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C R I M I N O L O G I A

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

• DEFINIÇÃO:

Conhecer as premissas e os métodos da Criminologia auxilia a apurar a visão crítica e


científica daquele que se propõe a analisar o problema da delinquência, vez que fornece respostas
mais pormenorizadas aos problemas criminais que assolam as sociedades.

Mas cuidado(!!), pois não cabe à Criminologia punir o transgressor (tarefa do Direito Penal)
ou definir qual é o procedimento adequado de persecução penal durante a investigação ou o
processo (missão do Direito Processual Penal). A finalidade é entender o delito sob o fenômeno
criminal sob o aspecto individual e social (o crime é um fenômeno que envolve indivíduo e
sociedade!), abordando-o sob o enfoque de justiça criminal, da pessoa do delinquente, da vítima e
do controle social e até mesmo o reflexo da lei penal na sociedade.

ATENÇÃO: A palavra criminologia foi criada em 1883 por Paul


Topinard, mas somente se tornou conhecida
internacionalmente por Raffaele Garofalo em seu livro
Criminologia, no ano de 1885.

Assim, conceitua-se Criminologia como a ciência empírica e interdisciplinar (que


congrega/soma ensinamentos de sociologia, psicologia, filosofia, medicina e direito) que possui como
objeto de estudo o crime, o criminoso, a vítima e o comportamento social.

Por motivos óbvios, a Criminologia é uma ciência autônoma, pois possui funções métodos e
objetos próprios.

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Ademais, o estudante deve ter em mente que Ciências Criminais é um gênero que possui
como espécies: o Direito Penal, a Criminologia e a Política Criminal. Todas ciências autônomas e
coexistentes.

ATENÇÃO: A Criminologia entende o crime como uma questão


não meramente individual, mas também social, razão pela qual
estuda a questão sob o ponto de vista biopsicosocial (métodos
biológicos, psicológicos e sociológicos), investigando as causas
do crime, a personalidade do delinquente, a vitimização e as
formas de prevenção e ressocialização no contexto do controle
social.

• FUNÇÕES:

A Criminologia busca compreender cientificamente o fenômeno criminal, para assim


possibilitar que o crime possa ser prevenido e reprimido com eficiência (intervenção no delinquente)
e que os diferentes modelos de resposta ao fenômeno criminal possam ser valorados.

• MÉTODOS:

Foi na Escola Positiva que a Criminologia começou a ser tratada como ciência, e isto se deu
especialmente em razão do método científico utilizado nas experiências do médico italiano Cesare
Lombroso (autor da obra O Homem Delinquente – marco científico da Criminologia).

A Criminologia é uma ciência empírica (conhecimento obtido por meio da análise-


observação-indução) pois observa a realidade (casos concretos), que opera no mundo do ser, e
emprega o método indutivo e experimental (quais fatores podem levar o homem a delinquir).
Diferentemente do Direito Penal, ciência cultural que atua no plano do dever ser, por meio do método
dedutivo.

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• OBJETOS:

A Criminologia possui quatro objetos de estudo: a) o delito (crime); b) o delinquente; c) a


vítima; e d) o controle social.

– O delito (crime): é um fenômeno/problema social. As questões de prova gostam de cobrar


a distinção da definição de crime entre a Criminologia e o Direito Penal. Enquanto para este
ramo o crime (de acordo com a noção tripartite) é fato típico e antijurídico, praticado por
agente culpável; para a Criminologia somente se pode falar em delito se a conduta preencher
os seguintes elementos constitutivos:

a) incidência massiva na população (reiteração social);


b) incidência aflitiva (produção de dor à vítima e à sociedade);
c) persistência espaço-temporal (prática que se alastra pelo território por um período
relevante de tempo); e
d) consenso sobre sua etiologia e técnicas de intervenção (concordância sobre suas causas e
métodos de enfrentamento).

– O delinquente: o conceito do delinquente será tratado de forma mais aprofundada nas


Escolas, porém, pode-se adiantar que:

a) Escola Clássica, o delinquente era visto como um ser livre e capaz, que podia optar (livre
arbítrio) pelo bem ou pelo mal, justo ou injusto, virtude ou pecado, através de um cálculo
funcionalista onde sopesava as possibilidades de obter prazer e as chances de sofrer dor,
quando decidia pelo cometimento da infração penal.
b) Escola Positiva/Científica que o infrator atingiu o ápice dentro da investigação
criminológica, sendo considerado um indivíduo patologicamente diferente do homem
normal (determinismo biológico). A teoria do delinquente nato foi a que mais se destacou,

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através da Antropologia criminal, Sociologia criminal e Biologia criminal, que viam no
delinquente um ser atávico e primitivo, não descartando, contudo, a influência de fatores
sociais.
c) Escola Correcionalista, que concebia o criminoso como um ser inferior e incapaz de se
governar em razão de suas atitudes. Por esse motivo, a punição imposta pelo Estado deveria
ter uma função pedagógica e piedosa.
d) Marxismo, por sua vez, o delinquente figura como uma vítima da estrutura econômica, e,
portanto, é inocente.
e) Criminologia Moderna, o delinquente ficou, pela primeira vez, em segundo plano, vez que
os olhares dos estudiosos se voltaram para questões gerais, comuns à sociedade como um
todo, para a análise de temas que versam sobre as chamadas políticas criminais, deixando
assim o caráter individual das pesquisas e estudos para trás. CUIDADO!! Na Criminologia
Moderna a individualidade do delinquente não passou a ser ignorada, apenas deixou de ser
o foco principal!

ATENÇÃO: A principal classificação de delinquente foi proposta


por Lombroso, expoente da Escola Positiva, ao desenvolver a
teoria do criminoso nato. Existem diversas classificações de
criminosos, porém seguem as mais cobradas em provas:
- nato: determinismo biológico, instinto criminoso. É um
selvagem na sociedade;
- louco: alienado mental, perverso, deve ser internado em
manicômio;
- de ocasião: tem predisposição hereditária, adotando
comportamentos criminosos por influência das circunstâncias;
- por paixão: irrefletido, exaltado e nervoso, emprega violência
para cometer o crime passional.

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– A vítima: influencia no fato delituoso, pois toma atitudes que a colocam como potencial
sujeito passivo do delito e possui características pessoais relevantes para a Criminologia (cor,
sexo, condição social etc.). Este tema será desenvolvido na Vitimologia.

– Controle Social: é o conjunto de instituições e sanções da sociedade para submeter os


indivíduos às normas de convivência em comunidade. Classifica-se em formal (formado pelos
órgãos estatais) e informal (sociedade de forma difusa, através da família, escolas,
associações, igreja etc.). Porém, o leitor deve ter a noção de que, em regra, o processo de
socialização do indivíduo se dá nos meios informais, assumindo o controle formal um
caráter subsidiário, pois só entra em ação quando aquele controle falhou e não foi suficiente
para coibir a prática delitiva. Ademais, a efetividade do controle formal é menor em relação
ao controle informal (ex.: nas grandes cidades, onde o controle exercido pela sociedade civil
tem menor influência, em comparação aos índices das cidades menores, onde as instituições
são mais presentes e gozam de maior prestígio).

Seleções do Controle Social formal


1ª seleção Polícia Judiciária (investigação)
2º seleção Ministério Público (acusação)
3º seleção Poder Judiciário (processamento e julgamento)

• CRIMINOLOGIA, DIREITO PENAL E POLÍTICA CRIMINAL:

Todas são ciências que estão intimamente ligadas pelo gênero Ciências Criminais. Assim,
definem-se (as definições abaixo possuem alto grau de incidência em provas!!):

- Criminologia investiga as causas do fenômeno da criminalidade segundo o método


experimental, isto é, analisando o mundo do ser. Aborda de maneira científica os fatores que podem
levar o homem a delinquir.

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- Direito Penal analisa os fatos humanos indesejados e tipifica criminalmente as condutas
indevidas por meio de normas penais, no plano do dever ser. Essa dogmática penal abrange a
sistematização, interpretação e aplicação das leis penais. Tem as normas positivadas como ponto de
partida para a solução dos problemas.

- Política Criminal tem por objetivo criar estratégias concretas de controle da criminalidade,
a fim de manter seus índices em níveis toleráveis. Toma como base o fundamento científico fornecido
pela Criminologia, e por meio de juízo de valor busca criticar e apresentar propostas para a reforma
do Direito Penal. Nesse sentido, representa uma verdadeira ponte entre a Criminologia e o Direito
Penal.

