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Luís A. Weber Salvi

TRADIÇÃO &
TRANSMISSÃO
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© LUÍS AUGUSTO WEBER SALVI
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Índice

Introdução 4

Parte I. TRADIÇÃO & TRANSMISSÃO

Capítulo 1. O Conceito de Civilização 8


Capítulo 2. A Tradição das Idades do Mundo 12
Capítulo 3. Os Ciclos da Tradição 16
Capítulo 4. Conhecer as Escrituras sagradas 23
Capítulo 5. Eugenia e Casa Real 26
Capítulo 6. O Reino do Graal 31
Capítulo 7. Heráldica, a "Arte Heróica" 38
Capítulo 8. O Deus-Menino 42
Capítulo 9. Dharmas e Raças 45
Capítulo 10. Mistificação & Restauração 47
Capítulo 11. Cosmogonia e Urbanismo 50
Capítulo 12. Da Justiça Divina 55
Capítulo 13. A questão do Livre-Arbítrio 58

Parte II. A UNIDADE DOS MISTÉRIOS

Capítulo 14. Tradição Primordial e derivadas 62


Capítulo 15. Símbolos da Tradição 66
Capítulo 16. A Reabertura das Escolas de Iniciação 70
Capítulo 17. "Quando o Discípulo Está Preparado" 76
Capítulo 18. Restauração & Renovação 79
Capítulo 19. Espaço & Tempo 82
Capítulo 20. A Tradição Restaurada 88

Parte III. PALMILHANDO A SENDA

Capítulo 21. A Tigela do Peregrino 92


Capítulo 22. Ação criativa e libertação do ego 95
Capítulo 23. As Duas Correntes da Iluminação 97
Capítulo 24. Yoga e Felicidade 100
Capítulo 25. A Linhagem do Graal 104

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Capítulo 26. O dilema da Humanidade 108
Capítulo 27. A Espada da Verdade 112

Parte IV. ESTUDOS ÉTNICO-TRADICIONAIS

Capítulo 28. Arhat e Tulku 116


Capítulo 29. As Origens sagradas atlantes 120
Capítulo 30. O Problema do Sacrifício 126
Capítulo 31. O pecado da mistura das Castas 131
Capítulo 32. A Tradição Viva 133
Capítulo 33. A Teocracia Árya segundo d'Alveydre 140
Capítulo 34. A "Casa da Vida": o Templo egípcio 149
Capítulo 35. Os Mundos Antigos 154

Parte V. SÍMBOLOS DO CENTRO

Capítulo 36. O Chamado dos Sinos 165


Capítulo 37. A "Cruz Polar" 168
Capítulo 38. O Selo de Salomão 171
Capítulo 39. A Balança da Justiça 174
Capítulo 40. O Cálice e a Espada 181
Capítulo 41. O Movimento Hippie e a Nova Era 184

Bibliografia & Obras Citadas 188


Sobre o Autor 190

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Introdução

Como saberão a maior parte dos leitores desta obra, a “Tradição” que se pretende
defender aqui, é a chamada Tradição de Sabedoria ou Tradição Perene, assim definida
em nosso “Glossário Holístico”:
“TRADIÇÃO: Corpo de costumes e observâncias de uma cultura. Difere do
atavismo, no sentido de que este se reduz à observância formal das coisas.
Tradição implica em procurar uma dimensão mais profunda, antes ligada ao ser. A
Sociedade Tradicional é, neste sentido, aquela que busca organizar a cultura da
unificação das instituições. O resultado é a busca do ideal da conquista do paraíso
terreno, algo diametralmente oposto a toda a utopia laica, que opta antes por
reduzir os conflitos pela cirurgia castradora das classes sociais. Religião e
esoterismo devem buscar se integrar numa hierarquia de valores, de modo a
fornecer benefícios mútuos. O crente sem conhecimento pode ser um fanático, e o
esotérico sem fé pode ser um presunçoso. A tradição surge, nisto, como um
sinônimo de sagrado, disposto porém a realizar pontes e a manifestar a unidade,
reflexo direto da mentalidade dos Mestres da qual a Tradição é uma concepção
direta.”
A Tradição é algo que acompanha a evolução do mundo, servindo-lhe como uma
estrutura de organização interna. A transmissão desta Tradição, permite que tal ordem
se traduza em progresso ativo.
Distinguir a natureza da Tradição de seu processo de transmissão é, na verdade, algo
artificial, de tal modo que os termos "tradição" e "transmissão" sequer diferem
etimologicamente. De fato, traditio significa em latim, precisamente, "transmitir".
Apenas para fins práticos, podemos relacionar tradição ao estático e transmissão ao
dinâmico. Assim, tradição, no sentido espiritual do termo, representa um conjunto de
elementos culturais impregnados por um sentido de síntese. Já a transmissão, significa a
difusão e a adaptação destes elementos a cada época e lugar. Mas, obviamente, ambas
se constituem numa só coisa. A tradição é alimentada pela transmissão, e esta é
legitimada pela anterior. E isto é importante de ser compreendido, porque sem tradição
suficiente, uma transmissão não alcança muita importância, e sem uma transmissão efi-
ciente, a tradição tampouco pode ser realmente difundida.
A manutenção da Tradição depende da integração dos três centros: a Divindade, a
Hierarquia e a Humanidade. Esta é a verdadeira base da transmissão, que atravessa um
primeiro degrau entre a Divindade e a Hierarquia chamado de “Tradição Primária”, e
um segundo degrau entre a Hierarquia e a Humanidade chamado de “Tradição
Secundária”. Eis o que diz também o citado “Glossário”:
“A transmissão espiritual, outorgada ou voluntária, é a grande chave da
criatividade intelectual, porquanto o discípulo se coloca na mesma e fecunda linha
criativa de um mestre, configurando a necessária linhagem nascida da Revelação
original.”
Existem, no entanto, diversas classificações para ambas as coisas, no quadro geral da
evolução. Nas doutrinas do mundo, tradição e transmissão podem receber distintas

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conotações, e mais uma vez, o princípio surge como mais importante do que a forma.
Cabala significa “tradição”, em hebraico, tratando-se sobretudo de um sistema
numerológico, estruturante e esotérico. Suna também quer dizer “tradição”, em árabe,
fazendo referência aos escritos canônicos da religião islâmica.
A tradição e a transmissão são princípios universais que se adaptam às épocas,
servindo para orientar espiritualmente a humanidade, mesmo que de forma
relativamente imperceptível. O mundo moderno, é um ambiente onde a questão das
tradições pode e deve ser enfocado com atenção. Nele, culturas se confrontam, se ar-
ruínam e renovam, complementando visões, destruindo antigos modelos e impondo
novos paradigmas.
Certamente, novas sínteses estão sendo preparadas, e a presente obra pretende servir
de referência sobre os princípios que norteiam as tradições do mundo, segundo algumas
abordagens correntes, permitindo situar as mudanças que ocorrem no panorama
planetária.
A crise das instituições surge amiúde acompanhada pela chegada dos novos ventos,
os quais vão se insinuando aos poucos até produzir a renovação da face da terra. É um
trabalho de séculos e até de milênios, no qual o espaço da individualidade se dilui, e
apenas pode se fixar diante de uma atuação de proporções maiores, a saber, de quilate
social.
Existem energias que são invocadas nestes momentos, cuja natureza é de uma
transcendência maior e equivalem justamente aos interesses da coletividade. Os termos
“raça” ou “raça-raiz” aqui empregados, é tradicional e diz respeito aos ciclos de 5 mil
anos das civilizações-raízes, com acepção secundária em relação a cores. “Raça-raiz” é
uma sociedade-dharma, uma humanidade fundadora regida ao nível da alma e atenta aos
valores evolutivos da humanidade, tal como ensina e orienta a Loja racial, a emanação
de Shambala para cada raça, a Grande Fraternidade Branca ou a Hierarquia de Luz. Não
basta uma sociedade pretender se “espiritualizar”, pois ela deve atender aos cânones da
evolução, sob pena de termos meros paliativos ou até o fanatismo e o retrocesso
cultural. É preciso, isto sim, haver o realinhamento dos centros: a Humanidade, a
Hierarquia e a Divindade.
A Tradição de que se trata aqui, também faz contínua referência ao Reino de Deus,
como expressão da Sabedoria agarthina de organizar os Centros universais sagrados de
civilização. Todos aqueles que trataram do tema da Agartha com propriedade e sem
mistificação, deram ênfase para a questão política e para a sociologia esotérica, como
fizeram Saint Yves d’Alveydre e Serge Raynaud de la Ferrière, entre outros.
A mudanças de parâmetros civilizatórios, envolvem todas as dimensões –
basicamente, tempo e espaço–, e determinam caminhos definidos a serem seguidos,
orientados por sua vez por revelações determinadas. Estas quatro questões –sociedade,
revelação, tempo e espaço - definem, pois, o plano da nova Escola iniciática, trazendo
luz sobre os portentosos eventos que cercam o momento atual –a chamada "Meia-Noite
dos Tempos"–, ao nos situar focalmente no tempo-espaço das transformações, através
de ciências tradicionais que vêm sendo resgatadas, como são a astrologia esotérica e a
geografia sagrada, à parte trazer elucidações sobre uma série de símbolos e mitos, e
ainda atestar o cumprimento das profecias e das "novas coisas" aguardadas, naquele que
será o Dia de Deus em Nós -ou seja, mais próximo que o Deus Conosco da antiga
Dispensacão cristã.

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Existem períodos especiais para a manifestação da Tradição Perene, e os tempos
chegados são desta natureza, para investigar e viver a fundo estas realidades
embrionárias geradas por revelação, para logo adiante se poder aplicar coletiva e
institucionalmente. Devido a integrar este contexto, é legítimo o espírito de apologia
que perspassa a presente obra, pois revela um espírito tradicional em ação.
Estudioso sistemático dos grandes arautos da Tradição Perene, como René Guenón,
Frithjof Schuon, Titus Burhardt, Julius Evola e Coomaraswami (entre os mais
conhecidos), assim como de mensageiros potenciais de uma “nova tradição” como
Helena P. Blavatsky e Saint Yves d’Alveydre, entre outros que começaram a assumir
ativamente a renovação como Serge Raynaud de la Ferrière e Alice A. Bailey, o autor
sempre teve a meta de viver a fundo a espiritualidade e realizar sínteses, alcançando em
função da sua disposição pessoal e da conjuntura natural em que viveu, a meta das
novas Mateses necessárias, que é a tradução dialética para o “Conhecimento Total”,
manifesto como projeto cultural e, portanto, a própria Tradição rediviva...
Assim, à parte ser um estudioso, o autor destes textos é também um codificador de
tradições, algumas das quais reveladas, completadas e reformadas, a partir de indícios
tradicionais, considerando-se sempre muito mais um intérprete do que propriamente um
inventor de códigos. Também tem mantido escolas de iniciação e pesquisado a fundo as
mais avançadas técnicas espirituais.
Apresenta-se assim como um intérprete ou, mais exatamente, um desvelador,
afirmando que as mesmas conclusões podem ser alcançadas por todos que seguirem o
caminho que trilhou –porque se trata, afinal, da mera leitura dos anais ocultos-, num
caminho que combina erudição com inspiração, baseado em diversas fontes tradicionais
ou mesmo inéditas num dado sentido, encontrando a concordância entre fontes novas ou
antigas, assim como ocidentais e orientais, internas e exteriores, configurando assim um
inventário multidimensional de tempo, espaço e polaridade, e trazendo por isto sempre a
marca do universalismo. A originalidade se mistura com o tradicional (permanecendo
assim em terreno seguro), representando acima de tudo a continuidade de um conheci-
mento multimilenar acerca dos ciclos e das energias, trazendo com certeza a marca da
profecia através da renovação e da revelação.
A presente obra apresenta trabalhos veiculados na Revista Pentalfa, da Sociedade
Universalista Nova Albion, e no boletim Mensageiro do Arco-Íris da Universidade
Agartha, além de outras matérias divulgadas através do site ("home-page") da SUNA.
Os textos sobre simbolismo que integram a última seção, foram publicados no Jornal
Paralelo 30 – a Cultura da Idade de Ouro, FEEU. Trata-se também de uma homenagem
especial, no âmbito da geografia sagrada, àquela região tradicionalmente associada à
Shambala, e às manifestações divinas que dali partem –inclusive a profetizada através
do Kalki Avatar-, fontes da restauração cíclica da Tradição sagrada, tornando daí
imortais as palavras do sábio francês Serge Raynaud de la Ferrière:
“...é sobre a linha do grau 30 de latitude que se encontram os vestígios
importantes das antigas Tradições Iniciáticas...
“...uma Nova Idade se perfila: a Era de Aquarius. Uma vez mais as polaridades
magnético-espirituais vão se encontrar cambiadas, e é para os 30° de latitude sul
que se dirigirão nossos olhares: eterna renovação da humanidade em evolução.”
(em “Teocracia y Tibet – Hacia a Una Edad de Paz”)

* Esta seção também integrava o projeto literário intitulado “O Jardim do Sol”, parte de um
projeto cultural mais amplo, e depois acoplado ao Projeto Nova Albion.

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Parte I

Tradição & Transmissão

Para que se cumprisse o que fora dito pelo profeta, que disse: Abrirei em parábolas
a minha boca; Publicarei coisas ocultas desde a fundação do mundo.

Mateus 13 : 35

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Capítulo 1

O Conceito de Civilização *

A EVOLUÇÃO DA CULTURA atravessa diferentes estágios históricos, e com isto os


conceitos que atribuímos às coisas sofrem contínuas remodelações. Porém, o Espírito da
Tradição traz consigo a possibilidade de recuperar o sentido original das palavras,
valendo-se, em parte, da análise etimológica, que geralmente permite trazer luz sobre as
conotações originais dos termos. A iluminação sobre a verdade dos conceitos, é um
passo fundamental na restauração da Imagem humana e de tudo o que ela representa.
Uma das noções mais globais existentes, diz respeito, neste sentido, à própria idéia
de Civilização, termo atribuído a aspectos variados da cultura humana, e ainda sujeita a
uma definição mais ampla e satisfatória.
O que significa, pois, “Civilização”, enquanto modo de vida e existência distinta da
barbárie? Os historiadores têm encontrado, através dos tempos, diferentes respostas a
esta questão. Até recentemente, buscava-se caracterizar as culturas a partir de suas
engendrações tão somente materiais, do tipo modo de vida nômade ou sedentário,
agrário, pastoril ou de coletas, emprego de materiais mais ou menos duráveis na
construção de habitações, etc.
Mais recentemente, porém, e depois de constatadas as dificuldades de classificar a
cultura apenas nestes termos, procura-se caracterizar a idéia de Civilização a partir de
uma determinada forma de organização social –atitude mais sábia e pertinente, visto
ser a ordem social uma expressão real do grau de organização de uma cultura. E isto
tem sido expresso mais ou menos nestes termos: Civilizada é toda aquela sociedade que
apresenta uma divisão de tarefas onde se permite a um grupo atividades culturais não
diretamente vinculadas a questões econômicas.
Viu-se, contudo, que quase todas as sociedades, têm divisões sociais e atividades
variadas, partindo-se então na atualidade para a focalização da idéia de Estado, como
núcleo do processo civilizatório. Também se tentou considerar a moeda, mas este
elemento novamente se verificou difuso.
Certamente o princípio de especialização de tarefas, sobretudo quando exercido de
uma forma espontânea e natural, representa um dos grandes preceitos que definem uma
cultura evoluída. Mesmo nas sociedades ditas “primitivas”, existem rudimentos de
especialização, na medida em que não apenas aparece ali a distinção básica entre tarefas
masculinas e femininas, como também as funções de líder político e mesmo de
orientador espiritual ou curador. Este princípio tende a progredir nas culturas evoluídas,
dando lugar às organizações de castas ou classes, as quais, sempre que imbuídas do
sentido de vocação pessoal, representam um elemento de grande importância na
organização das sociedades superiores, possibilitando o desenvolvimento dos diferentes
aspectos da Civilização e da criatividade humana em geral. A correta organização

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social, realizada sobre bases legítimas, perfaz uma das mais eloqüentes imagens das
cosmologias, permitindo a reordenação do mundo.
Porém, sabemos que, de um lado está a estratificação social, e do outro lado está a
evolução social, a qual não necessita todavia se limitar a cada extrato social, antes
podendo perspassá-los, de modo que um indivíduo pode fazer evoluir a natureza da sua
classe social ao longo da vida.
É por estas razão que, nas Idades mais espirituais das raças, a noção de castas é
bastante móvel e flexível, sujeitas como estão a um sentido de universalidade e de
integração, assim como de atividade propriamente espiritual e iniciática continuamente
transformadora, permitindo a adoção da educação permanente como se praticou
socialmente no Brahmanismo (antes de jativarna ou da cristalização social), com sua
virtude de criar ambientes para a preparação ou a evolução das castas.
Dizem os mitos, inclusive m que na Idade do Diamante que prepara a transição
racial, a classes se vêem de certa forma transcendidas por uma grande síntese (ainda que
saibamos que é neste ambiente, que também se formam as classes sociais).
Não é simplesmente, porém, que todos venham a fazer de tudo por todo o tempo,
antes no sentido de que a construção do Homem completo que se alcança nesta ocasião,
integra a completa experiência vivencial de todo o iniciado: a luz resulta da participação
de todos os elementos cósmicos.
Tudo isto representa, pois, as sucessivas etapas da Civilização: originalmente, no
“Paraíso” dourado da cultura, ou na sua Idade de Ouro, portanto, a experiência cabal e a
verdadeira Iniciação podem ser amplamente conquistadas, de modo que numa única
existência, o indivíduo realiza o seu completo programa evolutivo, numa época onde
também todas as instituições se encontram devidamente integradas e orientadas por uma
só diretriz evolutiva. Nesta fase, a escola dos ashramas se destina a estimular a
mobilidade social e a fomentar a evolução espiritual anexada.
Com o tempo, a síntese começa a perder-se e aquilo que, em princípio, representava
apenas um estágio da vida –e portanto, uma iniciação– passa a se constituir na
característica de toda uma existência, gerando o esquema das classes não-hereditárias
característico da Idade de Prata –o qual preserva ainda a virtude de respeitar a vocação
humana e, portanto, a sua liberdade. Nesta fase, a escola dos ashramas se destina a
determinar uma vocação social e a despertar a sua espiritualidade. Depois disto, começa
a verdadeira crise cultural.
Na Idade de Bronze, já não é de todo possível a livre eleição daquilo que se deseja
realizar; existe conflito dentro e fora do homem, tendo início o chamado “ciclo
cármico” da Civilização. As forças inferiores se alçam ao poder e tiranizam a sociedade,
a qual, por estar sujeita a leis inferiores, tampouco são dadas escolhas reais, pelo
elevado índice populacional então existente, etc.: é quando surgem as castas
estratificadas e hereditárias. Nesta fase, a escola dos ashramas se destina a determinar
uma convenção social.
Finalmente, na Idade de Ferro, agrava-se a situação anterior e a fome grassa sobre
um planeta esgotado, num quadro onde o Tempo e a Morte são os grandes senhores; de
modo que agora sequer o quadro das castas assegura qualquer ordem real no sentido de
uma definição superior da sociedade, e a separação entre as diversas instituições alcança
o seu auge. Nesta etapa, a escola dos ashramas se destina meramente a proteger uma
convenção social.

As Três Etapas da Cultura

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A Civilização do homem atravessa no geral três etapas, que podem ser
correspondidas a verdadeiras “iniciações” coletivas. Todas elas se encontram descritas
ou referidas através das narrativas e das profecias bíblicas do Velho e do Novo
Testamento, como vamos observar.
Inicialmente, havia a condição nômade das tribos judaicas, simbolizando o caráter
errante da Personalidade, a qual em seu melhor aspecto representa a etapa do buscador
espiritual, e em termos culturais expressa ainda certo grau de barbárie. Nesta fase, a
vida superior do indivíduo é tão frágil e natural quanto um Tabernáculo no deserto. Ao
nível coletivo, trata-se de uma fase pastoril que representa a procura por uma
Identidade cultural maior. Compare-se aqui os 40 anos de peregrinação do povo judeu
pelo deserto com a Arca da Aliança, aos 40 dias de dilúvio em que Noé sobreviveu em
sua outra arca. É o culto da religião da Idade do Pai, que é o Deus-transcendente
exterior, na etapa da proto-civilização, caracterizada pela crendice e pelo folclore
popular.
Em seguida, tem-se o erguimento ou a conquista de uma vila, simbolizando uma
expressão mais organizada de Cultura, tendo necessariamente ao centro um Templo
como símbolo da condição estável e fixa da vida da Alma. Jerusalém significa, neste
sentido, “lugar da paz”, isto é: onde um caminho real é encontrado sob a proteção do
Deus vivo habitando o Templo, e a sociedade organizada sob a orientação dos Profetas,
o que significa entre outras coisas, a definição de uma Ordem efetivamente sagrada, que
se organiza então de uma forma basicamente agrícola. É a religião da Idade do Filho,
que é Deus-conosco, Emannuel. No mito noético, temos o Pacto entre Deus e o homem,
simbolizado pelo arco-íris da Hierarquia. É, pois, a etapa da pré-civilização e da
Religião superior.
Finalmente, num plano que recém começa a concretizar-se historicamente na
humanidade, temos a realização da Cidade Sagrada sem um Centro formal, uma vez que
a luz (do Messias) se encontra espargida por toda a parte (através dos Adeptos), tal
como descreve o Apocalipse de São João; e onde a economia material se desenvolve em
termos propriamente industriais. Trata-se do verdadeiro conceito de Civilização,
simbolizado pela Nova Jerusalém no Apocalipse, e onde não existe Templo visível, na
medida em que o Cristo está presente. Por outro lado, se inaugura a cidade com muitos
templos, o que também pode representar alguma forma de panteísmo. Traduz
finalmente, a religião da Idade do Espírito Santo, que é Deus-em-nós de modo que cada
ser humano se reconhece como templo sagrado apto para abrigar a divindade e seguir a
evolução interior. É a restauração do Paraíso, com a Árvore da Vida ao centro, na fase
da verdadeira Ciência, perfeita e íntegra.
É claro que tudo isto representa um processo de crescimento, sendo por esta razão
cumulativo, e cujos símbolos são: a Tenda, o Templo e a Cidade. De todos eles, apenas
o último merece de fato o epíteto de “Civilização”, no sentido mais amplo, exato e
original do termo, por representar um quadro completo da Ordem Universal. Já o
Templo corresponde muito bem ao aspecto "Cultura", pois é onde se cultivam as
energias internas do homem. E a Tenda é a superstição, suficiente para o nômade
aventureiro, na “Sociedade” humana linear.
Neste aspecto, a antiga relação entre a urbanidade e a condição superior de cultura –
hoje amplamente descartada pelos historiadores–, apresenta de fato algum nexo, sem
contar as distorções hoje existentes na idéia do urbanismo, que faz das cidades antros de
corrupção de toda a espécie.
E é por esta razão que nos resta hoje esta pergunta: “–Saberemos sanear e organizar
nossas cidades e existências da forma devida, ou teremos que reiniciar todo um período
de peregrinações em busca de um Eu maior?” Pois, passada a época das pequenas

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cidades centralizadas num único Templo, chega o momento de decidir-nos pela
destruição da civilização, face à alienação e desarmonia do homem moderno, ou pela
geração de uma cultura realmente superior onde a luz se encontre disseminada e as
chaves da harmonia universal profundamente conhecidas e aplicadas. Os potenciais para
ambas as possibilidades, se encontram em nossa posse neste exato momento.
A Árvore da Vida pede uma vez mais para desabrochar!**

* Publicado no Jornal PARALELO 30, n° 9, de 1999, FEEU, Porto Alegre.


** Ver mais sobre o multiculturalismo em nossa obra “Antropologia Geral”

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Capítulo 2

A Tradição das Idades do Mundo

ASSUNTO QUE RECAI AINDA HOJE sobre a mais espessa névoa, a Tradição das Idades
do Mundo foi tema de grande popularidade na Antiguidade, de modo que os filósofos
clássicos ainda respiram, aqui e ali, os ares daquela atmosfera, com destaque para o
primeiro deles que foi Hesíodo (século VIII a.C.), onde temos uma formulação explícita
do tema –talvez não de todo organizada, é verdade-, inspirada provavelmente nos
registros mesopotâmicos. É desta mesma região que surge outra importante menção,
presente no ciclo babilônico hebraico, onde o profeta Daniel tem a oportunidade de
adivinhar o sonho de Nabucodosor sobre os ciclos das civilizações, na forma de um
gigante dividido em quatro partes, naquela que representa a mais clara alusão ao tema
existente na Bíblia e em toda a cultura mesopotâmica.
Na Índia, também havia uma tradição consolidada nas Doutrinas do Tempo, assim
como, em tempos mais recentes, surge com abundância na América pré-colombiana –
tudo isto profundamente sujeito a véus e a distorções. De resto, existe quase apenas um
silêncio eloqüente, que não deixa todavia dúvidas quanto a ocultar muita coisa. O
apreço pela oralidade era grande na época antiga, coisa que se entrevê em Platão e, é
claro, na ausência de registros difusos em outras nações. Usava-se, antes, o símbolo e o
mito, como forma prática de resumir informações, alimentar a intuição e fomentar a
memória. E nisto, os números eram sempre muito valorizados, como síntese estrutural
dos conceitos.
Comumente, a escrita era mais usada para questões práticas, como a contabilidade. A
organização da sociedade, sua complexificação e o sedentarismo, tornou necessária esta
espécie de medida. A dificuldade do registro daqueles tempos, tornou útil fazê-lo de
forma duradoura nas pedras ou nos pergaminhos. Era complicado entrar em detalhes, de
modo que somente as coisas mais vitais eram registradas -o que demandava ainda mais
fortemente, a necessidade do convívio pessoal e da transmissão oral. Todavia,
sociedades mais organizadas elaboraram os papiros, facilitando a atividade dos copistas;
daí veio a cultura de Moisés, crescido e educado no Egito Antigo.
Talvez uma das coisas mais importantes existentes em relação aos hebreus, tenha
sido o fato de manterem um registro mais ou menos apurado dos seus costumes e
tradições, coisa que devem, de início, provavelmente à escola mosaica, tornando-os
assim o primeiro “Povo do Livro” conhecido. Moisés era um típico Manu, um mentor e
guia de nações, destes antigos legisladores divinos cujas normas devem ser conhecidas
de todos, daí a necessidade do registro para não se perder os detalhes do culto e da
própria História sagrada. O Gilgamesh caldeu e o Manu indiano, pertencem a este
elevado staff. Porém, Moisés aprofundou este preceito e passou a registrar outros
elementos, inicialmente a sua cosmologia, que é igualmente outro fator essencial de
transmissão popular, mas também criou uma forma de História religiosa. Com isto, se

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organizaram escolas de registros dos feitos de legisladores, juízes, reis, sábios, profetas,
apóstolos...
Estes raros e antigos registros, realizados com o uso de alfabetos relativamente
familiares (hebraico, aramaico, grego, fenício), têm permitido intuir e a levantar o véu
sobre uns 80% -e este é um número arbitrário- de antigas tradições, usos e costumes, em
torno de questões sujeitas a quatro tipos de dificuldades: 1. DIFERENÇA: exotismo,
alteridade de valores, incompreensão intelectual; 2. OCULTAÇÃO: dogma, tabu, sigilo,
mistério; 3. CORRUPÇÃO: mistificação, superstição, interpretação; 4. AUSÊNCIA:
má-tradução, deformação formal, perda de registros.
Ainda assim, através deles se manteve registros mais ou menos minuciosos das
coisas, através dos quais se pode ter certa percepção dos ciclos. Porém, os tempos
estavam mudando, acelerando-se por assim dizer, e as coisas tornando-se mais instáveis
e fugazes. A tradição oral se tornava incerta, e isto trouxe a necessidade da proliferação
da escrita. A História e a evolução da escrita, passa então por páginas de ouro, que
apontam especialmente para as grandes Bibliotecas, sendo a mais conhecida delas a de
Alexandria, sob o Helenismo. Os essênios conseguiram entregar aos tempos atuais os
seus esforços. Os mosteiros cristãos também começaram a copiar as Escrituras. Os
árabes preservaram as obras dos clássicos gregos. Na China havia o papel desde 105
d.C., sendo ostensivamente usado então pelos budistas, mas que chegou à Europa
somente no século XII, através das Cruzadas uma vez mais, já que os árabes também
dominavam esta tecnologia há séculos. No século XV se cria então a imprensa de tipos
móveis na Europa, uma invenção de Gutemberg; até então se utilizavam pedras ou
madeiras com textos esculpidos para imprimir sobre papéis ou mesmo em tecidos.
Investigando mais ostensivamente a tradição dos calendários secretos, vemos que
existe realmente muitas vezes a intenção de manter véus sobre eles. Sendo ciências
naturais dos iluminados, são considerados como elevadas e abstratas demais, além de
fornecer informação demasiada sobre os ciclos do mundo e das raças, que podem ser
mal usadas por alguns. Outra dificuldade, está em alcançar cooptar as almas para refletir
sobre as grandes questões coletivas, razão pela qual cresce em contraparte o interesse
pela astrologia pessoal, fruto de uma cultura do individualismo nem sempre bem
administrada.
É chegada a hora, porém, de restaurar e de divulgar estes conhecimentos. Os
momentos importantes de transição, demandam estes instrumentos para esclarecer a
natureza dos processos sociais e planetários -e eis que hoje vivemos sob um quadro
complexo e amplo de transições.
A Sociedade Teosófica trouxe uma colaboração importante, embora através de
informações gerais preliminares, geralmente vinculadas ao Hinduísmo, suficientes
apenas para abrir caminhos e criar um novo estilo de investigação. A partir dali, se
começou a trabalhar o assunto. Uma importante vertente paralela, surgiu através dos
calendários maia-nahuas, embora através de generalidades uma vez mais. Novas escolas
foram porém sendo reveladas, cada vez mais reveladoras. Sínteses apareceram, e muitas
distorções e véus caíram por terra.

Alguns Calendários principais

Os processos de restauração e renovação da Tradição de Sabedoria, estão altamente


relacionados à implantação dos novos ciclos raciais e mundiais. Por esta razão, o
conhecimento destes ciclos representa um dos grandes elementos estruturantes desta

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cultura de síntese. Passemos então a descrever, sumariamente, alguns calendários
tradicionais.
O Ano cósmico. Embora não conte formalmente com uma repartição de Idades
quando visto na sua completa unidade, partiremos daquele que foi chamado “o dogma
supremo da Astrologia” (cf. André Barbault), ou seja, o “Ano cósmico” ou o Grande
Ano de Platão, também chamado “ronda” planetária na Teosofia ou kalpa no
Hinduísmo. Este ciclo-padrão possui aproximadamente 26 mil anos, e consiste na volta
completa da Terra sobre o seu próprio eixo, através do movimento de nutação em forma
de pião que o planeta realiza, relacionado também ao movimento precessional dos
Equinócios. Informalmente, podemos considerar as “Eras solares” como Estações
evolutivas distribuídas dentro do Ano cósmico, perfeitamente análogas às idades
metálicas, em função da onipresente base social de todos estes ciclos (ver também
análise interna destas Eras solares, mais abaixo). Atualmente, este ciclo está se
encerrando, e estamos entrando na sua última divisão, relacionada à raça de cultura mais
avançada, de natureza sacerdotal, ambientada no Novo Mundo como é sabido.
Manvantara e pralaya. A divisão do grande ciclo anterior em duas metades, está na
origem do ciclo hindu do manvantara (“Dia de Brahma”) e do pralaya (“Noite de
Brahma”), com 12 mil anos cada, e mais um milênio de transição em cada parte. Aqui
existe, pois, uma conhecida –porém misteriosa- tradição de Idades metálicas. Uma das
razões do mistério, está no uso de uma espécie de véu sobre estes ciclos, ao multiplicá-
los por 360, tornando-os assim irracionais. Uma peculiaridade deste ciclo, está na sua
fórmula “afunilada” na forma 4-3-2-1, que o coloca mais próximo do uso esotérico ou
iniciático. Outra questão importante, é que nunca se analisa o pralaya em detalhes,
apenas o manvantara; porém, sabemos que um é espelho do outro e possuem funções
complementares. Estes ciclos estariam relacionados aos períodos da evolução
paleontológica humana. Na atualidade, estamos entrando na última divisão do ciclo
atual, o Kali Yuga “maior”, que coincide com a chegada da Nova Era, Aquarius.
Eras solares (raças-raízes). Outra divisão muito importante do Ano cósmico, nos
leva diretamente à fórmula mais usual das raças-raízes, também chamada de “Era
solar”, já citadas mais acima. Trata-se de uma repartição cósmica que emprega a base
cinco, sugerindo uma espécie de “raiz quadrada” do ciclo, ou seja: 5x5 mil anos. Como
vimos na análise do Ano Cósmico, estas cinco unidades formam de certo modo uma
divisão semelhante àquela das Idades do Mundo, vista porém como civilizações-raízes.
A Teosofia moderna tratou bastante do tema racial, porém sempre sob véus que
impedem a percepção clara dos ciclos. Hoje tem-se claro que as raças ocupam ciclos de
5 mil anos, divididos nas quatro Idades Metálicas do Mundo, além da quinta Idade de
transição dita “Idade do Diamante”. Há várias formas de dividir este ciclo. Certa
corrente oriental emprega a divisão “híbrida” 4x1.250 anos, onde a “Idade do
Diamante” possui apenas 200 anos. Já o modelo greco-mesopotâmico dos
Cronocratores (conjunções de Júpiter e Saturno), vale-se da divisão de milênios ou
como 5x100 anos, sendo um deles a “Idade do Diamante” (ver abaixo); aqui temos,
pois, a “dinamização quintessencial” almejada pelos organizadores dos calendários
tradicionais. Existe ainda dentro deste ciclo, uma divisão “quadrada” de “sub-raças”, em
termos de 7x700 anos. Há finalmente, quem faça uso sistemático do fractal (proporção
decimal) de 500 (ou 520) anos. Estes ciclos estariam relacionados à evolução étnica
humana. Na atualidade, se está concluindo a terceira humanidade, sediada na Eurásia e
chamada “Quinta raça-raiz” ou Árya, após a Lemuriana e a Atlante. No Calendário
maia-nahua, a data de conclusão é neste 2012, dando início em seguida ao Sexto Mundo
ou à quarta humanidade ou Telúria, sediada nas Américas. Internamente, estamos na
Idade do Diamante de transição, de que tratamos abaixo.

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Idade do Diamante. Todas estas divisões de tempo –Yugas, Eras solares ou Idades
solares-, tem invariavelmente uma base social, isto, uma origem nas classes sociais, ou
nas castas se assim se quer. Tal coisa surge na Idade do Diamante racial, que é o parto
social em si. Trata-se de ciclos “cronocratores” de 200 anos que dividem o milênio de
transição das Eras solares, que é a “Idade do Diamante” em si, servindo para produzir
uma cosmologia social ou uma sociogênese. Assim, estes ciclos estariam relacionados
aos períodos da evolução sociológica humana. Tal situação está acontecendo em nossos
dias nas Américas, sendo que o local mais adequado para verificar o fato é o Brasil, a
partir da sua “descoberta” (após a conclusão do Kali Yuga “menor” decorrente na Era
de Peixes), e onde as Capitais mudam de região a cada dois séculos, para formar as
bases de uma nova classe social. Na atualidade, vivemos a etapa de conclusão do
terceiro momento social, que é a formação da aristocracia cultural, sediada
particularmente na Região Centro-Oeste em torno à nova Capital Federal, Brasília.*
Todas estas divisões de tempo ostentam, da mesma forma, alguma relação com o
valor 5, a quintessência relacionada à evolução e superação da condição humana, e que
no próximo Capítulo seguiremos analisando ainda sobre outro ângulo.

* Ver mais sobre a Idade do Diamante em nossas obras “O Sexto Sol” e “A Aurora do Novo
Mundo”.

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Capítulo 3

Os Ciclos da Tradição

A RECONSTRUÇÃO DO TEMPLO E DA CIDADELA DA TRADIÇÃO, representam eventos


cíclico cruciais na História do Homem, simbolizando o primeiro (“Templo”) um
conjunto de conhecimentos integrais acerca dos Mistérios da evolução, e o segundo
(“Cidade”) uma dada ordem universal edificada sobre o anterior. Em certo sentido,
correspondem também à expressão respectiva dos Mistérios Menores e dos Mistérios
Maiores na humanidade.
A Tradição manifesta-se, em geral, basicamente na forma de uma Ordem de
Unidade, elaborada entre todas as coisas existentes nos diversos mundos, apresentando
como fundamento uma realização de síntese desta natureza, a ocorrer inicial e
cabalmente na Pessoa de um Mestre ou Avatar, feito literalmente à (ou qual) imagem de
Deus, perfazendo assim a própria Imagem da Perfeição, sol do qual partem todos os
raios que constituem a individualidade dos homens e suas instituições.
A manifestação de toda uma sociedade, pautada ela mesma pelos preceitos tradi-
cionais, e perfazendo desta forma uma Ordem Cósmica dotada de grande harmonia e
perfeição, resulta de uma integração direta e universal com os Mestres, o que se traduz
então como nada mais e nada menos que pela íntima relação com o Criador através dos
Seus legítimos representantes.
Tal estado de perfeição, resultante da adoção consciente desta medida sagrada, vem
corresponder precisamente aos mitos do Paraíso original ou da Terra de Luz, que
emerge no início de cada novo ciclo de evolução racial a partir das águas do antigo caos
cultural. É necessário às vezes um dilúvio para que o mundo de renove, mesmo porque
-sabem-no os verdadeiros alquimistas-, faz-se necessária a presença da matéria prima
para a realização da Grande Obra, num processo de depuração que tem os seus refugos.
A periodicidade com que este estado de coisas acontece, pode obedecer a diferentes
escalas de grandezas, devendo-se distinguir particularmente a questão da fundação do
Templo da Pequena Tradição, e da edificação da Cidadela da Grande Tradição,
sujeitos a diferentes escalas de tempo. Vejamos as seguintes correlações:

A Cidadela ..... A Tradição Primária .......... os Mistérios Maiores .... Centro Polar
O Templo ........ A Tradição Secundária ..... os Mistérios Menores .... Centro Solar

Cada Escola tem uma Missão definida, e um horizonte a percorrer através de seu
trabalho, enfocando um determinado período de tempo e uma dada realidade cultural,
condizente com os seus próprios fundamentos hierárquicos. Mas a base para todo este
processo tende a ser o algarismo 5, a estrela de cinco pontas que representa o arquétipo
fundamental do Universo.
Sobre esta base, constroem-se então os ciclos culturais da Humanidade. Em relação
às realidades focalizadas, voltadas que se encontram para o plano da Alma e do Espírito

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respectivamente, correspondendo cada uma aos ciclos de 500 e 5.000 anos no mesmo
sentido.
O primeiro pode ser considerado um degrau da Era Zodiacal (5 x 500 = 2.500 anos,
aproximadamente) e relacionado à Hierarquia de Luz do planeta ou ao Templo sagrado,
ao passo que o segundo, chamado em si mesmo como “Era Solar”, representa já uma
faixa do Ano Cósmico (5 x 5.000 = 25.000 anos) e se vincula à esfera de Shambala ou o
próprio Trono divino. Dois ciclos que alternam-se através dos tempos em sua
dominação sobre a humanidade, tendo como símbolos respectivos a região da eclíptica
e a faixa polar, respectivamente. E com isto, percebe-se a real importância que possui o
número cinco, por si mesmo, dentro deste quadro evolutivo completo.
O ciclo menor se encontra mais facilmente representado pelos mitos dos povos, por
se tratar de uma realidade mais palpável dentro de uma mesma civilização, conferindo
seus períodos próprios e daí por diante. Já o segundo ultrapassa, por assim dizer, os
horizontes de uma única cultura, e seu conjunto expressa um horizonte dificilmente
contemplado pela mente do homem em sua capacidade de historiagrafar linearmente os
fatos. Afinal, neste padrão aquilo que vem antes, tende a ser sempre considerado
barbárie ou pré-história.
Vejamos a presença do primeiro em algumas culturas do Médio Oriente. Heródoto
nos lega uma lenda egípcia a respeito da fênix que retorna periodicamente do deserto
(“Arábia”) ao Templo do Sol em Heliópolis,* a cada 500 anos, para depositar seus ovos,
incinerar-se e depois renascer de suas próprias cinzas. Esta cidade foi a sede da grande
ortodoxia egípcia, centralizando o culto ao Sol ou ao Logos, Atum-Rá, instaurado há
cerca de 5.000 anos atrás.
Também os hebreus registraram em sua história sagrada um processo cíclico
semelhante, através da descrição das sucessivas construções e destruições do Templo de
Jerusalém. É momento de voltar a citar o “babilônico” profeta Daniel, quando descobre
que o verdadeiro período de reconstrução do templo hebreu seria de “setenta semanas
de anos” -ou seja, os 490 anos do ciclo-Fênix.
Este fato, pode ser acompanhado sem maiores dificuldades na cronologia da Bíblia.
Primeiramente, o Templo original é construído por Salomão (o 3° rei judeu) com o
auxílio de Hiram, o rei fenício (termo associado a fênix), num evento notavelmente
sempre marcado pelo simbolismo iniciático, ao qual tanto a ordem dos Templários
como a Maçonaria buscaram sempre vincular-se, postulando-se assim como herdeiros
desta Tradição. A construção original data do ano 1.000 a.C., coincidindo com o
definitivo estabelecimento dos hebreus em Jerusalém, pois o processo de implantação
da Tradição, tendo em vista a elaboração futura de sua Cidadela, deve estar já vinculada
ao princípio do urbanismo, para fins teóricos e práticos de organização cultural -donde o
simbolismo da Jerusalém Celeste, definido por São João no seu Apocalipse. Pois existe,
antes disto, uma etapa cultural mais primitiva, representada nas Escrituras pela Tenda
ou o Tabernáculo do deserto, simbolizando “a imperfeita vida efêmera da personalidade
transitória (, ao passo que) o templo de Salomão simboliza a vida perfeita da alma”
(Alice A. Bailey, “O Reaparecimento do Cristo”, pgs. 27-8. ed. orig.) Deste modo, se a
Tenda faz ainda alusão a uma procura errante e elementar, o Templo aponta para uma
etapa média de desenvolvimento, mas que aos poucos, também por sua vez deve ceder
lugar à urbe solarizada...
Depois de 500 anos aproximadamente, o Templo é destruído e logo reconstruído,
após o exílio babilônico. Até ser destruído pela última vez após outro ciclo desta ordem,
quando finda então a Era de Áries que regia os destinos desta religião, e mesmo de
outras daquela área especialmente relacionada à energia daquela Era, compreendida

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entre 30 e 60 graus de longitude Leste na projeção terrestre –ver a nossa obra “O
Oráculo de Gaia – um Estudo de Arqueoastronomia Integrada”.
Para que o Templo da Tradição fosse reconstruído, os profetas anunciavam como
motivação a forma –muitas vezes completamente simbólica, como evidencia Ezequiel–
que deveria possuir, observando ainda, quando edificado, que o processo deveria ser
administrado pelos sacerdotes, e anunciando para isto a entrada ou a saída da “glória de
Iahweh” (ou a shekinah, a mesma shakty hindu que define o dom da iluminação) no seu
interior, conforme as circunstâncias. Muitas vezes, a pena deitada sobre o “povo eleito”,
porém pecador (quando seu carma era ainda efetivamente deter a dinâmica ou dharma
racial), era grave como perder a soberania nacional e sucumbir na escravidão, fato este
que parece menor ante a importância global de sua missão –que era preservar o Templo
puro, quer dizer: a Tradição preservada e legitimada pela administração idônea da
Sucessão Apostólica.
Esta seria, pois, a verdadeira Pedra Fundamental do Templo, quer dizer: o Santo dos
Santos. Ou seja: a realidade da Unificação Vicária para o mundo, presente no seio
daquela sub-raça “eleita” no decurso de um dado período mundial.
Terminada a Era de Áries, esta missão passaria para a Cristandade e ao Ocidente-
Médio (leia-se Europa), onde o problema se encontra formulado nos Evangelhos
através da consagração do espírito de fé de Pedro como seu símbolo maior. A Escritura
afirma que o Apóstolo detém “as chaves do céu e da terra”, ou seja: da transmissão
iniciática de um lado, e da justiça universal de outro; já que o carma racial se encontra
atrelado ao dharma mundial que acolhe em seu seio; como seria tantas vezes predito
pelos profetas. Para a Tradição, é em princípio impossível a separação entre Religião e
Estado, pois quando tal coisa acontece, imediatamente o jugo cai sobre um povo
escolhido, seja como “punição divina” ou por qualquer outra razão.
Em contraparte, teremos a manifestação da Grande Tradição sob o símbolo da
Cidade Sagrada. A diferença com a anterior é, além de uma regularidade mais estrita e
natural no tocante à manutenção da Sucessão Apostólica no próprio seio da sociedade, a
elaboração de todo um quadro cultural que ultrapassa as dimensões do culto puro e
simples, assim como transcende as regras elementares de conduta e de disciplina.
Obtém-se, neste caso, uma verdadeira sabedoria e um poder maior, quando a Ordem
Cósmica alcança integrar todas as coisas, e a inspirar a sociedade na elaboração de uma
cultura iluminada sob a orientação do Mestre da Vida. Trata-se, então, da elaboração
das sociedades áureas, representadas nos mitos pela imagem do Paraíso e das Origens
sagradas, quando se diz que “os deuses andavam sobre a terra”, quer dizer: a Hierarquia
de Luz convivia diretamente com uma sociedade sábia e esclarecida, iluminando-a em
todos os seus passos e abrindo-lhe novos e superiores caminhos para a sua expressão.
Nisto, temos então a elaboração de uma Ordem Maior que corresponde a uma
Teocracia ideal e perfeita, no sentido de ser administrada (ou orientada) não por
sacerdotes apenas, mas pelos próprios Iniciados e Iluminados, suscitados dentro de uma
sociedade através da metodologia iniciática regular de posse dos Mestres mesmos, sobre
o esteio de uma cadeia discipular estrita.
De certa forma, o que diferencia o Templo preparatório da Cidadela de luz, é
precisamente o poder que detém ou não uma cultura de administrar, desde sua própria
esfera, a instituição solar ou o processo de iniciação superior.
Da mesma forma como Salomão construiu o Templo, Jesus mais tarde o destruiu em
definitivo no Cristianismo, após ordenar que já não se orasse em templos feitos de
pedra, mas no espírito e no próprio íntimo de cada um. Isto seria considerado uma
verdadeira utopia pelos escandalizados sacerdotes hebreus, como continuou a sê-lo no
decurso da história cristã para os próprios doutores da Igreja, que à exceção de ascetas

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inspiradíssimos como São Francisco, jamais alcançavam vislumbrar tamanhas
possibilidades, mantendo a idéia do templo como símbolo da etapa então vivente pela
humanidade.
Este quadro somente pode ser compreendido, então, face ao caráter intermediário do
próprio Cristianismo (chamado por A. Bailey de “religião-ponte”), no sentido de ter
servido para preparar uma nova Humanidade, como pode-se entrever já através das
várias profecias cristãs que se reúnem às judaicas, como em São João, em cujo
Apocalipse diz:
“...não há nenhum templo na Cidadela, pois o seu templo é o Senhor, o Deus
todo-poderoso, e o Cordeiro.”
Eis, portanto, a imagem do templo reabsorvido em suas origens divinas. Tudo o que
se poderia elaborar num templo, e ainda certamente muito mais, se encontra agora
manifesto através do próprio Criador mediante a sua engendração divina, a Jerusalém
Celeste ou a Cidadela Santa da Tradição vivente. O Cordeiro-Avatar resume o cosmos
em si, solarmente, sendo esta Cidadela a sua “esposa amada”, a doutrina cósmica
perfeita e universal, capaz de conduzir a sociedade aos mais altos patamares de
realização.
O templo antecede a Cidade, porque torna-se necessária a elaboração de um
fundamento espiritual para que a luz se dissemine e ilumine para além dos estreitos
limites de uma única cultura, raça e religião.
O Templo representa, pois, a Sucessão Apostólica Universal devidamente implemen-
tada, tal como se observa na Igreja, onde “tudo” gira em torno da figura do Papa, o qual
herda e administra as coisas divinas e serve como um elo vivente entre Deus e suas
criaturas, sem o que não é possível nenhum processo superior de Civilização. A adoção
consciente deste pilar universal que é a Unificação Vicária para o mundo, sintetiza a
cultura humana e a legitima aos olhos de Deus, possibilitando a elaboração da
Civilização nos termos prescritos para a humanidade.
Sobre o Templo manifesto da Tradição, torna-se possível construir a Cidadela da
Grande Tradição, onde a regularidade permite a implantação de uma verdadeira Nova
Ordem de coisas.
Pois a Cidadela da Luz, representa a manifestação de um verdadeiro universo
integrado, onde todas as coisas podem ser contempladas e levadas à perfeição, através
da Luz Maior que a tudo cura e integra.
Algumas coisas existem em comum entre o simbolismo do Templo e o da Cidade,
mesmo porque ambos apresentam aspectos complementares. Podemos observar a
questão sob muitos ângulos, dividindo símbolos de realidades para fins de análise e
ilustração do tema.
No plano da prática, por exemplo, ambas representariam a adoção consciente de uma
Teocracia social, porém com a grande diferença de que, no primeiro caso (Templo), esta
medida tenderia antes a ser administrada pelos sacerdotes (Clerocracia, portanto) e,
desta forma, pertenceria ainda ao falível quadro da Humanidade. Ao passo que a Cida-
dela Sagrada, viria já a representar uma verdadeira Civilização Solar, ideal e perfeita
porque efetivamente governada desde o Mais Alto, indiretamente através de Mestres
iluminados (Sinarquia, portanto) e dotados de todos os poderes espirituais, virtudes
plenas e ciências universais que constituem as legítimas prerrogativas divinas do
Governo Interno do Mundo.
Nas imagens abaixo, temos estas realidades espelhadas: Governo espiritual e o
Governo terreno. O Governo espiritual é a Sinarquia ou o “Governo Conjunto” dos
mestres e dos iniciados. Está formado hierarquicamente pelos escalões das quatro Lojas
da Hierarquia, que “foram” Shambala, Ibez, Agartha e Albion.** Estas Hierarquias

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trabalham sempre reunidas através dos tempos. E ao Governo terreno chamamos aqui
de Humanocracia, que é uma sucessão de regimes sociais associadas especialmente às
Idades do Mundo.

Sinarquia: Humanocracia:
o Estado Fixo O Governo cíclico

Teocracia
Chohans Asekhas
Monarquia

República
Hamsas Arhats
Democracia

Falando sempre em tese, mas especialmente sob um quadro de consumação,


podemos notar que os escalões inferiores da Hierarquia “foram” (Hamsa e Arhat)
também graus humanos em raças posteriores, onde organizaram os regimes sociais
superiores da Humanidade (Monarquia e Teocracia). Assim, o Clero e a Aristocracia,
são aquelas classes especialmente destinadas a realizar a ponte entre a Humanidade e a
Hierarquia.
No plano dos símbolos, um dos elementos comuns, seria o recorrente caráter
quadrangular dos esquemas tradicionais, por ser a Cruz um símbolo de síntese, centra-
lidade e realização cósmica. Acima temos esta realidade no setor hierárquico, sendo que
a estrutura humana pode ser representada por sua vez pelo quadrado.
Por encontrar-nos na Quarta Ronda Mundial, é que existem quatro Budas, quatro
Vedas e quatro Evangelhos. Diga-se o mesmo das quatro Grandes Raças manifestadas e
dos quatro grandes Ashrams espirituais, o último dos quais recém está sendo implantado
no seio da humanidade.
Sabidamente, esta estrutura permeia as grandes mandalas tradicionais, ao lado das
descrições míticas de templos e cidades sagradas nas diferentes culturas. Nisto tudo,
reside então um fundamento que se poderia dizer astrológico, pese a Astrologia ser
usada neste quadro com sentido genérico, já que diria respeito a diferentes doutrinas
emanadas da Grande Tradição, através das quais é possível organizar a sociedade com
tal grau de cientificismo, que aquilo que pareceria de outra forma impossível emerge
como uma flor nascida sob os cuidados de um experiente agricultor.
A chave para tudo isto reside, de um lado, numa completa ciência dos ciclos
cósmicos, e de outro lado, num sábio sentido de oportunidade no emprego das medidas
exatas. Nada disto é estranho às aspirações da ciência moderna, pelo contrário, os sábios
reconhecem que nisto reside o futuro da humanidade e a chave da Perfeição, como
entrevêem certas doutrinas modernas (embora ainda muito incipientes) como a do estru-
turalismo.
O que tornará possível a integração de uma Ciência de tamanho potencial –quer
dizer: a plena constituição do ser humano em seus ciclos formativos–, não haverá será a

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simples inventariação da mente através de experimentos externos, como hoje é buscada,
ainda que tais pesquisas auxiliem a demonstrar a realidade das primícias desta questão,
e que uma vez integradas ao quadro da Tradição, poderão servir para corroborar maiores
investigações.
Vivemos um momento de consumação da História, quando todas as tendências
sócio-culturais voltam a se reencontrar numa grande unidade, através da síntese racial já
definida no cenário mundial, anunciada pelos arautos da Hierarquia de Luz. Trata-se da
nação brasileira e mesmo da América do Sul, berço da 7ª sub-raça e sede do 4° ashram
mundial, a mais nova e a última manifestação da Agartha eterna no mundo.
De modo que, atualmente, com a própria manifestação de Agartha uma vez mais, as
Sagradas Ciências retornam para possibilitar a reorganização de uma nova Raça-Raiz.
Trata-se do surgimento da Sexta Grande Raça, pautada sobre os mais amplos cânones
conscienciais e psíquicos. Para fazer frente a esta nova dimensão cultural –já
contemplada pelas tendências atuais da ciência com seu sentido de não-interferência
física e respeito à evolução psíquica do indivíduo–, a Tradição retorna com as suas
grandes Ciências iluminativas, capacitadas a orientar a sociedade no encontro de suas
mais augustas aspirações.
Aquele que observa os descaminhos do homem, dificilmente contempla o fato de que
tudo aquilo que existe é apenas símbolo de algo maior e mais perfeito, depositado
algures nas próprias Origens da Criação.
Tudo o que se manifesta sobre o mundo, não passa de analogia de alguma coisa
perfeita em sua natureza, porém inacessível ao homem face a sua própria incapacidade
para captá-la e manifestá-la.
E o que a Tradição tem a oferecer é, além da constante semeadura da luz no mundo,
através da manutenção da Sucessão dos Mestres Iluminados que provêem a energia para
a sobrevivência da consciência durante a vida e após, é precisamente a revelação de
chaves conscienciais e esquemas completos de integração para os buscadores mais
avançados, resultando na revelação de doutrinas aptas a dirigir o homem nos
verdadeiros caminhos da evolução.
Assim, quando aparece uma energia cósmica de determinada natureza, a Hierarquia
orienta o mundo nos caminhos universais traçados para aquela mesma época, no sentido
de permitir o domínio sobre as suas energias e empregá-las de uma forma positiva, a
fim de, pelo menos, manter a consciência dentro do círculo-não-se-passa planetário. Ao
mesmo tempo, confere diferentes doutrinas para todos aqueles desejam se aprofundar na
Ciência Sagrada e definir em suas vidas um campo mais amplo de evolução.
De modo geral, as Ciências contempladas pela Tradição são relativamente
conhecidas da humanidade, na forma, por exemplo, da Mitologia, da Teogonia, da
Cosmologia, da Numerologia, da Alquimia, da Geosofia e, sobretudo, da Astrologia.
Porém, tudo isto representa um campo de trabalho cujas raízes se encontram pouco
acessíveis porque, pese o espaço que uma ou outra receba em cada época, isto não
significa que se tem muita precisão sobre a forma como cada qual deva ser focalizada
num dado momento histórico. E como resultado, encontramos diversas distorções,
sejam no sentido de se apegar às antigas fórmulas, ou senão pretender gerar fórmulas
novas sem o devido lastro para tal, em função do amadorismo especulativo.
Pois tudo isto representa um campo tão complexo e sutil, que apenas vem à tona na
sua forma mais fecunda e legítima, através da revelação realizada por Mensageiros
qualificados, que outorgam à sociedade aquilo que aprendem da Lei cósmica na sua
época.
Por esta razão, é importante que a sociedade se acostume a relacionar-se com os
Mestres, em termos concretos e efetivos, pois somente através deles a Verdade é

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administrada da forma plena e dinâmica como deve ser. O Mestre representa sempre,
aquilo que de mais avançado existe na História, já que a sua função é aquela de
reatualizar a Criação através de uma síntese "solar".
Sob a orientação do Mestre, a sociedade retoma a sua harmonia perdida, e os árduos
processos iniciáticos vêem-se aplainados pela Presença dinamizante daquele que é o
Alquimista por excelência. Tendo a sociedade acatado a verdade da Sucessão
Apostólica, os fundamentos da justiça divina e da iniciação estarão implantados. Pois
somente recebe justiça aquele que a outorga, e apenas conhece o caminho aquele que
por ele clama em seu coração.
Para que surja a Nova Raça pelo emprego sábio das novas energias, torna-se
necessária a revivificação desta Instituição Solar. Num momento como este em que
vivemos, é vital que o fundamento eterno do Elo Sagrado seja devidamente
reimplantado na forma de uma Teocracia solar, até como segurança e governabilidade
para um mundo complexo e carente de profundas reformulações como é o nosso. A
Nação que tem sido contemplada com esta possibilidade, em função da manifestação da
Hierarquia no seu seio, tem esta Missão em particular perante o mundo, a fim de servir
de exemplo e inspirar as sociedades a buscar a luz e a harmonia universal. Mas também
todo aquele que, recebendo esta precisa informação, esteja onde estiver, seja ele quem
for, e se tornar um agente neste processo histórico e solar de implantação da Nova Raça
a fim de alinhar-se com a Vontade dos Mais Altos que coordenam o atual momento de
evolução mundial, será eternamente abençoado ante o Altíssimo e terá todos os seus
caminhos abertos.

* T. Rundle Clarck, “Símbolos e Mitos do Antigo Egito”, pg. 252. Helíópolis situava-se,
como as três grandes Pirâmides e a Esfinge, na atual posição do Cairo e Gizé sobre o mesmo
paralelo 30.
** Nestes termos, não estamos nos baseando diretamente aqui nas nomenclaturas de Saint
Yves d’Alveydre para a Hierarquia sinárquica agarthina, aparentemente inspirada em parte na
Doutrina Teosófica. E sim em informações trazidas a partir da Filosofia Esotérica de Alice A.
Bailey, completadas por nós, acerca da estrutura dos ashrams solares da Hierarquia ou das
ramas raciais de Shambala.

23
Capítulo 4

Conhecer as Escrituras sagradas

Somos sempre levados a recordar as sábias recomendações do filósofo brasileiro


Humberto Rhoden, de que todo o discípulo da luz deveria conhecer pelo menos três
escrituras sagradas: o Bhagavad Gita, o Tao te King e os Evangelhos. Passadas as
décadas, nunca tivemos motivos para pretender alterar estas recomendações, muito
antes pelo contrário. Ainda que consideremos essencial, conhecer pelo menos os
fundamentos de todas as grandes religiões do mundo.
Não se pode levar muito a sério o espiritualista que não conheça ao menos a
Escritura da sua própria cultura. A pessoa que estuda as Escrituras, recebe informações
diretas, preciosas e abençoadas, a partir de fontes divinas de altíssima qualidade,
revelando a essência da época em que vive o mundo. Porém, nestes nossos tempos de
ecumenismo e new age, todos os aspirantes à iniciação deveriam considerar
fundamental o conhecimento destas três “revelações”, que têm sido literaturas lapidares
para as grandes civilizações e podem ser consideradas escritura inspirada e de “primeira
mão”, independente dos problemas de tradução e de interpretação.
Uma das coisas que deram destaque e imortalizaram culturas como a hebraica, talvez
nem tenham sido tanto a sua virtude e realizações, mas sim a habilidade de registrar as
suas crenças e expectativas espirituais, tornando-a assim um “Povo do Livro” original.
A China seguiu o mesmo caminho, pois tinha boas formas de registro através da
invenção do papel, mas somente no Século I. Através disto veio o budismo e o Islã. Nas
Américas, se alcançou perpetrar as Escrituras maias, com recursos outros.
Contudo, por qualquer razão, o inventário espiritual da Terra terminou por dar maior
destaque internacional àquelas três revelações citadas de início. O Budismo nunca
conseguiu perpetrar uma literatura tão atraente. Apesar das virtudes da literatura
corânica, o Islã se apresenta muitas vezes como uma sociedade polêmica, trazendo
ainda os problemas de uma cultura em expansão em pleno ocaso do ciclo áryo. Outro
tanto se poderia dizer do Cristianismo, que é da mesma forma uma religião proselitista.
Comparativamente, as “exóticas” doutrinas orientais, de cunho mais propriamente
“raciais”, terminaram por adquirir certo ar “esotérico”, ainda que por vezes mereçam ser
relidas sob outros olhos.
O Bhagavad Gita é, na verdade, um precioso tratado de sociologia, coisa importante
de resgatar porque o aspecto social tem andado muito divorciado da espiritualidade,
ainda que lhe seja fundamental ao nível humano. O Gita ensina que cada um deve
conhecer e assumir o seu próprio dever, para que possa realizar a sua alma. A ênfase na
primazia do dharma ou do dever, mesmo acima das questões de sangue, depura a prática
hereditária da monarquia e ainda lembra a provação de Abrahão de colocar a fé acima
da família carnal.

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O Tao te King não deixa de ter uma forte dimensão política, através das prescrições
de não-interferência que faz ao governante ideal –o que não deve ser confundido com o
“liberalismo” burguês. O aspecto espiritual do taoísmo, teve forte influência no
Budismo Zen. O Budismo é afeito ao sincretismo, havendo as suas grandes escolas
sofrido ainda a influência do Hinduísmo (do qual nasceu) e do próprio Cristianismo.
Os próprios Evangelhos foram, por muito tempo, tratados como uma espécie de
“literatura esotérica” dentro da própria Igreja. As Escrituras não estavam acessíveis aos
fiéis, em parte por causa da dificuldade do acesso -ainda não se havia inventado a
imprensa-, porém havia a certa altura uma proibição formal ao vulgo, que perdurou por
toda a Idade Média. Isto começou a mudar, no começo da Renascença, inicialmente
através de seitas heréticas, punidas não raro com a morte sob os rigores da Inquisição.
Mas depois aconteceu a epifania de São Francisco, que renovou e deu novo impulso ao
Cristianismo, justamente sob a inspiração dos Evangelhos.
Tudo começou com o acesso que teve Francisco a um Evangelho proibido, dentro de
uma prisão política, onde diversos “tipos” de presos estavam misturados. Numa época
em que a Igreja se confundia tanto ao poder temporal e até sucumbia aos tantos pecados
da carne, o impacto das elevadas palavras de Jesus despertaram naquela alma devota, o
desejo de viver a verdade de Deus com a maior pureza. Aparentemente, ele não era o
único a desejar isto, pois o movimento que ele iniciou teve um impacto fabuloso na
juventude da época, preparada como fora para as Guerras Santas. O apelo à Natureza,
fez dele o patrono da ecologia e a segunda figura mais popular do Cristianismo, com um
amplo teor de modernidade.
Infelizmente, no próprio seio da Igreja, o franciscanismo não teve maior impacto,
antes até produzindo interesses conflitantes com os poderes da época, resultando por
isto na reforma luterana a partir de 1517. Contudo, o franciscanismo já havia assumido
ares teológicos e se tornava muito popular, especialmente entre aqueles que de algum
modo estavam envolvidos nas Cruzadas e com os problemas políticos da época. O
abade Joaquim di Fiori, difundiu ali mesmo o calendário das Idades divinas, segundo o
qual se inaugurava naquela altura uma nova idade da Revelação, a do Espírito santo,
seguindo a Idade da revelação do Pai aberta por Abrahão e a Idade da revelação do
Filho aberta do Jesus. No tempo da descoberta das Américas, o movimento
espiritualista ainda era uma das grandes forças espirituais da Europa, sendo um dos
elementos que impulsionaram as grandes navegações. Outras razões importantes, foram
a derrota das Cruzadas que fechou o acesso da Europa ao Oriente via Médio Oriente, e a
destruição da Ordem dos Templários.

