos algo mais. Nós
gostaríamos de estar fora desta sociedade, e em outra. Mas isto é apenas um desejo; nós ainda estamos
dolorosamente cônscios de que, a despeito de tudo, as mudanças sociais e as revoluções, tudo é como era
antigamente. Se fora desta situação nós perguntamos: ‘Vigia, o que há na noite?’, a única resposta que
carrega alguma promessa é, ‘O cristão’.” (Karl Barth, A Palavra de Deus e a Palavra do homem, São Paulo:
Novo Século, 2004, p. 207-208)
15
Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd
Publicações, 2007, p. 68.
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Deus não relegou o homem ao total abandono. Um sinal mais do que evidente é
que Ele continua a falar e, também, Ele preservou em nós, no aspecto metafísico, a
condição de sua Imagem de Deus; não perdemos a nossa natureza essencial.17
16
Jacques Monod, O acaso e a necessidade, Petrópolis, RJ.: Vozes, 1971, p. 198.
17
"A essência da natureza humana é seu ser criado à imagem de Deus" (Herman Bavinck,
Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 540).
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