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FACULDADE DE ÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS

Prof. Msc. Biscay Eusébio N. Kassoma1


PARTE I
SUMÁRIOS DESENVOLVIDOS DE DIREITO PENAL II PARA OS ALUNOS
DO 2.º ANO DO CURSO DE DIREITO.


1
Cfr: Biscay Kassoma, Mestre em Ciências Jurídico-Forenses, Licenciado em Direito, ambas as formações feitas
.

1

Bibliografia: Lições de Direito penal de Jorge Figueiredo Dias – capítulos 27, 28 e
29 (tentativa e desistência); capítulos 30, 31, 32 e 33 e ainda, uma parte do capitulo
40 (comparticipação) e capítulos 41, 42 e 43 (concurso). Apontamentos de Direito
Penal, Orlando Rodrigues, escolar editor, Luanda, 2014 ( pag. 246 a 331)


A matéria que compõe o 2.º semestre é a matéria das Formas do Crime, isto é,
matéria importante, que aparece todos os dias nos tribunais: tentativa,
comparticipação e concurso de crimes (art. 19.º a 29.ºdo CP).

São artigos que aparecem muitas vezes na vida real criminal porque, até aqui, por
regra, sempre que se falou em direito penal, o paradigma é: A mata B. Contudo, este
paradigma, muitas vezes, não apresenta apenas A mas A e B com arma emprestada
por C que mata D, daí que tenhamos de classificar a intervenção de cada interveniente
no crime, que se dá pelo nome de comparticipação.

Outro caso muito frequente, com grande divisão jurisprudencial era: “A decide
encomendar a morte de B e telefona para C, russos, pedindo que tratem de uma
senhora e estes denunciam A ao SIC, que lhes dá indicações de como agir, e no dia
aprazado para que o contrato fosse cumprido, no momento em que A iria entregar o
dinheiro a C, quem lá estava era a SIC”.

Aqui, a questão que se colocava era que a vida de B nunca teria estado em perigo, o
crime nunca foi consumado e a ser alguma coisa, estaríamos no âmbito da tentativa.
Mais que isso, para haver tentativa deve haver um conjunto de requisitos,
nomeadamente, tem de haver um conjunto de actos que ponham em perigo o bem
jurídico. Neste assunto, os tribunais divergem na opção de condenar ou não pela
tentativa. Se imaginarmos, quando A mata B, o crime não foi apenas o Crime de
Homicídio, mas se a bala perfurou a roupa, há também crime de dano, ou seja,
ninguém diria que haverá concurso efetivo de crimes. Na comparticipação iremos
estudar 4 figuras: autoria imediata, autoria mediata, instigação e co-autoria.

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1. Tentativa:
O estádio (ou fases) de realização criminosa (Iter criminis):

Iter, significa o itinerário da realização criminosa, pois neste é possível distinguir


várias fases, desde o momento em que o agente decide cometer o crime, até ao
momento da sua realização máxima.

Iter Criminis:

Decisão de cometer o crime

O 1.º momento do iter criminis, em regra, nos crimes dolosos é a decisão de cometer
o crime. A mera decisão de cometer o crime, desacompanhada com a prática de
qualquer ato, não tem relevância criminal, pois o mero pensamento de cometer crime,
só por si, não suporta pena criminal (“Coegetacionis poena nemo patitur”, isto é, as
cogitações/decisões, não sustentam uma punição). E é assim porque, desde logo,
existe um direito fundamental de liberdade de pensamento e não é função do direito
penal moralizar os pensamentos das pessoas, sendo essa a função da moral.

O direito penal não se confunde, nem pode, com a moral, a função daquele é a de
proteger bens jurídicos e a mera decisão de cometer um crime está ainda muito longe
de qualquer perigo de lesão de um bem jurídico-penal. Só uma decisão exteriorizada
através da prática de actos ofensivos para o Bem Jurídico é que pode levar a uma
punição. Todavia, há momentos da doutrina penal onde o juízo de perigosidade do
agente tem relevância, isto é, aquilo que o agente pode fazer no futuro, o fundado
receio da prática de factos ilícitos pode ter relevância para a aplicação de uma medida
de segurança.

A propósito destas há a ideia de que a perigosidade do agente (o juízo de perigosidade


é o fundado receio de se vir a cometer factos ilícitos no futuro, ou seja, um juízo de

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prognose) leva a aplicar uma sanção com o fundamento do que se possa vir a fazer e,
em certa medida, teoricamente, o regime da medida de segurança pode se mais
gravoso do que o regime da pena, uma vez que, teoricamente, cessa uma medida de
segurança quando a perigosidade cessar, mas se esta não cessar até ao limite da pena
do crime em causa, esta pode ser prorrogada e a CRP, ainda que apenas teoricamente,
prevê que possa ser perpétua.

Uma pena nunca pode ser aplicada com base no que o agente possa vir a cometer,
pois esta aplica-se a actos realizados pelo agente, portanto, a mera decisão de cometer
um crime não permite a aplicação de uma pena. Se o agente for um imputável
perigoso, poder-se-á a plicar uma Pena Relativamente Indeterminada, porém, esta tem
sempre um máximo até ao qual pode ir, sendo que acima de 9 anos não irá, se for este
o seu máximo. No entanto, na sua execução, está poderá ser indeterminada
relativamente ao tempo que irá cumprir.

Para além das Medidas de Segurança, pode ainda acontecer o seguinte: “se A diz para
B “- ou te calas com isso ou corto-te as goelas”, este acto de exteriorização terá já
relevância criminal ou não? Aqui, a punição nunca será, nesta fase por homicídio ou
integridade física, salvo se esse constituir, por si só, um crime autónomo, que é o caso
do crime de ameaça, previsto no art.170.º CP, um crime contra a liberdade das
pessoas, sendo punido por este na forma consumada. Note-se que a ameaça não é
contra qualquer bem jurídico, apenas “contra a vida, integridade física, liberdade
pessoal, liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável
valor”.

Portanto, se se ameaçasse matar um periquito, este não seria um bem de considerável


valor. Ainda assim, está presente a questão de bens com valor sentimental, por
contraposição aos bens de valor patrimonial (se o agente matasse, de facto, o
periquito, seria um crime de dano, contra a propriedade do dono do periquito.)

O que é o património? Os arts.º391.º, 392.º e 393.º, (que prevê o crime de furto


qualificado), tem como requisito de preenchimento e agravação o valor, porém, temos
de saber o que é valor elevado e consideravelmente elevado. Estes dependem de uma

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coisa que se chama salario minimo mensal da função pública, que está definido no
Decreto Presidencial n.º 14/19, de 9 de Janeiro (prevê o salário minímo mensal em
Kz. 33.558,83). Portanto, depois de perceber quanto é uma custa judicial, diz-nos o
art.391.º do CP que o valor elevado é “aquele que exceder 100 vezes o salario minimo

mensal da função publica, no momento da prática do facto” e valor consideravelmente
elevado “aquele que exceder 500 vezes o salario minimo mensal da função publica,
no momento da prática do facto”, pelo que, para sabermos quando a coisa subtraída
tem valor elevado, teremos de fazer uma multiplicação e perceber em que patamar se
encaixa o respetivo valor. Este sistema é o acolhido pela nossa lei, contudo há quem
defenda que o património tem também uma dimensão pessoal, numa conceção
personalista de património em que ter-se-á de averiguar qual o valor que o bem tem
para o lesado. Ainda assim, o nosso legislador optou por uma conceção objetivista de
património.

O crime de ameaça tem requisitos muito próprios, como já vimos supra e, em


princípio, a mera comunicação da vontade de cometer um crime não é relevante
criminalmente.

Por regra, se a execução criminosa continuar, A decide matar B mas, para tal, precisa
de adquirir a arma do crime: se A for ao CANDANDO comprar uma faca com
intenção de matar B e no momento em que sai do estabelecimento for detido, pode ser
punido por um crime de homicídio tentado? Será este um acto preparatório punível?
Ou então, A pretende chantagear B e pretende tirar-lhe fotografias comprometedoras,
indo comprar uma máquina: ficando por aqui, é punido? Nestes 2 casos, o descrito é a
preparação do acto, que corresponde ao segundo estágio do iter criminis: actos
preparatórios.

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Iter Criminis:

Decisão de cometer o crime - Atos Preparatórios

Nos termos da lei, art.º 19.º CP, “os atos preparatórios não são puníveis, salvo
disposição em contrário”, ou seja, é assim porque de um ponto de vista formal, o
Princípio da Legalidade, é um Princípio Fundamental e ir comprar a faca não
preenche nenhum tipo legal de crime, por falta de base legal. Os actos preparatórios
não são punido por duas razões:

1. Porque não há base legal e,


2. Porque são actos que ainda estão longínquos da lesão do bem jurídico, e
um Princípio fundamental do Direito penal é o de última ratio, mínima
intervenção do direito penal, pois não é ao direito penal que incumbe a
formação das pessoas, mas sim, tem como função proteger os Bens
Jurídicos dos ataques mais graves. Pois se protegêssemos a moral,
estaríamos muito perto dos Estados totalitários e não do Estado-de-Direito
em que vivemos.

Podemos dizer que o acto de comprar uma faca faz parte tipo legal do crime de
homicídio? O art.º 147.º diz “Quem matar”, pelo que não faz parte deste tipo legal de
crime comprar uma faca mas sim, disparar, esfaquear, servir a comida envenenada.
Estes actos mencionados, já não são actos preparatórios, mas actos de execução. O
nosso grande problema será distinguir actos preparatórios de actos de execução, algo
com muita relevância prática que responde à questão de agente ser ou não punido.

É a partir dos actos de execução que uma conduta ganha relevância criminal e
teremos de encontrar critérios para distinguir estes dois actos. Por exemplo: se A
apontar a arma será punido ou não? Para responder falta dizer que, em regra, os actos
preparatórios não são punidos, mas o art.º 19.º não deixa de ressalvar os casos
previstos na lei, funcionando assim como uma exceção.

