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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Direito Penal III


Prof. Doutora Maria João Antunes
Eduardo Figueiredo
Ano Letivo 2016/2017
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 0 - Introdução

Nos cursos anteriores estudámos a primeira parte das normas (previsão – acto típico, ilícito,
culposo e punível), sendo que neste curso vamos dedicar-nos ao estudo da segunda parte
(estatuição - pena). Analisaremos, pois, as consequências jurídicas do crime.
Esta matéria era anteriormente desvalorizada porque se entendia que este tema não
interessava à doutrina jurídico-penal (limitando-se esta à doutrina geral do crime), mas sim à
doutrina criminal e criminologia – o abandono desta visão deve-se ao facto de que a política
criminal e a criminologia deixam de ser vistas como ciências auxiliares do direito penal no universo
da “ciência global do direito penal”. Também se entendia que a determinação da pena fazia parte
da “arte de julgar do juiz”.
No entanto, verificou-se uma grande reviravolta com FIGUEIREDO DIAS e ANABELA
RODRIGUES, que começaram a introduzir doutrina sobre a determinação da pena, nomeadamente
incluindo exigências de fundamentação da pena aplicada ao réu (art.º. 71º/3 CP), existência de
culpa e necessidades preventivo-especiais. É também particularmente importante para esta
evolução a cisão entre a questão da culpabilidade e questão de determinação da sanção no
momento em que, encerrada a discussão de julgamento, se inicia a deliberação e votação
conducente à elaboração da sentença ou acórdão, sendo até possível a reabertura da audiência
quando se torne necessária a produção de prova suplementar para determinação da espécie e da
medida da sanção a aplicar (art. 365º a 372º CPP); assim como a possibilidade de controlo da decisão
sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.
Pode-se falar, hoje, de uma doutrina geral das consequências jurídicas do crime que abrange
as penas (principais, de substituição e acessórias) aplicáveis a pessoas singulares e a pessoas
colectivas ou equiparadas, e as medidas de segurança (privativas de liberdade ou não).

Será que ainda estamos no âmbito de esta doutrina geral das consequências jurídicas do
crime quando nos referimos a certos institutos previstos no CP? – Por exemplo, relativamente à
queixa, prescrição da pena ou do procedimento criminal1, acusação particular, amnistia, perdão e
indulto  Se, por um lado, a tais institutos é apontada quer uma natureza jurídico substantiva, quer
uma natureza jurídico processual (em alguns casos uma natureza dupla), por outro ´r também
discutível o que é que ainda pertence à doutrina do crime e o que é que já integra a doutrina das
consequências jurídicas do crime.

Será que integram esta doutrina a indemnização de perdas e danos emergente da prática de
um crime (art. 129º CP)? Considera-se que não porque, embora a prática de crimes possa dar
origem a responsabilidade de indemnização, esta é civil e não penal - e isto independentemente do
principio da adesão consagrado no art. 71º CPP. Antes de 1982, falava-se em reparação com
natureza penal e este instituto ainda se considerava parte desta doutrina. No entanto, actualmente,
a reparação não faz parte das consequências jurídicas do crime, embora se dê alguma importância a
esta na determinação da medida concreta da pena. Chegamos a esta conclusão quer atentando no

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Prescreve o procedimento criminal ou as penas, mas nunca o crime!  Ao fim de algum
tempo, o procedimento criminal fica prescrito caso não seja iniciado o processo a tempo.

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que dispõe o próprio art. 129º CP, quer no que toca à regulamentação processual da matéria (art. 71º
a 82º, 83º, 84º e 400º/3 CPP)
A Lei 59/98, de 25 de Agosto, introduziu o art. 82º-A CPP nos termos do qual o tribunal
pode atribuir, em caso de condenação, uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos,
quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham, ainda que não tenha sido
deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado. E ta é possível mesmo
nos processos sumaríssimos. A Lei 112/2009, no seu art. 21º/2, prevê que há sempre aplicação deste
preceito do CPP, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser. Ainda assim,
estamos perante uma indemnização que, excepcionalmente, é arbitrada oficiosamente e não face a
um efeito penal da condenação, o que exclui a sua integração no objecto da doutrina das
consequências jurídicas do crime.
Só a reparação enquanto efeito penal da condenação ou como terceira espécie de sanção
criminal integrará o objecto da doutrina das consequências jurídicas do crime. Alguns consideram
que a reparação possa ser outra sanção criminal ao lado da pena e da medida de segurança, o que se
enquadra num discurso político-criminal atento aos interesses da vítima, onde esta pode ocupar um
lugar numa relação que passou a ser triangular (Estado/agente da prática do crime/vítima). É, de
resto, cada vez mais frequente o apelo a uma ideia de reparação das disposições legais dispersas da
parte geral e da parte especial do CP. Note-se ainda que a reparação integral dos prejuízos causados
passou a ser mesmo uma causa de extinção da responsabilidade criminal em matéria de crimes
contra o património. (Lei 48/2007, de 29 de agosto)

Outra matéria que é duvidosa quanto à sua integração nesta doutrina é a relativa ao registo
criminal (previsto na lei de registo criminal) – quando as pessoas são condenadas pela prática de
crimes, a sua condenação pela prática de crimes passa a constar no registo criminal. Aqui,
defendemos que falamos de uma matéria com grande relevo ao nível das consequências jurídicas
do crime graças ao objecto e âmbito do registo criminal; quem pode aceder à informação sobre
identificação criminal, as regras de cancelamento e os efeitos da natureza criminal deste registo. O
nosso direito pressupõe o conhecimento dos antecedentes criminais, nomeadamente para efeitos de
determinação da pena em sentido amplo, atenuação especial da pena, agravamento da pena por
reincidência e condenação em pena relativamente indeterminada. (art. 71º, 72º, 75º e 83º CP)

Por outro lado, continua a ser neste âmbito que se jogam os efeitos estigmatizantes da pena
de prisão. O art. 4º da Lei 113/2009 dispõe que, tratando-se de crimes contra a liberdade e
autodeterminação sexual, o cancelamento definitivo do registo criminal, ocorre 25 anos sobre a
extinção da pena principal ou se substituição, ou da medida de segurança e desde que, entretanto,
não tenha ocorrido nova condenação por crime. O legislador decidiu marcar o agente daquele tipo
de crimes de tal maneira que podemos dizer estar ante um «direito penal de autor» (e não do facto!)
que visa estigmatizar sem limites um determinado tipo de autor – o condenado pela prática de
crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual.
Deve ainda ter-se como pertinente ao objecto da doutrina das consequências jurídicas do
crime o registo de identificação criminal de condenados pela prática de crimes contra a
autodeterminação sexual e liberdade sexual do menor, atendendo ao âmbito do registo, às suas
finalidades, aos deveres que impendem sobre o agente inscrito, às regras de cancelamento e a quem
pode aceder à informação dele constante. Em bom rigor, a criação deste registo põe a questão da

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natureza jurídica da inscrição – a de saber se estamos ante um efeito necessário da pena, uma
medida de segurança (pré ou pós-delitual) ou antes face a uma medida administrativa. Esta matéria
demonstra que o regime legal está orientado para a censura de um certo tipo de crimes, conduzindo
a que os abusadores sexuais se tornem visíveis numa lógica de reintegração por via da humilhação
– direito penal de autor (Desde logo, porque todos os anos a pessoa tem que actualizar estes dados e
actualizar a sua morada de modo a localizar-se o criminoso; e porque não se aceita, como no sistema
francês, um cancelamento antecipado do registo) – e protecção de certo tipo de vítima – crianças e
jovens, numa lógica de maximização da segurança que só aparentemente deixa espaço para uma
ideia de reintegração social. Há ainda que criticar a clara retroactividade desta lei, já que este registo
valia para todas as pessoas que já tinham sido condenas e já não cumprem pena, para aquelas que
estão a cumprir pena e para aquelas que ainda virão a cumprir.

EXCURSO – FINS DAS PENAS

O CP, em matéria de fins de penas e medidas de segurança, elege no seu artigo 40º/1
finalidades exclusivamente preventivas. Por um lado, a aplicação destas sanções visa a protecção
dos bens jurídicos – está aqui em causa uma exigência de prevenção geral positiva ou de integração:
a sanção penal é vista como uma forma de reforçar a confiança da comunidade na vigência das suas
normas designadamente na validade da norma violada com a prática do crime (integração da
norma).
Por outro lado, o legislador contempla também a consagração da doutrina da prevenção
especial positiva ou de socialização segundo a qual a pena tem como função alcançar a reinserção
social do agente apresentando-se neste sentido como uma verdadeira prevenção da reincidência.
Enquanto que em relação às penas a finalidade primária é a prevenção geral positiva, sendo
finalidade secundaria a prevenção especial positiva, em relação às medidas de segurança, a
prioridade das finalidades é invertida porque a finalidade autonomamente determinante é a
prevenção especial positiva.
Apesar do carácter exclusivamente preventivo do sistema há um importante contributo das
doutrinas retribucionistas, nomeadamente ao nível do princípio da culpa. Segundo este princípio na
sua vertente bilateral, não há pena sem culpa nem culpa sem pena, ou seja, a culpa é pressuposto,
fundamento, medida e limite da pena. Contudo, entre nós, este principia vale apenas na sua
vertente unilateral, ou seja, não há pena sem culpa (a culpa é pressuposto da pena) mas pode haver
culpa sem pena, desde logo porque está previsto no art. 74º, CP o instituto da dispensa de pena –
nestes casos de dispensa de pena, o arguido é declarado culpado e é-lhe dirigida uma sentença
condenatória só que não lhe é aplicada qualquer pena. Além de pressuposto, a culpa é também
limite da pena conforme expressamente referido pelo legislador no art. 40º/2, CP.
Em relação às medidas de segurança que têm como pressuposto a perigosidade criminal
(91º/1/parte final, CP), o principio a considerar não é o princípio da culpa mas antes o princípio da
proporcionalidade, previsto no art. 40º/3, CP, segundo o qual a medida de segurança há-de ser
proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente (principio da proporcionalidade
está para as medidas de segurança como o principio da culpa está para as penas).

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Tema 1 – Caracterização do sistema sancionatório português

1. Princípios orientadores do programa político-criminal de emanação jurídico-


constitucional.

Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade traduz-se no aforismo “nullum crimen sine lege, nulla poena sine
lege”. O agente só pode ser condenado com uma pena ou medida de segurança quando existe uma
“lex praevia” que prevê essa mesma pena ou medida, com anterioridade à comissão do crime;
significa ainda que ninguém pode sofrer uma pena ou medida de segurança mais graves do que as
previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos.
(Fundamento: a culpa é aferida no momento da comissão do crime). (art.º. 1º, 2º, 29º/3/4, 165º/1,
175º CRP).
Não é líquido, na generalidade dos ordenamentos jurídicos que o princípio da legalidade se
estenda às medidas de segurança (cujo pressuposto é a perigosidade do agente aferida no momento
da condenação). Tradicionalmente, não se aplicava este princípio no caso das medidas de
segurança, podendo aplicar-se uma medida de segurança diferente das que estavam previstas no
momento da prática do crime. No entanto, actualmente, o direito português não distingue entre
penas e medidas de segurança quanto à aplicação deste princípio, valendo por igual para ambas.
No entanto, por exemplo, no Brasil e Alemanha é ainda discutível se este princípio vale para
as medidas de segurança. O TC alemão, em 2011, recusou a aplicação deste princípio quanto às
medidas de segurança. O TEDH entendeu que, para efeitos de aplicação do art.º. 7º CEDH, aquela
medida de segurança era, para todos os efeitos, uma pena e devia valer para ela o princípio da
legalidade. O TC alemão considerou, frente a esta decisão, que o que estava em causa não era o
princípio da legalidade, mas sim uma violação do princípio da protecção da confiança.

Princípio de congruência ou de analogia substancial entre a ordem de valores constitucional


e a ordem legal de bens jurídicos protegidos pelo direito penal
Deste princípio resulta a exigência de que os bens jurídico-penais sejam necessitados de
tutela penal e o entendimento de que só finalidades de prevenção, geral e/ou especial, podem
justificar a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança.
O art.º. 18º da CRP relativo à restrição dos direitos fundamentais é muito importante ao nível
do direito penal. De acordo com esse artigo, há um regime de restrição de direito fundamentais, só
se podendo restringir um direito fundamental para salvaguarda de outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos. É deste artigo que se retira uma relação de mútua referência entre a
ordem legal de bens jurídico penais e a ordem constitucional.
Quando se aplica uma pena há uma restrição directa a um direito fundamental (pena de
prisão  Liberdade), mas a condenação à prática de um crime pode conduzir à limitação de outros
direitos, ainda que indirectamente. Os bens jurídicos tutelados pelo direito penal têm que ter um
referente constitucional. Ou seja, aquilo que se protege ao nível do direito penal tem que ser
protegido ao nível do direito constitucional.
Ora, se só se podem restringir direitos para salvaguarda de outros direitos, não se pode
aplicar uma pena com funções retributivas, sendo que a finalidade perseguida só pode ser a
prevenção geral e especial.

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Princípio da proibição do excesso


Em matéria de penas, concretiza-se no princípio da culpa, não podendo existir pena sem culpa, e
sendo a culpa o limite da pena, garantindo que não haja excesso. (art. 1º, 13º, 25º/1 CRP  Embora
não prevejam explicitamente o princípio da culpa, a doutrina e a jurisprudência entende que este é
um princípio jurídico-constitucional que decorre da protecção que a CRP dá à dignidade da pessoa
humana - princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. Esta fundamentação não vale para a
responsabilidade penal das pessoas colectivas).
Ao nível das medidas de segurança, temos o princípio da proporcionalidade, tendo estas
que ser proporcionadas à gravidade do facto e perigosidade do agente. (art. 18º/2 CRP)
Em geral, no princípio da proporcionalidade das sanções penais, um outro principio que a
jurisprudência constitucional tem feito decorrer do art. 18º/2 CRP. É, no entanto, reiterado e
uniforme o entendimento de que o tribunal só deve censurar as soluções legislativas que contenham
sanções que sejam manifesta e claramente excessivas.

Princípio da Socialidade
Incumbe ao Estado um dever de ajuda e de solidariedade para com o condenado, devendo
este proporcionar-lhe as condições necessárias para a reintegração na sociedade.
Decorre do art.º. 2º CRP – “Estado de direito democrático que visa a realização de uma
democracia social”; art.º. 9º/d “Promoção do bem-estar e qualidade de vida do povo e igualdade
real entre os portugueses”; art.º. 26º/1 “Direito ao desenvolvimento da personalidade”; art.º. 30º/1
“proibição de penas e medidas de segurança privativas ou restritivas de liberdade com carácter
perpétuo”.
Ao contrário do que acontece em Espanha ou Itália, na nossa CRP não há artigos que
determinem que uma das finalidades da pena é a ressocialização dos condenados. Mas as penas
devem perseguir esta finalidade, decorrendo de outros artigos indirectamente, tal como largamente
defendido pelo TC.

Princípio da preferência pelas reacções criminais não privativas de liberdade face às privativas
Se conseguirmos alcançar os meios preventivos sem necessidade de privação de liberdade,
não deve utilizar-se esta medida, sendo ela um último recurso. Tal decorre da exigência de
necessidade/subsidiariedade da intervenção penal e de proporcionalidade das sanções penais. (art.
18º/2 CRP)

Princípio da aplicação da lei penal mais favorável


A doutrina e a jurisprudência reconhecem este princípio como autónomo relativamente ao
princípio da legalidade em matéria criminal, justificando-o à luz do principio da necessidade das
sanções penais. O legislador convocou este princípio para justificar alterações legislativas relevantes
ocorridas em 2007.
Assim, no direito penal, a lei que se aplica é a lei vigente no momento da prática do crime,
excepto se a lei nova for mais favorável. Como dito, a jurisprudência constitucional portuguesa
autonomiza este princípio do princípio da legalidade, sendo este um autêntico princípio autónomo
e não uma excepção à regra. A razão que está na base da aplicação da lei penal mais favorável é que
o legislador considera que não é preciso aplicar uma lei tão gravosa. Decorre do art.º. 18º/2 e
29º/4/parte final CRP.

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Princípio da intransmissibilidade da responsabilidade penal (art.º. 30º/3 CRP)


É um princípio de pessoalidade da responsabilidade penal, já que a responsabilidade
criminal se extingue com a morte do agente da prática do crime, o que conduz:
1) À extinção do procedimento criminal, da pena e da medida de segurança, com a sua
morte. (art. 128º CP)
2) Não transmissão a outrem da responsabilidade criminal, em caso de morte do agente da
prática do crime. (art. 127º CP)
3) Impossibilidade de sub-rogação no cumprimento da pena ou da medida de segurança.
(art. 367º/2 CP)
Tal levanta problemas relativamente às pessoas colectivas, porque se questiona se a
responsabilidade penal pode passar para os administradores ou gerentes da sociedade ou se tal não
é possível. O art.º. 11º CP prevê a responsabilidade solidária e subsidiária dos gerentes e
administradores, sendo, porém, esta uma questão discutida no TC.

Princípio da não automaticidade dos efeitos das penas


Está previsto no art.º. 30º/4 CRP. Traduz-se na exigência de que nenhuma pena envolva
como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, o que dá
realização à ideia politico-criminal de que importa retirar às penas efeito estigmatizante. Tal apenas
pode acontecer se for aplicada uma pena acessória, com perda de direitos civis e políticos.
Importa referir o Acórdão do TC 748/93, 304/2003, 239/2008, sendo de notar que quando foi
declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de normas que estabeleciam a
incapacidade eleitoral activa dos definitivamente condenados a pena de prisão por crime doloso ou
crime doloso infamante, enquanto não houvessem expiada a respectiva pena, ainda não tinha sido
introduzido o actual art. 30º/5 CRP.

