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Caso Prático 1

Aquela manhã foi trágica. Os cidadãos da vila X ficaram em estado de choque.

Américo, de 39 anos de idade, sem antecedentes criminais, comete um triplo


homicídio nas pessoas de sua mulher, sua mãe e uma amiga de sua mãe.

Em julgamento, a prova pericial apura como causa do homicídio um surto psicótico


esporádico, considerando que Américo se encontrava em situação de inimputabilidade no
momento da prática do facto, mas que não relevava perigosidade relevante.

Face a tal circunstancialismo, deveria o Tribunal determinar alguma consequência


jurídico-penal a Américo? Fundamente a sua resposta à luz da teoria dos fins das penas e das
medidas de segurança.

Resposta

A questão que se coloca aqui é a questão do artigo 91,nº2 do CP, uma vez que temos
um crime que é praticado e portanto nos termos do artigo 91º nº1 do regime das medidas de
segurança, nós sabemos que quem é inimputável e com isso tiver cometido um facto ilícito
típico, ou seja, um crime e for considerado inimputável nos artigo 20º,nº1, sujeita-se a uma
medida de segurança mas coloca o pressuposto se tiver fundada a ideia de que venha a
cometer outros factos da mesma espécie. 

  Outra questão a aferir é o facto de este agente não revelar perigosidade, isto é, ter
ocorrido um surto psicótico que levou os peritos a considerarem que a pessoa não era
propriamente perigosa, ou seja, que terá havido aquele surto de uma forma muito esporádica
e que provavelmente não se voltará a repetir.

Esta situação leva a uma grande dificuldade no nosso sistema jurídico, porque ficamos
perante um crime grave no qual á partida não se pode aplicar uma pena porque a pessoa é
considerada inimputável no momento da prática do facto e, portanto se não existe liberdade
de decisão não se pode censurá-lo e não pode haver a consequência da pena e, por outro lado,
também não se justifica uma medida de segurança uma vez que a mesma visa o afastamento
da pessoa da sociedade e curá-la , portanto visa a cura da pessoa, e no nosso caso prático não
haverá nada para curar, até porque não há o fundado receio que a pessoa volte a cometer o
mesmo facto. 

  Posto isto, coloca-se a questão do artigo 91º, nº2 do CP, porque não obstante as
medidas de segurança terem em vista a cura do delinquente e, portanto, não terem um
caráter sancionatório nem punitivo, não deixam de ser sanções, não deixam de ser
consequências sancionatórios no sentido de serem consequências jurídicas que restringem
direitos fundamentais às pessoas pela prática de um facto, mas não é uma sanção, é
efetivamente uma consequência jurídica do crime.

Todavia essa ideia face á comunidade é compreendida, mas quando se trata de crimes
muito graves nomeadamente os crimes contra as pessoas ou crimes de perigo comum, ao não
haver uma reação sancionatória pode provocar situações de instabilidade social e pode colocar
em causa o próprio sistema jurídico, isto é, as pessoas podem revoltar-se contra este.
Logo, a nossa lei reconhece que quando estamos perante uma criminalidade muito
grave, a pena tem de ser superior a 5 anos e tem de ser contras as pessoas ou crime de perigo
comum segundo o artigo 91º,nº2 do CP.

  Quando a estes crimes muito graves não corresponde uma perigosidade do


inimputável, coloca-se a questão de paz social, porque a paz social é o principal fim das penas
e não é descartada nas medidas de segurança, ou seja, a nossa lei segundo artigo 40º, nº1
coloca a proteção de bens jurídicos nas penas e nas medidas de segurança, a proteção de bens
jurídicos é a ideia do que o direito penal reage para tutelar os bens jurídicos e esta tutela
refere-se a uma ideia de prevenção geral positiva, não se refere á cura da pessoa e não se
refere a uma tutela de bens jurídicos face a uma pessoa determinada.

Quando se refere a tutela de bens jurídicos, está a referir-se a uma reação penal que
proteja os bens jurídicos que acabaram de ser violados, isto é, que os reafirme. A tutela bens
jurídicos nas medidas de segurança tem uma importância residual, nas penas a tutela de bens
jurídicos é o fim principal, mas a tutela dos bens jurídicos é tão importante que não pode
deixar de ter algum significado nas medidas de segurança. No subconsciente das pessoas, o
facto do inimputável ir cumprir uma medida de segurança e consequentemente curar-se, há
um pequeno subconsciente que o legislador terá considerado que levará as pessoas a pensar
que as vidas que foram negadas com aquele crime nomeadamente a mulher, a mãe e a amiga
da minha mãe do Américo, a pessoa tem de ser curada, mas essa própria aplicação da medida
de segurança acaba por reafirmar o bem jurídico que foi violado.

E é nesta residualidade que existe na medida de segurança que nos coloca uma
questão muito importante uma vez que este artigo 91º, nº2 já houve uma queixa para o
tribunal dos direitos humanos porque é o problema de estarmos a aplicar uma medida de
segurança a alguém que não tem comprovada a sua perigosidade, logo, o internamento
compulsivo não se justificaria á partida.

A ideia que ainda salva este artigo 91º, nº2 é que a pessoa naquele momento revelou
uma anomalia psíquica e que, portanto, o cumprimento da medida de segurança pode ser
importante para a paz social e não é inútil, isto é, a pessoa revelou uma anomalia que durante
a medida de segurança pode tentar ser diagnosticada e eventualmente curada. Desta forma, é
uma solução que se justifica muito pela paz social, pela prevenção geral positiva, mas que
coloca alguns problemas de legitimação este artigo 91º, nº2 uma vez que não foi comprovada
a perigosidade da pessoa.

   Em suma, considerando o caráter residual que existe prevenção geral positiva em


relação ás medidas de segurança, justifica-se mesmo que não haja uma comprovada
perigosidade do inimputável nos crimes previstos no artigo 91º,nº2 do CP, ou seja, justifica-se
que possa ser aplicada uma medida de segurança desde que essa aplicação não possa colocar
em perigo a paz social e portanto se colocar em perigo a paz social está-se a ter um efeito na
decisão do tribunal que pode ter como efeito a não tutela dos bens jurídicos na consciência
coletiva e isso é perigoso pois leva a uma certa descrença do sistema e consequentemente a
uma banalização dos bens jurídicos.

É neste sentido, na importância que a prevenção geral positiva ainda tem na medida
de segurança que se permite aplicar a medida de segurança nos termos do artigo 91º, nº2 mas
deve-se também libertar o inimputável logo que possível.  
Caso Pratico 2

No passado dia 5 de outubro, Adélio cometeu o crime de omissão de auxílio p.p. no


artigo 200º do Código Penal. Suponha que no dia 20 de outubro, entrara em vigor uma lei
nova, a lei K, que passava a sancionar uma coima o comportamento descrito no mencionado
artigo 200º do Código Penal. Adélio é hoje julgado. Qual a lei aplicável?”

Resposta

De acordo com o caso prático, a conduta de Adélio, praticada a 5 de outubro, pois foi
nessa data e momento em que o agente devia ter atuado (isto porque estamos perante uma
omissão), era punida a título penal (como um crime de omissão de auxílio). Posteriormente,
passados 15 dias, veio uma nova lei, a lei K, converter a sanção daquela conduta numa
contraordenação. Dito por outras palavras, aquela lei transformou o facto correspondente a
um crime numa contraordenação.