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O legislador pode fazê-lo de duas formas: ou transformá-lo num crime autónomo,
com a ideia de que o acto preparatório pode surgir como crime autónomo, por
exemplo, no caso de passagem de moeda falsa, este crime é punido quando esta é
posta em circulação, mas também há o crime de falsificação de moeda, atendendo ao

perigo de lesão do bem jurídico com o acto preparatório, que se chama, contrafação
de moeda, previsto no art.o 256.ºCP (Remissão: art.º 19.º para o art.º 256.º).

O legislador pode criar, ainda, uma disposição que diz actos preparatórios,
mencionando que actos preparatórios de certos crimes serão punidos, art.º 263.º.
Neste último caso, o legislador quis avançar em relação aos actos preparatórios. Mais
criticável é o previsto no art.º 263.º, n.º2, ou seja, o ato preparatório do ato
preparatório da falsificação de moeda é punido (cunha ou papel para falsificar a
moeda) e o Dr. Figueiredo Dias, critica esta visão do ponto de vista da
proporcionalidade e da mínima intervenção do direito penal, pois o que está aqui em
causa é um alarme e o legislador antecipou ao máximo a punição, não devendo tê-lo
feito, na opinião do professor.

Aos atos preparatórios seguem-se os chamados actos de execução e saber defini-los e


qualificá-los é relevante porque é com estes que se inicia a tentativa. Um dos
elementos necessários para que haja tentativa é a prática de um acto de execução e
portanto, para alguém ser punido por um crime na forma tentada, precisa desta prática
de um ato de execução que o agente decidiu cometer e que não se chegou a consumar.

Iter Criminis

Decisão de cometer o crime - Atos Preparatórios - Atos de Execução

Então, o que são atos de execução? O que os caracteriza e distingue dos actos
preparatórios? Uma das primeiras tentativas de resposta foi dizer que são actos de

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Execução aqueles que estiverem compreendidos num tipo legal de crime – teoria
formal objetiva - que põe o acento tónico no princípio da legalidade. Como ponto de
partida, esta teoria está correcta, pois um acto só pode ser de execução se
corresponder a um tipo legal de crime, mas a maioria dos tipos legais de crime são de

execução livre, não estando no tipo legal de crime a descrição da sua execução.
Portanto, esta teoria formal não chega e precisamos de um critério material, que nos
permita definir materialmente a substância de um acto de execução. Para superar este
dilema, houve uma teoria da causalidade adequada, sendo acto de execução o acto
idóneo a causar o resultado, (para realizar o crime e violar o bem jurídico).

O art.o 20.º, n.º2 do CP, define atos de execução, sendo a alínea c) a mais complicada
de interpretar.

A alínea a) vai de encontro com a Teoria de execução formal e é utilizada em


crimes de execução vinculada.

A alínea b) foi escrita por Eduardo Correia e prevê a Teoria da Causalidade


Adequada, defendida por este autor, ou teorias que se baseiam numa ideia de
causalidade adequada. Contudo, o legislador foi mais longe e criou a alínea c): “Os
que, segundo a experiencia comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de
natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos das espécies indicadas nas alíneas
anteriores” e diz que também são atos de execução aqueles que estão imediatamente
antes de um acto tipico ou de um acto idóneo a causar um resultado. Porquê?

Ao interpretar esta alínea teremos de ter algum cuidado pois, se assim não for, o acto
de comprar a arma está antes do acto de matar e também seria abrangido. O acto de
apontar a arma é o acto que, temporalmente, está mais próximo da lesão do bem
jurídico, ou seja, só se pode incluir nesta alínea os actos que representem um perigo
iminente para o bem jurídico. A forma teórica de traduzir este critério é então o
critério da dupla conexão de típica e de perigo.

Antes deste foram propostos outros critérios: houve quem dissesse que um acto será
de execução porque a vontade de cometer um crime é mais intensa no acto de

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execução do que no acto preparatório, pois neste ainda não há uma verdadeira
vontade – teoria subjetiva. Contudo, não é uma teoria infalível pois, por exemplo, em
quadros passionais, a decisão de matar é imediata à prática de execução, não havendo
um grau de premeditação.

Outro critério é o chamado teoria material objetiva, ou seja, estas teorias procuram
definir o acto de execução a partir da ideia de causalidade adequada, defendido por
HANS FRANK. Este autor diz-nos que haverá começo de execução em todos aqueles
actos que apareçam a uma consideração natural, como partes componentes da acção
típica/elementos do tipo legal do crime. Acrescenta ainda o elemento do perigo
imediato para o bem jurídico, ou seja, só será acto de execução aquele que represente
perigo imediato para o bem jurídico. Este caminho está certo mas precisa de ser mais
concretizado, pois é um conceito muito amplo e é justamente a este propósito que
Figueiredo Dias apresenta a dupla conexão típica e de perigo, concretizando a ideia de
Hans Frank. Assim, em vez da ideia da conexão temporal, podemos dizer e pensar
numa conexão da experiência e em vez de perigo imediato devemos dizer conexão
iminente.

Conexão típica existirá quando o acto penetra no âmbito de proteção da norma,


quando põe em causa aquilo que a norma quer proteger. Por conexão de perigo
entende-se ser uma conexão temporal, ou seja, a esse acto é temporalmente iminente a
lesão do bem jurídico; a esse acto, segue-se temporalmente o ato adequado a causar o
resultado.

Simplificando, é um acto de execução quando este toca e põe em causa o bem jurídico
e vemos que com a prática daquele acto, o Bem Jurídico começou a ficar instável e a
tremer. Assim, cabem na alínea c) os actos que penetram no âmbito de proteção da
norma e representam um perigo iminente para o Bem Jurídico. A este propósito, ver
o primeiro caso do material de apoio:

1. “A pretende furtar e violar B, enfermeira. Com esse fim, introduz-se na viatura de B, estacionada
no parque do hospital, com o propósito de se apropriar de objectos de valor que lá encontre.
Permanece ainda na viatura, esperando o regresso de B. Perante a prolongada demora de B e não

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encontrando quaisquer objectos valiosos, A abandona a viatura”. Atendendo aos crimes de violação
e furto (artigos 181.º, 302.º e 304.º), pronuncie-se sobre a responsabilidade criminal de A.

Ter-se-á de perguntar se o agente já entrou na esfera pessoal ou patrimonial da vítima,


e assim sendo, do ponto de vista da violação, o acto é preparatório, mas do ponto de

vista do património a esfera patrimonial já foi tocada. O furto simples é punido com
pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de ate 360 dias mas, expressamente é
dito que a tentativa é punida, funcionado como exceção à regra do art.o 21.º CP.

Por regra, o iter criminis termina com a consumação, quando o agente, com a sua
conduta, preenche integralmente, o tipo legal de crime.

Nota: a prática dos actos de execução é um elemento da tentativa.

Iter Criminis.

Decisão de cometer o crime- Atos Preparatórios- Atos de Execução- Consumação

Todavia, ainda no âmbito da consumação podemos distinguir a consumação formal e


consumação material, sendo que esta distinção apenas é possível em alguns tipos
legais de crime. Dá-se consumação formal quando se preenche integralmente o tipo
leal do crime, ou seja, logo que a conduta preenche a totalidade dos elementos típicos
do tipo legal de crime e a consumação material, términus ou conclusão, dá-se apenas
com a realização completa do conteúdo do ilícito em vista do qual foi construída a
incriminação. Por regra, ambas se verificam no mesmo espaço temporal: exemplo,
homicídio. Porém, noutros tipos legais o legislador antecipa um pouco a consumação,
não obstante não ter havido a total concretização do ilícito, por exemplo, nos crimes
de perigo. No crime de exposição ao abandono, art.o 203.º CP, vejamos uma situação:
uma mãe deixa o recém-nascido no caixote do lixo (e este é posteriormente acolhido
por terceiro), é punida, pois preencheu integralmente o tipo legal do crime de

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exposição ao abandono – crime consumado, consumação formal pois o máximo de
ilícito inerente a este tipo legal de crime dá-se quando a criança morre. O propósito
deste crime acontece pois, pode acontecer que a mãe se arrependa, volte atrás e leve a
criança consigo, não lhe acontecendo nada, estando aqui subjacente saber se poderá
ou não haver desistência depois de o crime estar consumado formalmente, antes de
estar consumado materialmente. O legislador admite a possibilidade de haver
desistência de “tentativa” entre a consumação formal e a material – art.º 22.º CP.

Assim, esta distinção só pode ser feita para crimes de perigo e/ou crimes de resultado
cortado (aqueles crimes em que o tipo subjetivo (intenção do agente) vai para além
daquilo que a lei prevê que ele faça – exemplo: art.o 417.ºCP - Burla – (aqui o plano
subjetivo vai para além do plano objetivo, ou seja, o legislador não chega a exigir a
intenção com que o agente actuou, ou seja, para que haja crime tem de haver a
intenção de enriquecimento, mas não é necessário que efetivamente tenha
enriquecido).

Diferença entre crime de sequestro e crime de rapto: no primeiro há a privação da


liberdade e no segundo há privação de liberdade com intenção de obter resgate ou
praticar um crime sexual. Aqui não é necessário que o dinheiro do resgate chegue
para estar verificado e consumado o tipo legal de crime - consumação formal pois o
máximo de ilicitude que levou a criar este crime só se dá quando a efectiva intenção
se concretiza. Se A matar B com intenção de pedir resgate, o crime de homicídio está
consumado e entretanto C decide ir auxiliar, neste caso pode ser punido? Esta
distinção é importante não só para efeitos de desistência, mas também para efeitos de
cumplicidade, pois na perspetiva da Dra. Susana Aires de Sousa, nos crimes de
execução duradoura, poderá haver cumplicidade apenas e se houver esta diferença
entre consumação formal e consumação material. Se se disser: distinga a consumação
material e formal no crime de homicídio, conclui-se que não há distinção pois não há
uma linha que separe uma coisa da outra.

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1) A tentativa
2) Tentativa impossível
3) Desistência da tentativa

A TENTATIVA:

O efeito da tentativa dá-se sobre a pena aplicável (moldura penal), pois é uma
circunstância modificativa atenuante da moldura penal. É importante ter este critério
de distinção dos atos preparatórios e actos de execução, pois é com a prática destes
que se inicia a tentativa, entre outros. O art.o 22.º, n.º2 CP, nas suas 3 alíneas, define
o que se entende por atos de execução.

