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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JATAÍ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


CURSO DE DIREITO

FICHAMENTO - "FUNDAMENTAÇÃO FILOSÓFICO-POLÍTICA DO HORIZONTE DE


PROJEÇÃO DO SABER DO DIREITO PENAL, A PARTIR DO INDUSTRIALISMO” -
Zaffaroni

Letícia Marques FReitas (202301080)

Jataí - GO
2023
CAPÍTULO VII

O capítulo explora as críticas ao kantismo feitas por pensadores como Feuerbach no contexto liberal e
por Marat no âmbito socialista. Feuerbach, um jurista bávaro e crítico do despotismo ilustrado de Kant,
defendeu que os direitos subjetivos derivam da razão prática jurídica, não da moral, e considerou o Estado como
um instrumento tutelar de direitos preexistentes. Ele diferiu de Kant ao buscar os deveres a partir dos direitos.
Além disso, contribuiu para a ciência penal alemã contemporânea, desenvolvendo teorias sobre a pena. Por
outro lado, Jean Paul Marat, um revolucionário francês, criticou o pensamento talional kantiano de maneira
socialista e revolucionária. Ele questionou se os desfavorecidos pela sociedade deveriam respeitar as leis,
defendendo o retorno ao estado de natureza e o uso da força se a sociedade os abandonasse. Marat também
questionou as construções iluministas sobre a justiça da pena retributiva em uma sociedade sem justiça
distributiva.O capítulo VII aborda o contratualismo penal no século XVIII e XIX, destacando figuras notáveis
como Cesare Beccaria, Marquês de Beccaria, que é considerado um líder nessa corrente. Sua obra "Dos delitos e
das penas" foi crucial para a reforma da legislação penal europeia, afastando-se da crueldade previamente
predominante. Beccaria advogou pelo princípio da legalidade do delito e da pena, propôs a proporcionalidade
das penas em relação ao dano social causado e defendeu a abolição da pena de morte, exceto para crimes que
representassem uma ameaça à vida da nação. Sua obra teve impacto significativo, influenciando reformas penais
na Europa e recebendo apoio de figuras iluministas como Voltaire.
Também, o penalista contratualista Pascoal José Maria de Mello Freire dos Reis, nascido em 1738,
doutorou-se aos dezenove anos em Coimbra e, posteriormente, assumiu a cátedra na mesma universidade em
1781. Sua obra científica abrange uma trilogia: uma história do direito português, instituições de direito civil
público e privado, e instituições de direito criminal. Influenciado por Beccaria e Filangieri, seu pensamento
criminal reflete a solidez da exposição jurídica alemã. Em 1792, abandonou o magistério para se dedicar à
elaboração de projetos de códigos, enfrentando polêmicas com Antonio Ribeiros dos Santos, revisor que
discordava de suas ideias progressistas. Seu projeto de código de direito criminal representou um avanço
significativo em relação à legislação penal portuguesa da época, sendo composto por sessenta e seis títulos que
abrangem direito penal e processual penal. Na obra "Institutiones Juris criminalis lusitani", publicada em 1789,
Mello Freire define delito como uma ação ilícita prejudicial à República ou aos particulares, excluindo ações
que não visem lesionar outrem. Destaca a inaptidão de melancólicos para cometer delitos e exclui a
responsabilidade em casos de sono profundo, loucura, embriaguez completa ou erro involuntário. Propõe a
diminuição da pena para delitos tentados, considera o caso fortuito e defende que ações inofensivas à sociedade
não constituem delito. Seu pensamento penal fundamenta-se no contratualismo, onde o direito de punir surge da
renúncia de direitos pelos cidadãos no pacto social. Define pena como um mal físico causado por um mal moral
infligido por quem tem o direito de obrigar. Adota o critério de proporcionalidade na aplicação da pena,
influenciado por Montesquieu. Mello Freire destaca a finalidade da pena, reproduzindo o pensamento de
Sêneca: emendar o delinquente, melhorar os outros e garantir a tranquilidade dos cidadãos. Condena a vingança
como injusta e alheia ao dever, dignidade e emenda do governante, destacando a importância da prevenção na
aplicação da pena. Apesar de inicialmente não ter sido adotada em Portugal, a obra de Mello Freire teve grande
influência na redação do código criminal do Império do Brasil, sendo seu discípulo em Coimbra um dos autores
desse código. Manuel de Lardizábal y Uribe (1739-1820), nascido no México e atuante na Espanha, é
reconhecido como o "primeiro penalista da América espanhola". Influenciado pela Ilustração, sua obra principal,
intitulada "Discurso sobre as penas", reflete a corrente iluminista. Lardizábal integrava a teoria do contrato
social com o aristotelismo, argumentando que o contrato surge da inclinação social do homem, alinhando-se
com ideias semelhantes às de Beccaria, porém com um viés político diferente. Apesar de suas convicções
católicas, ele instrumentaliza a religião como meio de conter agitações e sustentar o regime do despotismo
ilustrado. Possuindo uma formação jurídica superior à de Beccaria, sua obra é mais técnica, embora não tenha
alcançado os resultados práticos obtidos pelo milanês.
Giandomenico Romagnosi (1761-1835), um liberal lombardo, foi um penalista contratualista cuja obra
principal, intitulada "Gênese do direito penal", abordou a defesa social como fundamento do direito penal.
Romagnosi defendia a ideia de que a defesa, ao passar do âmbito individual para o social, passava por uma
