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Escolas Penais

Ao longo da história, alguns estudiosos no âmbito do Direito Penal, construíram distintos


conceitos, principalmente no contexto da legitimidade do direito de punir, a natureza do delito e
o fim das sanções. Esses agrupamentos de conceitos e ideias, constituíram as Escolas Penais.
O estudo dessas escolas se mostra importante para entender e analisar criticamente o Direito
Penal como é hoje, uma vez que diversos institutos do nosso ordenamento jurídico trazem
características de diferentes linhas de raciocínio que podem ser utilizadas na aplicação do Direito
à realidade.
Destacamos as seguintes Escolas Penais:

 Escola Clássica.
 Escola Positiva.
 Correcionalismo Penal.
 Tecnicismo Jurídico-penal.
 A Defesa Social.

Escola Clássica.

Também conhecida como Idealista, a Escola Clássica predominou entre o final do século XVIII
e a metade do século XIX.
Sua principal característica é a tendência a propiciar ao homem uma defesa contra o arbítrio do
Estado, pois surgiu como uma espécie de reação ao totalitarismo do Estado Absolutista da época
e carregando influência do movimento Iluminista. Considerou, portanto, feitos como a eliminação
das penas corporais, dos suplícios, da vingança real e da vingança religiosa.
Sua nomenclatura foi desenvolvida de forma pejorativa pela Escola Positiva.
Com conceitos jusnaturalistas e utilizando-se de métodos racionalistas e dedutivos, consideram
que o Direito segue a ordem da lei natural.
Define o homem como detentor de livre-arbítrio, e, portanto, age segundo sua própria vontade
(autodeterminação), sendo o único responsável por seus atos; ou seja; para os clássicos o
homem nasce bom e o criminoso é aquele que optou pelo mal, embora pudesse e devesse
respeitar a lei. Consequentemente, se opta pelo mal e comete um delito (contradição de um fato

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humano em relação à lei), a pena é apenas uma retribuição, algo que é imposto ao indivíduo que
cometeu o delito e, portanto, merece um “castigo”.
O papel da aplicabilidade da pena, é o de reestabelecer a ordem na sociedade e, portanto, se
faz necessária que sua aplicabilidade seja pública, célere(rápido) e proporcional ao crime.
Os grandes expoentes desta escola foram o Marquês de Beccaria, Carmignani e Carrara.
Beccaria, em sua obra “Dos delitos e Das penas”, aborda assuntos que ao longo da história
caracterizariam o pensamento penal clássico, como a função da pena, a natureza do ato
criminoso e o impacto da estrutura jurídica penal sobre a sociedade.
É possível dividir a corrente classicista em dois grandes períodos: Filosófico/Teórico (sistema
penal baseado na legalidade e conceitos contratualistas), e Jurídico/Prático (conceito de crime
como instituto jurídico e da pena como retribuição).
Conclui-se sobre as ideias da Escola Penal Clássica que o crime é uma violação do Direito, de
forma que a defesa contra este ato provém do próprio ordenamento. A pena como meio de tutela
jurídica deve ser retributiva e não pode ser arbitrária ou desproporcional. Por fim, o criminoso
não se mostra como objeto primordial de estudo, tendo em vista que realiza o ato
conscientemente utilizando o livre-arbítrio.
Apesar das críticas positivistas, a Escola Clássica foi considerada um marco para a evolução do
direito penal, já que paradigmaticamente defendeu o indivíduo contra o arbítrio do Estado.
Entende-se, portanto, que a Escola Clássica possui princípios de cunho humanitário e liberal,
defendendo os direitos individuais e se voltando contra o absolutismo e o processo inquisitório.

Escola Positiva.

Essa Escola surgiu na segunda metade do século XIX, como uma crítica à Escola Clássica,
oportunizando uma mudança radical na análise do delito. Ficou conhecida também como Escola
Antropológica, Naturalista ou Realista.
Para o entendimento acerca do surgimento da escola positiva, é fundamental que seja
compreendido a atmosfera da época. Era o século da defesa fervorosa aos postulados da
ciência, e tendia-se à negação das verdades até então admitidas como incontestes. Também
foi um século de caráter reducionista, ou seja, com a tendência a explicar efeitos com base em
uma causa única. Conde de Gobineau e Houston Stewart Chamberlian reduziam a
problemática do homem ao fator raça; Marx reduzia a História e a Política ao econômico;
Darwin via a chave de tudo no fator evolução, e assim por diante.

