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3 EFETIVIDADE DE UM PROGRAMA DE ESTIMULAÇÃO

COGNITIVA EM IDOSOS COM DÉFICE COGNITIVO LIGEIRO


| Ana Rita Dias Costa1; Carlos Sequeira2 |

RESUMO ABSTRACT
Nos últimos anos têm surgido alguns investigadores cen- *OSFDFOUZFBSTTPNFSFTFBSDIFSTGPDVTFEPOUIFWBMVF
trados na valorização das intervenções que estimulam a of interventions to stimulate cognition, based on the
cognição, baseadas no pressuposto de que o défice cog- BTTVNQUJPOUIBUUIFNJMEDPHOJUJWFJNQBJSNFOU .$*

nitivo ligeiro (DCL) se constitui como um grande fator presents a major risk factor for developing dementia.
de risco para o desenvolvimento de demência. Contudo, )PXFWFS  UIFSF JT TUJMM OP DPOTFOTVT PO FČFDUJWF UFDI-
ainda não existe um consenso efetivo sobre as técnicas niques and interventions recommended that show
e intervenções que revelam uma maior efetividade, bem greater effectiveness, and also their systematization.
como a sua sistematização. Objetivo: Avaliar a efetividade Objective: To evaluate the effectiveness of a program of
de um programa de estimulação cognitiva em idosos com cognitive stimulation in the elderly with mild cognitive
défice cognitivo ligeiro. Método: Optou-se por um es- impairment. Method: A quasi-experimental, quantified,
tudo quase-experimental, de caracter quantitativo, com design with pre and post-test and control group. The
desenho pré e pós-teste e grupo controlo. Participaram TUVEZJOWPMWFEFMEFSMZXJUI.$*JODMVEFEJOUIFFY-
no estudo, idosos com DCL: 17 no grupo experimental perimental group, and 16 included in the control group.
e 16 no grupo controlo. Os participantes do grupo ex- The experimental group participated in a program of
perimental foram alvo de um programa de estimulação cognitive stimulation. Results: The main results showed
cognitiva. Resultados: Os principais resultados demon- that, after evaluation of pre and post-test in the experi-
straram, após a avaliação entre o pré e pós-teste no gru- mental group, and between the post-test both groups,
po experimental e entre o pós-teste de ambos os grupos, an improvement in orientation, short-term memory,
uma melhoria a nível da orientação, da memória a cur- language and visual-space guidance. There were no sub-
to prazo, da linguagem e da orientação visuo-espacial. stantial changes in activities of instrumental and daily
Não foram percetíveis alterações a nível das atividades living. Great improvement was verified in the experi-
de vida diárias e instrumentais. Foi notória no grupo mental group regarding the use of memory strategies,
experimental, uma significativa melhoria na utilização mainly the external ones, as well an improvement in
das estratégias da memória, essencialmente as externas, face- name association. Conclusions: The implementa-
bem como uma melhoria na associação face-nome. Con- tion of a cognitive stimulation program is essential in
clusões: A implementação de um programa de estimu- people with mild cognitive impairment in order to en-
lação da cognição é fundamental em pessoas com défice hance cognition, improve the autonomy and minimize
cognitivo ligeiro, de modo a potenciar a cognição, mel- the impact of deficits.
horar a autonomia e minimizar o impacte dos défices.

1"-"73"4$)"7&Envelhecimento; Défice Cog- KEYWORDS: Aging, mild cognitive impairment,


nitivo Ligeiro; Programa de Estimulação Cognitiva; cognitive stimulation program, Effectiveness.