Atualidade das Escrituras

Com efeito, de um modo ou de outro, estas Escrituras mantém a sua atualidade, seja ou
não sob a marca dos reformadores. O Calendário das Idades divinas, pode ser transposto
(e amplificado) para o conjunto das Eras abertas por Abrahão (Áries), Jesus (Paixes) e,
agora, pelo Kalki Avatar (Aquário). A religião ecológica de São Francisco, anuncia uma
era de Espiritualidade científica, na qual a humanidade poderá viver a consumação da
sua evolução espiritual, sem maiores apelos à fé e à crença portanto.
No “Novo Mundo”, a sociologia readquire crescentes dimensões espirituais. Isto
aconteceu nas Fundações, como vimos, quando vários movimentos cristãos
renascentistas –franciscanos, jesuítas, luteranos, etc.- projetaram nas Américas a
possibilidade de inaugurar uma nova era de fé mais pura e, quem sabe, preparar assim o
palco para o cumprimento das profecias -como de fato aconteceu, inclusive as profecias

25
nahuas do retorno de Quetzalcóatl, cuja expectativa facilitou a Conquista. Ainda que os
Luteranos tenham engrossado fortemente o “caldo” da espiritualidade renascentista,
compartilhado as aspirações da criação de uma nova Idade de Luz, destinada a fecundar
especialmente o Novo Mundo, o contexto desta nova egrégora esteve efetivamente
relacionado ao advento fundador de Francisco e sua conexão com a doutrina fiorana.
Seguiu-se um período de influência materialista sob o Iluminismo, aberto pela
Revolução Francesa (1789) e a Revolução Comercial, e aprofundado pela Revolução
Industrial e o marxismo. De certa forma, estes movimentos consolidaram os quadros da
Kali Yuga, resultando também no desequilíbrio ambiental característico do final
materialista de raças, coisa que acontece hoje especialmente em relação à civilização
fundada a partir da Ásia, a chamada Quinta Raça-raiz ou a Raça Áya.
Porém, se no Velho Mundo a civilização estava num processo de desconstrução, este
quadro também serviu para auxiliar na construção da civilização do Novo Mundo,
através da organização progressiva das suas classes sociais, mesmo sob o peso da
escravidão e da tragédia do genocídio. Passados cinco séculos, as classes materiais
(proletário e burguesia) têm vivido plenamente os seus ciclos formativos se acham
consolidadas, tocando atualmente a organização das classes espirituais, a começar pela
aristocracia cultural, que compreende os nacionalistas sociais e os ambientalistas, enfim,
todos aqueles que prezam pela integridade da nação e do país, a fim de consagrá-los
para algo mais próprio e autêntico, assim como mais nobre e elevado.
Aqui ressurge com destaque, o valor das mensagens eternas daquelas antigas
revelações, quando ensinam a importância do dever, ou a releitura franciscana da
revelação cristã, além da importância das profecias em épocas como a nossa. Quanto ao
taoísmo, é exemplar para formar a consciência espiritual e dar substrato para as utopias
almejadas, enquanto o Gita instrui para o engajamento histórico, resultando assim num
quadro de perfeito equilíbrio.
Krisha foi um avatar que veio há 5.100 anos, morrendo em 3.103 a.C. (com uma
flecha no pé, como o grande Aquiles) quando, revoltado com os seres humanos,
desejava destruir a humanidade. Este ciclo marca a vinda dos grandes avatares solares,
naquele momento considerado como o próprio “olho do furacão” da transição racial,
chamado “a Idade do Diamante”, de modo que sugere a atualidade do Bhagavad Gita,
como elemento fundador das grandes civilizações, assim como da própria Idade de
Ouro da humanidade.

26
Capítulo 5

Eugenia e Casa Real

Em cada nova raça, os padrões eugênicos tradicionais devem ser recompostos e


aplicados, a fim de se obter uma nova humanidade, apta a reformular o modelo humano-
divino sobre a terra, de modo a permitir tanto a sobrevivência do ser humano, como
trazer uma nova virtude equilibrante às necessidades raciais. Invariavelmente, os
grandes critérios empregados, dizem respeito a estes dois fundamentos, ou seja: eugenia
racial e unidade social -em torno aos Mestres da Hierarquia-, padrão universal para tal
raça, seja em seu caráter, forma ou experiência vital. Esta unidade deriva, pois, da
universalidade manifesta pela Hierarquia que tem em si um quadro de realizações
plenas. De sua perfeição deriva uma autoridade impoluta; que deve ser reconhecida,
pois de outra forma as coisas permaneceriam estagnadas.
Em termos físicos, a eugenia racial pode exigir a formação de núcleos humanos
coordenados pela Hierarquia. A Eugenia espiritual da raça, envolve o saneamento
psíquico e a conformação mental, alcançando também a própria ordenação dos
ARQUÉTIPOS.
Cidades e comunidades relativamente isoladas, poderão ser uma vez mais fundadas
com este propósito. Os ashrams dos Mestres com seus discípulos, têm sido também
modelos de comunidades desta natureza. Os lares sagrados dos reis sagrados –os
dharmarajas-, tinham o mesmo propósito e também serviam de ashrams, escolas
universalistas.
De fato, numa Era de Ouro os Mestres inspiram espiritualmente duas instituições
solares: a Ordem espiritual e a Casa Real. Analisemos, portanto, a ambas aqui.

A Casa Real

Em todas as Monarquias existe a Casa Real, a qual, mais do que uma expressão cor-
rente da instituição doméstica, que é o lar ou a família, representa realmente um grande
laboratório onde as virtudês, a consciência social e a tradição, são científica e sistemati-
camente semeadas, devido a ser o lar e a família do Rei –supondo-se neste caso, é claro,
que se trate de um Monarca credenciado pelos Céus, como costumavam dizer os An-
tigos, sobre a posse da ética, da responsabilidade social e da fé, senão da própria
sabedoria, nobreza ou iluminação.
A presença deste núcleo, representa a instituição de um Modelo doméstico de alta
envergadura, destinado a gerar indivíduos equilibrados e sábios, aptos assim a assumir
os grandes encargos da Civilização, com desenvoltura e dignidade. A política genética
das sociedades tradicionais, não visa criar uma “raça de pessoas loiras e de olhos azuis”
–para usar um jargão em voga nos tempos atuais-, e sim permitir que os seus dirigentes
tenham a melhor formação estética, ética e intelectual possível.

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A figura de um Rei representa, de fato, uma grande síntese entre todos os mundos, na
medida em que traz à Terra a mais elevada expressão de perfeição e equilíbrio. Ao
contrário da Teocracia comum, onde o governo fica muitas vezes a encargo de monges,
a Monarquia não professa este ideal ascético.* É claro que a regra do sábio será sempre
a do celibato, mas seu ideal deverá contemplar também a liberdade de gerar filhos, que
é a única função realmente natural do sexo naquilo que diz respeito ao completo uso
destas faculdades –e mesmo isto será feito sob o controle da razão, e nunca
impulsionado pelas emoções pessoais.
O fato é que a excessiva ênfase na espiritualidade nunca é sadia e nem conduz ao
mais elevado, à sabedoria completa e à síntese necessária ao dom da Civilização. Que o
Tibet recente possa ter servido, em sua fragilidade, como exemplo deste fato! Apesar de
suas muitas virtudes, ele pereceu na expansão do mundo; mesmo que, muito provavel-
mente, pareça ter cumprido a sua missão histórica. Devido a isto, o Tibet tampouco teria
servido como modelo de civilização universal moderna, porquanto o grande objetivo e o
próprio ideal civilizatório é a síntese.
Na verdade, não se deve esperar que isto venha a ser consumado por todos, pois tanto
a especialização como a semeadura do tempo, são necessários à ordem e ao progresso.
Porém, ao nível do governo da sociedade ou do Estado, esta síntese já deve estar
apurada ao máximo, para que não exista o risco da sociedade sofrer um direcionamento
inadequado na sua evolução. Esta síntese não é coisa simples, exigindo toda uma
complexa preparação do indivíduo, em muitos níveis, para ter plena representação
social, ou mesmo além, de modo a configurar a verdadeira transcendência que credencia
um homem a deter a autoridade universal. O Chakravartin da filosofia budista, é um
exemplo clássico disto.
A presença de uma verdadeira Casa Real, auxilia na afirmação de um ambiente onde
todas as práticas da civilização alcançam conviver de forma harmônica e ordenada, sem
o risco de fanatismos e distorções. Ou seja: um lugar onde todas as coisas sejam
respeitadas e apreciadas, com a proposta de um dom de equilíbrio raramente possível.
Trata-se de um baluarte de unidade, fonte de segurança e harmonia para uma socie-
dade, que recebe direta ou indiretamente dela aquilo de que mais necessita, que é a
sabedoria universal e a confiabilidade plena. A Casa Real é, pois, como um marco firme
depositado no centro de todas as coisas, e dali emanando as suas virtudes universais.
Dificilmente é possível estender a Perfeição a todos, e a própria ordem social está
definida de forma piramidal, na maneira como os bens materiais e espirituais são
distribuídos. A obrigação do homem é, certamente, estender o máximo de bens ao maior
número de homens. Mas a Tradição reza que, idealmente, isto deveria ser feito de uma
forma sempre proporcional, de modo que os bens materiais sejam empregados com
sabedoria e em harmonia com os bens do espírito. Ao mesmo tempo, devemos ser
realistas e trabalhar com prioridades. E dentre estas, se encontra a elaboração deste
núcleo de síntese para o mundo, que é a Casa Real. A própria palavra real traduz o
sentido de bom senso, realismo e equilíbrio que deveria existir em todos, mas que, no
entanto, é uma virtude máxima e até mesmo única, rara e dificilmente florescente,
naquilo que diz respeito à humanidade em quase todas as épocas.
Isto não significa, porém, que não exista esperança para as sociedades. Apenas que a
salvação não reside no próprio centro da humanidade, mas em outro mais elevado, que é
o divino Criador, através da mediação da Hierarquia de Luz –ao menos, até que cada ser
humano supere a sua própria condição. A aceitação desta intercessão, é que caracteriza
a verdadeira caminhada em direção ao centro, à ordem e à harmonia universal.
A Casa Real é a fonte tradicional desta virtude única que é a divinização do homem
e, por extensão, do mundo, através do governo do Estado sagrado, ele mesmo porta-voz

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das altas inspirações, sempre e quando esteja alinhada com as Ordens espirituais de sua
época. E é a partir do estabelecimento deste Modelo social original, que a harmonia será
progressivamente estendida a todas as partes.
O lar Real trata da natureza básica do quadro organizacional do Novo Mundo,
passemos agora a algumas considerações acerca da Ordem sagrada.

A Ordem Espiritual

A Ordem é o ambiente as grandes revelações podem dar-se, através dos processos de


educação espiritual e integral do homem. Nas épocas em que se necessita maior
impessoalidade, a ênfase recairá nas Ordens, onde a imagem do filho do Mestre passa
ao discípulo mais digno, e já não à herança sanguínea de um rei sagrado. Todos
conhecem Ordens de várias naturezas, e não existem Igrejas constituídas que possam
dispensá-las. Ordem significa, basicamente, organização, sempre necessária ao
progresso seguro e consciente. Trata-se de um processo depurador e educativo integral,
a ser aplicado a indivíduos conscientes daquilo que fazem e onde estão.
É, portanto, o meio de se administrar o caos e harmonizar a unidade e a variedade do
mundo. A busca da harmonia e da unidade, é realmente uma premissa fundamental nas
sociedades sagradas, levadas com o máximo de seriedade e empenho por todos os seus
governantes.
É também, deste modo, sinônimo de Hierarquia, no sentido de que toda a hierarquia
representa a organização de uma sociedade. Porém, esta ordem apenas se acha
assegurada na figura de um Mestre iluminado, quem tem ele mesmo organizadas as
energias humanas dentro de si, e coroadas por forças de caráter divino, como resultado
de um sentido de serviço manifesto a toda prova. E isto significa que a idéia de fazer
algo "em nome do Mestre", serve apenas para a legitimação dos atos espirituais do
próprio indivíduo, e jamais nas relações que trava com os outros, quando deve revelar
ele mesmo os dons e as virtudes superiores.
Este sentido de serviço é aquilo que caracteriza e fundamenta a idéia de Ordem,
representando um movimento em direção ao Todo que faz alusão à harmonia entre o eu
e o próximo, entre o passado e o futuro, entre o interno e o externo, etc. Ou seja: entre
todos os opostos cósmicos.
Por esta razão, em certo sentido a idéia de ordem vem substituir o princípio do livre-
arbítrio, tão valorizado nos tempos em que deve prevalecer o aspecto material da
humanidade. Na verdade, tudo é livre-arbítrio, e apenas cabe aprender a realizar as
escolhas certas, inclusive o discernimento e a renúncia ao mal.
A questão da ordem volta a ser um imperativo, pois a anarquia espiritual que regia a
Era passada já não tem lugar na Nova era, onde todas as coisas devem ascender a
patamares superiores, e não meramente ser purificadas de seus miasmas inferiores.
Para que o leitor entenda melhor esta diferença, coloquemos dois grandes Princípios
que regem a evolução do Cosmos: a Ordem e o Caos. Socialmente, ambos se expressam
através da Hierarquia e da Anarquia, respectivamente. Tais princípios são realmente
complementares de certa forma, e participam da construção do Todo.
É necessário, no entanto, compreender com propriedade a ambos, ou seja: o que
representam de fato "Hierarquia" e "Anarquia", segundo as suas funções naturais e
construtivas em qualquer nível. Não nos referimos às expressões humanas que se
costuma observar sob tais títulos, e que em tão grande medida se identificam entre si,
como acontece com todos os extremos. Hierarquia é o sentido superior de organização
que prima por uma autoridade legitimada, cientificamente composta e habilitada a gerar

29
um processo de continuidade em seu próprio nível. Trata-se de uma Lei Divina regida
pela Unidade e que pode ser denominada como DESTINO. E Anarquia representa um
estado de coisas onde prevalece a idéia da igualdade potencial, e onde a ordem é
idealmente obtida mediante o exercício da ética. Neste aspecto, tudo gira em torno da
Diversidade, devendo ser equilibrada pelo sentido de fraternidade. A Lei divina que
rege este estágio é o LIVRE-ARBÍTRIO.
É claro que conceitos como "Destino" e "Livre-Arbítrio", necessitam ser também por
sua vez compreendidos. Por Destino se entende, neste contexto, uma leitura hábil e
ampla das energias que regem o Cosmos, assim como a disposição sábia de manejá-las.
Já o Livre-arbítrio significa o exercício da vontade pessoal, de forma relativamente
independente, numa espécie de afirmação da individualidade em si.
Obviamente, nada disto se encontra isolado da outra parte. Ninguém pode apenas
obedecer, como tampouco pode fazer somente o que deseja. De qualquer forma, nas
tendências predominantes em cada condição, observamos que a essência, em cada caso,
corresponde a um movimento no sentido centrífugo no caso do "Destino" (onde se
busca organizar o interior a partir do exterior, visto como algo Superior), e centrípeto
para o "Livre-arbítrio" (quando o interior prevalece e deve impor a sua própria vontade).
Temos nisto já um princípio dialético, a ser aprofundado, todavia.
Para se ter uma idéia precisa da função natural de ambas as realidades, pode-se
mencionar que os Avatares conhecidos como Manus, Budas e Cristos, personificam
energias a elas relacionadas. No Caso, Buda Gautama veio para definir um ciclo
anárquico, e seu dharma é basicamente lunar ou psicológico. Jesus Cristo participou
deste ciclo, existindo inclusive uma passagem dos Evangelhos onde ele resume os dois
grandes Princípios, declarando que ambos incluem "toda a lei e os profetas" (Mt 22, 36-
40):
“Interrogou um doutor da lei a Jesus: ‘–Mestre, qual é o grande mandamento
na Lei?’
E Jesus disse-lhe: ‘Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, e de
toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande man-
damento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti
mesmo. Destes dois mandamentos, depende toda a lei e os profetas'.”
O Primeiro Mandamento corresponde, pois, à Hierarquia, e o Segundo à Anarquia.
Foi também por ter vindo num período anárquico, que Jesus declarou não ser o seu
Reino daquele mundo.
Já o Manu (de cujo ciclo participam Noé, Abrahão e Moisés) veio para implantar
uma Ordem Hierárquica, precisa e científica. O próprio Manvantara corresponde ao
ciclo hierárquico e "solar" da evolução do mundo, ao passo que o Pralaya representa a
sua etapa anárquica ou "lunar". As Idade de Ouro e de Prata relacionam-se ao primeiro,
e a Idade de Bronze e a Idade de Ferro ao segundo. O Sol é símbolo da radiância e a
Lua da receptividade. Assim, o mundo solar significa uma Ordem sagrada, e o mundo
lunar é como a condição humana.
Todavia, por serem emanados da Unidade, os opostos são sempre rigorosamente
inseparáveis. Assim, a verdadeira dialética aparece neste quadro nos seguintes termos:
quando existe uma Ordem verdadeira no mundo, com toda a sua perfeição interna, o
exterior toma a forma de Anarquia, ao permitir um estado de plenitude e liberdade
superior. De outra parte, quando a Anarquia rege efetivamente o mundo em sua
essência, a ordem se manifesta necessariamente no exterior, muitas vezes de forma
bastante contrária, inclusive, ao livre-arbítrio propugnado então, posto dever surgir
neste caso num plano externo e aparente.

30
Liberdade

HIERARQUIA ANARQUIA

Cativeiro

Este princípio de “compensação” conhecido em Psicologia como “enantiodromia dos


opostos”, está presente na doutrina taoísta, ilustrada acima através do seu símbolo
central. A Hierarquia resulta na Liberdade, e a Anarquia redunda no cativeiro. Uma
premissa reza que, quanto mais leis têm uma sociedade, menos livre ela é. A presença
da Ordem interna, resulta na liberdade exterior –a Índia seria um exemplo disto, onde a
lei está solidamente semeada na alma das pessoas. O oposto também é válido.
Ou seja: quando a humanidade se refina e as formas já não são impositivas, elas
podem ser usadas como veículos para a luz, criando o esplendor das formas e da cultura:
esta é a fórmula das Idades Hierárquicas. Mas quando as formas se impõem, então a
humanidade deve ser levada para o interior, para a alma: esta é a fórmula das Idades
Anárquicas.

* Tal ideal é, na verdade, raramente mantido pelos próprios monges, uma vez que sequer se
destina a ser assim em definitivo, mas sobretudo como uma forma temporária de auto-elevação
e enobrecimento pela educação e transmutação das energias pessoais.

31
Capítulo 6

O Reino do Graal *

"EXISTIRÁ O SANTO GRAAL?”, perguntar-se-á alguém. Mas a existência do Sagrado


Graal é tão certa, quanto a presença divina na Terra, permanecendo perenemente no
seio da humanidade, mesmo que oculta aos olhos do mundo; pois como mostra a lenda,
apenas poucos podem geralmente vê-la impunemente dado seu poder e brilho.
O que significa exatamente este augusto símbolo? Nas palavras do autor de Parsifal,
Wolfran von Eschembach, o Graal é "a quintessência da perfeição paradisíaca, princípio
e fim de toda a aspiração humana”. Basicamente, se trata da conquista do mais nobre e
difícil objetivo humano, a saber: a iniciação em seu sentido maior de iluminação, depois
irradiada para toda uma sociedade.
Na lenda do Graal, vemos que a sua busca é encetada após o rei sofrer a queda de sua
posição. O Graal existe para a sociedade, enquanto o rei vive. Mas o Graal pode existir
sem ser reconhecido por ninguém ou quase ninguém, como um reino oculto ou uma
igreja invisível ou informal, em certos períodos menos propícios à unidade social. E
com isto, ele pode preservar-se até que as condições do mundo estejam propícias à sua
manifestação, e requeiram a sua presença uma vez mais à cena do mundo.
“O rei é o mundo”, diz a lenda do Graal. E, de fato, a energia de um iluminado
organiza e vivifica todas as coisas, donde a idéia da prerrogativa sagrada dos adeptos
(que os reis comuns adotaram simbolicamente), que são por natureza regentes
espirituais –e portanto universais– de seus respectivos ciclos históricos. Existe nisto
tudo, pois, uma alusão a um princípio sagrado no mundo: o de que, seja sob que
condições for, deve haver sempre uma Ordem sagrada coordenada por um Iluminado na
Terra –no caso, um Adepto –, de forma regular e contínua, como se pode ler no Tratado
de Magia Branca de Alice A. Bailey. Tal fato constitui não outra coisa que a chamada
Sucessão Apostólica Universal, em sânscrito Asekha Parampara Dharma, e em árabe
Khalifa Rassul Allah.
Este Iniciado vem a ser o Representante divino junto às sucessivas gerações de
homens, manifestando aquela Dinastia sagrada fundada (ou inspirada) por cada Avatar
que ao mundo vem; mesmo que nem sempre tais linhagens alcancem preservar a sua pu-
reza e regularidade, inclusive em função das condições do mundo.

O símbolo da Mesa e da Ceia

De fato, um dos principais significados da instituição da Santa Ceia, o último


sacramento estabelecido por Jesus, repousa precisamente sobre este princípio: o pão e o
vinho são símbolos do alimento espiritual e da compaixão universal, que deveria reger a
nova humanidade, muito embora –como demonstra o símbolo do homem com a bilha

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(emblema do Aguador ou Aquário) que serviria para indicar o local da Última Ceia–,
esta realidade apenas se consumaria na Era seguinte, com a consolidação de uma nova
Raça-Raiz sob as benesses do Cristo retornado e exaltado no Pai (quer dizer: vindo não
mais como um Bodhisatwa, mas como um Buda real). O símbolo do Graal se identifica
ainda ao próprio cântaro do Aguador –Kumbha em sânscrito– que representa a Nova
Era (Aquarius), denotando a idéia da compaixão universal e iluminação que fundamenta
as grandes realizações. A Nova Era serve, assim, para sinalizar o surgimento de uma
nova Ordem mundial, pautada pela comunhão universal em torno do Mestre divino: o
Reino do Graal é, afinal, apenas outro nome para o Reino de Deus.
Que diferença existe, afinal, entre o Rei Arthur com os doze cavaleiros da sua Távola
Redonda, e o Cristo com os doze Apóstolos na Santa Ceia? Praticamente nenhuma: o
Cálice da “nova aliança” é idêntico ao Graal que assegura a renovação do poder
universal –embora apenas no contexto “pagão”, a identidade dos poderes sacerdotal e
temporal se encontre realmente figurada, por se tratar talvez de uma lenda de contornos
proféticos. Além disto, em ambas podemos observar senão a equivalência, ao menos a
virtual igualdade entre o Líder e seus liderados, seja no caráter circular da Távola de
Camelot, como no gesto da lavagem dos pés (os pés estão associados ao signo de
Peixes) executado por Jesus naquela ocasião.
Isto significa que, no ciclo da vida, todos têm correspondência face o Todo, e apenas
a ocasião torna um deles especial enquanto líder do grupo. Cada um que senta-se nesta
Mesa divina, pode a seu tempo representar o Mais Alto, e todos eles devem conviver
pacificamente entre si. Assim, a Távola expressa um símbolo de universalismo e da
fraternidade universal.
Ora, sendo estas mesas um símbolo duodenário-circular, o contexto se aplica ao
Zodíaco em todas as suas escalas, por exemplo: as grandes Eras zodiacais, cada qual
com sua religião especial, que devem conviver através das épocas; e também ao homem
individual que se encontra regido por energias análogas, sugerindo a necessidade de
harmonizar todas entre si. Dentre ambas as visões, existem aqueles Representantes das
religiões suscitados no seio da humanidade, os Adeptos já mencionados que fazem a
ponte entre Deus e a sociedade. Cada Mestre revelado numa Era, expressa idealmente
um momento deste ciclo, e todos constituem-se em elos de uma grande corrente que irá,
por sua vez, participar de outras cadeias que, unidas, configuram ao Todo divino.

O Chamado do Alto

A Busca pelo Graal, corresponde primeiramente a uma visão interna, a um Chamado


especial que certos indivíduos recebem, quando isto se faz necessário no mundo, no
sentido de perseguirem com todas as suas forças a Luz Maior. Tal busca deve ser
encetada sempre que o Graal –isto é: que Seu portador–, desaparece ou enfraquece.
Tudo isto causa uma temporária comoção e desarmonia na sociedade, até que, pelos es-
forços dos melhores guerreiros da luz, o Graal é uma vez mais "reencontrado".
Trata-se, pois, da reconexão com a Hierarquia, a partir do quê, os iniciados devem
ser entronizados pela sociedade, já que apenas face este reconhecimento do sagrado, é
que a Justiça divina pode se manifestar num mundo que se revela ele mesmo justo e
digno, através do dom reconhecido da filiação divina.
Também pode representar a instauração de um ciclo solar numa cultura, com todos
os traumas e preparações de um grande parto social. Neste caso, poderá refletir um
processo no qual deve emergir o próprio Avatar, com a diferença de que os cha-
mamentos são distribuídos de forma e num contexto especial. Uma das grandes ca-
racterísticas de um Avatar, é a presença do padrão-áureo de evolução, um Plano

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evolutivo individual análogo ao do cosmos, fazendo dele um Microcosmo perfeito e um
modelo sagrado de evolução. Por todos os motivos, a precisa identificação do Avatar, é
aquele passo crucial para a ascensão da terra a um novo degrau de evolução.

Da procura do Graal à conquista da Espada

O Cálice é o símbolo da busca e da restauração de uma tradição, ao passo que a


Espada representa a implantação da sua transmissão regular
O caminho do Graal é mais propriamente individual e autônomo, enquanto que o da
Espada é escolástico e hierárquico. Em algumas versões, o Graal é uma pedra caída da
fronte de Lúcifer. Ora, tal como Prometeu, Lúcifer simboliza a autonomia espiritual
relativa no sendeiro, e até mesmo a pretensão e a ilusão da completa auto-suficiência.
No Apocalipse, o Cristo se diz "a Estrela da manhã" (que é Vênus), que é o mesmo
"portador da luz" ou Lúcifer, nome que, até antes de Milton, sequer era associado ao
Diabo, tendo chegado a servir de título para um Papa. Existem duas formas para
explicar a identificação do Avatar a Lúcifer. Uma delas reside na regência planetária do
novo ashram solar através de Vênus, e outra, no fato de que todo o Avatar percorre uma
trilha iniciática autônoma, sendo o primeiro e o único tipo de Mestre que alcança o
sucesso total neste sendeiro que corresponde, por isto, também ao do Graal. O Graal
representa, pois, a implantação de um novo Estado de coisas.
A lenda do Graal significa a manutenção de um reino sagrado e legítimo, porque
estabelecido sobre o princípio da Iluminação, possibilitando a geração de uma Idade de
Ouro sob o governo imaculado dos Perfeitos. Dentro dele, se encontra também a
imagem da Espada Sagrada, Excalibur, de posse do Rei Arthur e de todos os grandes
reis da sua linhagem, constituindo o sinal do verdadeiro rei –e que, no caso do reino
espiritual, não seria aquele que se apresenta como o mais forte fisicamente, mas sim
espiritualmente. E isto é revelado através da posse da Espada, que na Tradição pode
significas pelos menos três coisas: a) discernimento; b) dom do Verbo; e c) iluminação.
Excalibur é, pois, enquanto instituição social, um símbolo de identificação real e
iniciática, e diz respeito àquela conquista interior que corresponde à chamada kundalini
dos hindus, que na prática em nada difere do Graal, senão na metodologia, a saber: o
Cálice representa a via crucis, e a Espada a via discipular (obviamente, também se
relacionam ao Misticismo e ao Ocultismo, respectivamente). O primeiro é, obviamente,
mais dramático e heróico, mas ambos comportam elementos em comum. São como
princípios opostos que apenas sobrevivem na presença de seus complementos.
Pode-se dizer, neste sentido, que o rei Arthur alcançou a Espada mágica graças à sua
adoção pelo Mago Merlim quando ainda muito jovem, de modo que Arthur pertenceria
a uma linhagem iniciática que lhe possibilitou a iluminação de forma mais tranqüila,
porque através da via discipular –e não mediante a via crucis como deve ser o caminho
de todos os Avatares (o Graal é o Cálice que continha o sangue de Cristo, sendo o
sangue o veículo da Alma), e também dos próprios Adeptos ou Apóstolos quando suas
linhagens já não podem se manter de forma regular; como que aconteceu com Arthur
em função da tragédia que se abateria sobre Camelot.
O próprio Graal é também ele um símbolo de identificação, da mesma forma como
Jesus ofereceu o ”sinal de Jonas” como senha para o reconhecimento crístico. Ele
mesmo bebeu do Cálice amargo, do qual desejou ardentemente privar-se, sabendo
porém que mais importante era ser feita a Vontade do Pai, pois somente assim uma
grande luz e a salvação viriam ao mundo.
A questão da identificação dos Mestres é algo sempre sensível, e cada época parece
adotar medidas particulares, segundo a natureza dos dons a serem manifestados. O

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principal será, no entanto, a conquista da Iluminação, o que, independente de tudo, as-
segura a posse de uma Perfeição real por parte do indivíduo, uma vez que, sendo a luz a
síntese de todas as coisas, o iniciado apenas ascende à ela após ter atravessado todos os
degraus. Deste modo, temos aqui o impecável preceito cristão “pelos frutos conhecereis
a árvore”.
Também devemos saber que o mundo atual, vive sob a Lei da Compaixão –a qual
tem entre seus símbolos o Cálice, precisamente–, de modo que um Iluminado apenas
chega a tanto após ter manifestado transcendente amor à humanidade: tudo isto está
presente na tradição tibetana que faz do Dalai Lama um representante de Chenrenzi, o
Senhor da Compaixão. E, é claro, no Papa da Igreja como representante do Senhor
Jesus. Na Nova Era, também se agrega a dimensão intelectual como uma virtude
iniciática. Mas nada disto, manifestado exteriormente, assegura a posse da Iluminação:
meios muito exatos e científicos estarão à disposição do homem moderno, para
assegurar-se disto sempre que necessário. E sobretudo, deve-se verificar a presença do
"sinal de Jonas" como marca especial do Avatar, ou seja: definir em seu histórico a re-
núncia completa e a situação probatória suprema a que esteve submetido. Um Avatar é
o Ser que recebe um chamado especial dos céus para trabalhar pela reconstrução da
Verdade, ou pela manifestação da Luz no mundo. Isto envolve sempre um grande
chamado geral, uma verdadeira "busca pelo Graal", de modo a gerar um ambiente
propício à própria busca e, é claro, preparar o terreno para o restabelecimento de novos
padrões culturais. O Graal é, num primeiro momento, uma visão interna a ser en-
contrada e concretizada pelo mais nobre e determinado buscador. Logo, ele mesmo in-
corpora esta Luz e se torna o Graal vivente, que deve ser então entronizado numa
Ordem interna, dando origem a uma linhagem de Mestres iluminados. E isto já se
constitui na manifestação da Espada da unidade e na expressão de uma autoridade
divina. A partir disto, podemos pensar em reerguer o mundo.
De qualquer forma, deve-se sempre ter em mente que nenhuma coisa pode lançar
raízes, seja no céu como na terra, sem considerar esta realidade que serve de elo
perpétuo entre ambos –ou seja: a presença da intermediação hierárquica. A própria idéia
da CRIAÇÃO depende, por princípio, desta conexão sagrada; razão pela qual podemos
fazer corresponder a Unificação Vicária ao Espírito Santo da Trindade, o Paráclito
“Consolador” que substitui a presença do Cristo dentro e fora de nós.

A Fonte de Unidade

Muito pode ser discorrido sobre esta matéria, que constitui-se na questão central de
toda a cultura e civilização. Símbolos áureos abundam a seu respeito, e muitas grandes
lendas referem-se a ela. Os Três Reis Magos serviram a Jesus como Adepto na ocasião
em que deveria receber a direção das principais instituições-chaves ou sinárquicas, sim-
bolizadas pelo incenso (Ciência), a mirra (Religião ou Justiça) e o ouro (Economia).
Os Adeptos comportam regular e unificadamente a perfeição da sabedoria, ciência e
autoridade no mundo, e a única coisa que fundamenta uma Idade de Ouro, é a adoção
coletiva consciente destes Mestres como os Regentes espirituais que são, ao invés de
sucumbir a sociedade na ilusão de democracias falíveis e permeáveis, porque represen-
tadas por homens comuns que, como no mito de Prometeu, terminam acorrentados pela
sua ambição e corrupção inerente, agora junto à toda uma sociedade pagã que deixou de
se orientar diretamente pelo Portador da Luz eleito & enviado, isto sim, pelo Mais Alto.
Os Mestres não pretendem substituir a Humanidade realizando as escolhas por ela,
porém eles devem ser ouvidos, para que a liberdade não se torne um palco de abusos e
de excessos intermináveis. Quando a Humanidade entende que não tem tempo a perder,

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seja como indivíduos ou como coletividade, então é chegada a hora de convocar a
Hierarquia para auxiliar. Naturalmente, a Hierarquia não espera passivamente por este
dia, razão pela qual muitos mestres e profetas são mortos. Porém uma vez convocados,
os Mestres começam a ensinar todas as Ciências da Predestinação, e a Humanidade
começa a compreender a relatividade do livre-arbítrio.
Desde o ponto de vista da Tradição, a República não merece maiores considerações,
porque representa um momento menor da evolução social (abrangendo “com sorte” as
Idades de Bronze e de Ferro da Civilização), pois está mais relacionada ao materialismo
do que à visão de síntese e do todo. Ademais, o materialismo leva à destruição e à
alienação, porque fomenta a ilusão dos sentidos e a vida profana. Certamente o mundo
não esquecerá, que foi sobre o materialismo da Kali Yuga e seus regime sociais
(capitalista e comunista), que se mergulhou mais uma vez nas trevas mais densas, das
quais apenas começará a sair pela adoção de novos valores, mais do que simples
mudança de costumes e saneamento da tecnologia.
Claro que a Democracia sempre pode servir para a evolução social e o avanço dos
regimes políticos, porém os Hierarcas também podem apelar para a democracia, quando
sentem que o preceito da Dinastia está falido. Por isto no final da estória de Arthur, ele
pede ao seu fiel Persival que devolva a espada Excalibur para as águas que simbolizam
o povo, ou para a Dama do Lago que representa a República e a Democracia.
Aristóteles dizia que nenhum regime é bom ou ruim por si só: o regime bom é aquele
que se revela eficaz e útil para os propósitos em vista. Dentro de um relativismo, tal
coisa procede, mas sempre existe também algo ideal, natural e mais conveniente para o
momento de cada sociedade, raça e do próprio planeta.
O surgimento das sociedades solares (“regidas pela alma”, sob o beneplácito da
Hierarquia), representa o ápice da cultura do homem e sua aproximação às coisas
sagradas e perfeitas. Nem todos os períodos históricos são propícios ou carecem em
absoluto desta medida, mas existem outros nos quais se torna realmente necessária a sua
adoção, em função de se necessitar segurança e legitimidade nos governos, assim como
a renovação e o aperfeiçoamento das coisas. Certamente, vivemos hoje um momento
desta natureza -inclusive pelo símbolo do Graal revivido anunciado na simbologia da
Nova Era, no Aguador.
Por tudo isto, compreende-se a razão pela qual os Adeptos tenham sido definidos
simbolicamente como o Eixo (Ketub) do mundo. Quando um Iluminado se encontra no
centro da humanidade (através de uma sociedade-discípula), o mundo está em harmonia
e girando em torno de seu eixo aprumado. O "eixo" do mundo é, claro, Deus. Mas quan-
do isto não acontece, é como se o planeta tivesse com o seu eixo deslocado, e o mundo
corresse sempre grandes perigos. Obviamente, tudo isto não é meramente simbólico,
como vemos claramente em nossos dias, quando o dragão da maldade está solto para
causar todo o tipo de prejuízos.
Observa-se neste sentido que, para os antigos, o interlúdio dinástico significava um
período de grande perigo para o mundo. Tudo deveria ser feito para preencher o vazio:
Deus o exigia. Neste sentido, basta olhar para a história de Israel, onde as várias in-
vasões estrangeiras que sofreu aquele povo, eram amiúde atribuídas à punição divina.
Geralmente, a falta dos judeus era colocado como profanações ao templo, pela adoração
a outro deus, pela idolatria e pela quebra do Sacrifício Perpétuo... Este último repre-
senta um símbolo da própria Sucessão Apostólica universal, de cujo encargo esteve
Israel em certo período do mundo, especialmente sob a égide abençoada dos profetas,
antes da realeza ser instituída entre os filhos de Abrahão com a tomada de Jerusalém (na
comum relação urbanismo/monarquia). A idolatria e a negligência à legítima adoração
única, representam o abandono da Lei da Unificação Vicária, o surgimento do

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partidarismo político, a divergência religiosa e o sectarismo em geral, em substituição à
reta, única, legítima e superior Representação divina. Se o rei segue fiel aos profetas,
nada haverá de mal e ainda se poderá causar muito bem. Por isto se pretendeu na Idade
Média, que os reis fossem abençoados pelos Papas.
É, pois, a necessidade da constituição regular das dinastias solares, que ocasiona nor-
malmente a chamada Busca pelo Santo Graal, num processo que mobiliza os melhores
homens de uma sociedade e época, dentro do sendeiro autócne e heróico chamado via
crucis. Porém, uma vez estabelecida a Sucessão, e com os melhores cidadãos já absor-
vidos ou associados à uma Ordem sagrada ou a um Estado solar constituído, tudo é
realizado de forma mais regular e harmoniosa através da cultural via discipular.
O mais complexo disto tudo, é quando surge a transição entre épocas caóticas e
épocas organizadas, quando os Adeptos devem ser novamente reconhecidos pela so-
ciedade como os Guias espirituais que são, capazes todavia de ensinar de forma integral
aos homens. Neste caso, é obviamente muito importante aproveitar a oportunidade de
contatar a Hierarquia para, através dela, se entronizar os representantes do Graal na pes-
soa dos Seus Portadores, que pode ser um iniciado ou uma ordem que mantém contato
regular com os Mestres e deles recebem a tarefa de guiar a sociedade humana. A falta
desta medida tem sido fatal para o mundo, resultando por vezes nas tragédias universais
de que registra a Tradição. Este direito de salvação total, é conquistado pelo caráter
universal do trabalho do Mestre e outorgada pelo carma humano. O reconhecimento
direto da Verdade e o encontro do divino tampouco é sempre facilitado, porque visa
selecionar com certo rigor os indivíduos mais sensíveis e próximos à Verdade.
É todavia fantástico observar ocasiões em que nem mesmo a crise geral da
humanidade, tem podido mobilizar a sociedade adormecida para a necessidade do novo.
Mas, certamente, os remanescentes das tragédias mundiais já não podem deixar de
refletir profundamente em tudo isto e de aprender as lições, revisitando para isto o Salão
dos Passos Perdidos e abrindo-se para o Novo.
Em nossos dias, os riscos são realmente enormes, pois o homem tem desperto
energias muito poderosas e sua alienação é, todavia, tremenda. As chaves para evitar o
pior –e na medida em que isto seja realmente possível- está, no entanto, sendo-lhe con-
cedida, pela revelação do Caminho real. Depende de cada um, e de cada pequena
iniciativa ou omissão, o destino comum, pois uma ação num tempo de síntese representa
sempre algo poderoso e decisivo. Se o mundo retornará a seu eixo e quando o fará, não
o sabemos. Para quê lado rumará a bússola, apenas o tempo dirá.

O Fim da Busca

A busca pelo Santo Graal não termina, pois, na personificação do Cálice Sagrado por
um indivíduo, mesmo tendo isto propiciado ao mundo uma nova energia. Mas apenas
pela comunhão consciente de todos em torno deste divino elemento.
A busca pelo Graal apenas termina, quando o sagrado se encontra no centro de tudo
e acessível a todos, de forma direta ou não, modo que a luz alcance a todos, e para que
cada um possa conhecer a Vontade divina, pura e imaculada, permitindo que se torne
um legítimo seguidor da luz. Dito em outras palavras, a busca não se limita a ser o
Graal representado por alguém na Terra, mas que este poder espiritual possa fecundar a
sociedade, e que esta demonstre-se justa e digna dos céus, reconhecendo o Mestre pelos
frutos de seus esforços transcendentes, e orientando-se pelos seus iluminados
Ensinamentos. A isto nenhum Mestre verdadeiro pode e nem deseja escapar, pois sua
disposição no centro espiritual da sociedade é não apenas um direito seu, mas sobretudo
um dever. De outra parte, é obrigação de toda a sociedade digna o reconhecimento dos

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esforços deste Ser exaltado que representa o próprio Criador. Tal medida é não apenas
espiritualmente ética, mas tecnicamente necessária para a difusão da luz. O Graal nasce
no coração de uma raça, para se manifestar como a sua espada de luz, como a Excalibur
radiante de glória eterna. Ou, como diz a prece OM MANI PADME HUM: "Salve a
Jóia no Coração do Lótus".
Dois movimentos integram portanto, na verdade, o ciclo da busca pelo Graal: a pro-
cura e a conquista do Cálice em si, seguido de sua revelação, conscientização e
disposição no centro de todas as coisas.
Apenas a procura e a conquista, de pouco serviriam se as virtudes adquiridas não
puderem ser universalizadas. Sempre haverá aqueles que pensam que cabe a cada um
fazer apenas a sua parte, de modo que todos alcançariam a Luz por si mesmos. No en-
tanto, isto é altamente irreal, pois mesmo o processo relativamente autônomo de busca
espiritual, simbolizado na procura do Santo Graal, culmina e se encerra na posse da
Iluminação por um primeiro indivíduo, o Primogênito espiritual que corresponderá
algumas vezes ao Avatar, posto que apenas este alcança realmente a Iluminação "por
suas próprias forças". Todo o resto da humanidade, necessita seguir a via discipular, a
qual é, de resto, "infinitamente" mais fácil do que a árdua via crucis atravessada pelos
Mestres. Na verdade, são quase únicos os indivíduos que se prestam a cumprir os rigo-
rosos requisitos exigidos na via crucis simbolizada pelo Graal consumado.
Nada disto constitui, portanto, nenhum capricho divino, mas na disposição de uma
ordem universal onde não falta sequer a transcendente compaixão. De resto, a Luz
Maior apenas é concedida de início, àquele que com maior determinação por ela
aspirou, a partir de um chamamento e uma revelação interior, o que serve para sinalizar
a presença do Mestre e quando as coisas realmente devem mudar sob a sua orientação.
A lenda celta de Excalibur, atesta o vigor de um buscador infatigável na figura do
jovem Arthur. Sua espada é a pureza e sua determinação à toda prova. Ainda assim, ele
pertence a uma cadeia discipular e a uma Escola regular dirigida por Merlim, o mago.
O importante neste quadro, é a ilustração da instituição social sagrada presente na
expectativa popular, daquele que poderia alçar a espada da pedra. Quando existe fé e
esperança, ocorre o cumprimento, pois Deus jamais malogra os desejos justos dos
homens. Daí a importância de se estabelecer este consenso e tal mentalidade na socieda-
de, ou seja: de que os Mestres servem na realidade não para atender a um ou dois
discípulos meramente, ou permanecer longe da humanidade e guiando-a apenas
"internamente". O Governo Interno do Mundo, não é uma vaga Presença dos Mestres
num campo espiritual imanifesto e invisível, e sim a manifestação “paralela” da Loja
para instruir e orientar a humanidade, sem interferir ou pretender substituir os homens
nas suas próprias tarefas. Pelo contrário, os Mestres devem ser encontrados onde estão
realmente: no centro superior (“pólo”) e no eixo de tudo, e dali irradiar as suas bênçãos
para todos, para que o alimento espiritual que trazem, possa chegar a todos, para que o
manah celeste se multiplique e com isto alimente as multidões espiritual e
materialmente famintas.
Que os espiritualistas se lembrem então realmente do próximo e não se percam nos
apelos do mundo, antes levando a luz divina a todos através do grande Serviço. Que a
circularidade da hóstia sagrada possa lembrar sempre, acerca da verdadeira universa-
lidade da função dos Mestres!

* Publicado parcialmente no Jornal PARALELO 30 – a Cultura da Idade de Ouro, n° 16.

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Capítulo 7

Heráldica, a "Arte Heróica" *

HERÁLDICA É PALAVRA QUE VEM de "heraldo", nome antigo para "arauto", ou seja,
aquele que anuncia algo. A heráldica anuncia a linhagem de uma casa (clã) ou a estirpe
de uma ordem (secular ou milenar) ou corporação, através de emblemas na forma de
escudos e brasões. É também a arte de formar os brasões de armas e o estudo de sua
composição, descrição e explicação, bem como as leis que determinam a sua colocação
no escudo. O escudo é a peça ou objeto sobre o qual são pintados ou gravados os
emblemas e armas estatais ou nobiliárquicos. Os brasões e os pavilhões incluem peças
mais complexas, e fazem parte das grandes armas.
No sentido mais rigoroso, a heráldica diz respeito às armas hereditárias (heráldica
de família). Estende-se, porém, a outros ramos parassemográficos: heráldica de domínio
(armas nacionais, provinciais, municipais); heráldica eclesiástica, provinda dos
privilégios da Igreja católica nas monarquias antigas; heráldica das corporações,
nascida do reconhecimento, pelos poderes espirituais ou temporais, de certas
agremiações ou instituições civis, religiosas e militares (ordens de cavalaria, universida-
des, capítulos e corporações profissionais).

Origem dos Brasões

Apesar dos símbolos pessoais e familiares serem antiqüíssimos, somente no século


XII é que estes emblemas particulares foram transformados em sinais de nobreza,
transmissíveis de pais a filhos, facilitando a identificação das famílias nobres e
aprimorando com isto o processo de linhagem.
Em Portugal, a primeira metodização dos princípios heráldicos foi estabelecida em
1466 por D. Afonso V. Surgiram tratados em português e espanhol determinando as
regras heráldicas.
Os brasões e os títulos que os acompanhavam, eram originalmente outorgados por
reis em reconhecimento a serviços prestados à Coroa, extensíveis à Pátria, à Igreja e
assim por diante.
A concessão e o uso de armas nobiliárquicas, estão sujeitos a preceitos e regras
tradicionais, segundo ordenações específicas, outrora aplicados e fiscalizados por
autoridades privativamente tituladas para esse exercício –os reis d'armas.
A heráldica, tal como a conhecemos é, portanto, de origem européia, mas a idéia
pode ser estendida a outros povos, se considerarmos, por exemplo, a função similar que
possuíam os totens entre certas tribos indígenas.
Abaixo, temos algumas singelas ilustrações heráldicas organizadas pelo autor,
reproduzindo brasões tradicionais.

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A Ciência e a Arte da Heráldica

A heráldica é hoje considerada como ciência auxiliar da História, e seu estudo exige
o conhecimento prévio da significação apropriada das cores e das relações que elas têm
com as várias ordens da nobreza e de cavalaria.
Isto é possível, porque a heráldica foi objeto de legislações que disciplinam não só a
composição e as figuras das armas, como também o seu uso, condicionado à hierarquia,
grau de nobreza e pureza do sangue do titular, bem como as alterações impostas por
aliança ou sucessão. Regulam também, de maneira precisa, a forma, as dimensões, as
cores, o número e a disposição das peças, bem como os elementos acessórios.
Uma visão geral da arte blasônica revela, portanto, acima de tudo uma série de
padrões bastante definidos que com o tempo foram sendo regulamentados. Existem
formatos específicos de escudos para as nações (o inglês é aquadradado, o suíço é mais
triangular, o português lembra um semi-círculo, e assim por diante). Assim, já por um

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vistaço preliminar, é possível identificar a origem nacional de um escudo. Alusões
específicas segundo a categoria hierárquica. As proporções devem ser no geral
obedecidas. As cores e os "metais" não devem ser misturados, com exceções. Mas há
também escudos típicos de épocas. As coroas e os chapéus eclesiásticos fazem parte da
heráldica.

A Heráldica no Brasil

A heráldica brasileira deriva necessariamente da portuguesa. Entretanto, surgiu no


Brasil já sem o rigor tradicional e, ainda assim, sujeita a alterações, como a adoção de
figuras tomadas à terra (índios, animais, vegetação, toponímia).
O brasonário imperial, documenta com freqüência essa adaptação. Cingindo-se,
quase exclusivamente, às armas de família, o regime monárquico não chegou a
implantar uma tradição heráldica nacional, por isso que, afora aos príncipes de sangue,
os títulos concedidos não se transmitiam por sucessão. Os títulos nobiliárquicos
tampouco davam direito a terras no país. O uso de brasões, pelos descendentes dos
titulares, representa mera manifestação de prosápia. A primeira constituição republicana
extinguiu os privilégios nobiliárquicos, o que acentuou o desinteresse pelos estudos
heráldicos, somente prestigiado desde então pelos genealogistas.
Desenvolveu-se, porém, a heráldica de domínio. Multiplicaram-se as armas estaduais
e municipais, e modificaram-se várias que fugiam à boa representação heráldica.
Atualmente, todos os Estados e as principais cidades do Brasil têm brasões-de-armas.
Seu exame revela não apenas a tendência nacionalizante da simbologia e das representa-
ções heráldicas, como, nos casos mais recentes, um apuro técnico por muito tempo
ignorado ou desdenhado.
Quando da descoberta do Brasil, a ciência dos brasões já decaíra do rigorismo
simbólico e da singeleza artística dos séculos anteriores, entrando na fase de
representação realista ou alegórica (é comum os brasões representarem então,
obviedades como o tema dos nomes familiares –"rosa", "pontes", "rios", etc.; em
detrimento à mitologia e à antiga simbologia abstrata –dragões, unicórnios, flor-de-liz,
etc.). Perdeu-se a pureza medieval, idealista e mística, substituída pela evocação direta
das conquistas materiais do tráfico colonizador português (imagens de negros, mouros,
caravelas, etc.). Os brasões brasileiros acusam essa feição naturalista. A falta de
conhecimentos especializados, por outro lado, acentuou essa tendência, levando à
oficialização de armas aberrantes às mais elementares regras heráldicas, não somente na
composição como na representação. Prova dessa decadência, dão-nos os símbolos ado-
tados pela República, não raro criticados pelos entendidos.

Como adotar um Brasão

Segundo os critérios tradicionais da legislação heráldica, provavelmente bem poucos


teriam acesso aos brasões hoje em dia –e muito menos aos seus títulos e respectivos
bens. De qualquer forma, a coisa pode virar moda, e já existe um lucrativo comércio de
venda de estampas de brasões de famílias nobres, com a origem do título nobiliárquico.
Uma destas entidades, Brasões Sociedade Comercial, de Belo Horizonte, que comerci-
aliza as imagens destes escudos com seus históricos, diz o seguinte no seu folheto: "As
iluminuras das Armas atingem grande perfeição artística, são de incalculável beleza,
equilíbrio e harmonia". E acrescenta: "A Heráldica assumida desponta, de novo, nos
anais da Nobre Arte. Nos dias de hoje, todos os cidadãos tem o direito de aportar um
Brasão, sob a condição de não interferir em direitos de terceiros. Cada novo Brasão tem

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de se distinguir dos já existentes. Alguns exemplos de Brasões assumidos mostram
quanto a Heráldica é preciosa na poesia das suas expressões figuradas e na bela sinfonia
das suas cores. O Brasão reforça a consciência do seu portador de possuir uma marca
que, como síntese do simbolismo heráldico e da imaginação artística, cristaliza o
passado, o presente e o futuro inconfundível de uma família". Afirma ainda que "a
Heráldica nunca teve tão vasto campo como agora; é na atividade do artista integrado na
disciplina heráldica e no seu espírito, que se deve o interesse crescente pelos símbolos".
Mas, também avisa: "A Heráldica de família significa, em primeiro lugar, pesquisa".
A forma mais segura de se adotar atualmente um brasão com critério é, uma vez consta-
tada em nossa árvore genealógica a presença de sobrenomes "nobres" –e muitas vezes
veremos que existem vários deles–, verificar a origem do título nobiliárquico e remontar
a árvore até o período histórico em que foi outorgado, para conferir se o ramo da família
a que pertencemos era realmente o mesmo, pois, caso contrário, significará apenas uma
referência muito remota.
Quanto ao fato de já não sustentarmos tais sobrenomes, isto é de certa forma
secundário. Os nobres acumulavam sobrenomes –às vezes tinham dezenas deles– e,
com isto, brasões igualmente...
O sangue de uma família nobre pode até ter ficado já "ralo" (a homeopatia diria,
talvez, dinamizado, ou seja, potencializado!), mas ele pode existir ainda, segundo as leis
heráldicas, que hoje já não são cumpridas com rigor, mesmo porque de início os títulos
vinculavam-se a bens outorgados pela realeza.
Na verdade, a implantação da nova raça-raiz requer, como sempre, a restauração da
Monarquia, sobretudo nos palcos da raça solar emergente. Esta Monarquia será, porém,
renovada segundo os preceitos áureos, o que exige uma purificação prévia também da
Religião. E na sua esteira ressurgirá a classe dos nobres, baseada na realização espiritual
e na devoção a Deus, concretizado através do serviço ao seu Estado divino na terra.
Com isto, o esplendor da Idade Média, que alcançou poucos séculos de vida no seu
auge, poderá ser parcialmente resgatado, aproveitando-se assim ciências e estilos ali
desenvolvidos.

* Bibliografia: Enciclopédia Delta Larrousse e Dicionário Enciclopédico Brasileiro de


Álvaro Magalhães.

42
Capítulo 8

O Deus-Menino

EXISTE NA TRADIÇÃO SAGRADA, uma idéia recorrente no tocante ao advento dos


grandes Avatares ou Encarnações divinas: trata-se de seu aparecimento simbólico na
forma de uma criança sagrada. Foi assim com Krishna ensinando os pastores, ou com o
menino Jesus ensinando aos doutores de sua época, repetindo-se em certos mitos de Bu-
da, Hórus, Quetzalcóatl e outros personagens divinos. No Tibet, esta tradição seria
observada de forma literal, através da figura dos tulkus –reencarnações divinas de uma
mesma personalidade espiritual–, apesar de, como veremos, tal coisa fazer mais alusão a
símbolos do que propriamente a realidades.
Para compreender esta questão, devemos, no entanto, penetrar alguns dos mais
sagrados mistérios da Tradição, ou seja: aquilo que diz respeito à manifestação ou
encarnação da Imagem Divina - o Avatar-, seus ciclos em processos.
A Imagem divina pode se expressar na Terra na forma de Mestres de distintos graus,
mas apenas nos casos mais elevados ela manifesta um padrão que se poderia dizer
arquetípico ou áureo. Este padrão ideal, se encontra então perfeitamente identificado ao
Macrocosmo, sendo por isto ela um Microcosmo perfeito e único.
Para que isto se realize, o Iniciado deve percorrer as suas etapas evolutivas em
tempos muito estritos, padronizados, determinados e, sobretudo, curtos em relação ao
padrão empregado pelos Adeptos comuns para alcançar a Iluminação. É devido a este
fenômeno e poder, que o Avatar recebe o título simbólico de deus-menino, pois con-
quista a luz-maior em tempo bastante menor do que os Mestres regulares. Assim, Jesus
tinha doze anos de iniciação (e não físicos!) quando se torna um Mestre e passa a ensi-
nar os doutores –uma "criança", portanto, desde o ponto de vista espiritual. No total, isto
representa 30 anos de idade, que tinha realmente quando iniciou a sua missão pública
segundo os Evangelhos. De modo que este período-áureo, passa como uma das grandes
marcas dos Avatares em si e, por consequência, também como um dos mais importantes
sinais para a sua identificação.
Através desta condição, o Mestre divino resume o Cosmos, e está apto a servir de
Modelo universal não apenas para os indivíduos em suas evoluções individuais e à cole-
tividade como um todo, mas também para constituir toda uma raça-de-ouro sobre as
suas próprias pegadas áureas. Pois a formação universal de um Avatar, não apenas ex-
pressa uma organização plena e transcendente de todos os segmentos de castas ou sócio-
iniciáticos (o que faz qualquer Adepto), mas ainda traz consigo, em função do padrão-
áureo executado, uma ciência plena e perfeita da evolução do homem divino a ser
aplicada a toda uma sociedade, trazendo uma resposta preciosa à busca atual pelos
padrões estruturais da evolução humanas, encetada pelos modernos Construtivistas. E é
neste sentido, sobretudo, que se deve entender a função áurea de todas as ciências tradi-
cionais, ou seja: de ordenação do cosmos segundo os seus cânones áureos de reg-
ulação.

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Mas há outro aspecto do símbolo que tampouco deveria ser ignorado, porque afirma
a grandeza da compaixão avatárica, e resulta das condições em que ressurge o Iniciado
após atravessar as dramáticas provações da etapa chamada "Crucificação". Pois, ao lado
das glórias ali obtidas, o Iniciado conhece o desespero e o aparente desamparo ("Pai,
por que me abandonaste?"), tornando-se frágil ante a dor, como uma criança dir-se-ia,
sujeito inclusive a padecimentos físicos e a crises psicológicas que deformam a imagem
do Iniciado que experiência depois, pouco a pouco, a sua gloriosa Ressurreição em
favor de todos. Reflitamos sobre esta verdadeira face do sacrifício no Natal!
O mito do Deus-Menino envolve espírito de renúncia e abnegação, assim como
renúncia à privilégios, expressão de vocação inconteste, pureza e inocência; assim como
o ingresso precoce no caminho da luz; além da ação da expiação e da intervenção
divina.
Para saber mais sobre estes divinos mistérios, ver a nossa obra “Pedagogia Áurea”.

A "Virgem" e o "Berço de Ouro"

Vivemos hoje uma época de grandes transições cíclicas, como se observa pela chegada
da famosa Era de Aquário, para não falar de ciclos ainda mais importantes a respeito
dos quais se tem dado também alguma divulgação. Seria importante, pois, oferecer mais
detalhes desta realidade capital que representa para um novo mundo a vinda daquele
Avatar que lhe corresponde –mesmo porque, este é um campo que se presta a
confusões e equívocos, sobretudo numa época complexa como esta, quando está previs-
ta a chegada de distintos Hierarcas, junto àqueles arautos responsáveis pela preparação
do terreno para os grandes adventos, para não falar dos falsos profetas pura e
simplesmente.
De fato, temos assistido a diversas Missões, itinerantes ou não, que ocorrem neste
período de renovação mundial, no intenso intercâmbio de culturas que culmina os úl-
timos 500 anos de História. Geralmente ocorre de buscadores se dirigirem física ou inte-
lectualmente aos antigos focos da Tradição, na busca de resquícios de luz para, então,
adaptando-os em alguma medida, levá-los em direção àquelas regiões supostamente
destinadas a servir como novos focos de cultura sagrada, realizando assim uma
semeadura que, embora empregue sementes antigas, faz sempre uma aclimatação ou
adaptação destas. E com isto, ali chegando se gera por vezes até um contexto sote-
riológico, quer dizer, percebe-se (ou apenas projeta-se) no Mensageiro um elemento re-
dentor ou renovador da cultura a um grau não raro mais amplo que o destinado em ter-
mos gerais à uma dada missão. E assim, se tende a confundir estes nobres “mercadores”
do saber, com verdadeiros profetas da renovação.
Nisto repete-se de algum modo, na sempre receptiva América, o erro de Montezuma
que, ao conhecer a antiga profecia do retorno da Lei Divina desde o além-oceano, desde
o seio da raça branca onde se encontrava na Era Solar que findava, desprezou a palavra
dos astrólogos e confundiu a chegada dos conquistadores –na verdade, apenas cruéis
precursores de uma nova Raça americana, quase mensageiros do carma– confundido
com uma efetiva manifestação avatárica; quando na realidade, tardaria um tempo ainda
para que tal coisa se realizasse, visto não servir um ente estranho a uma raça como o
seu próprio e mais augusto representante. Quetzalcóatl viria de fato, no Cristo ou Buda
futuro a nascer, nesta mesma terra espiritualmente virgem no novo ciclo de América,
sede do “novo céu e da nova terra” (Apocalipse 21:1) anunciados. Daí a grande decep-
ção que sofreram os povos de Amérriqua ("país dos ventos" em quéchua), ao encontra-
rem, não o Senhor do Amor e da Ciência, mas sim os mensageiros do fanatismo e da
cobiça cega!

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Os anais antigos, demonstram que o caso aconteceu muitas vezes no passado, quando
iniciados chegaram de outras terras, trazendo os seus preciosos acervos tradicionais, e
foram recebidos como deuses por povos primitivos deslumbrados com tudo aquilo, e
totalmente incapazes de discernir o verdadeiro valor das coisas, até que se tenha passado
talvez alguns séculos e muitas gerações, quando por fim se sobressai a Verdade
renovada, adaptada pela síntese e renascida em solo próprio.
Pois uma coisa é receber influência alheia na formação da própria cultura, e outra,
muito diferente, é pretender adotar um mestre estrangeiro para orientar uma raça! De
modo que -e para precisar um ponto importante -, apesar dele eventualmente representar
um “ente universal”, ainda assim estará profundamente indissociado à sua própria co-
munidade natal. Ele é, por assim dizer, apenas o fruto mais nobre dentro de uma farta
colheita espiritual realizada sobre um fecundo solo cultural, que faz com isto a sua dá-
diva ao mundo, fecundando uma terra "virgem", talvez.
Tudo isto se encontra referido através dos mitos genésicos, onde, por exemplo, as á-
guas primordiais ou o Caos original, a partir dos quais tudo é criado, dizem respeito a u-
ma sociedade que, por se encontrar num estado avançado de transformação, está
potencialmente apta a um quadro superior de organização. Na tradição cristã, a Igreja
alude não apenas à Instituição religiosa em si, mas também a toda uma nova sociedade
em torno dela organizada: é o Templo da preparação para um futuro Advento sagrado. E
como bem sabe a Igreja Católica, esta nova comunidade faz a imagem da Virgem fecun-
dada pelo Espírito Santo, como no mare sacrum onde pousará a pomba mensageira após
o grande Dilúvio, anunciando a época da restauração de todas as coisas, e a reimplan-
tação do Pacto do Arco-Íris entre o Criador e sua Criação –resumida esta na própria Hu-
manidade emergente então.*

* Ver mais sobre o tema do Deus-Menino em nossa obra “Pedagogia Áurea”.