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O mundo estava imerso em visões banhadas de monodimensionalismos preconceituosos.
O direito deixa de se importar essencialmente com a ressocialização do indivíduo e volta seu
interesse para a defesa da sociedade contra o criminoso, ou seja, dando prioridade aos
interesses sociológicos em detrimento dos individuais.
Nega-se o livre-arbítrio e, afirma a previsibilidade do comportamento humano. Passa-se a
investigar as causas dos crimes a partir dos criminosos. O crime é uma entidade de fato, um
fenômeno da natureza, sujeito a leis naturais que podem ser identificadas.
A pena não tem mais o caráter “retributivo”; pois a conduta criminosa seria como uma doença
que deve ser medicada em função da defesa da sociedade. Tal tese tinha como objetivo defender
as pessoas comuns contra as ações do delinquente
As Doutrinas Evolucionista (Darwin e de Lamark) e a Sociológica (Comte e de Spencer), entre
outras, exerceram grande influência nesta Escola.
Essa Escola Penal passou por três fases mais definidas, cada uma com uma característica
predominante e um autor de referência, dentre os quais: Cesare Lombroso, Enrico Ferri e
Raffaele Garofalo, os quais são considerados como “Os Três Mosqueteiros” da Escola Positiva,
por Cleber Masson.

Fase Antropológica

A primeira fase teve como expoente o médico italiano Cesare Lombroso, através da sua obra “O
Homem Delinquente”. Com um foco antropológico, Lombroso realiza estudos por meio de um
método experimental e obteve como resultado e conclusão a existência de um criminoso nato
(atávico), com características específicas, com um perfil físico padronizado.
Em sua tão criticada Teoria do Criminoso Nato, Lombroso afirma que o homem delinquente, o
era, em virtude de anomalias genéticas, cuja identificação podia ser medida fisiológica e
anatomicamente – a bertinolagem (“Conjunto de medidas corporais de um criminoso que
associado à sua fotografia serve como instrumento de identificação criminal”).
Ou seja, o criminoso era um ser atávico, um selvagem que já nasce delinquente, um subtipo
humano.
Visto que o criminoso era uma vítima de sua própria ancestralidade e de seus defeitos
genéticos, apto aos mais horrendos crimes, este deveria ser visto como alguém inaceitável de
convivência social e assim, ser higienizado do convívio humano, sobrepujado pela força do
Estado ou dos mais fortes.

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Sua teoria foi se modificando ao longo de seus estudos passando por atavismo, epilepsia e
loucura moral.
Como o delito e o delinquente eram patologias sociais, a pena passa a ter um caráter utilitarista.
Sua obra intitulada “O Homem Delinquente” teve grande papel na influência dos doutrinadores
brasileiros.
É inegável o fato de que seu pensamento gerou debates o que acabou culminando em diversos
Institutos de Criminologia no Brasil.

Fase Sociológica

A segunda fase teve como expoente Enrico Ferri, com a sua obra “Sociologia Criminal”. Diferente
da fase biológica de Lombroso, Enrico Ferri destacava o ser social, partindo da premissa de um
determinismo social. Nesse caso, o delinquente estaria propenso às práticas criminosas em
razão do meio em que vive, inexistindo o livre-arbítrio antes afirmado. Para ele, a pena seria
imposta pelo fato de o criminoso ser um membro da sociedade.
Bitencourt traz em seu livro “Manual de Direito Penal: Parte Geral” uma pequena análise do
pensamento de Ferri:
“Na investigação que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) – seu primeiro trabalho
importante – sustentou a teoria sobre a inexistência do livre-arbítrio, considerando que a pena
não se impunha pela capacidade de autodeterminação (sic) da pessoa, mas pelo fato de ser um
membro da sociedade”.
Vale ressaltar também que o autor foi aderindo ao entendimento de que havia a possibilidade de
readaptação dos criminosos.

Fase Jurídica

A terceira fase teve como expoente Rafael Garofalo, com a sua obra “Criminologia” publicada
em 1885.
Devido a sua posição de jurista, Garofalo conseguiu dar uma sistematização jurídica à Escola
Positiva, abrindo caminho para as seguintes características basilares:

 Periculosidade como fundamento da responsabilidade do criminoso


 Prevenção especial como fim da pena, que é uma característica comum da corrente
positivista
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 Fundamentação do Direito de Punir sobre a Teoria da Defesa Social, deixando em
segundo plano as metas de reabilitação
 Formulação de uma definição sociológica do crime natural, com pretensão de superar a
noção jurídica
Esse delito natural foi definido por Garofalo como: “Ação prejudicial e que fere ao mesmo tempo
alguns desses sentimentos que se convencionou chamar o senso moral de uma agregação
humana”.
Apesar da sua grande importância para essa escola, suas contribuições não foram expressivas
como as de Lombroso e Ferri, até porque seu ceticismo em relação à readaptação do criminoso
era evidente devido à sua posição em favor da pena de morte. Sua preocupação era a de eliminar
e não recuperar o criminoso como explica Bitencourt:

“[...] Partindo das idéias (sic) de Darwin, aplicando a seleção natural ao processo social
(darwinismo social), sugere a necessidade de aplicação da pena de morte aos delinquentes que
não tivessem absoluta capacidade de adaptação, que seria o caso dos ‘criminosos natos”.

