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Crença Cristã Avalizada; Editada.

(De: Alvin Plantinga)

Racionalidade:
Trecho:
“Passaram-se já alguns anos desde quando me deu conta de que muitas são as
crença falsas que, desde de a mais precoce juventude, admiti como verdadeiras; e de
que era duvidoso tudo o que desde então havia erigido sobre tais fundamentos. Desde
aquela altura, fiquei convencido de que teria, de uma vez por todas, de me dedica
seriamente a livrar-me de todas as opiniões previamente tomadas como verdadeiras e
começar a construir de novo a partir do alicerce.” (René Descarte) [Pag.95]

Trecho:
“Um dos problemas aqui presentes, afirma Locke, é o fideísmo: muitos opõem a fé à
razão, declarando que a fé prescreve o que a razão prescreve e que é a fé que
devemos aceitar e seguir:

Pois esse elogio à fé em oposição à razão que podemos, parece-me, adequadamente


atribuir os absurdos que preenchem quase todas as religiões que possuem e divide a
humanidade. Pois os homens, tendo sido educados na ideia de que não devem
consultar a razão nas coisas religiosas, por mais aparentemente contrarias ao senso
comum é aos próprios princípios de todo o conhecimento, deram livre curso às suas
fantasias e superstições naturais; é por elas foram levados a tão estranhas opiniões, e
prática religiosa tão extravagantes que um homem ponderado não pode se não ficar
espantado com as suas tolices, e considerar que estão de tal modo de serem
aceitáveis ao Deus grandioso e sábio, que não pode considera-las ridículas e ofensiva
à um homem sóbrio e bom. De modo que, na verdade, a religião, que deveria melhor
nos distinguir dos quadrúpedes, e que deveria de modo mais peculiar elevar-nos, como
criaturas racionais, acima dos brutos. É precisamente onde o homem mais
frequentemente parece mais irracionais, e até mais destituídos de sensatez do que os
próprios animais.”(Locke)[Pag. 97]

Trecho:
“Outra fonte de erro e confusão cacofônicos na religião seria a tradição: acreditar em
uma proposição apenas porque nos foi ensinada ou porque as pessoas à nossa volta
acreditam nela:

A grande obstinação que encontremos nos homens que acreditam firmemente em


opiniões totalmente contrárias, ainda que muitas vezes igualmente absurda, nas várias
religiões da humanidade, é tanto uma prova evidente quanto uma consequência
inevitável deste modo de raciocinar partindo dos princípios tradicionais. De modo que
os homens irão desacreditar nos seus próprios olhos, renúncia a evidência dos seus
sentidos e declarar que é a sua própria experiência que introduz a mentira, antes de
admitir seja o que for que descorde dessa doutrinas sacrossantas.”(Locke)[Pag.97]

Trecho:
“A tradição, afirma (com um desprezo caracteristicamente iluminista):

mantém na ignorância ou no erro mais pessoas do que todas as outras [fonte de erro]
juntas[...] tenho mente o ato de dar o nosso assentimento às opiniões comuns
tradicionais, seja dos nossos amigos, seja no nosso partido, bairro ou país. Quantos
homens não tem outra base para as suas doutrina se não a suposta honestidade, ou
erudição, ou número daqueles que também à professam?”(Locke)[Pag. 97]
Trecho:
“Os apelos à tradição para resolver a discordância tornaram-se ineficazes; há
demasiadas tradições. Seria preciso escolher qual dessas muitas tradições em conflito
deveria ser sancionada. Locke considera escandaloso esse pluralismo desordenado; e
considera-o ainda mais escandaloso pelo fato de não haver uma maneira racional de
por fim as disputas vexatória.”(Alvin)[Pag. 97]

Trecho:
“O que Deus revelou, seja o que for é verdadeiro: nenhuma dúvida pode surgir a esse
respeito. Este é o objeto apropriado da fé: mas se se trata de um revelação divina ou
não, cabe à razão ajuizar”(Locke)[Pag. 104]