transformação. Ele inaugurou a teoria da defesa social, que influenciou significativamente o desenvolvimento
subsequente da ciência jurídica. No entanto, sua abordagem enfrenta críticas, especialmente em relação ao
defensionismo social como um todo. Uma objeção comum é a dificuldade de falar em defesa contra uma
agressão que já ocorreu, como é o caso de um delito consumado, ou contra um delito futuro que ainda não
aconteceu e cuja ocorrência é incerta. Romagnosi propunha que a medida da pena deveria ser aquela necessária
para contrapor a tendência ao delito, utilizando a pena como uma espécie de contramedida à inclinação
criminosa, denominada "contro-spinta penale". O texto aborda a contribuição da "escola toscana" no campo do
direito penal, destacando os juristas Giovanni Carmignani e Francesco Carrara. Carmignani, influenciado por
pensadores como Santo Agostinho e Bentham, distingue entre a política penal e a jurisprudência criminal,
fundamentando o direito penal em considerações práticas. Ele afasta-se do contratualismo e destaca a
necessidade de considerar o homem como pessoa para fundamentar o direito penal. Carrara, discípulo de
Carmignani, é reconhecido como o "sumo mestre do direito penal". Ferri, ao confrontar os positivistas, os
agrupa como a "escola clássica", atribuindo a Beccaria a fundação e a Carrara a máxima representação, embora
tal escola não tenha existido. Carrara, embora influenciado por Bentham e Romagnosi, apresenta elementos
aristotélicos em suas ideias, mas não pode ser categorizado como aristotélico-tomista. Ele não absorveu
influências do idealismo alemão, mas, seguindo uma inclinação lógica, enfatiza o caráter metódico em sua obra,
especialmente na parte especial do direito penal. A ciência penal, para Carrara, serve à liberdade humana, sendo
o direito a expressão máxima da liberdade. Ele destaca a importância da ciência criminal para libertar o homem
da tirania dos outros e de suas próprias paixões, expressando um profundo respeito pela pessoa humana. Carrara
é caracterizado como um católico liberal, e sua obra monumental reflete uma abordagem complexa que combina
elementos aristotélico-tomistas, idealismo alemão e um compromisso fundamental com a liberdade individual.
No período entre os séculos XVIII e XIX, ocorreu uma transformação significativa no sistema penal,
passando de penas corporais para privativas de liberdade e de meros castigos para medidas corretivas. Esta
mudança reflete a transição da punição centrada no corpo para uma abordagem que visa a alma, destacando a
complexidade desse processo. Nesse contexto, o paradigma contratual justificou a pena privativa de liberdade,
mas na prática, os apenados não eram expropriados de sua capacidade laboral. As massas despossuídas, vindas
do campo, representavam um desafio para o capitalismo em ascensão, pois não estavam adaptadas ao sistema
industrial. O encarceramento por si só não resolveu o problema, sendo necessário controlar e disciplinar essa
massa para o trabalho. Duas abordagens foram adotadas: a beneficência para os pobres não culpáveis e a
institucionalização forçada para os culpáveis. Isso resultou na criação de asilos e prisões, com o manicômio
situando-se mais entre os culpáveis. A acumulação de capital produtivo foi um processo difícil, e as massas
miseráveis, reproduzindo-se rapidamente, representavam uma ameaça ao processo de acumulação. Diante da
falta de previdência social, a população miserável crescia sem limites, tornando-se perigosa à medida que se
organizava em sindicatos e protestava. A necessidade de proteger a riqueza acumulada levou à criação da polícia
em sua forma moderna. A legitimação da defesa da propriedade, inclusive com custo de vidas, tornou-se
evidente nos códigos legais, refletindo a proteção necessária contra as ameaças das massas miseráveis. A
ideologia do contrato, que inicialmente limitou as ameaças da nobreza, mostrou-se insuficiente diante das
massas miseráveis. Era necessário reduzi-las por meio da emigração e controlá-las enquanto se desenvolvia o
lento processo de assimilação à produção industrial. O treinamento e a "moralização" tornaram-se ferramentas
essenciais para controlar essas massas e garantir a estabilidade do sistema capitalista incipiente. O capítulo VII
se encerra dissertando sobre autor Jeremy Bentham (1748-1832), influente pensador inglês na reforma penal e
redação do código Napoleão, defendeu o controle social institucionalizado das massas miseráveis. Adotando
uma postura pragmática, sua abordagem positivista rejeitou direitos subjetivos naturais anteriores ao Estado,
como na Declaração francesa de 1789. Para Bentham, o critério de delito é a utilidade e felicidade resultante,
não sendo distinguido por objeto, mas extensão em relação à moral. Considerando a pena como mal individual,
Bentham a via como bem público, poupando dor pela prevenção. Sua visão hedonista da felicidade refletia os
interesses capitalistas de sua época. Descartando direitos subjetivos naturais, ele propôs o panóptico, um
estabelecimento carcerário radial para máximo controle com mínimo esforço. Essa ideologia da pena como
treinamento, vigília constante e moralização, persistiu em regimes "progressivos". Analogias entre cárcere e
fábrica evidenciam a concepção do cárcere como treinamento para trabalhadores desordeiros. A aceitação de
Bentham na Inglaterra relaciona-se à acumulação de capital produtivo no país.