A diferenciação entre consumação material e consumação formal também é


importante para saber a partir de que momento se começam a contar os prazos para
prescrição, que é a partir da verificação do resultado atípico.

Caso 1: (continuação).

Na resolução, devemos sempre olhar para os tipos legais e vê-los na parte especial.
Assim, no caso, temos presente o tipo legal de violação (art.o 181.ºCP), sendo que
este artigo está na atualidade a ser muito discutido, pelo facto de existir ou não
violência no momento da prática do facto. Este tipo legal é um crime de execução
vinculada, descreve-se o meio de execução e o Tribunal da Relação, num caso em que
a vítima não reagiu, considerou não haver violação por não ter havido violência.
Neste sentido, Teresa Beleza, defende que deveria cair a parte da violação do tipo
legal.

Outro tipo legal em causa é o furto, art.o 302.º CP e art. 303.º. Menciona-se o art.
303.º pela sua alínea b) do n.º2 e quer isto dizer que o agente seria punido pelo crime
de furto qualificado, nos termos do qual, a aplicação de uma norma especial, exclui a
norma geral, que é o nosso caso. Se assim não fosse, estaríamos a violar o Principio
da dupla valoração.

No caso sub juidice, haveria um problema de tentativa e ainda um problema de

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concurso de normas.

Importante também após a leitura do caso, é tentar identificar o problema substancial


colocado. Aqui temos o A que, com determinada intenção, pratica determinados atos:
pretende violar
B e furtar as coisas que encontrar dentro de determinado veículo.
Consegue concretizar as suas intenções? Não, nem quanto à violação, nem quanto ao
furto. Porém, será que os actos têm o mesmo significado jurídico-penal? O problema
que o caso nos coloca é o da diferença entre actos preparatórios e actos de execução
e, por outro lado, saber quais os elementos da tentativa.

O que é a tentativa, como se classifica e quais os seus elementos? É uma forma


especial do aparecimento do crime e, por regra, é punível, diferentemente dos atos
preparatórios. Está definida no art.o 20.º, n.º1 CP - “Há tentativa quando o agente
praticar atos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a
consumar-se”, sendo assim 3 os elementos: prática atos de execução; decisão
criminosa e não consumação do crime. No fundo, tentativa corresponde à realização
parcial de um tipo de ilícito e é parcial porque falta a consumação. Há quem diga que
a tentativa é o inverso do erro sobre a factualidade típica que exclui o dolo, ou seja, o
caçador nunca poderá ser punido por homicídio doloso, apenas poderia ser punido por
homicídio negligente, pois falta-lhe a parte subjetiva, não obstante estar preenchida a
parte objetiva do tipo legal de crime. Na tentativa, há ilícito subjetivo mas falta o
ilícito objetivo, ou seja, falta que o agente morra em caso de crime de homicídio, que
corresponde à consumação. Na verdade, dizemos que a missão do direito penal é
proteger bens jurídicos e na tentativa, não chega a haver a lesão do bem jurídico.
Então, qual o fundamento da punição da tentativa? Na tentativa, o perigo nunca passa
para além de perigo e isso, só por si, não justifica a punição da tentativa, o que
justifica é a decisão/vontade de cometer um crime. Ainda assim, isso pode também
ser criticável, pois se vamos fundamentar apenas na vontade do agente, então,
estaríamos a sair da função do direito penal e a entrar apenas na personalidade do
agente. Para a punição da tentativa temos, desta forma, várias teorias.

A primeira delas são as Teorias Objetivas: perigo da lesão do Bem Jurídico, que

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fundamenta a punibilidade da tentativa - Eduardo correia (Coimbra), Cavaleiro
ferreira (Lisboa). A apreciação critica feita a esta teoria (pura objetiva) é, desde logo
uma crítica formal, pois tal desconsidera o descrito no art.20.º CP, pois, para estes, só
o elemento objetivo justifica, mas o art. 22.º também inclui o elemento subjetivo

(decisão de cometer o crime). Tal como descrito, não se poderia compreender a
punição da tentativa impossível. Uma conceção puramente objetiva não permite
justificar esta punição da tentava impossível e o nosso código, em alguns casos,
admite-o.

Do outro lado, temos as Teorias Subjetivas que residem na vontade delituosa, ou


seja, é a vontade do agente de violar a norma punitiva que justifica a punição do
agente (e não o perigo de lesão do Bem Jurídico). Uma teoria deste tipo justifica na
perfeição a tentativa impossível, pois nesta, o que há é vontade de cometer o crime e
nunca existe o perigo. O problema coloca-se porque, do ponto de vista das Teorias
subjetivas, toda a tentativa impossível seria punível e também não foi essa a intenção
do legislador, pois só há alguns casos de tentativa impossível. Desta forma, uma
Teoria puramente subjetiva não corresponde à compreensão de ilícito penal,
vinculado à protecção de Bem Jurídico, portanto, esta não é adequada à compreensão
do ilícito penal como nós fazemos, no sentido de por em causa Bem Jurídico. Para
nós, no ilícito penal está sempre presente o Bem Jurídico e nesta concepção, não há
adequação do ilícito penal vinculado a Bens Jurídico-penais.

Há ainda as teorias chamadas dominantes, Teorias da Impressão, que surgem em


resultado das críticas dirigidas às Teorias objetivas e subjetivas, estas combinam o
elemento objetivo com o elemento subjetivo e, segundo esta teoria, a punição da
tentativa fundamenta-se numa vontade (elemento subjetivo) exteriormente
manifestada (elemento objetivo) de violar a norma. Ainda assim, só se pune a
tentativa se e quando a actuação do agente for adequada a por em causa a confiança
da comunidade na vigência da norma e portanto, ponha em causa as expectativas da
segurança da comunidade, ou seja, a paz jurídica.

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Exemplo: “A quer muito magoar B e ofender a sua integridade física e arranjou um
boneco a que chama B e pica-o com uma vontade intensa de o magoar”. Não é um
crime de ofensa à integridade física, nem tentativa, pois ainda que considerássemos
ser discutível ser tentativa, seria impossível, pois o meio (espetar agulha num boneco)
não é apto a espetar na realidade uma pessoa. Será este acto susceptível de abalar a
confiança da comunidade da vigência da norma? A pessoa que vai à bruxa para matar
a amante do marido é punida? Não, tal chama-se tentativa supersticiosa, pois o que a
teoria da impressão procura trazer é a ideia de causar a impressão de perigo na
comunidade e punha em causa a paz jurídica.

Tudo isto se conjuga, pois a aplicação de uma pena serve para reafirmar à
comunidade a vigência da norma e assim só faz sentido aplicar uma pena quando a
confiança na comunidade foi abalada porque, não tendo sido, não se justificaria, do
ponto de vista das penas, a aplicação de uma pena. Defende esta conceção, por
exemplo, Figueiredo Dias, Claus Roxin e Hans-Heinrich Jescheck.
Parece que também terá sido o caminho do legislador ao definir o caminho da
tentativa no art.o 20º.

Quanto ao elemento subjetivo, decisão de cometer o crime, há um problema de


divisão da doutrina e também se tem espelhado na jurisprudência, ainda que
maioritariamente esta se encaminhe para um sentido: quando o legislador fala em
decisão criminosa, que intensidade de decisão/vontade está pressuposto neste
requisito subjetivo? É preciso dolo directo, ou o dolo eventual é suficiente para
preencher este requisito subjetivo e, assim, preencher o momento subjetivo da
tentativa?

O nosso legislador consagrou uma ideia de dolo eventual – Teoria da Conformidade


– há dolo eventual quando o agente considera a possibilidade do resultado acontecer e
se conforma com essa possibilidade. Se o agente coloca a possibilidade de o resultado
acontecer, mas acredita que não se virá a realizar, aí teremos negligência consciente.
Assim, comum ente o dolo eventual e a negligencia consciente é colocar a
possibilidade de o resultado acontecer, sendo que a diferença dá-se no elemento

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volitivo, ou seja, na conformação de o resultado acontecer ou não acontecer. O grande
problema destes é, ainda assim, a prova em tribunal, ou melhor, como se convence o
juiz que o agente atuou com conformação do resultado acontecer ou não e será
preciso justificar muito bem.

Tudo isto é importante porque, regra geral, na parte especial, os crimes estão descritos
na forma dolosa, apenas sendo punida a negligência quando o tipo legal,
expressamente, o previr. Muitas vezes, esta diferença traduz-se em ser-se ou não
punido, principalmente no âmbito dos crimes fora do Código Penal, por exemplo,
crimes económicos, pois estes são apenas punidos na forma dolosa, sendo assim
preciso provar-se o dolo.

O que se tem discutido quanto à tentativa é saber se dolo eventual é ou não suficiente
para se dizer que o agente decidiu cometer o crime ou se apenas quando atua como
dolo direto está preenchido o requisito subjetivo. Há quem considere que dolo
eventual não é suficiente para preencher o requisito subjetivo da tentativa, ou seja,
apenas será punido se a pessoa atuou nos quadros do dolo direto ou necessário – Dr.
Faria Costa. (ver tentativa e dolo eventual, estudos em homenagem ao Dr. Eduardo
Correia, separata na sala do catálogo). Para ele só há punição da tentativa se o agente
atuar como dolo direito ou necessário.

Todavia, a doutrina maioritária não aceita esta restrição, admitindo o dolo eventual
porque, em primeiro lugar, a decisão que se refere o art.º 20.º n.º1 CP não deve ser
entendida em sentido mais exigente do que aquela que vale para qualquer ilícito
doloso. Qualquer ilícito doloso que seja previsto na parte especial é suficiente para
preencher o requisito do dolo eventual. Acresce ainda Figueiredo Dias que, em 2o
lugar, não há qualquer incompatibilidade lógica nem dogmática entre tentar cometer
um facto doloso e a representação da sua realização como possível, conformando-se
com ela. Quer isto dizer que quando o agente decide atuar, conformando-se com a
hipótese de o resultado acontecer, isto ainda é decidir-se pelo facto, pois quando faz o
juízo de “paciência”, ao optar com atirar, será ainda decidir-se pela execução
criminosa e não há, assim, nenhuma incompatibilidade entre decidir-se pelo crime e

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representar o resultado como possível, conformando-se com ele.