Críticas Teoligicas (Naturalista):


Trecho:
“A religião tem origem na moral dos escravos no ressentimento dos
oprimidos.” (Nietzsche)[Pag. 158]
Trecho:
“Nietzsche considera que o cristianismo promove um caráter chorão, covarde, servil,
ambíguo, dúplice e redondamente desprezível, que também invejoso, hipócrita e pleno
de um ódio disfarçado de uma bondade caridosa(não é uma imagem atraente).”(Alvin)
[Pag. 158]

Trecho:
“Essas [crenças religiosas], que são apresentadas como doutrinas, não são súmulas
da experiência nem resultado finais da reflexão: São ilusões, ao desejos mais antigos,
fortes e urgentes da humanidade. O segredo da sua força está na força desses
desejos. Como já sabemos, as manter aterrorizantes impressões de impotência na
infância fizeram surgir a necessidade de proteção -proteção por meio do amor -
fornecida pelo pai; e o reconhecimento de que essa impotência se prolonga por toda a
vida fez com que nos agarrássemos a existência de um pai, mas desta vez um pai mais
poderoso. Assim, o governo benevolente de uma providência divina acalma o nosso
medo dos perigos da vida ponto, o estabelecimento de uma ordem moral no mundo
assegura a satisfação das exigências de Justiça e, Que tantas vezes ficaram por
satisfazer na civil civilização humana; e o prolongamento da existência terrena em uma
vida futura fornece o enquadramento espacial e temporal no qual esses desejos serão
satisfeitos.”(Freud)[160]

Trecho:
“ A ideia é que a crença teísta surge de um mecanismo psicológico que Freud
denomina “realização de desejos”; O desejo, nesse caso, é o progenitor de um ato,
mais de uma crença. A Natureza ergue-se Contra nós fria, sem dor, Implacável, cega
as nossas necessidades e desejos. infligir ferimentos, medo e dor; no fim, exige a
nossa morte. Paralisados e apavorados, inventamos (inconscientemente, e claro) um
pai no céu que é excede os nossos pais terrenos tanto em poder e em conhecimento
como em Bondade e benevolência; Alternativa seria perdermos na depressão, no texto
por, na paralisia e finalmente na morte segundo Freud, a crença em Deus é uma ilusão
em dos pontos uma crença que surge do mecanismo da realização de desejos. Essa
de ilusão é de algum modo interiorizada.”(Alvin)[Pag. 160]

Trecho:
“Freud e acredita aparentemente que temos o poder de resistir a essa dedução e que
há algo de condenável de intelectual mente irresponsável em não fazer:

Nunca houve um caso tão claro de desculpa esfarrapada como esse. Ignorância é
ignorância; nenhum delírio de acreditar seja no que for se pode derivar dela em outras
matérias, nenhuma pessoa sensata se comportará tão irresponsavelmente ou ficará
satisfeita com fundamentos tão frágeis para as suas opiniões e para a linha de que
adota[...] mas, quando entra em jogo a religião, as pessoas são ocupadas de todo
gênero de desonestidade e delito intelectual.”(Freud)[Pag. 160]

Trecho:
“A base da crítica e religiosa é que o homem faz a religião, não é a religião que faz o
homem. Em outras palavras, a religião é a autoconsciência e o sentimento de si do
homem que ainda não se encontrou a si mesmo, ou Então (tendo-se encontrado) se
perdeu de novo. Mas o homem não é um ser abstrato situado fora do mundo. O
homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Esse Estado, essa sociedade
produzem a religião, uma consciência perversa do mundo, Porque são uma um mundo
perverso...

o sofrimento religioso é ao mesmo tempo a expressão do sofrimento real e o protesto


contra o sofrimento real. a religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um
mundo sem coração, tal como é o espírito de uma situação sem espírito. é o ópio do
povo.