CAPÍTULO VIII
AS IDEOLOGIAS PENAIS DA CONSOLIDAÇÃO DO PODER DO CAPITAL
NOS PAÍSES CENTRAIS E SUA CRISE

O capítulo discute a transição ideológica do contratualismo para o organicismo como uma resposta ao
avanço do capitalismo, destacando a obsolescência do contratualismo diante da consolidação do poder
capitalista nos países centrais. A ascensão do capitalismo trouxe a necessidade de conter e disciplinar as massas
urbanas, levando a uma mudança na narrativa ideológica que agora destacava a sociedade como algo "natural" e
defendia o poder nas mãos dos proprietários de manufaturas. O paradigma do organismo, conhecido como
organicismo social, é apresentado como uma estratégia ideológica para justificar a posição de poder da elite,
concebendo a sociedade como um todo orgânico com a elite controlando devido à sua superioridade. Essa
ideologia tem raízes no idealismo romântico, especialmente na vertente hegeliana, que via a sociedade como
uma unidade orgânica em desenvolvimento.
O texto também explora a transição do racionalismo contratualista para a busca por princípios infinitos,
caracterizada como "romantismo" por Abbagnano. Destaca-se a ideologia penal hegeliana, que foi manipulada
para justificar a imposição de penas ilimitadas a indivíduos considerados inúteis ou perigosos para a ordem
hegemônica. A visão hegeliana da razão e a divisão entre a "comunidade espiritual" e os excluídos justificam
tratamentos diferenciados, levando à exclusão de indivíduos como os "loucos" ou aqueles que violam normas
sem compartilhar valores da "comunidade jurídica". O texto aborda ainda a projeção do pensamento hegeliano
ao longo do tempo, destacando influentes penalistas hegelianos do passado e mencionando sua presença em
juristas ligados ao nacional-socialismo. São ressaltadas diferentes interpretações de Hegel, desde matizes
liberais até marxistas, e a natureza romântica de seu pensamento, caracterizado por uma razão absoluta.
O texto aborda as ideologias penais que surgiram como reação ao hegelianismo, destacando o
correcionalismo penal, uma versão romântica influenciada por Christian Friedrich Krause. Krause, seguidor do
idealismo, propôs uma ética política baseada na coincidência do "eu" com a "natureza" e o "espírito" dentro da
"Humanidade", todos abarcados por Deus. Sua ética, semelhante à estóica, visava a felicidade alcançada pelo
amor entre os homens, promovendo a inclinação a Deus. O correcionalismo, exposto por Karl David August
Röder, defende um direito penal com missão moral, buscando o melhoramento do homem em sua aproximação
a Deus. Essa abordagem, apesar de considerada mística, destaca-se por sua crítica à pena de morte e à prisão
perpétua, além de fundamentar a liberdade condicional. Outra teoria mencionada é a escola penal humanista de
Vincenzo Lanza, surgida no século XX. Semelhante ao correcionalismo, Lanza via o direito penal com uma
missão ética, considerando o delito como uma grave lesão ao sentimento moral. Propunha a eliminação de
delitos que não causassem danos significativos ao sentimento moral e defendia uma medida de pena necessária
para educar moralmente o delinquente. Essas ideologias, embora não tenham atraído grande atenção do poder
vigente, foram fundamentais para críticas morais no discurso penal, destacando-se por seus posicionamentos
éticos e humanistas.
O texto aborda a reação anti-hegeliana representada pelo "direito penal popular" no século XIX.
Enquanto a ideologia hegeliana era adotada pelo poder urbano, os latifundiários, resquícios da nobreza,
opunham-se a ela, apelando para uma ideologia baseada na tradição. A corrente do "direito popular" defendia a
ideia de que o direito deveria surgir espontaneamente do povo, sendo uma obra comunitária pertencente a todos.
No entanto, o autor argumenta que essa perspectiva é irracional e romanticamente ilusória, comparando-a ao
romantismo na arte. O jurista JHERING contestou essa visão, destacando a complexidade do direito e
desaconselhando aqueles que acreditam na possibilidade de um "direito popular" a se dedicarem a profissões
mais simples. O autor também relaciona essa tese à justificação da arbitrariedade sob a ótica da tradição,
especialmente útil para sistemas penais repressivos. No século XX, essa abordagem foi retomada pelo direito
nacional-socialista alemão, que tinha uma visão idealizada das tradições camponesas. Nietzsche (1844-1900) é
caracterizado como um filósofo "demolidor de ruínas filosóficas" e sua obra representa uma resposta
irracionalista ao hegelianismo. Sua teoria da pleonexia revela uma visão elaborada da "teoria do direito do mais
forte". Nietzsche mescla vitalismo, positivismo e irracionalismo, enaltecendo a vida e depreciando a morte. Sua
moral é antidemocrática, baseada na "seleção natural" e no sacrifício da humanidade para o florescimento de
uma espécie mais forte. Para Nietzsche, a sociedade é um pacto dos fracos para conter os "super-homens", sendo
a delinquência uma quebra desse contrato. Ele confronta Sócrates, critica o cristianismo como uma religião para
fracos, rejeita a democracia como uma "mania de contar por cabeça" e ironiza o indeterminismo. Defende a
ética estoica do eterno retorno, anuncia o super-homem e reclama uma inversão dos valores, propondo que as
atitudes destrutivas são as verdadeiras. Nietzsche sustenta que apenas os fortes têm direito à liberdade, não
reconhecendo a qualidade humana em todos. Sua falha está na concepção biológica do homem, relacionada ao
pensamento romântico, e seu pensamento foi, em algum momento, associado ao suporte filosófico do
nacional-socialismo. Sua visão doentia se resume na ideia de que o único valor objetivo é a força, o mais forte
deve comandar, e a moral, verdade e justiça são expressões da vontade do mais forte. O direito penal
democrático é visto como uma forma de dominação dos fracos sobre os super-homens, contrastando com o
hegelianismo penal que reclamava limites sociais. Ambos, no entanto, oferecem elementos transitórios para uma
ideologia penal em momentos específicos da história.
O pensamento de Karl Marx (1818-1883) é uma reação ao hegelianismo, destacando-se por uma
