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I – INTRODUÇÃO

Objetiva-se com o presente trabalho apresentar noções básicas sobre o tema da


criminologia intitulado “meta-regras”, inicialmente apresentado por FRITZ SACK,
criminalista alemão, por volta dos anos 70, do século passado.

Por oportuno, fez-se uma pesquisa junto à PHAC (Penitenciária Harry Amorim)
e à UNEI, ambas nesta cidade, bem como a análise de dados estatísticos do Ministério
da Justiça, tudo a fim de subsidiar as conclusões inerentes ao tema apresentado.

Como será enfocado mais adiante, na escola alemã, as meta-regras foram


analisadas sob um ponto de vista objetivo e sociológico, partindo do pressuposto de que
as do sistema social é que determinariam todo o processo de filtragem que faziam com
que uma parte da conduta delituosa total seja criminalizada e outra não. Nessa ótica, a
criminalização é uma construção social que está em constante criação e que provém não
das regras de Direito Penal, mas das meta-regras que condicionam a atividade de
definição das instâncias de controle.

Assim, a conceituação de “meta-regras” implica naquelas ações que estão além


das regras legais (formais).

Define-se “meta-regras” como regras práticas da sociedade, tais como:

- cumprimentar as pessoas quando as encontramos (bom dia, boa tarde,


olá);

- cantar parabéns no dia do aniversário;

- a necessidade de pedir licença para passar próximo de outra pessoa;

- o dever de pedir desculpas quando ofendemos alguém, etc.

Se tivermos muitas meta-regras


favoráveis às boas relações sociais e que se
solidificaram na história da humanidade,
provavelmente por questões práticas, tais
como demonstrar que se vem em paz ao dizer
“- Bom dia!” e que, portanto, tem base em
valores racionais; por outro lado, temos meta-

Fig. 1. Estigmas

1
regras que não são racionais ou não tem fundamento histórico plausível, como os
chamados estigmas (Fig. 1), tais como: “se é portador de necessidade especial não
serve para o trabalho”; “a homossexualidade é algo suportável, menos em minha
família”.

Estigmas constituem uma espécie de meta-regras. Assim, quando não recaem


estigmas sobre um suspeito de crime, ele torna-se “invisível” para tal crime. A palavra
estigma tem origem no latim stigma e significa “tatuagem”, e era vista em pessoas que
pertenciam às classes inferiores. Com o decorrer do tempo, esta passou a ter um
significado social negativo. Não há no meio acadêmico um consenso quanto à
classificação dos estigmas, mas fundamentalmente são estigmas: sexo, raça, pobreza e
religião.

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II – AS META-REGRAS E A CRIMINOLOGIA

2.1 – ASPECTOS GERAIS

É importante deixar bem claro que o que é crime para o Direito Penal nem
sempre é considerado crime pela sociedade. Para o Direito, o crime não é um fato
natural, algo que ocorre e pronto, mas o resultado de uma construção normativa: é crime
o que o Direito diz que é crime.

Na prática, há mais condutas criminosas do que o sistema penal possui


possibilidade de combater. Assim, resta evidente que, inexoravelmente, haverá uma
seleção político-ideológica de certos crimes que a sociedade elege como merecedores de
combate em detrimento de outros que parecem merecer tolerância.

A maioria das pessoas pratica o desvio. É mais fácil definirmos quem não
pratica crimes do que quem pratica. Crimes como sonegação fiscal, “gato” da net do
vizinho, software pirata, direção embriagada ou uso de drogas são totalmente comuns
na sociedade. Não faz sentido, portanto, ficar indagando o que difere o criminoso do
não-criminoso.

Essa dissonância entre o que a sociedade considera crime e o que o Direito assim
classifica ajuda a explicar o caráter seletivo da persecução penal, compreendida pelo
processo da investigação penal e do processo penal. Surgiu, então, a partir da
interpretação desse contexto, a Teoria do Etiquetamento (Labelling Aproach) e a
Criminologia Crítica ou Radical, conglomeradas como “Teorias do Conflito”, onde a
coesão e a ordem social são frutos da força coercitiva do Estado, existindo, a partir daí,
a dominação de uns sujeitos por outros. Rompe-se, com isso, o paradigma etiológico,
passando ao paradigma da reação social.

