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SERMÃO 62 – A FINALIDADE DA VINDA DE CRISTO

20 de janeiro de 1781
“Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo” (1João 3.8).

1. Muitos escritores eminentes, pagãos como também cristãos, tanto nos séculos precedentes
quanto recentes, têm empregado todo seu trabalho e habilidade em retratar a beleza da virtude. E
os mesmos esforços têm sido tomados para descrever, nas cores mais vivas, a deformidade do
vício; tanto do vício em geral como daqueles particulares, os quais foram mais predominantes
em suas respectivas épocas e regiões. Com igual cuidado, eles colocaram, sob uma luz mais
convincente, a felicidade que atende a virtude, e a miséria que usualmente acompanha o vício, e
sempre o segue. Pode-se reconhecer que tratados deste tipo não são totalmente sem seu uso.
Provavelmente, por meio deles, alguns, por um lado, têm sido estimulados a desejarem e a
seguirem em busca da virtude; e alguns, por outro, têm interrompido sua carreira de vício; talvez,
corrigindo-o, pelo menos, por algum tempo. Mas a mudança efetuada nos homens, por esses
meios, raramente é profunda ou total; muito menos, é durável; em um pequeno espaço de tempo,
ela desaparece, como uma nuvem matutina. Tais motivos são muito fracos para superarem as
tentações inumeráveis que nos circundam. Tudo que se possa dizer a respeito da beleza e
vantagem da virtude, e da deformidade e efeitos danosos do vício, não pode resistir e, muito
menos, superar e curar, um só apetite irregular ou paixão.
Todas essas cercas, e todo nosso esquadrão,
Um só pecado secreto varre para bem longe.
2. Existe, portanto, uma necessidade absoluta, se, alguma vez, pudermos subjugar o vício, ou
perseverarmos firmemente na prática da virtude, de termos armas de um tipo melhor do que
essas; do contrário, veremos o que é certo, mas não poderemos alcançá-lo. Muitos homens de
reflexão, entre os próprios pagãos, estiveram profundamente conscientes disto. A linguagem de
seu coração foi aquela de Medeia:
Video meliora proboque,
Deteriora sequor. [Vejo o melhor e o aprovo, mas sigo o pior]
Quão exatamente concordante com as palavras do Apóstolo: (personificando um homem
consciente do pecado, mas não ainda subjugando-o): “Porque não faço o bem que prefiro, mas o
mal que não quero, esse faço”. A impotência da mente humana mesmo o filósofo romano
poderia descobrir: “Existe em todo homem”, diz ele, “essa fraqueza” (ele poderia ter dito, esta
dolorosa enfermidade), gloriae sitis – “a sede pela glória”. “A natureza indica a enfermidade,
mas a natureza não nos mostra o remédio”.
3. Nem é de se admirar que, embora eles buscassem por um remédio, ainda assim, não
encontraram remédio algum. Porque eles o buscaram onde ele nunca foi, e nunca será
encontrado, ou seja, em si mesmos, na razão, na Filosofia. Canas quebradiças! Bolhas! Fumaça!
Eles não o buscaram em Deus, em quem, tão somente, é possível encontrá-lo. Em Deus! Não,
eles repudiaram totalmente isto; e em termos mais fortes. Porque, embora Cícero, um de seus
oráculos, tenha uma vez tropeçado sobre aquela estranha verdade: Nemo unquam vir magnus
sine afflatu divino fuit – “Nunca houve algum grande homem que não tenha sido divinamente
inspirado”; ainda assim, no mesmo trato, ele contradiz a si mesmo, e subverte sua própria
afirmativa, por perguntar: Quis pro virtute aut sapientia gratias dedit Deis unquam? – “Quem,
alguma vez, retribuiu a Deus agradecimento pela própria virtude ou sabedoria?”. O poeta romano
é, se possível, mais explícito ainda; quem, depois de mencionar diversas bênçãos exteriores,
honestamente acrescenta:
Haec satis est orare Jovem, qui donat et aufert;
Det vitam, det opes; aequum mi animum ipse parabo.
“Nós perguntamos a Deus, o que ele pode dar ou tomar,
Vida, riqueza, mas virtuoso eu mesmo me farei.”
