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Mestrado em Ciências Jurídico Criminais – 1º ano 2º semestre

CRIMINALIDADE
PATRIMONIAL E
DAS EMPRESAS
Docente: André Lamas Leite

Mestranda:
Joana Falcão Sobral
07/02/2024
TEMAS DE CRIMINOLOGIA
(prof. Margarida Santos)
Email: asantos@direito.up.pt
O que é a Criminologia?
É o reflexo dos conflitos que existem na sociedade e é a ciência que estuda
as causas do crime (estuda igualmente o criminoso/ delinquente e a vítima).
Assim, os 4 objetos da criminologia são os seguintes:
® Crime;
® Delinquentes;
® Vítimas;
® Controlo e reação social (feita pelo Estado na representação do MP): esta
reação social é concretizada pelos polícias, pelos Tribunais e pelas
prisões (mecanismos estratégicos que se aplicam para controlar, reagir e,
eventualmente, diminuir a criminalidade). Aqui também se estuda a
eficácia da pena.

A criminalidade resulta da necessidade de as pessoas se sentirem


protegidas e de haver alguém que lhes confere essa proteção (Estado) – esta
proteção é concedida através de um contrato social.
O crime é uma construção social (só é criminoso aquele que se descobre
que é criminoso e só é crime aquilo que se considera que é crime) e não um
dado palpável. Além disso, o crime é sempre uma realidade igual porque ele
é definido pela Assembleia da República.
Deve a criminologia estudar o crime ou o desvio?
O crime é um desvio, mas um desvio não é necessariamente um crime. Os
criminólogos não estudam apenas os crimes, mas também os desvios
(conceito muito mais abrangente).

Vivemos em sociedades com altos níveis de controlo social. O controlo


começa no dia em que nascemos.

Quanto à qualidade de vítimas, está em causa qualquer vítima de crime ou


comportamento desviante, mas para efeitos da criminologia nem todos os
tipos de vítima importam (ex.: uma vítima de um acidente de viação não é
propriamente o objeto de análise de um criminólogo).

“a ocasião faz o ladrão”


“o crime compensa”
“Sugestão de leitura: Vigiar e Punir, de Michel Foucault”

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14/02/2024

O que é a Criminologia?
A Criminologia é a ciência que estuda os crimes (comportamentos
tipificados como crime no Código Penal). Isto seria uma definição jurídico-
legal de Criminologia. Para COSTA ANDRADE e FIGUEIREDO DIAS, a
Criminologia traduz-se em “todo o comportamento que a lei criminal tipifica
como tal”. Esta é uma definição restritiva que não se pode aceitar. As
vantagens desta definição são as seguintes:
1. Precisão e consistência face a conceitos alternativos que são vagos e
difusos – no Código Penal encontram-se muitas definições precisas dos
comportamentos que estão tipificados como crimes, embora não haja
uma precisão muito conceptual acerca de muitos conceitos (o bullying é
um crime?);
2. Recolha sistemática de dados a partir de estatísticas oficiais –
instituições como a Polícia, os Tribunais ou as prisões produzem
estatísticas sobre a quantidade de crimes, a quantidade de criminosos,
etc., o que reflete uma criminalidade muito mais objetiva. A forma
privilegiada de estudar a delinquência é através dos inquéritos de
delinquência auto-regulada ou de vitimação.

As desvantagens desta definição são as seguintes:


1. Estudo do que é proclamado pelo Direito – a alteração das leis no
espaço e no tempo faria com que não se conseguisse comparar os nossos
dados aos dados de outros países, porque os Códigos Penais são
necessariamente diferentes;
2. Não problematização do que é crime e da sua pertinência – estuda-se
aquilo que alguém decide que certo comportamento é ou não crime;
3. Descriminalização e criminalização dos comportamentos – existem
crimes que não estão previstos no Código Penal e que estão previstos,
por exemplo, na Lei do Cibercrime, que abrange os crimes informáticos;
4. Preditores da delinquência – é um conceito estatístico que se traduz em
comportamentos/circunstâncias que, apesar de não serem crime e de não
poderem ser considerados delinquentes, conseguem explicar ou
antecedem um comportamento criminal (as relações familiares, o
consumo de estupefacientes e o absentismo escolar são exemplos de
preditores da delinquência).