Princípio segundo o qual os condenados em pena ou medida de segurança privativa de liberdade


mantêm a titularidade dos direitos fundamentais
E isto, salvas as limitações inerentes ao sentido de condenação e às exigências próprias da
respectiva execução. (art. 30º/5 CRP) Foi por referência a este princípio que o TC cotejou o direito
de acesso a cargos públicos de natureza electiva com a situação de indivíduos condenados em pena
de prisão efectiva em cumprimento de pena. (AC. Nº 550/2013)
Em suma, a execução da pena de prisão não faz com que haja perda de direitos fundamentais,
ou seja, perdem-se apenas aqueles a que se foi condenado.

2. Características gerais do sistema sancionatório português.

Por força do disposto no art. 24/2 e 30º/1 CRP, o sistema sancionatório português recusa a
pena de morte e as penas de natureza perpétua, o que é uma revelação clara de um princípio de
humanidade. A pena de morte foi abolida em 1852 e 1867 e a prisão perpétua já foi abolida em 1884.
Constitui uma excepção a possibilidade de prorrogação sucessiva de medidas de segurança
privativas ou restritivas da liberdade, em caso de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica
e na impossibilidade de terapêutica em meio aberto, mediante decisão judicial enquanto tal estado
se mantiver. (art. 30º/2 e 92º/3 CRP) É de notar que em Espanha existe a "prisión permanente
revisable", que é uma autêntica prisão perpétua.

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Apesar dessa excepção, também se verifica a recusa de medidas de segurança de natureza


perpétua. Em relação às medidas de segurança, a tendência inicial foi precisamente a sua natureza
perpétua - tinham por pressuposto a perigosidade criminal do agente e, até essa cessar, manter-se-ia
a medida de segurança. Hoje, ainda que a perigosidade se mantenha, o sujeito tem direito a ser
libertado.

- NOTA: O TC Alemão teve que analisar uma lei alemã que veio dizer que não havia limite máximo
da imposição das medidas se segurança privativas de liberdade.-

As sanções privativas da liberdade são a última ratio - art. 18/2 CRP e art. 70 CP - o juiz está
obrigado a não aplicar uma pena privativa de liberdade quando não é necessário aplicar essa pena
para cumprir as funções preventivas do direito penal. Também isto vale para a medida de
segurança privativa de liberdade - internamento. Dá-se, assim, cumprimento ao princípio politico
criminal da necessidade/subsidiariedade da intervenção penal e da proporcionalidade das sanções
penais. (art. 18º/2 CRP, 70º e 98º CP)
O nosso sistema sancionatório é um sistema tendencialmente monista ou de via única de
reacções criminais – Monista, porque ao agente da prática de um crime, pela prática desse mesmo
crime só aplicamos uma sanção - e nunca cumulativamente uma pena ou medida de segurança
privativas de liberdade (internamento - art. 91 CP). Esta caracterização do sistema sancionatório
pressupõe que seja tido em conta, e por isso falamos de sistema tendencialmente monista:
a) O regime da pena relativamente indeterminada (art. 83º e ss CP), do qual decorre a
natureza mista desta sanção.2
b) A declaração de inimputabilidade, nos termos do art. 20º/2 CP, como resposta à especial
perigosidade dos delinquentes de imputabilidade diminuída.
c) Regime de execução da pena e da medida de segurança privativas da liberdade (art. 99º
CP)
Os alemães e espanhóis prevêem sanções dualistas, aplicando uma pena e uma medida de
segurança privativa de liberdade pela prática do mesmo crime nos casos de imputabilidade
diminuída - art. 20 CP (Aqueles casos em que a anomalia psíquica não torna o agente incapaz, mas
apenas diminui a sua capacidade). As soluções dualistas funcionam ainda para os delinquentes
especialmente perigosos.
Em Portugal, o juiz vai poder dizer se aquele indivíduo de imputabilidade diminuída é
imputável ou se vamos recorrer a uma ficção: ou ficcionamos a sua inimputabilidade e o
declaramos inimputável, aplicando uma medida de segurança; ou ficcionamos a sua
imputabilidade e aplicamos a pena. Aos especialmente perigosos, em Portugal, aplicamos uma pena
relativamente indeterminada (Que na sua execução é executada como pena numa parte e noutra
parte como medida de segurança - por isso falamos de um sistema tendencialmente monista).
É de notar que as medidas de segurança são sanções que surgiram há pouco tempo. - "Os
homens, desde que se conhecem, punem através de penas". O positivismo criminal trouxe as medidas de
segurança - em Portugal, em 1936 - que têm na sua base a perigosidade criminal. Na Alemanha

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Esta pena pode existir porque, embora esteja em causa o mesmo agente, pode verificar-se a prática de factos diferentes,
sendo possível aplicar uma pena e uma medida de segurança (ambas privativas de liberdade) desde logo porque o agente
é capaz de culpa em relação a um dos factos, mas ser considerado inimputável em relação a outro facto. Nesses casos
aplicamos o art. 99º CP – vicariato de execução.

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Nazi utilizaram-se, em grande parte, as medidas de segurança como medida política - perigosidade
baseava-se no facto de que pensavam de medida diferente ao sistema.

A pena - art. 40 CP - e a medida se segurança tem como finalidade primordial a protecção


de bens jurídicos e, sempre que possível, a reintegração do agente na sociedade, actuando a defesa
da ordem jurídica e da paz social (conteúdo mínimo da prevenção geral positiva - reafirmar a
validade da norma que foi violada com a prática do crime) como limite à actuação das exigências de
prevenção especial de socialização e a culpa como limite da pena. Tal é exemplificável com:
1) O modelo de determinação da medida concreta da pena (art. 71º CP)
2) Critérios de escolha da pena (art. 70º CP)
3) Finalidades de execução da pena de prisão (art. 42º CP)
4) Medidas de segurança  limitações impostas pelo principio da proporcionalidade e
pelas especificidades da medida de segurança aplicável e inimputável por anomalia
psíquica.

NOTAS:
Art. 71 CP  Nunca aplicamos ao agente da prática de um crime uma pena exclusivamente
em função das exigências de prevenção especial. No entanto, podemos aplicar a alguém uma pena
que é o mínimo exigível pela prevenção geral positiva, mas que está acima das exigências de
prevenção especial.
Quando a pena não é necessária ao nível da prevenção especial, aplicamos ou não uma pena
em nome da prevenção geral? Sim, porque a finalidade primordial da pena é a protecção de bens
jurídicos - prevenção geral positiva. Tal comporta sempre o risco de quem entra na prisão porque
cometeu um crime, mas não é criminoso, saia da prisão criminoso, devido ao seu efeito
criminógeno. Por isso é que um dos primeiros objectivos da pena de prisão é, não socializar, mas
sim não des-socializar. (Art. 42 CP e 2 CEP)

De acordo com o direito português, quando o juiz tem uma pena privativa e outra não
privativa, deve optar pelas segundas, mas com limites: (1) Isto não vale se a pena de prisão for
superior a 5 anos; (2) Quando tal não seja possível do ponto de vista da prevenção geral.

Art. 61 CP - Liberdade Condicional - Os condenados em pena de prisão podem ser postos


em liberdade condicional ao meio da pena quando o tribunal de execução de penas faça um juízo no
sentido de que, uma vez posta em liberdade, aquela pessoa não volta a cometer crimes (prevenção
especial), mas só se a sua libertação for compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social
(prevenção geral).Em suma, o que pretendemos é a reafirmação da validade da norma e, sempre
que possível, como finalidade secundária, a reintegração do agente na sociedade.

E nas medidas de segurança? Será que ainda faz sentido falar na reafirmação da validade da
norma? Será que as medidas de internamento também cumprem a função de prevenção geral? A
verdade é que a maioria das medidas de internamento vai direccionada à prevenção especial do
sujeito perigoso.
A culpa, nos termos do art. 40/2 CP, não é fundamento da pena - não se pretende retribuir a
culpa do agente - sendo apenas pressuposto da pena e serve para a limitar.

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Relativamente à aplicação/autonomização de sanções a pessoas colectivas e equiparadas só


recentemente esta foi aceite. No CP de 1982 manteve-se, à semelhança dos anteriores, o carácter
pessoal da responsabilidade, porque se entendia que “ficava já sob alçada do direito penal grande parte
da criminalidade que se alberga e se serve das pessoas colectivas”. As excepções abertas pela lei foram-se
sucedendo, a partir de um discurso político criminal progressivamente mais aberto à
responsabilização das pessoas colectivas.
Com as alterações introduzidas pela lei nº 59/2007, a regra de que só as pessoas singulares
são susceptíveis de responsabilidade criminal admite mais desvios. Continuam a ser ressalvados os
casos especialmente previstos na lei. Por outro lado, o nº1 do art. 11º CP ressalva também o disposto
no nº2 do mesmo artigo, que prevê a responsabilidade penal das pessoas colectivas.
Sendo assim, hoje temos penas, quer para as pessoas singulares, quer para as pessoas
colectivas - são responsabilizadas criminalmente as pessoas singulares, mas a evolução vai sendo no
sentido de alargar a responsabilidade penal das pessoas singulares também ás pessoas colectivas.
Como vimos, o art. 11º CP admite a responsabilidade penal das pessoas colectivas relativamente a
crimes previstos no CP - chamados crimes do direito penal clássico ou de justiça. O art. 90º a 90º-M
tem que ver com as penas relativas às pessoas colectivas. Enquanto nas pessoas singulares a pena
principal é a prisão e a multa; nas pessoas colectivas, as penas principais são a multa e a dissolução
da pessoa colectiva.

3. Tipos de penas
a. Delimitação conceitual

Podemos agrupar as penas em três grupos:


1) Penas principais  São aquelas que se encontram expressamente previstas para
sancionamento de um tipo legal de crime como consequência jurídica de determinado
comportamento; e são penas que são aplicadas pelo juiz na sentença condenatória
independentemente de qualquer outra pena. Havendo condenação, há sempre pena principal,
independentemente de que haja pena de substituição ou acessória.
1)No que se refere às pessoas singulares:
a) Pena de prisão
b) Pena de multa
2) No que se refere às pessoas colectivas e equiparadas:
a) Pena de multa
b) Pena de dissolução

2) Penas acessórias  Caracterizam-se por serem penas que são aplicadas juntamente com
outras penas principais ou de substituição, pressupondo, por isso, a fixação na sentença
condenatória de uma dessas penas. Estão previstas quer na parte geral, quer na parte especial do
CP. Quanto às pessoas singulares, por exemplo: (art. 66º, 67º, 69º, 69º-B, 69º-C, 152º/4, 152º/6,
154º-A/3/4, 246º, 346º, 388º-A)
a) Proibição de conduzir veículos com motor.
b) Proibição de contacto com a vítima em matéria de crimes de violência doméstica.

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c) Proibição do exercício de funções por crimes contra a autodeterminação e


liberdade sexual
d) Proibição de confiança de menores e inibição do exercício de responsabilidades
parentais.
Estas duas últimas são inconstitucionais porque não pode haver efeitos automáticos da
condenação pela prática de um crime. (Art. 69-B e 69-C) No art. 69-A prevê-se a declaração de
indignidade sucessória, que está tratado no CCivil, não devendo o tratamento ser feito no CP.
Quanto às pessoas colectivas e equiparadas, temos o exemplo dos arts. 90º-G, 90º-J, 90º-I, 90º-
L, 90º-M.
Encontramos ainda vários exemplos de penas acessórias na legislação extravagante – por
exemplo, art. 4º da Lei 50/2007.

3) Penas de substituição  São aquelas que substituem uma pena principal, ou seja, são
aplicadas em vez dela. Em regra, substituem a pena de prisão. Surgem historicamente num
movimento político criminal de luta contra a pena de prisão de média e longa duração -
associação de efeitos criminógenos à execução da pena de prisão. Exemplos:
a)Art. 43º/1 CP – Multa. (entre nós, a pena de multa é uma pena principal e também
de substituição e os seus regimes são diferentes.)
b) Art. 43º/3 CP - Proibição do exercício de função ou profissão públicas ou privadas.
c) Art. 44º/1/a CP - Regime de permanência na habitação (Três formas: (1) como pena
de substituição; (2) como forma de executar a pena de prisão; (3) como medida de coacção)
d) Art. 45º CP - Prisão por dias-livres (ou prisão por fins de semana - decorre apenas
ao fim de semana - 1982. Só nos últimos tempos começou a ser aplicada e agora quer acabar-se com
ela. Só substitui penas curtas de prisão e pode ser bastante eficaz do ponto de vista preventivo-
especial. A sua grande vantagem é que não traz tanta des-inserção social.)
e) Art. 46º CP - Regime de semi-detenção - apenas para penas de prisão até 1 ano. A
pessoa é condenada neste regime, mas pode sair da prisão para cumprir as suas obrigações,
nomeadamente profissionais.
f) Suspensão da execução da pena de prisão (art. 50º a 53º CP) - É uma pena de
substituição que pode ter três modalidades:
1) É condenada nesta pena.
2) É condenada nesta pena com imposição de normas de conduta.
3) É condenada nesta pena com regime de prova.
f) Prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º CP)
g) Art. 60º CP - Admoestação - pena de substituição da pena de multa. Consiste
numa censura legal que o juiz dirige ao condenado na audiência de julgamento.

Para as pessoas colectivas e equiparadas, temos o exemplo dos arts. 90º-C, 90º-D e 90º-E CP.

b. Penas principais aplicáveis às pessoas singulares.

As penas aplicáveis ás pessoas singulares são a pena de prisão e a pena de multa. É, porém,
pertinente a questão de saber se esta exiguidade de penas principais é político-criminalmente
adequada. E, nomeadamente, a de saber se há que converter em penas principais, algumas penas

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

acessórias ou de substituição já existentes. Já houve, por exemplo, quem propusesse a


transformação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade em pena principal.

B.1. Pena de Prisão


Aplica-se só às pessoas singulares. A pena de prisão é caracterizada como sendo uma pena
única, simples e duração limitada e definida. A prevenção especial de socialização e o propósito que
lhe é inerente de não lhe associar efeitos estigmatizantes são o denominador comum de todas estas
características.
1) Única - Não temos, desde 1982, formas diversificadas da pena de prisão. Hoje já não há
penas de prisão maior e penas de prisão correccional (como antes), sendo, portanto,
única. No entanto, tal não significa que não faça sentido distinguir vários graus de pena
de prisão, associados a categorias criminológicas, de acordo com a sua maior ou menor
duração:
a. Pequena Criminalidade - Pena de prisão de curta duração – não superiores a 1
ano.
b. Criminalidade de Média gravidade - Pena de prisão de média duração – não
superiores a 5 anos.
c. Criminalidade grave - Pena de prisão de longa duração - + de 5 anos.

Nota: Esta distinção da pena de prisão releva para vários efeitos:


 Ao limite até 1 ano liga-se a aplicabilidade de penas de substituição como a multa, o
regime de permanência na habitação, a prisão por dias livres e o regime de semi-
detenção, assim como a possibilidade de dispensa da pena. (art. 43º/1, 44º/1/a, 45º,
46º e 74º CP);
 Ao limite até 5 anos liga-se a aplicabilidade de penas de substituição como a
proibição de exercício da profissão, função ou actividade, públicas ou privadas, a
prestação de trabalho a favor da comunidade e a suspensão da execução da pena de
prisão (art. 43º/3, 58º e 50º CP);
 Só pode, portanto, ser substituída a pena de prisão em casos de pequena e médica
criminalidade (quando a pena de prisão principal seja inferior a 5 anos). Há, nestes
casos, um dever de fundamentação negativa do juiz, devendo este colocar a
possibilidade de substituição da pena e justificar porque o fez ou não fez.
 No plano adjectivo, por referência à pena aplicável, a competência do tribunal
singular, a possibilidade de suspensão provisória do processo, os efeitos da
confissão na audiência do julgamento e a tramitação segundo a forma e processos
especiais (art. 16º/2/b/3/4, 281º, 344º, 381º, 391º-A e 392º CPP)

2) Simples - Tem a ver com a circunstância de à aplicação de uma pena de prisão não se
associarem, por força da sua natureza, automaticamente diversos efeitos jurídicos
necessários ou automáticos que vão além da sua execução.
3) Duração limitada e definida - Tal é imposto pelo art. 30/1 CRP que diz que não há
penas de duração indeterminada ou indefinida. Os limites gerais ou normais da duração
da pena de prisão estão previstos no art. 41º/1 CP.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

Limites mínimos e máximos da pena de prisão: A pena de prisão tem, em regra, a duração
mínima de 1 mês e a duração máxima de 20 anos. Este limite máximo é um limite que pode ser,
excepcionalmente, excedido nos casos previstos na lei. (25 anos – art. 41º/2 CP). Quais os casos
excepcionalmente previstos na lei?
 Caso de concurso de infracções (77º/2 CP)
 Penas relativamente indeterminada (83º/2, 84º/2, 86º/2 CP)
 Situações no direito penal especial - Homicídio qualificado (art. 132º CP)
 Legislação complementar - Lei sobre as violações de direito internacional
humanitário; crime de associação criminosa; casos de terrorismo ou terrorismo
internacional; crimes praticados a bordo de aeronaves civis em voos comerciais.
Em caso algum pode ser excedido o limite máximo de 25 anos. (art. 41º/3 CP) Este limite de
25 anos aplica-se a cada pena de prisão (singular ou resultante de cúmulo jurídico) e não a uma
pluralidade de penas sofridas pelo mesmo agente, o que afasta a ideia de o nº3 ser expressão de um
qualquer direito da pessoa a não permanecer mais do que 25 anos da sua vida privado de liberdade.
Podemos questionar-nos sobre a adequação de estes limites máximos: ou seja, interrogarmos
sobre se a finalidade de prevenção geral positiva depende da severidade das penas ou antes, em
muito maior medida, do grau de probabilidade da punição e do lapso de tempo dentro do qual ela
venha a efectivar-se.