É necessária a abolição da religião como felicidade ilusória do povo para que este
ganhe a felicidade genuína. A exigência de abandonar as ilusões quanto a sua
condição é a exigência de abandonar uma condição que exige ilusões. A crítica da
religião é, consequentemente, embrionariamente, a crítica do valor do infortúnio, cujo
halo é a religião.”(Maxs)[Pag. 162]

Trecho:
“Max está dizendo que a religião nasce de uma consciência pervertida do mundo -
pervertida em relação a uma condição correta ou certa, ou natural. A religião envolve
uma disfunção cognitiva, uma desordem ou perversão que é manifestamente
provocada, de algum modo, por uma ordem social doentia e pervertida.

A crença religiosa, segundo Maxs, é o resultado de uma disfunção cognitiva, de uma


carência de saúde mental e emocional. O crente é, consequentemente, em um sentido
etimológico, insano.

Graças a um ambiente social disfuncional, perverso, equipamento cognitivo do crente


não está funcionando apropriadamente. se tivesse funcionando apropriadamente - se
por, exemplo, estivesse funcionando mais como o de Max -, ele não estaria sob o
feitiço daquela ilusão. Em vez disso, enfrentaria o mundo e o nosso lugar nele com a
apreensão nítida de que estamos sozinho e de que qualquer conforto e ajuda que
obtermos deverão ser de nossa própria lavra.”(Alvin)[Pag. 162-163]

Trecho:
“Queremos muito que existe uma ordem compreensível no universo, queremos que as
nossas vidas tenham importância e queremos conhecer o bem e o mal com todos os
detalhes práticos. A religião responde ao que tanto queremos. O universo tem uma
ordem inteligível porque há um Deus inteligente e poderoso que o criou. Somos
importantes porque Deus nos fez (como dizem os cristãos, “a sua imagem”)e deu-nos
as faculdades do entendimento e da são livre inteligente.”(Charles Daniels)[Pag. 165]
Refutando supostas críticas teologicas:
Trecho:
“Mostrar que processos naturais produzem a crença religiosa nada faz, até aqui, para
desacreditar; talvez Deus nos tenha concebido de tal modo que é por meio desses
processos que adquirimos conhecimentos dele. suponha-se que se pudesse
demonstrar que certo tipo de estímulo nervoso gerasse a crença cristã. isso não
tenderia a desacreditar a crença religiosa - tal como a memória não é desacreditada
pelo fato de podermos produzir crenças de memória estimulando determinadas partes
do cérebro. É claramente possível que a crença religiosa possa ser explicada por
processos naturais”(Alvin)[Pag. 166]

Faculdades mentais:
Trecho:
“O iluminismo desconfiava do testemunho e da tradição. Locke encarava os como
Fontes proeminentes de erro.”(Alvin)[Pag. 168]

Trecho:
“Acreditei por instinto em tudo quanto eles [os meus “pais e educadores”] me diziam
muito antes de ter a ideia de mentira ou de pensar na possibilidade deles me
enganarem. Depois, ao refletir, descobri que atuaram como pessoas justas e honestas,
e queria o meu bem. Descobri que, caso não tivesse acreditado no que me disseram
antes de eu poder apresentar razões a favor da minha crença, estaria hoje em uma
situação pouco melhor do que uma criança que tivesse sido raptada por fadas. E
apesar de essa credulidade natural ter por vezes permitido que eu fosse enganado por
pessoas mal-intencionadas, ela me deu, no conjunto geral, vantagens infinitas; logo,
considero-a outro dom benéfico da Natureza.”(Thomas Reid)[Pag. 168]

Crença em Deus Avalizada:


Trecho:
“Saber de maneira geral e indistinta que Deus existe é algo que está implantado em
nós por natureza...”(Agostinho)[Pag.185]

Trecho:
“Ao dizer que Deus tornou manifesto, Paulo pretende dizer que o homem foi criado
para ser um espectador deste mundo, e que os olhos lhe foram dados para que ele
possa, ao olhar tão bela imagem, ser conduzido ao próprio Autor.”[Pag.189]