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Uma vez que a definição legal de Criminologia não é adequada,
importa atender a uma definição sociológica de Criminologia. O delito
natural existe na sociedade humana independentemente das circunstâncias e
exigências de dada época ou conceção particular. Considera-se delito
natural qualquer comportamento que atende contra a piedade ou a probidade
das pessoas (contra os direitos de propriedade ou contra a vida das pessoas)
– em todas as sociedades há valores que são comuns (ex.: matar alguém é
um crime) e que, por isso, consubstanciam delitos naturais.
Uma sociedade é pautada por um conjunto de valores que fazem parte
de uma consciência coletiva. Para DURKEIM, qualquer lesão de
sentimentos coletivos, definidos na consciência coletiva, configura um ato
universalmente reprovado pelos membros de cada sociedade.
O conceito de universalidade é cada vez mais posto em causa. Vive-
se numa sociedade altamente fragmentada e polarizada, ainda que haja um
núcleo duro de valores que devem ser protegidos. Não obstante, e
simultaneamente, veem-se diferentes grupos sociais, ou seja, não há um
consenso sobre aquilo que realmente deve ser protegido. Exemplo: não é
possível haver uma posição universal em relação à pena de morte ou à
eutanásia ou à adoção gay. Então cada vez menos há uma universalidade.
Em suma, os criminólogos não estudam o crime do ponto de vista
jurídico nem o delito do ponto de vista sociológico: estudam o
comportamento desviante. O desvio corresponde a tudo o que se afasta das
normas sociais partilhadas em determinado grupo. Por norma pensa-se o
desvio como algo negativo ou disfuncional (exs.: ir para a escola de pijama;
ir a um casamento de fato de treino), mas a verdade é que o desvio despoleta
uma reação por parte das pessoas e essa reação é que é negativa. ROBERT
definiu o desvio como a “transgressão das normas de comportamento de um
grupo social”.
O comportamento criminoso é o núcleo duro dos desvios. Todos os
crimes são desvios, mas nem todos os desvios são crime. Portanto, o
comportamento desviante é um conjunto mais amplo que o
comportamento criminoso. Para CUSSON, o desvio é o conjunto de
comportamentos e de situações que os membros de um grupo consideram
não conformes às suas expetativas, normas ou valores e que, por isso, correm
o risco de suscitar condenações e sanções da sua parte. Existem três
abordagens que definem aquilo que pode ser um comportamento
desviante:
® Definição normativa: “A desviância constitui desvios nas normas que
desencadeiam desaprovação social de tal modo que as variações
provocam, ou têm a probabilidade de provocar, se detetadas, sanções
negativas”. (Clinard, 2001, p.7). De acordo com esta definição, é desvio
tudo o que for uma transgressão de uma norma legal, social ou moral.

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® Definição estatística: desviância como uma variação da média
(considera-se desvio todo o comportamento que se afasta da média).
Enfatiza o comportamento que difere da experiência habitual ou média.
Estão em causa fenómenos raros ou infrequentes. Assume que o que a
maioria das pessoas faz determina as formas corretas de agir (se a maioria
das pessoas adotar um determinado comportamento, este não é
considerado um desvio, mas uma normalidade), embora nem sempre
aquilo que a maioria das pessoas faz seja considerado não desviante.

® Definição reativista: define a desviância como comportamento ou


condições rotuladas como desviantes por outros.“O desviante é aquele a
quem o rótulo foi colocado com sucesso; o comportamento é desviante é
aquele que as pessoas rotulam como tal” (Becker, 1973). De acordo com
esta definição, só é desvio o comportamento que, por um lado, for
detetado e, por outro lado, for detetado como tal (uma pessoa só é
criminosa quando se souber que ela já cometeu um crime). Esta definição
é originária da teoria do labelling ou das teorias das reações sociais,
populares nas décadas de 60 e 70, que são um conjunto de referenciais
teóricos que ensinam que o crime é uma construção social (o crime não
é algo objetivo e palpável). Hoje em dia, o grande desenvolvimento
empírico destas teorias é, por exemplo, o estudo do impacto do contacto
com o sistema de justiça nas pessoas, nos delinquentes e na
reincidência. O estudo mostra que esse contacto aumenta a probabilidade
de cometer mais crimes posteriormente. Os teóricos vieram dizer que as
leis são criadas por grupos de poder, que muitas vezes estão a agir atrás
do poder político. A forma como se reage, formal ou informalmente, a
um determinado comportamento acaba por identificar o comportamento
que é considerado crime e o autor que o cometeu. Até lá somos todos
iguais. É aqui que entra a questão do controlo social.

Crime e desvio:
1. O crime envolve sempre a violação de uma lei, enquanto que a maior
parte dos desvios não são crime (ex.: juntar-se a um culto);
2. O crime é a violação de uma norma formal, enquanto o desvio pode
decorrer da violação de uma norma informal. O crime está sujeito a pena
de prisão, multa ou outras punições por agentes do controlo formal. O
desvio está sujeito à crítica, à rejeição ou a outras reações de agentes de
controlo informal;
3. O número e variedade de desvios são muito maiores do que os dos
crimes. O crime é comportamental na sua natureza. Os desvios incluem
comportamentos, crenças e atitudes (crenças face à violência, racismo,
desigualdade de género);

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4. Nem todos os desvios são crimes, mas quase todos os crimes são
desvios (exs.: o roubo, a violação e o homicídio são desviantes porque
violam normas informais e formais). Poucos crimes são não desviantes
porque são aceitáveis na sociedade (exs.: jogo ilegal, downloads), ou
seja, uma vez que são muito comuns raramente levantam preocupação.
No entanto, são comportamentos criminais (ex.: beber antes dos 21 anos
em determinados países).

Controlo social:
Para ROSS (1901), o controlo social traduz-se em “processos que
induzem os indivíduos a comportarem-se em conformidade com as normas
e valores da sua sociedade” – processo de socialização (agir em
conformidade com um conjunto de regras sociais).
Para COHEN (1985), o controlo social traduz-se em “modos
organizados através dos quais a sociedade responde ao comportamento e às
pessoas vistas como desviantes, problemáticas, ameaçadoras ou
indesejavéis”. De acordo com este conceito, já não se exerce controlo social
sobre todas as pessoas, mas apenas sobre os comportamentos que estão a
criar um desagrado do ponto de vista desviante.
Para CUSSON, o controlo social consiste no “conjunto de meios
implementados pelos membros de uma sociedade com o objetivo específico
de conter ou reduzir o número e a gravidade dos delitos”.
Quando se fala em controlo social, fala-se no conjunto de mecanismos
que a própria sociedade impõe. O controlo social é, assim, um controlo
externo. As formas de controlo têm o objetivo de prevenir ou reagir para
diminuir o comportamento desviante.