dialética materialista oposta à idealista de Platão e Hegel. Marx, considerado um romântico, defende que o
homem é um fim em si mesmo, mas destaca a alienação causada pelas relações de produção na economia
capitalista. Ele antecipa o existencialismo ao afirmar que o homem, mesmo nascendo condicionado, pode agir
sobre suas condições. Marx busca uma sociedade sem classes, acreditando que a superação do capitalismo pelo
comunismo libertará o homem e marcará o início da verdadeira história. Para isso, propõe a passagem por uma
ditadura do proletariado para suprimir as classes sociais. O Estado e o direito, vistos como produtos da luta de
classes, desaparecerão nesse processo. A obra mais importante de Marx, os Manuscritos econômico-filosóficos,
destaca-se por seu conteúdo antropológico. O pensamento marxista gera o "marxismo", com diversas correntes,
incluindo o "marxismo ideológico" fortalecendo o Estado totalitário, e o "análise marxista" que destaca a
importância de considerar a dimensão econômica em fenômenos sociais, como o crime. No entanto, essa análise
enfrenta o risco do determinismo simplista e reducionismo econômico. A confusão conceitual em torno do
marxismo exige distinções cuidadosas para evitar armadilhas ideológicas.
O texto aborda o organicismo positivista como uma ideologia que surge no contexto do capitalismo
consolidado no século XIX. Augusto Comte, influenciado por Darwin, formula o organicismo, que busca
interpretar o mundo com base na experiência, apresentando-se como uma síntese entre filosofia e ciências. O
positivismo é utilizado para ocultar uma metafísica que impede mudanças sociais, negar direitos individuais em
prol do "organismo social" e justificar o poder como resultado de uma evolução orgânica. O pensamento
organicista se transforma do idealismo para o materialismo, baseando-se no biologismo e na superioridade das
"células" do organismo social. A hegemonia é justificada pela pertinência aos "valores dominantes" e pela
suposta superioridade biológica. A antropologia, originada como ideologia colonialista, é usada para justificar a
inferioridade de povos não europeus. A ideologia organicista estabelece uma hierarquia social baseada na
qualidade biológica, classificando alguns como "degenerados" e justificando o controle sobre eles como medida
de segurança para a sociedade hegemônica. A pena, transformada em "medida de segurança", é destinada aos
setores marginalizados. Essa ideologia brutal se espalha pela Europa e é exportada para a América Latina, onde
é usada para justificar o desprezo por indígenas, negros, mestiços e mulatos, lotando as prisões. Na Europa, a
classe humilde é controlada pela emigração para a América Latina, onde os estudos europeus sobre inferioridade
servem para o controle social dos imigrantes. Em resumo, o organicismo positivista é uma ideologia que
legitima a hierarquia social com base em supostas características biológicas, perpetuando o controle e
marginalização de certos grupos pela sociedade hegemônica.
Cesare Lombroso, médico psiquiatra italiano do século XIX, destacou-se na antropologia criminal,
focando no estudo dos caracteres somáticos dos delinquentes. Sua teoria central, exposta em "O homem
delinquente" (1878), sustentava que a delinquência grave resultava de um retardamento do desenvolvimento
embrionário, conferindo ao delinquente características subumanas. Lombroso associava tais características a
anomalias físicas, como a presença de uma terceira fossa occipital. Sua abordagem biologista, embora
posteriormente atenuada, foi criticada e relacionada a teorias racistas do nacional-socialismo. Apesar disso, suas
observações sobre os estratos sociais dos prisioneiros e dos pacientes de manicômios continuam relevantes,
mesmo que sua interpretação seja hoje considerada despropositada. Lombroso, apesar de suas contribuições, não
considerou as influências sociais nas condições neurológicas e físicas, limitando sua perspectiva biológica na
compreensão da criminalidade. Enrico Ferri (1856-1929), destacado representante da escola positivista, foi um
expositor influente com sua obra principal, a Sociologia Criminal. Embora tenha sido um político ativo e
socialista na maior parte de sua vida, sua inclinação para o fascismo nos últimos anos gerou polêmica. Ferri
presidiu a comissão que propôs um código penal para a Itália em 1921, mas posteriormente apoiou o "Projeto
Rocco", sancionado em 1930 e ainda em vigor com poucas modificações. Sua abordagem sociológica do delito
levou Ferri a uma redução significativa do direito penal em favor da sociologia. No entanto, essa "redução
sociológica" resultou em um equívoco ao considerar a sociologia como uma disciplina valorativa, defendendo
que os juízos de valor eram empiricamente comprováveis. Para Ferri, a responsabilidade penal decorria
simplesmente de viver em sociedade, e o propósito do direito penal era a "defesa social". Ele argumentava que,
diante de um indivíduo predisposto ao delito, a sociedade estava determinada a se defender, independentemente
de o criminoso ser doente ou não. Nesse sentido, Ferri não fazia distinção entre imputáveis e inimputáveis,
substituindo a culpabilidade pela periculosidade, entendida como a relevante possibilidade de cometer um
delito.
Enrico Ferri, diante do direito penal e sua função de defesa social, desenvolve a ideia da existência de
uma "escola clássica", atribuindo-lhe características como "excessos liberais" e, na vertente dogmática alemã,
"obscuridades tedescas". Ferri propõe que essa escola, liderada por Beccaria e Carrara, inclui todos os penalistas
não positivistas. No entanto, essa concepção é contestada, pois ela simplifica um debate mais complexo entre
correntes de pensamento diversas, como o idealismo alemão, aristotélico-tomista, iluminista, kantiano, entre
outros. Ferri classifica sob o rótulo da "escola clássica" aqueles que não compartilham de suas perspectivas, mas
essa categorização é questionável. A expressão persiste até hoje, com referências à "escola clássica" e "escola
positiva", sugerindo um suposto "armistício" entre ambas. No entanto, essa dicotomia é considerada uma
simplificação conveniente para evitar aprofundamento na filosofia penal. A controvérsia entre positivistas e seus