Efetividade

1 Enfermeira Graduada; Pós-graduação em Gerontologia Social; Pós-licenciatura e Especialização em Saúde Mental e Psiquiatria; Mestrado em Enferma-
HFNEF4BÞEF.FOUBMF1TJRVJBUSJB6OJEBEFEF$VJEBEPTOB$PNVOJEBEFEB4FOIPSBEB)PSBo6OJEBEF-PDBMEF4BÞEFEF.BUPTJOIPT &1&FNBJM
BSJUBEDPTUB!HNBJMDPN
2 Prof. Coordenador; Doutor em Enfermagem; Escola Superior de Enfermagem do Porto; Departamento/Unidade Científico Pedagógica – Enfermagem
EJTDJQMJOBQSPĕTTÍPFNBJMDBSMPTTFRVFJSB!FTFOGQU

Submetido em 30/03/13 – Aceite em 30/04/13


Citação: $PTUB "3% 4FRVFJSB $ 
&GFUJWJEBEFEFVN1SPHSBNBEF&TUJNVMBÎÍP$PHOJUJWBFN*EPTPTDPN%ÏĕDF$PHOJUJWP-JHFJSP3FWJTUB1PSUVHVFTBEF&OGFS-
magem de Saúde Mental, (9), 14-20

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INTRODUÇÃO Perante estas evidências torna-se necessário desen-
volver esforços que possibilitem a identificação pre-
O envelhecimento demográfico é hoje um fenómeno
coce dos défices cognitivos nos idosos bem como o
que ocorre à escala mundial, que se acentua nas so-
desenvolvimento de intervenções terapêuticas em
ciedades ditas desenvolvidas, em consequência do
fases iniciais (Petersen & Selamawit, 2008), preve-
aumento da esperança de vida e do declínio da natal-
nindo assim maiores consequências que irão impli-
idade. Prevê-se que em 2020, a proporção de idosos
car a diminuição da qualidade de vida, da autonomia,
ȴBOPT
BVNFOUFQBSBPT  */& 

maiores custos e problemas sociais. Perante o atual
A área da saúde mental no idoso torna-se cada vez
desenvolvimento das terapêuticas farmacológicas, as
mais premente, devendo os especialistas na área, no-
intervenções de estimulação cognitiva, sendo bem
meadamente os profissionais de enfermagem, reunir
delineadas e estruturadas, constituem um coadju-
esforços para que se consigam oferecer melhores
vante essencial (Kinsella, et al. 2009).
respostas, ou seja, mais diferenciadas, com maior
Neste sentido, este estudo pretende avaliar a efetivi-
efetividade, de proximidade e de preferência no seu
dade de um programa de estimulação cognitiva em
contexto. Este estudo centrou-se no envelhecimento
idosos com DCL, tanto a nível funcional como cog-
cognitivo, mais propriamente no défice cognitivo
nitivo.
ligeiro (DCL), que constitui uma problemática re-
centemente instituída como uma entidade diagnósti- METODOLOGIA
ca, despertando o interesse de vários investigadores. Na metodologia serão explicitados os objetivos, mé-
O DCL constitui-se um estádio de transição entre as todos e estratégias de análise dados que possibilitem
alterações cognitivas ditas normais do envelhecimen- uma melhor compreensão dos resultados.
to e um estádio inicial de demência (Petersen & Sela-
mawit, 2008). Ao longo do tempo têm sido definidos Finalidade e Objetivos
critérios de diagnóstico, sendo os estabelecidos por O estudo permitiu essencialmente analisar a efetivi-
Petersen, Stevens & Ganglui (2001) os mais consen- dade de um programa de estimulação da memória
suais na comunidade científica e como tal utilizados em idosos com DCL, avaliando as implicações a nível
neste estudo. Tem vindo a ser documentada em vários cognitivo e funcional, bem como no seu quotidiano.
estudos, uma elevada taxa de progressão para demên- A finalidade reside em dar contributos para a cria-
cia, mais propriamente para doença de Alzheimer, ção de padrões de qualidade do exercício profissional
em pessoas com diagnóstico de DCL (Petersen & Se- dos enfermeiros no âmbito da implementação de
lamawit, 2008). Estima-se que a prevalência de DCL programas de estimulação cognitiva em idosos com
na população esteja entre 3% a 17% e a taxa de in- DCL.
cidência de novos casos por ano, entre 9.9% e 21,5% O estudo tem como principais objetivos: identifi-
(Mariani, Monastero & Mecocci, 2007). car as características sociodemográficas dos idosos
Com a continuidade na investigação sobre o DCL, o com DCL da área de abrangência de uma Unidade
conceito passou a incluir défices em outros domínios de Cuidados na Comunidade (UCC) e do seu perfil
cognitivos (Petersen, et al., 2008), tal como descrito cognitivo e funcional, avaliar o impacto na cognição
no quadro 1. associada à implementação de um programa de es-
Subtipos de DCL timulação e analisar a relação entre o perfil cognitivo,
o nível funcional e a efetividade de um programa de
Mnésico O défice da memória é o fator predominante,
sendo a forma mais comum de DCL e a de estimulação cognitiva.
maior risco para evolução para Doença de Tipo de Estudo
Alzheimer.
