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QUAL A IMORTÂNCIA DO MARXISMO NA CRIMINOLOGIA?

Em 1973, Taylor, Walton e Young escreveram “The New Criminology”, em que expõem
os elementos daquilo que chamaram de “crítica imanente” teorias até então
existentes sobre o crime, o desvio e o controle social. O intento dos autores era
demonstrar que os processos de criminalização não são apenas de natureza social, mas
como estão condicionados pela realidade material; logo, percebeu-se que a economia
política é um fator determinante da estrutura social. Os autores concluíram, nesta
obra, que seria possível criar arranjos sociais e produtivos que abolissem o crime a
partir das transformações sociais – uma sociedade libre de qualquer necessidade
material de criminalização do desvio a partir de outras formas de controle do
comportamento antissocial. A crítica desta obra pretende, remotamente, o
desenvolvimento de uma criminologia marxista, colocando as questões do crime e do
controle social em perspectiva histórica e reconhecendo a urgência de uma economia
política do crime, alternativa à criminologia microssociológica, conflitural ou
interacionista.
Em 1975, na coletânea Critical Criminology, os Young Turkes afirmam a necessidade de
redefinir a problemática do crime e do controle social, ligados à base material e a
estrutural legal do capitalismo contemporâneo: a economia política surge como
determinante primário da formação social, formalizado nas superestruturas jurídicas e
políticas do Estado.
No primeiro texto da obra, os autores apresentam três razões que levaram à revolta
dos críticos contra a criminologia no Reino Unido: i. concepção patológica do desvio; ii.
o absolutismo consensual e monolítico de que o desvio seria praticado somente por
uma minoria desviante; e iii. o correcionalismo da criminologia Fabiana, cuja crítica não
se dirigia ao capitalismo, mas à desigualdade de acesso a essa sociedade. Em resposta
a essas tendências, surge uma nova tendência de criminologia anti-utilitária, que foca
na expressividade, influenciadas em grande parte pela cultura psicodélica. Trata-se de
uma criminologia idealista e ambiguamente comprometida a uma cultura da
diversidade. Para os autores, o uso da pesquisa etnográfica e o apego a um único
conceito de controle dessa criminologia demonstram a incompetência de construção
de uma teoria social que leve em consideração a totalidade. Essa teoria cética,
segundo os autores, seria uma espécie de voyeurismo moral que celebraria em vez de
analisar o desvio, que se fundava em uma leitura ingênua de Marx. Embora se vendam
como crítica, não o são – os Young Turkes aqui fazem a crítica da crítica acrítica.
A criminologia da denúncia estaria mais preocupada com questões morais do que com
a dimensão analítica. Ela possui uma origem pequeno-burguesa e parece supor que os
poderosos dominam por uma espécie de direito moral – e não pelo poder material.
Esta concepção até pode chocar a classe média e os intelectuais, mas não comove os
poderosos, nem sensibilizam o sem-poder reprimido, que conhece bem tais distorções.
Assim, a criminologia radical deve demonstrar que a criminalidade do poder
econômico não é um fenômeno irregular ou acidental, mas um fenômeno regular e
institucionalizado.
Os autores fazem uma comparação entre as teorias conservadoras, liberais e radicais.
As teorias conservadoras se caracterizam pela descrição da organização social, de
modo que a ordem estabelecida (status quo) configura o parâmetro para o estudo do
comportamento criminoso assim como a base das medidas de pressão e correção do
crime; trata-se de uma teoria essencialmente repressiva, fundada na hierarquia e na
dominação, com significado prático de legitimação da ordem social e desigual. Já as
teorias liberais – dominantes no campo criminológico – estariam centradas na
prescrição com o propósito de oferecer uma sugestão de reformas institucionais ou
culturais; muito raramente buscam compreender o fenômeno em sua totalidade, já
que limitadas a uma microanálise. A teoria radical não deve estar limitada à prescrição
ou a descrição, necessita reunir teoria e prática, assim como uma metodológica
própria, que se preocupe em oferecer resultados às pessoas mais afetadas pela
criminalidade e pelos processos de criminalização (classe trabalhadora).