É indubitável, até mesmo para justificar o seu papel de existência, que o agente
da lei quer ter seu trabalho reconhecido pela comunidade que o sustenta, e por isso
acaba por dar preferência persecutória, dentre os crimes em sentido jurídico, àqueles
que são também crimes em sentido social. Em outras palavras, para ser combatida não
basta que uma conduta seja criminosa, mas sim que seja também uma transgressão aos
valores sensíveis da sociedade.

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O único ponto em comum em relação ao delito e ao delinquente é o processo de
“etiqueta” social que ele sofre. O que caracteriza crime e criminoso é um processo de
rotulagem social, um rótulo que consegue “colar” em determinada pessoa com sucesso e
em outras não. É a reação social que define o desvio.

O sistema penal funciona como um funil. Há processo de seletividade


quantitativa, decorrente da impossibilidade de onipresença do sistema penal, e
qualitativa, que funciona a partir de práticas ritualizadas que buscam aqueles com maior
vulnerabilidade ao Poder Punitivo. Portanto, a população carcerária não é representativa
do total de pessoas que cometem delitos, mas das pessoas que são usualmente
selecionadas pelo Poder Punitivo dentre aquelas muitas que cometem. Essa seleção não
é totalmente casual. A instância mais importante de controle social é a polícia, e não o
juiz, pois é aquela quem, inicialmente, faz o “processo de seleção”.

Estereótipos (Fig. 2) são “figuras na nossa mente”, imagens mentais que


guardamos dos outros e nos servem de orientação do dia-a-dia. Imaginamos um
determinado perfil de pessoa quando pensamos no criminoso, e é esse perfil que norteia
a atuação do sistema penal. O sistema penal funciona por meio de estereótipos, desde o
início de seus estudos. Ex.: “... de cabeça para baixo” - Lombroso.

Assaltante

Fig. 2. Exemplos de estereótipos comuns à nossa sociedade.

A criminologia crítica (ou radical) revela o processo legal devido como


exercício seletivo do poder de punir, mostra o crime como qualidade atribuída a
determinados fatos, a criminalização como um bem social negativo distribuído
desigualmente e, finalmente, o sistema de justiça criminal como instituição ativa na

4
transformação do cidadão em criminoso, segundo a lógica menos ou mais inconsciente
das chamadas meta-regras (ou basic rules).

Dentro desse contexto, FRITZ SACK, estudioso da criminologia Alemã, por


volta dos anos setenta do século passado, definiu alguns aspectos como o momento
decisivo do processo de criminalização: mecanismos psíquicos emocionais atuantes
no cérebro do operador do direito, constituídos de preconceitos, estereótipos,
traumas e outras idiossincrasias pessoais, que explicariam porque a repressão
penal se concentra nas drogas e na área patrimonial, por exemplo, e não nos
crimes contra a economia, a ordem tributária, a ecologia, etc.

Paralelamente a Sack, nos Estados Unidos, a criminologia crítica ou radical teve


como pioneiros os sociólogos Hans e Schwendinger; na Inglaterra, tendo como
desbravadores Taylor, Walton e Young, com a publicação da obra The New
Criminology, em 1973, que, em tese, encontrava-se na mesma linha de pensamento
desenvolvida por Sack, essencialmente de cunho Marxista, cujo fundamento principal
era contemplar o crime e a criminalização como fruto das relações de produção da
sociedade capitalista.

Segundo BACILA, Sack afirmou que ao lado das regras jurídicas que pretendem
regular comportamento, existe um conjunto de regras de interpretação e de aplicação
das regras gerais ou meta-regras. Portanto, as meta-regras consistem em regras sociais
objetivas da sociedade que estão ligadas a estruturas objetivas e baseadas sobre relações
de poder. As meta-regras apresentam um aspecto objetivo (pois são baseadas em
estruturas comportamentais da sociedade) e um outro aspecto subjetivo (pois constituem
mecanismos psíquicos e atitudes subjetivas que atuam na mente do intérprete). Fritz
Sack vinculou completamente o tema das meta-regras a um discurso marxista e
estritamente ligado ao aspecto econômico.

Evidente que a teoria de Sack causou várias críticas, especialmente quanto ao


seu radicalismo no que se refere à Teoria do Etiquetamento (Labelling Approach - esta
desenvolvida por volta dos anos 60 e 70, também do século passado), isto é, além de
Sack não apresentar muitos exemplos sobre as meta-regras, naquele momento, ele era
apontado como um extremista do Labelling, pois foi acusado de atribuir ao crime
somente uma rotulação, sem nenhuma explicação causal (etiológica), crítica essa que
Sack não aceitou.