O que se pretende saber é qual a lei aplicável? A lei antiga ou a nova?

Neste caso a lei nova (a lei K) é mais favorável ao agente, porque vem descriminalizar a
conduta, passando a qualificá-la no domínio contraordenacional (quando anteriormente a
qualificava no domínio penal). Assim, temos de atender ao artigo 2º, número 2, 1ª parte do CP,
prescrevendo que “o facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o
ser se uma lei nova o eliminar do número das infrações (…). Assim, uma vez que estamos
perante uma lei nova despenalizadora, então o facto omissivo praticado por Adélio deixa de
ser punido no domínio penal por força desta imposição da aplicação retroativa da lei nova
despenalizadora. Assim, em virtude da aplicação da lei K, por ser uma lei nova mais favorável,
não se poderá iniciar o procedimento criminal.

Visto que se encontra ultrapassada esta questão sobre qual será a lei aplicável, coloca-
se agora outra, neste caso sobre a possibilidade de o Adélio ser punido agora no domínio
contraordenacional? Isto com base na aplicação da lei nova K, que é menos gravosa quando
comparada com as sanções penais estabelecidas para a lei antiga. Ao nível da resposta desta
questão, temos aqui uma divergência doutrinal correspondente às posições de Taipa de
Carvalho e Figueiredo Dias.

Seguindo os ensinamentos de Taipa de Carvalho, temos de reconhecer que estamos


perante uma sucessão de leis de natureza diferente (a lei antiga é uma lei penal, enquanto a lei
nova insere-se no domínio contraordenacional), e que a solução legal do artigo 2º, número 4
do CP, apenas versa sobre uma verdadeira sucessão de leis penais (ou seja, apenas soluciona
os casos de sucessão de leis penais, o que não é o caso). Torna-se assim necessário socorrer-se
do Regime Geral das Contraordenações (DL n.º 433/82).

Temos de atender ao princípio da legalidade instituído no artigo 2º deste diploma, que


refere que “só será punido como contraordenação o facto descrito e declarado passível de
coima por lei anterior ao momento da sua prática.” E o disposto no artigo 3º, número 1 do DL
n.º 483/82, de que “a punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no
momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende”; e
número 2 deste artigo, que “se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente
modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado
por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada”. Ora, este artigo 3º, número 2
do DL n.º 483/82, vem solucionar a sucessão os casos específicos das leis contraordenacionais.
Com efeito, de acordo com o artigo 3º, número 1 do DL n.º 482/82, resulta que não
pode tal conduta ser, retroativamente, tratada e punida como contraordenação, pois a
aplicação da lei no tempo neste domínio estatui que as leis contraordenacionais só valem para
o futuro (ou seja, só se podem aplicar às condutas ilícitas praticadas depois do seu início de
vigência), e não num enquadramento como este, em que se aplicaria sem mais num sentido
retroativo. Como tal, segundo o autor, a solução não pode ser encontrada nem pelo CP (no
artigo 2º, número 4 do CP), ou no regime geral das contraordenações (no seu artigo 3º,
número 2).

Assim, vai concluir o supra referido autor, que a única possibilidade para existir uma
punição pelo regime contraordenacional pressupõe a existência de uma intervenção legislativa
a consagrar na lei nova (aqui lei K) uma norma transitória que estabeleça a punição como
contraordenação em relação àqueles factos que tenham sido praticados no domínio da lei
anterior (Taipa de Carvalho, “Direito Penal. Parte Geral”, Editora Universidade Católica do
Porto, 2016: p. 192- 193)

Assim, seguindo-se esta posição, de acordo com a factualidade vertida no caso em


concreto, o agente não seria sancionado, nem pela pena, nem pela contraordenação, em
virtude de inexistir esta norma transitória que permitisse estabelecer essa ligação ao nível da
possibilidade de punição como contraordenação do facto praticado por Adélio.

A outra posição doutrinal é enunciada por Figueiredo Dias. Este, reconhecendo que
nestes casos estamos verdadeiramente perante um problema contraordenacional (em virtude
de a descriminalização resultar claramente numa desconsideração ao nível penal), entende
que a questão da punição pela coima não pode ser desvalorizada. Assim, interroga-se se a
aplicação da sanção contraordenacional, num caso como este, atentaria contra os preceitos
jurídicos da legalidade no domínio contraordenacional? Concluindo negativamente, pois,
quando comparado com a anterior lei penal, o regime contraordenacional é claramente mais
favorável ao agente, e não existem razões para que o agente fique impune nesta hipótese de
descriminalização (sob pena de tal conduzir a soluções jurídicas injustas e incompreensíveis
para a sociedade) (Figueiredo Dias, “Direito Penal. Parte Geral, Tomo I”, Coimbra Editora, 2ª
edição, 2011, p. 200- 201).

Assim, numa situação prática como esta que estamos a desenvolver, pode-se aplicar a
sanção contraordenacional, mesmo sem direito transitório, por a mesma ser mais favorável ao
agente, de acordo com o espírito do princípio constitucional vertido no artigo 29º, número 4
da CRP. Não se podendo entender que as garantias fundamentais do visado sejam atingidas.
Até porque as leis ordinárias densificam princípios e normas constitucionais, e estes princípios
devem aplicar-se a outros ramos de direito sancionatório.

Por conseguinte, permitindo a aplicação de uma sanção contraordenacional com base


na Constituição, devido ao legislador ter deixado de qualificar aquela conduta como crime, e
passar a atribuir-lhe uma sanção contraordenacional. Nesta hipótese prática seria então Adélio
punido ao nível contraordenacional por aquela conduta omissiva.
Caso Prático 3

Numa pequena aldeia de Trás-os-Montes, há quatro anos atrás, Américo subtraiu, de


uma Igreja, uma imagem de arte sacra de valor patrimonial consideravelmente elevado que
era muito estimada por todos os que ali habitavam. Descoberto o facto, Américo foi julgado
e condenado, em 1 de outubro do ano seguinte, à pena máxima prevista no artigo 204º,
número 2 do Código Penal, ou seja, 8 anos de prisão. Suponha que em 2 de junho do
corrente ano estrava em vigor uma nova lei, a lei X, reduzindo a pena máxima do crime de
furto qualificado para 6 anos de prisão. Quid Juris?

Resposta

Neste caso estamos perante uma questão de aplicação retroativa de uma lei penal
mais favorável, apesar de a sentença condenatória já ter transitado em julgado. Ora, aqui
temos de atender ao disposto no artigo 2º, número 4 do CP, que nos refere “quando as
disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das
estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar
mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado,
cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar
cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior”.

De acordo com a segunda parte deste artigo, a lei nova só se aplica aos casos em que
a pena concretamente aplicada com base na lei anterior seja superior ao limite máximo da lei
nova. Ora, interpretando o disposto no caso prático, tal acontece. Pois, Américo foi punido
com a pena concreta de 8 anos de prisão efetiva (a pena máxima possível na vigência da lei à
altura), e a nova lei consagra a pena máxima até 6 anos.

Assim, face à aplicação da lei penal mais favorável neste caso, Américo seria
beneficiado, porque a execução da pena cessaria quando se atingisse o limite máximo dos 6
anos (o limite máximo previsto na lei posterior mais favorável).

