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Direito e justiça
perspectivas contemporâneas
sobre desigualdade no Brasil
MULTICULTURAL
Considerações iniciais
O nascimento da criminologia
Smanio (1998) narra que, por volta do século XIX, ocorreu uma mudança
radical no objeto de estudo da criminologia, dedicando-se não mais à com-
preensão do sistema legal, mas sim a entender o infrator e as causas que ori-
ginavam o delito. O autor afirmava, ainda, que, no fim do século XIX, a ideia
sociológica de Engels e Marx também influenciou no estudo da criminologia,
ao entender que os problemas sociais surgem em decorrência da miséria, da
cobiça e da ambição.
Mesmo sendo respeitável, tal ideologia de Engels e Marx não veio a pros-
perar, pois estudos começaram a apontar que não só a classe social mais baixa
comete delitos. Nesse caso, entende o referido autor que a ideia de uma socie-
dade intimamente criminosa veio a reconstruir-se com a teoria do Colarinho
Branco, que aboliu a tradicional visão de que crime seria um ato exclusivo
das classes mais baixas, tornando, assim, evidente que para o progresso da
criminologia seria necessária à ampliação de variáveis visando verificar as
causas do crime. O autor ressalta, ainda, o fato de que não eram apenas os
desempregados, miseráveis e membros de famílias desfeitas os causadores de
crimes, uma vez que indivíduos de posição financeira e social elevada tam-
bém cometiam crimes de proporções danosas a toda a sociedade, devendo o
domínio sociológico ser ampliado para que fosse feita uma correta análise do
fenômeno criminológico.
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Baratta (2002) explica que, para a Escola Clássica, o delinquente era o in-
divíduo que, no uso de seu livre-arbítrio, optava por delinquir, rompendo, as-
sim, com a sociedade da época. Porém, durante o século XX, quando começa
a surgir a criminologia crítica, ocorre uma mudança na concepção da figura
do criminoso, pois o seu objeto de estudo desprende-se do delinquente, rom-
pendo com o modelo etiológico positivista.
Fato é que o criminoso, assim como qualquer outro indivíduo, tem vonta-
des e desejos próprios, como vontade de se superar, de ter sua própria opinião
e construir uma história. É uma pessoa como qualquer outra, contudo, sujeita
às influências do próprio meio em que vive.
Assim, entende Molina (2002) que não é viável que a vítima participe de
forma direta na aplicação da lei ao criminoso, uma vez que a vítima tende a ter
uma natural concepção do delito, transformando a ideia de justiça em repre-
sália contra a pessoa do criminoso. Para o autor, a resposta ao delito deve ser
imparcial, desapaixonada e pública, para que assim ocorra a resolução institu-
cionalizada do conflito.
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Para Becker (2008), as regras sociais acabam por impor certos padrões de
conduta, dos quais alguns são considerados corretos e outros como desvian-
tes. Assim, o desprezo social ocupa um lugar de pena formal.
Assim, entende-se que, uma vez rotulado, o indivíduo passa a ser margi-
nalizado, culminando em sua posterior classificação como um ser potencial-
mente perigoso e em seu tratamento como tal.
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Calhau (2009) usa como exemplo, a fim de explicar tal fenômeno, o persona-
gem Carlito Brigante, interpretado por Al Pacino em O Pagamento Final. Nesse
filme, Carlito é um traficante de drogas que consegue sua liberdade ao encontrar
uma falha na lei. Após sua saída, ele tenta dar um novo rumo à sua vida, porém,
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Com isso, pode-se concluir que o criminoso não é considerado como tal
pelo ato que pratica, mas sim pelo rótulo que lhe é colocado, sendo o indiví-
duo excluído da sociedade, estigmatizado e rejeitado.
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muitas vezes pode estar ligado a outras condições pessoais e sociais, como,
por exemplo, o trabalho infantil, problemas no seio familiar, entre outros.
A ideia de “Cifra Negra” surgiu também por meio dos estudos do soció-
logo Sutherland, associada à teoria de “White Color Crimes”. Segundo Veras
(2006), a cifra negra constitui a parcela de crimes que, apesar de ocorrerem
com frequência, não chegam ao conhecimento do Estado, caracterizando-se
por pequenos crimes corriqueiros praticados em rua, parques e favelas, o que
faz com cheguem ao conhecimento público. Da mesma forma são os crimes
de colarinho branco de grande relevância, que, devido aos prestígios dos in-
fratores, não chegam ao conhecimento da lei, uma vez que são cometidos den-
tro de grandes condomínios, onde a polícia não tem acesso, diferentemente
das comunidades carentes.
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“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, garantin-
do aos brasileiros e aos estrangeiros os mesmos direitos e garantias.
Segundo as teorias que tentam legitimar o sistema penal, existem bens ju-
rídicos, tutelados pelo Direito, que devem ser universalmente protegidos; e
uma eventual conduta que viole esses bens, praticada por quem quer que seja,
deve ser igualmente punida.
Barroso (2009) afirma que, no sistema de hoje, é notório qual classe so-
cial vai realmente presa, aquela que sofre com o cárcere é o pobre, o negro, o
desempregado, dentre outras minorias esquecidas pela sociedade de alguma
forma, uma vez que é mais vantajoso economicamente para o órgão estatal
prender do que fazer qualquer política de reintegração social.
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letra da lei, sem considerar a contradição que existe entre as linhas legais e o
real funcionamento das instituições que executam o sistema penal.
Dessa forma, pode-se perceber que o sistema penal brasileiro não tem a
estrutura necessária para seu pleno funcionamento, impossibilitando a atua-
ção síncrona de seus segmentos, evidenciando uma lacuna entre a legislação, o
discurso e a realidade, contribuindo para a prática de etiquetamento aplicada
às camadas mais vulneráveis da população, evidenciando a desigualdade so-
cial brasileira.
Considerações finais
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