4. Os melhores deles buscaram a virtude tanto parcialmente em Deus como parcialmente em si
mesmos; ou a buscaram daqueles deuses que eram, de fato, demônios, e, como tais, incapazes de
tornarem seus adoradores melhores do que eles próprios. Tão sombria foi a luz do mais sábio dos
homens até que a “vida e imortalidade fossem trazidas para a luz, por meio do Evangelho”; até
que “o Filho de Deus foi manifestado para destruir as obras do diabo”.
Mas quais são “as obras do diabo”, aqui mencionadas? Como “o Filho de Deus foi
manifestado” para destruí-las? E como, de que maneira, e por meio de que passos, ele realmente
as “destrói”? Esses três pontos muito importantes, nós iremos considerar em sua ordem.
I
1. E, primeiro, quais são as obras do diabo, nós aprendemos das palavras precedentes e seguintes
do texto: “Sabemos que ele se manifestou para tirar os nossos pecados” (1Jo 3.5). “Todo aquele
que permanece nele não peca; todo aquele que peca não o viu, nem o conheceu” (verso 6).
“Aquele que comete pecado procede do diabo, porque o diabo vive pecando desde o princípio.
Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo” (verso 8). “Todo
aquele que é nascido de Deus não comete pecado” (verso 9). Da totalidade disso, parece que “as
obras do diabo”, aqui mencionadas, são o pecado e os frutos do pecado.
2. Mas, desde que a sabedoria de Deus dissipou as nuvens que, por tanto tempo cobriram a terra,
e colocou um fim nas conjecturas infantis dos homens, concernentes a essas coisas, pode ser útil
ter uma visão mais distinta dessas “obras do diabo”;tanto quanto os oráculos de Deus nos
instruem. É verdade que o objetivo do Espírito Santo foi assistir nossa fé, e não gratificar nossa
curiosidade; e, portanto, o relato que ele tem dado, nos primeiros capítulos de Gênesis, é
excessivamente breve. Não obstante, ele é tão claro que nós podemos aprender dele tudo quanto
devemos saber.
3. Para começar do início: “O Senhor Deus” (literalmente, Jeová, os Deuses; ou seja, Um e
Três) “criou o homem à sua própria imagem”; em sua própria imagem natural, segundo a sua
melhor parte; isto é, um espírito, como Deus é espírito; dotado com entendimento; que, se não é
a essência, parece ser a propriedade mais essencial de um espírito. Provavelmente o espírito
humano, assim como o angelical, discerniu, então, a verdade, através da intuição. Portanto, ele
nomeou cada criatura, tão logo ele a viu, de acordo com sua natureza íntima. No entanto, seu
conhecimento era limitado, posto que ele era uma criatura; portanto, a ignorância era inseparável
dele. Mas o erro não era; não parece que ele estivesse equivocado em qualquer coisa. Mas ele era
capaz de errar; de se iludir, embora não fosse compelido a isto.
4. Ele era dotado também de vontade, com várias afeições (que são apenas a vontade
manifestando a si mesma de várias maneiras), para que pudesse amar, desejar, e deleitar-se no
que era bom; do contrário, seu entendimento não teria tido propósito. Ele era igualmente dotado
com a liberdade, o poder de escolher o que é bom, e recusar o que não é. Sem isto, ambos, a
vontade e o entendimento, teriam sido absolutamente inúteis. De fato, sem a liberdade, o homem
teria estado longe de ser um agente livre; de tal modo que ele não poderia ter sido um agente, em
absoluto. Porque todo ser que não é livre, é puramente passivo, não ativo em qualquer grau.
Você tem uma espada em sua mão? Um homem, mais forte do que você poderia prendê-lo e
forçá-lo a ferir uma terceira pessoa? Nisto, você não seria o agente, não mais do que sua espada.
A mão é tão passiva quanto o aço. Assim é, em todo caso possível. Aquele que não é livre não é
um agente, mas um paciente.
5. Portanto, parece que cada espírito no universo, como tal, é dotado com entendimento e, em
conseqüência, com uma vontade, e com uma medida de liberdade; e que esses três atributos estão
inseparavelmente unidos em cada natureza inteligente. Liberdade forçada, ou dominada, não é
liberdade, afinal. É uma contradição de termos. É o mesmo que liberdade não livre; ou seja,
evidente contra-senso.
6. Pode ser observado, mais além, (e esta observação é importante) que onde não existe
liberdade, não pode haver boa ou má moral; nem virtude ou vício. O fogo nos aquece; ainda
assim, não é capaz de virtude. Ele nos queima; ainda assim, não é vício. Não existe virtude,
exceto onde uma criatura inteligente conhece, ama, e escolhe o que é bom; nem existe alguma
imoralidade, exceto onde tal criatura conhece, ama, e escolhe o que é mal.