Para além disso, poderia dizer-se que, atuando com dolo eventual, as exigências
politico- criminais são menores, contudo, diz o Dr. Figueiredo Dias que, nos casos de
dolo eventual,
verificam-se as mesmas exigências politico-criminais e a mesma
dignidade punitiva que valem para qualquer tentativa. Na jurisprudência, encontrar-
se-ão acórdãos que mencionam que o dolo eventual não é suficiente para punir a
tentativa na forma tentada, mas são bem menores que o número de acórdãos da
posição contrária. (Ac. 27/01/93, 13/10/05; 31/04/04; 08/03/2006 e no sentido de não
suficiência, Ac. STJ 13/07/2005). No quadro da nossa lei actual, a tentativa não é
punida e não era esta a posição adoptada pelo projeto da parte geral Código penal do
Dr. Eduardo Correia, defensor de uma teoria puramente objetiva – no art. 19.º do
projeto definia-se através das teorias objetivas. (art.17.º é o nosso).

Quanto ao 2º elemento: prática de acto de execução.

A questão principal é saber distinguir o Acto de Execução e Acto Preparatório. Qual o


critério para os distinguir? Já falamos supra que surgiram diversas teorias: subjetivas
(segundo as quais a fronteira entre preparatório e ato de execução estaria na
intensidade da vontade do agente porque no Ato de execução, a vontade é mais
intensa); teoria formal objetiva (por si só não chega porque a maior parte dos crimes
são de execução livre e esta teoria apenas é útil par crimes de execução vinculada); e
finalmente, surgiu a Teoria material objetiva (Frank - que nos diz que são Atos de
Execução aqueles que, segundo aquilo que é a normalidade acontecer, conduzirão a
uma consideração natural de poderem ser vistos como elementos da ação típica. Para
além desta consideração natural, acrescenta-se ainda serem atos perigosos para o Bem
Jurídico).

Figueiredo Dias, fala em dupla conexão, ou seja, critério de conexão de perigo e


conexão típica. Conexão de perigo, significa que entre o acto a analisar e a realização
do tipo (consumação) existe um lapso temporal muito próximo, uma relação de
iminência e, portanto, há uma ideia de iminência de lesão do Bem Jurídico. A
conexão típica existe quando o acto penetra no âmbito de proteção da norma, o que,

17

como vimos, é fácil de verificar por exemplo, quando A se intromete na esfera
pessoal (vida, liberdade integridade física) da vítima, como é o caso de Bens Jurídicos
pessoais e na esfera patrimonial, no caso de Bens Jurídicos patrimoniais. A
verificarem-se estas duas conexões, estão preenchidas as condições para classificar

como ato de execução e não um ato preparatório.

É na alínea c) que se faz entrar a teoria da dupla conexão. Assim sendo, aplicando o
que estamos a dizer ao nosso caso prático, do ponto de vista do crime de violação,
todos os actos são preparatórios, precisamente, porque não se verifica a dupla
conexão, pois o agente não toca a esfera pessoal da vítima, ainda que entre o acto e a
vítima se possa dizer que o lapso temporal seja muito pequeno, ex vi, art.o 20.º, n.º2
c) e art.º19.º, pois quanto aos actos preparatórios, estes não são punidos.

Relativamente ao furto, a partir do momento em que se introduz no carro de B, há a


prática de actos de execução, alínea b) no n.º2 do art.º20.º, pois do ponto de vista do
furto, estes actos preenchem a dupla conexão de perigo e típica uma vez que estão
imediatamente antes da consumação e tocam a esfera patrimonial da norma. Assim, o
agente seria punido por tentativa de furto qualificado, art.o 303.º, nos termos dos
art.º303.º, 20.º e 21.º.

Nota: não devemos desperdiçar a parte subjectiva, pois muitas vezes só sabemos que
é tentativa de crime, sabendo a parte subjetiva. É preciso atender à intenção com que
o agente actua para sabermos que tipo de tentativa está presente.

O caso prático 2- A pretende matar B. Sabendo que este se encontrava a trabalhar num quadro
elétrico de alta voltagem, A liga a corrente eléctrica com intenção de causar a morte de B. Todavia,
a electrocução de uma ave originara, instantes antes, uma interrupção da corrente eléctrica,
frustrando-se assim o plano de A. Pronuncie-se sobre a responsabilidade criminal de A.

A ser punido, seria na forma especial de aparecimento do crime, que é a tentativa.


Aqui em causa está o art.º 23.º, n.º3 al. a) e b) e é enquadrado na tentativa impossível
por inaptidão do meio. Diz o art.o 147.º “Quem matar outra pessoa é punido com
pena de prisão de 14 a 20 anos”, sendo este o tipo legal em causa através da atuação
do agente, de forma tentada. Contudo, será esta tentativa simples, ou tem alguma

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especificidade? Estamos perante a figura da tentativa impossível, prevista no art.º
21.º, n.º3 CP. Por regra, uma tentativa só é punida se ao crime consumado (parte
especial) corresponder uma punição superior a três anos ou disser expressamente que
a tentativa é punível.

Quanto ao art.o 177.º CP, a tentativa será punida? Se nada se diz no tipo legal de
crime, a tentativa não é punida, o que não deixa de ser estranho porque num crime de
furto, a tentativa é punida (art.398.º CP) e num crime contra a pessoa, a tentativa já
não é punida, apenas o será se cair na ofensa à integridade física grave. A ideia do
legislador foi que, relativamente a crimes que na forma consumada são puníveis com
pena igual ou inferior a 3 anos, estes são bagatelas e têm pouco significado em termos
de necessidade penal. Sendo a tentativa já em si uma situação de perigo, o
pensamento do legislador foi não punir a tentativa de crimes que são em si bagatelares
e reservou a punição da tentativa apenas para a média e grande criminalidade, pelo
facto de ser excessivo punir crimes de pequena criminalidade.

O n.º3 do art.o 21.º CP refere o fundamento legal para se dizer que a tentativa é uma
circunstância modificativa atenuante da moldura penal. Como se operam os efeitos da
tentativa? Art. 74.º CP. O art.21.º, n.º3 é a norma convocada pelo caso prático que diz
que “a tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado
pelo agente ou a inexistência do objeto essencial à consumação do crime”. À
contrário conclui-se que a tentativa é sempre punida, apenas não sendo punida quando
for manifesta a inaptidão do meio ou a inexistência do objeto essencial da
consumação do crime. Lendo a norma, dir-se-á que a tentativa do nosso caso prático é
impossível, pois há inaptidão do meio, uma vez que não haverá descarga eléctrica sem
corrente eléctrica. Contudo, apesar de ser uma tentativa impossível, a inaptidão do
meio é manifesta ou não? A interpretação feita para ser punida a tentativa surge no
sentido de ter de estar à vista da comunidade como uma tentativa possível. Ou seja, se
a tentativa aparece, aos nossos olhos, como possível de abalar a paz jurídica e a
vigência da norma, então a tentativa será punida. É então este problema que se
passará a discutir.

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A figura da tentativa impossível está prevista no art.o 21.º, n.º3 CP e esta só não é
punida quando se considerar manifesta a inaptidão do meio ou a inexistência do
objeto. Significa que, à contrário, resulta do art. 21.º que, em princípio, a tentativa
impossível é punida e só não será punida quando for manifestamente impossível. A

impossibilidade da tentativa pode acontecer por 3 circunstâncias, estanho duas delas
previstas no art. 21.º:

1º - impossibilidade por inaptidão de meio;

2.º – impossibilidade por inexistência do objeto;

3.º – impossibilidade da tentativa em função do autor ou por falta da qualidade do


autor.

A propósito da punibilidade da tentativa impossível, confrontam-se as mesmas teorias


a convocadas a respeito do fundamento da tentativa. Quanto às teorias objetivas,
elas têm dificuldade em aceitar a punição tentativa impossível, pois não há qualquer
perigo para o Bem Jurídico. Por definição, qualquer tentativa impossível não
representa realmente um perigo para o Bem Jurídico, porque não existe objecto ou
porque o meio é inapto. Os ordenamentos que seguem uma concepção mais objectiva
da tentativa, por regra, não admitem a punição da tentativa impossível, como é o caso
do ordenamento jurídico espanhol. Ainda assim, há muitas vezes a distinção entre
tentativa absolutamente e relativamente impossível.

Do ponto de vista das teorias subjetivas, estas puniriam toda a tentativa impossível,
pois o que existe nestas é a vontade do agente cometer o crime, o desvalor da ação, e
o problema seria o contrário. Verifica-se aqui a vontade do agente cometer um crime
e, nesta perspetiva teríamos a tentativa irreal ou supersticiosa como tentativa punível.
Não se entende, nestes casos, em nome de que é que se puniria estes agentes.
Também estas teorias não servem, por serem excessivas quanto à punição, para
enquadrar a tentativa impossível.

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Qual é então, a teoria que de alguma forma vem sendo seguida? Iremos, de alguma
forma, beber das teorias da impressão ou aparência de perigo.

A delimitação da punibilidade da tentativa impossível resulta de uma combinação de


elementos objetivo-subjetivos.
Temos de saber se, apesar de impossível, a tentativa é
suficiente para abalar a confiança comunitária na vigência da norma. Assim, não será
punida a tentativa impossível, se ela for manifestamente impossível, ou seja, como é
que se encontra um critério para aferir esta manifesta impossibilidade? Este é um
juízo ex ante, um juízo de prognose póstuma sobre a impressão objetiva do perigo.
Em que se traduz então este juízo?

É um juízo levado a cabo por um observador, um homem médio, colocado no


momento em que o agente atua e sabedor/conhecedor de todas as circunstâncias
conhecidas ou cognoscíveis pelo agente. É um juízo de prognose póstuma, pois é feito
depois do agente já ter atuado, ou seja, faz-se um juízo de prognose que é póstumo
porque os factos já aconteceram. Se para esse observador médio, aquela tentativa
aparece como possível, então ela não é manifestamente impossível, logo é punida. Se,
para esse observador, pelo contrário, com aquilo que podia conhecer, a tentativa lhe
parece como manifestamente impossível, então é uma tentativa manifestamente
impossível, logo, não é punida aquela tentativa. No nosso caso, alguém colocado na
posição do agente, conhecendo o que ele conhecia, tomava aquela tentativa como
possível, ou seja, a tentativa não era manifestamente possível, logo era punida, ao
abrigo do art.21.º, n.º3.