Correlacionada com esta matéria, temos de referir a existência de um mecanismo


processual que poderia ser aplicado neste caso prático que se encontra previsto no artigo
371º-A do Código Processo Penal. Segundo este artigo, “se, após o trânsito em julgado da
condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais
favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o
novo regime”. Assim, de acordo com o disposto neste artigo, independentemente do tempo
de cumprimento da pena de prisão que o condenado já possa ter cumprido, quando venha a
ser instituída uma nova lei mais favorável, posteriormente, ao trânsito em julgado da sentença
condenatória, pode ser voltar a ser determinada a pena principal do condenado, sendo
estritamente necessário que este requeira a reabertura da audiência para que lhe possa ser
aplicado o novo regime mais favorável.

Mas, atendendo ao disposto no caso prático, não parece que Américo possa ser
beneficiado em concreto pela aplicação deste mecanismo. Porque, na apreciação da pena em
concreto, foi entendido pelo tribunal, de acordo com a finalidade das penas subjacentes ao
nosso sistema jurídico-penal, a necessidade de condenação em concreto na pena máxima (na
altura de 8 anos) e, partindo do sentido que os factos concretos apontam claramente para a
exigibilidade de aplicação da pena máxima, ele acabaria por ser condenado à pena de 6 anos
de prisão. Pena que seria a solução chegada pela aplicação do disposto no CP.
Caso Prático 4

Amílcar sequestrou Bianca durante o lapso temporal de 15 dias, tendo-a libertado


findo este prazo. Acontece que 5 dias antes dessa libertação, entrou em vigor uma lei, a lei X,
que veio alterar a sanção do crime de sequestro agravado para prisão de 5 a 12 anos,
enquanto anteriormente era punida com pena de prisão de 2 a 10 anos. Qual a lei aplicável a
Amílcar?

Resposta

Existe uma sucessão de leis penais, sendo que a lei X é uma lei que vem agravar a pena
do crime de sequestro qualificado. Aqui a sucessão de leis ocorre durante a realização do facto
criminoso, porque veio uma lei alterar a respetiva pena.

Quanto à classificação do crime de sequestro em apreço, este é um crime permanente


ou duradouro, ou seja, é um crime cuja ação se pode projetar no tempo, por um prazo mais ou
menos longo. A consumação material inicia-se com a efetiva privação da liberdade e só
termina com a libertação da vítima. Ou, dito por outras palavras, é criada determinada
situação antijurídica limitadora da liberdade de movimentos de uma determinada pessoa,
situação que se vai mantendo até à libertação da vítima.

Do que aqui se infere é que os primeiros 10 dias da ação de sequestro decorreram na


vigência da lei anterior, estabelecendo que se o sequestro durasse mais de 2 dias seria um
sequestro qualificado. Posteriormente, veio a lei X, agravar a pena para os crimes de sequestro
qualificado para 5 a 12 anos, e que entrou em vigor durante o restante tempo do sequestro (5
dias). Ora, resulta que a ação de sequestro ainda se manteve durante os 5 dias depois da
entrada em vigor da nova lei que veio agravar a respetiva pena. Neste caso, o agente iniciou a
execução do crime de sequestro na vigência da lei antiga, e este persistiu até a entrada em
vigor da lei nova (lei X).

Segundo as posições doutrinárias maioritárias, qualquer agravação da lei ocorrida


antes do término da consumação só poderá valer para aqueles elementos típicos do
comportamento verificados após o momento da modificação legislativa. Como refere Taipa de
Carvalho, “(…) deve aplicar-se a lei antiga (L.A.), exceto quando a totalidade dos pressupostos
típicos da L.N. se tenham verificado na vigência desta” 2 . (Taipa de Carvalho, “Direito Penal.
Parte Geral”, Editora Universidade Católica do Porto, 2016: p. 183) Ora, de acordo com o
direito substantivo, para existir qualificação do crime de sequestro em virtude do tempo de
privação da liberdade apenas é necessário que o sequestro dure por mais de 2 dias. O que se
depreende é que a totalidade dos pressupostos típicos da lei nova X (referentes ao lapso
temporal dos 2 dias, também exigido pela lei anterior) se encontram preenchidos. Assim, esta
lei nova, embora tendo vindo a agravar a pena, aplica-se em concreto a Amílcar, sendo todo o
facto apreciado à luz da lei nova. Porque os pressupostos do facto realizaram-se integralmente
no domínio da lei nova. É esta realização integral que sustenta a aplicação da lei nova. Não
estamos aqui perante uma aplicação retroativa, porque o substrato material da lei X está a ser
aplicado à ação que ocorreu depois dela ter entrado em vigor.
Caso Prático 5

Alcindo, após violenta discussão, mata Bento, seu colega de trabalho.

Dez dias depois, assalta uma dependência bancária na cidade de Leiria, subtraindo a
quantia de 50.000 euros.

1. Atendendo a que em julgamento, Alcino foi considerado imputável no caso do crime


de homicídio (art.131º CP), mas inimputável, em razão de distúrbio psicopatológico
grave, no que respeita ao crime de roubo (art.210º, nº2, a) CP), qual o regime
jurídico sancionatório aplicável?

Estamos face a uma circunstância em que uma pessoa é considerada imputável em


relação ao crime de homicídio e considerada inimputável pela prática de um roubo. Nestas
circunstâncias pode uma pessoa ser condenada em pena e em medida de segurança nos
termos do artigo 99º do CP. E, portanto, nestas circunstâncias, pode uma pessoa ser
condenada em pena e medida de segurança nos termos do artigo 99º do CP. Logo, o Alcino
poderia ser punido por medida de segurança relativamente ao roubo e por pena relativamente
ao homicídio.

Aplicar-se-ia um regime sancionatório que cumularia em medida de segurança e a


pena.
No entanto, se a pessoa for considerada imputável para um dos crimes e inimputável
para o outro, então aplica-se o regime do artigo 99º do CP, cumula-se a medida de segurança e
a pena e este regime sancionatório implicaria de acordo com o nº1 do artigo 99º do CP que
fosse aplicado em 1º lugar a Medida de Segurança, seguida da Pena de prisão, ao qual se irá
descontar o tempo que o agente esteve em medida de segurança.

2. Fundamente, em perspetiva político criminal, o regime jurídico aplicado na resposta


anterior.

Do ponto de vista politico-criminal, a privação de liberdade do inimputável não tem


grande significado. O que tem de mais significado na medida de segurança é a cura da pessoa.
Neste sentido, quando a pessoa debelou a sua perigosidade depois de cumprir a medida de
segurança, aquele tempo poderá ser aproveitado como castigo do crime cometido. A
prevenção geral positiva não exige propriamente o acumular das duas privações de liberdade. 

Outra coisa é a execução da pena e da medida de segurança e aqui o desconto é


fundamental porque se uma pessoa sofre de anomalia psíquica por muito que posso ter sido
curada, a privação de liberdade em contexto de prisão, pode ser prejudicial. E, portanto,
havendo o desconto há uma forte possibilidade da pessoa nem vir a ser privada de liberdade
na prisão, ou porque o tempo que passou na medida de segurança já ultrapassou a pena de
prisão e, portanto, o desconto equivale a zero de pena de prisão ou porque não passou a pena
de prisão, mas já é possível aplicar a liberdade condicional.
E, portanto, neste contexto, esta unidade de sentido entre pena e medida de
segurança que o artigo 99º do CP prescreve, vai permitir que a pessoa na execução de ambas
possa acabar por só ser privada da liberdade, que a pessoa durante a execução da medida de
segurança consiga a cura ou pelo menos controlar a sua anomalia e depois se possível não ir
parar ao estabelecimento prisional, conseguir pelo menos beneficiar de uma liberdade
condicional. 
3. Admita que no dia anterior ao assalto à dependência bancária entrara em vigor a lei
X que agravava a moldura penal do crime de roubo em um quinto dos seus limites
mínimos e máximos. Seria a lei X aplicável a Alcino?