Trecho:
No seio do espírito humano, e na realidade por instinto natural, há uma consciência da
divindade. Consideramos que isso é incontroverso. Para evitar que alguém se refugie
em uma ignorância fingida, o próprio Deus implantou em todos os homens certo
entendimento da sua majestade divina [...] Dado, portanto, que todo e qualquer homem
tem percepção de que há um Deus e de que ele é o seu criador, os homens
condenam-se pelo seu próprio testemunho porque não o honraram nem consagraram
as suas vidas à sua vontade [...] Como afirma o eminente pagão, não há nação tão
bárbara, não há povo tão selvagem, que não tenha uma convicção profunda de que há
um Deus [...] Logo, dado que desde o início do mundo não houve qualquer região,
qualquer cidade, em suma, qualquer casa que passasse sem religião, repousa aqui
uma confissão tácita de um sentido da divindade inscrito nos corações de todos (Livro-
Instituías*)[Pag.189]

Trecho:
“Calvino chama sensus divinitatis ou sentido do divino, que em muitíssimas
circunstâncias produz em nós crenças acerca de Deus.”(Alvin)[Pag.190]

Trecho:
A minha hipótese é que Calvino pensa o mesmo com respeito a esse conhecimento de
Deus; o que temos desde o útero materno não é esse conhecimento de Deus, mas a
capacidade de tê-lo.(Alvin)[Pag.190]

Trecho:
 “Para que ninguém ficasse, pois, excluído do acesso à felicidade, Deus não só
semeou no espírito dos homens aquela semente da religião de que falamos,
como se revelou e diariamente se mostra em toda a criação do Universo. Em
consequência, os homens não podem abrir os olhos sem que sejam obrigados
a vê-lo [...] Mas nas suas obras individuais gravou ele sinais inconfundíveis da
sua glória [...]; para onde quer que deitemos o nosso olhar, não há lugar algum
no Universo em que não possamos discernir pelo menos algumas centelhas da
sua glória”(Calvino)[Pag.191]

Trecho:
“A ideia de Calvino é que o funcionamento do sensus divinitatis é desencadeado ou
ocasionado por variadíssimas circunstâncias, incluindo em particular algumas das
glórias da natureza: a beleza maravilhosa e impressionante do céu noturno; o estrondo
e o rugido perpétuos das ondas do mar, que ressoam profundamente em nós; a
grandeza majestosa das montanhas; a presença primeva e contemplativa do deserto
australiano; o trovejar de uma cascata grandiosa. Mas, não é apenas a grandiosidade e
a majestade que contam; ele diria o mesmo do jogo sutil da luz do sol em um campo
primaveril, ou da beleza delicada e eloquente de uma flor minúscula, ou das folhas de
um choupo que tremeluzem e dançam na brisa.

“Não há lugar algum no Universo”, afirma ele, “em que não possamos discernir pelo
menos algumas centelhas da sua glória”. Calvino poderia ter acrescentado outros
gêneros de circunstâncias: há uma espécie de consciência da desaprovação divina
quando fazemos algo incorreto ou vil, e uma espécie de percepção do perdão divino
quando nos confessamos e nos arrependemos. As pessoas, perante perigos graves,
voltam-se instintivamente para o Senhor pedindo socorro e apoio, tendo formado a
crença de que ele pode ouvir e ajudar se o considerar adequado (diz-se que não há
ateus nas trincheiras).