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Capítulo 9

Dharmas e Raças

AS SUCESSIVAS RAÇAS HUMANAS, necessitam ser atendidas e orientadas de forma


específica, em relação à sua própria natureza e necessidades evolutivas.
Ao longo da História humana, temos assistido a diversas formas de florescimento de
uma lei espiritual. Por vezes, ela brota espontaneamente sob a ânsia de se buscar algo
novo, e outras vezes ela é imposta sobre culturas com tradições prévias. No último caso,
geralmente se tem a idéia de que aquilo que se impõe é superior, mas o julgamento do
critério pode ser polêmico. Pelo contrário, é comum que povos antigos, quando
invadiam outras terras por necessidades materiais, respeitassem as culturas já
estabelecidas, e não raro adotavam os seus deuses, incorporando-os ao seu panteão por
conveniência ou por interesse genuíno. Se argumentará que, por vezes, tal prática é
incompatível, como em relação a crenças primitivas e sangrentas; e que então tendem a
inverter o processo e adotar elas mesmas as crenças dos dominadores. Mas o veredicto
da História, pode se revelar hesitante nestes casos, pois, como justificar todo o etnocídio
que seguiu-se à Conquista, através da acusação generalizada da prática de sacrifícios
humanos e outros casos antes isolados? Mesmo porque, a Lei da cristandade seria o
perdão e o “dar a outra face”...
Muitas vezes a História age com aparente impiedade, e não sabemos ao certo as
razões do martelo do carma, ou o tacão do Destino. Os tibetanos, por exemplo, foram
desenraizados, o que pode ter muitas interpretações. Política à parte, os budistas do
Tibet foram obrigados a divulgar os seus conhecimentos, para que estes não se
perdessem e ainda pudessem beneficiar o mundo. Além disto, demonstrou que o pólo
espiritual do mundo, já não é a Ásia. Praticamente, se deu por extinto um dharma re-
manescente da época de Buda, que teve a virtude de configurar, por muitos séculos,
algumas nobres teocracias nas montanhas geladas. O budismo tibetano estava já
realmente decadente, apesar de manter a força que se observa ainda hoje, através dos
monges que vêm nos visitar trazendo suas tradições. Foram, afinal, muitos séculos
ensaiando e preparando práticas, nas purezas das montanhas rarefeitas dos Himalayas.
Assim, tem-se de um lado a revelação de um final de ciclo, e de outro lado a
necessidade da transmissão de uma Lei. Esta transmissão não se dá, todavia, de forma
direta e simples, mas requer uma reciclagem e adaptação cultural. Tampouco vem a ser
uma imposição racial, do tipo que faziam os católicos, mas um ensinamento criterioso
de uma prática que, mesmo muito decadente, traz ainda lições para o futuro.
O budismo é uma religião que conheceu muitos níveis e várias adaptações. A sua
remanescência no Tibet recente e seu poder de configurar ali uma Teocracia, é mostra
do seu poder real numa sociedade. O Budismo tibetano, pelo simples fato de chegar aos
nossos dias nestas condições, já dá mostra da sua vitalidade, e mesmo que o Tibet não
fosse um modelo exato para o mundo, mas sim uma espécie de ilha cultural, estava
inserido num tempo histórico e recebeu as suas vibrações. O mesmo se pode dizer das

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culturas pré-colombianas, pelo valor que possuem como transmissores de
conhecimentos tradicionais.
Isto sugere, pois, o valor destas ciências para o futuro da humanidade. Em geral, o
espírito das antigas tradições se encontra virtualmente esvaziado, pese existir também
uma contínua adaptação aos tempos, e quiçá uma preparação para o novo, mediante a
intuição e a ciência astrológica esotérica. Trata-se, todavia, apenas de uma fração de
verdade atualizada, já que a rigor tudo deve ser sempre reciclado, sobretudo quando se
trata da transição de ciclos maiores.
Não se pode tentar infringir uma Lei, a uma época que não lhe corresponde: um
Dharma e sua Sangha –a raça em si, bem entendida– são unos, assim como é uno com
estas aquele Buda que vem trazer o Dharma e a auxiliar no despertar da Sangha. A
princípio, é apenas na raça em que nasce o Avatar, que o seu Dharma pode ser levado às
últimas conseqüências.
Pode-se distinguir, neste sentido, distintas fórmulas de Dharmas, as quais se dividem
em duas grandes expressões: uma negativa, e outra positiva, uma lunar e outra solar,
uma purificadora e outra criativa –como vem a ser, aliás, as duas principais etapas da
prática meditativa em si, muito embora em sentido inverso.
Como vimos, a própria História se encontra dividida desta forma, em seu ciclo
tradicional de 5.000 anos, de modo que a primeira parte está definida em termos de
Hierarquia e espiritualidade, e a segunda metade na forma da Anarquia e materialismo.
Hoje, estamos terminando um ciclo histórico completo desta natureza, na
consumação de seu período “anárquico” e materialista. Faz 5.000 anos que teve início o
último grande ciclo civilizatório, através da implantação de uma Nova Ordem Mundial,
solar e hierárquica, perfeita e áurea –ou seja: exatamente aquilo que estamos hoje
destinados/necessitados de reimplantar uma vez mais no mundo...
Com isto, fica também estabelecida a extinção de todos os dharmas e dispensações
espirituais de fundo tão somente “interno”, agora que um novo processo de integração
mundial tem início. Os novos modelos de religião estarão perfeitamente integrados ao
Todo, e não poderão dispensar nada, sob pena de serem rejeitados. Culturas como a
egípcia antiga (sobretudo no 1° Império), onde a luz está perfeitamente difundida em
todas as suas manifestações, é que deverão servir de modelo para o porvir imediato da
humanidade, embora sob uma nova roupagem, adequada à natureza da nova raça em
ascensão.
As novas necessidades raciais dizem respeito a u’a maior liberdade de ação, face aos
planos internos e sutis, valendo-se do planeta como uma base para o desenvolvimento
da sensibilidade e como laboratório para o incremento de sucessivos planos-de-relações,
assim como da luz espiritual para referenciar as suas possibilidades maiores. A nova
raça deseja, pois, explorar os universos psíquicos, valendo-se para isto tanto do mundo
material como do espiritual, para desenvolver entre ambos todo um campo de
consciência e um espaço psíquico amplo, onde um perfeito equilíbrio possa ser
alcançado. Para isto, ela deve elaborar muitos experimentos através dos opostos
cósmicos, seja na forma da ciência material, como da iniciação espiritual. E através da
reunião de ambas estas realidades, alcançará definir critérios que fundamentem os seus
planos de atuação, onde terá muito peso a arte e também as associações em geral, como
forma de auto-realização humana plena, ou como meio para a integração do ser
mediante a interação das partes, expressas inclusive através dos homens organizados
socialmente.
Felizes os povos destinados a gerar um novo degrau para a humanidade, e que
compreendem a este augusto destino.

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Capítulo 10

Mistificação & Restauração

EXISTE UM ESFORÇO ESPECIAL DA PARTE DA HUMANIDADE ESPIRITUALIZADA, em


assimilar e difundir os ideais áureos de integração entre os centros terrestre de evolução,
que são a Divindade, a Hierarquia e a Humanidade. A Tradição depende desta
integração original, e a transmissão é a busca pela sua preservação.
Porém, com o passar dos séculos, se acrescentam os conhecidos problemas de
transmissão, e as refinadas verdades das Origens, tendem a se perder e a ser
mistificadas. Podemos realmente falar, por esta razão, até de três graus de Tradição,
segundo a fonte seja a Divindade, a Hierarquia ou a Humanidade. Naturalmente,
existem verdades que são próprias de cada esfera, ainda assim, a formulação de cada
Centro é particular. Cada centro é a custódia exclusiva das suas grandes verdades, que
apenas parcialmente poder ser transmitidos aos reinos inferiores.
Aqui surge um primeiro problema, na raridade da manifestação divina. Ainda que a
Hierarquia tenha muito boa vontade e elevada vocação, ela não está plenamente
capacitada para compreender a energia de sacrifício que domina a esfera da divindade,
comumente sobrevivente de provações de transcendentais dificuldades. O segundo
problema, é que a própria Hierarquia representa um reino também algo remoto, já que
se limita a uma elite de altos iniciados, sem envolvimento direto com as coisas terrenas,
ainda que desejosa de enobrecer aos assuntos mundanos, apesar dos longos períodos em
que os homens não aceitam conviver com ela mais regularmente; de modo que custa à
humanidade se aperceber da simples presença dos mestres e valorizar a pureza dos seus
nobres ensinamentos. A terceira dificuldade, está na própria esfera humana, que tem
resistência a elevar-se da matéria, sequer em nome da síntese e da evolução, ainda que
nas partes altas da pirâmide cultural, e também nas suas idades mais nobres, exista
maior refinamento intelectual e espiritual.
Com tudo isto, se pode imaginar o quão distante está a humanidade, de compreender
diretamente as questões divinas..! Em função dos desníveis de consciência existente
entre estes centros, existe a realidade dos mitos, que são coisas de certa forma
inatingíveis, mas com as quais a humanidade termina por conviver. Afinal, talvez não
exista outra forma de preservar as verdades superiores, senão através do mito, mesmo
sujeito ao preconceito e à mistificação. O mito conserva a sua essência através do culto
ou do rito, mas com o tempo o seu conteúdo vai se perdendo e ele sofre mistificações.
Um dos mitos mais complexos alimentados pela raça árya, foi o da sacralidade (ou
da divindade) dos reis. Esta mistificação aconteceu desde cedo, no Oriente e também no
Egito, e quando influenciou a Europa já foi através desta situação.
Qual a origem desta idéia? Talvez possamos apontar aqui várias diretrizes. Uma das
respostas, estaria no Governo Paralelo do Mundo exercido pela Loja Branca. Trata-se,
simplesmente, da existência da Hierarquia de Luz e sua forma ordenada de ser, através

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do regime social da Sinarquia, onde os mestres são representantes ideais das classes
sociais e seus interesses. Trata-se de um governo intelectual e espiritual, ou um Governo
de Conselho que se limita a emanar energias e ensinamentos, não ousando se aproximar
das próprias instituições terrenas. Estes mestres ensinam sobre a unidade cultural e a
evolução social, professando assim uma verdadeira Religião da Civilização,
especialmente a partir da raça árya, quando a Hierarquia superou a condição humana
essencial, e pode obter uma visão superior e transcendente da evolução da humanidade,
assim como aquilo que viria além dela.
Esta também teria sido a origem de outro mito conhecido da cristandade, que é
aquele da infalibilidade papal. Naturalmente, aquilo que temos aqui é um mito, mesmo
que, comparando ao ser humano, ele seja efetivamente até muito real. Em certo sentido,
ele é bastante verdadeiro quando diz respeito à Hierarquia de Luz, que é a fonte remota
do conceito da Unificação vicária. Somente a Hierarquia, representa uma elite de tão
elevada qualificação. A Loja não é perfeita, sequer a divindade seria; no entanto, temos
aqui seguramente uma expressão da excelência –e isto deveria nos bastar, porque a
opção seria e é muito pior. Note que não existe nas hierarquias religiosas ou
monarquistas, uma categoria de “perfeição”; há “excelência”, “santidade”, “eminência”,
etc., mas não “perfeição”. Contudo, a humanidade costuma ser muito simples, não
aceita relativismos, e vê tudo branco ou preto. A perfeição é um mito; no entanto,
quando diz respeito à Hierarquia, ela está mais perto da verdade do que o oposto.
“Preto-no-branco”, a Hierarquia é sim, perfeita. Porém, quando acontece a simulação,
tal como a de um falso papado, aí é outro assunto, talvez ainda pior do que assumir a
condição humana, porque reina a hipocrisia e a mais hedionda usurpação...
Paralelamente, existem então as instituições humanas, reflexos inspirados nestas altas
idéias. Os líderes humanos, têm o direito e a tarefa de organizar e de coordenar as
instituições sociais, buscando nos casos mais elevados, servir de representantes e porta-
vozes daquelas forças superiores, que são as próprias Fontes da civilização. É próprio
dos líderes buscarem a virtude, tal como é próprio dos virtuosos assumirem as
lideranças.
Contudo, a virtude é uma qualidade volúvel na humanidade, porque a condição
humana é instável, expressão da vida manifestada que é. Tal como a vida tem começo,
meio e fim, também a evolução humana está sujeita a ciclos de vida e morte, ou de
ascensão e decadência. Por isto, a Tradição fala das Idades da Civilização, dentro das
raças e também dos ciclos mundiais.
A condição divina e sagrada dos reis e dos sacerdotes, é geralmente um mito. A
nobreza e a santidade, têm estado acessível à humanidade. Porém, a iluminação ainda
não, coisa que doravante deverá todavia mudar, com a chegada da nova raça-raiz.
Ainda assim, se criou o mito da sacralidade dos governantes, em parte por motivos
arbitrários (como quando um rei ou general se arroga a proteção divina numa vitória
militar), em parte por conveniência política (para se diferenciar da oposição, justificar o
poder ou receber a simpatia do público).
Os reis foram abençoados pela Igreja, a partir de Carlos Magno, porque se
apresentaram desde o início como defensores da fé, e receberam da Igreja esta tarefa em
especial. Naturalmente, eles receberam as terras que conquistaram ao “infiel” ou aos
povos “conquistados”, tornando-se comumente administradores vitalícios e hereditários
das terras e das sociedades nelas viventes, redistribuindo-as então entre seus partidários
fiéis. A Igreja tinha o poder religioso e cultural, organizado pelas ordens cristãs, e com
isto mantinha um contato direto com a sociedade, realizando um governo espiritual
direto. Os reis necessitavam das bençãos do papa para serem aceitos pela sociedade, e

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assim se formou a ordem social da Idade Média, regida pelo feudalismo, que tratava
assim da proteção da terra e da sua valorização dentro das perspectivas sagradas de
organizar o regnum dei, o Reino de Deus.
Neste contexto, a Igreja ainda sustentava o poder temporal, o Estado, terras e
exércitos, aspirando por manifestar um Império espiritual. Nisto, havia natural tensão
com as coroas, que por vezes concorriam pelo domínio do Império universal.
São Francisco deu início a uma contestação categórica do poder temporal da Igreja,
ficando o assunto mais em planos espirituais, mas que se manifestou formal e
vigorosamente com a Reforma protestante alguns séculos depois. Os movimentos
revolucionários, materialistas confessos ou não, colocaram a pá de cal sobre o poder
temporal da Igreja, quando combateram e expropriaram a Igreja e derrubaram as coroas
que eram a sua sustentação histórica, afirmando assim a consolidação da cultura da Kali
Yuga.
Com isto, podemos dizer que a civilização árya se encerrou, também com o fim
cronológico do seu ciclo racial. Hoje vivemos, contudo, e até em função disto, o começo
de uma nova raça-raiz, centralizada nas Américas, onde cabe refletir sobre os valores
áureos e originais, e buscar a restauração da unidade das instituições. A nova raça
alcançará a iluminação e a imortalidade espiritual, representando o amadurecimento das
perspectivas culturais humanas. Com isto, teremos efetivamente homens sagrados,
porém tal coisa não dispensará a presença e a orientação dos mestres, porque somente
eles podem orientar a evolução humana, até para além de si mesma.

Dialética e Tradição

A organização inicial de uma Tradição, tende a seguir um processo dialético.


Grandes arautos da Tradição, como foi Platão, deram um especial valor ao método
dialético.
Em tempos recentes, Hegel pretendeu trazer uma síntese filosófica e até manifestar
uma Matese, a etapa do “conhecimento total”. Segundo abalizados exegetas da sua obra,
o filósofo “pensou a filosofia sob o signo do acabamento” (Heiddeger), e tal como
outros sintetas -como foi o abade Joaquim di Fiori, que julgava ter abarcado o curso da
História humana segundo a ótica judaico-cristã-, pretendeu vivenciar através da sua obra
um final-de-tempos, desencadeando de alguma forma os movimentos históricos que se
seguiram. Ocorre que os grandes mentores filósofos e mentores, suscitados em
momentos-fundadores, são também porta-vozes de dialética completa, semeando assim
os seus futuros desdobramentos.
Estas são as etapas da dialética completa:
Tese -> Antítese -> Síntese -> Matese
Raramente se avalia a última etapa de Matese porque, tal como denunciava o mais
ilustre discípulo de Hegel, que foi Karl Marx, os filósofos “se limitavam a pensar o
mundo”. Cabia também transformá-lo, dizia ele, e certamente nisto havia um princípio
de Matese -mas não de todo. Mesmo antes de Marx, a sociedade já estava em
transformação, porém o filósofo não dava muito valor às revoluções do século XIX, por
exemplo, em função do caráter burguês destes movimentos, geralmente encabeçados
pela Maçonaria. Nesta visão seletiva, as etapas anteriores da História, mereceram quase
nenhuma atenção da sua parte, tratando assim seu pragmatismo apenas do quadro atual
e transitório, incapaz até mesmo de abranger os movimentos ocorridos em outros
continentes.

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Em nossa obra “O Sexto Sol”, demonstramos que os últimos 500 anos de História
trazem consigo, a partir da Conquista do Novo Mundo, uma Sociosíntese
desconstrutiva, capaz de ser avaliada, por exemplo, através da sequência de impérios
mundiais social ou ideologicamente caracterizados. Tal coisa possui uma direta relação
com certa “dialética histórica” transformadora.
Assim, na transição da Idade Média para a Idade Moderna, tivemos ainda impérios
religiosos, como foi o espanhol, servindo como uma verdadeira apoteose do Passado e
de elemento-tese da dialética.
Porém, as reações embutidas neste expansionismo, mais ou menos delimitado por
interesses religiosos, criou um ciclo de expansão das monarquias através da organização
dos Estados nacionais europeus. Esta etapa definiu uma certa antítese, na medida em
que despertou os poderes latentes da própria dialética medieval.
Neste mundo em expansão, a burguesia também quis ter o seu quinhão, e em nome
do humanismo nascente, deu iniciou um ciclo de revoluções que alterou a face do
mundo, derrubando assim o Antigo Regime em toda parte. Esta etapa trouxe uma
síntese, na medida em que despertou forças sociais emergentes.
Finalmente, a fim de concluir o processo materialista, e levar o poder econômico a
todas as classes sociais, o proletariado se organizou gerando um ciclo de revoluções
comunistas, que teve maior sucesso na Ásia. Podermos ver aqui a matese ou busca da
realização das metas cristãs de fraternidade e de igualdade.
Tal quadro nos traz a um rés do chão nas estruturas sociais, na medida em que
prevalece, na prática ou em tese, o “poder popular”, e mais ainda porque este tampouco
se acha já de todo organizado.
Neste aspecto, podemos dizer que surge ali um movimento oposto de reconstrução,
que tem nas Américas o seu palco central de destinação, e que algo acidentalmente se
confunde com os movimentos históricos centralizados na Eurásia, palco da raça anterior
ora em ocaso. Tal coisa acompanha, pois, a organização de uma nova raça-raiz.
Aqui, numa nova construção social, a tese-de-base é a própria Matese anterior, por
assim dizer, pois “matese” pode ser lida como “mãe da (nova) tese”. Tudo começa, pois,
com uma organização do proletariado no Novo Mundo, seguido de uma crítica às suas
limitações, afinal este quadro chegou a abranger coisas tão brutais como a escravidão. A
progressiva dignificação do trabalho, acompanha naturalmente um quadro de ascensão
social, agora dentro de uma formação real das classes, base como são das raças-raízes.
A evolução dialética, se traduz na organização progressiva de uma nova Tradição,
incluindo as leituras sociais da Verdade e a sua capacidade de síntese e de auto-
organização, num processo crescente de independência e de autonomia. Trata-se da
organização do espaço racial, já sob um viés transcendental a partir de certa etapa,
resgatando é verdade as bases da primeira dialética, porque na organização do Novo
Mundo realizada a partir da Europa, também se tinham perspectivas idílicas e
renovadoras, das quais os novos protagonistas locais nunca foram de todo estranhos, é
verdade, já a partir dos indígenas que foram anexados ao processo de transformação. A
grande diferença, é que a antiga “utopia” partia de uma base exótica ou externa, e as
novas metas partem de bases locais, estando daí melhor enraizadas. Num certo sentido,
desde o ângulo da renovação, a desconstrução visa a síntese, e a construção via a
matese.

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Capítulo 11

Urbanismo e Cosmogonia

O SURGIMENTO HISTÓRICO DAS CIDADES, pertence a uma medida por assim dizer
áurea de organização de um espaço sagrado, devidamente organizado e centralizado.
Nas sociedades sagradas existem princípios solares, por assim dizer, que possibilitam
uma organização superior, traduzida em melhor qualidade de vida terrena e espiritual.
Por simples que pareça, este verdadeiro paraíso pode ser obtido através da organização
social, em termos devidamente hierárquicos, especialmente quando uma raça possa
contar com Iluminados para guiá-la, os quais trazem consigo as credenciais cármicas
para abençoar o mundo.
Uma sociedade organizada nestes termos, se distingue é claro de todas as demais, e
representa o centro do mundo para uma época, aquela que tem uma Missão especial. E o
urbanismo áureo é uma das expressões e símbolos deste processo.
Mircea Eliade desenvolveu estudos importantes a este respeito, e em seu artigo O
Mundo, a Cidade, a Casa* menciona o seguinte, que nos parece importante comentar:
“Se para o homem arcaico a vida no mundo tem um valor religioso, isso resulta
de uma experiência específica do que se pode chamar ‘espaço sagrado’. De fato,
para o homem religioso, o espaço não é homogêneo, algumas partes dele são
qualitativamente diferentes. Há um espaço sagrado e daí, forte e significante; e há
outros espaços que não são sagrados e, conseqüentemente, são sem estrutura,
forma e significado. Isso não é tudo. Para o homem religioso, essa
heterogeneidade espacial se expressa na experiência de uma oposição entre espaço
sagrado –o único real e realmente existente– e todos os outros espaços, expansão
amorfa circundando o sagrado.”
O espaço pode ser consagrado através da organização espiritual e humana, sob a
orientação dos mestres, e pode ter também predisposições especiais, regidas por certas
leis telúricas de harmonia, estudadas na Geosofia ou na Geografia sagrada. De todo
modo, esta é uma realidade fundadora. Quando Blavatsky afirma que para muitos povos
antigos a deidade suprema é o espaço (tal como no mito grego de Urano), esta realidade
não deixa de abarcar a Terra –até porque, Gaia era uma parceira de primeira hora de
Urano... Prossigamos, porém:
“A experiência religiosa da heterogeneidade do espaço é uma experiência
primordial, comparável à descoberta do mundo. Isso porque é essa divisão
espacial que permite a constituição do mundo, uma vez que revela o ponto fixo, o
eixo central para toda orientação futura. Quando o sagrado se manifesta em
qualquer hierofania, há não apenas uma ruptura na homogeneidade do espaço;
há também a revelação de uma realidade absoluta, oposta à irrealidade do vasto
espaço circundante. A manifestação do sagrado cria o mundo ontologicamente.
Na expansão homogênea e infinita, na qual é impossível haver um ponto de

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referência, de onde se possa estabelecer alguma orientação, a hierofania revela
um ponto fixo absoluto, um centro.”
Mesmo formalmente, a disposição de regras e de coordenadas áureas, tem sido
observada como forma de se encontrar o máximo de referenciais superiores. O
alinhamento arquitetônico e a regulagem do calendário, segundo os ciclos simbólicos
superiores -tudo isto acompanhado pelos rituais-, são medidas desta natureza, herdadas
geralmente de sábios que coordenam a civilização, de início segundo estes preceitos.
Prossegue Eliade:
“Daí ser claro o valor existencial da descoberta –ou seja: da revelação– de um
espaço sagrado para o homem religioso; porque nada pode começar, nada pode ser
feito, sem uma orientação prévia –e qualquer orientação subentende a aquisição
de um centro. É por essa razão que o homem religioso sempre procura fixar sua
residência no ‘centro do mundo’. Se o mundo é para ser vivido, deve ser
fundamentado –e nenhum mundo pode surgir do caos da homogeneidade e
relatividade do espaço profano. A descoberta ou projeção de um ponto fixo –o
centro– equivale à criação do mundo. A orientação dada pelo ritual e a construção
do espaço sagrado tem um valor cosmogônico; porque o ritual, através do qual o
homem constrói um espaço sagrado, vale na medida em que reproduz o trabalho
dos deuses, ou seja, a cosmogonia.”
O ritual reproduz simbolicamente o sacrifício divino, em função do qual o espaço
sagrado é criado no mundo nas origens. Em nome da redenção universal, o Messias e
seus fiéis, regam a terra com seu suor, lágrimas e sangue. O ritual é realizado pelos reis
ou sacerdotes que praticam neles mesmos, idealmente falando, o sacrifício iniciático
que sacraliza a cidade com a luz obtida. Ao menos nas grandes festividades, os reis e os
sacerdotes realizam sacrifícios que simbolizam a expiação divina em favor do mundo.
São os Mestres que pagam o preço da iluminação que traz consigo a criação de um
microcosmo perfeito, que depois se reflete na geração de um mesocosmo racial,
centralizado neste verdadeiro Sol espiritual que representa um Mestre.
Mas, se a organização urbana corresponde já em si ao atendimento de uma ética
espiritual, existe também, é claro, toda uma potencialidade na forma da
correspondência com o sagrado, através da possibilidade de administração e,
possivelmente, da expansão de uma ordem sagrada fundida ao terreno e, portanto,
especialmente poderosa.
Devido ao caráter simbólico (espiritual) e prático (administrativo), presentes na
fundação da cidade, é ela que representa sempre o início da verdadeira civilização.
“A história de Roma, bem como a história de outras cidades ou povos, começa
com a fundação da cidade; o que quer dizer ser a fundação o mesmo que uma
cosmogonia. Cada nova cidade representa um novo começo do mundo.”
Roma foi fundada sob cânones sagrados, trazendo todavia a própria semente do
humanismo racial. Os fundadores de Roma, Rômulo e Remo (que reproduzem o
“pecado fundador” de Cain e Abel), eram filhos de Marte, planeta que rege a raça árya.
A Loja árya estava regida por Mercúrio, mas naquela altura (Roma foi fundada em 753
a.C.) começava o ciclo humanista das Idades metálica de Bronze e de Ferro. Por tudo
isto, a monarquia não tardou dois séculos, havendo já em 510 a.C. sido substituída por
uma república fundadora que durou cinco séculos. De forma coetânea, a Democracia
despontava na Grécia em 502 a.C., trazendo para o Ocidente o cetro do humanismo.
Estas fundações têm um marco primordial que detém poder simbólico fundamental.
Pode ser um sulco como em Roma Quadrata, um palácio imperial, um templo ou uma
montanha como em Jerusalém (o Templo foi erguido sobre o Monte Moryah, onde
Abraão ofereceu seu filho Isaaque em holocausto):

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“Conforme sabemos da lenda de Rômulo, a abertura do fosso circular, o sulcus
primigenius, queria dizer a fundação das muralhas da cidade. No centro de Roma
havia uma abertura, mundus, o ponto de comunicação entre o mundo terrestre e as
regiões inferiores. Rosher, daí, interpretou o mundus como um omphalos (o
umbigo da terra); a cidade em que havia um mundus era considerada como situada
no centro do mundo, no centro do orbis terrarum. Também já se propôs
corretamente que a expressão Roma quadrata devesse ser compreendida não como
sendo de forma quadrada, mas dividida em quatro partes. A cosmologia romana
baseava-se na imagem da terra, dividida em quatro regiões.”
Tal divisão quadripartida da cidade era uma tradição muito difundida. Foi assim
também no caso das Américas, em Tenochtitlam, em Cuzco, em Teotihuacan...
Basicamente, isto faz referência à natureza quaternária humana. Corresponde ainda à
invocação das quatro direções cardeais e a tudo o que isto representa em termos de
totalidade, centralidade e dinamismo. Eliade menciona muitos destes exemplos através
do mundo, e vamos citar alguns deles.
“Concepções semelhantes serão encontradas em todo lugar no mundo neolítico
e na primeira Idade de Bronze. Na Índia, tanto a cidade quanto o templo eram
construídos à semelhança do universo. Os ritos de fundação representam a repeti-
ção da cosmogonia. No centro da cidade está simbolicamente localizado o Monte
Meru, a montanha cósmica, com os deuses mais importantes; cada um dos quatro
portões principais da cidade está sob a proteção de um deus. Num certo sentido, a
cidade e seus habitantes são elevados a um plano sobre-humano: a cidade é as-
similada ao Monte Meru e os habitantes se tornam ‘imagens’ dos deuses. No
século XVIII, Jaipur foi construída segundo o modelo tradicional descrito no
Silpasatra.”
Eis que a cosmologia participava ativamente do traçado das cidades, às vezes em
termos bastante originais:
“A capital iraniana tinha o mesmo traçado; concebia-se o universo como uma
roda com seis raios e uma grande abertura no meio, como um umbigo. Os textos
proclamam que o ‘país iraquiano’ é o centro e o coração do mundo. Por esta ra-
zão, Shiz, a cidade onde Zaratustra nasceu, era considerada a origem do poder
real. O trono de Khosrau II era construído de tal maneira que simbolizasse o
universo. O soberano iraniano era chamado o ‘Eixo do Mundo’, ou o ‘Pólo do
Mundo’. Sentado no trono, em seu palácio, o rei estava simbolicamente situado no
centro da cidade cósmica, a Uranópolis.”
Em nossa obra “As Cidades da Luz”, oferecemos uma proposta de urbanismo em
termos exagonais, que é concorde com as energias da nova raça. Esse tipo de
simbolismo cósmico é ainda mais impressionante com relação a Angkor, no Camboja:
“A cidade com suas muralhas e fossos representa o mundo cercado por suas
cadeias de montanhas e oceanos míticos. O templo, no centro, simboliza o Monte
Meru, suas 5 torres se erguendo como os 5 picos daquela montanha sagrada. Os
santuários que fazem parte do templo representam as constelações em seus cursos,
ou seja: o Templo cósmico. O principal ritual imposto aos fiéis consiste em ca-
minhar em redor do edifício do templo na direção prescrita, de forma a passar
sucessivamente por cada estágio do ciclo solar, ou seja, cruzar o espaço
paralelamente ao tempo. O templo é, de fato, um cronograma, simbolizando e
controlando a cosmografia sagrada e a topografia do Universo, do qual ele é o
centro ideal e o organizador.**

54
Vemos assim o objetivo sagrado de reunir espaço e tempo. Esta harmonia era
procurada nas culturas tradicionais, seja nos calendários, seja na arquitetura sagrada.
Prossigamos, então:
“Com algumas variações, encontramos o mesmo padrão em todo o Sudeste
asiático. Sião estava dividida em quatro províncias com a capital no centro, e, no
centro da cidade, erguia-se o palácio real. O país era, assim, uma imagem do
mundo; porque, de acordo com a cosmologia siamesa, o universo era um
quadrilátero com o Monte Meru no centro. Bangkok é chamada ‘a cidade real dos
deuses’, ‘A Cidade dos Deuses’, e daí por diante. O rei, situado no centro do
mundo, era um çakravartin, um regente cósmico. Da mesma forma, em Burma, a
cidade de Mandalai foi construída, em 1857, de acordo com a cosmologia
tradicional, ou seja, como uma imago mundi –quadrangular e tendo o palácio real
no centro.”
O nome “Mandalai” não poderia, neste contexto, ser mais sugestivo! A mandala, cuja
forma externa domina as cidades sagradas, tem este expresso propósito de unidade
dimensional. Finalizemos, pois, a nossa citação:
“Encontra-se na China o mesmo padrão cosmológico e a mesma correlação
entre o cosmos, o estado, a cidade e o palácio real. Concebia-se o mundo como
um retângulo, em cujo centro estava a China; nos quatro horizontes estavam si-
tuados os quatro mares, as quatro montanhas sagradas e as quatro nações bárbaras.
O plano de construção da cidade obedecia à forma de um quadrilátero, com três
portões de cada lado e com o palácio real no centro, semelhante à Estrela Polar. A
partir desse centro, o soberano perfeito podia influenciar todo o universo.”
A Estrela Polar simboliza, é claro, o próprio soberano sagrado, imbuído dois mais
altos propósitos cósmicos, objetivando a harmonia social e a unidade do mundo.

* Mircea Eliade, Ensaios em Religiões Comparadas, Interlivros, BH. Ver mais sobre
os temas tratados neste Capítulo e assuntos afins, em nossa obra “Arquitetura sagrada e
Urbanismo solar”.
** Groslier, Bernard-Philip & Arthaud, Jacques. The Arts and Civilization of Angkor,
N.I.,p.30.

55
Capítulo 12

Da Justiça Divina

A OPÇÃO FEITA PELO HOMEM ENQUANTO CRIATURA, sobretudo em relação ao Criador,


foi sempre determinante na definição dos seus próprios rumos. É verdade que nem sem-
pre o homem tem plena liberdade para fazer suas opções, e este fato já denota as
limitações que existem no seu livre-arbítrio.
No plano físico, por exemplo, os limites das ações humanas são bem evidentes.
Ninguém pode usar algo indefinidamente: todas as coisas têm um estoque limitado de
energia ou substância. Além disto, rezam as leis naturais e éticas que, para que façamos
uso de alguma coisa, devemos renunciar outra em alguma medida.
Talvez por ignorância, costumamos, porém, exagerar as nossas possibilidades de
liberdade. E, lamentavelmente, fazemos muitas coisas ou deixamos de fazer outras,
julgando-nos impunes, quando na verdade não somos.
É claro que muito costuma ser perdoado pelos Mestres em nossos atos de ignorância,
arrogância e desleixo. Mas, que poder tem realmente alguém, de qualquer estatura que
seja, para perdoar os erros de outros? Obviamente, tal poder é sempre limitado porque,
necessariamente, apenas pode se referir ao pessoal. Assim, Cristo pode até mesmo per-
doar aos seus assassinos e juízes, naquilo que diz respeito aos seus próprios sofrimentos,
sabendo que "eles não sabem o que fazem". Mas, na prática, a própria Lei não permite
que o erro seja simplesmente ignorado sem qualquer espécie de expiação, mesmo que
transferida ou delegada, porque corresponderia a permitir a entrada do impuro no
recinto sagrado, maculando o mundo divino. A espada de fogo do Anjo guardião do
Paraíso, está colocada lá desde a Queda do Homem para que o perecível não destrua o
eterno. Mas os Mestres, dentro de certas regras, têm poder para transpassá-la e até para
conduzir outros ao mundo perfeito. Para isto devem eles mesmos, por exemplo, expiar
parte do carma das pessoas, como costumam realmente fazer.
Deve-se antes compreender, porém, que em cada ação entra um aspecto pessoal nos
atos de alguém, com seu livre-arbítrio próprio, pelo qual ninguém mais pode responder.
Jesus mesmo disse que não vinha para revogar a Lei, "mas para completá-la". Cada um
escolhe o tribunal que deve ser julgadas as suas ações. Jesus trouxe o tribunal do per-
dão, mas apenas porque com ele veio também o poder de delegação das vontades.
Através da fé, o homem pode redimir o seu passado, e através do serviço ao Filho de
Deus e Seus Representantes, os caminhos espirituais superiores podem ser galgados.
Jamais se deve pensar, portanto, que Jesus desatendia a velha Lei, que é a Lei básica,
eterna e irrevogável. Por isto, ele também disse: "é preciso que haja escândalos. Mas, ai
daquele através de quem os escândalos vêm!".
Vamos dar aqui um exemplo muito prático e extremo, mas também útil, porque a
compreensão destes fatos pode trazer a humanidade o único caminho de salvação. Refe-
rimo-nos ao dom da gratidão, aplicado, neste caso, ao trabalho dos Mestres.

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A gratidão não é nenhuma virtude especial. É apenas o exercício do sentido de
justiça por parte de alguém. Na Índia, todos sabem ser gratos a seus professores e gurus,
até porque compreendem a raridade da maestria e a dificuldade de obtenção do conheci-
mento superior, assim como seu valor para a salvação da própria alma e do mundo. Mas
no Ocidente, as pessoas ainda são muito imaturas e orgulhosas. Desconhecem a sua
verdadeira condição de miséria e seu triste destino, por conseqüência, tanto mais
ignoram o quanto os Mestres necessitam fazer por elas para a sua salvação. Como
sabemos, teoricamente este auxílio deve ser aumentado de forma proporcional à
ignorância de quem auxiliado.
Os Mestres jamais esperam reconhecimento pessoal por seus elevados serviços, os
quais por vezes envolvem sacrifícios inimagináveis. Neste aspecto, de cada Avatar é
dito "ir aos infernos" para resgatar as almas dos mortos ou adormecidos. Ora, esta "ida
aos infernos" não pode ser considerada como um passeio turístico sem maiores compro-
metimentos, tendo hotel e refeições acomodadas ao gosto, etc. Esta viagem sacrificada
dos Avatares, representa viver na carne a própria essência da miséria humana para,
através da experiência, saber inclusive compreender e perdoar a todos os seres, ciente de
que a miséria humana é algo muito menos pessoal e voluntária do que pretendem os
juízes dos homens... E é desta forma que aqueles Seres se tornam Mestres da Com-
paixão.
Mas esta dor imensa, tem também a função de trazer uma luz real ao mundo. Tal luz
cura os sofrimentos do Mestre e, com isto, os do próprio mundo, pois os recursos então
empregados são divinos, eternos e essenciais, posto virem dos planos superiores e "em
definitivo".
O Avatar traz com isto uma real possibilidade de salvação para todos. Ele vem
apenas no final de um ciclo evolutivo, onde todos já podem vislumbrar o surgimento do
Caos absoluto. Então o Mestre aparece trazendo consigo poderes especiais. Usaremos
uma imagem para ilustrar isto.
Sob certa circunstância de grande perigo e ameaça, as pessoas pressentem que
devem chegar juntas a certo local onde reside a segurança, mas também que elas têm
um tempo limitado para alcançar este local. Ocorre, porém, que a distância é muito
grande, e ninguém possui um carro ou um veículo qualquer mais poderoso, que permita
chegar à tempo ao local seguro. Ou seja: naquilo que depende da humanidade
corrente, o tempo é sempre insuficiente para percorrer este largo caminho de salvação.
Então alguém lembra que um amigo possui um ônibus no qual todos caberiam. Este
amigo é muito camarada, e bastará apenas pagar o combustível. Assim, procuram o
amigo e no fim tudo dá certo.
Para enriquecer a ilustração, podemos dizer que o dono do ônibus viveu sempre uma
vida algo à parte, dedicado à compra e à manutenção deste ônibus, que pressentia poder
ser algum dia de muita utilidade. É mais ou menos o que faz um Mestre e, sobretudo,
um Avatar. Mas ainda, as pessoas usam este "ônibus espiritual" muito mais do que
imaginam, sempre e sempre, e de fato os povos Antigos tinham disto consciência, razão
pela qual colocavam tais Seres –os Mestres– no pináculo que merecem. A Justiça para
eles estava baseada nesta premissa sagrada, de ser reconhecido ao divino. Disto advinha
o supremo Bem para todos, já que este reconhecimento implicava na prova concreta de
acatar os Mestres como Governantes espirituais da civilização.
Exemplos semelhantes de idoneidade, integração e serviço superior, existem até nas
histórias infantis, como naquela muito conhecida dos "Três Porquinhos", onde, ao fim,
todos podem compartir suas virtudes e dons, mas não sem antes aprender a valorizar o
trabalho mais árduo e "sólido".

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Um Mestre de orquestra, tampouco executa nenhum instrumento. No entanto, é ele
quem melhor domina o conjunto da sinfonia, sendo responsável pela manutenção da
harmonia; razão pela qual os aplausos vão todos ao final para ele. Na verdade, através
dele todos são saudados e aplaudidos, porém é graças ao maestro que o espetáculo
aconteceu. Cada um tem o seu próprio instrumento, e mas o instrumento do maestro é o
conjunto da orquestra.
Assim é, pois, o Avatar. Ele vem no final de um ciclo cultural e bebe de todas as
fontes. Mas é Ele mesmo quem realiza a grande síntese e abre um portal para o futuro.
De modo que a gratidão lhe é amplamente merecida. De resto, como o maestro da
orquestra, o Avatar ou qualquer outro Mestre nunca vem para reprimir, mas sim para
educar e servir a todos.
Sejamos, pois, realistas sobre nossos deveres e limitações. Sejamos dignos de nossa
própria salvação. Cumpramos a Lei Básica do dever e justiça para termos acesso à Lei
Suprema do perdão, simplesmente sabendo identificar a Fonte do Amor! Para pedir
perdão a Deus, é preciso identificar o pecado e o erro, assim como a nossa fraqueza.
Quem quiser se sentir forte, o fará pela virtude, e não pela mentira. Assim abrimos as
portas do crescimento verdadeiro.
É fundamental conhecer os limites do nosso livre-arbítrio, e também a sua função,
pois ele serve acima de tudo, para aprendermos a fazer as escolhas certas e, assim,
entrarmos no Caminho Sagrado. Ter o livre-arbítrio, não significa fazer tudo o que se
pode fazer, e sim buscar fazer aquilo que deve ser feito.
Ainda que tal discurso possa soar às vezes “cristão”, tais procedimentos integram as
bases da verdadeira religião. Ademais, a Nova raça-raiz revive o Raio Púrpura que
dominou a natureza da Era de Peixes, permitindo assim aproveitar esta rica experiência
histórica. Ademais, esta será a raça da religião, quando o sacerdócio terá as suas
instituições afloradas e amadurecidas, oferecendo um belíssimo e supremo quadro de
realizações para a humanidade, através da plena administração das duas grandes
conquistas humanas que são a iluminação e as almas-gêmeas.
Sabe-se que o Cristianismo aproveitou muitos elementos de religiões anteriores, em
especial aquelas que aspiravam por oferecer a salvação da alma, como foi certos cultos
egípcios. O Budismo Mahayana engrossou, por sua vez, a energia da Era de Peixes, e na
Atlântida as coisas não eram muito diferentes, afinal a religião superior nasceu nestas
terras. Contudo, as lendas de Osíris, Bodhisatwa e Quetzalcóatl, soam tão inverossímeis
quanto a de Jesus, senão ainda mais. Ainda assim, os teólogos cristãos chegaram mais
próximos da verdade científica da salvação, e doravante, tudo isto poderá avançar ainda
mais -a acurada energia mental da Nova Era, também poderá auxiliar bastante nisto-,
preparando uma verdadeira Ciência da Redenção.*

* Ver mais sobre o tema da justiça sagrada, no Capítulo “A Balança da Justiça”, adiante.

58
Capítulo 13

A questão do Livre-arbítrio

O LIVRE-ARBÍTRIO COMO SE IMAGINA, apenas é concedido ao homem para a aquisição


de suas experiências e para que, no devido tempo, a humanidade adquira maturidade e
expresse a responsabilidade, a partir da compreensão de suas limitações próprias e a
necessidade de contatar com o Mais Alto ou com suas origens divinas.
Pois, chega sempre um momento no mundo em que todos os caminhos devem
convergir para um centro, à fonte original de todas as energias, para que a ordem seja
restabelecida e a vida superior predestinada tenha realmente lugar.
Neste momento, todos os caminhos individuais, inferiores ou superiores, têm sido já
trilhados, os potenciais isolados se encontram desenvolvidos, e o livre-arbítrio inferior
foi explorado em todos os seus matizes. Ainda assim, percebe-se que falta muito a ser
feito para que as coisas tomem o rumo necessário, dentro desta caótica complexidade.
Trata-se, basicamente, do problema do individualismo e das limitações humanas.
Mesmo os caminhos ditos espirituais, quando recebidos no foro da humanidade,
apresentam limites pungentes. É preciso que esta faça a sua parte de elevar-se ao Mais
Alto, após ter Este feito o gesto insubstituível de descer ao mais baixo, para aproximar-
se da humanidade. O superior necessita ser recebido e compreendido, acatado e respei-
tado, e até mesmo reverenciado como seria justo. As chaves da porta do futuro, estão de
posse de seus divinos guardiães, aqueles que aceitaram a terrível e sublime tarefa de
guardar estes umbrais.
Tudo o que há para fazer, é encontrar a forma ideal de reconhecimento da
Hierarquia, e então dispor os Mestres onde devem estar: no centro espiritual da socie-
dade. Com isto, uma nova Ordem sublime advirá sobre todos, e não somente à
sociedade local, mas a todo o planeta. Donde a responsabilidade universal de toda a
sociedade contemplada pela Loja.
A humanidade atual, e mesmo os buscadores espirituais, estão ainda muito distantes
do suficiente esclarecimento acerca da forma como relacionar-se com a Hierarquia de
Luz. Julga-se hoje que qualquer sopro no ouvido seja uma mensagem divina e inspirada,
resultando apenas na perigosa desunião por falta de legitimidade e realização superior,
comprometendo a chegada do Novo Mundo e as necessárias mudanças.
A verdade é que a fase de relacionamento espiritual "interno", é apenas uma etapa
num processo destinado a culminar na manifestação desta mesma Hierarquia –no caso,
através dos discípulos mais fiéis, sábios e dedicados, como seria lógico de se supor-,
como saberão aqueles que estudaram a obra da mais legítima mensageira da Loja do
século XX, que foi Alice Ann Bailey. É tarefa transcendentalmente difícil ancorar as
energias divinas de uma forma direta no planeta –ou seja: tornar-se um Mestre e
sobretudo um Avatar. A complexidade de funções e energias que administra um Mestre,

59
mesmo sob a síntese que realiza, é muito elevada. Daí a impossibilidade de se tentar jul-
gar ou compreender por vezes um Hierarca –como de resto não se deveria julgar a
pessoa alguma, senão pela prescrição dada: “Pelos frutos é que reconhecereis os
árvore”. Os Mestres não julgam, pelo contrário: eles padecem para se identificar mesmo
com os mais miseráveis, a fim de todos levar à salvação. Pois compreendem, que aquilo
que a humanidade necessita realmente, é de seu serviço incondicional. A ponto de,
mesmo quando um Mestre cai umas tantas vezes no caminho do Calvário, sob o grande
peso de sua cruz, ele permanecer irradiando para o mundo uma luz real.
Neste momento, entra a tarefa dos discípulos da luz, no sentido de colaborar –como
um Hércules ou Cirineu– para que o trabalho dos Mestres não se torne excessivo. Um
Mestre é, basicamente, aquele ser que se prontificou a salvar e servir à evolução humana
com todas as suas forças, e ainda amais. E como ele aceita carregar um fardo que trans-
cende a condição humana, termina recebendo energias extras, com as quais cura a si e
ao mundo. Hoje pode-se considerar que o mundo tem chegado ao consenso de que a hu-
manidade necessita evoluir, de modo a compensar as conquistas materiais com a aquisi-
ção de virtudes superiores, e pela sábia exploração dos seus mananciais interiores, o que
naturalmente apenas pode ser realizado sob a guia sábia e segura dos Mestres de luz,
quer dizer: de quem conhece realmente o roteiro, até porque estes mananciais internos
estão diretamente relacionados a estas Fontes internas que é a Loja da Hierarquia.
A segurança assim obtida não se limita, pois, à administração de técnicas, mas
também à disposição dos meios favoráveis e, sobretudo, da legitimação cármica para o
uso de tão grandes poderes. A que levaria, afinal, a concessão de maiores poderes sutis,
num mundo administrado pela corrupção e pelo mal que vivemos hoje?
Obviamente, o fomento dos poderes do homem, requer sempre a purificação e o eno-
brecimento. Um mundo "pagão", regido pelas forças da matéria e da separatividade,
pela ambição e a ganância, não pode jamais usufruir dos potenciais e das faculdades
espirituais reservados à raça humana. Os poderes espirituais são por demais devastado-
res e abarcantes, para que sejam conferidos sob outra condição que uma segura ad-
ministração superior do planeta. Tais poderes se encontram reservados a cada raça, co-
mo chaves para a sua salvação; estas necessitam, no entanto, compreender o caminho
para a sua aquisição, recebendo-as das mãos dos Guardiães. Por exemplo: a verdadeira
Iniciação, que é de natureza solar –hoje tão necessária para resgatar a herança espiritual
árya, que catapultará a humanidade para o futuro– apenas pode ser legitimada e pos-
sibilitada através da relação direta com os Mestres, ou seja: aqueles Mestres
manifestados, portanto, que são os únicos verdadeiramente reais, indubitáveis e também
universais.
A posse destes poderes se torna, de outra parte, uma necessidade a certa altura,
também como forma de, como já dissemos, contrabalançar a materialidade. Aqui surge
um paradoxo e um impasse: como obter os dons necessários ao equilíbrio, se é a falta
deste que impede possuir os dons?
A resposta é que a luz é projetada aos poucos, como no crepúsculo, a partir de um sol
central, devendo este potencial luminoso ser colhido no momento certo e expandido. A
saída existe e é dada; cabe agarrar com determinação a oportunidade para que ela não se
perca. A saída de um impasse é como a de um beco: deve-se fazer um esforço extra para
saltar o muro que impede a passagem, ou senão, retornar para buscar outra via. Na ver-
dade dir-se-ia que, em termos espirituais, ambas as coisas são necessárias: um retorno
sobre os próprios passos, ao lado de um esforço para ultrapassar as barreiras que se
impõem.
O caminho do esforço, leva a um reforço positivo e ao reconhecimento de certos
potenciais. Mas apenas isto tampouco se revelaria suficiente, pois a semente do mal, da

60
limitação e do separatismo, se encontra ainda carmicamente plantada no coração
humano. Cabe-lhe então buscar o caminho da Hierarquia, que é também o da delegacão
espiritual, o que, num certo sentido, é como retornar à infância, reconhecendo a nossa
necessidade de aprender e de crescer, mas também de tornar-se um filho digno de her-
dar os bens dos pais, após amadurecer no caminho certo. Compreende-se, pois, a impor-
tância da humildade e da corajosa aplicação do senso de justiça e de realidade nestes
casos.
O buscador confia então num Mestre experiente para que o guie. O mesmo deve ser
feito pela humanidade em conjunto, quando por fim compreende que os seus caminhos
se encontram cerceados pelo carma, como a espada de fogo do Anjo Guardião do
Paraíso perdido. O Mestre é o único verdadeiro elemento de unidade que existe no
mundo. Nada pode comparar-se-lhe ou substituí-lo. Ele é a própria síntese vivente que,
tendo passado todos os estágios de experiência, amalgamou os vários mundos e gerou
algo novo e superior para todos. A humanidade necessita reconhecer este Ser e seus
serviços, como o Guardião daquele necessário portal do futuro, e colocá-lo em seu devi-
do lugar, que é no centro espiritual de todas as coisas, sol oculto de todos os saberes
superiores, e fonte das instituições renovadas.
Este último aspecto é realmente importante, porque os verdadeiros Mestres não
vivem para si: seus esforços e energias são eminentemente coletivos, como se nota pelos
frutos das suas revelações. Pois, se ao nível da Humanidade prevalece a noção de indi-
vidualismo, no plano da Hierarquia prevalece já o conceito de grupo, de modo que o
sentido de impessoalidade deve ser incrementado quando tratamos deste último. E en-
fim, se o mundo necessita de governo e liderança, que seja legítimos, sábios, seguros e
até sagrados.
Compreende-se, com tudo isto, que a consideração pela idéia dos Mestres presentes
–de resto hoje tão necessária– fundamente sempre o maduro conceito de Ashram e
norteie a verdadeira Escola de Iniciação, assim como, é claro, a qualquer Ordem
espiritual que se preze.

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Parte II

A Unidade dos Mistérios

Ser conforme a Tradição é permanecer fiel à Origem e por este motivo situar-se no
Centro. No comportamento dos povos antigos tudo é explicável por estas duas idéias.

Frithjof Schuon

62
Capítulo 14

Tradição Primordial e derivadas

O CONHECIMENTO TRADICIONAL ESTÁ SUJEITO a diferentes camadas de interpretação,


e relacionado de certa forma à pureza segundo a instância da sua colocação.
Para estes fins, devemos estipular três esferas relacionadas à Divindade, à Hierarquia
e à Humanidade. E respectivamente, a forma pela qual a Tradição se expressa em cada
um destes centros, pode ser qualificada como Idéia, Ideal e Ídolo. Se se quiser, também
podemos dizer que tais atributos qualificam a Tradição Primordial, a Tradição
Secundária e a Tradição Terciária.
Na esfera Primordial, existe assim a vigência das Idéias puras, podendo-se evocar
inclusive a ótica de Platão quando fala do Mundo das idéias ou dos Arquétipos
primevos, relacionados comumente à Matemática e à Geometria, que determinam as
Formas primordiais, assim como as energias puras que estão diretamente relacionadas
às estruturas cósmicas, na medida em que estas servem de arcabouço para aquelas e
também vice-versa. Nesta instância, também devemos tratar das forças espirituais mais
originais, as energias da iluminação e da compaixão no mais alto grau, a manifestação
dos profetas e dos avatares, assim como as mais elevadas e refinadas concepções
intelectuais. Aqui, a energia é vista como a Verdade suprema, sendo vivenciada ativa e
constantemente, sobretudo na sua dinâmica evolutiva e transformadora. Este é o mundo
da Criação, do Espírito e do Fogo vivo, assim como a yug ou a identificação final, da
qual podemos dizer se tratar da Meta de toda a evolução superior.
Na esfera Secundária, temos a realidade dos Ideais mais elevados, as aspirações mais
qualificadas, a manifestação da Formas ideais, entificadas e reveladas, os Caminhos da
Sabedoria, as Doutrinas, as Leis espirituais, os Dharmas e as Escolas de Iniciação, assim
como os Mitos sagrados que norteiam a mente grupal. Aqui temos a expressão dos
símbolos e dos sinais da Verdade, os indícios norteadores que permitem seguir uma via
de evolução. É onde se encontra o trabalho dos Mestres da Hierarquia e seus discípulos
iniciados, fomentando os mais nobres e elevados Ideais evolutivos, alimentando as
ordens que determinam as bases da espiritualidade e da yoga universal, assim como os
Mestres que configuram objetos de culto humano tendo em vista o Modelo sagrado e o
Ensinamento revelado. Este é o mundo da Evolução, do universo em transformação
constante, da Alma e do Amor em expansão.
E na esfera Terciária, existe por fim a expressão dos Ídolos, das formas de culto, os
véus que a sabedoria recebe para se adaptar aos limites humanos, e a espiritualidade
como busca de ordem, saúde e sucesso. Por isto temos aqui as religiões, mas também as
crenças populares e um misticismo deformado, as superstições, as mistificações e as

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crendices comuns. Este é o mundo da Manifestação, da Personalidade e das aparências,
onde se busca a espiritualidade através da forma, como são os milagres e os poderes
especiais dos iogues, havendo todavia a observância da ética social como forma de
focalizar um caminho evolutivo, assim como o aprendizado das leis da Natureza
visando colocar bases saudáveis e verdadeiras para a evolução espiritual.
É assim que os conhecimentos podem receber diferentes interpretações, segundo a
esfera em que são recebidos, sendo a Arte um dos grandes instrumentos para traduzir as
verdades sagradas. Não adianta realmente apresentar doutrinas muito puras e elevadas
para a humanidade, porque seria como oferecer carne para bebês. Ela simplesmente não
tem os meios para “digerir” os mais refinados saberes. Por isto, se diz que a Hierarquia
existe para realizar um elo entre a divindade e a humanidade.
Passemos então a alguns exemplos, iniciando pela Astrologia. Na sua busca de
“explicações” para o funcionamento desta doutrina, comumente se apela para o axioma
hermético “assim como é em cima é em baixo”. Como se tal coisa pudesse oferecer
alguma espécie de causalidade mecânica, fazendo dos planetas e das constelações fontes
de “influências sublunares”; ao invés de formular meramente uma analogia cósmica. Na
verdade, a explicação da astrologia pode ter muitas dimensões, que vai desde a questão
mais subjetiva da construção da consciência grupal, até a influência do clima ou das
próprias Estações do ano sobre o indivíduo. Com relação ao externo, a mecânica
cósmica poderia não passar realmente de uma simples analogia, codificada pelos antigos
estudiosos das estrelas para velar informações acerca dos ciclos humanos em si, seja
individuais, sociais ou planetários, através dos diferentes zodíacos existentes e suas
próprias escalas de tempo (ver mais sobre isto, em nossa obra “Para Além das
Estrelas”).
Não distante do assunto, se acha o polêmico tema da Ufologia, que recebe contudo
na tradição indiana uma interessante ótica plural, na medida em que as suas visões
estariam relacionadas às Idades do Mundo e, portanto, aos estados de consciência dos
seres humanos. Assim, segundo for a Idade em questão, as naves podem ter uma base
de mantras, ou então de ritos, podem ser físicas ou até nem existir... Assim, temos nisto
uma clara abordagem cíclica e evolutiva da questão, voltada inegavelmente para o tema
da ascensão espiritual, quiçá em termos grupais (ver mais em nossa obra “Vimanas –
quando as naves são Luz”).
Não seria demais citar o tema da reencarnação, ou mesmo da ressurreição “dos
mortos”, ambos focos de arraigadas crendices populares, na verdade superstições
nascidas de fragmentos doutrinais mais amplos, e daí tornados em doutrinas próprias,
mormente distorcidas. De fato, reencarnar é um privilégio dos iniciados e não do mundo
profano, e ressuscitar espiritualmente (na carne, e não da carne) pode chegar a aludir à
própria iluminação, coisa que seguramente ainda está longe daqueles que fazem da
religiosidade um assunto de fim-de-semana. Existe um paradoxo naquele que deseja a
vida eterna, mas não realiza os gestos necessários a isto. Por uma questão de coerência,
ele deve se alinhar com forças também eternas, mesmo ciente de que está longe de
conquistar com as suas próprias capacidades estas dimensões atemporais.
Não obstante todas estas visões mais superficiais dos assuntos sutis, serem de tal
forma distorcidas e pouco reais, não se pode negar que elas ainda podem servir de
umbral ou de entrada para um mundo de conhecimentos maiores. Por isto a Cabala,

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Tradição de Sabedoria hebraica, afirma que o Templo possui três vestíbulos: o Santo
dos santos, o Santo e o átrio exterior.
Todavia, em função da renovação das coisas, incidindo num momentum maior de
manifestação hierárquica, a Tradição Primordial começa a reaparecer hoje em todo o
seu esplendor, trazendo para a humanidade uma oportunidade única de renovação,
naturalmente também através do centro da Hierarquia que deve aproveitar de maneira
especial esta revelação, assim como a Humanidade que, tal como na época de Noé,
deverá estar devidamente representada em todos os seus matizes.

Misticismo & Filosofia Tradicional

A Filosofia Tradicional –aquela mesma que erigiu as grandes Civilizações da


Antiguidade, e influenciou até certo ponto a época clássica e depois a medieval- é um
todo original, integral e universalista, do qual muitas expressões humanas posteriores
tomam facetas para desenvolver os seus próprios interesses fragmentários.
Nisto, se poderia mencionar a Política, a Ciência, as Artes, a Religião, a Filosofia, a
Educação, a Medicina e assim por diante. O próprio Misticismo toma idéias isoladas da
Filosofia Tradicional, e as trata por vezes de maneira superficial e fantasiosa. Os Altos
Saberes da Tradição, uma vez fragmentados das suas fontes, se corrompem e adquirem
tons disformes, dando lugar a crendices e a superstições, mormente para engrossar as
chamadas “artes divinatórias”.
É claro que o misticismo, assim como todas as outras expressões fragmentárias da
cultura, possui o seu valor e ajuda o ser humano a evoluir. Todavia, estas disciplinas
representam, acima de tudo, manifestações de segmentos mais ou menos isolados da
Verdade, e sempre algo relacionados às divisões sociais. Quando as instituições
humanas não possuem um sólido embasamento tradicional, elas tendem ao fanatismo,
ao partidarismo, ao materialismo e assim por diante; ou seja: revelam sombras, por
vezes quase tão poderosas quanto as suas luzes.
As classes sociais possuem capacidade limitada para agregar energias porque, tal
como na evolução espiritual, a sua dinamização demanda certa renúncia aos estágios
anteriores. Disto podem resultar conflitos sociais, mas também uma sucessão de formas
humanas de se organizar sobre a Terra, configurando ciclos como as Idades metálicas
do Mundo. Potencialmente, porém, quanto mais avançada for a classe, maior será a sua
capacidade de inclusão, culminando assim na quarta classe do sacerdócio. Tal coisa se
traduz, então, na própria qualidade das Idades do Mundo, na medida em que a Idade de
Ouro é regida pelo sacerdócio, a Idade de Prata é administrada pela aristocracia, a Idade
de Bronze é coordenada pela burguesia, e a Idade de Ferro é determinada pelo
proletariado.
Podemos dizer, neste caso que, à maneira dos Estadistas, os Adeptos de
quintessência somam todas as energias sociais numa síntese dinâmica. Ao passo que os
Iluminados de sextessência, também multiplicam os saberes mediante combinações
várias. Disto resultam, todavia, os Altos saberes da Tradição, como a Alquimia e a
Astrologia, através dos quais se vislumbram não apenas um inventário das energias em
evolução, como também as formas de organização social perfeita. Os videntes alcançam

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organizar a sociedade em termos áureos, trazendo oitavas cada vez mais elevadas de
energias, eles que pertencem ao Sendeiro de Retorno que existe para além da Outra
Margem da vida, que é o universo depois da iluminação, e também da superação da
morte e da própria condição humana; mesmo que estes seres não cheguem a participar
diretamente da organização humana, limitando-se a influenciá-la desde fora.
De tal maneira, que as mesmas Idades do Mundo também se qualificam, diretamente
e acima de tudo, através do grau de permeabilidade que apresentam em relação ao saber
universalista dos iluminados. Assim, não é “qualquer” teocracia que configura uma
Idade de Ouro, mas sim aquela sociedade que se abre ao máximo às influências e às
energias dos iluminados. Uma clerocracia da Idade de Ferro, pode chegar a ser deveras
obscura e “fundamentalista”, mas ainda assim pode abrigar valores mais nobres que os
do mundo profano. Uma Idade de Ouro sempre terá uma inclinação mística e espiritual,
porém estará também profundamente pautada pelo universalismo. A parcialidade e a
setorização é inerente à condição humana, e isto faz parte da construção da humanidade.
A Hierarquia de Luz, todavia, não combate isto, pelo contrário, conhece os caminhos
humanos porque ela passou por todos eles, e sabe serem necessários para se alcançar a
sua transcendência. E quando finalmente a humanidade houver transcendido esta etapa,
chegará por fim o mundo dos Mestres, que é o verdadeiro reino de Deus, e então todos
os conflitos estarão superados e a evolução plena e veloz será a norma geral.

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Capítulo 15

Símbolos da Tradição

ALGUNS SÍMBOLOS SÃO ESPECIALMENTE ADEQUADOS ao princípio tradicional.


Queremos destacar aqui dois deles: o mito de Janus e a Roda do Dharma.

Janus Bifronte

Janus é a deidade romana associada à passagem do ano, donde o nome de Janeiro ao


mês da transição. Sempre invocado quando se queria começar algo novo, é também
chamado de Janus bifronte, porque contém duas faces, uma voltada para o passado e
outra voltada para o futuro.
A relação desta figura com Saturno é imediata. Ora, os signos que subjazem a esta
passagem são Aquário e Capricórnio, ambos regidos por Cronos, ou Saturno. Porém,
existe uma diferença entre as duas atribuições, refletido na mitologia saturnina. O
espírito sabático contém duas conotações terminais, uma positiva e outra negativa.
O positivo é a colheita que acontece ao final de um ciclo de evolução que, neste caso,
pode ser a chegada do Sol invictus (com os dias crescentes) após o Solstício de Inverno,
ou como o Domingo da ressurreição que surge após o Sábado de aleluia, ou mesmo a
Idade de Ouro que sucede a Idade de Ferro. Este é o Saturno de Aquário regente da
Idade de Ouro, cujo tempo é Kairós, o tempo criativo da sabedoria.
E a face negativa está relacionada à morte, à extinção pura e simples, relacionada de
certa forma à parte da vida que serve apenas de veículo, devendo ser descartada ou
receber uma função menor. Muitas vezes, a colheita se dá através da transmutação da
morte, por alguma forma de renascimento. Este é o Saturno de Capricórnio, o ceifador
da vida, cujo tempo é Kronos, o tempo da colheita do carma acumulado na Idade de
Ferro.

No zodíaco tropical, Capricórnio vem primeiro, de modo que estaria relacionado ao


passado, daí ser esta a face idosa e barbuda de Janus. Ao passo que Aquário é um signo
relacionado ao futuro, donde a outra faceta jovem e imberbe de Janus, acima. O Janus
velho é da mesma forma a Tradição, enquanto que o Janus jovem é a Transmissão. Toda

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a Transmissão do saber, depende da ação coordenada das gerações, baseada no aporte à
Tradição detida pela geração anterior, e na aspiração à luz por parte da nova geração.
Jano era o nome de um antigo rei da Itália (ou do Lácio), com origem grega, e existe
uma antiga lenda que o associa diretamente Saturno, de quem recebeu sabedoria e
clarividência. Citemos:
“Logo que Saturno, expulso do céu, veio buscar refúgio na Itália, Jano acolheu-
o hospitaleiramente e associou-o ao governo do país. O deus, em reconhecimento,
dotou Jano de rara prudência, de tal modo que o passado e o futuro estavam
sempre ante os seus olhos. Depois da sua morte, foi posto no rol dos deuses pelos
povos que governara e que civilizara. Seu reinado foi tão pacífico que dele
fizeram o deus da paz. Representavam-no com uma cabeça com duas faces, tendo
na mão uma vara e na outra uma chave.” (Tassilo O. Spalding, “Dicionário da
Mitologia Latina”)
Abaixo, temos um símbolo de Janus, onde o deus leva uma chave para abrir o futuro
e um galo para promover o despertar, na transformação dos tempos. Como Shiva,
carrega uma Lua na cabeça para indicar as mudanças, a passagem do dia para a noite ou
vice-versa, assim como o bastão triplo simbolizando o eixo da vida.

Uma variante cristão da figura de Janus, é a dupla chave de São Pedro, com a qual o
apóstolo abre as portas do céu e da terra, abaixo. De forma semelhante, segundo
Spalding, “Jano tinha dois rostos porque exercia seu poder sobre o céu e sobre a terra.”
Considerava-se também que era “a divindade mais antiga do mundo”. Tal antiguidade
remete uma vez mais a saturno, o primeiro deus.

A variante do Janus Quadrifrons, de quatro cabeças, visa exprimir as quatro estações


do ano que o deus presidia. As quatro faces também podem ser associadas aos tempos
passado, presente, futuro e a eternidade, aproximando-se assim da imagem do Brahman
hindu.