Ciências criminais
Criminologia Direito Penal Política Criminal
Traça diretrizes para
Analisa fatos humanos
controlar a
Estuda o crime, o indesejados, tipificando
criminalidade (ponte
criminoso, a vítima e o as infrações penais e
Finalidade entre a Criminologia e o
comportamento social. cominando sanções
Direito Penal). É uma
É uma ciência empírica. penais. É uma ciência
ciência político-
formal.
estratégica.
Crime enquanto fato (o Crime enquanto norma Crime enquanto valor
Objeto
que é) (o que deveria ser) (como deveria ser)
Indutivo (parte da
Dedutivo (parte da
questão concreta até
Método situação geral – norma -/-
chegar à conclusão
– para a particular)
generalizada)
Analisa o homicídio, o
Define o crime de
homicida, a vítima e o Estuda as formas de
homicídio e puno o
Exemplo comportamento da diminuição do
transgressor de acordo
sociedade para com o homicídio.
com a sanção prevista.
fato.

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ATENÇÃO: Claus Roxin concebeu a teoria da proteção dos bens
jurídicos. De acordo com essa noção, a missão precípua do
Direto Penal deve ser a de proteger bens jurídicos mais
relevantes para um convívio harmônico na sociedade. Ou seja,
não se pode colocar qualquer bem sob a tutela do Direito Penal.
Por força dessa concepção, surgiu o princípio da intervenção
mínima que utiliza o Direito Penal como ultima ratio (última
alternativa).

ATENÇÃO: A Criminologia moderna não pode se limitar à


adoção do conceito jurídico-penal de delito, pois isso fulminaria
sua independência e autonomia, transformando-a em mero
instrumento de auxílio do sistema penal. Do mesmo modo, não
aceita o conceito sociológico de crime como uma conduta
desviada, que foge ao comportamento padrão de uma
comunidade. Para a Criminologia, o crime é um fenômeno
social e individual, que se mostra como um problema maior, a
exigir do pesquisador uma empatia para se aproximar dele e
entender suas múltiplas facetas.

Ademais, no âmbito da Política Criminal, podem ser utilizados 03 modelos de reação ao


delito (assuntos que serão explorados de forma mais aprofundada na parte de prevenção criminal e
reação social), a saber:

a) Dissuasório (clássico ou retributivo): se relaciona com a Justiça Retributiva;


b) Ressocializador: adiciona à Justiça Retributiva a Justiça Consensual;

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c) Restaurador (integrador): se liga ao modelo Ressocializador e busca a reparação do dano
(Justiça Restaurativa);

• MODELOS DE JUSTIÇA: RETRIBUTIVA E RESTAURATIVA

Diferentes modelos de justiça emergiram para lidar com o fenômeno do crime, sendo os
principais modelos o clássico (justiça retributiva) e o moderno (justiça restaurativa).

Justiça Retributiva Justiça Restaurativa


O conceito de crime é O crime é conceituado em
estritamente jurídico, e sentido amplo, considerando-o
considera-se que a infração é o como um ato que afeta autor,
ato contra a sociedade. O vítima e a sociedade. A justiça é
Valores
Estado detém o monopólio da participativa e valoriza os
justiça criminal, primando pelo interesses de todas as pessoas
interesse público. Impera a envolvidas no fato. A aplicação
aplicação do Direito positivo. do direito positivo é alternativa.
Sua linguagem e rituais são Seus rituais são informais, e o
impregnados pelo formalismo e procedimento é regido pelo
pela solenidade. As autoridades princípio da oportunidade. As
Procedimentos incumbidas da persecução penal pessoas envolvidas, como
são os agentes que vítimas, infratores e a própria
protagonizam todos os comunidade se envolvem no
procedimentos. processo decisório.
Penas com objetivo de punir
(prevenção geral e especial) e
intimidar; Gera estigmatização e Busca restaurar a relação entre
discriminação de infrator e as partes. Emprega a retratação,
vítima. As penas privativas de reparação, prestação de serviços
liberdade são desproporcionais, comunitários como formas de
Resultados
e as penas alternativas são atenuar traumas e prejuízos.
ineficazes. Ressocialização é Evita a estigmatização, e prima
relegada a plano secundário. pela efetiva reintegração do
Embora o objetivo seja a infrator e da vítima à sociedade.
pacificação social, a tensão
permanece.
Efeitos para a vítima Deixada em segundo plano, Tem participação ativa no
geralmente não recebe qualquer processo, e suas opiniões são

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levadas em consideração para a
apoio do Estado. Permanece
resolução do conflito. Recebe
frustrada e ressentida após o
assistência e é reparada por suas
processo.
perdas materiais.
Compreende as etapas e
procedimentos do processo,
recebendo todas as informações
Tem pouca participação no
necessárias. Participa de
processo, e raramente
maneira ativa no processo, e sua
compreende suas etapas e
capacidade de responsabilizar-se
procedimentos. Manifesta-se
pelo fato é levada em
Efeitos para o infrator apenas por meio de um
consideração. É incentivado a
advogado. Ao fim do processo,
dialogar com a vítima e com a
não é efetivamente
comunidade, a fim de melhor
responsabilizado pela prática
compreender os impactos de
delitiva, mas apenas punido.
sua conduta. Tem a
oportunidade de desculpar-se e
reparar o dano causado.

• CLASSIFICAÇÕES DA CRIMINOLOGIA:

De acordo com a doutrina, a Criminologia pode ser dividida, dentre outros conceitos, em:

a) Geral: caracterizada pela coleta, classificação e análise de informações a respeito do crime,


criminoso, vítima e outros fatores conexos;
b) Reação Social: estuda os processos de criação de normas penais e sociais que estão
relacionados com o comportamento desviante;
c) Verde ou Green Criminology: consiste na responsabilidade penal de empresas e indústrias
por delitos ecológicos, protegendo o meio ambiente dos ataques prejudiciais à biodiversidade;
d) Desenvolvimento: estudos são voltados à idade e às fases de desenvolvimento do
indivíduo, classificando as variáveis do comportamento delituoso ao longo de sua vida;
e) Crítica ou radical: de base marxista, propõe a negação do capitalismo e apresente o
delinquente como vítima da sociedade. É uma vertente que propõe que os fatos não são definidos
como crime de acordo com a moral do povo, mas apenas para favorecer os interesses das classes

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dominantes. Desse modo, o sistema penal se destina a atender unicamente aos ditames do
capitalismo, e no lugar de combater a criminalidade, serve de mola propulsora para ela;
f) Queer: trabalha com o mapeamento das diversas formas de controle através das quais
somos moldados como sujeitos, principalmente no que diz respeito ao gênero e à sexualidade. Faz
referência a lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. Põe em discussão a estigmatização, a
criminalização e as diversas formas de rejeição enfrentadas pela população queer no sistema penal,
tanto no papel de vítima como no papel de agressoras.

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TEORIAS CRIMINOLÓGICAS ETIOLÓGICAS

Etiologia é o ramo do conhecimento que se dedica ao estudo e à pesquisa acerca daquilo que
pode determinar as causas e origens de um certo fenômeno (ou de qualquer coisa). Nas Teorias
Criminológicas Etiológicas, pertencentes a uma Criminologia tradicional, têm perspectiva na figura do
criminoso, levando em conta apenas as causas do crime, referindo-se à pessoa do delinquente.

As Escolas etiológicas pretendiam diferenciar os criminosos dos indivíduos normais através de


um método causal, no sentido de se determinar as causas (como e o porquê) do comportamento
criminoso, caracterizado como existência de defeitos individuais dos sujeitos. Essa explicação da
criminalidade permitiria o seu combate com ferramentas modificativas do delinquente.

Tais discussões polarizaram-se entre duas Escolas: a Clássica e a Positiva. Enquanto aqueles
utilizam o método dedutivo (abstrato), estes adotam o método indutivo (empírico). Tal divergência
entre as correntes de pensamento e métodos é conhecida como luta de escolas.

• ESCOLA CLÁSSICA:

As principais referências foram Cesare Beccaria, que entendia a necessidade de o homem


viver em sociedade, Francesco Carrara e Anselmo Feuerbach. (Bizu para os nomes: CBF). Esta escola
baseia-se nas ideias iluministas do séc. XVIII, partindo de duas teorias distintas: jusnaturalismo
(direito natural, segundo o qual o homem tem direitos que lhe são inerentes, independentemente do
Estado) e contratualismo (contrato social – Rousseau -, de acordo com o qual o Estado surge com um
pacto entre os homens, no qual abrem mão de parcela de sua liberdade em prol de direitos).

A Escola Clássica emprega o método abstrato e dedutivo, tomando como ponto de partida
um princípio geral e retirando dele as consequências lógicas.

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Para esta corrente o crime é um ente jurídico que decorre da violação de um direito, e o
criminoso é um ser livre que pratica o delito por escolha moral (livre arbítrio), alheia a fatores
externos. Considera, assim, o indeterminismo. Por seu turno, a pena tem função de retribuição e não
deve ser cruel ou desumana.