Não há excepções quanto ao limite mínimo: será de, no mínimo, 1 mês. Na prisão por dias
livres, cada fim-de-semana de prisão equivale a 5 dias de prisão contínua (art. 45º/2/3 CP), sendo
que tal contende com a execução desta pena de substituição privativa da liberdade.
Também não deve ser considerado um desvio à regra da duração mínima de 1 mês, o
estabelecido no art. 49º1 CP  Quando alguém condenado em multa principal não a paga, essa
multa pode ser convertida em prisão subsidiária que corresponde a 2/3 dos dias de multa.
(Podemos, por esta via, chegar a dias de prisão inferiores a 1 mês).A prisão subsidiária é uma forma
de constranger o condenado a pagar a multa e não uma pena de prisão.

B.2. Pena de Multa


Quanto à pena de multa, é uma pena relativamente recente e alvo de grande aposta nos
últimos anos. Há quem considere que a prisão tem efeitos criminógenos, existindo um movimento
de luta contra essa pena, afirmando-se a multa como alternativa à pena de prisão de curta duração.
Este foi um dos objectivos mais marcantes da reforma penal portuguesa de 1982, que apostou na
superioridade da pena de multa face à pena de prisão no tratamento da pequena e da média
criminalidade. A pena de multa visa privar a pessoa de parte do seu património.
A multa tem vantagens em relação à pena de prisão:
1) O condenado não fica privado dos seus laços familiares e profissionais;
2) A execução é mais elástica porque pode ser cumprida em prestações ou através de
pagamento diferido;
3) Reduz os custos administrativos e financeiros do sistema de justiça;
4) O produto das multas pode ser usado também para indemnizar as pessoas lesadas pela
prática do crime.

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5) Podemos também libertar as prisões e melhorar as condições de ressocialização devido à


diminuição dos casos de aplicação da pena de prisão efectiva que conduz a uma
melhoria do sistema penitenciário.

Desvantagens:
1) A pena de multa pode traduzir-se numa pena com peso desigual para pobres e ricos.
2) Se condenar alguém com uma pena de multa, por arrastamento, também o seu
agregado familiar fica afectado pelo pagamento da multa, devido à alteração da
situação económico-financeiro do condenado.
3) Possibilidade de efeitos secundários criminógenos porque a alteração da situação
económico-financeira do condenado pode estimular a prática de crimes que
compensem esta alteração.
4) Eficácia preventiva de grau menor por comparação com a pena de prisão.

São ideias um pouco primárias porque a multa baseia-se na sua aplicação pelo juiz através
de um sistema de dias multa e a determinação do valor de cada dia de multa tem em consideração a
situação económico-financeira do condenado e os seus encargos pessoais (art. 47º/2 CP). Quanto à
segunda desvantagem, é claro que há efeitos laterais decorrentes da aplicação da pena de multa,
porém, estes custos para o agregado familiar são relativos, porque a pena de prisão poderia ser mais
gravosa.
Estes inconvenientes podem ser enfrentados com êxito como uma conformação legal que
permita uma determinação concreta da pena de multa adequada à diversidade de situações que a
podem justificar, conferindo-lhe eficácia politico-criminal. A defesa do efeito “Sharp Short Shock”
por alguns autores que defendem as penas curtas de prisão fica abalada quando se ganha em
eficácia relativamente à pena de multa, nomeadamente mediante a opção de um sistema de dias de
multa.

B.2.1. Caracterização dogmática e político-criminal em geral

Para dar eficácia político-criminal à pena de multa, esta deve ser vista como uma autêntica
pena criminal, e não como um mero direito de crédito do estado em relação ao condenado. É uma
pena que se aplica como consequência jurídica do crime - É, portanto, um efeito de natureza pessoal
- ou melhor, pessoalíssima.
 A responsabilidade extingue-se com a morte, não podem ser por ela responsáveis as
forças da herança. (art. 127º/1 CP)
 Não pode ser paga por terceiro.
 Não pode ter lugar para o seu pagamento doação ou negócio afim.
 Por outro lado, não pode haver um contrato de seguro de responsabilidade civil para o
pagamento de multas.
O art. 367º/2 CP prevê o crime de favorecimento pessoal que pode ser cometido por violação
destas proibições. Face ao assinalado efeito de natureza pessoalíssima, conatural à pena de multa e
ao que se dispõe no nº3 do art. 30º CRP são questionáveis disposições legais que consagram a
responsabilidade solidária de terceiros pelo pagamento de penas de multa, ainda que tal ocorra no
domínio da responsabilidade criminal de pessoas colectivas e equiparadas.

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Será que nas pessoas colectivas pode o administrador ou gerente substituir-se à pessoa
colectiva para o pagamento da multa, ou vice-versa? O TC, relativamente à responsabilidade
solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na
prática de infracção pelas multas aplicadas à sociedade, já declarou com força obrigatória geral a
inconstitucionalidade dessa norma do RGIT que permitia que o gerente ou administrador pagasse a
multa a que foi condenada a pessoa colectiva (art. 8º/7 RGIT). Entendeu que isso violava o art.
30º/3 CRP que determina que a responsabilidade penal é de natureza pessoal.  Estas normas
lançam a questão de saber quais são as finalidades das penas aplicadas ás pessoas colectivas ou
equiparadas, não sendo indiferente a opção por um determinado modelo de imputação da
responsabilidade criminal a estas entidades (modelo de autorresponsabilidade ou
heterorresponsabilidade). Ou seja, não deixam de nos interrogar sobre a adequação das penas para
sancionar pessoas colectivas e equiparadas.
O princípio da insusceptibilidade de transmissão da responsabilidade criminal tem vindo a
ser invocado também para aferir da conformidade constitucional das normas que prevêem a
responsabilidade subsidiária de terceiros pelo pagamento de penas de multa. (p.e. 11º/9 CP) O TC
tem entendido que aqui não há qualquer transmissão da responsabilidade penal originariamente imputável à
sociedade ou pessoa colectiva, estando antes em causa uma responsabilidade de natureza civil (AC. 249/2012
e 405/2013).
O efeito da natureza pessoalíssima inerente à pena de multa mostra como é necessário que
esta seja legalmente conformada e concretamente aplicada de forma a permitir a plena realização
das finalidades das penas (art. 40º/1 CP) Tal acarreta o estabelecimento de limites mínimos e
máximos suficientemente afastados para que a determinação concreta da pena possa fazer dela uma
pena com eficácia politico-criminal e a consagração de mecanismos que permitam reportar a
situação económica e financeira do condenado e os seus encargos pessoais ao momento em que este
haja de cumprir a pena.

Exemplo: Princípio da proibição da "reformatio in pejus"  Quando se interpõe um recurso


exclusivamente em interesse da defesa, o tribunal não pode agravar no recurso a gravidade da
medida. E isto para não desincentivar o arguido a recorrer. (art. 409 CPP) Quando a pena é de
multa, o tribunal não pode alterar os dias de multa, mas pode alterar o quantitativo diário, mesmo
que no sentido do agravamento, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto
melhorado. Isto para garantir a eficácia político-criminal.

B.2.2. Âmbito de aplicação

A pena de multa tem duas vestes:


1) É uma pena principal
1) Surge como pena de multa autónoma (prevista parao sancionamento dos tipos
de crime como única espécie de pena: 2 casos - art. 268º/3/4 e 366º/2 CP);
2) Surge como pena alternativa à pena de prisão (é a forma por excelência da
previsão desta pena, surgindo em diversos tipos legais de crime).
1) 60 dias de multa, em alternativa a 6 meses de prisão. (ex: art. 216º/1
CP)

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2) 120 dias de multa, em alternativa a 1 ano de pena de prisão (ex: art.


148º/1 CP)
3) 240 dias de multa, em alternativa a 2 anos de pena de prisão (ex: art.
139º CP)
4) 360 dias de multa, em alternativa a 3 anos de pena de prisão (ex: art.
137º CP)
5) 600 dias de multa, em alternativa a 5 anos de pena de prisão (ex: art.
204º CP)
3) Com as alterações do DL nº 48/95, entre nós desapareceu a pena de multa
complementar (pena de prisão + multa), por duas razões fundamentais: a primeira é
que é reveladora de desconfiança quanto à eficácia político-criminal da pena de multa
e não tinha sentido porque a entrada na prisão alterava a situação económica do
sujeito com base na qual estava determinada a multa, deixando o condenado de estar
em condições para angariar os rendimentos necessários par apagar a multa. Esta opção
repercutiu-se também nas regras de punição do concurso, quando as penas aplicadas
aos vários crimes são de prisão e de multa. (art. 77º/3 CP)
2) É uma pena de substituição.

B.2.3. Limites

O direito penal português consagra o chamado sistema de dias multa, o que supõe a
determinação do número de dias de multa e a determinação do quantitativo diário (art. 47º/1/2 CP)
Quanto aos limites dos dias de multa (47 ºCP): em relação aos dias de multa, o limite mínimo
são 10 dias e o limite máximo são 360 dias, em regra. Excepcionalmente, logo na parte especial
temos casos em que o limite máximo vai até 600 dias (p.e. art. 204º/1, 205º CP). Em caso de concurso
de infracções, a pena de multa pode ir até aos 900 dias (art. 77º/2 CP). Quanto ás pessoas coletivas,
os limites estão no art. 90º-B/2 CP.
Quanto ao limite do quantitativo diário (art. 47º/2 CP): o limite mínimo e máximo da multa
corresponde, respectivamente, a uma quantia entre 5 e 500 euro. (Antes o limite mínimo era de 1
euro - a Prof. Doutora Maria João Antunes considera que era uma melhor opção porque há muita
gente sem capacidades económico-financeiras para pagar 5 euro e não é por via do aumento do
limite mínimo do quantitativo diário que se aumenta a eficácia politico-criminal da pena de multa.
Também o limite máximo foi aumentado significativamente, justificado pelo princípio da igualdade
do ónus e sacrifícios.) No que se refere às pessoas colectivas, temos o art. 90º-B/5 CP.
Ao estreitar os limites dentro dos quais deve ser apurado o quantitativo diário, em função da
situação económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, o art. 47º/2 CP não
permite a aplicação efectiva da pena de multa nas situações em que o condenado até poderia
suportar um quantitativo entre 1 e 5 euro. Nestas situações restará a suspensão da execução da
prisão subsidiária, nos termos do art. 49º/3 CP (que serve para que a multa não deixe de ser
aplicada ao sujeito que não a pode pagar por causas que não lhe são imputáveis), o que poderá
afectar a eficácia politico-criminal da pena de multa, além de nos remeter para a problemática do
tratamento diferenciado dos condenados em função da sua situação económica. A solução pode
também conduzir a um desvio do sistema, com tradução na fixação de um número de dias de multa
que já tenha em conta o montante global da multa.

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c. Penas de substituição aplicáveis às pessoas singulares

As penas de substituição inscrevem-se num movimento político-criminal contra a pena de


prisão, essencialmente devido aos efeitos criminógenos que lhe foi reconhecido e à crença na
ressocialização do condenado. Porém, esta evolução não oferece alternativas às penas de prisão de
longa duração e, segundo alguns, não exclui a aplicação de uma pena curta de prisão (Sharp, short,
shock) em certos casos. Este entendimento fica, na opinião de MARIA JOÃO ANTUNES abalado se a
pena de multa tiver eficácia político-criminal e se houver um catálogo amplo e diversificado de
penas de substituição, as quais poderão sempre acrescer penas acessórias em nome de exigências
preventivas.
Em Portugal, destaca-se o CP de 1982 que segue uma linha de combate à pena de prisão de
curta e média duração. A Lei 59/2007 veio também a destacar-se pela sua importância na previsão
de novas penas de substituição e o alargamento do âmbito de aplicação das já existentes. Assim
sendo, o CP tem um catálogo rico de penas de substituição, em comparação com outros
ordenamentos jurídicos. Vamos agrupar as diversas penas de substituição em 3 tipos:
1) Penas de substituição em sentido estrito ou próprio: têm um carácter não institucional ou
não detentivo, sendo cumpridas em liberdade; e pressupõem a determinação prévia da
medida da pena de prisão, sendo aplicadas e executadas em vez desta. Nesse sentido, estas
são:
a. Pena de multa (43º/1 CP) – substitui penas de prisão até 1 ano. Aplica-se o regime da
pena de multa principal na sua determinação, embora esta determinação seja
realizada autonomamente, não dependente da pena de prisão principal que
substitui. Quanto ao regime de execução, este é distinto da multa principal.
b. Pena de proibição de exercício de profissão, função ou actividades públicas ou
privadas (art. 43º/3 CP) – Só pode ser aplicada quando o crime tenha sido exercido
no exercício dessa profissão ou função e quando a pena de prisão não for superior a 3
anos.
c. Suspensão de execução da pena de prisão (art. 50º e ss. CP)- Permite substituir a pena
de prisão até 5 anos. Há 3 modalidades:
i. – Simples (suspende-se a pena de prisão, sem mais nenhuma obrigação ou
dever para o condenado – art 50º/5 CP)
ii. – Com imposição de deveres ou regras de conduta (art. 51º e 52º CP, onde a
lista é meramente indicativa)
iii. – Suspensão com regime de prova (art. 53º e 54º CP)
A suspensão da execução é equivalente ao tempo de prisão principal e, de acordo com ao rt
56º, pode ser revogada, não sendo a suspensão o mesmo que o agente ser absolvido. Os
efeitos da revogação provam esta afirmação.
d. Prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º e 59º CP) – Substitui penas
prisão até 2 anos e só pode ser aplicada com aceitação do condenado.

2) Penas de substituição privativas da liberdade ou detentivas ou em sentido impróprio:


Respondem ao requisito da determinação prévia da medida da pena de prisão, sendo
aplicadas e executadas em vez desta. Temos o exemplo do regime de permanência na
habitação (art. 44º/1/a CP), prisão por dias livres (art. 45º CP) e o regime de semi-detenção

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(art. 46º CP). Será que as penas de prisão aplicadas em medida não superior a 1 ano que
sejam executadas em regime de semidetenção e em regime de permanência na habitação,
obtido o consentimento do condenado, ainda são enquadráveis nas penas de substituição
detentivas ou se traduzem em formas de execução da pena de prisão decretada pelo juiz da
condenação, em cumprimento de opção politico-criminal, segunda a qual a privação de
liberdade deve ser a ultima ratio da politica criminal? Esta é uma questão particularmente
pertinente relativamente ao regime de permanência na habitação, que, na opinião de MJA,
será uma forma de execução da pena de prisão. (cfr. Com âmbito de aplicação da Lei
33/2010, de 2 de Setembro – art. 1º/b)

Nota: As penas de substituição da pena de prisão subdividem-se em penas em sentido próprio e


impróprio em função do carácter privativo ou não privativo da liberdade. Esta distinção
relaciona-se com o movimento de luta contra a pena de prisão, iniciado no séc. XX, no período
pós segunda guerra mundial, tendo subjacente a ideia de que a pena de prisão pode assumir
uma natureza estigmatizante e não cumprir sempre como pretendido a finalidade preventiva.
(Princípio da preferência pelas reacções criminais não detentivas - arts. 18 CRP, 70 CP para as
penas e 98 CP para as medidas de segurança). Por este motivo, a ideia inicial de criação das
penas de substituição visava obstar ao cumprimento de qualquer tempo de privação de
liberdade. Daí serem as penas não privativas da liberdade penas de substituição em sentido
puro ou próprio.

3) Admoestação: Distingue-se porque a admoestação não substitui penas de prisão, senão que
substitui apenas penas de multa fixadas em medida não superior a 240 dias, respondendo ao
requisito de determinação prévia da medida da pena de multa (principal). (Art. 60º CP)
Trata-se de uma solene advertência oral proferida pelo juiz. Além desta ter deixado de ser
uma pena de substituição em sentido próprio, está hoje esclarecido no CPP que a
admoestação é proferida após o trânsito em julgado de decisão que a aplicar, sendo
proferida de imediato (art. 60º/4 CP) apenas quando o MP, o arguido e o assistente
declararem para a ata que renunciam à interposição de recurso. Esta explicitação ao nível
processual obsta à violação do disposto no art. 29º/5 CRP – non bis in idem. Na falta daquela
norma, se fosse interposto recurso e se o tribunal alterasse a pena aplicada pelo tribunal
recorrido, haveria violação daquele receito constitucional.

A questão que hoje é político-criminalmente relevante é a de saber se algumas das penas de


substituição não poderiam ter o estatuto de penas principais. Já há alguns anos foi colocada essa
questão, propondo-se a transformação de trabalho a favor da comunidade em pena principal.
A Ministra da Justiça reuniu, recentemente, um grupo de trabalho para tratar as penas curtas
de prisão, com uma clara intenção político-criminal de diminuição dos casos de prisão por dias
livres. MARIA JOÃO ANTUNES considera curioso que agora que esta pena começou a ser aplicada,
é que há críticas à sua aplicação. Esta pena gera algumas dificuldades nomeadamente a nível
prisional, já que não estão os estabelecimentos prisionais preparados para receber os reclusos só ao
fim de semana. Também há quem diga que esta prisão por dias livres não está a correr da forma
como deveria, acabando por reunir os reclusos nesse sistema em celas com outros reclusos.