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Como presidia as portas, os arcos e os caminhos, Janus era o primeiro deus a ser
invocado. E como sucedia ao deus Mercúrio, Janus também era o intermediador celeste,
pelo qual as preces dos humanos chegavam até os deuses.
Janus é o próprio símbolo das grandes transições e, talvez esteja relacionado à
palavra “ano”, simbolizando também a ação transformadora dos grandes mestres, os
avatares.
Esotericamente, a figura de Janus demonstra ser necessário olhar para os dois
tempos, a fim de se poder abraçar a eternidade. As idades mais puras da vida,
acontecem para o indivíduo e para a coletividade, nesta transição que sucede após o
nascimento que, no caso das raças, sucede à Idade do Diamante que representa a
gestação dos povos. Assim, Janus também significa esta complexa época de transição,
que os calendários associam ao período de festas que sucede o Natal, os chamados dias
epagomenais, sombrios para uns (como os maias), felizes para outros (como os
egípcios).

Roda do Dharma

A Roda do dharma, significa a evolução da espiritualidade ou da cultura unificada. A


tradição indiana afirma que, periodicamente, o dharma deve ser revivificado, e para isto
Vishnu encarna a fim de renovar a espiritualidade, combater a falsidade e a decadência
moral e intelectual da sociedade.
Os Puranas dizem que já apareceram 21 avatares de Vishnu, sendo que o último a
surgir foi o Buda, faltando agora aparecer apenas um deles, chamado Kalki. Para
muitos, esta encarnação corresponde à do Buda Maitreya esperado e à volta do Cristo.
O personagem que alcança desta forma mover a roda do dharma, se chama por isto
Chakravartin. Novamente, temos na imagem da roda um equilíbrio entre passado e
futuro. O passado é a roda em si, a sua estrutura ancestral elaborada, porém estagnada
no final de ciclos. O futuro é o dinamismo, conferido pela ação criativa e renovadora
dos iluminados, capaz de restaurar o passado áureo e também conferir uma nova nota de
renovação.

Porém, a roda é, na verdade, um símbolo triple, composto por aro, raios e cubo.
Nisto, ela pode representar também o Trikaya, ou os três corpos do Buda. Na arquitetura
sagrada indiana, a Roda do dharma costuma estar atrelada ao carro do Sol, fazendo um
paralelo com os quatro cavalos do Sol, que são as raças-raízes (ou mesmo as quatro
Idades do Mundo). Nisto, o tema se aproxima da imagem de Janus Quadrifrons.
Ao lado de passado e futuro, a Roda do Dharma oculta as restantes polaridades
dimensionais. Vale notar que esta Roda substitui o esquema das Sete Direções do
espaço do Hinduísmo, vista agora como oito vertentes, semelhante assim à ógdoade do
Ba Guá chinês, e que esotericamente representa: Passado-Futuro, Superior-Inferior,
Masculino-Feminino e Interior-Exterior. Este é também o “inventário dimensional” que

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traz o novo dharma de Maitreya –ver as nossas obras “Tushita – o Reino da Felicidade”
e “Dharma – a Canção da Vida”. Assim, o dharma visa administrar uma verdadeira
Ciência da Totalidade.
Naturalmente, a resolução das dualidades se faz através das sínteses. Na esfera do
Tempo, o terceiro princípio é, ao lado de passado e futuro, o presente, através do qual se
tem acesso à eternidade, ou aquilo que se experiencia melhor no começo dos ciclos, na
suas fundações sagradas próximo à chegada do Avatar e dos seus santos, deslanchando
as Idades de Ouro e da Prata da Humanidade.
O cubo é a Tradição, e o aro é a Transmissão. Aquele que alcança colocar em
movimento a roda, deve necessariamente respeitar estas duas verdades. Não se faz uma
transmissão do saber, sem estar enraizado na tradição e, nisto, numa linhagem de
sabedoria também. Ele deve assim se reportar aos porta-vozes anteriores, ao passo que
necessita por sua vez conferir o conhecimento adaptado às gerações seguintes. Enquanto
uma pessoa não estiver movida pela generosidade, ela não terá realmente acesso à
verdade no seu coração, que é o único lugar onde a luz pode florescer.
Assim, o símbolo Dharmachakra, a Roda do Dharma, traz um dos ensinamentos
mais importantes que existem a respeito da Tradição: a harmonia do passado e do
futuro, através da ação presente inclusiva, ou seja, a visão do Todo, harmônico e global.
É certo que existe a evolução, que nos leva comumente a negar o passado, porque este
afinal também está sujeito à decadência, e então queremos a renovação. Porém, sempre
é importante meditar sobre os valores de cada época e tentar entendê-los, se possível
para além das deturpações humanas, uma vez que eles tendem a receber inspiração
divina nas suas origens. E quando chega as grandes mudanças de tempos, então sim
pode se tornar necessário refletir sobre o Todo e trabalhar pela restauração dos valores
maiores.

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Capítulo 16

A Reabertura das Escolas de Iniciação*

Seria inexato dizer que as coisas mudam totalmente no decurso da evolução da


humanidade, razão pela qual declararia o rei Salomão: "Nada há de novo sob o sol".
Mas, também seria ingênuo ignorar que as transformações acontecem, dentro de cada
etapa da expressão cultural humana, de uma forma suficiente para caracterizar diferen-
ças importantes entre épocas. Daí estas outras palavras do sábio rei: "Há um momento
para cada coisa debaixo do céu". Certamente, tradição e transmissão estão
contempladas nestas sentenças.
As Ciências Sagradas têm sabido codificar com perfeição todas as transformações
que acontecem, sob o manto da Eternidade, fornecendo ao homem um quadro suficiente
não apenas de sua evolução global, mas também de sua natureza individual, seguindo
princípios e diretrizes como aqueles da analogia universal.
A ciência mundana vem começando a compreender estes e outros princípios tradi-
cionais, e se acha hoje no hall de entrada para uma grande revelação sobre a verdadeira
natureza do homem, suas origens e destinação.
Este é o momento em que a luz deve ser feita. É quando ressurgem as Escolas
Iniciáticas no mundo, trazendo a possibilidade do homem conhecer as suas dimensões
superiores. Como levedo colocado na massa, tais Escolas têm servido sempre para dina-
mizar e apurar o desenvolvimento da humanidade, nos momentos em que esta se encon-
tra preparada para acatar determinados valores e aceitar certas experiências, seja porque
lhe parecem lógicos e possíveis, como também belas e promissoras.
Tais Centros têm surgido regularmente, sobretudo naqueles lugares destinados a
servir como pivôs da evolução universal, ou seja, em regiões onde uma nova síntese
deve ser alcançada, dando lugar à um novo foco histórico de luz para a humanidade. Ou,
como se diz em esoterismo, à implantação de uma Raça-Raiz ou de uma humanidade
arquetípica, através da fundação de um ashram solar em suas bases, ou seja: um núcleo
de luz espiritual plena e atuante.
Vivemos hoje o contexto em que este processo cultural áureo deve ser preparado
uma vez mais. O momento é propício e, mesmo, necessário, haja visto as sucessivas
crises planetárias. Mais particularmente, o contexto americano em geral tem algo
especial a oferecer neste processo. Naquilo que nos diz respeito enquanto sul-
americanos, caberá a realização da grande síntese iniciática deste novo momento
mundial de síntese. É isto que justifica, pois, a reabertura das Escolas Iniciáticas no
mundo, sobretudo nesta região do planeta na presente oportunidade.

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Esta será uma Era muito especial, pois, pela primeira vez, o homem tem plena cons-
ciência de muitas realidades superiores, podendo receber ainda mais. A história e a
geografia, o cosmos e a natureza, tudo isto já vem se tornando parte do acervo natural
do conhecimento humano.
Isto significa que a consciência da raça, vem sendo ampliada consideravelmente no
decurso destes séculos –o que não implica em nenhuma crítica às antigas concepções.
Pelo contrário, um dia o homem verá –talvez com surpresa– que tudo aquilo que diziam
os Antigos era e é verdadeiro, apesar da forma alegórica e fantasiosa como estes mitos
foram tantas vezes apresentados.
Tudo isto apenas foi obtido, através de uma percepção de síntese da realidade, ou
mediante revelações, o que, no sentido mais alto do termo, nada mais significa que o
emprego da mesma visão científica dos fatos, porém, num plano mais recôndito da rea-
lidade, através do apuramento dos sentidos superiores do homem.
O homem moderno vem, através de seu grande desenvolvimento, percorrendo
celeremente os limites de sua capacidade perceptiva. Decorre disto que a ciência atual
se encontra virtualmente num estado de impasse, perplexa com tamanhas revelações e
com as múltiplas possibilidades que se abrem à sua frente, inclusive no sentido de
penetrar em outras dimensões e, com isto, fundir-se com outras áreas da atividade
humana. Para tanto, porém, torna-se necessário dar um grande salto. E o homem comum
não conhece os meios para isto, porque representaria já penetrar nos domínios do
Sagrado...
Por esta razão, é que os Mistérios ressurgem no momento em que o homem necessita
depurar e refinar os seus sentidos, de modo a poder evoluir e sair do impasse em que se
encontra.
Na verdade, devemos ver que esta situação não se limita à ciência do homem: todas
as outras dimensões –afetiva, social, econômica...– se acham atualmente em crise. As
instituições humanas necessitam ser, portanto, recompostas e renovadas no seu todo. As
Escolas Esotéricas têm a função de proporcionar tudo isto, porquanto velam por valores
sagrados conferidos pelo Criador, com o fim preciso de semear uma nova vida e
consciência na Civilização.

O que é uma Escola Iniciática**

O Plano da Hierarquia de preparação da Humanidade para a Nova Era, tinha entre as


suas grandiosas metas a reabertura das Escolas de Iniciação. O autor integra este Plano
na sua etapa de conclusão, tendo para isto inclusive seguido os passos necessários dados
pelo antecessor, que foi a neo-teósofa Alice A. Bailey. As presentes formulações
atendem a uma recapitulação espiritual, própria do contexto da sétima sub-raça árya,
que é “sul-americana” (brasileira). A partir de certa altura, adotamos o termo “Escola de
Iluminação”, para atender o contexto da nova raça-raiz, que tem no 2012 uma das suas
datas-chaves e nas Américas o seu grande berço.
Com a conclusão do plano da Hierarquia, o mundo voltou a conviver hoje com a
grande realidade da Escola de Iniciação. Trata-se da chamada iniciação solar, de 3°
grau, tida como a primeira iniciação verdadeira, sendo as anteriores meramente
preparatórias, reeducativas, disciplinadoras e depurativas.

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Já não se tratam das conhecidas Escolas de iniciantes e discípulos que desenvolvem
exercícios físicos e práticas devocionais. A Escola Iniciática busca a síntese e a reali-
zação, para além dos símbolos. Ela existe para aqueles que desejam consumar os seus
sendeiros evolutivos e que estão preparados para servir no sentido mais alto do termo,
com toda a integridade do ser.
A Iniciação tem sido definida pela hierarquia como um obstáculo que surge para que
desenvolvamos as nossas energias. Isto não significa que a Escola trate de criar difi-
culdades para os seus postulantes, nem em enfatizar símbolos de processos mantendo-se
separada da vida "real" ou cotidiana.
Os desafios surgem naturalmente no decurso do caminho, e os símbolos aparecem
juntamente aos processos que os acompanham. Uma escola iniciática denota um
comprometimento existencial completo, em todos os níveis do ser. Uma grande diferen-
ça está na forma como as coisas são tratadas. Sob o espírito da síntese, já não existe
tanta ênfase na purificação, e sim na afirmação da vontade. Estima-se que a pureza
tenha sido já cultivada e que deve estar manifestada.

O modelo da Távola Redonda

A Escola de Iniciação, representa um dos grandes alicerces da Tradição de


Sabedoria, sendo responsável pela transmissão abalizada dos saberes.
Um excelente modelo de escola árya de iniciação, foi a Ordem do Santo Graal
existente na Escola da Távola Redonda.*** A Távola Redonda simboliza o Zodíaco,
que é uma estrutura existente em muitos níveis. Em termos iniciáticos, se trata do Lótus
Causal, situado ao nível do coração com suas 12 pétalas (identificado nisto ao chakra
cardíaco, portanto). Ele também está simbolizado pelo Graal situado no centro da mesa.
Tal como este, a Távola é um símbolo do coração, visto de forma analítica. É o lótus no
qual se acha a jóia, que é a espada Excalibur, símbolo do Verbo, também representada
pela hóstia colocada no centro do cálice na Eucaristia. Como atestam a imagens do
Apocalipse, o Verbo é a espada da verdade e da justiça.
O Cálice e a Espada são duas visões de uma mesma realidade, ora sintética, ora
analítica. São como as duas imagens de Avalokiteshwara (Chenrezig), uma sentada com
o lótus, e outra de pé (Lokeshwasa) com as 10 cabeças da Árvore Sefirótica e 1.000
braços (chakra de mil pétalas e dharma de 5.000 anos). Esta dualidade ilustra os altos
processos espirituais que tem início na iluminação, e no decurso daqueles 7 graus
existentes entre o 4° e o 10°.
O Lótus causal se acha atualmente disposto no 4° grau ou plano, no centro do
coração, sendo esta a sua posição natural. E é o fundamento de uma Escola iniciática. O
instrutor de uma escola, deve se encontrar pelo menos um grau adiante de seus alunos,
por isto uma Escola iniciática deve contar pelo menos com um iniciado de grau básico
de iluminação, que é o 4° grau. Um Mestre verdadeiro, tal como oferece a Loja, possui
sempre ao menos dois graus adiante do grau humano mais avançado em cada raça-raiz.
Apenas este iluminado, pode realmente favorecer aos postulantes à iniciação solar,
com as refinadas energias necessárias à consumação dos seus processos, além das
técnicas necessárias e do treinamento. Isto incluirá os desafios e as oportunidades na-

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turais e sobrenaturais necessários aos graus, ilustrados na saga do Graal. Tal Escola está
profundamente integrada com o mundo, e é capaz de abrir os caminhos superiores de
uma civilização, com tudo o que isto pode comportar de lutas e conquistas.

Pré-requisitos da Iniciação

Os pré-requisitos da nova iniciação, são elementos naturais à época moderna. Trata-


se do sentido de síntese, do universalismo e da inclusividade, assim como o desenvol-
vimento mental e uma capacidade de focalizar o universo desde o ângulo do intelecto,
com espírito de unidade e organicidade. Espiritualmente, inclui também a criatividade
(esotérica e exotérica) e a vontade desenvolvida. O verdadeiro iniciado possui um es-
pírito abrangente e não se prende ao fanatismo, sendo antes tolerante e respeitoso pela
diversidade. Ele emprega a riqueza da vida para investir na individualidade superior que
ele tão bem conhece e representa.
Na verdade, este quadro integra o espírito racial que está terminando hoje, por ser o
grau áryo de iniciação. A sétima sub-raça árya, que é a brasileira, tem a tarefa de
sintetizar a sabedoria árya, para promover a transição racial. Na nova raça, a meta já
será a Iluminação, que é a quarta iniciação.

O Segredo Iniciático****

Pergunta-se amiúde a razão do sigilo na Tradição. Existem muitas boas razões para isto.
Considere-se, por exemplo, segundo o jargão de que "conhecimento é poder", que a
mera informação já sugere a posse de poderes. Tradicionalmente, uma das senhas de
passe das grandes escolas, reside em responder adequadamente a certas questões. Com-
preende-se que a evolução espiritual traga conhecimentos definidos, e sua formulação
expressa, presumivelmente, a posse desta condição. Neste caso, a "abertura" de um
saber permitiria simular, ocasionalmente, tais graus de realização interna, por parte de
indivíduos auto-iludidos ou inescrupulosos.
De modo que a excessiva difusão do conhecimento, dá margem para o acesso a
saberes importantes de forma muito facilitada, reforçando o perigo. O verdadeiro
buscador, deve ser persistente e determinado. Não deve esperar encontrar tudo num
primeiro momento, pois isto apenas acarretaria a ilusão do conhecimento intelectu-
alizado superficial, até mesmo barrando o acesso a realizações efetivas, as quais
requerem uma integridade maior de energias.
Os antigos compreendiam que os mistérios tinham as suas razões de ser. E na medida
em que o verdadeiro Governo do mundo se encontra regido por energias de fundo espi-
ritual, sobretudo quando incorpora as Instituições sagradas a um nível mais amplo, po-
de-se dizer que os mistérios representam verdadeiros segredos de Estado a nível mun-
dial. Por isto é que, na lenda macônica, Hiram prefere morrer a entregar a Palavra
Perdida a pessoas menos dignas.

O Ashram - chamamento da História*****

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Com a chegada do Novo Milênio eis que se abrem uma vez mais as Escolas de
Iniciação. Na verdade elas sempre existiram com maior ou menor grau de integridade.
Por isto, a "abertura" atual se refere antes à sua maior acessibilidade, face o seu novo
posicionamento no seio da sociedade.
A que se deve isto? Inicialmente, devemos considerar o retorno de um momento da
Civilização em que todas as coisas devem andar juntas –o que representa, precisamente,
aquilo que a Tradição define como "Idade de Ouro". E a semente desta unidade, jaz na
verdadeira Escola Iniciática. A iniciação (solar) representa um processo de unificação,
reunindo e coordenando os três mundos inferiores, ou seja, o físico, o emocional e o
mental-concreto.
O resultado é, num primeiro momento, o surgimento de homens verdadeiros, que
podem mesmo se tornar líderes e até instrutores. De fato, a Escola Iniciática é uma fonte
de integridade e de excelsitude. Tais organizações destinam-se basicamente a formar
líderes iluminados para a sociedade.
Por isto, não se deve confundir a Escola Iniciática com aquelas organizações
preparatórias de iniciantes e discípulos. A Escola Iniciática destina-se a formar homens
verdadeiros, no sentido mais alto do termo, fato este que ultrapassa todo o espírito
separatista, inclusive o do monasticismo comum. A idéia é que, onde reina a ordem
perfeita, todas as coisas podem ser harmonizadas.
Naturalmente, o número de Escolas que atua com cada grau, vai diminuindo
conforme a elevação da sua proposta. Assim, se existem muitas Escolas para
Principiantes e algumas Escolas para Discipulado, existe apenas uma única Escola para
Iniciados na Terra, uma vez que este grau atua já com a unidade. O maior exemplo disto
é o da Unificação Vicária, que também se acha contemplada nos trabalhos da Escola de
Iniciação.
O “Homem verdadeiro”, conceito muitíssimo empregado pelas etnias, representa na
verdade aquela cultura que tem as suas metas espirituais coletivas devidamente
atualizadas. Por isto, também podemos dizer que, na Nova Era, ou a partir de 2012, o
escol da raça já deverá freqüentar, isto sim, a Escola de Iluminação.

O conceito de Ashram

O Ashram espiritual é um conceito tradicional e pleno. Hoje em dia se aplica também


este termo a certas abstrações místicas, mas ele apenas pode ser considerado completo
através de sua manifestação histórica, sendo a isto que se destinam os trabalhos internos
realizados nos graus anteriores ao da verdadeira iniciação, onde ele é contatado
interiormente. A formação do Ashram interior, anda junto à formação do Ashram
exterior.
O Ashram representa o verdadeiro ambiente da Escola Iniciática. Este ambiente
caracteriza-se pela expressão do Cânone da Perfeição, reunindo espiritualidade,
fraternidade e ecologia. Apenas sob este tripé, é que se torna possível a iniciação.
Observando estes preceitos, pode aparentar que existam muitas escolas e ashrams que
seguem o Cânone. Mas o verdadeiro ashram se caracteriza pela presença das Quatro

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Jóias tradicionais, que são o Dharma, a Sangha, o Buda e o Guru, em todos os seus
aspectos: históricos, astrológicos e geográficos.
Pois, assim como a Escola Iniciática tem uma época definida para se manifestar, ela
também tem o seu lugar definido, que é dentro de uma sociedade destinada a forjar a
nova Idade de Ouro, ou seja, no seio de uma "nação eleita". O Brasil, enquanto "nação
do arco-íris", representa por todos os aspectos a nova sociedade áurea predestinada.
O país perdeu nas últimas gerações as suas lideranças políticas, porque estava
destinado a gerar uma ordem ainda superior -como diz o ditado, "Deus escreve certo por
linhas tortas". É uma premissa na iniciação, que os caminhos não podem ser dirigidos
desde o próprio nível do caminhante; a estrela-guia da Hierarquia representa o único
foco de orientação possível. A Escola Iniciática destinada a gerar os verdadeiros líderes
nacionais se abre, pois, em seu seio, gerando a oportunidade para que se cumpra o seu
alto destino.
Toda a Idade de Ouro nasce destas organizações. São elas que forjam os valores
humanos e espirituais autênticos, revelando os preceitos necessários a cada época. No
Egito havia as "Casas da Vida" junto aos Templos. Na Índia, os ashramas
representavam a grande base institucional do Brahmanismo, fontes de educação
permanente, de reeducação, de iniciação e, na culminação da existência humana, até
mesmo de iluminação -a rigor, a raça não estava preparada para fornecer esta última
base social, coisa que deve mudar na nova raça.
O surgimento da Escola de Iniciação, vem acompanhado por todo o contexto
tradicional sagrado, voltado inicialmente para a sociedade em questão, mas também
para o mundo, no processo de retorno daqueles elementos inicialmente conferidos de
fora para dentro (as chamadas "influências culturais"), e que uma vez gerada a síntese
local e a restauração da Tradição no novo solo sagrado, estes elementos são
"devolvidos", seja na forma de sua pureza original, como também acompanhados de
novas fórmulas que proporcionam a evolução dos antigos padrões culturais. Tudo isto é
trabalhado no ambiente iniciático do Ashram.

* O Pentalfa, pgs. 8/11, Sociedade Universalista Nova Albion, Inverno 2000, PoA. Os
presentes textos são adaptados e ampliados para a presente edição.
** O Mensageiro do Arco-Íris, n° 6, pg. 3, Universidade Agartha, 2000, PoA. Ver também
sobre o Plano da Hierarquia, no Capítulo “Restauração & Renovação”, adiante.
*** O exemplo dado não é casual. A certa altura, o autor organizou uma Sociedade esotérica
inspirada nas lendas do Graal, a “Sociedade Universalista Nova Albion - SUNA” (suna
significa “tradição”, em árabe). Sucede que cedo, ele foi levado a nomear a nova Loja da
Hierarquia como “Albion”, que é a mesma Avalon céltica.
**** O Mensageiro do Arco-Íris, n° 3, pg. 5, Universidade Agartha, 2001, PoA.
***** O Pentalfa, Outono 2000, pg. 8/11, Sociedade Universalista Nova Albion, PoA.

76
Capítulo 17

"Quando o Discípulo Está Preparado..."*

Poucos encontros podem ser tão significativos como aquele realizado entre o Mestre e o
discípulo, em função de todos os desdobramentos para a vida do discípulo. Este é o
acontecimento que abre as portas da evolução real do aspirante, que passa assim da
condição de um buscador para a de um trabalhador ativo e consciente.
Através disto, ele habilita-se a trabalhar nos planos superiores, realizando os seus
mais altos sonhos e ideais, podendo atuar de forma universal e conseqüente dentro do
Plano da História, através do serviço aos Senhores, os verdadeiros Regentes da
Civilização.
Sem isto, a vida do aspirante permanece como um projeto inconcluso, um ideal vago
e isolado, sem idéia que o coroe, e nem ídolo que o fundamente. E existem várias razões
para isto: o princípio de Hierarquia é uma condição essencial para o progresso
espiritual, seja do ponto de vista ético ou cármico, como também técnico. Este último se
divide também em dois setores: o aspecto vibratório, que apenas pode ser suficiente-
mente desenvolvido através do contato pessoal com o Mestre, e o aspecto científico na-
quilo que se refere às práticas necessárias, ou aos verdadeiros serviços a serem
realizados de modo geral.
Mas, para que tal coisa se realize, como reza o ditado, o discípulo deve estar
preparado. A grande maioria trata porém de inverter a premissa, julgando que apenas
quando o Mestre se revela é que ele se prontificará a servir. Porém, um Mestre jamais se
revela à toa... De resto, ele faz sempre a sua parte, de modo que cabe aos aspirantes
também cumprir a sua: o caminho deve ser aberto de ambos os lados. E o trabalho do
discípulo é sempre de longe o mais fácil, sendo que para isto existem os Mestres, que
tanto se sacrificam para aplainar os caminhos dos buscadores, para abrir as portas do
Infinito, da Beleza, e da Eternidade.
Paira todavia um excesso de personalismo na ótica discípulo ocidental, muito
exigente e pouco habituado às leis do carma. Esta perspectiva espiritual passiva é tão
equivocada, como achar que apenas depois de encontrar à Alma-Gêmea, é que se deverá
começar a elevar os sentimentos tendo em vista a insubstituível experiência do sacra-
mento conjugal. Ora, sequer existe possibilidade do destino reunir os pares
predestinados, caso as energias não vibrem já em uníssono ao nível de alma...
Assim como o Mestre aparece quando o discípulo está preparado, também ocorre
com a Alma-Gêmea –e até com o conhecimento. Como diz o mestre Tibetano, o
conhecimento vem porque se trabalha, e não o oposto.

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A Comunidade mais apta a receber o Mestre, é aquela que realmente O espera e
aguarda, e O deseja de forma tão consciente e ativa quanto possível. Aliás, o uso da
palavra "Comunidade" não é casual. O número também tem o seu valor, além da
qualidade da expectativa, tendo em vista os trabalhos necessários. Por isto foi dito:
"onde dois ou mais se reunirem em Meu nome, ali estarei" (Jesus Cristo). Lembremo-
nos, por exemplo, da lenda celta onde uma comunidade sábia aguardava o seu Rei, o
qual se revelaria através do poder de elevar a espada sagrada Excalibur, da pedra onde
havia sido cravada por um Rei anterior. Estas grandes lendas dos reis divinos, devem
ser tidas em conta nos tempos futuros, que se caracterizam precisamente pela busca da
Unidade e pela Manifestação da Hierarquia, para fundar o Reino de Deus.

Preparando o Caminho

É certo que na preparação deste contexto expectante, influiu a figura ímpar do mago
Merlim. Sabedor daquilo que passara ao extinto rei Uther, profetizou ao povo da região
que a espada apenas poderia ser retirada por um legítimo Rei. No caso de seu filho
Arthur, quis o destino que o escolhido para erigir a espada sagrada fosse o próprio filho
do antigo Rei, confirmando um princípio de linhagem e sangüinidade real comum nas
Monarquias. A verdadeira nobreza é algo tão universal, que pode ser transmitida até
mesmo através do sangue. Mas aquele que restaurou a luz foi Persifal, discípulo ou
escudeiro de seu melhor cavaleiro, Lancelot do Lago. Isto apresenta a contraparte não
sanguínea, que também pode e deve acontecer, possuindo certo vínculo com o
sacerdócio.
Papel semelhante teve João Batista, no ambiente do Cristianismo. Jesus acolheu o
seu Batismo porque, seguindo as profecias, João veio preparar o caminho para o Mestre,
e logo que o identificou lhe entregou os seus discípulos, demonstrando assim a função
de uma verdadeira escola de iniciação, que sabe de suas origens e de seus limites. João
conhecia o seu papel simbólico e preparatório num plano maior (coisa que os reis
Magos também fariam), que se apresentaria na fundação de uma Nova Era. Assim,
também as escolas místicas do passado, devem atuar em relação às escolas iniciáticas
abertas pelos Mestres.
Então pergunta-se: acaso não deve o povo ser preparado antes, para a chegada do
Mestre? Ele deve saber que superiores perspectivas estarão disponíveis –e que ele
mesmo tem uma missão histórica inadiável. Então, um mensageiro deve servir de
precursor e "aplainar o terreno". Isto pode ser feito a partir de uma revelação interna,
como a visão do Graal ou do Mestre. Pode-se até mesmo contatar fisicamente um
Hierarca, e então trabalhar para a sua Vinda, ensinando sobre a importância dos ver-
dadeiros vínculos espirituais e todas as possibilidades que eles abrem no mundo. Um
Mestre já não pode colocar tais bases; a sua tarefa é superior. Por isto João Batista foi
necessário. Quando Jesus chegou, já havia uma comunidade de discípulos à espera de
algo maior. E como o Batista se fez discípulo de Jesus, também muitos de seus
seguidores o acompanharam. Consta que na vinda do Buda, havia uma configuração
espiritual semelhante.
Nestas épocas de transição, muitos são os que participam do movimento de formação
de uma nova consciência, conforme as suas capacidades particulares. No entanto,

78
inicialmente apenas um alcança o Graal (ou seja, ilumina-se), e este torna-se o seu
guardião, por assim dizer. Este verdadeiro eleito cria então uma Ordem, e é por este
intermédio que os restantes buscadores poderão chegar à luz, ao cabo do cumprimento
de esforços excepcionais exigidos neste tipo de processo autônomo ou autodidata
chamado via crucis, que seleciona ao máximo os buscadores e permite que apenas Um
atravesse o "gargalo da garrafa"...
Assim, que os verdadeiros espiritualistas reflitam sobre estes princípios eternos. É
um fato que a espiritualidade humana terá um papel de suma importância na Nova Era,
simbolizada pelo "Filho do Homem." Mas o individualismo que campeia na es-
piritualidade ocidental, possui apenas uma relativa legitimidade, na medida em que a
nova Raça detém de amplos potenciais para a auto-realização. Parte deste individua-
lismo é resquício da autócne Busca pelo Graal oculto ou interno, e deve ser agora
substituído pelo sentido de Ordem unida, porque as forças da luz devem ser
concentradas para fazer frente aos enormes desafios que o futuro reserva à Terra e seus
habitantes. Porém, aquilo que diferencia os antigos Mestres dos novos, não é que os
discípulos não necessitam mais se prostrar aos pés dos Mestres, mas sim que estes
também beijam os pés de seus discípulos. E esta sequer representa uma mensagem tão
nova assim: Jesus já a transmitia desde a sua Vinda anterior.

* O Mensageiro do Arco-Íris, n° 9, pgs. 1-2, Universidade Agartha, 2000, PoA

79
Capítulo 18

Restauração & Renovação*

Em meados deste século foi revelado o Plano da Hierarquia, destinado a preparar a


humanidade para a Nova Era. Esta revelação foi feito por Alice A. Bailey, na sua obra
Os Raios e as Iniciações.
Este plano estava dividido em três etapas, relacionada à três níveis de formação
espiritual: os principiantes, os discípulos e os iniciados. A primeira etapa teria sido im-
plantada através do trabalho de Helena P. Blavatsky e da Sociedade Teosófica. A
segunda etapa teria sido implantada através do trabalho de Alice A. Bailey e da Escola
Arcana. E uma terceira etapa estaria ainda por se cumprir no final do século, cuja
natureza seria reveladora, culminando assim este ciclo de preparações espirituais.
Bailey desenvolveu, complementou e atualizou as informações teosóficas, ampliando
o seu alcance, conferindo pragmatismo e modernizando a linguagem, além de inserir o
trabalho numa dinâmica mais ampla. O ciclo final que protagonizamos, além de dar
continuidade a este processo, também se caracterizaria por revelar certas chaves
contidas nestes ensinamentos, e até mesmo em várias outras Tradições de Sabedoria.
Pois estaria ele, associado ao rico contexto da mudança do milênio, e vinculado daí à
"Restauração dos Mistérios" também anunciada pelo Plano.
Várias indicações foram dadas acerca dos caminhos e dos métodos para o surgimento
desta terceira etapa, e embora muitos tenham pretendido ocupar esta posição, apenas
nós tratamos categoricamente do tema das chaves dadas para estes fins. Foram
oferecidas datas e até chaves de diversas índoles para desencadear este processo, mais
ou menos ocultas no bojo destas literaturas e nos seus vínculos espirituais ou
hierárquicos. Ademais, a garantia de que as duas premissas iniciais do Plano (a saber:
reabertura das escolas iniciáticas e restauração dos mistérios sagrados) seriam
cumpridas, está na sua terceira grande premissa, que seria proporcionar a Manifestação
da Hierarquia. Afinal, os Mestres são a personificação viva da Tradição e encarnam
todos os grandes Princípios eternos.
Atualmente, já podemos afirmar que este Plano se cumpriu mesmo nos seus detalhes.
As datas foram honradas e as chaves devidamente empregadas. E as novas revelações,
restaurações e renovações têm sido realizadas, já no palco do Novo Mundo. Como
resultado, temos o surgimento desta grande etapa conclusiva que traz os mais elevados
cânones e revelações, permitindo por fim a anunciada iniciação grupal.
“Iniciação grupal” é um processo espiritual coletivo, que ocorre especialmente nas
grandes transições de épocas. O Plano da Hierarquia se destinava justamente, a estabele-
cer este fato novo. E dentro da evolução do Plano, apenas na sua etapa verdadeiramente
iniciática final, é que ela poderia acontecer, uma vez que incidiria já na chegada da
Nova Era ou Nova Raça. Antes disto, tivemos o discipulado grupal, e ainda antes

80
tivemos a introdução mística coletiva. E conforme anunciava o Plano, esta etapa
conclusiva se caracteriza pela restauração dos mistérios.
Na verdade, a etapa de restauração é apenas uma base deste ciclo. Sabemos em
Cabala que o valor três, por formar uma unidade, traz consigo o quatro. Assim, a nova
etapa comporta na verdade um duplo caráter, e este se caracteriza pela restauração e
pela renovação dos mistérios, além da mencionada revelação primordial.
A restauração trata daqueles mistérios universais associados à Sabedoria Eterna
(Sophia Perennis, Sanat Dharma). Trata-se dos princípios de universalidade tradicional,
base para toda a religião histórica, assim como daquelas Quatro Ciências Sagradas que a
Agartha sempre divulgou: Astrologia, Cosmologia, Alquimia e Cosmogonia.
É sobre estes elementos que surgem as religiões históricas ou os dharmas
transitórios. E estes se referem então à renovação dos mistérios.
Existe um Plano Geral que envolve uma totalidade de elementos. Estes são os
Mistérios Eternos. No entanto, este plano deve ser preenchido com o tempo. A
Trindade, por exemplo, sempre existiu, mas ela foi sendo conhecida e cumprida com o
tempo. Estes são os Mistérios Históricos.**
Num certo sentido, estas etapas de restauração e renovação também caracterizam o
espírito dos trabalhos de Blavatsky e de Bailey, respectivamente. A primeira olhou mais
para o passado, e a segunda olhou mais para o futuro.
A nova etapa se fundamenta nestes trabalhos e os superam através da plena restaura-
ção e renovação dos Mistérios, tanto os Eternos como os Históricos. Naturalmente, tudo
isto representa muito mais do que informação intelectual historicamente oportuna (mas
é preciso trilhar o caminho para conhecê-lo a fundo).
Assim, o ciclo atual de revelações inclui na verdade duas etapas: a restauração da
religiosidade universal (7° Raio), e a renovação das religiões do mundo (1° Raio).

Mistérios ou Instituições?***

Qual a diferença entre os Mistérios e as instituições comuns? Os Mistérios naturalmente


são instituições, mas nem sempre as instituições comportam grandes mistérios ou
dimensões transcendentes.
E aquilo que diferencia ambos é, em princípio, apenas a unidade sob a qual são
enfocados. Uma instituição, especialmente como a entendemos hoje no ocaso da Idade
de Ferro, pode ser uma rama de atividade humana sem qualquer transcendência, e desta
forma será certamente repleta de limitações. Assim, mesmo correntes espirituais e
religiões podem ser bastante híbridas e não constituir verdadeiros mistérios, caso não se
abram ao conjunto das energias do cosmos. Este universalismo é que lhes confere o
caráter divino, sendo esta também a verdadeira base do Monoteísmo.
Uma Escola de Mistérios é, para exemplificar, muito diferente de uma Universidade
profana. No mesmo sentido, a prática política corrente difere muito de um Estado Sa-
grado que abrigue homens altamente consagrados ao serviço público, e que se permitam
provar adequadamente. Da mesma forma, uma religião que abrace o conhecimento, di-
fere profundamente de uma expressão espiritual dogmática. Também podemos
mencionar que o matrimônio verdadeiramente sagrado, apresenta outras dimensões que
a meramente carnal, mesmo quando sacramentado no seio de uma Igreja.

81
O segredo é que, naquilo que diz respeito aos Mistérios, todos eles se acham
integrados, e muito provavelmente um Iniciado, ao longo de sua jornada de luz, irá
assumir postos em todos eles. Cada iniciação lhe conduzirá a um setor da sociedade. E
todos servirão de caminho para a unidade, porque na sua base reside esta unidade.
Exemplos disto são as instituições hindus, particularmente as do antigo Brahmanismo.
"Unidade" significa que as instituições intercambiam os seus princípios. Todos os
elementos da Tradição de Sabedoria, são complexos e multifacetados. Como
demonstraram os Mistérios Antigos, uma Escola de Sabedoria sem uma sólida base
religiosa, não pode pretender iniciar ninguém, da mesma forma como, sem almejar agir
a nível social (sem perder a sua identidade), ninguém pode pretender coroar algum
processo maior.
Aos ouvidos modernos, talvez soe estranha a associação entre iluminação e
sociedade. Mas não é assim para a Tradição Sagrada, na qual os Reis são iniciados,
porque uma função como a de governar os povos apenas pode ser realmente feita por
seres universais.
De fato, inexistiam fronteiras entre as instituições, de tal sorte que era impossível
definir exatamente onde começava uma e terminava a outra. Tal coisa é que emprestava
transcendência às instituições antigas, transformando-as em Mistérios reais.

* O Mensageiro do Arco-Íris, n° 4, pgs. 3-4, Universidade Agartha, 2000, PoA.


** Como exemplo dos primeiros (sobre a restauração da luz), temos o tratado “O Retorno à
Tradição Perene”, trilogia com propósitos didáticos de revelar os fundamentos da
espiritualidade universal, assim como das instituições como a política, a ciência e as artes
tradicionais. E como exemplo dos últimos (a renovação da luz), temos no mesmo ensinamento
obras dedicadas aos novos cânones espirituais do Oriente e do Ocidente, em especial, como as
obras “O Evangelho da Natureza” e “Tushita, o Reino da Felicidade”. No geral, as obras desta
etapa do Plano apresentam os dois aspectos reunidos, restauração e renovação. Bons exemplos
disto são os trabalhos “O Regresso de Hiram”, dedicado a reforma maçônica, e a trilogia “A
Tradição Tolteca”, síntese das tradições pré-colombianas.
*** O Pentalfa, Primavera 2000, pgs. 8/11, Sociedade Universalista Nova Albion, PoA (da
obra A Tradição Perene, Volume I, Os Mistérios Antigos, Capítulo 1, Luís A. Weber Salvi, Ed.
Agartha).

82
Capítulo 19

Espaço & Tempo

Um dos aspectos mais maravilhosos das Ciências sagradas, é o seu universalismo, ou


seja, a sua unidade-na-diversidade. A Tradição sempre encarou o cosmos como uma
unidade multifacetada em evolução, apresentando as suas diferentes faces conforme
evoluem as épocas.
Sabemos que não se pode desvincular as dimensões das Ciências Sagradas. Assim, o
Tempo Sagrado está associado ao Espaço Sagrado. Ou seja, a implantação de um calen-
dário, está necessariamente ligado à instauração de um Plano racial geograficamente de-
finido. Analisemos, pois, estes dois aspectos da unidade tempo-espaço.

A Astrologia Sagrada*

Sob a luz da Unidade dos Mistérios, a Astrologia não necessita afirmar-se sobre as
supostas influências planetárias ou estelares. É bastante considerar as estrelas e os
planetas como simples marcadores do Relógio Cósmico, definindo a evolução das
épocas. Esta é uma visão original da "Ciência dos Astros", a qual sequer macula o
espírito científico moderno. A nova humanidade, a da Sexta Raça-Raiz, tem sido
chamada de "pós-racional", o que significa dizer que vamos retornar ao mundo intuitivo
e psíquico (que é a marca ocidental), porém com o aval da razão!
Por outro lado, a verdadeira Astrologia envolve as restantes ciências sagradas:
Alquimia, a Cosmologia e a Cosmogonia. Isto é especialmente válido na implantação de
um calendário, fato que sempre ocorre nas mudanças de épocas. Nela temos a con-
fluência de novos momentos astrais (Astrologia) com processos espirituais elevados
(Alquimia), assim como a instauração de novas etapas sociais de evolução
(Cosmologia) e revelações divinas especiais (Cosmogonia ou Hierofania).
Invariavelmente, estes processos maiores envolvem alguma das Esferas Cósmicas,
tais como as Plêiades, Sirius, Órion, a Ursa Maior ou Dragão (estes Calendários Si-
derais são apresentados em nosso “O Livro dos Portais”); das quais os Avatares são
personificações terrenas.
Por isto, pretender resgatar antigos calendários sem uma restauração espiritual
definida, soar irregular e vazio. O mensageiro de um novo tempo deve afirmar as
qualificações necessárias como veículo, ele mesmo, das novas energias, juntamente com
a raça em questão.
É quase tão difícil fugir aos aspectos etnocêntricos de um calendário, quanto escapar
de sua base geográfica. Os calendários sempre possuíram vínculos profundos com as

83
raças. Se é um fato que uma época eclética como a nossa exige posturas universalistas, a
solução é buscar os principais focos ecumênicos de civilização.

O Ser Iluminado

Houve certa vez uma discussão sobre Jesus Cristo acreditar ou não em Astrologia. Eis
um tema interessante, porque divide amplamente a sociedade nas suas crenças.
Mas, e para dar uma resposta à esta dúvida, o fato é que um ser iluminado está livre
de crenças e de descrenças. Ainda que ele pregue enfaticamente princípios éticos e
espirituais, porque este é afinal o seu dever, no fundo é livre de toda e qualquer crença
exclusivista.
Isto se notabilizou com o Buda, que costumava afirmar que sua doutrina devia ser
vista apenas como um barco que auxilia o indivíduo a alcançar a "outra margem do rio"
(da ilusão). E que uma vez atravessado este rio, a doutrina poderia ser deixada de lado.
O fato de assumir um caráter provisório deste modo (e de prevenir contra todo o
fanatismo), não desmerece em nada a oportunidade dos ensinamentos do Buda, porque
suas premissas são as mais profundas possíveis e de natureza liberadora, tal como na
denúncia do apego como fonte de sofrimento, e a necessidade de se tomar caminhos
retos na vida, conforme é pregado no seu "Sendeiro Óctuple": correta forma de pensar,
profissão correta, etc.
Voltando à Astrologia que, para setores da sociedade despertam posições
apaixonadas (se para os crentes ou "religiosos" representa idolatria, para os céticos ou
"científicos" não passa de um aglomerado de superstições, enquanto para os místicos e
"ocultistas" são energias cósmicas), eis o que diria a respeito um verdadeiro iniciado:
"Estais todos vós parcialmente certos e parcialmente equivocados. A Astrologia, como
outras ciências ditas 'divinatórias', revestiu-se efetivamente com o tempo de uma capa
popular superficial e supersticiosa, quando não fetichista; ainda assim os seus códigos
velam energias universais. Os planetas e as constelações nem são deuses e nem emanam
energias desta natureza. Os céus, para os fundadores desta antiga ciência, era apenas o
'relógio cósmico' e as estrelas os seus marcos, através dos quais a Terra percorre os seus
ciclos, apontando para uma ou outra estrela. A energia verificada, não obstante, existe
unicamente dentro dos seres humanos e na humanidade no seu conjunto, partindo não
dos planetas externos, mas da força espiritual disposta antes de tudo pelos grandes Seres
iluminados que periodicamente vem à Terra com a tarefa de fundar novas civilizações."
Toda a verdade existente na Astrologia está fundada na sua natureza calendárica –e
os calendários geralmente iniciam com algum grande acontecimento espiritual (o
nascimento ou morte de uma Encarnação divina, um Êxodo ou Égira). De fato, existem
muitos calendários astrológicos, cuja natureza é puramente matemática (ou espiritual),
sem apelo a signos astrais, como é o caso do calendário chinês, mesmo quando
vinculado no seu conjunto a alguma esfera planetária. Acontece que os grandes
adventos espirituais também estão conectados a "marcos" planetários, por uma simples
questão de harmonia cósmica, que é afinal aquilo que dá toda a validade real à
Astrologia, ou seja, a existência da unidade dos mundos (os cientistas diriam da univer-
salidade das leis físicas), tal como no preceito hermético de que "assim como é em cima

84
(macrocosmo) é em baixo (microcosmo)", ou na idéia de que o homem foi “feito à
imagem e semelhança de Deus."
Assim, a verdadeira origem da Astrologia, se radica nos mais profundos
acontecimentos espirituais, como são os adventos dos Profetas ao mundo. Por esta
razão, a Astrologia está extremamente presente na Bíblia, estruturando todos os grandes
acontecimentos espirituais e humanos, como revelam os símbolos associados aos
grandes homens e às épocas. O bezerro de ouro, o cordeiro e o peixe, inclusive nesta
ordem como que aparecem na Bíblia, indicam a natureza das grandes Eras astrológicas
humanas vigentes, ou seja, as Eras de Touro, Áries e Peixes.
Também é notável a recorrência do número 12 (como no Zodíaco) no Velho
Testamento (os 12 Patriarcas pré-diluvianos, as 12 Tribos de Israel) e no Novo
Testamento (os 12 Apóstolos), reunidos naquele que poderíamos chamar de "Novíssimo
Testamento", que são as profecias, em especial o Apocalipse de São João (onde aparece
de várias formas: 3x4, 12+12, 12x12), que poderia ser denominado também de o
"Testamento Eterno" (como sugere Ap 14,6), por registrar os ciclos mundiais de uma
forma completa, tal como no nome oficial do Hinduísmo completo, Sanat Dharma ("Lei
Eterna"), por ser capaz de abranger o conjunto das revelações espirituais –poucos sabem
que os hinduísmo inclui entre os seus Avatares, por exemplo, o nome do Buda.
Registremos em seguida, a presença dos reis magos na anunciação astronômica de
Jesus, fato logo completado pelo mito do nascimento (no signo) da Virgem, servindo de
resposta aos insistentes pedidos de "sinais celestes" que Jesus viria a receber.
Mas a data que a Igreja atribuiu ao nascimento de Jesus, foi sabidamente tomada aos
"pagãos". No 25 de Dezembro era celebrado o nascimento de Mithra, o deus-Sol persa,
por corresponder ao solstício de inverno, quando o Sol reinicia a sua marcha ascendente
e os dias recomeçam a crescer (no Hemisfério Sul, corresponde ao Inti-Raymi, à Festa
do Sol dos incas, no 25 de Junho). É o símbolo do nascimento da luz que acontece com
a chegada dos Enviados de Deus, e nisto devemos ver não apenas um oportunismo, mas
o reconhecimento do símbolo; afinal toda a Astrologia repousa sobre uma Fundação
desta natureza.
Ainda no Novo Testamento, o número de 72 enviados, é bem conhecido dos
astrônomos, pois representa o número de anos num grau do Ano Cósmico (mais
conhecido como "o Grande Ano de Platão").
Já os quatro Querubins presentes na simbologia da Arca e nas hierofanias (Ez, Ap),
com suas faces de Touro, Leão Águia e Homem (e que a Igreja relacionou aos 4
Evangelhos), assim como dotado de quatro asas cada um, representam os signos "fixos"
do Zodíaco e, através deles, a cosmologia dos 4 elementos Terra, Fogo, Água e Ar,
também simbolizados pelas faces das pirâmides.
Ainda que o conhecimento esotérico não seja dado abertamente e nem enfatizado nos
grandes Ensinamentos, porque o homem comum acha difícil conciliar a fé e o saber, ele
está sempre presente para aqueles que desejem aprofundar as coisas, sobretudo para os
dispostos a, sob a inspiração do Espírito Santo, "tomarem a sua cruz" visando "tornar-se
perfeitos como é o Pai no céu".
Dada à fragmentação da alma humana face ao Pecado Original, simbolizada pela
Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, o homem deve escolher um caminho e
segui-lo de forma pura, por vocação legítima e como serviço a Deus, sob as diretrizes de

85
um Ser Iluminado, como Maitreya que apresenta as Doze portas da cidade sagrada,
como o Buda apresentou um dia o seu Caminho Óctuple, até que num dia abençoado,
após colher os frutos da experiência, possa penetrar no ambiente sagrado do Reino,
onde todas as coisas se acham unificadas: arte, ciência, política, religião... e então gozar
da santa liberdade do paradoxo eterno que é Deus.

A Geografia Sagrada**

Uma das Ciências mais profundas, porém menos conhecidas do homem moderno,
inclusive dos místicos e dos ocultistas, é a questão da Geografia Sagrada ou Geosofia,
dos elementos que determinam a natureza das civilizações, sempre de acordo com local
e época específicos. Os povos têm seus destinos determinados por estes fatores.
Por isto, dificilmente o homem moderno poderia compreender o valor que os Antigos
davam às regras da Geografia Sagrada e tampouco os seus princípios, que são em muito
maior número que qualquer um possa hoje imaginar. A moderna difusão do Feng-Shui
traz alguma luz sobre este universo, muito limitada ainda à questões particulares.
Não é novidade que os Antigos comumente construíam seus templos sobre lugares
especiais, ainda que pouco se saiba realmente das propriedades destes locais. E também
se ignora muito que as próprias cidades eram construídas sobre regiões especialmente
elegidas. No mesmo sentido, recém se começa a suspeitar que existe grandes
movimento de energias culturais que se movem através dos povos e das regiões do
globo.
O homem estava, é certo, no centro de tudo. Mas ao mesmo tempo, existiam vários
níveis de considerações, que se poderia definir como relativas ao Macrocosmo, ao
Mesocosmo e ao Microcosmo. Em outras palavras, consideravam-se três tipos de
processos: a Astrologia, a Cosmologia e a Alquimia. Quando tudo isto estava em
harmonia, se vislumbravam as glórias da Hierofania, com que entreteciam seus mitos
áureos e as suas profecias, pois trata-se do Alfa-e-Ômega da História.
Estas três fontes correspondem também à energias telúricas, anímicas e cósmicas.
Para ter uma idéia da natureza deste conjunto de energias que atuam sobre a humani-
dade (sem apelar para supostas forças astrais), resumimos abaixo a classificação
desenvolvida em nossa obra “Geosofia – o telurismo sagrado”:

1. Energias Telúricas
a. Geomagnetismo
b. Eletrotelurismo
c. Bioenergia

2. Energias Anímicas
a. Psicoenergia
b. Eletromagnetismo
c. Termodinâmica

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3. Energias Cósmicas
a. Geometria
b. Ritmo
c. Fotocentrismo

A ciência da Geografia sagrada, está especialmente destinada às etapas setenárias ou


de coroação da evolução racial, como são as Era de Aquário e de Capricórnio, assim
como para as sub-raças setenárias conclusivas que se desenvolvem na América do Sul,
donde esta ciência encontrar amplo desenvolvimento na atualidade nesta região, através
da manifestação de centros espirituais.
A evolução da lei espiritual avança sobre a Terra através das nações. Podemos
observar no globo este movimento através das épocas, tal como o Hinduísmo gerou ao
Budismo e o Caldeísmo inspirou o Judaísmo e este por sua vez ao Cristianismo; etc.
Um dos padrões de regularidade, está associado à polaridade dos hemisférios. Raças
positivas surgem no Oriente e ao Norte, e raças negativas se desenvolvem no Ocidente e
ao Sul. Também existe, daí, o ritmo de evolução “solar” de Norte->Sul e de Leste-Oeste
Outra premissa, afirma que a cultura se sutiliza em direção ao centro do hemisfério.
O Equador é uma região de maior materialidade, enquanto os pólos velam símbolos de
elevação e originalidade.
A Geografia Sagrada está contemplada na Unidade dos Mistérios. Um dado povo
emerge em épocas astralmente definidas (Astrologia), visando construir um novo
degrau na civilização mundial (Cosmologia), através de processos espirituais superiores
(Alquimia) e trazendo consigo novas revelações divinas (Cosmogonia). Por tudo isto es-
ta nação aparece como um "povo eleito".
Uma Raça-Raiz é formada pela confluência das humanidades anteriores. Atualmente
vivemos a emergência da Sexta Raça-Raiz, ocupando especialmente a extensão das
Américas e sendo por isto denominada "americana". Também tem sido chamada de
teluriana, pelo nome “Telúria” dado ao continente sul-americano. Esta Raça-Mãe con-
flui com a anterior, na medida em que a Sexta Sub-Raça (dita “Ayam”) árya
corresponde à América do Norte (especialmente aos Estados Unidos), e a Sétima Sub-
Raça (dita “áurea” ou “Okuri”, arco-íris) árya representa a América do Sul (espe-
cialmente o Brasil). Tratam-se, segundo O Tibetano, das chamadas sub-raças "sin-
tetizantes", aquelas que encerram a Raça-Mãe anterior e abrem a nova. Existem também
neste quadro já Sub-Raças emergentes que são "puramente" americanas, no seio destas
nações-síntese ou em suas confluências, devidamente situadas no centro solar meso-
hemisférico de ambos os hemisférios como soer ocorrer com as raças "polares" ou
originais.
Mencionamos que tais surgimentos implicam em aspectos astrais. Conforme a
energia espiritual suscitada, devemos enfatizar uma ou outra esfera cósmica ou
sistêmica. É assim que a Raça Atlante, sendo a Quarta Raça-Raiz e associada ao planeta
Vênus, empregou um calendário baseado no ciclo deste planeta e teve como Avatar a
figura de Quetzalcóatl. Na verdade, as profecias falam muito do retorno deste
personagem (o Apocalipse também cita a volta da "estrela da manhã"), e isto se explica

87
porque a nova dinastia de Mestres de Sabedoria, a Escola Tetralucis de Chohans, repre-
senta a Quarta Rama de Shambala.

* (Pró) Home-Page da SUNA (Sociedade Universalista Nova Albion, PoA). Adaptado e


ampliado para esta edição.
** O Mensageiro do Arco-Íris, n° 3, pgs. 4-5, Universidade Agartha, 2001, PoA.

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Capítulo 20

A TRADIÇÃO RESTAURADA *

O sagrado sempre se caracteriza pela Unidade e pela harmonia. Mas o sagrado nem
sempre rege os ciclos históricos. Por isto, as instituições podem atuar com maior ou
menor grau de unidade, segundo as circunstâncias históricas. Os ciclos de fragmentação
e de unidade, são necessários para gerar novas etapas de civilização, e definem a na-
tureza dos momentos culturais de cada civilização. Em tese, o ideal é a unidade das
instituições, porém, quando estas se cristalizam, então a separação se torna interessante.
Devemos observar que são muito diferentes as conotações das instituições, sob um
quadro de unificação ou não. Para comparar as situações, iniciemos dizendo que o
estado de desagregação é hoje mais familiar, ainda que esteja se transformando. O
resultado é que existe uma profunda divergência entre as visões religiosas, os enfoques
científicos, as questões políticas e as abordagens místicas; para nos limitar a estes, na
medida em que formam uma cruz que pode ser associada aos signos fixos do Zodíaco,
que são aqueles mais intimamente relacionados ao sagrado por se associar ao equilíbrio
e à síntese, ou seja:
a. Política ................... Leão
b. Religião ................. Touro
c. Ciência ................... Aquário
d. Misticismo ............. Escorpião
É impressionante o grau atual de estancamento existente dentro de cada setor, onde
se julga por vezes que ele é excludente e até suficiente para suprir o Todo das
necessidades globais, quando isto não é verdade.
Mas esta cruz também está centralizada e irradia desde um centro. Assim, por outro
lado, quando todas as coisas estão ligadas, cada uma recebe um enriquecimento e uma
dimensão incomparavelmente superior, porque é alimentada pelos recursos existentes
em áreas paralelas da civilização. Apenas esta intercomunicação, confere uma dimensão
em torno da qual podemos efetivamente falar em termos de mistérios, porque envolvem
aspectos extremamente profundos e complexos de realização.
Para certos efeitos simbólicos, podemos tratar dos mistérios através de outra cruz, a
latina ou a ansata, abaixo, onde associamos os níveis institucionais às pessoas da
Trindade egípcia, Ísis, Osíris e Hórus, originários da proto-deidade solar, Rá:

89
O Plano divino ou Rá, existe na base de tudo. Corresponde ao trabalho cósmico do
Avatar, deus imanente e transcendente. Trata-se de uma instituição superior e unificada
que se desdobra nos aspectos representados por Ísis-Osíris-Hórus, tal como o deus
absoluto IHVH também se desdobra na Trindade Pai-Filho-Espírito Santo, ou como o
grande Brahman se separa na Trimurti Brahma-Vishnu-Shiva. No budismo, temos a
tríade de auxiliares dos Budas, chamados Bodhisatwas associados às energias de Poder-
Amor-Conhecimento, chamados Vajrapani-Avalokiteshwara-Manjushri,
correspondentes às energias dos três Raios de Aspectos divinos. De certa forma,
representam as três Eras zodiacais existente dentro de cada Raça-raiz de 5 mil anos.
São daí como emanações do Buda primordial. O Cristo, o Buda ou o Avatar, é aquele
que reúne todas as coisas e ainda as transcende. Um Avatar inclui o sacerdote, o reitor e
o rei, mas não se limita a nenhuma destas funções e nem as exerce formalmente,
cabendo-lhe antes e mais propriamente o dom da profecia. Ele está afixado na cruz,
ocupando todos os seus espaços. Sua Vinda histórica recicla todas as coisas, que dele
emanam para atuar renovadas.
Os Mistérios de Ísis envolvem as questões místicas ao nível individual e
propriamente iniciático, fundamentando o plano da Humanidade ou o Microcosmo.
Os Mistérios de Osíris dizem respeito aos grandes processos cósmicos que envolvem
as bases de uma civilização, no trabalho oculto, alquímico-superior e dármico do
Avatar, fundamentando o plano de Shambala ou o Macrocosmo.
E os Mistérios de Hórus referem-se ao ambiente social que existe entre os anteriores,
permanecendo entre a verdade divina e o trabalho individual consciente, gerando o
atuação do estado e do governo espiritual, fundamentando o plano da Hierarquia ou o
Mesocosmo.
Num paralelo com a Trindade, podemos dizer que os mistérios do Pai fornecem as
bases cósmicas para a civilização, o elemento vida que anima a Matéria; os mistérios do
Filho incluem uma dimensão social que alimenta a Alma; e os mistérios do Espírito
Santo completam o quadro com a universalização dos dons e o ancoramento final do
Espírito na matéria, gerando a Mãe divina.

90
Tudo isto está tão profundamente interligado, que dificulta até certo ponto a
conceituação. Toda a tentativa de separar radicalmente os aspectos é falha, porque parte
de suas virtudes pertencem primariamente aos setores contíguos.
A Unidade dos Mistérios representa a Tradição restaurada. Sob a lei da Unidade, mal
se pode falar em termos de instituições separadas, mas apenas sobre a grande instituição
que é a Tradição sagrada. Por outro lado, sem a sua unidade, as instituições se
apresentam quase como caricaturas destituídas de síntese e de unidade.
A Escola aparece como uma expressão meramente intelectual e pragmática num
sentido inferior e materialista, ou então prometeica e luciférica quando dedicada à
magia e ao esotérico; a Ordem revela quase tão somente formalidades e símbolos
vazios, e sob a expressão política encontramos amiúde a demagogia e a tirania; a Igreja
traduz por sua vez apenas a pompa, o dogma e o fanatismo, e quando prevalece a visão
social ela é sentimental, rancorosa e tende para o materialismo.
O mundo dividido é o reino do egocentrismo e da presunção cega, do diabo. O grego
diabolos significa "separatividade". É a pretensão de conquistar e viver sem Deus, mas
apenas com o domínio das forças e com a própria "autoridade". Eis os místicos e
ocultistas que julgam poder prescindir da salvação e da intermediação do Cristo; eis os
políticos e reformadores que pensam poder legitimamente exercer seus ofícios apenas
com o expediente da astúcia ou da força; eis os intelectuais e cientistas que pretendem
pensar e conhecer apenas com o instrumento da razão e da mente.
Apenas a Cúpula do Templo, que é a dimensão crística, pode restaurar e unificar os
Mistérios, preencher as instituições com um sentido superior. E então os setores
representarão a revelação das Quatro Montanhas.
A Escola atende pela dimensão individual e pelo alinhamento da Personalidade.
A Igreja atende pela dimensão social e pelo alinhamento da Alma.
A Ordem atende pela dimensão global e pelo alinhamento do Espírito.
E a Divindade atende pela dimensão cósmica e pelo alinhamento logóico.
O mundo unificado é o paraíso terreno, a perfeição e a expressão do Absoluto, do
indiviso; enfim, a Idade de Ouro da civilização. São coisas para despertar sob uma
Palavra forte, para ouvidos surdos e divididos, quiçá suscetibilizados pelas crises
mundiais. Apenas o dom da profecia pode romper o véu da cegueira e fecundar as
almas. É necessária a Palavra de Deus, uma palavra que é poder, amor e conhecimento,
e que penetra até o fundo de todas as coisas, revelando a unidade e restabelecendo a sua
essência una original.

* Home-Page da SUNA (Sociedade Universalista Nova Albion, PoA).

91
Parte III

Palmihando a Senda

A transmissão espiritual, outorgada ou voluntária, é a grande chave da criatividade


intelectual, porquanto o discípulo se coloca na mesma e fecunda linha criativa de um
mestre, configurando a necessária linhagem nascida da Revelação original.

