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identificação e caracterização
de regiões biogeográficas
Manaus, 2007
Ministra do Meio Ambiente
Marina Silva
Endereço do Editor
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea
Rua Ministro João Gonçalves de Souza, s/n. Distrito Industrial
69075-830 Manaus-AM
Tel.:(92) 3613 3083/ 6246/6754
Fax (92)2375 616/6124
ascom.provarzea.am@ibama.gov.br
www.ibama.gov.br/provarzea
Brasília, 2007
Impresso no Brasil
Printed in Brasil
Ministério do Meio Ambiente
Conservação da várzea:
identificação e caracterização
de regiões biogeográficas
Apoio
Copyright@2007 ProVarzea/Ibama
Edição e revisão
Maria José Teixeira
Enrique Calaf Calaf
Ana Célia Luli
Vitória Rodrigues
Normalização bibliográfica
Helionídia Oliveira
Projeto Gráfico e editoração eletrônica
Tito Fernandes
Catalogação na Fonte
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
Bibliografia
ISBN' 978-85-7300-267-6
Alexandre M. Fernandes
É graduado em em Biologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2003) e atua na área de Zoologia,
com ênfase em taxonomia dos grupos recentes, atuando principalmente com aves.
Antonio D. Brescovit
É Doutor em Zoologia pela Universidade Federal do Paraná (1995) e pesquisador científico do Instituto
Butantan e pesquisador associado da Universidade de São Paulo. Atua em Zoologia, com ênfase em
Taxonomia dos Grupos Recentes, principalmente com araneae, arachnida, e inventário de aranhas.
Eduardo M. Venticinque
É Doutor em Ciências Biológicas (Zoologia) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(1999). Atualmente é pesquisador da Wildlife Conservation Society (WCS). Tem experiência na área de
Ecologia, com ênfase em Ecologia de Paisagem, atuando principalmente nos seguintes temas: conservacao,
Amazônia, ecologia de paisagens e fragmentação.
Efrem J. G. Ferreira
É Doutor em Biologia de Água Doce e Pesca Interior pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(1992). Atualmente é Pesquisador Titular Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Atua em ecologia
de peixes e pesca, principalmente nos temas: ecologia, ictiofauna, impacto ambiental, inventário recursos
pesqueiros, represa hidrelética.
Felipe N. A. A. Rego
É Doutorando em Ecologia pela UnB. Atua em Ecologia, com ênfase no estudo de comunidades, tendo
experiência principalmente nos temas: efeitos da fragmentação sobre a araneofauna e ecologia da comunidade
de aranhas da várzea dos rios Solimões e Amazonas.
Fernando P. de Mendonça
É Mestre pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e atualmente possui uma bolsa de pesquisa pela
mesma Instituição. Atua em Ecologia de Comunidades, principalmente nos temas: diversidade beta, estrutura
de comunidades, Amazônia Central, ictiofauna de riachos, igarapés de terra-firme.
Gustavo R. S. Ruiz
É Doutorando em Zoologia pela USP. Tem bastante experiência em taxonomia de aranhas, sendo especialista
em sistemática de aranhas da família Salticidae.
Jansen Zuanon
É Doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas (1999). Atualmente é pesquisador do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Tem experiência em Ecologia e Taxonomia de Peixes de Água
Doce, atuando principalmente nos temas: Amazônia, peixes, ecologia, ictiofauna e comunidades.
José Ramos
É técnico do Herbário do INPA há mais de 30 anos, tendo acumulado grande experiência trabalhando junto a
botânicos como Ian Prance, Pennington e Scott Mori. É dotado de uma poderosa memória e uma capacidade
ímpar de atenção aos detalhes, características que o fazem aliar com extrema eficiência seus conhecimentos de
identificação em campo aos de Herbário.
Luciano N. Naka
É Doutorando em Sistemática, Ecologia e Evolução pela Louisiana State University - Baton Rouge. Tem
experiência na área Ecologia Teórica, atuando principalmente nos temas: aves, ecologia, biogeografia,
comunidades.
Luiz Henrique Claro Jr.
É Doutor em Biologia de Água Doce e Pesca Interior pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(2007), tendo desenvolvido sua Tese com dados obtidos no presente projeto. Tem experiência na área de
Ictiologia e Ecologia Aquática.
Luiz R. F. Costa
É Doutor em Zoologia pela Universidade Federal do Pará (2005) e atualmente tem uma bolsa de pesquisa
pelo Museu Goeldi, junto ao Projeto GEOMA. Tem experiência na área de Zoologia Aplicada, atuando
principalmente nos temas: pesca, lagos de várzea, dinamica de populações de peixes, ecologia de comunidades,
análise multivariada.
Malcolm Ridges
É Doutor em Arqueologia pela Universidade de New England e atualmente trabalha no Departamento de
Ambiente e Conservação de New South Wales, Australia. Tem grande experiência em geoprocessamento e
modelagem usando Sistemas de Informação Geográfica e no uso dessas ferramentas para apoiar planejamento
sistemático em conservação .
Mario Cohn-Haft
É Doutor em Zoologia pela Louisiana State University (2000) e atualmente é Pesquisador Adjunto do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Tem experiência na área de Ecologia , com ênfase em Ecologia e
Biologia Evolutiva de Aves Tropicais.
Matthew Watts
É programador, tendo participado do desenvolvimento do software C-Plan e atuado em diversos projetos
envolvendo seu uso. Atualmente trabalha na Universidade de Queensland, implementando novas
funcionalidades do software Marxan.
Patricia Charvet-Almeida
É Doutora em Ciências Biológicas (concentração em Zoologia) pela Universidade Federal da Paraíba (2006).
Tem experiência na área de Zoologia, com ênfase em Ictiologia e conservação das espécies animais, atuando
principalmente nos temas: biologia, história natural e conservação de elasmobrânquios, espécies ameaçadas e
pesca.
Robert L. Pressey
É um dos nomes mais conhecidos na literatura de planejamento em conservação, tendo publicado mais de
100 artigos sobre o assunto. Definiu alguns dos termos-chave desse campo do conhecimento, como eficiência
e insubstituibilidade. Atuou por mais de 20 anos junto ao Serviço Nacional de Parques e Vida Silvestre de
Nova Gales do Sul, Australia, onde foi um dos criadores do software C-Plan. Foi recentemente contratado
pela James Cook University.
Roger W. Hutchings
É Mestre em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (1991), e atualmente
é Pesquisador Titular da mesma Instituição. Tem experiência na área de Ecologia, com ênfase em Ecologia
Aplicada, atuando principalmente nos temas: sistemática, Lepidoptera, Mimallonidae.
Valdeney Araújo
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ... 9
AGRADECIMENTOS ... 11
Parte 1
Parte 2
Parte 3
A conservação da várzea:
características ambientais e
importância
As várzeas amazônicas são áreas sujeitas a inundação periódica
pelos rios de água branca, como o Solimões, o Amazonas, o Juruá
e o Madeira. Estes rios caracterizam-se por alta turbidez devido à
grande quantidade de sedimentos em suspensão. As estimativas da
área total ocupada pela várzea variam entre 2 e 5% da Amazônia
brasileira, o que representa de 100 a 250 mil quilômetros quadrados,
distribuídos em uma extensão de cerca de 3.000 quilômetros entre a
fronteira e o estuário (PADOCH, 1999; PIRES, 1974). No sentido
norte-sul, a várzea situa-se na área central da Amazônia e é formada
principalmente por sedimentos de origem Quaternária. Por serem
de origem mais recente do que os que recobrem a maior parte da
bacia Amazônica, os sedimentos da várzea sofreram menos ação das
intempéries e são relativamente mais ricos em nutrientes (AYRES,
1986, 1993). Além disso, a várzea recebe também um aporte anual
de sedimentos ricos, trazidos pelas enchentes (PADOCH, 1996;
GOULDING et al., 1996). Devido a estas características, a água
e os solos da várzea possuem maior concentração de nutrientes do
que a maior parte da Amazônia, sendo considerado um sistema de
grande produtividade natural (WORBES, 1997; NEPSTAD, 1999).
A produtividade do sistema está refletida na maior biomassa relativa
da ictiofauna e das plantas aquáticas, e também na maior velocidade
de crescimento de plantas nativas e cultivadas (NEPSTAD, 1999). A
área abrangida pelo Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea (ProVárzea),
que inclui este estudo, é a da calha dos rios Solimões-Amazonas, que representa
cerca de 70% da área ocupada pela várzea.
Os rios de grande porte, assim como a grande quantidade de meandros que
compõem a várzea, facilitam o acesso a este ambiente, principalmente na estação
de cheia. Devido à facilidade de acesso, a várzea é o ambiente de ocupação e
exploração humana mais antiga na Amazônia e o que foi mais densamente povoado
(MEGGERS, 1977; RANKIN, 1985). Atualmente esta situação está mudando
e a maior concentração humana já está nas cidades (LAURANCE et. al., 2001).
No entanto, mesmo com a população amazônica tornando-se mais urbanizada, a
várzea ainda desempenha um importante papel no cenário amazônico, quer por
ser fonte de proteína e renda para milhares de ribeirinhos que nela vivem, quer
por abastecer os principais centros urbanos da região com madeira e pescado –
este último estimado, há mais de 15 anos, em cerca de 200 mil toneladas/ano
(BAYLEY; PETRERE, 1989). Embora não haja estimativas mais recentes sobre a
produção total de pescado explorado nas regiões de várzea, não seria surpresa um
aumento deste montante, visto que o aumento da população nas cidades leva a
um aumento na demanda por proteína animal. Porém, estimativas das atividades
extrativas que se desenvolvem na várzea, em especial a pesca e a retirada de madeira,
são enormemente dificultadas pelo tamanho da área e pela grande quantidade de
acessos aos diferentes ambientes de várzea.
A inundação periódica, que em alguns locais pode atingir 12 metros de altura,
é considerada a principal característica que afeta a estrutura das comunidades de
várzea (JUNK, 1997). A alteração entre as fases terrestre e aquática torna alguns
dos organismos da várzea efêmeros, enquanto outros respondem com migrações
ou adaptações às diferentes condições do ambiente. A principal adaptação à fase
de cheia diz respeito à respiração, pois o ambiente torna-se hipóxico, tanto para os
organismos aquáticos, como os peixes, quanto para os terrestres, como as árvores.
Devido à diferente tolerância a estas condições entre as espécies, a várzea em geral
contém um menor número de espécies do que as chamadas matas de terra firme.
É comum também que suas comunidades apresentem algum tipo de zonação,
que reflete a adaptação diferencial das espécies. Além das adaptações às condições
extremas, outro aspecto importante da mudança entre as fases aquática e terrestre é
a dependência que os organismos de um meio desenvolveram em relação ao outro.
Assim, alguns importantes peixes comerciais são frugívoros, e muitas das plantas
possuem dispersão por peixes ou pela água.
Outra característica importante do ambiente de várzea é a sua intensa dinâmica
natural. A grande movimentação de sedimentos carreados pelos rios de água
branca causa constantes alterações na conformação de lagos, canais e ilhas. Estudos
demonstram que tais modificações podem significar a perda de 200 m de margem
em apenas um ano (PUHAKKA et al., 1992; MERTES, 1985; KALLIOLA et al.,
16 conservação da várzea
1992), concomitante com a formação de ilhas pela deposição de sedimentos em
outras áreas (AYRES, 1986). O volume de água e as mudanças nos cursos também
provocam erosão nas margens, localmente conhecidas como “terras caídas”. Estas
mudanças afetam as condições de estadia das populações assentadas em áreas de
várzea, cujo tempo médio de permanência em uma mesma área foi estimado em
cerca de 40 anos (LIMA-AYRES; ALENCAR, 1994). Conforme estas autoras, a
perda de acesso ao canal principal do rio, devido à deposição de sedimentos, e o
desmoronamento de casas, junto com as terras caídas, são os principais motivos
para as mudanças. Esta dinâmica ambiental também afeta a composição das
comunidades biológicas, com as áreas mais novas sendo colonizadas por espécies
de plantas pioneiras, como é característico das sucessões primárias. A colonização
pela fauna é também gradativa, e áreas mais novas possuem relativamente menos
espécies (AYRES, 1986).
Por todas estas características, o desafio de conservar a várzea amazônica é imenso.
Se por um lado a conservação do sistema de várzeas é essencial para a manutenção
do homem da região, por outro lado todas as suas características obrigam a evitar
propostas simples, que ignorem a sua natureza dinâmica. Qualquer proposta para a
conservação da várzea deverá ponderar a biologia dos organismos, sua distribuição,
os usos e a dinâmica do sistema. Este foi o desafio que mobilizou os profissionais
envolvidos neste estudo.
A estrutura do estudo
Para atingir seus objetivos, este estudo foi dividido em três partes: na primeira,
que corresponde à maior parte, investigou-se a existência de regiões biogeográficas
distintas ao longo da calha do Solimões-Amazonas. Como o estudo tinha um prazo
definido de 18 meses para a sua realização, que incluía apenas uma estação seca, a
resposta a esta questão foi baseada em levantamentos ecológicos rápidos (de cerca
de 40 dias), em que foram incluídos estudos de campo do meio físico (geologia),
plantas (macrófitas aquáticas e árvores), invertebrados (insetos aquáticos, mosquitos
Culicidae, formigas e aranhas) e vertebrados (elasmobrânquios, peixes e aves).
A vantagem dos levantamentos ecológicos rápidos (LERs) é permitir a geração
de informações sobre uma área ampla em um curto espaço de tempo. No entanto,
as listas de espécies obtidas desta forma não são exaustivas, e com freqüência são
suficientes apenas para registrar espécies comuns, mais fáceis de capturar ou mais
conspícuas. Para definir áreas importantes para a conservação da biodiversidade da
várzea, que era o objetivo final do estudo, não seria adequado utilizar diretamente
as listas de espécies, já que as espécies raras, que são as que usualmente acabam
tendo maior peso nas análises de complementaridade e seleção de novas áreas,
raramente são detectadas em LERs. Por isso, a proposta do estudo foi basear as
introdução 17
análises de distribuição da diversidade nos padrões de composição de comunidades,
investigando a existência de diferentes regiões com base na ocorrência de
descontinuidades naturais. Esta abordagem foi proposta por MAGNUSSON
(2004), como uma forma mais objetiva para a definição de ecorregiões.
A segunda parte do estudo trata da indicação de áreas para conservação. Para isso,
primeiro foi feita uma síntese dos resultados encontrados na primeira parte, com
o objetivo de definir quais seriam as regiões biogeográficas que, juntamente com
outras características ambientais relevantes para a distribuição das comunidades
biológicas de várzea, seriam utilizadas como alvos de conservação. Aos diferentes
alvos e regiões da várzea foram atribuídas metas quantitativas para conservação,
seguindo a metodologia de planejamento sistemático (MARGULES; PRESSEY,
2000). Utilizando um sistema de suporte à decisão, foram gerados mapas com
valores relativos de conservação ao longo de toda a várzea da calha.
A terceira parte do estudo inclui as recomendações dos participantes para a
conservação da várzea. Estas recomendações incluem áreas mínimas indicadas
para a conservação das espécies e ambientes de várzea, assim como propostas para
refinar as estratégias para a conservação deste ambiente.
Mesmo com um curto prazo de realização, o estudo promoveu um grande
incremento nos conhecimentos sobre a abundância e distribuição de espécies de
várzea. Estes resultados revelam que é viável melhorar muito nossos conhecimentos
em pouco tempo, desde que os estudos sejam bem planejados. As ações de
conservação da várzea poderiam se tornar bem mais abrangentes se a mesma
estratégia, de levantamentos rápidos padronizados, fosse adotada para conhecer
os demais afluentes do Amazonas, não incluídos no presente estudo.
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introdução 19
par te 1
As regiões
capítulo 1
biogeográficas:
Introdução e Metodologia
Ana Luisa Albernaz
Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia
Av. Perimetral 1901, 66077-830, Belém, PA, anakma@museu-goeldi.br
24 conservação da várzea
de colmatação e a distribuição de habitats na várzea é claramente vista na zona 3,
onde há uma diminuição da área de floresta alagada à jusante da confluência com
o rio Negro e um aumento deste habitat à jusante da confluência com o Madeira,
um rio rico em sedimentos. A quarta zona, localizada entre Manaus e Tefé, é
caracterizada pela abundância de lagos do tipo ria (SIOLI, 1984) e pelo aumento
considerável da área de vegetação alagável. Segundo Sioli (1984), os lagos do tipo
ria são vales de tributários menores de águas claras e pretas, que foram alagados
durante a última subida interglacial do mar. Maior cobertura de vegetação alagável
nessa região reflete a maior concentração de sedimentos e melhor colmatação
da planície aluvial neste trecho da várzea. A quinta zona, localizada entre Tefé e
Tabatinga, é caracterizada por uma planície perfeitamente colmatada, devido à
alta concentração de sedimentos do rio, com extensas áreas de vegetação alagável
e uma abundância de pequenos e estreitos lagos formados pela migração lateral do
rio, que é especialmente rápida no alto curso do rio (MERTES, 1985).
Todas as divisões propostas para a várzea, mencionadas acima, foram baseadas
principalmente em características físicas do sistema. Até o presente, não se sabe
qual divisão é a que melhor representa a distribuição de espécies e comunidades
biológicas nas várzeas da calha do Solimões-Amazonas. Este estudo representa a
primeira tentativa para testar se há regiões biogeográficas distintas ao longo da
calha, quais seriam estas divisões, e se elas são concordantes entre diferentes grupos
taxonômicos.
Em uma etapa preliminar, procurou-se testar a correspondência entre as
divisões propostas e a distribuição de espécies por meio de levantamentos
bibliográficos, realizados para as dez áreas do conhecimento que integram o
estudo: geologia (ROSSETTI, 2003); aranhas (VENTICINQUE; REGO,
2003); árvores (FERREIRA; ALBERNAZ, 2003); aves (COHN-HAFT et al.,
2003), elasmobrânquios (CHARVET-ALMEIDA, 2003); entomofauna aquática
(NESSIMIAN et al., 2003); formigas (VASCONCELOS, 2003); macrófitas
aquáticas (CONSERVA, 2003); mosquitos (HUTCHINGS; HUTCHINGS,
2003) e peixes (ZUANON et al., 2003). Os levantamentos, sem exceção, apontaram
a insuficiência dos dados para definir se existiam regiões biogeográficas distintas na
várzea. As principais dificuldades apontadas foram: (1) a inexistência de dados sobre
toda a área de interesse, estando os estudos existentes situados em apenas algumas
localidades ao longo da calha (em geral ao redor de Manaus, Belém e Tefé) para
a maioria dos aspectos sob investigação; (2) a ausência de informação ou falta de
padronização do esforço empreendido nas amostragens, o que poderia propiciar
interpretações errôneas a respeito dos limites de distribuição das espécies e riqueza
relativa entre áreas; e (3) problemas de identificação das espécies amostradas, por
haver, na maioria das listas publicadas, grande quantidade de exemplares apenas
morfotipados e que não permitem comparação entre estudos realizados por equipes
diferentes. Estas conclusões reforçaram a necessidade de se fazer levantamentos
Métodos
Distribuição das coletas
Como a principal questão a ser investigada era a variação das comunidades no
sentido longitudinal, para investigar de forma imparcial os padrões de distribuição
das comunidades da várzea optou-se por distribuir os pontos de amostragem da
maneira mais regular possível ao longo da calha. Assim, em uma reunião prévia,
alocou-se pontos de amostragem a aproximadamente cada 100km ao longo do
curso do Solimões-Amazonas, no trecho de Tabatinga a Gurupá (Fig .1). A atuação
dos rios como barreiras foi o segundo aspecto considerado importante pela equipe.
No entanto, devido ao tempo disponível para a amostragem ser curto (40 dias),
este aspecto não pôde ser devidamente contemplado, a não ser para o caso de
algumas espécies-foco, notadamente entre as aves, cuja distribuição já contava
com conhecimentos anteriores mais sólidos.
Para o trabalho de campo a equipe foi dividida em dois grandes grupos: estudos
aquáticos (macrófitas, insetos, elasmobrânquios e peixes) e geológicos; e estudos
terrestres (árvores, culicídeos, formigas, aranhas e aves). A proposta de distribuição
dos pontos de amostragem foi a mesma para as equipes aquática e terrestre, e
sempre que possível o planejamento foi mantido. As expedições foram realizadas
em barcos regionais, dotados de infra-estrutura que permitia a realização de triagem
e armazenamento das coletas. Cada expedição teve um coordenador de campo,
responsável pela organização da infra-estrutura de trabalho, que incluiu: escolha dos
locais de parada; realização dos contatos com os moradores locais responsáveis pela
área a ser amostrada; contratação de moradores locais como auxiliares de campo
para as equipes; e distribuição e abastecimento das voadeiras para as equipes.
Nas regiões do Alto e Médio Solimões, entre Tabatinga e Manaus, as paradas
foram realizadas nas comunidades mais próximas aos pontos definidos na oficina.
A decisão de parar perto de comunidades foi tomada pelos seguintes motivos:
Permitir o acesso às áreas controladas pelas comunidades, como os lagos;
Contratar pessoal local para auxiliar nos trabalhos. A contratação de pessoal
local tem diversas vantagens, entre as quais podemos citar:
Localização mais rápida dos ambientes que se pretendia amostrar (lagos ou
áreas com características específicas, como restingas altas, no caso das amostras
terrestres);
26 conservação da várzea
Os moradores podem tomar conhecimento das atividades exercidas pelos
pesquisadores, para desmistificar a atuação dos mesmos para a comunidade
local;
O convívio com os moradores durante o trabalho permite obter outras
informações sobre a economia local, ambientes interessantes nas proximidades
e mudanças ambientais nos últimos anos;
A contratação de pessoal local garante um retorno financeiro para os moradores
das áreas estudadas, em locais onde usualmente circula pouco dinheiro;
Na região do Baixo Amazonas, entre Maicá e Almeirim, as comunidades eram
escassas, sendo mais comum encontrar sedes de fazendas. Mediante a permissão dos
proprietários ou administradores, o trabalho nessa região foi feito no interior das
propriedades. Na região das ilhas no Pará, o processo de sedimentação avançado
parece tornar raro o ambiente de lagos. Por isso, as amostras aquáticas foram feitas
em paranás com ambientes semelhantes aos de lagos, ou seja, de água parada e
presença de macrófitas.
Sempre que possível, as paradas foram feitas nos locais predefinidos na oficina.
Os locais foram alterados quando: (1) não havia tempo hábil para chegar ao ponto
predefinido sem perder um dia de coleta; (2) não havia comunidade próxima ao
ponto planejado; (3) não houve autorização para trabalhar no local pela comunidade
ou proprietário da área; (4) o ponto predefinido era muito próximo à sede de
município, área em que as alterações antrópicas aumentam de intensidade e/ou é
difícil contratar auxiliares de campo capazes de ajudar a equipe. As duas equipes,
aquática e terrestre, fizeram o mesmo número de paradas – 26. Para apenas três
locais os pontos de parada diferiram entre as duas expedições, por uma das razões
apontadas anteriormente (Fig 1).
As equipes de cada subestudo contaram com voadeiras próprias, de forma a terem
certa independência de amostragem ao redor do ponto de parada. Dessa forma,
em cada parada cada equipe foi capaz de realizar duas ou três amostras.
Análises de dados
Como os levantamentos rápidos não são capazes de detectar todas as espécies
existentes, foi sugerido às equipes que as análises deveriam indicar os padrões de
comunidades e investigar se haviam descontinuidades nestes padrões - que poderiam
indicar mudanças de regiões biogeográficas. Este procedimento foi adotado sempre
que houve informações quantitativas suficientes para a sua aplicação. Para a
definição final das regiões biogeográficas, no entanto, considerou-se que apenas
os padrões quantitativos eram insuficientes, e utilizou-se também informações
sobre a distribuição de espécies endêmicas ou de ocorrência restrita a determinadas
partes da calha.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Cohn-Haft, M.; Naka, L & Fernandes, A. Bases Científicas para a Conservação da
Várzea- Distribuição da Avifauna de Várzea: Relatório Bibliográfico. Relatório Técnico,
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Ferreira, L. V. & Albernaz, A.L. Bases Científicas para a Conservação da Várzea-
Diagnóstico dos conhecimentos atuais sobre a distribuição de espécies arbóreas na várzea ao
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Forsberg, B.R. Estudo Matriz para o Projeto “Manejo Sustentável dos Recursos Naturais da
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28 conservação da várzea
Hutchings, R.W. & Hutchings, R.S.G. Bases Científicas para a Conservação da
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Introdução
A região amazônica comporta um dos índices de biodiversidade
mais elevados do planeta. Esse ecossistema tem merecido destaque
em fóruns internacionais, tendo em vista sua importância vital como
regulador do equilíbrio climático global, dado seu elevado potencial
de produção de oxigênio e filtragem de CO2. Em função dessa
característica singular, é crescente o número de discussões visando o
estabelecimento de uma política de conservação eficaz, que se adapte
às necessidades de subsistência das populações locais, bem como ao
acelerado interesse exploratório da região.
Estratégias de conservação de ecossistemas vêm, tradicionalmente, sendo
apresentadas sem ênfase no relacionamento entre biodiversidade e ambientes físicos,
considerando-se o contexto temporal. Essa forma de análise do patrimônio genético
natural e de suas funções ecológicas é fundamental para a identificação dos fatores
que levaram à distribuição da biodiversidade atual, possibilitando determinar o
grau de influência do ambiente físico na origem e diferenciação de espécies. A
dificuldade de inclusão de parâmetros geológicos na análise da biodiversidade
amazônica deve-se, principalmente, à falta de informações sólidas que viabilizem
modelos de reconstrução dos ambientes físicos através do tempo, bem como o
entendimento de seus mecanismos controladores (i.e., clima, variação do nível do
mar, tectônica, suprimento sedimentar, etc.). A natureza tipicamente pontual das
informações disponíveis tem dado margens à apresentação de hipóteses polêmicas,
uma vez que se baseiam em interpretações indiretas, ou seja, sem o devido suporte
de dados geológicos primários.
Considerando a imensa área geográfica, a ampla cobertura vegetal que limita
exposições naturais de rochas, e as dificuldades de acesso, a coleta de dados
geológicos que possa suportar modelos robustos de evolução do ambiente físico
amazônico, é uma tarefa árdua e de execução a longo prazo. Destaca-se, aqui, a
necessidade urgente do levantamento de informações geológicas básicas que dêem
suporte a discussões envolvendo o entendimento dos padrões de distribuição
da biodiversidade. Versões prévias do mapa geológico não discriminam muitas
das unidades sedimentares formadas a partir do Mioceno. Esse problema é
particularmente crítico acima de Manaus, onde ocorre vasta área contendo uma
variedade de depósitos inseridos genericamente na Formação Içá, de idade estimada
pliopleistocênica. Essa sucessão de estratos contém o registro dos últimos 3-4 milhões
de anos de evolução da paisagem amazônica. Portanto, sua distribuição geográfica
e características sedimentológicas são essenciais na compreensão de padrões de
distribuição das espécies modernas, conseqüentemente, no estabelecimento de
áreas de conservação.
Este trabalho tem por objetivo descrever depósitos sedimentares formados ao
longo da calha do Amazonas e áreas adjacentes a partir do Mioceno, combinando
dados de sensoriamento remoto com informações sedimentológicas coletadas
em campo e laboratório. Embora os resultados desta investigação sejam, ainda,
insuficientes para fornecer um modelo paleoambiental preciso, a base de dados aqui
apresentada pode contribuir em discussões visando reconstituir as paleopaisagens
amazônicas, de forma a subsidiar futuros projetos enfocando a caracterização de
sua biodiversidade.
32 conservação da várzea
métodos
Neste trabalho, procedeu-se com a análise de dados de sensoriamento remoto,
tomando por base características morfológicas e topográficas ao longo da calha
e adjacências dos rios Amazonas-Solimões, desde a divisa com a Colômbia, na
localidade de Tabatinga, até a região de Gurupá, no Estado do Pará. Utilizaram-
se dados topográficos obtidos por interferometria de radar SRTM-1 e SRTM-3,
produzidos pela Nasa (National Aeronautics and Space Administration), Nima
(National Imagery and Mapping Agency), DLR (German Space Agency) e ASI (Italian
Space Agency). Estes dados foram combinados a estudos faciológicos e estratigráficos
em campo, realizados durante a execução do estudo estratégico “Bases Científicas
para a Conservação da Várzea: identificação e caracterização de regiões biogeográficas
(ProVárzea/MPEG/Fadesp/PNUD)”. A metodologia, em campo, consistiu na análise
de afloramentos expostos em barrancos de rios, com registro das características
sedimentológicas e do relacionamento espacial de fácies sedimentares em perfis
litoestratigráficos e mosaicos fotográficos.
