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JANELAS QUEBRADAS: UMA TEORIA DO CRIME QUE MERECE REFLEXÃO

Por: Luis Pellegrini - 2 DE OUTUBRO DE 2013

Há alguns anos, a Universidade de Stanford (EUA), realizou uma interessante


experiência de psicologia social. Deixou dois carros idênticos, da mesma marca, modelo e cor,
abandonados na rua. Um no Bronx, zona pobre e conflituosa de Nova York e o outro em Palo
Alto, zona rica e tranquila da Califórnia. Dois carros idênticos abandonados, dois bairros com
populações muito diferentes e uma equipe de especialistas em psicologia social estudando as
condutas das pessoas em cada local.
Resultado: o carro abandonado no Bronx começou a ser vandalizado em poucas horas.
As rodas foram roubadas, depois o motor, os espelhos, o rádio, etc. Levaram tudo o que fosse
aproveitável e aquilo que não puderam levar, destruíram. Contrariamente, o carro abandonado
em Palo Alto manteve-se intacto.
A experiência não terminou aí. Quando o carro abandonado no Bronx já estava desfeito
e o de Palo Alto estava há uma semana impecável, os pesquisadores quebraram um vidro do
automóvel de Palo Alto. Resultado: logo a seguir foi desencadeado o mesmo processo ocorrido
no Bronx. Roubo, violência e vandalismo reduziram o veículo à mesma situação daquele
deixado no bairro pobre. Por que o vidro quebrado na viatura abandonada num bairro
supostamente seguro foi capaz de desencadear todo um processo delituoso? Evidentemente, não
foi devido à pobreza. Trata-se de algo que tem a ver com a psicologia humana e com as relações
sociais.
Um vidro quebrado numa viatura abandonada transmite uma ideia de deterioração, de
desinteresse, de despreocupação. Faz quebrar os códigos de convivência, faz supor que a lei
encontra-se ausente, que naquele lugar não existem normas ou regras. Um vidro quebrado induz
ao "vale-tudo". Cada novo ataque depredador reafirma e multiplica essa ideia, até que a escalada
de atos cada vez piores torna-se incontrolável, desembocando numa violência irracional.
Baseada nessa experiência e em outras análogas, foi desenvolvida a "Teoria das Janelas
Quebradas". Sua conclusão é que o delito é maior nas zonas onde o descuido, a sujeira, a
desordem e o maltrato são maiores. Se por alguma razão racha o vidro de uma janela de um
edifício e ninguém o repara, muito rapidamente estarão quebrados todos os demais. Se uma
comunidade exibe sinais de deterioração, e esse fato parece não importar a ninguém, isso
fatalmente será fator de geração de delitos.

Origem da teoria
Essa teoria na verdade começou a ser desenvolvida em 1982, quando o cientista político
James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling, americanos, publicaram um
estudo na revista Atlantic Monthly, estabelecendo, pela primeira vez, uma relação de
causalidade entre desordem e criminalidade. Nesse estudo, utilizaram os autores da imagem das
janelas quebradas para explicar como a desordem e a criminalidade poderiam, aos poucos,
infiltrar-se na comunidade, causando a sua decadência e a consequente queda da qualidade de
vida. O estudo realizado por esses criminologistas teve por base a experiência dos carros
abandonados no Bronx e em Palo Alto.
Em suas conclusões, esses especialistas acreditam que, ampliando a análise situacional,
se por exemplo uma janela de uma fábrica ou escritório fosse quebrada e não fosse, incontinenti,
consertada, quem por ali passasse e se deparasse com a cena logo iria concluir que ninguém se
importava com a situação e que naquela localidade não havia autoridade responsável pela
manutenção da ordem.
Logo em seguida, as pessoas de bem deixariam aquela comunidade, relegando o bairro
à mercê de gatunos e desordeiros, pois apenas pessoas desocupadas ou imprudentes se sentiriam
à vontade para residir em uma rua cuja decadência se torna evidente. Pequenas desordens,
portanto, levariam a grandes desordens e, posteriormente, ao crime.
Da mesma forma, concluem os defensores da teoria, quando são cometidas "pequenas
faltas" (estacionar em lugar proibido, exceder o limite de velocidade, passar com o sinal
vermelho) e as mesmas não são sancionadas, logo começam as faltas maiores e os delitos cada
vez mais graves. Se admitirmos atitudes violentas como algo normal no desenvolvimento das
crianças, o padrão de desenvolvimento será de maior violência quando essas crianças se
tornarem adultas.
A Teoria das Janelas Quebradas definiu um novo marco no estudo da criminalidade ao
apontar que a relação de causalidade entre a criminalidade e outros fatores sociais, tais como a
pobreza ou a "segregação racial" é menos importante do que a relação entre a desordem e a
criminalidade. Não seriam somente fatores ambientais (mesológicos) ou pessoais (biológicos)
que teriam influência na formação da personalidade criminosa, contrariando os estudos da
criminologia clássica.