LAWS, “Glossário Holístico”

92
Capítulo 21

A TIGELA DO PEREGRINO*

UMA DAS IMAGENS MAIS ADEQUADAS DO BUSCADOR DA LUZ, é a do peregrino que anda
pelo mundo com a sua tigela de mendicante em busca de alimento –também o espiritual.
Ele se sabe peregrino e mendicante, conhece a sua pobreza e deseja saciar-se. E sabe
que encontrará aquilo que busca, porque mantém a sua tigela limpa e vazia, ou numa
palavra, digna de ser preenchida.
Por isto ele bate às portas dos ricos em sabedoria, na esperança de receber algumas
migalhas de verdade, satisfazendo-se com a menor porção. Não traz uma tigela suja ou
cheia de velhos restos, porque assim não caberia a comida nova ou certamente a
contaminaria. Como disse Jesus: "Ninguém põe vinho novo em odres velhos; senão, o
vinho estourará os odres, e tanto o vinho como os odres ficam inutilizados." (Mc 2, 22)
Deste modo, um dos grandes símbolos do discipulado é a taça vazia. Representa o
estado de espírito necessário para aprender, ou seja, de receptividade e expectativa.
Existe uma conhecida estória Zen, em que o mestre enche uma taça de chá até
transbordar, e permanece vertendo até que o discípulo observa ao mestre o que está
acontecendo. Este então retruca dizendo: "Esta taça é a sua mente. Como pode aprender
algo se ela está cheia até a borda de coisas antigas?"
Se alguém chega repleto de idéias, dificilmente estará apto a receber e a comungar.
Comumente tenderá antes a gerar conflitos, ao querer impor suas próprias crenças, seus
antigos dogmas e pontos-de-vista cristalizados. Tal comportamento pode ter algum
lugar numa discussão aberta, mesmo religiosa, como no caso dos debates públicos que
resultam na vitória declarada de uma das partes. Mas quando nos encontramos diante de
uma escola interna e, sobretudo perante um mestre realizado, este quadro já não pode
ser sustentado. Não faz sentido algum, tentar impor idéias próprias para um mestre
realizado.
De resto, cada um pode e é convidado a colocar aquilo que pensa saber e ter vivido,
assim como a apresentar as suas expectativas e os seus sonhos, sem impor condições de
qualquer espécie. O mestre, observando a vocação de uma pessoa, saberá se isto serve
ou não no caminho que ele deve trilhar, ou se necessita ser abandonado ou relegado, por
algum tempo ou em definitivo. Ninguém se aproxima de um Mestre na atitude de
professor, mas sim de aprendiz.
Normalmente, os ensinamentos não aceitam misturas –escolas sérias antigas como o
pitagorismo e o budismo, deixavam bastante claro este fato. Senão, o resultado seria
uma combinação impura que macularia a semente original. Hoje em dia existe, no
entanto, maior abertura, e nisto também existe sabedoria. Mas neste caso, o dis-
cernimento deve ser particularmente empregado. As doutrinas surgem hoje como

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cogumelos, e da mesma forma como nestes fungos existem espécies venenosas, também
estas doutrinas devem ser vistas com muita cautela.
Não há nada mais deformante do que o falso conhecimento, mas é nele que o
indivíduo se apega no início de sua jornada, enquanto não encontra uma Escola séria. O
falso conhecimento está eivado de dogmas e de materialismo, tornando o indivíduo rijo
e até agressivo. Até por isto, ninguém permanece muito tempo nestas escolas ou igrejas.
O falso conhecimento, costuma servir apenas como uma âncora para as pessoas não
afundarem. Assim, alguém dirá que tal igreja o salvou, ou que teve visões e que foi tal
personagem em outras vidas, ou que tal mestre ostenta certos "poderes", ou ainda que
tal mística é "perfeitamente lógica e científica". Estes fenômenos pertencem todavia aos
mundos elementares, e se apegar a eles é esquecer que o propósito da espiritualidade é ir
além destes planos. Tais coisas não dizem respeito à verdadeira espiritualidade, senão a
uma mística superficial que apenas começa a tirar o indivíduo do caos da existência
mundana. Não cabe confundir conhecimento com informação, e experiências astrais
com realizações. Egos ansiosos por seguir vias irregulares, por causa do carma pessoal,
tornam-se vítimas de obsessões, ostentando megalomanias e pretensões cegas, desejan-
do ser tudo ao mesmo tempo e estar acima de tudo, querendo ser homem e mulher, deus
e diabo, e assim por diante. Estão muito longe da estrada de beleza e magia, pela qual
apenas um mestre pode conduzir, abrindo caminhos na luz do futuro.
É preciso que cada um observe, portanto, se um expositor tem autoridade e se tal
caminho tem coração. Autoridade significa experiência e realização –não neces-
sariamente do próprio expositor, mas a fonte do saber deve ser perfeita. Coração
significa que este caminho tem alma, é fraterno e conduz à liberação ou à eternidade. É
preciso ver se possui equilíbrio e universalidade, ou é apenas uma doutrina parcial
originada de fontes imperfeitas.
O mestre não diz para as pessoas aquilo que eles desejam ouvir, mas sim aquilo que
elas necessitam saber. Aquele "mestre" que fala às personalidades, está cometendo se-
dução e iludindo as pessoas. Um mestre apenas aponta o caminho, e cabe a cada um
segui-lo ou não. O livre-arbítrio permanece para ser bem conduzido, mas apenas ca-
minham na luz aqueles que renunciam ao excesso de liberdade, abrindo mão, não de sua
individualidade, mas do ego competitivo. O mestre não fala às personalidades: ele fala
para as Almas. Fala a linguagem do equilíbrio, que resguarda apenas aquela parcela de
livre-arbítrio que permite trilhar o caminho da libertação.
Um mestre não se perde em discussões vãs e especulações vazias. Ele carrega a
coroa da realização e apenas valoriza o pragmático e o superior; com o peso da
realização do qual deriva a sua autoridade. Ele apenas aponta o caminho para cada um,
e o resto já não depende dele.
Um mestre tampouco faz aquilo que ele quer, mas sim o que ele deve fazer. Ele tem a
sua vontade educada e nada pretende para si. Da mesma forma, discípulo é aquele que
tem amadurecido o seu sentido de dever, equilibrado com o seu querer. Com isto, o seu
cálice chega a se encher. Disse Jesus: "Porque eu faço e vontade do Pai, o Pai também
faz a minha vontade." No mesmo sentido, declarava ouvir apenas o apelo daqueles que
fazem a sua vontade, e não dos que formalmente o chamavam de "mestre".
A grande chave está em humildemente saber pedir, reconhecendo o vazio em que se
encontra e as necessidades que se tem. "Pedi e recebereis", disse Jesus. A tigela do

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peregrino é feita de aspiração, humildade e integridade. O mestre mostra o caminho,
para que a pessoa possa chegar a ser naquilo que, ela própria deseja e pode chegar, mas
que é incapaz de alcançar por si só por se misturar o pessoal ao impessoal, e por desco-
nhecer a senda verdadeira do equilíbrio. O ego pessoal cega, sobre aquilo que deve ser
realmente feito. Como dizia Gurdjieff, todos estão atolados nisto, e apenas uma vontade
externa pode libertar. Neste caso, é prudente que seja a vontade de um ser espiritual e
liberado, para não se cair sob o jugo de outro ego qualquer, sem maior proveito
espiritual.
Certamente a tigela do peregrino não é apenas um símbolo de receptividade
intelectual; ela é também o cálice do coração. O buscador desejoso da "vida
abundante", reconhece que tem o coração vazio e deseja ser preenchido pelo amor
divino, pela beleza universal e pela paz que existe em toda a Criação. Tudo isto está
reunido na figura do mestre, aquele que tem a perfeita experiência de vida e conquistou
a coroa da realização.
Acaso não é este um dos significados da tigela vazia do Buda? É verdade que, ao
contrário de Gautama, Maitreya traz uma jarra repleta de néctar. O Mestre irá andar pelo
mundo à busca de taças limpas e sedentas pela água da Vida.

* O Mensageiro do Arco-Íris, 2001, Universidade Agartha, PoA.

95
Capítulo 22

Ação criativa e libertação do ego

DESDE OS TEMPOS DE KRISHNA, FICOU PATENTE que o problema do ego é aquilo que
mais imobiliza os buscadores da luz -verdadeiro assunto de castração espiritual,
portanto.
O egoísmo é algo natural na humanidade, e toda a criança é naturalmente auto-
centrada, de uma forma que não acontece nos outros reinos da Natureza. Daí a
importância da educação precoce e também da auto-reeducação posterior. Porém, na
busca por controlar o próprio ego no caminho espiritual, muita gente termina na
acomodação e na inação, ou seja, na alienação (algo assim também acontece na esfera
da psicanálise e da psiquiatria). Tal coisa acontece porque é sempre a própria pessoa
que está no controle, ou então acha-se sob orientação de maus profissionais.
Krishna procura mostrar que a inação é uma ilusão, desde o ponto de vista da
contenção do ego, produzindo meramente a omissão. De fato a ação vulgar pode
assomar forte egocentrismo, porém a resposta a isto não seria a inação, porque nisto
também existe ego. A pessoa apenas se esquiva da denúncia, da acusação, da oposição e
da concorrência. Porém, ela também castra o seu potencial criador e a sua capacidade de
serviço, ao optar por uma vida de atos pequenos auto-centrados, numa forma de elitismo
não-participativo. A solução é a ação desinteressada, coisa que todavia demandaria toda
a disciplina de uma ordem para purificar a ação.
O caminho espiritual é sutil e comporta grandes armadilhas. Muitos místicos e
ocultistas imaginam não terem ego só porque manifestam certo desapego formal ou
exterior. Na verdade, se sabe que o quinto céu budista é o dos deuses invejosos, como
os cíclopes da mitologia grega que vivem em contendas entre si, sendo estes mesmos
supostos iniciados que refinam mas também fortalecem o ego, e o auto-centrismo, o
separatismo, o elitismo, a auto-satisfação, a soberba e a torre-de-marfim da alienação
social (com todas as conseqüências morais que disto tudo resulta), ao se concentrar
excessivamente em si mesmos e facilmente perdem o controle quando não se sujeitam a
uma ordem, porque o caminho espiritual infelizmente leva muito mais à loucura do que
à sabedoria, por culpa das próprias pessoas no abuso do seu livre-arbítrio e na falta de
humildade para seguir um caminho regular. Por isto, sempre há de início nas ordens três
coisas das quais tudo o mais poderá depender mais tarde: silêncio, humildade e
obediência. Assim se contorna o ego que, aos poucos, vai se adequando ao seu
verdadeiro lugar.
A natureza humana tende naturalmente a excessos e a agir por impulsos. Muitas
vezes, isto se dá através da ação violenta, e outras vezes por omissão. Krishna, cercado
como estava de místicos apáticos, passivos e individualistas, teve que se ver

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especialmente com o problema da omissão social, daí haver enfatizado a questão da
inviabilidade (ou da inoportunidade) da não-ação. Em contraparte, pregou a ação
desinteressada do carma yoga, a “ioga da ação”, semelhante ao “anti-agir” taoísta e ao
“não-fazer” tolteca, coisas que demandam todavia muitas vezes uma estrutura espiritual
para funcionar.
O assunto foi dramatizado no Bhagavad Gita, verdadeiro libelo contra a alienação
social, através de uma guerra entre parentes que representava, seguramente, muito mais
do que a mera simbologia espiritual que os místicos muitas vezes querem ver. Embora a
conscientização do dharma e a sua difusão fosse a meta central, uma luta social também
estaria em curso, ainda que pudesse não envolver realmente armas.
Hoje em dia, temos a moda de “paz e amor”, geralmente movida a drogas, o que
demonstra o quão artificial e ilusória ela é. Para alguém chegar a ter paz e amor de
forma natural, profunda e consequente, deve transformar bastante a si mesmo e
provavelmente ao seu mundo também.
Muitos tampouco alcançam aprender e a se organizar para promover a mudança
interna e social, porque se deixam levar pelo anarquismo, que confundem com o
autodidatismo, também mais ou menos necessário nesta fase de reconstrução da
espiritualidade ocidental. Por mais que cultivemos um eu superior, o ego e a rivalidade
avançam firmes até a iluminação, a não ser que nos coloquemos firmemente a serviço
de um mestre vivo. Ademais, existe o aspecto social. Pensar em iniciação sem ter um
envolvimento pleno com o progresso do mundo, é ilusão e fantasia
Somente existe uma forma séria e segura de realizar isto, que é participando de uma
Ordem, ou de uma Hierarquia, onde reconhecemos superiores -e, é claro, inferiores
também, aprendendo assim a tratar da capital questão do aprendizado e do ensino, que
faz a base do elo social.
Tomemos o modelo da luta de Gandhi. Se reconhece que tudo aquilo não teria sido
possível, sem a influência de uma pessoa tão forte, experiente e determinada como o
Mahatma, para dar o exemplo e conter os excessos. Levar as pessoas à ação já é uma
dificuldade, porém uma vez que elas se mobilizam, é preciso também traçar as
estratégias contra os impulsos auto-destrutivos. Para chegar a isto tudo, o Mahatma fez
greves, protestos e jejuns. Gandhi se deparou com ondas históricas de pessoas
descontentes com a colonização inglesa, já na África do Sul, que foi o seu “laboratório”.
Diferente de Krishna para quem o problema era despertar para a necessidade da ação
então alcançar a ação correta, o trabalho de Gandhi foi sobretudo aquele de disciplinar
as ações, buscando uma vitória moral de impacto internacional que terminou por levar à
libertação da Índia. Este é o grande exemplo moderno que temos de ação social e
espiritual unidas, e muitos buscaram seguir os seus passos.

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Capítulo 23

As Duas Correntes da Iluminação

SÃO CONHECIDAS NA TRADIÇÃO UNIVERSAL, duas grandes correntes que tratam do


tema da iluminação, e que podem ser definidas como a Escola da Consciência (ou do
Amor) e a Escola da Energia (ou do Poder).
A Escola da Consciência, também conhecida como o Caminho do Lótus, trata de
desenvolver e trabalhar a qualidade da percepção humana, atuando sobre a capacitação
da mente no sentido de direcioná-la, controlá-la, pacificá-la e dirigi-la para metas
definidas, tendo como uma de suas bases o uso da ética. Este é o campo da mística e até
da religião, alcançando um apuramento filosófico através da compaixão e um
aprimoramento técnico pela meditação passiva. A iluminação mística que trabalha esta
Escola, não pode ser considerada definitiva, antes se limitando quase a insights,
demandando um esforço contínuo e a existência de um modo de vida restrito e
contemplativo, mantendo portanto uma separação pronunciada entre a vida comum e a
vida monástica. A sombra desta Escola é o fanatismo e a perseguição religiosa
fundamentalista.
Já a Escola da Energia, também conhecida como o Caminho do Raio, trata de usar a
mente de forma dinâmica e criativa, para forjar e alcançar energias capazes de elevar o
padrão vibratório do ser humano, tendo como uma de suas normas gerais o uso da
técnica. Este é o campo da magia e do ocultismo, alcançando um apuramento filosófico
através da astrologia e um aprimoramento técnico pela meditação mântrica. Embora sob
o risco de enfraquecer a consciência, a iluminação científica que trabalha esta Escola
pode ser considerada definitiva, já que dota o iniciado de grandes energias,
possibilitando assim uma integração maior entre todas as coisas e até a elaboração de
novas sínteses, dotando assim o ser humano de um expresso sentido de universalismo,
coisa esta especialmente sensível nas Idades de Ouro da humanidade. A sombra desta
Escola é a feitiçaria e o interesse pelo poder temporal desviado.
Há muitos sinais, mesmo naquilo que acima se descreve, da profunda
complementaridade destas duas correntes tradicionais. A menção do lótus e do raio (ou
da jóia), por exemplo, evoca o célebre mantra tibetano que exalta estes dois símbolos,
relacionados ao coração e à mente, respectivamente. De fato, o Budismo também
refunde as duas coisas no seu conceito máximo de Bodhicitta, a mente compassiva.
De forma semelhante, temos descrito as duas etapas da meditação, como pautadas
por uma fase passiva de purificação, seguida por uma fase ativa de criação, coisa esta
que reproduz em largos traços o sistema da Ioga Óctuple de Patânjali, resumida nos três
momentos do Samyama que reúne Concentração, Meditação e Identificação. É por esta

98
razão que, no mantra tibetano, primeiro se fala do Lótus (Padme) e depois se fala da
Jóia (Mani).
Estas colocações sugerem então, que haveria aqui certa hierarquia de métodos, ainda
que, de uma forma rigorosa, as duas coisa devem ser entrelaçadas, tanto que no
Budismo tibetano, elas estão representadas pela parelha tântrica Yab-Yum, descritos
comumente como a junção de Método e de Sabedoria. Cabe então evocar aqui as duas
correntes opostas da fisiologia sutil iogue, a Ida lunar e a Pingala solar, e que dever ser
reunidas e equilibradas na dança de ascensão da Kundalini.
De fato, uma dialética deve dominar estas questões, sob pena de termos um
desequilíbrio, pela ênfase apenas num dos fatores. Ao mesmo tempo, cabe fugir do
relativismo absolutista e imobilizante. Então, consideremos que a mente concreta e
inferior necessita realmente ser domesticada, controlada e direcionada; daí temos o
trabalho do Lótus. E uma vez que esta mente esteja sob controle, ela pode ser
empregada para realizar coisas nobres e superiores; assim teremos o trabalho da Jóia.

A Nova Escola

As técnicas em vista são escolhidas pelos buscadores, não apenas em função do


temperamento individual e também pelo grau de evolução de cada pessoa, mas também
em função da evolução racial ou coletiva. Naturalmente, a parte dinâmica soaria mais
dificultosa, daí a ênfase histórica no método contemplativo, ademais da humanidade até
então estar mais ou menos limitada nas suas capacidades criativas. O perigo do
dinamismo é de reincorporar o ego, porém este é um risco a correr –já que todos os
caminhos têm as suas armadilhas-, e existem mecanismos para preservar alguém deste
perigo, especialmente o sistema de Ordem e de hierarquia. O ensinamento de Krishna
também faz fincapé deste assunto, ao combater a inação e a passividade dos místicos,
instando-os antes a uma ação desinteressada, o chamado Karma-yoga.
Há também ensinamentos modernos que afirmam que a dinâmica das energias do
Ocidente e da Nova Era, demandam uma atitude espiritual ativa, fato este que estaria
aliás representado pelas posturas positivas do Buda esperado, Maitreya. Um destes
importantes ensinamentos é o da Agni Ioga, que ensina o trabalho com os fogos
cósmicos, havendo sido divulgado especialmente por Helena Roerich, e o qual Omraam
Inanhov prescreveu sob outras formas. Alice A. Bailey também tratou do tema com
apuro técnico, em obras como “Miragem – um Problema Mundial”. Outros ainda têm
usado o nome desta elevada ioga, mas de forma menor ou parcial.
A meditação passiva, depuradora e tranqüilizante, foi uma tônica da raça árya,
focalizada no plano mental. A nova raça que começa em 2012, já alcança focalizar a
energia do coração, ou o plano intuitivo, e para isto necessita empregar as energias
criadoras. Somente a técnica da meditação avançada e a iluminação científica, podem
trazer a consumação da jornada evolutiva humana e proporcionar a glorificação da alma
anunciada pelas profecias, a cristificação do homem, a redenção final, a superação
segura da segunda morte, a extinção das reencarnações e a ascensão de Kundalini –
enfim, todas as grandes Metas espirituais claramente anunciadas pelas diferentes
doutrinas.
A Meditação avançada necessita do esforço criativo da Jóia, a mente superior, para
forjar as energias que levam à iluminação total. Nesta mística, existe a simbologia da

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Pedra Filosofal que porta o Alquimista consumado, capaz de transformar o metal vil em
ouro. Trata-se da influência enobrecedora dos verdadeiros iluminados, que refinam e
fornecem uma visão superior às coisas. Tal influência e conhecimento, também é
importante para difundir a técnica da iluminação total, que demanda tal esforço criativo
para apurar as energias capazes de conduzir à consumação do caminho. Nisto, todos os
momentos e cada situação devem ser usados de forma criativa, sendo igualmente
importante o contato com um instrutor, a experiência de grupo e o esforço isolado.
De modo geral, todo aquele que deseja avançar nesta senda, deve preencher-se de
idealismo e de entusiasmo, até mesmo de heroísmo e de espírito de sacrifício, além de
usar o pensamento de forma dinâmica e praticar a mente criativa, na síntese progressiva
da luz, do som e do amor, que são a matéria-prima original da Mônada indivisa.
Somente assim, teremos o avanço seguro nos caminhos da iluminação, que é uma
conquista da vida toda e se destina a permear todos os aspectos da existência.

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Capítulo 24

Yoga e Felicidade

O SER HUMANO ALCANÇA A FELICIDADE sob determinadas circunstâncias. A pureza


da infância e o esplendor da juventude, naturalmente são doadores de alegrias e
contentamento. A custódia doméstica e a ausência de compromissos, facilita a sensação
de felicidade. Aquele que desperta para a espiritualidade através de um chamamento
interior, muitas vezes também conhece estados elevados de bem-aventurança. Porém,
tudo isto tem os seus dias contados, dentro dos ciclos da vida e da própria
espiritualidade. Daí a importância de se contar com uma verdadeira ciência espiritual,
capaz de promover estados de consciência profundos e a quantificação das energias
humanas.
A Ioga é uma prática rica e complexa, adquirida da observação do ser humano
integral, em seus estados mais avançados de consciência. Os estudiosos da psico-
fisiologia humana, perceberam a natureza dos ritmos humanos sob consciência
expandida e também nas etapas do sono, e trataram de buscar estes estados de
consciência através da observação das manifestações internas e exteriores do ser
humano nestas condições.
Para isto, foram empregadas todas as três formas de cultivar o conhecimento, a
saber: especulação, erudição e revelação. A especulação emprega as “pistas” das
informações para avançar no campo do saber e da realização, de forma mais ou menos
legítima. A erudição recolhe as informações existentes e fomenta sínteses. E a revelação
se vale de tudo isto e mais uma vocação profunda, para dar acesso à uma realização
direta e bastante avançada.
As observações abarcam, na realidade, elementos de todos os três planos da evolução
humana, culminando na iluminação (que trataremos no item seguinte). Este conjunto de
técnicas científicas foram então codificadas por Patânjali na sua Ioga de Oito Etapas
(Astanga Yoga) –ver item seguinte. Tudo começa na ética, com atitudes a serem
evitadas (Yama) e condutas a serem cultivadas (Nyama). Depois vêm as séries de
posturas físicas (asanas), seguidas pelas práticas respiratórias (pranayama). Então
existe a transição do Pratyahara a “Abstração” dos sentidos, para começara etapa
superior da yoga propriamente mental, através do chamado Samyama que inclui
Dharana (“Concentração”), Dhyana –(“Meditação”) e Samady (“Identificação”).
Neste verdadeiro inventário técnico, uma atenção toda especial foi dada à respiração.
Se percebeu que o ritmo respiratório do estado de plenitude (e do sono profundo) é
profundo e tranqüilo, podendo às vezes quase parar ou se tornar imperceptível. Uma vez
que o pensamento também estava tranqüilo, se viu que ambas as coisas terminam por
estar ligadas, e que a respiração seria uma chave para o controle mental e a pacificação
da mente, e não o contrário porque agarrar o pensamento é mais difícil.

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Esta tranquilização da mente é importante não apenas para a saúde integral, mas
também para dar acesso a estados mais profundos de consciência e a percepções
transcendentais do mundo. Num está mais avançado, o próprio pensamento pode ser
empregado de forma criativa para catalisar as energias espirituais, visando tudo isto
fornecer a iluminação total. Tanto os insights de consciência profunda como a
iluminação total, são provedoras de paz, shanti, e de gozo, ananda. Além de
inteligência, percepção aguçada e até mesmo clarividência e outros poderes iogues. De
modo que este quadro confere ao ser humano um estado de felicidade e de realização.
Ademais, a verdadeira felicidade, como um estado de consciência harmônico e
equilibrado, é também fruto do equilíbrio cósmico, quer dizer, que abrange
paulatinamente todas as dimensões da vida. Por isto o Dharma de Maitreya oferece um
inventário dimensional que se resume a quatro iogas ou caminhos progressivos de
unificação, a saber:
1. Karma Yoga para unificar o passado e o futuro, e assim organizar a Primeira
Iniciação. O manejo das ações através das intenções subjacentes é uma das mais antigas
e fundamentais yogas, visando assim controlar o destino e abrir os caminhos superiores
do ser humano.
2. A Tantra Yoga para unificar o masculino e o feminino, e assim organizar a
Segunda Iniciação. Também conhecido como Shakty Yoga, trata de harmonizar as
energias do homem e da mulher e assim preparar o caminho das almas gêmeas.
1. A Guru Yoga para unificar o superior e o inferior, e assim organizar a Terceira
Iniciação. Abrange a antiga Bhakty Yoga, da qual é uma dimensão superior porque
inclui conhecimentos ocultistas profundos. Abrange a antiga Bhakty Yoga, da qual é
uma dimensão superior porque inclui conhecimentos ocultistas profundos.
4. A Laya Yoga para unificar o interior e o exterior, e assim organizar a Quarta
Iniciação. Trata de dissolver os véus de maya que separam o real e o ideal, a imaginação
e a realidade, além de envolver processos criadores.

Além da Ioga

É certo que não podemos pretender colher sem haver antes semeado. De todo modo,
estamos chegando a um novo momento da evolução, quando uma farta colheita de luz
será possível, coisa esta que pode estimular muitos a realizarem a sua própria semeadura
com segurança de causa, na certeza de colher no prazo mais curto possível. Afinal,
quanto mais avança é a evolução, mais sumárias se tornam as etapas anteriores,
especialmente porque a sua realização se demonstra segura e consumada em certas
esferas.
A meditação mística, esta técnica espiritual comumente considerada a mais avançada
que existe –no plano da evolução humana, com certeza-, tem sido chamada por nós de
“ioga do plano mental”. Ora, a esfera mental é aquele plano de trabalhos da raça árya,
cujo ciclo encerra em 2012 segundo os antigos maias-nahuas. Com isto, estamos na
segurança de poder tratar das coisas da mente com pleno conhecimento de causa.
Aquilo que existe “além da meditação”, pertence já ao foro da iluminação e do plano
búdico. Representa assim uma condição de consumação, por isto está relacionado aos
objetivos últimos da evolução humana e integra todas as metas proféticas. A condição
humana é quaternária (a Humanidade é o quarto Reino da Natureza), de modo que

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apenas na quarta iniciação as suas metas evolutivas são atingidas, através da fixação da
Consciência. Tal coisa envolve os Mistérios do Coração, que é o quarto centro de
evolução, através da iluminação plena mediante a ascensão da Kundalini, a força da
Shakty (a gloriosa Shekinah de Iahweh) ou a síntese da energia feminina de criação,
diretamente relacionado ao puro Amor, essência que é da Consciência.
A expressão “trismegisto” já indica que os mistérios mentais são trinos ou fundados
em três partes, afinal, se trata do terceiro plano de evolução (tal como a raça árya é o
terceiro ciclo humano). Aparentemente, este tipo de divisão acompanha todos os planos,
fazendo das suas estruturas uma analogia do seu todo evolutivo. No caso do plano
búdico, podemos citar quatro conquistas, através da Eternização da consciência, o Poder
curador, a Alma-gêmea e a Bem-aventurança. A Alma-gêmea fornece poderosa
motivação para vencer as provas e o Poder curador sara as feridas que elas podem
acarretar, ao passo que a Bem-aventurança conforta e plenifica a alma, também segura
de alcançar a sua Eternização. Naturalmente, nisto tudo entra o amadurecimento da
compaixão do iniciado, que luta igualmente em nome de todos para sobreviver e trazer
ao mundo uma nova luz.
Também podemos dividir a mente em três esferas, a saber: concreta, abstrata e
criativa. Esta última já se confunde de certa forma com o plano búdico seguinte, ou
intuitivo. Tudo pode ser “criativo” na vida, contudo, esta fase final da mente apenas
pode ser realmente conhecida através do exercício de meditação interna dinâmica.
Modo geral, dividimos a prática meditativa em duas etapas, mais afeitas à divisão
teosófica deste plano portanto, ou seja: uma etapa passiva de tranquilização e
concentração, e depois outra etapa dinâmica de expansão e criação. Na primeira etapa,
podemos fazer uso da respiração, assim como da abstração das idéias. Na última, vale
usar a imaginação, técnica relacionada ao processo criador ou multiplicador de energias,
especialmente quando voltado para as coisas sutis. Aqui temos, pois, um “roteiro”
sumário da meditação completa. O tema está relacionado sobretudo às etapas finais do
Ashtanga Yoga de Patânjali, ou a “Ioga de Oito Partes”, conformada na sua totalidade
por:

1) Yamas – Restrições (ética passiva)


2) Nyamas – Prescrições (ética ativa)
3) Asanas - Posturas
4) Pranayamas - Controle consciente da respiração
5) Pratyahara – Abstração
6) Dharana - Concentração
7) Dhyana - Meditação
8) Samady – Identificação, Contemplação

As três últimas fases conformam o Samyama, o tríplice corolário da Yoga de


Patânjali, configurando mais propriamente as etapas da meditação. Porém, tanto o
Pranayama quanto o Pratyahara, também participam ativamente na meditação, fazendo
uma transição e uma preparação para o controle mental. A postura também faz parte
disto, embora se trata de uma postura mais ou menos fixa, assim como, é claro, as
energias concentradas graças às atitudes éticas.

103
O Samady final às vezes é associado à iluminação, mas na verdade se trataria aqui
antes de uma Identificação, que é a meta da yoga, vista como a busca da Identificação
ou yug (raiz da palavra yoga), que significa subjugar, controlar (a mente), donde a nossa
expressão “jugo”. A palavra yoga significa “união” semelhante a religião, do latim
religare, “religação”. Assim, a iluminação seria também a meta e a superação da
religiosidade, tal como entendida habitualmente de salvação da alma, por exemplo.
Tema sutil e refinado, a iluminação (samadhi, nirvana) costuma ser interpretada e
descrita de forma múltipla, existindo também na Yoga e no Budismo, classificações
para as sucessivas “etapas da iluminação”.
A rigor, contudo, a iluminação perfeita vai além da pacificação mental e é um
corolário ulterior da yoga, técnica esta definida por Patânjali como
yogascittavrttinirodhah, ou seja: “Ioga é a parada das modificações mentais”. Não
casualmente, quando trata das “técnicas” existentes além da terceira iniciação, Alice A.
Bailey quase se reduz a mencionar as “variantes da identificação” (a identificação é,
sabidamente, uma das bases da compaixão). A iluminação é o mundo além da mente,
embora já use a mente de forma livre e criativa.
O plano búdico ou quaternário é chamado “Mar de Fogo”, um mundo auto-criado de
energias divinas, que levou São Paulo a afirmar que “nosso Deus é um fogo
consumidor” e Jesus a dizer que “o Pai tem a vida em si mesmo”. Para chegar este plano
de glórias eternas, é preciso fazer a preparação do mental superior chamada “a travessia
da terra ardente”. Aqui entra a fórmula rosa-cruz que afirma: “para teres acesso ao fogo,
acende uma chama.”
Esta chama espiritual é Trina, porque a Mônada ou o Logos são sabidamente trinos,
podendo suas energias ser qualificadas como Som, Luz e Amor. São energias
relacionadas à Trindade e à Trimurti, e perspassam todos os planos de forma mais ou
menos integrada. Para efeitos sugestivos, tratamos de formular as três fases da
meditação completa nos seguintes termos (deixando o resto com a intuição do
estudante):

Fase 1: Som, Amor e Luz.


Fase 2: Amor, Som e Luz.
Fase 3: Luz, Som e Amor.

Assim, o Som (que é o Pranava, ou o OM) é o princípio básico e mais material,


característico da fase 1. Logo, surge a preponderância do Amor (que é Karuna,
compaixão), na fase 2. Para tudo concluir no predomínio da Luz, na fase 3 de
conclusão, quando deve existir uma perfeita integração e harmonia dos princípios,
devidamente sinalizada. Embora não ainda a fusão destes três princípios, que é a
iluminação em si, que acontecerá através do processo descrito como “ascensão de
Kundalini”, cujos três Nadis ou correntes correspondem na sua essência e em termos
práticos, a estes mesmos princípios harmonizados de Som, Amor e Luz.

A essência da Yoga

Em “Ioga – Imortalidade e Liberdade”, Mircea Eliade demonstra que a verdadeira


essência da yoga de Patânjali é a prática de ekagratha, palavra sânscrita que significa

104
(fixação) “em um único ponto”. Afirma que tal coisa objetiva a própria definição da
técnica da yoga, descrita como: “yoga é a detenção do fluxo mental” (em sânscrito:
yoga citta vriti nirodha, Yoga Sutras, I, 2).
Diz então Eliade: “O primeiro dever do iogue é pensar, isto é, não se deixar pensar.”
Chega a afirmar que somos comumente “pensados pelos objetos”, e que não temos o
controle real dos nossos pensamentos. Com isto, sugere que a meta real não seria anular
a mente e deter os pensamentos, mas sim controlá-los. Segundo Patânjali, os poderes da
yoga também são obtidos através da concentração em objetos definidos.
Porém, parece que Eliade avança um pouco sobre o conceito de ekagratha, ao sugerir
o uso ativo do pensamento. Se analisarmos a Astanga Yoga de Patânjali, iremos
encontrar a idéia de concentração na própria base do Samyama, através do conceito de
dharana. Este estágio confere o controle mental, preparado pela etapa anterior de
abstração (pratyahara).
Como já temos demonstrado, existe um vínculo entre Dharana e a raça atlante. De
fato, a concentração está relacionada ao sistema vegetativo, e existe o risco de alguém
querer se “especializar”, tomar gosto especial pelo assunto e se tornar uma pessoa
contemplativa, isolando-se da dinâmica da vida, deixando de auxiliar os outros e
detendo a sua própria evolução. Tal coisa está, na verdade, muito próximo do efeito de
“paraíso artificial” que induzem certas drogas. É claro que o processo natural já é uma
virtude, porque resulta de esforço e de controle, porém tal coisa não deve ser vista como
uma meta.
Na filosofia tolteca de Carlos Castañeda, onde os guerreiros místicos se dedicam
bastante à concentração e não raro usam plantas-de-poder como auxiliar, existe a
cautela com as “armadilhas da segunda atenção”, que é justamente a tendência
contemplativa facilitada por tais plantas enteógenas, produzindo tentação fatal numa
ilusão de eternidade tão forte, que eles desejavam desencarnar ali mesmo na tentativa de
fixar o momento para sempre -o que era todavia uma simples ilusão induzida pelo efeito
momentâneo da droga, já que o guerreiro não tinha realmente aquele poder pessoal
incorporado, razão pela qual os naguais diziam que os “antigos feiticeiros morriam
como moscas”.
Neste caso, a etapa na qual se exercita o pensamento com soberania, já diria respeito
ao momento seguinte de meditação (dhyana), que pode ser analisada como “meditar”,
ou seja: criar de forma dirigida, para um objetivo em vista. É o exercício criativo da
mente, pois, que permite despertar as energias superiores, a clarividência e finalmente
ativar a intuição ocultista, quando temos a realização do Samadhi ou a iluminação.
O ensinamento básico de Krishna em torno do carma yoga, não estava errado e nem é
desatualizado. Porém, hoje em dia deveríamos contar também com uma axiologia
mental, para sabermos realmente o que fazer com a nossa mente nos tempos modernos.
No ciclo áryo, se tratou muito do assunto, porém vivemos hoje novos tempos e, além
de restaurar verdades perdidas, devemos poder contar com novas idéias e práticas. Hoje
necessitamos ter acesso ao pensamento criativo, e não considerar o controle mental
como uma dificuldade, embora caiba praticar sob condições adequadas. Não se trata
tanto de capitular às dificuldades do controle mental, em função do caráter ativo do
Ocidente e da turbulência das energias modernas, como já tem sido sugerido. Se trata,
isto sim, de avançar na prática, até aquele estágio no qual já não se está sujeito ao
descontrole, que é a própria meditação.

105
Capítulo 25

A Linhagem do Graal

O GRAAL TEM SIDO SEMPRE UM MISTÉRIO DE LINHAGEM, onde cada Portador entrega
ao seu sucessor a Súmula dos Mistérios que ele representa.
O primeiro contato com uma verdade, deve ser necessariamente exterior, porque o
ser humano está de início polarizado em seu próprio mundo externo. Através deste
contato inicial, é que ele poderá começar a se interiorizar.
Assim, a primeira forma de alcançar o Graal, é conhecendo o seu Representante, ou o
Portador atual. Ele é o conhecedor da Palavra Perdida que o Graal preserva –e também
das outras Palavras que conduzem a ela.
É ele que poderá ensinar, ao buscador sincero, a Palavra que o Graal vela. De posse
desta Palavra, o iniciado pode alcançar a imortalidade.
A Vida Eterna da Alma, está acessível a todo aquele que não julgar caro demais este
preço.
O tolo, julgando caro, voltará as costas e perecerá.
Mas ao compreender o preço que pagou o Primeiro-e-Único para resgatar o Cálice
diretamente das profundezas esquecidas, o sábio julgará o que lhe pedem, ser o mais
justo dos preços.
Eis que, na derradeira curva dos tempos, quando a Terra está gasta (devastação) e os
tempos envelhecidos (Idade Negra), é dado o grande Chamamento pelo Graal, a busca
na qual apenas um termina por alcançar o final, em parte por esforço, em parte por
benção.
Esta grande seleção visa escolher um Mensageiro, o Abridor da Linhagem, trazendo
o signo das Novas Coisas. Assim determina a Grande Lei, para compor a Unidade do
Mundo.
A partir dali, se abre a Trilha da Iniciação, onde as buscas já não serão solitárias, mas
integradas em todas as esferas: superior, lateral e inferior.
Do alto vira a benção e a instrução. Ao lado haverá a parceria e a colaboração. Na
base terá o serviço e a coordenação. E assim, o mundo todos estará unido, e a ordem
luminosa regressará na Idade de Ouro esperada.
A Escola Iniciática é a via aberta destinada a todos os buscadores, depois que o Graal
foi reencontrado no fundo do lago do esquecimento.
De fato, o sábio se regozijará ao perceber tanto por tão pouco, e dará graças aos céus
a cada novo dia abençoado...

A Escada de Ascensão

106
Eis que a Linhagem do Graal começa. O templo do Céu abre a sua embaixada na
Terra.
Existe, não obstante, toda uma preparação para chegar a isto. Um caminho deve ser
recorrido, um caminho doce na Senda comum.
Um tempo mínimo é determinado: dez anos, sob a clave da Tetraktys. Para cumprir
este prazo, cabe seguir todos os preceitos da Regra Trina do Amor, ou seja: amar o
Criador, amar a Criatura e amar a Criação.
Na literatura própria, o Graal é Pedra, Livro e Cálice. Isto é: Mani, Padma e Jnana. É
a Tríade espiritual da Alma, o Descenso da Revelação, no Sendeiro de Retorno de
Albion: a Revelação Tetralucis, o Graal em si.
Mas na sua base, também está a Tríade material da Personalidade, a Escada de
Ascensão, no Sendeiro de Ida de Asgard: a Instrução Trismegisto, a Excalibur.
E uma é o reflexo perfeito da outra.

tetralucis As 4 Hipóstases do Verbo


4. Palavra Perdida: IOD

OM 3. Palavra Oculta: HE
AUM 2. Palavra Sagrada: VAU
AMEM 1. Palavra Mística: 2a HE
Aquele que alcançar o Graal, conhecerá a Palavra que conduz à Imortalidade

Cada raça opera as suas sínteses, simplificando os esforços das raças anteriores. Por
isto o instrumento de hoje é a Palavra, expressão do Conhecimento, conformando as
Quatro Hipóstases do Verbo que, estruturalmente, atuam em termos cíclicos dentro dos
padrões do Manvantara e também da Tetraktys, abaixo.

Tetraktys

A Tríade Material está formada ou resumida, por três Palavras manifestadas, cada
uma mais sutil e refinada: AMÉM, AUM (AYAM) e OM.
Isto representa: Orar, Decretar e Mantrar.
O Amén ou “Assim seja” da oração, está relacionado à obediência e à aceitação da
lei revelada de Deus, que permite a entrada na Senda.
O AUM na forma tripla expressa a depuração emocional, levando ao decreto AYAM
ou “Eu Sou” do discipulado.

107
E o OM dual do mantra representa a unidade mental, a força criativa do Verbo,
levando à iniciação ocultista.
Para além destas Palavras, jaz a Voz do Silêncio: sons sublimes que o ouvido
humano não é capaz de compreender.
A Palavra manifestada também é Excalibur. A energia que deve ser domesticada,
depurada e apurada.
O domínio da espada é o Ascenso pelas Espirais do Dragão, a Kundalini dos iogues.
Quando o guerreiro alcança a ponta da espada na iniciação solar e a sua meditação
produz frutos de alegria, mostrando que ele é em verdade um cavaleiro que domina
todos os seus veículos, através do alinhamento da Personalidade, ele tem uma sucessão
de quatro grandes revelações, a saber.
1. Inicialmente ele vê Deus, face a face, como Moisés viu o Senhor como sarça
ardente no alto do Monte Horeb no Sinai. Assim ele tem a confirmação da sua fé e uma
recompensa por seus esforços..
2. Depois, ele tem um vislumbre do Graal perfeito na forma da sua alma-gêmea, a
sua Predestinada única, que lhe mostrará a realidade do céu na terra e revelará a
realidade do sacramento do matrimônio, o que também poderá destroçar o seu coração
para sempre no caso de separação, em função do item seguinte.
3. Na sequencia, devidamente fortalecido por estes dois grandes alicerces sagrados,
ele poderá conhecer o Mal em toda a sua força, e saberá horrorizado da Loja Negra
como jamais terá imaginado, e então ele será provado até a morte.
4. Finalmente, se for ele um guerreiro perfeito digno de tudo o que recebeu até então,
provará da iluminação transformando a sua espada em ouro puro e em fogo eterno,
ascenderá Kundalini e se tornará um sol vivo, e então a imortalidade será sua para
sempre.
Aqui ele encontrará a grande Paz, na recompensa eterna dos seus esforços, e terá a
energia da cura e a consolação do amor espiritual, e deste modo o seu Graal interior
estará repleto. Doravante, a dama sagrada que ele vier a encontrar, também se tornará
um Graal para o seu Sangue real enobrecido pela iluminação verdadeira.
Assim, de certo modo o Cálice está acima da Espada. Todo aquele que demanda pelo
Graal, vê luzir o Cálice no brilho da sua Espada que reluz.
Porém, somente aquele que souber brandir com maestria a Espada, abrirá caminho
para alcançar o castelo do Graal.
Diante das Portas de Ouro, o Demandante deve proferir a sua Senha. Ele deve
conhecer de antemão a Palavra capaz de abrir os portões do Tesouro Eterno.
Na saída, ele venceu através da sua Oração. Na jornada, ele superou os obstáculos
através dos Decretos. E na chegada à fortaleza, ele ainda deve solicitar o ingresso
mediante a Senha perfeita.
Garboso é o cavaleiro que alcança o Palácio do Graal. Como um cisne ele se
aproxima, e como tal ele emite o seu último canto.
O cisne parece desfalecer em seguida, como se a sua alma saísse pela boca. Mas no
seu lugar entra o espírito, repleto de luz e radiância, anunciando as suas Bodas eternas.
Então ele já não necessita apelar para nada mais, quando se vir dentro do castelo na
Sala dos Tesouros, que será seu para sempre.

108
Capítulo 26

O dilema da Humanidade

A SUA CONDIÇÃO CENTRAL NO SETENÁRIO dos reinos da Criação, faz da Humanidade


aquele centro particularmente apto e necessitado de exercitar a harmonia dos opostos.
O vínculo humano com a Natureza é óbvio –muito embora as “teorias creacionistas”
invistam noutras ramas-, porém, à medida que a humanidade avança, ela também
necessita receber cada vez mais influência das forças superiores, como condição da sua
própria evolução, sob pena de fomentar energias viciosas, dentro das enormes
potencialidades do reino humano que, afinal de contas, é detentor do livre-arbítrio, mas
nem sempre sabe exatamente o que fazer com ele, como demonstra o Pecado Original,
que é a ilusão da possibilidade do ser humano poder viver no Paraíso sem a orientação
superior.
Dada esta sua posição, não é difícil imaginar a que conflitos esteja sujeito o reino
humano, seja no tocante ao próprio atavismo biológico e aos instintos naturais, seja
quanto a forças cármicas oriundas da sua própria evolução, em parte relacionadas a
hierarquias desviadas que terminaram por compor forças do Mal, atuando em muitas
frentes na Terra, por vezes as menos suspeitas.
Na primeira metade da evolução humana, a humanidade contou mais com o auxílio
das forças primitivas da Natureza, culminando tal coisa nas práticas xamânicas. Porém,
a partir da metade da evolução racial, mais exatamente em meados da terceira raça-raiz,
a divindade passou a influenciar a humanidade e se reorganizou a vida social (ciclo
lemuriano), depois se instituiu a religião (ciclo atlante) e em seguida se implantou a
civilização (ciclo áryo), para tudo vir agora a se consumar através da planetarização da
consciência (ciclo americano).
O reino humano tem as suas próprias metas evolutivas, e é isto o que realmente
importa aqui. Sua meta humana básica, seria mesmo aquela de fomentar e de fixar a
consciência, entendida também como “Alma”. Porém, é muito importante saber que esta
questão não pode ser isolada da iniciação, como tendiam a fazer os emotivos atlantes. O
ciclo áryo fomentou a iniciação científica, favorecendo o uso da razão e da técnica
ocultista na espiritualidade, e dando à magia um caráter luminoso e libertador de
síntese. A verdadeira magia árya, está relacionada ao culto do fogo e à meditação, e aqui
entra a questão da Ciência e da técnica em todos os níveis.
A Consciência é uma realidade central, que surge do contraste dos opostos. Daí estar
de tal forma associada à humanidade. A magia mais primitiva estava relacionada ao
poder, depois veio a magia atlante mais associada à consciência (donde os cultos de
imortalidade), para finalmente surgir a magia árya com a conotação do conhecimento.
Assim, existe uma tendência humana natural de se fixar na questão consciencial, e
desprezar a técnica que envolve o treinamento metódico capaz de levar à iniciação. Ora,

109
a “consciência” é uma realidade que se assemelha a vôos de percepção, e é uma parte na
qual os homens se assemelham às águias –mesmo quando se trata de uma percepção
distorcida ou parcial dos fatos.
Por sua própria natureza, a consciência está relacionada ao fator emocional e à
sensibilidade. Assim, ela está sujeita à paixão e ao desejo, mas também, nos casos mais
elevados, ao amor e à compaixão. Esta sensação de abrangência, real ou aparente,
sobretudo no caso dos místicos, pode induzir à ilusão da percepção expandida capaz de
leva ao anarquismo, ao elitismo, à separatividade e à alienação.
Em muitos casos, o fato de ver aproximadamente a Meta, tem levado muitos a
confundirem esta visão com o caminho, e se tornarem daí viciados na visão/sensação
idílica, e a esquecer que existe um caminho a ser trilhado para realmente se chegar lá.
Aqui entra, pois, o papel da Escola Iniciática para iluminar os caminhos humanos, e
assegurar a verdadeira evolução do ser, não somente no plano da consciência, mas
também das energias em geral.
A Escola assegura a regularidade da evolução, assinala as suas etapas e define
procedimentos propiciatórios, aproveitando e dinamizando os potenciais de cada etapa,
integrando devidamente a pessoa ao contexto da vida e retirando-a do subjetivismo
individualista. Coloca o indivíduo num plano de serviços, portanto, integrando-o aos
mais altos sistemas de evolução, corroborados na sua escala mais elevada pela própria
divindade.
Assim, a Escola Iniciática surge como uma dádiva e uma revelação, vinda desde o
Mais Alto para servir como esteio para toda a evolução humana. Ela se destina a fazer
líderes e sábios, assim como pessoas justas e honestas, inspiradas pelos ideais de
evolução, fraternidade e libertação.
Ora, a realidade plena da Escola de Iniciação, é questão que remonta em princípio à
própria divindade manifestada, modelo exímio de Microcosmo, como Adão feito à
imagem de Deus, consumando a premissa hermética “assim como é em cima é em
baixo...”
Já a questão “consciencial”, é coisa que vem sendo trabalhada desde sempre, pois os
primitivos xamãs já exploravam a “expansão da consciência” com plantas-de-poder,
como muita gente segue fazendo ainda hoje, geralmente de forma abusiva e
inapropriada, tornando extremamente nocivo aquilo que já em si é perigoso, levando ao
desequilíbrio psíquico a alguns e ao inchaço do ego a muitos, sobretudo à ilusão de que
tais experiências representam alguma forma de realização, e não meramente insights
temporários. Para estas coisas, vale o ditado paradoxal que diz: “só faz bem uso quem
não precisa”. Pois apenas estes saberão tirar todo o proveito desta experiência, inclusive
ao usá-la com parcimônia, como mera referência e fonte de informação interna, e nunca
como fator-de-dependência e de alienação-de-si, vindo depois a buscar a Escola
Iniciática para tratar de percorrer a senda da auto-transformação verdadeira e definitiva.
O vulgo tende a se apegar às drogas e às plantas-de-poder, porque não possui
disciplina para se entregar às práticas espirituais. Isto já mostra que ele não é um
verdadeiro iniciado, embora se agarre ao seu “paraíso artificial” que lhe oferece “tintas”
de espiritualidade (na verdade apenas alguma paz e energia), cobrando para isto um
preço insuspeitável. Apesar disto, são estes exatamente que depois saem por aí dizendo
que “ninguém precisa de mestres”. A experiência interior da planta-de-poder não pode
ser confundida com iniciação, e aquele que conhece a expansão da consciência apenas

110
através destes meios, não pode se considerar um iniciado, mas um simples “visitante”
do mundo espiritual.
Para este, como também para todos a princípio, a religião tradicional oferece
respostas muito mais seguras e verdadeiras. A fé, a devoção e o serviço são, estes sim,
introduções ao universo da iniciação, de modo a quase dizermos que os crentes das
seitas evangélicas, estão mais próximos da iniciação do que os usuários regulares de
drogas e plantas-de-poder.
A forma mais correta de expandir a consciência, é através da religiosidade
convencional, com fé e devoção, assim como no serviço ao próximo e a Deus. Dentro
do caminho espiritual, existem experimentos que podem ser feitos, seja na forma da
viagem astral ou através da meditação. Tudo isto é bastante válido. A chamada
“projeção da consciência” ensina sobre a nossa essência hominal, embora não assegura
a imortalidade, como alguns podem chegar a pensar, porque a “imortalidade da alma”
apenas se consolida na iluminação. E a meditação expande gradativamente a
consciência e acelera as energias internas, preparando para a definitiva experiência da
iluminação. Nisto existe toda uma hierarquia de técnicas, que o praticante deve procurar
conhecer, a fim de adotar as medidas adequadas para cada etapa, sem precipitação mas
tampouco sem tardança.
A meditação é, como “ioga mental”, uma técnica que tem sido praticada
coletivamente pela humanidade deste o ciclo racial áryo. Na nova raça-raiz, a
humanidade poderá ir ainda além disto, consumando os objetivos da meditação para
alcançar a própria iluminação. Nada disto significa, porém, que as etapas tradicionais da
iniciação possam ser negligenciadas: elas podem ser tão somente simplificadas, com o
passar do tempo. Mesmo um avatar (e sobretudo ele?) deve “começar do início”
regularmente, sem “queimar etapas” e nem pretender “tomar atalhos”.
A saúde e a ecologia também contribuem para expandir a consciência, além da ética,
a humildade, a simplicidade, o respeito e a devoção. Nisto, vale mencionar a síntese do
Evangelho da Natureza, sua trindade na forma de Criador-Criatura-Criação, como
expressão das três revelações divinas: a do Pai (com Abrahão e Moisés), a do Filho
(com Jesus e Maomé) e a do Espírito Santo (com São Francisco e Maitreya). A
observância destes três princípios divinos, permite a salvação, logo a iniciação e
finalmente a iluminação.

O desafio humano do equilíbrio

A conquista do equilíbrio em “todas” as coisas, representa a grande meta da condição


humana, e também um grande desafio, dadas as dificuldades inerentes a este objetivo de
inclusão.
Cada sucessiva iniciação humana, é a resposta ao desafio de harmonizar alguma
dimensão cósmica na própria existência. E assim o ser humano vai evoluindo na sua
capacidade de incluir e de harmonizar, não obstante o dilema de ter de renunciar a cada
degrau para evoluir, coisa esta que ele apenas pode realmente compensar através do
convívio social entre pessoas de diferentes evoluções, assim como pela influência
unificadora dos Mestres.

111
Pois a Hierarquia, por sua vez, já está fixada no equilíbrio, razão pela qual nela se
podem desdobrar os mistérios da Outra Margem da vida, vivendo e elucidando-se neste
centro uma nova forma integrada de existência.
A forma real que adquire tal conquista, não é outra que a iluminação, quando as
energias do céu e da terra se combinam e a alma ou a consciência é estabilizada,
garantindo-se de resto a sua imortalidade espiritual e resolvendo daí em definitivo o
supremo dilema da condição humana.
Até alcançar a iluminação verdadeira, vista como quarta iniciação e relacionada
efetivamente ao plano búdico e não ao mental, é notável que o ser humana oscila
bastante, inclusive entre os extremos, como é natural mesmo acontecer, afinal ele está
em evolução e esta acontece por etapas e pela própria experiência dos opostos
inicialmente, porém ele também deve se cuidar para não ficar preso aos extremos e ver
isto apenas como um meio e não como um fim. O caminho da iluminação está proposto
no hermetismo pelas fórmulas da Tábua de Esmeraldas, simbolizando esta esmeralda a
jóia divina ou mônada presente no coração e ativada através do despertar pleno deste
quarto centro. O caminho da libertação, é apontado como uma ascensão ao céu seguida
por um descenso à terra, permitindo a conquista das forças superiores e inferiores.
De fato, a busca da iluminação é uma via ascensional, o chamado “Caminho de Ida”,
porém uma vez alcançadas as forças superiores, tem início uma via descendente ou o
“Caminho de Retorno”, quando o Adepto necessita muitas vezes inclusive refazer a sua
integridade psicofísica, comprometida nas provas do caminho. Claro que a condição de
Adepto de quintessência, já supera a da humanidade comum, que é quaternária. Assim,
é próprio da humanidade vivenciar a experiência da cruz espiritual, em qualquer medida
que seja, daí a religião ser a essência da sua própria cultura.
Uma vez alcançada e superada a própria iluminação, os Mestres passam a vivenciar
as energias da quintessência que sintetizam as energias humanas, razão pela qual a
cultura por eles expressa comporta uma grande unidade e total permeabilidade. A partir
deste ponto, a humanidade pode ser amplamente beneficiada, na medida em que se
coloque como aprendiz da Hierarquia, capacitando-se assim a evoluir e a se organizar
de forma superior.
O controle dos elementos dá acesso à quintessência, que é o dom da Maestria. A
Maestria representa a síntese dos elementos, e na verdade se trata da unidade original
das coisas, vista desde um ângulo da revelação divinal. Através disto se tem a bíblica
noção da criação humana a partir da imagem divina, pois o Plano cultural ao qual a
humanidade está sujeita, deriva de uma revelação superior e não se reduz meramente a
um “evolucionismo” cultural, não obstante por questão de didática a humanidade ser
superiormente orientada através de uma evolução cultural, que segue ainda assim um
plano criterioso distinto daquilo que seriam as “vias naturais”.
Sucede que a questão do livre-arbítrio coloca a humanidade numa condição muito
especial mas algo suscetível, e na verdade este livre-arbítrio também se afirma através
da própria evolução espiritual, apesar de se sujeitar da mesma forma à corrupção. Este
dom apenas foi realmente concedido sob um Plano maior de orientação humana para o
superior, do contrário ele não poderia existir sob pena de auto-destruição da espécie.

112
Capítulo 27

A Espada da Verdade

É COMUM OS MITOS E FILOSOFIAS, MOSTRAR a reunião dos símbolos da Espada e


do Livro, ou unirem numa só deidade a guerra e a sabedoria. É o que se observa na
China, na Índia, no Tibet, na Grécia, em Roma, na Maçonaria, etc.
A figura do Bodhisatwa tibetano Manjushri (Jampel Yang, em tibetano) é muito rica,
representando “a sabedoria transcendental, que deve ser usada para se libertar de
amarras cármicas”. Em suas mãos ele porta uma espada-de-fogo e um livro, e por vezes
cavalga um leão branco, que é o nome do Trono do Tibet (um paralelo poderia ser feito
aqui, com o cavalo branco das profecias do mundo). A espada representa a mais alta
espiritualidade e o livro é a sabedoria e o dharma, sendo o trono do leão a autoridade
social suprema, reforçado por sua relação com o Elemento Água.*

Acontece que o conhecimento correto, abre o caminho da reta ação e até para o
poder. Isto não é pouco, porém, há mais. Em muitas Tradições, o próprio Verbo da
Divindade é apresentado como uma espada. Citemos:
“(...) a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada
de dois gumes.” (Hb 4, 12)
“E da sua boca saía uma aguda espada, para ferir com ela as nações (...)” (Ap
19, 15)
A Pedra do Sol (1.000 d.C.), calendário asteca, mostra o Logos com uma faca-na-
boca.

113
Uma candeia etrusca calendário (1.000 a.C.), mostra o Logos com uma faca-na-boca.
Tal coisa representa mais do que a eloqüência e a força exterior, mas o dom de visão
que se manifesta como um poder criador.
Daí os mitos e as filosofias genésicas asseverarem a primordialidade do Verbo.
“(...) o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: Haja
luz; e houve luz.” (Gen 1,2-3).
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele
nada do que foi feito se fez.” (Jo 1, 1-3)
Este mesmo Verbo que fez as coisas, possui o poder de renovas as coisas que fez:
“(...) pela palavra de Deus existiram os céus, e a terra, que foi tirada da água e
no meio da água subsiste. Pelas quais coisas pereceu o mundo de então, coberto
com as águas do dilúvio, Mas os céus e a terra que agora existem pela mesma
palavra se reservam para o fogo, até o dia do juízo, e da perdição dos homens
ímpios.” (Pe II, 3,5-7)
Estas águas em meio às quais a terra foi tirada, e que às vezes pode ser uma ilha ou
montanha, simboliza uma Ordem que alcançou ser gerada pelo poder criador da
sabedoria e do discernimento, tal como antes, a falta deste princípio fez com que a
ilusão e a cultura-de-massa “afogasse” todo e qualquer indício de verdade e de justiça.
A cultura-de-massa começa com as “adaptações” que as revelações sofrem para se
adequar ao gosto popular e que, por política ou por ignorância, ultrapassam o bom senso
e atropelam a verdade.
Pois no geral, uma coisa é a Palavra, e outra coisa é a Doutrina dogmática que no seu
entorno se tece. Ora, a Palavra é quase invariavelmente uma coisa algo austera, porém
detém a sua amplitude e compaixão, mas que depois a interpretação humana distorce
transformando a salvação em indulgência.
E assim termina se criando um abismo cada vez maior, entre o pragmatismo
espiritual do Fundador, e a especulação dogmática dos religiosos. Aparentemente a
doutrina da indulgência é mais popular, porém ela pode terminar alimentando falsidades
que atraicionam a Verdade.

A questão crucial da vida e da morte

Os grandes Mestres foram reformadores de idéias e revelaram verdades. Um ponto-


chave nisto, diz respeito às crenças sobre a vida e a morte, considerando que o dilema
da morte da Alma é coisa capital na condição humana.
O Buda não apreciava falar de reencarnação, e as primeiras doutrinas budistas
asseveram que encarnar era uma ilusão ou coisa movida pela ilusão. Com o tempo se
admitiu a idéia no campo espiritual, porém mais ligada ao serviço espiritual do que à
idéia da “evolução”. A rigor, o Buda pregava apenas a importância de aproveitar a
“raridade do nascimento humano” –o que logo levou à especulação ociosa sobre o
nascimento não-humano ou animal da alma-, e à necessidade de aproveitar o tempo vital
para conhecer a verdade e buscar a iluminação. Como pouca gente podia se entregar à
ascese e sequer ao “caminho-do-meio”, se tratou de flexibilizar as coisas para poder
angariar mais fiéis, buscando dilatar ou apurar a idéia da intermediação divina.

114
Com Jesus sucedeu algo semelhante. A ressurreição era uma crendice entre muitos,
gerando até situações embaraçosas por causa das interpretações dadas. Ante um destes
“questionamentos” equivocados, Jesus responde aos saduceus: “Ora, Deus não é Deus
de mortos, mas de vivos; porque para ele vivem todos.” (Lc 20, 38) Pretende até mesmo
ver no testemunho dos patriarcas, a presença deste Deus eterno: “(...) acerca da
ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus vos declarou, dizendo: Eu sou o
Deus de Abraão, o Deus de Isaaque, e o Deus de Jacó? Ora, Deus não é Deus dos
mortos, mas dos vivos.” (Mt 22, 32) Quer dizer, para haver esperança, mesmo aqueles
que morreram fisicamente, gozam de uma situação espiritual distinta do homem comum
que alimenta perspectivas mundanas na ressurreição.
As revelações não são sempre simples, pois a ênfase é pela vida espiritual ativa, no
mínimo pela simplicidade e pelo “caminho-do-meio”. A sociedade não alcança
facilmente isto, então se busca flexibilizar as coisas, muitas vezes indo para além da
conta. Criam-se dogmas e crenças que são verdadeiros pastiches espirituais, de uma
indulgência escandalosa, porém de tal amplidão que dificilmente alguém escapa delas.
Com isto, as pessoas terminam facilmente se julgando de algum modo eternas, e os
esforços pelo auto-aperfeiçoamento são abandonados, sendo cada vez mais raros
aqueles que andam próximos à Verdade. Sob o fermento da indulgência, fomenta-se o
materialismo e os apegos, e então a moral decai. As superstições criam um abismo
crescente entre as crenças e os fatos, e isto alimenta o ceticismo, que é a contraparte
natural da crendice. Tudo termina por levar de roldão as instituições, que se tornam cada
vez mais alvo dos oportunistas.
Então é preciso ter em conta, que existe um limite para tudo, um ponto irretornável
na (des)ordem das coisas, quando o escândalo é tão grande que o “fim do mundo” está
decretado –datas como o 2012 teriam a ver com tal situação, já que hoje vemos vários
motivos para escândalos e o mundo ruma para o abismo da incerteza. E já não existe
ordem ou valor algum, senão o material e o imediato.
Então é chegado o ponto de decretar o Fim. A humanidade deve reconhecer que ela
perdeu de vez o rumo, e que não tem mais chances sozinha. Muita dor deve acontecer
para ela chegar a fazer isto, de modo que o sofrimento virá, e não adianta muito
admoestar as pessoas, porque os poucos que podem de início aceitar a verdade,
tampouco poderão fazer muita coisa, senão se reunirem em pequenos grupos-sementes.
Mas depois eles poderão fazer muito, quando a dor e a revolta começarem a despertar as
pessoas desnorteadas.
Eis que o único que poderá realmente ajudar nesta hora, atesta a sua Fonte divina.
Podem ser pessoas reunidas e inspiradas neste Princípio Único, como foram os
primeiros cristãos ou os primeiros budistas. Podem ser indivíduos que alcançaram a
graça, a revelação, a iniciação e a iluminação, sob a luz trazida por uma Verdade maior.

* Na Astrologia chinesa, o Dragão ocupa a quinta posição, sendo um signo quintessencial


porque este animal mítico é como a Esfinge que reúne a força dos Elementos. Na Astrologia
ocidental, é Leão que ocupa esta posição, pois os felinos também são tidos tradicionalmente
como seres poderosos, capazes de superar os obstáculos de todos os Elementos ou se aproximar
disto.

115
Parte IV

Estudos Étnico-Tradicionais

Jogar no Oceano da Vida dos Povos os testemunhos orgânicos da Antiguidade é na


verdade criar, sejam quais foram os modelos anteriores; é emprestar força de Vida ao
que já não era e ao que deve ser ainda.

Saint-Yves d'Alveydre

116
Capítulo 28

A Questão do Arhat e do Tulku

A TRADIÇÃO TIBETANA É UM BUDISMO muito especial porque, nela, o chamado Buda


histórico representa apenas um elemento disposto num contexto muito rico de
referências sagradas em distintas hierarquias, num panteão não raro integrado e aplicado
de forma sábia. Trata-se, pois, de uma verdadeira cultura tradicional, no sentido mais
amplo do termo, dotada de seu universalismo característico.
Deste modo, e como é comum nas culturas tradicionais, distintos níveis de
conhecimentos e astrologias se encontram combinados, gerando um quadro complexo
que, por isto mesmo, resulta seja em sínteses magníficas, como em eventuais
deformações de realidades profundas e confusão de preceitos.

Revisando a Tradição Tibetana

Tomemos para exemplificar este fato, a questão da Hierarquia social, coroada pelo
grau de Arhat (Vitorioso, Conquistador), em sua relação com as grandes divindades ou
graus maiores de Iluminação.
De certa forma, o Dalai Lama encarnava este princípio divino na sociedade tibetana,
cuja religião tinha o mérito de não buscar seu Papa apenas nos próprios quadros
institucionais, mas estava aberta a encontrar supostamente o Sucessor em qualquer parte
da sociedade ou da raça tibetana; apesar de fazê-lo através de crianças.
Quando morria um Alto Dignatário, os seus monges auxiliares aguardavam cerca de
dois anos para sair na procura da sua reencarnação (tempo mínimo para que a criança
pudesse efetuar o reconhecimento de seus antigos pertences e acompanhantes), de modo
a trazê-lo de volta para o trono ou para o antigo cargo que ocupara, mesmo que isto
levasse ainda mais de uma década para se consumar, nos casos em que tivesse
realmente sucesso. Enquanto isto, toda a família do tulku se beneficiava com uma vida
palaciana e os tutores do novo Lama administravam as suas coisas.
Trata-se de um quadro realmente único na história das religiões, e chega a ser difícil
entender porque apenas no Tibet esta instituição teria se manifestado.
Na verdade, um estudo realmente profundo da Tradição, termina nos colocando na
pista dos fatos, e passamos a compreender que possa ter havido ali uma espécie de
mitificação de idéias superiores.
Vejamos, pois, qual a origem da instituição do Tulkunato.

A Origem do Tulkunato

Os Tulkus não são reencarnações simples e automáticas de homens comuns. Eles são
reencarnações voluntárias de sábios destacados.

117
Esta condição é obtida mediante o voto de Bodhisatwa (tulku, em tibetano). O sábio
faz o voto de permanecer reencarnando na terra parta auxiliar a humanidade, a exemplo
daquilo que, nos mitos, teriam feito todos os Bodhisatwas por vocação “nata”. Mas é
claro que isto ainda não faz dele, um Arhat ou um santo de renome. É preciso
manifestar dons e poderes especiais, ao menos em tese e no princípio, posto que, através
das reencarnações identificadas como tulkus, basta no início o reconhecimento dos
antigos objetos, etc.
Mas isto não é tudo. Existe também um profundo mistério que envolve o conceito de
Arhat e reencarnação (ou ressurreição), a respeito do qual poderemos identificar
equívocos que se tornaram correntes na tradição tibetana.
Tudo parte, sempre, de um Modelo primordial. E este Modelo, no caso do budismo é,
claro, o próprio Buda.
Diz a lenda que o Buda já nasceu consciente de sua condição divina, apregoando as
suas próprias virtudes e natureza, a exemplo de tantas "crianças divinas" ao redor do
mundo e ao longo da história das religiões. De modo que, aliado a isto, existe o mito da
“criança divina”.
Ora, o vínculo entre o mito do deus-menino e a condição de Arhat, é uma realidade
exclusiva desde o ponto de vista do Buda, e apenas deste.