7. E Deus criou o homem, não apenas à sua imagem natural, mas igualmente, à sua imagem
moral. Ele o criou não apenas “no conhecimento”, mas também na justiça e santidade
verdadeira. Como seu entendimento foi sem mancha, perfeito em sua espécie; assim, foram todas
as suas afeições. Elas foram todas corrigidas, e devidamente exercitadas em seus objetivos
apropriados. E, como um agente livre, ele escolheu firmemente o que era bom, de acordo com a
direção de seu entendimento. E ao fazer isto, ele foi inexplicavelmente feliz; habitando em Deus,
e Deus nele; tendo comunhão ininterrupta com o Pai e o Filho, por meio do Espírito eterno; e o
contínuo testemunho de sua consciência de que todos os seus caminhos eram bons e aceitáveis
para Deus.
8. Não obstante sua liberdade (como foi observado antes), necessariamente, incluía o poder de
escolher ou recusar o bem e o mal. De fato, tem-se duvidado que o homem pudesse, então,
escolher o mal, sabendo que ele é tal. Mas não se pode duvidar que ele possa tomar o mal pelo
bem. Ele não era infalível; portanto, não era impecável. E isto se esclarece na dificuldade total da
grande questão: unde malum? “Como o mal entrou no mundo?”. Ele veio de “Lúcifer, filho da
manhã”. Foi obra do diabo. “Porque o diabo”, diz o Apóstolo, “peca, desde o início”; ou seja,
ele foi o primeiro pecador no universo, o autor do pecado, o primeiro ser que, pelo abuso de sua
liberdade, introduziu o mal na criação.
Ele foi um dos primeiros,
Se não, o primeiro arcanjo,
que foi tentado a pensar mais altamente de si mesmo. Ele livremente entregou-se à tentação; e
deu caminho, primeiro, ao orgulho, então, à vontade própria. Ele disse: “Eu me sentarei nos
lados do norte: Eu seria como o Altíssimo”. Ele não caiu sozinho, mas logo carregou consigo
uma terceira parte das estrelas do céu; em conseqüência do que, elas perderam sua glória e
felicidade, e foram dirigidas para fora de sua habitação anterior.
9. “Tendo grande ira”, e, talvez, inveja da felicidade das criaturas a quem Deus havia recém
criado, não é de se estranhar que ele pudesse desejar e se esforçar para privá-las dela. Com este
objetivo, ele se ocultou na serpente, que era a mais sutil, ou inteligente de todas as criaturas
brutas; e, desta forma, a menos propensa a levantar suspeita. De fato, alguns supõem (não
improvavelmente) que a serpente foi, então, dotada com alguma razão e linguagem. Se Eva não
soubesse que ela era assim, teria admitido alguma conversação com ela? Ela teria ficado
assustada ao invés de ser “enganada”, como o Apóstolo observa que foi? Para enganá-la, Satanás
misturou a verdade com a falsidade: “É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do
jardim?” – e logo depois, persuadiu-a a desacreditar de Deus, por supor que sua ameaça não
poderia ser cumprida. Ela, então, ficou propensa a toda a tentação: ao “desejo da carne”, porque
a árvore era “boa para o alimento”; ao “desejo dos olhos”, porque ela era “agradável aos
olhos”; e à “soberba da vida”; porque ela era “desejável para fazer alguém sábio”, e,
conseqüentemente, honrado. Então a descrença gerou o orgulho. Ela se considerou mais sábia do
que Deus; capaz de encontrar um caminho melhor para a felicidade do que Deus a havia
ensinado. O orgulho gerou a vontade própria; ela estava determinada a fazer a sua própria
vontade, e não a vontade daquele que a fez. A vontade própria gerou desejos tolos; e completou a
todos pelo pecado exterior: “Ela tomou do fruto, e o comeu”.