O estudo de campo foi complementado com análises de laboratório, visando a
melhor distinção das unidades geológicas estabelecidas em campo. Entre as amostras
sedimentológicas coletadas, as frações inferiores a 0,0062 mm foram submetidas
a tratamento com peróxido de hidrogênio, para a eliminação de matéria orgânica
sendo, em seguida, lavadas com água destilada e montadas em lâminas para análise
em difratômetro de raios-X. Três tipos de difratogramas foram obtidos para cada
amostra, utilizando amostra natural, glicolada e aquecida a 550oC durante uma
hora. As proporções relativas entre os grupos de argilominerais foram estimadas com
base na medida da intensidade dos picos. Além da caracterização mineralógica, este
estudo de argilominerais teve como objetivo a obtenção de parâmetros adicionais
para a análise de possíveis variações climáticas durante a deposição. Para isso,
consideraram-se apenas as proporções de argilominerais dos depósitos Q1 a Q4, já
que a Formação Içá mostra argilominerais formados por alteração intempérica.
Quatorze amostras de material orgânico (fragmentos ósseos e restos de plantas),
oriundos de depósitos holocênicos e neopleistocênicos foram datadas pelo método
radiogênico 14C no Beta Analytic Radiocarbon Dating Laboratory. O carbono das
amostras de ossos foi extraído do colágeno, usando lavagens com NaOH, reduzidos
em grafite (100%C), e datados em espectrômetro de aceleração de massa (AMS).
Amostras de plantas foram pré-tratadas com ácido para a remoção de componentes
orgânicos, sendo posteriormente lavadas com álcalis para remoção total de ácidos
orgânicos. Datações convencionais de 14C foram calibradas utilizando o programa
de calibração Pretoria, baseado em dados de anéis de árvores como curva de
calibração (TALMA;VOGEL, 1993).
34 conservação da várzea
partir dessa estrutura, para leste e oeste. Após esse tempo, a região passou por um
prolongado período de atenuação de seu relevo, quando o sistema de drenagem
amazônico passou, gradativamente, a desenvolver fluxos direcionados para o
Oceano Atlântico, deixando de ter efeito significativo na evolução da bacia de
sedimentação. Hoje, o Arco de Purus é uma feição soterrada a mais de 1.000 m de
profundidade, sob rochas cretáceas da Formação Alter do Chão (WANDERLEY
FILHO; COSTA, 1991).
O Arco de Monte Alegre consiste em uma estrutura orientada na direção N-NW,
que ocorre imediatamente a leste de Santarém e oeste de Monte Alegre separando
a Bacia do Amazonas nas sub-bacias do Médio e Baixo Amazonas. Como essas
bacias não se mostravam ainda separadas durante o Paleozóico, torna-se óbvio que
o Arco de Monte Alegre é uma estrutura bem mais jovem do que os outros arcos
descritos. A origem desse arco acha-se ligada a derrames de lava, que atingiram
68º 62º 56º 50º�w
Oceano Atlântico
4º�N
Bacia�do
0º
Marajó
5
4
Manaus Bacia�do Amazonas
Belém
Bacia�do�Solimões 3 8º
Bacia�do
Solimões (Sub-bacia�de�Juruá)
(Sub-bacia
2
Jandiatuba) 8º
1 Alto�de�Iquitos
2 Alto�de�Carauari OCEANO
3 Alto�de�Purus ATLÂNTICO
4 Alto�de�Monte Alegre
5 Alto�de�Gurupá
Embasamento�cristalino
Fig. 1. Mapa de localização dos altos estruturais que definem os limites das bacias sedimentares na
região amazônica (Modificado de TASSINARI et al., 2000).
36 conservação da várzea
Caracterização das unidades
sedimentares pós-miocênicas
Generalidades
Após deposição da Formação Pebas/Solimões, o oeste da Amazônia continuou a
ser palco de intensa sedimentação, enquanto que, ao longo de quase toda a extensão
da Bacia do Amazonas, esta foi restrita, ou, mais comumente, inexistente. Com
isso, rochas cretáceas, representadas pela Formação Alter do Chão, cobrem quase
toda a extensão dessa bacia, formando um cinturão alongado esculpido sobre
rochas paleozóicas e rochas pré-cambrianas, que compõem os escudos das Guianas
e do Brasil Central (Fig. 2). A partir de Manaus, em direção a oeste, essa unidade
desaparece em superfície, sendo coberta por uma vasta sedimentação cenozóica.
Como será discutida adiante, essa distribuição da sedimentação teve forte controle
tectônico. Atividades tectônicas ressurgentes resultaram na subsidência da área
acima de Manaus, promovendo a deposição, primeiramente, da Formação Solimões,
durante o Mioceno. A ocorrência dessa unidade é restrita ao extremo oeste da área
de estudo, onde forma uma faixa alongada no sentido N-S.
Vários períodos de reativações resultaram na progressiva continuidade da
subsidência do Plioceno ao Quaternário. Versões mais recentes do mapa geológico
consideram que, durante esse período, o oeste da Amazônia foi representado pela
Formação Içá, de idade Pliopleistocênica, e coberturas quaternárias formadas apenas
localmente nas margens dos rios, devido a mudanças de fluxo na bacia de drenagem.
A revisão do mapeamento dessa área mostra que a Formação Içá é geograficamente
muito mais restrita do que originalmente proposta. Grande parte dos depósitos
sedimentares expostos no oeste da Amazônia brasileira, correspondente a uma
área de mais de 700.000 km2, registra sedimentação ocorrida do Neopleistoceno
ao Holoceno. Embora delgados, a grande extensão geográfica desses depósitos os
torna passíveis de inclusão no mapa geológico, com implicações significativas para
o entendimento do ecossistema amazônico, já que as condições de formação desses
depósitos são bastante distintas daqueles registrados na Formação Içá.
Contrariamente ao oeste da Amazônia, a sedimentação na área a leste de Manaus
foi restrita a partir do Plioceno. Além de poucos depósitos quaternários, estratos
representativos desse tempo consistem em arenitos vermelho-claros e amarelos,
incluídos tradicionalmente na Formação Barreiras (ALBUQUERQUE, 1922;
OLIVEIRA; LEONARDOS, 1943; Fig. 3A e 3B), que é bem representada na
Amazônia oriental (ROSSETTI, 1989; ROSSETTI et al., 1990; GÓES et al., 1990;
ROSSETTI, 2000, 2001). Entretanto, os depósitos que ocorrem a leste de Manaus
têm maior afinidade com o conjunto litológico conhecido como sedimentos Pós-
Barreiras da Amazônia oriental, cuja sedimentação ocorreu a partir do Plioceno.
0 00´00´´
0 00´00´´
Q4 ? ?
Iç Q1 Q1 ?
Q2 K
PK
K
o
Sl Iç Q4
o
Q1 Q2
Q1 Q3 PK
Iç Q2
Q3 Q2 K
Sl Q1 K
K
Q2 K Pb2
Q2
Iç Q4 ? Q4 K Pb2
Q2 Q4
Sl Iç Q3 K
?
? K Q4 Pb1
Q2 Pb1
Q4 K Pb1 K
Sl Q2 Q4 Q2 K Q4 Pb2 K
Q3 Pb2 K
Q2 Q1 ?
Q1 ? Q3 ?
Iç Q1
Q1 Pb2
Q1 Q4
Q1 Q2 Q4
Q3 Q1 Q2
? Pb2Q1
Q3 K
?
Pb2
Iç K
Q2
Q3 ? PK
?
7 00´00´´(S)
7 00´00´´(S)
Q4
Sl
Q3 K
Iç
Iç Q1 ?
Q3
o
PK
o
Q3 Q1
Sl Iç Q3 Q4 ? PK
o
70 00´00´´(W) o
60 00´00´´(W) 100Km
Q4 Depósito Q4 e Várzea atual Iç Formação Içá K Embasamento Cretáceo
Q3
Depósito Q3 Sedimentos Pós-Barreiras (Pb2) PK Embasamento pré-Cretáceo
Depósito Q2 Sedimentos Pós-Barreiras (Pb1) Depósitos não caracterizados neste estudo
Depósito Q1 Sl
Formação Solimões Área sem cobertura na base de dados utilizada
Fig. 2. Mapa geológico proposto para a região adjacente à calha dos rios Amazonas-Solimões. A
diferenciação entre unidades sedimentares pliopleistocênicas e holocênicas foi possível com base na
integração da análise de dados SRTM, sedimentológicos e datação radiogênica de C14.
Sedimentos Pós-Barreiras
Os sedimentos inseridos no termo Pós-Barreiras (Fig. 3A e 3B) ocorrem
concentrados em duas áreas com características morfológicas e topográficas distintas.
Uma acha-se localizada entre os rios Xingu e Tapajós, e margem esquerda deste,
onde formam tabuleiros em altitudes equivalentes a 200 m, desenvolvidos sobre
38 conservação da várzea
rochas cretáceas da Formação Alter do Chão. Esses tabuleiros são entrecortados
por rios profundos, bem encaixados, com forma em V e arranjados em padrão
treliça, formando tributários longos e conectados em ângulos retos. A outra área de
ocorrência desses depósitos situa-se na margem direita do rio Madeiras, próximo
à sua confluência com o rio Amazonas, de onde prosseguem pela margem direita
até a cidade de Parintins. Ocorrências isoladas são também registradas na margem
esquerda do rio Amazonas, abaixo de Manaus, próximo à Óbidos. Esses depósitos
formam relevo bastante dissecado, rebaixado a altitudes entre 45 e 60 m, com
drenagem densa em padrão dendrítico e, menos comumente, subparalelo.
Em afloramentos, duas sucessões sedimentares foram reconhecidas: uma inferior,
representada por arenitos vermelho-claros, friáveis, finos a grossos e maciços;
A)
Sedimentos�Pós-Barreiras
Formação�Barreiras
Formação Alter�do�Chão
1m
B)
Sedimentos�Pós-Barreiras
Formação�Barreiras
Formação Içá
A Formação Içá foi designada, formalmente, por Maia et al. (1977) para
depósitos arenosos e conglomeráticos oxidados sobrejacentes à Formação
Solimões, nas margens dos rios Içá e Solimões. O contato entre essas unidades
é invariavelmente definido por superfície de descontinuidade regional, que foi
correlacionada, neste estudo, em inúmeros afloramentos dispostos ao longo de uma
distância de, pelo menos, 1000 km. Esta superfície é marcada por caráter erosivo,
cimentação ferruginosa, bem como relação angular entre estratos ligeiramente a
fortemente inclinados subjacentes (Formação Solimões), e estratos horizontais
sobrejacentes (Formação Içá)(Fig. 4A-B). Esta unidade acha-se distribuída ao
longo de um cinturão alongado na direção N/NW-S/SE, onde perfaz 15% em
área de ocorrência de sedimentos pós-pliocênicos, sendo limitada a oeste pela
Formação Solimões e a leste por depósitos mais recentes. A Formação Içá ocorre
entre 100-140 m, em média, acima do nível do mar atual, e apresenta morfologia
em colinas muito suaves, com drenagem densa desenvolvida em padrão dendrítico
a subdendrítico, menos comumente em treliça, contendo tributários numerosos,
longos a curtos, bem definidos e arranjados de forma relativamente fechada (Figs.
5A-B; Fig. 6A).
Faciologicamente, a Formação Içá, com espessuras em geral inferiores a 25 m em
escala de afloramento, é composta de depósitos afossilíferos, branco-avermelhados
claros a violáceos, representados por arenitos, argilitos e conglomerados (Figs.
4A–B, 7 e 8A). Os arenitos são finos a grossos, e compostos por 73% de quartzo
(principalmente quartzo monocristalino), 25% de feldspato e 2% de mica
(muscovita e secundariamente biotita) e minerais pesados, sendo classificados
como arenitos feldspáticos a subarcósios. Os grãos são, em geral, angulosos a muito
angulosos, e, moderadamente, selecionados.
Internamente, a Formação Içá é incipiente a bem estratificada e, localmente,
maciça. As estratificações dos arenitos são do tipo cruzada acanalada, menos
comumente tabular, de médio porte. Esses depósitos acham-se tipicamente
40 conservação da várzea
A)
Formação�Içá
Formação�Solimões
2�m
B)
Formação�Içá
Formação�Solimões
1m
Fig. 4. A e B) Contato discordante entre as formações Solimões e Içá. Note em B que a Formação Solimões
acha-se fortemente inclinada (ver seta), formando discordância angular com os estratos sobrejacentes.
(Linhas tracejadas posicionam a discordância).
Depósito Q1
Essa sucessão sedimentar, com espessuras de até 10 m em escala de afloramento,
ocorre diretamente em contato com a Formação Içá, distribuindo-se em uma
ampla faixa orientada paralelamente àquela unidade, e perfazendo até 35% em
área do total da sedimentação pós-pliocênica na região oeste da Amazônia. Além
dessa faixa, ocorrências isoladas foram mapeadas a sudeste de Manaus e na margem
direita do rio Negro.
Q1 ocorre em nível topográfico ligeiramente inferior à Formação Içá (Fig. 5A e
B), apresentando-se principalmente entre as cotas de 85-100 m. Além da ocorrência
em altitudes inferiroes, esses depósitos distinguem-se facilmente da Formação Içá
nos dados de elevação digital SRTM, pela morfologia dominantemente plana, com
drenagem menos densa e arranjada em padrão treliça a retangular, sendo localmente
subdendrítico, com tributários menos numerosos e mais curtos, e com junções de
canais principais em ângulos retos.
Adicionalmente às diferenças morfológicas, a unidade Q1 é facilmente distinguida
da Formação Içá com base em características faciológicas (Fig. 7). Esses estratos são
constituídos por intercalações de areias branco-amareladas e argilas cinza-médias
e cinza-escuras e, localmente, marrom-avermelhadas. As areias formam corpos de
geometria tabular ou ocorrem, mais comumente, como lobos com até 1,5 m de
espessura e 15 a 20 m de comprimento (Fig. 8B e C). Quando corpos tabulares
estão presentes, o contato entre areias e argilas é normalmente brusco, sendo que,
em alguns locais, é possível observar acúmulos residuais basais formados por clastos
de argila intraformacionais. Os estratos mostram granodecrescência ascendente,
42 conservação da várzea
sendo internamente caracterizados por estratificações cruzadas dos tipos acanalada
e tabular de médio porte (sets com 0,3 a 0,4 m de espessura). Os depósitos lobados
tipicamente formam sucessões com granocrescência ascendente, internamente
dominados por laminações plano-paralelas e cruzadas cavalgantes supercríticas.
Os arenitos são amalgamados ou mostram-se individualizados pela presença de
argilitos laminados e depósitos heterolíticos com acamamentos wavy e linsen.
As areias são de granulometria fina a média, moderadamente selecionada, com
grãos dominantemente angulosos. Mineralogicamente, esses estratos são compostos
por 70% de grãos de quartzo (principalmente monocristalino) e 30% de micas
(muscovita, biotita e clorita), além de minerais pesados, sendo classificados como
areias quartzosas micáceas. As argilas ocorrem em pacotes com espessuras de
até 0,6 m, sendo internamente plano-paralelos e, no caso das argilas marrom-
avermelhadas, maciças e endurecidas; nesse caso, marcas de raízes são freqüentes.
Análises de difração de raios-X indicaram a presença de esmectita, caulinita, ilita e
clorita, sendo a razão esmectita/caulinita de 1,54 (Fig. 9). As argilas podem conter
abundantes restos de plantas carbonizadas, concentrados ao longo dos planos de
acamamento, cujas datações forneceram idades entre 37.480 e 43.700 14C anos
A.P. (Tab. 1). É importante lembrar que Q1 pode incluir depósitos com idades
mais antigas, considerando que os dados de 14C acham-se muito próximos do
limite do método.
Depósito Q2
O Depósito Q2 acha-se distribuído em áreas separadas, sendo volumetricamente
mais representativo entre os rios Solimões e Negro, onde abrange uma área contínua
de aproximadamente 12.000 km2. Esses depósitos também formam faixas estreitas
alongadas no sentido nordeste-sudoeste e, localmente, noroeste-sudeste, às margens
do rio Solimões próximo à borda com a Colômbia, nas confluências com os rios
Içá, Jutaí, Japurá e Juruá. Em conjunto, Q1 perfaz cerca de 20% em área do total
da sedimentação formada a partir do Plioceno. Essa unidade sedimentar ocorre em
uma cota topográfica que varia entre 65 e 90 m, tendo em média 70 m, perfazendo
uma zona de morfologia bastante plana, com sistema de drenagem de baixa
densidade, sendo representada por canais dispostos em padrão subdentrítico muito
incipiente. Áreas alagadas são comuns no Depósito Q2 que ocorre no extremo
norte da área mapeada. Um dos aspectos interessantes desses depósitos são suas
margens extremamente recortadas, formadas por reentrâncias em “meia-lua” ou
em “cáries”, que denotam forte erosão de borda devido à implantação dos sistemas
de drenagem mais jovens (Fig. 5A, 6A e B ).
Faciologicamente, Q2 é também bastante distinto do anterior, sendo constituído
por areias de coloração cinza-média a cinza-escura, ou marrom-escura, intercaladas
com argilas e pelitos cinza-escuros (Figs. 7 e 8D). Esses depósitos formam sucessões
dominantemente arranjadas em ciclos granocrescentes ascendentes e contendo
IV
Q4
II
III
100�km
B)
I II
Fm.�Içá Q4 Q2 Q4 Q2 Q1
(km)
100
50
25
25 50 75 100 125 150 175��(km)
III IV
Q3 Fm.�Içá Q2 Q4
(km)
100
80
60
10 20 30 40 50 60 70��(km)
Fig. 5. A) Dados topográficos (SRTM) ilustrando morfologia e topografia típicas dos depósitos formados
a partir do Plioceno, ao longo do rio Solimões, no alto Amazonas. Notar no Depósito Q2 localizado no
extremo norte da imagem feições em cárie, típicas desses estratos. B) Perfis topográficos obtidos a partir
de modelos de elevação digital SRTM (ver localização em A).
44 conservação da várzea
A)
30�km
B)
50�km
Fig. 6. A e B) Dados topográficos (SRTM) ilustrando as morfologias que distinguem as unidades
sedimentares descritas no texto. (Q1, Q2, Q3, Q4=sucessões sedimentares quaternárias).
Depósito Q3
O Depósito designado de Q3 é de ocorrência restrita na área mapeada, estando
presente de forma descontínua ao longo das margens dos rios. Esses estratos
perfazem apenas 3% do total da sedimentação formada a partir do Plioceno.
Q3 está também presente, de forma persistente, ao longo dos barrancos do rio
Amazonas, abaixo de Manaus, porém ocorrendo pontualmente em afloramentos
que, em geral, não são mapeáveis na escala utilizada neste trabalho.
O Depósito Q3 forma terraços com cotas topográficas que variam entre 35
e 65 m acima do nível do mar atual, com médias de 55 m. Similarmente aos
depósitos Q2, esses estratos mostram bordas com reentrâncias em forma de “meia-
lua”, denotando processo de erosão por migração de canais mais jovens. Além
da altitude inferior, os depósitos Q3 diferenciam-se dos depósitos Q2 pelo seu
aspecto morfológico, representado por terreno plano com drenagem inexistente,
ou baixa densidade de drenagem, caracterizada por canais jovens, bem encaixados,
fortemente meandrantes, e presença de abundantes meandros abandonados (Fig.
6B).
Esses depósitos possuem espessuras de até 7 m, sendo dominados por sucessões
com granocrescência ascendente variando de 0,2 a 1,8 m de espessura (Figs. 7 e 8E).
Os ciclos são representados por argilas cinza-clara a cinza-amarronzada, maciças
na base, que gradam para cima a areias de coloração cinza-clara a marrom. Estas
são de granulometria fina a síltica, seleção moderada e grãos predominantemente
angulosos e compostos por 60% de micas (muscovita, e, secundariamente, clorita
e biotita), e 40% de quartzo (domínio da variedade policristalina), o que leva
à classificação como areias líticas. Uma característica típica desses depósitos é a
46 conservação da várzea
(m)
5
Depósito�Q4
4
(m)
3
(m) 3
Depósito�Q3
(m) 2
Depósito�Q3
10 2
Depósito�Q3
1
1
(m) 0
Arg f m g
0 Areia
Arg f m g
Depósito�Q1
Areia
5
15
Depósito�Q1
Depósito�Q2
5
0
Arg f m g
(m) Areia
10
0
Arg f m g
Areia
10
Formação�Içá
L E�G�E�N�D A
Formação�Içá
5
Areia�com�estratificação�cruzada�tabular/acanalada
Areia�com�estratificação�cruzada�de�baixo�ângulo
Areia�com�acamamento�maciço
Areia�com�laminação�cruzada
Areia�com�laminação�cruzada�paralela�horizontal
Depósito�heterolítico�(lenticular/wavy)
Acamamento�convoluto
Argila�laminada
5 Argila�maciça
Encoberto
Seixo�de�argila
Sedimento�mosqueado/blocky (solo)
0 Raiz
Arg f m g Caule
Areia Folha
Fe Cimento�ferruginoso
Fm.�Solimões
Fe Bioturbação
0
Arg f m g
Areia
Depósito Q4
A) B)
A) Q2�(?)
Fm.�Içá
Fm.�Solimões
Q1
1m
C)
A)
Sd 1m
D)
C)
A)
Hb
Sd 50�cm
10�cm
F)
C)
A)
E)
C)
A)
Q4b
Q4a
1m 1m
Fig. 8. Exposições de depósitos pliopleistocênicos na área de estudo, ilustrando: A) Formação Içá Formation
(Pliopleistoceno) discordantemente sobre a Formação Solimões (Eomioceno/Mesomioceno). B) Vista
geral de corpos de areia nos depósitos Q1. Notar a natureza amalgamada dos depósitos, típica de lobos
de suspensão. C) Detalhe dos depósitos Q1, mostrando a natureza granocrescente ascendente dos lobos
de areia (Hb=acamamento heterolítico; Sd=areia com laminação cruzada cavalgante). D) Vista geral
dos depósitos Q2, ilustrando lobos arenosos na parte inferior da foto. E) Depósitos Q3, consistindo em
uma espessa camada de turfa (cor escura) na porção inferior, seguida para acima por camadas de areia
maciça (cor clara). F) Vista geral dos depósitos Q4, ilustrando dois níveis de terraço (Q4a e Q4b; setas
indicam o contato entre esses depósitos).
48 conservação da várzea
Esse depósito constitui-se nos terraços mais recentes formados na área de estudo,
ocorrendo por toda a sua extensão, podendo ser visualizados apenas durante a
época seca, já que suas espessuras não ultrapassam 3 m de altura. Sua distribuição
é tipicamente descontínua, ocorrendo ao longo dos bancos dos rios, não se
constituindo em depósitos mapeáveis na escala deste trabalho. Portanto, esses
depósitos foram incluídos no mapa geológico conjuntamente com a representação
da várzea atual (Fig. 2), que consiste em planície de inundação contendo uma
miríade de canais meandrantes, meandros abandonados e lagos.
Em campo, o Depósito Q4 acha-se normalmente alojado lateralmente ao
Depósito Q3, porém, em nível topográfico inferior, formando uma superfície de
contato ligeiramente lístrica (Fig. 8F). Contrariamente àqueles estratos, Q4 é bem
estruturado, consistindo de alternâncias de argilas laminadas plano-paralelamente,
e areias negras a cinza-escuras, com laminações cruzadas e, secundariamente,
estratificações cruzadas acanaladas de médio porte. Localmente, ocorrem areias
marrom-amareladas. Esses depósitos mostram granocrescência ascendente, como
verificado no Depósito Q3, porém, intercalações de argila e areia em camadas
com contato brusco ou formando ciclos com granodecrescência ascendente, são
também comuns. Neste último caso, a base dos ciclos pode conter depósitos
residuais de conglomerado intraformacional formados por clastos de argila de até
5 cm de comprimento.
As areias do Depósito Q4 são de granulometria fina a muito fina, moderadamente
a bem selecionada, de grãos angulosos a subangulosos. Mineralogicamente,
são constituídas por 50% de quartzo (policristalino e, secundariamente,
monocristalino), 45% de mica (muscovita, e, secundariamente, biotita e clorita),
5% de feldspato e fragmentos de quartzito, xistos e filitos, o que leva a classificá-las
como areias quartzosas micáceas. As argilas são, em geral, laminadas plano-paralelas
e, freqüentemente, contêm filmes ou lentes milimétricas de areia muito fina a
síltica. Dados de difração de raios-X revelaram a presença de esmectita, caolinita,
clorita e ilita, sendo a razão esmectita/caulinita de 0,52 (Fig. 9). Matéria orgânica
vegetal é abundante nesses estratos para os quais obtiveram idades de apenas 280
e 130 anos A.P. (Tab. 1).
Evolução geológica
O mapa geológico e as características sedimentológicas demonstram que a região
oeste da Amazônia experimentou uma evolução deposicional bem mais complexa
do que a sua porção leste durante o Neógeno e o Quaternário. A comparação das
unidades geológicas com o posicionamento dos arcos estruturais delimitadores de
bacias mostram que eles não se constituíram em fatores controladores diretos da
sedimentação, já que uma mesma unidade mostra-se contínua através da área de
influência dessas estruturas.
2,5
Razão�S/K
1,5
0,5
0
Q1 Q2 Q3 Q4 Recente
Stratigraphic Unit
Fig. 9. Razão esmectita/kaolinita (S/K) obtida com base na análise dos difratogramas de raios-X de
amostras oriundas das unidades estratigráficas formadas durante o Pleistoceno ao Holoceno, na região
amazônica central e média (Q1 a Q2=unidades sedimentares quaternárias descritas no texto).
50 conservação da várzea
Tab. 1. Lista de dados de 14C de amostras coletadas nos depósitos Q1 a Q4.
#Amostra Unidade Deposicional Tipo de Material C yr A.P.
14
2,5
Razão�S/K
2
1,5
0,5
0
Q1 Q2 Q3 Q4 Recente
Stratigraphic Unit
Fig. 9. Razão esmectita/kaolinita (S/K) obtida com base na análise dos difratogramas de raios-X de
amostras oriundas das unidades estratigráficas formadas durante o Pleistoceno ao Holoceno, na região
amazônica central e média (Q1 a Q2=unidades sedimentares quaternárias descritas no texto).
52 conservação da várzea
sistema lacustre miocênico com o ambiente marinho. Seguiu-se período de queda
do nível eustático e colmatação do lago no final do Mioceno, registrado pelo
desenvolvimento de superfície de discontinuidade regional no topo da Formação
Solimões. Esta superfície representa uma descontinuidade do registro geológico,
de fácil reconhecimento ao longo de inúmeros afloramentos correlacionáveis ao
longo do rio Solimões por mais de 1.000 km a oeste de Manaus.
A) Eo/Mesomioceno E) 27,130 (+/-200) 1 4 C anos A.P.
5
Manaus Manaus
1 2 4
3
C) Plio-Pleistoceno
Fig. 10. Diagramas esquemáticos com a evolução de paisagem simplificada proposta para o oeste da
Amazônia, desde o Mioceno. À medida que o depocentro da bacia migrou em direção a nordeste, em
função de movimentações tectônicas, a àrea localizada a oeste de Manaus passou a ser representada
por um grande lago, ou sistema de lagos, durante o Eomioceno/Mesomioceno (A) que secou durante
o Neomioceno, durante queda do nível eustático (B). Tectônica pliopleistocênica resultou em nova fase
de subsidência e o estabelecimento de um sistema fluvial do tipo entrelaçado ou anastomosado, com
direcionamento para nordeste, durante fase de clima com tendência à aridez (C). Seguindo-se a esse
período de estabilidade e de não deposição (não representado), a região amazônica experimentou
novos episódios de subsidência, o que resultou na criação de espaço para acomodação dos sedimentos
formados em um grande sistema aluvial do tipo fan-delta (D) e/ou fluvial, com planícies de inundação
e amplos lagos (E). Simultaneamente a esta última fase, a drenagem, com fluxo para nordeste, passou
a ser capturada por sistemas de falhas, com direcionamento sudeste-noroeste, levando à amplificação
do sistema de drenagem do Amazonas como conhecemos hoje (F). Ver texto para maiores explicações
(1=rio Juruá; 2=rio Solimões; 3=rio Purus; 4=rio Amazonas; 5=rio Negro).
54 conservação da várzea
delta. À medida que a área tornou-se estável, o espaço de acomodação foi reduzido,
eventualmente, culminando com o total preenchimento das áreas alagadas pela
progradação de lobos de suspensão. Com isso, houve retorno a condições fluviais
e avanço de canais em direção ao centro-oeste da área de estudo.