opositores, representada pela suposta "escola clássica", é refutada. Autores italianos, como Luigi Luchini,
contestam Ferri, enquanto surgem figuras como Sabatini, Carnevalle, Impallomeni, Alimena, formando uma
"terceira escola" que busca uma síntese entre as posições políticas e filosóficas. Esse debate não se limita à
disputa entre a "clássica" e a "positivista", mas envolve concepções antropológicas, como a biológica do
positivismo versus diferentes perspectivas filosóficas do homem. Ferri, um defensor do positivismo, argumenta
que o delito é um sintoma de periculosidade, aplicando medidas sem necessariamente haver um delito. O debate
central ocorre na Itália, mas ecoa internacionalmente, enfrentando opositores como Franz von Liszt e Binding na
Alemanha, Aramburu y Zuloaga na Espanha, e atraindo adeptos na Argentina, incluindo uma polêmica com
Juan B. Justo. No Brasil, o positivismo conquista seguidores como Tobias Barreto, Viveiros de Castro, Moniz
Sodré, Cândido Mota, Filinto Bastos, Evaristo de Morais, Nina Rodrigues, Roberto Lyra, entre outros. Ferri é
reconhecido como um pensador genial, mas sua visão é objeto de críticas e debates em diversas partes do
mundo.
Rafael Garofalo (1851-1934), figura proeminente no positivismo penal italiano, apresenta uma
abordagem distinta dentro dessa corrente, influenciada pelo platonismo. Diferentemente de Lombroso e Ferri,
Garofalo era um aristocrata e procurador do Reino. Sua obra principal, a Criminologia, busca um conceito de
"delito natural", afastando-se do positivismo ao adotar uma abordagem irracional, analisando sentimentos.
Garofalo reconhece historicamente o relativismo valorativo, concluindo que não pode encontrar o "delito
natural" por meio de dados experimentais. Ele se volta para a análise dos sentimentos, abandonando a
abordagem positivista. No entanto, essa abordagem irracional leva a um etnocentrismo e racismo, categorizando
culturas não europeias como "tribos degeneradas". Ele postula dois sentimentos básicos, piedade e probidade,
fundamentais para sua classificação "natural" dos delitos. Aqueles que carecem desses sentimentos, segundo
Garofalo, devem ser expulsos da sociedade, defendendo até a pena de morte para os "irrecuperáveis". Sua
Criminologia é considerada um manual de racionalizações para violações dos Direitos Humanos.Em resumo,
Garofalo desenvolve um direito penal idealista, influenciado pelo platonismo, que reflete uma visão etnocêntrica
e racista. Sua abordagem irracional e defesa de medidas extremas ecoam em argumentos totalitários e
autoritários, tornando sua Criminologia um texto de leitura crucial, apesar de suas ideias desatinadas.
O texto aborda as variantes do positivismo, destacando o evolucionismo espiritualista de Franz von
Liszt no contexto do desenvolvimento do positivismo italiano. Liszt, um professor de Berlim e antagonista de
Karl Binding, sustentava uma abordagem dicotômica entre o material e o espiritual no campo penal, buscando
harmonizar ambos. Ele criticava a teoria da pena como retribuição, defendendo sua função teleológica
preventiva, com ênfase na prevenção especial e ação terapêutica sobre o delinquente. Liszt desconfiava da
dogmática jurídica, considerando-a uma prática para juristas, e via os interesses do direito penal como
individuais, deixando os sociais sob a responsabilidade da política criminal. Enfatizava que o delito era um
produto social, negando a autodeterminação e baseando a responsabilidade penal na "normal motivação" do
delinquente. Sua contradição entre teoria e concepção sociológica do delito era explicada pelo dualismo presente
no pensamento alemão. Menos coerente que os positivistas italianos, Liszt, devido ao dualismo alemão,
destacava o físico sobre o espiritual, sem adotar a concepção do delito como sintoma de perigosidade. Apesar
disso, sua teoria da pena como fim foi apresentada no "Programa de Marburgo". Mais tarde, Liszt co-fundou a
União Internacional de Direito Penal, buscando soluções práticas em política criminal, sem se ater totalmente às
raízes teóricas. Essa abordagem influenciou o código penal argentino e brasileiro de 1940.
O autor Pedro García Dorado Montero, influenciado pelo krausianismo, positivismo italiano e
inclinação política ao anarquismo, desenvolveu uma teoria jurídica chamada "o direito protetor dos criminosos".
Contrariando outros positivistas, Dorado negou o delito natural, argumentando que todos os delitos são criações
políticas da sociedade. Defendeu o determinismo, alegando que o homem está predisposto a certas condutas,
cabendo à sociedade corrigi-lo, eliminando assim a responsabilidade penal e a defesa social. Suas ideias, apesar
de generosas, são consideradas utópicas e potencialmente perigosas. O texto também aborda o surgimento do
positivismo jurídico como resposta à tensão entre positivismo e organicismo, destacando a separação entre o
saber jurídico e o conhecimento social na abordagem chamada "positivismo jurídico-penal". Diferentes
correntes são mencionadas, incluindo Manzini e Binding como proeminentes juristas positivistas. Hans Kelsen é
apresentado como uma manifestação moderna e extrema do positivismo jurídico.
Karl Binding, apesar de associado ao positivismo jurídico, questionou a dependência excessiva do
direito positivo. Suas críticas ganham relevância diante das transformações autoritárias no direito penal entre
guerras. Sua "teoria das normas" argumenta que o delito viola normas deduzidas dos tipos legais, independentes
da ameaça de pena, introduzindo um fenômeno relevante cientificamente até hoje. O capítulo conclui discutindo
a crise do positivismo organicista no final do século XIX, evidenciada pela depressão de 1890-1896. Emile
Durkheim emerge como o ideólogo da transformação, questionando a visão tradicional do crime como uma
agressão à sociedade. Para Durkheim, o delito passa a ter uma função positiva ao fortalecer a "consciência
coletiva" através da reação pública que gera. Sua teoria representa a transição para um modelo funcional e
fisiológico, desafiando o modelo mecanicista newtoniano e fortalecendo a prevenção geral jurídica.