Caso Prático 6

Antónia, empregada doméstica, todas as sextas-feiras à noite não resistia a subtrair


uma peça de prata na casa do seu patrão, Xavier, para as oferecer a Hilário, seu namorado,
que atravessava dificuldades financeiras e que, por estar a cumprir o serviço militar, apenas
se encontrava com Antónia aos fins de semana. A prática dos sucessivos furtos durou entre
os dias 7 de Janeiro e 11 de Fevereiro do ano passado, data em que Xavier descobriu o
sucedido.

Entretanto, a 25 de Janeiro desse mesmo ano, a Lei W diminuiria a pena de prisão do


crime de furto previsto no artigo 203º do Código Penal, para 2 anos ou pena de multa. Até
esse dia já Antónia havia subtraído três peças de prata no valor respetivo de € 1000, €1500 e
€1250. As restantes peças retiradas, entre 28 de Janeiro e 11 de Fevereiro, valiam €1100
cada uma.

A 20 de Abril, a Lei K atribui natureza pública ao mesmo crime.

No dia 26 de Abril, Hilário, que se queria livrar de Antónia, denunciou ao Ministério


Público os furtos que sua namorada havia praticado.

No dia 5 de Maio, Xavier apresentou queixa pelos mesmos factos.

A 20 de Outubro, Antónia é julgada e condenada a 4 anos de prisão pelo crime de furto


qualificado, nos termos do artigo 204°, n° 1, a) do Código Penal.

Responda às seguintes questões:

1. Concorda com a decisão do tribunal?

2. Em que momento se deveria ter iniciado o processo criminal?

Resposta

Estamos perante uma situação de um concurso efetivo de crimes, nos termos do artigo
30º, nº1 do CP.

Todavia, o seu nº2 estabelece alguns requisitos que, verificados, levam a que aquilo
que começa por ser um concurso de crimes possa afinal ser considerado um crime continuado.

O primeiro requisito é que o agente tenha cometido sempre o mesmo tipo legal de
crime ou que cometa tipos legais diferentes que protegem essencialmente o mesmo bem
jurídico, neste caso verificou-se a prática do mesmo tipo legal de crime que foram os 5 furtos.

O segundo requisito é o facto da motivação ter sido a mesma, isto é, a razão pelo qual
se cometeu os crimes, o que a pessoa pretende com a prática do mesmo, neste caso a razão
foi sempre a mesma nomeadamente entregar a peça de prata a Hilário, seu namorado, que
atravessava dificuldades financeiras, estando então este requisito preenchido.
Por fim, o terceiro requisito é o de que a solicitação ao crime de uma mesma situação
exterior diminua consideravelmente a culpa do agente, isto quer dizer que a culpa do agente é
de um só crime, logo embora Antónia tenha cometido os 5 furtos, a culpa diminui face aos 5
crimes, uma vez que a Antónia comete sempre do mesmo modo, sempre com a mesma
motivação e sempre com a mesma solicitação exterior.

  Logo, neste respetivo caso prático temos todas as circunstâncias para estarmos
perante um furto continuado, composto por 5 crimes, 3 antes da Lei W e 2 depois da Lei W.
Todos estes furtos são considerados furtos simples.

  Entretanto depois de ter cometido o terceiro furto entra em vigor a Lei W que visa
diminuir a pena de prisão do crime de furto para dois anos ou pena de multa, estamos face a
uma situação em que parte do facto foi cometido através de uma lei menos favorável e outra
parte é cometida já estando em vigor uma lei mais favorável.

Quando isto se verifica tem-se como lei de momento da prática do facto a lei mais
favorável porque para a parte da Lei W relativa aos 3 frutos anteriores, a Lei W aplica-se
retroativamente. Já em relação aos dois furtos que Antónia comete na vigência da Lei W,
aplica-se o artigo 2º, nº1 do CP, já a lei W estava em vigor, ou seja, já era uma lei prévia á
prática daqueles dois factos e nesse sentido pode-se aplicar a lei W retroativamente.

  Relativamente ao furto continuado, não obstante os três furtos terem sido praticados
segundo uma lei menos favorável, a lei mais favorável aplica-se retroativamente. Segundo o
artigo 79º do CP, não se somam os montantes porque parte de 5 furtos e segundo este mesmo
artigo considera-se o facto mais grave diante os factos praticados, neste caso seria o furto de
1500 euros. Segundo este furto o mais grave significa que existe um furto continuado, um
furto simples. 

Por ex: 
Quando a segunda lei é menos favorável nós não aplicamos, porque a segunda lei
sendo menos favorável, uma parte do facto ter-se-ia de aplicar retroativamente e aplicando-se
retroativamente uma parte do facto estaríamos a aplicar uma lei menos favorável e não o
poderíamos fazer. 

Por ex: 
A Antónia furtava uma peça cujo valor era de 7 000 euros e furtava já depois da lei W
(menos favorável) estar em vigor. Aqui aplicava-se a lei menos favorável porque uma lei
quando entra em vigor, entra para dissuadir as pessoas á prática daquele crime e, portanto,
atendeu-se que devia-se agravar furtos de valor elevado para que se tentasse assim dissuadir
as pessoas á pratica do respetivo crime. Se o crime em que ela subtrai 5 mil euros fosse após a
entrada em vigor da lei W, já poderíamos aplicar a lei W ao furto continuado.

Por ex:
Se a lei mais favorável for a segunda, então aplica-se sempre.
Se a lei menos favorável for a segunda, temos de saber qual a previsão da lei menos favorável.

Surgiu a Lei K que atribui natureza pública. O furto simples tem uma natureza semi
publica porque depende de queixa, artigo 203º nº3. Se entra em vigor uma lei que afirma que
o furto passa a ter natureza publica, isto significa que o furto deixa de depender de queixa.
Esta lei seria menos favorável para o arguido porque qualquer pessoa poderia denunciar o
crime, aumentando as possibilidades daquele crime chega ao tribunal.
O Hilário, namorado de Antónia, veio a denunciar o crime. Se o crime for semi público,
o ministério público não tem interesse na denuncia do Hilário, só pode haver inquérito se
houver uma queixa do ofendido, se houver queixa neste caso do Xavier, o que não se verificou.

Ora, quando Hilário faz a denuncia entra em vigor uma lei menos favorável para
Antónia e, portanto, o facto já foi praticado, a lei da prática do facto é a Lei W, a Lei W diminui
a pena mantendo esta com a mesma natureza e quando aparece a lei K, temos de aferir a mais
favorável, que no caso é a lei W porque a Lei K alterou a natureza. Logo, estamos perante uma
nova lei que entrou em vigor mas não se pode aplicar retroativamente por força do 29º, nº1 da
CRP e do artigo2, nº1 do CP. 

No dia 5 de Maio, Xavier apresentou queixa pelos mesmo factos. Aí sim, o Hilário
apresentar queixa é algo que ele já o poderia fazer antes da entrada em vigor da Lei K e
portando sendo o Xavier a apresentar queixa por crime público, não precisamos de aplicar a
Lei K e o ministério público aceite a queixa. Aqui sim, já poderá haver processo penal. 