5
Acontece que mesmo para os casos da pobreza, a teoria das meta-regras
formulada por Sack era bastante restritiva. É que Sack parte de uma Criminologia
Marxista bastante radical, que vê o crime como uma revolta das pessoas oprimidas
economicamente contra o sistema capitalista.

Como, em geral, fica aparente que os crimes tolerados são aqueles realizados por
pessoas com mais recursos (crimes de sonegação fiscal, corrupção, peculato,
banqueiros do jogo de bicho, agiotas) e os mais enfaticamente perseguidos são os
realizados habitualmente por pessoas mais pobres (furtos, roubos, porte ilegal de
armas), a impressão que dá é que os pobres delinquem mais do que aqueles com melhor
poder aquisitivo, além do que, os agentes de repressão contam que a resposta positiva
refletirá em satisfação por parte da sociedade quando estes últimos são mais
combatidos.

As meta-regras expressam todos os preconceitos, estigmas e estereótipos que as


instâncias de controle social utilizam na definição do crime e dos delinquentes,
importando nos mecanismos de seleção e no recrutamento da população marginalizada.

Elas atuam em momentos decisivos, não somente no ato de aplicação da lei ao


fato, mas na própria elaboração das espécies normativas e nos diversos mecanismos que
estão englobados dentro do processo de interação.

Nesse contexto, fica evidente apontar a existência de uma tendência social de


classificação prévia de indivíduos pertencentes a determinados grupos sociais como
potencialmente criminosos. A identificação ou não com certos valores socialmente
aceitos determina uma divisão dos indivíduos em normais ou criminosos. Essa realidade
acaba por legitimar uma série de desigualdades no modo como se aplica a lei penal a
cada um desses grupos. A falta de identificação com alguns valores dominantes
determina que, além das regras de direito, surjam meta-regras de cunho ideológico que
fazem com que a lei penal seja aplicada de modo mais severo a grupos em
desconformidade com esses valores.

Há em cada regra jurídica algo a mais que vai além da tutela de um bem jurídico
ou da determinação de uma conduta. Para cada norma positivada, há um destinatário
ideologicamente definido. Mesmo entre esses destinatários, haverá diferenciação na
aplicação de uma mesma regra. Ou seja, as mesmas regras têm sua aplicação

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determinada por meta-regras de cunho ideológico, que, embora sejam implícitas,
determinam uma dupla-seletividade na aplicação da lei penal.

São valores que povoam o imaginário social e se fazem representar nos vários
discursos formadores da concepção de mundo em um certo contexto histórico-social.
Esses valores situam-se em várias esferas, atuando de um modo tão implícito que, por
vezes, chegam a parecer inerente à própria natureza humana.

Em regra, o infrator humilde (Fig. 3) é


estigmatizado por não ter o potencial necessário para
despertar um mecanismo de identificação; pelo
contrário, ele normalmente é o principal ator do medo
construído pela mídia. É a materialização do medo
industrializado. É o protagonista do perigo
constantemente estampado na mídia.

Fig. 3 - Infrator humilde

As pessoas economicamente desfavorecidas, que, em consequência disso, não


apresentam as exteriorizações dos valores hegemônicos, são percebidas como inimigos
e despertam no agente aplicador do direito um mecanismo de rejeição que faz com que
as regras de Direito sejam a elas aplicadas com maior rigor, determinando um
tratamento mais severo e violento. Para essas pessoas, além da lei penal, há meta-regras
ideológicas que endurecem a lei, atuando no sentido de determinar um tratamento
rigoroso e inflexível.

A realidade do exercício seletivo do poder de punir, encoberta pelo discurso do


processo legal devido, aparece em vários níveis:

- primeiro - no crime, como qualidade atribuída a fatos praticados por


determinados autores;

- segundo - na criminalização, como bem social negativo distribuído


desigualmente conforme a posição social do autor;

- terceiro - no sistema de justiça criminal, como instituição ativa na


transformação do cidadão em criminoso, segundo a lógica menos ou
mais inconsciente das chamadas meta-regras, consideradas o momento
decisivo do processo de criminalização: mecanismos psíquicos

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emocionais atuantes no cérebro do operador do Direito (preconceitos,
estereótipos, traumas e outras características pessoais), que explicariam
porque a repressão penal se concentra nas drogas e na área patrimonial,
por exemplo, e não nos crimes contra a economia, a ordem tributária, a
ecologia.