Controlo social informal – é o controlo mais importante que existe nas


primeiras fases da vida, sendo exercido de uma forma semi organizada (é
exercido pela escola, pela família, pelos amigos, pelos pares, etc.).
Controlo social formal – é o controlo mais reativo, que já se relaciona com
a desviância, e que é exercido por instituições de polícia, pela segurança
privada, pelo Tribunal, pela prisão, etc.
Uma teoria recente na Criminologia é a teoria da eficácia coletiva
(Robert Samson), segundo a qual as comunidades podem ser mais eficazes
do ponto de vista coletivo. A eficácia coletiva é, no fundo, a coesão social
dos membros de uma determinada comunidade, sendo o controlo social
informal exercido nessa comunidade. A coesão social consiste em pequenos
comportamentos e gestos quando as pessoas interagem socialmente (exs.:
dizer bom dia quando se chega a algum sítio; ajudar alguém a pegar nas
compras; etc.).

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Por seu turno, o controlo social é a capacidade de uma comunidade
controlar, detetar e reagir a comportamentos indesejados para aquela
comunidade, o que só é possível se os membros dessa comunidade
partilharem um conjunto de valores e expetativas acerca do que é ou não
aceitável. Do estudo levado a cabo através da teoria da eficácia relativa
concluiu-se que zonas muito pobres da cidade de Chicago (cidade com taxas
de criminalidade muito elevadas) tinham altas taxas de eficácia coletiva
(tinham pouquíssimo crime, pese embora fossem muito pobres).

Indicadores de desorganização social – grafittis nas paredes, abandono de


automóveis nas ruas, ausência de iluminação; existência de lixo no chão, etc.
As pessoas não estão preocupadas com uma comunidade assim, o que pode
querer significar que estes locais são mais propensos a ser cenários de crime.

Controlo social reativo – controlo que surge em reação a um desvio ou


comportamento transgressivo. Pode existir a um nível mais ou menos formal.
Controlo social proativo – conjunto de estratégias que quer prevenir o
desvio. Pode existir a um nível mais ou menos formal.

A Criminologia estuda ou tenta descrever e analisar a extensão, a


natureza e a distribuição da criminalidade e do delinquente (quer caracterizar
em termos numéricos o fenómeno criminal). A Criminologia também tem
um objetivo explicativo através da formulação de teorias que tentam explicar
o porquê de o crime acontecer. Também se analisam as formas de controlo e
punição (comparam-se os modelos de justiça tradicional com o modelo de
justiça restaurativa e comparam-se as penas privativas da liberdade com
penas cumpridas na comunidade). A Criminologia também estuda os meios
de controlo, redução e prevenção do crime (políticas sociais e de prevenção
implementadas a um nível mais ou menos formal), assim como estuda as
vítimas do crime e a extensão, distribuição e natureza da vitimação (a
sobreposição vítima-ofensor é um fenómeno que os criminólogos estudam).
Por último, a Criminologia também estuda as atitudes e representações que
as pessoas têm sobre a criminalidade (ex.: aquilo que as pessoas pensam
acerca da pena de morte ou do fenómeno da corrupção em Portugal).

Será a Criminologia uma ciência autónoma?


A Criminologia é uma área de conhecimento interdisciplinar. Para
GARLAND (1997), “o que isto significa é que os criminólogos partem de
um conjunto variado de conhecimentos, como a sociologia, psicologia,
psiquiatria, direito, história e antropologia. De facto, uma das dinâmicas
mais fortes da criminologia moderna é a procura incessante de novas ideias
noutras disciplinas”.

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A autonomia de uma disciplina é reconhecível quando a disciplina tem
uma estrutura própria e uma forma de se apresentar institucionalizada. Ou
seja, a partir do momento em que existem jornais de Criminologia para
publicar, faculdades com Professores de Criminologia, fóruns, associações e
congressos de Criminologia, assiste-se à autonomização de uma disciplina.
Pelo contrário, a Vitimologia é um exemplo de uma disciplina que não é
autónoma, mas uma área disciplinar subjacente à Criminologia e à
Psicologia.

“se há coisa mais apetecível que o crime, mostrem-me”

21/02/2024
Como é que se distingue a Criminologia do Direito Penal e do Direito
Processual Penal?
A Criminologia, o Direito Penal e o Direito Processual Penal são
disciplinas que se alimentam de forma recíproca e que partilham muitos
objetos de estudo (como o crime e o criminoso). A Criminologia produz
estudos científicos que podem, em muita medida, enformar políticas
criminais, a formulação das leis e a forma como se aplicam as sanções
(reações para dissuadir a pessoa e a comunidade em geral de cometerem
novos crimes). A origem da teoria da dissuasão (teoria utilitarista sobre a
finalidade das penas) remonta à Escola clássica do Direito Penal. Em
muitos estudos feitos por criminólogos verificou-se que a severidade e a
proporcionalidade da pena são elementos que realmente levam as pessoas a
deixar de cometer crimes.
O Direito Penal ajuda a Criminologia a delimitar o que é crime. O
Direito Penal está mais preocupado com os comportamentos do que com os
delinquentes, mas também tem um objetivo de prevenção especial ou
dissuasão específica. Além disso, o Direito Penal é o grande fundador das
reações sociais mais formais.