1. Não, não concordo com a decisão do tribunal, uma vez que nenhum dos furtos foi
superior a 6000 euros. Cada um dos furtos ronda por volta dos 1000 euros. Aplica-se
aqui o artigo 79º do CP, uma vez que o furto continuado é um furto simples, não há
razão alguma para se aplicar o furto qualificado.

Caso Prático 6

Bruno vivia angustiado com a sua situação financeira que tendia a agravar-se, pois
continuava desempregado e cada vez mais necessitava de contrair dívidas para enfrentar as
despesas do dia-a-dia.

No dia 15 de agosto transato, ao passar pela vivenda do empresário Manuel, que se


encontrava de férias, reparou que a porta de entrada se encontrava entreaberta. Estando a
rua deserta, Bruno, não resistiu a entrar na dita vivenda e aí subtrair vários objetos no valor
total de €11.500 (onze mil e quinhentos euros).

Dois dias depois, saldadas as dívidas, vencida a angústia e recuperada a


tranquilidade, Bruno, ao passar no mesmo local, nota que deixara a porta entreaberta, tal
como a tinha encontrado no dia do assalto. Mais uma vez não resistiu, voltou a entrar e
subtraiu dois quadros avaliados em €12.000 (doze mil euros).

Mais três dias volvidos, Bruno volta a subtrair, pelos mesmos meios, mais alguns
objetos valiosos, agora no valor de €18.000 (dezoito mil euros).

Imagine que no dia 18 de agosto, a lei X alterava o artigo 202°, b) do Código Penal
passando a determinar que valor consideravelmente elevado seria aquele que excedesse
150 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto.

Pergunta-se:

1. Bruno é hoje julgado. Qual a moldura penal aplicável?

2. Suponha que o valor do primeiro furto era agora de €18.000 (dezoito mil euros) e
o valor do terceiro furto era de €11.500 (onze mil e quinhentos euros). Seria a mesma a sua
resposta?
Resposta

Foi nos dias 15 (11.500€), 17 (12.000€) e 20 (18.000€). A lei X é uma lei igual ao que
preceitua o artigo 202º, com uma pequena alteração, o valor consideravelmente elevado é
modificado de 200 unidades de conta para 150, se o furto for de valor consideravelmente
elevado passamos para o artigo 204º/2 alínea a), e a pena é ainda mais grave.
Portanto, atualmente para cometer um furto de valor consideravelmente elevado é
necessário subtrair valores no montante de 200x102 (1 UC=102), ou seja, 20 400€. No entanto,
com a entrada em vigor da lei X passou a ser valor consideravelmente elevado 150 unidades
de conta, pelo que passa a ser 15 300€.
Ora, o último furto de Bruno foi um furto de 18 000€. Temos aqui que o primeiro furto
(facto) foram 11 500€, o segundo facto 12 000€, depois do segundo facto lei X que é menos
favorável, visto que coloca o valor consideravelmente elevado num valor menor, que irá
prejudicar o arguido (antes da lei X se subtraísse 18.000€ seria um furto de valor meramente
elevado, com pena até 5 anos, se comete o furto depois da lei X 18 000€ já é um valor
consideravelmente elevado, pena até 8 anos). 1º furto 11 500€, 2º furto 12 000€, a seguir lei X
menos favorável e 3º furto (depois da lei X) 18 000€.
Temos um crime continuado, enquadra-se no 30º/2, vamos eleger para todo o furto
continuado, nos termos do artigo 79º, a conduta mais grave, o que significa que temos um
crime continuado de furto no valor de 18 000€ e face à lei X menos favorável, 18 000€ já é um
valor consideravelmente elevado e se aplicarmos a lei X o agente é punido pelo 204º/2 alínea
a) – pena até 8 anos – se não aplicarmos a lei X, o furto é só de valor elevado e aplicamos o
204º/1 alínea a).
Temos aqui que uma parte do crime é executado sob a vigência de uma lei mais
favorável, uma última parte do crime, a partir da entrada em vigor da lei X, é executada sob a
vigência de uma lei menos favorável. O que aplicamos, a primeira mais favorável ou a segunda
menos favorável? Aplicamos a menos favorável. Porquê?
Temos primeiro uma lei mais favorável, depois a seguir temos uma lei menos
favorável, a lei X não se pode aplicar retroativamente, pelo que temos de ver quais são os
pressupostos de aplicação da lei X: a lei X diz que altera só o 202º b), é menos favorável
porque coloca um valor consideravelmente elevado a este furto e não um valor meramente
elevado (20 400€ passa a 15 300€).
Ora, estamos perante uma lei que estabelece que um furto qualificado, nos termos do
artigo 204º/2 a) é um furto que seja superior a 15 300€, estes são os pressupostos de aplicação
da lei X: tem de haver um furto superior a 15 300€.
O Bruno comete este crime e com esse crime preenche os pressupostos da lei X
depois dela entrar em vigor: os pressupostos da lei X são que o furto do 204º/2 a) seja superior
a 15 300€, quando o Bruno cometeu o crime já essa lei X estava em vigor, o Bruno depois da lei
X estar em vigor preencheu os pressupostos dessa lei X, porque o furto dele foi superior a 15
300€.
Portanto, se ele preencheu os pressupostos da lei X já depois de ela estar em vigor,
para a lei X tomar em conta o elemento relevante da sua aplicação, está a tomar em conta um
facto que ocorreu já depois de ela estar em vigor, e como está a ter em conta um facto que já
ocorreu depois de ela estar em vigor, a lei X viu os seus pressupostos preenchidos após a sua
entrada em vigor.
A lei menos favorável que tem por base um determinado facto praticado que nela se
enquadra, temos de ver se esse facto que se enquadra na lei menos favorável é um facto
anterior ou posterior a ela (se for um facto posterior à lei menos favorável, então os
pressupostos dessa lei menos favorável verificaram-se após a sua entrada em vigor). Aplica-se
a lei X, os pressupostos de aplicação foram preenchidos pelo facto praticado apos a entrada
em vigor da lei.
Na segunda pergunta, a resposta não será a mesma, porque os 18 000€ foram
subtraídos no dia 15 de agosto e a lei X, que faz com que um furto de 18 000€ se enquadre no
204º/2 a), entrou em vigor depois.
Portanto, a lei X não se pode aplicar a este crime continuado porque o facto mais grave
do crime continuado ocorreu antes da lei X entrar em vigor, os pressupostos de aplicação
(furto superior a 15 300€) não se verificou depois da sua entrada em vigor (depois da entrada
em vigor o furto foi de 11 500€). O furto de 18 000€ é anterior à lei X.
Se assim fosse, já não podíamos aplicar a lei X, menos favorável, aplicaríamos o 204º/1
a).
Caso Prático 7

Devido a uma situação de grande instabilidade nas estradas portuguesas em razão


de inúmeros acidentes provocados por condução perigosa de veículos rodoviários no inicio
da época de verão, em 29 de junho entra em vigor a Lei X que agrava a punibilidade do tipo
legal de crime p.p pelo art.291ºCP para o dobro do seu limite máximo, com exclusão da
possibilidade da pena de multa. A Lei X prevê o seu período de vigência até 31 de agosto.

Durante os meses de julho e agosto, os acidentes diminuem em número


considerável.

Porem, a partir do incio de setembro, voltam a aumentar ligeiramente.