Segundo Taylor, Walton e Young, em Critical Criminology in Britain, a única abordagem
radical da criminologia que não descambaria em mera moralização seria a materialista;
esses autores sustentam que a aglutinação das estatísticas (pesquisa empírica) com
uma teoria bem estruturada e fundamentada somente seria possível a partir do
método materialista dialético, ou seja, do método de Marx. Assim como Lukács, os
Young Turkes defendem que a superioridade do trabalho de Marx consiste no método
que foi desenvolvido por ele – embora não exista uma sistematização expressa deste
método pelo próprio Marx, tal como Durkheim fez em “As regras do método
sociológico”.
Assim, a radicalidade consiste em tomar as coisas pela raiz, sendo o homem
inseparável da sociedade, que é uma totalidade. Para os autores, a criminologia e a
teoria do desvio só poderiam avançar enquanto teoria e prática radicais, ao passo que
a análise de formas particulares de crimes ou formas particulares de criminosos fora
de seu contexto histórico e societário possuem pouco ou nenhum significado. Os
Young Turkes alertam que não se trata de produzir uma criminologia que seja
verdadeira para todas as sociedades, mas com uma criminologia específica de uma
determinada sociedade em um determinado momento histórico. A partir de Marx, é
possível compreender que as sociedades são basicamente moldadas pelo mercado e
qualquer criminologia que ignore essa dimensão histórica específica não poderá ser
socialmente completa.
Os autores alertam que Marx não busca reduzir conflitos legais a conflitos econômicos,
mas que relações criminais e legais possuem relação e dependem das transformações
materiais da sociedade. O fenômeno deve ser compreendido como parte do sistema
de relações sociais; sendo que relações jurídicas são apenas uma forma de relações
sociais. Para evitar o relativismo típico da fenomenologia, o método marxista rompe
com o aparente circulo de determinações apartadas pois sustenta que todas as
categorias são determinadas e determinantes. Assim, todo pensamento pressupõe
uma sociedade e as sociedades se diferenciam a partir dos modos ou sistemas de
produção material. O materialismo histórico é um método que revive a natureza social
de qualquer conceito, a historicidade de pensamento e a diferenciação de períodos
históricos a partir de modos de produção definitivos. A partir disso, percebe-se que a
criminologia deve estudar a sociedade como um processo e que certos modos ou
sistemas possuem limites definidos a seu desenvolvimento, sendo necessário
constantemente indagar quais normas são necessárias, quando e sob quais condições.
Marx criticou especificamente aqueles que veem a atuação da lei como sendo a
mesma em todas as sociedades, se recusando a analisar os efeitos particulares em
determinados modos de produção. É tarefa crucial da criminologia marxista explicar as
diferenças estruturais e de classe que existem dente e entre as sociedades capitalistas,
de modo a contribuir na compreensão dos antagonismos que resultam da ausência de
correspondencia entre o desenvolvimento de produção material e do desenvolvimento
de relações juíricas e sociais, percebendo que as normas legais são intrinsecamente
conectadas ao desenvolvimento das contradições sociais – logo, a sociedade não é
baseada na lei, mas a lei é baseada na sociedade e é exatamente por esse tipo de
compreensão que a teoria se revela materialista.
Os Young Turkes estão a defender a construção de uma criminologia crítica complexa,
rigorosa no método, propositiva na análise, não limitada a tópicos de atenção
sectarista ou esperanças ingênuas. Como exposto anteriormente, a natureza do
marxismo é a centralidade do método dialético que tem por pressuposto que a
totalidade do fenômeno só é compreensível na dinâmica da sua existência e não a
partir de sua representação como fotografia, imagem, etc. Também é preciso
considerar a penetração tardia de Marx na Europa insular, que se deu com vários
problemas, como se uma teoria mecanicista. Bonger e Chambliss são alguns teóricos
presos a esse mecanicismo; eles dão base para a criminologia radical, mas não são o
fim e sim o ponto de partida. O próprio marxismo desmente esse mecanicismo da
criminologia marxista inicial, pois são claramente insuficientes para a compreensão do
crime na contemporaneidade.
O marxismo permite uma análise de longo alcance, ele não é uma prescrição, um
conjunto de categorias a serem aplicadas na realidade, é um método de crítica ao
capital em que é necessário envolver o objeto nas relações do capital para analisa-lo,
embora inscrevê-lo nessa realidade não implique reduzi-lo a isso.

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