Há cerca de 27.000 anos A.P., houve novo episódio de subsidência com
deslocamento de depocentro para nordeste, resultando na formação do Depósito
Q2. Durante esse tempo, a área encaixada entre os rios Solimões e Negro
diferenciou-se como uma bacia romboédrica à parte, em função do desenvolvimento
de sistema de falhas NW-SE. A evolução dessas falhas resultou no redirecionamento
dos canais, que, progressivamente, passaram a compor o sistema hidrográfico
moderno do rio Amazonas (BEZERRA, 2003). Essa nova fase de movimentação
tectônica resultou em áreas alagadas onde houve sedimentação pela progradação de
lobos de suspensão. Entretanto, as espessuras dos corpos de areia e o predomínio
de granulometrias muito finas a finas mostram que esses lobos eram bem menores
e menos energéticos do que os desenvolvidos na fase anterior, podendo registrar
pequenos lobos adentrando em lagos rasos ou depósitos de transbordamento em
lagos associados a amplas planícies de inundação. A primeira hipótese é favorecida
pela ausência de depósitos finos com granodecrescência ascendente, representativos
de planícies de inundação, porém, um melhor registro das características faciológicas
do Depósito Q1 é ainda necessário para melhor definir seu ambiente de formação.
A presença de areia com estratificação cruzada e granocrescência ascendente sugere
presença de canais.
Depósitos pleistocênicos superiores a leste de Manaus, se existirem, permanecem
por ser documentados. Uma exceção é a localidade de Itaituba, onde idades de
15.290 (+/-70) 14C anos B.P. e 11.340 (+/-50) 14C anos B.P. foram registradas
utilizando-se fósseis de megafauna in situ, associados com vegetação aberta,
provavelmente do tipo savana arbórea (ROSSETTI et al., 2004).
No Holoceno, atividade tectônica nas áreas dos rios Branco e Madeira pode
ter provocado sedimentação em suas margens (BEZERRA, 2003). A sucessão
sedimentar que ocorre em altitudes médias de 50-60 m, posicionada entre os
depósitos Q2 e Q3, podem representar o registro desse evento. Se esse for o caso,
então, durante esse tempo houve uma expansão da sedimentação na área de
desembocadura do rio Madeira com o Amazonas, com avanço para leste através
de uma estreita reentrância formada na Formação Alter do Chão e Sedimentos
Pós-Barreiras.
Entre 6.730 e 2.480 14C anos A.P. registra-se sedimentação ao longo de toda a
extensão do rio Amazonas, formando terraços descontínuos que resultaram nos
depósitos Q3, posicionados a cerca de 7 m do nível da água, durante a estação
seca. Litologicamente, esses depósitos são similares aos depósitos Q2, podendo
representar preenchimento de áreas alagadas em planícies de inundação. Esses
terraços fluviais atestam um amplo período de inundação do rio Amazonas-
Discussão
Além de dados biológicos, a elaboração de modelos de distribuição da
biodiversidade amazônica depende da geração de informações geológicas sólidas,
incluindo aspectos paleontológicos, sedimentológicos, estratigráficos e tectônicos,
a fim de definir fatores significativos na origem e distribuição das espécies. De
modo geral, períodos geológicos monótonos favorecem espécies generalistas com
evolução gradual, enquanto que aqueles caracterizados por grande dinâmica
evolutiva motivam especiações, aumentando a competição interespecífica e, com
isso, criando condições favoráveis à diferenciação morfológica pela adaptação dos
organismos às novas condições ambientais geradas (RENAUD; DAM, 2002).
Estudos moleculares de alguns grupos de vertebrados (PATTON; SILVA, 2001)
têm levado à estimativa de origem das espécies modernas há cerca de 3-4 milhões
de anos, ou seja, no Plioceno. Esse período da história geológica foi marcado por
grandes mudanças ambientais, não só na Amazônia como também em escala global.
Rearranjos importantes de placas tectônicas aconteceram em todos os continentes,
o que resultou no último pulso significativo de elevação dos Andes, implantação
dos Himalaias pela colisão das placas da Índia e Ásia, soerguimentos em várias
cadeias de montanhas do continente norte-americano (Apalaches, Rochosas e Serra
Nevada), e dobramentos e cavalgamentos nas montanhas alpinas. Nas Américas, a
criação da ponte intercontinental do Istmo do Panamá, devido ao deslocamento
da Placa do Caribe para leste, foi, sem dúvida, um dos fatores de maior impacto
nas trocas bióticas, uma vez que resultou na união das Américas após 50 milhões
56 conservação da várzea
de anos de isolamento (STEHLI; WEBB, 1985). A nova configuração continental
também contribuiu para uma fase de resfriamento global, pelo menos em parte,
resultante do afundamento da Corrente do Golfo, que se tornou mais densa sob a
Corrente Polar, pela falta de intercâmbio com o Pacífico, ocasionando a formação
de gelo nas calotas. Acompanhando o resfriamento do final do Plioceno, que se
estendeu pelo Pleistoceno, houve tendência à aridez, o que se reflete por mudanças
nos padrões de vegetação em várias regiões do globo, com amplo surgimento de
áreas de savanas em substituição a florestas. Como conseqüência dessa mudança
florística, houve adaptação da fauna, inclusive com a expansão de animais de
grande porte (megafauna).
As informações geológicas disponíveis para a região amazônica brasileira são ainda
de caráter regional ou estão dispersas, exigindo um grande esforço de integração,
a fim de que possam contribuir na análise dos mecanismos que controlaram e/
ou controlam os padrões de distribuição da biodiversidade atual. O potencial de
utilização dessas informações no contexto biogeográfico é, portanto, restrito, o
que tem resultado em hipóteses evolutivas polêmicas. Um exemplo é a hipótese
de diferenciação de zonas biogeográficas por arcos estruturais (RÄSÄNEN et al.,
1987; 1990; MORELL, 1996; PATTON et al., 2000; PATTON; SILVA, 2001).
Os arcos estruturais da Amazônia Brasileira constituem-se em feições antigas
(paleozóicas/mesozóicas) do embasamento, soterradas por sedimentos depositados
a partir do Cretáceo Superior e/ou Terciário (p.e., CAPUTO, 1991). Portanto,
sua influência na definição de zonas biogeográficas parece pouco provável. Outro
exemplo é a hipótese de transgressões marinhas de grande amplitude na região
amazônica como indutoras de compartimentos biogeográficas (p.e., RËGG;
ROSENZWEIG, 1949; IRION 1976, 1984; FRAYLEY et al., 1988; CAMPBELL
Jr., 1990; RÄSÄNEN et al., 1995; WEBB, 1996; BATES, 2001). Essas propostas
foram debatidas na literatura (HOORN, 1996; MARSHALL; LUNDBERG,
1996; PAXTON; CRAMPTON, 1996), uma vez que, até o momento, não há
comprovação de sedimentação marinha na Amazônia após o Mioceno, quando
grande parte das espécies amazônicas pode ter se estabelecida. Os resultados da
análise sedimentológica e estratigráfica aqui apresentada são consistentes com
ambientes deposicionais continentais ao longo da Amazônia Brasileira desde
o Pliopleistoceno. Embora flutuações do nível do mar relativo possam ter,
indiretamente, influenciado a sedimentação modificando, por exemplo, o nível do
lençol freático e a umidade relativa, informações geológicas sólidas em suporte à
formação de ilhas de isolamento por efeito direto de transgressões marinhas após
o Mioceno permanecem por serem apresentadas.
A interpretação da evolução geológica fornecida neste trabalho é consistente
com grande dinâmica ambiental no oeste da Amazônia no final do Mioceno e
início do Plioceno. Em particular, a colmatação do grande lago, representado pela
Formação Solimões/Pebas, foi certamente um fator de relevância no rearranjo da
58 conservação da várzea
open to critically evaluate new information, which can eventually be in disagreement
with traditional models that otherwise might still lack robust and conclusive data.”
(ROSSETTI et al., 2005).
Para finalizar, como registrado neste capítulo, atividades tectônicas com
conseqüente acúmulo sedimentar a partir do Terciário Superior, geralmente
relacionadas com reativações de estruturas do embasamento, foram importantes
fatores modificadores de paisagens durante o Neógeno-Quaternário da Amazônia.
Atividades tectônicas são de grande relevância para a caracterização do ecossistema
atual à medida que afetam, diretamente, o desenvolvimento da rede de drenagem,
relevo, tipo de solo, bem como a distribuição dos ambientes deposicionais.
Portanto, é esperado que a complexa inter-relação de fatores climáticos, tectônicos e
paleoambientais, ocorridos nos últimos estágios de evolução geológica da Amazônia,
tenha tido grande efeito na biota à medida que serviu de motivação à formação
de novas espécies.
A análise da influência de parâmetros geológicos na evolução e distribuição da
biodiversidade amazônica, como sugerida, deve ser testada no futuro em áreas
com boa disponibilidade de informações. Os próximos capítulos deste volume são
destinados à apresentação de diversos grupos biológicos ao longo da várzea do rio
Amazonas, representando um esforço inicial de integração de dados ambientais e
biológicos visando contribuir para este trabalho.
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Introdução
Segundo o Programa Internacional de Biologia “Macrófitas
Aquáticas” é a denominação mais adequada para caracterizar vegetais
que habitam desde brejos até ambientes verdadeiramente aquáticos.
Esta denominação é genérica e não leva em consideração aspectos
taxonômicos.
As macrófitas constituem uma perplexa assembléia de hábitos de
crescimento e possuem com freqüência uma extrema plasticidade
morfo-anatômica. Esta variação fenotípica causa sérios problemas
para identificação taxonômica destas espécies, comparadas com
a vegetação terrestre, seus corpos vegetativos exibem numerosas
modificações estruturais, algumas das quais podem ter caráter
adaptativo (Sculthorpe, 1985).
Na região Amazônica, um grande número de plantas pode ser
incluído nesta categoria, uma vez que solos saturados de água são
encontrados comumente na bacia do rio Amazonas, cujo relevo é
muito baixo, o clima bastante chuvoso, com uma flutuação anual do
nível da água dos rios que atinge uma amplitude média de até 15 m na
Amazônia Central (Junk, 1983; Junk & Howard-Williams, 1984).
A classificação das Macrófitas pela sua forma de vida e crescimento
tem um notável significado ecológico. A maioria das comunidades de
plantas aquáticas não pode ser satisfatoriamente distinguida pela sua composição
floristica, uma vez que muitas espécies têm uma ampla distribuição geográfica
e ecológica. Contudo, uma forma de crescimento única ou uma combinação
particular de formas de crescimento, freqüentemente dominam em uma
determinada comunidade, podendo então ser utilizada sozinha ou em conjunto
com a composição floristica como um caráter diagnóstico (Sculthorpe, 1985).
Dentro dos ambientes aquáticos na região amazônica, as principais formas de
vida (hábito de crescimento) encontradas são:
Macrófitas enraizadas no sedimento, com folhas flutuantes (Victoria amazonica,
Nymphaea amazonum)
Macrófitas enraizadas no sedimento com folhas emergentes (Echinochloa
66 conservação da várzea
funções ambientais, muitos autores acreditam que quanto maior a diversidade de
espécies, maior a diversidade de habitats oferecidos, aumentando potencialmente
o suporte de uma maior abundância de peixes e outros animais aquáticos, retendo
potencialmente muito mais poluente ou nutrientes e sustentando o funcionamento
do ecossistema como um todo (Hwang et al., 1996; Camargo & Florentino, 2000;
Engelhardt & Ritchie, 2001; Colares & Colaris, 2002).
A diversidade paisagística e fisiográfica das planícies de inundação (e.g. rios,
igarapés, canais, lagos temporários e permanente) podem contribuir para a grande
diversidade biológica (alfa e beta) nestes ecossistemas. As macrófitas aquáticas são
especialmente adequadas para “mapear” essa variabilidade ambiental tendo em
vista que as plantas aquáticas macroscópicas respondem a diferentes gradientes
ambientais que são formados lateralmente e ao longo do rio principal (Thomaz
et al. In press).
Com o objetivo de identificar e caracterizar regiões biogeográficas para subsidiar
as estratégias para a conservação da várzea, foram realizados levantamentos
botânicos de macrófitas aquáticas ao longo da calha do rio Solimões /Amazonas
em áreas de várzea com características ambientais semelhantes e distintas.
Métodos
Na região amazônica, o canal principal do rio Solimões-Amazonas; os bancos
e regiões de sedimentação dos rios de água branca e os lagos de várzea sujeitos
às flutuações de nível da água, estão entre os principais habitats extensivamente
colonizados pelas macrófitas aquáticas.
Para realização dos levantamentos de macrófitas aquáticas neste estudo,
optamos pela escolha de apenas um tipo de habitat, os lagos de várzea, uma vez
que dispúnhamos de um tempo limitado para o deslocamento e a coleta, em uma
área muito extensa. Além disso por questões logísticas, o nosso levantamento foi
realizado nos meses de setembro e outubro de 2003 (durante a fase terrestre),
período no qual as margens do canal principal e os bancos e regiões de sedimentação
dos rios Solimões-Amazonas, que poderiam ser os outros habitats explorados,
encontravam-se completamente secos e já dominados pela vegetação terrestre.
Como parte das atividades do sub-estudo de Macrófitas aquáticas realizamos
um total de 26 pontos de coleta descritos conforme a metodologia geral. Todas
as localidades foram geograficamente referenciadas, medidas as profundidades e
distância até a calha do rio.
Em cada Lago ou ponto de coleta, as amostras foram coletadas em 4 transectos
de 50 m, perpendicular à margem, geograficamente orientado a partir de um
ponto central do lago (1 ao norte, 1 ao sul, 1 ao leste e 1 a oeste). O objetivo
destes transectos é seguir o padrão de zonação formado pelos diferentes hábitos das
Macrófitas aquáticas 67
macrófitas, nos quais as formas enraizadas são localizadas próximas as bordas ou nas
áreas mais rasas e as formas flutuantes na região mais central dos corpos de água.
Foram realizados um total de 520 transectos. Ao longo de cada trasecto fizemos
coletas de 1m2 a cada 10 metros totalizando 20 amostras de 1m2 para cada lago.
Nos casos em que não foi possível o acesso a lagos, foram amostrados enseadas,
canos, furos ou paranás, mantendo-se o padrão de 20 amostras de 1m2 coletadas
aleatoriamente.
Além das coletas nos transectos, percorríamos toda a extensão dos corpos de
água amostrados e registrávamos a presença de espécies que ainda não haviam sido
registradas nos transectos, as quais foram classificadas nas análises como coletas
livres.
Resultados e Discussão
Registramos um total de 61 espécies, distribuídas em 48 gêneros e 29 famílias
(tabela 1). As famílias Cyperacea, Poaceae e Onagraceae apresentaram maior riqueza
com 9, 8 e 6 espécies respectivamente.
Paspalum fasciculatum, Salvinia auriculata, Pistia stratiotes, Eichhornia crassipes,
Azolla fliculoides, Phyllanthus fluitans, ludwigia natans, Eichinochloa polystachya,
Oxycaryum cubense e Limnobium stoloniferum foram às espécies de maior freqüência
de ocorrência (tabela 2).
Quando comparamos a curva de rarefação do número de espécies observado e
estimado (Fig. 1), verificamos que os nossos registros estão abaixo do esperado, o
que pode ser justificado devido ao período de coleta (meses de setembro e outubro),
que representa a fase terrestre dentro do ciclo hidrológico da região amazônica,
na qual a profundidade da coluna de água e a diversidade de habitas é menor,
reduzindo conseqüentemente a riqueza de espécies. Contudo quando comparado
a outros estudos sobre diversidade de macrófitas aquáticas o número de espécies
encontrado é bem representativo (Junk & Piedade, 1993; Santos & Thomaz 2002;
Matias et al. 2003; Gantes & Caro 2001).
Alguns autores afirmam que o distúrbio natural causado pela inundação, mais
precisamente a variação no nível da água, favorece o aumento da diversidade
desestabilizando as assembléias formadas e favorecendo a colonização de espécies
exóticas e oportunistas (Hudon 1997; Ward 1998 apud Santos & Thomaz 2002).
Essas espécies são em geral plantas terrestres que resistem a inundação, e que foram
excluídas em nossos registros.
Outros autores, porém, consideram a redução de nível da água responsável pela
baixa diversidade, pois reduz a conectividade entre os ambientes aumentando a
competição e impedindo o aporte de propágulos que são principalmente dispersos
pela água (Bornette et al. 1998). A redução da profundidade é um conhecido
68 conservação da várzea
Tabela 1. Lista das espécies encontradas, classificadas em ordem alfabética das famílias.
Familias Gêneros Espécies
Acanthaceae Justicia Justicia sp.
Alismataceae Echinodorus Echinodorus paniculatus
Amaranthaceae Alternanthera Alternanthera aquatica
Apiaceae Hydrocotyle Hydrocotyle vulgaris
Montrichardia Montrichardia arborescens
Araceae
Pistia Pistia stratiotes
Asteraceae Eclipta Eclipta prostata
Azollaceae Azolla Azolla filiculoides
Ceratophyllceae Ceratophyllum Ceratophyllum sp
Convolvulaceae Ipomoea Ipomoea aquatica
Cyperus articulatus
Cyperus ferax
Cyperus
Cyperus sp
Cyperus surinamensis
Cyperaceae Eleocharis geniculata
Eleocharis
Eleocharis interstincta
Fimbristylis Fimbristylis sp
Fuirena Fuirena umbellta
Oxycaryum Oxycaryum cubense
Caperonia Caperonia castaneifolia
Euphorbiaceae
Phyllanthus Phyllanthus fluitans
Aeschynomene Aeschynomene sensitiva
Fabaceae Neptunia Neptunia oleraceae
Sesbania Sesbania bispinosa
Elodea Elodea densa
Hydrocharitaceae Limnobium stoloniferum
Limnobium
Limonobium laevigatum
Lemna Lemna spp.
Lemnaceae
Spirodela Spirodela polyrhyza
Utricularia foliosa
Lentibulariaceae Utricularia Utricularia gibba
Utricularia myriocysta
Malvaceae Malva Malva sp.
Marsileaceae Marsilea Marsilea crotophora
Menyanthaceae Nymphoides Nymphoides indica
Najadaceae Najas Najas microcarpa
Macrófitas aquáticas 69
Tab. 1. Continuação.
70 conservação da várzea
Tabela 2. Lista das espécies de maior freqüência de ocorrência e seus respectivos hábitos de
crescimento.
Espécies Total de registros Ocorrência/ pontos de coleta Forma de vida
Paspalum repens 398 26 Livre flutuante
Salvinia auriculata 369 25 Livre flutuante
Pistia stratiotes 210 25 Livre flutuante
Eichhornia crassipes 112 24 Livre flutuante
Azolla filiculoides 110 19 Livre flutuante
Phyllanthus fluitans 83 20 Livre flutuante
Ludwigia natans 80 20 Livre flutuante
Echinochloa polystachya 68 17 Forma transicional
Oxycaryum cubense 57 12 Livre flutuante
Limnobium stoloniferum 50 16 Livre flutuante
Macrófitas aquáticas 71
Figura 2. Variação de diversidade alfa ao longo da Calha do rio Solimões/Amazonas.
Figura 3. Análise de correspondência (CA), mostrando o agrupamento dos diferentes pontos de coleta
(de acordo com a composição de espécies).
72 conservação da várzea
Figura 5. Correlação da riqueza de espécies com a profundidade média nos diferentes pontos de coleta
distribuídos ao longo da calha.
Figura 6. correlação de riqueza de espécies com conectividade (distância de cada ponto de coleta ao
canal principal do rio medido em km).
Macrófitas aquáticas 73
muito mais o aspecto de uniformidade desses ambientes em relação às assembléias
estudadas. Esta característica aumenta ainda mais a necessidade de cautela na
definição de planos de manejo e conservação dessas áreas.
Uma sugestão é que esse estudo deva ser repetido durante uma fase aquática
para que se possa comparar se o padrão de distribuição das espécies é o mesmo ou
se foi efeito do ciclo hidrológico.
Outra sugestão é que a prioridade deve ser dada as áreas do alto Solimões, uma
vez que o aporte de propágulos é disperso principalmente pela água e depende da
conectividade entre os ambientes, onde qualquer alteração drástica das áreas de
cabeceira afetará as regiões a jusante devido à conexão através do canal principal
do rio.
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74 conservação da várzea
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Macrófitas aquáticas 75
contribuição ao
capítulo 4
conhecimento da
distribuição de árvores
Ana Luisa Albernaz
Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia
Av. Perimetral 1901, 66077-830, Belém, PA, anakma@museu-goeldi.br
José Ramos
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)
Coordenação de Pesquisas em Botânica (CBO)
Caixa Postal 478, 69011-970, Manaus-AM
Introdução
As características ambientais que influenciam as comunidades de
árvores de várzea em escala local são relativamente bem conhecidas,
e duas delas são apontadas como as mais importantes: (1) a
topografia, que, nas diferentes fases do pulso de inundação traduz-
se em amplitudes e períodos de inundação diferentes e na seleção
de espécies com capacidades diferenciadas de tolerância (AYRES,
1986,1993, JUNK, 1989, WORBES et al., 1992, ALBERNAZ,
1996; FERREIRA, 1997a,b); e (2) a dinâmica dos sedimentos,
em que os processos de deposição e erosão, que são intensos nas
várzeas, resultam na existência simultânea de comunidades em estágios sucessionais
distintos (WITTMAN et al., 2002). Outros fatores, como tipo de solos, densidade
de ocupação humana e tipo de usos dos ambientes também podem afetar a
distribuição de espécies e comunidades, mas são considerados de menor influência
(ALBERNAZ; AYRES, 1999).
Já os padrões geográficos de distribuição das espécies arbóreas de várzea são
muito menos conhecidos. Embora diversos inventários e amostragens de plantas
tenham sido realizados, eles estão concentrados em poucas áreas geográficas, em
geral próximas às grandes cidades e/ou centros de pesquisa: Belém (estuário),
Manaus (Amazônia central) e Tefé (RDS Mamirauá, Amazônia oriental). Uma
compilação dos trabalhos publicados a partir desses levantamentos forneceu
uma lista de 675 espécies vegetais, distribuídas em 303 gêneros e 76 famílias
(PAROLIN et al., 2004). A análise destes inventários sugere haver um aumento de
riqueza do leste para o oeste (PAROLIN et al., 2004), mas é difícil afirmar se este
padrão é devido a diferenças de esforço amostral, uma vez que a área ocidental foi
amostrada com maior intensidade. Por isso, uma análise fitogeográfica ao longo
da calha do Amazonas-Solimões, com os dados hoje disponíveis, poderia induzir
a interpretações errôneas.
Para traçar estratégias adequadas à conservação do ambiente de várzea, tanto
variáveis em escala local como geográfica são importantes. Como os fatores
locais são mais conhecidos, optou-se neste estudo por investigar os padrões de
distribuição de árvores em escala geográfica. Assim, a proposta do estudo é testar
a existência de diferentes regiões biogeográficas ao longo da calha da várzea dos
rios Solimões-Amazonas. A metodologia proposta compõe-se de uma análise
quantitativa (de ordenação) e uma qualitativa (espécies de distribuição restrita),
realizadas sobre dados coletados em levantamentos de curta duração, ao longo
de toda a área do estudo. Áreas com disrupções no padrão de comunidades serão
consideradas regiões distintas e recomendadas para subsidiar a escolha de áreas
para a conservação. Espécies com distribuições restritas deverão merecer especial
atenção no resultado final.
O sucesso de propostas conservacionistas depende também do desenvolvimento
de estratégias que possibilitem a sustentabilidade econômica e social. Assim, para
contribuir com o processo de ordenamento territorial da várzea, este estudo pretende
aproveitar os levantamentos de campo para fazer uma análise da distribuição das
espécies de potencial madeireiro, que são as de maior valor entre as espécies arbóreas
de interesse econômico.
78 conservação da várzea
Métodos
Distribuição das amostras
Para testar a variação longitudinal na composição de espécies de florestas de várzea
foram realizadas duas ou três amostragens em cada ponto de parada do barco. As
paradas, como descritas na metodologia geral, tiveram espaçamento o mais regular
possível. Como o efeito da topografia e dos processos sucessionais sobre a vegetação
de várzea está bem documentado na literatura, optou-se neste estudo por alocar
amostras com o mínimo de variação possível nesses fatores. Desta forma, a variação
encontrada poderia ser mais diretamente relacionada à geográfica do que à local.
Para isso, procurou-se amostrar áreas em que a altura da marca de água da última
cheia estivesse entre 1 e 2 metros e evitar amostras em áreas em estágios iniciais de
sucessão, como ilhas jovens ou proximidade de praias.
Coleta de dados
1.Transectos
Os transectos consistiram na amostragem de todas as árvores e cipós com mais
de 5 cm de DAP incluídos em uma área delimitada de 10 x 100 m. Nos transectos,
para cada indivíduo foram anotadas as seguintes observações: espécie ou morfotipo,
nome comum (quando possível), distância ao longo do transecto, distância
perpendicular ao transecto, e diâmetro à altura do peito (DAP). A amostragem
em transectos permite obter informações não apenas da distribuição das espécies
de árvores, mas também da estrutura da vegetação nas áreas amostradas, que é um
fator importante na composição das comunidades biológicas locais. Infelizmente,
o custo em tempo para medir a altura das árvores não permitiu que esta medida
fosse tomada.
Na várzea são comuns árvores com múltiplos caules, cujos diâmetros
normalmente são somados em estudos botânicos. No entanto, em termos de
estrutura da floresta, um único tronco largo é bem diferente de vários menores.
Por isso, anotou-se o diâmetro de cada um, somou-se o total, mas manteve-se uma
coluna de número de troncos por indivíduo, para que essa informação também
pudesse ser utilizada nas análises.
2. Amostras livres
As amostras livres tiveram como objetivo aumentar o número de indivíduos
identificados em cada área amostral, de forma a aproximar a amostragem de um
esforço satisfatório, pela saturação da curva espécie-indivíduos. Tal objetivo não
contribuição ao conhecimento da 79
distribuição de árvores
seria possível de ser atingido apenas com a amostragem por transectos, que demanda
muito tempo de execução e gera informações de um número de indivíduos que
raramente ultrapassa a cem.
As amostras livres consistiram na anotação da espécie ou morfotipo de um
número padronizado de indivíduos. Estas amostras foram feitas tanto de forma
complementar, em pontos amostrados por transectos, quanto de forma mais
extensiva, em áreas em que não foram feitas amostras por transectos. Nas amostras
complementares foram anotadas as espécies ou morfotipos de 50 indivíduos.
Para as áreas sem transectos esse número teve que ser ajustado ao longo da
expedição. A amostra livre inicial foi de 120 indivíduos. No entanto, as análises
preliminares sugeriram que seria interessante aumentar esse número. Depois disso,
foi estabelecida a amostragem de 150 indivíduos, que passou a ser o padrão de
amostragem para as amostras livres.
Para ambos os tipos de amostragem, a altura da marca d´água mais recente foi
anotada quando possível para dez indivíduos por amostra. No entanto, nem sempre
a marca era visível, e em algumas áreas só foi possível obter uma ou duas medidas.
Todas as análises foram feitas com a média das medidas obtidas por amostra.
Identificação do material
O material botânico foi identificado em campo por técnicos experientes (José
Ramos, na primeira etapa, e Paulo Apóstolo na segunda). Devido à impossibilidade
da participação do mesmo técnico nas duas etapas, para padronizar os morfotipos
encontrados em toda a área amostrada, na segunda etapa foi coletado um maior
número de amostras de material de referência. A padronização de nomenclatura
e morfotipos foi feita no herbário do INPA, com a participação de todos os
integrantes da equipe.
Análises
1. Riqueza
Para analisar o padrão de riqueza ao longo da calha foi utilizado o índice Alpha
(FISHER et al., 1943). Este índice é o mais usado para amostragens de plantas
porque corrige o efeito do tamanho da amostra sobre a estimativa da riqueza.
2. REGIÕES biogeográficas
O padrão de distribuição das comunidades vegetais ao longo da calha foi
investigado por meio de análises de ordenação, em que as amostras foram agrupadas
80 conservação da várzea
por parada. Antes de agrupar, verificou-se se os padrões obtidos pelos dois tipos
de amostragem eram diferentes. Como foram semelhantes, as amostras foram
agrupadas. Nas amostras agrupadas por parada, para cada ponto a curva de espécies
já estava mais próxima da estabilização, tornando a análise e a sua interpretação mais
robustas. Como o objetivo era comparar a composição das comunidades amostradas
e não a densidade de indivíduos, para corrigir o efeito do tamanho diferente das
amostras, os dados foram transformados para a proporção da espécie na amostra.