O estudo é de carácter quase-experimental, prospe-
Múltiplos Declínio em vários domínios cognitivos,
mas não de gravidade suficiente para con- tivo quanto ao tempo, com um desenho de pré-tes-
domínios
stituir demência. É considerado mnésico te/pós-teste com grupo controlo não equivalente, e
múltiplos domínios quando um dos défices baseado no paradigma quantitativo. Este estudo foi
é na memória e não mnésico quando a realizado em parceria com dois outros estudos, desig-
memória não é afetada.
nados “Caracterização do Potencial Cognitivo e Fun-
Domínio Défice num único domínio que não a cional dos utentes com idades entre os 65 e 75 anos
único não memória, como a função executiva, visuo-
espacial, de processamento ou linguagem. inscritos numa unidade de saúde familiar” (Neves,
mnésico 2013) e “Programa de Estimulação da Memória para
Quadro 1 - Subtipos de DCL (adaptado de Magalhães, 2007) *EPTPTDPN%ÏĕDF$PHOJUJWP-JHFJSPw 4PVTB 

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Participantes A utilização destas escalas em conjunto permite uma
O estudo aqui apresentado decorreu numa UCC, de maior precisão na deteção do DCL (Pinto, E; Peters,
uma unidade Local de saúde do Norte de portugal. R, 2009). Para avaliação funcional doi utilizado o
A população alvo neste estudo é constituída pelos Índice de Lawton e Brody e o Índice de Barthel (Se-
idosos com idades compreendidas entre os 65 e os 75 queira, 2010).
anos de idade da área de abrangência da UCC, com Procedimentos
DCL mnésico: único domínio e múltiplos domínios. A colheita de dados e o desenvolvimento deste estudo
Através de um processo de amostragem não proba- foi dividida em duas fases:
bilística, por seleção racional, os participantes foram Fase 1:
incluídos de acordo com os seguintes critérios de in-  t *EFOUJĕDBÎÍP EF VUFOUFT BUSBWÏT EF VNB
DMVTÍP*EPTPTEBÈSFBEFBCSBOHÐODJBEB6$$*EP- lista de utentes da Unidade de Saúde Familiar (USF)
sos com idades compreendidas entre os 65 e os 75 através dos contactos telefónicos (118);
BOPT*EPTPTDPNDSJUÏSJPTQBSB%$-EFBDPSEPDPN  t%PTVUFOUFTDPOUBDUBEPTGPSBNJEFOUJĕDBEPT
os critérios de Petersen, et al. (2001) referidos no en- 17 com eventuais alterações de memória preenchen-
RVBESBNFOUP DPODFQUVBM *EPTPT TFN EJBHOØTUJDP do eventuais critérios para DCL, pelo que integraram
EF EFQSFTTÍP *EPTPT SFGFSFODJBEPT QFMBT FRVJQBT EF o grupo experimental e lhes foi aplicado o formu-
saúde familiar do Centro de Saúde e que aceitem lário de avaliação,
participar no estudo através de consentimento infor-  t'PJFGFUVBEPVNQSJNFJSPDPOUBDUPFOUSFP
mado. investigador e a pessoa com eventual DCL, para se
De acordo com estes critérios estabelecemos dois obter o consentimento informado relativamente à
HSVQPT P HSVQP FYQFSJNFOUBM / 
 F P HSVQP aplicação do formulário e da participação no pro-
DPOUSPMP /
0HSVQPFYQFSJNFOUBM BMWPEBJO- grama de estimulação cognitiva;
tervenção, pela sua dimensão foi dividido em dois  t 4JNVMUBOFBNFOUF P NFTNP GPSNVMÈSJP GPJ
grupos, com nomeadamente 9 e 8 participantes. O aplicado ao grupo controlo, grupo de utentes extraí-
grupo controlo não sujeito à intervenção, decorreu do do estudo de Neves (2013), sobre a caraterização
da caracterização efetuada no estudo “Caracterização cognitiva e funcional dos idosos e com característi-
do Potencial Cognitivo e Funcional dos utentes com cas similares ao grupo experimental, em termos de
idades entre os 65 e 75 anos inscritos numa unidade idade, sexo, escolaridade, funcionamento cognitivo e
de saúde familiar” (Neves, 2013) e preencheram os nível de dependência.