ATENÇÃO: Lembre que a Escola Clássica adota uma corrente de


pensamento que reagiu contra as arbitrariedades do antigo
regime social (absolutismo real) que vigorava antes do
Iluminismo (que deu origem a ideias de liberdades políticas e
econômicas), a fim de garantir os direitos dos indivíduos, razão
pela qual devemos entender que a pena para a Escola Clássica
jamais poderá adotar qualquer faceta degradante do ser.

CUIDADO!! A doutrina majoritária entende que os pensadores


Clássicos não constituíram uma Escola propriamente dita,
porém, lançaram as bases do pensamento criminológico
moderno ao questionarem o poder punitivo absoluto, bem
como a própria punição. Dentro desse contexto duas correntes
se destacaram: o contratualismo (premissa o contrato social) e
o utilitarismo (reconhecia o livre arbítrio do homem, cuja
inclinação natural era buscar o prazer e mitigar as dores).

Quanto aos expoentes da Escola Clássica, deve ser destacado Cesare Beccaria (também
conhecido como Marquês de Beccaria), que publicou a sua renomada e significativa obra Dos Delitos e
das Penas (1764), levantando a voz de maneira contrária aos abusos praticados a título de sanção
penal, inaugurando em seu tempo uma nova maneira de se pensar o jus puniendi exercido pelo
Estado.

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A consequência lógica desses questionamentos (pensamento racionalista humanitário) fez
de Beccaria um dos primeiros pensadores a demonstrar real preocupação com a aplicação e
efetivação dos direitos humanos. Seguem as mais relevantes premissas abordadas pelo Marquês em
sua obra:

- Origem do direito de punir: a liberdade;


- Princípio da estrita legalidade na cominação das penas e vedação da livre interpretação
judicial da lei;
- Difusão das leis e amplo acesso ao seu conhecimento;
- Proporcionalidade das penas;
- Publicidade do processo e valor das provas;
- Princípio da anterioridade penal;
- Proibição de acusações secretas e de tortura;
- Isonomia.

Em relação ao método adotado pela Escola Clássica, pode-se afirmar que utilizou o método
dedutivo ou lógico-abstrato. Neste método o estudioso, alheando ao mundo fático, toma como ponto
de partida um princípio geral e dele retira as consequências lógicas. Por isso, o método dedutivo deve
admitir necessariamente um a priori, um pressuposto do qual se derivam proposições sucessivas.

ATENÇÃO!! A Escola Clássica originou a atual Teoria do Delito


como Eleição (teoria macrossociológica consensual), onde, de
acordo com seus defensores, o agente elege se vai praticar o
crime ou não, ou seja, antes de levar a cabo seus intentos
criminosos, o indivíduo, que possui pleno domínio de suas
faculdades mentais, realiza um cálculo mental, sopesando as
chances de obter prazer e a probabilidade de ser castigado pela
sociedade.

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• ESCOLA POSITIVA:

Baseada nas ideias científicas dos séculos XIX e XX, surgiu como uma resposta às limitações
da Escola Clássica, no contexto de um acelerado desenvolvimento das ciências sociais (antropologia,
psiquiatria, psicologia, sociologia etc.). Foi quando a Criminologia passou a ser considerada uma
verdadeira ciência. Foi com a Escola Positiva que se inaugurou a fase científica da Criminologia,
rompendo com a visão pré-científica. Os principais autores são Cesare Lombroso, Enrico Ferri e
Rafaelle Garofalo (Bizu para os nomes: LFG).

Emprega o método empírico e indutivo, que parte da situação específica para chegar a
conclusões gerais.

Para a Escola Positiva, o crime é um fato natural que decorre da vida em sociedade, e o
criminoso é um ser anormal sob as óticas biológica e psíquica (sem livre arbítrio). Leva em conta o
determinismo.

A pena tem função de prevenção, sendo um verdadeiro instrumento de defesa social.

Fases da Escola Positiva


Antropobiológica Sociológica Jurídica
Lombroso Ferri Garofalo
Estudo do crime a partir de Apoia-se em dados de outras
particularidades do criminoso. ciências, chegando a 4 formas de Normatizou as ideias da Escola
Leva em conta características repressão do crime: meios Positiva, transformando as ideias
físicas e reconhece o criminoso preventivos, reparatórios, em fórmulas jurídicas.
nato. repressivos e excludentes.

Quanto aos expoentes da Escola Positiva, a contribuição de Cesare Lombroso é tamanha que
lhe rendeu o título de pai da Criminologia. Foi a obra O Homem Delinquente (1876), que inaugurou,
de fato, a ciência através da observação, coleta de dados, análise e conclusão. Por motivos claros,

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Lombroso não concordava com a teoria da Escola Clássica e nem com a metodologia lógico-dedutiva
adotada por ela, diante disso, propugnou a aplicação do método científico indutivo-experimental, no
qual a observação e a experiência assumem o papel decisivo.

Dessa maneira, Lombroso traçou um viés científico para a teoria do criminoso nato, pois
incorporou o método experimental em todos os seus trabalhos. Segundo a tese criada, a constatação
para identificação das pessoas propensas ao cometimento de delitos seria possível por meio da mera
análise da aparência física das pessoas.

CUIDADO!! Em razão das primeiras edições da obra O Homem


Delinquente, onde a ênfase maior era dada aos fatores
biológicos e hereditários, criou-se a errônea noção de que
Lombroso era exclusivamente fisiologista quanto ao estudo da
definição do criminoso nato (formato do crânio, nariz, boca,
sobrancelhas, tatuagens etc.). Porém, esse pensamento é
completamente equivocado, pois é sabido que, em todas as
demais edições posteriores, o autor também levou em conta
que fatores sociais também poderiam influenciar na prática
delitiva, a exemplo do abuso do álcool.

Ademais, para Lombroso há vários tipos de criminosos, dos quais se destacam três tipos: o
nato (verdadeiro criminoso; aquele biologicamente propenso a praticar crimes em razão de atavismo,
por retroceder às inclinações de seus ancestrais remotos e menos civilizados), os pseudodelinquentes
(aqueles que praticam crimes passionais e ocasionais) e os criminaloides (meio delinquente, meio
louco, atualmente enquadrado como fronteiriço). Ou seja, é incorreto dizer que todo criminoso é
nato para Lombroso, pois ele reconheceu outros tipos de delinquentes em suas pesquisas.

É importante lembrar que antes das expressões italianas do positivismo (LFG), já se delineava
um cunho científico aos estudos criminológicos, com a publicação, em 1827, na França, dos primeiros

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dados estatísticos sobre a criminalidade. Tais publicações chamaram a atenção do belga Adolphe
Quetelet, que aprofundou os estudos sobre os delitos e delinquentes. Justamente em função disso,
Quetelet publicou a obra Física Social, onde desenvolveu 03 preceitos importantes:

i) o crime é um fenômeno social;


ii) são cometidos todos os anos com intensa precisão;
iii) há várias condicionantes sociais da prática delitiva, como miséria, analfabetismo, clima etc.

Quetelet tornou-se, portanto, defensor das estatísticas oficiais de medição de delitos;


todavia, guardou certa cautela, na medida em que apercebeu que uma razoável quantidade de crimes
não era detectada ou comunicada aos órgãos oficiais (cifra negra).

Escola Clássica Escola Positiva


Criminologia científica dos séculos
Origem Fruto do Iluminismo no século XVIII.
XIX e XX.
É um ente jurídico. Decorre da É um fato natural. Decorre da vida
Crime
violação de um direito. em sociedade.
Ser livre que pratica o delito por
Ser anormal sob as óticas biológicas
escolha moral alheia a fatores
Criminoso e psíquicas (sem livre arbítrio). Leva
externos. Considera o livre arbítrio e
em conta o determinismo.
o indeterminismo.
Tem função retributiva e não deve
Pena Tem função preventiva.
ser cruel ou desumana.
Método Abstrato e dedutivo. Empírico e indutivo.
Autores Carrara, Beccaria, Feuerbach. Lombroso, Ferri e Garofalo.

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TEORIAS CRIMINOLÓGICAS SOCIOLÓGICAS

Enquanto que as teorias etiológicas, pertencentes a uma criminologia tradicional, têm em


perspectiva o criminoso, levando em conta apenas as causas do crime referindo-se à pessoa do
delinquente, as teorias criminológicas sociológicas (também chamadas de macrossociológicas), que
fazem parte da Criminologia moderna, levam em conta todo o contexto social que envolve o
criminoso, reconhecendo que o delito decorre de uma multiplicidade de fatores.

No estudo das teorias macrossociológicas, verifica-se que há uma ruptura do mito da


causalidade, aceitando que a explicação criminológica não se subordina ao modelo de determinismo e
previsibilidade, mas apenas ao da probabilidade. Assim, a ciência criminológica passa a levar em
conta todas as estruturas que não têm como paradigma fatores patológicos individuais.

