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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE NACIONAL DE DIREITO


SELEÇÃO DE MONITORIA 2022

DEPARTAMENTO: Departamento de Direito do Estado

DISCIPLINA: Criminologia

CÓDIGO: 5932

1. Disserte sobre a criminologia crítica e sua influência no panorama criminológico


contemporâneo.

2. Relacione a escola clássica do direito penal e a criminologia positivista, apontando


diferenças e possíveis aproximações e tomando por base a chamada "ideologia da defesa
social”

1. A partir das teorias do rotulacionismo, os conceitos marxistas e as contribuições de


Foucault, tem-se a construção de uma Criminologia Crítica, que, mais do que romper com as
noções positivistas sobre crime e com o paradigma etiológico, tem como escopo um profundo
questionamento sobre o poder de criminalização, as estruturas sociais capitalistas que
permeiam a Justiça Criminal e as questões materiais de classe e raça que influenciam o
funcionamento do Direito Penal na prática.

De acordo com os criminólogos críticos, a criminalização é um procedimento que


ocorre a partir de uma seletividade de determinados indivíduos, socialmente vistos como
“criminosos”, e com base em uma estigmatização que tem como fundamento a pobreza e a
raça. O encarceramento em massa das populações faveladas e a ação truculenta das operações
policiais é demonstração de que o Direito Penal apenas atinge alguns grupos sociais, e não a
todos igualmente, como preconiza nosso ordenamento jurídico.

Longe de ser a ultima ratio, o Direito Penal, para aqueles configurados como
“criminosos” se configura como a primeira e principal intervenção estatal para supostamente
o combate da criminalidade, através da construção de um discurso do medo e da necessidade
de extirpação desses indivíduos do convívio social. Sob a falácia da “defesa social” e das
funções declaradas da pena, baseadas na ideia de prevenção geral e especial e de
“ressocialização” do encarcerado, o Sistema de Justiça Criminal cumpre seu papel de alijar da
sociedade aqueles indivíduos considerados descartáveis. Nas palavras de Angela Davis, a
prisão funciona como um instrumento de “gestão dos indesejáveis”, ou seja, serve como um
depósito onde são disciplinados aqueles que não correspondem ao padrão de uma sociedade de
classes, sustentada pelo racismo estrutural.

A Criminologia Crítica por fazer uma leitura marxista e materialista da sociedade,


propondo que o panorama negativo das ciências criminais acontece dessa forma porque a
situação posta é instrumental e estrutural para manter um modelo de sociedade desigual e,
diante disso, o que podemos fazer é desconstruir esse modelo desigual, surge como porta e
oportunidades para escolas que dialogam com temas como raça, classe e gênero surgirem e
trazerem debates atuais e necessários para a luz das ciências criminais.

2. A ideologia da defesa social, nada mais é que o conjunto de argumentos de


racionalização do poder punitivo que foram sedimentados desde os primeiros cursos de
legitimação oriundos da Escola Penal Clássica e da Escola Positiva Italiana. Primordialmente
é necessário entender os fundamentos e arcabouços destas escolas.

Na Escola Penal clássica tomavam como objeto o crime e não o criminoso. Esta,
fundada basicamente na noção de livre arbítrio, contrapõe o totalitarismo do estado absolutista.
Trabalhava com o jusnaturalismo, os direitos inerentes ao homem. Centrada nas figuras de
Francesco Carrara e Cesare Beccaria, a Escola Clássica vê a pena como retribuição em razão
de fato praticado por seres de livre arbítrio e esta era uma característica do discurso de
legitimação do poder punitivo, nesse primeiro momento, pune-se o ato criminoso e não a
pessoa do delinquente.

Na virada do século XIX para o século XX, se opondo a ideia de culpabilidade como o
objeto do crime e não da pessoa criminosa, surge a Escola Positivista como resposta a um
aumento da criminalidade. Defende o corpo social. Contrapõe o livre arbítrio da teoria clássica
e traça um perfil do criminoso nato por meio do determinismo. Lombroso o principal expoente
da escola, trouxe a ideia de características inatas do criminoso.

Com isso, o racismo – que foi uma invenção da colonização – vira um discurso
científico na criminologia positivista e vai passar a ter um lugar muito expressivo no âmbito
do controle social por meio do direito penal e do poder punitivo, a teoria da evolução de Darwin
foi instrumentalizada para esse propósito. A ideia de que havia um processo evolutivo, um elo
perdido entre o homem e o macaco contribuiu para a ideia de que há diferentes raças e que
haveria uma escala entre uma raça e outra.

Houve uma disputa discursiva entre as duas escolas, todavia as duas com seus diferentes
discursos se somam para compor o arcabouço ideológico que orienta as práticas do Direito até
os dias atuais. A Ideologia da Defesa Social, basicamente transmite a ideia de que todo o
aparato repressivo do Estado está organizado para defender a sociedade de algo que estaria fora
dela, é fruto da contribuição destas duas escolas e serviram para a afirmação desta.

A Ideologia da Defesa Social nasce com a própria Revolução Burguesa e com a


necessidade de buscar um fundamento de validade do poder punitivo depois da queda do
Regime Absolutista, momento em que se passa a não aceitar fundamentação puramente divina,
além de que esta classe (burguesa) que se encontrava no poder não se identificava com
fundamentos divinos, o que faz com que produza novos discursos para atender essa nova
reivindicação de ordem.

Nesse sentido, as escolas positivistas são uma continuação da escola clássica, ou


melhor, um aperfeiçoamento da escola clássica. Embora se apresentem como modelos
absolutamente antagônicos, um baseado na ideia de livre arbítrio e outra com visão
determinista, é possível dizer que na construção da Ideologia da Defesa Social elas se unem,
pois todos os argumentos vão se somar, ainda que intrinsecamente sejam incongruentes. Eles
vão ser apresentados como uma ideia a mais.

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