critérios de inclusão, exceto estarem inseridos na área  t0(SVQPFYQFSJNFOUBMGPJEJWJEJEPFNEPJT
de abrangência da UCC. grupos de 9 e 8 utentes para possibilitar uma melhor
Instrumentos interação e uma melhor eficácia do programa de es-
O instrumento de avaliação foi elaborado com base timulação cognitiva. Os grupos reuniram no mesmo
no estudo “Caracterização do Potencial Cognitivo local em horas e dias previamente definidos.
e Funcional dos utentes com idades entre os 65 e  t/PĕOBMEPQSPHSBNBEFFTUJNVMBÎÍPDPHOJ-
75 anos inscritos numa unidade de saúde familiar” tiva foi aplicado o mesmo formulário (pós-teste) ao
(Neves, 2013). grupo experimental e ao grupo controlo.
O questionário incluiu variáveis de carácter sociode- O programa de estimulação cognitiva foi elaborado
mográfico, como a idade, escolaridade, sexo, esco- no estudo “Programa de treino da memória para ido-
laridade dos pais, consumos nocivos, antecedentes sos com défice cognitivo ligeiro” (Sousa, 2012), no
pessoais e hábitos lúdicos, permitindo assim dar qual foi validado em termos concetuais através de
resposta ao primeiro objetivo específico do estudo. um estudo delphi. O principal objetivo do programa
Foram também incluidas questões que nos permitis- é estimular a memória de idosos com DCL e dotar o
sem perceber a percepção do utente relativamente à utente e a sua família/cuidadores de conhecimentos
sua saúde, capacidade para fazer face ao dia a dia e e estratégias que permitam treinar a sua memória no
qualidade de vida. Os testes e escalas aplicados in- quotidiano e, consequentemente, potenciar a sua au-
cluiram o MMSE (Folstein et al., 1975 traduzido e tonomia.
validado para a população portuguesa por Guerreiro, O programa foi elaborado e desenvolvido para ser
1994), o teste do relógio (Schuman et al., 1993), a Es- aplicado em grupo, com a duração de 8 semanas, 1
DBMBEFBWBMJBÎÍPEFEFNÐODJB )VHIFTFUBM   sessão por semana, durante 90 minutos. Duas das
citado por Sequeira 2010). sessões foram preconizadas para os familiares.

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Os grupos, não devem ter mais de 10 participantes, os recursos (cognitivos e físicos). Apenas 11,95% da
o que se respeitou neste caso (9 e 8 participantes). amostra utilizam somente recursos cognitivos. Rela-
Os contactos individuais para avaliação inicial e final tivamente aos antecedentes pessoais, na sua grande
foram contemplados e incluídos no programa, sendo maioria apresentam doenças cardiovasculares, com
igualmente preconizada uma avaliação de follow-up, 3 uma média global de 51,1% e multipatologia (na sua
meses após o término do programa. maioria doenças cardiovasculares e osteoartioarticula-
Este programa tem como objetivo potenciar a capacid- res) numa média de 36,75%.
ade funcional, a interação social e as capacidades cog- No que diz respeito à percepção sobre a saúde e capaci-
nitivas. As sessões são desenvolvidas com várias ativi- dade para fazer face ao dia a dia, os idosos da amostra
dades, em função do grupo (necessidades/interesses) e global consideram ser razoável, com uma média de
incluem: terapia por reminiscência, treino da memória, 66,9% e 66,6% respetivamente. Na qualidade de vida,
com o ensino e treino de estratégias internas e exter- 69,85% da amostra global considera a sua qualidade de
nas da memória e associação face-nome. Os partici- vida razoável.