• TEORIAS DO CONSENSO E DO CONFLITO

A doutrina faz um recorte metodológico quando do estudo das teorias macrossociológicas,


dividindo-as em: teorias do consenso e teorias do conflito. Naquelas (do consenso) há um senso
comum entre as pessoas no sentido de aceitar as regras e normas de convivência social, a fim de que
convivam de maneira harmoniosa. Possui cunho funcionalista e conservador. Ao passo em que nestas
(do conflito) os objetivos da sociedade só serão atingidos se impostos através da força e da coação,
com a sobreposição de uns sobre os outros. Tem caráter argumentativo e progressista. Em outras
palavras, a moderna sociologia criminal possui uma visão bipartida do pensamento criminológico.

Teorias do consenso Teorias do conflito


Coesão social se baseia em um Coesão social se funda na
conjunto de valores e ideias coação que alguns membros da
Conceito comuns a todos os membros da sociedade exercem sobre os
sociedade. Possui cunho outros. Tem caráter
funcionalista e conservador. argumentativo e progressita.

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BIZU: Para auxiliar na memorização das teorias mais cobradas
em prova, tanto do consenso e quanto do conflito, há uma
frase:
“JTB, CASA em consenso não entra EM conflito!”
Explicando: “JTB” Seria o nome de uma pessoa apelidada de
“Jota Bê”, contudo diz respeito às teorias das Janelas
Quebradas, Tolerância Zero e Behaviorista. Em contínuo, a
palavra “CASA” faz menção às teorias de Chicago, Anomia,
Subcultura Delinquente e Associação Diferencial. Com essa
parte inicial você já sabe que todas essas teorias fazem parte da
Criminologia moderna consensual!! Por conseguinte, a
expressão “EM” faz alusão às teorias do conflito:
Etiquetamento (labeling approach) e Marxista.

TEORIAS DO CONSENSO:

• ESCOLA DE CHICAGO (ECOLOGIA CRIMINAL OU DESORGANIZAÇÃO SOCIAL):

É um marco da Criminologia, pois passou a dar atenção à macrocriminalidade,


desenvolvendo as teorias macrossociais do crime. Até então, a Criminologia tinha um viés
individualista, e seus estudos eram direcionados especialmente ao sujeito delinquente, pois
acreditava-se que para alcançar a compreensão da violência era preciso entender a pessoa do
criminoso. A Escola de Chicago representa uma ruptura desse paradigma, ao afirmar que não basta a
análise unicamente do indivíduo, mas, também, de toda a sociedade, na busca pelos motivos que
geram a criminalidade.

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A Escola de Chicago surge com a criação da própria Universidade de Chicago (1892), que teve
como um de seus objetivos de estudo a compreensão do problema da violência urbana que assolava a
cidade. À época, Chicago atraía um grande número de imigrantes e sua população cresceu
descontroladamente. Com a expansão demográfica surgiram vários problemas sociais, entre eles a
violência e o aumento da criminalidade. Assim sendo, a incidência delituosa era tão alarmante que a
Universidade em questão terminou por criar um departamento especializado para a pesquisa do
fenômeno do crime, com uma nítida preocupação com a melhoria das questões sociais, por meio da
investigação científica e implantação de medidas e programas sociais.

Essa análise das questões sociais urbanas, principalmente as decorrentes do aumento


demográfico descontrolado, foi denominada teoria da ecologia criminal ou desorganização social,
pois o estudo era consubstanciado no exame dessas condições sociais através do método empírico.

Assim, através do método da observação participante utilizado pela Escola de Chicago, o


pesquisador convive com o próprio grupo investigado, de modo que as narrativas feitas pelos
infratores de suas histórias de vida, bem como suas experiências, possam ser coletadas pelo
estudioso, e até mesmo publicadas. É possível destacar alguns pontos relevantes da Escola de Chicago:

a) as questões sociais são analisadas com profundidade;


b) criação de métodos e programas de ações nas áreas urbanas mais necessitadas;
c) o método qualitativo é empregado na investigação por meio do empirismo, com a análise
de dados estatísticos e documentos;
d) preocupação na implantação de programas de melhoria social, notadamente nas
chamadas áreas de delinquência.

Decorrente da Escola de Chicago, o estudo elaborado por Clifford Shaw e Henry McKay foi um
dos mais importantes na linha da teoria ecológica, ao estabelecerem que os delinquentes procediam
principalmente das zonas adjacentes ao distrito central, e que a concentração de criminosos ia
diminuindo conforme as áreas residenciais se distanciavam do centro. Essa teoria buscava entender

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a relação entre as zonas de povoamento nas proximidades de terrenos industriais e ferroviais, com a
análise das comunidades de imigrantes que ali viviam, e a prática de delitos.

Contudo, mais do que entender a etiologia criminal, Shaw e McKay se preocupavam com a
prevenção do crime, de modo que criaram o programa Chicago Area Protect, em 1932, que obteve
enorme destaque dentro do movimento social, envolvendo jovens e engajando toda a comunidade,
que era despertada para a prevenção dos delitos. É fácil compreender o estudo das Zonas
Concêntricas quando, analisando a figura abaixo, entendemos que os crimes ocorrem de forma mais
intensa nas zonas mais centrais, e vão diminuindo a medida em que se avança aos subúrbios
(atualmente regiões que concentram a população mais abastada das grandes metrópoles).

Note que a Escola de Chicago, atenta aos fenômenos criminais observáveis, passou a usar os
inquéritos sociais (social surveys) na investigação daqueles. Ou seja, os diferentes meios de adaptação
das pessoas às cidades acabam por propiciar a mesma consequência: implicação moral e social num
processo de interação. Assim, com o surgimento das relações de aproximação entre as pessoas com a
vizinhança, passa a existir uma verdadeira identidade dos quarteirões. Esse mecanismo solidário de
mútuas relações proporciona uma espécie de controle informal (polícia natural), na medida em que
uns tomam conta dos outros (ex.: família viaja e pede ao vizinho para que recolha o jornal).

Ocorre que, com a desorganização social, surgem áreas de criminalidade (que seguem uma
gradient tendency), ou seja, com o crescimento desordenado das cidades, faz desaparecer o controle
social informal, enfraquecendo o sistema comunitário, causando um aumento da criminalidade nas

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grandes cidades, pois não há que se falar em prevenção criminal ou repressão que resolvam a questão
criminal se não existirem ações afirmativas que incluam o indivíduo na sociedade.

• TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS (BROKEN WINDOWS):

Apresentada pelos criminólogos James Wilson e George Kelling, em 1982, na revista Atlantic
Monthly, possui raízes nos estudos desenvolvidos pela Escola de Chicago e estabeleceu, pela primeira
vez, uma relação de causalidade entre a desordem estatal e a criminalidade.

Partindo da premissa de que a incidência de crimes é maior nas zonas que refletem o
descuido e negligência estatal, a teoria das janelas quebradas conclui que a repressão dos crimes,
mesmo as infrações mais simples, deve ser imediata, sob pena de criar uma cultura da impunidade,
ensejando a prática de outros tantos delitos.

Todo o estudo abordado por Wilson e Kelling traduz uma ideia central: a ausência do Estado
proporciona campo fértil para a criminalidade, sendo necessário um sistema de repressão máxima e
urgente, a fim de restabelecer com presteza a ordem social, de modo a evitar o agravamento do
cenário de desordem.

A denominação “janelas quebradas” surgiu de um experimento realizado, em 1969, por Philip


Zimbardo, que consistiu em deixar dois carros idênticos “abandonados” em bairros com características
distintas de duas cidades diferentes dos Estados Unidos. O primeiro foi deixado no bairro Bronx, em
NY, conhecido pela violência e problemas sociais que reinavam, e o segundo foi deixado em Palo Alto,
na Califórnia, cuja realidade era diametralmente oposta (rico e seguro). O carro do Bronx foi
depredado, vandalizado e teve partes furtadas em menos de 72 horas. Por outro lado, o carro de Palo
Alto permaneceu intacto. Para evitar que a conclusão da criminalidade fosse reduzida à pobreza, os
estudiosos resolveram quebrar as janelas do veículo em Palo Alto. A partir de então, as mesmas cenas
de depredação puderam ser observadas no bairro californiano, até que o carro ficou completamente
vandalizado. Os pesquisadores, então, chegaram a conclusão de que o fator determinante para a

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prática de crimes não está ligado exclusivamente à classe social da qual faz parte o criminoso, mas sim
à presença ou não do Estado naquele local, pois a depredação do veículo ocorreu tanto no bairro
pobre do Bronx como no local rico e tranquilo da Califórnia. Ou seja, sinais de depredação em um
prédio ou pichações em um monumento público, por exemplo, passam às pessoas uma ideia de
abandono estatal. A população conclui, então, que não há um responsável pelo bem ou pelo local, e
que ninguém se importa com o ocorrido. Tais sinais de abandono e degeneração comunitária,
desacompanhados de qualquer ação para reverter o cenário, demonstram o desinteresse
governamental, e fomentam, assim, a prática de novas condutas antissociais, pois o aparente descaso
do Estado reforça o sentimento de impunidade.