Na fase da “criminalização secundária” (Fig. 4), ou seja, na efetiva atuação


repressivo-punitiva das agências estatais, essa
característica de desigualdade ficaria ainda
mais nítida, revelando o caráter
eminentemente seletivo do Direito Penal. A
atuação repressivo-punitiva seria claramente
regulada pela “posição ocupada pelos
indivíduos na escala social”, surgindo maiores
possibilidades de criminalização àqueles
ocupantes dos “níveis mais baixos da escala
social”. Fig. 4 - Criminalização secundária

Esse tratamento diferencial da criminalidade de acordo com a sua afinidade com


as classes sociais mais ou menos privilegiadas gera, como consequência, um
agigantamento da chamada “cifra negra” relativa aos crimes afetos às classes
hegemônicas (aquelas que representam, no poder, as demais; que ditam as regras).

A “cifra negra” poderia ser conceituada como “um campo obscuro da


delinquência”, consistindo na existência de um bom número de infrações penais,
variável segundo a sua natureza, que não seria conhecido oficialmente, nem detectado
pelo sistema e, portanto, tampouco perseguido.

Os crimes do “colarinho branco” (Fig. 5)


não têm a mesma visibilidade dos crimes comuns,
que os cidadãos presenciam nas ruas, nos locais
públicos, e que se manifestam de forma grotesca e
notória para o cidadão comum. Estes crimes são de
nenhuma percepção, posto que preparados por
criminosos sofisticados (na maioria das vezes, não
Fig. 5 - Crime do colarinho branco
estão enquadradas dentro do estereótipo sinistro ou de aparência desagradável,
mantendo muitas vezes relações de confiança, portando-se bem vestidas), que usam de

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todos os artifícios possíveis para tentarem esconder suas atividades com uma série de
transações complexas, fruto de “engenharias financeiras”, difíceis de serem descobertas.

Por outro lado, os parlamentares não mostram empenho para aprovar projetos
que podem afetar quem exerce mandatos ou que financiam campanhas políticas de
forma irregular, como a “lavagem de dinheiro” ou o “caixa dois”.

2.2 – SITUAÇÕES EXEMPLIFICATIVAS DAS META-REGRAS

Aqui é importante demonstrar casos e/ou situações que instrumentam o que aqui
foi explicitado na questão das meta-regras da criminologia:

1º)

Por exemplo, ser negro e pobre é algo que se apresenta um desvalor social na
concepção ideológica dominante, enquanto ser um jovem com bom poder aquisitivo
divertindo-se na praia com som em alto volume é visto como um leve excesso da
juventude, tanto mais aceitável quanto mais abastada a classe à qual pertença esse
jovem.

Nesse contexto, pensemos num indivíduo jovem, pobre e negro – o estereótipo


social do criminoso – que entra numa loja de um shopping e furta um chocolate, cujo
valor é de um real.

Com a ajuda da zelosa sociedade de bem, ele será detido, mostrado à imprensa e
entregue ao sistema penal, no qual será tratado com desprezo e arrogância. Quem
manda ser bandido!

Mas naquele mesmo dia, como em muitos e muitos outros, o bom pai de família,
proprietário da loja furtada, deixou de recolher o imposto devido, por achar que já
pagava demais. A cada R$ 100,00 de venda não declarada, ele embolsava em torno de
R$ 20,00 de dinheiro público. No dia que o bandido lhe furtou o chocolate, ele havia
deixado de declarar a venda de pelo menos R$ 2.000,00. Com isso, ele se apropriou,
criminosamente, de R$ 400,00 de dinheiro público. Haverá imprensa a mostrar-lhe a
cara envergonhada? Haverá policiais e algemas em seu estabelecimento? Haverá
promotor de justiça a discursar ferozmente contra ele? Provavelmente estarão muito
ocupados com o garoto do chocolate para darem atenção a esses crimes irrisórios.

9
2º)

Um aluno de Direito que surpreende um pivete, em seu automóvel, tentando


furtar o CD player, adquirido no Paraguai, sem o pagamento do imposto devido. A
polícia chega e apreende o garoto. No carro do estudante, há ainda dezenas de CDs
pirateados – ou seja, uma série de crimes! - que, somado o que deixou de pagar de
direitos autorais, superariam o próprio valor do aparelho cujo furto foi tentado. Por que
esse estudante não teme que o policial queira lhe incriminar por estar negociando
mercadoria ilícita e ainda portando um produto sem o devido documento de
legalização? Porque ele sabe que o sistema, mesmo que inconscientemente, não
podendo perseguir todos os crimes, perseguirá preferencialmente o crime que é
cometido pelos mais pobres e de maior impacto na sociedade em geral.