Que discursos sociais existem sobre o crime, o criminoso e a vítima


(como é que estes elementos são representados na sociedade)?
Quanto à vítima, apesar de esta não ter um papel no processo penal,
mais recentemente ela tem tido um papel mais evidente, sendo ela
representada como se fosse a culpada de tudo.
Quanto ao criminoso, há quem o considere psicopata ou sociopata. Por
outro lado, o criminoso também é entendido como alguém que deve ser
punido e ir para a prisão – a este propósito, as prisões são socialmente
representadas como um espaço de luxo (existe um “benefício” por estar
preso num edifício onde não há liberdade).

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Quanto ao crime, cada vez mais se associa e representa os criminosos
à sua nacionalidade (ex.: o caso dos imigrantes que praticam crimes), o que
se relaciona com o fenómeno da criminalização racial/ criminalização da
pobreza.

Qual o local da Criminologia nas sociedades atuais?


A tecnologia tem ajudado os criminólogos a avançar imenso,
designadamente na associação do ritmo cardíaco das pessoas ao
comportamento antissocial que elas adotam, assim como na descoberta de
genes comuns às pessoas associados à violência. A Criminologia tem
igualmente um contributo na análise dos dados relativos a homicídios
conjugais, que é uma realidade que perturba a visão sobre a comunidade.
Além disso, estuda as perceções que as pessoas têm sobre a sua área de
residência e os comportamentos de externalização em crianças
(comportamentos agressivos). Por último, os criminólogos debruçam-se
também sobre a cibervitimização, estudo a partir do qual se conclui que as
pessoas com menos escolaridade, que recorrem menos aos meios
tecnológicos, são menos vitimizadas.

O SURGIMENTO DA CRIMINOLOGIA
A Criminologia etimológica responde às questões de saber quem é o
criminoso, porque é que ele faz o que faz e como prevenir/castigar os seus
comportamentos. A necessidade de resposta a estas questões remonta ao
século XVIII, século do Iluminismo enquanto movimento social, político,
jurídico e filosófico. As bandeiras do iluminismo foram a liberdade, a
igualdade e a fraternidade. Enquanto as pessoas lutavam contra o
absolutismo/ o Antigo Regime, no qual havia regras e punições, os
iluministas argumentavam que o sancionamento da transgressão a essas
regras configurava um abuso de poder.
Dentro do iluminismo existiu a Escola Clássica do Direito Penal
encabeçada por Beccaria. Em forma de crítica ao chamado “suplício”
(designação que tomavam as penas do Antigo Regime), cujo caráter era
eminentemente retributivo, corporal, público, atroz e violento, a Escola
Clássica insurgiu-se (as penas tinham por principal objeto o corpo das
pessoas).
Ao longo da passagem dos séculos, assistiu-se a muitas outras
transformações que alteraram a forma como se percecionava o próprio crime,
o que se deveu à mudança em alguns tipos de criminalidade. Houve um
aumento da riqueza, o advento do capitalismo, uma maior importância
atribuída à economia das pessoas, etc.

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Há um aumento da delinquência hábil e habilitada, muito limitada à
propriedade das pessoas e há uma diminuição dos crimes de sangue. Mais
importante, há a necessidade de começar a controlar e a gerir a população,
sendo para isso importante ter técnicas ao serviço desse controlo – é aqui que
progressivamente começam a aparecer espaços, instituições, regras e
horários que colocam as pessoas em determinado local e hora (até lá o
sistema era anárquico e não se registava nada). Estas transformações vieram
explicar o porquê de a Escola Clássica do Direito Penal ter tido tanto sucesso.
Tendo a Escola criticado os abusos de poder, cria-se a metáfora do
contrato social, o qual institui um sistema judicial, Códigos, etc. O contrato
social tem por finalidade as pessoas reconhecerem a legitimidade do Estado
para poder aplicar sanções a comportamentos que constituem uma violação
das regras/ leis. Só assim é que esse poder se pode tornar legítimo. Em troca
desse reconhecimento de legitimidade, as pessoas recebem segurança. As
pessoas de uma sociedade abdicam de uma pequena porção da sua liberdade,
não agindo já como pessoas selvagens, e em troca têm segurança, não apenas
contra atentados individuais dos outros, mas contra o abuso de poder.

Em que circunstâncias é legítimo criar uma lei e sancionar uma


transgressão?
Só se criam leis se houver uma necessidade absoluta de o fazer, isto é,
tem de haver necessidade de pena e dignidade penal. Só se cria uma lei para
proteger um bem jurídico que merece uma tutela penal, a qual é dada ou
pelos políticos ou pela sociedade que começa a pressionar os políticos para
dar a tutela penal ao bem.

De que forma e em que medida se devem punir as transgressões?


A intervenção penal é tanto mais justa quanto mais se respeitar a
segurança dos indivíduos e quanto maior for a parte de liberdade que se lhes
deixa. A intervenção só é justa se a punição garantir a segurança das pessoas
e não puser em causa toda a sua liberdade individual.
Era um exercício difícil este a que a Escola Clássica do Direito Penal
se propôs: por um lado, a garantia da paz e ordem social de toda a gente e,
por outro lado, não retirar a liberdade das pessoas.

Quais as características que uma pena deve ter para funcionar?


• Deve punir-se melhor, isto é, punir-se sempre (o maior número de vezes):
a impunidade é a maior ameaça que se pode dar a uma sociedade;
• Punir é uma obrigação;
• O castigo é uma consequência necessária;

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• A punição deve ter sempre um mínimo: o mínimo tem de tornar a pena
justa para aquela pessoa e ter um efeito dissuasor do comportamento;
• A punição deve servir para causar um pouco de dor às pessoas de modo
a desmotivá-las de praticar novos crimes.