Em uma bela manhã de primavera (os pássaros cantam, o céu e a terra estão acesos e
vivos de glória, o ar renovado e fresco, os topos das árvores brilham ao sol), um hino
espontâneo de agradecimento ao Senhor — agradecimento pelas suas circunstâncias
e pela sua própria existência — pode surgir na sua alma. Segundo o modelo,
consequentemente, há muitas circunstâncias, e circunstâncias de muitos tipos, que
evocam ou ocasionam a crença teísta.”(Alvin)[Pag.192]

Trecho:
“Não é uma questão de fazer uma inferência rápida e simples partindo da
grandiosidade das montanhas ou da beleza da flor ou da luz do sol no topo das árvores
para concluir pela existência de Deus; em vez disso, uma crença acerca de Deus surge
espontaneamente nessas circunstâncias — as circunstâncias que desencadeiam a
operação do sensus divinitatis.”(Alvin)[Pag.193]

Conhecimento natural de Deus Trecho:


“Essa capacidade para o conhecimento de Deus faz parte do nosso equipamento
cognitivo original, faz parte do perfil epistêmico fundamental com que Deus nos criou.
Nesse aspecto, contrasta com um dos temas do capítulo 8, a instigação interna do
Espírito Santo. Como veremos nesse capítulo, essa instigação é um elemento da
resposta divina ao pecado humano e ao aperto em que nos encontramos, e ambos
exigem cura, restauração e salvação. Segundo as doutrinas cristãs fundamentais, a
resposta divina central ao aperto em que nos encontramos é a encarnação e a
expiação: a vida, a morte sacrificial e a ressurreição de Jesus Cristo, o filho divino de
Deus.”(Alvin)[Pag.196]

Trecho:
“Outra parte da resposta de Deus à nossa condição, contudo, é a Escritura e o
testemunho do Espírito Santo. Deus nos fala na Escritura, ensinando-nos a sua
resposta à nossa condição caída e o modo pelo qual podemos nos apropriar dessa
resposta. Em virtude da instigação interna do Espírito Santo, vemos que as doutrinas
da Escritura são verdadeiras. Essa obra do Espírito Santo, consequentemente, é um
tipo muito especial de instrumento ou agência cognitiva; é um processo de produção de
crenças, certamente, mas um processo muitíssimo fora do comum.”(Alvin)[Pag.197]

Trecho:
“o que importa é o contraste entre a atividade do Espírito Santo na nossa vida
cognitiva, por um lado, e o sensus divinitatis., por outro. A primeira faz parte de uma
resposta especial à condição caída na qual a humanidade se pôs; o segundo faz parte
da nossa dotação epistêmica original. A primeira é uma resposta divina especial ao
pecado; não existiria se não tivesse havido pecado. O último sem dúvida faria parte do
nosso perfil epistêmico mesmo que a humanidade não tivesse caído no pecado.”(Alvin)
[Pag.197]

Trecho:
“Para o crente, a presença de Deus é muitas vezes palpável Um número
surpreendente de pessoas relata que já sentiu a presença de Deus, em um ou em
outro momento, ou pelo menos pareceu-lhe que sentiu a presença de Deus — em que
esse “sentir” também não parece envolver imagens sensoriais. Muitos outros (de modo
algum, na sua maior parte, heróis espirituais ou nem sequer crentes sérios) relatam
ouvir Deus falar com eles. E entre esses casos, casos em que parece correto ou quase
correto falar de percepcionar Deus). (sentir a sua presença, talvez ouvir a sua voz), há
uma grande variação. Há experiências devastadoras e grandiosas como a de Paulo
(quando ainda era “Saulo”) na estrada para Damasco e as relatadas por místicos e
outros mestres da vida interior.”(Alvin)[Pag.198]

Trecho:
“conhecimento natural de Deus foi comprometido, enfraquecido, reduzido, sufocado,
coberto ou obstruído pelo pecado e pelas suas consequências.”(Alvin)[Pag.199]

Trecho:
“Freud não oferece aqui senão o argumento mais superficial, e vê-se bem por que: não
é fácil argumentar a favor dessa ideia. Como se argumentaria que é esse mecanismo
— a realização de desejos —, e não qualquer outro, que produz a crença religiosa?
Grande parte da crença religiosa não é, afinal, algo que, à primeira vista, satisfaça os
nossos sonhos mais extravagantes. Por exemplo, o cristianismo (assim como outras
religiões teístas) inclui a crença de que os seres humanos pecaram, que merecem a
fúria divina e até a danação, e que estão alquebrados, desgraçados, necessitados de
salvação; segundo o catecismo de Heidelberg, a primeira coisa que devo conhecer são
os meus pecados e misérias. Isso não é exatamente a realização dos nossos sonhos
mais extravagantes.