A associação entre as parcelas foi estimada pelo índice de dissimilaridade de Bray-
Curtis, em que as espécies mais abundantes, cujas ocorrências são mais confiáveis
em um levantamento rápido, têm um peso relativo maior na análise. A técnica de
ordenação aplicada foi o Escalonamento Híbrido Multidimensional, (HNMDS),
cujo algoritmo é disponível no programa PATN (BELBIN, 1995). Para verificar
se possíveis falhas na identificação estariam interferindo nos padrões encontrados,
foram conduzidas análises tanto para o nível de espécie quanto para o de gênero.
Resultados
Foram realizadas 73 amostras das quais 42 eram transectos complementados com
amostras livres, três apenas transectos e 28 amostras livres. As amostras incluíram
um total de 11.938 indivíduos, pertencentes a 543 espécies, 282 gêneros e 69
famílias. Entre estas, 46 espécies (38 gêneros, 25 famílias) foram cipós lenhosos e
o restante, árvores ou arvoretas. Três indivíduos não foram identificados nem em
nível de família. As famílias com mais espécies e mais indivíduos foram Fabaceae
e Mimosaceae.
1. Riqueza
O número de indivíduos amostrados em cada parada variou de 214 a 706. Curvas
de acumulação de espécies indicaram que o esforço foi satisfatório para incluir a
maioria das espécies comuns que ocorrem nas comunidades amostradas (espécies
raras dificilmente são amostradas em levantamentos rápidos).
contribuição ao conhecimento da 81
distribuição de árvores
A riqueza máxima foi no Alto Solimões e a mínima no Baixo Amazonas, entre
Almeirim e Santarém (Fig. 1). O estuário apresentou maior riqueza do que o Baixo
Amazonas, com um número de espécies semelhantes ao da região de Manaus.
Embora a região do baixo Amazonas, entre o Trombetas e Almeirim, possua uma
riqueza menor, considerou-se que seria importante investigar se as comunidades
deste trecho eram compostas apenas por um subconjunto das espécies encontradas
nas áreas mais ricas ou se há espécies endêmicas, ou de distribuição restrita, que
justifiquem a conservação desta parte da várzea. Esta questão foi investigada por
meio de duas diferentes análises: a primeira baseada no cálculo da “temperatura” da
matriz de comunidades por parada (ATMAR; PATTERSON, 1993); e a segunda
por mapeamento da distribuição de espécies que ocorreram em abundância
relativamente alta mas com baixa amplitude de distribuição ao longo da calha.
O método de Atmar e Patterson (1993), de associar temperaturas às comunidades
biológicas, é uma forma de investigar se as comunidades estão organizadas de forma
hierárquica. Em um sistema muito hierárquico, que corresponde a uma temperatura
baixa, nas áreas mais pobres as espécies encontradas são apenas um subconjunto
(subset) daquelas observadas nas áreas mais ricas. Assim, quando a temperatura do
sistema é muito baixa, proteger apenas as áreas mais ricas assegura a inclusão de
todas ou da maioria das espécies nas áreas protegidas. Ao contrário, temperaturas
mais altas indicam uma maior desordem do sistema e que as áreas mais pobres
contêm espécies não encontradas nas áreas mais ricas. Assim, para que todas ou
a maioria das espécies estejam representadas em áreas protegidas, seria necessária
a seleção de uma combinação de áreas pobres e ricas (RYTI, 1992). Além disso,
o método propõe que a ocorrência de áreas e espécies idiossincráticas indicam a
ocorrência de eventos biogeográficos influindo na distribuição de espécies. Ao
contrário, áreas e espécies que variam de maneira uniforme na matriz de temperatura
indicam variação randômica, causada por fatores ambientais, demográficos ou
genéticos. Esses indicadores podem ser calculados com um programa que os
Fig. 1 - Índice de diversidade alfa (ALFA) ao longo do gradiente longitudinal da calha do Solimões-
Amazonas (LONG)
82 conservação da várzea
autores disponibilizaram na internet, chamado “Nestedness Calculator” (ATMAR;
PATTERSON, 1995). O programa dispõe também de um sistema que utiliza a
técnica de Monte Carlo para estimar a temperatura esperada, baseada na simulação
de matrizes randômicas.
A temperatura obtida para a matriz de espécies por paradas foi de 33,33º.
Esta temperatura é relativamente alta quando comparada à obtida para outras
comunidades da região amazônica analisadas (ALBERNAZ, 2001). No entanto,
ela é bem mais baixa do que o esperado em uma matriz randômica de mesmo
tamanho e grau de preenchimento. Utilizando-se 500 simulações baseadas na
matriz de dados, a temperatura esperada para este sistema seria de 55,28 ± 1,23º.
Apesar de a matriz real ser mais fria do que o esperado, algumas áreas, assim como
muitas espécies, apresentam altos valores idiossincráticos, revelando que mesmo
nas áreas mais pobres há influência de fatores biogeográficos atuando sobre a
distribuição de espécies.
Reforçando o valor do baixo Amazonas para conservação, todas as dez espécies
com mais de cinqüenta indivíduos na amostragem e que apresentaram as menores
amplitudes de distribuição ocorreram entre Manaus e o estuário. Entre elas, duas
foram exclusivas do estuário: Mora paraensis (pracuúba-do-estuário) e Pentaclethra
sp. (pracaxi). Entre as demais, Coussarea sp.1 foi encontrada em grande abundância,
mas em apenas um local de amostragem, estando entre as espécies destacadas na
análise hieráquica como tendo padrão randômico de distribuição. A espécie Casearia
aculeata, apesar de neste estudo ter sido observada apenas no rio Amazonas, está
incluída na lista publicada de espécies da região de Tefé (PAROLIN et al., 2004),
o que revela que a sua distribuição é mais ampla do que a observada neste estudo.
As espécies Inga cayennensis, Swartzia cf. ingifolia, Eugenia cf. coffeifolia e Trichilia
cf. cipo não constam das listas publicadas de espécies de várzea e todas tiveram
distribuição restrita às áreas mais pobres em espécies, entre Manaus e Almeirim.
Para Lonchocarpus sp. também há registros de ocorrência em outras localidades
da várzea além das registradas neste estudo. No entanto, como Lonchocarpus está
identificada apenas em nível de gênero, não é possível saber se se trata da mesma
espécie ou não.
2. Regiões biogeográficas
As análises sobre o padrão de agrupamento das comunidades de várzea foram
bem consistentes entre si. Tanto a análise feita utilizando a base de dados de espécies
quanto a de gêneros resultaram na formação de três grupos de comunidades (Fig.
2).
O primeiro grupo foi composto pelas amostras do estuário. Nessa região, as
florestas são densas e altas, visualmente semelhantes às florestas de terra firme.
De fato, segundo as informações dos moradores, as florestas de várzea na região
estuarina ficam submersas apenas na maré alta da época de cheia dos rios. As áreas
contribuição ao conhecimento da 83
distribuição de árvores
amostradas apresentaram uma forte dominância de Mora paraensis (pracuúba), cuja
abundância relativa média foi de 18%. A espécie possui valor comercial madeireiro
e tem sido, aparentemente, explorada de forma intensa. Várias pequenas serrarias
foram vistas nos arredores e todas as florestas visitadas possuíam estradas para a
retirada de madeira. Segundo os moradores que acompanharam o trabalho, a
pracuúba é a principal espécie retirada naquela área. Apesar disso, a espécie apareceu
em grande quantidade nos levantamentos e observou-se regeneração abundante nas
diversas fases de vida (plântulas, varas e arvoretas), em todas as áreas visitadas.
O segundo agrupamento incluiu as comunidades amostradas entre Almeirim
e Manaus. De maneira geral, na região predominam florestas na forma de faixas,
entremeadas por áreas abertas dominadas por espécies de ampla distribuição, como
Triplaris surinamensis e Pseudobombax munguba. A maioria das áreas amostradas
nesta parte da várzea foi constituída por florestas mais baixas, que apresentavam
vestígios da presença de gado bovino ou bubalino. Do ponto de vista botânico, foi
notável a ausência, nas amostras desta região, de espécies da família Annonaceae,
que é sempre presente e abundante em florestas de várzea. Indivíduos da família
Annonaceae foram reaparecer apenas nas proximidades de Manaus.
Os moradores da região acreditam que a região entre Almeirim e Santarém
sempre teve predominância de campos, ou que a conversão de suas florestas foi antes
do nascimento dos atuais residentes e seus pais. Por outro lado, entre Santarém e
Manaus as conversas indicaram que havia muito mais florestas do que nos dias de
hoje e que as florestas foram convertidas em parte para a produção de juta, e, mais
recentemente, para a criação de gado. De fato, os levantamentos revelaram que a
área entre Santarém e Manaus já apresenta algumas amostras com maior riqueza
em espécies, além do mencionado reaparecimento das Annonaceae.
84 conservação da várzea
O agrupamento das áreas do rio Amazonas pode estar indicando que a perda de
áreas contínuas de floresta esteja levando a um empobrecimento das comunidades
de várzea, que passam a ser dominadas por espécies de ampla distribuição.
Reforçando esta idéia, é interessante notar que a análise de escalonamento
multidimensional baseada nos dados de gêneros agrupou a parada 11, que é no
rio Solimões, com as amostras do Amazonas. Nesta parada, o único local em que
foi possível realizar amostragens foi em uma ilha. Conforme as informações dos
moradores, as florestas da ilha são secundárias, tendo sido desmatadas há cerca de
50 anos. Assim, aparentemente o efeito que predomina na análise quantitativa da
região é o fato de serem áreas impactadas pela atividade humana. Apesar disso,
surpreendentemente, na região do Amazonas é que foram encontradas as maiores
densidades de algumas espécies madeireiras. Entre elas, cabe destacar a ocorrência
de Platymiscium ulei, que é uma espécie considerada comercialmente extinta na
região de Tefé (ALBERNAZ; AYRES, 1999).
O terceiro grupo identificado nas análises de ordenação foi composto pelas
amostras realizadas ao longo do rio Solimões, desde Tabatinga até perto de Manaus.
Em toda esta região as áreas visitadas eram predominantemente florestadas. As
florestas eram, em geral, mais altas do que as do trecho do rio Amazonas, mas
aparentemente mais baixas do que as do estuário. O trecho entre Tefé e Manaus
foi gradativamente apresentando maior intensidade de ocupação humana.
Das 543 espécies encontradas no estudo, menos de 10% (45 espécies) ocorreram
em toda a extensão da calha. O estuário teve 82 espécies em comum com a região
entre Almeirim e Manaus e 67 espécies em comum com o trecho da calha entre
Manaus e Tabatinga. Os trechos entre Almeirim e Manaus e Manaus e Tabatinga
tiveram 121 espécies em comum.
contribuição ao conhecimento da 85
distribuição de árvores
caso interessante é o da andiroba (Carapa guianensis), que teve abundância alta
em apenas duas amostras, situadas bem distantes entre si. O alto valor comercial
da espécie, tanto como madeira como para a extração do óleo, levam à suspeita de
que os picos de abundância observados sejam resultado de manejo florestal.
Entre as espécies madeireiras de várzea que estavam entre as dez mais retiradas
na Reserva Mamirauá (ALBERNAZ; AYRES, 1999), a muiratinga (Naucleopsis
concinna), o mulateiro (Calycophyllum spruceanum) e a virola (Virola surinamensis)
apresentaram quantidades relativamente altas neste estudo, cada uma com mais
de cem indivíduos amostrados. As madeiras açacu (Hura crepitans), samaúma
Tab. 1. Lista de espécies madeireiras encontradas nos levantamentos, com as respectivas famílias e
quantidades observadas (N).
ESPÉCIE FAMÍLIA N
Acosmium nitens Fabaceae 1
Aniba guianensis Lauraceae 21
Calophyllum brasiliensis Clusiaceae 30
Calycophyllum spruceanum Rubiaceae 110
Carapa guianensis Meliaceae 28
Cedrella odorata Meliaceae 3
Ceiba pentandra Bombacaceae 10
Copaifera sp. Caesalpiniaceae 2
Couroupita guianensis Lecythidaceae 14
Guarea guidonia Meliaceae 12
Hura crepitans Euphorbiaceae 24
Macrolobium acaciaefolium Caesalpiniaceae 97
Manilkara sp. Sapotaceae 27
Mezilaurus itauba Lauraceae 1
Minquartia guianensis Olacaceae 17
Mora paraensis Caesalpiniaceae 129
Naucleopsis concinna Moraceae 114
Nectandra amazonum Lauraceae 148
Ocotea cymbarum Lauraceae 18
Piranhea trifoliata Euphorbiaceae 38
Platymiscium ulei Fabaceae 31
Sterculia excelsa Sterculiaceae 1
Vatairea guianensis Fabaceae 33
Vatairea paraensis Fabaceae 146
Virola calophylla Myristicaceae 16
Virola elongata Myristicaceae 49
Virola surinamensis Myristicaceae 123
86 conservação da várzea
Fig. 3. Abundância (N) de 25 espécies madeireiras ao longo da calha do Solimões/Amazonas
(Long). As espécies são: Aniba=Aniba guianensis (louro-amarelo); Calloph=Calophyllum brasiliensis
(jacareúba); Calycosp=Calycophyllum spruceanum (mulateiro); Carapa=Carapa guianensis (andiroba);
Cedrella=Cedrella odorata (cedro); Ceiba=Ceiba pentandra (samaúma); Copaifer=Copaifera sp. (copaíba);
Courgui=Couroupita guianensis (macacaricuia) ; Guargui=Guarea guidonia (jitó); Hura= Hura crepitans
(açacu); Macraca= Macrolobium acaciaefolium (arapari); Manilk= Manilkara sp. (maparajuba); Minquar=
Minquartia guianensis (acariquara); Morapar= Mora paraensis (pracuúba-do-estuário); Naucleo=
Naucleopsis concinna (muiratinga-da-várzea); Nectan= Nectandra amazonum (lourinho); Ococym=
Ocotea cymbarum (louro-inamuí); Piranhea= Piranhea trifoliata (piranheira); Platy= Platymiscium
ulei (macacaúba); Stercu= Sterculia excelsa (tacacazeiro); Vatgui= Vatairea guianensis (faveira);
Vatpar= Vatairea paraensis (faveira); Vircal= Virola calophylla (virola); Virelo= Virola elongata (virola);
Virsur=Virola surinamensis (virola).
contribuição ao conhecimento da 87
distribuição de árvores
(Ceiba pentandra), jacareúba (Calophyllum brasiliensis) e louro-inamuí (Ocotea
cymbarum) tiveram, cada uma, menos de 30 indivíduos entre as quase 12 mil
árvores amostradas.
Discussão
Este estudo é o primeiro levantamento de árvores que inclui toda a extensão
da calha do Amazonas-Solimões. Além do levantamento ter sido feito de forma
padronizada, e portanto comparável sobre toda a área, antes do estudo não havia
conhecimento algum das espécies encontradas entre Almeirim e Manaus, pois
não havia qualquer lista de espécies publicada para aquela região (uma lista das
publicações existentes pode ser encontrada em PAROLIN et al., 2004).
Para o trecho da calha entre Almeirim e Manaus os resultados são contraditórios,
pois apontam para direções opostas. A região foi a mais pobre em espécies e suas
comunidades são constituídas predominantemente por um subconjunto das
espécies das áreas mais ricas, o que indicaria que a região teria um baixo valor para
a conservação. No entanto, a região abriga algumas das espécies com distribuição
mais restrita encontradas no estudo, o que torna o valor da área para conservação
muito alto. Em geral, estratégias conservacionistas privilegiam as espécies raras
ou endêmicas – assim, a criação de unidades de conservação nesta região seria
urgente.
Ainda que o estudo tenha servido para fornecer um quadro geral da distribuição
das espécies de árvores e cipós lenhosos ao longo da várzea, é preciso considerar
que levantamentos rápidos, como a metodologia utilizada, têm limitações. Em
relação ao objeto deste estudo, a principal limitação é a imprecisão na identificação
das espécies. À época da expedição, poucas espécies estavam com flores ou frutos,
o que garantiria uma identificação mais acurada. Assim, embora os padrões de
comunidade sejam consistentes para a comparação entre as áreas amostradas no
mesmo estudo, a investigação do status das espécies encontradas deve ser feita com
cautela. As quatro espécies usadas como exemplo de abundância relativamente
alta mas distribuição restrita (Eugenia cf. coffeifolia, Inga cayennensis, Swarztia cf.
ingifolia, Trichilia cf. cipo), aparentemente têm distribuições muito mais amplas,
podendo ser encontrados registros para essas espécies inclusive em outros países da
América Latina (MOBOT, 2004). No entanto, pode ser que a identificação destas
espécies não esteja absolutamente certa e que elas sejam realmente endêmicas. Por
isso, sugere-se estudos mais aprofundados sobre a botânica das espécies de várzea,
principalmente na região entre Manaus e Almeirim, que é a área menos conhecida
e onde é esperado um maior número de espécies endêmicas. Para alguns gêneros
a identificação das espécies foi particularmente difícil, e mesmo o trabalho no
herbário não foi suficiente para tirar todas as dúvidas de identificação. Entre eles,
podemos citar Ficus, Pouteria, Eschweilera, Bactris e Coussapoa.
88 conservação da várzea
Um dos importantes resultados do estudo é a indicação das regiões que marcam
a existência de comunidades vegetais distintas ao longo da várzea. Tal distribuição
não coincide nem com as divisões propostas na divisão em ecorregiões, definidas
pelo WWF (WWF, 2001) nem com as zonas propostas, com base na geomorfologia,
descritas no trabalho de Forsberg (2000). Os resultados são bem consistentes, seja
usando diferentes algoritmos para a ordenação ou diferentes níveis taxonômicos.
Embora o estudo tenha apontado a existência de menos divisões do que as propostas
por Forsberg (2000), a maior parte dos limites é similar àquela proposta de divisão
da calha. A entrada do rio Negro marca uma diferenciação grande na composição,
assim como a mudança entre Almeirim e a região do estuário. A principal diferença
em relação à proposta de Forsberg (2000) é que para as plantas não houve uma
diferença marcante nas comunidades da região de Tefé.
A região entre Manaus e Santarém, embora tenha sido claramente agrupada
com a de Santarém a Almeirim, deixou algumas dúvidas se não teria sido por outra
das limitações do levantamento rápido: a amostragem apenas de áreas próximas à
calha e por isso mais sujeitas às alterações antrópicas. Dois pontos de amostragem
com riqueza muito mais elevada que os demais deram margem a esta dúvida,
assim como a distribuição de Inga cayennensis. As amostras mais ricas desta região
mostraram menos vestígios de alterações antrópicas por estarem sendo conservadas
por seus proprietários para atrair peixes, conforme informaram. Originalmente o
trecho entre Manaus e Santarém possuía mais florestas densas, como consta no
mapa de vegetação do Radambrasil (1978) e que foi também confirmado pelas
informações dos moradores. O princípio da precaução levaria a aumentar estudos
nesta região ou a atribuir metas específicas para sua conservação no planejamento
de áreas protegidas.
A distinção entre as áreas do estuário do Amazonas, do Solimões e do estuário
não deixa dúvidas de que estas áreas possuem comunidades de árvores distintas.
Por isso, seria recomendável que houvesse unidades de conservação (UCs) em cada
uma destas regiões. O alto Solimões já possui algumas reservas em várzea, como as
RDS Mamirauá e Amanã, mas o estuário ainda não possui unidades de conservação
em áreas de floresta densa (existe uma APA na Ilha de Marajó onde predominam
as savanas, e várias propostas de criação para outras UCs de uso sustentável). O
trecho no rio Amazonas possui apenas uma APA com várzea, em Nhamundá.
Com relação às espécies madeireiras, embora a área entre Manaus e Almeirim
apresente as mais fortes alterações antrópicas, é o trecho do rio que apresenta os
maiores estoques de algumas espécies, como a macacaúba (Platymiscium ulei),
o lourinho (Nectandra amazonum) e a muiratinga (Naucleopsis concinna). A
conservação destes recursos genéticos pode ser importante para o manejo destas
espécies para fins comerciais. Estratégias específicas de conservação e manejo devem
também ser desenvolvidas para espécies como a samaúma (Ceiba pentandra), o
louro-inamuí (Ocotea cymbarum) e a jacareúba (Calophyllum brasiliensis), cujos
estoques parecem estar bem baixos.
contribuição ao conhecimento da 89
distribuição de árvores
Cabe ressaltar que, embora as variações topográficas e sucessionais não tenham
sido abordadas neste estudo, elas são importantes para prever a distribuição
de espécies de várzea (AYRES, 1986, 1993; WITTMAN et al., 2004). Assim,
qualquer estratégia para a conservação das espécies de várzea deve levar em conta
estes fatores e incluir áreas grandes o suficiente para conter variações topográficas
e sucessionais.
Em síntese, este estudo representa um dignóstico da situação atual das
comunidades arbóreas da várzea. Seus resultados indicam que há diferenciação
longitudinal na composição de espécies na várzea e que algumas práticas, como
o cultivo de juta e a criação de gado, causaram ou têm causado a redução de área
florestada. Uma das conseqüências da redução da área florestada é a perda de espécies
nas áreas mais intensamente ocupadas ao longo da várzea. No entanto, a perda
de floresta – é bom lembrar – também é um dos principais fatores citados, pelos
moradores, como causa da diminuição do estoque pesqueiro. Por isso, espera-se
que os resultados do estudo ajudem a traçar estratégias para o aproveitamento da
várzea de forma mais sustentável.
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92 conservação da várzea
ENTOMOFAUNA AQUÁTICA
capítulo 5
Jorge Luiz Nessimian
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Biologia, Departamento de Zoologia.
Av. Brigadeiro Trompowski s/n - CCS - Bloco A, Cidade Universitária
21944970 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil - Caixa-Postal: 68044. nessimia@acd.ufrj.br
Neusa Hamada
Coordenação de Pesquisas em Entomologia- Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
Caixa Postal 478, 69011-970, Manaus- AM. nhamada@inpa.gov.br
Nelson Ferreira-Jr.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Biologia, Departamento de Zoologia.
Av. Brigadeiro Trompowski s/n - CCS - Bloco A, Cidade Universitária
21944970 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil - Caixa-Postal: 68044. nferrejr@acd.ufrj.br
Considerações iniciais
Neste capítulo são apresentadas informações das coletas de insetos
aquáticos em áreas alagadas de várzea do rio Solimões e do rio
Amazonas. A partir dessas informações, são feitas análises buscando
estabelecer as características gerais dessa fauna, mapear a distribuição
dos principais táxons e, com base nessas informações, discutir uma
visão sobre a existência de ecorregiões definidas dentro do sistema.
Portanto, serão apresentadas informações gerais sobre o sistema
de várzea, a forma como as informações foram obtidas e tratadas e
os resultados.
Introdução
Cerca de 7.050.000 km2 de terras drenam diretamente para o rio Amazonas, dos
quais de 50.000 a 60.000 km2 constituem o ecossistema de várzea do rio Amazonas
(SIOLI, 1984). Existem grandes variações nos níveis de água, podendo chegar a
uma diferença de 20 m que, evidentemente, determinam o ritmo de funcionamento
de todas as comunidades aquáticas.
O sistema de várzea apresenta maior produtividade aquática e uma diversidade
de componentes que pode facilitar o desenvolvimento de uma rica e produtiva
fauna aquática. É de especial importância a presença de grandes quantidades de
macrófitas aquáticas que mantêm uma comunidade de organismos associados
(JUNK, 1970, 1973; SOARES et al., 1986).
Dentre os grupos de insetos aquáticos estudados foram escolhidas as ordens
Odonata, Ephemeroptera, Hemiptera, Coleoptera e Trichoptera.
A ordem Odonata compreende espécies de insetos com larvas aquáticas (com
apenas um exemplo de larvas vivendo em solo úmido) e que são capazes de
utilizar uma grande variedade de ambientes, desde bainhas de buriti e bromélias
(MESQUITA, 1992) a largas coleções de água incluindo rios e lagos. Como
os adultos dependem do ambiente terrestre e são afetados pela sua alteração
(PERUQUETTI; DE MARCO, 2002), este grupo pode ser um ótimo indicador de
alterações ambientais que ocorram tanto dentro quanto fora dos corpos d’água.
A ordem Ephemeroptera é essencialmente constituída por espécies cujas formas
larvais estão adaptadas à vida na água. Os adultos são terrestres, às vezes ocorrendo
em grandes revoadas, e têm vida muito curta. Ocorrem em praticamente todos
os tipos de corpos d’água (rios, lagos, brejos e fitotelmatas) e possuem hábito
saprófago ou herbívoro. Algumas espécies, especialmente em ambientes lênticos,
apresentam grande produção de biomassa, sendo importante fonte de alimento
tanto para a fauna aquática quanto para as aves e os mamíferos associados. Algumas
espécies têm importante papel como bioturbadoras. Juntamente com as ordens
Plecoptera e Trichoptera, os Ephemeroptera são considerados bons bioindicadores,
com várias espécies sensíveis a alterações ambientais. Em ambientes lênticos, as
ninfas estão associadas ao fundo, à vegetação aquática e algumas espécies à madeira
submersa.
A ordem Hemiptera conta com diversos grupos aquáticos e semi-aquáticos (tanto
ninfas quanto adultos), que ocorrem em praticamente todos os tipos de ambiente,
sobretudo os lênticos. Apresenta grande diversidade de espécies. A maioria das
formas aquáticas tem hábito predador, porém algumas espécies são algívoras. Nos
94 conservação da várzea
ambientes lênticos, as espécies dessa ordem ocorrem associadas à vegetação, ao
fundo e à coluna d’água. Algumas espécies utilizam plantas aquáticas para ovipor,
estando estreitamente relacionadas à espécie hospedeira.
A ordem Coleoptera compreende diversas famílias de hábitos aquáticos (na forma
larvar, na adulta ou em ambas), ocorrendo em rios, lagos, poças, brejos e fitotelmata.
A maioria das espécies aquáticas ocorre em ambientes lênticos, sendo, por vezes,
muito abundantes. Os estágios de ovo e pupa estão, muitas vezes, relacionados a
plantas aquáticas. Larvas e adultos apresentam hábitos predadores, saprófagos ou
herbívoros e estão geralmente associados a plantas aquáticas.
A ordem Trichoptera representa um dos grupos mais diversos entre os insetos
aquáticos, especialmente em ambientes lóticos. Contudo há várias espécies
adaptadas a ambientes lênticos, associadas a plantas aquáticas e a esponjas. Os
adultos são terrestres enquanto larvas e pupas, com raras exceções, são aquáticas.
Os hábitos alimentares podem variar de carnívoro a saprófago, passando por
herbívoro e algívoro. São considerados bons bioindicadores, com muitas espécies
sensíveis a alterações do habitat.
Área de Estudos
A área de estudos compreende a calha do rio Amazonas no território brasileiro
entre Tabatinga (AM) e Gurupá (PA), percorrendo cinco zonas geográficas propostas
(Fig. 5.1, Tab. 5.1).
Fig. 5.1. Zonas biogeográficas propostas ao longo da calha dos rios Solimões-Amazonas.
ENTOMOFAUNA AQUÁTICA 95
Tab. 5.1. Zonas geográficas propostas ao longo da calha do rio Amazonas.
Zonas geográficas Número
Gurupá - Rio Paru 1
Rio Paru – Urucará 2
Urucará – Manaus 3
Manaus – Tefé 4
Tefé – Tabatinga 5
Métodos
Amostragem
Foram realizadas amostragens em 26 localidades, distribuídas nas cinco zonas
geográficas. Este relatório apresenta resultados de coletas realizadas em lagos. Todas
as localidades e pontos de coleta foram georreferenciados (Tab. 5.2).
A coleta de campo de Ephemeroptera, Coleoptera, Hemiptera e Trichoptera foi
padronizada para raízes de Eichhornia crassipes. A escolha dessa espécie deve-se à
sua importância como elemento gerador de heterogeneidade e habitat para fauna
na várzea (JUNK, 1970, 1973) e sua ampla distribuição no sistema representando
uma plataforma viável para comparações biogeográficas. Em um lago, de cada
localidade, foi coletado um total de 20 amostras, retiradas com um puçá (malha
de 1 mm e área aproximada de 0,14 m2) e lavadas em campo em uma rede com
malha de 0,2 mm. O material foi fixado em álcool etílico a 80% e etiquetado, a
conservação também foi feita em álcool etílico a 80%.
Em cada ponto de coleta foram expostas, por um período mínimo de 6 horas,
duas armadilhas do tipo “Pensilvânia” com luz U.V., na zona de macrófitas dos
lagos. O material foi fixado em álcool etílico a 80% e etiquetado.
A coleta de campo de adultos de Odonata foi padronizada para ser desenvolvida
em áreas de lagos inundados com presença de vegetação aquática. Nesses locais,
foram coletados adultos de Odonata com redes entomológicas por um período
de tempo de aproximadamente 1hora. Coletas adicionais foram feitas nas
proximidades de praias de areias, margens do rio, áreas próximas às comunidades
de pescadores e em igarapés.
