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UNIDADE CURRICULAR: Justiça , Segurança e Criminalidade

CÓDIGO: 41103

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TRABALHO / RESOLUÇÃO:

I.

A Justiça é a primeira e mais importante propriedade das instituições sociais e procura


equilibrar dois conceitos fundamentais: a liberdade e a igualdade.
Na atribuição de direitos e deveres e na partilha de vantagens sociais, a justiça atua
primariamente na sociedade; numa sociedade justa, os direitos não estão sujeitos a
influências políticas ou interesses sociais. Na sua origem Direito significava “aquilo que
é justo” ( ius rectum ). As leis querem-se justas, “leis verdadeiras são as leis verdadeiras
e justas dadas no sentido do bem comum”1 já que as injustiças são normalmente fontes
de conflito.
Para assegurar o funcionamento da justiça, existe um sistema legal que atua como
garantia dos nossos direitos e liberdades e para proteger a nossa segurança e certificar-
se que a sociedade opera de forma ordeira. Esse sistema serve para resolver disputas,
mediar conflitos e punir infratores, não com uma intenção vingativa, mas formativa,
estruturando a malha social e consciencializando os cidadãos.
De seguida, enumeramos algumas conceções teóricas na análise da justiça, no estudo do
que é justo ou injusto.
A teoria da privação relativa foi introduzida por Stoufer em 1949 e parte da ideia de que
a avaliação da situação em que nos encontramos ou dos benefícios que recebemos é
relativa. Comparamos a nossa situação com uma situação padrão ( expetativa ) e
avaliamos a situação concreta ( realidade ). O resultado dessa comparação pode levar à
insatisfação e a um sentimento de injustiça. A privação é relativa porque não parte de
uma situação objetiva. As pessoas avaliam o seu estado comparando-o com a dos outros
ou comparando a sua situação com situações passadas e considerando o que merecem.
Um dos critérios para esta comparação é o contexto social e por isso esta teoria pode
ajudar a explicar ações de protesto coletivo, quando as pessoas acham que não têm o
que merecem.
A teoria da justiça distributiva está relacionada com a ligação entre contribuições e
compensações. Prende-se com a ideia de legalidade e igualdade dentro da sociedade
política: igualdade tanto nos encargos como nas vantagens, embora por vezes a
desigualdade possa ser percebida como justa. Por exemplo, quem tem rendimentos mais
elevados paga mais impostos, mas os direitos sociais são distribuídos e estão acessíveis
para todos, paguem o que pagarem.
A teoria da justiça procedimental ( ou processual ) surgiu na década de setenta e teve o
seu apogeu nos anos 80 e 90. Para o indivíduo envolvido num litígio considerar que
teve um julgamento justo, é igualmente importante o resultado da decisão do tribunal e
o modo como o julgamento foi conduzido. Diz respeito à transparência dos processos
utilizados para se chegar às decisões.
Quando é dada aos participantes a possibilidade de expressarem a sua opinião e de
terem mais controlo, os processos de decisão são considerados mais justos..
A teoria da justiça retributiva concentra-se na punição, castigo do infrator. Quando as
leis não são cumpridas, há que decidir se alguém deve ser punido e em que grau e qual o
tipo de punição. A grande maioria das sociedades dispõe de mecanismos institucionais
para lidar com essas infrações: a sanção é a reação do Estado contra o indivíduo que
viola as normas sociais e o seu dever é cumprir uma pena, pagando assim a sua dívida
ao Estado e à sociedade. Esta abordagem concentra-se na reprovação do infrator e essa
sanção funcionada como compensação do lesado.
O modelo da teoria da justiça retributiva não tem sido eficaz nem na diminuição no
número de crimes nem na reabilitação dos criminosos..
Nas duas últimas décadas do séc. XX surge, como resposta a este fato, a Teoria da
Justiça Reparadora e a criação de políticas e programas com base neste conceito.
Este conceito envolve os três elementos envolvidos na infração: vítima, agressor e
comunidade a que ambos pertencem. A ideia é tentar resolver o conflito pela via da
reconciliação e não do castigo e permitir aos participantes algum controlo sobre o
conflito. Dá à oportunidade à vítima de confrontar o seu ofensor, através de encontros
que envolvem mediação, de explicar o efeito da agressão na sua vida e propor maneiras
de indemnização. Estas podem ser tão variadas como pagamentos, trabalho comunitário
ou alguma ação mais específica que beneficie a vítima. Por seu lado o agressor, pode
explicar porque praticou o crime, aceitar a responsabilidade e demostrar remorso e
culpa.
Este modelo tem sido aplicado sobretudo no crime juvenil ( casos em que os ofensores
são jovens ) e em situações que de outra forma seriam difíceis de chegar ao sistema
judicial como o bullying, por exemplo. Esta abordagem tem grande aceitação na opinião
pública e aumenta a satisfação com o sistema judicial.
Resta referir a justiça restaurativa, que, em linha com a teoria da justiça reparadora, é
uma corrente que vê o crime não apenas como uma violação da lei mas como causador
de danos aos participantes ( vítima, comunidade e ofensor ) e que aposta na
interferência de uma terceira parte imparcial para resolver o conflito. Esta noção de
justiça traz benefícios para o sistema judicial, nomeadamente a aproximação e melhor
entendimento do sistema judicial , a redução de custos com os processos, a
simplificação e agilização dos processos, entre outras.
Finalmente, a justiça terapêutica que resulta do desajustamento do sistema punitivo e
estuda o papel da lei e a sua aplicação como agente terapêutico, abordando as leis de
uma perspetiva mais humana e compreensiva.