Outro caso: Ac. STJ 6/11/2008 – ficou provado que um determinado terceiro,
colocou oito pedaços de canábis acondicionados dentro de um saco, na orla interior
do estabelecimento prisional e esse saco iria ser recolhido no dia seguinte por dois
reclusos. Porém, o guarda prisional que acompanhava um tractor apercebeu-se que
estava ali um saco e verificou o que estava no interior. Comunicou à chefia e
apreendeu-se o conteúdo do saco, substituindo-se os tubos de cabanis por outros de
peso e aparência semelhante. O saco foi depois colocado no exacto local onde iria ser
retirado. No dia seguinte, os reclusos apanharam o saco, foram lá montadas camaras

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de vigilância e um recluso dirigiu-se para o saco, apanhou-o e dirigiu-se para o
arguido B, que ficou com este. Provou-se que em causa estava um crime de tráfico de
droga, mas houve uma tentativa impossível por inexistência do objeto punida porque
um observador médio, conhecendo o que conhecia, tomava-a como manifestamente

possível e assim seria punida.

A. TENTATIVA IMPOSSIVEL POR FALTA DA QUALIDADE DO


AUTOR:

Muitas vezes, acontece que o tipo legal possa exigir uma determinada qualidade ou
relação para se ser autor daquele crime, o que chamamos de crime específico (há
quem distinga crime especifico próprio, - onde a qualidade exigida fundamenta a
autoria, por exemplo, o médico que; o funcionário que; - de crime especifico
impróprio- a qualidade ou relação não fundamenta a autoria, mas agrava a pena, por
exemplo, o furto é um crime comum mas se for cometido por um funcionário público,
deixa de ser crime de furto e passa a ser peculato, pois a sua qualidade agravou a
pena.

Nota: o crime de abuso de confiança – (art.o 404.º CP é também ele um crime


especifico porque reduz o círculo de pessoal que possa cometer aquele tipo de crime),
que se contrapõe a crime comum.

Pode acontecer que o agente pense ter a qualidade exigida pelo tipo legal mas que, na
verdade, não tenha, ou seja, pode acontecer um agente pensar ser funcionário das
finanças mas, por um erro/vício da sua nomeação, esta qualidade torna-se inválida e
apenas é um funcionário putativo. Aqui, o agente não é funcionário e o crime de
corrupção, previsto no art.o 358.º e 359.º CP, não se adequa a ele. Para efeitos de
facto, este é funcionário mas para efeitos administrativos, aquela nomeação é
inválida, Quid iuris? Não punimos este agente, pois há quem diga que não se deve ter
uma interpretação tão restritiva de funcionário, ou seja, o critério seria, neste caso, a
disponibilidade fáctica de praticar o ato. Porém, deixando esta questão, teríamos aqui
uma tentativa impossível por falta da qualidade do autor e será punida consoante seja
manifestamente impossível ou não. No caso, não é manifesta a sua impossibilidade,

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pelo que a tentativa seria punida. Esta terceira possibilidade diz respeito a crimes
específicos em que o agente pensa erroneamente que tem a qualidade exigida pelo
tipo e não tem, o que significa que se fale em tentativa impossivel.

Porém, como se justifica esta possibilidade? Estar-se-á a violar o Princípio da


legalidade criminal? Não, porque começamos a interpretar o art.21.º n.º3 como toda a
tentativa impossível ser punida e só não é punida se não houver manifesta inaptidão
do meio ou do objeto – faz-se assim uma analogia para excluir a punição
relativamente à qualidade do agente. Aplica-se a analogia ao art.21.º n.º3.

Exemplo: Uma senhora das limpezas julga ser funcionária do Ministério Público por
fazer lá as limpezas, aqui há a figura da tentativa impossível por falta de qualidade do
autor que não será punida por falta da qualidade do autor, uma vez que não é
manifesta tal qualidade. Há outros casos especiais de tentativa: pode haver tentativa
de crimes agravados pelo resultado.

B. TENTATIVA IMPOSSIVEL vs CRIME PUTATIVO.

Na tentativa impossível, o agente pensa que está a cometer um crime, acredita que o
está a cometer e, de facto, o plano corresponde a um tipo legal, sendo que o crime só
não se comuna porque a tentativa é impossível. No crime putativo, o agente pensa que
está a cometer um crime, mas esse comportamento não está tipificado, não há reflexo
dessa conduta na lei e não é punido – exemplo: agente comete adultério, convencido
que este é um crime. Por vezes, torna-se difícil a distinção, porém, se a tentativa é o
inverso do erro sobre a factualidade típica, o crime putativo é o inverso da falta de
consciência da ilicitude – erro sobre a ilicitude.

Exemplo: A, de 18 anos, mantém relações com B, de 16 anos, convencido que actos


sexuais com menores de 18 anos é crime – é um crime putativo. Para criar a situação
de tentativa, A teria 18 anos e tem relações com uma rapariga de 16 anos, convencido
que B tem 13 – aqui seria tentativa impossível por falta do objeto. Esta última seria
punida consoante fosse possível aos olhos do observador médio, atribuir ou não
aquela idade a B.

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C. O Tentativa em crimes de omissão:

Caso 3: A, apercebendo-se que B, seu marido e pai do seu filho, havia espancado a criança algumas
horas antes, omite dolosamente os cuidados médicos necessários para salvar a vida da criança,
conformando-se com a hipótese do seu falecimento (deveria ressalvas à vista a questão do dolo

eventual). A morte da criança só foi evitada porque a avó a transportou ao hospital onde veio a receber
o tratamento médico adequado que lhe salvou a vida. Pronuncie-se sobre a responsabilidade
criminal de A.

Punir-se-ia a mãe, A? Quanto a B, colocar-se-ia um crime de integridade física ou


tentativa de homicídio, se atuou com a intenção de matar. Quanto a A, esta omite. A
será punida por omissão impura, pois uma mãe ou pai têm o dever de garantir que
nada acontecerá aos seus filhos, art.º8.º CP, que nos diz que quando um tipo legal
contenha um resultado, é punida a ação, mas também é punida a omissão da ação
adequada a evitar o resultado. Porém, para ser responsabilizado por omissão impura é
preciso que o agente tenha o dever de garante, sendo que aqui, segundo a teoria
tradicional, são fontes do dever de garante, a lei, o contrato e a ingerência. No nosso
caso, relactivamente a A, esta tem o dever de garantir que o filho não morra e não faz
nada, omitindo dolosamente e conformando-se com a possibilidade de ação e se
morresse, a mãe seria punida por homicídio consumado por omissão. Não morrendo a
criança, a mãe seria punida por tentativa de homicídio por omissão. Esta é uma
questão que não é pacífica na doutrina e há quem diga que a figura da tentativa não é
pensada nos crimes de omissão.

A professora Susana Aires de Sousa, julga que é possível pensar-se, adequando as


coisas, em tentativa nos crimes de omissão e para ela é possível, no âmbito da
omissão, distinguir as várias fases da conduta criminosa. A omissão é uma
normatização e, deste poto de vista, há um momento até ao qual ainda não existe
perigo para o Bem Jurídico e há um momento em que o perigo passa a ser iminente
para o Bem Jurídico, sendo que aí, se nada for feito, passamos a ter a fase da tentativa
ou execução do crime. Se a mãe decidir deixar de amamentar o seu filho,
conformando-se com a possibilidade de ele falecer, haverá nesse momento tentativa?
Já existe o perigo iminente para o Bem Jurídico? Quando deixa de amamentar, esse

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perigo não existe, e nesse momento está ainda em fase de preparação. A execução
iniciar-se-á quando a criança começar a ter problemas físicos por estar a ser
amamentada, onde aí haverá já tentativa de homicídio.

Quando a pessoa
tem o dever de agir e nada faz, desprezando a possibilidade de
salvar o Bem Jurídico, estaremos perante uma tentativa que se prolonga ate á ultima
possibilidade que a pessoa tinha de salvar o bem jurídico, a que se chama tentativa
acabada. Enquanto a situação do Bem Jurídico ameaçado não piora, existe a
preparação pois estamos ainda numa fase longínqua relativamente à consumação.
Tentativa dar-se-á quando, existindo a resolução criminosa, o perigo aumenta e,
portanto, neste caso prático, da perspetiva da professora. A agente podia ser punida
por tentativa de crime de homicídio por omissão.

Restringir a tentativa aos crimes de ação seria uma interpretação naturalista da figura
da omissão e se o art.º 8.º equipara a omissão á ação, não devemos também restringir
a tentativa apenas a crimes de ação.

D. Desistência da tentativa

Adaptação de um caso que saiu num exame se acesso ao INEJ:

A convence B de 13 anos de idade a assaltar a casa de C, dividindo com ele os benefícios desse
assalto. Julgando que não havia ninguém em casa, B entra nessa casa mas, no momento em que
agarrava as pratas, C, no primeiro andar, ouve um barulho estranho. Tendo dificuldades em se
mover, C dispara sobre B. vendo que lhe acertara e colocando a hipótese de B vir a morrer, sai de
casa. Porem, algum tempo depois, regressa e acaba por chamar auxílio médico necessário. Provou-
se que sem a intervenção médica, B morreria. B sobreviveu. Qual a responsabilidade, para já, de C
relativamente ao tipo legal de homicídio?

Haveria aqui várias responsabilidades criminais a cruzar-se: A que convence B,


inimputável a realizar um crime de furto. Surge também o problema de C apontar para
as pernas e, alem do mais, fá-lo para o impedir de fugir (causas de justificação e
excesso). Porém, interessa agora C, que dispara e se apercebe, a um dado momento,
que B pode morrer e mesmo que tivesse disparado para as pernas, no momento em
que representa que A pode morrer e nada faz, há uma responsabilidade pela morte e

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ainda se poderia concluir que a responsabilidade poderia ser por nada fazer, isto é,
omissão.

Hipótese A: B morre – puniríamos por homicídio consumado doloso, pois houve aqui
um excesso de
legítima defesa que se retira do âmbito de uma causa de justificação de

exclusão da ilicitude. Ter-se-ia também de discutir se seria por ação ou por omissão.