CAPÍTULO IX
A IDEOLOGIA PENAL NO “ESTADO DO BEM�ESTAR” NOS PAÍSES CENTRAIS

O capítulo aborda a separação das ideologias penais entre as décadas de 1920 e 1930, destacando as influências
socioeconômicas nos países centrais. Em alguns países, a acumulação de capital produtivo levou à criação de
sistemas totalitários com ideologias políticas radicais, enquanto na Europa, o crescimento econômico menos
vertiginoso resultou em menor interesse pela sociologia em comparação aos Estados Unidos. O "Estado do
bem-estar" europeu, baseado em previdência social mínima e regras de conduta, gerou uma criminologia clínica
focada em argumentos psicanalíticos e psiquiátricos. Houve uma tensão ideológica na Europa entre a tendência
retributiva à prevenção geral e a terapêutica à prevenção especial, com a ideologia do tratamento atingindo seu
auge com as penas indeterminadas. No entanto, a inviabilidade financeira e a incompatibilidade com os Direitos
Humanos levaram à continuidade do controle social punitivo pela "prevenção geral". A delimitação clara dos
objetivos do direito penal tornou-se obscura, resultando em contradições teóricas não resolvidas. A
incompatibilidade entre o positivismo e o organicismo levou a uma separação total, com a criminologia
norte-americana centrada na análise sociológica do crime, enquanto a criminologia europeia adotava uma
abordagem psicopatológica.
O texto aborda as ideologias da criminologia norte-americana, destacando duas correntes principais. A
primeira, representada pelas teorias sociológicas da unidade cultural, como a explicação funcionalista de Robert
Merton, sugere que a criminalidade surge da desproporção entre objetivos socialmente incentivados e os meios
disponíveis para alcançá-los. Essas teorias pressupõem uma unidade cultural, embora a complexidade da
sociedade contemporânea torne essa visão questionável. A segunda corrente trata das subculturas criminais,
argumentando que certos grupos se afastam da cultura geral, superestimando aspectos negativos como violência
e crime. Apesar de essas teorias refletirem uma criminologia positivista, principalmente em nível psicológico, o
texto critica a tentativa de objetividade científica ao substituir termos como "crime" por "conduta desviada".
Essa abordagem, embora tenha sido usada para justificar o modo de vida americano no pós-guerra, destaca-se
por sua influência na crítica contemporânea à criminalidade. A escola de Chicago, em particular, contribuiu para
desmistificar a ideia de unidade cultural, enquanto outros sociólogos, como Gunnar Myrdal, abordaram as
questões das minorias de maneira mais contextual, destacando o papel dos preconceitos brancos. Apesar de
terem sido instrumentalizadas para justificar o American way of life, as teorias criminológicas norte-americanas,
especialmente aquelas que reconhecem a complexidade social, proporcionaram bases essenciais para a crítica
contemporânea e contribuíram significativamente para a compreensão mais realista da criminalidade.
O texto aborda as teorias do conflito na criminologia, destacando a teoria da associação diferencial de
Sutherland, que enfatiza a aprendizagem da conduta criminosa em grupos sociais com normas culturais
distintas. Esta teoria aborda o "crime do colarinho branco", evidenciando a criminalidade ligada ao poder. Outra
corrente importante é a criminologia tributária do interacionismo sociológico, que propõe a "teoria do
etiquetamento". Essa teoria enfatiza a definição do criminoso como resultado da interação entre quem rotula e
quem é rotulado, criticando instituições totais e apontando a criação de estereótipos criminosos. Apesar de
críticas à superficialidade do interacionismo, o texto destaca a importância de suas contribuições para a
compreensão do sistema penal, reconhecendo que não realiza uma análise estrutural profunda, mas oferece
elementos essenciais para um juízo crítico. O texto aborda a inadequação da abordagem positivista na
criminologia, destacando que ao negligenciar a reação penal, o sistema penal distorce a compreensão do
fenômeno criminal. Exemplos europeus mostram que políticas sociais ou econômicas não eliminam as "causas"
do crime. Correntes psicológicas, influenciadas por Freud, foram utilizadas para explicar o delito em termos
individuais, mas essa perspectiva terapêutica na punição enfrentou desafios práticos e financeiros. A ideia de
estabelecer a pena como terapia não foi amplamente adotada, especialmente devido aos custos. Experiências
terapêuticas focadas em criminosos "habituais" tiveram resultados mistos, evidenciando limitações na aplicação
dessa abordagem. A conclusão destaca a importância de não simplificar a compreensão do crime, considerando
o papel do próprio sistema penal em sua criação e perpetuação.
O texto aborda a "nova defesa social" como expressão da ideologia do tratamento na política
criminológica. Este movimento, apesar de confuso e carente de unidade, ganha destaque publicitário. Autores
como MARC ANCEL e FILIPPO GRAMATICA se destacam nesse contexto. ANCEL busca manter o direito
penal à margem de reduções biológicas ou sociológicas, defendendo a desjuridicização em certos setores da
ação anticriminal. Ele compartilha a ideia de que o direito penal é um limite intransponível da política criminal,
exigindo tipificação legal das ações perigosas. Já GRAMATICA adota um conceito "extremista" de defesa
social, considerando-a substitutiva do direito penal, absorvendo penas e medidas em "providências de defesa
social". Ambos os autores enfrentam críticas, especialmente em relação aos limites da ação reeducadora ou
ressocializadora, sem uma explicação clara. ANCEL apela ao "humanismo" sem definição, citando a Declaração
Universal dos Direitos Humanos como resposta. GRAMATICA, por sua vez, introduz o conceito de um direito
penal "subjetivo", substituído diretamente pela "defesa social", com críticas similares às apresentadas a ANCEL
e DORADO MONTERO.
O texto aborda o neocriticismo penal, destacando a influência do neokantismo, especialmente a escola
de Marburgo e a escola de Baden. Enquanto a primeira enfatiza o método na criação do objeto, a segunda,
seguindo a "Crítica da razão prática", destaca que são os valores que criam e ordenam, penetrando no caos da
realidade. Essa abordagem implica que o direito penal recria a realidade, indicando que o valor não apenas
agrega dados, mas cria aquilo que valoriza ou desvaloriza. Sob o neokantismo de Baden, destacam-se
pensadores como Rudolf Stammler, Max Ernst Mayer e Gustav Radbruch. Mayer propõe que a cultura é uma
combinação de realidade e valor, rejeitando a teoria das normas de Binding e falando em "normas de cultura".
Radbruch, inicialmente positivista, defende que o juiz deve sacrificar suas convicções em favor da lei para
garantir a segurança jurídica. No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, Radbruch critica o positivismo
jurídico, alegando que deixou juristas e o povo indefesos contra leis arbitrárias. Essa corrente neokantiana,
também conhecida como "neoclassicismo penal", influencia penalistas como Mezger e contribui para o
desenvolvimento do causalismo posterior a Liszt e Beling.
O neopositivismo, surgido em Viena por volta de 1923, liderado por Moritz Schlik, propõe uma
"ciência unificada" baseada em métodos semelhantes aos da física. Consideram a metafísica como
pseudoproblema e reduzem a ciência jurídica à sociologia empírica. Para eles, termos éticos têm apenas valor
"emotivo", e a metafísica é vista como uma atitude emotiva reservada para a arte. Apesar de negarem toda a
metafísica, o neopositivismo é, em si mesmo, uma forma de metafísica. Seu critério de verdade é a verificação
sensível, mas sua própria base é metafísica. Apesar de contribuições metodológicas e depuração da linguagem,
reconhecem que há problemas fora do alcance da ciência empírica. Cientistas atuais percebem seu papel
político, e a análise da linguagem é insuficiente para fundamentar a distinção entre o autêntico e o inautêntico. O
neopositivismo é associado à atitude jurídico-retributiva do penalismo europeu, buscando ser uma ideologia de
sustentação em meio à crise do neokantismo. O neoescolasticismo, especialmente o neotomismo, entra em
conflito com o neokantismo e o neopositivismo ao buscar restaurar a problemática medieval da escolástica,
valorizando perguntas metafísicas. Viktor Cathrein e Jerônimo Montes foram figuras que, em tempos de Von
Liszt, se opuseram ao positivismo em nome do neoescolasticismo. Essa corrente destaca a igual dignidade da
natureza humana, confrontando a "ideologia do tratamento" e as versões contemporâneas do kantismo e
positivismo. Apesar de críticas à fundamentação do neotomismo sobre a dignidade da pessoa, autores como
Johannes Messner e Jacques Maritain defendem essa bandeira. O Estado do bem-estar se apropria seletivamente
de elementos do neotomismo, como o sentido retributivo da pena e a ideia de culpabilidade, enquanto a
ideologia do controle social utiliza aspectos úteis provenientes do neotomismo, principalmente relacionados à
culpabilidade de autor e à conduta de vida.
O capítulo se encerra dissertando sobre a ética material, representada por Max Scheler e Nicolai
Hartmann, surge como resposta à crítica existencialista ao objetivismo valorativo. Scheler busca superar a ética
formal de Kant ao incorporar conteúdos emocionais, destacando a distinção entre bens e valores, sendo estes
captados pelo sentimento. Hartmann, embora busque um objetivismo valorativo, sua concepção se assemelha às
ideias platônicas. Ambas as teorias objetivas dos valores têm implicações no direito penal autoritário. O erro
fundamental é fazer o ser depender do seu próprio valor, levando à alienação. O valor surge da carência humana,
sendo uma possibilidade que implica sua contrária, a não ser. A afirmação de que Deus é o valor supremo é
questionada, pois um ser perfeito estaria além do problema do valor.

CAPÍTULO X
A IDEOLOGIA PENAL EM PAÍSES CENTRAIS COM DIFICULDADE DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL
PRODUTIVO