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Nota: o art 48º não é uma pena de substituição porque só se aplica a requerimento do
condenado.

d. Penas acessórias aplicáveis às pessoas singulares

Uma pena acessória é aquela pena que se aplica conjuntamente com uma pena principal ou,
em seu caso, uma pena de substituição. Para a pena acessória não se confundir com os efeitos
automáticos da pena que estão constitucionalmente proibidos no art. 30/4 CRP, é preciso que
entendamos a pena acessória verdadeiramente como uma pena: para tal, precisa de ter como
pressuposto de aplicação a culpa; é uma pena que tem finalidades preventivas (só se aplica a pena
se o juiz concluir que do ponto de vista preventivo não é suficiente a pena principal ou a pena de
substituição, podendo então aplicar a pena acessória); são determinadas em função dos critérios
gerais de determinação da pena previstos no art. 71º CP - Se é uma verdadeira pena, não é uma
pena fixa quanto à sua duração, tendo balizas temporais, não podendo o sujeito ser condenado a
uma pena acessória de maneira automática e definitiva. Tem de existir uma moldura penal
atribuída pelo legislador. Cabe ao juiz, dentro dessa moldura, em função das exigências preventivas
e da culpa do agente, determinar a duração concreta da pena. Em desvio à regra, as penas
acessórias previstas para quem cometa crime contra animais de estimação (art. 387º e 388º CP) têm
apenas limite máximo de duração.
Em matéria de execução das penas acessórias vale o disposto nos arts. 499º e 500º CPP,
devendo assinalar-se que estas disposições não abrangem todas as penas legalmente previstas –
como a pena de proibição de contacto com a vítima ou proibição de uso e porte de arma, etc…
Também vale em matéria de execução o que se dispõe especificamente em legislação extravagante,
nomeadamente art. 35º Lei nº 112/2009, art. 90º/3 da Lei 5/2006 e arts. 151º/4/5 e 159º a 162º da Lei
23/2007.
É o art. 353º CP que criminaliza o comportamento de quem violar imposições ou proibições
impostas por sentença criminal a título de pena acessória, fazendo-lhe corresponder pena de prisão
até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.
Podemos encontrar penas acessórias na parte geral do CP, na sua parte especial ou em
legislação extravagante. Relativamente às que encontramos no CP:
1) Proibição do exercício de função (art. 66º CP – é limitada no tempo, sendo que o juiz vai
determinar qual o tempo concreto da pena)
2) Suspensão do exercício de função (art. 67º CP)
3) Proibição de conduzir veículos com motor (art. 69º CP – questiona-se a sua constitucionalidade
porque parece contrariar o principio da não automaticidade dos efeitos das penas)
4) Declaração de indignidade sucessória (art. 69º-A CP)
5) Proibição de exercício de funções por crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual art.
69º-B CP)
6) Proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais. (art. 69º-C CP)

MARIA JOÃO ANTUNES critica o facto de que os arts. 69º-B, 69º-C e 152º/6 tenham vindo a
ter limites mínimos e máximos muito elevados, resvalando para o campo dos efeitos
estigmatizantes das penas.

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O art. 69-A CP - declaração de indignidade sucessória - só muito duvidosamente, pode ser


considerado uma pena acessória. Contextualizemos. Há um conjunto de razões no CC que
conduzem à declaração de indignidade sucessória (art. 2034º e 2037º CC). O CC previa que, depois
da condenação penal, fosse intentada uma acção subsequente para declarar a indignidade
sucessória da pessoa que tinha praticado o crime. O que se pretendeu com este artigo 69º-A CP foi
que a declaração de indignidade sucessória possa ser realizada no próprio processo penal, sem
prejuízo de ainda poder ser intentada acção civil para obtenção da declaração, nos termos do art.
2036º CC. Porém, este é um artigo que, do ponto de vista sistemático, devia estar no CCivil e não no
CP, porque na realidade este artigo não trata de uma pena acessória, mas de um efeito não
automático da condenação pela prática do crime nele previsto.
Os demais artigos 69-B e 69-C CP são inconstitucionais porque o legislador diz que o sujeito
que cometer certos crimes "é condenado", em vez de “pode ser condenado”; e elimina a ponderação
da concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente. Trata-se de um
efeito automático das penas pela prática destes crimes proibido pela CRP (art. 30º/4 CRP), porque
realmente estas penas não são verdadeiramente acessórias, mas são automaticamente aplicadas, ao
lado da pena principal ou de substituição. Contrariam, ainda, o principio politico-criminal de luta
contra o efeito estigmatizante das penas.
Na parte especial do CP, temos alguns exemplos de penas acessórias: Art. 152º/4 CP - penas
de proibição de contacto com a vítima, proibição do uso e porte de arma, obrigação de frequentar
programas específicos de prevenção da violência doméstica.

4. Tipos de medidas de segurança

O sistema sancionatório português é tendencialmente monista, o que não invalida a previsão de


medidas de segurança não privativas da liberdade, aplicáveis a delinquentes imputáveis e a
delinquentes inimputáveis (sempre que exista perigosidade criminal do agente), bem como a
previsão de uma medida de segurança de internamento em estabelecimento de cura, tratamento ou
segurança de delinquente inimputável em razão de anomalia psíquica.
Medidas de segurança não privativas de liberdade:
a) Interdição de actividades (art. 100º e 508º/1/4/5 CPP)
b) Cassação do título e interdição da concessão de ´titulo de condução de veículo a motor (art.
101º e 508º/2/3/5 CPP)
c) Aplicação de regras de conduta (art. 102º e 508º/6 CPP) – Gera dúvidas quanto à sua eficácia
politico-criminal e quanto à questão e saber como se verificam os pressupostos de que
depende em caso de declaração de inimputabilidade.
Para os inimputáveis, para além das 3 medidas apresentadas anteriormente, temos outra
medida de segurança não privativa da liberdade que é a suspensão da execução do internamento
(art. 98º CP).
A legislação extravagante faz acrescer outra medida de segurança não privativa de liberdade
– cassação de licença de detenção, uso e porte de armas ou de alvará, distinguindo a aplicação ao
delinquente imputável e inimputável, especificando somente quanto a este último a perigosidade
criminal, como se aos outros pudesse ser aplicada a medida de segurança sem que esta se verifique.
No art. 97º CP , determina-se que a medida de segurança de internamento de inimputável
estrangeiro pode ser substituída por expulsão do território nacional. Não é uma verdadeira medida

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

de segurança não privativa da liberdade e de substituição, senão que o que se passa é que existe um
inimputável com anomalia psíquica, que cometeu um crime, e é estrangeiro - então deve ir para o
seu país. A Itália é um dos países com maior quantidade de penas acessórias de expulsão de
condenados para o seu território de origem.

Tema 2 - Determinação da pena aplicável a pessoas singulares

1. Determinação da pena em sentido amplo

Esta operação da determinação da pena em sentido amplo pode supor três operações:
1) Ver qual a pena aplicável ao caso, isto é, qual a moldura penal correspondente àquele
delito. (Fase da determinação da moldura penal ou pena aplicável)
2) Dentro da moldura penal, o juiz verá qual a pena concreta aplicável ao caso. (Operação da
determinação da medida concreta da pena)
3) Escolha da pena. É apenas eventual porque só se verifica em certos casos, como: (1) nos
casos em que o tipo legal de crime prevê em alternativa pena de prisão e pena de multa, (2) nos
casos em que o juiz tenha decidido aplicar uma pena concreta que admita substituição (pena
aplicada de prisão não é superior a 5 anos ou a pena aplicada de multa não é superior a 240 dias),
sendo que deverá escolher qual a pena de substituição que concretamente vai aplicar ao caso. Esta
operação não tem de ocorrer cronologicamente após a segunda operação.

Estas questões colocam-se porque já ultrapassámos o período em que tínhamos penas fixas e
penas variadas e variáveis. A legislação extravagante tem previsto algumas penas fixas que são
inconstitucionais por violação do princípio constitucional da culpa, da proporcionalidade e da
igualdade. O procedimento tendente à determinação da pena pressupõe uma estreita cooperação
entre o legislador e o juiz.
O legislador é que diz quais as molduras penais aplicáveis ao crime previsto na parte
especial do CP e legislação extravagante, valorando a gravidade mínima e máxima que cada um
destes tipos de factos pode presumivelmente assumir e optando entre a pena de prisão e a pena de
multa ou entre as sanções em alternativa; É o legislador que prevê as circunstâncias modificativas
(agravantes, atenuantes); É o legislador que nos diz qual o critério de modificação da medida
concreta da pena e qual o critério da escolha da pena.
É o juiz que verifica no caso qual a moldura penal aplicável, escolhendo entre a pena de
prisão e apena de multa quando se lhe puser essa alternativa; vai determinar em concreto a pena a
que deve ser condenado o agente da prática do crime; escolher a espécie ou tipo de pena a aplicar
concretamente, sempre que o legislador tenha previsto mais do que uma; determinar, em sede de
execução de pena, aquela que é efectivamente cumprida.

Nota: Para a definição da pena que efectivamente corresponde ao crime cometido tem um papel
fundamental o juiz de execução de penas - se alguém for condenado numa pena de prisão superior
a 6 anos (p.e. Imaginemos em 12), se este indivíduo não beneficiar de liberdade condicional, ele
nunca estará na prisão 12 anos, senão que estará apenas 5/6, sendo depois obrigatoriamente posta
em liberdade condicional. Se beneficiar do regime de concessão da liberdade condicional, aos 6 anos
pode ser colocado em liberdade condicional. Ao fim de 5 anos, as penas prescrevem, por isso

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

cumpriria 11 anos de prisão. (6 + 5) Para a determinação da pena cabida ao caso, temos que
considerar a pena que efectivamente foi executada.

2. Determinação da moldura da pena (pena aplicável)

Num primeiro momento cabe ao juiz determinar a pena aplicável ao agente da prática do
crime por via da determinação do tipo legal de crime e da averiguação de circunstâncias
modificativas, o que pode envolver também a escolha entre uma pena de prisão ou uma pena de
multa, se estas duas penas principais estiverem previstas enquanto penas alternativas.

a. Determinação do tipo legal de crime

A investigação da moldura da pena tem o seu ponto de partida no tipo legal de crime
contido na parte especial do CP ou na legislação extravagante cabendo ao juiz subsumir os factos
dados como provados no processo em determinado tipo legal de crime.
Pode não ser assim tão simples porque o tipo preenchido pela conduta do agente pode não
ser um tipo fundamental, mas sim um tipo qualificado ou privilegiado, sendo que aa pena aplicável
vai variar de acordo com o tipo legal de crime efectivamente preenchido (ex: homicídio simples,
homicídio qualificado, homicídio privilegiado). Trata-se do problema da qualificação jurídica dos
factos ou sua subsunção num determinado tipo legal de crime (tal fará variar a moldura penal
aplicável), e que se deve a modificações do tipo, seja ao nível do tipo-de-ilícito seja o nível do tipo-
de-culpa.
Se a moldura penal encontrada indicar apenas o limite máximo ou o limite mínimo ou não
indicar qualquer limite, valem os limites previstos no art. 41º/1 e 47º/1 CP.

b. Circunstâncias modificativas agravantes e atenuantes

A moldura penal resultante do preenchimento de um determinado tipo de crime pode vir a


ser modificada (para mais ou para menos) por efeito das chamadas circunstâncias modificativas.
FIGUEIREDO DIAS define-as como “pressupostos ou conjuntos de pressupostos que, não dizendo
directamente respeito nem ao tipo-de-ilícito, objectivo ou subjectivo, nem ao tipo-de-culpa, nem mesmo à
punibilidade em sentido próprio, todavia contendem com a maior ou menor gravidade do crime como um todo
e relevam por isso directamente para a doutrina da determinação da pena”. No fundo, o tipo de ilícito ou
de culpa são exactamente os mesmos, mas há circunstâncias que nos levam a concluir que o facto
não deve ser tão gravemente punido como o legislador pensou; ou deve ser mais gravemente
punido do que o legislador pensou. O tipo de ilícito não se altera, mas a gravidade do crime
aumentou ou diminuiu.

As circunstâncias dividem-se em:


a) Agravantes (alteram a moldura penal, elevando-a num dos limites ou nos limites
mínimo e máximo)
b) Atenuantes (alteram a moldura penal baixando-a num dos limites ou em ambos)

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

c) Comuns ou gerais (aplicam-se qualquer que seja o crime em causa, contendo-se em


principio na parte geral do CP. Ex: 23º/2, 27º/2, 72º, 75º CP)
d) Especiais ou específicas (aplicam-se somente para certo ou certos tipos legais de crime,
estando na parte especial do CP.

Na legislação extravagante é identificável uma circunstância modificativa atenuante comum


ou geral relativamente a jovens adultos (jovens que já tenham completado os 16 anos, mas antes de
completarem os 21) que tenham cometido um facto qualificado como crime – ver art. 4º DL
nº401/82, de 23 de Setembro e Acs. STJ de 14/03/2013 e de 19/02/2015.
As atenuantes gerais podem ser de dois tipos: (qualquer que seja o tipo de circunstância
modificativa atenuante, a adequação faz-se sempre de acordo com as regras previstos no art. 73º
CP)
1) Expressamente previstas na lei: (1) comissão por omissão (art. 10º/3, CP); (2) tentativa
(art. 23º/2, CP) – o que é diferente é o valor de resultado e não o desvalor da acção; (3)
cumplicidade (art. 27º/2, CP); (4) regime dos jovens adultos – vale para os agentes que
no momento na prática do facto tenha entre 16 e 21 anos (art. 4º, DL nº 401/82, 23 de
Setembro – alteração da remissão para os arts. nos arts 72º e 83º, CP).
2) Funcionamento da cláusula geral de atenuação especial da pena (art. 72º, CP) – esta
norma refere um conjunto de circunstâncias exemplificativas que podem conduzir à
atenuação especial da pena
Circunstância modificativa agravante geral só há uma que é a reincidência (art. 75º, CP).

Saber se estamos ante um tipo de ilícito distinto ou uma circunstância modificativa é uma
questão complexa e relevante. No caso do art. 177º CP, p.e., MARIA JOÃO ANTUNES entende que
o ilícito é diferente consoante haja ou não este tipo de agressões entre vítima e agressor. Ou seja,
seria um tipo qualificado e não apenas uma circunstância modificativa.
Esta distinção não é indiferente, desde logo para determinação do prazo de prescrição do
procedimento criminal (art. 118º CP). Este prescreve em função da gravidade do crime. Sendo
assim, para efeitos de prescrição, se chegarmos à conclusão que se trata de um tipo qualificado, o
prazo de prescrição é maior, porque a pena é mais grave. Se concluirmos que se trata de uma
circunstância agravante, conta-se a pena do crime sem a circunstância modificativa para efeitos de
prescrição.

Concurso de circunstâncias modificativas


Em caso de concorrência de circunstâncias modificativas, ou só agravantes, ou só
atenuantes, ou agravantes e atenuantes, o juiz deverá fazer funcionar todas as circunstâncias
modificativas que no caso concorram.

a) Podemos, num caso concreto, ter um concurso de circunstâncias modificativas só atenuantes


ou só agravantes. Neste caso, o juiz deve fazê-las funcionar sucessivamente (mas de forma
não acumulativa), desde que cada circunstância modificativa possua um fundamento
autónomo material (art. 72º/3 CP). Vejamos um exemplo:

Concurso de circunstâncias modificativas atenuantes:

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

Um jovem adulto atua como cúmplice numa tentativa de homicídio.

Encontramos, no caso, três circunstâncias atenuantes: idade, cumplicidade, tentativa.

Imaginemos que a moldura penal do crime é de 5 a 15 anos.

Limite máximo:
Idade: 1/3 de 15 = 5, para retirar ao limite máximo. A moldura penal passa a ter como limite
máximo, 10 anos
Tentativa: 1/3 de 10 = X, para retirar ao limite máximo
Cumplicidade: 1/3 de X = Y para retirar ao limite máximo.

Limite Mínimo:
Quanto ao limite mínimo, vamos reduzir a 1/5, ou seja, considerando a idade, o limite
mínimo seria 1/5 de 5, que é 1. (Art. 73º/1/b CP).
O limite mínimo legal da pena de prisão é 1 mês, ou seja, tendo em consideração as restantes
atenuantes, será de 1 mês o limite mínimo.

b) Noutros casos podemos ter um concurso de circunstâncias atenuantes e agravantes.


O procedimento deverá ser o de fazer funcionar primeiro as agravantes e depois, relativamente
à moldura penal assim provisoriamente determinada, as atenuantes. Quando se trate de
reincidência, deverá funcionar primeiro a circunstâncias modificativa atenuante e só depois a
circunstância modificativa agravante, atendendo às especificidades do art. 76º CP. Só fazendo
actuar primeiro a atenuante podemos determinar a medida da pena independentemente da
reincidência e determinar assim se a agravação da pena se mantém nos limites legalmente
admissíveis.

Exemplo:
Alguém tenta matar e essa pessoa é reincidente.