pantes são incentivados a dar continuidade ao treino
Caracterização Cognitiva e Funcional dos Idosos
da memória através de atividades programadas para
serem desenvolvidas no domicílio. Os idosos do grupo experimental, com 1 a 4 anos de
Durante o programa foi fornecido material de suporte escolaridade apresentam um score médio de 23 no
informativo e de apoio aos participantes e seus famili- MMSE, variando entre 22 e 24. No grupo controlo, o
ares. valor médio para os idosos analfabetos é de 17 e para os
idosos com 1 a 4 anos de escolaridade é de 24, variando
Análise dos Dados entre 22 e 25. De acordo com a validação para a popu-
Na análise dos dados recorreu-se à estatísticas descri- lação portuguesa (Guerreiro, 1994), é preconizado um
tiva, principalmente as frequências, médias e desvio score limite para défice cognitivo de 15, em analfabetos,
padrão. A Análise dos ganhos obtidos com a imple- 22 para indivíduos com 1 a 11 anos de escolaridade e 27
mentação do programa de estimulação foram obtidos para indivíduos com mais de 11 anos de escolaridade,
com recurso ao teste de Mann-Whitney para avaliar tendo deste modo os resultados obtidos ultrapassado
as diferenças estatisticamente significativas antes/após estes limites. Novos estudos apontam para médias mais
e as diferenças entre as variáveis de ambos os grupos elevadas do resultado final do MMSE, em função da es-
(experimental e controlo). colaridade (Morgado et. al., 2010). Estudos nacionais
No entanto, como o número que compõe as amostras é desenvolvidos (Nunes, et al., 2004; Ribeiro, et al., 2006)
reduzido e sem uma seleção aleatória, as generalizações e internacionais (Petersen, 2003; Mathews, et al., 2008)
foram feitas de forma cautelosa. apontam para a necessidade de avaliar cada sub-escala
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTA- do MMSE para se conseguir ser mais preciso na defini-
DOS ição do DCL, considerando nas amostras valores acima
dos limites preconizados no MMSE. De facto, de acor-
Características Sociodemográficas do com a literatura, um individuo com DCL pode apre-
Nas duas sub-amostras verificou-se uma maior pre- sentar défice do funcionamento da memória e ter bons
valência de idosos do sexo feminino, com uma média desempenhos em outros domínios cognitivos, o que
total de 82%, sendo apenas 18% de idosos do sexo mas- está de acordo com a forma mnésica de DCL (Nunes,
culino. A média de idades global foi de 70,5%, varian- et al., 2004; Petersen, 2003). Desta forma, neste estudo
do entre 65 e 75 anos. A percentagem de idosos com assumimos incluir idosos com um score de MMSE su-
escolaridade entre 1 a 4 anos é bastante elevada, com perior aos limites estabelecidos para a população por-
uma média global de 93,75%, havendo apenas 12,5% de tuguesa, tendo em conta os resultados obtidos em cada
analfabetos no grupo controlo. A maior percentagem sub-escala, no teste do relógio e na Escala de Avaliação
de idosos do grupo experimental vive acompanhado, de Demência, indo assim ao encontro de alguns estu-
correspondendo a 64,7% da sub-amostra e 35,3% vive dos na área (Nunes et. al, 2004; Petersen & Selamawit,
sozinho. Sendo uma amostra reduzida as afirmações 2008). Com a análise das sub-escalas do MMSE verifi-
neste sentido devem ser feitas com cautela. Na amostra camos que o maior défice encontra-se a nível da evoca-
72,7% vive com o cônjuge e 27,3% vive com os filhos. ção, o que coaduna com os critérios estabelecidos para
Quanto aos hábitos lúdicos uma grande maioria as alterações da memória no DCL mnésico (Petersen &
(57,6%) utiliza apenas recursos físicos para desenvolver Selamawit, 2008).
atividades lúdicas, como passear. 18,4% utiliza ambos
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Na avaliação do teste do relógio, foram notórios os dé- Relativamente às estratégias alvo de ensino e de treino,
fices, estando todos os resultados abiaxo da classificação verificamos uma melhoria na utilização das mesmas,
considerada para défice - classificação 3 (Distribuição estando de acordo com estudos em que se verificou a
visuo-espacial correta com marcação errada da hora) implementação de estratégias de memória (Kinsella, et
(Shulman et. al, 1996 citado por Pinto & Peters, 2009). al., 2009). No entanto, e apesar de ter sido igualmente
Todos os participantes preencheram o critério de um notório o aumento da utilização de estratégias internas
resultado de 0,5 na escala de avaliação de Demência, tal da memória, a melhoria incidiu especialmente nas es-
como previsto nos estudos desnvolvidos (Petersen & tratégias externas da memória.