No metrô de Nova York


Há três décadas, a criminalidade em várias áreas e cidades dos EUA – com Nova York
no topo da lista - atingia níveis alarmantes, preocupando a população e as autoridades
americanas, principalmente os responsáveis pela segurança pública. Nesse diapasão, foi
implementada uma Política Criminal de Tolerância Zero, que seguia os fundamentos da "Teoria
das Janelas Quebradas".
As autoridades entendiam que, por exemplo, se os parques e outros espaços públicos
deteriorados forem progressivamente abandonados pela administração pública e pela maioria
dos moradores, esses mesmos espaços serão progressivamente ocupados por delinquentes.
A Teoria das Janelas Quebradas foi aplicada pela primeira vez em meados da década de
80 no metrô de Nova York, que se havia convertido no ponto mais perigoso da cidade.
Começou-se por combater as pequenas transgressões: lixo jogado no chão das estações,
alcoolismo entre o público, evasões ao pagamento da passagem, pequenos roubos e desordens.
Os resultados positivos foram rápidos e evidentes. Começando pelo pequeno conseguiu-se fazer
do metrô um lugar seguro.
Posteriormente, em 1994, Rudolph Giuliani, prefeito de Nova York, baseado na Teoria
das Janelas Quebradas e na experiência do metrô, deu impulso a uma política mais abrangente
de "tolerância zero". A estratégia consistiu em criar comunidades limpas e ordenadas, não
permitindo transgressões à lei e às normas de civilidade e convivência urbana. O resultado na
prática foi uma enorme redução de todos os índices criminais da cidade de Nova York.
A expressão "tolerância zero" soa, a priori, como uma espécie de solução autoritária e
repressiva. Se for aplicada de modo unilateral, pode facilmente ser usada como instrumento
opressor pela autoridade fascista de plantão, tal como um ditador ou uma força policial dura.
Mas seus defensores afirmam que o seu conceito principal é muito mais a prevenção e a
promoção de condições sociais de segurança. Não se trata de linchar o delinquente, mas sim de
impedir a eclosão de processos criminais incontroláveis. O método preconiza claramente que
aos abusos de autoridade da polícia e dos governantes também deve-se aplicar a tolerância zero.
Ela não pode, em absoluto, restringir-se à massa popular. Não se trata, é preciso frisar, de
tolerância zero em relação à pessoa que comete o delito, mas tolerância zero em relação ao
próprio delito. Trata-se de criar comunidades limpas, ordenadas, respeitosas da lei e dos códigos
básicos da convivência social humana.
A tolerância zero e sua base filosófica, a Teoria das Janelas Quebradas, colocou Nova
York na lista das metrópoles mundiais mais seguras. Talvez elas possam, também, não apenas
explicar o que acontece aqui no Brasil em matéria de corrupção, impunidade, amoralidade,
criminalidade, vandalismo, etc., mas tornarem-se instrumento para a criação de uma sociedade
melhor e mais segura para todos.

Disponível em: https://daniellixavierfreitas.jusbrasil.com.br/artigos/146770896/janelas-quebradas-uma-teoria-do-


crime-que-merece-reflexao

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