• TEORIA DA TOLERÂNCIA ZERO (LEI E ORDEM):

Estritamente ligada à teoria das janelas quebradas, alguns a denominam realismo de direita
ou neorretribucionismo.

Como visto, para a teoria das janelas quebradas a desordem social é um fator criminógeno
decisivo, pois demonstra a ausência do Estado e fortalece a cultura da impunidade. Em razão disso,
defende a repressão máxima e imediata de todo e qualquer delito, a fim de evitar a incidência de
novas infrações. Baseando-se nesta teoria, o então prefeito de NY, Rudolph Giuliani, instituiu um
programa repressivo de crimes denominado Tolerância Zero.

Assim, começou a combater a combater de maneira rápida e rigorosa todo tipo de infração
penal, desde as mais simples, como evasão do pagamento de passagem praticada pelos puladores de
catraca do metrô, as pichações, os pequenos furtos e atos de vandalismo, como os delitos mais graves
e violentos. Com isso, os índices de criminalidade foram drasticamente reduzidos e a cidade de Nova
Iorque tornou-se uma das metrópoles mais seguras do mundo.

Mas CUIDADO!! Em que pese o inegável sucesso obtido com a implementação do programa,
criou-se um estado de encarceramento em massa, o que se tornaria um problema de proporções

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colossais em um país como o Brasil, por exemplo, cujo sistema carcerário é precário e absolutamente
ineficiente. Para, além disso, tanto a teoria das janelas quebradas quanto o programa tolerância zero
não encontram respaldo legal no ordenamento jurídico pátrio, pois os Tribunais Superiores rechaçam
essa ideia e adotam um princípio que corresponde à sua antítese, qual seja, o da insignificância penal
ou da criminalidade de bagatela.

• TEORIA DA ANOMIA:

Extremamente cobrada em provas, esta teoria foi desenvolvida nas obras clássicas de Émile
Durkheim e adaptada pelo sociólogo americano Robert Merton à sociedade dos Estados Unidos na
primeira metade do século XX. Anomia é uma palavra de origem grega (a = ausência; nomos = lei), que
significa ausência de lei.

A sociedade é um organismo humano que necessita realizar funções vitais de maneira correta
para a própria sobrevivência. Quando isso não ocorre, surge a disfunção, falha no sistema de
funcionamento da sociedade. Nesse caso, deve a sociedade reagir para saná-la. Ou seja, caso os
mecanismos reguladores da vida em sociedade não consigam cumprir sua função, instala-se a anomia,
ou seja, a ausência ou decomposição das normas sociais.

O crime pode ser considerado um fenômeno cultural dentro da sociedade, mas deve
permanecer dentro de certos níveis de tolerância. Caso contrário, instala-se o caos, estado de
injustiças que chega a comprometer valores e desacreditar o sistema normativo de conduta.

Dentro dessa construção teórica, 02 aspectos merecem ser destacados dentro do


pensamento de Durkheim:

i) normalidade do crime: o crime ocorre em todas as sociedades, é inevitável e, portanto, um


fenômeno normal;

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ii) utilidade do crime: o crime estimula a reação social e assim reafirmação da noção de
ordem social e dos valores coletivos.

Assim, sempre que acontece um crime (fenômeno comum), a reação desencadeada contra
ele reafirma os liames sociais e ratifica a validade e a vigência das normas legais. Portanto, o desvio é
funcional, somente tornando-se perigoso ao exceder certos limites toleráveis.

A teoria da anomia preconizava a desintegração entre o sistema de valores e o sistema das


normas sociais, qualifica-se como o tronco das teorias estrutural-funcionalistas, que se destacam por
interpretar o crime como fenômeno social, normal e funcional.

Outro importante objetivo dessa teoria foi demonstrar como as próprias estruturas da
sociedade podem exercer tamanha pressão sobre as pessoas, de modo que elas não se conformam
em seguir as normas impostas de convivência social e acabam por praticar as infrações penais. Nesse
contexto, o indivíduo pode adotar distintas posturas sociais:

Aceita os objetivos e os meios institucionalizados,


Conformidade
não apresentando comportamento desviante.
Embora aceite os meios, o indivíduo renuncia aos
objetivos definidos, pois sabe que jamais terá
Ritualista
capacidade de atingi-los, e se satisfaz em
manifestar uma conduta padronizada.
Renuncia aos objetivos definidos e aos meios
institucionalizados, e não se ajusta nos meios
Retraimento
sociais. Ex.: mendigos, drogados, torcedores do
Ceará.
Aceita os objetivos – sucesso, status, etc. - mas
não se conforme com os meios que lhe são
Inovação
oferecidos, e parte em busca de outros. Ex.:
traficante, funcionário público corrupto etc.
Não aceita os fins e tampouco as atividades
Rebelião
sociais convencionais. Ex.: revolucionários.

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CAIU EM PROVA: Ano 2017. Banca: FAPEMS. Delegado de
Polícia. “O senhor X, 55 anos, bancário desempregado,
encontrou, como forma de subsistência própria e da família,
trabalho na contravenção (apontador do jogo do bicho em
frente à rodoviária da cidade). Por lá permaneceu vários meses,
sempre assustado com a presença da polícia, mas como nunca
sofreu qualquer repreensão, inclusive tendo alguns agentes
como clientes dentre outras autoridades da cidade, continuou
sua labuta diária. Y, delegado de polícia, recém-chegado à
cidade, ao perceber a prática contravencional, a despeito da
tolerância de seus colegas, prende X em flagrante. No entanto,
apenas algumas horas após sua soltura, X retornou ao antigo
ponto continuando a receber apostas diárias de centenas de
pessoas da comunidade”. Resposta: A anomia, no contexto do
problema, dá-se pelo enfraquecimento da norma, que já não
influencia o comportamento social de reprovação da conduta,
quando a sociedade passa a aceitá-la como normal.

• TEORIA DA SUBCULTURA DELINQUENTE

Difundida pelo criminologista americano Albert Cohen, na obra denominada Delinquent


Boys, em 1955, leva à ideia de uma subcultura dentro de outra cultura predominante, no sentido de
um conjunto próprio de valores, tradições e hábitos de determinado grupo social.

Prevalece que subcultura refere-se à minoria, os menos favorecidos em algum aspecto que
buscam ampliar suas possibilidades numa estrutura social de escassas possibilidades. Ex.: máfias,
gangues urbanas, facções criminosas etc. Todavia, essa nomenclatura não pode ser confundida com
contracultura. Enquanto a subcultura cria uma alternativa com ideias próprias, a contracultura cria

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somente uma aversão ao socialmente aceito, em nítida rebeldia sem causa, verdadeira espécie de
pseudoanarquia. Exemplo de contracultura: black blocs.

Resumindo, a subcultura pode ser compreendida como movimento que surge para contrapor
os ideais sociais impostos, padrões aos quais todos os membros da sociedade devem se submeter,
posto que nem todos terão condições de alcançar esse ideal. Essa situação produz uma inquietação
social, fazendo com que os grupos excluídos, geralmente compostos por membros de classes menos
favorecidas, estabeleçam suas subculturas, que, muitas vezes, conduzirão à delinquência e
fomentarão a criminalidade.

• TEORIA DA ASSOCIAÇÃO DIFERENCIAL (APRENDIZADO DA DELINQUÊNCIA):

Também chamada de aprendizado da delinquência, foi difundida por Edwin Sutherland por
meio de estudo prático, defendendo a ideia de que o comportamento delituoso é passível de
aprendizagem. Ou seja, de acordo com Sutherland, o sujeito passa a ter conhecimento das práticas
criminosas, da mesma forma que poderia aprender a ter um bom comportamento.

Esta teoria explica o comportamento criminoso por meio de aprendizagem, defendendo que
o comportamento desviante pode ser aprendido com outras pessoas (contatos diferenciais),
independentemente da classe social a qual encontra-se inserido o delinquente, do mesmo modo que
ocorre com os comportamentos socialmente aceitáveis, entendendo o sistema penal como um
processo articulado e dinâmico de criminalização.

ATENÇÃO!! Sutherland cunhou, ao final dos anos 30, a


expressão white collar crimes (colarinho branco) para designar
que o crime pode ser aprendido, inclusive, em grupos
empresariais para prática de sonegações e fraudes comerciais.

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Dessa forma, a teoria da associação diferencial reforça que o ato criminoso nunca é herdado,
criado ou desenvolvido pelo sujeito ativo, mas surge como fruto de uma socialização incorreta.
Contudo, nem todos os aprendizados da delinquência têm a mesma força, pois variam na frequência,
na duração, nos interesses e na intensidade.