Selamawit, 2008). Relativamente à funcionalidade aval- Uma das estratégias externas à qual recorreram com
iada pelo Índice de Lawton, associada às atividades de mais frequência após a intervenção foi o uso de agenda,
vida instrumentais e ao Índice de Barthel, associado às seguido de pastas ou caixas para arquivar os documen-
atividades de vida diária, também não foram verifica- tos importantes e pessoais, por área. O uso de listas de
das difererenças estatisticamente significativas entre as compras e do calendário foram mantidos, tal como
duas sub-amostras, o que se pode justificar pelo redu- referidos em alguns estudos internacionais (Kinsella,
zido número da amostra Não se verificaram défices sig- et al., 2009). Dois dos participantes recorreram ao uso
nificativos a nível das atividades de vida instrumentais, do alarme do telemóvel essencialmente para toma daa
com uma média global de 10,1%. As que apresentaram medicação). Das estratégias internas salientamos o uso
défices incluiram “fazer compras”, “usar dinheiro” e da associação, das imagens visuais, da técnica da pri-
“usar transporte”. meira letra e da repetição, já antes utilizada. Cada par-
Relação entre Variáveis Associadas à Efetividade ticipante recorreu às estratégias que mais se adaptaram
ao seu quotidiano e às suas características pessoais, tal
Alguns fatores podem interferir com a efetividade do
como preconiza Kinsella et. al. (2009). Com a melhoria
programa. Pela sua importância abordamos a relação
da utilização de estratégias da memória no quotidiano,
entre a participação dos familiares e a efetividade do
os idosos alvo de intervenção referiram “sentir-se mel-
programa de intervenção.
hor e com maior capacidade para fazer face ao dia a
Apenas 6 familiares participaram no programa de in-
dia” (sic).
tervenção, correspondendo a 35,5% da amostra. Dos
Também os familiares que participaram no pro-
familiares que participaram, na sua maioria (83%) eram
grama melhoraram no conhecimento das estratégias
filhos e apenas um familiar era o cônjuge. De notar que
da memória, reforçando e supervisionando, sempre
apenas uma dos filhos que participou vivia com o idoso
que possível, a sua aplicação no dia a dia dos idosos,
participante Deste modo, não se verificaram através do
tal como concluido em alguns estudos (Kinsella, et al.,
teste de Mann-Whitney diferenças significativas pela
2009). No entanto, as folhas para registo de estratégias
participação dos familiares, não sendo possível conclu-
por parte dos familiares não foram utilizadas, já que
ir sobre a sua importância, contrapondo estudos como
todos os familiares, excepto um, que participaram no
os de Kinsella (2009). Esta falta de participação foi atri-
programa não vivem com o idoso, pelo que não dis-
buidaà ausência de consciencialização sobre o DCL ou
põem de tempo suficiente para o preenchimento da
pela indisponibilidade laboral, ou ainda pela ausência
mesma.
de suporte emocional.
Verificamos igualmente uma melhoria significativa na
Avaliação dos Procedimentos do Programa de Es- associação face-nome, corroborando com alguns estu-
timulação Cognitiva dos que utilizaram esta técnica (Belleville, et al., 2006;
Várias foram as queixas de memória repercutidas no Jean, et al., 2010).
dia a dia dos idosos com DCL e nas emoções sentidas. Efetividade do Programa de Estimulação Cognitiva
As alterações da memória a curto prazo, bem como de Tendo este estudo um desenho de pré e pós-teste, a
outras funções cognitivas como orientação, linguagem avaliação das diferenças nos dois momentos em cada
e atenção levaram os participantes a cessar ou diminuir um dos grupos, bem como no pós-teste do grupo ex-
atividades que desenvolviam, bem como a uma maior perimental e grupo controlo, através de testes objeti-
lentificação nas atividades de vida diária. Por conse- vos, permitiu-nos perceber a efetividade do programa
quência verifica-se um maior isolamento acompanha- de estimulação cognitiva.
do de emoções como ansiedade, tristeza e frustração, Relativamente ao grupo experimental que foi alvo da
corroborando assim com estudos desenvolvidos sobre intervenção verificamos diferenças significativas, a nív-
a presença de sintomas de ansiedade nos idosos com el cognitivo entre o pré e o pós-teste, reveladas pelo
DCL (Rozzini, et al., 2009).