A Condição de Arhat

Mas, o que expressa este mito, afinal? Trata-se de um símbolo de reconhecimento


avatárico, uma descrição cifrada do padrão evolutivo divino, como simbolizou-se com
Jesus quando ensinava os doutores já aos doze anos de iniciação, e não de idade, como
sucedeu a Quetzalcóatl, Krishna, etc. E não uma encarnação infantil verdadeira.
Tudo isto envolve também, não a reencarnação propriamente dita, embora o
"nascimento predestinado" seja uma necessidade. Trata-se, antes, da Ressurreição, ou da
Crucificação ou da Iluminação; todos eles termos sinônimos em alusão ao processo da
via crucis, que corresponde ao padrão astrológico-iniciático do Avatar, no qual ele deve
se iluminar sob um dado ciclo astrológico e, é claro, com uma idade determinada.* No
caso, relativamente jovem em relação aos Mestres comuns, devido às próprias urgências
impostas pela via da cruz.
Esta Iluminação é o que confere o grau de Arhat, precisamente, o que no caso do
Buda, que deve trilhar o caminho autócne na via crucis, ou sem Mestre, necessita
atravessar uma provação especial que se destina a gerar a iluminação e resulta, por sua
vez, numa ressurreição.
É claro que em tudo isto, o Buda é único em todo um ciclo histórico -como também
seria todo o verdadeiro Avatar. Os expoentes do Parampara (Sucessão Apostólica) não
passam por tais dramáticas provações, mas são verdadeiros representantes do Buda
porque tratam de seguir fielmente os seus preceitos.
O Dalai-Lama, por exemplo, é considerado uma "reencarnação do Bodhisatwa da
Compaixão, Chenrezi. É em nome da compaixão, que a ressurreição pode ser obtida,
por ser a compaixão o atributo divino caracteristicamente "social". Porém, no plano da
Hierarquia existe uma rigorosa seleção de vocações, e tanto ali com na humanidade,
tudo está em evolução
Como entender, então, a difusão desta idéia ou a generalização do princípio para
tantos tulkus? Seriam estes, como diziam os chineses, os falsos deuses tibetanos? Tudo
indica que sim.

118
Existe, é verdade, Avatares distintos, daí haveria a idéia exagerada de diferentes
tulkus ou deuses viventes no Tibet. Além disto, também se diz terem sido muitos os
Arhats, inclusive contemporâneos, sobretudo na época do Buda.
Ora, aquela época búdica era uma coisa, e outra muito diferente ocorre sob a ban-
deira do Parampara, quando deve reinar apenas um Mestre supremo em cada geração e
toda a Terra, apoiado por um restrito cículo de Apóstolos... Apenas quando existe um
Hierarca Supremo (ou Divino) como um Buda, fazendo ascender a força da Lei de
Unidade e a Hierarquia está tranquilamente contemplada, vários Mestres de categoria
inferior podem ser suscitados, inclusive sob o efeito da poderosa influência espiritual do
Buda.
De modo que preferimos ver antes, humanamente falando, que esta difusão do
princípio do tulkunato, este arranjo filosófico, seria devido a um traço cultural muito
comum, que requer relacionar subordinar com subornar... Foi assim também que o
Inca, em princípio o único inseminador solar legítimo, terminou concedendo haréns
também para os seus generais, desrespeitando um direito e um dever divino exclusivo
do Filho do Sol (e provando com isto a decadência da instituição) capaz de carregar
uma superior genética, especialmente no caso (muito) eventual de ser ele realmente um
iluminado...
Dissemos acima que o tulkunato tibetano seria uma instituição única (ou muito rara)
na História. Pois bem; os budistas em geral apresentam a "curiosa" característica, única
também, de não dramatizar o processo de iluminação do Buda em demasia, tal como
fazem praticamente todas as outras tradições, que deixam claro que a salvação apenas
vem através de sacrifícios realmente transcendentes e, num certo sentido, involuntários -
pelo menos, mais do que uma simples resolução de permanecer meditando sob uma
árvore ou o que o valha. No Budismo, a Árvore da Iluminação não tem sangue como a
de Krishna, a de Odin, a de Osíris, a do Cristo...
Provavelmente, isto confere a ilusão de ser a Iluminação algo afinal não tão difícil. E
se é verdade que todos têm a natureza do Buda e um dia todos chegarão à Sua divina
condição, não deveriam jamais negligenciar a situação social em favor do caminho
apenas individual.

Escalas Paralelas

Deste modo, não poderíamos concordar com a ingênua idéia dos tulkus crianças. Esta
espécie de confusão é, pois, comum na nobre cultura tibetana, assim como em outras
"escolas" de mistérios. Existe, porém, uma explicação esotérica-estrutural para este
equívoco ou reducionismo em certas tradições.
É natural que aquilo que se aplique a Deus ou ao Avatar, não se aplique aos homens
ou mesmo aos Arhtas. E que cada um comporte um Plano evolutivo de todo próprio.
Pode-se identificar, portanto, a origem do equívoco-tulku na adaptação de uma escala
para outra, resultando um quadro em que se coloca crianças físicas (e não espirituais)
como predestinadas ou pré-iniciadas.
De modo que existem aqui dois fatos misturados, pois aquilo que se percebe é a
adequação indevida entre escalas diferentes. Ao contrário dos hindus, os tibetanos
medem sabiamente a escala evolutiva com “apenas” cinco Chakras e iniciações. E isto
se justifica da seguinte forma: como a própria Hierarquia (árya) somente pode alcançar
a Quinta Iniciação (seja aquele Adepto de cada geração, ou os Apóstolos e Arhats
suscitados em grupo sob a presença viva de um Avatar), tampouco faria sentido, para
este uso geral, o emprego de uma escala iniciática maior que a pentagonal, a qual é de
fato a mais adequada para a humanidade corrente. No mesmo sentido, uma escala que

119
inclui a condição búdica deve necessariamente apresentar uma estrutura decimal. Cabe
observar que a Árvore Sefirótica da Cabala abrange as três escalas de uma forma
precisa.
Outrossim, isto não justifica, é claro, a adaptação do padrão setenário ao pentagonal,
como sugere “A Voz do Silencio”, e conforme apregoam estudiosos do sistema de cha-
kras tibetano. Trata-se este de uma escala dotada de referenciais próprios, com
princípios e estruturas originais; como se observa pela distinção do número de pétalas
entre todos os centros. Capa padrão evolutivo tem a sua própria fórmula, e não faz
sentido aplicar a uma esfera aquilo que diz respeito a outra evolução. Paradoxalmente,
esta medida que seria sábia, terminou servindo como meio para um equívoco maior,
mas que, na falta de um Saber perfeito, talvez tivesse sido a forma de gerar uma
Teocracia no mundo.
Assim, reiteradamente vemos como cada antiga tradição traz apenas uma parcela da
Verdade, sem aquela pureza que somente poderá ser alcançada numa nova restauração
da Tradição primordial.
Vejamos um texto da célebre obra trazida ao Ocidente por H. P. Blavatsky, “A Voz
do Silêncio”, a respeito do Arhat:
“Não entraste em Tau, ‘a senda’ que conduz ao conhecimento –a quarta
verdade?
“E agora, descansa sob a árvore de Bodhi, que é a perfeição de todo o
conhecimento. Pois sabe-o, tu és o Mestre do Samadhi –o estágio da visão
infalível.
“Contempla! Tu te tornaste a Luz, tu te tornaste o Som, tu és o teu Mestre e o
teu Deus. Tu próprio és o objeto de tua busca: a voz que incessantemente soa
através de eternidades, isenta de mudança, os sete sons em um só, a VOZ DO
SILÊNCIO. Aum Tat Sat.” (II, 97-100)
Este é, de certa forma, o objetivo de toda a pregação religiosa: conduzir um homem à
condição de Arhat ou Adepto, quando o Iniciado pode enfim descansar de seus labores
na medida em que conquista a iluminação e a imortalidade. No contexto ocidental, esta
condição é conhecida como A Crucificação, a mais difícil das provas iniciáticas que,
sempre e quando o sucesso é alcançado, leva um homem para além da morte. A Tau (ou
Tav) é a 22ª letra do alfabeto hebraico, e corresponde à cruz (na fórmula cabalística
3x7+1), sendo curiosamente empregado pelos tibetanos nesta grafia, embora ao que
tudo indica, tal coisa identifique-se antes ao TAO chinês, pois como define o texto
referido, o termo significa “senda”, da mesma forma como o TAO TE KING significa
“O Livro (king) do Caminho (tao) Perfeito (te)”.
No texto citado, também encontramos evidenciada a relação da “crucificação” com a
iluminação, através dos símbolos da Tau e da Árvore Bodhi, esta última
tradicionalmente atribuída a Gautama (por vezes na imagem de um trono simbólico),**
numa formulação popular despida da dramaticidade inerente aos processos avatáricos
neste estágio, em função, uma vez mais, da mistura daqueles padrões evolutivos
mencionados. Pois se os Adeptos alcançam a iluminação de forma mais tranqüila, o
mesmo não se passa com os Avatares, que devem percorrer um trajeto ideal no tempo e
vencer de forma sumária muitas etapas, para poder chegar a graus ainda maiores, além
de dar com isto provas indeléveis da condição divina em seu caráter supremo (ver sobre
o "sinal de Jonas" nos Evangelhos).
De fato, a iluminação é alcançada no Quarto Grau (Arhat), mas o conhecimento
somente desperta em todo seu poder no grau supramanásico (meta-intelectual) seguinte,
o Quinto (Asekha ou Não-discípulo). A mente do Adepto é una com a Mente cósmica, e
daí aportar o chamado conhecimento direto das realidades superiores. Alice A. Bailey

120
denomina tal iniciação de A Revelação (em “De Belém ao Calvário”), pois todos os
grandes mistérios da Criação começam a ser sistematicamente apresentados à mente do
Iniciado nesta etapa. E é assim também que, por deter um conhecimento perfeito, o
Adepto alcança ser um astrólogo esotérico “nato”, um protótipo humano do Sistema
Solar, um Centro espiritual idôneo e verdadeiro que a tudo mantêm em harmonia e no
rumo do progresso.
Na tradição tibetana, temos também a imagem do Panchen Lama, que relaciona-se a
um poder mais esotérico e oculto, enquanto o Dalai Lama exerce funções mais
administrativas, numa espécie de divisão de funções não muito diferente daquela entre
Rei e Papa, comum no Ocidente medieval. Observando o Tarô, vemos que o Imperador
é a 4ª Lâmina, e o Papa é a 5ª carta. O primeiro é um poder real, e o segundo um poder
sacerdotal. Assim, o Panchen Lama seria, em tese, o verdadeiro Adepto de
quintessência, como revela sua ciência espiritual e seu vínculo direto com Shamballa,
do qual emana o sistema astrológico esotérico Kalachakra. A própria genealogia destes
cargos, sugere uma hierarquia assim constituída, pois se o Dalai Lama representa
Chenrezi (Avalokiteshwara), o Bodhisatwa relacionado à Compaixão (Karuna) e à Cruz,
o Panchen Lama representa Opagmed (o Buda Amithaba), relacionado à Luz. Ora,
Chenrezi é tido como uma emanação de Opagmed, lembrando muito a relação existente
entre Cristo e Jesus. No mesmo sentido da confusão ou identificação entre reencarnação
e ressurreição, é possível que a idéia de representação tenha se confundido por vezes
com aquela de encarnação, dando origem à mistura entre padrões divinos e hierárqui-
cos, tão verificada na tradição tibetana.***

* Sobre a questão dos graus relacionados às idades, temos citado já um texto do sábio
maçom Magister, em seu Manual do Mestre Secreto. Este autor inverte, todavia, a proporção de
tempo das iniciações, já que ele decresce, e não aumenta, com o passar dos graus.
** Ver nossa abordagem da questão na Parte IV da presente obra, sobre geografia sagrada.
*** Ver mais sobre este assunto, em nossa obra “Dharma – a Canção da Vida”, e também
sobre a tradição tibetana em “A Tradição Viva”, adiante.

121
Capítulo 29

As Origens sagradas atlantes

Partimos agora em busca de referências de tradições antigas, no tocante às


transições de ciclos e dos procedimentos efetuados então, em função da repetição destas
situações na atualidade.
Nosso objetivo é encontrar as pegadas históricas dos relatos dos sábios e das
pitonisas, sobre a manifestação da Hierarquia. Helena P. Blavatsky traz a idéia védica
da manifestação coletiva dos rishis, em grupos de 7, 14 ou 21 videntes. Alice A. Bailey
fala da ascensão grupal dos mestres nas transições de ciclos. Serge R de la Ferrière
apresenta a Agartha como uma “assembléia de sábios”, ou seja, a Loja Branca
Queremos para isto fundir, neste Capítulo, os conceitos presentes em certas lendas de
duas cidades muito sagradas do México antigo: Teotihuacan e Tula, para alcançar ainda
uma terceira, Chichén Itzá em território maia. Tais cidades centralizam, com seus mitos
e realizações ímpares, as Idades de Ouro, de Prata e de Bronze das civilizações nahuas.
Seguramente houve, anteriormente, os importantes ciclos fundadores dos olmecas e dos
zapotecas, que prepararam estas fundações áureas das antigas culturas nahuas, mas que
não obstante representaram centros preparatórios mais ou menos isolados –ao modo dos
pólos iniciáticos-, subjacentes à eclosão da verdadeira civilização.
O grande centro cerimonial de Teotihuacan é “a cidade onde os homens se tornam
deuses”, e a sagrada Tula é a capital do divino rei Quetzalcóatl, o qual se dirigiu para
Chichén Itzá quando a sua cidade foi atacada pelos bárbaros vindos do Norte.

A grande Teotihuacan

Existe uma formosa lenda asteca, sobre haver sido em Teotihuacan que “os deuses se
reuniram para dar início ao Quinto Mundo”, na data que os nahuas registraram como
3.113 a.C. Este grande Conclave solar, foi a Assembléia Agarthina na qual se
convencionaram os novos códigos da evolução racial, a revelação da síntese e da nova
matese, a anunciação do Pramantha ou do Cânone evolutivo futuro.
Ora, Teotihuacan é conhecida como uma metrópole ecumênica, cuja religiosidade
estava organizada através de confrarias. De modo que ali se reuniu a nata das lideranças
espirituais de uma época, para sacralizar um novo consenso espiritual emergente.
Tais conclaves raciais se realizam a cada 4.900 anos, dando início às Dinastias
solares e fundando civilizações. Esotericamente, isto permite a liberação de mestres
através da ascensão, pois traz uma nova energia ao planeta e consuma um ciclo de
evolução. É como se fosse a derradeira tarefa de um mestre, permitindo a sua liberação
através da criação de um grande ashram racial.

122
Pirâmide da Lua, Teotihuacan

Como um típico Centro primordial, prevalecia em Teotihuacan o culto piramidal,


encontrando-se ali as maiores pirâmides do México antigo, sendo uma delas, a pirâmide
do Sol, com base semelhante à Grande Pirâmide do Egito. Em formato não muito
distinto, está a pirâmide da Lua, ambas com templos nos cumes, antigamente,
centralizando a vida religiosa da grande cidade sacerdotal.
Destaca-se também na cidade, o tardio Templo de Quetzalcóatl, de um estilo
“barroco” diferenciado, abaixo, construído pelos toltecas quando dominaram a cidadela,
dando início a uma crescente militarização da região. Em 2010, se revelaram as galerias
funerárias desta pirâmide tolteca, quando se poderá ter maior nação daquilo que sucedia
há 1.800 anos, trazendo à luz novas respostas sobre esta misteriosa civilização.

Pirâmide da Quetzalcóatl, Teotihuacan.


Detalhes: imagens de Quetzalcóatl & Tlaloc

Seguramente muito mais existe ainda para se descobrir nesta grande metrópole. De
modo que a História ainda está sendo escrita, especialmente no mais profundo do Novo
Mundo.
E estas últimas referências nos remetem, daí, ao centro que está diretamente ligado à
figura de Quetzalcóatl, que é Tula, já no momento subsequente da civilização
teotihuacana, quando o fogo sagrado é retomada por uma dinastia de base aristocrática,
sinalizando assim a passagem de uma Idade de Ouro para uma Idade de Prata.

123
A profunda Tula

Tula é palavra capital na cultura atlante, denotando no México o espírito da


metrópole solar, e no Oriente traduz a idéia de equilíbrio através do signo de Libra.
Na Idade de Ouro, a luz se manifestava diretamente através das instituições, através
da força das religiões e das escolas iniciáticas internas, assim como pelo Estado sagrado
que cuidava legitimamente dos interesses administrativos e da defesa da nação.
A queda da pureza, traz a violência e esta o valor do guerreiro, ideal este que passa a
dominar espiritualmente a sociedade mexicana a partir do ciclo tolteca, quando a
violência se refina adquirindo o status de nobreza e até de espiritualidade.
Aqui emerge a idéia do valor e da autoridade, que sobressai na monarquia e na
aristocracia. Em Tula, o mito adquiriu vida, através da manifestação da Serpente
Emplumada e suas dinastias. Não obstante, a idéia grupal também estará ali muito
presente, na lenda e na arte.
Diz a tradição que em Tula se procedeu a coordenação dos calendários de muitas
nações, fruto de uma Assembléia de sábios.
Ademais, a idéia grupal estaria ali representada como unidade, segundo os informes
“toltecas” de Carlos Castañeda, através da colunata que encima a o Templo de
Quetzalcóatl, que incluem os “guerreiros” que suportavam o telhado do Templo
Tlahuizcalpantecuhtli (Estrela da Manhã), abaixo.

O Templo das Mil Colunas, Tula.

Acima, detalhe das Atlantes

124
Nesta versão, o modelo inspiraria os esotéricos grupos-de-ascensão centralizados na
figura do Nagual, ascensão esta representada, por exemplo, através das borboletas
colocadas sobre o coração das guerreiras, acima.
Os quatro degraus ou taludes das paredes inclinadas, indicam as iniciações que os
Adeptos atlantes deviam galgar, até alcançar o patamar da Hierarquia e se capacitar para
a ascensão.
Estas pirâmides atlantes em forma de terraços, ostentam um simbolismo tradicional e
correspondem de certo modo às mastabas egípcias, que eram os túmulos dos altos
Dignatários da corte faraônica. Representam a Colina Primordial dos mitos egípcios –
Tula mesma estava situada numa colina-, base da recriação cíclica do mundo, que
significa três coisas principais:
1. Num primeiro momento, representa a presença do reino da Hierarquia na Terra,
especialmente através da sua Unificação vicária racial, que representa a unicidade de
Deus na Terra e sinaliza a evolução da revelação divina.
2. Logo, simboliza aquele escalão médio dos Harmonizadores Planetários, existente
entre a humanidade e a Hierarquia evoluindo, como uma elite especial sob a orientação
do Adepto único, que ainda coordena a evolução humana.
3. Por fim, sinaliza as classes superiores, especialmente aristocracia & clero, que são
mais receptivas à Ordem superior e se organizam elas mesmas em ordens, servindo de
elo entre a Hierarquia (incluindo os Harmonizadores Planetários) e o restante da
sociedade.

Conclusões

Num certo sentido, Teotihuacan e Tula detiveram atividades complementares, de tal


modo que a Cidade dos Deuses era conhecida pela unidade da pluralidade,
concentrando a atividade ecumênica, e a Cidade do Sol era conhecida como a
diversidade da unidade, irradiando a sabedoria universalista. Assim, na primeira havia
uma atividade lunar de análise, e na segunda prevalecia uma atividade solar de síntese.
É notório que houve uma continuidade de Teotihuacan para Tula, e para alguns as
lendas de Tula se reportariam na verdade à Teotihuacan, uma vez que a palavra “Tula”
era atribuída a todas as Capitais sagradas atlantes. Esta é a opinião de uma das mais
destacadas pesquisadoras destas culturas, a arqueóloga Laurette Sejournée, que sustenta
um ativo e inspirado trabalho de exegese cultural na cidade divna.
Não obstante, existe em Tula a consolidação de uma cultura e a originalidade de
padrões arquitetônicos, como sucede com a questão da colunária, uma inovação local –
ver as nossas obras “A Mariposa de Fogo” e “Arquitetura Sagrada & Urbanismo Solar”.
Teotihuacan terá sido tomada por invasores cada vez mais violentos, sujeita como
estava no seu amplo vale, e os toltecas se mudaram então –ou apenas se dividiram- para
Tula, num local mais defensável e inacessível.
Ali a aristocracia atlante se refinou, e se organizaram os grupos de ascensão, legando
um modelo para a posteridade, mais especialmente quando os toltecas migraram uma
vez mais na sequência, para o outro lado da Baía de Yucatã, em Chichén Itzá, onde a
simbologia da colunária do Templo dos Guerreiros evoluiu para doze colunas,
apontando assim para os Mistérios da raça futura, aquela que emerge hoje através do
Sexto Mundo (ver mais sobre esta transição em nossa obra “O Espelho de Obsidiana”).

125
Para estudar melhor a rica tradição tolteca, existem duas fontes mais conhecidas, a
acadêmico-exotérica, que inclui hoje esforços de investigadores esclarecidos como os
acima citados, e a místico-esotérica que pode ser verificada em autores como Carlos
Castañeda. Uma terceira fonte de síntese tem surgido através de nossos próprios
trabalhos, reunindo muitas informações úteis e ainda apurando as profecias locais, tal
como apresentamos na trilogia “A Tradição Tolteca”.

126
Apêndice 30

O problema do Sacrifício

Quando os europeus alcançaram as praias do Novo Mundo, encontraram traços culturais


que remetiam a idades muito antigas para a própria cultura ocidental, e o resultado seria
a repulsa e a estranheza face cultos e costumes bizarros, por vezes desumanos.
Devido à posição que ocupavam no cenário das Américas, assim como por suas
peculiaridades culturais, o povo asteca foi sempre alvo de atenções especiais dos his-
toriadores, que chegaram a generalizar a cultura pré-colombiana a partir das práticas e
costumes astecas, colocando este que era na verdade uma exceção e, em ampla medida,
até uma séria degenerescência cultural naquele contexto cultural, como um anti-modelo
das culturas autócnes da América central e do México antigo. Isto corresponderia mais
ou menos a passar em "tabula rasa" toda a Antiguidade egípcia, grega e oriental, usando
apenas Roma como origem de Civilização (e, desditosamente, em certa medida isto
realmente é feito!) Na realidade, a maior parte daquilo que os astecas tinham de "bom",
herdaram dos Antigos (sobretudo dos cânones toltecas), mas a tendência era deformar a
adaptar os costumes a seu espírito bárbaro.
A prática do sacrifício humano, fora uma constante entre os fenícios cultores de Baal
e entre os hindus adoradores da deusa Kali: provas de que mesmo algo tão
surpreendente, poderia conviver com um grau bastante elevado de cultura; mesmo
porque, em muitos casos, tais sacrifícios em nada diferiam das formas de execuções que
nós próprios, os “modernos”, fazemos através das penas capitais, das guerras e dos
abortos, apenas se dava uma vinculação religiosa porque as instituições eram unificadas,
havia muito fanatismo religioso e para ter pretextos políticos para guerras e execuções.
Dentre os antigos, ou no pensamento mais tradicional, estes procedimentos adotariam
formas mais refinadas que não a da hipocrisia hodierna. "Ao menos os criminosos eram
mortos em nome de algo superior", é o que se poderia pensar daquele tempo. Mas a
pena capital, não pode ser realmente justificada. Parece certo que também naqueles
casos a demagogia teve lugar, dando lugar aos abusos que tão claramente ostentavam
sob o olhar espantado de culturas vizinhas ou das sociedades distantes no tempo e no
espaço.
De fato, a idéia do sacrifício merece ser analisada como uma das mais importantes e
recorrentes práticas dos povos, causando muitas vezes estranheza por sua “pacífica”
convivência com graus relativamente elevados de cultura, como um elemento que se
instala ali de forma persistente. Em certos casos, gerou-se até a bizarra filosofia de que
morrer pelo deus é uma honra, coisa que até pode ter sentido quando se trata do
martírio, mas como instituição se transforma em degeneração. De qualquer forma, estas
tradições já apontam para certos resquícios de verdades contidas nas origens de tais
práticas.

127
As origens do sacrifício são complexas, mas habitual e basicamente, vinculam-se aos
grandes atos de renúncia dos deuses e dos heróis solares dos povos e, a partir disto, até
como emulação, a prática da ascese e mesmo do sacrifício físico far-se-ia presente na
cultura do homem.
Cada cultura apresenta o seu herói imolado: é Osíris para os egípcios, Tonapa para a
cultura de Tiwanaco, Xipe Totec para os astecas, Quetzalcóatl para os toltecas, Jesus
para os cristãos, Balder e Odin para os nórdicos e assim por diante. Por vezes, um
animal sacrificado se apresenta como o veículo ideal para a prática sacrificial, como
seria o caso do cordeiro entre os judeus, a lhama para os incas, o javali para os celtas e a
vaca entre os persas. Mas neste caso, trata-se de uma associação simbólica tão somente,
como o Cristo dito “cordeiro de Deus”, onde a Páscoa divina substituiu a Páscoa animal
simbólico-profética.
A essência da idéia do sacrifício, subjaz aos grandes atos heróicos praticados por
iniciados que, com seus processos internos, alcançaram uma luz maior para si e para a
humanidade. Pela grandeza dos seus atos, símbolos foram escolhidos para recordar
perpetuamente estes feitos, no decurso da vigência da dispensação espiritual por eles
instauradas. Às vezes, uma síntese seria procurada, resultando quiçá de adoção ou
tolerância do sacrifício humano institucionalizado, consagratório e “purificador”. Se não
existem grandes santos que se sacrifiquem pelo bem comum, que os mais pecadores
sejam imolados pela ordem geral –é o que termina por ocorrer na prática-, como na
tradição andina de sacrificar um criminoso em certa data do ano, prática todavia ainda
observada. A antropofagia indígena tem relação com tudo isto.
Ocorre que, como perceberiam os homens em muitos momentos, o sacrifício
meramente animal é uma covardia, e também insignificante como símbolo dos atos dos
grandes heróis. Tal sentimento daria origem à adoção de várias fórmulas, nas quais o
sacrifício humano era o foco das práticas, seja em termos reais ou simbólicos, na forma
da ascese ou da renúncia, que é de resto a mais nobre. Os sacrifícios reais tampouco
seriam sempre fatais, podendo implicar na auto-imolação de diversas ordens. Como
exemplos disto, havia os sacerdotes e os reis maias que faziam perfurações em pontos
sensíveis do corpo, como a língua e o pênis, assim como os faquires que se perfuram no
tórax, ou a tradição mexicana de crucificar um indivíduo a cada ano, o que é feito
voluntariamente, em tese, mas com o risco real de se perder a vida numa imitação do
gesto do Cristo –também este tido muitas vezes como simbólico.
O sacrifício do animal tem seu fundamento cultural na renúncia humana às coisas
inferiores, sendo assim alusivo à ascese e às questões divinas. Na prática, porém, pode
soar como um ato covarde de expiação inútil e insuficiente, a não ser talvez perante
“deuses” cruéis e menores que se satisfaçam com a dor inconsciente destes pequenos
seres, deuses que não mereceriam, portanto, nenhum culto por parte do ser humano
evoluído. O auto-sacrifício é a única forma de ascese válida. Tanto que os citados reis e
sacerdotes maias, eram reverenciados por seus povos em função das demonstrações de
auto-imolação realizadas, pelo sangue real e santo derramado à vista de todos.
Se o rei tolteca era o Tlatoani, "aquele que fala", o rei maia era aquele que se imola
abertamente, dando mostras reais de sua disposição de sacrificar-se em favor de suas
sociedades. Com isto mostravam estar ali para servir a causa racial até as últimas
conseqüências, cumprindo uma missão maior pela qual até alcançavam poderes

128
superiores. Não a vaidade ou o hedonismo os movia, mas sim o amor e a sabedoria
superior, provada e comprovada a olhos vistos, através daquilo que mais importa. Ao
fazer sangrar a língua e a genitália, os reis demonstravam que a sua palavra e a sua
vontade não lhes pertencia, mas sim a Deus.
Platão propôs que apenas os sábios governassem a República, e nisto se aproxima do
conceito tradicional. Também propunha que estes sábios dessem mostras de suas
intenções atuando de forma despojada e frugal, inclusive tendo tudo em comum, a
exemplo dos exércitos espartanos.
Nas Idades de Ouro, os governantes são retirados diretamente das ordens iniciáticas.
Os sábios reconhecem que a vocação espiritual representa basicamente um chamamento
ao serviço público, mesmo que de forma sutil. O processo de aperfeiçoamento humano
não se destina, obviamente, apenas ao engrandecimento dos indivíduos, mas sim à
melhoria da humanidade em geral.
Esta vocação, um homem demonstra através do auto-sacrifício. Não é tanto pelo
conhecimento ou pelo poder e carisma pessoal, mas sim pela disposição de servir
abnegadamente. Por isto, o celibato é sabiamente exigido. Unicamente através dele, o
homem dá mostras de sua vocação em favor da causa comum, sem dar margem a
dubiedades. O auto-sacrifício deve atingir esta dimensão para caracterizar o sacerdote,
palavra que significa "aquele que sacrifica". É neste momento que o homem se capacita
verazmente a olhar para o próximo e para Deus, vendo o mundo como uma opção de
amor.
O verdadeiro sacerdote atua internamente e em si próprio. Os atos externos e sociais,
são meras decorrências de sua semeadura pessoal. As suas renúncias são livres e
voluntárias, e ele busca formas superiores de felicidade. Neste sentido, a consciência
termina por se rejubilar através das conquistas espirituais, coisa que aquele que fica a
meio-caminho dificilmente alcança, como no caso do sacerdote casado ou mesmo do
tântrico, cuja entrega é muito mais limitada e suspeitosa.
De fato, servir a uma causa superior, pode terminar por ser compensador. Muitos
santos e mártires, foram capazes de abstrair de suas vidas em favor de um ideal
luminoso. Ademais, somente aquele que administra a castidade, está apto a conhecer a
sua alma-gêmea, que é uma relação efetiva, plena e, não obstante, sublimada uma
síntese, enfim, de todas as formas de relações conjugais já entrevistas pela humanidade.
Naturalmente, toda esta filosofia pode ser deformada e corrompida. Certas culturas
chegaram a induzir nas pessoas, a idéia de que ser fisicamente sacrificado a um deus,
pode ser uma virtude, uma alegria e uma libertação, e passaram a administrar
regularmente um teatro místico macabro. Que nada tinha a ver com a vocação e a
verdadeira renúncia espiritual.
O tema merece, contudo, ser aprofundado etnicamente, e remetemos para isto o leitor
à nossa obra “O Livro dos Códices”.

A Lei de Salvação

Deus se move pela compaixão, e por isto os seus filhos diletos devem emular o seu
espírito de sacrifício. A humanidade é uma infante e, como um filho em crescimento,

129
deve ser educada, o que requer por vezes esforços e até sacrifícios por parte dos mais
velhos. Quando realmente necessário, um bom pai deve punir ou deixar que a
"experiência" se realize, mas sua orientação geral será sempre pela educação e pela
prevenção. E é visando isto, que o Grande Espírito envia os seus Mensageiros à Terra
para salvar as raças de seus próprios descaminhos.
A fim de trazer novas energias ao mundo, um grande Iniciado deve ser
periodicamente colocado numa cruz, a ser todavia acatada de forma voluntária. As
quatro pontas desta cruz são formadas por: calúnias, enfermidades, perseguição e
solidão; abrangendo assim a “sombra” dos quatro planos reunidos neste grau...
Desta cruz transcendental, o Iniciado apenas desce caso se ilumine, ou seja, necessita
ter acesso às energias superiores. Já não se trata de apenas uma prova técnica, para
aperfeiçoar as habilidades de um homem, e quase nem mais de uma nova purificação
pessoal. O sofrimento é necessário também para redimir o carma geral, e mesmo para
destruir aquilo que ainda possa restar de ego num homem. Daí ser tão grande e pungente
a dor, quase imensurável mesmo, quando imaginamos a suprema injustiça que recai
sobre os ombros destes verdadeiros Hércules. Um ser em provação desta forma, será
colocado em situações humilhantes e infra-humanas, devendo compensar tudo isto com
os recursos sobre-humanos que estão a seu dispor enquanto Iniciado, ou já como
Iluminado vitorioso, dotado de energias divinas de cura e ressurreição...
Quando evocamos a imagem de um Mestre, a sensação aproximada que temos, é a da
imponência de uma montanha. Algo imponderável enfim, cujas profundezas nos
escapam e cujas alturas, perdidas entre as nuvens, mal vislumbramos. Dificilmente
podemos conceber, sequer intelectualmente, a dimensão do trabalho de um Mestre. A
sua atuação se dá inicialmente de forma oculta, em planos sutis, através de seus esforços
internos e esotéricos. Por vezes, este trabalho pode ir a uma profundidade suprema,
inconcebível mesmo para a humanidade, pois o tempo divino é inconcebivelmente mais
denso que o humano -“360 vezes” mais, como se diz. Um Mestre comum, pode ser
realmente comparado a uma montanha. Mas um Avatar, em especial, realiza um
trabalho ainda mais profundo e oculto, e pode ser comparado a todo um continente cujas
bases chegam ao fundo dos oceanos, ou além. Neste sentido, ele penetra nos abismos do
mundo para preenchê-los com seu sangue, suor e lágrimas. E, nisto, por muito tempo a
sua luz permanece também oculta, como qualquer jóia jogada no fundo de um abismo.
Mas ali ela cresce por amor, e quando finalmente aparece na sua glória única, pode che-
gar a cegar e eclipsar os incautos.
Na verdade, a atuação oculta dos Mestres, é também uma necessidade perante o mal
organizado no mundo. A humanidade não costuma perceber a verdadeira situação em
que vive, nem quão grande é a salvação e os sacrifícios realizados por seus protetores
divinos. A névoa de maya ou da ilusão tolda a visão humana, a ponto da percepção clara
da realidade se constituir em mais uma virtude iniciática. A humanidade caminha rumo
ao abismo como um sonâmbulo, no estupor gerado pelo terrorismo institucional e por
muitas outras formas de alienação. Quem denuncia o mal e a injustiça, se vê só e
acusado de insano, porquanto não raro é preso ou assassinado, antes os olhos dos
transeuntes assustados. Assim, Deus necessita trabalhar sob os bastidores, a fim de
poder atenuar os tantos males do mundo. Se assim não fizesse, nenhuma possibilidade
de salvação existiria. Sabe-se, inclusive, que nas gerações destinadas a gerar um Avatar,
a Loja Negra empreende uma perseguição especial às lideranças, fato este oculto na

130
decapitação dos inocentes no nascimento de Jesus e de Krishna (no futuro, se saberá que
isto ocorreu –“metaforicamente” falando- na América Latina do Século XX).
Os Mestres salvam-se refugiando-se no Egito simbólico, levados quando crianças por
seus tutores espirituais. Este "Egito", representa a pátria da espiritualidade, que é o
sendeiro eleito pelos noviços predestinados à liderança da luz. Assim eles se fortalecem,
para empreender a salvação pelo único caminho possível, que é o profético-alternativo,
pois para a Tradição de Sabedoria, as coisas devem iniciar na luz, para depois se
projetar puras no mundo. "Buscai primeiro o reino de Deus, e o resto vos será dado por
acréscimo", disse Jesus...
Os Mestres são os verdadeiros Senhores da Experiência. Somente eles conhecem o
Mal em toda a sua extensão, pois com sua grande luz, eles têm sido perseguidos
diretamente pela Loja Negra, já que eles escapam das ingênuas tentativas mundanas
para enfraquecer os poderes do Mal, como busca fazer a luta política profano-
materialista que, todavia, não resiste à sedução do poder uma vez lá chegado.
Devem se defrontar, pois, com aquilo que existe de mais tenebroso no mundo, mas
também com o que há de mais sublime; naturalmente, o Grande Bem atrai o Grande
Mal. Daí realizam as suas sínteses gloriosas, e orientam o seu trabalho posterior junto à
humanidade. Como generais experientes, conhecem todas as artimanhas do inimigo, e
como guias sábios, eles compreendem os caminhos reais da libertação.

131
Capítulo 31

O pecado da mistura das Castas

A questão da decadência das castas, é tema muito interessante e de inestimável


importância, porque envolve o auto-conhecimento e o conecta diretamente à questão
social, permitindo a harmonia universal que está na base das civilizações superiores. De
fato, as Cosmologias possuem uma profunda base social, relacionada à perfeita
organização da sociedade, oferecendo através disto a face mais plausível da utopia. A
saída do caos indiferenciado dos Elementos, significa a cosmificação ou a organização
das estruturas sociais legítimas e naturais.
“Separar os grupos” não é exercer nenhuma “discriminação” de setores, e sim o
discernimento e o conhecimento, sendo este na verdade é o próprio método da criação
social, permitindo que cada um assuma a sua função -virtudes & limites-, sendo assim
tirar o mundo do caos anárquico indiferenciado. Pois o auto-conhecimento é a base de
toda a evolução, e as chaves psicológicas da Tradição são ferramentas preciosas para
tal.
Assim, neste texto, estaremos relacionando as castas diretamente às classes sociais. É
da tradição hindu, afirmar que a decadência das castas se deve à prática ilícita de
casamentos inter-castas. Talvez haja até uma questão racial nisto embutida, já que a
palavra varna que designa as castas, significa de fato “cor”. Mas é possível que haja
algum fundamento mais profundo nestas colocações, não tanto na relação casta-cor, mas
sim na questão sanguínea, o que de todo modo não será o nosso enfoque aqui.
Existem deformações na interpretação deste processo, porque envolve questões mais
ou menos sutis. Uma delas tem base diretamente sociológica, relacionada simplesmente
ao fato de cada pessoa saber assumir socialmente aquilo que ela é, ou seja, ser autêntica
e atuar com legitimidade social.
Tal coisa está relacionada à pregação básica de Krishna –também muitas vezes
deformada e simbolizada-, para o qual a coisa mais importante do mundo, é cada um
chegar a realizar o próprio dever, porque deixar de fazê-lo seria pior do que a morte,
caso esta acontecesse na execução do próprio dever. Deixar de cumprir o próprio
dharma, já seria a própria morte espiritual... Acontece que tal aprendizado é essencial,
não somente para a auto-realização de um indivíduo, como também em toda a sociedade
em formação. Quando um avatar maior aparece, é sempre neste contexto formativo,
como sucedeu com Krishna na Índia -de resto muito semelhante ao que acontece hoje,
passados 5.100 anos daquela manifestação, o que representa um completo ciclo racial.
Embora o Brahmanismo seja mais recente, ele se enquadra perfeitamente na
ideologia de Krishna. A posterior cristalização das castas, aconteceu como forma de
impedir a completa descaracterização da sociedade hindu, pese serem quase tão graves

132
as deformações sucedidas. A condenação original da mistura das castas, se justifica
unicamente pelo vínculo espiritual contido nesta filosofia social antiga. As pessoas
devem se agregar em sua classe social, e manifestar ali antes de tudo a sua função, para
então sim poder se integrar idoneamente com o todo, de forma fecunda e plena.
Aqui entra, portanto, um fator crucial de auto-conhecimento. O nascimento dentro de
uma casta, é apenas uma indicação de probabilidade e de tendência social, jamais uma
determinante. Porém, as classes mais “avançadas” também quiseram perpetuar os seus
privilégios, na medida em que viam consolidar o seu poder e se perdia a vitalidade
social.
Porém, importa aqui não tanto a decadência, mas sim a formação social. Se trata
basicamente, de saber se posicionar devidamente na pirâmide social, e nisto resistir à
tentação megalômana do anarquismo e outras afins, seja qual for à classe social a que se
pertença. Ora, é natural que todos desejem crescer, só que este desejo tende a se
expressar humanamente como fraude ou falseamento, o que na prática manifesta uma
usurpação. O correto é cada pessoa trata de viver plenamente a sua vocação ou o seu
momento, e buscar obter o resto que necessita através de relações sociais. Não cabe à
uma pessoa pretender realizar muitas tarefas diferentes, sob pena de nada conseguir
consumar, embora muitas vezes possamos pensar ser necessário fazê-lo para que as
coisas aconteçam. De todo modo, cabe cultivar sempre este pensamento social, e buscar
atuar nesta direção, coisa que não pode acontecer com segurança, sem a supervisão de
sábios que tem já consumado todos estes processos.
Não se trata, tampouco, de vetar a cada classe os assuntos de outra, pois cada pessoa
pode se interessar perfeitamente pelos assuntos de qualquer classe, mesmo intimamente,
porém ele deve estar cônscio que o faz como aprendiz e que, caso venha realmente a se
aprofundar no assunto, poderá estar manifestando uma verdadeira evolução social,
migração esta que cada vez mais lhe forçará a abandonar os seus antigos interesses, sob
pena de luciferismo, isto é, querer agarrar céu e terra de forma onipotente e,
seguramente, ilegítima e contraditória. Surge assim, portanto, a necessidade do
desapego como condição de legitimidade e evolução: párea subir um degrau, é preciso
deixar o anterior.
Os grandes mestres dão o exemplo disto tudo, renunciando ao poder apesar de terem
uma visão plena das coisas... Pelo contrário, reconhecem o direito humano na condução
das suas coisas e da própria Terra, mesmo sob o risco do erro. Porém, demonstram que
o ser humano não detém, a princípio, a visão que necessita ter para a sua própria
evolução, mas pode adquiri-la como aprendiz da Hierarquia e assim finalmente evoluir
e até chegar à própria maestria, como começou a ocorrer há uns 13 mil ano atrás, lá na
Lemúria, quando o ser humano começou a deixar a idade da pedra e se criaram as
sociedades organizadas.
Aquilo que está em conta aqui, é a integração social ampla e a força das classes,
capazes de inclusive afirmar transformações sociais, sob o impacto de novos
conhecimentos e das mudanças planetárias. Se trata este, portanto, de assunto deveras
atual. O ciclo nacionalista ainda é uma realidade, e deverá permanecer até o final do
século XXI, de forma cada vez mais espiritual, de modo que já a partir de 2020 começa
uma etapa de transição. Depois vem o ciclo propriamente espiritual, no século XXII,
quando também se começará a focalizar uma nova região do país, que será a Região
Norte desta feita, sobre esta base idealista e nacionalista centralizada no Centro-Oeste.

133
Capítulo 32

A Tradição Viva

É comum que os homens e as sociedades, estabeleçam normas de convivência e mesmo


de progresso individual e coletivo. Na religião judaico-cristã, tudo começou com o
Decálogo de Moisés; na Caldéia havia o Código de Hamurabi e na Índia as Leis de
Manu. Tratam-se, pois, de legislações sagradas dadas a povos, que puderam orientar-
lhes através das épocas. Mas, ainda assim, nada disto impediu oscilações nestas cultu-
ras, e tampouco a inevitável mudança dos tempos com a chegada de novos códigos,
gerando muitas vezes crises profundas dentro de uma sociedade e até entre grupos com
visões distintas.
Mesmo dentro de uma única religião ou seita, pode surgir divergência a respeito de
regras, seja no tocante ao seu enunciado como à sua interpretação. Prova disto, tem
dado as diversas seitas existentes dentro de cada grande religião, assim como os
distintos critérios empregados pelos várias Lojas Maçônicas na elaboração de seus
Landmarks (balisas ou limites, termos ou regras maçônicas elementares), que variam
tanto em seu enunciado como na sua enumeração.
Um ditado jurídico, diz que quanto mais leis observa um povo, mais mostras dá do
seu primitivismo. Isto significa que um povo evoluído, é aquele que possui um mínimo
de regras a serem formalmente observadas, e ainda assim alcança um grau suficiente de
ordem e de evolução. Tal coisa se consegue, é claro, com a maturidade de uma raça e
dos indivíduos através da educação, sendo a Índia talvez o melhor exemplo moderno de
povo pacífico e educado, sob o respaldo dos seus milhares de anos de História.
De fato, a melhor lei é aquela que está escrita no coração dos homens, de modo que
nada pode substituir a educação, da mesma forma como uma vida saudável é incompa-
ravelmente superior, a todo o arsenal de remédios que a medicina possa criar ou
descobrir...
Compreende-se daí, que as leis escritas possam ser úteis apenas como bases, pois
mesmo a sua interpretação pode variar, necessitando da autoridade em sua leitura e apli-
cação. Mais ainda, a melhor interpretação de uma lei, será dada por aquele que se en-
contra acima dos seus postulados, quem paradoxalmente já não necessitará por isto
delas, e ainda permitirá que outros possam também libertar-se de regras que de outra
forma necessitariam observar. Ademais, o exemplo vivo, sempre foi muitíssimo superior
a uma multidão de leis e proibições.
Isto significa, pois, que acima da importância das leis, se encontra a questão da
autoridade e da experiência, tanto em sua interpretação como na aplicação. E como
demonstra o Tao te King (“Livro do Caminho Perfeito”) de Lao Tsé, a verdadeira
autoridade não é aquela que sobrecarrega nas leis, mas que alcança definir condições

134
preliminares de ordem e saúde no seio da sociedade e da existência dos indivíduos, sem
que isto signifique a coerção das vocações.
Por esta razão, o mundo necessita sempre de sábios junto ao seu governo, como
tinham os Césares romanos, pois de outra forma tudo o que se terá serão distintos graus
de alienação e de tirania, assim como a constante decadência da sociedade. De fato,
apenas a existência de sábios e, sobretudo, de Iluminados, poderá assegurar a pureza e
também o dinamismo de uma cultura.
Devido às possibilidades de divergências, a questão da interpretação das leis e
mesmo das palavras em geral, tem sido sempre objeto de considerações. Os filósofos
gregos iniciavam um debate ou exposição, pela definição dos principais termos a serem
empregados. Mas é no Novo Testamento (no Evangelho de São João, especialmente),
que ao termo Verbo é restaurado um sentido sagrado de Logos, uma vez que se atribui a
função da Trindade (ou seus atributos), ou seja: vida, luz e criação. Assim, a verdadeira
Palavra é criativa, luminosa e vivificante, não apenas um elemento de preservação e
comunicação, mas também de purificação e regeneração contínua. E a palavra que não
contém estas virtudes, deve ser proferida ao mínimo, inclusive para não poluir a
atmosfera com elementos que podem eclipsar aquilo mais importa.
Entre os toltecas, o rei era chamado Tlatoani, termo que significa "aquele que fala".
À parte um significado esotérico de comunicar-se com Deus e com os anjos, representa
também a voz da autoridade justa e revelada.
Poderá ser útil dizer que todo o verdadeiro sábio domina as Ciências da Tradição, nas
quais se lê as Regras Sagradas, que são por assim dizer naturais, no sentido de que o
próprio Universo se acha definido por leis. O domínio das Ciências da Tradição é a arte
dos Mestres, porque invariavelmente tratam da orquestração das forças cósmicas em
seus distintos níveis.
Com isto, um sábio verdadeiro alcança definir regras fundamentais, mas também
naturais e progressivas para uma raça, porque diz respeito à própria natureza racial e à
sua específica função dentro do conjunto dos povos. A restauração das Ciências
Sagradas é uma das tarefas regulares dos Avatares, mas sua manutenção cabe aos
Adeptos que administram e adaptam a sua Lei através dos séculos. Onde quer que
exista um Adepto, ele invariavelmente estará cuidando das coisas do seu Guia Supremo,
mesmo porque veio dentro do Ciclo ou Dispensação deste Guia, e apenas pode alçar-se
à sua condição, porque fora digno disto e estava adequadamente alinhado à Vontade
divina. Não raro, estes sábios são porta-vozes de revelações de grande porte, porém eles
tiveram acesso a tudo isto, através das portas abertas pelo Buda, Messias ou Avatar. O
salão iluminado dos Budas é, com efeito, repleto de jóias eternas e de pinturas celestes...
Para concluir, nenhuma regra ou corpo de leis pode em si mesmo assegurar a
harmonia e a unidade dentro de uma cultura ou religião, se não tiver como contraparte o
conceito de Ordem, a hierarquia e a autoridade, capaz de definir sua leitura e aplicação
prática. Mesmo porque, o homem comum aprecia a dissensão e a auto-afirmação, de
pouco servindo as regras apenas escritas. A aplicação forçada e excessiva de normas,
também será opressiva. De modo que a única salvaguarda de uma cultura, estará sempre
na existência de sábios que alcancem, a partir de uma auto-realização suficiente,
conhecer as leis naturais e também a natureza de cada raça e indivíduo, definindo,

135
sobretudo, leis preventivas no sentido de canalizar as energias e permitir que apenas o
melhor venha à tona.

A questão da Linhagem na transmissão do Conhecimento

Existe em nosso tempo, uma grande atividade no campo do chamado “espiritualismo”,


baseado muitas vezes em abordagens superficiais. Isto se deve a um moderno conceito
de misticismo, que não têm ainda fincado bases sólidas na Tradição.
De fato, este verdadeiro caldeirão místico hoje observado, serve apenas para preparar
um quadro mais nobre e satisfatório, em relação a um padrão humano de relações entre
o homem e o Mais Alto. As diversas influências que recebemos de outras culturas, ao
lado das energias especiais que os planos superiores buscam infundir na raça, preparam
justamente a restauração de um fundo cultural superior. De modo que, em algum
momento –e os portais de transição como o 2012, detêm também esta função-, deve-se
esperar que as coisas comecem a ficar mais sérias e integradas, e toda esta busca resulte
em frutos mais nobres e respeitáveis, pois tudo aquilo que se vive até então, é apenas
preparação, uma espécie de ensaio, contato preparatório e inicial, sujeito muitas vezes
inclusive à corrupção e ao comércio, em sua superficialidade e em função da ausência
de um contexto mais profundo que preserve a sua pureza: existem princípios que não
podem ser misturados, e o preço a ser pago pela legitimidade e pela funcionalidade real
nas coisas espirituais, passa por outro nível, requerendo atitudes mais sábias, reverentes
e integradas ao Todo.
Na pratica, devemos tratar da organização do “reino de Deus”. Porém, na base desta
legitimidade, se encontra justamente a questão da linhagem. Nenhum Mensageiro
alcança real habilidade, fora de uma cadeia de ensinamentos, embora em raros casos
uma relativa autonomia seja necessária, quando se trata de realizar uma conexão
original. Mesmo aqueles Mestres que atuam de forma relativamente autônoma, e que
personificam uma Dinastia Sagrada histórica, somente têm sucesso porque estabe-
leceram alguma forma de contato com o Avatar-fundador, seja pessoalmente,
espiritualmente ou através da dharma –e a tradição budista, é pródiga neste princípio. E
como os indivíduos menos elevados não têm este poder transcendente, devem buscar no
próprio mundo aqueles representantes de linhagens que trazem consigo o direito sagra-
do da Transmissão.

A Conexão Tibetana

Hoje em dia, observamos este processo ser difundido, sobretudo através dos
tibetanos, que o mantém ainda com relativa pureza. Em muitos casos, porém, o grande
valor de suas tradições reside apenas (e não é pouco) na transmissão de certos símbolos,
os quais servem ao menos para evocar idéias de fundo reais na Tradição. A necessidade
de transmissão do conhecimento mediante ritos e linhagens, é uma delas. O mesmo não
se diria talvez em relação à prática corrente dos chamados tulkus, cuja idéia original
teria se perdido no tempo e mesclada a um excessivo fundo xamanístico, o que já era
uma deformação da questão simbólica da criança divina. E tendo esta base sob suspei-
ção, é claro que muita coisa mais se encontra comprometida.

136
Também de interesse, todavia, é a tradição tibetana dos tertons, os “buscadores de
tesouros ocultos” (termas), presente na linhagem Ningma, que é a mais antiga, criada
por Padma Sambhava, quem levou o Budismo ao Tibet inicialmente, onde é
considerado o "segundo Buda", ou seja, o segundo em hierarquia dentro do ciclo de
Gautama. Isto é correto porque ele veio abrir a Idade de Ferro, enquanto Gautama abriu
antes a Idade de Bronze que inaugurou o hemi-ciclo lunar nesta era solar. O mesmo
papel teve um contemporâneo de Padma Sambhava, Maomé, no conjunto das
revelações ocidentais, tornando-se com efeito o "último profeta" -assim como o profeta
maia Pacal Votan no contexto pré-colombiano, que foi o último grande Kukulkan-
Quetzalcóatl. Outro tanto se poderia dizer sobre São Francisco de Assis no ambiente
cristão (ver sobre estes ciclos em nossa obra “O Sexto Sol”).
Os tesouros ocultos buscados pelos tertons, podem ser materiais como amuletos, ou
intelectuais como pergaminhos, mas o verdadeiro sentido desta tradição é espiritual, o
que se revela nos seus ciclos.
Segundo certa lenda, Padma Sambhava teve em vida 25 discípulos fiéis, a quem foi
destinado reencarnarem através das gerações para encontrar os tesouros legados pelo
grande mestre tântrico. O tema é, obviamente, uma variante da Sucessão Apostólica.
Segundo a tradição, isto ocorreria em períodos de 60 anos, de modo que está ligado
ao ciclo do calendário sino-tibetano (5 elementos vezes doze signos) e ao calendário
cronocrator das conjunções de Júpiter e Saturno. O montante totaliza 1.500 anos,
certamente associado ao ciclo sótico (1460 anos).
Os tesouros ocultos estão protegidos pelos terdak, seres que o “nascido do lótus”
converteu ao Budismo tântrico e colocou como guardiães dos tesouros místicos. Os
termas são de diferentes espécies, como vimos. Alguns estão escondidos em elementos
físicos: os chuter ou ter estão na água e os sater estão na terra. Os gongter são “tesouros
mentais” encerrados dentro da consciência pura. Juntamente aos achados físicos,
também se encontram manuscritos simbólicos, destinados a desencadear revelações
espirituais nas mentes dos tertons.
Diz-se que junto a cada terma ainda se encontra um phurba, o punhal simbólico que
expressa a integração de todas as atividades do Buda (Trikaya). Atualmente, passados
1.200 anos da vida de Padmasambhava, foram já encontrados 21 phurbas (o mesmo nú-
mero de dakinis que celebra o tantrismo, consortes dos dakas ou protetores do dharma).
O ciclo completo se encerraria apenas no século 24, data que se enquadra nos
cálculos do calendário Cronocrator para abrir a nova Idade de Ouro racial - ver a nossa
obra “Os Cronocratores e a Construção da História”.
Sabemos, no entanto, que também se pode “arredondar” este número para certos efeitos.
O número 21 ou 22 é considerado final em vários sistemas cabalísticos (vide Arcanos
Maiores do Tarô), pois encerra a soma 3+7+12. A tríade final que totalizaria 24, pode
ser reunida numa Unidade logóica, tal como aparece no alto da Árvore Sefirótica
através do tríplice AIN, a ser tratada daí como uma transição, algo ao modo dos
epagomenais (dias após o Natal) do calendário solar. Isto diz respeito à confluência de
ciclos que ocorre no final dos tempos, no qual um único Avatar assume tripla função,
resultando na imagem do Brahmam com três cabeças. Daí que na linhagem divina dos
avatares, os Puranas apresentam 22 nomes, ao passo que o Apocalipse traz os 24
anciãos, mais o Cristo, prefigurando a divina Ordem de Melquisedec, alicerce da

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Merkabah celestial ou da Jerusalém celeste. A doutrina dos avatares cíclicos transparece
aqui e ali na doutrina cristã, em passagens como esta: “(...) necessário lhe fora padecer
muitas vezes desde a fundação do mundo. Mas agora na consumação dos séculos uma
vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo.” (Hebreus, 9:26)
“O qual, na verdade, em outro tempo foi conhecido, ainda antes da fundação do mundo,
mas manifestado nestes últimos tempos por amor de vós.” (I Pedro 1 : 20)
Para isto, se pode considerar paralelamente a base numérica dos ciclos pré-
colombianos (52 anos), hebraicos (50 anos) e egípcios (os 54 anos da estrela Sirius-B).
Deste modo as 25 gerações culminariam já em torno do ano 2.000, totalizando assim o
ciclo de 1.260 anos das "idades divinas" de Joaquim di Fiore.*
Pese a sua degeneração, ainda assim os movimentos tibetanos que percorrem hoje o
mundo, carregam grande força, valor e importância simbólica, servindo ocasionalmente
para corroborar processos espirituais emergentes em outras partes, mais ou menos
como os Reis Magos fizeram abalizando o caráter sagrado do Menino Jesus. E neste
sentido, a profecia do XIII° Dalai Lama –o qual muitos tibetanos consideram como o
último Dalai verdadeiro– sobre a futura vinda do dharma para as Américas, após a in-
vasão do Tibet pelas tropas chinesas, sintetiza e simboliza todo este processo -segundo
Emma de Mascheville, a Igreja Católica também estaria se preparando para vir para a
América do Sul. E se acrescentarmos a existência de profecias análogas tanto na
longínqua tradição egípcia como na cristã (ao lado de outras com menor clareza),
teremos restituído um quadro clássico que se repete hoje.

Legitimidade da Função sagrada

Falávamos mais acima sobre o verdadeiro “preço” a ser pago pela legitimidade (e a
funcionalidade superior), nas chamadas coisas sagradas. Isto passa por um
reconhecimento objetivo da Soberania divina sobre a sua própria Criação, na forma do
atendimento aos ensinamentos destes que encarnam a Vontade divina em cada geração.
Através disto, a tendência será pela implantação de Monarquias sagradas ou de uma Te-
ocracia, tal como aquelas que fundamentaram as poderosas culturas espirituais antigas
da raça árya, como o Egito, a Índia antiga, o Tibet, os Maias e assim por diante. Enfim,
as fontes de toda a verdadeira ciência espiritual, e o ambiente no qual pode realmente
florescer a Cultura da Luz.
Sem uma cultura já de fundo espiritual na sociedade, não é possível pensar em legiti-
midade espiritual, ou em real habilidade nas coisas do espírito. Dizer o contrário é
ignorar a verdadeira eficácia dos poderes espirituais, e desconhecer a realidade da Lei.
A exceção reside em trabalhar ativamente pela implantação deste contexto Unificador,
quiçá em torno de um Mestre verdadeiro.
É tolo pensar que o verdadeiro conhecimento, que é transcendente e impessoal, possa
conviver com sistemas materialistas! O princípio do comércio, pode ser em si
considerado natural. Já o Capitalismo, representa uma deformação da imagem humana,
uma vez que a verdadeira idéia de império solar (assim como de Civilização em geral)
não pode ser materialista, porque é algo essencialmente universal. É claro que aquilo
que está predestinado, não pode acontecer sob tais condições, gerando carma para a
sociedade.

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Pelo contrário, uma vez conectado o Elo Sagrado, as bençãos divinas passam a jorrar
espontaneamente sobre uma nação que admite a Assessoria sábia do Criador de todas as
coisas, orientando além disto a formação de um Governo perfeito, justo e iluminado.**
É somente a partir da conexão com esta Fundação Sagrada, que todas as coisas
podem começar a acontecer. O Adepto (grau que fundamenta à verdadeira condição de
Papa, Dalai Lama, Faraó, etc.) é um Ser dotado de plenas habilidades em todos os
planos da cultura, e nele se reúnem de alguma forma todas as linhagens históricas de
atividades, sejam materiais, artísticas, religiosas, científicas e outras que possa haver.
Por isto nele se acha tudo espiritualmente centrado, e ele corresponde de fato ao centro
ou Eixo da roda do mundo, como atestam os mitos sagrados dos povos.
Abaixo, temos a lâmina do Arcano V do Tarô, “O Papa”, observamos que o Mestre
coordena as forças dos opostos e que estes buscam Nele a devida orientação. A luz está,
não “além do bem e do mal”, mas sim das divisões humanas entre matéria e espírito.

O Arcano V do Tarô.

Dele foi dito, nos Evangelhos, guardar "as chaves do céu e da terra". De sua super-
visão sábia, depende a fecundidade de cada escola e a legitimidade da atividade espi-
ritual, as quais devem ser empreendidas sempre em Nome do Avatar e de Seus Repre-
sentantes no mundo; que são os Senhores das energias espirituais reinantes no ciclo e
sub-ciclos históricos. Ainda que eles atuem apenas em termos de Governo Paralelo ou
Estado Interno do Mundo, como conselheiros e orientadores, sem assumir funções
temporais, sequer nos regimes humanos mais sagrados.
Para concluir, mencionemos que a restituição e mesmo a manutenção regular destas
Dinastias Sagradas, está prevista para acontecer a partir dos centros de Shambala,
situados no meio dos hemisférios, seja ao norte ou ao sul do planeta conforme a época.
Foi assim no Tibet, no Egito, na Caldéia, na Atlântida, na Índia... e deve voltar a
acontecer agora nas Américas, na fundação da nova Raça-Raiz (que é a Sexta).
Mais ainda, cabe ao povo brasileiro fomentar de início a este preceito sagrado nesta
nova oportunidade histórica, pois a Tocha divina desponta hoje nesta região do mundo,
sobretudo, onde os Mensageiros do Altíssimo se acham já a postos para realizar as suas
Missões.

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* Com isto, Padma Sambhava, contemporâneo de Maomé, surge como uma das "duas
testemunhas" do Apocalipse 11, numa dada visão. Noutra seria Tsong-Khapa, o reformador do
lamaísmo, mais ou menos contemporâneo de Milarepa e de São Francisco de Assis, no século
XII. Estas duas forças surgem como "elementos de apoio", revitalizadores e reformadores do
Dharma, cumprindo certo nível de visão das profecias, no papel de rishis ou profetas raciais.
** Ver mais sobre isto em nossa obra “A Coroa e a Tiara”.