10. Ela, então, “deu ao seu marido, e ele comeu”. E, naquele dia; sim, naquele momento, ele
morreu! A vida de Deus foi extinta de sua alma. A glória partiu dele. Ele perdeu toda a imagem
moral de Deus, a justiça e a santidade verdadeira. Ele era impuro; e era infeliz; ele era cheio de
pecado; cheio de culpa e medos torturantes. Separado de Deus, e olhando-o como um juiz cruel,
“ele teve medo”. Mas, como seu entendimento foi enegrecido, ao pensar que ele poderia
“esconder-se da presença de Deus, em meio às árvores do jardim”! Assim, sua alma foi
totalmente morta para Deus! E, naquele dia, seu corpo igualmente começou a morrer, tornou-se
vulnerável à fraqueza, doença e dor; todas preparatórias para a morte do corpo, que,
naturalmente, conduz à morte eterna.
II
Tais são “as obras do diabo”, o pecado e seus frutos; considerados em sua ordem e conexão. Em
segundo lugar, consideraremos como Filho de Deus foi manifestado com o objetivo de destruí-
las.
1. Ele foi manifestado como o Unigênito Filho de Deus, igual em glória com o Pai, para os
habitantes dos céus, antes e quando da fundação do mundo. Essas “estrelas da manhã cantaram
juntas”;todos esses “filhos de Deus gritaram de alegria”, quando eles o ouviram pronunciar:
“Haja luz; e houve luz”;quando ele “espalhou o norte sobre o espaço vazio”, e “estendeu os
céus como uma cortina”. De fato, foi crença geral na igreja primitiva que ninguém jamais viu a
Deus, o Pai, nem poderia vê-lo; que, desde toda a eternidade, ele tem habitado na luz inacessível;
e que é somente no e pelo Filho de seu amor que ele tem revelado a si mesmo às suas criaturas
em todo o tempo.
2. Não é fácil determinar como o Filho de Deus foi manifestado para nossos primeiros pais no
paraíso. Geralmente, e não é improvável, supôs-se que Ele apareceu a eles na forma de um
homem, e conversou com eles face a face. Nem eu posso acreditar, afinal, no engenhoso sonho
do Dr. Watts referente “à gloriosa natureza humana de Cristo”, que ele supõe ter existido antes
do mundo existir, e ter sido dotada com, eu não sei quais, poderes surpreendentes. Não, eu olho
para isto como um perigo enorme, sim, uma hipótese danosa, já que ela exclui completamente o
valor de muitas Escrituras que, se pensou até aqui, comprovam a Divindade do Filho. E eu temo
que este foi o principal meio que afastou esse grande homem da fé uma vez entregue aos santos;
ou seja, se ele realmente se afastou dela; se aquele bonito monólogo for genuíno; aquele que foi
impresso entre suas Obras Póstumas, no qual ele tão honestamente implora ao Filho de Deus que
não se desagrade “porque ele não pode acreditar que ele seja co-igual e co-eterno com o Pai”.
3. Nós não podemos razoavelmente crer que foi por aspectos similares que Ele foi manifestado,
em sucessivas épocas, para Enoque, enquanto ele “andou com Deus”; para Noé, antes e depois
do dilúvio; para Abraão, Isaque e Jacó, em várias ocasiões; e, para não mencionar mais, para
Moisés? Este parece ser o significado natural da palavra: “Meu servo Moisés é fiel em toda a
minha casa. Boca a boca falo com ele, claramente e não por enigmas; pois ele vê a similitude de
Jeová” –ou seja, o Filho de Deus.
4. Mas todos esses foram apenas tipos de sua grande manifestação. Foi, na plenitude do tempo
(exatamente na idade média do mundo, como um grande homem comprova largamente) que
Deus “enviou seu Unigênito para o mundo, nascido de mulher”; com poder do Altíssimo
envolvendo-a com a sua sombra. Ele, mais tarde, foi manifestado para os pastores; para o devoto
Simeão; para Ana, a profetisa; e para “todos que esperavam a redenção em Jerusalém”.
5. Quando estava no tempo devido para executar seu oficio sacerdotal, Ele foi manifestado para
Israel; pregando o evangelho do reino de Deus, em toda vila e em toda cidade. E, por um tempo,
foi glorificado por todos que reconheceram que Ele “falava como jamais homem algum falara”;
que “Ele falava como quem tinha autoridade”, com toda a sabedoria e poder de Deus. Ele foi
manifestado, através de inumeráveis “sinais e maravilhas, e as obras poderosas que fez”, assim
como por toda sua vida; sendo o único nascido de uma mulher, “que não conheceu pecado”,
que, desde seu nascimento até sua morte, fez “bem todas as coisas”; fazendo continuamente,
“não a sua vontade, mas a vontade daquele que o enviou”.