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..4&FUFTUFEPSFMØHJP)PVWFVNBVNFOUPEBTNÏ- Vários estudos revelam a melhoria na evocação após
dias do pré para o pós-teste a nível de todas as funções uma intervenção cognitiva (Belleville, et al., 2006; Kin-
cognitivas, exceto a retenção, por ausência de alteração sella, et al., 2009). Relativamente à linguagem, estudos
no pré-teste. Salientamos áreas como a orientação, a revelam possíveis défices a este nível cognitivo no DCL
evocação e a orientação visuo-espacial que apresenta- mas no entanto sem resultados a nível da efetividade de
ram diferenças estatisticamente significativas após a in- programas de intervenção cognitiva (Saunders & Sum-
tervenção, tal como referem os estudos de Belleville, et mers, 2010). Deste modo, atribuimos com alguma pre-
al.(2006). caução e sem generalizações, esta melhoria a nível da
Na escala de avaliação de demência não se verificaram linguagem, à alteração positiva da memória e à maior uti-
alterações desde o início da intervenção, apenas ligei- lização de estratégias da memória, corroborando assim
ras melhorias a nível das atividades domésticas e recre- com o estudo de Kinsella, et al. (2009). O facto de todos
ativas, no sentido do maior interesse e motivação para os participantes do grupo experimental terem sido alvo
o desenvolvimento de passatempos intelectuais, bem de todo o programa contribuiu para os resultados obti-
como para retomarem algumas atividades sociais. dos, já que tiveram a oportunidade de desenvolver todas
No grupo controlo, não se verificaram diferenças signif- as atividades propostas. A facilidade de horário ofereci-
icativas do pré para o pós-teste, tendo-se verificado um da facilitou a presença e participação de todos os idosos
ligeiro decréscimo na média do teste do relógio. Não no programa, sendo deste modo importante, em pro-
verificamos alterações nas funções cognitivas avaliadas gramas futuros ter sempre em conta estas questões, es-
no MMSE, exceto a nível da evocação que apesar de sencialmente se as intervenções forem desenvolvidas no
não existirem diferenças estatisticamente significativas, seio da comunidade, com idosos que não se encontram
houve um decréscimo da média. institucionalizados. O follow-up foi realizado três meses
Devido à baixa percentagem de dependência a nível das após, não se tendo verificado diferenças estatisticamente
atividades de vida instrumentais refletidas pelo Índice significativas. Relativamente às estratégias da memória
de Lawton e das atividades de vida diária indicadas pelo 76,5% dos participantes alvo de intervenção continu-
Índice de Barthel e ao reduzido número da amostra, não aram a utilizar, com ênfase nas estratégias externas.
nos é possível retirar conclusões a este nível, assumindo
não analisar as diferenças entre os dois momentos de CONCLUSÕES
avaliação, já que não traria ganhos pertinentes para a Com este estudo foi possível, sem generalizações am-
investigação. biciosas traçar o perfil cognitivo dos idosos com DCL,
No pós-teste de ambos os grupos verificamos a nível verificando-se um maior défice a nível da orientação, da
cognitivo diferenças significativas entre os dois grupos, evocação e da orientação visuo-espacial, com ênfase na
com uma evolução positiva no grupo experimental. Rel- segunda função cognitiva. Estes resultados coadunam
ativamente ao teste do relógio, a média no grupo experi- com a presença de défice cognitivo mnésico. A nível
NFOUBM  %1 
ÏTVQFSJPSËEPHSVQPDPOUSPMP  funcional não foi possível estabelecer um perfil exato,
verificando-se como tal diferenças estatisticamente sig- já que os níveis de dependência não são significativos.
OJĕDBUJWBT SFWFMBEBTQFMPUFTUFEF.BOO8IJUOFZ6 Com a aplicação do programa de estimulação cogni-
 Q  tiva verificamos que um dos pontos fortes foi o ensino
As funções cognitivas que sofreram uma maior evolução e treino de estratégias da memória, com uma evidente
positiva, com diferenças estatisticamente significativas melhoria no grupo experimental após a intervenção.
incidem na evocação e na linguagem (quadro 2). A frequência de utilização das estratégias externas da
memória foi maior do que as estratégias internas da
Grupo Ex- Grupo memória, pela falta de conhecimento inicial e pela
Teste de Man-
perimental Controlo maior dificuldade na sua aplicação. Era esperada uma
Whitney
Pós-teste Pós-teste maior participação da família, sendo necessária uma
Média DP Média DP U p maior consciencialização e envolvimento da família.