Objetivo da pena: dissuasão geral e específica – “o fim dos castigos não


pode ser outro senão o de impedir o culpado de causar novos danos aos seus
concidadãos e dissuadir os outros de cometer atos semelhantes. É
necessário escolher as penas, e uma forma de as infligir, que, guardada toda
a proporcionalidade, transmitam a impressão mais eficaz e duradoura
possível no espírito dos homens, e o menos cruel no corpo do culpado”
(BECCARIA)

Como é que se chega a uma pena?


Exemplo: o crime de homicídio simples tem uma moldura penal de 8 a 16
anos de prisão.
Chega-se à moldura penal pela gravidade que o crime assume naquele
momento num determinado ordenamento jurídico. Se se quiser dissuadir as
pessoas de forma severa, subir-se-ão os limites mínimos da moldura penal.
Para se determinar as molduras penais é preciso conhecer a natureza do ser
humano e, segundo BECCARIA, a nossa natureza é dual: evitamos a dor e
procuramos o prazer; evitamos o castigo e procuramos os benefícios. Desta
forma, quase que se propõe uma fórmula matemática para se chegar às
molduras penais. A sanção deve sempre infligir o mínimo de dor possível,
mas uma dor que seja suficiente para desmotivar a pessoa de cometer o
crime. Isto funciona porque as pessoas fazem uma associação de ideias entre
um determinado castigo e um determinado comportamento (as pessoas
evitam ter novamente o castigo e novamente uma pena) – princípio da
celeridade das penas, segundo o qual as penas são eficazes quando se
aplicam naquele momento.
Chega-se à medida concreta da pena usando o princípio da
proporcionalidade em função da gravidade do ato e da culpa do ofensor.
Segundo BECCARIA, esta proporcionalidade estabelece um mínimo de
pena e o excesso não deve ultrapassar as vantagens que a pessoa obteve a
cometer aquele crime. As leis são gerais e abstratas e devem ser aplicadas
com igualdade formal pelos executores (pelos juízes).
A forma como o Direito Penal foi arquitetado é uma forma vertical
com regras proibitivas e fechada. Quando se diz que todos os crimes têm de
ser punidos, mesmo que com o mínimo, fecha-se a porta à resolução
alternativa de litígios (negociações sem punição).

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A teoria dissuasora de afastar a pessoa do cometimento do crime faz
muita alusão à gravidade do crime, mas muita pouca alusão ao delinquente.
Apesar de a Escola Clássica do Direito Penal ter sido um grande empurrão
para se poder criar a Criminologia (foram os primeiros pensadores do
fenómeno criminal), o nascimento da Criminologia é normalmente situado
com a Escola Positivista italiana (escola opositora do Direito Penal), que
surge no século XIX e é a primeira a fazer estudos científicos sobre o
delinquente (o delinquente era só uma das muitas figuras que se
marginalizava). Assim, a instituição da prisão e o advento da pena de prisão
foram o resultado da junção das condições para o desenvolvimento do
conhecimento científico sobre a figura do delinquente. É aqui que surgem as
respostas às questões de saber quem é o criminoso e porque é que o
criminoso faz o que faz. A Escola Positivista italiana debruça-se sobre a
criminologia biológica/positivista.
Chama-se a este conjunto de conhecimentos os saberes pré-científicos,
que contribuíram para o surgimento das ciências:
• Positivismo (de Auguste Comte): estudam-se os fenómenos através de
um método científico com o objetivo de criar leis gerais. É aplicado ao
estudo dos seres humanos e aos comportamentos sociais;
• Fisionomia (de Lavater): acreditava que era possível prever o
comportamento das pessoas com base na sua aparência física;
• Frenologia (de Gall): estudam-se os crânios das pessoas mortas, pois
havia a crença de que a partir da análise desses crânios era possível
prever quais eram as faculdades mentais, intelectuais e emocionais
dessas pessoas;
• Evolucionismo (de Darwin): para esta teoria da evolução, o Homem não
foi criado por Deus, porque ele é fruto de um processo evolutivo,
segundo o qual sobrevive a espécie que consegue adaptar-se.

Em termos sociais, e especificamente dentro do sistema de justiça,


começam a surgir algumas alterações, pois os Tribunais, os polícias e os
magistrados têm novas exigências pela frente relacionadas com o trabalho
da Escola Clássica do Direito Penal. Portanto, surgem muitas questões em
relação às quais é preciso um conhecimento cientifico que permita dar
respostas (tem de se instruir a máquina judicial). Curiosamente, um dos
fatores que muito contribuiu para essa cientificidade do sistema judicial foi
o aparecimento da fotografia, a partir do qual se começaram a documentar
os locais do crime e a serem registadas as caras dos corpos dos delinquentes
e das pessoas procuradas pela polícia – isto dá origem à antropometria
(medição das nossas características físicas). Quando uma pessoa fosse detida
pela segunda vez já ia haver registo desses dados e uma fotografia associada
que permitisse saber se a pessoa era ou não reincidente.

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No desenvolvimento dos seus estudos, LOMBROSO chega à
conclusão que, graças à frenologia e à fisionomia, é possível diferenciar
delinquentes e não delinquentes com base nas suas características físicas ou
antropológicas. Um delinquente é uma pessoa que não conclui o seu
processo de evolução enquanto ser humano, ou seja, que não adquire uma
natureza moral e intelectual, ou competências mentais que lhe permita
resistir à tentação de cometer crimes. Assim, para LOMBROSO, a natureza
das pessoas é violenta, devendo aprender-se a regular as emoções. Através
da observação é possível registar que o delinquente é um ser atávico
(atavismo), degenerado do ponto de vista biológico.