Um seguidor de Freud poderia dizer: “Bem, pelo menos a crença teísta, a crença de
que existe uma pessoa como Deus, nasce de um pensamento fantasioso motivado
pelo desejo”. No entanto, também isso está longe de ser evidente: muitas pessoas não
gostam de modo algum da ideia de um ser onipotente e onisciente que vigia todas as
suas atividades, conhece todos os seus pensamentos e que ajuíza tudo o que elas
fazem ou pensam. Outras pessoas não gostam da falta de autonomia humana que
resulta de haver Alguém em comparação com o qual somos como pó e cinzas, e a
quem devemos veneração e obediência.”(Alvin)[Pag.221]

Trecho:
“O pecado aliena-nos de Deus e toma-nos incapazes de entrar em comunhão com ele.
A nossa queda no pecado teve consequências cataclísmicas, tanto afetivas quanto
cognitivas. Quanto às consequências afetivas, as nossas afeições foram distorcidas e
os nossos corações abrigam agora um mal profundo e radical: amamo-nos a nós
mesmos acima de tudo, em vez de amarmos Deus.

E houve também consequências cognitivas miñosas. O nosso conhecimento original


de Deus e da sua maravilhosa beleza, glória e amor foi severamente comprometido;
desse modo, a nossa imagem restrita de Deus foi destruída e a imagem geral foi
danificada, distorcida.

Em particular, o sensus divinitatis foi danificado e deformado; em razão da Queda, já


não conhecemos Deus do modo natural e não problemático pelo qual nos conhecemos
uns aos outros e ao mundo que nos rodeia. Além disso, o pecado induz em nós uma
resistência aos produtos do sensus divinitatis, silenciados que foram pelo primeiro fator;
não queremos dar atenção aos seus produtos.”(Alvin)[Pag.220]

Trecho:
“O próprio Deus, a origem do meu ser, pode também ser uma ameaça. No meu desejo
orgulhoso de autonomia e autossuficiência, posso acabar tendo ressentimento pela
presença de alguém de quem eu dependo para respirar e em comparação com quem
sou realmente insignificante. Posso, consequentemente, acabar por odiá-lo também.
Quero ser autônomo, não estar em dívida com ninguém. Talvez essa seja a raiz mais
profunda da condição do pecado.”(Alvin)[Pag.223]

Trecho:
“Segundo Calvino, o pecado primeiro e primordial é a desobediência', ele também
afirma em outra passa0gem que é não confiar em Deus. Segundo Agostinho,1 8 o
orgulho a raiz mais profunda do pecado; ele também afirma em outra passagem que a
inveja ocupa essa posição nada invejável. Essas quatro condições estão claramente
interligadas. Orgulhosamente, quero considerar-me tão justo e bom quanto qualquer
outra pessoa, incluindo Deus; por isso, irrita-me ser obrigado a lhe obedecer. E se ele
exige a minha obediência, não começarei a perder a confiança nele? (Não quero
obedecer-lhe; é um pequeno passo para me convencer de que o que ele exige de mim
não é para meu próprio bem.) Claro que também reconheço que não tenho um status
divino; daí a inveja (e, uma vez mais, a ambiguidade e o autoengano).”(Alvin)[Pag.226]

Trecho:
“Onde estou, ou o que sou? De que causas derivo a minha existência e a que condição
regressarei? A quem devo procurar agradar e de quem é a cólera que devo temer?
Que seres me rodeiam? E sobre quem tenho influência, ou quem tem influência sobre
mim?

Fico confundido com todas essas questões, e começo a ver-me na condição mais
deplorável que imaginar se possa, envolvido pelas trevas mais profundas e
completamente desprovido do uso de todos os membros e faculdades”(Hume)
[Pag.232]

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