O pensamento de Sutherland sobre a associação diferencial pode ser resumido em sete


proposições:

i) a conduta criminosa pode ser aprendida como qualquer comportamento;


ii) a conduta criminosa é aprendida mediante um processo de comunicação com outras
pessoas, o que requer um comportamento ativo por parte do agente. Isso significa que o
simples fato de o indivíduo viver em um ambiente criminógeno não irá, necessariamente,
torná-lo infrator;
iii) a parte decisiva da aprendizagem da conduta criminosa ocorre no seio familiar e nas
amizades íntimas;
iv) durante a aprendizagem também são transmitidas as técnicas para a execução do delito, e
até mesmo as justificativas (pretextos) para a conduta delituosa;
v) os impulsos criminosos são aprendidos de acordo com o ponto de vista que os contatos
diferenciais apresentam sobre a lei e o sistema de valores vigente;
vi) o indivíduo se torna um delinquente quando aprendeu com seus contatos diferenciais
mais sobre o crime do que a respeito das leis;
vii) os contatos diferenciais podem ter duração, intensidade e influência diferentes. Apenas
porque um contato foi mais breve, isso não significa que, necessariamente, foi menos
influente. O que determinará o grau de influência desse contato é o prestígio que o indivíduo
conferiu àquela pessoa.

• TEORIA BEHAVIORISTA:

Trata do comportamento humano (do inglês behavior – comportamento; conduta).

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Tendo como precursor o russo Ivan Pavlov, a teoria behaviorista direciona seus estudos aos
comportamentos objetivos, captados por meio da observação, preocupando-se com as interações
entre o sujeito, o ambiente e suas ações, isto é, o seu comportamento corresponde a uma resposta às
causas que o levaram à prática do crime.

O behaviorismo pode ser dividido em clássico, metodológico e radical:

Ivan Pavlov desenvolveu o meio de


condicionamento clássico através de um trabalho
com estímulos e respostas, através de
Clássico
experiências para o condicionamento de cães.
Para os clássicos, o comportamento é sempre
uma resposta a determinado estímulo.
Cujo expoente é John Watson, sugere uma
oposição à introspecção e ao mentalismo, de
modo que, sem dar grande relevância aos
Metodológico
processos internos do indivíduo, utilizava a
observação das manifestações comportamentais,
a fim de prever e controlar o comportamento.
Liderado por Burrhus Skinner, nega
absolutamente a existência de algo que escape ao
mundo físico, que não possua existência
Radical
identificável no tempo e no espaço, enquanto
aceita integralmente todos os fenômenos
comportamentais.

TEORIAS DO CONFLITO:

• TEORIA DO ETIQUETAMENTO (ROTULAÇÃO, LABELING APPROACH OU REAÇÃO SOCIAL):

Extremamente cobrada em provas, surgiu nos Estados Unidos, na década de 60, sendo um
de seus principais autores Howard Becker. Funda-se na ideia de que a intervenção da justiça na esfera
criminal acentua a criminalidade. A prisão e o contato com os outros presos constituem condição

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favorável para a criação de mais criminosos. Ou seja, a criminalidade é criada pelo próprio controle
social.

A teoria do etiquetamento trata do processo de estigmatização pelo qual passa o sujeito a


partir do momento que comete a infração penal. Ora, o estigma dificulta a reinserção do criminoso à
sociedade, pois afeta a percepção que o indivíduo tem sobre si mesmo, e gera receio e rejeição social.
Uma vez adquirido o status de delinquente, é muito difícil modificá-lo, por duas razões: i) dificuldade
da comunidade aceitar novamente o indivíduo etiquetado; ii) porque a experiência de ser considerado
delinquente, e a publicidade que isso comporta, culminam em um processo no qual o próprio sujeito
se concebe como tal.

A teoria trabalha com um processo chamado mergulho ao papel desviado (role engulfment):
à medida que o mergulho no papel cresce, há uma tendência para que o autor do delito defina-se
como os outros o definem. A personalidade do agente se referenciará no papel desviado ainda que ele
se defina como não desviado. As dificuldades são agravadas quando o agente, embora negue o papel,
é cada vez mais identificado por terceiros pela conduta classificada com desviada. Surgirá, então, uma
espécie de subcultura delinquente facilitadora da imersão do agente em um processo em espiral que
traga o desviante cada vez mais para a reincidência.

Em síntese, a ideia dessa teoria é demonstrar que a partir do momento que o agente pratica
o primeiro crime, passa a personificar a figura do bandido, ladrão, drogado, assassino perante os olhos
da sociedade. Esse efeito tem origem nas cerimônias degradantes, que podem ser definidas como
“Processos ritualizados a que se submetem os envolvidos com um processo criminal, em que o
indivíduo é condenado e despojado de sua identidade, recebendo a rotulação degradada.

Com a estigmatização do indivíduo qualificado como desviante, passa a ter a tendência a


permanecer no papel social a que foi introduzido. Isso coloca em dúvida o princípio da finalidade ou
da prevenção quanto a suposta função de ressocialização da pena. A intervenção do sistema penal,

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em vez de reeducar, acaba consolidando a identidade desviante do sujeito (estigma) e o seu ingresso
na carreira criminosa.

Esse paradigma da reação social indica que é mais apropriado falar em criminalização e
criminalizado que falar em criminalidade e criminoso. Assim, o labelling approach se apresenta como
uma negação ao princípio da igualdade.

Por fim, vale ressaltar que a teoria da rotulação está intimamente ligada ao que se conhece
por criminologia de reação social, que estuda os processos de criação de normas penais e sociais que
estão relacionados com o comportamento desviante.

ATENÇÃO!! Uma forte crítica que se faz à teoria do


etiquetamento reside no fato de que os estudos sobre
criminosos incidem, majoritariamente, nas populações
carcerárias, e isso facilita uma visão distorcida da realidade
criminal, conduzindo o pesquisador a erros, pois, de acordo com
a teoria, somente recebe o rótulo de delinquente aquele que
sofreu a persecução penal. Porém, nem todos os criminosos
sofrem o mesmo peso da Justiça, sem falar que alguns jamais
chegam a ser processados, muito menos rotulados pela
sociedade, o que representa um verdadeira margem criminosa
ignorada pela teoria.

• TEORIA MARXISTA (CRÍTICA OU RADICAL):

A teoria crítica ou radical (sinônimos) tem suas bases alicerçadas no marxismo, movimento
crítico no campo criminológico inaugurado pela obra The New Criminology: for a social theory of
deviance, publicada na Inglaterra, em 1973, por Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young.

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A Criminologia crítica apresenta como traço principal a construção de uma teoria do desvio e
da criminalização. Com base na teórica marxista, combina-se com trabalho de observação empírica, a
fim de que a Criminologia se construa a partir do ponto de vista das classes subalternas. Contrapondo
o enfoque biopsicológico ao macrossociológico, esta Criminologia analisa a realidade comportamental
do desvio a partir do contexto histórico em que este se insere.

Segundo essa teoria, o delito está diretamente associado à estrutura política e econômica da
sociedade. Assim, o rótulo de criminoso atribuído a uma pessoa não decorre da prática de um fato
intolerável pelo corpo social, mas por servir aos interesses da classe dominante. Ou seja, parte-se da
ideia de que a divisão de classes no sistema capitalista gera desigualdades e violência, contida pela
legislação penal. Desse modo, a norma busca assegurar uma provisória estabilidade, contendo as
confrontações violentas entre classes de uma determinada sociedade.

O delito, assim, é enxergado como um fenômeno proveniente do sistema de produção


capitalista. Por ser instrumento a serviço apenas do capitalismo, consequentemente atua como mola
propulsora da criminalidade. Com isso, as normas buscam assegurar uma estabilidade provisória, a fim
de conter as confrontações violentas entre as classes dominantes e as classes dominadas.

A teoria crítica ou radical propõe o deslocamento do paradigma da criminalização, através da


redução das desigualdades sociais e da penalização da criminalidade das classes dominantes, a
exemplo dos crimes do colarinho-branco, abuso de poder, crime organizado, contra a ordem tributária
etc.

Para Alessandro Baratta, as relações entre o preso e a sociedade são baseadas no egoísmo e
na violência ilegal, no interior das quais os indivíduos socialmente mais débeis são constrangidos a
papéis de submissão e de exploração.

A Criminologia Crítica possui três principais vertentes:

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i) abolicionismo;
ii) realismo de esquerda - corrente que se opõe à política criminal de direita, segundo a qual
exige-se a repressão imediata mesmo das infrações mais simples como forma de manter a
ordem e coerção máxima e urgente a todo e qualquer delito – teorias das janelas quebradas
e tolerância zero;
iii) Direito Penal Mínimo.