Em termos de reação pessoal, o que é que se pode fazer em relação a uma


pessoa que nasceu assim? A lógica tem de ser a da defesa social (defender
uma sociedade de pessoas que são tendencialmente delinquentes). Dentro da
própria delinquência há diferentes tipos de delinquentes: os que ainda têm
solução e os que são excluídos e marginalizados (estes segundos
delinquentes são sujeitos a uma pena de morte ou a uma pena perpétua).

Em Portugal existe uma solução pouco consensual, que são as penas


relativamente indeterminadas (art. 83º, CP). Trata-se de um instituto
pouco aplicado, mas muito contestado porque reflete um resquício da Escola
Positivista italiana. A “acentuada inclinação para o crime” traduz-se em
perigosidade. São os positivistas que referem que há pessoas especialmente
perigosas, cuja reação social ao seu comportamento deve ser mais severa e
autoritária.
Enquanto na Escola Clássica existe uma abordagem geral do
crime, muito orientada para a dissuasão, a Escola positivista tem uma
abordagem individualizante do criminoso. Já não contam tanto as
características do ato do próprio crime, mas também as características do
criminoso (do delinquente), começando por uma abordagem biológica, o que
culmina nas teorias da personalidade criminal, em que se estudam os traços
de personalidade das pessoas e como é que esses traços estão associados à
delinquência.

Quais são os principais efeitos da Escola Positivista italiana na política


criminal?
A pena deve ser individualizada consoante as características dos
infratores. Para os positivistas, a pena de prisão não serve de muito porque
nunca tem um efeito dissuasor para os delinquentes-natos, já que a pessoa
está determinada biologicamente para delinquir. Em seu lugar, defendem as
medidas de duração indeterminada, porque dependentes da perigosidade das
pessoas.

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FERRI, penalista, refere que, pelo menos para os delinquentes de
ocasião, é possível prevenir o crime e, portanto, para esses era bom haver
estratégias de prevenção. Propõe inclusive os “substitutos penais”, como as
reparações, as indemnizações, etc., em alternativa a cumprirem uma pena
efetiva. GAROFALO, outro penalista, refere que o sistema judicial devia
tratar as pessoas como a natureza trata as espécies ou os animais que não se
adaptam, propondo a pena de morte para os casos que não têm solução. É
aqui que nasce o ideal reabilitador.
Na Escola Positivista italiana parte-se para as teorias da
personalidade, as quais abrem espaço para todo um novo modelo de
justiça: o modelo reabilitador. A pena deixa de ter uma finalidade
proeminentemente dissuasora e corretora e passa a querer reabilitar as
pessoas (= ressocializar as pessoas). Este modelo teve um grande peso até
meados dos anos 70 do século XX, mas começou a ser posto em causa
quando surgiram estudos avaliativos que dizem que não é possível reabilitar
tão bem as pessoas. A partir de então é claro um aumento da severidade das
penas com o neoretribucionismo.

“A pena de prisão é privativa da liberdade e não privativa da dignidade”


“Where to invade next?” – série da Netflix

28/02/2024

MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO EM CRIMINOLOGIA


Quando se fala em método de investigação, está em causa um método
de investigação científica. Em Criminologia vão-se buscar métodos de
outras ciências como, por exemplo, da Sociologia, da Medicina, do Direito
Penal, da Economia, etc. – natureza interdisciplinar da ciência criminológica.

Qual é o problema de tentar investigar do ponto de vista científico o crime?


® O crime é potencialmente um dos fenómenos mais ocultos de todas as
sociedades, uma vez que o crime não é algo que se conte que se cometeu.
Isto acontece porque há uma reação social formal e informal à
criminalidade.
® O crime é um tema que faz muito parte do quotidiano das pessoas
(“qualquer português é um bocado criminólogo”), mas matizadas as
estatísticas de determinado crime, ele não corresponderá muitas das
vezes com a visão das pessoas. Ou seja, o fenómeno criminal tem de ser
medido de forma objetiva e não através da opinião das pessoas. A
proximidade ao tema explica-se por vários motivos:

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• Há muitas ideologias em torno de como é que o crime deve ser
punido e que comportamentos é que devem ser considerados crime;
• A maioria das pessoa ou já foi vítima ou agente do crime ou até os
dois (é uma experiência quotidiana);
• Os políticos de hoje em dia, normalmente, incluem sempre o crime e
o controlo do crime nas agendas políticas (acting out – fenómeno
mediático em torno desse tema, que é quase uma resposta das
instâncias governativas à ansiedade da população de resolver alguma
coisa)
Estudar o crime também é muito difícil devido a um conjunto muito
grande de questões éticas – exemplo: quando não se confessa um crime, o
inquérito continua, o MP investiga e profere um despacho de acusação,
sendo que até à decisão transitada em julgado a pessoa é inocente, uma vez
que ninguém pode obrigar ninguém a confessar um crime que não confessou
ou que esta não quer confessar. Portanto, é preciso perceber o limite ético
quando se está a lidar com alguém vulnerável, pois é possível ter que lidar
com as consequências de saber se a pessoa vai ou não noticiar o crime que
praticou. Exemplo: um investigador científico coloca-se num dilema ético
quando o investigado lhe confessa que cometeu um homicídio. Apesar de o
investigador não ser criminal, ele pode dar notícia do crime, mas para isso
colocaria em causa a relação de confiança que estabeleceu com o
investigado na participação na investigação.
Outra área da Criminologia que levanta muitos problemas do ponto de
vista ético são os estudos experimentais (ex.: o efeito placebo dos
medicamentos – uma parte da população é medicada sem o saber e outra
parte não é medicada sem o saber, sendo que depois tiram-se as conclusões).
Coloca-se a questão de saber quais os benefícios que essa investigação traz
comparada aos danos que ela pode causar às pessoas. Estes estudos existem
por causa do ciclo de investigação científica, que corresponde a um
conjunto de fases que começam pela escolha de um tema, depois passam pela
delimitação do problema de investigação e, por fim, pelo desenho de um
estudo empírico em que se recolhem dados.