Em 15 de setembro, entra em vigor a Lei X que agrava, desta feita, a punibilidade do


art.291ºCP em um terço do seu limite máximo, mantendo a possibilidade da pena de multa.
A Lei Y prevê o seu período de vigência até 15 de outubro.

A situação volta a estabilizar, restabelecendo-se novamente, em 16 de outubro, o


art.291º.

António, a 5 de agosto, provocara perigo para a vida de inúmeras pessoas ao


conduzir em sentido contrário na via do infante no Algarve.

No dia 21 de novembro, António é julgado.

Considere que:

 O advogado de António, invocando o art.29º, nº4 da CRP, entende ser aplicável o


art.291º, nº1, b) do CP por ser a lei mais favorável
 O ministério público entende ser aplicável a Lei Y por ser lei intermédia mais
favorável do que a lei do momento da prática do facto
 O advogado de Bernardo (uma das pessoas colocadas em perigo com a manobra de
António) entende ser aplicável a Lei X por ser a lei do momento da prática do facto

Qual seria a lei aplicável?


Caso Prático 8

“Suponha que no ano passado se vivia, no nosso país, um período em que,


denotando uma insuportável falta de civismo, as pessoas, frequentemente, deitavam lixo
em zonas florestais.

Para obstar a tão repugnante prática, a 2 de janeiro desse ano entrava em vigor a lei
Y que punia com pena de prisão até 2 anos quem abandonasse lixo nos locais florestais. A
própria lei Y limitada a sua vigência a um período de 1 ano. Em 1 de Setembro do mesmo
ano transato, após um abundante repasto ao ar livre, Jorge e a sua namorada Rita
abandonaram o lixo no local de piquenique em plena Serra do Gerês. Hoje são julgados em
tribunal.

Qual a lei aplicável?”

Resposta

Estamos perante uma lei temporária que se destina a vigorar durante um período de
tempo fixado na própria lei (no caso, de 1 ano). As leis temporárias dirigem-se a situações de
anormalidade ou de emergência, no caso uma situação de falta de civismo que se traduzia na
poluição de um determinado local; e que fixa o seu tempo de vigência para abranger aquela
situação de emergência ou anormalidade.

Jorge e Rita incumpriram com o disposto na lei ao abandonarem o lixo no local de


piquenique. Ora, de acordo com o período de vigência fixado para a lei temporária, aquando
do período do julgamento, o facto já deixou de ser punido, pois a lei já deixou de vigorar.

Segundo a natureza subjacente às leis temporárias, que não conflituam com o regime
da aplicação da lei penal mais favorável previsto no artigo 29º, número 4 da CRP, porque a
circunstância da lei temporária ter cessado, não significa que tenha havido uma alteração da
valoração político-criminal. O que significa é a existência, na verdade, de uma alteração da
situação fática, porque foi retomada a situação social de normalidade”.

E para que se verifique a aplicação do princípio de aplicação retroativa da lei penal


mais favorável é necessário que ocorra uma alteração da valoração jurídicopenal por parte do
legislador. Mas como existe esta alteração da situação social fática, o facto que foi praticado
no momento daquela situação de anormalidade continua a ser considerado socialmente como
grave.

Porém, é a própria compreensão da realidade que se altera quando se volta para a


situação de normalidade pois a perceção sobre o facto é diferenciada nessa situação. Temos
assim de atender ao disposto no artigo 2º, número 3 do CP, “quando a lei valer para um
determinado período de tempo, continua a ser punível o facto praticado durante esse
período”.

Segundo este número, são puníveis todos os factos praticados (sejam ações, sejam
omissões) durante a vigência da lei temporária, mesmo que no momento do julgamento essa
lei já não esteja em vigor (o que acontece neste caso). Assim, o disposto na lei temporária Y
pode ser aplicado a Jorge e Rita, podendo estes serem condenados na respetiva sanção de 2
anos de prisão prevista pela lei U para quem abandonasse o lixo.
Caso Prático 9

Amanda engravidou em virtude de um crime de violação executado por Bruno. Face


a esta factualidade, tinha sérias dúvidas sobre se iria ter a criança, e acabou por se decidir a
interromper a gravidez quando se encontrava na 18ª semana de gestação.

Nesse momento da interrupção da gravidez, estava em vigor o artigo 142º, número


1, alínea d) que permite a interrupção da gravidez, por opção da mulher, até a 16ª semana.
Como tal, Amanda foi acusada pela prática de um crime de aborto (nos termos do artigo
140º, número 3 do CP).

Porém, no momento do julgamento, veio a lei X alargar o prazo de interrupção da


gravidez não punível para as 25 semanas. Entretanto Bruno foi detido pelo respetivo crime
de violação (p.p. nos termos do artigo 164º do CP) e condenado a 7 anos de prisão efetiva
(de acordo com a agravação do artigo 177º, número 5 do CP). Após já ter cumprido 6 anos de
prisão, entrou em vigor a lei Z que reduziu a pena máxima para tal crime para os 5 anos de
prisão.

Quid Juris?

Resposta

Em relação a Amanda:

O tipo legal do crime de abordo pune um comportamento deste tipo com pena de
prisão até 3 anos (artigo 140º, número 3 do CP). Embora a lei prescreva um conjunto de
situações em que a interrupção da gravidez não é punível (cfr. Artigo 142º do CP). Segundo a
lei vigente no momento em que foi praticado o facto criminoso, Amanda teria cometido esse
crime de aborto, pois só era permitida a interrupção da gravidez nas 16 primeiras semanas de
gestação (por se estar perante uma situação de uma gravidez originada de uma violação), e o
aborto foi realizada na 18ª semana.

Assim, estaria preenchido o crime de aborto de acordo com o artigo 140º, número 3,
conjugado com o disposto no artigo 142º, número 1, alínea d), ambos do CP).

Porém, temos uma lei nova, a lei X, que veio a alargar esse prazo, passando-o de para
25 semanas, logo daqui se depreende que tal ato deixou de ser considerado ilícito. O que se
verifica é que existe uma discriminação de tal ato (veja-se o artigo 2º, número 2, 1ª parte do
CP). De acordo com o artigo 29º, número 4, 2ª parte da CRP, conjugado com o artigo 2º,
número 2 do CP, não pode Amanda ser condenada pelo crime de aborto, pois a lei posterior X,
uma mais favorável, veio elevar a prazo em que é penalmente admissível realizar o crime de
aborto, descriminalizando tal ato.

Quanto a Bruno:

A questão que se coloca nesta situação é se existe a aplicação de uma lei penal
retroativa de uma lei mais favorável apesar de a sentença condenatória já ter transitado em
julgado.

Ora, aqui temos de atender ao disposto no artigo 2º, número 4 do CP, que nos refere
“quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem
diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que
concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que
transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena
que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior”. De
acordo com a segunda parte deste artigo, a lei nova só se aplica aos casos em que a pena
concretamente aplicada com base na lei anterior seja superior ao limite máximo da lei nova.

Ora, interpretando o disposto no caso prático, tal acontece. Pois, Bruno foi punido com
a pena concreta de 7 anos de prisão efetiva pelo crime de violação, e a nova lei consagra a
pena máxima até 5 anos para aquela prática criminosa.

Assim, face à aplicação da lei penal mais favorável neste caso, Bruno seria beneficiado,
porque a execução da pena cessará imediatamente uma vez que aquele já cumpriu 6 anos de
prisão efetiva – artigo 2º, número 4, 2ª parte do CP.