3º)

Aqui se coloca mais uma situação lógica: uma pessoa melhor instruída, com um
poder aquisitivo mais abastado, pode comprar uma arma de fogo e requerer seu
registro e ainda requisitar o porte de arma. Em outra situação, um cidadão pobre e
com pouco nível de instrução, que às vezes adquire uma arma por meios escusos e não
detém uma cultura suficiente para compreender sequer o que representa um porte de
arma, naturalmente que numa averiguação policial portará tal arma sem o
preenchimento dos ditames legais, e por isso será enquadrado como criminoso. Nessa
ótica, certamente fica um estigma de que a polícia somente toma armas de pobres,
repreendendo-os, e para piorar a justiça ainda ampara tal “disparate” social de
classes.

10
III – AVALIAÇÃO ESTATÍTICA DO SISTEMA PRISIONAL LOCAL E DO
PAÍS

3.1 – SITUAÇÃO LOCAL

A fim de trazer ao trabalho uma consistência maior dos argumentos aqui


expendidos, fez-se uma pesquisa de levantamento de dados, nos dias 20 e 21 de outubro
de 2010, junto à PHAC (Penitenciária de Segurança Máxima Harry Amorim), sendo
que algumas conclusões podem ser tiradas dos dados apresentados.

Em primeiro momento, fez-se um levantamento da capacidade de lotação e do


número de internos lá presentes, naquele momento, a saber:

Número de Vagas Internos % Situação


718 1213 69% a mais da capacidade
Obs.: Todos os internos são do sexo masculino.

Análise:
 Com base no número de vagas existentes e o número de internos, percebe-se
a gravidade do estado de superlotação em que se encontra o estabelecimento,
isso porque, como adiante será demonstrado, apresentam-se os tipos de
delitos cometidos e, por consequência, os delituosos ali reclusos.

 Dentro dessa ótica, indiscutível consentir que houve / há, no sistema penal,
um preselecionamento do tipo de delito, a fim de se proceder a reclusão do
delinquente, mesmo porque, certamente, não haveria lugar para reprimir,
com a reclusão, todo e qualquer tipo de delinquência.

Faixa Etária Quantidade


18 a 20 anos 70 6%
21 a 25 anos 300 25%
26 a 35 anos 518 43%
36 a 45 anos 222 18%
46 a 55 anos 78 6%
56 a 60 anos 15 1%
mais de 60 anos 10 1%
1213 100%

Análise:
 Até os 35 anos de idade estão 74% dos internos. No entanto, é de se
consentir que, em regra geral, não há um limite de idade para o cometimento
do crime. Tal fato se dá, necessariamente, porque o tipo de crime que o
sistema entende como passível de uma punição mais exemplar, com a

11
reclusão, são aqueles cometidos, em grande número, por aqueles indivíduos
que ainda não estão “maduros”.

50
43%

Faixa Etaria (%)


40

30
25%

20 18%

10 6% 6%
1% 1%
0
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os

os

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an

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25

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55

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de
18

21

26

36

46

56

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Cor declarada
Indígena 36 3%
Pardo 533 44%
Negro 86 7%
Branco 558 46%
1213 100%

Análise:
 Mesmo havendo um estigma de que a raça negra ou parda são geralmente os
mais perseguidos pelo sistema repressor, tal assertiva não se aplica no
presente caso, pois o que aqui se apresenta é que os considerados “brancos”
também têm praticados os mesmos tipos de crimes considerados puníveis
pela sociedade.
 Tal conclusão pode, entretanto, ser refutada pelo seguinte aspecto: a etnia
parda / negra pode até ser alvo daqueles que fazem a primeira abordagem
(polícia), mas quando analisado o caso pelo judiciário não há sustentação
para aplicação de pena de restrição pelo suposto crime; pode também ocorrer
que a abordagem policial não desemboque na questão processual.
50 46%
44%
Cor declarada (%)

40

30

20

10 7%
3%
0
s

s
s

os
do

ro
na

nc
eg
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Pa

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N

B
In

12
Grau de escolaridade
Analfabeto 6% 73
Alfabetizado 2% 22
Ensino Fundamental Incompleto 73% 889
Ensino Fundamental completo 5% 61
Ensino Médio Incompleto 10% 116
Ensino Médico completo 4% 49
Superior completo 0% 3
100% 1213

Análise:
 Analisando a questão do grau de escolaridade do delinquente recluso, se
pode concluir que a educação talvez seja o melhor “remédio” para a redução,
pelo menos, da possibilidade de redução do número de criminosos reclusos,
especialmente em se considerando os crimes que a sociedade entendem
como passível de repreensão mais rígida (prisão).
 Chega a ser, em primeira análise, impactante a constatação de que aqueles
que cometeram os delitos objetos da reclusão compreendem 81% daqueles
que sequer concluíram o Ensino Fundamental.