As amostras coletadas em Eichhornia crassipes foram lavadas sobre duas peneiras,
uma com malha de 1 mm e outra com malha de 0,2 mm de abertura, e triadas
em laboratório. O material retido na malha de 1 mm foi triado e contado sob
microscópio estereoscópico para identificação, enquanto o restante, retido na malha
de 0,2 mm, foi etiquetado e conservado em álcool etílico 80%. O material coletado
em armadilhas de luz UV foi triado e contado sob microscópio estereoscópico.
Os táxons não pertencentes aos insetos-alvo deste estudo foram etiquetados e
conservados em álcool etílico 80%.
96 conservação da várzea
Tab. 5.2. Localidades e pontos de amostragem com suas respectivas data e localização.
Ponto
Zona
Município Localidade Ponto georreferenciado Data Latitude Longitude
Identificação
Os insetos foram identificados por especialistas (listados a seguir) até o nível
taxonômico possível.
ENTOMOFAUNA AQUÁTICA 97
Paulo de Marco Jr.
Odonata Patrícia Ferreira-Peuquetti
Daniela Chaves Resende
Elidiomar Ribeiro da Silva
Ephemeroptera
Frederico Falcão Salles
José Ricardo Inácio Ribeiro
Domingos Leonardo Vieira Pereira
Hemiptera
Viviani Pereira Alecrim
Roberta de Sá Longo
Nelson Ferreira Jr.
Coleoptera César Augusto Benetti
André Dias dos Santos
Ana Maria Oliveira Pés
Trichoptera
Ruth Leila Menezes Ferreira
98 conservação da várzea
tanto para análises no nível taxonômico de espécie quanto no nível de gênero. O
índice é assim definido:
Eq. 1
Resultados gerais
Neste subestudo foram coligidos 388.243 indivíduos de insetos aquáticos
representantes de 178 espécies ou morfoespécies, distribuídos nas ordens
Coleoptera, Ephemeroptera, Hemiptera, Odonata e Trichoptera. A ordem
Hemiptera apresentou-se mais diversificada, com 56 táxons identificados, e,
também, mais abundante, com 249.513 indivíduos coletados. A zona 5 apresentou
a maior riqueza, com 143 táxons, enquanto a zona 1, com 87 táxons, foi a mais
pobre (Tab. 5.3).
A seguir, os resultados serão apresentados, separadamente, para cada ordem.
ENTOMOFAUNA AQUÁTICA 99
Análise da distribuição de espécies de
Ephemeroptera na várzea dos rios Solimões-
Amazonas, como subsídio para a definição de
ecorregiões
Um total de 25.505 indivíduos foi coletado, distribuído em pelo menos 16
espécies de dez gêneros e cinco famílias: Baetidae, Caenidae, Leptohyphidae,
Leptophlebiidae e Polymitarcyidae. A composição da fauna encontrada
corresponde, basicamente, a grupos comuns na várzea do rio Amazonas, de acordo
com a listagem publicada por Dominguez et al. (1992). Contudo, alguns táxons,
embora registrados para a Amazônia, não constam na literatura com distribuição
na várzea como Brasilocaenis septentrionalis, Leptohyphes sp., Ulmeritoides cf. oepa
e Asthenopus picteti. Este último e Tricorytopsis sp. constituem novos registros de
ocorrência para a Amazônia. Os táxons mais abundantes foram Asthenopus curtus,
Brasilocaenis sp. e Campsurus spp. Devido à impossibilidade de identificação positiva
para ninfas e fêmeas adultas alguns táxons foram considerados no nível de gênero
(Tab. 5.4, Fig. 5.2).
Neste estudo, elevamos o número de registros de espécies ocorrentes, próximo à
calha do rio Amazonas, de 37 para 44. Asthenopus picteti e uma espécie de Tortopus
são registradas pela primeira vez para a Amazônia brasileira. Outras duas espécies,
ainda passíveis de confirmação, Callibaetis cf. viviparus e Campsurus aff. dallasi
podem também constituir novos registros. Com relação a novos registros para a
várzea, além dos citados, acrescentamos Brasilocaenis septentrionalis, Ulmeritoides cf.
oepa, Leptohyphes sp. e Tricorythopsis sp. Os táxons Brasilocaenis irmleri, Campsurus
aff. albifilum, Campsurus aff. latipennis e Campsurus notatus tiveram ampliadas
as suas áreas de ocorrência, especialmente nas zonas 3, 4 e 5. Com base no
levantamento de registros de ocorrência feito anteriormente, 20 táxons não tiveram
confirmadas as ocorrências na várzea pela nossa amostragem: Aturbina georgei,
Camelobaetidius mantis, Paracleodes binodulus, Cryptonympha copiosa, Tomedontus
primus, Waltzoyphius fasciatus, Zelusia principalis (Baetidae), Hexagenia (P.) albivitta
(Ephemeridae), Coryphorus aquilus, Tricorythodes australis (Leptohyphidae),
Farrodes onchaceus, Hermanellopsis arsia, Microphlebia pallida, Miroculis (A.)
duckensis (Leptophlebiidae), Campsurus duplicatus, C. mutilus, C. quadridentatus,
C. segnis (Polymitracyidae), Homoeoneuria (N.) fittkaui e Oligoneuroides amazonicus
(Oligoneuriidae). Contudo, verificamos que desses táxons, quase todos os Baetidae
e Leptophlebiidae foram coligidos na Reserva Ducke (Manaus), portanto, em terra
firme. Apenas ninfas de Aturbina apareceram em nossas amostras. Camelobaetidius
mantis foi descrito para o rio Amazonas, mas além da descrição original (anos
mil e novecentos e sessenta) nunca mais foi registrado. Hexagenia (P.) albivitta
Fig. 5.3. Ordenação por coordenadas principais utilizando o índice de Bray-Curtis para a análise da
composição da fauna de Ephemeroptera.
Fig. 5.5. Relação entre o índice de diversidade alfa, derivado do ajuste à Logserie e à longitude, para
avaliar a existência de gradiente longitudinal na fauna de Ephemeroptera.
Tab. 5.5. Espécies de Odonata coletadas na campanha de coleta pela várzea dos rios Solimões-Amazonas
com o número de lotes de coleta processados.
Espécie Locais de coleta Número de lotes
Brachymesia herbida Lago 37
Coryphaeschna adnexa Outro 4
Diastatops dimidiata Lago 4
Diastatops estherae Outro 1
Diastatops intensa Lago 9
Diastatops obscura Lago 3
Diastatops pullata Outro 14
Erythemis attala Lago 12
Erythemis haematogastra Lago 11
Erythemis peruviana Lago 49
Erythemis plebeja Lago 3
Erythemis vesiculosa Lago 3
Erythrodiplax attenuata Lago 76
Erythrodiplax basalis Outro 4
Erythrodiplax umbrata Lago 1
Erythrodiplax unimaculata Outro 16
Miathyria marcella Lago 2
Miathyria simplex Lago 17
Pantala flavescens Lago 4
Perithemis bella Lago 2
Perithemis lais Lago 2
Tauriphila australis Lago 1
Tramea calverti Lago 3
Fig. 3.1. Relação entre abundância local e distribuição (freqüência de ocorrência nos pontos estudados)
das espécies de Odonata amostradas na várzea dos rios Solimões-Amazonas. As etiquetas das espécies
com baixa abundância e freqüência foram retiradas para facilitar a visualização.
Fig. 5.8. Ordenação por coordenadas principais utilizando o índice de Bray-Curtis para a análise da
composição da fauna de Odonata.
Fig. 5.10. Relação entre o índice de diversidade alfa, derivado do ajuste à Logserie e à longitude, para
avaliar a existência de gradiente longitudinal na fauna de Odonata.
Fig. 5.11. Relação entre o índice de diversidade beta e longitude para avaliar a existência de gradiente
longitudinal na fauna de Hemiptera.
Fig. 5.12. Relação entre distribuição (freqüência) e abundância total de gêneros/espécies de Hemiptera
amostrados na várzea dos rios Solimões-Amazonas.
Fig. 5.13. Ordenação por coordenadas principais utilizando o índice de Bray-Curtis para a análise da
composição da fauna de Hemiptera. A elipse ressalta a diferenciação da zona 4.
Fig. 5.14. Relação entre riqueza de espécies e longitude, para avaliar a existência de gradiente
longitudinal na fauna de Hemiptera.
Fig. 5.15. Relação entre o índice de diversidade alfa, derivado do ajuste à Logserie e à longitude, para
avaliar a existência de gradiente longitudinal na fauna de Hemiptera.
Fig. 5.17. Relação entre distribuição (freqüência) e abundância total de gêneros/espécies de Trichoptera
amostrados na várzea dos rios Solimões-Amazonas. As etiquetas das espécies com baixa abundância
foram retiradas para facilitar a visualização.
Excetuando Cyrnellus sp. e Neotrichia sp., houve uma relação evidente entre
distribuição de abundância para os grupos de Trichoptera aqui analisados (Fig.
5.17). Aquelas duas espécies, no entanto, foram as mais abundantes e freqüentes
em todo o estudo.
A análise de coordenadas principais não revelou nenhum agrupamento
consistente com a separação do sistema Solimões-Amazonas nas zonas predefinidas
(Fig. 5.18).
A riqueza de espécies apresentou uma fraca tendência a diminuir de Tabatinga a
Manaus, mantendo-se estável desse ponto em diante (Fig. 5.19). Um único ponto
apresentou riqueza muito alta e discrepante, no início da zona 4, com 16 espécies.
A análise da diversidade usando o índice alfa também apresentou uma observação
discrepante na zona 3 (Fig. 5.20), mas nenhum padrão consistente entre as zonas
ou nenhum gradiente perceptível.
A diversidade beta foi relativamente semelhante e baixa entre os pontos
amostrados (Fig. 5.21). No entanto, apenas um ponto na zona 4, logo antes de
Manaus, apresentou fauna característica.
Fig. 5.19. Relação entre riqueza de espécies e longitude para avaliar a existência de gradiente
longitudinal na fauna de Trichoptera.
Fig. 5.21. Relação entre o índice de diversidade beta e longitude para avaliar a existência de gradiente
longitudinal na fauna de Trichoptera.
Fig. 5.22. Relação entre distribuição (freqüência) e abundância total de espécies de Coleoptera
amostradas na várzea dos rios Solimões-Amazonas.
Tab. 5.9. Número total de ocorrências e porcentagem de ocorrências nas cinco zonas geográficas, de
táxons de Coleoptera Hydrophiloidea coletados em lagos de várzea em 26 localidades ao longo do rio
Amazonas.
Zonas 5 4 3 2 1 Ocorrências
TÁXONS DE HYDROPHILOIDEA % % % % % n
Georyssidae
Georyssus spp. 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 2
Hydraenidae
Hydraena spp. 80,0 0,0 20,0 0,0 0,0 5
Hydrochidae
Hydrochus spp. 27,8 16,7 16,7 27,8 11,1 18
Hydrophilidae
Anacaena spp. 36,4 0,0 36,4 27,3 0,0 11
Berosus spp. 26,3 15,8 21,1 26,3 10,5 19
cf. Cercyon spp. 50,0 0,0 50,0 0,0 0,0 2
Crenitis spp. 33,3 0,0 66,7 0,0 0,0 3
Derallus spp. 26,1 30,4 17,4 21,7 4,3 23
Enochrus spp. 21,1 15,8 21,1 26,3 15,8 19
Helobata spp. 0,0 0,0 100,0 0,0 0,0 2
Helochares spp. 24,0 28,0 16,0 20,0 12,0 25
Hydrobiomorpha spp. 25,0 8,3 16,7 33,3 16,7 12
Paracymus spp. 26,3 10,5 21,1 26,3 15,8 19
Phaenonotumspp. 21,4 0,0 28,6 35,7 14,3 14
Tropisternus spp. 24,0 28,0 16,0 20,0 12,0 25
cf. Phaenonotum spp. 33,3 33,3 16,7 16,7 0,0 6
Fig. 5.24. Relação entre riqueza de espécies e longitude para avaliar a existência de gradiente
longitudinal na fauna de Coleoptera.
Fig. 5.26. Relação entre o índice de diversidade beta e longitude para avaliar a existência de gradiente
longitudinal na fauna de Coleoptera.
Referências bibliográficas
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de entomologia do INPA, resultante do “Projeto INPA/Max-Planck” (Convênio CNPq/
MPG). Acta Amazônica, v. 15, n. 3/4, p. 481-504. 1985.
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Brazil. Acta Amazônica, v. 33, n. 4, p. 701-709. 2003.
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American Naturalist, v. 124, p. 255-279. 1984.
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e Hábitos das larvas. In: CARVALHO, A. L.; NESSIMIAN, J. L. C. P. (Ed.). Oecologia
Brasiliensis. PPGE-UFRJ, 1998. p. 3-28.
Introdução
Existem mais de 3.200 espécies de mosquitos (Culicidae) descritas
em todo o mundo (WARD, 1992). Os culicídeos têm distribuição
mundial com muitas espécies presentes na região Neotropical.
Registros de distribuição geográfica são essenciais tanto para melhorar
os conhecimentos da sistemática de mosquitos quanto para conhecer
a epidemiologia das doenças veiculadas por esses insetos (NIELSEN,
1980). O conhecimento da biodiversidade de Culicidae é de interesse
epidemiológico, pois possibilita melhor compreensão da dinâmica
da transmissão dos agentes infecciosos e do papel vetor das espécies,
facilitando o planejamento de medidas de controle. Do ponto de vista
ecológico, a utilização de Culicidae como definidores ou indicadores
do meio ambiente onde habitam já foi comprovada (DORVILLÉ,
1996; SCHÄFER; LUNDSTRÖM, 2001). Dorvillé (1996) analisou
os dados de 20 inventários de mosquitos, efetuados no Sudeste do
Brasil, para gerar um modelo que permita a classificação de diferentes
áreas de floresta, por meio das espécies de Culicidae encontradas em
cada local. As espécies registradas nos inventários foram agrupadas
em diferentes categorias funcionais, baseadas em aspectos biológicos
comuns a cada espécie. Esses resultados mostram que certas espécies
ou grupos de espécies de Culicidae podem ser empregados como bioindicadores
precisos de diferentes níveis de degradação em ambientes de floresta. Recentemente,
Schäfer e Lundström (2001), comparando a fauna de mosquitos em diferentes áreas
de floresta molhada (wetlands) da Suécia, mostraram que é possível caracterizá-
las com base na fauna de mosquitos. Nesse caso, as espécies de Culicidae foram
separadas em 14 grupos funcionais, distintos, baseados em seis características
biológicas e ecológicas (história natural). A separação de espécies de Culicidae em
grupos funcionais permitiu revelar as peculiaridades biológicas, características das
faunas de mosquitos, que estavam ligadas às características ambientais das áreas
de estudo.
Considerando as características biológicas e ecológicas dos mosquitos, acreditamos
que seja possível utilizar a distribuição de espécies de Culicidae como indicadores
da possível diferenciação geográfica dos ambientes de várzea na Amazônia. A região
amazônica, por sua extensa área e complexa estrutura geográfica de difícil acesso,
possui várias áreas cuja fauna de Culicidae é, ainda, praticamente desconhecida.
Entre elas, vale citar muitas das regiões de várzea localizadas ao longo da calha
dos rios Solimões-Amazonas nos estados do Amazonas e do Pará. Infelizmente,
sabe-se pouco sobre a distribuição geográfica dos mosquitos na região amazônica.
Cerqueira (1961) assinalou a presença de 218 espécies que foram coletadas em
136 localidades da Amazônia brasileira: Amazonas (148 espécies/24 localidades),
Pará (152 espécies/57 localidades), Maranhão (36 espécies/20 localidades), Amapá
(60 espécies/7 localidades). Posteriormente, foram publicados vários trabalhos
sobre a distribuição geográfica de Culicidae, utilizando informações colhidas de
referências bibliográficas e de material depositado no Museu Entomológico do
Centro de Pesquisas René Rachou – FIOCRUZ, acrescentando registros para
cada estado brasileiro. No Pará, o número de espécies conhecidas aumentou para
207, em 307 localidades, representando 64 municípios do estado (XAVIER;
MATTOS, 1975). No Amazonas, o número de espécies conhecidas aumentou
para 175, em 114 localidades, representando 27 municípios do estado (XAVIER;
MATTOS, 1976). No Maranhão, o número de espécies conhecidas aumentou
para 65, em 54 localidades, representando 29 municípios do estado (XAVIER;
MATTOS, 1989). Após os artigos de Xavier e Mattos (1975; 1976; 1989),
não foram publicados outros estudos atualizando os registros de distribuição
de espécies encontrados em trabalhos mais recentes. A maioria desses registros
novos de distribuição pode ser encontrada em trabalhos de: biologia (SANTOS
et al., 1981; CHARLWOOD, 1984; FERREIRA, 1999; ZIMMERMAN et al.,
1999; TADEI; DUTARY THATCHER, 2000); genética (TADEI et al., 1982;
CONTEL et al., 1984; TADEI, 1985; TADEI; SANTOS, 1985; SANTOS et
al., 1996; SCARPASSA et al., 2000; SCARPASSA; TADEI, 2000; FAIRLEY et
al., 2002); fisiologia (PATRICK et al., 2000; PATRICK et al., 2002a, 2002b);
ecologia (TADEI et al., 1998); comportamento (CHARLWOOD et al., 1982;
Resultados
Foram realizadas 367 coletas (cada coleta corresponde ao resultado de captura
de uma armadilha (CDC ou CDC-UV) ou de varredura com puçá), distribuídas
em 50 localidades, ao longo da calha dos rios Solimões-Amazonas entre Tabatinga
(AM) e Ajurixi (PA), no período de 10 de setembro a 7 de novembro de 2003,
resultando na captura de mais de 135.000 mosquitos. Considerando que para
esse subestudo era prevista a coleta de 15.000 exemplares, foi necessário fazer
uma subamostragem dos espécimes para integrar o Banco de Dados de Culicidae.
Portanto, dando prioridade às coletas com armadilha CDCuv, foi selecionado
o número de coletas necessário para atingir um mínimo de 500 indivíduos, por
localidade, para 25 localidades (25 locais X 500 mosquitos = 12.500 exemplares).
SPCM 2
Código do Códigos das
Est
# 1 Localidade Coletas Município Lat Long Localidade 3 Z4
Paraná do Cururú,
11 ProV-022 ProV-0197 995 AM Manacapuru -3.5753 -60.80877 Rio Solimões 4
(MD)
ProV-0211, 0212, Igarapé do Aturiá,
25 ProV-024 0213, 0214, 0215, 856 AP Mazagão -0.5337 -51.5193 Rio Amazonas 1
0216 (ME)
Porto da
24 ProV-028 ProV-0234, 0235 720 PA Gurupá -1.1968 -51.7831 Mangueira, 1
Taiaçui, Rio
Amazonas (MD)
-52.4871 Arumanduba, Rio
23 ProV-029 ProV-0241 627 PA Almeirim -1.4863 1
Amazonas (ME)
Paraiso,
22 ProV-031 ProV-0257 907 PA Almeirim -1.7451 -53.154 Paranaquara, Rio 2
Amazonas (ME)
Fazenda JK,
-53.7219 Paraná do
21 ProV-033 ProV-0264 750 PA Prainha -1.8621 2
Mouratuba, Rio
Amazonas (ME)
Boca do Rio
20 ProV-035 ProV-0275 533 PA Prainha -2.3935 -54.0876 Curuauna, Rio 2
Amazonas (MD)
Paraná de Ituquí,
19 ProV-037 ProV-0290 629 PA Santarém -2.4723 -54.3159 Rio Amazonas 2
(MD)
Ilha do Amador,
-55.3004 Paraná do
18 ProV-040 ProV-0308 950 PA Óbidos -2.1002 2
Capivara, Rio
Amazonas (ME)
Recreio, Paraná
17 ProV-041 ProV-0311 1186 PA Juruti -2.0755 -55.9659 de Dona Rosa, Rio 2
Amazonas (ME)
Menino Deus,
Paraná de
16 ProV-042 ProV-0317, 0319 362 AM Parintins -2.5406 -56.5457 Parintins do Meio, 2
Rio Amazonas
(MD)
Lírio do Vale,
-57.5024 Paraná do Albano,
15 ProV-044 ProV-0331 577 AM Urucará -2.4257 3
Rio Amazonas
(MD)
Paraná do
ProV-046 ProV-0336, 0337, 667
14 AM Urucará -2.7522 -57.8888 Cucuiari (ME), Rio 3
0338 Amazonas (ME)
Lago Camitaum,
-58.7099 Ilha da Trindade,
13 ProV-049 ProV-0357 877 AM Itacoatiara -3.3085 3
Rio Amazonas
(ME)
São Jorge, Paraná
ProV-050 ProV-0362, 0363, 525
12 AM Itacoatiara -3.1575 -59.3232 da Eva (MD), Rio 3
0364 Amazonas (ME)
25 74 16.244
1
Numeração utilizada para identificar as localidades nas Fig. 1 a 5. 2 Número de espécimes, por localidade, incluídos na subamostragem. 3 (ME) = margem esquerda da calha; (MD) = margem
direita da calha. 4 Zonas de várzea para cada localidade amostrada, sensu Forsberg (2000).
Discussão
A realização do inventário de Culicidae em 50 localidades diferentes de várzea
ao longo da calha dos rios Solimões-Amazonas resultou na coleta de um número
elevado de mosquitos bem maior do que o esperado, se levarmos em consideração
os inventários em locais de terra firme. Consequentemente, por limitações nos
recursos orçados e no tempo disponível para executar o estudo, foi necessário
Fig. 1. Diversidade (número de espécies) de mosquitos em 25 localidades ao longo da calha dos rios
Solimões-Amazonas. Cada localidade está identificada com o seu respectivo número, listado na Tab. 1. A
localização de cada localidade nas diferentes zonas de várzea (FORSBERG, 2000) é indicada pelo formato
do ponto, conforme apresentado na legenda.
Introdução
As formigas são insetos sociais pertencentes à ordem Hymenoptera. Desde a
sua origem, há cerca de 100 milhões de anos, durante o Cretáceo, as formigas
diversificaram-se e tornaram-se elementos dominantes na maioria dos ecossistemas
terrestres. Na Amazônia, a biomassa de formigas é quatro vezes maior do que a
biomassa de todos os animais vertebrados juntos (FITTKAU; KLINGE, 1973). A
diversidade de espécies também é alta. Quarenta e três espécies de formigas foram
registradas na copa de uma única árvore amazônica: mais do que o número total
de espécies de formigas encontrado na Grã-Bretanha (WILSON, 1987a).
As formigas são importantes predadores de outros artrópodes e de insetos
herbívoros. Além disso, movimentam grandes quantidades de terra para a superfície
do solo, com a rede de galerias e câmaras dos formigueiros aumentando a porosidade
e a drenagem do solo (FOLGARAIT, 1998). O solo modificado pelas formigas é,
geralmente, mais rico em matéria orgânica e em nutrientes como N, P e K. Esse
aumento na fertilidade do solo pode ser importante para o desenvolvimento da
vegetação, especialmente em solos pobres (CULVER; BEATTIE, 1983). Algumas
espécies como, por exemplo, as saúvas, têm um efeito direto sobre as plantas,
cortando suas folhas e flores (CHERRETT, 1986). Outras espécies predam ou
transportam sementes, rearranjando, assim, a “sombra” de sementes produzida pelos
vertebrados dispersores de sementes (LEVEY; BYRNE, 1993). Efeitos indiretos
sobre as plantas, tanto positivos como negativos, ocorrem através da exploração,
pelas formigas, do néctar produzido em nectários extraflorais ou por homópteros
(BUCKLEY, 1987; OLIVEIRA et al., 1987).
Por ser um grupo abundante e diverso, facilmente coletado, relativamente fácil
de identificar e, finalmente, por responder rapidamente a mudanças ambientais,
as formigas têm sido usadas, com freqüência, como bioindicadores em estudos
sobre impacto ou monitoramento ambiental (MAJER, 1983).
Até o início da década de 1990 haviam sido descritas 8.800 espécies de formigas
no mundo todo, sendo que Hölldobler e Wilson (1990) estimam haver, no total,
cerca de 20 mil espécies distribuídas em 350 gêneros. Para a região Neotropical,
Kempf (1972) registrou 2.233 espécies. Levando-se em consideração que a relação
entre o número de espécies descritas e não descritas é a mesma para todas as regiões
Métodos
No total foram visitadas e estudadas 26 localidades ao longo da calha dos
rios Solimões e Amazonas (Apêndice 1). Em cada uma destas localidades foram
estabelecidas entre 2 a 3 parcelas amostrais distantes, em geral, mais de 500 m
entre si, totalizando assim 68 parcelas. As parcelas amostrais foram estabelecidas em
floresta de várzea, tomando-se cuidado para que, sempre que possível, estivessem
em locais com o mínimo de impacto antrópico possível (ou seja, florestas onde
não haviam sinais de corte seletivo de madeira, sinais de fogo, etc).
Cada parcela tinha 10 m de largura por 90 m de comprimento, subdivida em
quadrantes de 10 por 10 m. Para a coleta de formigas utilizaram-se 3 métodos, os
quais tendem a ser complementar entre si, e assim capturar diferentes elementos
da fauna de formigas da floresta. Foram feitas coletas com o uso de iscas, com
guarda-chuva entomológico e com o extrator de Winkler (BESTELMEYER et
al. 2000). Como isca atrativa às formigas utilizou-se sardinha em óleo vegetal.
Foram distribuídas 20 iscas de sardinha, por parcela (uma em cada vértice dos
quadrantes). As iscas eram colocadas sobre um pedaço de papel branco, sobre o
chão da floresta, e retiradas uma hora depois.
Para a coleta com guarda-chuva entomológico foram selecionadas, ao acaso, 20
arvoretas (entre 1 e 3 m de altura). Em cada arvoreta foram feitos dez batimentos
na folhagem (com auxílio de um bastão de madeira) e todas as formigas que caíam
da folhagem foram recolhidas no guarda-chuva entomológico, que consiste em
uma armação de plástico (de 1 m2), recoberta com um pano branco.
Finalmente foram retiradas, ao acaso, amostras de 0,25 m2 de serapilheira de
cada parcela, que foram peneiradas em peneira com malha de 0,8 mm, de forma
a perfazer uma amostra composta de 8 litros de serapilheira peneirada, o que, em
geral, ocorria após a retirada de 50 amostras. Em parcelas com pouco folhiço, ou
onde o follhiço estava pouco decomposto, não foi possível obter esse volume de
serapilheira peneirada, mesmo coletando mais do que 50 amostras. Neste caso,
o volume foi aquele obtido em 60 amostras de cerca de 0,25 m2 de serapilheira.
Resultados
Foram coletadas 166 espécies (ou morfoespécies) de formigas nas 68 parcelas
amostradas. Essas espécies estão distribuídas em 42 gêneros, de seis subfamílias da
família Formicidae (Apêndice 2). As espécies mais freqüentes foram Paratrechina
sp. PV06, registrada em 67 parcelas, Odontomachus haematodus, em 61 parcelas,
e Crematogaster limata, registrada em 57 das 68 parcelas amostrais. Quarenta e
uma espécies ocorreram em apenas uma parcela e 23 espécies em apenas duas
parcelas (Fig. 1; Apêndice 1), sendo, assim, consideradas espécies raras na floresta
de várzea. Ao menos duas das 166 espécies coletadas, uma delas do gênero Rogeria
e a outra do gênero Procryptocerus, são, provavelmente, espécies novas (Delabie,
comunicação pessoal).
Dos três métodos de coleta utilizados, o guarda-chuva entomológico foi o
que registrou, individualmente, o maior número de espécies, 105. O método de
coleta com iscas e o método de Winkler resultaram na coleta de 98 e 97 espécies,
respectivamente.
Para todas as espécies ou morfoespécies registradas em duas ou mais parcelas (125
espécies) foi possível determinar a sua amplitude de distribuição na várzea (Fig.
2). A análise mostra que quase 40% das espécies ocorrem em praticamente toda
a calha dos rios Solimões e Amazonas (Fig. 2). Somente uma porcentagem muito
pequena dessas espécies ocorreu ao longo de uma faixa menor do que quatro graus
de longitude, ou seja, são espécies com distribuição geográfica restrita (Fig. 2).
Comparando os dados obtidos neste estudo na várzea com aqueles obtidos
em um estudo anterior em floresta de terra firme, próxima à Santarém, no Pará
(VASCONCELOS; VILHENA, 2006), onde se aplicou a mesma metodologia de
coleta, com iscas, fica claro que a riqueza de espécies de formigas é bem menor na
várzea do que na terra firme (Fig. 3).