Caso Prático 10

Face à epidemia de Covid 19, foi publicada uma lei, a lei X, para vigorar entre 1 de
Janeiro de 2020 e 1 de Março de 2021, impondo a vacinação de forma obrigatória de todas
as pessoas. Quem não cumprisse com essa obrigação era punido com multa até 200 dias.

Amílcar, conhecido negacionista, naturalmente esquivou-se a tomar a vacina. Porém,


tal situação apenas foi conhecida a 1 de Abril de 2021, tendo Amílcar sido sujeito a
julgamento a 7 de Abril de 2021.

Pode Amílcar ser condenado pelos factos da lei X?

Resposta

Estamos perante uma lei temporária que se destina a vigorar durante um período de
tempo fixado na própria lei (no caso, entre 1 de Janeiro de 2020 e 1 de Março de 2021). As leis
temporárias dirigem-se a situações de anormalidade ou de emergência, no caso uma situação
de saúde pública; e que fixa o seu tempo de vigência para abranger aquela situação de
emergência ou anormalidade.

Amílcar não cumpriu com o disposto na lei, tendo sido submetido a julgamento a 7 de
Abril de 2021. Ora, de acordo com o período de vigência fixado para a lei temporária, aquando
do período do julgamento, o facto já deixou de ser punido, pois a lei já deixou de vigorar.

Ora, de acordo com a natureza subjacente às leis temporárias, que não conflituam com
o regime da aplicação da lei penal mais favorável previsto no artigo 29º, número 4 da CRP,
porque a circunstância da lei temporária ter cessado, não significa que tenha havido uma
alteração da valoração político-criminal.

O que significa é a existência, na verdade, uma alteração da situação fática, porque foi
retomada a “normalidade” em termos de saúde pública e deixou de ser obrigatória a toma da
vacina.

E para aplicação do princípio de aplicação retroativa da lei penal mais favorável é


necessária a verificação de uma alteração da valoração jurídico-penal por parte do legislador.
Mas como existe esta alteração da situação prática, o facto que foi praticado na situação de
anormalidade para a saúde pública continua a ser considerado como grave, porém, é a própria
compreensão sobre o mesmo que se altera quando se volta para a situação de normalidade
pois a perceção sobre o facto é diferenciada nessa situação.
Temos assim de atender ao disposto no artigo 2º, número 3 do CP, “quando a lei valer
para um determinado período de tempo, continua a ser punível o facto praticado durante esse
período”.

Segundo este número, são puníveis todos os factos praticados (tanto ações, como
omissões) durante a vigência da lei temporária, mesmo que no momento do julgamento essa
lei já não esteja em vigor.

Assim, o disposto na lei temporária X pode ser aplicado a Amílcar, podendo este ser
condenado na respetiva pena de multa.

Caso Prático 11

“Suponha que devido ao risco de desaparecimento da espécie Lobo Ibérico no nosso


país, a 14 de Janeiro do ano passado entrava em vigor uma lei, a lei K, que agravava a
moldura penal do artigo 278º do Código Penal (prisão até 3 anos ou multa até 600 dias) para
15 a 20 anos de prisão.

A lei K fixava o termo do seu período de vigência em 31 de Outubro do mesmo ano


passado. Acusado de terrorismo penal, a lei K vem a ser revogada por uma nova Lei, a Lei W,
que, iniciando a sua vigência dois meses depois (14 de Março), fixava, tal como a lei K
revogada, o termo do seu período de vigência em 31 de Outubro do ano passado.

A lei W reduzia a pena de prisão para 2 a 8 anos. Alberto, a 11 de Fevereiro do ano


passado, matava seis espécies de Lobo Ibérico no parque Nacional da Peneda Gerês,
contribuindo decisivamente para fazer desaparecer aquela espécie animal naquela região.
Em 11 de Novembro, Alberto é julgado.

Qual a lei aplicável?”

Resposta

A lei K corresponde a uma lei temporária, pois a sua entrada em vigor tem por base
uma situação de anormalidade social que comporta um grave risco (de acordo com o caso, o
risco de desaparecimento da espécie de Lobo Ibérico) e estabelece o termo da sua vigência
(termo que se encontra relacionado e dependente do momento em que o legislador pensa ter
cessado a situação de anormalidade) – que no caso, seria entre 14 de Janeiro de 2020 a 31 de
Outubro desse mesmo ano.

Face à elevada moldura penal subjacente a esta lei temporária, o legislador acabou por
a considerar excessiva, e, nesse sentido, veio a revogar a lei K por uma nova lei, a lei W, que
iniciou a sua vigência a 14 de Março, fixando o termo da sua vigência a 31 de Outubro de 2020,
e que previa uma moldura penal abstrata de 2 a 8 anos. Como se comprova, também aqui
estamos perante uma lei temporária.

O Alberto praticou o facto criminoso a 11 de Fevereiro de 2020, ou seja o tempus


delicti caiu ainda sobre a alçada da lei temporária K, que punia tal facto com pena de 15 a 20
anos de prisão, mas apenas foi julgado a 11 de Novembro.

Aqui estamos perante uma sucessão de leis penais temporárias, pois tanto a lei K como
a lei W (que veio alterar a pena estabelecida na primeira lei) têm por objeto a mesma situação
de facto de anormalidade social (preservar a espécie de lince ibérico).
O que acontece é que o legislador acabou por reconhecer que, embora a dita situação
de elevada gravidade justifique a aplicação da lei temporária durante aquele período
temporal, todavia a moldura da pena de prisão estatuída na lei temporária K era
manifestamente excessiva, e então veio substituir a lei temporária K pela lei temporária W,
com esta última a estabelecer uma moldura penal menos grave (e mais equilibrada na opinião
do legislador).

Aqui já existe uma alteração da valoração político-criminal relativamente àquela


situação de anormalidade, e, como tal, de acordo com os princípios jurídico-penais e
constitucionais, existirá a aplicação retroativa da segunda lei penal temporária de acordo com
o disposto no artigo 29º, número 4 da CRP, pois esta é mais favorável que a primeira lei
temporária que estava em vigor no momento da prática do facto. Ou seja, estaremos perante
uma aplicação retroativa, pois a lei W entrou em vigor a 14 de Março, e o facto criminoso foi
praticado a 11 de Fevereiro. Atendendo ao disposto do artigo 2º, número 3 do CP, “quando a
lei valer para um determinado período de tempo, continua a ser punível o facto praticado
durante esse período”.

Isto é, mesmo que a lei W não já esteja em vigor aquando do julgamento, será
aplicável ao caso concreto à situação ilícito cometida por Alberto. Pelo exposto, existe uma
sucessão de leis penais temporárias, e como aqui já existe uma alteração da valoração político-
criminal, aplica-se o princípio da lei temporária mais favorável, que, neste caso, é a lei W.

Caso Prático 12

A 1 de Janeiro de 2021, Amílcar cometeu um crime de violência doméstica (p.p. nos


termos do artigo 152º do CP) sobre Amanda.

A essa data, o crime de violência doméstica era punido com pena de prisão de 1 a 5
anos e existia a possibilidade de aplicação de uma pena acessória de proibição de contacto
com a vítima pelo período de seis meses a cinco anos (cfr. Artigo 152º, número 4 do CP). A 1
de Abril do mesmo ano, veio o legislador instituir a lei Y, que passou a prever uma pena de
prisão de 2 a 8 anos mas eliminou a pena acessória.

