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A Teoria do Direito Penal do Inimigo, formulada por Gunther Jakobs, é um modelo

controverso que propõe a separação dos indivíduos em "heróis" e "vilões". Os "vilões",


considerados "inimigos" da sociedade, seriam privados de suas garantias e direitos
fundamentais. É uma teoria controversa por contrariar os princípios de universalidade e
igualdade de direitos.
Você já imaginou como seria viver em uma sociedade na qual dividíssemos os
“mocinhos” dos “vilões” onde, uma vez renegados a “categoria” de inimigos da
sociedade, estes indivíduos perdessem todas as garantias constitucionais
convencionais?

Foi exatamente o que imaginou o filósofo e professor emérito de direito penal


Gunther Jakobs.

Jakobs, reconhecido mundo afora como um dos maiores criminalistas da


atualidade, foi o responsável pela criação, em meados dos anos 80, do que
hoje se conhece como direito penal do inimigo. É uma teoria de direito penal
que, adorada por uns e odiada por tantos outros, se consolidou como questão
de discussão obrigatória na academia.

O alemão é também responsável pela a criação do funcionalismo radical,


corrente que outorga vultoso valor à norma como única maneira de proteção
social. Para Jakobs, apenas a rigorosa e recorrente aplicação da lei é capaz de
estabelecer na vida em comum as condutas esperadas por parte de seus
indivíduos.

Contexto histórico do direito penal do inimigo

É interessante observarmos que nos anos 80, enquanto o filósofo alemão dava
forma aos primeiros escritos da teoria considerada como extremamente
punitivista e totalitária, o mundo seguia para caminhos democráticos
priorizando as garantias e liberdades individuais. No Brasil, por exemplo,
promulgávamos a Carta Magna de 1988, conhecida até hoje como Constituição
Cidadã.
Na Alemanha, no entanto, embora se construísse um caminho de reunificação
com a queda do muro de Berlim, tal caminhada trazia consigo as inseguranças
entre ocidentais e orientais. Tal receio justificava o temor de Jakobs e a sua
tendência de separar e categorizar as pessoas como cidadãos ou inimigos.
Afinal, o clima da Guerra Fria era recente e sentido no mundo inteiro.

Ocorre que a teoria de Jakobs ficou esquecida por anos do contexto mundial.
Porém, com o aumento massivo de ataques terroristas e extremistas como o
de 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center, nos Estados Unidos da
América, voltou a ganhar força. 

Em 2003, o professor assume em definitivo a defesa de sua teoria e lança uma


doutrina apostando na revolução de todos os conceitos de direito penal outrora
estabelecidos.

Assim é a lição de GRECO 2015: 

Poucos temas provocam tomadas de posição tão decididas e apaixonadas quanto a


ideia do “direito penal do inimigo”. Mas, curiosamente, a introdução do conceito por
Jakobs duas décadas atrás ou mal foi notada, ou foi aplaudida como uma
“impressionante defesa da liberdade dos cidadãos.” Já a retomada do conceito por seu
criador em algumas publicações mais recentes caiu como uma bomba sobre a ciência
do direito penal, cujo estrondo só está sendo superado pelas veementes reações que a
ideia está gerando.”

Quem é o inimigo?

Para Jakobs, o inimigo é aquele que desafia as convenções da sociedade


como estabelecidas e, dessa forma, ameaça a estrutura estatal buscando a
sua destruição. Por não respeitar os regramentos próprios do estado
democrático, esse indivíduo não faz jus aos direitos e garantias
fundamentais aplicáveis aos cidadãos.
O inimigo não é simplesmente o criminoso habitual ou aquele que pratica
pequenos e médios delitos, mas sim aquele que abdicou totalmente dos
preceitos da vida em sociedade, vinculando-se a organizações criminosas e/ou
terroristas, pondo em risco as convenções da coletividade.

As ideias de Jakobs encontram sua base filosófica essencialmente nas obras


clássicas contratualistas de Rousseau, Kant, Hobbes e Fichte. Tais autores
também pincelaram em sua época que transgressores que eventualmente
ameaçassem a continuidade da organização do estado deveriam ser tratados à
margem da sociedade.