Fig. 3. Riqueza de espécies de formigas na várzea e na floresta de terra firme. Em ambas as florestas as
formigas foram coletadas com iscas de sardinha. Os dados para a terra firme são provenientes de um
estudo próximo a Santarém, PA (VASCONCELOS; VILHENA, 2006)
Fig. 4. Representatividade (em termos da proporção do total de espécies encontradas) de diferentes gêneros
de formigas em floresta de várzea e de terra firme (dados da terra firme como descrito na Fig. 3).
Fig. 5. Relação entre a freqüência de ocorrência e a abundância local das espécies de formigas coletadas
com iscas de sardinha na várzea amazônica.
Fig. 6. Densidade local de espécies (número de espécies por parcela) em função da longitude. Em
(a) os pontos com diferentes cores representam parcelas situadas em locais com diferentes alturas de
inundação (marca d’água), enquanto em (b) representam as parcelas em diferentes zonas da várzea
(sensu FORSBERG, 2000).
Fig. 7. Ordenação em duas dimensões (eixos) de 26 localidades da várzea dos rios Solimões e Amazonas
em função da composição de espécies de formigas.As letras e números ao lado de cada ponto representam
o código de cada localidade, como descrito no Apêndice 1.
Conclusão e implicações
Este trabalho representa o estudo mais compreensivo sobre as formigas da
várzea amazônica. Foram feitas coletas sistemáticas ao longo de toda a calha dos
rios Solimões e Amazonas, em 68 parcelas amostrais estabelecidas em 26 diferentes
localidades (Apêndice 1). Como resultado foram coletadas 166 espécies, incluindo-
se aqui, provavelmente, duas espécies novas para a ciência.
A diversidade de espécies de formigas na floresta de várzea foi, como esperado,
comparativamente menor do que aquela de outras formações florestais amazônicas,
notadamente a floresta de terra firme. Nesta última é comum encontrar um
número igual ou superior de espécies do que o registrado aqui, porém, em uma
164 conservação da várzea
Fig. 9. Espécies de formigas dominantes em parcelas estabelecidas ao longo da calha dos rios Solimões e
Amazonas. Como dominante foi considerada aquela espécie (ou espécies) que explorou o maior número
de iscas disponíveis na parcela. Os traços indicam que a espécie era dominante naquela parcela.
Fig. 11. Ordenação em duas dimensões (eixos) de 26 localidades da várzea dos rios Solimões e Amazonas
em função da composição de espécies de formigas coletadas com iscas de sardinha. Os diferentes símbolos
representam as localidades situadas nas três diferentes zonas propostas com base nos resultados do
presente estudo.
Fig. 12. Variação na composição de espécies de formigas em função do nível da cheia em florestas
de várzea dos rios Solimões e Amazonas. Os códigos ao lado de cada ponto referem-se às diferentes
localidades listadas no Apêndice 1.
Referências bibliográficas
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28/9/2003
6/11/2003 AnamãVila N.Sra.
(Nova da
Esperança) PV14 26
63 -3.59821
-3.31852 -61.43274
-58.72349 3.52
0.5
Conceição(Itacoatiara)
29/9/2003 Manacapuru
Vila (Paranã do Cururu)
N.Sra. da PV12 27 -3.5753 -60.80877 0.98
6/11/2003 64 -3.30789 -58.70886 1.88
Conceição(Itacoatiara)
29/9/2003 Manacapuru (Paranã do Jacaré) 28 -3.62848 -60.84068 1.15
Vila N.Sra. da
6/11/2003 65 -3.33958 -58.81218
16/10/03 Conceição(Itacoatiara)
Maranata (Mazargâo) PV26 29 -0.53100 -51.52271 0.34
7/11/2003 Paraná da Eva (Itacoatiara) PV13 66 -3.15670 -59.32202
16/10/03 Maranata(Mazagâo) 30 -0.53700 -51.55735 0.21
8/11/2003 Paraná da Eva (Itacoatiara) 67 -3.18104 -59.30843 2.9
18/10/03 Vila São José(Gurupá) PV25 31 -1.20387 -51.81802 0.4
8/11/2003 Paraná da Eva (Itacoatiara) 68 -3.17443 -59.31013 2.93
18/10/03 Vila São José(Gurupá) 32 -1.21783 -51.80934 0.35
Dolichoderus attelaboides 5
Dolichoderus bidens 9
Dolichoderus bispinosus 45
Dolichoderus decolatus 9
Dolichoderus diversus 1
Dolichoderus doloniger 1
Dolichoderus labicornis 1
Dolichoderus lugens 1
Dolichoderus lutosus 21
Dolichoderus mesonotalis 1
Dolichoderus PV08 5
Dolichoderus quadridenticulatus 9
Linepithema PV01 6
Tapinoma melanocephalum 10
Eciton rapax 3
Labidus praedator 1
Camponotus abdominalis 1
Camponotus apicalis 4
Camponotus atriceps 20
Camponotus PVB 2
Camponotus bidens 24
Camponotus PVC 3
Camponotus cameranoi 15
Camponotus PVD 1
Camponotus PVE 2
Camponotus femoratus 7
Camponotus goldmani 17
Camponotus novogranadensis 39
Camponotus PV1 1
Camponotus PVC 3
Camponotus cameranoi 15
Camponotus PVD 1
Camponotus PVE 2
Camponotus
Dolichoderus sexguttatus
doloniger 18
1
Lasiini Paratrechina
Dolichoderus sp.06
labicornis 67
1
Paratrechina
Dolichoderus PV03
lugens 11
Cyphomyrmex
Dolichoderus salvini
PV08 31
5
Mycocepurus
Dolichoderus PV01
quadridenticulatus 91
Mymicocrypta
Linepithema PV01
PV01 36
Serycomyrmex
Tapinoma bondari
melanocephalum 2
10
Basicerotini Octostruma
Labidus PV01
praedator 41
Formicinae Blepharidattini
Brachymyrmicini Wasmannia
Brachymyrmex auropunctata
sp.03 17
6
Cephalotini
Camponotini Cephalotes
Camponotus atratus
PVA 17
2
Cephalotes
Camponotus clypeatus
abdominalis 11
Cephalotes
Camponotus grandinosus
apicalis 41
Cephalotes
Camponotus maculatus
atriceps 5
20
Cephalotes
Camponotus notatus
PVB 21
Cephalotes
Camponotus pallens
bidens 6
24
Cephalotes
Camponotus ramiphilus
PVC 32
Cephalotes
Camponotus simillimus
cameranoi 18
15
3
Cephalotes
Camponotus umbraculatus
PVD 1
Procryptocerus
Camponotus pictipes
PVE 42
Procryptocerus
Camponotus PV01
femoratus 72
Crematogastrini Crematogaster
Camponotus acuta
goldmani 2
17
Crematogaster
Camponotus agregior
melanoticus 91
Crematogaster
Camponotus brasiliensis
novogranadensis 8
39
Crematogaster
Camponotus cf .longispina
PV1 1
Crematogaster
Camponotus erecta
PV2 28
3
PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DE 175
Crematogaster
Camponotus FORMIGAS
PV5 NA VÁRZEA AMAZÔNICA
limata 57
2
Crematogaster
Camponotus limata rapax
parabiotica 36
5
3
Cephalotes umbraculatus
Procryptocerus pictipes 4
Procryptocerus PV01 2
Crematogaster
Dolichoderus PV07
diversus 11
Crematogaster
Dolichoderus longispina tenuicula
doloniger 31
Dacetonini Acanthognatus
Dolichoderus ocellatus
labicornis 11
Daceton
Dolichoderus armigerum
lugens 21
Pyramica
Dolichoderus zeteki
lutosus 7
21
Strumigenys
Dolichoderus PV01
mesonotalis 11
Strumigenys
Dolichoderus subedentata
PV08 35
Formicoxenini Leptothorax
Dolichoderus pleuriticus
quadridenticulatus 95
Leptothorax
Linepithema tristani
PV01 62
Metaponini Xenomyrmex
Tapinoma PV01
melanocephalum 1
10
Ecitoninae Myrmicini
Ecitonini Hylomyrma
Eciton balzani
hamatum 36
Hylomyrma
Eciton PV03
rapax 31
Hylomyrma
Labidus reitteri
praedator 38
1
Formicinae Pheidolini
Brachymyrmicini Pheidole
Brachymyrmex sp.13
sp.03 46
Camponotini Pheidole
Camponotus bruesi
PVA 16
2
Pheidole
Camponotus cephalica
abdominalis 10
1
Pheidole
Camponotus dilligens
apicalis 47
Pheidole
Camponotus jaculifera
atriceps 9
20
Pheidole
Camponotus puttemansi
PVB 46
2
Pheidole
Camponotus PV04
bidens 29
24
Pheidole
Camponotus PV06
PVC 32
Pheidole
Camponotus PV09
cameranoi 28
15
Pheidole
Camponotus PV11
PVD 49
1
Camponotus PVE 2
Camponotus femoratus 7
Camponotus goldmani 17
Camponotus melanoticus 9
Camponotus novogranadensis 39
Camponotus PV1 1
Camponotus PV2 3
176 conservação da várzea
Camponotus PV5 2
Camponotus rapax 5
Apêndice 2. Continuação.
Subfamília Tribo Gênero Espécie Freqüência
Pheidole PV12 14
Pheidole PV14 1
Pheidole PV15 1
Pheidole PV16 2
Pheidole PV17 11
Pheidole PV18 1
Pheidole PV19 3
Pheidole PV20 1
Pheidole PV21 1
Pheidole PV4A 13
Pheidole scimitara 29
Megalomyrmex PV01 1
Megalomyrmex PV03 4
Megalomyrmex PV02 2
Solenopsis sp.01 45
Solenopsis sp.06 17
Solenopsis geminata 14
Solenopsis PV01 8
Solenopsis PV02 5
Rogeria curvipubens 3
Rogeria PV01 2
Rogeria PV02 1
Rogeria PV03 2
Gnamptogenys fernandezi 3
Gnamptogenys haenschi 1
Gnamptogenys horni 3
Gnamptogenys mecotyle 4
Gnamptogenys regularis 2
Gnamptogenys striatula 13
Gnamptogenys tortuolosa 5
Odontomachus mayi 3
Hypoponera PV01 1
Gnamptogenys mecotyle 4
Gnamptogenys regularis 2
Gnamptogenys striatula 13
Gnamptogenys tortuolosa 5
Apêndice 2. Continuação.
Odontomachini Odontomachus haematodus 61
Pachycondyla
Dolichoderus crassinoda
diversus 31
Pachycondyla
Dolichoderus crenata
doloniger 21
Pachycondyla
Dolichoderus goeldi
labicornis 71
Pachycondyla
Dolichoderus harpax
lugens 81
Pachycondyla
Dolichoderus mesonotalis
lutosus 6
21
Pachycondyla
Dolichoderus obscuricornis
mesonotalis 11
Pachycondyla
Dolichoderus unidentata
PV08 25
Pachycondyla
Dolichoderus villosa
quadridenticulatus 79
Thaumatomyrmecini Thaumatomyrmex
Linepithema paludis
PV01
PV01 36
Pseudomyrmec-
Pseudomyrmecini Pseudomyrmex
Tapinoma elongatus
melanocephalum 1
10
inae
Ecitoninae Ecitonini Eciton
Pseudomyrmex hamatum
gracillis 6
22
Eciton rapax 43
Pseudomyrmex oculatus
Labidus
Pseudomyrmex praedator
pallidus 1
36
Formicinae Brachymyrmicini Brachymyrmex
Pseudomyrmex sp.03
sp. prox. filiformis 61
Camponotini Camponotus
Pseudomyrmex PVA
pupa 21
Camponotus
Pseudomyrmex abdominalis
PV03 11
Camponotus
Pseudomyrmex apicalis
PV04 43
Camponotus
Pseudomyrmex atriceps
PV08 20
1
Camponotus
Pseudomyrmex PVB
PV14 2
12
Camponotus
Pseudomyrmex bidens
sericeus 24
1
Camponotus
Pseudomyrmex PVC
sp. gr. gracilis 33
Camponotus
Pseudomyrmex sp.cameranoi
prox. gracilis 15
3
Camponotus
Pseudomyrmex PVD
tenuis 1
37
Camponotus
Pseudomyrmex PVE
viduus 32
Camponotus femoratus 7
Camponotus goldmani 17
Camponotus melanoticus 9
Camponotus novogranadensis 39
Camponotus PV1 1
Camponotus PV2 3
178 conservação da várzea
Camponotus PV5 2
Camponotus rapax 5
A ARANEOFAUNA (ARACHNIDA,
capítulo 8
ARANEAE) DAS VÁRZEAS DO
RIO AMAZONAS: PADRÕES DE
DISTRIBUIÇÃO E ESTADO DO
CONHECIMENTO ATUAL
Eduardo M. Venticinque
Wildlife Conservation Society (WCS), Andes Amazonian Conservation Program. Rua dos
Jatobás, 274, Coroado 3. CEP 69087-370, Manaus, AM, Brasil.
E-mail: eventicinque@wcs.org
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Caixa Postal 478, CEP: 69011-970,
Manaus, AM, Brasil.
Felipe N. A. A. Rego
Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em Ecologia. Instituto de Ciências
Biológicas, Universidade de Brasília, 70919-970, Brasília, DF, Brasil.
E-mail: regofelipe@yahoo.com
Antonio D. Brescovit,
Laboratório de Artrópodes Peçonhentos, Instituto Butantan. Av. Vital Brasil, 1.500, São
Paulo, 05503-900, Brasil.
E-mail: anyphaenidae@butantan.gov.br
Cristina A. Rheims
Laboratório de Artrópodes Peçonhentos, Instituto Butantan. Av. Vital Brasil, 1.500, São
Paulo, 05503-900, Brasil.
E-mail: cris.rheims @butantan.gov.br
Gustavo R. S. Ruiz
Laboratório de Artrópodes Peçonhentos, Instituto Butantan. Av. Vital Brasil, 1.500, São
Paulo, 05503-900, Brasil.
Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil.
E-mail: gustavoruiz86@hotmail.com
Introdução
Na floresta Amazônica, as planícies sujeitas a inundações anuais previsíveis são
chamadas de várzeas e se caracterizam pelo grande volume de água barrenta e rica
em nutrientes e sedimentos trazidos, principalmente, dos Andes (água branca)
(JUNK, 1983; FURCH; JUNK, 1997). Por outro lado, as florestas alagadas por
água pobre em nutrientes e de cor escura são denominadas de igapós (água preta) e
seus sedimentos são drenados, principalmente, do escudo das Guianas (IRION et
al., 1997; JUNK, 1996). Os períodos de cheia exigem adaptações dos organismos
ao estresse hídrico (HORNE; GOLDMANN, 1994) e as diferenças quanto à
disponibilidade de nutrientes na água influem na distribuição e na diversidade da
biota amazônica (JUNK; FURCH, 1985).
A fauna de aranhas presente nas várzeas permanece pouco estudada e apenas
quatro trabalhos existem como referência para o conhecimento da araneofauna
das florestas alagadas da Amazônia (HÖFER, 1990; BORGES; BRESCOVIT,
1996; HÖFER, 1997; BRESCOVIT et al., 2003). Além da escassez de publicações
sobre o assunto, o conhecimento da diversidade presente nas várzeas é pontual,
estando concentrado, principalmente, na Ilha de Marchantaria, próximo a Manaus
(ADIS et al., 1984; HÖFER, 1997; BRESCOVIT et al., 2003) e na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, município de Tefé, localizado no
Médio Solimões, também no estado do Amazonas (BORGES; BRESCOVIT,
1996; BRESCOVIT et al., 2003). A riqueza de aranhas na várzea e no igapó, com
cerca de 250 espécies conhecidas, é menor do que a observada nas florestas de terra
firme (aproximadamente 700 espécies), porém, não se sabe ao certo o porquê dessa
diferença (ADIS et al., 1984; HÖFER, 1990; HÖFER; BRESCOVIT, 2001).
É possível que ela seja causada por diferenças no esforço amostral e pela grande
variedade de ambientes encontrados ao longo da várzea (AYRES, 1995) que ainda
não foram amostrados. As variações no nível da água (a amplitude de inundação
chega a 15 metros em algumas áreas) (IRION et al., 1997) e os diferentes tipos de
solo influenciam na estrutura da vegetação e na diversidade florística (WORBES,
1997). Elas também afetam o microclima, a disponibilidade de recursos e a
produtividade primária do sistema e, conseqüentemente, a distribuição da biota
(HORNE; GOLDMAN, 1994).
A complexidade da estrutura da vegetação e a heterogeneidade de habitats
exercem grande influência sobre a araneofauna e são determinantes tanto para
as aranhas construtoras de teia como para aquelas que forrageiam ativamente
(FOELIX, 1982; GREENSTONE, 1984; UETZ, 1991; WISE, 1993; BONTE
et al., 2002). O folhiço fornece abrigos, presas e estabilidade de temperatura
aos indivíduos (UETZ, 1976; BULLTMAN; UETZ, 1984; UETZ, 1979;
MARSHALL et al., 2000). Por sua vez, as aranhas que forrageiam sobre plantas
dependem de sua arquitetura, ou seja, da fisionomia e da variedade dos elementos
métodos
Coletas
Neste estudo as coletas foram padronizadas com outras amostragens já realizadas
nas florestas de terra firme na Amazônia Central, e consistiram na captura de
aranhas diurnas e noturnas associadas à vegetação do sub-bosque e ao folhiço
(REGO, 2003; REGO et al., 2005). Foram estabelecidas parcelas de 150 m2 (30
x 5 m) em que as coletas diurnas foram realizadas em 20 arbustos distribuídos, ao
longo da parcela, com o auxílio de guarda-chuva entomológico (GCE) de 1 m2.
À noite, cada parcela foi percorrida por uma hora e as aranhas foram coletadas
manualmente com o auxílio de potes plásticos e pinças, iluminadas por lanternas
de cabeça.
No decorrer da expedição, foram realizadas “coletas livres” diurnas e noturnas
(sem delimitação de tempo ou espaço) e captura da araneofauna associada a bancos
Tab. 3. Número de coletas realizadas nas margens e ilhas do sistema Solimões-Amazonas, exceto as
coletas livres.
Município/Local ilha N S Total
Almeirim 10 10
Almeirim-Prainha 10 10
Anamã 6 6
Coari 2 8 10 20
Codajás 8 8
Gurupá 12 12
Itacoatiara 12 8 20
Juruá 10 10
Juruti 10 10
Jutaí 8 8
Manacapuru 8 8
Marzagão 8 8
Óbidos 14 14
Parintins 10 10
Prainha 10 10 20
Santarém 4 6 10
RESULTADOS
Coletamos 10.901 aranhas, das quais, 4.142 estavam adultas e foram utilizadas
para a identificação, resultando em 383 espécies distribuídas em 153 gêneros e 34
famílias (Tab. 4 e 5). O número médio de aranhas adultas coletados por ponto foi
de 159+/-65 (média +/- desvio-padrão), a amplitude amostral foi de 266, sendo
que o menor número de indivíduos coletados em um ponto de amostragem foi
49 e o maior 322. A família mais abundante foi Pisauridae (795 espécimes), com
representantes em quase todos os pontos de amostragem (exceto nos pontos 7, 11
e 26). A segunda família mais abundante foi Salticidae (679 espécimes), ocorrendo
em todos os pontos. As outras famílias mais abundantes foram: Araneidae (592),
Pholcidae (500), Theridiidae (240), Tetragnathidae (197), Mimetidae (194),
Ctenidae (171) e Trechaleidae (163). O número de indivíduos nessas nove famílias
foi de 3.531 (85,2% do total). Em geral, foram coletadas mais aranhas nos pontos
próximos à foz.
Padrões de riqueza
Ocorreu uma forte tendência a um decréscimo no número de espécies no
sentido do alto Solimões para a foz. Esse padrão foi detectado para o número de
espécies, número de espécies/indivíduo e número de espécies únicas (Fig. 1 e Tab.
5). A riqueza amostrada no alto curso do rio Amazonas foi quase o dobro daquela
encontrada na foz. Isso se torna mais evidente quando realizamos a correção pelo
número de indivíduos coletados. No entanto, não houve relação entre a riqueza
das aranhas coletadas durante a noite, com esse gradiente (Tab. 6).
187
Uloboridae 3 1 2 5 5 3 1 2 1 3 1 2 3 1 2 4 3 1 2 3 11 59
Total 194 139 108 136 223 173 121 141 110 165 56 140 108 284 169 225 322 183 221 190 249 99 103 137 72 74 4142
Tab. 5. Famílias (F), gêneros e número de espécies de cada gênero (N) de aranhas coletadas nas várzeas
do sistema Solimões-Amazonas.* Subfamília.
F Gênero N F Gênero N F Gênero N F Gênero N
Anyphaenidae Gephyroctenus 1 Chirothecia 1 Achaearanea 3
Anyphaeninae* 1 Nothroctenus 2 Corythalia 1 Anelosimus 1
Anyphaenoides 1 Phoneutria 2 Cotinusa 2 Ariamnes 1
Hibana 1 Deinopidae Cylistella 1 Argyrodes 2
Otoniela 1 Deinopis 1 Dendryphantinae* 2 Audifia 1
Patrera 7 Dictynidae Erica 1 Chrysso 1
Teudis 1 Dictyna 2 Euophrydinae* 7 Dipoena 7
Wulfila 2 Dipluridae Freya 3 Episinus 5
Araneidae Ischnothele 1 Gastromicans 1 Euryopis 1
Actinosoma 1 Gnaphosidae gen. 1 9 Faiditus 4
Aculepeira 6 Cesonia 1 gen. 2 1 Helvibis 1
Alpaida 9 Eilica 1 Helvetia 1 Rhomphaea 2
Argiope 1 Hersiilidae Hyetussa 1 Spintharus 1
Chaetacis 4 Neotama 1 Hypaeus 5 Theridion 5
Cyclosa 2 Ypypuera 1 Itata 1 Thwaitesia 1
Enacrosoma 1 Licosydae Kalcerrytus 1 Thymoites 1
Eustala 12 gen. 1 7 Lyssomanes 9 Theridiosomatidae
Gasteracantha 1 Hogna 1 Mago 2 Chthonos 1
Hingstepeira 1 Mimetidae Noegus 4 Thomisidae
Hypognatha 7 Arocha 1 Parnaenus 1 Acentroscelus 2
Mangora 3 Ero 2 Sarinda 4 Aphanthochilus 1
Metazygia 7 Gelanor 3 Scopocira 1 Bucranium 1
Micrathena 6 Miturgidae Tariona 1 Deltoclita 4
Ocrepeira 1 Cheiracanthium 1 Tullgrenella 1 Epicadus 1
Parawixia 2 Nephilidae Tylogonus 1 gen. 1 1
Scoloderus 1 Nephila 1 Uspachus 2 Onoculus 2
Spilasma 1 Nesticidae Scytodidae Stephanopoides 1
Testudinaria 1 gen. 1 1 Scytodes 2 Strophius 1
Wagneriana 2 Oonopidae Selenopidae Thomisinae* 4
Xylethrus 1 Gamasomorphinae* 4 Selenops 1 Tmarus 13
Caponiidae Oxyopidae Senoculidae Trechaleidae
Nops 1 Hamataliwa 9 Senoculus 3 Dossenus 1
Clubionidae Tapinillus 1 Sparassidae gen. 1 2
Elaver 1 Philodromidae gen. 1 6 gen. 2 2
Corinnidae Gephyrellula 1 Olios 2 Neoctenus 1
Castianeira 7 Pholcidae Pseudosparianthis 1 Paradossenus 1
Corinna 2 Carapoia 1 Sampaiosa 1 Rhoicinus 1
Myrmecium 2 gen. 1 3 Stasina 1 Trechalea 4
Myrmecotypus 3 Mesabolivar 1 Synotaxidae Uloboridae
Parachemmis 2 Metagonia 2 Synotaxus 1 gen. 1 1
Simonestus 1 Pisauridae Tetragnathidae gen. 2 1
Sphecotypus 1 Thaumasia 3 Azilia 1 Miagrammopes 3
Trachelas 5 Salticidae Dolichognatha 1 Philoponella 1
Xeropigo 1 Amycinae* 11 Leucage 4 Uloborus 1
Fig. 1. Regressões da longitude com o número total de espécies (a); número de espécies divido pelo
número de indivíduos coletados em cada um dos 26 pontos – Nesse gráfico o ponto 14 foi retirado (b);
número de espécies coletadas durante a noite (c); e número de espécies exclusivas de cada ponto de
coleta (d).
A ARANEOFAUNA (ARACHNIDA, ARANEAE) DAS VÁRZEAS DO RIO AMAZONAS: 189
PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO E ESTADO DO CONHECIMENTO ATUAL
Ocorreu uma mudança gradual na composição ao longo do gradiente longitudinal
(Fig. 3, Tab. 7). Podemos notar que no gráfico da relação entre longitude e o eixo I,
os dois pontos da foz funcionam como pontos-alavanca, deslocando e atenuando
a inclinação da reta. Na relação com o eixo II, notamos que existem duas nuvens
que correspondem exatamente a antes e depois do rio Negro.
Fig. 2. Ordenação dos pontos de coleta a partir dos dados de presença/ausência de aranhas no sistema
·
Solimões-Amazonas. – antes do rio Negro; x – depois do rio Negro; e o – Foz
Fig. 3. Regressões das coordenadas obtidas na ordenação (MDS) das comunidades de aranhas, nos 26
pontos de coleta, com a longitude.
Fig. 4. Distribuição da amplitude longitudinal de ocorrência das aranhas na várzea do sistema Solimões-
Amazonas. As espécies registradas em apenas um ponto foram excluídas da figura.
Fig. 5. Amplitude geográfica longitudinal das aranhas coletadas nas várzeas do sistema Solimões-
Amazonas. Cada linha representa uma espécie; 159 espécies que só ocorreram em um único ponto de
coleta foram excluídas para a construção do gráfico. A linha pontilhada representa a localização da boca
do rio Negro.
Padrões longitudinais
Ocorreu um gradiente de diminuição na riqueza de aranhas no sentido do alto
Solimões para a foz do Amazonas. Esse gradiente ficou mais evidente quando
os dados de riqueza foram corrigidos pela abundância em cada um dos pontos
de coletas. Certamente, o número de espécies coletadas em cada ponto é muito
menor do que o número real de espécies que ocorrem. No entanto, o forte padrão
e a autocorrelação de primeira ordem indicam que esse padrão deve ficar mais
forte ainda com um aumento do esforço amostral. O padrão encontrado para o
número de espécies únicas, de cada ponto, embora seja congruente com o padrão
da riqueza, é muito sensível à insuficiência amostral, devendo ser interpretado com
bastante cuidado. A análise da mudança na composição, em função da variação
longitudinal, indicou que locais mais próximos têm composições mais similares.
Outra vez, o padrão de um gradiente, ao longo do rio, foi bastante evidente. Houve
Referências bibliográficas
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1 – Gêneros presentes nos dados da literatura (BORGES; BRESCOVIT, 1996; Brescovit et al. 2003) e coletados na expedição; 2 – gêneros levantados na literatura e não coletados na expedição;
e 3 – novos registros de gêneros para a várzea do sistema Solimões-Amazonas coletados neste estudo.
Introdução
Os tubarões (ou cações) e raias (ou arraias) fazem parte da classe
Chondrichthyes e da subclasse Elasmobranchii (NELSON, 1994),
que incluem peixes com esqueleto cartilaginoso. Eles são considerados
predadores, em sua grande maioria, e são encontrados em ambientes
pelágicos, demersais, costeiros, estuarinos ou dulcícolas. Compagno
(1991) reconhece, aproximadamente, 376 espécies de tubarões e 494
espécies de raias no mundo, sendo que esse número sofre variações
devido às revisões e redescrições que ainda são freqüentes neste grupo.
No Brasil, o Relatório do Programa Nacional de Levantamento
Biológico (LESSA et al., 1999) indicou a ocorrência de 82 espécies
de tubarões e 45 de raias. No entanto, esse relatório restringiu-se à fauna marinha
e não considerou as espécies de elasmobrânquios de água doce, especialmente as
raias.
Este documento apresenta um breve levantamento das informações preexistentes
disponíveis na literatura sobre os peixes cartilaginosos, com registro de ocorrência
para a região de várzea ou calha do sistema Solimões-Amazonas e um resumo
dos dados obtidos durante a expedição (parte aquática, setembro/outubro de
2003) do estudo “Bases Científicas para a Conservação da Várzea: identificação e
caracterização de regiões biogeográficas”.
métodos
O trabalho de campo foi efetuado durante uma única expedição realizada em
conjunto com as outras equipes dos subestudos da parte aquática, conforme o
estabelecido na metodologia geral do projeto.
O principal método de captura adotado para a amostragem dos elasmobrânquios
foi o espinhel de fundo. O esforço de coleta foi tentativamente padronizado
através do uso de 90 anzóis distribuídos em cinco espinhéis independentes e que
continham: 20 anzóis de tamanho 6; 20 anzóis de tamanho 7; 20 anzóis de tamanho
8; 20 anzóis de tamanho 10; e 10 anzóis de tamanho 12 (marca Maguro).