O texto aborda a relação entre ideologia penal e acumulação de capital produtivo em países centrais, destacando
a não linearidade do processo de acumulação. Algumas nações adotaram estruturas totalitárias para impulsionar
a acumulação, resultando em diferentes realidades pré-guerra. A disciplina para alcançar uma acumulação
rápida exigiu ordens que restringiam dissensos, sendo mais eficaz em populações industriais. O sistema penal
desempenhou um papel crucial atacando o direito penal garantidor, também conhecido como "Direitos
Humanos", durante esse período crítico ao "direito penal liberal". O texto discute a confusão entre os sentidos do
direito penal do Estado de Direito e do Estado "gendarme", destacando as características e evolução dessas
abordagens.
O capítulo aborda as políticas penais dos autoritarismos pré-guerra, focando nas abordagens fascista e
nacional-socialista. No direito penal fascista, há ênfase na proteção do Estado, penalização severa de delitos
políticos e ampla utilização da prevenção geral pela intimidação. O Código Rocco reflete uma abordagem
autoritária ao tipificar delitos de forma punitiva, fundamentando-se em conceitos neo-hegelianos e positivistas.
O texto destaca o pensamento penal nacional-socialista, mais extremo que o fascista, baseando-se na noção
irracional da "comunidade do povo" e no mito da raça ariana. Leis de 1933 e 1935 ampliam a punibilidade,
introduzindo a analogia penal e conferindo à legislação um caráter irracional e ditatorial. O texto também aborda
a política penal soviética pré-guerra, influenciada pela interpretação positivista do marxismo. Lenin e Stalin
implementaram uma ditadura do proletariado, combinando positivismo e marxismo, resultando em um sistema
penal mais feroz que o fascista e comparável ao nazista. O código de 1922 visava defender o Estado durante a
transição ao comunismo, destacando delitos contra a burguesia. O direito penal soviético evoluiu durante a
industrialização sob Stalin, eliminando brutalmente obstáculos econômicos e destacando o manejo da analogia e
comissões especiais para delitos políticos.
O texto continua abordando a evolução da política penal soviética após o XX Congresso do Partido
Comunista em 1958. Nesse período, foram estabelecidos os "Princípios de legislação penal", eliminando
tribunais especiais e reintroduzindo o princípio da legalidade. O marxismo institucionalizado transformou-se em
uma superestrutura ideológica, caracterizando-se pela atenuação das penas durante a reforma de 1958-1960, mas
posteriormente ocorreu a extensão da pena de morte e eliminação da liberdade condicional entre 1961 e 1962. O
sistema de penas soviético lembrava a república platônica, guiado pelo "princípio leninista da combinação da
coerção com a persuasão" e fundamentado no positivismo. O texto conclui abordando os princípios
político-penais da Igreja Católica, destacando a rejeição do direito penal de periculosidade. Pio XII enfatiza a
necessidade de basear o direito penal na culpa, enquanto João XXIII destaca a importância da antropologia
criminal. Paulo VI, em 1969, ressalta a responsabilidade de garantir os direitos do culpável e do inocente,
defendendo a dignidade humana. João Paulo II expressa a importância de combater a injustiça em diversas
formas, abrangendo aspectos econômicos, sociais, políticos e religiosos.

CAPÍTULO XI
PANORAMA ATUAL DO PENSAMENTO PENAL E A PROBLEMÁTICA PERIFÉRICA

O texto aborda o atual panorama do pensamento penal, destacando a polarização entre idealismo e realismo. Em
meio à crise do Estado de bem-estar, o idealismo busca controlar o temor das populações diante da redução do
consumo, com destaque para o existencialismo de Martin Heidegger, que enfatiza a importância da liberdade e
da angústia na existência humana. A teoria das estruturas lógico-objetivas surge como uma reação ao
positivismo pré-Segunda Guerra, buscando limitar o legislador, mas na Alemanha perde espaço para o retorno
ao idealismo. Essa teoria sugere uma limitação ao poder repressivo penal, sem ser jusnaturalista, considerando
inválidas as leis que buscam alterar a ordem física ou estabelecer valorações contraditórias.
A teoria crítica da sociedade, associada à Escola de Frankfurt, critica a sociedade em busca de uma
forma livre de opressão, influenciada pelo marxismo e existencialismo. No contexto penal, essa teoria influencia
a abordagem de Roxin, questionando a antijuridicidade e culpabilidade como critérios políticos. O texto destaca
a falta de clareza filosófica e a semelhança com um jusnaturalismo nebuloso. O texto também aborda as
tendências penais utópicas na década de 60 na Europa, ressaltando a revalorização do pensamento penal
anarquista, especialmente a versão de Fourier. Os anarquistas buscam suprimir o Estado para restaurar o
equilíbrio social e eliminar o crime, com uma visão otimista de mudança moral espontânea após a supressão das
atuais condições sociais.

A "nova direita" penal emerge como resultado da crise fiscal do Estado de bem-estar nos anos 70. Essa
ideologia ultradireitista, por vezes antidemocrática, responsabiliza os governos centristas pela crise. Na França,
manifesta-se como uma corrente irracionalista, enquanto nos EUA, o "novo realismo criminológico" liderado
por Ernest van den Haag prioriza a "ordem" sobre a "caridade" e a "justiça," justificando a pena com base na
necessidade de ordem e enfatizando a dissuasão sobre a reabilitação. A "nova direita" na Europa adota uma
abordagem retributiva conhecida como "neo retribucionismo penal," fundamentada na ideia de que a pena é uma
retribuição necessária, destacando a ordem como o único bem jurídico. O texto ressalta incoerências e expressa
preocupação sobre a justificação de ações extremas, como o uso da bomba atômica, com base na "necessidade
de defesa do poder." No entanto, o texto não desenvolve a discussão sobre a "política criminal verde," sugerindo
que esse tema pode ser explorado em um contexto posterior.
O texto aborda a "política criminal verde", um movimento político minoritário nos países centrais que
reage à catástrofe ecológica causada pela civilização industrial. A versão ideológica penal desse movimento,
formulada por Louk Hulsman, propõe a abolição do sistema penal em favor de alternativas como reparação e
conciliação. Embora reconheça a possibilidade de reduzir a repressividade do sistema penal, critica-se a falta de
contextualização histórica do abolicionismo. Argumenta-se que o controle social persistirá, sendo exercido de
outras formas, e que a mudança real requer uma transformação nas estruturas de poder social. Hulsman propõe
uma justiça não penal, vigilante aos Direitos Humanos, como garantia contra violações, sugerindo uma mudança
fundamental nas estruturas de poder social como condição para mudanças significativas nos mecanismos de
controle social.
O texto aborda diferentes tendências na reforma dos sistemas penais em países centrais. A
descriminalização propõe a renúncia formal de agir via sistema penal, abordando casos como cheques e furtos.
A despenalização degrada a pena sem descriminalizar, buscando alternativas à prisão. A diversificação permite a
suspensão do processo penal para soluções não punitivas, refletida em leis como a brasileira de 1995. A
intervenção mínima preconiza a redução da solução punitiva em conflitos sociais, reagindo à ineficácia do
controle penal. Críticos argumentam que essas tendências refletem a crise fiscal do Estado, mas podem ser vistas
como reações realistas. O retribucionismo na América Latina é uma visão da pena como retribuição baseada no
princípio da culpabilidade, surgindo como reação ao positivismo. No entanto, esse conceito, influenciado pela
dogmática neokantiana alemã, falha ao perder a conexão com a realidade em uma região de países periféricos e
economia descentralizada. A crítica de Marat destaca a injustiça do retribucionismo em sociedades desiguais
quanto à produção e distribuição. Na prática, essa abordagem, ao denunciar excessos do positivismo, muitas
vezes serve a setores tecnocratas do sistema judicial e penal, ignorando dados da sociologia e economia. Nos
regimes autoritários, o retribucionismo é usado para justificar sanções penais mesmo em casos não perigosos.
O perigosismo, derivado do positivismo, permeia as elites latino-americanas, exemplificado pelo
conceito do "bom ditador" de Sierra no México e por figuras como Raimundo Nina Rodrigues no Brasil. Esta
ideologia persiste na região, embora muitas vezes dissimulada sob discursos jurídicos neokantianos ou
positivistas. A influência do perigosismo se reflete no peculiar "código penal tipo latino-americano", criado a
partir de 1963, caracterizado por penas retributivas para os imputáveis e medidas ilimitadas para os outros,
perpetuando uma possível repressão discriminatória. O hibridismo ideológico, que inclui a "ideologia do
tratamento" do Estado do bem-estar, cria uma lacuna entre a teoria e a prática do sistema penal na América
Latina, devido a limitações financeiras evidentes. O texto aborda a "ideologia da segurança nacional" na
América Latina, introduzida durante a guerra da Argélia. Essa ideologia destaca a guerra leste-oeste como única,
ignorando a tensão norte-sul, e promove uma militarização da sociedade, priorizando a "segurança nacional"
como único bem jurídico. Isso resulta em estatutos de emergência, tribunais especiais e violações dos princípios
legais. Apesar de superada, a realidade autoritária persiste na forma da "ideologia da segurança urbana",
refletida em leis repressivas sem coerência ideológica, mas impulsionadas por questões eleitorais e sociais. O
poder, antes nas forças armadas, agora reside nas polícias. Por fim, o capítulo se encerra dissertando sobre a
falta de desenvolvimento de uma crítica penal na América Latina. Apesar de algumas vozes críticas na
criminologia, a crítica jurídica ainda é incipiente devido a limitações de conhecimento e interesses do poder na
região. Destaca-se o trabalho de criminologistas venezuelanas, como Lola Aniyar de Castro e Rosa del Olmo. A
ausência de teorias críticas locais leva à dependência de instrumentos críticos importados, o que pode resultar
em efeitos contrários aos desejados na realidade periférica latino-americana.