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VITIMOLOGIA

É o objeto de estudo mais importante da Criminologia atualmente (que também estuda o


criminoso, o crime e o controle social). É a disciplina que estuda a vítima enquanto sujeito passivo do
crime, sua participação no delito e os fatores de vulnerabilidade, analisando sua personalidade,
fatores biopsicológicos, sua proteção social e jurídica, bem como os meios de vitimização.

Há três fases na história do sistema penal que se distinguem pela intensidade da


participação e envolvimento da vítima na persecução penal:

i) Idade de ouro: é a era de protagonismo da vítima, pois esta tinha em suas mãos o comando
do sistema de vingança privada. A vítima, ou sua família, poderia ditar a punição do agressor.
Ao conferir tamanha liberdade a um particular, sendo-lhe permitido vingar-se livremente de
seu agressor, não eram incomuns os excessos, abusos, e a desproporcionalidade de penas e
punições. Essa fase teve início nos primórdios da história da humanidade e seu declínio se
deu com o fim da Idade Média, quando se instaurou o sistema inquisitivo, que relegou à
vítima a uma posição meramente coadjuvante;

ii) Neutralização da vítima: é a marginalização da vítima no conflito delitivo Com o


monopólio para aplicação da lei nas mãos do Estado, a vítima assume um papel de
neutralidade nas lides penais, pois o desiderato e interesses, em inúmeras vezes, eram
sumariamente ignorados. A marginalização da vítima é característica do modelo de Direito
Penal retribucionista, situação em que se verifica uma constatação de Zaffaroni, segundo o
qual “o Estado se acha mais vítima do que a própria vítima”. O Brasil, principalmente, no
Código Penal, adotou em muitos institutos esse modelo fortemente retribucionista.
Entretanto, nota-se uma crescente tendência de revalorização da vítima, o que direciona À
terceira fase;

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iii) Redescobrimento da vítima: a figura da vítima volta a ser objeto de preocupação do
sistema penal, ao ser objeto de preocupação do sistema penal e peça chave na persecução
penal do delinquente, quando a vitimologia conquista a atenção dos Criminólogos. O marco
inicial é a 1ª Guerra Mundial, quando, gradualmente, a sociedade passou a abordar tais
questões sob um prisma humanista, passando a vítima a ganhar importância na própria
Criminologia.

• PROCESSOS DE VITIMIZAÇÃO:

Outro ponto que merece destaque especial, por conta de sua incidência em provas, diz
respeito aos aspectos que circundam a vítima, que recebem o nome de vitimização.

– Vitimização primária: são os efeitos diretos e indiretos da própria conduta criminal.


Decorre do delito, e compreende todos os prejuízos e danos sofridos pela vítima (lesão ao bem
jurídico como integridade física, patrimônio etc.), bem como as demais decorrências (incluindo-se aí
vergonha, raiva, medo, etc.);
– Vitimização secundária ou revitimização: deriva do tratamento conferido pelas instâncias
formais de controle social (Polícia, Ministério Público, Judiciário), consistindo em sofrimento adicional
causado à vítima por órgãos estatais. Pode emanar do mau atendimento dado pelo agente público,
que leva a vítima se sentir como um objeto nas mãos do Estado, e não um sujeito de direito;
– Vitimização terciária: decorre de familiares e do grupo social da vítima (instâncias informais
de controle social), que segregam e humilham a vítima em virtude do crime por ela sofrido. Pode
resultar em desestímulo para a formalização da notitia criminis, ocasionando a cifra negra (diferença
entre a criminalidade real e a registrada pelos órgãos policiais).

• PALAVRA DA VÍTIMA COMO PROVA:

Importante aspecto que merece atenção é aquele relacionado à palavra da vítima como
prova judiciária. Ressalte-se que, nos termos do art. 201 do Código de Processo Penal, a palavra da

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vítima é valorada como qualquer outro meio de prova. Erige-se, portanto, uma premissa importante
para o estudo: a palavra da vítima não é prova absoluta, nem sequer imprestável. Em outras
palavras, o juiz, evitando assumir posições extremas, não deve considerar a palavra da vítima como
prova inquestionável, mas também não lhe é facultado ignorá-la. Não pode ser vista como a rainha
das provas (se é que este termo existe atualmente), mas também não pode ser desprezada como
imprestável.

Desse modo, a palavra da vítima tem validade no processo penal, mas deve ser analisada com
cautela, e cotejada com os demais elementos colhidos na instrução processual, a fim de evitar que a
suposta vítima utilize a persecução penal como meio de vingança. Especialmente nos delitos de
natureza sexual, deve-se dar atenção a eventual histórico de rejeição amorosa ou sexual envolvendo a
vítima e o réu, a fim de evitar que esta prejudique deliberadamente pessoa que a tenha rejeitado,
caracterizando a situação a que se convencionou denominar síndrome da mulher de Potifar.

Importante grifar: por força da clandestinidade do ilícito, que ocorre, normalmente sem a
presença de testemunhas oculares, a palavra da vítima nos crimes sexuais é, em regra, elemento de
convicção de alta importância, possuindo força para sustentar uma condenação (STJ, AgRg no REsp
1.346.774, DJ 18/12/2012), mas não prova dotada de presunção absoluta de veracidade.

- Síndrome da Mulher de Potifar: mulher que, rejeitada afetivamente, imputa falsamento a


quem a ignorou o delito de estupro ou outra conduta ofensiva à sua dignidade sexual. Esta síndrome
busca analisar a credibilidade, validade, e seriedade da palavra da vítima, notadamente nos crimes
sexuais, que na maioria das vezes são praticados às escondidas, sem testemunhas, restando, por fim,
apenas a palavra da vítima contra a palavra do acusado;

- Síndrome de Estocolmo: a vítima passa a ter uma relação de afinidade com o criminoso, seu
algoz. Primeiramente, como forma de defesa, tenta conquistar a simpatia do delinquente por medo da
violência ou receio da retaliação, contudo, em momento posterior, essa situação evolui para um

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verdadeiro sentimento de afeição, mediante o qual a vítima se identifica com o criminoso, e até
mesmo deseja o seu sucesso;

- Síndrome de Londres: é o oposto da Síndrome de Estocolmo. Ao invés de ter uma relação


de afinidade com o criminoso, a vítima, geralmente em posição de refém, passa a discordar do seu
algoz e a discutir com ele. Esse comportamento gera uma antipatia que pode colocar em risco toda a
negociação policial ou o que é pior: resultar em um evento fatal. Portanto, é caracterizada pela intensa
e evidente hostilidade que a vítima demonstra em relação ao criminoso, de modo que esse
comportamento pode colocar em risco iminente a própria vida da vítima;

- Síndrome de Otelo: os indivíduos sofrem com o delírio de que seu parceiro é infiel, ficando
obcecado com a ideia de traição. Em casos extremos, quem sofre com esse transtorno pode chegar a
matar alguém. Há casos em que o ciúme é reforçado pela influência de terceiros. Por razões
psicológicas e culturais, é mais comum em homens do que em mulheres, haja vista que ainda é forte a
ideia de poder e dominação dos homens sobre as mulheres;

- Síndrome de Dom Casmurro: é um fenômeno criminológico em que a pessoa sofre com um


quadro mental paranoico, em que acredita plenamente naquilo que desconfia mesmo sem quaisquer
evidências, e passa a procurar provas para confirmar sua suspeita descabida. Transportando essa ideia
para o Direito, o mesmo acontece quando o magistrado desenvolve a ideia fixa de que um alvo da
persecução penal é autor do fato apurado e passa a determinar de ofício a produção de provas que
confirmem seu raciocínio preconcebido, bem como decretar prisões sem requerimento algum.

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REAÇÃO SOCIAL E PREVENÇÃO CRIMINAL

• MODELOS DE REAÇÃO DE CRIME (JUSTIÇA CRIMINAL):

Temos basicamente três modelos de reação de crime e de Justiça Criminal:

– Dissuasório (clássico ou retributivo): tem o foco na punição do criminoso, mostrando que


o crime não compensa. Prima pelo caráter implacável da resposta punitiva estatal, suficiente para a
reprovação e prevenção de futuros crimes. É aplicado na chamada Justiça Retributiva;
– Ressocializador: volta o olhar ao delinquente, atribuindo à pena a finalidade de
ressocialização (prevenção especial positiva) para que o criminoso possa ser reintegrado À sociedade.
É utilizado tanto na Justiça Retributiva quanto na Justiça Consensual;
– Integrador: baseia-se no acordo, formando o que se chama de Justiça Consensual.
Subdivide-se em: a) restaurador (visa a pacificação do conflito e reparação do dano à vítima) e b)
negociado (busca a confissão do delinquente com assunção da culpa, para celebração de acordo que
envolva a quantidade e qualidade da pena).