As coletas de exemplares foram realizadas ao entardecer, à noite e ao amanhecer,
pois, para muitos elasmobrânquios, esses períodos foram observados como sendo
os de maior atividade (CARLSON et al., 2004). Além disso, durante o dia sempre
há uma maior concorrência pelas iscas nos espinhéis por outros grupos de peixes
ósseos. Os espinhéis eram colocados ao entardecer, revisados e reiscados uma vez
durante a noite e retirados ao amanhecer.
Os espinhéis foram distribuídos dentro de um raio de distância que possibilitasse
as revisões e a retirada, sendo sempre colocados nas várzeas sob a influência direta
da calha dos rios. Ou seja, as capturas não foram realizadas dentro de lagos e
igarapés, pois, esses tipos de ambientes impossibilitam o uso dessa arte de pesca
(existência de paus e galhos no fundo). Pescadores e moradores locais auxiliaram
na captura dos animais.
Os arrastos de praia mostraram-se eficientes apenas para a captura de iscas,
pois, o relevo irregular do substrato das praias possibilitava a fuga de qualquer
exemplar por debaixo da rede. Complementarmente, também foram utilizados
puçás, linhas de mão e zagaias. Eventualmente, também foram considerados
exemplares capturados em redes de emalhe e trazidos para a equipe de pesquisa
Tab. 1. Famílias, gêneros e espécies de elasmobrânquios coletados, registrados e relatados para a região
de várzeas do sistema Solimões-Amazonas.
Coletas Registros Relatos
Famílias, Gêneros e Espécies (número de (número de (número de
exemplares e %) registros e %) relatos e %)
Potamotrygonidae
75 6 75
(raias, ou arraias, de água doce)
Plesiotrygon (monoespecífico) 2 (2,67%) 3 (27,27%) 22 (26,19%)
Plesiotrygon iwamae 2 (2,67%) 3 (27,27%) 22 (26,19%)
Paratrygon (monoespecífico) 7 (9,33%) 2 (18,18%) 21 (25%)
Paratrygon aiereba 7 (9,33%) 2 (18,18%) 21 (25%)
Potamotrygon 64 (85,31%) 1 (9,09%) 31 (36,80%)
Potamotrygon motoro 50 (66,67%) - 24 (28,47%)
Potamotrygon orbignyi 4 (5,33%) - 1 (1,19%)
Potamotrygon scobina 4 (5,33%) - -
Potamotrygon sp. 1 1 (1,33%) - -
Potamotrygon sp. 2 1 (1,33%) - -
Potamotrygon sp. 3 1 (1,33%) - -
Potamotrygon sp. 4 1 (1,33%) - -
Tab. 4. Variações das medidas dos parâmetros físico-químicos tomados nos locais onde houve capturas
de elasmobrânquios.
Número de
Parâmetros Média Mínimo Máximo Desvio- padrão
medidas
Profundidade (m) 63 2,09 0 6 1,17
Salinidade (ppm) 62 0,01 0 0,10 0,03
Condutividade (µS) 62 60,69 4,50 154,20 36,11
Temperatura (oC) 62 29,45 27,60 33 1,06
pH 60 6,80 5,85 7,78 0,45
DO mg/l (%) 62 (60) 4,65 (62,13) 0,25 (1,70) 5,90 (79,70) 1,15 (13,62)
Plesiotrygon iwamae
Nomes vulgares: arraia-chicote, arraia-japonesa, arraia-cinza, arraia-prateada,
arraia-azul, arraia-de-renda.
Plesiotrygon iwamae é uma espécie pertencente a um gênero considerado
monoespecífico e que foi descrito, recentemente (ROSA et al, 1987), com base em
poucos exemplares (apenas seis). P. iwamae possui como características diagnósticas
uma longa cauda filiforme, olhos de tamanho reduzido e uma coloração única
(acinzentada) entre as raias de água doce. Essa é uma espécie de grande porte que
apresenta baixa fecundidade, sendo observados, no máximo, quatro filhotes por
gestação (CHARVET-ALMEIDA, 2001; CHARVET-ALMEIDA et al., 2005). Na
região do estuário, aparentemente, realiza migrações associadas às variações sazonais
de salinidade, entre os períodos de seca e de chuvas, que, muito provavelmente,
também são associadas ao ciclo reprodutivo (CHARVET-ALMEIDA, 2001).
Paratrygon aiereba
Nomes vulgares: arraia-nari-nari, arraia-aramaçá, arraia-arumaçá, arraia-
maramaçá, arraia-vermelha.
Paratrygon aiereba é uma espécie de grande porte e os seus exemplares estão
entre os maiores representantes da família Potamotrygonidae. Um dos exemplares
capturados durante a expedição chegou a pesar 72 kg e apresentou a segunda maior
porcentagem de biomassa. P. aiereba é a única espécie que possui uma reentrância na
região antero-mediana do disco e um processo lobuliforme na abertura do espiráculo
(ROSA, 1985). Possui uma cauda filiforme que, geralmente, não se encontra
completa em exemplares adultos e o seu ferrão é de tamanho reduzido em relação
às outras raias de água doce. Essa espécie apresenta baixa fecundidade (LASSO et
al., 1996; CHARVET-ALMEIDA et al., 2005) e, aparentemente, é uma das mais
clássicas k-estrategistas entre as raias de água doce. Apresentou ampla distribuição
ao longo de toda a extensão da calha. Todos os exemplares coletados foram
identificados como Paratrygon aiereba e até o momento esse gênero é considerado
monoespecífico. Entretanto, já existem fortes evidências de que esse gênero, na
verdade, corresponde a um complexo de espécies (CHARVET-ALMEIDA et al.,
2005) que ocorrem em outras regiões, além das amostradas durante o presente
estudo. Os dados obtidos em campo indicaram que nas regiões de Óbidos e de
Santarém já existe uma pescaria direcionada para raias e, principalmente, para
Paratrygon aiereba. Essa espécie é preferida por apresentar grande porte e uma massa
muscular que se destaca da maioria das outras espécies de raias de água doce. Ela
está sendo comercializada no mercado varejista e desembarques regulares já ocorrem
em algumas indústrias da região. As raias apontadas nos dados de desembarques
das estatísticas pesqueiras da região de Santarém (IBAMA/ProVárzea, 2002),
provavelmente, correspondem, em sua grande maioria, às capturas dessa espécie.
Potamotrygon motoro
Nomes vulgares: arraia-de-fogo, arraia-pintada, arraia-de-bola, arraia-bolinha.
Potamotrygon motoro é a espécie de Potamotrygon com mais ampla distribuição na
calha, possivelmente, na Amazônia e na América do Sul. P. motoro é caracterizada
por apresentar uma coloração dorsal, geralmente, escura e ocelos bem delimitados
de coloração variando do amarelo ao avermelhado na região dorsal do disco. Essa
espécie é considerada de grande porte entre as espécies de Potamotrygon e apresentou
Potamotrygon scobina
Nomes vulgares: arraia-malhada, arraia-pintada, arraia-preta.
Potamotrygon scobina é uma espécie de Potamotrygon que apresenta grande
porte e alto policromatismo, com padrões de coloração dorsal completamente
diferentes entre si e que podem variar do negro ao marrom, com pequenas manchas
amareladas ou reticuladas (ALMEIDA, 2003). Essa espécie é abundante na região
do estuário Amazônico e está entre as espécies que, aparentemente, têm maior
tolerância à salinidade (assim como Plesiotrygon iwamae) (CHARVET-ALMEIDA,
2001; ALMEIDA, 2003). O número de exemplares capturados neste estudo foi
abaixo do esperado e é possível que em regiões mais afastadas do estuário ela seja
menos abundante.
Potamotrygon orbignyi
Nomes vulgares: arraia-branca, arraia-preta, arraia-balaio, arraia-redinha.
Potamotrygon orbignyi é uma espécie de pequeno-médio porte com altíssimo
policromatismo. Geralmente, apresenta uma coloração dorsal que varia do bege ao
marrom, sobre a qual encontram-se linhas escuras completas, falhadas ou formando
figuras poligonais. Essa espécie apresenta ampla distribuição na Amazônia e na
América do Sul, mas, aparentemente, não é tão abundante nas várzeas ou calha
do sistema Solimões-Amazonas. Provavelmente, pode preferir áreas mais abrigadas
(lagos, igarapés), em parte, por tratar-se de uma espécie predominantemente
carcinófaga e insetívora (LASSO et al., 1996; BRAGANÇA, 2002; BRAGANÇA
et al., 2004). Levando em conta que alguns relatos de Potamotrygon sp. possam
corresponder a P. orbignyi, os registros de ocorrência dessa espécie ainda foram
bem abaixo do esperado. Mesmo considerando que tenha ocorrido alguma falha
na captura devido à seletividade das iscas utilizadas, caso sua abundância na calha
fosse mais alta (como a esperada), haveria mais relatos para essa espécie.
Pristis perotteti
Nomes vulgares: espadarte, peixe-serra, peixe-serrote, serra-serra.
Pristis perotteti é uma espécie de raia pertencente à família Pristidae, que é
encontrada em ambientes marinhos, estuarinos e dulcícolas, e que atinge grande
Carcharhinus leucas
Nomes vulgares: tubarão ou cação-de-rio, cabeça-chata, cabeça-redonda, cação-
fígado-branco ou figo-branco.
Carcharhinus leucas é um tubarão que, junto com Pristis perotteti, forma um
grupo de espécies marinhas/estuarinas com capacidade de adentrar e permanecer
por longos períodos em ambientes de água doce, inclusive na calha do sistema
Solimões-Amazonas. Essa espécie de tubarão apresenta distribuição circunglobal
em mares tropicais e subtropicais e é considerada de grande porte (atingindo acima
de três metros de comprimento) (COMPAGNO, 1984). Há vários registros de C.
leucas na região amazônica (STARKS, 1913; MYERS, 1952; THORSON, 1972;
Fig. 8. Vista dorsal de um exemplar juvenil de Pristis perotteti (foto Dr. Éden Soares), expansões rostrais
e mapa de distribuição.
DO mg/l (%) 62 (60) 4,65 (62,13) 0,25 (1,70) 5,90 (79,70) 1,15 (13,62)
As médias das variáveis ambientais analisadas por ponto de parada onde houve
capturas está representada na figura a seguir (Fig. 10).
As medidas de condutividade foram as que apresentaram alterações com
amplitudes mais acentuadas, evidenciando-se assim, valores mais elevados nos
primeiros pontos de amostragem, sendo possivelmente influenciada pela grande
quantidade de sedimentos dissolvidos presente no trecho do Amazonas-Solimões.
Por outro lado, as menores médias das medidas de condutividade, registradas nos
pontos de coleta 3 e 14, provavelmente estavam relacionadas à influência de dois
grandes tributários desse sistema, o rio Içá (entre os pontos de coleta 2 e 3) e o rio
Negro (entre os pontos de coleta 13 e 14).
Fig.10. Distribuição da média das variáveis ambientais ao longo dos pontos de parada onde houve
capturas de elasmobrânquios.
Fig. 11. Valores médios das variáveis ambientais, nos locais de captura, em relação às espécies
amostradas.
em locais onde a condutividade média foi mais elevada, enquanto que as capturas
de Potamotrygon sp. 2 e Potamotrygon sp. 3 ocorreram onde este parâmetro obteve
as menores médias.
Os resultados observados indicaram que, aparentemente, as variáveis ambientais
medidas não influenciaram na distribuição das espécies observadas. A variável
correspondente à condutividade pode ter tido alguma relação com a captura de
algumas espécies, contudo, considerando os elasmobrânquios de água doce, pouco
ainda se conhece sobre a relação entre a distribuição de espécies e as variáveis
ambientais.
Impactos do estudo
Este estudo representa uma contribuição pioneira, única e significativa para
que as espécies de elasmobrânquios ocorrentes na várzea e calha do sistema
Solimões-Amazonas possam ser conhecidas. Todos os registros anteriores de
ocorrência de espécies de peixes cartilaginosos, nas áreas de várzea, correspondiam
a capturas isoladas e eram obtidos por levantamentos gerais. Infelizmente, muitos
levantamentos de espécies, inclusive da ictiofauna, não consideram algumas
especificidades necessárias para a correta amostragem de elasmobrânquios e por
isso esse grupo é freqüentemente subamostrado. Essa falta de coletas impossibilita
que a diversidade e variações (especialmente relacionadas ao policromatismo das
raias de água doce) desse grupo sejam, adequadamente, conhecidas e estudadas.
Os resultados obtidos neste estudo correspondem a um primeiro e único
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Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia & Universidade do Amazonas (Brasil).
Introdução
A ictiofauna amazônica é considerada a mais rica entre todos os
sistemas de água doce do mundo (LOWE MCCONNELL, 1987).
Entre as suas principais características estão a elevada riqueza, os altos
valores de diversidade e o predomínio da superordem Ostariophysi
na composição de espécies (NELSON, 1994). Estimativas recentes
(SCHAEFER, 1998; REIS et al., 2003) sugerem que a ictiofauna
Neotropical de água doce seja composta por 5.000 a 6.000 espécies.
Desse total, é razoável supor que a Amazônia abrigue cerca de 3.000
espécies de peixes. Entretanto, há um marcante desconhecimento a
respeito da área de distribuição da maioria das espécies na região,
o que dificulta o entendimento de padrões biogeográficos e mecanismos de
especiação, eventualmente, atuando nesse ecossistema.
Embora a Amazônia seja, freqüentemente, tratada como uma grande região
fisionomicamente uniforme, sabe-se que isso está longe de ser verdadeiro. Estudos
recentes têm mostrado uma diversidade muito grande de tipos vegetacionais
e composições faunísticas, mesmo quando associadas a uma mesma formação
geomorfológica (FERREIRA, 2002). Isso implica na necessidade de realização de
estudos de campo, voltados para a validação dos padrões detectados a partir de
indicadores mais gerais, normalmente obtidos de imagens de satélite e amostras
pontuais de solo, vegetação e mapeamentos geológicos.
Do ponto de vista ictiofaunístico, a Amazônia pode ser dividida em grandes
domínios: (1) a várzea, representada pela planície sedimentar do sistema Solimões-
Amazonas e porções baixas dos principais afluentes de águas brancas, originários,
principalmente, da região dos Andes; (2) os rios que drenam o Escudo das Guianas;
(3) a rede hidrográfica do Escudo Central Brasileiro; e (4) a grande bacia do rio
Negro, dominada pelas águas pretas. A imensa rede de pequenos igarapés, que
drenam regiões de terra firme, apresenta uma ictiofauna peculiar constituída,
principalmente, por espécies de pequeno porte e muitas vezes exclusivas desses
ambientes. Entretanto, os igarapés não estão restritos a uma área geográfica
particular, o que impede que sejam tratados como os demais domínios citados.
De forma análoga, as zonas de corredeiras, localizadas nas zonas de falhas ou de
transição entre os escudos cristalinos das Guianas e Central Brasileiro e a planície
sedimentar da várzea, também apresentam uma ictiofauna peculiar, e poderiam
ser tratadas como uma unidade à parte. Nesses tipos de ambientes, podemos
encontrar conjuntos de espécies típicas, às vezes com famílias inteiras restritas a
certos domínios (por exemplo, Parodontidae nos escudos cristalinos das Guianas e
Central Brasileiro). Recentemente, foi reconhecida a existência de grupos de espécies
típicas da parte baixa dos principais afluentes de águas claras do rio Amazonas, como
certas piranhas (Characiformes: Serrasalminae; JÉGU; KEITH, 1999). Entretanto,
tais evidências parecem ser válidas para poucos grupos de peixes, caracterizando,
assim, zonas transicionais ou ecótonos.
Entre esses macroambientes aquáticos amazônicos encontram-se as planícies
inundáveis, dispostas, principalmente, ao longo da porção central da calha do rio
Amazonas. Conhecida como várzea, essa formação geologicamente recente cobre
cerca de 300.000 km2 e representa a principal via de acesso e fonte de recursos para a
população humana instalada na região (SIOLI, 1984; JUNK, 1997; GOULDING,
1979, 1980; SMITH, 1979; GOULDING et al., 1996).
A várzea apresenta como característica ecológica marcante a alta produtividade
biológica, gerando uma elevada biomassa de peixes que é explotada intensamente
pela pesca (PETRERE JÚNIOR, 1978 A, B; BATISTA, 1998). A alta riqueza de
espécies, associada à elevada produtividade do sistema, gera padrões de abundância
métodos
Os registros de ocorrência de espécies de peixes na várzea do rio Solimões/
Amazonas, incluídos neste documento, foram obtidos a partir de três tipos
principais de fontes de informações:
1. Referências formais sobre a ocorrência de espécies de peixes em áreas
da várzea do rio Solimões/Amazonas. Além das referências publicadas
(literatura), foram coligidos registros de ocorrência de espécies a partir da
análise de compilações de espécies (ESCHMEYER, 1998) e de fontes não
publicadas (bancos de dados de projetos e informações contidas em literatura
“cinza”). Nesses casos, registros imprecisos ou considerados dúbios foram
eliminados e uma atualização da nomenclatura científica realizada.
2. Trabalhos de revisão taxonômica e de sistemática de grupos específicos
de peixes. A preferência pelo uso desses trabalhos justifica-se pela
imperiosa necessidade de precisão quanto à identidade taxonômica e a
Coletas de peixes
Como já mencionado, além da compilação de informações secundárias, foram
analisados os dados obtidos durante excursão a campo, realizada entre os dias 31 de
agosto e 11 de outubro de 2003, no trecho compreendido entre Tabatinga (AM),
no Alto Solimões, e Santana (AP), na entrada do estuário do rio Amazonas.
Com o intuito de identificar possíveis padrões de distribuição de conjuntos de
espécies ao longo da várzea do rio Solimões/Amazonas, foram tomadas as seguintes
informações para cada localidade de coleta: localização (coordenadas geográficas,
com uso de aparelhos de GPS; Anexo 1); aparelho de coleta, data e hora, coletores e
características limnológicas (pH, condutividade, temperatura e oxigênio dissolvido,
medidas a 0,5m abaixo da superfície).
Foram realizados 142 eventos de coleta durante a expedição. A metodologia
empregada em cada local incluiu: 1) amostras de ictiofauna de praias, obtidas
com redes de lance de malha fina (5mm); 2) amostras de ictiofauna associada a
bancos de macrófitas aquáticas, também com uso de redes de lance (malha 5mm);
e 3) amostras de peixes de porte médio a grande, de interesse na pesca comercial,
obtidas com uma bateria padronizada de malhadeiras. Amostragens eventuais em
ambientes de igarapés, paranás e canais de maré também foram realizadas.
As amostras de praias foram obtidas durante o dia, em ambientes localizados
nas duas margens do rio, de forma a minimizar a chance de ocorrência de pseudo-
replicação. Cada amostra foi constituída de três lances de rede (12,0 x 4,0m, malha
Resultados
As amostragens padronizadas realizadas durante a expedição a campo (setembro-
outubro de 2003) resultaram no registro de 251 espécies, sendo 177 nas amostras
de macrófitas (13.255 exemplares) e 115 nas coletas em praias (5.097 exemplares).
Somando-se as espécies registradas a partir das revisões de trabalhos de revisão
taxonômica ou sistemática (Anexo 2), chegou-se a um total de 343 espécies para
as quais havia registros confiáveis de procedência (localidade precisa de coleta ou
área de distribuição ao longo da várzea do rio Solimões/Amazonas) (Tabela 1).
Das 343 espécies para as quais foi possível mapear sua ocorrência em uma ou
mais das cinco zonas da várzea, 37 (10,8%) ocorreram em todas as zonas; outras
Tabela 1. Número de amostras e riqueza de espécies de peixes (total e por zona) registradas para a
várzea do rio Solimões/Amazonas no trecho entre Tabatinga (AM) e Santana (AP), a partir de coletas
com esforço padronizado e compilação de registros em trabalhos de Taxonomia e Sistemática.
Zonas 5 4 3 2 1 Total
Número de amostras de macrófitas 5 9 3 5 3 25
Número de amostras de praias 12 8 3 6 2 31
Total de espécies nas amostras de macrófitas 65 120 66 54 32 177
Total de espécies nas amostras de praias 66 56 21 47 23 115
Total de espécies nas coletas (macrófitas + praias) 110 150 83 94 55 251
Total de espécies nas revisões taxonômicas 59 75 56 62 58 122
Total geral de espécies (macrófitas + praias + revisões) 171 234 168 159 115 343
Espécies exclusivas nas amostras de praias 20 15 3 14 8 60
Espécies exclusivas nas amostras de macrófitas 10 49 20 13 5 97
Espécies exclusivas nas revisões 13 11 2 4 11 41
Total geral de espécies exclusivas (macrófitas + praias +
35 63 23 26 22 169
revisão)
Total geral de espécies exclusivas (lista “limpa”*) 19 38 17 18 18 110
*Lista “limpa”: retiradas as espécies de comprovada ocorrência em duas ou mais zonas de várzea, com base em informações de literatura, bancos de dados de projetos e observações
pessoais.
Tabela 4. Resultados das análises de regressões lineares simples, aplicadas aos dados de riqueza de espécies
(N), abundância de peixes (número de exemplares) e similaridade entre as amostras (Índice de Jaccard), em
relação à distância entre os pontos de coleta (graus de longitude) e condutividade da água (µS*cm-1). Valores
em negrito indicam relações significativas.
Regressões (var. dependente x var. independente) N R2 F P
Praias
Condutividade x longitude 28 0,682 55,833 0,000
Riqueza x longitude 31 0,017 0,498 0,486
Abundância x longitude 28 0,244 8,399 0,008
Riqueza x condutividade 28 0,014 0,379 0,543
Abundância x condutividade 28 0,087 2,475 0,128
Similaridade x distância, par a par 465 0,071 35,160 0,000
Macrófitas
Condutividade x longitude 22 0,280 7,767 0,011
Riqueza x longitude 25 0,189 5,346 0,030
Abundância x longitude 22 0,075 1,617 0,218
Riqueza x condutividade 22 0,083 1,805 0,194
Abundância x condutividade 22 0,061 1,301 0,267
Similaridade x distância, par a par 300 0,171 61,358 0,000
Tabela 6. Matriz de valores de similaridade ictiofaunística (Índice de Jaccard, S3) entre as zonas de várzea
do rio Solimões/Amazonas, para os registros combinados das amostras de praias, capins e revisão de
trabalhos de taxonomia e sistemática (total = 343 espécies). Zonas: 1 = jusante; 5 = montante.
Zonas 5 4 3 2 1
5 1
4 0,460 1
3 0,314 0,356 1
2 0,315 0,339 0,386 1
1 0,236 0,238 0,280 0,358 1
Figura 1. Relação entre a similaridade ictiofaunística, entre pares de amostras de peixes coletadas em
bancos de macrófitas (SIMILCAPIM), e a distância entre os locais de amostragem (DISTCAPIM), medida
em graus de longitude (número de pares de amostras = 300).
Figura 2. Distribuição dos pontos de amostragem de peixes da várzea do rio Solimões/Amazonas, baseada
em dados de presença e ausência de espécies, a partir de uma análise de Escalonamento Multidimensional
Híbrido (HMDS). Número de espécies =343; número de amostras = 23.
Discussão
A origem da grande riqueza de espécies de peixes na Amazônia tem sido motivo
de debate há pelo menos um século. Eigenmann (1909) considerava que a formação
da bacia amazônica em sua conformação atual, após o soerguimento dos Andes,
teria dado origem a uma radiação adaptativa extrema, a partir de poucos grupos
de espécies ancestrais, originadas dos escudos cristalinos das Guianas e Central
Brasileiro. Essa opinião foi posteriormente apoiada por Géry (1969, 1984) e Roberts
(1972), com o primeiro autor chegando a comparar a magnitude do processo de
especiação, de alguns grupos na Amazônia, àquele observado entre os ciclídeos
dos grandes lagos africanos.
Uma hipótese alternativa foi apresentada por Weitzman & Weitzman (1982), que
argumentaram que os principais grupos de peixes amazônicos já estavam presentes
Referências bibliográficas
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Luciano N. Naka
Coleções Zoológicas – Aves
Programa de Coleções e Acervos Científicos
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa
Manaus, AM
Alexandre M. Fernandes
Coleções Zoológicas – Aves
Programa de Coleções e Acervos Científicos
Coordenação de Pesquisas em Ecologia
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa
Manaus, AM
Introdução
O estudo das distribuições de aves teve, historicamente, um papel
crucial no desenvolvimento de hipóteses biogeográficas e de critérios
para a conservação. Isso se deve, em boa parte, à classe Aves ser um
grupo bem estudado, com padrões de distribuição relativamente
bem conhecidos e distintos. Entretanto, estudos sobre distribuição
e biogeografia enfocaram quase sempre nas ricas florestas de terra
firme, cujos resultados não se aplicam necessariamente ao sistema
de várzea. Até hoje não existe uma síntese sobre as distribuições de
aves de várzea, muito menos uma discussão de seus possíveis padrões
geográficos. Apesar de fácil acesso, proximidade a grandes centros
urbanos e relativa baixa riqueza de espécies, fazendo com que seja
facilmente inventariada, a avifauna de várzea tem sido quase que
totalmente ignorada por estudos ornitológicos.
Estudos sobre distribuição e biogeografia de aves amazônicas
Desde as grandes expedições estrangeiras do começo do século XIX (SPIX,
1824, 1825; WIED-NEUWIED, 1820, 1821; PELZELN, 1868-1870), a coleta
ornitológica vem aumentando o conhecimento bem desenvolvido da diversidade
e distribuição de espécies de aves amazônicas. A primeira compilação desses
dados diversos foi a obra enciclopédica do Hellmayr (CORY, 1918, 1919;
CORY & HELLMAYR, 1924, 1925; HELLMAYR, 1929, 1934, 1935, 1936,
1938; HELLMAYR & CONOVER, 1942, 1948, 1949), que, até hoje, serve de
fonte bibliográfica importante. Pinto (1938, 1944, 1978) fez a mais importante
e abrangente síntese dessas informações, quanto a aves brasileiras, em língua
portuguesa. Desde então, com o constante aumento na literatura técnica sobre aves
brasileiras (PAYNTER, 1991; ONIKI & WILLIS, 2002), inclusive as amazônicas,
ocorre uma noção cada vez mais aprimorada de suas distribuições geográficas. Hoje
em dia encontram-se para cada espécie de ave da América do Sul mapas de sua
distribuição (RIDGELY & TUDOR, 1989, 1994; DEL HOYO et al., 1992-2004),
inclusive em formato digital, de arquivos apropriados para análise em sistemas de
informações geográficas (RIDGELY et al., 2003).
Naturalmente, esse mapeamento varia na sua precisão e qualidade, dependendo
da espécie. Na maioria dos casos, os mapas apresentam áreas inteiras coloridas,
como se a espécie ocorresse uniformemente dentro de toda a área marcada. Os
dados pontuais de coleta ou observação (que podem ser muitos, ou poucos), a
partir dos quais se extrapolam esses polígonos, normalmente não são citados,
nem a sua localização indicada no mapa. Isso dificulta a interpretação dos mapas
e a avaliação de sua qualidade. Além dessas dificuldades técnicas, o trabalho no
campo continua modificando a noção das distribuições de aves amazônicas, e as
abundantes descobertas recentes (de extensões de distribuição conhecida e até de
novos táxons; COHN-HAFT et al., 1997; ALEIXO et al., 2000; BORGES et al.,
2001; WHITTAKER, 2002) demoram a ser incorporadas em sínteses.
Apesar dos problemas, certos padrões biogeográficos são bem conhecidos e
corroborados. Primeiro, a maioria das espécies de aves presentes na Amazônia
é endêmica da região; isto é, ocorre somente na bacia amazônica (STOTZ et
al., 1996). Isso faz com que o problema da conservação de aves amazônicas
mereça atenção especial e que abordagens usadas em outras regiões não sejam
necessariamente aplicáveis. Além de serem endêmicas amazônicas, muitas espécies
ocorrem apenas numa dada região dentro da Amazônia, e não ocupam toda a
área. As distribuições das espécies, entretanto, não são ao acaso. Ao contrário,
mostram um padrão claro, em que grandes extensões geográficas dentro da bacia
contêm avifaunas relativamente uniformes, ao mesmo tempo diferenciadas de
outras grandes áreas amazônicas. Essas regiões de avifauna uniforme e distinta
são denominadas “áreas de endemismo”.