Exemplo: perante o tema dos crimes ambientais, um eventual problema da


investigação seria a eficácia das sanções que são aplicadas às empresas que
cometem esses crimes. A partir deste problema, ter-se-ia de escolher ou um
método quantitativo (que dá uma informação numérica e objetiva sobre a
questão) ou um método qualitativo (que dá acesso às representações, aos
significados e à subjetividade das pessoas que, por exemplo, queiram
participar na investigação).

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Como é um objeto de estudo ainda pouco delimitado, se se quisesse testar a
eficácia poder-se-ia fazer um estudo quantitativo experimental; se se
quisesse saber a opinião dos juristas acerca do crime ambiental, fazia-se um
estudo qualitativo. De qualquer forma, ter-se-ia de criar instrumentos de
medição do crime.

Como é que se consegue medir quantos crimes, que crimes e quais as


características dos ofensores e das vítimas em determinado ano?
à Através das medidas da criminalidade:
• Planos de estatísticas oficiais da criminalidade;
• Inquéritos de delinquência autorrevelada (pergunta-se à pessoa que
crime é que já se cometeu e quantas vezes já se cometeu);
• Inquéritos de vitimação (pergunta-se à pessoa se já foi vítima de
crimes, quantas vezes e de que tipos de crime).
Para que uma situação criminosa entre numa estatística tem de haver
um registo dessa situação. Como se trata de uma medida privilegiada do
crime e incompleta, criaram-se os inquéritos de delinquência autorrevelada
e os inquérito de vitimação para se fazer muitas vezes a triangulação
metodológica (recolhem-se dados de diferentes fontes, cruzam-se os dados
e comparam-se).
As estatísticas podem ser públicas (exs.: as estatísticas da DGRSP ou
do INE ou dos Censos, que são uma produção de estatística obrigatória para
todos os cidadãos) ou privadas, criadas por associações privadas. O
EUROSTAT é um site de estatística europeu. As estatísticas podem ser mais
relacionadas ou produzidas pelas próprias instituições dos sistemas de justiça
(como as polícias, os Tribunais, as prisões) e pode haver estatísticas de
associações (como é o caso da APAV). As estatísticas medem as infrações
que são cometidas e registadas num determinado tempo e local.
Com as estatísticas consegue-se descrever o chamado volume da
criminalidade (quantidade de crimes cometidos nesse tempo e local),
consegue-se descrever a estrutura da criminalidade (são características como
o sexo, a idade, o tipo de crime, o estado civil das pessoas que cometem os
crimes) e consegue-se perceber a evolução de um determinado tipo de crime
no tempo e no espaço.
As estatísticas são meros indicadores da criminalidade, uma vez
que as estatísticas sofrem de fragilidades e limitações relacionadas com os
seguintes aspetos:
® Alterações na legislação (e.g. crime público) – as estatísticas do crime
de violência doméstica alteraram antes e depois de o crime se ter tornado
público. Tornando-se público o crime, há muito mais registo dele, o que
influencia a estatística. O crime em si não aumentou, pois o que
aumentou foi o registo.

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® Alterações nas formas de registo (e.g. categorias de crime) – o mesmo
acontece com as qualificações do crime, no sentido de determinar se ele
é ou não qualificado.
® Alterações na sensibilidade da opinião pública – quando se está
preocupado com um determinado tipo de crime, ele é denunciado mais.
® Imperfeições das estatísticas – as estatísticas são feitas por seres
humanos e, por isso, estão sempre sujeitas a lapsos e a erros criados pelos
próprios seres humanos.

Assim, com as estatísticas só se consegue aceder a dois tipos de


criminalidade: a criminalidade aparente e a criminalidade legal.
• A criminalidade aparente é aquela que chega à autoridades policiais.
Especulando, este tipo de criminalidade há de ser aproximadamente 30%
da criminalidade que realmente acontece.
• A criminalidade legal é aquela que é alvo de uma sanção/condenação.
Ou seja, dos aproximado 30% que chegam a criminalidade aparente só
aproximadamente 10% é que é alvo de sanção.
• A criminalidade real é aquela que realmente acontece e que é
praticamente desconhecida. Consegue ser minimamente captada através
dos inquéritos de delinquência autorrevelada e dos inquéritos de
vitimação, mas nunca se consegue aceder com exatidão a esta estatística.

A este desfasamento entre aquilo que realmente acontece


(criminalidade real) e a criminalidade que é conhecida pelas autoridades
chama-se de cifra negra – quantidade de crimes que são completamente
desconhecidos e que não são detetados, mas que se tem consciência de que
existem. Um dos grandes objetivos da criação dos inquéritos é tentar
diminuir a cifra negra da criminalidade.