Hipótese B: alguém auxilia B e este não morre – tentativa.

Hipótese C: dispara, foge e entretanto volta arrependido e chama auxílio médico,


conseguindo evitar a morte – não se deve hoje falar de arrependimento, o Código
Penal menciona a desistência e esta corresponde, em certa medida, a um
arrependimento que não o é na realidade. Aqui, o que o agente tem de fazer é evitar a
consumação do crime e não necessariamente um arrependimento moral, daí que esta
expressão não seja corretamente usada. É necessário que, por intervenção do agente,
um bem jurídico que estava em perigo, seja salvaguardado. Quando assim é, o nosso
legislador atribui relevância a este facto e se o agente que iniciou uma resolução
criminosa lhe colocar fim, salvaguardando o bem jurídico, não é punido, tendo assim
a desistência por efeito a exclusão da punição. Aqui a categoria que se exclui não é a
tipicidade, nem a ilicitude ou a culpa, mas sim a punibilidade, ou seja, o facto deixa
de ter valor sob o ponto de vista da punibilidade. A desistência, hoje está prevista no
art.º 22.º CP e diz este que “a tentativa deixa de ser punida quando o agente
voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime, ou impedir a
consumação, ou, não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não
compreendido no tipo de crime”, ou seja, mesmo sem saber exatamente o que a
norma quer dizer, vimos que esta construída em 3 partes: desistir de prosseguir na
execução do crime; impedir a consumação; ou, não obstante a consumação (formal)
impedir a verificação do resultado do resultado não compreendido no tipo de crime -
consumação (material).

Não estudaremos, para já, o art. 23.º pois este remete para a desistência em crimes
onde há vários intervenientes na realização criminosa – situações de desistência na
comparticipação. O regime do art.o 22.º, portanto, refere-se à situação em que não há

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comparticipação, por princípio, ou então, o comparticipante é alheio à desistência.
Assim, em regra, refere-se a situação de autoria imediata.

Porque é que se o agente regressar ao direito, salvado o meio jurídico, deixa de ser
punido? Em nome de quê? No nosso caso, ele não seria punido por tentativa de
homicídio mas, relativamente à ofensa à integridade física consumada, seria punido
por crime consumado. O que fundamenta este regime é uma das questões teóricas
mais discutidas na doutrina penal, havendo várias teorias a propósito da desistência da
tentativa.

Assim sendo, poderemos sintetizar em 5 propostas principais:

1. Teoria da Ponte dourada – para esta teoria, a ausência de pena decorrente do


regime de desistência fundamenta-se na ideia de que o agente se decidirá mais
facilmente por não prosseguir com a execução do facto, se o direito lhe estender uma
ponte dourada que o traga de volta ao lado certo, ao lado do direito. A ideia é que o
agente decidir-se-á mais facilmente pelo lado bom, se o legislador lhe estender a
possibilidade não ser punido, que o faça regressar à margem certa.

A crítica feita a esta teoria é ser uma teoria afastada da realidade porque, a maior parte
das vezes, o agente desconhece esta “ponte” e este efeito não se verifica na realidade,
pois não conhece tal privilégio e muito dificilmente poderá constituir o motivo da
desistência, pois não é por saber que ficará impune, que o agente desiste.

2. Teoria premial, do perdão, ou da graça – no fundo, segundo esta teoria, a Ordem


Jurídica concede um prémio/incentivo a todo aquele que desiste da tentativa e
regressa ao direito. O regime da desistência da tentativa não é mais do que um
prémio, uma graça ou mesmo um perdão que se concede ao agente porque ele
regressou ao direito e salvou o Bem Jurídico que tinha colocado em perigo.

A crítica formada para a ponte dourada é também aqui usada pois este prémio não
pode estar na base da motivação do agente, porque ele desconhece que existe na
Ordem Jurídica. Por outro lado, não se explica porque é que apenas se concede o
prémio em casos de desistência voluntaria e já não em casos em que a desistência não

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é voluntaria,

3. Outra tentativa passa pela Teoria de Bockelmann – é um autor penalista de pendor


subjetivista e as teorias subjetivas acentuam sempre na vontade criminosa. Assim,
segundo este, o perdão inerente à desistência tem a sua razão de ser/fundamento,
numa menor intensidade da vontade criminosa, ou seja, quando o agente desiste é
porque a vontade de cometer o crime não era tão forte/tão intensa.

A crítica dirigida é que o fundamento da desistência não tem a ver com a maior ou
menor vontade criminosa por parte do agente. Muitas vezes, ele desiste, não obstante
a sua vontade criminosa ser intensa. Portanto, diz-se, criticamente, que o motivo da
desistência muitas vezes não tem a ver com a intensidade da vontade, mas por outros
motivos, ou seja, por exemplo, A desiste de furtar B porque atrás dele vem C, que
parece ser muito mais rico e o furto trará mais proveitos. Aqui há um abandono
voluntario do primeiro furto mas não pode existir uma menor vontade criminosa.

4. Teoria (muito seguida pela maioria dos autores) dos fins das penas – o que o
direito penal pretende é que as pessoas não ofendam os valores protegidos e não
constitui crime o agente não acreditar nos valores defendidos, apenas não se podem
lesar, pois daí será penalizado. Para além desta ideia de prevenção especial positiva,
nestas situações de desistência, não há lesão do bem jurídico, pois havendo, o agente
teria sido punido pelo crime consumado. As ideias então são: não estaria justificada
aa aplicação de uma pena porque, uma vez que o agente regressa ao direito, apaga
com isso a impressão negativa (teoria da impressão) que causou na comunidade e, por
outro lado, a pena parece não ser tão necessária do ponto de vista da prevenção
especial, porque parece não ser necessária para afastar o agente da prática, no futuro,
de atos criminosos, na medida em que a desistência parece ser voluntária.

Todavia, uma pequena observação feita a esta teoria é a de que, apesar de isto estar
correto e em caso as finalidades de pena serem menores, teremos de ir mais longe e
perceber o porquê de assim ser. Para tal, teremos de olhar como apenas sendo
relevante, se esta for voluntária e teremos de poder afirmar que a desistência é ainda
dominada pelo desistente e não é a situação que domina o assistente.

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Melhor explicado, temos em primeiro lugar, de comtemplar a desistência voluntária,
ou seja, só desiste o que voluntariamente evita a lesão do Bem Jurídico e
voluntariamente inverte o perigo criado par ao Bem Jurídico. A nota importante é que
é o agente que com a sua atuação domina a desistência e inverte o perigo, onde a

reversibilidade do perigo é obra pessoal do agente, que com a sua ação contribui para
salvar o Bem Jurídico e, por isso, só o agente deve beneficiar da isenção de pena.
Significa, então, que devemos qualificar dogmaticamente a desistência com causa
pessoal de isenção de pena e quem deve beneficiar do regime é apenas aquele que,
com a sua atuação, põe fim ao perigo para o bem jurídico. Casos há em que é difícil
perceber se foi o agente que dominou a situação ou se a situação externa dominou o
agente. Ou seja, por exemplo, A terrorista ia fazer explodir um café e colocou uma
bomba mas, no momento em que se preparava para a fazer explodir, viu que estavam
lá os seus pais e não fez explodir a bomba. Foi o agente a dominar o agente ou a
situação que dominou o agente? O problema de voluntariedade é um problema que,
em casos-limite, torna a decisão muito difícil. O agente que vai para assaltar um
banco após ter feito um estudo sobre o sistema de alarme do banco e sobre o cofre,
chega ao banco e apercebe-se que não era aquele cofre que tinha estudado – aqui foi a
situação que dominou o agente. Imagine-se, agora, que o sistema lá colocado era
outro; que, ainda assim, ele podia dar-lhe a volta mas, sendo perfecionista, decidiu ir
para casa e estudar o sistema mais aprofundadamente – aqui houve desistência
voluntária ele podia ter feito o assalto, mas decidiu fazê-lo mais tarde.

Apenas quando se poder dizer que a desistência é imputável ao agente é que fará
sentido dizer que há uma causa pessoal de desistência de pena. A desistência é
voluntária quando se puder dizer que o agente ainda tinha o domínio da situação e não
que a situação o dominou a ele e é esta a compreensão da desistência, que nos permite
qualificar a desistência como causa pessoal de isenção de pena e situa-se no último
nível das categorias da infração criminal - exclusão da punibilidade.

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Para que se verifique a desistência, há requisitos:

1.º Que a consumação material não chegue a ter lugar – só há desistência de


tentativa e o agente só beneficia deste regime, não sendo punido, se não houver
consumação. O arrependimento é um critério para se fixar a pena concreta tendo
havido consumação. O pressuposto aqui é que o Bem Jurídico não tenha sido
ofendido.

Ainda assim podemos distinguir 2 situações: 1). A com intenção de violar B, agarra-
a, coloca-a no chão mas, após observar a cara de sofrimento da vítima, deixa-a e vai
embora, não prosseguindo com a violação; 2). A com intenção de matar B, dá-lhe
uma facada mas, tomando consciência do que fizera, chama auxílio médico e B acaba
por ser salvo.

Em ambas as situações, há desistência relevante mas, num caso e noutro, para que
houvesse desistência, o agente teve de atuar de forma diferente. No primeiro caso,
para desistir, abandonou e deixou de continuar a execução criminosa mas, no segundo
caso, para este desistir, ele tinha de fazer algo/ter uma nova intervenção para deixar a
execução criminosa.

Aqui presentes estão os conceitos de tentativa inacabada e tentativa acabada, que


estão previstos no art. 22º. As suas duas primeiras partes referem-se, justamente, à
tentativa inacabada e acabada, respetivamente. Ou seja, a diferença entre estes dois
exemplos dados é que, se o agente criou todas as condições para representar como
possível a consumação do crime, há um requisito adicional para desistir, que é a
atuação no sentido de salvar o Bem Jurídico, uma intervenção ativa destinada a
impedir a consumação. Assim, nos casos de tentativa acabada, para que a desistência
seja relevante, há um requisito adicional mas se o agente ainda não criou todas as
condições necessárias para representar a consumação, então basta deixar de
prosseguir a execução criminosa.