Esta determinação da pena aplicável pode ainda comportar outro problema: quando o tipo
legal de crime é punido por pena de prisão ou pena de multa (pena alternativa). O juiz, quando está
a ver qual a pena aplicável ao crime, terá que escolher entre a pena de multa ou a pena de prisão.
Os critérios de escolha da pena são diferentes dos critérios de determinação das penas,
porém estes critérios são iguais tanto na escolha de pena principal como na escolha da pena de
substituição. Encontra-se no art. 70º CP, o princípio de preferência pelas sanções não privativas de
liberdade que é princípio meramente orientador nesta matéria. No caso concreto, tem de se ver qual
pena cumpre melhor as finalidades de prevenção geral positiva (protecção do bem jurídico) e
prevenção especial positiva (reintegração do agente), ou seja, o critério é exclusivamente o da
prevenção.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

3. Determinação concreta da pena (pena aplicada) – culpa e prevenção.

O art. 71º/1 do CP enuncia o critério da determinação da medida concreta da pena – a


determinação da medida da pena é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do
agente e das exigências de prevenção.
Qual o conceito de culpa e prevenção aqui pressuposto? Como é que a culpa e a prevenção
se relacionam? E como se relaciona a prevenção geral e a prevenção especial?
A resposta a estas questões deve ser encontrada a partir do que se dispõe no art. 40º CP – a
aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; em
caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. FIGUEIREDO DIAS refere mesmo que “o
processo de determinação da pena é (só pode ser) um puro derivado da posição tomada pelo ordenamento
jurídico-penal em matéria de sentido, limites e finalidades da aplicação das penas”.
Ora, a necessidade de cumprir as exigências da prevenção satisfaz a necessidade
comunitária de punir o crime e realizar as finalidades da pena: o requisito legal de que seja
considerada a culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do
respeito pela dignidade da pessoa do agente na prática do crime, limite as exigências de prevenção.
Quando se trata de prevenção como critério geral ou princípio regulativo da medida da pena
tem-se em vista o sentido que é dado à expressão em matéria de finalidades das penas. Prevenção
significa, prevenção geral e especial, no preciso sentido que assumem na discussão das finalidades
da punição (sentido positivo). Quando se fala de culpa, trata-se da culpa que releva quer ao nível do
princípio da culpa, quer ao nível do conceito de crime – principio unilateral da culpa.
A prevenção e a culpa devem manter-se distintas na função que cada uma desempenha na
concreta determinação da pena, sem que a distinção dos princípios regulativos da culpa e da
prevenção signifique que cada um dos diversos factores de medida da pena, deva ser imputado só a
uma ou a outra. Pelo contrário, há que aceitar a ambivalência de muitos destes factores, numa dupla
acepção:
1) Há factores que podem relevar quer para a culpa, quer para a prevenção;
2) O mesmo factor pode mesmo revelar de forma antinómica, diminuindo (atenuando) a culpa
e aumentando (agravando) as exigências de prevenção, ou vice-versa.

3.1. Relacionamento dos princípios da culpa e da prevenção e “modelo” de medida da pena.

Há, neste âmbito, várias teorias a ter em consideração:

a) Teoria do valor de posição ou de emprego


A culpa e a prevenção têm âmbitos de actuação diferentes no processo geral da determinação da
pena: na escolha da pena devem valer integralmente e apenas considerações de prevenção; na
determinação concreta da pena devem valer exclusivamente considerações de culpa.
Esta teoria elimina qualquer conflito entre culpa e prevenção e obsta a uma dupla valoração da
prevenção (na escolha e determinação concreta da pena), mas não é compatível com o que se dispõe
no art. 71º/1 CP. Por outro lado, uma pena determinada exclusivamente em função da culpa
poderia ser uma pena justa, mas não necessariamente uma pena necessária do ponto de vista da
protecção do bem jurídico em causa e da reintegração do agente na sociedade (art. 40º/1 CP)

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

b) Teoria da pena de culpa exacta


A medida da pena é fornecida pela medida da culpa, à qual corresponde uma medida exacta,
podendo as exigências preventivas ser tomadas em conta, quando muito, na parte em que relevem
dentro do conceito de culpa.
Esta teoria é de rejeitar porque a culpa não é susceptível de se traduzir em uma medida exacta e
porque não é compatível com o disposto nos arts. 71º/1, 40º/1/2 CP. Estas disposições pressupõem
uma consideração distinta entre pena e culpa. Ora, esta teoria assinala à culpa um mero papel de
limite da pena.

c) Teoria do espaço de liberdade ou da moldura da culpa (Klaus Roxin)


A medida da pena deve ser dada essencialmente através da medida da culpa (que se retira da
valoração dos factores de medida da pena), que se oferece ao aplicador como uma moldura de
culpa – como um limite máximo (pena que ainda se adequa à culpa do agente) e mínimo (pena que
se adequa à culpa do agente). Qualquer pena dentro destes limites realiza a finalidade de prevenção
geral positiva ou de integração da norma violada (a pena será sempre uma pena justa), cabendo à
prevenção especial de socialização ditar, em última instância, a pena a aplicar ao agente.
Em casos especiais, estas considerações de prevenção especial podem conduzir a uma pena inferior
ao limite mínimo da culpa, sem que, no entanto, possa ser quebrado o limite mínimo da moldura
legal, que corresponde as exigências mínimas de prevenção geral sob a forma de tutela do OJ. Veja-
se o caso em que os agentes da prática do crime não são carecidos de socialização (nestes casos a
pena não tem sentido de fazer iniciar um processo de socialização, servindo como mera advertência
do agente para que não volte a cometer crimes) - é o caso dos crimes situacionais (nestes casos a
pena tenderá a ficar no limite mínimo da moldura - em nome da prevenção geral positiva ou de
integração)).
Esta teoria:
1) Relega para segundo plano as considerações de prevenção, diferentemente do que ocorre no
art. 40º/1 CP;
2) Contraria a ideia de que a culpa é apenas pressuposto e limite da pena, relacionando-se esta
de forma unívoca;
3) Não faz relevar de forma principal as razões da prevenção geral positiva.
4) Não admite que o limite mínimo da prevenção geral possa ser superior ao mínimo da
moldura legal, em função das especificidades do caso concreto.
5) Este modelo só é compatível com o carácter unilateral do princípio da culpa - não há pena
sem culpa, nem pena superior à culpa. Se tivermos esta visão unilateral, podemos ter culpa e
não ter pena.

d) Posição do Curso. Modelo da Moldura da Prevenção.


Ora, se a finalidade da pena é a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na
sociedade, sempre que possível; e se a pena não pode ultrapassar a medida da culpa, então a
medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, sem
ultrapassar a medida da culpa, actuando os pontos de vista da prevenção especial de socialização
entre o ponto óptimo e ponto ainda comunitariamente suportável de tutela de tais bens. Este
conteúdo reconduz-se à teoria da moldura da prevenção, defendida por FIGUEIREDO DIAS e
ANABELA RODRIGUES. (ver Acs. STJ 19/02/2015 e 12/03/2015)

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

A medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, face
ao caso concreto, num sentido prospectivo de tutela das expectativas da comunidade na
manutenção da vigência da norma infringida. Um critério de necessidade da pena que não fornece,
contudo, quanto ao quantum exacto de pena. Fornece somente a medida óptima de tutela dos bens
jurídicos e das expectativas comunitárias e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente
suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função e tutela do OJ.
Ponto que não tem de coincidir com o limite mínimo da moldura penal, mas pode situar-se acima
dele.
Nesse sentido, é a prevenção geral positiva que fornece a moldura dentro da qual vão actuar
pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que, em última instância, vão
determinar a medida da pena.
Constituindo a culpa o limite inultrapassável de quaisquer considerações preventivas, fornece
esta somente o limite máximo da pena. A culpa vai dizer-nos se o limite máximo da moldura de
prevenção é compatível com a culpa do agente; se não for compatível, o limite máximo tem que
descer até à pena adequada à culpa do agente. O que é coerente com a possibilidade de dispensar o
agente de pena, não obstante da culpa deste e com o entendimento de que a pena e a culpa não se
relacionam de forma biunívoca. (ver Ac. STJ de 15/06/2013)
É a prevenção especial de socialização que determinará qual a medida concreta que deve ser
aplicada ao caso. É compatível com o nosso sistema porque a culpa só tem papel de limite da pena a
aplicar ao agente (art. 40/2 CP); Este modelo é ainda mais compatível com princípio da culpa de um
ponto de vista unilateral - a culpa é pressuposto e limite da pena (e não fundamento).
Este modelo tem uma diferença fundamental relativamente ao anterior: o limite mínimo de pena
determinado em concreto corresponde ao mínimo necessário para a protecção da OJ e paz social,
sendo dado tendo em consideração o caso concreto. Aqui nunca se pode ir abaixo do limite mínimo
da moldura na determinação da pena concreta. No modelo anterior, este limite corresponde ao
limite mínimo legal fixado pelo legislador.

3.2. Critérios de aquisição e valoração de factores de medida da pena e factores de medida da


pena.

Importa agora eleger a totalidade de circunstâncias do complexo integral do facto que


relevam para a culpa e para a prevenção, ou seja, determinar o substrato da medida da pena,
elegendo os factores de medida da pena.
No art. 71º/2 CP estão os chamados factores da medida da pena, ou seja, aquilo que o juiz
deve considerar quando está a determinar a medida concreta da pena. Manda, assim, atender a
“todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
Daqui retira-se que o substrato da medida da pena deve abarcar a categoria da punição, integrada
pelo princípio regulativo da carência punitiva.
Deste artigo retiramos ainda o princípio da proibição da dupla valoração, que determina que
o juiz não pode valorar na determinação da medida concreta da pena aquilo que fizer parte do tipo
de crime, isto é, aquilo que já foi valorado pelo legislador ao estabelecer a moldura penal do facto.
Isto sem prejuízo de a medida concreta da pena poder variar em função da intensidade ou dos
efeitos do preenchimento de um elemento típico. O próprio juiz também não pode avaliar a mesma
circunstância duas vezes (p.e. determinação da pena de multa, reincidência e concurso de crimes)

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

EXEMPLO: Veja-se o crime de ofensa à integridade física simples e o tipo qualificado de ofensa à integridade física grave.
Imaginemos que o juiz considera que se aplica o tipo qualificado por haver uma desfiguração nos termos previstos na lei.
Não pode o juiz depois, na determinação da medida concreta da pena, dizer que a pena deve ser muito grave porque se
desfigurou a pessoa. Estaria duas vezes a valorar o mesmo comportamento típico. Mas tal não obsta a que o juiz considere
a intensidade da verificação desse elemento típico - ou seja, considerar se a vítima é modelo de profissão ou não, em casos
de desfiguração; ou se o sujeito é pianista ou não, em casos de mutilação das mãos. Isto não viola o princípio da proibição
da dupla valoração.

A diferença entre estes e as circunstâncias modificativas - as circunstâncias modificativas


actuam ao nível do limite mínimo e máximo da moldura penal, já os factores de medida da pena
tem que ver com a pena concreta e não com os limites. Servem para determinar, dentro da moldura,
a pena concreta cabida ao caso.

Os factores de medida da pena que deponham a favor ou contra o agente têm de ser:
a) Identificados como relevantes para a culpa ou para a prevenção, ou ambas – neste último
caso, serão ambivalentes.
b) Cada um há-de ser pesado em função do seu concreto significado à luz daqueles
critérios, podendo ser duplamente ambivalentes, no sentido de poderem ter um peso
distinto consoante sejam considerados para efeitos de culpa ou para efeitos de
prevenção.
c) Serem reciprocamente avaliados em função da quantificação da espécie de pena que se
decidiu aplicar.

Os factores de medida da pena podem ser agrupados em vários tipos:


 Factores relativos à execução do facto (art. 71º/a/b/c/e)
 Factores relativos à personalidade do agente (art. 71º/d/f)
 Factores relativos à conduta d agente, anterior e posterior ao facto (art. 71º/e)

A conduta posterior ao facto, enquanto factor de medida da pena, relevará somente para as
exigências de prevenção (não é um factor ambivalente). A culpa do agente é algo que fica fixado no
momento da prática do crime e não pelos actos posteriores.
É por referência a este factor que deve ser valorado o comportamento processual do arguido
que deponha a seu favor. Face ao direito à não incriminação, já haverá uma proibição de valoração
do comportamento processual do arguido que se traduza no exercício do direito ao silêncio quanto
a factos que lhe tenham sido imputados e sobre o conteúdo das declarações que sobre eles prestar e
quanto aos seus antecedentes criminais. Entendendo FIGUEIREDO DIAS que se deve recusar em
via de princípio uma valoração contra o arguido do seu comportamento, dada a situação de pressão
física e (ou) espiritual a que ele, em regra, está submetido. Só assim não devendo ser quando o seu
comportamento for iniludivelmente de imputar à intenção de prejudicar o decurso normal do
processo.

4. Determinação concreta da pena de multa.


A pena de multa está legalmente consagrada segundo o sistema de dias de multa. (art. 47º
CP). Mas há vários sistemas de determinação da multa:

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

1) Sistema da soma global


a. Sob a forma de quantia a determinar entre um mínimo e um máximo fixados
na lei.  A individualização da pena não é impossível, mas conduz a resultados
insatisfatórios na medida em que a consideração da culpa e da situação
económico-financeira é feita num único acto – quando sabemos que são critérios
muito diferentes.
b. Sob a forma de multa em quantia certa fixada pela lei.  Não há procedimento
de determinação concreta da pena pois trata-se de uma pena fixa que não pode
adaptar-se à gravidade do ilícito ou da culpa, nem a condição económico-
financeira do agente. Viola, pois, os princípios da culpa, da igualdade e da
proporcionalidade e prejudica gravemente o agente de mais fraca situação
económico-financeira. (art. 13º/2 CRP e Ac. TC 124/2004 e 80/2012)
2) Sistema de dias de multa  É o único que permite a integral realização das intenções
político-criminais e dos referentes jurídico-constitucionais que convergem na aplicação
da multa, uma vez que se pressupõem dois actos autónomos de determinação da pena,
nos quais se considerem os factores relevantes para a culpa e para a prevenção e os
relevantes para a situação económico-financeira.

4.1. Determinação dos dias de multa.

Tem o juiz, primeiramente, de fixar, dentro dos limites legais, o número de dias de multa, de
acordo com os critérios estabelecidos no nº1 do art. 71º (art. 47º/1 CP), ou seja, em função da culpa
do agente e das exigências de prevenção. Utiliza-se, pois, o sistema da moldura da prevenção. Ao
tomar em consideração os factores do art. 71º/2 CP, não pode valer a alínea d), sob pena de violação
do princípio da proibição da dupla valoração.

4.2. Determinação do quantitativo diário.

Depois disso, deve o juiz fixar, dentro dos limites previstos no art. 47º/2 o quantitativo de
cada dia de multa, em função da sua situação económica e financeira do condenado e dos seus
encargos pessoais. Assim, dá-se realização ao princípio da igualdade de ónus e de sacrifícios,
promovendo a eficácia preventiva da multa. Assim, algumas notas:
1) Art 47º/2 - entre os 5 e os 500 euros, que são fixados em função da situação económica
financeira e dos seus encargos pessoais.
2) Ante o silêncio legal, devemos recorrer à totalidade dos rendimentos próprios do
condenado, qualquer que seja a sua fonte (trabalho, capital, pensões), com excepção de abonos,
subsídios eventuais, ajudas de custo e similares. Aqui destaca-se a importância do funcionamento
do sistema geral em fiscal, nomeadamente sendo bastante importante a declaração de rendimentos
do condenado.
3) Àqueles rendimentos devem ser deduzidos os gastos com impostos, contribuições para a
segurança social, prémios de seguro, com o cumprimento de deveres jurídicos de assistência ou
obrigações voluntariamente assumidas que pesem de forma duradoura sobre os rendimentos do
condenado - o que interessa é o rendimento líquido.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

4) Questão mais dúbia é saber se atendemos unicamente ao rendimento ou também ao


património. MJA entende que deve o juiz só atender ao rendimento e não ao património, porque
senão poderia obrigar o sujeito a vender respectivo. Isso não impede ao juiz de atender ao
rendimento do património.
5) Como se aplica uma pena de multa a quem não tenha rendimentos próprios? P.e
estudantes, “domésticas”. Aquilo que se entende é que ainda que a pessoa não tenha rendimentos
próprios, há sempre uma pequena parte do rendimento de que dispõem para proveito pessoal. P.e.
Mesadas, subsídios etc...
6) Temos ainda que considerar as pessoas que vivem no mínimo existencial ou abaixo do
mínimo existencial - Relativamente a este tipo de cidadãos, não podemos simplesmente dizer que
não podem ser condenados em multa porque não podem pagar (seria uma violação do art. 13º
CRP). O nosso direito entende que o juiz não pode recusar a aplicação da multa - devendo aplicar a
multa como se o sujeito a pudesse pagar, fixando o quantitativo no mínimo legal (5 euro) e
seguidamente procedendo à conversão da multa em prisão subsidiária e suspensão da execução
desta com subordinação ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não
económico ou financeiro (49º/1/3 CP - também se aplica a casos em que há superveniência na
condição do condenado).
7) Quem paga a multa de outro comete um crime de favorecimento pessoal.

4.3. Prazo e condições de pagamento.

É uma operação eventual que consiste em diferir o prazo ou as condições de pagamento da


pena de multa, nos termos e limites fixados no art. 47º/3/4/5 CP, sempre que a situação económica
e financeira do condenado o justifique e não haja prejuízo para a eficácia preventiva da sanção
imposta.
Excepcionalmente, o tribunal pode autorizar o pagamento da pena de multa dentro de um
prazo que não exceda 1 ano e permitir o pagamento em prestações, sem que a última possa ir além
dos 2 anos subsequentes à data de trânsito em julgado da condenação, em desvio da regra do art.
489º/2 CPP – o prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.
Esta execução elástica visa permitir que a pena seja cumprida, sem que esta deixe de ser uma
verdadeira pena, dotada de eficácia politico-criminal, o que justifica os limites temporais do art.
47º/3. Pode ainda verificar-se o pagamento da multa em trabalho, que é uma verdadeira forma de
execução da pena de multa e não pena de substituição. (art. 48º CP)

Nota: O Código de Processo Penal dá relevância ao momento da determinação da medida da pena.