CAPÍTULO XII
OS CAMINHOS ABERTOS PARA UMA FUNDAMENTAÇÃO ANTROPOLÓGICA DO
DIREITO PENAL

O Capítulo XII aborda a necessidade de uma fundamentação antropológica do direito penal. Destaca a
importância das perguntas fundamentais sobre o sentido e limite da atividade penal, ressaltando a
interdependência entre o "Para quê?" do direito penal, o "O quê?" da sociedade e a pergunta antropológica. A lei
penal não cria o homem, apenas o reconhece. O direito penal existe para servir ao homem, e sua aplicação
requer uma fundamentação jurídica no antropológico, mas não o contrário. A discussão sobre jusnaturalismo é
contextualizada, afirmando que a fundamentação antropológica não necessariamente leva ao jusnaturalismo, a
menos que seja entendido como a ideia de que nem toda lei é direito penal.
O texto aborda a distinção entre direito penal efetivo, não efetivo e puro exercício de poder. A
efetividade do direito penal reside em sua capacidade de garantir externamente a autorrealização humana. O
direito penal não efetivo gera tensões sociais, mas ainda é considerado vigente. No entanto, se a falta de
efetividade for extrema, o direito penal se reduz a um mero exercício de poder, distante da fundamentação
antropológica. Portanto, para ser efetivo, o direito penal deve respeitar a condição humana e estar
antropologicamente fundamentado.
O direito penal, em nossa cultura, requer condições fundamentais como regulador da conduta humana,
consistência em suas valorações, não contradição com as leis físicas e reconhecimento da autodeterminação do
homem. Quando tais requisitos não são atendidos, temos um mero exercício de poder, não direito penal. Essas
condições delimitam o escopo da ciência do direito penal, sendo essenciais para considerar algo como "matéria
jurídica". Uma definição que se limita ao formal não está de acordo com esses requisitos, ignorando a base
cultural e histórica que molda a concepção do homem. Apesar das variações contemporâneas, é inegável que
algo significativo ocorreu na história, não necessariamente associado a uma fé simples no progresso. O texto
aborda a efetividade do direito penal, distinguindo entre um direito penal efetivo e um não efetivo. Destaca a
necessidade de fundamentação antropológica para que o direito penal seja liberador, em oposição a uma
abordagem meramente repressiva. Aponta que a liberdade é interna e o direito penal pode, no máximo,
facilitá-la externamente. Destaca características do direito penal antropologicamente fundado, como a rejeição
de bases valorativas derivadas do conceito de valor, a recusa a fundamentos religiosos e a necessidade de
realismo. Enfatiza a importância de uma atitude positiva na convivência e a distinção clara entre direito penal e
ética social. Argumenta que o direito penal deve ser dinâmico e rejeita a antinomia indivíduo-sociedade. Destaca
a aspiração ética do direito penal, além da mera ameaça de pena, propondo uma abordagem educativa e
reeducadora. Enfatiza a necessidade de superar a falsa antinomia indivíduo-sociedade e destaca a inexistência de
limites absolutos para a condenação de Antígona, ressaltando a importância de critérios dinâmicos e não
inquestionáveis na fundamentação antropológica do direito penal.
O texto aborda os efeitos negativos da falta de fundamentação antropológica no pensamento penal.
Quando o direito penal se afasta da imagem do homem, torna-se inútil ao focar apenas nas coisas, confundindo
sinais com o assinalado. Isso leva a tentativas de resolver problemas sociais de maneira inadequada, aumentando
irracionalmente as penas. Quando o direito penal não facilita escolhas e realizações, torna-se frustrante,
perdendo utilidade e levando ao desejo de descartá-lo. A falta de efetividade pode surgir ao garantir apenas
formalmente os bens jurídicos. Em casos extremos, pode retirar a autonomia do homem, gerando conflitos. A
efetividade do direito penal é crucial, e a ausência de fundamentação antropológica pode transformá-lo em mero
uso da força, resultando em sua aniquilação. O texto destaca a importância de um direito penal efetivo e
libertador, fundamentado antropologicamente. Esse direito deve ser realista, não baseado em fé ou
conhecimento científico puro. Deve garantir liberdade com segurança jurídica, distinguindo-se da moral e ética
social. Deve promover uma atitude positiva e liberadora, rejeitando a simples ameaça de pena, sendo dinâmico e
superando a antinomia "indivíduo-sociedade".

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