Há tentativa acabada se o agente fez tudo o possível para a realização integral do facto
e toma por isso tal realização como possível. Para desistir tem de intervir no sentido

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de salvar o Bem Jurídico. A tentativa é inacabada quando ainda não fez o suficiente
para realizar o facto e assim considera que ainda não fez o suficiente para tomar a
consumação como possível.

Casos há em que, segundo as representações do agente, tornam-se necessários a


realização de vários atos ou vários meios para realizar o crime, todavia não utiliza
todos os meios que tinha planeado.

Exemplo: um assassino profissional com uma arma apontada à vítima e, segundo o


plano do agente, se não acertar à primeira, usará as restantes 11 balas para o
conseguir. Ao disparar o primeiro tiro, não acerta e abandona a resolução criminosa.

A decide matar B, sabe que ele irá fazer uma corrida de cavalos e sabe que, antes
desta, sempre bebe uma bebida que tem no seu local específico. Envenena a bebida
mas como sabe que poderá não beber a bebida, corta a correia do cavalo para o caso
de falha à primeira e entretanto planeia ainda servir-lhe comida envenenada. Aqui há
quem diga haver várias respostas, são várias as posições defendidas.

Nestes casos, em que o agente representou vários atos para conseguir a realização do
crime, mas fica pela realização de um desses atos, uma primeira teoria – teoria do
plano ou do facto – defendida pela jurisprudência alemã, diz-nos que se atende apenas
ao plano do agente para se decidir se se trata de tentativa inacabada ou tentativa
acabada, importando apenas o plano do agente. Ou seja, se o agente planeou um ato,
tentativa acabada mas se planeou vários e abdica da prática dos atos posteriores, então
seria uma tentativa inacabada.

Contudo, esta teoria tem uma crítica evidente e beneficia o mais perigoso e calculista
e portanto, quanto mais calculista for o agente, mais hipótese tem de se alargar o
campo da tentativa inacabada. Assim, haveria tentativa inacabada sempre que o
agente planeasse mais atos. A ideia é a de que se se atender ao plano do agente e
dissermos que se o agente renuncia à prática de atos que planeou tratar-se-á de
tentativa inacabada, beneficiaremos quem mais planeou. Assim, esta crítica que
surgiu fez com que a doutrina propusesse outros critérios de resolução.

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Surge, então, a teoria do ato individualizado, na doutrina que considera a tentativa
acabada como cada ato de execução isolado, que segundo a representação do agente e
seu plano inicial, pode vir já a produzir a consumação, desde que esse tenha sido
representado pelo agente como ato possível a corresponder/produzir a consumação.

Porém, se a teoria anterior alarga as hipóteses de desistência, esta restringe imenso.


Ou seja, o agente que está com a arma apontada, dispara o primeiro tiro, não acerta e
aponta uma segunda vez, mas abandona o local, configuraria uma desistência
relevante? Segundo esta teoria, não seria relevante porque já houve um ato praticado
pelo agente que correspondia à consumação, pelo que, continuasse a disparar ou não,
seria sempre punido.

Assim, alguns autores, defendem a teoria da consideração global ou conjunta, teoria


dominante – segundo esta, é decisiva a representação do agente no momento do
último ato de execução, o que o agente representa no momento do último ato de
execução, sem atender ao que o agente possa ter representado no início do
cometimento do facto ou à maior ou menor autonomia dos atos. Importa colocarmo-
nos na prática do último ato de execução e apercebermo-nos se toma a consumação
como possível (tentativa acabada), ou se não toma a consumação como possível
(tentativa inacabada). No exemplo do assassino, o último ato de execução foi apontar
a arma e este não fez ver aquela consumação como possível, ela é inacabada pelo que
é relevante.

Todavia, devemos ser particularmente exigentes na interpretação desta teoria e só


devemos aceitar a desistência se, de facto, podermos afirmar que o agente rejeitou,
voluntariamente, continuar a execução. É importante que se possa afirmar, sem
dúvida, que há um momento em que rejeita continuar a execução que era idónea à
consumação, ou seja, mantemos a ideia de que é o agente que domina a situação de
desistência.

Olhando para as alternativas da lei, quanto à desistência em caso de tentativa


inacabada, o n.º1 do art.º 22.º contempla-o na primeira parte e tal só acontece se o
agente renuncia à prática de atos que, no momento da renúncia, considerar

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necessários para obter a consumação. Se o agente renuncia à prática de atos ulteriores
porque acredita já ter praticado o suficiente para considerar a consumação como
possível, ainda que objetivamente os atos não sejam suficientes, não há desistência
relevante. Se A pensa erroneamente que já deu veneno suficiente para matar B, mas

tal não é objetivamente suficiente, o facto de abandonar os atos posteriores não é
desistência relevante, apesar de ser uma tentativa, de alguma forma, objetivamente
inacabada.

Por outro lado, pode-se desistir de uma tentativa impossível, quando a


impossibilidade não é conhecida pelo agente. Imagine-se que A ministra a B uma
substância que ele acha, erroneamente, que é venenosa e abandona o processo numa
altura em que, na sua representação, ainda não deu veneno suficiente – é uma
tentativa impossível por inaptidão do meio e A começa a administra o veneno e,
segundo o que lhe tinham dito, apenas 5 colheres serviam para o matar, menos não
surtiria efeito. Contudo após a segunda colher, desiste e temos aqui uma tentativa
aparentemente possível, que deixa de ser punida porque o agente desistiu. O problema
da desistência também se pode misturar com o problema da tentativa impossível.

Mais, complicado são os casos onde o agente pensa que ainda não fez o suficiente
para matar, abandona a execução e, posteriormente, vem a acontecer a consumação: A
pensa que a dose de veneno que administrou em B não é suficiente para o matar e
abandona a consumação mas B morre - o agente deve ser punido por homicídio
negligente e desta posição discorda Figueiredo Dias que considera não ser esta a
solução que decore da lei. Naturalmente que esta desistência é irrelevante, a
desistência desta tentativa inacabada é irrelevante, o agente quis matar e matou e
como tal é punido como homicídio doloso.

Como se pune o agente que realiza uma tentativa acabada, faz tudo para o salvar, mas
este morre? Homicídio doloso consumado e aqui esta é a mesma questão, a
desistência não é relevante, chegou à consumação e será punido pelo homicídio
doloso. O facto de se ter arrependido é relevante, mas apenas na determinação da
medida da pena, art.º 70.º CP. É então esta a solução que decorre do art.o 24o de não

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haver consumação, pelo que isto é punição a título doloso e não a título negligente.
Quanto à tentativa acabada, o agente tem de voluntariamente impedir a consumação
através de vontade própria e de uma intervenção ativa. Obviamente que não tem de
ser ele, com as suas mãos, a salvar o Bem Jurídico, poderá ser uma outra pessoa com

conhecimentos específicos a salvar a vítima mediante a intervenção do agente. A ideia
é a de que a não consumação – 2ª parte do art.22.º CP, tenha de ser imputada ao
agente, pois foi ele quem pôs em andamento o percurso salvador do Bem Jurídico,
pois foi ele que praticou os atos idóneos a evitar salvação. Contudo, não é necessário
que se tenha servido de todos os meios/dos meios ótimos/os melhores meios, por
exemplo, dos melhores médicos, o que é necessário e que tenha servido de atos
idóneos para salvar o Bem Jurídico.

Pode acontecer que a consumação seja evitada, não pelo agente, mas por um facto
independente da conduta do agente e aqui decidimos: se o agente nada fez e a
consumação é evitada por um terceiro, é óbvio que é punido, mas se o agente se tiver
esforçado seriamente para evitar a consumação, não obstante um terceiro antes do
agente ter intervindo e posto fim ao perigo para o Bem Jurídico, rege o art. 22.º, n.º 2
este não é punido.

Esta nota do art. 22.º pressupor sempre a não consumação é importante, pois vai
distinguir este do art. 23.º E se o agente se esforça seriamente, chama auxílio médico
e a vítima diz “eu não quero ser salvo” e não dá consentimento para ser salvo? A
questão é saber se não haverá uma auto-colocação em risco que exclua a imputação
do resultado morte ao agente, porém isso, é um ponto que poderá ser explorado para
trabalho na aula.

Ideia de voluntariedade:

Figura da tentativa fracassada ou falhada – é incompatível com a desistência. As


hipóteses são casos em que o agente renuncia à execução do facto, porque crê que a
consumação já não pode ser alcançada, seja por razoes objetivas (o agente dá-se conta
que, no momento em que está a executar o crime de furto, a vítima não tem qualquer
valor consigo), seja por razões endógenas ou subjetivas (apercebe-se que, por

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incapacidade de ereção não irá conseguir consumar a violação). Nestes casos, durante
a execução, o agente apenas a abandona porque se apercebe que não conseguirá
efetuar a consumação, e tal não corresponde à desistência relevante, porque não existe
voluntariedade, apenas abandona pois o seu fim não será exequível. Outro exemplo

clássico de tentativa fracassada é o assassino que, disposto a matar B, dispara mas a
arma falha ou tenta asfixiar a vítima mas abandona o local, porque se apercebe que
não tem força suficiente para a asfixiar.

A tentativa fracassada não se confunde com a tentativa impossível porque, nesta, o


agente acredita até ao fim que a tentativa é possível e naquela, ele vai embora porque
se apercebe que a tentativa não é possível. Aqui, a diferença é subjetiva e está sempre
na representação do agente. Por isso é que na tentativa impossível é possível haver
desistência, ou seja, acredita-se que a tentativa era possível, arrepende-se e volta atrás
e na tentativa fracassada não há desistência relevante porque a pessoa se apercebeu
que aquela tentativa não seria levaria ao fim.

Voluntariedade é um dos conceitos mais difíceis de se concretizar. Saber o que é ou


não decisão livre/voluntária, num mundo rodeado de circunstâncias externas torna-se
complicado. Há dois tipos de teorias que procuram definir o que é a voluntariedade e
esta vale para todas as modalidades de desistência do art. 22.º: conceção psicológica e
concepção normativa.