80 73%
Grau de Escolaridade

60
(%)

40

20
10%
6% 5%
2% 4% 0.25%
0
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E

Crime praticado
Art. 12, Lei 6368/76 14% 170
Crimes Sexuais (213, 214, 217 - CP) 6% 73
Art. 121, CP 12% 146
Art. 155, CP 14% 170
Arts. 33, 35 e 40 Lei 11.343/06 33% 400
Art. 180, CP 4% 48
Art. 157, CP 16% 194
Art. 157, § 3º, CP 1% 12
100% 1213

13
Análise:
 Analisando a estatística concernente ao tipo de delito praticado, que
implicou na reclusão do delituoso, fica patente o tipo de crime que a
sociedade ou o sistema coercitivo do Estado entende como passível de uma
punição mais rígida.

 Os crimes que envolvem o tráfico de drogas, roubo e furto representam


78% do total de internos.

 Por surpresa, e até mesmo para ratificar a posição da teoria das “meta-
regras”, não há nenhum criminoso cerceado da liberdade (recluso) na espécie
e tipificação criminal da “sonegação fiscal” ou o popular crime do
“colarinho branco”.

40
Crime praticado (%)

33%
30

20
16%
14% 14%
12%
10
6%
4%
1%
0
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35 P

15 P
15 , CP
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Dos internos que são beneficiados com progressão de regime, cerca de 30% acabam por
retornar à PHAC; destes, 12% cometeram novo delito.

De igual forma, também se fez um levantamento estatístico junto à UNEI


(Unidade de Dourados), compreendendo o sexo masculino e feminino.

Convém salientar que de acordo com a legislação brasileira, apenas as crianças


até 12 anos são inimputáveis – isto é, não podem ser julgadas ou punidas pelo Estado.
Se cometerem crime, nada sofrerão.

14
No entanto, de 12 a 18 anos, o jovem infrator será levado a julgamento numa
Vara da Infância e da Juventude e está sujeito a várias punições, tais como:
advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade,
liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em
estabelecimento educacional.

Masculino 30 internos
Tipo de Delito:
Tipo de Delito 12
Tráfico de Drogas 8
10
Homicídio - Tent. 10
Roubo 6 8
Receptação 3
6
Quebra de medida / 3
fuga 4
Faixa Etária
13 anos 1 2
14 anos 2
0
15 anos 4
Tráfico de Homicídio - Roubo Receptação Quebra de
16 anos 8
Drogas Tent. medida / fuga
17 anos 9
18 anos 6
Grau de Escolaridade
NI 5 Faixa Etária:
4ª EF 2 10
9
5ª EF 4
8
6ª EF 11
7
7ª EF 2
6
8ª EF 4
5
1º EM 2
4
3
2
1
0
13 anos 14 anos 15 anos 16 anos 17 anos 18 anos

Grau de escolaridade:
12

10

0
NI 4ª EF 5ª EF 6ª EF 7ª EF 8ª EF 1º EM

15
Feminino 9 internas
Tipo de Delito
Tráfico 5
5
Roubo 1 Tipo de Delito:
Faixa Etária 4
15 anos 1 3
16 anos 4
17 anos 1 2
Grau de Escolaridade 1
5ª EF 1
0
6ª EF 2 S1
8ª EF 2 Tráfico
1º EM 1 Roubo

4
2
3,5
3 1,5
2,5
Faixa Etária: 1
2
1,5 0,5
1
0
0,5
5ª EF S1
6ª EF
0 8ª EF
1º EM
S1
15 anos
16 anos Grau de escolaridade:
17 anos

Análise:
 Com base nos levantamentos efetuados junto à UNEI – DOURADOS, tanto
masculina quanto feminina, é possível analisar com propriedade onde,
realmente, sintoniza o problema-chave da criminalização, qual seja: no
tráfico de drogas, nos furtos / roubos e nas tentativas de homicídio /
homicídio. Isso vem desde a mais tenra idade.
 Não obstante ainda não haver um aparelhamento adequado de informações,
em entrevista junto à assistente social da Unidade masculina, fica evidente
que quando a tipificação do crime refere-se à furtos e drogas, há uma
reincidência muito grande dos menores apreendidos.
 Por outro lado, na maioria deles (internos) houve um desregramento
familiar: pais separados, moram com os avós, etc., fato esse que
possivelmente influenciam nos primeiros passos à delinquência.
 Ademais, a maioria absoluta, senão a totalidade dos internos é pertencente à
família com renda de no máximo cinco salários mínimos, podendo ser
enquadrados como “pobres”.