Situação atual
Considerando a facilidade de acesso à várzea, é paradoxal que a sua avifauna seja
bem menos estudada do que a de terra firme, que por sua vez é de difícil acesso
e possui um padrão complexo de endemismo. As coletas que formam a base da
pesquisa histórica sobre aves da região, inevitavelmente, tinham como ponto de
partida vilarejos e outros povoados, que quase sempre situam-se em áreas de terra
firme. Assim, mesmo sendo ao longo dos rios, estas localidades de coleta ocupam
lugares altos pela simples facilidade logística de não sofrer alagamento periódico.
Talvez pela mesma razão, de sempre dar acesso a pé, ao longo do ano todo,
mais coletas tenham sido feitas na terra firme. Também, talvez a abundância de
mosquitos tenha desencorajado a exploração da várzea. O resultado é que muitas
das espécies, que agora reconhecemos como específicas da várzea, são raras em
coleções e, assim, há relativamente pouco material para estudar.
Mesmo reconhecendo, agora, a distinção da avifauna da várzea e a oportunidade
de contribuir com estudos aprofundados, a comunidade ornitológica tem sido
lenta em focar sua atenção para a biogeografia desse ambiente. Aparentemente,
a maior riqueza de espécies na terra firme, maior probabilidade de descoberta de
Métodos
A área de estudo corresponde a toda a calha dos rios Solimões-Amazonas, dentro
do Brasil, de Tabatinga, na fronteira ocidental, até Santana, no Amapá, próximo
à foz dos rios. Isso representa um transecto, aproximadamente equatorial, com
mais de 3.000 km. Esse trecho foi percorrido em duas etapas, em 2003: Tabatinga-
Manaus (10-30 de setembro) e Santana-Manaus (16 de outubro a 8 de novembro).
Os pontos de amostragem de aves tiveram como base operacional as mesmas 26
paradas estudadas pelas outras equipes de pesquisa (v. outros capítulos). Em cada
parada fizemos entre um e quatro (média de dois) levantamentos, em pontos
diferentes, com a tentativa de amostrar lados opostos da calha e, quando possível,
ilhas no meio (v. maiores explicações abaixo). Isso resultou num total de 53 pontos
independentes de amostragem (Fig. 1).
Em cada ponto de amostragem fizemos um levantamento auditivo-visual. Isso
envolve a observação direta de aves no campo e sua identificação visual ou através
de suas vocalizações. Nessa época do ano as várzeas estavam secas, permitindo andar
a pé no chão da floresta. Andamos e passamos de barco (voadeira) por extensões
de várzea anotando todas as espécies de aves encontradas; registramos, no final
de cada levantamento, o número total de indivíduos encontrados, por espécie.
Não fizemos levantamentos debaixo de chuva, quando as aves movimentam-se e
vocalizam pouco.
Em cada uma das 26 paradas, pelo menos um ponto foi amostrado pela
manhã. O crepúsculo matinal é o horário mais importante para levantamentos
A grande maioria das espécies encontradas foi registrada poucas vezes (Fig.
2). Mais de um quarto das espécies (119) foi registrado em somente um ou dois
pontos, e nenhuma espécie esteve presente em mais do que 44 dos 53 pontos.
Apesar disso, a maioria ocorreu amplamente distribuída ao longo da calha (Fig.
3). Todas as espécies que foram registradas somente uma ou duas vezes também
são conhecidas na literatura de outros lugares, o que sugere que a falta de registros
reflete uma baixa densidade populacional ou uma certa dificuldade em ser detectada,
e não uma distribuição realmente restrita. Das espécies registradas mais do que
duas vezes, 72% ocorreram em pontos espalhados ao longo de mais da metade da
calha (mais de 26 pontos entre os registros mais distantes). Visto de outra forma,
60% de todas as aves registradas ocorreram em duas, ou mais, das três zonas de
endemismo identificadas (v. abaixo). Alguns exemplos de espécies familiares
registradas em poucos pontos, mas que aparentemente ocorrem ao longo da calha
toda, incluem o corocoró (Mesembrinibis cayennensis), o três-potes (Aramides
cajanea; conhecido na região como “saracura”), o periquito-de-asa-branca (Brotogeris
versicolurus; Fig. 3C), a maitaca-de-cabeça-azul (Pionus menstruus; conhecida na
região como “curica”), o sanhaço-da-amazônia (Thraupis episcopus; conhecido na
região como “sanhaçu”), a pipira-vermelha (Ramphocelus carbo), e o xexéu (Cacicus
cela; conhecido na região como “japiim”). São todas espécies bem conhecidas
em toda a várzea, mas não necessariamente registradas cada vez que se amostra
determinado ponto por pouco tempo.
abaixo (Fig. 4). Por outro lado, 30 espécies dessa lista ocorrem somente no extremo
oriental da calha (Fig. 5). Duas espécies com distribuições consideradas bem
caracterizadas e ainda restritas não foram registradas em nenhum dos extremos
da calha, mas estavam conspicuamente presentes no meio (Fig. 6). Esse primeiro
olhar qualitativo sugere a presença de três zonas gerais, tratadas preliminarmente
como “alto” (oeste, a montante), “baixo” (leste, a jusante) e “médio” (Tab. 2).
Fig. 10. Análise de escalonamento multidimensional (MDS) dos 53 pontos de amostragem, com base na
composição de espécies presentes em cada ponto (qualitativa). Pontos mais próximos são mais parecidos
em sua composição de espécies de aves. Os quadrados representam pontos em ilhas recém-formadas
com vegetação baixa em suas primeiras fases de sucessão (v. Discussão).
Novidades ornitológicas
Além de permitir uma caracterização dos padrões de distribuição das aves da
calha dos rios Solimões-Amazonas, este estudo representa o maior esforço de
observação de aves da várzea brasileira, com milhares de observações. Assim, o
estudo representa uma contribuição sólida ao conhecimento dessa fauna. Algumas
observações, que serão exploradas com mais detalhe em publicações técnicas
especializadas, merecem destaque.
Um dos objetivos deste trabalho foi aprimorar o conhecimento das distribuições
das espécies de aves da várzea. Acima, já apresentamos mapas dos registros de algumas
espécies representativas de padrões de distribuição discutidos. A apresentação dos
registros de todas as 413 espécies encontradas, com mapas de distribuição para
cada espécie e incluindo dados secundários, além dos nossos, fará parte de uma
monografia sobre aves da várzea, ainda em preparação; discutirá também aquelas
outras poucas espécies de provável ocorrência, que não encontramos, mas que já
foram registradas em outras ocasiões.
Agora, chamamos a atenção para algumas extensões de distribuição; isto é,
espécies registradas fora daquele trecho do rio do qual eram conhecidas e ao qual
eram, supostamente, limitadas. Fizemos os registros mais orientais das seguintes
espécies, consideradas típicas da Amazônia ocidental, principalmente a peruana:
Picumnus castelnau (Picidae), Metopothrix aurantiacus (Furnariidae) e Myrmoborus
melanurus (Thamnophilidae), incluindo coleta dos primeiros exemplares brasileiros
desta última. Coletamos também os exemplares mais ocidentais de Cranioleuca
muelleri (Furnariidae) e Myrmotherula klagesi (Thamnophilidae). Nesses casos,
nossos registros representam uma extensão significante da distribuição conhecida de
cada espécie (detalhes a serem apresentados numa publicação ornitológica separada).
Assumimos que essas espécies continuam mal conhecidas e que suas distribuições
exatas só ficarão bem caracterizadas a partir de mais estudos de campo.
Discussão
A várzea dos rios Solimões-Amazonas contém uma diversidade grande de aves,
aproximadamente um quarto de toda a avifauna brasileira. As espécies tipicamente
associadas a sistemas aquáticos (como as garças e socós, biguás e mergulhões, patos,
gaivotas, e martins-pescadores) fazem uma contribuição relativamente pequena
à avifauna da várzea quando comparadas com as centenas de espécies de outros
tipos de ave, principalmente os pequenos pássaros florestais. A maioria delas é
Fig. 12. Número total e número de espécies exclusivas registradas em cada zona, expressos como
porcentagem do total de 413 espécies, encontradas durante o estudo e com o número absoluto (em
cada barra). O número de amostras em cada zona está entre parênteses.
Conclusões
A avifauna da várzea tem sido quase que totalmente ignorada por estudos
biogeográficos. A fim de detectar e descrever padrões de endemismo e substituição
geográfica de espécies, foi feito o primeiro inventário de aves de várzea cobrindo
toda a calha dos rios Solimões e Amazonas, da fronteira colombiana até a foz, com
levantamentos em intervalos com menos do que 100 km entre si. Registramos
413 espécies de aves, quase um quarto de toda a avifauna brasileira. Somente 13%
são espécies aquáticas, enquanto 87% são aves florestais, típicas de ambientes de
várzea. Houve numerosos registros específicos importantes, como os mais orientais
de algumas espécies, e os mais ocidentais de outras, com destaque para os primeiros
exemplares brasileiros da espécie de tamnofilídeo Myrmoborus melanurus, até então
considerada tipicamente peruana.
Apesar do ambiente de várzea ser contínuo, ao longo do trecho estudado, muitas
espécies habitam somente uma parte da área. Algumas espécies terminam sua
distribuição de forma abrupta, aparentemente numa margem de um rio afluente;
outras parecem ser mais comuns em alguns trechos e tornam-se ausentes em outros,
sem um ponto claro de delimitação. Ainda mais surpreendente é o fato de haver
uma substituição de avifauna relativamente clara, ao longo da calha, podendo-se
reconhecer zonas de endemismo, com avifaunas distintas em cada uma delas: uma
correspondente ao rio Solimões, outra, ao rio Amazonas, acima da forte influência
da maré, e a terceira no estuário onde o ciclo de inundação é semidiário versus
anual. Dentro dessas grandes divisões, existe variação menor que pode levar a uma
subdivisão em mais áreas de endemismo. Para garantir a sobrevivência de toda
a diversidade ornitológica da várzea, será necessária a preservação de vários bons
exemplos de floresta alta em todas essas zonas espalhadas, para incluir a variação
interna contida em cada uma delas. Além da floresta, as praias, os bancos de
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(Ornithol. Monogr. 36)
TINAMIDAE ACCIPITRIDAE
Crypturellus cinereus inhambu-preto gavião-de-cabeça-
Leptodon cayanensis
Crypturellus undulatus jaó cinza
PHALACROCORACIDAE Elanoides forficatus gavião-tesoura
Phalacrocorax olivaceus biguá Gampsonyx swainsoni gaviãozinho
ANHINGIDAE Rostrhamus sociabilis gavião-caramujeiro
Anhinga anhinga biguatinga Rostrhamus hamatus gavião-do-igapó
ARDEIDAE Ictinia plumbea sovi
Tigrisoma lineatum socó-boi Geranospiza caerulescens gavião-pernilongo
Ixobrychus exilis socoí-vermelho Chondrohierax uncinatus caracoleiro
Nycticorax nycticorax savacu Leucopternis schistacea gavião-azul
Pilherodius pileatus garça-real Buteogallus urubitinga gavião-preto
Bubulcus ibis garça-vaqueira Heterospizias meridionalis gavião-caboclo
Butorides striatus socozinho Busarellus nigricollis gavião-belo
Egretta caerulea garça-azul Buteo nitidus gavião-pedrês
garça-branca- Rupornis magnirostris gavião-carijó
Egretta thula
pequena Spizaetus ornatus gavião-de-penacho
Ardea alba garça-branca-grande Spizaetus tyrannus gavião-pega-macaco
Ardea cocoi garça-moura Pandion haliaetus águia-pescadora
Agamia agami garça-da-mata FALCONIDAE
Cochlearius cochlearius arapapá Daptrius americanus gralhão
THRESKIORNITHIDAE Daptrius ater gavião-de-anta
Mesembrinibis cayennensis coró-coró Polyborus plancus caracará
Theristicus caudatus curicaca Milvago chimachima carrapateiro
Ajaia ajaja colhereiro Herpetotheres cachinnans acauã
CICONIIDAE Micrastur semitorquatus falcão-relógio
Mycteria americana cabeça-seca Falco rufigularis cauré
ANHIMIDAE Falco peregrinus falcão-peregrino
Anhima cornuta anhuma CRACIDAE
ANATIDAE Ortalis motmot aracuã-pequeno
Dendrocygna autumnalis asa-branca Crax globulosa mutum-de-fava
Cairina moschata pato-do-mato ARAMIDAE
Amazonetta brasiliensis pé-vermelho Aramus guarauna carão
Neochen jubata pato-corredor RALLIDAE
CATHARTIDAE Laterallus exilis sanã-do-capim
urubu-de-cabeça- Aramides cajanea saracura-três-potes
Cathartes aura
vermelha Porphyrula martinica frango-d’água-azul
urubu-de-cabeça- frango-d’água-
Cathartes burrovianus Porphyrula flavirostris
amarela pequeno
Cathartes melambrotus urubu-da-mata JACANIDAE
urubu-de-cabeça- Jacana jacana jaçanã
Coragyps atratus
preta
Robert L. Pressey
ARC Centre of Excellence for Coral Reef Studies, James Cook University
Townsville QLD 4811 Australia, bob.pressey@jcu.edu.au
Malcolm Ridges
New South Wales Department of Environment and Conservation, PO Box 402, Armidale
NSW 2350, Australia, Mal.Ridges@environment.nsw.gov.au
Matthew Watts
The Ecology Centre, University of Queensland
St Lucia QLD 4072, Australia, m.watts@uq.edu.au
Introdução
As várzeas amazônicas possuem peculiaridades que tornam o
delineamento de estratégias para a sua proteção um desafio. É um
ambiente extremamente dinâmico, que sofre oscilações do nível da
água que podem chegar a até 15 metros anuais, no alto curso do
Solimões, enquanto no estuário as oscilações são diárias, seguindo
o ritmo das marés (PIRES; PRANCE, 1985; JUNK, 1989). Como
conseqüência, todos os seus habitantes estão adaptados às fases
aquática e terrestre, e, na maioria das vezes, dependem desses
dois ambientes para a sua sobrevivência. A freqüência e a duração
da inundação são consideradas os fatores mais relevantes para a
estruturação das comunidades biológicas da várzea (JUNK, 1989).
A várzea é também palco de processos intensos de erosão e deposição
de sedimentos, que modificam constantemente a sua conformação
(MERTES, 1985; PUHAKKA et al., 1992; KALLIOLA et al.,
1992). A dinâmica dos sedimentos causa a existência simultânea de
áreas em diferentes estágios sucessionais (WITTMANN et al., 2004) e uma alta
mobilidade social (LIMA-AYRES; ALENCAR, 1994). O sistema é composto por
florestas, campos alagáveis, rios, lagos e canais e está entre os de maior produtividade
da região amazônica e de ocupação humana mais antiga (MEGGERS, 1977;
WORBES, 1997; NEPSTAD, 1999). A facilidade de acesso, principalmente ao
longo dos grandes rios, fez com que a várzea fosse o primeiro ambiente da região
a ser explorado para a obtenção de recursos naturais, notadamente, os pesqueiros
e madeireiros (RANKIN, 1985; BAYLEY; PETRERE, 1989). Atualmente, esse
ecossistema enfrenta outras ameaças, como a pecuária no Baixo Amazonas, e os
riscos associados à atividade petroleira.
Ao longo dos rios Solimões e Amazonas, cerca de 14% das áreas alagáveis estão
sob algum tipo de proteção legal. No entanto, a maioria da área protegida está
em Unidades de Conservação (UCs) de uso sustentável, estando apenas cerca de
1% em UCs proteção integral (ALBERNAZ, 2003). A conservação das várzeas é
importante não apenas para proteger sua diversidade biológica, mas, principalmente,
para a manutenção de algumas importantes funções que desempenha: é a maior
bacia de água doce do mundo, um recurso potencialmente escasso no futuro; sua
manutenção é essencial para a sustentabilidade da pesca, uma vez que os peixes
dependem da permanência de alguma floresta ao seu redor (ARAUJO-LIMA et
al., 1986). O planejamento para a conservação das várzeas, visando assegurar um
nível de proteção adequado a este ambiente altamente complexo, requer um esforço
conjunto de vários grupos de interesse e de especialistas das mais diversas áreas do
conhecimento. Este estudo tem por objetivo fazer uso de técnicas de planejamento
sistemático em conservação para contribuir com esta tarefa.
Métodos
Levantamento de informações
Regiões biogeográficas
Unidades de planejamento
Neste primeiro esforço de sistematizar o planejamento para a conservação,
optou-se pelo uso de unidades de seleção uniformes, e em formato hexagonal,
que permitem maior conectividade nos arranjos entre as unidades. O tamanho
escolhido para cada unidade foi de 10 mil hectares, de forma a evitar áreas muito
grandes, que aumentam muito a quantidade de área necessária para atingir as
metas, e as muito pequenas, que aumentariam muito o tempo de processamento
das análises. O layer contendo os hexágonos foi criado pela aplicação de um script
em linguagem Avenue, utilizando-se o programa Arc-View. A área total definida
para o planejamento incluiu toda a área alagável com um buffer de 100 km ao
seu redor. Esta área foi incluída por se considerar que a conectividade com áreas
não alagáveis precisa ser mantida no desenho de reservas, uma vez que diversas
espécies, notadamente os mamíferos de grande porte, realizam migrações entre os
ambientes de várzea e terra-firme.
Metas
Unidades ambientalmente distintas foram geradas pela intersecção das
informações de altura, vegetação e zonas. Foram então definidas metas para
os diferentes tipos de vegetação, diferenciados por zona e classe de altura do
terreno.
De maneira geral, os critérios utilizados para o estabelecimento das metas foram
a diversidade alfa e beta, e o grau de ameaça. Toda a várzea, pelo menos durante a
estação cheia, tem acesso fácil e conseqüentemente será difícil que qualquer área
protegida seja inteiramente defendida contra invasões. Por isso, partiu-se de metas
bem acima dos 10%. Considerando que as áreas mais elevadas têm maior grau
de ameaça (são mais procuradas para moradia e cultivos) e maior diversidade alfa
(o que causa um maior requerimento em área para a manutenção de populações
viáveis), estabeleceu-se uma meta mais elevada para estes ambientes: 30%. Para
os níveis “médio” e “baixo” foram atribuídas metas de 20%. Se, por um lado, as
áreas de altura intermediária são mais ricas em espécies do que aquelas mais baixas,
por outro lado, as áreas mais baixas possuem mais tipos de fisionomias distintas
(diversidade beta) e desempenham funções ecológicas importantes, como a de
conectar diferentes corpos de água, logo ao início da cheia, e a de manter as maiores
densidades de macrófitas, que servem como abrigo e substrato alimentar para
espécies da base da cadeia alimentar. Mesmo que uma das regiões biogeográficas
Algoritmos
Para este estudo, optou-se por utilizar dois tipos de algoritmos: insubstituibilidade
(FERRIER et al., 2000) e simmulated annealing (POSSINGHAM et al., 2000).
O algoritmo de insubstituibilidade (irreplaceability) atribui maior valor relativo às
unidades de planejamento que contribuem com maior proporção de elementos
necessários para atingir as metas e que possuem alvos que não podem ser
encontrados em outras áreas. Assim, dificilmente a totalidade das metas será atingida
se as unidades com maior valor não forem incluídas em unidades de conservação.
Esse algoritmo funciona como uma extensão do Arc-View chamada C-Plan (versão
3.20), desenvolvida pelo Serviço de Parques e Vida Silvestre, de Nova Gales do
Sul, Austrália (NSW-NPWS, 2003).
O algoritmo baseado em simmulated annealing consiste na escolha randômica de
uma quantidade de unidades de planejamento correspondente a uma porcentagem
de metas. A randomização é reiterada por um número programável de vezes, em
cada uma delas sendo selecionadas as unidades de planejamento que atendem a
uma função que busca maximizar os alvos e minimizar os custos. A partir de um
ponto, as iterações incluem apenas as unidades que foram selecionadas pela função
em iterações anteriores. Dessa forma, a seleção vai sendo refinada e, ao final, as
áreas prioritárias são aquelas unidades de planejamento que foram incluídas um
maior número de vezes nas soluções. A principal vantagem deste algoritmo é
permitir a incorporação de funções de configuração espacial, para as quais podem
ser atribuídas metas específicas (POSSINGHAM et al., 2000). O algoritmo para
a seleção de áreas prioritárias para a conservação baseado em simulated annealing
está disponível no software Marxan, desenvolvido na Universidade de Quensland
(BALL; POSSINGHAM, 2000), e hoje em dia opera de forma integrada ao C-Plan
e Arc-View. Uma das possíveis funções de configuração espacial disponível no
software é um redutor de perímetro, que minimiza a fragmentação entre as áreas
selecionadas.
Funções de custo
Para este estudo, a função de custos definida incluiu a distância até as cidades
com mais de 20 mil habitantes, as áreas desmatadas na terra firme, e a proximidade
de UCs e Terras Indígenas. As áreas desmatadas em várzea não foram consideradas
como fonte de ameaças devido à dificuldade de se estimar desmatamento neste
ambiente, principalmente nas áreas dominadas por capins. Tal dificuldade leva
a uma inexatidão das estimativas, que poderia afetar de forma indesejável os
resultados.
Resultados
Bases de informação
Regiões biogeográficas
Os padrões gerais de distribuição de comunidades biológicas foram semelhantes
para os subestudos de formigas, aranhas, árvores, peixes e aves. Os resultados destes
cinco subestudos indicaram a existência de três regiões biogeográficas distintas ao
longo da calha, assim delimitadas: a primeira de Tabatinga a Manaus; a segunda
de Manaus a Almeirim; e a terceira incluindo a área estuarina (neste estudo,
representada pelas amostras de Almeirim a Santana). Tais regiões coincidem com
os grandes conjuntos geológicos descritos: a oeste de Manaus, que se caracteriza
como uma bacia sedimentar ativa, resultante de intensa atividade tectônica, com
freqüentes mudanças ambientais, que possivelmente estão promovendo maior
diversificação de espécies; entre Manaus e Almeirim, uma região mais estável; e
abaixo de Almeirim, uma área também sujeita a mudanças ambientais constantes,
devido a atividades tectônicas e à influência de variações, atuais e antigas, do nível
do mar (ROSSETTI et al, neste volume).
Outros quatro subestudos mostraram resultados diferenciados: (1) o estudo de
insetos aquáticos também aponta para a existência de três regiões, mas com limites
diferentes: uma entre Tabatinga e Manaus, outra entre Manaus e Santarém, e uma
outra de Santarém a Santana; (2) o estudo de elasmobrânquios indica a existência
de quatro regiões: a primeira entre Tabatinga e Tefé; a segunda entre Tefé e Manaus;
a terceira de Manaus a Santarém e a quarta de Santarém a Santana; (3) o estudo de
macrófitas aquáticas mostrou que a distribuição deste grupo de espécies está mais
relacionada a variáveis locais, como a qualidade da água, do que a uma variação
geográfica, não havendo uma descontinuidade clara ou substituição de espécies
ao longo da calha; (4) o estudo de mosquitos indica uma substituição gradual de
espécies ao longo da calha, sem que haja limites definidos entre regiões.
Além dos padrões gerais, mais baseados nas comunidades amostradas, o
registro de espécies de amplitude de ocorrência limitada também serviu para
apoiar a definição das regiões biogeográficas. Algumas espécies de Odonata, de
elasmobrânquios, de aves e de árvores apresentaram ocorrência bem limitada a
Modelo de inundação
O modelo desenvolvido foi considerado consistente quando comparado com a
imagem original SRTM e com a área alagada da imagem JERS-1 da época cheia
(Fig. 1). Poucas diferenças foram notadas entre as áreas alagáveis no modelo e na
imagem JERS-1 e estas provavelmente podem ser atribuídas aos diferentes anos de
obtenção das duas imagens (1996 para a imagem JERS-1 e 2003 para a altura de
alagação medidas nas árvores, que foi usada para a correção). Na imagem SRTM
foram notados alguns defeitos, entre os quais os mais fáceis de localizar foram os
de áreas no leito do rio para as quais havia valores de altura muito elevados. Esse é
um efeito de reflexão atribuído ao tipo de sensor utilizado, e que aparentemente já
foi corrigido nas versões mais atuais da imagem. Como o curso do rio foi removido
por subtração na realização das análises, esses erros puderam ser minimizados. A
área alagável estimada por meio do modelo foi de 17,8 milhões de hectares.
Metas
A área total incluída no planejamento (área alagável estimada por meio do
modelo + área de influência) foi de cerca de 400 quilômetros quadrados, ou 40
milhões de hectares. Deste total, 34% pertencem à região 1, que corresponde ao
estuário e inclui a Ilha de Marajó; 11% à região 2, entre Almeirim e Santarém; 18%
à região 3, entre Santarém e Manaus; e 37% à região 4, entre Manaus e Tabatinga.
Para que pelo menos 30% de cada uma destas regiões estejam representados em
unidades de conservação, as áreas protegidas deveriam somar pelo menos cerca de
quatro milhões e 200 mil hectares na região 1; um milhão e trezentos mil hectares
na região 2; dois milhões, duzentos e cinqüenta mil hectares na região 3; e 4 milhões
e 600 mil hectares na região 4.
Fig. 1. Análise de consistência da área alagável prevista pelo modelo, em cor, sobre: (A) a imagem SRTM;
(B) a imagem JERS-1 da cheia de 1996
pelo menos uma UC nesta região. Ela seria importante, por exemplo, para garantir
refúgio a espécies em rotas migratórias.
A Ilha de Marajó é uma APA estadual, o que, em termos de área, já incluiria
o montante necessário para atingir as metas para a região 1. No entanto, esta
categoria não tem sido considerada efetiva para a conservação pelas agências de
fomento, porque as terras não são repassadas ao domínio público. Além disso, a
Ilha de Marajó é amplamente dominada por savanas, estando longe de representar
as florestas densas que caracterizam a maior parte das demais ilhas que compõem
a região estuarina. As demais regiões não têm unidades de conservação com áreas
significativas em várzea.
Discussão
Para quatro dos grupos biológicos incluídos no estudo (formigas, aranhas,
árvores, peixes e aves) foram observadas descontinuidades abruptas e coincidentes,
o que é uma forte evidência da existência de regiões distintas em biodiversidade ao
Fig. 2. Áreas prioritárias para a conservação, sem inclusão de função de custo: (A) utilizando-se o algoritmo
de insubstituibilidade (C-Plan); (B) utilizando-se o algoritmo de simmulated annealing (Marxan), com a
função de modificador de perímetro. A cor vermelha corresponde às áreas mais favoráveis para a criação
de novas UCs, conforme as funções executadas, seguida pelo marrom, o alaranjado, o verde e o amarelo.
As áreas azuis correspondem às UCs de proteção integral.
Fig. 3. Áreas prioritárias para a conservação com inclusão de função de custo: proximidade de outras
unidades de conservação e terras indígenas e distância de cidades e áreas desmatadas na terra firme
adjacente. (A) utilizando-se o algoritmo de simmulated annealing (Marxan) sem a função de modificador
de perímetro; (B) utilizando-se o algoritmo de simmulated annealing (Marxan) com uma função de
modificador de perímetro. A cor vermelha corresponde às áreas mais favoráveis para a criação de novas
UCs, conforme as funções executadas, seguida pelo marrom, alaranjado, verde e amarelo. As áreas azuis
correspondem às UCs de proteção integral
Referências bibliográficas
ALBERNAZ, A. L. Bases científicas para a conservação da várzea: proposta de integração.
Relatório Técnico. Manaus: ProVárzea BRA/00/008, 2003. 29 p.
ALBERNAZ, A. L.; MOREIRA, M. P.; RAMOS, J. ASSUNÇÃO, P. A.; FRANCISCON, C. H.
Bases científicas para a conservação da várzea: contribuição ao conhecimento da distribuição
de árvores. Relatório Técnico. Manaus: ProVárzea BRA/00/008, 2004. 41 p.
ARAUJO-LIMA, C. A. R. M.; FORSBERG, B. R.; VICTORIA, R. L.; MARTINELLI, L. A.
Energy Sources For Detritivorous Fishes In The Amazon. Science, v. 234, p. 1256-1258.
1986.
AYRES, J. M. As Matas de várzea do Mamirauá. Brasília: CNPq, Sociedade Civil Mamirauá,
1993. 123 p.
Elasmobrânquios 75 3 6 14
Insetos Aquáticos
Coleoptera 109.553 8 42 56
Ephemeroptera 25.505 5 10 16
Hemiptera 249.513 11 24 56
Odonata 870 2 10 23
Trichoptera 2802 7 20 30
Recomendações
Específicas para várzea:
1. Para que a maior parte das comunidades biológicas existentes ao longo da várzea
seja representada em áreas protegidas, recomenda-se a criação de unidades de
conservação ao longo de toda a várzea da calha do Solimões-Amazonas.
2. As áreas mínimas recomendadas para estarem protegidas em UCs, em cada
região, são:
(*) Essa região contava em 2004, época da realização do estudo, com cerca de 2 milhões de hectares de várzea incluída em UCs.