É o chamado princípio da proibição da reformatio in pejus (art. 409º CP) – que se aplica quando o
arguido recorre; quando o MP recorre em interesse do arguido; quando ambos recorrem em
interesse exclusivo do arguido - não pode haver agravação da condenação em recurso face à
condenação em primeira instância.
Este princípio só vale, na pena de multa, no âmbito da primeira operação (dias de multa).
Não vale, pois, na segunda operação (quantitativo diário) em função da mudança da situação
económico-financeira do agente, podendo este ser alterado em sede de recurso. (Art. 409º/2 CP).

29
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 3: Casos especiais de determinação da pena aplicável às pessoas singulares

1. Reincidência.

A reincidência está prevista no art. 75º CP. A agravação da pena justifica-se por apelo a uma
maior culpa do agente, por este haver desconsiderado a solene advertência contida na condenação
anterior no sentido de não voltar a cometer crimes, sem prejuízo de se fazerem sentir também
exigências acrescidas de prevenção por haver indícios de uma maior perigosidade do agente. É uma
circunstância modificativa agravante – a única que está prevista na parte geral do CP.

1.1. Pressupostos formais e materiais.

Pressupostos formais: (art. 75º CP)


1) Comissão de crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva acima de 6 meses,
depois de ter sido condenado com sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva
superior a 6 meses por outro crime doloso.
2) O agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem
servido de suficiente advertência contra o crime.

Ou seja,

1) Ambos os crimes têm que ser dolosos (não valendo em casos de negligência ou entre um
crime doloso e um negligente)  Só relativamente a crimes que tenham sido previstos e queridos
pelo agente ganha sentido o pressuposto material dessa circunstância modificativa agravante.
2) Ambos têm que ter levado a uma condenação em pena de prisão efectiva superior a 6
meses.  A pena principal de prisão tem que ser efectiva (Tanto no crime anterior como posterior).
Exclui, portanto, os casos de condenação em pena de substituição privativa da liberdade (regime de
permanência na habitação, prisão por dias livres ou regime de semidetenção), bem como os casos
em que o tribunal a condenação se decida por uma outra forma de execução da pena de prisão, nos
termos do art. 44º CP. Estão aqui abrangidas somente as penas que tenham sido directamente
impostas, o que exclui os casos em que o agente cumpriu pena de prisão na sequência da revogação
de pena de substituição.
Uma questão que divide a doutrina é a questão de saber se há reincidência em casos de
condenação a suspensão de execução da pena de prisão, e por não ter cumprido o condenado os
requisitos impostos, dá-se a revogação da suspensão, tendo que ser cumprida a pena de prisão.
MJA entende que não se verificam os requisitos formais, porque o sujeito não é condenado em pena
de prisão efectiva, mas sim em suspensão de execução da pena de prisão.
Outra questão é a de saber se é necessário que pessoa cumpra a pena de prisão ou basta a
condenação. Não é pressuposto formal da reincidência o cumprimento da pena de prisão, ainda que
só de forma parcial. A desnecessidade deste cumprimento vai de encontro quer do fundamento da
agravação da pena na reincidência, quer do art. 75º/4 CP. Não obsta, por isso, à verificação deste
pressuposto a circunstância de, feito o desconto previsto no art. 80º/1 CP, já não haver pena de
prisão para cumprir.

30
Eduardo Figueiredo 2016/2017

3) Só há reincidência se a condenação pelo crime anterior já tiver transitado em julgado


quando o novo crime é cometido. (ver art. 75º/3 CP) Uma decisão considera-se transitada em
julgado, quando já não for passível de recurso ordinário, ou sendo passível de recurso, não cumpra
os requisitos fundamentais. É este pressuposto que nos permite distinguir a reincidência do
concurso de crimes (a decisão relativamente aos crimes ainda não transitou em julgado).
4) Não pode ter ocorrido a prescrição de reincidência, que se verifica se entre o crime
anterior e o crime agora em julgamento tenha decorrido um período superior a 5 anos. O decurso
deste tempo não permitirá o estabelecimento da conexão material entre um e outro crime, de forma
a poder ser dado como verificado o pressuposto material da reincidência.
Neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida
processual, pena ou medida de segurança privativas de liberdade. Durante a privação da liberdade
não se pode afirmar propriamente que o condenado está a respeitar a advertência contida na
condenação no sentido de que não volte a cometer crimes. O mesmo deve valer para o período em
que o condenado esteja em liberdade condicional ou em liberdade para prova. O seu tempo de
duração não deve ser computado no prazo de prescrição, na medida em que estamos perante dois
incidentes de execução. (ver Ac. TC 8/2014)

Pressuposto material:
1)_Há da parte do agente um desrespeito pela solene advertência contida na condenação
anterior. O desrespeito da condenação anterior determina a maior culpa do agente relativamente ao
facto cometido como reincidente. Tal demonstra ainda uma maior perigosidade do agente. A
censura do agente por não ter respeitado a condenação anterior exige o estabelecimento de uma
conexão íntima entre o crime anterior e o reiterado, que deva considerar-se relevante do ponto de
vista da culpa. (parte final do art. 75/1 CP) Tal pode ser analisado em função de várias
circunstâncias, como sejam o bem jurídico protegido pelas normas incriminadoras violadas, o modo
de execução do facto, os motivos do agente, etc... Assim sendo, para haver reincidência não tem de
se tratar da repetição do mesmo crime mas é imperativo que estejam em causa factos de natureza
análoga.

Assim, Maria João Antunes entende que:

Crimes Distintos Crimes Iguais


Há conexão íntima entre o Pode haver reincidência* Pode haver reincidência*
crime anterior e o reiterado
Não há conexão íntima entre o Não há reincidência Não há reincidência
crime anterior e o reiterado
*Verificados os pressupostos formais.

1.2. Operações de determinação da pena.

A análise do art. 76º/1 CP pressupõe a autonomização de quatro operações: (ver Ac. STJ 04-06-
2008; AC 11-02-2008)

31
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Exemplo:
A foi anteriormente condenado a uma pena de prisão efectiva de 2 anos.
A comete crime punível com pena de prisão de 3 - 12 anos.

1) Em primeiro lugar, o tribunal tem e proceder à determinação da pena concreta cabida ao crime
como se o agente não fosse reincidente. (Art. 70º e 71º) Trata-se de uma operação duplamente
instrumental:
1) Serve para verificar um dos pressupostos formais da reincidência do art. 75º/1 CP: só
determinando a pena concreta é que sabemos se se verifica o pressuposto formal de
condenação em pena de prisão efectiva superior a 6 meses
2) Torna possível a última operação, imposta pelo art. 76º/1/2ª parte: Só assim sabemos
qual foi a agravação da pena concreta que deve ser efectuado na quarta e última
operação.
Esta consideração dupla afasta qualquer possibilidade de violação do princípio da proibição
da dupla valoração.

Imaginemos que o juiz determina uma medida concreta de 4 anos.

Note-se que se houver suspensão da execução da pena de prisão (casos inferiores a 5anos), já não pode
ser analisada a reincidência. Vamos por isso supor que o juiz não substituiu a pena, verificando-se o requisito
formal.

2) O Tribunal vai construir a moldura penal da reincidência da seguinte maneira:


1) Limite máximo: limite máximo previsto pela lei para o crime respectivo.
2) Limite mínimo: Limite mínimo legalmente previstos para o tipo elevado de um terço,
em razão do desrespeito pela advertência contida na condenação ou condenações
anteriores.

Pena aplicável:
- Agrava-se o limite mínimo de 1/3 - ou seja, em vez de 3 ficamos com 4 anos.
- O limite máximo mantém-se inalterado - 12 anos.

3) O Tribunal determina a medida concreta da pena cabida ao facto dentro da moldura penal da
reincidência, observando os critérios gerais previstos no art. 71º CP. Dentro da moldura já
agravada o julgador vai determinar a medida concreta da pena considerando já o facto de o
agente ser reincidente, seguindo os critérios gerais de determinação da pena do art. 71º/1 CP. A
maior culpa do agente já foi considerada para a agravação da moldura e é agora novamente
valorada para a determinação da medida concreta da pena. Contudo, não se viola o princípio da
proibição da dupla valoração porque na segunda operação releva-se a existência de um
desrespeito pela solene advertência da condenação anterior; enquanto que, nesta terceira
operação, o que se valora é o grau ou intensidade desse desrespeito.

32
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Vamos supor que o juiz determinou uma pena de 7 anos.

4) Esta operação não é verdadeiramente uma operação de determinação da pena, mas antes uma
operação de limitação. O tribunal tem que comparar a medida da pena a que chegou sem entrar
em linha de conta com a reincidência – 1ª operação - com aquela que encontrou dentro da
moldura da reincidência – 3ª operação. Isto graças ao art. 76º/1/2ª parte e em nome da
proporcionalidade - entende o legislador que o passado criminoso do agente, apesar de
relevante, não deve permitir uma agravação desmesurada da pena do crime actual,
nomeadamente para evitar que a pena da condenação anterior, sendo de curta duração, pudesse
agravar desproporcionadamente a pena da condenação actual. Este é um verdadeiro limite
absoluto e externo, que pode levar a que a medida concreta da pena do reincidente fique aquém
do limite mínimo da moldura penal da reincidência*.
Esta última operação tem como consequência que, na hipótese de esta circunstância modificativa
agravante concorrer com uma atenuante, funcionar esta em primeiro lugar.*

Supondo que o juiz determina uma pena de 7 anos, a agravação da pena foi de 3 anos. Relembremos que a
agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.
Como no crime anterior tinha sido condenado numa pena de 2 anos; neste caso, não poderia ser agravada a
pena 3 anos, mas apenas 2! Ou seja, a pena concreta a aplicar tendo em conta a reincidência seria de 6 anos.

* Situação especial

Crime anterior: pena de prisão efectiva de 10 meses.


Crime actual: pena de 3 anos não substituída.

Reincidência – a moldura da pena aplicável seria de 4 a 12 anos.

A agravação do limite mínimo já ultrapassa o limite imposto pelo art. 76º/1/2ª parte. Neste caso nunca
poderíamos aplicar uma pena de 4 anos, mas apenas de 3 anos e 10 meses, de modo a que a agravação da pena
não desrespeite o montante da pena anterior. Isto é assim porque em bom rigor não se desrespeita o limite
mínimo, afirmando-se uma questão de proporcionalidade! O limite mínimo legal não é desrespeitado, mas
apenas o limite mínimo da reincidência.

* Normalmente, quando há um concurso de circunstâncias modificativas agravantes e


atenuantes, primeiro fazemos funcionar a agravante e só depois a atenuante – ora, não deve ser
assim no caso específico da reincidência.
Desde logo, a primeira operação de determinação da pena em caso de reincidência é a
determinação da pena como se o agente não fosse reincidente. Havendo, portanto um concurso,
entre reincidência e atenuantes, é óbvio que, por força disso, vamos fazer funcionar primeiro as
atenuantes, porque só assim, podemos saber qual a pena que aplicaríamos ao agente se ele não fosse
reincidente.
Nota: A reincidência fala em “prisão efectiva superior a 6 meses”, logo nunca se pode
substituir a pena por uma pena de substituição

33
Eduardo Figueiredo 2016/2017

1.3. Considerações finais.

Considerando que: (1) o limite máximo da pena aplicável ao crime permanece inalterado; (2)
que na operação de determinação concreta da pena a culpa desempenha a função de limite da pena
e; (3) que são factores de medida da pena a conduta anterior ao facto e a falta de preparação para
manter uma conduta lícita, manifestada no facto, é questionável se é estritamente necessário prever
este caso especial de determinação da pena.
É de perguntar se não se alcançaria já um quantum de pena correspondente à maior culpa
do agente reincidente através do procedimento normal de determinação concreta da pena. Em
Portugal, este instituto e sua existência não tem sido questionada, ao contrário de outros países. (Ac.
TC espanhol 150/91, de 4 de julho) Na Alemanha este instituto já não existe, invocando-se que este
pode levar a uma violação do princípio da proporcionalidade e que com ele podemos estar a cair
numa avaliação da personalidade do agente, desligada do facto concreto praticado. Ora, nem um,
nem outro argumento são pertinentes. MARIA JOÃO ANTUNES considera que o instituto passa o
teste da conformidade constitucional tal como consagrado no nosso direito.
No entanto, se nós revogássemos o art. 75º e 76º do CP, nada perderíamos, porque no fundo
a agravação da pena decorrente da reincidência decorreria já dos critérios gerais de determinação
da pena que estudámos. Nos termos do art. 71º CP, um dos factores de medida da pena e a conduta
anterior ao facto (alínea E) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no
facto (alínea F). Chegaríamos aos mesmos resultados a partir dos critérios gerais de determinação
da pena, não sendo necessário este critério especial de determinação da pena.

2. Concurso de crimes (art. 77º CP)


2.1. Pressuposto.

Pressuposto da aplicação do regime de punição do concurso de crimes é que o agente tenha


praticado mais do que um crime antes do trânsito em julgado da sentença condenatória de qualquer
um deles, segundo uma regra de equiparação do concurso ideal ao concurso real. Exige-se:
 Que o agente tenha cometido efectivamente mais do que um tipo de crime ou que
com a sua conduta tenha preenchido mais do que uma vez o mesmo tipo de crime. –
o que abrange o concurso efectivo e exclui o concurso legal (onde o que existe é uma
unidade criminosa)
 Que a prática dos crimes tenha tido lugar antes do trânsito em julgado da
condenação por qualquer deles, o que traça a fronteira entre este caso especial de
determinação da pena e reincidência3.

Assim, de acordo com o art. 30º CP, o concurso pode ser:


Concurso real ou efectivo - Quando efectivamente o agente cometeu mais do que um crime.
(Art. 30º/1 CP) O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente

3
Uma forma que temos que distinguir a reincidência do concurso de crimes é esta: só há reincidência se o crime anterior já tiver
sido condenado por sentença condenatória transitada em julgado; no concurso de crimes, a sentença condenatória quanto a cada um dos
crimes ainda não transitou em julgado.

34
Eduardo Figueiredo 2016/2017

cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do
agente.
Concurso aparente de crimes - Não é verdadeiramente um concurso. Vejamos um exemplo
com o caso do homicídio simples e do homicídio qualificado. Um sujeito que preenche os supostos
do homicídio qualificado, automaticamente também preenche os supostos do homicídio simples.
Há entre estes dois tipos legais de crime uma relação de especialidade.

Nota: Esta distinção não é tão fácil assim: Por exemplo, quando burlo alguém com um documento
falsificado, há aqui concurso de crimes, ou deve entender-se que o de burla consome o de
falsificação, uma vez que esta foi o meio necessário para produzir aquele?

O direito português, ao contrário do alemão, não distingue o concurso ideal do concurso


real.
Concurso real - se a cada crime efectivamente cometido corresponderem acções distintas.
Ou seja, mato 7 pessoas, dando um tiro a cada uma.
Concurso ideal - Ao preenchimento de vários tipos legais de crime, correspondeu uma só
acção por parte do agente. Ou seja, mato 7 pessoas, colocando uma bomba numa sala.

2.2. Possibilidades de tratamento do concurso de crimes.

Imaginemos que alguém cometeu 2 homicídios, punidos de 8 a 16 anos.

Sistema da cumulação material: determina-se a pena concreta de cada dos crimes em


concurso e aplicam-se as penas na sua totalidade, as quais são depois sucessivamente cumpridas se
tiverem a mesma natureza ou simultaneamente cumpridas se tal for materialmente possível. (P.e.
condenação a 12 anos de prisão num e 16 no outro - 28 anos no total, a cumprir sucessivamente.) Este
sistema leva a que:
1) Quanto maior seja o número de crimes e gravidade das penas, maior o risco deste sistema
levar a uma modificação real da espécie da pena, podendo transformar penas temporárias de prisão
em penas de prisão perpétua.
2) Pode levar à violação do princípio da culpa, já que custa mais o cumprimento da pena.
3) Um sistema de este tipo desconsidera a finalidade de prevenção especial de socialização,
dada a execução fraccionada das penas.

Sistema de pena única: aos crimes em concurso corresponde uma pena. Pode ser:
- De pena única unitária – Quando a punição do concurso ocorra sem considerar o
número de crimes concorrentes e independentemente da forma como poderiam combinar-se as
penas que a cada um caberiam. (Isto é, o juiz determinaria a pena cabida aos dois crimes sem considerar
especificamente a moldura que caberia a cada um e a pena que caberia a cada um.) É um sistema censurável
porque perdemos a referência ao crime concreto e a pena concreta que deve caber ao crime.
- De pena única conjunta – Sempre que as molduras penais previstas, ou as penas
concretamente determinadas, para cada um dos crimes em concurso sejam transformadas segundo
um princípio de absorção ou exasperação.

35
Eduardo Figueiredo 2016/2017

- Segundo um princípio de absorção – A punição do concurso é levada a


cabo através da pena concretamente determinada e cabida ao crime mais grave, com a consequência
de impunidade dos outros crimes de igual ou menor gravidade. (ex: para um, uma pena de 12; para o
outro de 14. Aplicar-se-ia a pena de 14 anos.)
- Segundo um princípio da exasperação – a punição do concurso ocorre em
função da moldura penal prevista para o crime mais grave, devendo a pena concreta ser agravada
por força da pluralidade de crimes, com a consequência do efeito agravante ser tanto menor quanto
maior for o número de crimes praticados pelo agente.
- Segundo um princípio de cúmulo jurídico - É o caso português - art
77º/1/2 CP.