16
3.2 – SITUAÇÃO NACIONAL

No mesmo sentido da pesquisa realizada na PHAC, coletou-se dados estatísticos


junto ao Ministério da Justiça, a fim de aquilatar informações acerca da realidade
nacional. Assim e nessas condições, as comparações referem-se à faixa etária, aos tipos
de crime praticados (objeto de detenção), os níveis de escolaridades dos detentos e a cor
dos meliantes, conforme se verifica dos dados coletados do governo nacional, no sítio
do Ministério da Justiça, que se segue:

Gráfico 01 - Sistema Penitenciário no Brasil – dados consolidados – ano 2009

Análise:
Ano 2009:
 No Brasil, como se percebe, 77% dos internos estão na faixa etária
entre 18 a 34 anos; não difere do número da PHAC, que conta com
75% de detentos até 35 anos de idade.

 Não obstante algumas peculiaridades regionais, o certo é que por ser a


PHAC de segurança máxima, e por tal motivo recebe reclusos de
praticamente todo o país, isso sem falar que o crime de tráficos de

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drogas faz com essa condição se torne mais enfática, faz com que a
realidade nacional reflita a realidade local.

Fonte: Ministério da JustiçaJ/Infopen.................

Análise:

Ano 2009:
 Em Dourados, como no Brasil, a incidência maior de delitos está
relacionada a roubos, furtos e entorpecentes (65%), sendo que os
crimes contra a fazenda pública, os do “colarinho branco”, não têm
um tratamento individualizado do Ministério da Justiça, presumindo-se
isto se dar em razão do baixo índice de registro.

 Por oportuno, questiona-se a ausência estatística do crime do


“colarinho branco”: Tal ausência não se dá em virtude do desinteresse
do Estado brasileiro em combater de forma mais efetiva da crime?

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Escolaridade - Brasil - ano 2009
População Carcerária % número
Analfabeto 6,26 26091
Alfabetizado 11,88 49521
Fundamental incompleto 42,83 178540
Fundamental Completo 16,16 67381
Médio Incompleto 10,58 44104
Médio Completo 7,44 31017
Superior Incompleto 0,71 2942
Superior Completo 0,41 1715
Acima de Superior Completo 0,01 60
Não Informado 3,71 15475
Total 100 416846

Análise:
Ano 2009:
 Os números, em nível nacional, apontam que 60,97% dos internos não
completaram o Ensino Fundamental, contra 81% da PHAC,
demonstrando que, tanto aqui em Dourados como no território nacional o
fator escolaridade é causa determinante de delinquência.

Sistema Penitenciário no Brasil – dados consolidados – junho/2006


Fonte: Ministério da JustiçaJ/Infopen

Cor de pele / Etnia – junho/2006:


Indígena 673 0%
Parda 167.600 41%
Amarela 2.491 1%
Negra 65.832 16%
Branca 144.436 35%
outras 8.525 2%
Correção de itens inconsistentes 21.600 5%
Total 411.157 100%

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Análise:
 Conforme os dados apresentados, a população carcerária nacional negra é
minoria em relação a pardos e brancos, mas, para a sociedade e para a polícia,
é fato conhecido por todos que a etnia negra é, sim, fator de estigma;

 Na realidade, o que se percebe através dos números do Ministério da Justiça é


que no Brasil há muito mais pessoas de pele branca presas do que aquelas que
se declaram negras, contrariando o ditado popular que diz: “só preto, pobre e
„puta‟ é que vão para a cadeia”.

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IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Certamente a aplicação diferenciada da prática punitiva penal é constante com


relação às esferas menos favorecidas economicamente, composta justamente de pessoas
que, por suas condições socioeconômicas limitadas, não possuem as características que
determinam a aceitação social, de modo que são, em geral, rejeitadas por carregarem o
estigma de não serem como o senso médio determina. Em vista disso, observa-se uma
maior repressão em relação aos infratores e aos delitos cometidos no interior dos
segmentos mais pobres da sociedade.