Qual a pena aplicável a Amílcar? Pode Amílcar ser punido na sanção acessória?

Resposta

Este caso prático aponta para a questão doutrinária colocada por Taipa de Carvalho
entre a diferenciação entre a ponderação unitária e a ponderação diferenciada quanto à
matéria da aplicação da lei penal no tempo.

Isto porque nesta situação temos um confronto entre duas leis: a do tempo delicti e da
lei Y, quanto à ponderação sobre as penas principais e penas acessórias (podendo também
ocorrer um confronto quanto a pressupostos processuais diferenciados entre diversas leis). A
maioria da nossa doutrina e jurisprudência tem-se alicerçado na ponderação unitária. Tal
significando que “a lei deve ser aplicada na totalidade das suas disposições sobre a pena
principal, sobre as penas acessórias e sobre os pressupostos processuais”. (Taipa de Carvalho,
“Direito Penal. Parte Geral”, Editora Universidade Católica do Porto, 2016: p. 196) Ou seja,
daqui deve-se entender a necessidade de determinação da lei penal mais favorável (lex
mellior) e aplicar essa mesma lei em concreto ao arguido.
Já Taipa de Carvalho defende a necessidade de a ponderação ser diferenciada. O que
significa que “(…) deve proceder-se ao confronto de cada uma das disposições das leis em
causa, devendo aplicar-se as disposições, contidas nas duas leis, que sejam mais favoráveis”.
(Taipa de Carvalho, “Direito Penal. Parte Geral”, Editora Universidade Católica do Porto, 2016:
p. 196).

Em relação à moldura penal aplicável a Amílcar está terá de ser a da pena de prisão
entre 1 a 5 anos estabelecida no tempus delicti, pois a lei esta é mais favorável ao agente, não
podendo ser aplicada a lei Y, sob pena de existir uma violação da proibição constitucional da
aplicação retractiva da lei penal menos favorável.

Já quanto à questão da pena acessória, levanta-se a questão da lei do tempus delicti


admitir a possibilidade de punição na pena acessória e a lei Y já não. Aqui é que se afirma
aquela querela doutrinária. Ora, seguindo a ponderação unitária, o Amílcar poderá ser punido
através de uma pena acessória, pois será aplicável a lex mellior na sua globalidade (a lei
vigente no momento da prática do facto criminoso).

Já, se for seguida a posição de Taipa de Carvalho, é de reconhecer que a lei Y quanto a
esta parte é mais favorável, porque elimina a pena acessória. Assim, a lei nova Y nesta parte
deverá ser aplicada retroativamente por força da imposição da aplicação da lei penal mais
favorável, seguindo o disposto no artigo 29º, número 4, 2ª parte da CRP; e artigo 2º, número 4,
1ª parte.

Assim, seguindo a posição de Taipa de Carvalho, o Amílcar seria punido pela pena de 1
a 5 anos de prisão, mas não podia ser punido pela pena acessória, em virtude do semblante da
ponderação diferenciada.

Caso Prático 13

Bruno, cidadão português, furtou no Hermitage, um quadro de Monet. Após


consumar o furto, fugiu para Portugal. A Rússia requereu a extradição de Amílcar, mas esse
pedido foi recusado. Na Rússia, este tipo legal de crime é punido com prisão entre 2 e 6
anos; já no ordenamento jurídico português, tal crime é punido com pena de prisão entre 2 a
8 anos. Porém, antes do julgamento, veio o legislador a instituir a lei X, que passou a punir
este crime com uma pena de prisão entre 1 a 5 anos.

1- Pode Amílcar ser julgado em Portugal?

Antes de entrarmos no campo da análise da possibilidade de Bruno ser julgado no


nosso ordenamento jurídico, temos de ver se este pode ser extraditado para a Rússia.

Como Bruno é um cidadão português só nas situações específicas do artigo 33º,


número 3 da CRP; e nos termos do artigo 32º, número 1, alínea b) e número 2, da Lei n.º
144/99, se mostra admissível a extradição.

Acontece que estas condições não se verificam no caso concreto. Assim, Portugal não
pode extraditar Bruno, e daí ter sido rejeitada a sua extradição. Uma vez que foi recusada a
extradição, Bruno deve ser julgado em Portugal. Para tal sendo necessário apurar se os
tribunais portugueses têm competência para apreciar este caso.

De acordo com o artigo 5º, número 1, alínea e), 1ª parte, que consagra o princípio da
nacionalidade ativa, ou seja, os casos em que o agente do crime tem nacionalidade
portuguesa, podem os tribunais portugueses julgar este caso. Pois verificam-se todos os
pressupostos: o crime foi cometido no estrangeiro (na Rússia); Bruno é um cidadão português
e foi encontrado em Portugal; e o facto é crime no ordenamento jurídico russo, e não foi a
extradição concedida. Bruno será assim julgado em Portugal pelos nossos tribunais.

2- Em caso positivo, qual a lei aplicável?

Aqui também vigora o princípio da aplicação da lei concretamente mais favorável


(artigo 6º, número 2 do CP). Assim, em termos abstratos, poderíamos ser levados a entender a
aplicação da lei russa no caso concreto. Acontece que veio a ser instituída uma nova lei, a lei X,
o que coloca o problema da aplicação da matéria da lei penal no tempo.

Ora, esta Lei X é mais favorável, e, como tal, será a lei aplicável no momento do
julgamento. Por todo o exposto, será Amílcar julgado em Portugal pelos tribunais portugueses,
e ser-lhe-á aplicável a moldura penal da lei X.

Caso Prático 14

Carlos, português, cometeu, na Nigéria, o crime de contrafação de moeda (sendo a


moeda o euro). Após a prática deste crime, Amílcar viajou para Portugal. A Nigéria veio pedir
a extradição de Amílcar para o julgarem. Partindo do princípio que na Nigéria este crime é
punido com a pena de prisão entre 5 a 15 anos, enquanto em Portugal é punido, segundo o
artigo 262º, número 1, com pena de prisão entre 3 e 12 anos.

Responda às seguintes questões:

1. Pode Amílcar ser extraditado?

Em relação à extradição temos de ver que Portugal não pode extraditar Carlos pois
este é um cidadão português, só sendo admissível a extradição de acordo com o disposto no
artigo 33º, número 3 da CRP; e nos termos do artigo 32º, número 1, alínea b) e número 2,
ambos da Lei n.º 144/99). Ora, tais situações não se verificam no caso concreto. Não pode
Portugal extraditar Carlos.

2. Em caso negativo, podem os tribunais portugueses julgar Amílcar?

Visto que Carlos não pode ser extraditado por Portugal coloca-se, desde logo, a
questão da possibilidade de ele poder ser julgado pelos tribunais portugueses. De acordo com
o disposto no artigo 5º, número 1, alínea a) do CP, uma vez que estamos perante um dos
crimes do catálogo taxativo, tal será possível. Segundo este critério, estamos perante a
salvaguarda do princípio da defesa dos interesses nacionais. Assim, de acordo com este artigo,
os tribunais portugueses são competentes para apreciar o caso de Carlos

3. Amílcar será punido por que lei?

Aqui podemos atender ao princípio da aplicação da lei penal mais favorável


consagrado no artigo 6º, número 2 do CP, que, no caso, desde logo, remete para a
aplicabilidade da lei portuguesa1 , uma vez que estabelece a pena de prisão de 3 a 12 anos.

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