Evocação 2,18 0,53 1,44 0,81 -2,785 0,005 Os resultados do programa foram visivelmente positi-
Lingua- vos a nível de algumas funções cognitivas no grupo ex-
7,47 0,52 6,69 0,70 -3,166 0,002
perimental, verificando-se melhoria a nível da memória
gem
Total a curto prazo, da orientação, da linguagem e da orienta-
26,24 1,20 22,81 2,79 -4,109 0,001 ção visuo-espacial, espelhadas nos teste cognitivos e no
MMSE
Quadro 2 - Relação entre pós-testes em ambos os grupos relativamente desenvolvimento das atividades propostas, como a asso-
ao MMSE e sub-escalas com diferenças estatisticamente significativas ciação face-nome que foi por sua vez, alvo de melhoria.
Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, 9 (JUN.2013) | 19
Pela natureza dos testes analisados, outras funções Morgado, J., Rocha, C.S., Maruta, C.; Guerreiro, M. & Martins,
cognitivas podem estar associadas como a atenção e a *1 
$VUPČTDPSFTJO..4&BNPWJOHUBSHFU &VSPQFBO
Journal of Neurology, 17.
compreensão. Não foi possível avaliar adequadamente
o nível de dependência nas atividades de vida diária e Neves, P. (2013) Caracterização do Potencial Cognitivo e Funcio-
nal dos utentes com idades entre os 65 e 75 anos inscritos numa
instrumentais, sendo como tal necessários mais estudos unidade de saúde familiar. Porto: Escola Superior de Enfermagem
e o desenvolvimento de programas mais direccionados do Porto.
para a funcionalidade, ou de preferência conjugando o
Nunes, B., et al. (2004). Rastreio populacional de demência e de-
nível cognitivo e funcional. No grupo controlo não se feito cognitivo ligeiro nos concelhos de Matosinhos e de Arouca
verificaram alterações significativas a nível cognitivo e – populações e métodos do estudo piloto. Sinapse, 4 (1).
funcional. Petersen, R.C., Stevens, J.C.& Ganguli, M.(2001). Practice Param-
De notar igualmente que o programa levou a um au- eter: Early detection of dementia: Mild cognitive impairment (an
mento da interacção social, que por só é um fator fa- evidence-based review): Report the of a Quality Standards Sub-
vorável para a melhoria e/ou manutenção das funções committee of the American Academy of Neurology. American
Academy of Neurology, 56.
cognitivas.
Após a sua aplicação concluimos que é um programa Petersen, R. C. (2003). Défice Cognitivo Ligeiro - O Envelhheci-
mento e a Doença de Alzheimer. Lisboa : Climepsi Editores.
simples e de fácil aplicação, centrado na pessoa e na
família, podendo ser aplicado tanto em grupo na comu- 1FUFSTFO  3 $  4FMBNBXJU / 
 .JME $PHOJUJWF *Npair-
ment: An Overview. CNS Spectr. 13 (1), pp. 45-51.
nidade, como no domicilio. Pelas atividades e materiais
que preconiza é um programa económico, podendo ser Pinto, E & Peters, R. (2009). Literature Review of the Clock Draw-
ing Test as a Tool for Cognitive Screening. Dementia and Geria-
adaptado à realidade e contexto do participante e do
triac Cognitive Disordes, 27.
profissisonal. Sugerimos contudo, um maior número de
sessões que incidam essencialmente no ensino e treino 1PTUJHP + )FSOÈOEF[7JBEFM +5SJWFT + 
&ďDBcy of a
Group Memory Training Method for Older Adults Based on Visu-
de estratégias internas da memória, podendo também alization and Association Techniques: A Randomizes, Controlled
ser útil o acompanhamento individual no contexto do Trial with a Placebo Group. Applied Cognitive Psycology, 24, 956-
idoso ou se possível o maior envolvimento familiar. 968.

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