De outra face, se revela extremamente criticável a teoria de Jakobs, posto que


abandona o Direito Penal do fato e adota uma concepção ligada ao autor. Tal
ponto de vista se configura extremamente arriscado a medida em que, nas
palavras do jurista argentino Zaffaroni: 

um Direito que reconheça, mas que também respeite, a autonomia moral da pessoa
jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é
uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser
como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação.”

Posteriormente, o espanhol Jesús Maria Silva Sánchez, ao tratar das


“velocidades do direito penal” vem falar da transição do “cidadão” ao “inimigo”,
considerando fatores como reincidência delituosa, habitualidade, delinquência
profissional e, por fim, a integração do indivíduo em organizações criminosas.

Leia também: O que é considerado cárcere privado e qual a pena – Art. 158 CP!

O que é a teoria do direito penal do inimigo?

Direito Penal do Inimigo é um modelo teórico de política criminal que


estabelece a necessidade de separar da sociedade, excluindo das garantias e
direitos fundamentais, àqueles que o Estado considere como inimigos. Foi
desenvolvido pelo alemão Gunther Jakobs e até hoje é motivo de forte
antagonismo doutrinário.

Desde o início, impõe-se ao inimigo a perda dos seus direitos por não restar
enquadrado como cidadão. Tira-se as garantias processuais de ampla defesa,
duplo grau de jurisdição, e sendo viável nesse modelo até práticas de tortura
para se obter os fins condenatórios ou anteceder eventuais atos terroristas.

Na lição de Vicente Greco Filho:

Ao inimigo, aplicar-se-iam, entre outras, algumas das seguintes medidas: não é punido
com pena, mas com medida de segurança; é punido conforme sua periculosidade e não
culpabilidade; no estágio prévio ao ato preparatório; a punição não considera o
passado, mas o futuro e suas garantias sociais; para ele, o direito penal é prospectivo
ou de probabilidade; não é sujeito de direitos, mas de coação como impedimento à
prática de delitos, para o inimigo, haverá a redução de garantias como o sigilo
telefônico, o ônus da prova, o direito de ficar calado, o processo penal em liberdade e
outras garantias processuais.”

Diferente do modelo convencional do Direito Penal, que é dotado de viés


garantista e retrospectivo, o direito penal do inimigo é dotado de viés
prospectivo, ou seja, se baseia em condutas futuras para aplicar sanções a delitos
que o indivíduo possa vir a cometer. 

Vale mencionar que no nosso modelo atual não se punem os atos


preparatórios, ao passo que no modelo de Jakobs estes também passam a ser
dotados de punição.

A essa altura, o leitor deve estar pensando: “mas esse tipo de entendimento deve
ter ficado restrito ao campo teórico e não deve ter sido aproveitado em lugar nenhum
do mundo.”
Ledo engano. Em 26 de outubro de 2001, logo após os atentados em Nova
York, o então Presidente dos Estados Unidos assinou o famoso “USA
PATRIOT Act” (Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate
Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism).

Exemplo prático de uso do direito penal do inimigo

O USA PATRIOT Act é uma lei antiterrorista que, com inspiração no modelo de
Jakobs, impunha exatamente essas restrições de direitos e legalizou inclusive
a tortura, talvez o mais grave abuso de liberdades civis na história dos Estados
Unidos.

O ponto de atenção sobre esse tipo de lei é que geralmente é abarcada por um
viés populista, respaldada no medo da população diante da ineficiência do estado
em propiciar uma efetiva política de combate ao crime. Movimentos assim podem
acontecer gradativamente ou de maneira abrupta, como diante de ataques
terroristas, por exemplo.

O problema maior é que uma vez concedida tal prerrogativa ao estado, de


modo ilimitado e sem mecanismos de controle, fica inviável exercer a cidadania
em sua plenitude. 

O que se viu posteriormente é que a lei americana abriu as portas para que o
governo violasse as liberdades de todos fundamentando em qualquer ilação
mínima que chegasse ao seu conhecimento. Os resultados dessa guerra só o
tempo trará as reais respostas.

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