2.3. Determinação da pena no direito vigente.


Como se determina a pena? Através do sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio
de cúmulo jurídico.

1) Determinar a pena concreta cabida a cada um dos crimes de acordo com os critérios gerais, culpa
e prevenção do art. 71º/1 CP, seguindo o procedimento norma até á operação da escolha da
pena, uma vez que é relativamente à pena conjunto que faz sentido pôr a questão da
substituição. - (P.e. 12 e 14 anos de prisão)
2) Construção da moldura penal do concurso:
Limite mínimo – mais elevadas das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (14)
Limite máximo - soma das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes (12+14 = 26
anos), sendo que o limite máximo não pode ultrapassar os 25 anos4 ou os 900 dias de multa (77º/2
CP). (Ou seja, neste caso, a moldura teria que ficar nos 25 anos.)
É nesta operação que se verifica o porquê da designação do nosso método como método do
cúmulo jurídico, na medida em que quanto ao limite máximo da moldura do concurso nunca pode
a soma das penas parcelares exceder 25 anos de prisão ou 900 dias de multa.
3) Determinação da pena única conjunta dentro da moldura do concurso. Nesta operação, o
julgador atende aos critérios gerais do 71º/1 CP, mas segundo um diferente ponto de vista: para
não violar o princípio da proibição da dupla valoração existe um critério especial previsto no art.
77º/1/2ª parte CP, segundo o qual a avaliação feita pelo julgador nesta fase não irá considerar
cada crime isoladamente mas antes a totalidade dos crimes que compõem o concurso. Assim, o
que o juiz agora procura definir é se há alguma conexão entre os factos praticados e qual o tipo
de conexão, nomeadamente se está em causa uma carreira criminosa ou antes é tão só uma
situação de pluriocasionalidade.
5) O tribunal tem o poder-dever de substituir a pena única conjunta encontrada por uma pena de
substituição, em função dos critérios gerais de escolha da pena (art. 70º CP – só as exigências de
prevenção), sem que fique prejudicada a possibilidade de impor também penas acessórias ou
medidas de segurança. (art. 77º/4 CP). Ainda que tal imposição ocorra por referência ao crime
cometido pelo agente, a necessidade de impor uma destas sanções há-de aferir-se em função da
pena única aplicada. Tal é imposto pela justificação politico-criminal das mesmas, apontando
neste sentido o art. 78º/3 CP. Deve, portanto, decidir se substitui a pena única conjunta devendo

4 Antes, o limite máximo do concurso era de 20 anos. (antes de 1995)

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

neste caso indicar por que pena de substituição em concreto ou se não substitui devendo ainda
assim nesta hipótese fundamentar a sua opção com base nos mesmo critérios. (Dever de
fundamentação negativa)
No silêncio da lei, é pertinente indagar se há determinação de uma pena única acessória
quando o agente seja condenado em mais do que uma pena deste tipo, sendo certo que tal
determinação porá questões distintas consoante as pena acessórias sejam ou não da mesma
espécie.
Se as duas penas parcelares forem de multa, a única especialidade é que a determinação dos
dias de multa é feita em relação a cada crime (art. 47º/1 CP  71º/1 CP - culpa e exigências de
prevenção de acordo com a doutrina da moldura da prevenção – 71º/2 CP, embora não possa
valer a alínea d), por via do princípio da proibição da dupla valoração); Só depois se constrói a
moldura do concurso e se procede à determinação da pena única conjunta. Depois então
devemos determinar o quantitativo diário. (47º/2 CP - 5-500 euros; situação económico-
financeira do agente no último momento processualmente possível). Não esquecer de ponderar a
operação de fixação de prazo e condições de pagamento e eventual possibilidade de substituição
pela admoestação (só para penas de multa inferiores a 240 dias.)

Situações especiais:

Como é que fazemos se um dos crimes foi punido com pena de prisão (1-5 anos) e o outro
com uma pena de multa (10 - 240 dias)? Veja o art. 77º/3 CP.
Antes da revisão de 95, abria-se um sistema de cumulação material quando se verificasse
esta situação. Existia a figura da multa cumulativa, admitindo-se que alguém pudesse ser
condenado numa pena de prisão e numa pena de multa.
Em 1995, a opção do legislador foi de acabar com a possibilidade de condenar as pessoas em
prisão e multa, pelo facto de que a determinação do quantitativo diário é realizada com base na
situação económico-financeira; ao condenar o sujeito cumulativamente em pena de prisão, alterava-
se a sua situação económico-financeira, deixando os sujeitos de poder pagar a multa.
A comissão revisora do CP de 1995, considerou que em caso de comissão de um crime
punível com pena de prisão e outro com pena de multa, determinar-se-ia uma pena única:
1) Determinação da pena concreta de cada crime (P.e. 3 anos e 120 dias de multa)
2) O juiz construía a moldura penal do concurso, convertendo os dias de multa em prisão
subsidiária nos termos do art. 49º CP. (2/3 da pena de multa - neste caso, 80 dias de
prisão subsidiária)
3) Depois prosseguia normalmente como nos casos de concurso - moldura penal de 3
anos - 3 anos e 80 dias.

É isto que significa determinar uma pena única segundo o art. 77º/3 CP.
N o entanto, AR começou a dizer-se que não era justo ver a multa convertida em prisão. Em
face dessas objecções criou-se o actual 77º/3 CP - as penas mantém a correspondente natureza.
Ou seja, o tribunal determina a pena única da forma que vimos e depois o condenado, se
quiser pagar a multa, paga a multa e ela deixa de contar para efeito de determinação da pena única
conjunta.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

Isto é uma grande vantagem para muitos condenados porque quase sempre a pena de multa
se dilui na pena de prisão.

NOTA: Atentar à questão nº4 do Caso Prático 2 – Aulas Práticas da Dra. Ana Pais. (Caso
de reincidência + concurso de crimes!)

RESUMO:
Temos dois crimes para considerar, mas há uma novidade: este arguido tem um passado criminoso. A
reincidência não se verifica relativamente a todos os crimes que compõem o concurso! Repare-se que o crime do art. 144º
só tem conexão material íntima com o art. 143º e não com o crime do art. 212º CP!
(1) Determinação da pena concreta cabida a cada caso.
C1 - art. 71º/1 CP - culpa e prevenção.  10 meses.
C2 - Reincidência:
1) Determinação da pena aplicada como se o agente não fosse reincidente.  termos gerais  8 meses - para ver
se os requisitos estão verificados ou não.
2) Construção da moldura agravada da reincidência (art. 76º/1/1ª parte) -> 1 mês e 10 dias a 3 anos.
3) Determinação da pena da reincidência. Determinação da pena dentro da moldura agravada, já considerando a
reincidência.  art. 71º/1  imaginemos 1 ano (12 meses).
4) 76º/1/2ª parte  de quanto foi a agravação? 12-8 =4 meses; qual o limite? 1 ano. Não ultrapassou o limite.
Pena parcelar para o C2 = 12 meses.
(2) Moldura do concurso - 1 ano - 1 ano e 10 meses.
(3) Pena única conjunta - critérios gerais + critério especial - 1 ano e 6 meses
(4) Eventual substituição - operação de escolha da pena - 70º CP e 40º/1 CP.

2.4. Determinação superveniente da pena do concurso por conhecimento superveniente


deste.
2.4.1. Pressupostos. (art. 78º/1/2 CP)

Muitas vezes quando um juiz está a julgar e a condenar pela prática de um crime não sabe que
há outros crimes pelos quais o agente devia estar a ser condenado e julgado, seja porque o sistema
de administração da justiça penal não funciona, seja porque não é possível – p.e. posso estar a ser
condenado num processo e ser arguido noutro caso ainda em fase de inquérito. Nestes casos, em bom rigor
devia ter sido julgado e condenado em ambos os crimes, existindo concurso superveniente de
crimes. Esta deficiência não deve reverter contra o agente da prática do crime, porque não é de
afirmar qualquer dever de colaboração com a administração da justiça penal por parte deste.5
Para ter lugar a extensão do regime de punição do concurso de crimes é necessário que o crime
de que haja só agora conhecimento tenha sido praticado antes da condenação anteriormente
proferida em 1ª instância, de tal forma que esta tê-lo-ia tomado em conta para o efeito de
determinar uma pena conjunta, se dele se tivesse tido conhecimento. Verifica-se, assim, que a
particularidade do art. 78º não é a existência do concurso, mas é antes o facto de esse concurso ser
conhecido supervenientemente.

5
Vamos rectificar o dito anteriormente - quando estamos na reincidência temos alguém que praticou um crime depois do
trânsito em julgado da sentença condenatória; em concurso não há situação transitada em julgado (concurso de crimes),
ou já existe uma decisão transitada em julgado, mas o crime foi praticado antes (concurso superveniente de crimes).

38
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Atenção!
Quando estivermos perante um segundo crime cometido entre a condenação e o trânsito em
julgado dessa condenação pelo primeiro crime coloca-se o problema de saber se este é um caso de
conhecimento superveniente do concurso. Na verdade, nunca seria um caso de reincidência porque
o segundo crime é praticado antes do trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime.
Assim, tudo está em saber qual o significado da expressão "anteriormente àquela condenação" do
art. 78º/1 CP. Será relevante o momento em que a condenação é proferida ou será relevante o
momento em que a condenação transitou em julgado? MARIA JOÃO ANTUNES defende que não
estamos perante um caso de conhecimento superveniente do concurso e que o momento relevante é
aquele em que a condenação é proferida e não o momento do seu trânsito em julgado. Para justificar
esta posição, são convocados dois argumentos:
(1)A razão de ser do próprio artigo 78º: esta norma tem em vista a correcção de uma falha na
administração da justiça penal e neste caso não há qualquer falha porque o primeiro tribunal só
podia condenar pelo crime já praticado.
(2)Se se aplicar o art. 78º a estes casos, corre-se o risco de criar um período de impunidade entre a
condenação e o trânsito em julgado.
Em jeito de conclusão, nestes casos em que o segundo crime é cometido entre a condenação e
o trânsito em julgado dessa condenação pelo primeiro crime, não se verifica nenhum caso especial
de determinação da pena, razão pela qual deve resolver-se o caso como uma situação de execução
sucessiva de penas.
Porém, em 2016, o acórdão STJ 9/2016 fixou jurisprudência em sentido contrário. Opta no
sentido de que o momento temporal relevante é o do trânsito em julgado e não da condenação em
primeira instância - "O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do
concurso superveniente de crimes é o trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos
crimes em concurso".
MARIA JOÃO ANTUNES considera que esta decisão ainda parte de resquícios do cúmulo
por arrastamento – figura que determinava que eram abrangidos na pena única, crimes cometidos já
depois de transitada em julgado a decisão que aplica essa pena. (figura que o STJ entendeu ilegal)

Por outro lado, é preciso que as condenações pelos crimes já tenham transitado em julgado,
o que pressupõe que os crimes (ambos!) já tenham sido objecto de condenações transitadas em
julgado. (art. 78º/1/2ª parte) Quanto a esta solução, é preciso considerar a alteração a esta norma
resultante da reforma de 2007 do CP. Desde então, por força do nº2 do art. 78º CP, o segundo
tribunal que verifica o conhecimento superveniente do concurso não pode de imediato determinar a
pena única conjunta. Na verdade, este segundo tribunal limita-se à determinação da pena parcelar
cabida ao crime agora conhecido. Só depois de todas as condenações nas penas parcelares
transitarem em julgado é que intervirá um terceiro tribunal para efectuar a construção da moldura
do concurso e posterior determinação da pena única conjunta.

Isso relacionado com o disposto no art. 472º CPP, é de concluir que, em caso de
conhecimento superveniente do concurso, é sempre designado dia para realização da audiência,
com o objectivo exclusivo de determinar a pena única correspondente. A determinação
superveniente da pena deixou de poder ser feita pelo tribunal que julga o crime praticado

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

anteriormente à condenação que já teve lugar, ainda que este segundo tribunal conheça a
condenação anterior já transitada em julgado.
Eliminou-se, pela lei nº 59/2007 o pressuposto de que a pena anterior não esteja cumprida,
prescrita ou extinta. Esta eliminação leva a uma extensão dos casso de determinação superveniente
da pena, sem que deva admitir-se, no entanto, uma tal determinação que a pena anterior já esteja
prescrita (122º CP) ou extinta (128º CP).
Se entendermos que o art. 78º CP não é redundante face ao art. 81º/1/2 CP, tal significará
que entrarão na determinação da pena única, as penas já cumpridas, mas não as penas entretanto
extintas (art. 57º, 43º/6, 59º/3 e 64º/1 CP) ou prescritas. MARIA JOÃO ANTUNES não vislumbra
razão para tratamento diferenciado entre as penas cumpridas e extintas, considerando, pois, que
não entram para a formação da pena única as penas que já tiverem sido cumpridas ou que já
estejam extintas ou em condições de serem declaradas extintas.
A parte final do art. 78º CP vale então para os casos em que a pena ainda esteja a ser
cumprida, sendo a parte cumprida depois descontada no cumprimento da pena única do concurso,
determinada de forma superveniente. (ver AC nº 112/2011 TC)

2.4.2. Regime.

 Se a condenação anterior tiver tido lugar por um crime singular, o tribunal, em função
desta condenação e da pena correspondente ao crime praticado antes desta, determina a
pena única conjunta;
 Se a condenação anterior tiver sido já em pena única conjunta, o tribunal anula-a e
determina uma nova pena conjunta, em função das penas parcelares concretamente
determinadas que integrem a primeira condenação e da pena constante da segunda
condenação.

Ac. 29-01-2015 STJ : “Deve entender-se que a pena conjunta do primitivo concurso não tem qualquer
efeito bloqueador da fixação de uma pena conjunta nova inferior à anterior pena conjunta pois o tribunal é
chamado a fazer uma nova valoração dos factos e da personalidade do agente, podendo concluir pela adequação
de uma pena conjunta inferior à anterior pena conjunta abstracta do concurso”.

 Em qualquer caso, a pena que já tiver sido cumprida é descontada no cumprimento


da pena única agora aplicada.
 Se à condenação anterior, que tenha tido lugar pela prática de crime singular ou de
crimes em concurso, corresponder uma pena de substituição, deverá ser determinada
uma pena única conjunta, a partir da pena de prisão substituída ou das penas
parcelares de prisão que integram a primeira condenação. (AC STJ 21-03-2013; 04-03-
2015, 12-03-2015) O tribunal substituirá ou não a pena única conjunta encontrada, em
função dos critérios gerais de escolha da pena (art. 70º CP), procedendo depois ao
desconto da pena anterior (art. 78º/1, parte final e art. 81º/1/2 CP).

Vejamos um caso:

CRIME A: prisão de 3. (Substituída por suspensão de execução da pena)

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

CRIME B: (crime praticado antes do trânsito em julgado da decisão do crime A) prisão de 12 anos.

Os dois já transitaram em julgado  Caso de concurso superveniente em que temos uma pena de substituição
não privativa de liberdade e uma pena de prisão.

Ora, o juiz quando suspendeu a pena de prisão não sabia deste crime; se ele soubesse não havia suspensão
porque os limites seriam 12-15, já não podendo haver suspensão. Devemos revogar a suspensão?
MARIA JOÃO ANTUNES considera que devemos revogar a suspensão e determinar a pena única do
concurso, como o juiz faria se o pudesse ter feito no tempo devido, embora também se proceda ao desconto do
período já cumprido na execução da suspensão.
Nuno Brandão tem opinião contrária.

Isto não é assim, se já tiver ocorrido o período da suspensão. Nestes casos, não se recupera essa pena.
Só vale para as situações em que ainda está em execução da pena anterior.

2.5. Punição do crime continuado.

Falamos de crime continuado em casos de concurso verdadeiro ou efectivo de crimes que são
tratados como se houvesse um só crime. Desde logo, não se pode confundir esta figura com o crime
permanente.
ex: A é caixa num banco e tem uma situação financeira difícil. Então, retira da caixa do banco o
dinheiro preciso para pagar o empréstimo e mal recebe o ordenado repunha. Passados dois meses acontece o
mesmo. Aqui há vários crimes. Vamos punir cada um deles como concurso ou vamos dizer que há crime
continuado, ou seja, alguém que preencheu várias vezes o mesmo tipo legal de crime e foi feito de forma
homogénea e no quadro da mesma situação exterior? Nestas situações, há vezes em que há um dolo conjunto,
outras vezes o dolo nem sequer é conjunto, mas sim continuado, porque é com o circunstancialismo concreto
que se renova a intenção criminosa.