6. Afinal, “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!”. Esta foi a mais gloriosa
manifestação de si mesmo, do que qualquer uma que ele tenha feito antes. Quão
maravilhosamente ele foi manifestado aos anjos e homens, quando “ele foi ferido por nossas
transgressões”; quando ele “carregou todos os nossos pecados em seu próprio corpo no
madeiro”; quando, “por aquela oblação de si mesmo, uma só vez oferecida, fez um completo,
perfeito e suficiente sacrifício, expiação e satisfação pelos pecados de todo o mundo”; e clamou:
“Está consumado! E, inclinando a cabeça, rendeu o espírito”. Apenas nos resta mencionar
algumas manifestações posteriores: sua ressurreição dos mortos, sua ascensão aos céus, para a
glória que ele teve antes do mundo existir; e seu derramar do Espírito Santo no dia de
Pentecostes; ambos belamente descritos naquelas bem conhecidas palavras do salmista: “Tu
subiste ao alto, levaste cativo o cativeiro, recebeste dons para os homens, e até para os teus
inimigos, para que o Senhor Deus habitasse no meio deles” ou “neles”.
7. “Para que o Senhor habitasse neles”: isto se refere ainda a mais uma manifestação do Filho
de Deus; à manifestação interior de si mesmo. Quando ele falou disto para seus apóstolos, pouco
antes de sua morte, um deles imediatamente perguntou: “Donde procede, Senhor, que estás para
manifestar-te a nós e não ao mundo?” Por nos capacitar a crer em seu nome. Porque ele é
interiormente manifestado a nós, quando nós somos capazes de dizer com confiança: “Meu
Senhor, e meu Deus!”. Então, cada um de nós pode corajosamente dizer: “A vida que agora
vivo, eu vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e deu a si mesmo por mim”. E é por assim
manifestar a si mesmo em nossos corações que ele efetivamente “destrói as obras do diabo”.
III
1. Nós devemos considerar agora como ele faz isto, de que maneira, e por meio de que passos ele
verdadeiramente as destrói. Primeiro, como Satanás começou sua obra em Eva, envenenando-a
com a descrença, então, o Filho de Deus começa sua obra no homem, capacitando-nos a crer
Nele. Ele tanto abre como ilumina os olhos de nosso entendimento. Do meio da escuridão, ele
ordena à luz que brilhe, e arranca o véu que o “deus deste mundo” tinha espalhado sobre nossos
corações. E nós, então, vemos, não mediante uma corrente de raciocínio, mas por meio de uma
espécie de intuição, por uma visão direta, que “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o
mundo, não imputando aos homens as suas transgressões”, não imputando-as a mim. Naquele
dia, “saberemos que somos de Deus”; filhos de Deus pela fé; “tendo redenção, pelo sangue de
Cristo, mesmo o perdão dos pecados”. “Sendo justificados pela fé, nós temos paz com Deus, por
meio de nosso Senhor Jesus Cristo”; aquela paz que nos capacita a estarmos igualmente
satisfeitos em quaisquer condições; que nos livra de todas as dúvidas desconcertantes, de todos
os medos tormentosos e, em particular, daquele “medo da morte, por meio do qual nós
estávamos sujeitos à escravidão por toda a vida”.
2. Ao mesmo tempo o Filho de Deus golpeia a raiz da grande obra do diabo, o orgulho, fazendo
com que o pecador se humilhe diante do Senhor, e abomine a si mesmo e se arrependa em pó e
cinzas. Ele golpeia a raiz da vontade própria, capacitando o pecador humilhado a dizer em todas
as coisas: “Não como eu quero, mas como Tu queres”. Ele destrói o amor ao mundo, libertando
aqueles que Nele crêem de “todo desejo tolo e danoso”; do “desejo da carne, do desejo dos
olhos, da soberba da vida”. Ele os poupa de buscar ou de esperar encontrar felicidade em
alguma criatura. Como Satanás desviou o coração do homem do Criador para a criatura, assim o
Filho de Deus revolveu novamente o seu coração da criatura para o Criador. Assim sendo,
manifestando a si mesmo, Ele destrói as obras do diabo; restaurando o culpado, antes afastado de
Deus, em seu favor, perdão e paz; o pecador, em quem não habita coisa boa, no amor e na
santidade; o pecador sobrecarregado e miserável, na alegria inexprimível, na felicidade real e
substancial.