140
Capítulo 33

A Teocracia Árya segundo d'Alveydre

TEMOS DEMONSTRADO JÁ ATRAVÉS dos nossos trabalhos que, em função de aspetos


estruturais (iniciação, etc.) e também conjunturais (clima, etc.), tanto a Hierarquia como
a humanidade apenas chegaram a um estágio considerado optimun de cultura em nosso
planeta, no decurso da Quinta Raça-Raiz, a Árya, ou seja: muito recentemente.
Isto tem levado tradicionalistas como René Guenón, Shwaller de Lubicz e Frithjof
Schuon, junto a investigadores esotéricos como Fabre d'Olivet e Saint-Yves d'Alveydre,
a realizar a apologia daquela estrutura sócio-racial, como uma verdadeira imagem
idílica –e não raras vezes, com razão.
Grande parte da história e das instituições áryas mais elevadas, permanecem ainda
sob o manto do tempo, tão antigas, profundas e misteriosas foram.
A glória de uma Pérsia de luz ou a beleza de uma Índia memorável, apontam apenas
para uma etapa final, daquilo que houve no começo daquele ciclo, de forma mais ou
menos discreta, mas nem por isto menos difundida.
Raros são os autores modernos que tem se detido de forma mais apaixonada sobre as
culturas antigas, especialmente no tocante aos seus valores e instituições. Dado o
interesse e a raridade do texto que segue, vamos transcrever e comentar a seqüência dos
relatos do autor de “A Missão dos Judeus”, Saint-Yves d'Alveydre, sobre a organização
e mesmo a cronologia do "Ciclo de Ram", como denomina a Raça Árya. Citemos, pois:
“A data de abertura do Ciclo de Ram remonta, por todos os cálculos, a cerca de
86 séculos antes do atual.”
“A organização das instituições do Ciclo, de um ponto a outro do mundo, é
também indubitável, e a diversidade dos nomes não faz senão confirmar, em
diferentes línguas, a Unidade religiosa, a Síntese desse antigo Estado Social.”
Esta forma de Estado foi instituída em pouco tempo por todo globo, o que apenas
pode ser explicado através do aparecimento de um Decreto divino da mais alta
envergadura.
A exaltação do Ciclo de Ram se deve, em especial, como afirmamos de início, ao
fato de que, apenas na fundação da Raça Árya, sob a orientação do Ashram de Agartha
(a Asgard dos nórdicos), se logrou instituir uma verdadeira Ordem universal no planeta
(ver também em “A Missão da Índia”, do mesmo Autor, sobre a natureza e organização
de Agartha).
Quanto à cronologia dada, remontando a 86 séculos (ou 87, atualmente, pois o texto
é do ano de 1884), é a mais extensa possível e seria relativamente exata. Aos poucos, se
vai descobrindo indícios, sob a noite da História, de haver organizações de Estado, bem
antes da criação do Egito histórico (os cientistas modernos datam a Esfinge com nada
menos que dez mil anos!). A grande eclosão da arianidade, ocorreu em data mais

141
recente, inclusive de acordo com os registros históricos, remontando há cinco mil anos
no máximo. Contudo, Rama seria aquele Avatar de Vishnu que precedeu Krishna entre
os dez principais (ou dasavatares), de modo que não dista a cronologia afirmada pelo
autor que, não obstante, caberia recalcular o evento para 75 séculos passados, ou seja:
em meados do período atlante, quando começaram os primeiros ensaios de civilização
pelo Oriente. Prossegue o autor:
“É esse Governo Geral de princípios, como é dito por Moisés, quando
relaciona certos patriarcas, símbolos coletivos e não individuais; é a duração total
desse Império arbitral que ele caracteriza sob o nome de Koush.”
Dir-se-ia ser este um Governo de princípios sagrados. Seus dirigentes personificam
naturalmente princípios grupais, especialmente na sua Unificação vicária que pontifica
em cada geração, centralizando a cultura mundial. Este é também o árbitro supremo
entre as forças sociais, o maestro que rege a orquestra da civilização. Esta tarefa, que
parece simples, representa na verdade algo muito especial. Pois um mestre é muito mais
do que um juiz. Um Mestre é, acima de tudo, um estrategista, uma síntese viva e cria-
tiva que trabalha por antecipação e prevenção, enquanto que um juiz mal passa de um
“remediador” de causas já amplamente perdidas para alguém.
Quanto ao nome Koush, designa como tal um reino nilótico surgido ao sul do Egito,
na Núbia, e que se desenvolveu de forma paralela ao Egito, embora recebendo grande
influência do anterior e por vezes a ele se incorporando, sobretudo durante o primeiro
milênio. Além disto, o nome remete ao Indokush, cadeia de montanhas da Ásia central
que, partindo do Karakorum, se estende pelo nordeste do Afeganistão. Esta alusão pode
evocar o caráter central destas montanhas, dentro do contexto asiático de influência
árya. Cabe dizer que, segundo Saint-Yves, a sua fonte de informações sobre Agartha
veio de um príncipe afegão, que o teria visitado no ano de 1885. Prosseguindo, pois:
“Aqui solicito ao leitor que leia atentamente na ‘Missão dos Soberanos’, o
capítulo das definições das diferentes formas de governo. Mas como é possível
que não tenha à mão esse livro, lembrarei em resumo, as páginas referentes à teo-
cracia.
“O princípio da Teocracia pura é a Unidade da Ciência e da Vida. O fim a que
ela se propõe é a Cultura universal das consciências e das inteligências, sua união
e sua paz social.
“O meio pelo qual esse Princípio chega à sua meta é a tolerância de todos os
Cultos e busca de um Princípio comum a todos.”
A busca da concórdia universal, é natural nos Mestres até porque eles existem em
função disto. Como representantes diretos de Deus, naturalmente focalizam o Todo,
posto que este princípio universal, comum a todos os cultos corresponde necessari-
amente à divindade Una e, sobretudo, à Sua manifestação no planeta através do Avatar
histórico e, depois, à sua Sucessão Apostólica.
As frases seguintes confirmam esta questão:
“A condição necessária ao emprego desse meio é o assentimento livre dos
legisladores e dos povos à eficácia prática da Ciência e da Virtude do Sacerdócio
e do seu fundador.
“A garantia desta forma de governo é a realização incessante da Perfeição
divina pelo contínuo desenvolvimento da perfectibilidade humana: Educação,
Instrução, Iniciação, Seleção dos melhores.”
Deste modo, a via para a edificação de um verdadeiro governo solar, passa antes de
tudo pela compreensão popular da importância de afirmar a soberania divina. A forma
para preservar este estado não é pela “livre escolha”, mas pela educação sistemática e o
investimento cultural maciço, harmonizando livre-arbítrio com predestinação. Sigamos:

142
“Antes do cisma de Irshou, a Ásia, a África, a Europa, foram governadas por
uma Teocracia da qual todas as religiões do Egito, Assíria, Síria, Pérsia, Grécia,
Etrúria, Gália, Espanha, Grã-Bretanha foram o desmembramento e depois a dis-
solução.
“Esta Teocracia claramente indicada nos anais sagrados dos Hindus, Persas,
Chineses, Egípcios, Hebreus, Fenícios, Gregos, Etruscos, Druidas e Bardos
célticos, bem como nas canções da antiga Escandinávia e da Islândia, esta
Teocracia foi fundada pelo conquistador celta celebrado no Ramayana de Valmiki
e os Dionisíacos de Nonus.
“É esta unidade primeira de que encontramos traços positivos por toda a parte,
cuja Tradição foi conservada nos antigos templos que ainda vemos em Filóstrato,
Apolônio de Tiana contemporâneo de Jesus, que vemos comentar em todos os
centros religiosos do Mundo, entre todos os sacerdotes de todos os cultos, desde a
Gália até o interior da Índia e da Etiópia.”
Assim, d'Alveydre não hesita em designar a síntese do Estado teocrático como a
origem absoluta da cultura. As religiões emergem mais tarde, dentro do quadro de
fracionamento da cultura. Ocorre que a Teocracia é o grande regime da Idade de Ouro
que abre as raças.
Pode-se situar o final deste ciclo na época do Buda, posto ser ali que uma nova
Ordem é realmente implantada no mundo. Mas também se deve observar que muitos
dentre os governos citados por Saint-Yves, primam antes por uma Monarquia solar ou
divina, embora o poder dos sacerdotes muitas vezes se encontre forte por detrás.
O autor prossegue comentando sobre a importância e a penetração histórica do
trabalho de Apolônio de Tiana que, retornado da Índia onde teve longo contato com o
sumo-sacerdote Iarchas ("Hierarca"?), agiu como um verdadeiro emissário do Governo
Central do mundo, Agartha:
“Ora, este mesmo Apolonius, último representante voluntário da Iniciação
junto aos poderes dirigentes, controla e procura encaminhar todos os imperadores
romanos que, durante sua longa carreira, se sucederam no Governo Geral do
Mundo.
“Pode-se ver na sua vida, pelos autores citados, que ele cumpriu essa missão
com risco de sua liberdade e vida, como veremos acontecer no Conselho dos
Deuses, o conselho dos iniciados laicos, em Israel e Judá.
“O próprio Jesus Cristo cumprirá este dever de uma maneira ainda mais
brilhante, face às instituições dirigentes de seu povo.
“Daniel agirá da mesma forma na Babilônia; e quando mais nos aprofundamos
no passado, mais o controle dos Poderes públicos pelos iniciados será geral e
eficaz.”
Observa-se assim como a Iniciação foi progressivamente perdendo a sua autoridade
perante os poderes temporais estabelecidos, cada vez mais cegos e surdos à Verdade, na
medida em que decaíam as Idades do Mundo. Apenas sob uma teocracia original, que é
então o próprio governo dos Iniciados, é que a Verdade pode alçar sua voz:
“Mas esse controle é impossível sem o entorno de uma Teocracia, tanto numa
nação em particular, como nos anais mútuos ou intergovernamentais dessas
nações. Onde reina uma forma de governo puramente política, Poder oligárquico
ou Poder de um só, lá onde reina a Anarquia representativa de uma assembléia ou
a Anarquia coroada na pessoa de um soberano, nenhuma perfeição social é possí-
vel, e a troca de uma forma de governo político por outra é só aparente, sem, no
fundo, nada mudar.

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“Acontece o contrário, quando reina a Sinarquia trinitária e o arbitrário é tão
impossível no governo interior de um povo como no Governo geral do conjunto
de povos assim organizados pela Teocracia.”
Assim, nenhuma fórmula é considerada razoável e sábia fora do governo sagrado,
chamado Sinarquia ou Teocracia. Afinal, mesmo quando o mundo vive sob a lei da
Anarquia (ou da Democracia?), esta por si só expressa apenas medíocre frutos, dado ser
um governo meramente humano, o que na ocasião pode ser até melhor do que as falsas
monarquias ou as eventuais tiranias.
“Há mais de um século que confundimos o nome das coisas, tomando os
efeitos pelas causas, os Cultos oprimidos pela Política e pela própria religião, por
ignorância, fruto desta depreciação, pelo espírito ultra-científico que os criou.
Ou seja: a crítica racional, superficial, remete sempre às mesmas meias-verdades
onde ela comete erros, apresentando-os como dogmas. Sigamos:
“A Religião, longe de ser fruto da ignorância, foi a Síntese das ciências, e o
duplo aspecto da Ciência e da Verdade não pode ser reunido e conhecido senão
por ela.”
Trata-se da antiga Religião-Ciência, na síntese original da Idade de Ouro e que, não
obstante, sempre existe algum esforço para adaptar às restantes Idades do Mundo.
Seguramente, o que temos aqui são versões mais nobres de cada uma destas doutrinas,
coisa que permite a sua natural unificação. Onde Ciência é mais sutil e profunda, e a
Religião é mais técnica e pragmática nas próprias coisas espirituais.
“Na ‘Missão dos soberanos’ e na ‘Missão dos Operários’, provei que a
desordem social da Europa, não só nas camadas baixas mas sobretudo nas
informações mútuas a nível de governos, é insolúvel pela Política pura, seja mo-
nárquica, seja republicana, pois essa desordem é o fruto desse dupla política, e só
dela.
“Provei, ao contrário, que essa anarquia armada e revolucionária dos Poderes
soberanos é uma negação perpétua à religião do Cristo, e que esta última indica
claramente a necessidade de um Governo social trinitário, de uma Arbitragem trí-
plice impessoal.”
Na obra “Missão dos soberanos”, Saint Yves insta os operários a não se rebelarem
contra a autoridade legítima dos governantes, e em “Missão dos Operários”, a nobreza é
orientada a seguir a palavra dos profetas sinárquicos. Em seguida, Saint Yves demonstra
que o poder dos profetas hebreus, arautos da Sinarquia eterna, tratava de regular as
monarquias:
“Em Israel, veremos como o Conselho de Deus e o Conselho dos Deuses, na
Sinarquia mosíaca, julgavam o Poder político, quando este, saindo de seu lugar,
recorria à Autoridade para se esquecer de todo princípio e controle, substituindo
pelo arbítrio à Arbitragem Teocrática.
D'Alveydre faz alusão a Dois Conselhos, onde o Sumo Pontífice possui dois papéis,
primeiro ao representar Deus o Único, e logo ao encabeçar a trina Sinarquia, na qual
todos os princípios trinitários estão perfeitamente representados (ver item seguinte).
Todos esses valores intelectuais e morais, tratando-se de Governo Geral ou
particular, vêm do gênio puro que abriu e organizou o Estado Social do Ciclo em
questão, do qual somos resultantes.
“Esse desmembramento do antigo Osíris, do antigo Governo intelectual do
Carneiro e do Cordeiro, foi fruto da Política.”
Saint-Yves deprecia com razão as monarquias européias decadentes, embora no
passado tenham também a sua função divina. Os hebreus foram um caso algo especial,
pois como nação tribal, permaneceram por muito tempo governados pelos profetas e

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sacerdotes em nome de IHVH, seu deus. Foi apenas após a tomada de Jerusalém, no
século XI a.C. que iniciaram os reis hebreus, dos quais os mais importantes foram Davi
e Salomão.

O Fundamento Sinárquico

Vamos observar agora a constituição trinitária deste Estado sagrado, que Saint-Yves
chama a Sinarquia. E o período ora empregada para o ciclo teocrático, 35 séculos,
concorda talvez com o enfoque científico.
“Examinemos agora como, graças a Ram, a teocracia dá ao Mundo inteiro a
paz pública, a felicidade geral, a prosperidade, o Reino de Deus, enfim, sobre a
Terra como no Céu, durante mais de trinta e cinco séculos.
“Ram quis que os três Conselhos representando a Ciência, a Justiça e a
Economia social de seu Império, fossem absolutamente livres, independentes do
Poder político.
“1. O Conselho econômico era sempre a Assembléia dos Anciãos, pais e mães
de família, com todas as suas delegações hierárquicas, desde a comuna rural até os
âmbitos centrais.
“2. O segundo Conselho ou Conselho dos Deuses formava uma verdadeira
Corte de Apelação. Os iniciados leigos pertenciam de direito a esta segunda
Ordem social, que controlava todos os Poderes públicos delegados.
“Os próprios soberanos pertenciam a esse Conselho, a essa Corte arbitral, e
dela vinham seus Poderes, como Reis de Justiça.
“Após sua consagração pelo Sacerdote, o Soberano assim autorizado por uma
potência mais alta que a sua, era oficialmente e publicamente tratado pelos
iniciados com a deferência devida à sua função impessoal, e não à sua pessoa.
“Entretanto, os iniciados continuavam a ser seus pares, e sempre podiam citá-lo
à barra do seu tribunal secreto, sempre que ele faltasse às leis da Ordem, e se
inclinasse a tornar pessoal seu Poder, caso se inclinasse para o arbítrio sua balança
de Rei de Justiça.
“3. O Conselho de Deus era formado não só do sacerdócio oficial, onde todos
os graus se obtinham por exame, mas também dos iniciados com o mais alto grau
no duplo e quádruplo Conhecimento das coisas visíveis e invisíveis.”
Deste modo, as três "pastas" correspondiam à Economia, Justiça e Ciência, e eram
"independentes do poder político". A última, a Ciência (espiritual e material), era a mais
elevada, mas nem por isto absoluta, posto estar sujeita ao parecer dos "Iniciados". A
Sinarquia arbitral era a abolição dos radicalismos, na destruição na anarquia, sem cair
de outro lado na autocracia arbitrária.
Foram também estas mesmas instituições, que estavam simbolizadas nos presentes
outorgados pelos três reis magos ao menino Jesus; embora houvesse ainda outros
significados em tudo isto. Basta dizer que a divisão ternária é típica do Ciclo Áryo, que
foi o terceiro Ashram espiritual do planeta. Os iniciados ali alcançavam o grau solar, daí
que a palavra árya signifique "nobre", servindo de sustentação para as verdadeiras
monarquias solares ou espirituais.

As Ciências Sagradas

Saint Yves traça então um panorama entre a riqueza da espiritualidade antiga, e as


visões parciais do Ocidente europeu, já a partir dos escritos sagrados e dos mistérios
tradicionais:

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“Mesmo numa época mais recente que a da Judéia de Esdras, vemos ainda na
Gemara que os segredos mais importantes dos Mistérios não pertencia, de direito,
a todos os sacerdotes, e que não podiam ser revelados senão aos mais sábios e aos
mais instruídos.
“Na Mishna Hagiga, 2ª parte, vamos ainda mais longe e aprendemos que até
mesmo a relação dos materiais da Mercaba não pode ser comunicado senão aos
Sábios mais avançados.
“Se poderia mostrar que essas regras esotéricas do acesso aos graus superiores
da Ciência estão reservados quase intactos, lá onde Ram se estabeleceu.
“Elas existem no Budismo, entre outros, mas pensar que o intróito dos
capítulos das diferentes ciências e artes são a conseqüência dessas regras,
pareceria aos europeus um sonho das mil e uma noites...
“Entre os europeus que se crêem religiosos porque guardam os Domingos, as
três quartas partes imaginam a Divindade, não sob a forma de quádrupla
hierarquia de Verdades e de Ciências consecutivas, mas Deus, o Pai, sob a figura
de um velho de barbas brancas, Deus, o Filho, sob os traços de um belo Rabi, e o
Espírito Santo sob a plumagem de uma pomba.
“Raros são os fiéis mais ousados, que se aventuram para além desse
antropomorfismo e desse zoomorfismo.
Mesmo em termos práticos, o tema surpreende pela diversidade, oferecendo a visão
de uma verdadeira Ciência espiritual, inatingível ao Ocidente profano ou às suas
religiões oficiais:
“Habituados no que toca às coisas da religião, a pronunciar nomes cujo valor
científico não é determinado por eles, não creriam possível que a Alma, por
exemplo, fosse experimentalmente demonstrável e que sua potência pudesse, pela
Sabedoria, a Ciência e a Arte, até dominar o Espaço de nosso Turbilhão solar, e de
viver na intensidade de sua vida espiritual através de todos os seus círculos
planetários.
“Contudo, a Ciência esotérica de que falo não se detinha e não se detém lá
entre os Bramanistas ou entre os Budistas.
“Tais centros de iniciação, representando os graus mais ou menos elevados da
antiga Ciência, existem ainda em outras comunidades no Oriente.”
Também o Oriental instruído, compreende e sente a vida de outra maneira que o
Europeu, inclusive porque este se afastou da Natureza, diz o autor; afinal, a Natureza é o
palco predestinado ao treinamento para a vida ascender ao supranatural...
“Seu pensamento, sua alma, suas sensações mesmas residem ao lado da
Natureza, de onde o Europeu se exilou. E o inverso deste lado, a que damos o
nome de realidade, é uma coisa muito relativa aos olhos dos sábios do Oriente.
“Todas as fontes atuais onde se conservam os vestígios da antiga Síntese, vêm
do Ciclo a que nos referimos. Este esoterismo e estas iniciações são o prolon-
gamento, ainda que prejudicado, do antigo Conselho dos Deuses e do antigo
Conselho de Deus.
“A Política, os Poderes tornados pessoais, as conquistas, o arbítrio,
conseguiram diminuir no Oriente o antigo Corpo Social organizado por Ram; mas
a Alma continua lá.”
D’Alveydre faz questão de mencionar a estrutura econômica dos antigos mosteiros,
demonstrando que o Cisma de Irshou determinou uma nova Ordem, pois de fato
representou a passagem da Idade de Ouro teocrática, para a Idade de Prata monárquica
(a Tetra Yuga, “Idade de Prata”, começou aproximadamente junto com o período áryo).
O autor compara, então, as instituições de ambos os períodos:

146
“A Corporação dos Sacerdotes era tão autônoma como a organização da
Comuna primitiva. Ela formava uma jurisdição especial, e seu aspecto temporal
lhe pertencia inteiramente, como administração e como propriedade.
“Vamos reencontrar a mesma organização no Egito e em todas as colônias dos
Kousha.
“Antes dos cismas, a classe dos guerreiros não tinha a mínima prerrogativa
como tal. Cada estado-maior recebia seus ensinamentos nos templos e gozavam
dos direitos que a Iniciação conferia.
“Isto posto, eles formavam uma corte de Justiça de primeira instância relativa
aos assuntos militares; mas a Corte de apelação era o Conselho dos Deuses e a
Corte de cassação era o Conselho de Deus.
“Veremos esta organização subsistir no Egito, não a serviço do espírito de
conquista, mas do Governo Geral do mundo.
“No Espírito do Ciclo de Ram, a armada era uma gerdamenria nacional,
destinada a manter a ordem em todo reinado ou vice-reinado internacional que
tentasse escapar às leis religiosas do Império universal e substituir pelo arbítrio a
Arbitragem geral e seus três conselhos.
“Todas as guerras da Índia, a partir do cisma de Irshou até a constituição do
Governo pessoal e do Império arbitrário de Nemrod, tiveram esse caráter
magistral.
“E quando a Índia foi vencida por esse poder de iniqüidade, quando Ninus e
Semiranis esmagaram a metrópole, quando o novo império arbitrário assassinou
também o antigo governo arbitral do Irã, quando ele saqueou o Paradesha e
chegou a matar o Soberano Pontífice para fechar a boca da Antiga Autoridade,
então, veremos o Egito ortodoxo levantar a luva e, fiel à antiga Ordem das coisas,
lembrar, enquanto lhe restarem forças, face o Cisma assírio, o Império arbitrário e
a Anarquia coroada, à antiga Constituição.”
Uma vez mais temos uma confirmação da cronologia antes citada, posto que
Semiranis foi uma rainha assíria que lutou contra os persas, os egípcios, os sírios e os
etíopes. O autor insiste, todavia, na estrutura econômica da época, não distante todavia
das “modernas”:
“Nenhum traço de comunismo apareceu na organização sábia de Ram, senão
entre certas ordens religiosas, protótipos das atuais.
“Em todas as outras classes, os livros sagrados mostram a família e a
propriedade garantidas por instituições que encontraremos em toda a parte, no
Egito, China, Turan, Síria, Judéia, Etrúria, nas leis de Sólon como nas das Doze
mesas. O celibato era considerado como uma espécie de morte civil.
Em seguida, temos detalhes da legislação penal do “ciclo de Ram”:
“A propósito da morte, Ram marcou sua legislação por um caráter onde a
inviolabilidade da vida humana se encontra a cada passo.
“Até na Grécia o crime previa a pena capital ou podia, por direito, se converter
em exílio, segundo solicitação do condenado. Desses proscritos se originou,
milhares de anos depois, a casta dos párias com todas as suas subdivisões.”
Esta legislação também era por vezes severa, mas necessária, e se constituiu na
forma hebraica na chamada Lei de Talião. A comutação penal era uma realidade grega,
mas o filósofo Sócrates abdicou dela para não admitir ser culpado das acusações que lhe
eram imputadas.

A constituição do Estado Teocrático

147
Saint Yves demonstra que a teologia antiga, apresenta uma profunda dimensão
social, e que os Estados antigos estavam preenchidos por uma imensa espiritualidade:
“Esses grandes Corpos espirituais a que chamamos Estados Sociais, não se
criam por si, nem sem Poder criador, nem sem Espírito animador, nem sem Alma
orgânica de Vida específica.
“E eu desafio três exegetas a se reunirem para fundar um Estado Social que
dure oito dias.
“A maneira profana e bárbara de julgar o Espírito contido nos Testamentos de
Moisés e de Jesus, segundo a letra exotérica, portanto, sem compreender a Criação
nem a biologia das Sociedades, é aplicada pela mesma ‘erudição ignorante’ à toda
a Antiguidade contemporânea do judaísmo ou anterior a ele.
“Se tratarem de Virgílio, Homero, Hesíodo, dos restos da literatura grega, dos
rituais de Orfeu, da Tábua de Esmeraldas, das obras bárdicas de Avesta, dos
Kings, dos Vedas, dos Puranas, das estelas, dos papiros, das inscrições hieroglí-
ficas, cuneiformes ou outras, não se terá a chave, compilando sua poeira,
destacando o sentido fonético, analisando as formas gráficas como o anatomista
que corta um cadáver para se tornar fisiologista, ou o bárbaro vivisector que
tortura infelizes animais para estudar biologia.
“E como não se encontra nada, ou quando muito, fragmentos de idéias onde os
pensamentos e as categorias mentais escapam, presta-se liberalmente à
Antiguidade uma ignorância contra a qual protestam com razão os Sábios da Ásia
que guardaram a Ciência.
“O simples bom senso deveria gritar a toda inteligência sadia que se apenas em
cem anos pudemos sair da barbárie e entrever uma soma considerável de verdades
da Ordem física e natural, mais razão existe para que os setecentos e quarenta e
tantos séculos dos Ciclos humanos que precederam Ram deveram lhe legar uma
soma ao menos respeitável de certezas científicas de todo o gênero. Pois esse
grande homem, como qualquer outro sobre a Terra ou no Céu, não criou nada; ele
transformou, reavivando, a quádrupla hierarquia de Conhecimentos de que já
falei, e aplicou os princípios à edificação de um Estado Social o mais perfeito
possível.”
A origem de todas estas organizações residia apenas no sagrado, seja em sua
fundação como na sua manutenção. Mas esta identidade entre tantos povos, não é
necessariamente “influência” e, ainda menos, “coincidência”, derivando antes da
própria natureza da época e, sobretudo, em princípios universais revelados:
“A semelhança das doutrinas e instituições dos diferentes fundadores religiosos
de Sociedades humanas não significa, de modo algum, que eles plagiaram uns aos
outros, assim como a construção de uma ponte por um engenheiro não demonstra
que ele quis plagiar Euclides.
“Também o exegeta e o arqueólogo não fazem senão confirmar Moisés,
quando mostram a correlação que existe entre seu exoterismo e o dos Egípcios,
Caldeus, Persas, Indianos e Chineses.”
Os conhecimentos velados por estas sociedades, traziam práticas, técnicas e recursos
ocultos, começando pelas incomparáveis realizações dos divinos Fundadores, passando
pelas Altas Ciência das Escolas de Iniciação, até alcançar o povo orientado por uma
ética sábia e superior.
“Sem dúvida o Judeu-Cristianismo veio de alguma parte e com um fim
determinado; mas é justamente por isso que ele esconde uma verdade mais pro-
funda e de um significado mais real do que se supõe.

148
“Sim, a sua Revelação exotérica oculta outra mais positiva, porque nos
santuários do Ciclo de Ram, todo o Ensinamento esotérico se chamava Revelação.
“Revelação” é o nome dado por Alice A. Bailey à quinta iniciação, a do vidente
solar, e seu acesso é alcançado pelo estudo e, sobretudo, através do treinamento oculto
e, é claro, da iniciação e até da iluminação:
“Mas em tal Ordem de conhecimentos e de testemunhos sociais consecutivos, o
estudo anda à frente com o exercício de todos os poderes psicúrgicos, intelectuais
e espirituais do homem. Também sair desse estudo para entrar em ação e jogar no
Oceano da Vida dos Povos tais testemunhos orgânicos é, na verdade, criar, sejam
quais forem os modelos anteriores; é emprestar força de Vida ao que já não era e
ao que deve ser ainda.
“É cooperar biologicamente com as Potências inteligentes do Cosmos.”

149
Capítulo 34

"Casa da Vida": o Templo egípcio

O TEMPLO EGÍPCIO TRADICIONAL costumava ser definido como a "Casa da Vida".


Caberia se investigar, então, a natureza que o conceito de "vida" apresenta entre os
egípcios e mesmo para os Antigos em geral.
Inicialmente, lembremos que a vida estava simbolizada pelo símbolo da Cruz Ansata,
ou anck, comumente colocada nas mãos dos deuses e dos faraós, e também nos escritos
funerários, quando desejavam manifestar seu desejo por adquirir as bençãos do paraíso
do além-túmulo de Osíris. A anck era colocada daí nas narinas dos mortos, para denotar
a presença do sopro vital.
Esta vida era, rigorosamente, a sobrevivência da consciência, durante e após a
existência física. E isto não é dizer pouco, posto que a verdadeira consciência é algo que
raramente os chamados "vivos", carnais, possuem desperta no seu dia a dia...
A "Vida" era tida pelos Antigos antes de tudo o mais, como um conceito espiritual,
semelhante às palavras de Jesus acerca da vida, da qual o Pai tem em si mesmo, e que
ele próprio, Jesus, prometeu em abundância àqueles que o seguirem -vida eterna, vida
profunda. "Eu Sou o caminho, a verdade a vida", afirmou. Fora da Verdade não pode
existir vida, posto a mentira nada ser. E quem não caminha na senda reta, tampouco
conquista a vida maior, aquela que não termina quando o tempo físico se extingue.
A vida é luz e consciência, sendo um atributo dos deuses e dos iluminados num
primeiro momento, mas que pode ser compartido em alguma medida por todos aqueles
que sentem o apelo espiritual.
Hoje em dia, a busca espiritual das presentes gerações, reflete uma ânsia essencial
pela vida, tão ameaçada em toda parte, e que R. A. Schwaller de Lubicz, identifica ao
antigo espírito manifestado pelos egípcios na época final do Império e da religião
egípcia. O autor percebe a semelhança através do interesse pela Gnose, que de alguma
forma abrange boa parte do moderno esoterismo:*
“O interesse pela tradicional Gnose, despertado pelo desenvolvimento
espiritual de nosso tempo, é a ilustração mesma do estado de espírito da época
onde florescia o ‘gnosticismo’. Não existe senão uma diferença: nosso desenvol-
vimento é a conseqüência de uma falsa via da procura (busca), a via seguida pelo
racionalismo, enquanto que ao fim do Império faraônico, perto do nascimento do
cristianismo, foi o fechamento do Templo da eterna Sabedoria que deixou sem
guia ao homem ávido de Conhecimento.”
Uma coisa a ser depreendida, é que o próprio Cristianismo conferiu uma nova base
para os buscadores do sagrado, posto renovar no mundo justamente aquele princípio
vital que permite o despertar do espírito e a sua permanência. Seria este novo influxo
espiritual, que iria substituir com o tempo as antigas tradições da Casa da Vida.

150
“As seitas gnósticas têm existido até depois da aparição da doutrina cristã; e
isto pode surpreender, pois os Evangelhos, na sua forma histórica, mas também
cabalística, deviam conferir uma base sólida para o que é a Gnose. Mas nós
julgamos este estado de coisas através de nosso material de escritos cristãos,
enquanto que a época do gnosticismo foi também precisamente a época das epís-
tolas e discursos dos Apóstolos e dos grandes defensores da doutrina cristã.
Dispomos hoje em dia não só destes textos e dos Evangelhos, senão ainda dos
raciocínios e ‘filosofias’ dos Pais da Igreja. Quanto aos primeiros gnósticos de
Cyrenaica, do Egito e da Palestina, eles não tinham à sua disposição senão uma
tradição faraônica fundada sobre um ensinamento cujo aspecto esotérico era
cuidadosamente guardado na ‘Casa de Vida’, que chamamos hoje o Templo.”
Trata-se, assim, da Escola Iniciática, cujo ensinamento estava resumido neste
conceito singelo, mas lapidar: a vida. Os antigos em geral tinham a maravilhosa
consciência de que a vida provém, essencialmente, de Deus e dele depende, através dos
sábios que vem ao mundo para manter esta chama acesa.

Acima: Anck ou a Cruz Ansata, o símbolo egípcio da Vida.

Grande parte da filosofia egípcia estava voltada para esta idéia, e o mundo de Osíris,
assim como a glória de Aton-Rá, o Sol, definiam sempre esta questão para os vivos e os
mortos, que sabiam, sempre de sua dependência, e tratavam de angariar os favores
divinos através de uma ética exemplar e até de práticas esotéricas definidas.
“A ‘Casa de Vida’: como chamar melhor e mais simplesmente este recinto
onde se preparava os discípulos a compreender o sentido esotérico dos escritos e
figurações hieroglíficas? Este esoterismo é a gnose que por raciocínio, mas
também –como diz Zósimo– por tradição, tratamos de formular.
“Agora bem, a Gnose (que nós chamamos o Conhecimento, na acepção de
‘segredo do Devir’) não se formula, ela se realiza: se trata evidentemente de uma
Obra e não de uma dialética filosófica; uma obra cujas fases de realização revelam
igualmente a composição sutil do Homem, as fases do devir humano e sobre-hu-
mano.”
A Gnose surge como um “sinal” e uma adaptação da verdadeira Tradição, sob a
“síntese” do helenismo. A partir destas conclusões, este exaltado estudioso do oculto,
que permaneceu dez anos em Luxor estudando os templos e os hieróglifos, apresenta a
natureza real destes estudos e a que eles se destinam: a compreensão das teogonias
egípcias.
“Se pode, então, dizer que a Sabedoria ensinada pela Casa de Vida é uma de-
monstração efetiva do que transmitem as teogonias, as teologias, os textos que
falam daquilo que faz a matéria e suas formas, e daquilo que anima estas formas,
constituindo, na sua expressão irredutível, o Espírito, a Alma e o Corpo.”

151
Através da meditação sobre a evolução ontológica destes princípios, chega-se a
compreender sem dificuldades que a filosofia grega depreendeu apenas o mais exterior
de tudo isto, ao pretender abarcar com o mental questões que derivam essencialmente
dos grandes princípios da criação, “simples como a luz, fortes como a vida...”
“Bem compreendido, cada um destes elementos do ternário original se torna
complexo na criatura, porque o Um, que é o ‘Alto’, dividindo-se dá um Divisor,
que é o ‘Baixo’, o qual aumenta mais e mais em grandeza, enquanto que a fração
da Unidade, ou seja, sua intensidade, diminui mais e mais. Isto é uma imagem que
torna sensíveis os efeitos relativos das frações entre eles, esses efeitos ou ‘frações’
da Unidade, constituindo os fenômenos que fazem nosso Universo. Então isso que
é, em Essência, simples, se torna complexo e incita à procura para a qual o erro
consiste, precisamente, em partir do complexo, em lugar de admitir aquilo que a
Sabedoria mostra como o simples. É o caminho dialético do raciocínio das
filosofias gregas que, depois do fechamento da Casa de Vida, renegando os dados
simples da iniciação faraônica, tem extraviado esse mundo de buscadores
formando a época do ‘gnosticismo’, o que não nega a existência daqueles raros
verdadeiros gnósticos iluminados pelo Espírito Santo que animava o Templo.”
Pois, mais que raciocínio e compreensão, o conjunto de doutrinas transmitidas pelo
Templo egípcio, levava ao esclarecimento acerca da verdadeira Fonte da vida e a forma
como manter-se dentro dos limites do Tuat, o espaço da consciência. Daí ser um ensina-
mento essencialmente vital, que adquire praticidade imediata e não necessita ser
"refletido", simplesmente porque se revela a si mesmo na sua natureza, na medida em
que o discípulo se abre a vivenciá-lo corretamente.
“O ensinamento secreto dos Sábios egípcios era, em verdade, uma revelação.
Pois o que é revelado não pode ser achado por raciocínio, porque a Revelação
deve ser compreendida como uma visão súbita, irrefletida (uma evidência), de
uma irracionalidade demonstrada por sua atividade. Por exemplo, o fenômeno
‘Vida’ é sensível; o constatamos por toda parte; mas o mistério que faz essa vida –
por exemplo, na semente germinando na terra– este impulso para a vida (graças
evidentemente a um concurso de circunstâncias), este momento que está fora do
tempo, não pode ser apreendido pelos sentidos e não pode também ser racio-
cinado. Há, e haverá sempre, um elemento irracional na fonte do fenômeno
‘Vida’.”
A própria ciência tradicional compreende que, em algum momento, se dá esta gênese
vital na existência humana, no processo de formação do corpo. Mas é claro que isto não
explica a origem do Princípio em si, posto apenas identificar o surgimento nos seres
aptos a captá-lo. Pudessem os cientistas ter maior clareza a respeito, as portas para a
verdadeira Religião –e com isto, para a Vida real– estariam quiçá uma vez mais
abertas...
“Este momento, se chama em teologia, a gênese fetal humana, o instante da
animação, situado ao redor de quarenta dias após a fecundação do óvulo como o
atesta a Igreja católica romana para a qual o aborto não é criminoso senão logo
após esse tempo. Esse número de quarenta dias figura igualmente na tradição
hermética que, em si mesma, não tem nada em comum com os efeitos fisiológicos
mensais da mulher. O biologista dirá que é entre a quinta e a sexta semanas que o
embrião se une à mãe (formação da placenta), que vai nutrir a célula, viva mas
não ainda organizada, com seu sangue arterial. Então o ser informe vai poder ‘se
organizar’, assimilar e crescer, e viver uma vida própria no seio materno. O
biologista explica o fato puramente material, de alguma forma mecânica, do
fenômeno; ele não explica a aparição do ser. Todavia, o fato prova a existência de

152
uma intervenção: esse famoso ‘concurso de circunstâncias’; existe, pois, um ins-
tante cognoscível –senão explicável–, e o conhecimento da natureza desse
momento abre, logicamente, a porta à última resposta aos questionamentos da
ciência humana. Nenhum raciocínio pode revelar esta irracionalidade; chegar-se-á
sempre, como em matemáticas, a um infinito. Pois, lá como aqui, enganando-se
com pontos matemáticos e quantidades diferenciais nulas, é necessário, sempre,
para o raciocínio, situar essas quantidades em tempo e espaço.”
É claro que tudo o que os grandes Iluminados tem a ensinar se refere a este Princípio,
do qual Ele é a própria Encarnação. Nenhum grande Mestre enfatizou qualquer outra
coisa, e muito menos especulações vãs sobre a reencarnação, posto desejarem que as
pessoas vivessem as sua vidas aqui e agora.
E isto se resume, melhor do que qualquer outra coisa, nas palavras de Jesus diante
dos judeus especuladores sobre a vida futura na "ressurreição". Foram estas as suas
lapidares palavras: "Deus é o deus dos vivos, e não o deus dos mortos...".
“Esse segredo, Buda, Moisés e os Apóstolos dos Evangelhos o tem conhecido;
estes últimos o têm chamado Cristo, chrestos, a unção divina, que é a vida, a
Revelação, e era igualmente (segundo tudo o que ela nos tem deixado pelos textos
e figurações) o Conhecimento essencial da Casa de Vida.”
“Os gnósticos e outros filósofos têm procurado através de todos os raciocínios;
mas só a revelação, a descida do Santo-Espírito sobre o indivíduo preparado, po-
dia –e pode sempre– trazer essa súbita luz.”
É claro que não se trata de apenas gerar uma postura adoradora e uma atitude
devocional nas pessoas. Isto é apenas uma base, relacionada ao despertar para a
Verdade, a qual expressa acima de tudo a soberania divina e a nossa real dependência de
Deus enquanto “meras” criaturas deste Senhor perfeito –destinadas, é claro, a receber
cada vez mais glórias e heranças divinas, sempre que merecedores de Suas bençãos.
Pois sobre isto, se desenvolvem todas as altas Ciências do Espírito, que envolvem o
intelecto mais agudo e também todas as restantes bases da civilização.
Por outro lado, aqueles que pretendem desenvolver a ciência espiritual sem ter em
conta vividamente a sua dependência contínua desta Fonte primeira, onipresente através
da Lei eterna do Carma ou a Justiça divina, agem como Lúcifer ou Prometeu e
terminam vítimas das energias sutis às quais não podem transformar e dominar, fazendo
com que o céu se torne em inferno... Daí dizer Lubicz:
“Mas esse homem privilegiado, iluminado, não é ainda por isso um Sábio, por-
que sem a preparação, sem o despertar da inteligência mística, ou seja do coração,
o fato revelado não será ainda para ele mais que uma coisa, um fenômeno que ele
saberá produzir como um ato material qualquer.
É esta, pois, a história dramática da desviação de nossa ciência atômica, no seu
comportamento cara-a-cara com a Energia cósmica. Sigamos, porém:
“Esta ausência de Inteligência do Coração o conduzirá então mais seguramente
para a aniquilação, para o eclipse de toda visão espiritual e sobrevida superior,
porquanto que, se o ateu não terá pecado contra o Verbo divino, aquele que ficar
surdo ao chamado do mais Alto quando tem recebido o dom de ouvir, comete um
crime; é nesse caso, o verdadeiro crime imperdoável. A história da kabala judaica
oferece exemplos desta queda.
“Se compreendemos bem esses fatos, a Casa de Vida toma um caráter sagrado
que nos enche de um respeito infinito; mas que temível privilégio ser ali admi-
tidos! Pois é afrontar a Vida ou a Morte espirituais, e isto para sempre, sem outra
solução possível.”

153
Finalmente, cabe observar que toda esta dependência do Mais Alto, fica patenteada
na prática através do Representante divino na Terra, o Faraó, filho de Osíris ou da vida
eterna, e “senhor das chaves do céu e da terra”, como disse Jesus acerca de São Pedro,
ou seja, da justiça terrena e da iluminação espiritual. Daí a imperiosidade da Monarquia
espiritual ou da Teocracia nas sociedades verdadeiramente sagradas e alinhadas com a
vontade divina.

* Em Le Miracle Égyptien; Ed. Flammarion, França. Os parágrafos citados que seguem são
todos extraídos desta obra, Capítulo intitulado "La Maison de Vie".

154
Capítulo 35

Os Mundos Antigos

EM SUA OBRA “SOBRE LOS MUNDOS ANTIGUOS”, Frithjof Schuon demonstra uma
visão especialmente penetrante da fenomenologia cultural da Antiguidade, levantando
um quadro bastante completo, à luz da História, do espírito das antigas civilizações,
especialmente o da cristandade medieval.
O homem moderno olha para trás com temor e reprovação, sem ter em conta o que
eram os valores e as conquistas espirituais da Antiguidade. Apesar do tom do autor ser
algo apologético, de podermos desejar que o futuro seja progressivo (e não “cíclico”),
mesmo tendo de nos adaptar em alguns pontos, cabe meditar sobre as colocações do
sábio, até porque ainda não sabemos bem o quanto temos perdido, ou o quanto teremos
de retomar, ou até, se uma crise ainda maior nos forçará a abrir mão de muitas
conquistas modernas, de modo que um olhar generoso sobre um largo passado, sempre
contribuirá para construir melhor o presente e o futuro.
Devido à clareza da exposição, vamos transcrever algo extensamente os parágrafos,
por enriquecer o nosso tema, e comentá-los em certa medida.

Centro e Origem: Fundamentos da Tradição

O autor parte então da idéia capital, de que os Antigos organizavam-se num contexto
geográfico-temporal sagrado, central e original -ou pelos menos, bebiam profundamente
de mitos e lendas relativos a tais questões:*
“Toda a existência dos povos antigos e no geral dos povos tradicionais está
dominada por duas idéias-chaves, as do Centro e da Origem. No mundo espacial
em que vivemos, cada valor se refere de alguma maneira a um Centro sagrado que
é o lugar onde o Céu tem tocado a terra; em qualquer mundo humano existe um
lugar onde Deus se tem manifestado para espargir suas graças. O mesmo ocorre
com respeito à Origem, que é o momento quase intemporal em que o céu se
encontrava próximo e as coisas terrestres eram todavia semi-celestes; mas
também, para as civilizações que tem um fundador histórico, é o período em que
Deus falaria, renovando desta forma a aliança primordial para uma rama da
humanidade.”
Para o homem antigo, em meio às instabilidades do mundo e às incertezas do
destino, havia um único fator de segurança: a Tradição:
“Ser conforme a tradição é permanecer fiel à Origem e por este motivo situar-
se no Centro; é manter-se portanto na Pureza primeira e na Norma universal. No
comportamento dos povos antigos e tradicionais tudo é explicável, direta ou
indiretamente, por estas duas idéias, que são como os pontos de referência no
mundo incomensurável e perigoso das formas e da mudança.”

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O Imperialismo Antigo: Síntese cultural e Organização global

Partindo desta idéia de Centro e Origem, era preciso organizar o mundo. Isto muitas
vezes daria lugar às conquistas territoriais com o sentido englobar e reunir culturas em
nome de Deus, mais ou menos como o Islã tem feito mais recentemente, mas com maior
maestria foi realizado pelos Persas a partir de Ciro, que lançou as base para o primeiro
império universal, no sentido amplo do termo, seja em seu cosmopolitismo, como na
sua abrangência territorial.
“Este gênero de subjetividade mitológica, se se pode expressar assim, permite
compreender por exemplo, o imperialismo das antigas civilizações, pois não
bastaria invocar neste caso a ‘lei da selva’, inclusive no que pode ter de inevita-
velmente biológica e, por conseguinte, de legítima; também se há de ter em conta,
antes de qualquer coisa (posto que se trata de seres humanos), o fato de que cada
civilização antiga vive como numa lembrança do Paraíso perdido, o qual se apre-
senta –como veículo de uma tradição imemorial ou de uma Revelação que res-
taura a ‘palavra perdida’– como a ramificação mais direta da ‘idade dos deuses’.”
De fato, a Palavra sagrada resume e sintetiza a sabedoria de uma raça, e é a sua posse
que permite que o mundo encontre a sua Ordem original, vista seja como revelação
doutrinal, seja como mistério iniciático oculto.
Havia um sentido inato de missão, de urgência e de responsabilidade, expressão
direta e inequívoca da posse da Alma nos guerreiros da Lei. Em certo sentido, era a
presença de um espírito coletivo arraigado, possivelmente remanescente de uma
tradição tribal extensa, que alimentava parte destas aspirações, na medida em que o
sentido de individualismo estava profundamente identificado ao grupal -"reminiscência
das vidas em estágios animais e pré-humanos", diriam talvez alguns esotéricos.
“Em conseqüência, toda vez é ‘nosso povo’ e nenhum outro que perpetua a hu-
manidade primordial a partir do duplo ponto de vista de sabedoria e das virtudes;
e seria preciso reconhecer que esta perspectiva não é mais nem menos falsa que o
exclusivismo das religiões ou, no plano puramente natural, a unicidade empírica
de cada ego. Muitos povos não se designam a si mesmos com o nome que outros
lhes atribuem, se chamam simplesmente ‘o povo’ ou ‘os homens’; as outras tribos
são ‘infiéis’, tem-se desgarrado do tronco; grosso modo, este é o critério do
Império romano da mesma forma que o da Confederação dos Iroqueses.”
Eis a arraigada noção do “povo eleito”, aquele ao qual Deus fala em primeiro lugar,
senão de uma forma exclusiva. No moderno esoterismo, temos uma manifestação desta
realidade no conceito de “raça-raiz” (e suas sub-raças), aquela raça emergente que se
destaca entre as outras, como portadora da verdade da evolução e da energia dinâmica
das coisas.
Na realidade, existe toda uma aculturação (diríamos melhor, educação) de sabedoria
–não raro malversada, "é natural"–, em torno de idéias centrais e originais, no sentido de
formar uma nova cultura e raça dotada de uma Missão especial. Foi o que vimos com a
cultura judaica, e os hebreus não foram nem os primeiros nem os últimos a se
considerarem um "povo eleito". Os romanos, por exemplo, já haviam manifestado este
espírito, sobretudo a partir de Júlio César, e de certa forma incorporaram a idéia da
função divina do Imperador a partir da invasão do Egito, buscando reunir o aspecto
religioso ao político.
“O sentido do imperialismo antigo é o de estender uma ‘ordem’, um estado de
equilíbrio e estabilidade conforme um modelo divino que ademais se reflete na
natureza, particularmente no mundo planetário; o imperador romano, como o
monarca do ‘Império celeste do Meio’, exerce seu poder graças a um ‘mandato do

156
Céu’. Júlio César, detentor deste mandato e ‘homem divino’ (divus),** tinha
consciência do alcance providencial de sua missão; em sua opinião ninguém tinha
o direito de oponer-se-lhe; Vercingetorix (general e chefe gaulês proclamado em
52 a.C. chefe de uma coalizão de povos gauleses contra César) era para ele uma
espécie de herético. Se os povos não romanos eram considerados ‘bárbaros’, antes
de tudo é porque se colocavam à margem da ‘ordem’; desde o ponto de vista da
pax romana manifestavam o desequilíbrio, a instabilidade, o caos, a permanente
ameaça.”
Em certo sentido, Roma assumiria o cetro do Egito, também sob o aspecto espiritual,
afinal havia destituído a glória e a soberania do país do Nilo. E seria apenas após a
expansão do Império Romano rumo à terra egípcia, que os Imperadores de Roma ado-
taram uma postura propriamente teocrática. Prossigamos (o itálico acima é nosso):
“Na Cristandade (corpus mysticus) e no Islam (dâr el-islâm), a essência teo-
crática da idéia imperial aparece com claridade; sem teocracia não se pode falar
de civilização digna deste nome. Isto é tão verdadeiro que os imperadores
romanos, em plena decomposição pagã e a partir de Diocleciano, sentiram a
necessidade de divinizarem-se ou deixarem-se divinizar, atribuindo-se de forma
abusiva a qualidade do conquistador dos gauleses, o descendente de Vênus.”
É claro que mesmo a modernidade tem mantido certos padrões imperiais, mas já não
se encontram geralmente as justificativas religiosas antigas. Pelo contrário, é sempre em
nome da expansão material, maculando tantas vezes as culturas que preservam ainda
tradições sagradas ou naturalistas, numa malversação completa do sentido universalista
do império solar, afrontando seja a natureza como a espiritualidade, base e meta da vida
que são...
“A idéia moderna da ‘civilização’ não carece de relação histórica com a idéia
tradicional do ‘império’; mas a ‘ordem’ tem se transformado em algo puramente
humano e profano por completo, como, por outra parte o demonstra a idéia de
‘progresso’, que é a negação mesma de qualquer origem celestial; de fato, a
‘civilização’ não é senão o refinamento cidadão no marco de uma perspectiva
mundana e mercantil, o que explica sua hostilidade tanto para a natureza virgem
como para a religião. Segundo os critérios da “civilização”, o ermitão contempla-
tivo –que representa a espiritualidade humana e ao mesmo tempo a santidade da
natureza virgem– não pode ser mais que uma espécie de ‘selvagem’, quando na
realidade é o testemunho terrestre do Céu.”

Poder Temporal e Poder Espiritual

Esta secularização resulta de um complexo processo dialético entre poder temporal e


religioso, que terminou quase banindo o fundo espiritual da Civilização. Tal dicotomia é
própria da época fragmentária das instituições que foi toda a Era Cristã, nas Idades de
Bronze e de Ferro da Civilização.
“Estas considerações nos permitem fazer neste momento algumas precisões
sobre a complexidade da autoridade na Cristandade do Ocidente. O imperador
encarna frente ao Papa o poder temporal, mas isto não é tudo; representa também,
pelo fato de sua origem pré-cristã e não obstante celeste,*** um aspecto de
universalidade, enquanto que o Papa se identifica por sua função unicamente à
religião cristã.”
Santo Tomás de Aquino formularia em A Monarquia, a doutrina da subserviência do
poder real ao Papado, imagem do Império divino que é em sua Unicidade. Mas a virtual
divisão de poderes resultava então, de não ser o reino de Cristo deste mundo naquele

157
período ou idade histórica, ao contrário de certas tradições "pagãs" que tinham em vista
épocas de maior integração, passadas ou futura. Prossigamos, todavia:
“Os muçulmanos na Espanha não seriam perseguidos senão a partir do
momento em que o clero havia chegado a ser demasiado poderoso frente ao poder
temporal; este, que é competência do imperador, representa neste caso a univer-
salidade e o ‘realismo’ e, portanto, a ‘tolerância’, e por conseqüência também,
pela força das coisas, certo elemento de sabedoria. Esta ambigüidade da função
imperial –da que os imperadores tiveram consciência em um ou noutro nível– ex-
plica em parte o que poderíamos denominar o tradicional desequilíbrio da
Cristandade; e poderia dizer-se que o Papa reconheceu esta ambigüidade**** –ou
este aspecto de superioridade que paradoxalmente acompanha a inferioridade– ao
prostrar-se ante Carlos Magno após sua coroação.”*****
Tudo isto reflete a complexidade da relação entre poder real e poder sacerdotal, no
contexto profundamente dicotomizado da Era de Peixes, gerando alianças muitas vezes
frágeis e instáveis. É um fato que a religião ostenta a condição humana mais elevada;
não obstante, vale notar que a classe-dharma do ciclo áryo, era realmente a aristocracia -
tal como na nova raça que surge a partir de 2012, será efetivamente a do sacerdócio.
Com relação ao episódio citado acima, na verdade o ato do Papa Leão III foi um
gesto de extrema argúcia da Igreja, simbolizando o espírito de adaptação que animaria
esta dinâmica instituição durante toda a Idade Média, e mais além. A Igreja sempre teve
necessidade de apoiar-se no poder temporal. A soma de dois fatores, a ascensão do Cris-
tianismo e as sucessivas invasões bárbaras do Norte na Europa, terminariam minando de
morte o Império Romano, e desde aí, com o desmantelamento da exímia organização
imperial romana, teve início um período de trevas na Civilização, onde a pouca luz que
havia se originava realmente dos claustros e das universidades católicas (como também
ocorreu no Tibete recente).
A chegada dos bárbaros trouxe um novo vigor à Cristandade, resgatando a sua
dimensão aristocrática. Adotando instituições locais como o feudalismo e a própria
religião européia, estes bárbaros não apenas racharam o Islã em batalhas memoráveis
como Poitiers, vencida pelo rei franco Carlos Martel (avô de Carlos Magno), como
traziam certas tradições reais que uniam vínculos sagrados (o “aspecto de
universalidade” pagã de que trata Schuon, acima). Ora, Carlos Magno julgava dispen-
sável a ‘benção’ da Igreja para o seu Império, e qual não foi a sua surpresa quando o Pa-
pa o coroou, algo informalmente, numa simples Missa de Natal! Fazendo isto, o Papa
pode subordinar de certa forma o Império do Ocidente a Roma -pelo menos, até que a
própria Igreja decaísse profundamente e os reis recuperassem uma moral superior.

O "Mal Menor" imperial e a falácia anárquica

De qualquer forma, o espírito imperial teve em muitos casos um sentido "protetor",


mesmo que, como é "natural", tantas vezes isto tenha sido usado como subterfúgio,
como observamos inclusive em tempos muito recentes...
“O imperialismo pode vir do céu ou simplesmente da terra, ou mesmo do
inferno; em qualquer caso, é certo que a humanidade não pode manter-se dividida
numa pulverização de tribos independentes; os maus se arrojariam ine-
vitavelmente sobre os bons e o resultado seria u’a humanidade oprimida pelos
maus e, portanto, o pior dos imperialismos. O imperialismo dos bons, se assim se
pode dizer, constitui-se pois numa espécie de guerra preventiva inevitável e pro-
videncial; sem ele não é concebível nenhuma grande civilização.”******

158
Pode-se dizer que tudo isto representa uma espécie de "mal menor", ou mesmo um
"mal necessário" devido à própria imperfeição humana, pelo menos ao nível de
cristandade histórica. De certa forma, a opção tem sido as trevas da desordem social e a
falta de organização em geral.
“Se nos fazem a observação de que tudo isto não nos faz sair da imperfeição
humana o aceitamos; longe de preconizar um ‘angelismo’ quimérico, registramos
o fato de que o homem sempre é o homem desde que as coletividades com seus
interesses e paixões entram em jogo; os condutores de homens estão
absolutamente obrigados a ter isto em conta, ainda que desgoste àqueles
‘idealistas’ que estimam que a ‘pureza’ de uma religião consiste em suicidar-se.”
Devemos então ser realistas e reconhecer a interdependência dos poderes, quando ela
não pode ser realmente unificada como seria o ideal sinárquico. De resto, o apoio mútuo
tem servido sempre para legitimar o poder temporal e, reciprocamente, para difundir a
religião, resultando num Todo que se revela razoavelmente positivo:
“E isto nos conduz a uma verdade que está demasiado perdida de vista pelos
próprios crentes: que a religião como fato coletivo forçosamente se apóia sobre o
que a sustém de uma maneira ou de outra, sem por isto perder nada de seu
conteúdo doutrinal e sacramental nem da imparcialidade que resulta disto; pois
uma coisa é a Igreja como organismo social e outra o depósito divino, o qual
subsiste por definição mais além das intrigas e servidões da natureza humana
individual e coletiva. Querer modificar o arraigo terrestre da Igreja –arraigo que o
fenômeno da santidade compensa com vantagens– leva a deteriorar a religião no
que tem de essencial, conforme a receita ‘idealista’ segundo a qual o meio mais
seguro de cura é matar o paciente.”
Neste ponto, o sábio investe contras as tentativas modernas ou recentes, no sentido
de banir a religião e promover uma sociedade secular "superior" e "pura", independente
do sagrado e da ordem religiosa – uma utopia que, de resto, já se revelou vã, porque
peca por pretender dispensar a intermediação superior, quando na verdade a verdadeira
vocação espiritual é algo raro e nobre e o princípio de hierarquia tampouco pode ser
dispensado.
“Em nossos dias, na intenção de elevar a sociedade humana ao nível do ideal
religioso, se rebaixa a religião ao nível do que é humanamente acessível e racio-
nalmente realizável, mas que nada é, tanto desde o ponto de vista de nossa
inteligência integral como de nossas possibilidades de imortalidade. O exclusiva-
mente humano, longe de poder-se manter em equilíbrio, conduz sempre ao infra-
humano.”

Cosmologia e Escatologia

Volta então Schuon, a repisar o espírito cosmológico e cíclico dos Antigos, para
tratar do sentido de Finalidade superior que animava estes esforços de civilização
sagrada. Para o espírito religioso, as transformações podem ser vistas como progresso,
pois se o progresso é tolerado em nível global, é porque já pode ser considerado um
quadro final escatológico no qual, sem dúvida, a intervenção divina se torna iminente e
até providencial...
“Para os mundos tradicionais, situar-se no espaço e no tempo significa,
respectivamente, colocar-se dentro de uma cosmologia e uma escatologia; o
tempo não tem sentido mais que pela perfeição de origem que se trata de manter e
com vistas ao estalido final que nos projete quase sem transição aos pés de Deus.
Se no tempo às vezes ocorrem desenvolvimentos que se poderiam tomar por pro-

159
gressos caso se lhes isolasse do conjunto –na formulação doutrinal, por exemplo,
ou sobretudo na arte que tem necessidade do tempo e da experiência para
madurar– nunca é porque na Tradição se suponha que chegue a ser diferente ou
melhor, senão pelo contrário, porque quer permanecer ela mesma de modo
completo ou ‘chegar a ser o que é’, ou com outras palavras: porque a humanidade
tradicional quer manifestar ou exteriorizar em um certo plano o que traz em si
mesma e corre o risco de perder, aumentando este perigo com o desenvolvimento
do ciclo que forçosamente conduz à decadência e ao Juízo.”

A Austeridade e crescimento espiritual

O contraste entre simplicidade e refinamento é um dos traços que, paradoxalmente,


pode revelar o índice da espiritualidade. O espírito franciscano, que reviveu o
despojamento do Cristo, na pobreza e no espírito de comunhão da cristandade primitiva,
pode remodelar a Igreja. Mas com a aproximação do poder temporal, sempre vimos o
nascimento da tradução exterior do espírito e, quiçá, a perda dos elos mais simples e a
pureza original.
“É, em soma, toda nossa crescente debilidade e com ela o risco do
esquecimento e da traição, o que nos obriga a exteriorizar ou fazer explícito o que
na origem estava incluído numa perfeição interior e implícita; São Paulo não tinha
necessidade nem do tomismo nem das catedrais, pois todas as profundidades e to-
dos os esplendores se encontravam em si mesmo e ao seu redor na santidade da
comunidade primitiva. E isto, longe de sustentar a iconoclastia de qualquer
gênero, se volta perfeitamente contra ela: as épocas mais ou menos tardias –e a
Idade Média era uma delas– têm necessidade de uma maneira imperiosa das exte-
riorizações e desenvolvimentos. Exatamente como a água de uma fonte, a fim de
perder-se no curso de seu caminho, necessita um canal feito pela natureza ou a
mão do homem; e assim como o canal não transforma a água nem se espera que o
faça –pois nenhuma água é melhor que a água do manancial–, as exteriorizações e
desenvolvimentos do patrimônio espiritual estão, não para alterar este último, se-
não para transmití-lo da maneira mais íntegra e eficaz possível.”
O homem moderno olha para trás com temor e reprovação, sem ter em conta o que
eram os valores e as conquistas espirituais da Antiguidade. As próprias dificuldades da
vida representavam para o homem antigo um motivo para olhar para Deus. E não tem
sido este sempre o sentido das "provações" do caminho iniciático? É certo que o
religioso é vocacional; mas também é verdade que uma certa austeridade sempre será
positiva –sobretudo quando tivermos a Natureza por moldura...
“Nos tempos antigos, tão desacreditados em nossa época, os rigores da
existência terrestre, incluída a perversidade dos homens, eram aceitos no final das
contas como uma fatalidade inelutável e, por outra parte, se cria com razão que é
impossível aboli-los de fato; em meio às provas da vida não se esqueciam as do
mais além, e além disto se admitia que o homem tem necessidade aqui embaixo
tanto do sofrimento como do prazer e que uma coletividade não pode manter-se
no temor a Deus e na piedade apenas no contato com as satisfações...”
O excessivo processo civilizatório e a criação de luxo e facilidades tende, pelo
contrário, a promover a decadência moral. Mas também é verdade que a Civilização
conheceu Idades de Ouro em que eram compatíveis, num nível superior de civilização,
um conforto relativamente elevado e também uma espiritualidade crescente. A chave,
para isto, seria a definição de instituições solares, assim como o respeito e a organização
do povo em torno destes valores sagrados.

160
“À luz desta sabedoria elementar, um progresso condicionado pela indiferença
espiritual e a idolatria do bem-estar tomado como um fim em si mesmo, não
poderia constituir uma vantagem real, quer dizer, proporcionada à nossa natureza
total e a nosso núcleo imortal... a civilização moderna dá para quitar; dá o mundo
mas quita a Deus: e isto é o que compromete seu dom de mundo.”
Quer dizer, como já temos bem claro em nossos dias, a falsa civilização do
materialismo, compromete a harmonia do mundo e toda a possibilidade de nele se viver.
O conforto artificial cobra um preço muito alto, começando por roubar a alma e depois
por desalojar o próprio mundo dos horizontes da raça. Por isto toda Kali Yuga termina
num cataclismo ambiental que, não obstante, depura a Terra, porque toda a crise contém
as sementes da sua regeneração. Prossegue o autor:
“Em nossos dias se tem mais que nunca a tendência a reduzir a felicidade à
segurança econômica –pelo mais, insaciável face à criação indefinida de neces-
sidades artificiais e a baixa mística da inveja–, mas o que se perde totalmente de
vista ao projetar esta perspectiva no passado é que o ofício tradicional e o contato
com a natureza e as coisas naturais são os fatores essenciais da felicidade humana.
Semelhantes fatores desaparecem na indústria, que exige com demasiada
freqüência, se não sempre, um ambiente desumano e manipulações quase ‘abstra-
tas’, gestos sem inteligibilidade e sem alma, tudo isto dentro de uma atmosfera de
astúcia congelada; chegando-se sem dúvida às antípodas do que o Evangelho
entende ao ordenar o ‘fazer-se como crianças’ e não ‘preocupar-se com o porvir’.”
Podemos caracterizar o “ofício tradicional” dentro das classes tradicionais: servidor,
mercador, guerreiro e sacerdote. Tudo isto enquadrado pelos recursos naturais e sem
maior apelo à industrialização. De fato, esta austeridade chegou a gerar toda uma
filosofia de renúncia que gerou o próprio espírito da Idade Média, na medida em que
levava a população para os claustros, culminando com a criação das Ordens de
cavalarias e seu emprego nas “guerras santas”. Estes formaram o espírito que mais tarde
edificaria a nobreza das novas Monarquias nacionais. Num certo sentido, a cavalaria
expressa o grande ideal de uma época do mundo: a nobreza.
“Para o antigo cavaleiro não havia no fundo mais que esta alternativa: o risco
da morte ou a renúncia ao mundo; a grandeza da responsabilidade, do risco ou do
sacrifício, coincide com a qualidade da ‘nobreza’; viver nobremente é viver em
companhia da morte, seja carnal ou espiritual. O cavaleiro não tinha o direito de
perder de vista as fissuras da existência; obrigado a ver as coisas desde o alto,
sempre devia roçar com seu nada. Ademais, para poder dominar aos outros é
preciso saber dominar-se a si mesmo; a disciplina interior constitui a qualificação
essencial para as funções de chefe, juiz e guerreiro. A nobreza verdadeira, que
pelo mais não poderia ser o monopólio de uma função, implica a consciência
penetrante da natureza das coisas ao mesmo tempo que um generoso dom de si
mesmo, excluindo tanto as quimeras como as baixezas.”
Assim, o guerreiro é um nobre e sua espada é uma balança, sempre pronta a pesar o
seu valor. O guerreiro busca o equilíbrio entre o céu e a terra, emergindo assim como
um intermediário ideal para conectar a Hierarquia e servir como líder nas nações. Daí
será sua tarefa capital numa sociedade, a tal ponto que a Idade Média podia prescindir
da classe dos comerciantes, mas não podia dispensar os cavaleiros, sob pena daquele
mundo sucumbir interna a externamente.