Fatores que contribuem para as cifras negras:


1. Só tem conhecimento daquele crime quem o praticou, o que leva a dois
conceitos: prevalência e incidência do crime (parâmetros que se medem
nas perguntas que se fazem nos inquéritos).
• A prevalência corresponde à taxa de ofensores ativa num
determinado momento: esta taxa não é um problema porque a maior
parte das pessoas reporta já ter cometido, pelo menos, um crime na
vida (“o crime é u fenómeno normal”)
• A incidência é o número de atos praticados por esses ofensores: esta
taxa é um problema porque enquanto há pessoas que cometem 1
crime, há pessoas que cometem 40. Esta taxa é utilizada como o
melhor indicador da gravidade dos crimes cometidos pelas pessoas.

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2. A não denúncia por parte das vítimas: quando estão em causa bagatelas
penais, as vítimas nem sequer têm interesse em passar tempo na esquadra
da polícia quando sabem que não vai acontecer nada (descrença no
próprio sistema). Noutro tipo de crimes podem ter vergonha ou medo de
represálias, etc. (motivos pessoais e psicológicos).
3. Queixas não registadas pela polícia: muitas vezes a polícia incentiva a
pessoa a não apresentar queixa porque sabe que não vão conseguir
solucionar nada.
4. A polícia é a instância de seleção da própria criminalidade (o polícia é
um “porteiro da criminalidade”): cada polícia tem os seus estereótipos e
as suas prioridades de investigação. Há muitos estereótipos raciais
baseados no estatuto socioeconómico das pessoas ou na seleção do crime
e tudo isto influencia os crimes que são registados e que fazem parte do
conceito de criminalidade aparente.

A maior consequência das cifras negras é o efeito funil, que é a perda


de casos em cada nível do próprio sistema judicial – tudo começando com
os crimes cometidos, perdem-se casos nos crimes denunciados, perdem-se
casos até à acusação do MP, perdem-se casos da acusação até ao julgamento
final, perdem-se casos do julgamento até à condenação e da condenação à
pena privativa da liberdade.
Normalmente, os crimes que estão mais representados na
CRIMINALIDADE APARENTE são os crimes que têm maior visibilidade
mediática (preocupam mais as pessoas) – até porque a própria polícia, por
questões de política criminal e de prioridades da investigação também se
foca mais nesses crimes – e os crimes que são mais reportados pelas
próprias pessoas (aqueles que elas têm mais facilidade em reportar).

MEDIDAS ALTERNATIVAS À ESTATÍSTICA


Uma das medidas alternativas à estatística são os inquéritos de delinquência
autorrevelada.
Objetivos:
® Volume e estrutura da criminalidade: se se aplicar o inquérito, é possível
afirmar que x pessoas cometem determinado tipo de crime;
® Comparação entre delitos conhecidos e não conhecidos: se este inquérito
fosse passado anualmente, seria possível comparar os delitos conhecidos
com os delitos desconhecidos;
® Reação social: é medida naquilo que acontece quando se é apanhado por
ter cometido o crime, ou pela vergonha sentida perante os pais e amigos
se estes soubessem da prática do crime (reação informal);

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® Carreiras criminais: se estes inquéritos fossem apresentados com
bastante frequência durante um largo período de tempo, seria possível
identificar uma carreira criminal;
® Contexto do crime: é possível perceber se os crimes são cometidos com
os amigos, com o consumo de álcool ou de drogas.
® Comportamentos desviantes: uma vez que o desvio explica em grande
parte o crime em si, é possível perceber o crime através das atitudes
relativamente à violência, ao racismo, etc.

Dificuldades:
• Populações adultas – desejabilidade social: estes inquéritos são menos
eficazes quando se recolhem os dados nas populações adultas (que têm
tendência para responder de acordo com o que acham expectável);
• Prevalência e incidência – Kto habitual: quando o comportamento
desviante é habitual, a pessoa tem dificuldade em referir o que fez e
quantas vezes fez (quanto mais vezes a pessoa fez, mais difícil é ela
reportar quantas vezes fez);
• Localização no tempo – telescoping: as pessoas só se lembram
normalmente das coisas que aconteceram mais recentemente. Uma
técnica para superar este problema é, em vez de perguntar se alguma vez
já se praticou determinado crime, perguntar se nos últimos 12 meses se
praticou determinado crime.
• Contexto de aplicação (e.g. presencial; acompanhado etc.): as pessoas
não respondem da mesma forma se estiverem acompanhados e sozinhos
(há muitas coisas que se gostava de esconder). Basta ter uma companhia
ao lado para responder de forma diferente, mesmo sabendo que o
inquérito é anónimo. Por isso é que se utiliza muitas vezes a recolha
online para evitar o enviesamento das respostas.
• Redação das questões: a construção das questões e das escalas de
resposta é muito importante.
• Ambiguidade do vivido: as experiências das pessoas podem ser
ambíguas.

CONCLUSÃO:
o O crime é um fenómeno normal: a maior parte das pessoas comete
crimes.
o Minoria de pessoas responsável por uma maioria de crimes: estes são
os delinquentes crónicos, de carreira ou persistentes. São as pessoas que
normalmente se encontram na prisão porque cometem tantos crimes que
acabam por ser detetados.

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Bibliogafia da 1ª parte da matéria (conceptualização da criminologia)
Maurice Cusson, Criminologia. Cota 343.9

Bibliografia da 2ª parte da matéria (escolas positivista e clássica):


Rita Faria e Cândido Agra, A Criminologia: um arquipélago interdisciplinar

Bibliografia da 3ª parte da matéria (medidas da criminalidade):


António Castro Fonseca, Comportamento antisocial e crime. Cota: 316.624

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