Para a concepção psicológica a voluntariedade depende do grau de coação psíquica,


exercida pela situação, sobre a liberdade de decisão do agente. Em que medida é que a
situação coagiu ou não o agente a decidir-se pela desistência? Assim, a desistência é
voluntaria se o agente se decidiu livremente por ela, e involuntária, portanto
irrelevante, se foi coagido pela pressão psíquica que as circunstâncias externas o
envolvem. Esta conceção, no fundo, diz-nos que se o agente se decide por abandonar
a situação porque são as circunstâncias que o coagem nesse sentido, não há
voluntariedade.

A concepção normativa não se situa num plano já naturalístico, mas sim no plano da
valoração. Para esta conceção, a voluntariedade não depende apenas da pressão

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psíquica mas, sobretudo, do mérito da desistência, ou seja, no caso concreto, é preciso
que a desistência surja como decisão interior de o agente inverter o perigo para o Bem
Jurídico e, mais do que decisão interior, poder-se-á dizer haver um verdadeiro
regresso aos valores jurídicos /à ordem jurídica. Não basta apenas avaliar a pressão

psíquica exterior, mas ver por que motivo se desiste e se for para salvar o Bem
Jurídico, há então aí voluntariedade.

Contra a conceção psicológica diz-se que esta esquece a ideia de que o perigo para o
Bem Jurídico é invertido pelo agente e esquece o direito e contra a conceção
normativa, tem- se dito que não é ao mérito que se deve atender, ou seja, o que
importa é ver se a desistência é ainda obra pessoal do agente e não se os motivos
foram ou não morais. Importa aqui saber se a salvaguarda do Bem Jurídico resulta
ainda da sua atuação, independente do mérito.

A ideia por onde nos devemos situar conjuga as duas teorias e é a de que, a
desistência é voluntária sempre que seja reconduzível a uma motivação autónoma,
auto imposta, ou seja, sempre que possamos dizer que o agente é ainda “senhor” da
decisão de abandonar a execução criminosa, ou de impedir a consumação, sendo
ainda ele que decide. Pressupõe que o agente ainda seja senhor da decisão e não que
decida por estar submetido a uma forte pressão da situação exterior, isto é, a
desistência tem de ser auto imposta e não hétero imposta, pois se resulta da pressão
exterior, significa que já não foi obra do agente. Portanto, numa palavra, uma
desistência voluntária existe quando é resultado do impulso próprio do agente, quando
o agente diz ser ainda possível alcançar a finalidade, o crime, mas opta por não o
fazer. Teremos de pensar na ideia de saber se ainda é o agente que domina a
desistência e não a situação a decidir por ele.

Exemplos: casos onde não há dúvidas – quando surge de motivação interior


autónoma: B desiste de violação que tinha começado porque teve pena da vítima ou
ganhou consciência do ato repugnoso que estava a tomar, ou, por exemplo, nos casos
em que apesar do agente ser surpreendido pela ocorrência de circunstâncias externas,
que tomam mais difícil de consumação, ainda assim, este conseguiria a sua

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consumação como o caso de não ser o cofre que tinha estudado, mas um que também
na altura conseguiria abrir. Note-se que se adotássemos a teoria assente no mérito, não
seria voluntária esta desistência e é obvio que desistiu por obra pessoal sua. Na há
duvidas, igualmente, que a desistência é involuntária se o agente abandona o local,

pois se se apercebe que o policia está mesmo ao lado quando estava a arrombar a
porta, só abandonou porque este lhe foi imposto pelas circunstâncias e tal não é
desistência porque não é voluntário.

Nos casos em que o agente abandona a execução porque se apercebe que será
impossível chegar à consumação – não haverá voluntariedade – tentativa fracassada.
Os casos duvidosos são aqueles em que as vantagens do crime não compensam os
riscos em que incorre na prática da execução do crime – à partida, dito apenas assim,
ainda cai na voluntariedade. Casos reais difíceis de resolver e ainda discutidos são os
em que o agente realiza parte do plano total, mas desiste de uma parte que poderia,
ainda, realizar.

Exemplo: A quer matar B, sua mulher, e o novo amante dela C. A fere primeiro C e
fere- o para impedir que ele fuja, tendo, entretanto, surgido B e A deixa C com vida
porque o que quer é matar a ex-mulher. Se matasse o amante, a mulher tinha tempo de
fugir e ele não quer, porque é mais importante matar a mulher, tomando-a como
prioritária.

Relativamente ao amante que não matou e que, por opção própria, deixa vivo, há
desistência relevante ou não? É ainda decisão voluntária ou imposta pela
circunstância? A doutrina alemã entendeu ser uma desistência voluntária e Figueiredo
Dias concorda com a jurisprudência porque entende que, em última instância, ainda é
obra do agente.

Outro caso é a desistência porque se depara com efeitos colaterais, que acontecerão e
ele não quer, ou então, o terrorista cede à ameaça da mulher pois, se praticar o ato, ela
se suicidará – apesar de tudo, ainda é ele que decide em última instância sobre se
explode ou não o restaurante.

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Caso português, acórdão STJ 20/11/2003 – ficou provado que o arguido e o comparsa
abordaram, pelas costas, um individuo que passeava pela rua e depois de o arguido
lhe agarrar um braço, apontar-lhe uma pressão de ar o individuo começou a gritar e o
arguido fugiu. Quanto a este crime, há a alegação que há voluntariedade na sua
desistência e que, em último termo, poderia ainda consumar o crime, pois os gritos
não eram impeditivos de o continuar a ameaçar e apropriar-se do telemóvel. Pensando
no caso do cofre, o grito dificulta a realização, mas impede-a? A decisão do STJ foi
no sentido de não haver voluntariedade.

Última parte do art. 22.º - falar-se-á de “desistência” porque, na verdade, é desistência


tendo já havido consumação formal. Aqui, o nosso legislador foi tão amigo da
desistência que, em crimes onde se pode distinguir a consumação formal da material,
admite que não seja punido, se ainda assim, salvar o Bem Jurídico, não obstante o tipo
legal estar já preenchido. Exemplo aqui é o caso da mãe que abandona o recém-
nascido no contentor do lixo - nesse momento, está preenchido o tipo legal do
art.203.º. Note-se que só há crime quando se abandona a criança numa situação de
perigo, em cujo local a criança não se possa defender. Na situação do abandono da
criança num hospital, esta é o paradigma de não deixar em situação de perigo e o MP
não abriu inquérito (num caso real), porque não havia preenchimento do tipo legal de
crime. Se após abandonar a criança no caixote do lixo (consumação formal), se
apercebe, passadas algumas horas, volta atrás e impede a morte da criança, é punida
pelo crime de exposição ao abandono? Aplicamos o art. 22.º, n.º1, na sua terceira
parte. O resultado material verificar-se-ia quando a criança morresse ou ficasse ferida,
pois o crime de exposição ao abandono existe para tutelar a integridade física ou a
vida (consumação material, ou máximo de ilicitude). Assim, nestes caso, se o agente
ainda conseguir impedir a lesão do bem jurídico e, por sua vez, impedir a consumação
material, então não será punido.

A ideia é que o regime da desistência, nesta última parte, tem o entendimento do


legislador de que este equiparou a consumação material com a salvaguarda do bem
jurídico e assim, todas as modalidades têm de comum que o Bem jurídico nunca deve
ser violado e, assim, ainda será possível beneficiar do regime da desistência.

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O que é preciso para que a desistência seja relevante? Esta terceira parte é um caso
próximo de tentativa inacabada ou acabada? Acabada, pois para haver desistência é
necessário a intervenção ativa no sentido de consumação material, e se esta não vier a
ter lugar por facto independente do desistente, por um terceiro, e se ela nada faz, é

punido mas se se esforçou seriamente e a criança já não estava lá por alguém já a ter
levado, ela não é punida, art. 22.º, n.º2.

Discutiu-se a possibilidade controversa, na doutrina, da tentativa nos crimes de


omissão e a professora Susana Aires de Sousa defende a posição de que é possível, de
um ponto de vista normativo, identificar na omissão as fases do iter criminis:
momento preparatório (momento que a mãe, com intenção de matar a criança, deixa
de a amamentar); momento executório (momento em que há perigo para a criança),
onde se inicia a tentativa inacabada, até ao momento em que a consumação surge
como possível, pois se a criança não for amamentada artificialmente poderá morrer e
aqui a tentativa será considerada acabada, pois, desta forma, para desistir, tem de ter
nova intervenção de levar a criança ao hospital para ser socorrida.

Em resumo: na omissão pode distinguir-se a tentativa acabada ou inacabada e os


requisitos também variam, consoante seja uma tentativa inacabada ou acabada.
Vejamos: quando a mãe decide não amamentar, ninguém discorda que é um ato
preparatório, e no momento em que há perigo para a criança, está iniciada a tentativa,
pelo que, se a mãe decide amamentá-la, retomando à vida normal, ela desiste e a
desistência é inacabada porque ela apenas teve de regressar ao direito, desistir da ação
e amamentar a criança, como faria normalmente. Porém, se a criança ficar
inconsciente, terá de ter uma nova atuação para desistir e aí já será uma tentativa
acabada, pois não basta retomar a acção que inicialmente era devida, mas tem de ter
uma nova ação. Portanto, a ideia final é a de que também é possível falar de
desistência nos crimes de omissão e podemos falar de desistência mas, por definição,
na omissão a desistência nunca poderá significar o abandono da execução. Desistir de
um crime de omissão nunca é abandonar/deixar de fazer, isso já é o ato típico, ou seja,
omitir é o que já estamos a punir. Exige sempre que o garante tenha uma intervenção
ativa, no sentido de impedir a consumação ou o resultado típico.

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Na tentativa inacabada, para desistir, o agente tem de diminuir o perigo de
verificação do resultado, retomando a ação que era inicialmente devida, por exemplo,
a mãe que tinha decido deixar de amamentar a criança, volta a amamentá-la, de forma
que o resultado não se verifique,

Na tentativa acabada, a desistência só pode tornar-se relevante se o garante, a mãe no


nosso exemplo, em vez de a ação originariamente imposta (mama ou biberão), tomar
ou se esforçar seriamente por tomar outras medidas de salvação, apenas sendo uma
desistência relevante desta forma, por exemplo, levar o bebe ao médico e ainda, para
além dessa outra intervenção salvadora, se a criança não falecer e não se produzir o
resultado típico.

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