De forma esquematizada, temos:

Modelos de reação ao delito


Retributivo Ressocializador Consensual
De índole humanista, enxerga a
pena como instrumento para É um modelo que visa restaurar
Prioriza a punição do
ressocialização social do a vida dos envolvidos em um
delinquente. A pena, além de
criminoso. Busca ir além do fato criminoso: vítima, infrator e
sua função retributiva, também
caráter retributivo e preventivo sociedade. Pode empregar
tem o caráter preventiva, para
das penas, a fim de reintegrar o mecanismos que busquem a
dissuadir o agente de seguir o
delinquente na sociedade, reparação dos danos à vítima
caminho do crime.
intervindo efetiva e (modelo restaurador) ou a
A vítima é ignorada.
positivamente na vida do confissão (modelo negociado).
condenado.

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• PROCESSOS DE CRIMINALIZAÇÃO:

A atividade de criminalização, desempenhada pelo Estado, desenvolve-se em duas etapas:

– Criminalização primária: consiste na atividade de publicar e sancionar uma lei penal, que
abstratamente incrimina certas condutas dos integrantes da sociedade. Trata-se de ato formal,
fundamentalmente programático, pois, quando se estabelece que uma conduta deve ser punida,
enuncia-se um programa, o qual deve ser cumprido pelos entes estatais (Polícia, MP, Pod. Judiciário
etc.);
– Criminalização secundária: é a ação punitiva de aplicar a lei penal ao caso específico,
incriminando concretamente pessoa determinada em razão de sua conduta ter se encaixado na
norma abstrata. Possui duas características: seletividade e vulnerabilidade, pois há forte tendência de
ser o poder punitivo exercido sobre pessoas previamente escolhidas em face de suas fraquezas, a
exemplo dos moradores de rua, prostitutas e usuários de drogas. Este fenômeno é observado pela
teoria do etiquetamento.

• PREVENÇÃO DO CRIME:

É o conjunto de ações que visam evitar, direta ou indiretamente, a ocorrência do delito. Para
isso, edita leis submetidas a todos. Ou seja, prevenir o crime, reparar o dano, ressocializar o
delinquente e reprimir o ilícito são focos centrais do conteúdo científico da Criminologia no cenário
atual.

Existem basicamente três espécies de prevenção:

– Prevenção primária: se dá pela conscientização da sociedade como um todo,


especialmente educação, saúde, moradia, emprego, lazer etc. (atuação na concretização de direitos
sociais), formando cidadãos para que não compactuem com tentações que levam a uma vida

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desregrada. Atua na origem da criminalidade, neutralizando o delito antes que aconteça. Diz respeito
a instrumentos preventivos de médio a longo prazo. Assim, está diretamente relacionada com as
questões sociais, com a implantação de programas que concretizem direitos sociais e afastem as
pessoas da criminalidade, ou de eventuais tentações que possam levá-los ao crime;

– Prevenção secundária: consiste em conjunto de ações policiais e políticas públicas


dirigidas a grupos específicos da sociedade (não a sociedade como um todo, muito menos a indivíduo
determinado) que apresentam o maior risco de sofrer ou praticar o delito. Atua no momento
posterior ao crime ou em sua iminência. Refere-se a instrumentos de curto a médio prazo. Ex.:
policiamento comunitário; ações de controle dos meios de comunicação em comunidades; instalações
de UPPs;

– Prevenção terciária: é marcada por políticas de execução penal voltadas à população


carcerária, com caráter punitivo e com desiderato na recuperação do recluso para evitar sua
reincidência por meio da ressocialização. Verifica-se após a prática delitiva, de maneira
individualizada e não coletiva, direcionada ao próprio infrator condenado, e realizada na fase de
execução penal, para que o mesmo não volte a delinquir, evitando com isso a reincidência. É uma
forma de prevenção voltada a ressocialização, atingindo especificamente a população carcerária.
Refere-se a instrumentos de curto a médio prazo. Ex.: programa de incentivo do trabalho ao recluso.

• TEORIAS DA PENALOGIA:

O histórico da pena está diretamente relacionado ao estudo da história da Criminologia. As


fases evolutivas da vingança penal podem ser organizadas em uma tríplice divisão amplamente aceita
pela doutrina: vingança privada, vingança divina e vingança pública (Estado detentor do jus puniendi).

Hodiernamente, cabe ao Estado a responsabilidade de punir o infrator, aplicando a pena nas


suas diversas modalidades. Todavia, não o faz buscando a vingança ou a manutenção de um poder
absoluto, mas perseguindo as finalidades estabelecidas na parte final do art. 59 do Código Penal, ou

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seja: a reprovação da conduta delitiva e a prevenção do crime (tríplice finalidade: retributiva,
preventiva geral e especial e reeducativa ou ressocializadora).

– Teoria Absoluta (Retributiva): para esta teoria a aplicação da pena resume-se à


possibilidade de retribuição, ou seja, uma espécie de compensação em razão da conduta delitiva
praticada. Utilizando a fórmula de Sêneca, “punido porque pecou”, pode-se concluir que a imposição
de uma pena com o caráter retributivo representa a imposição de um mal justo contra o mal injusto
do crime, necessário à satisfação da justiça. A pena retributiva é a mais antiga e mais popular em
relação a sua utilidade, podendo funcionar como espécie de expiação ou compensação. Portanto, para
esta teoria, a pena é vista como um mal necessário utilizado como oposição a outro mal maior, que é
o crime.

– Teoria Relativa (Preventiva): diferentemente das teorias absolutas, a teoria relativa está
mais focada em evitar as práticas criminosas, ou seja, a prevenção propriamente dita. A concepção
mais antiga das teorias relativas é atribuída a Protágoras de Platão, que sustentou que nenhuma
pessoa é castigada pelo pecado que cometeu, mas sim para que não volte a pecar. Após o
florescimento dessa concepção nos períodos jusnaturalista e contratualista do século XVII, não se trata
mais de entender a pena como retribuição, mas, principalmente, como instrumento para evitar e
prevenir que novos delitos sejam praticados.

A prevenção, por sua vez, é dividida em geral e especial, diferenciando-se em razão do seu
direcionamento. Na prevenção geral, o foco é demonstrar à sociedade que não se deve praticar
crimes, ou seja, a mensagem é voltada para toda a coletividade como um todo. Na prevenção
especial, o foco é o próprio delinquente que está cumprindo a pena. Com isso, a ideia é demonstrar
ao apenado, de maneira especial, que não deve voltar a delinquir, já que conhece os percalços do
cumprimento de uma pena.

As divisões preventivas geral e especial também são subdivididas em positiva e negativa.


Assim temos:

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i) prevenção geral positiva: fortalece os laços de lealdade à sociedade em que estejam
inseridos, restabelecendo a confiança no ordenamento jurídico;
ii) prevenção geral negativa: busca atemorizar os demais membros da sociedade,
demonstrando que a punição é algo inevitável e que os criminosos não gozarão da
impunidade (crime não compensa);
iii) prevenção especial positiva: trabalha com o condenado a fim de garantir a sua
ressocialização, a fim de que este seja preparado para a reintegração À vida em sociedade,
afastando-se das atividades criminosas;
iv) prevenção especial negativa: utiliza um viés intimidatório, mas tem por alvo a pessoa do
condenado, tendo por objetivo evitar a reincidência da prática delitiva.

ATENÇÃO!! Ambas as teorias são adotadas no Brasil no exercício


do controle social através do poder punitivo, conforme
evidencia o art. 59 do Código Penal, o qual dispõe que a pena
será estabelecida conforme seja necessário e suficiente para a
reprovação (teoria absoluta) e prevenção (teoria relativa) do
crime.

• CIFRAS CRIMINAIS:

A expressão cifra pode indicar o resultado de uma soma, um cálculo ou quantidade total de
algo. O Brasil é um país populoso e de considerável espaço territorial, portanto, imaginar que todos os
crimes ocorridos em nosso território são apurados e investigados pela polícia é mais do que um
engano, é quase uma ingenuidade. É nesse ponto que nos auxilia o estudo das principais cifras:

– cifra negra: percentual de crimes que são praticados no país e sequer chegam a ser
investigados;

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– cifra cinza: crimes registrados na polícia por meio de ocorrências policiais, em que a
resolução do conflito se dá mediante conciliação entre os envolvidos;
– cifra dourada: espécies de delitos cometidos pelas classes mais abastadas, tais como crimes
de colarinho branco (corrupção e demais crimes contra a Administração Pública, crimes
financeiros, lavagem de capitais etc.);
– cifra verde: trata das condutas criminosas contra o meio ambiente que não chegam ao
conhecimento das autoridades;
– cifra rosa: crimes de caráter homofóbico que não são conhecidos pelo Estado;
– cifra amarela: crimes praticados com violência policial contra indivíduos que, por medo de
represália pelos próprios policiais, deixam de denunciar as agressões.

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