Indaga-se, então, o por quê de tal preferência? Porque os mais pobres não
reclamam de abuso de autoridade, geralmente não conhecem seus direitos, não são
acompanhados de advogados e seus estratagemas emperrantes da investigação policial.
E, ainda, porque prender os mais pobres dá a impressão de “missão cumprida”,
enquanto que prender os mais ricos, além de ser um risco à carreira policial, muitas
vezes, pode parecer um sintoma de inveja. Aplica-se, nesse caso, “in dúbio” contra
mísero, como dizem os estudiosos da criminologia crítica.

Ademais, a sociedade, de maneira geral, como já amplamente debatido neste


trabalho, aceita determinada conduta delituosa como normal. Dirão alguns que piratear
CDs é muito diferente do que furtar chocolates. Nem tudo que é crime para a lei é crime
para a sociedade, como já dito. Não fornecer a nota fiscal devida, fotocopiar grande
parte das obras de autores em “xerox” de universidades, baixar clandestinamente
músicas da internet, apostar no “jogo do bicho”, entre outras condutas, são criminosas
para o Estado, mas, em geral, bem aceitas pela sociedade.

Alguns até argumentam que “o jogo do bicho” é como um outro jogo qualquer
(daqueles amparados pelo governo – loterias da CEF), sendo a única diferença porque
não paga imposto. Daí pressupõe que o pagamento do imposto é que faz com que algo
não seja ilícito, não importando, em primeiro plano, a forma em si, em linhas gerais.

Ante tudo o que aqui já foi exposto, também é possível deixar algumas
indagações:

 Compras no Paraguai (sonegação fiscal):


a) Quantos fazem compra no Paraguai sem recolher o tributo de
importação e são presos em virtude da sonegação fiscal, ou até
mesmo sofrem uma simples autuação?

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b) Numa fiscalização alfandegária são fiscalizados ônibus de
“sacoleiros” OU carros particulares, especialmente aqueles de maior
poder aquisitivo onde certamente trazem um volume individual de
compra acima do permitido, e sem legalização?

 Furtos e roubos (presos) versus crime de Sonegação Fiscal:


a) Em linhas gerais: há maior número de furtos / roubos OU de
sonegação fiscal? Quanto aos reclusos, quem representa o maior
número?

 Pobre, analfabeto, que fala gírias e tem tatuagens (seres


estigmatizados):
a) Quem é mais perseguido pela polícia: os pobres, analfabetos, que
falam gírias e têm tatuagens OU uma pessoa que estudou e fala bem,
e tem uma vestimenta melhor?

b) Quem, na ordem de preferência, geralmente, é perquirido em último


momento, numa ronda policial?

A pesquisa levantada junto à PHAC e à UNEI (Dourados) demonstra claramente


a justificativa da teoria das meta-regras. É evidente que muitas outras questões
poderiam ser suscitadas e objetos da pesquisa. Entretanto, o levantamento efetuado
pautou-se tão somente nas questões que pudessem justificar o tema objeto da pesquisa,
de modo que nada se obste num melhor aprofundamento para efeito de levantamentos
outros que possam melhor adequar o trabalho, numa linha mais ampla.

No concernente à realidade nacional, certamente nada difere da realidade local


(PHAC), em se analisando os fatores que foram objetos da pesquisa: relativo à faixa
etária, aos tipos de crime praticados (objeto de detenção), os níveis de escolaridades
dos detentos e a cor dos meliantes.

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V – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BACILA, Carlos Roberto. Preconceitos: duas obras inacabadas sobre estigmas.


Disponível em:
http://www.plenojuris.com.br/artigos/Estigmasumestudosobreospreconceitos.doc –
Acessado em 28.10.2010.

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 2ª ed., Freitas


Bastos, 1999.

BISSOLI FILHO, Francisco. Sanção Penal e suas Espécies. Juruá Editora, 2010.
_________. Estigmas da Criminalização. Ed. FURB, 1999.

BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Disponível em: http://portal.mj.gov.br –


Acessado em 03.11.2010.

CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A Criminologia Radical. 3. ed. Ed. Lúmen Júris,
2008.

URBANSKI, Rodrigo Barbosa. Criminologia crítica: um suspiro na modernidade.


Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/50032/1/Criminologia-Critica-Um-
Suspiro-na-Modernidade/pagina1.html. Acessado em 03.11.2010.

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