Da obediência religiosa

161
A anarquia é um traço incompreensível à Tradição, pois traduz um princípio de caos,
de desordem e de alienação. Pelo contrário, a unidade da ordem tradicional, demanda
uma participação e a integração de todos. Onde existe a primazia do cânone, não há
espaço para a “heresia da separatividade”. A submissão à autoridade legítima, tem um
sentido superior porque se encontra direcionado: 1. ao sagrado, 2. ao coletivo. E sempre
nesta ordem.
“Estas considerações nos conduzem ao problema crucial da obediência, tão
essencial nas civilizações normais e tão pouco compreendida pelos modernos, que
no entanto a admitem sem esforço quando se trata da disciplina coletiva, ainda
que fosse em detrimento, em certas ocasiões, dos direitos espirituais mais elemen-
tares. A obediência é em si mesma um meio de perfeição interior, à condição de
que esteja inteiramente emoldurada pela religião, como sucede em todos os
mundos tradicionais. Neste marco, o homem sempre deve obedecer de qualquer
modo a alguém ou algo, ainda quando fosse unicamente à Lei Sagrada e à
consciência se se trata de um príncipe ou um pontífice; nada nem ninguém é inde-
pendente de Deus.
A hierarquia social é um reflexo da “obediência interior” das classes superiores, sua
capacidade inata de seguir os ensinamentos dos profetas, como aquilo que unicamente
as define efetivamente como tal, ao lado da sua unidade operativa inerente.
“A subordinação das mulheres, das crianças, dos inferiores e dos servidores se
inserta com toda a normalidade dentro do sistema de obediências múltiplas como
que está formada a sociedade religiosa; a dependência do próximo pode ser um
destino penoso, mas sempre tem um sentido religioso, como também a pobreza,
que implica por sua natureza um significado semelhante. Desde o ponto de vista
da religião, os ricos e os independentes nunca são por definição os felizes... Por
uma parte, a religião está para transformar aos homens que querem deixar-se
transformar, mas por outra, deve tomar aos homens tal como são, com todos seus
direitos naturais e seus defeitos coletivamente inarraigáveis, sob pena de não
poder subsistir em um meio humano.”
O homem tem um plano divino a cumprir na terra. Esquecer do Criador é tornar em
nada a existência. Ou, como diz a Bíblia, são vidas que servem apenas como a lenha da
fogueira, nunca como um fim em si mesmas. O que importa em qualquer civilização, é
unicamente aquilo que é realizado em nome do Superior.
“Nesta ordem de idéias há outra reflexão que se impõe, goste-se ou não: uma
sociedade não apresenta nenhum valor por si mesma ou pelo simples fato de sua
existência; disto resulta que as virtudes sociais nada são por si mesmas fora do
contexto espiritual que as orienta para nossos fins últimos; pretender o contrário é
falsear a própria definição do homem e do humano. A Lei suprema é o amor
perfeito de Deus –amor que deve comprometer todo nosso ser, segundo as
Escrituras–, e a segunda Lei, a do amor ao próximo, é ‘semelhante’ à primeira;
agora bem, ‘semelhante’ não significa ‘equivalente’ e muito menos ‘superior’,
senão ‘do mesmo espírito’: Cristo quer dizer que o amor de Deus se manifesta
extrinsecamente pelo amor ao próximo, ali onde existe um próximo, quer dizer:
não podemos amar a Deus odiando a nossos semelhantes. Conforme nossa
natureza humana integral o amor ao próximo não é nada sem o amor de Deus,
retira todo o conteúdo deste amor e não tem sentido senão por ele; sem dúvida,
amar a criatura é igualmente uma forma de amar ao Criador, mas com a expressa
condição de que sua base seja o amor direto de Deus, pois senão, a segunda Lei
não seria a segunda, e sim a primeira... Esta relação se transluz –às vezes de

162
maneira imperfeita, mas sempre reconhecível quanto ao princípio–, dentro de
todas as civilizações tradicionais.”
Com isto, Schuon que enfatizar que amar a humanidade sem amar o Criador, pouco
ou nenhum valor teria, porque isentaria de transcendência este amor, e seria quase um
sentimentalismo e um apego, de todo modo um arroubo que oculta um orgulho e uma
ignorância no tocante ao superior, apesar de alguém manifestar bons sentimentos.
Aquele que realmente se preocupa com o mundo é o Salvador, são os divinos
renunciantes, os Bodhisatwas, capaz até mesmo de ressuscitar por amor do próximo,
capacitando-se assim a salvar a todos. Mas, em todas as épocas, existe a presunção dos
fariseus que se julgam sábios, embora ignorem as grandes verdades reveladas e
anunciadas, pseudo-iniciados que emergen nas épocas de transição sob o chamado geral
da crise, cegos de um olho que se julgam condutores de alguns cegos completos, sem
mais importar o resto do mundo...
De fato, a relativa primazia do Primeiro Mandamento, é que dá alicerce ao Segundo
e a outros que eventualmente surgirão, pois podemos amar ao próximo de forma
especial porque amamos a Deus nele, tal como na saudação hindu Namastê, ou “o Deus
em mim saúda o Deus em você”.
Neste caso, os animais entram naturalmente numa outra categoria, assim como o
conjunto da Criação que, todavia, também se destina, numa outra esfera, a uma nova
revelação. De fato, considerar o ser humano como detentor da semente do sagrado,
ainda não soa tão difícil porque existem os relatos dos mestres e os exemplos dos
santos. Detentor do livre-arbítrio, o ser humano pode se equiparar a anjos e a demônios.
Já a Criação, isto é, a “Natureza naturata”, integra uma esfera todavia mais misteriosa
que o ser humano tenderia a considerar “inferior” por não expressar um livre-arbítrio.
Contudo, haveria muito a conhecer e a repensar também aqui, porque a Natureza entra
numa outra categoria de coisas, mas integra não obstante o Plano geral da evolução e,
acima de tudo, também está ligada à força suprema no Universo, que é Deus.
Quando olhamos um automóvel, podemos dizer que o único realmente dinâmico ali é
o motor e as rodas, ou mesmo algo mais. Talvez para um inseto instalado próximo às
rodas, estas sejam as únicas que para ele tem algum dinamismo. Porém, numa visão
maior e exterior, todo o arcabouço do carro integra uma elaboração, se move e tem a sua
função.
Assim, é possível ver Deus em tudo, se se quer, pois tudo no Universo tem
movimento e a semente da vida. O homem que tem esta consciência, pode caminhar no
rumo da sua evolução com segurança, porque está no caminho da Verdade, mesmo que
esta seja revelada aos poucos. Conclui o autor:
“Nenhum mundo é perfeito, mas qualquer mundo humano deve possuir meios
de perfeição. Um mundo tem valor e legitimidade pelo que realiza pelo amor a
Deus e nada mais; pelo ‘amor de Deus’ entendemos em primeiro lugar a eleição
da Verdade e depois a direção da vontade: a Verdade que nos torna conscientes do
real absoluto e transcendente –seja pessoal ou suprapessoal– e a vontade que se
liga a isto e reconhece sua própria essência sobrenatural e seus fins últimos.”

* Frithjof Schuon, Sobre los Mundos Antiguos, Biblioteca de Estudios Tradicionales, Taurus
Ed., Madrid, Espanha. Os parágrafos transcritos pertencem ao Capítulo 1, Mirada Sobre los
Mundos Antigüos.
** "Esse é o homem, esse é aquele de que tantas vezes tens ouvido a prometida chegada,
César Augusto, filho de um Deus, que fundará de novo a idade de ouro nos campos donde

163
Saturno reinou antanho e que estenderá seu império até os Garamantes e sobre os Indus"
(Eneida VI, 791-5). César preparou um mundo para o reino de Cristo. Assinalemos que Dante
coloca os assasinos de César no mais profundo do inferno, em companhia de Judas. Cf. "Divus
Julius Caesar", de Adrian Paterson, em Les Études Traditionales, junho de 1940.”
*** “Dante não hesita em servir-se desta origem sobrehumana para sustentar sua doutrina da
monarquia imperial.”
**** “Isto não apresenta dúvidas nem no que se refere a Constantino nem a Carlos Magno.”
***** “Há uma curiosa relação –seja dito de passagem– entre a função imperial e o papel do
louco da corte, e esta relação parece manifestar-se no fato de que a indumentária dos loucos,
como a de alguns imperadores, estava adornada com campanhias, à semelhança do vestido
sagrado do Grande Sacerdote: o papel do louco consistia na sua origem em dizer publicamente o
que ninguém se permitia expressar, e introduzir deste modo um elemento de verdade num
mundo forçosamente obrigado a inevitáveis convenções; de modo que esta função, queira-se ou
não, faz pensar na sapiência ou no esoterismo propriamente dito, que à sua maneira rompe as
"formas" em nome do "espírito que sopra onde quer".
****** “Poderia parecer que a decadência espiritual dos romanos se opusesse a uma missão
de império, mas não foi assim, posto que este povo possuía as qualidades de força e
generosidade –ou tolerância– requeridas para este papel providencial. Roma perseguiu aos
cristãos porque estes ameaçavam tudo o que, aos olhos dos antigos, constituía Roma; se
Diocleciano houvesse podido prever o edito de Teodósio abolindo a religião romana, não
haveria atuado de modo diferente do que fez.”

164
Parte V

Símbolos do Centro

A simbologia, uma vez mais, ocupa seu lugar, e é amiúde graças aos índices gráficos,
que os investigadores estarão aptos a darem explicações sobre aqueles grandes
problemas que tem apaixonado sempre ao cérebro humano.

Serge Raynaud de la Ferrière

165
Capítulo 36

O Chamado dos Sinos

O SINO SEMPRE TEVE UM SIGNIFICADO especial na tradição. Seu som expressa um


Chamado para o alto, para o culto e para o oculto, na comunhão divina e na revelação
do sagrado.
Em termos sonoros, a vibração contínua dos sinos apresenta profundo conteúdo
simbólico, evocativos das mais elevadas energias e esferas divinas.
Os antigos egípcios consideravam o mundo dos mortos como um céu metálico, e o
Livro Egípcio dos Mortos abunda em referências a este respeito dirigidas a Osíris:
“Homenagem a ti, Rei dos reis, Senhor dos senhores... Teu corpo de metal
brilha e reluz, tua cabeça é de azul-cobalto e o resplendor da turquesa te
envolve...”
Este céu póstumo é a própria Alma de Osíris, gerada através do sacrifício do deus,
como Jesus que disse ter de enfrentar a cruz para poder proporcionar aos homens "novas
moradas"....
O metal está tradicionalmente associado ao fogo, e os instrumentos feitos por este
elemento eram, antigamente, apenas usado em ocasiões e circunstâncias solenes. Não
obstante, são comuns nas cerimônias da realeza.
O metal é um elemento de sua astrologia e da alquimia chinesas, voltado à
quintessência, mas na proximidade entre as palavras "metal" e "mental", existe
realmente algo sugestivo.
E entre os budistas, o uso dos grandes e pequenos sinos é uma longa tradição, e se
empregam os pequenos campanários para introduzir na meditação.
Na Índia não existe este costume. Em compensação, o hábito de ressoar mantras
como o pranava OM, apresenta uma função de todo semelhante. A idéia é, justamente,
recriar dentro de cada um a pureza do som de um sino, uma vibração cósmica, por assim
dizer, ressonante e contínua como a própria música das esferas...
Desta forma, por simpatia se atrai e aproxima a vibração superior, da mesma forma
como o retinir de uma vibração sonora é capaz de fazer vibrar uma corda a ela afinada.
Diz o Ensinamento do Fogo:
“Vós conheceis tanto a música das esferas, como os sinos espaciais e as cordas
que retinem; perguntar-se-á porque, então, a grande maioria das pessoas não
conhece estas manifestações. Mas isto é porque muitas pessoas se satisfazem com
uma falsa entonação, e não desejam absolutamente compreender as nuances do
som...” (Helena Roerich, Coração - Signos de Agni Ioga, # 267)

166
Um discípulo verdadeiro, pode chegar a ouvir vibrações interiores que o ensinarão a
afinar o seu instrumento psíquico, como verdadeiros chamados ao aperfeiçoamento.
Eles indicam a proximidade da instrução espiritual e, com isto, tanto a necessidade
como a possibilidade do crescimento.
“Pode-se ouvir... os sinos e outros sinais cósmicos. Eles indicam a tensão da
atmosfera e Nossa proximidade, e relembram sobre a Hierarquia. É muito útil
estudar estes minúsculos alentos da natureza. Além de sua relevância para a Gran-
de batalha, estas observações são necessárias para o próximo avanço.” (Roerich,
Op. cit., # 226)
Todos estes sinais surgem na época da consumação dos tempos, chamando os
guerreiros da luz para a grande batalha do espírito contra as trevas que ameaçam a tudo
–as trevas do medo, da indiferença e da ignorância.
“...estão certos aqueles que compreendem o Armageddon como o campo de
manifestação dos sinais da mais elevada energia. Este campo de batalha não pode
ser acidental, mas ele é como um ímã de energias em oposição. Para se contrapor
a este campo, é destinado o campo da Cidade da Luz. Como o campo do
Armageddon é anunciado pelo retinir das armas, o campo da Cidade da Luz é
anunciado pelo clanger dos sinos. Pela oposição, é possível avaliar as dimensões
do que é destinado. Assim, pode-se ouvir o retinir da batalha, em nome do
chamado dos sinos.” (Roerich, Op. cit., # 253)
A mesma circunspecção trazida pelo clanger dos sinos na Missa e na meditação, se
contrapõe ao retinir das armas, pois a religião é a arma da vitória da luz, o instrumento
da paz e da libertação. Ambas podem ser anunciadas pela solenidade expressa no soar
das trombetas, que anunciam no Apocalipse a morte e a ressurreição.
O sino sobreposto ao triângulo geográfico, é novamente um chamado. É como o sino
usado no alto da Árvore de Natal e da Ressurreição –a Árvore da Vida do paraíso e da
iluminação do Buda, do sepulcro de Osíris e do sacrifício de Odin. A vida eterna nasceu
sob aquela árvore sagrada, na forma de um frágil ser, que deverá atravessar muitas
aventuras e sofrimentos antes de cumprir tudo o que deve realizar pela humanidade.

30°

90° 90°

A esperança é, porém, transcendente. Como um sol, o deus menino ilumina a tudo, e


nem a morte é capaz de vencê-lo no Além. Seu Ser penetra a tudo e proporciona um
mundo novo para viver e para sobreviver. Através de seu sacrifício, uma nova luz
cósmica é trazida à Terra, alimentando as almas de todos e despertando a humanidade
da morte em vida que ela tende a padecer colocando em risco o futuro do mundo.
Continuemos citando, todavia, a oração a Osíris do início deste Capítulo:

167
“Ó deus An (uma forma do Sol) de milhões de anos, que tudo penetra com o
corpo e és formoso de semblante em Ta-tchesert (o mundo interior), concede o ka
(o duplo espiritual) de Osíris, força na terra e triunfo no mundo interior.”
Assim, este Osíris onipresente é como um sol interior, pois sua luz metálica
proporciona vida, luz e conhecimento à humanidade, permitindo a continuidade da
consciência durante a vida, assim como a sua sobrevivência na existência póstuma.

168
Capítulo 37

A "Cruz Polar" *

A CHAMADA "CRUZ LATINA" era empregada por diferentes civilizações, desde antes
de Cristo –como os egípcios com a Cruz Ansata–, assim como por outras culturas que
apenas mais recentemente tiveram contato com povos indo-europeus –como foi o caso
dos maias.
Neste último, os espantados clérigos da Igreja trataram logo de inventar teorias para
justificar este fato, acerca de supostas migrações de povos europeus para as Américas,
que teriam trazido desta forma a chamada "Cruz Latina".
Tal hipótese é, porém, fantasiosa, pois nem sempre se pode ou deve justificar a
similitude do simbolismo presente em distintas culturas, apenas em termos de
influências culturais exóticas.
Ocorre que os símbolos, em geral, dizem respeito a realidades universais,
apreensíveis através das ciências da Tradição, a partir de Geometria sagrada. Estas
mesmas ciências podem ser completa ou parcialmente restauradas, em cada lugar, a
partir da percepção da Verdade, que um ou mais Iluminados clarividentes possam vir a
adquirir em alguma cultura dada.
No caso da "Cruz Latina" –impropriamente assim chamada, portanto–, uma das
fontes de percepção de sua realidade auto-existente reside, simbolicamente, em sua
expressão-síntese ou elo comum das formas básicas da Criação, a saber: o triângulo, o
quadrado e a circunferência. P.-V. Piobb descreve esta forma, em seu Formulário de Al-
ta Magia, como "o quaternário acionado pelo ternário, no Universo. (É o) modo cons-
trutivo em uma totalidade."
De fato, esta Cruz pode ser denominada de "Cruz Hierárquica", não apenas por
integrar, mas também por organizar todas as coisas. E em função disto, definimos
também a esta Cruz como sendo de natureza Polar, porque diz respeito às questões mais
elevadas e ao mais alto sentido de síntese e universalidade. Corresponde às Origens da
Civilização, elaborada que é pela definição da síntese universal entre todas as coisas, a
partir do Centro supremo do mundo a ela relacionada simbolicamente.
Entre alguns outros mistérios que envolvem tal realidade, inicialmente dizemos que
esta Cruz foi também amplamente conhecida dos hindus, embora houvesse sido con-
siderada por eles tão esotérica que jamais a revelaram ao profano, concedendo-a apenas
para a meditação dos discípulos mais avançados (como ocorreu no Budismo). Basta
dizer que serve para definir boa parte dos mistérios hindus acerca do tempo e da
evolução das Idades; é a Chave-Mor para a sua Ciência do Manvantara, e diz respeito,
em sua integridade, à Idade de Ouro do mundo. Isto significa, pois, falar tanto em

169
termos de totalidade da evolução, como na Perfeição final (ou original) de sua mani-
festação.

Entre os maias clássicos ela foi também altamente cultuada, com o mesmo sentido
cosmológico, relacionado então as suas pirâmides. A imagem acima foi obtida em
Palenque, considerado por alguns como o centro cerimonial mais importante da cultura
maia, onde viveu e atuou o grande profeta Pacal Votan –quem também projeta esta Cruz
do seu ventre nesta imagem de sua lápide, demonstrando com isto que a Cruz e a faca
de sacrifício (ou a lança do centurião Longino em Cristo) têm o mesmo significado.
Os egípcios tiveram os mesmos conhecimentos e trabalharam a matéria em muitos de
seus mitos. Esta realidade foi representada sinteticamente entre eles através da Cruz An-
sata, à qual chamavam Ankh, ou seja, “Cruz da Vida”. Isto se deve ao fato de se
relacionar às próprias Origens da vida e da Civilização. Neste ponto, devemos enfatizar
a questão centro-hemisférica –ou Shambala- na qual incide o braço horizontal da Cruz
Polar, pois é sempre nesta região do globo que a Grande Síntese tem lugar, por estas e
outras razões mais ou menos associadas. É ali onde surge o Avatar e a Idade de Ouro,
irradiando sua influência para todo o globo, como sugere o poder integrador desta Cruz.

90°

30°
INRI

Este conhecimento é preservado nesta faixa através dos séculos, embora outros
povos sábios tenham dele ciência, como os celtas que mostraram habilidade em seus

170
mistérios, e os já citados maias. Neste aspecto, tais povos reconhecem as Origens
divinas da civilização e lhe prestam tributo, de modo a manter um elo com o Mais Alto
e a receber desta forma o dom da Filiação.
A Igreja Católica tem se reportado simbolicamente a isto através da Cruz latina, e
também algo mais concretamente, por exemplo, mediante o respeito pela religião
egípcia, como demonstra o fato de, além de ter um obelisco –símbolo-mor de axialidade
e centralismo- no meio da Praça de São Pedro, existir no Vaticano um "Salão Egípcio"
com relíquias desta cultura.
Antes dela, os hebreus fizeram o mesmo em relação aos caldeus, não apenas
localizando o Éden na Suméria, como reconhecendo a Caldéia como pátria de origem de
seu grande Fundador, Abrahão, vindo da cidade de Ur. Cabe lembrar também da
importância da Tau sagrada para os hebreus e tantas outras culturas da região, que a
cultuaram sob diversas formas e em distintos mitos. A antiga grafia da letra Tau que
culmina seu alfabeto, era realmente em forma de cruz. A tau é, aliás, a forma da cruz
dos franciscanos. O estudante pode encontrar um estudo do sentido cosmológico deste
símbolo, assim como a sua dieta conexão com a fórmula criadora IHVH, em nossa obra
“Tetragrammaton”.
Os astecas também diziam vir desta faixa, na América do Norte, relacionando-a à
Atlântida, ou Aztlan, em nahuatl. A Tula dos toltecas era apenas a reprodução de outra
mais antiga, também relacionada à Atlântida, cujas lendas os astecas adotaram. Diga-se
o mesmo à Tollan dos maias, à Tula chinesa, a Thule grega e a Tulam hindu; sempre o
lugar do Sol, pátria das Origens e Terra da Perfeição. A Tule da Groenlândia pode ter
recebido este nome, pelos vínculos hiperbóreos do termo, demonstrando que os
nórdicos tiveram realmente conhecimento das lendas extremo-ocidentais.
Terminaremos comentando sobre a importância da Cruz Polar, e da realidade que
busca essencialmente simbolizar.
Situando-se fora da área de influência zodiacal, a Cruz Polar possibilita a síntese
destas energias e o surgimento de um Plano divino.
Trata-se de uma Cruz Crística, como se sabe, relacionada aos grandes Avatares, e
demarcando realmente seu berço de origem, sobretudo esotericamente falando. Os
Budas surgem sempre nestas zonas, e Jesus Cristo, por sua vez, além de ter nascido nas
proximidades, recebeu uma influência babilônica e egípcia direta, além daquela que os
judeus sempre receberam (lembremos que Moisés foi um príncipe egípcio).
Esta Cruz simboliza, pois, ao Homem arquetípico, com seus braços abertos, e com
seu coração ígneo no centro de tudo.

* Publicado no Jornal PARALELO , n° 10, Maio 1995, FEEU/Agartha, P. Alegre. Texto


revisado e ampliado para esta edição.

171
Capítulo 38

O Selo de Salomão

ACHAMO-NOS AGORA DIANTE de uma representação tão simples quanto comum e


preciosa, com variantes em várias tradições.
Trata-se de um primeiro desdobramento da Cruz Polar, aproveitando os opostos
norte e sul, superior e inferior, ascendente e descendente, visando uma síntese setenária.
Devido a isto, é compreensível sua adoção por tantas culturas, de uma forma ou de
outra.
Visto em polaridades corresponde, em termos esotéricos, à fusão da tríade inferior
(planos Físico, Emocional e Mental inferior) com a tríade superior (planos Mental
superior, Intuitivo e Espiritual). Assim reunidos, expressam a unidade do arco-íris, sob
o qual Deus fez seu pacto com Noé, e remete ao símbolo paralelo do Candelabro
Sagrado. Sua dualidade pode ser relacionada à divisão do território hebreu em Judá e
Israel, sob o Cisma de Siquém.

90°

30°

A mesma dualidade territorial foi motivo da criação das Duas Coroas do Egito pré-
dinástico, reunidas depois na época histórica. Estas coroas expressam claramente
triangularidades opostas entre si, segundo a diferenciação tradicional entre a coroa real e
a coroa sacerdotal, onde a primeira expressa um triângulo voltado para baixo
(descendente, poder material), e a última um triângulo voltado para cima (ascendente,
poder espiritual), como se observa abaixo.

172
A coroa real, de Hórus ou do A coroa sacerdotal (mi-
Baixo Egito (Norte), invoca o tra), de Seth do Alto Egito
triângulo descendente. A Coroa Dupla reunindo as "Duas
(Sul), invoca o triângulo
Terras" no Egito Dinástico.
ascendente.

A reunião das duas coroas expressa, é claro, o próprio "Selo de Salomão". Esta
façanha foi realizada segundo os mitos por Thot, o Hermes grego ou Mercúrio latino,
sendo Mercúrio um deus que relaciona o céu e a terra -é o "mensageiro dos deuses". Isto
simboliza o espírito Áryo, raça regida por este deus. Na prática, a união foi realizada por
Menés ou Manu, há 5 mil anos atrás, dando início às Dinastias faraônicas.
Não raro, esta conjunção envolve novos elementos, implícitos, aliás, na geometria
básica do círculo e dos triângulos opostos, como a própria circunferência e a cruz, ou a
serpente que também a simboliza enquanto movimento ou dinamismo. Isto resulta, por
exemplo, no difundido globo-alado-com-serpentes, comum a todas as culturas
mediterrâneas. No símbolo do Arqueiro divino, temos um exemplo antropomórfico.
Aqui queremos reproduzir um tema análogo pré-colombiano, usado como símbolo
dimensional na cidade sagrada de Teotihuacan, abaixo.

Esta fórmula complexa e versátil, possibilita harmonizar o antes mencionado com


novos elementos, dando ênfase para o duplo quaternário que, no caso, substitui as
serpentes do tradicional globo-alado.

30°
23°

173
Cruz Papal Cruz de Carawaca

Outros símbolos assemelhados, seriam a cruz dupla ou tripla, muito usadas na


Cristandade, que sempre optou pela representação cruciforme. Acima, encontramos a
mais tradicional desta forma de cruz; trata-se da Cruz Papal, onde seus três braços
incidem sobre as três grandes horizontalidades centrais: o paralelo 30 norte e sul, mais o
Equador. Expressa desta forma a integração dos opostos. Na variante da direita, a linha
central se encontra inclinada, invocando a Eclíptica. Esta cruz apresenta variantes
próprias, às vezes sem a barra inferior, quando recebe outra designação.
Na mesma linha destas cruzes, se encontra o símbolo chinês do "Homem Universal",
Wang, abaixo reproduzido. Representa o Imperador, quem devia cumprir a união do céu
e da terra.

Finalmente, queremos apresentar um último desdobramento do triângulo na rosácea


das Quatro Direções. Uma forma de representação pluri-cruciforme é esta, abaixo, onde
resultam cinco cruzes formadas sobre os cruzamentos das linhas dos triângulos e seus
vértices, de modo que a grande cruz central seja formada pelos vértices superiores de
cada triângulo, a as pequenas cruzes pelos vértices de base.

Trata-se, é claro, de uma evocação aos cinco elementos, traduzindo em cruzes as


bases triangulares, tal como realiza a Astrologia, onde os quatro elementos estão
formados pelos três ritmos cósmicos em integração, cardinal, fixo e mutável.

174
Capítulo 39

A BALANÇA DA JUSTIÇA

A JUSTIÇA É UM ATRIBUTO DOS PRIMÓRDIOS, do começo da Criação, da Idade de


Ouro, e fundamenta a perfeição na Terra.
Daí que os Antigos tinham por ela a maior deferência, vendo na sua presença a
própria manifestação divina.*
A verdadeira justiça, afinal, é rara entre os homens, a tal ponto de se ter forjado as
expressões "justiça dos homens "e "justiça de Deus", denotando uma diferença capital
entre ambas, que deveria, no entanto, transcender a simples questão de fé.

90°

30°

Normalmente, em nossos dias, a separação é muito grande. Alguns temem a justiça


divina, mirando-a, sobretudo, no Além. Enquanto muitos temem as leis humanas, em
sua imperfeição.
É claro que o homem não pode depender apenas de algumas destas formas de justiça.
Na Índia, por exemplo, o respeito à noção de carma é tão grande, que é possível manter
um povo tão complexo e numeroso convivendo em harmonia interna. E, no entanto, é
bem conhecido que a pobreza e até a miséria é grande.
Por outro lado, aquelas culturas que se norteiam basicamente pela lei material,
multiplicam sempre suas leis, enquanto os casos jurídicos e a ausência de liberdade se
acrescentam cada vez mais. De resto, é impossível ao homem julgar as coisas de forma
isenta e ciente de todos os elos que dão lugar a um fato. Daí que os sábios sempre
recomendam não julgar, oferecendo como opção a educação. Ma se os homens não ou-
vem esta palavra, como resultado a justiça humana também resulta falha e precária.
De fato, uma síntese deveria ser procurada, como a única forma de alcançar a
perfeição. E esta síntese apenas pode ser obtida através do governo dos sábios e dos

175
iluminados, que à parte conceder a educação verdadeira, são esclarecidos e até
clarividentes, dificilmente se equivocando em seus juízos. É deste modo que a justiça
divina se manifesta na Terra, coisa que está implícita na palavra de Jesus a respeito de
São Pedro, a quem é dado as chave do céu e da terra, ou seja, do poder terreno e
espiritual, ou da iniciação e da justiça.
Mas, estes sábios apenas surgem e se propõe a atuar socialmente, quando existe um
contexto sagrado a ser trabalhado. E quando isto acontece, chega a hora de despertar a
Balança divina da Justiça, para suscitar uma nova Idade de Ouro. Geograficamente, este
quadro estará centralizado em algum ponto ao longo do paralelo 30, devido à grande
síntese de elementos que manifesta e ao caráter central que representa.
O ambiente rico e complexo ali existente, favorece uma índole racial harmônica,
devido à formação equilibrada, seja em termos climáticos, como humanos e culturais.
Associado a isto, existem energias especiais de ordem cósmica e planetária, que
proporcionam a edificação do cosmos ou da ordem divina na terra.
Devido a tal coisa, é que a divindade se manifesta ali, trazendo enfim aquela síntese
entre o divino e o terreno, que dá verdadeiramente início a um novo ciclo racial de
evolução: a criação de um Novo Mundo...

Justiça: O Fundamento do Mundo **

Escreveria o grande Ibn Arabi, “Mestre dos Mestres”, que o mundo foi gerado sob o
signo de Libra, assim como atestam os mitos antigos acerca da natureza daquela Tula
primordial, termo que significa Balança em chinês e sânscrito, homônimo à Tulla
(“lugar do Sol” ou "metrópole") tolteca e à Tulle polar dos gregos antigos; da mesma
forma como ecoam nos textos venerandos do Zohar alusões sobre a “Balança” que teria
propiciado o ato da Criação, e nos mitos gregos antigos de Têmis e sua filha Astréia que
difundiam a justiça na Idade de Ouro. Isto se reflete- depois no pensamento de Dionísio
o Areopagita, inspirado quiçá na sabedoria veterotestamentária, que recebe por sua vez
inegável influência do Egito, onde à Maat, a Justiça, seria atribuído um papel central na
vida e na religião do homem, na medida em que viria a presidir seu destino final; o que
a filosofia oriental reproduz através da noção de karma, e o ocidente medieval pela idéia
da Roda da Fortuna.
De modo que, através de símbolos capitais, todo o pensamento antigo era unânime
em afirmar que tudo aquilo que de fato existe, para além das aparências, tem sua origem
tão somente na JUSTIÇA, fundamento da Criação que seria, ao contrário do resto que,
encontrando-se fora da Harmonia Cósmica, tinha uma existência tão somente tempo-
rária e acidental, estando inexoravelmente condenado a perecer por não possuir essência
e integração com as camadas mais profundas do cosmos.
Na religião egípcia, por exemplo, onde à Maat era dado um papel central no destino
póstumo do indivíduo, a alma (ou o coração) era pesada contra uma pluma que simbo-
lizava o próprio senso de justiça, equilíbrio e discernimento, razão pela qual a ciência e
a realização espirituais recebiam um papel tão elevado naquela cultura solar. Cabe
lembrar que o mundo dos mortos e o Tribunal que destinava as almas, pertenciam todos
a Osíris, o deus sacrificado na árvore e ressuscitado no delta, onde fecundou virgemente
Ísis que daria a luz a Hórus. Todos eles símbolos e eventos solares do meso-hemisfério,

176
onde é cruci-fixado o Avatar, ou sacrificado o Cordeiro de Deus, para gerar um novo
quadro de energias mundiais.
Na tradição européia, a Roda da Fortuna é uma Lei cósmica que corresponde ao
Karma da filosofia hindu. A Roda gira em torno de seu centro, que é Deus, para quem a
manifestação deve manter-se equilibrada no eixo da justiça. A Roda apenas se detém
quando a legitimidade é alcançada, através da combinação exata entre dois pólos
definidos como oportunidade e potencialidade. Do contrário, ela se move sempre, com
maior ou menor lentidão. E quem hoje está no alto, logo pode descer caso não
permaneça fiel à Lei. A injustiça é geralmente a maior causa de quedas sérias, num
cosmos que requer a harmonia e a verdade em toda a sua extensão. Por isto, quando
vemos algo que parece injusto durar, podemos ter certeza de que apenas está
neutralizando ou prevenindo o surgimento de um mal ainda maior, ou senão cumprindo
uma função temporária ainda necessária.
Como definir, porém, a noção verdadeira de “justiça”? Certamente este termo sugere
a idéia de legitimidade, e este, por sua vez, levanta a questão da veracidade. Ou seja:
apenas a observação da Verdade sobre as coisas, pode gerar o ato legítimo que
fundamenta a prática da Justiça pela afirmação da Ordem Cósmica. Podemos definir a
Verdade como o meio a partir do qual o Bem se desenvolve. "Bem" este que pode ser
visto mesmo no sentido de "algo", a posse de alguma coisa real portanto –e não apenas
no sentido físico, mas sim moral e espiritual, que se desenvolve para criar raízes num
cosmos já essencialmente definido em suas bases pelo mais sutil.
Não deveria ser preciso dizer, que apenas aquilo que é verdadeiro apresenta raízes no
cosmos e frutifica, uma vez que o falso nada significa e nada é. Com isto, legítimo e
justo é somente tudo aquilo que de fato é. Ora, a Verdade corresponde acima de tudo e
em si mesma, a Deus –e com isto, compreendemos as verdadeiras raízes e também a
profundidade da idéia de Justiça presente no universo. Ou seja: a noção de Justiça
fundamenta o próprio dom de Criação, porque o mundo apenas apresenta raízes em
nossa existência, quando estamos aliados às forças divinas, cientes e reconhecidos da
verdadeira Soberania!
Isto implica em reconhecer, pois, efetivamente ao Senhor de tudo. Enquanto o
homem não aceita em sua vida ao Criador, se encontra como que adormecido acerca da
realidade. E, se não aproveita as oportunidades da vida para o seu crescimento, está
praticamente sem proteção e entregue à própria sorte, devendo defrontar-se com poderes
cósmicos tão grandes, perante aos quais as suas possibilidades de preservação da cons-
ciência (aqui ou no "além") se encontra anulada (na religião egípcia, este carma era
simbolizado pelo animal Ammit, símbolo dos três mundos inferiores, como o são os três
seres presentes na Roda do Arcano X do Tarô). E para o pensamento tradicional, uma
vida sem perspectivas eternas, aqui ou além, nada é. É que nisto ela inexoravelmente
sucumbe na alienação e na morte –e o mundo moderno é, em sua efemeridade, um
excelente exemplo deste fato.
Pois, da mesma forma, uma sociedade sem uma Guia iluminada, se acha entregue ao
caos e à corrupção. A questão da corruptibilidade é antiga na história do homem, e sua
origem se encontra registrada na Bíblia, já na perda do ambiente sagrado do Paraíso
através do Pecado Original. As razões para isto são complexas, mas pode-se resumir di-
zendo que se trata da perda do vínculo sagrado entre a criatura e o Criador, vínculo
este simbolizado pela nudez do homem e da mulher perante Deus, na antiga Idade de

177
Ouro ou Éden –e também na futura, simbolizado pela Jerusalém Celeste, na qual se diz
não existir templo. Pois o oposto disto tudo, é a necessidade de "vestes" –templos e
crenças que substituam precariamente a Presença divina, expressa na forma de Hierar-
cas e sábios não apenas legítimos, mas ainda acatados por uma sociedade que reconhece
o dom perpétuo da Encarnação, na medida em que Cristo acompanha os homens
através dos Apóstolos, como o Buda em seus Arhats, etc.***
A perda do Paraíso se resume de fato, à questão da perda da legitimidade e da ordem
cósmica. O advento de um ciclo inferior de evolução meramente humano estaria
também, é certo, programado no plano racial, correspondendo à necessidade de
crescimento material do homem e à constituição de uma humanidade básica e, não
obstante, também à renovação humana, pela retomada das bases de um ciclo de
crescimento.
Nestes períodos de desagregação, as diferentes facetas do homem e da civilização se
antagonizam entre si: a ciência se distingue da religião, e a arte da educação, a política
da economia, etc. Da mesma forma, as energias do homem se separam dos ritmos da
mulher –fato este que o Genesis frisa ao lado das duas (ou três) outras conseqüências da
Queda do Homem e da Saída do Paraíso, a saber: a perda da imortalidade e o labor a ser
exercido com o suor do rosto do homem, ao lado do parto com dores para a mulher –
sendo que, para completar, esta é colocada sob o jugo do homem, quase em punição por
ter servido de veículo para o Pecado: a Matéria, é claro, é muito mais suscetível às
coisas do tempo do que a Alma!
É preciso dizer então que tanto a sabedoria e a generosidade humanas, como as
dívidas carmicamente saldáveis, representam apenas predisposições para algo sempre
mais elevado –e neste sentido, quanto mais for generoso um homem, e quanto antes o
homem salde as suas dívidas, melhor será para o seu progresso e harmonia interior: a
cobrança via carma sempre acarreta em juros de elevada monta. Desenvolvamos esta
idéia.
Ocorre que, sendo a Criação –sobretudo no plano humano– uma obra divina, por
mais justos que sejam os atos do homem em seu próprio mundo –como por exemplo, na
atenção dos direitos humanos a bens elementares–, ainda assim não adquirem tais gestos
um caráter de síntese espiritual –muito embora implantem, é certo, as bases para isto–, e
por serem excessivamente elementares, não são seguros e nem suficientes para a ascen-
são da humanidade. É preciso, portanto, que o homem se volte decisivamente para o
Mais Alto que a tudo criou, em termos efetivos, reconhecendo com isto ao verdadeiro
Senhorio de tudo; pois do contrário, ele sequer alcança compreender uma existência
cuja natureza apenas se revela no seio do Sagrado. A ruína precoce dos impérios materi-
alistas, há pouco elaborados e à força mantidos, estão aí para testemunhar este fato –e
nós não temos o direito de negligenciar as lições da História. As próprias forças do
cosmos conspiram para isto, pois a esfera meramente humana é muito pequena dentro
do concerto global de energias que tem, de um lado, as forças divinas e, de outro, as
demoníacas; de um lado a Unidade e de outro a fragmentação. A falta de
reconhecimento ao Divino, acarreta na perda da proteção espiritual sempre outorgada
pelos servidores da luz neste e em outros mundos, especialmente numa escala maior de
alcance social e institucional.
A presença da miséria e da ignorância no mundo não se constitui neste sentido
jamais em prova da inoperância da justiça divina, mas sim testemunha os frutos da

178
condição humana sem Deus, como sempre apregoou a Tradição. Por outro lado, a virtu-
de apenas humana não é segura e sequer legítima, porque sempre parcial e limitada,
voltada para interesses pessoais menores. Na doutrina taoísta, cada polaridade se trans-
forma no seu oposto ao chegar no cume –e assim agem as classes sociais em sua luta
perpétua; daí, é preciso substituir a idéia da luta de classes pela da Harmonia social. E
isto apenas a Tradição pode proporcionar; porque os Adeptos se encontram acima das
divisões sociais. Assim, a sociedade pode e deve contar com a Justiça divina, a qual é
dotada de dons e maravilhas inimagináveis para o homem comum, porque permite que a
perfeição predestinada emerja na vida cotidiana. Mas para isto, ela deve fazer um gesto
inicial de dirigir-se ao Mais Alto de forma concreta e consistente, reportando-se aos ver-
dadeiros Representantes do Altíssimo em cada geração.
Tendo Jesus vindo ao mundo num período obscuro, declarou que seu reino não per-
tencia àquele mundo; mas que no futuro, então sim, surgiria na Terra o Reino de Deus
para os justos. Mas os justos verdadeiros são, acima de tudo, não aqueles que
meramente repartem o pão material, mas sim os que buscam o pão espiritual (maná), e
reconhecem a Soberania divina sobre a sua própria Criação, confessando esta fé pela
adoção consciente de Seus Mensageiros; e implantando desta forma a Verdade no
próprio no seio do Mundo.
Todo o progresso depende desta atitude do homem de humildade e da justiça
fundamental. O desejo de autonomia luciférica ou prometeica (como na democracia
exclusiva e materialista), traz as conseqüências narradas pelos mitos: Lúcifer foi con-
denado às trevas, e Prometeu ficou acorrentado ao chão e queimou com o próprio fogo
que desejou ilegitimamente trazer do céu.
A verdadeira idéia de Civilização é sagrada em sua natureza, e traz consigo a
definição de uma Ordem perfeita erigida sobre a Justiça e a Verdade. E para que se
concretize a justiça e a cultura de fato progrida, torna-se necessário o conhecimento
cabal das leis que regem a evolução e o progresso universal. E isto é algo associado à
experiência real nos respectivos níveis do ser, que é unicamente o dote da realização dos
Adeptos, destinados a orientar as sociedades. Para a Maçonaria, o 5° grau iniciático
(Mestre Perfeito) caracteriza-se pelo dom da JUSTIÇA (devotada a Deus e à Ordem, em
especial), precisamente, aludindo à capacidade desta condição para harmonizar todas as
coisas. A monarquia depende deste reconhecimento divino e do desejo de implantar o
reino; a Justiça ocupa o próprio centro do Microcosmo, nas virtudes cosmológicas reais.
Uma verdadeira Hierarquia iniciática, orienta de forma científica a ascensão do
homem através das escalas do cosmos, além de possibilitar, mediante a adesão da socie-
dade à Lei Hierárquica, uma fluência natural do destino para todo o mundo –e nisto,
reside a virtude única da Teocracia iniciática ou mesmo da verdadeira realeza, onde
Deus é o Supremo Eleitor, com todo o transcendental rigor que Ele sempre exige na
formação de Seus legítimos representantes.
Sabe-se então que, historicamente, os grandes centros de cultura esotérica, têm sido
as verdadeiras fontes de orientação dos povos, na definição dos princípios áureos da
Civilização, possibilitando que o homem ascenda da barbárie, da escravidão ou da
ignorância, até uma condição realmente civilizada e, sobretudo, que ele possa existir em
comunhão e na plenitude das suas forças, não sob o jugo do terror como acontece
invariavelmente no simulacro da civilização que ignora as Leis Sagradas e mantém
separados os Princípios. É que apenas a cultura verdadeira e tradicional, está apta a

179
dirigir as energias da sociedade da forma devida, transformando as sementes da rebeldia
no aroma do amor, e o vazio do não-ser na paz eterna do Ser.
Por isto, na verdadeira cultura de ouro –como manteve a idéia o Genesis–, os frutos
do labor físico e do espiritual são colhidos sem esforços, simplesmente porque uma
grande Justiça, baseada na ciência, na sabedoria e no poder espiritual, paira sobre tudo,
permitindo que a Ordem se faça interna e externamente no mundo, uma vez que,
implantado o Elo hierárquico que integra a sociedade ao Criador –e que em princípio
corresponde à verdadeira Sucessão Apostólica Universal–, a Justiça atua tanto
internamente no cosmos social em si recompensando a sociedade com todos os bens
espirituais, como é exercida exteriormente através dos atos do Governante sábio que
dirige os caminhos da Civilização da forma devida.
Pois da mesma forma como o Adepto é uno e perfeito, uma sociedade solar não
conhece separação entre as suas instituições, de modo a ser necessário que a verdadeira
e perfeita Autoridade seja reconhecida, não ainda para ser empossada em seu devido
lugar, que é o centro de todas as coisas, mas para orientar a evolução humana como
Conselheira-Mor da humanidade. E desde lá, o Mestre da Vida poderá alcançar ao Todo
em seu aspecto social externo –tal como já o faz no plano espiritual interno–; como gira
a roda em torno de seu eixo.
Ora, a prerrogativa divina dos Mestres, advém de não “apenas” possuírem eles uma
completa experiência universal –e serem por isto aptos a conhecer todas as coisas–, mas
por alimentarem interna e tacitamente com suas almas, através de uma condição
iluminada, a toda a sociedade mundial, liberando-a, em suas raízes espirituais, das
cadeias que a humanidade forja sempre para si, inspirando-a em sua criatividade e reno-
vando a tudo como apenas Eles, que são o próprio alento divino eternamente renovado,
poderiam fazer. O dom da vida e da liberdade no plano social, não é afinal gratuito em
si, mas parte basicamente da virtude única dos Mestres compassivos, sobre os quais
recai como uma cruz o carma coletivo (sendo por eles transmutado), em benefício de
todos os outros que, com isto, podem seguir a sua evolução, ao invés de se manterem
prisioneiros em sistemas injustos, ou estagnados em realizações apenas simbólicas: o
auto-sacrifício dos Mestres é a fórmula amorosa encontrada pelo Criador, para fazer a
humanidade avançar no caminho da luz no tempo requerido. Trata-se então de uma
fundação que não pode ser jamais removida, porque demonstra melhor do que qualquer
outra coisa a grandeza de um Ser. Com ela, é transmutada e purificada sempre grande
parte das energias caóticas produzidas pela humanidade.
Como então a sociedade, que tanto deve a estes luminares, não haveria de reconhecer
neles os seus Guias e redentores? Poderia ela receber os bens universais, sem prestar ao
Criador e seus Representantes o devido respeito e consideração? Poderá a árvore crescer
se esquecemos de molhar as suas raízes?
É claro que o mundo necessita implantar as suas bases através do reconhecimento
sincero de sua identidade sagrada. E é por isto mesmo que uma Idade de Ouro requer,
basicamente, que este mínimo reconhecimento da excelência dos Mestres divinos venha
à tona, síntese de todas as coisas que são, reerguendo com isto o sagrado Templo da
Justiça, dentro do qual toda a humanidade encontra por fim abrigo eterno, paz
imorredoura e amor infinito.

180
* Pode-se, de certa forma, considerar o símbolo como decorrente da Cruz Cardinal durante a
Era de Áries, a qual tem a Balança como seu oposto e fundamento –um Avatar por exemplo,
nasce, segundo a Tradição, sempre no signo oposto ao da própria Era, de modo a conferir os
elementos equilibrantes. No entanto, para o presente Manvantara, Libra apresenta de fato uma
função fundamental, e Sanat Kumara (leia-se: Deus) veio à Terra numa cadeia venusiana (e
Vênus rege Libra) de nosso Esquema.
** Publicado no Jornal PARALELO , n° 3, Outubro 1994, FEEU/Agartha, P. Alegre. Texto
revisado e ampliado para esta edição.
*** Neste aspecto, estranho é o carma de todos os que descrêem a Representação Apostólica
instituída pelo próprio Cristo e o Buda. O mesmo pode-se dizer dos que, ignorando os sagrados
critérios hierárquicos de Unidade, julgam existir muitos Mestres no mundo, o que só ocorre
como relativa exceção sob o Avatar quando, não obstante, emerge ali uma ascensão maior.

181
Capítulo 40

O Cálice e a Espada *

UMA DAS FORMAS MAIS IMPORTANTES de conhecer a natureza dos processos evolu-
tivos, é analisar os símbolos e os mitos tradicionais em todos os seus nuances.
Vivemos hoje momentos dramáticos da civilização, repletos de promessas, mas
também de ameaças e desafios. Daí a importância (e a urgência) de se poder contar com
a orientação de meios efetivamente tradicionais para a conquista das necessárias
respostas, porque são sempre os mais seguros e autorizados, devidamente amparados
pela experiência dos séculos e dos milênios...
A verdadeira Tradição oferece sempre, um conjunto de elementos que satisfaz o
homem como um todo. Não pede que alije a razão nem a emoção, o físico ou o
espiritual. O homem é uno porque é filho de Deus, e como tal deve ser respeitado e
orientado.
O homem moderno vive na verdade a grande busca de sua própria Alma. Não é
apenas em função de um momento específico de sua evolução, mas por causa de um
grande evento que se aproxima, chamado a Nova Raça-raiz. Ocorre que, por ser esta a
Sexta Raça, suas principais energias estarão vinculadas à esfera da Alma, cujo símbolo
é o setenário ou, antes, a éxade, simbolizada, por exemplo, pelo conhecido "Selo de
Salomão" que observamos abaixo.

90°

30°

Analisando esta imagem, vemos que ela se encontra formada por dois triângulos,
voltados para cima e para baixo. Simbolizam a reunião do Espírito (triângulo claro) e da
Matéria (triângulo escuro). A progressiva interação entre estas duas grandes energias,
oculta todos os mistérios da Alma, a qual, em sua liberação final, fica portanto represen-
tada através do setenário, que é a éxade centralizada, e onde a construção deste centro
representa a consumação do espírito.
Na simbologia tradicional céltica, temos para representar este processo a formação
da Espada sagrada, através da busca do Graal.

182
O Cálice representa a busca pela Iluminação, a qual deve ser encetada sempre que o
mundo necessita realmente voltar a girar em torno de seu eixo espiritual. Significa a
purificação da matéria, exercida através do sacrifício e da renúncia. Trata-se, pois, de
uma busca interna, empregando os elementos da Criação como "matéria-prima" para a
revelação do espírito. E quando a síntese da luz é por fim alcançada, incorpora a simbo-
logia da espada purificadora, que diz respeito, antes de tudo o mais, à Palavra Sagrada
ou ao Logos criador.
Existem, porém, contextos definidos para que todo este processo ocorra. Sua
abrangência é realmente mundial mas, ainda assim, comporta focos específicos na
Terra, em função da complexidade da evolução e da necessidade da interpenetração
progressiva entre o espírito e a matéria.
Assim, todo o final de Raça conhece um grande movimento de síntese cultural, que
se traduz na forma de espiritualidade. Duas sub-raças em especial participam deste
processo, a sexta e a sétima, ditas “sintetizadoras” por Alice A. Bailey. Tais sub-raças
têm missões muito definidas neste processo, relacionadas, como veremos, ao Cálice e à
Espada. A primeira, a sexta sub-raça, deve encetar a busca interna que se traduz na
verdadeira procura pelo Santo Graal. Nisto, um grande movimento geral é realizado,
procurando integrar culturas e dimensões. O culto ao Eu Superior é característico desta
etapa. E como se sabe, a sexta sub-raça corresponde à Nação Estadunidense ou à
América do Norte em geral. Pode-se, então, encontrar uma alusão a este processo na
aplicação do triângulo ou cone polar setentrional, que por estar voltado para baixo sim-
boliza as energias da matéria e se relaciona ao centro-hemisférico Norte. Abaixo, encon-
tramos esta realidade aplicada à geografia sagrada.

30°

90°

Como se vê, o pé deste Cálice está formado pelo Círculo Polar, significando que as
bases da Busca do Graal se partem do Sul. Somente assim pode ser completo o processo
mundial de síntese espiritual, pela integração racial final entre as duas sub-raças “sinte-
tizantes” e, de resto, a almejada transição entre os hemisférios.
De fato, após consumada e coroada a busca espiritual iniciada ao Norte, representada
pela posse do Cálice sagrado, um outro símbolo formoso emerge, na forma da Espada
da Luz. Esta se encontra representada, por sua, vez, através do triângulo ou cone voltado
para o alto, baseado, portanto, na faixa meso-hemisférica meridional, conforme se
observa abaixo.

183
90°

30o

Representa a síntese sagrada da sub-raça setenária, relacionada à América do Sul e,


sobretudo, ao Brasil. É onde os Mestres se manifestam realmente, após o contato
interno anímico inicial, realizado na sub-raça anterior. Significa agora o contato com o
Espírito, na posse ativa da iluminação. A espada é o símbolo do poder e da autoridade,
revelada através da Palavra sagrada que traz luz, vida e redenção ao mundo. A Palavra é
o Logos criador, que traduz a Verdade, ou aquilo que é, destruindo a falsidade que
destrói o mundo e o projeta no nada...
Por sua vez, este cone ou triângulo também aponta para o Norte, sugerindo que o
processo meridional comporta reciprocamente objetivos setentrionais. E isto acontece
em função da Sexta Raça-raiz ser originária do Norte planetário, indicando que os frutos
semeados no Sul serão colhidos também ao Norte. Dito em outras palavras, a Nova
Raça, ainda que semeada no Norte, passa por um amadurecimento final no Sul antes de
realmente desabrochar em sua plenitude. Afinal, o objetivo mesmo da Iniciação, não é
sequer permanecer na esfera do espírito e do ascetismo. Esta é apenas uma etapa
necessária à liberação, prevenindo definitivamente contra "o perigo de que o caminho-
do-meio seja apenas o meio do caminho" (cf. Celso H. Leite). E assim, se vê que ambas
as realidades se encontram expressamente integradas.
Curiosamente, a Era de Aquário engloba realmente ambos os simbolismos, ou seja: a
Espada através de Saturno que, por ser setenário, representa a totalidade áurea; e o
Cálice mediante o jarro do Aguador. Assim, uma vez mais, vemos reunidas as duas
realidades que evoluem hoje conjuntamente: a Nova Era e a Nova Raça.
Da mesma forma, ambas as sub-raças apresentam relações diretas e respectivas com
estas duas grandes energias, de modo que deverão dividir entre si a direção e o governo
futuro do mundo, o Norte tratando das questões mais elementares (incluindo os
"Mistérios Menores", como o faz hoje) e o Sul focalizando os temas mais avançados
(como os "Mistérios Maiores" que vem ali se desdobrando), mais ou menos como se
achava dividido o Egito em Norte e Sul, regidos por Hórus (Seis, falcão solar, águia de
Vishnu e Zeus, Júpiter) e Seth (Sete, Saturno) respectivamente.

* Publicado no Jornal PARALELO , n° 16, Novembro 1995, FEEU/Agartha, P. Alegre.


Texto revisado e ampliado para esta edição.

184
Capítulo 41

O Movimento Hippie e a Nova Era *

O MUNDO VIVEU NESTAS ÚLTIMAS GERAÇÕES, grandes e importantes revoluções, onde


o grau de direcionamento espiritual foi suficiente para caracterizar a uma busca
histórica pelo Santo Graal. Ou seja: por um novo ciclo de realizações espirituais a nível
mundial, pautado pela criação de um novo consenso cultural de síntese para, depois,
gerar o seu respectivo contexto institucional. Ou, para usar palavras correntes, trata-se
de um processo de implantação de uma verdadeira Nova Ordem Mundial, de base
todavia... alternativa!
A origem deste processo, costuma ser relacionada pelos esotéricos à chamada Era de
Aquarius, assim como a uma nova Idade de Ouro vindoura.
O Movimento Hippie foi aquele que iniciou este processo, e entre suas palavras de
ordem se encontrava a liberação dos velhos hábitos e costumes em geral. A antiga
geração, havia dado provas contundentes de já não saber dirigir as coisas. Seus cami-
nhos não traziam satisfação e, visivelmente, estavam colocando todo o planeta em
perigo. Nada mais a fazer então, do que rebelar-se e tentar buscar por si só o novo,
mesmo que através de caminhos exóticos e perigosos, sendo na verdade os únicos que o
bom senso apontava como possíveis.
Se houve uma data precisa para definir o começo do Movimento foi o ano de 1968,
mesmo marcado basicamente por grandes agitações políticas. Esotericamente, houve
outras datas, como o 1959 quando caiu o bastião tibetano, relacionado ao Governo
Oculto do Mundo. Alguns também enumeram o momento da primeira explosão nuclear,
como um marco dos novos tempos (como faz José Arguelles).
O lema do Movimento Hippie era Paz e Amor. Seu símbolo, uma circunferência
centrada por três raios equidistantes, com um deles posicionado na vertical
(desconsiderando num primeiro momento o raio da base, tracejado no desenho), como
se observa abaixo.

Este símbolo se origina da linguagem das bandeiras e se relaciona ao movimento


ambientalista anti-nuclear: N e D de “Desarmamento Nuclear”. Mas podemos ver nele e

185
no lema hippie, fundamentos esotéricos de grande sabedoria, integração e, sobretudo,
sutileza. Vejamos porque.
Iniciando com as "palavras de passe" Paz e Amor –que geralmente eram ditas junto
com a posição da mão direita elevada, tendo apenas os dedos indicador e médio abertos,
como se observa na gravura abaixo–, faz-se uma referência sinóptica à duas das três
grandes energias que regem a Nova Era, exatamente.

"Paz", para exemplificar, é uma das grandes características da própria Era de


Aquarius, porque se acha regida por Saturno, um planeta integrador de Sétimo Raio.
Ora, o sete é sagrado na Tradição. É no sétimo dia que Deus descansa. O sétimo ele-
mento de um ciclo representa a completação de todas as coisas, quando resta apenas o
usufruir das coisas. É o Sabat divino, quando todos devem apenas compartilhar e
celebrar! É claro que, para chegar a isto, é necessário ainda organizar as coisas, pois
não basta possuir; é preciso saber usufruir, com cuidado e responsabilidade.
De qualquer forma, já não existe a luta pela geração de coisas novas e a afirmação do
particular. Neste sentido, reina e deve reinar realmente a paz universal, posto que os
potenciais da humanidade são então tremendos, seja para o bem como para o mal;
devendo ser então corretamente dirigidos.
Depois, temos a energia do "Amor". Aqui entra já um ciclo mais esotérico e
desconhecido do público, que é a natureza do novo ashram solar da Hierarquia, o quarto
numa seqüência iniciada lá na Lemúria. Os ashrams são aquelas dinastias de Mestres
iluminados fundadas pelos Avatares em cada Raça-Raiz, a fim de dirigir a evolução des-
tas Raças nas suas fundações áureas e argênteas, inspirando as verdadeiras teocracias
sagradas e monarquias heróicas
Pela posição quaternária do Novo Ashram racial, a energia a ser agora espiritualizada
no planeta é, precisamente, a do amor. Assim, a abertura que neste campo tanto
reivindicaram os Hippies, tinha na verdade um sentido profundo, posto ser necessário
libertar esta expressão humana das antigas cadeias a que estava submetida, e encetar
livremente os necessários experimentos renovadores. Como em todo o processo alquí-
mico, dentre os vários experimentos sobra muito refugo. Mas, certamente, grandes
sínteses e experiências importantes foram também adquiridas, e o mesmo se poderá di-
zer de outras áreas experienciadas neste ínterim.
O símbolo gráfico do Movimento, contém de forma muito sutil estas informações
esotéricas, e ainda outras indicações importantes. Inicialmente, observemos a forma
como suas linhas sustentam o quaternário implícito no cubo.

O Cubo (4x6)

186
Além disto, nesta posição, o cubo guarda alusões importantes tanto à Nova Era,
quanto à nova Raça-Raiz. Esta Sexta Raça forma a terceira energia mencionada, de
idealismo e devoção (ou 6º Raio). Simbolizadas pelos três raios do emblema do
Movimento, estas mesmas linhas de raios sugerem outra forma geométrica mais sinté-
tica, que é o triângulo, como se observa abaixo.

O Triângulo

Ora, aqui encontramos já uma referência arquetípica sagrada, posto que revela a re-
gião tradicionalmente relacionada a Shambala, no centro solar dos hemisférios, de onde
emanam os avatares... Trata-se também de uma região tradicionalmente relacionada a
tais fundações áureas, como sabem nossos leitores: o paralelo 30. O diagrama abaixo
mostra claramente a relação existente entre as linhas do emblema do Movimento, com
as regiões planetárias em questão.

0o Equador
30o
90o

Os raios verticais segue naturalmente a linha do eixo terrestre e apontam para os


pólos. E na verdade, o emblema sugere o vínculo esotérico existente entre o paralelo 30
e os pólos, no sentido de ser tal paralelo o pólo espiritual do mundo, face às energias de
síntese velada em sua triangularidade e centralismo, segundo a fórmula 30º = ½ raio da
circunferência, que se percebe acima. Cabe notar também, neste caso, que naquilo que
diz respeito aos hemisférios, o emblema citado aponta para o centro do Hemisfério Sul,
como seria natural face à alternância dos pólos geomagnéticos da terra, etc. E como
sabemos, o Brasil é a 7ª sub-raça sabática...
Podemos efetivamente dizer que, na década de 80, o Movimento Alternativo
brasileiro alcançou certa maturidade, impulsionado também pelas pressões políticas da
época (ditaduras), que levaram o alternativismo a se tornar uma necessidade real. A
partir dali, se desencadearam forças renovadoras que contribuíram na mudança do
mundo e seguem-no fazendo, como se observou nos assombrosos acontecimentos da
virada da década.
Assim, podemos observar que, ocultamente falando, o Movimento Hippie estava de
fato bem embasado. Hoje, somos todos filhos deste processo, e até mesmo participantes
diretos ainda. Muitos vivenciaram aqueles dias e conheceram a sua luz e alegria. Foi o
começo de um novo tempo, a arrancada para uma bela procura. E agora, após estas

187
décadas de trabalhos e de semeaduras, a colheita de seus frutos maduros pode realmente
começar a ser realizada.
Os sonhos destas gerações, estão configurados nos projetos que muitos pensadores
da nova era tem organizado, mas que raramente tem a oportunidade de vir à luz. São
projetos muitas vezes de grande e até de altíssimo valor. Tais propostas, na medida em
que se revelam inspirados e representam a vontade revelada de Deus, necessitam ser
todavia levados a cabo. Para isto chegar a se realizar, todavia, é preciso que estes novos
iniciados alcancem se organizar como grupo, afastando assim a anarquia residual
todavia existente.

* Publicado no Jornal PARALELO 30, n° 15, Outubro 1995, FEEU/Agartha, P. Alegre. Texto
revisado e ampliado para esta edição.

188
Bibliografia & Obras Citadas

Bailey, Alice A.
O Reaparecimento do Cristo, F.C.Avatar, RJ
Tratado de Magia Branca, F.C.Avatar, RJ
Miragem – um Problema Mundial, F.C.Avatar, RJ
De Belém ao Calvário, F.C.Avatar, RJ

Blavatsky, Helena P.
A Voz do Silêncio, Ed. Pensamento, SP

Eliade, Mircea
Ensaios em Religiões Comparadas, Interlivros, BH
Ioga – Imortalidade e Liberdade, Ed. Palas Athena, SP

Groslier, Bernard-Philip & Arthaud, Jacques


The Arts and Civilization of Angkor

Magalhães, Álvaro
Dicionário Enciclopédico Brasileiro

Magister
Manual do Mestre Secreto

Piobb, P.-V.
Formulário de Alta Magia

Patânjali
Yoga Sutras

Raynaud de la Ferrière, Serge


Teocracia y Tibet – Hacia a Una Edad de Paz

Roerich, Helena
Coração - Signos de Agni Ioga

Rundle Clarck, T.
Símbolos e Mitos do Antigo Egito, Ed. Hemus

Salvi, Luís A. W.
Glossário Holístico
Antropologia Geral, Ed. Agartha, AP
O Sexto Sol, Ed. Agartha, AP

189
A Aurora do Novo Mundo, Ed. Agartha, AP
Pedagogia Áurea, Ed. Agartha, AP
Para Além das Estrelas, Ed. Agartha, AP
Vimanas – quando as naves são Luz, Ed. Agartha, AP
Arquitetura sagrada e Urbanismo solar, Ed. Agartha, AP
Tushita – o Reino da Felicidade, Ed. IBRASA, SP
Dharma – a Canção da Vida, Ed. Agartha, AP
O Livro dos Portais, Ed. IBRASA, SP
Geosofia – o telurismo sagrado, Ed. Agartha, AP
A Tradição Tolteca, Ed. Agartha, AP
O Livro dos Códices, Ed. Agartha, AP
Os Cronocratores e a Construção da História, Ed. Agartha, AP
A Coroa e a Tiara, Ed. Agartha, AP
O Retorno à Tradição Perene, Ed. Agartha, AP
O Evangelho da Natureza,
Tushita, o Reino da Felicidade
O Regresso de Hiram, Ed. Agartha, AP
A Tradição Tolteca, Ed. Agartha, AP

Saint-Yves d'Alveydre
A Missão dos Judeus
A Missão da Índia

Schwaller de Lubicz, R. A.
Le Miracle Égyptien, Ed. Flammarion, França

Schuon, Frithjof
Sobre los Mundos Antiguos, Taurus Ed., Madrid

Spalding, Tassilo O.
Dicionário da Mitologia Latina, Ed. Cultrix, SP

Tomás de Aquino
A Monarquia

Tsé, Lao
Tao te King

Wolfran von Eschembach


Parsifal

O Pentalfa
O Mensageiro do Arco-Íris
Bhagavad Gita
Enciclopédia Delta Larrousse

190
Sobre o Autor

LUÍS A. WEBER SALVI é um pensador brasileiro e escritor polígrafo, nascido em


1959. Especialista em geografia sagrada e astrologia profunda, dirige a conceituada
“Revista Órion de Ciência Astrológica” e é autor de mais de 120 obras, várias delas
publicadas.

Estudioso e praticante de diferentes ensinamentos, vinculou-se em especial à


linhagem teosófica através dos trabalhos de Alice Ann Bailey, vindo a pontificar a
Terceira Geração de Sabedoria Teosófica, pela prática do ecumenismo solar de
restauração, reforma & renovação dos Augustos Mistérios, não apenas em favor das
antigas tradições de Oriente e Ocidente, como também de muitas novas escolas de
pensamento.
Iogue e arauto da Tradição de Sabedoria, residiu em ashramas e fundou entidades,
como a Escola Agartha de Filosofia & Mistérios, e depois a Sociedade Universalista
Nova Albion (SUNA). Atualmente coordena o Projeto-Exodus – Um Mundo para
Todos, a partir da região Centro-Oeste, e também dirige o Editorial Agartha.
Mantém na internet os seguintes blogs:

http://cartografia-da-transformacao.blogspot.com/
http://agartha-edicoes.blogspot.com
http://o-vitriolo.blogspot.com/

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