José Joaquim, Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Coimbra,
1

Almedina, pp 713/4

II.

O que leva as pessoas a praticarem crimes? Os primeiros estudos sobre as causas da


violência e da criminalidade procuravam encontrar uma causa geral para o
comportamento criminoso; uma vez encontrada tal causa, poderia ser eliminada e a
sociedade estaria livre de atos criminosos.
A grande maioria dos indivíduos encarcerados são pessoas de meios económicos e
sociais desfavorecidos, não porque são mais violentos mas porque os seus atos tendem a
ser mais criminalizados.
Vamos, de seguida, abordar as diferentes perpetivas de estudo de violência e crime.
A perspetiva biológica explica a prática do crime a partir da estrutura orgânica do
indivíduo, distinguindo, com base em características biológicas o sujeito criminoso do
não criminoso. Tenta fornecer uma explicação para as causas do crime. Esta abordagem
foi desenvolvida especialmente por Cesare Lombroso, um psiquiatra e criminologista do
sec. XIX. Ele apresentou a teoria evolucionista, em que o criminoso tem certas
características físicas e anatómicas ou alguma doença cerebral, que tornariam possível
perceber quais os sujeitos que estariam, hereditariamente, mais predispostos ao crime.
Esta teoria, que está incluída na Teoria das Patologias Individuais e podem ser de
natureza biológica, psicológica e psiquiátrica, foi abandonada no fim da Segunda
Guerra Mundial por ter sido considerada racista.
A perspetiva económica inclui duas teorias: a teoria da anomia e a teoria da escolha
racional. A teoria da anomia defende que a violência tem origem nas condições
económicas do indivíduo e ele sente-se impelido a violar as normas para ter acesso a
algo mais. A motivação é o sucesso económico, por exemplo.
Na abordagem da teoria da escolha racional, como o nome indica, o sujeito faz uma
escolha considerando as vantagens e desvantagens, os custos e os benefícios e as
consequências do seu ato.
Sob a perspetiva sociológica, consideramos a Teoria do Controlo Social e a Teoria da
Desorganização Social. Nesta última, o crime é relacionado negativamente com coesão
social sendo que o foco são as comunidades locais. Problemas relacionados com
desajuste social, tráfico e consumo de drogas, ambientes familiares desajustados ou
violência doméstica estariam na origem da violência e da criminalidade por impedirem
a adequada integração dos indivíduos na sociedade.
A teoria do controle social procura entender por que algumas pessoas se afastam da
prática de delitos e tenta explicar as razões deste fenómeno. Ao contrário das outras
teorias que procuram refletir sobre o porquê das pessoas cometerem crimes, esta teoria
debruça-se sobre o porquê das pessoas não cometerem crimes. A teoria geral do
controle social tem uma contribuição importante para explicar a delinquência, por
exemplo, e conclui que quanto mais envolvido estiver o cidadão no sistema social,
quanto maiores forem os seus laços com a sociedade, menores serão as hipóteses de
esse sujeito se tornar um criminoso.
Em seguida tratamos as terias de perspetiva psicológica, como a Teoria do auto-controlo
e a Teoria da aprendizagem social.
Teoria do auto controlo: aborda os indivíduos com comportamentos desviantes, como
consumo de drogas ou álcool e que não desenvolveram mecanismos de auto-controlo
nas fases de vida adequadas, entre os dois, três anos e a adolescência. Esta lacuna leva a
uma deformação no processo de socialização da criança ou jovem e ela age de acordo
com os seus interesses e sem considerar as consequências. Procura explicar o conceito
de delinquente como alguém que não tem em consideração os direitos dos outros em
ordem a satisfazer as suas necessidades, mas é criticada por ser demasiado genérica e
difícil de analisar e não fornece um sentido causal entre auto-controlo e crime.
Na Teoria da aprendizagem social, os indivíduos, sobretudo jovens, determinam os seus
comportamentos a partir das suas vivênciais pessoais em situações de conflito. O
comportamento favorável ou desfavorável ao crime estaria relacionado com essas
experiências e os seus efeitos poderiam levar ao crime.
A Teoria do estilo de vida considera que existem três participantes: uma potencial
vítima, um potencial agressor e um conjunto de recursos definidos pelo estilo de vida da
potencial vítima que lhe confere proteção. Esta teoria não veicula a ideia de causar um
crime e não é clara a sobre as causas que levam os indivíduos a cometerem o crime.
Teoria da aprendizagem social. Parte da hipótese de que as bases do comportamento
humano têm a sua aprendizagem nas experiências e vivências diárias ao dispor do
indivíduo. O crime é um comportamento ou hábito adquirido, isto é, uma resposta a
situações reais.

Bibliografia

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