Escola Clássica Escola Positiva

Conceito de Crime É um ente jurídico É um fenômeno social

Finalidade da Pena Não há preocupação em Ressocializadora


ressocializar

Método Dedutivo Experimental

Possibilidade de o Não admite. Crença no Admite influência interna


criminoso sofrer livre-arbítrio. e/ou externa
influência

Responsabilidade penal Moral Social

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Escolas Penais Ecléticas

TERZA SCUOLA ITALIANA


Ao contrário das Escolas Clássica e Positiva, a Terza Scuola Italiana não possuiu um
posicionamento bem definido, pois buscava conciliar a proposição das duas predecessoras.
Pretendia superar os extremismos das anteriores, sendo considerada uma escola eclética.
Consoante a Escola Positiva, possui a concepção de que o delito é um fato individual e social.
Consoante à Escola Clássica, admite a responsabilidade moral, entretanto não a fundamenta no
livre-arbítrio.
Mesmo utilizando a medida de segurança, essa escola acaba ignorando a readaptação do
criminoso, ou seja, a pena é utilizada para afastar o delinquente do convívio social.
Os postulados da Terza Scuola podem ser sintetizados da seguinte maneira:
 distinção entre disciplinas jurídicas e disciplinas empíricas;
 o delito é concebido como fato complexo ou como fenômeno social;
 rejeição do conceito de delinquente nato das classificações positivistas;
 dualismo penal, ou seja, a possibilidade de conciliação do uso das penas e das medidas
de segurança simultaneamente;
 a pena tem por finalidade a correção e readaptação social e não somente função de
castigo.
Seu grande expoente foi Manuel Carnevale.

ESCOLA MODERNA ALEMÃ

A Escola Moderna Alemã surgiu na Alemanha, sendo liderada por Franz von Liszt. Sua obra “A
ideia do fim no Direito Penal” (Programa de Marburgo, 1882) traçou um marco na reforma do
Direito Penal moderno.
Com um conteúdo eclético, essa escola representou um movimento com diversas semelhanças
com a Terza Scuola. Buscou a neutralidade entre o livre-arbítrio e o determinismo, e aproximou
o Direito Penal com a realidade.
Através de Liszt, o Direito Penal ganhou uma estrutura mais sistemática. Ele admitiu a fusão com
outras disciplinas, como a criminologia e a política criminal, pois entendia que essa fusão se faz
necessária para que a formação do jurista seja mais completa de modo a proporcionar um maior
conhecimento na ciência do Direito Penal.

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Em primeiro momento, percebe-se a ideia de que o delinquente agia com o livre arbítrio
juntamente com o determinismo, concepção de natureza individual e de condições exteriores.
Em seguida afirma que a pena pode ter várias funções, sendo intimidadora como prevenção,
desestimulando a pratica de crimes, e assim inovando a política penal moderna.
Ao se falar em pena cabe um destaque para a eliminação das penas privativas de liberdade de
curta duração, onde a escola sugere penas alternativas, desenvolvendo assim uma política
criminal liberal.
Ademais, a distinção entre imputáveis e inimputáveis abrange novamente uma dupla feição na
sua teoria. Para os imputáveis a sanção é a pena, já para os outros a medida de segurança é
imposta.

ESCOLA TÉCNICO-JURÍDICA

Surgiu na Itália tendo sido iniciada com a célebre Aula Magna proferida por Arturo Rocco, em
1905, e, seu principal expoente foi Karl Binding.
Essa escola surge para dirimir a confusão inicial da Escola Positiva quanto a falta de método,
pois os positivistas confundiam os campos da Criminologia, da Política Criminal e do Direito
Penal (em razão da demasiada preocupação com aspectos antropológicos e sociológicos em
detrimento dos aspectos jurídicos do crime), e a baixa preocupação com os aspectos jurídicos
do crime (maior foco antropológico e sociológico).
A Escola Técnico Jurídica apontou com maestria que o crime é o verdadeiro objeto do Direito
Penal.
Trata-se, portanto, de um aprimoramento na metodologia da Escola Positiva, considerando que
as demais características são próximas ou semelhantes. Pode-se destacar os seguintes
aspectos:

 O delito é puramente uma relação jurídica de conteúdo individual e social


 A pena é uma reação e uma consequência da conduta delituosa (tutela jurídica), com
função de prevenção geral e especial
 A medida de segurança preventiva deve ser aplicada aos inimputáveis
 Existe também a responsabilidade moral decorrente da vontade livre
 Utiliza-se o método técnico-jurídico de pesquisa
 Recusa-se a aplicação da Filosofia no campo do Direito Penal

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Importante ressaltar as três principais ordens de pesquisa e investigação no Direito Penal

 Exegese: busca o alcance e a vontade da lei


 Dogmática: sistematização dos princípios
 Crítica: como deveria ser – atual no Direito Penal positivo e na Política Criminal

Escola Correcionalista

Essa Escola Penal surgiu na Alemanha por volta de 1839, através da dissertação de Karl Roder,
intitulada de Comentatio na poena malum esse debeat, que tinha por fundamento a filosofia
krausista.
Apesar de o surgimento ter se dado na Alemanha, foi na Espanha que apareceram os principais
seguidores por meio de Sanz del Rio.
Os correcionalistas entendem que os delinquentes são anormais, e, portanto, são incapazes de
uma vida comum em sociedade, são um perigo para o convívio social, de forma que o livre-
arbítrio não possui relevância. Tampouco se preocupa com repressão ou punição, mas sim com
o endireitamento de suas condutas. Dizia Roeder que: “Não há criminosos incorrigíveis, mas
incorrigidos”.

A correção do delinquente se dá por meio da aplicação da pena cuja função é de preventiva


especial e de defesa social, não podendo, portanto, ser fixa e determinada. Dessa forma, a
sanção penal deve ser indeterminada e cessada somente quando sua execução se demonstrar
dispensável.

Escola da Defesa Social

1ª Fase
Surgiu no início do século XX como uma reação anticlássica influenciada pela Escola Positiva,
frente ao repúdio a insuficiência das penas, a preocupação com a proteção da sociedade e o
enrijecimento das penas. Podemos apontar como principais estudiosos: Von Liszt, Van Hamel,
Adolphe Prins, Filipo Gramatica e Marc Ancel.

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Nessa fase, o Direito Penal preponderou a avaliação da periculosidade do agente, dando assim,
o surgimento às medidas de segurança e às penas indeterminadas, bem como a luta contra a
criminalidade enquanto fenômeno social crescente. Decorre, portanto, desse viés de
pensamento, a valorização de penas rigorosas e a aplicação da pena capital (pena de morte).

2ª Fase
Com o término da II Guerra Mundial, essa escola preocupa-se com a prevenção do crime, com
o tratamento do menor delinquente e com uma reforma penitenciária para promover a
reabilitação dos criminosos (tornando-os sujeitos contribuintes para a sociedade).
Nessa fase, fundamenta-se a consciência da necessidade de não só penalizar, mas também de
prevenir o crescimento do crime, evitando que mais sujeitos adiram às suas práticas. Considerar
medidas educativas e curativas, intencionando que o Estado tenha a função de melhorar o
indivíduo e ressocializá-lo.
Esta escola cria, pois, um conceito que podemos chamar de co-cupabilidade social, onde aquele
que pratica um crime não é culpado sozinho, mas toda a sociedade deve ser responsabilizada
pela sua marginalização.
Adota-se, então, um sistema pelo qual a sociedade deveria buscar todos os meios possíveis de
combate ao crime, ou seja, passando então a ser algo a ser enfrentado por toda sociedade.
Essa escola da defesa social parece que é a mais pregada na atualidade.
Dessa forma, como define o ilustre doutrinador Cleber Masson (MASSON, 2011), são
destacados dessa teoria alguns respeitáveis mandamentos: o cárcere é inútil e prejudicial; as
penas devem ser substituídas por medidas educativas e curativas; a penalidade deve ser medida
na personalidade, não na gravidade do dano; a causa do crime está na desorganização social.

Os doutrinadores supracitados dessa escola fundaram, em 1829, a União Internacional de Direito


Penal que durou até a Primeira Grande Guerra. Em suas assembleias foram debatidas questões
importantes do Direito Penal, tais como a delinquência de menores, a reincidência e a
criminalidade crônica, a teoria do estado perigoso, a das medidas de segurança.
A Associação Internacional de Direito Penal foi a sucessora da União Internacional e tinha como
objetivo promover as ciências penais por meio de congressos e seminários.

Perpassando por essa linha cronológica percebemos a evolução do pensamento humano no


direito penal, principalmente no que se refere à imputação de penas e a preocupação em aplicar
uma justiça mais humanística e menos cruel.

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