3. Mas pode ser observado, que o Filho de Deus não destrói toda a obra do diabo no homem, por
quanto tempo ele permaneça nesta vida. Ele ainda não destrói a fraqueza corporal, a doença, a
dor, e milhares de enfermidades, próprias da carne e sangue. Ele não destrói toda aquela fraqueza
de entendimento, que é a conseqüência natural da alma habitar um corpo corruptível; de modo
que ainda
Humanun est errare et nescire, “a ignorância e o erro pertencem à humanidade”. Ele nos confia
apenas uma porção muito pequena do conhecimento em nosso estado presente para que nosso
conhecimento não interfira com nossa humildade, e novamente almejemos ser como deuses. É
para remover de nós toda tentação de orgulho, e todo pensamento de independência (que é a
mesma coisa que os homens em geral tão sinceramente cobiçam, sob o nome de liberdade), que
ele nos deixa rodeados com todas essas enfermidades, particularmente, fraqueza de
entendimento; até que a sentença tome lugar: “tu és pó e ao pó tornarás”!
4. Então, o erro, a dor, e todas as doenças corpóreas cessarão: todas essas serão destruídas pela
morte. E a própria morte, “o último inimigo” do homem, será destruída na ressurreição. No
momento em que ouvirmos a voz do arcanjo e a trompa de Deus, “então, se cumprirá a palavra
que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória. Este corpo corruptível se revestirá de
incorruptibilidade, e o que é mortal se revestirá de imortalidade”; e o Filho de Deus,
manifestado nas nuvens do céu, destruirá esta última obra do diabo!
5. Agora, então, vemos, sob luz mais clara e forte, o que é a religião verdadeira: a restauração do
homem por meio daquele que esmaga a cabeça da serpente; em tudo aquilo de que a velha
serpente o privou; a restauração, não apenas no favor, mas, igualmente, na imagem de Deus;
implicando não meramente na libertação do pecado, mas no ser preenchido com a plenitude de
Deus. Evidentemente, se nós atendermos às considerações precedentes, conclui-se que nada
menos do que isto é religião cristã. Todas as demais coisas, sejam negativas ou externas, estão
completamente longe do alvo. Mas que paradoxo é este! Quão pouco, ele é entendido no mundo
cristão; sim, nessa era das luzes, na qual é tido por certo que o mundo é mais sábio do que nunca
foi antes, desde o início! Em meio a todas as nossas descobertas, quem descobriu isto? Quão
poucos, mesmo entre os cultos ou incultos! E, ainda assim, se nós cremos na Bíblia, quem
poderá negá-lo? Quem poderá duvidar disto? Está na Bíblia do começo ao fim, em uma corrente
unida; e concordância de cada parte com todas as outras é propriamente a analogia da fé.
Tenham cuidado de tomar qualquer coisa mais ou qualquer coisa menos do que isto por religião!
Nada mais: não imaginem que uma forma exterior, uma série de deveres, tanto públicos como
privados, seja religião! Não suponham que a honestidade, a justiça, ou o que for que seja
chamado de moralidade (embora excelente em seu ligar) seja religião! E muito menos, não
sonhem que a ortodoxia, a opinião correta (vulgarmente chamada de fé), seja religião. De todas
as fantasias religiosas, esta é a mais vã, a que toma feno e restolho por ouro refinado no fogo!
6. Não tome nada menos do que isto como sendo a religião de Jesus Cristo! Não tome uma parte
dela pelo todo! O que Deus uniu, não o separe. Não aceite como sua religião nada menos do que
“a fé que atua pelo amor”, toda santidade interior e exterior. Não esteja satisfeito com qualquer
religião, que não implique na destruição de todas as obras do diabo; ou seja, de todos os pecados.
Nós sabemos, que a fraqueza de entendimento, e milhares de enfermidades permanecerão,
enquanto restar este corpo corruptível, mas o pecado não precisa permanecer. Esta é a obra do
diabo, eminentemente assim chamada, e o Filho de Deus foi manifestado para destruí-la nesta
vida presente. Ele é capaz e está desejoso de destruí-la agora em todos que nele crêem. Apenas
não sejam limitados em seus corações! Não desconfiem de seu poder ou de seu amor! Coloquem
sua promessa à prova! Ele falou: não estará ele igualmente pronto para agir? Apenas
“acheguem-se confiadamente, junto ao trono da graça”, confiando em sua misericórdia; e vocês
descobrirão que “Ele salva totalmente todos que se chegam a Deus por ele”!

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