Está previsto no art. 79º CP, sendo uma expressão do princípio da exasperação: o tribunal
determina a medida concreta da pena do crime continuado dentro da moldura penal mais grave
cabida aos diversos crimes que integram a continuação, valorando dentro dessa moldura a
pluralidade dos actos praticados.
O art. 79º/2 CP permite, contra o trânsito em julgado da decisão, uma nova determinação da
pena do crime continuado a partir de uma moldura penal mais grave. Hipótese em que a pena
anteriormente imposta é descontada na pena que a substitui, na medida em que já tiver sido
cumprida. (art. 81º CP)
Esta solução seria óbvia se não envolvesse a problemática do objecto do processo e do
correspondente efeito de vinculação temática do tribunal, no que se refere ao princípio da
consunção, na medida em que o efeito do caso julgado deixa de se estender a todos os factos que
integram a continuação criminosa. Estende-se apenas aos factos aos quais não corresponda uma
moldura penal mais grave, factos que o legislador considerou irrelevantes para o efeito de
determinar uma nova pena do crime continuado dentro da moldura penal já encontrada.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

Atendendo ao procedimento de determinação da pena em caso de concurso de crimes, é de


duvidar que tenha justificação a autonomização da punição do crime continuado, segundo um
princípio de exasperação.
 O limite máximo da pena do concurso corresponde à soma das penas concretamente
aplicadas aos vários crimes, repercutindo-se aí a menor culpa do agente;
 A pena única é determinada considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do
agente, o que aponta para a consideração dos pressupostos que justificam a hipótese de
unidade jurídica criminosa consagrada no art. 30º/2 CP. No limite, esta questão
contenderá com a necessidade de autonomizar a figura do crime continuado de um
ponto de vista dogmático e político-criminal, o que não dispensa uma discussão do
ponto de vista processual penal.

Nota: Referem-se sempre, como crimes continuados, crimes de natureza patrimonial. Ora, até 2007
entendia a doutrina e jurisprudência que a figura do crime continuado não valia quando os bens
jurídicos fossem pessoais, excepto se a vítima fosse a mesma. Em 2007, este critério doutrinal foi
colocado no art. 30º/2 CP.
Houve quem defendesse que o resultado era chocante quanto aos crimes continuados de
agressão sexual de menores, que, sendo crimes continuados (porque a vítima era a mesma), eram
menos penados. A verdade, porém, é que o STJ sempre foi criterioso ao usar o instituto do crime
continuado e, considerou, desde o início, que se num contexto familiar um adulto abusa
sexualmente um menor duas vezes, nesses casos não há diminuição da culpa, mas sim um aumento
da culpa. Por isso acrescentou-se o art. 30º/3, que determina que o crime continuado não pode valer
quando o bem jurídico seja eminentemente pessoal.
MARIA JOÃO ANTUNES considera que se calhar não era necessária a previsão específica
da punição do crime continuado. Isto porque o crime continuado se justifica pela menor culpa do
agente - ora, relativamente a cada um dos crimes que integra a continuação criminosa, seria sempre
possível considerar a menor culpa do agente, sendo menor a pena relativamente a cada um dos
crimes, repercutindo-se na moldura penal do concurso. De acordo com o art 77º e 71º CP
poderíamos chegar à mesma pena, mesmo sem o art 79º CP.

3. Desconto.

Está previsto no art. 80º, 81º e 82º CP, justificando-se por imperativos de justiça material, ainda
que com eventuais prejuízos para a prossecução das finalidades preventivas das sanções, o que nem
sempre é devidamente ponderado como se justificaria que fosse no momento de sujeitar o arguido a
prisão preventiva (Quando está em prisão preventiva, o sujeito presume-se inocente, logo não se
iniciará um programa de ressocialização nesse período que depois será descontado.) ou a obrigação
de permanência na habitação (coloca problema do ponto de vista da prevenção geral, porque para a
comunidade jurídica não é o mesmo estar preso preventivamente ou em cumprimento da obrigação
de permanência na habitação).
Para além do mais, a questão de, procedido o desconto, ficamos sem pena para aplicar, pode
levar a uma distorção do sistema - aplicando o juiz uma pena mais grave para, feito o desconto,
ainda exista pena para descontar.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

A justificação abrange as privações da liberdade de natureza processual que o agente tenha


sofrido, as quais devem ser descontadas na pena em que o agente venha a ser condenado, bem
como a pena imposta por decisão transitada em julgado, a qual deve ser descontada na pena que
posteriormente a substitua.

3.1. Medidas processuais.

Está prevista no art. 80º CP. Com este limite, o desconto das medidas processuais nas penas em
que o agente venha a ser efectivamente condenado tem lugar ainda que estas medidas tenham sido
aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado. E deve ser ordenado sem
aguardar que, no processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas, seja proferida decisão
final ou esta se torne definitiva. (Ac. STJ 9/2011)
Este desconto do art. 80º/1CP só opera relativamente a penas de prisão em que o arguido seja
condenado, quando o facto que originou a condenação tenha sido praticado anteriormente à decisão
final do processo no qual a medida da prisão preventiva foi aplicada. (ac. TC 218/2012)
Se a medida processual – detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na
habitação – for descontada da pena de prisão, o desconto é feito por inteiro; quando o desconto é
feito numa pena de multa, é feito à razão de um dia de privação de liberdade por, pelo menos, 1 dia
de multa. (art. 80º/2 CP) Este desconto também se verifica em caso de condenação em medida de
segurança de internamento de inimputável por anomalia psíquica, prevista no art. 91º/2 CP,
aplicando-se por analogia o disposto no art. 80º/1 CP.
As medidas processuais devem ainda ser descontadas nas penas de substituição que venham a
ser impostas, por inteiro ou fazendo o desconto que parecer equitativo, consoante os casos.
Ex1: suspensão de execução da pena de prisão  desconto é feito por inteiro (art. 50º/5 CP)
Ex2: proibição de exercício de profissão  equitativamente (art. 43º/3 CP)

Quando é que tem lugar o desconto?


A lei afasta, referindo-se ao desconto de medidas processuais no cumprimento de pena de
prisão, que seja feito o desconto na pena principal antes de ter lugar a operação de escolha da pena,
bem como afasta a possibilidade de esta operação se tornar possível só porque teve lugar o
desconto.
Veja-se ainda o caso em que o sujeito é condenado a pena de prisão de 6 anos, tendo estado
anteriormente preso preventivamente durante 3 anos. O desconto determina que cumprirá 3 anos
de pena de prisão. Então, depois do desconto, ainda pode o juiz substituir a pena de prisão?
MARIA JOÃO ANTUNES entende que não, porque o desconto só tem lugar depois do juiz ter
chegado à pena final e isso obsta a que o juiz equacione, num caso destes, a substituição da pena
após o desconto. E por isso é que umas vezes o desconto é feito na pena de prisão, ou na pena de
multa, ou ainda na pena de substituição eventualmente aplicada.

3.2. Pena anterior.

Está previsto no art. 81º/1 CP. Esta situação é admissível nos seguintes casos:
- Conhecimento superveniente do concurso

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

- Conhecimento superveniente de uma conduta mais grave que integre continuação


criminosa.
- Revisão de sentença - se na sequência de um processo de revisão se vier a chegar a uma
nova pena, desconta-se na nova pena a pena que o agente já tenha eventualmente cumprido. (art.
499º e ss. CPP)
- Reabertura de audiência para aplicação retroactiva de lei penal mais favorável (art. 2º/4 CP
e 371º-A CPP): se sair uma lei nova mais favorável, se se aplicar ao agente uma pena de acordo com
essa lei, é óbvio que nessa pena será descontado o tempo que já cumpriu de pena determinada ao
abrigo da lei anterior (velha).

Quanto ao regime do desconto - art 81º/2 CP - é feito:


- Pena anterior é descontada numa nova pena da mesma natureza - desconto por inteiro.
- Pena anterior é descontada numa nova pena de diferente natureza - o desconto que parecer
equitativo.

O desconto que parecer equitativo tem que ser determinado em função das finalidades das
penas – tutela dos bens jurídicos e reintegração do agente a sociedade. (art. 40º/1 CP). O tribunal
determinará o quantum da nova pena que se torna indispensável aplicar, tendo em atenção o
quantum de pena já anteriormente cumprido.

4. Atenuação especial da pena. (art. 72º/1 CP)


4.1. Justificação politico-criminal.

Admitindo que os casos expressamente previstos na lei não sejam suficientes para evitar a
determinação de uma pena superior à que seria permitida pela culpa e imposta pelas exigências de
prevenção, o legislador formulou no art. 72º uma cláusula geral de atenuação especial da pena, de
aplicação excepcional e subsidiária.
Este critério legal determina o critério de atenuação especial da pena para aqueles casos
expressamente previstos na lei, mas que dependem ainda de uma valoração autónoma do julgador.
(p.e. art. 10º/2 e 33º/1 CP). Diferentemente daqueles casos, como a tentativa e cumplicidade (art. 23º
e 27º CP), em que a pena é obrigatoriamente atenuada.
O regime a que a atenuação deve sujeitar-se é regulado no art. 73º CP. O nº2 prev~e uma lista
não taxativa das circunstâncias a ter em consideração.

4.2. Termos da atenuação.

Tratando-se da pena de prisão, o limite máximo é reduzido de um terço, dependendo a redução


do limite mínimo do montante deste: se for igual ou superior a 3 anos é reduzido a um quinto; se
for inferior a 3 anos, é reduzido ao mínimo legal de 1 mês. (art. 73º/1/a/b CP)
Tratando-se de uma pena de multa, o limite máximo é reduzido de um terço e o limite mínimo
reduzido ao limite legal de 10 dias (art. 73º/1/c CP).
Se o limite máximo da pena de prisão não for superior a 3 anos, pode ser substituída por
pena de multa nos termos gerais do art. 47º CP, o que deve ser equacionado á luz do critério de

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

escolha da pena do art. 70º CP. A pena de multa surgirá na veste de pena alternativa, ainda no
âmbito da primeira operação de determinação da pena.
A pena que for concretamente determinada dentro da moldura penal especialmente
atenuada, em função dos critérios da culpa e da prevenção e com observância do principio da
proibição da dupla valoração, pode ainda vir a ser substituída nos termos gerais. (art. 73º/2 e 70º
CP). Tratando-se de uma pena de substituição igual às restantes, não é compreensível que na parte
final do 73º/2 se especifique a suspensão.

5. Dispensa da pena. (art. 74º/1 CP)


5.1. Justificação político-criminal.

O tribunal declara o arguido culpado, mas dispensa-o de pena. Há da parte do arguido um


comportamento típico, ilícito, culposo (e punível) que, no entanto, não determina a aplicação de
uma qualquer pena, em virtude do carácter bagatelar daquele comportamento e da circunstância de
a pena não ser necessária, perante as finalidades que deveria cumprir. Trata-se de um caso especial
de atenuação da pena, em que a sentença que a decreta é uma sentença condenatória – entra no
registo criminal do agente. (art. 375º/3 e 521º CPP)

5.2. Pressupostos.

A dispensa de pena depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:


1) Quando o crime for punível com pena de prisão não superior a 6 meses ou multa não superior
a 120 dias;
2) A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas;
3) O dano tiver sido reparado, ou esteja em vias de reparação, caso o juiz adiar a sentença para
reapreciação do caso dentro de um ano. (nº2)
4) À dispensa de pena se não opuserem razões de prevenção.

Estes requisitos têm de ser observados quando uma outra norma admitir, com carácter
facultativo, a dispensa de pena (art. 74º/3 – é o exemplo dos arts. 143º/3, 148º/2, 186º, 286º CP)

5.3. Relevo Dogmático.

De acordo com o art 40º, a pena tem como finalidade a protecção de bens jurídicos e, sendo
possível, a reintegração do agente na sociedade. Só devemos, portanto, aplicar uma pena se for
necessária do ponto de vista da prevenção geral e da prevenção especial. Entre nós, a culpa não é
fundamento, mas só pressuposto e limite da pena - carácter unilateral ou unívoco do princípio da
culpa (não há pena sem culpa ou superior à culpa, mas pode haver culpa sem haver pena).
Por outro lado, esta é uma outra concretização do princípio político-criminal da necessidade
da intervenção penal, por via da previsão do arquivamento do processo sem caso de dispensa de
pena. (art. 280º e 283º CPP) O MP, contra o princípio da legalidade, pode proceder ao arquivamento
do processo porque será um caso que provavelmente conduziria à aplicação da dispensa de pena
numa fase de julgamento.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 4 – Escolha da pena e penas de substituição

A determinação da pena (sem sentido amplo) completa-se com a operação eventual de


escolha da pena, o que abrange quer a hipótese de a escolha ocorrer logo ao nível da determinação
da pena aplicável, quer os casos em que esta tem lugar já depois da determinação concreta da pena.

1. Critério de escolha e hierarquia das penas de substituição.

Podemos identificar, após 1995, um critério geral de escolha da pena a partir dos arts. 70º, 45º/1,
50º/1, 58º/1 e 60º/2 CP, segundo o qual o tribunal dá preferência à pena não privativa da liberdade,
verificados os pressupostos formas de aplicação desta pena, sempre esta realize de forma adequada
e suficiente as finalidades de punição – prevenção geral e especial positiva. (40º/1/2 CP)
Muito embora, o art. 43º/1 aponte apenas para um critério preventivo-especial deve entender-
se que o critério da substituição por multa é o critério geral fixado no art. 70º CP. A falta de
rendimentos do condenado é que não pode ser critério da não substituição da pena de pena de
prisão por pena de multa. Neste âmbito, aplica-se o art. 49º/3 CP.
São finalidades exclusivamente preventivas que justificam e impõem a preferência por uma
pena não privativa da liberdade (alternativa ou de substituição). Não é, por conseguinte, uma
finalidade de compensação da culpa – que, sendo limite, só desempenha funções ao nível da
determinação da medida concreta da pena principal ou da pena de substituição. (art. 71º/1 CP)
Sem prejuízo de a finalidade preventiva primordial ser a protecção de bens jurídicos,
actuando a defesa da ordem jurídica e da paz social como limite à actuação das exigências de
prevenção especial. Pelo que, em caso de conflito, prevalecerá o conteúdo mínimo da prevenção
geral positiva. Ainda que compatível com a reintegração do agente na sociedade, o tribunal não
dará preferência à pena não privativa de liberdade, se esta não realizar de forma adequada e
suficiente a finalidade de protecção do bem jurídico violado na prática do crime. Mas já actuarão as
exigências de prevenção especial para efeitos de escolha da pena de substituição mais adequada –
deve escolher-se a que melhor satisfizer a reintegração do agente na sociedade.
O critério de escolha da pena vale quer na terceira operação de determinação da pena, como
na primeira operação, quando o crime é punido com pena de prisão ou com pena de multa
(alternativa). Trata-se de existir um poder-dever ao tribunal de fundamentar também
negativamente a decisão sempre que não aplique a pena não privativa da liberdade, dado
preferência à pena privativa de liberdade. Nesse caso, deve fundamentar a decisão positivamente
(porque a aplicou); e negativamente (o juiz deve explicar porque, havendo possibilidade de aplicar
uma pena alternativa à de prisão, ele não a aplicou). Quando não há fundamentação negativa nestes
termos, a decisão corre o risco de ser inconstitucional.

São, porém, distintos os critérios que conduzem à preferência pela pena de multa principal e
os que levam à escolha da pena de multa de substituição. No primeiro caso, o critério é o da
conveniência ou da maior ou menor adequação da pena, enquanto que no segundo critério é o da
necessidade da pena. Assim compreendendo que o tribunal possa, numa primeira operação,
escolher a pena de prisão e acabe por escolher a pena de multa de substituição posteriormente.
Para além disso, a pena de prisão, em detrimento da multa alternativa, pode revelar-se mais
vantajoso do ponto de vista preventivo-especial, uma vez que fazendo esta opção otribunal poderá

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ter depois, em sede se substituição da pena de prisão não superir a 5 anos, um leque alargado de
penas não privativas da liberdade.
Por outro lado, é distinto o regime de execução da pena de multa principal alternativa e da
pena de multa de substituição:
 A prisão subsidiária corresponde aos dias de multa reduzidos a dois terços (art. 49º/1 CP),
enquanto a multa de substituição não paga corresponde ao cumprimento da pena de prisão
aplicada na sentença (art. 43º/2 CP).
 O condenado pode a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária (art. 49º/2 CP e
491º-A CPP), mas já não a execução da pena de prisão aplicada na sentença.
 A multa parcialmente paga repercute-se no tempo de prisão subsidiária (art. 49º/2 CP), mas
já não na pena de prisão aplicada na sentença.
 O condenado que cumpra prisão subsidiária não pode ser libertado condicionalmente, mas
já o pode ser o condenado que cumpra a pena de prisão que intentou substituir por pena de
multa.

Penas de substituição existentes no nosso Direito:


1) Art. 43º/1 - Pena de multa (substitui pena de prisão até 1 ano)
2) Art. 43º/3 - Proibição do exercício de profissão, função ou actividade pública ou privada.
(substitui penas de prisão até 3 anos)
3) Art. 44º - Regime de permanência na habitação (substitui penas de prisão até 1 ano)
- Prevê um regime de permanência na habitação como pena de substituição (alínea a) e
depois prevê isso como forma de execução da pena de prisão
4) Art. 45º - Prisão por dias livres (substitui penas de prisão até 1 ano)
5) Art. 46º - Regime de semi-detenção (substitui penas de prisão até 1 ano)
6) Art 50º e ss. - Suspensão de execução da pena de prisão (substitui penas de prisão até 5 anos)
- 3 modalidades:
1) Suspensão de execução da pena de prisão pura e simples - condena o agente nesta
pena sem mais. (Art. 50º CP)
2) Suspensão da execução da pena de prisão com imposição de deveres e/ou regras
de conduta (art. 51º e 52º CP)
3) Suspensão de execução da pena de prisão com regime de prova. (Art. 53º CP). É
obrigatória quando os condenados tenham, no momento da prática do crime, menos de 21 anos de
idade ou quando estivermos perante crimes sexuais como os previstos no art 173º, 176º CP e a
vítima seja menor.
7) Art. 58º CP - Prestação de trabalho a favor da comunidade (substitui penas de prisão até 2 anos)
8) Art. 60º CP – Admoestação – pena de substituição da pena de multa alternativa.

Há alguma hierarquia legal entre penas de substituição?


- Desde logo, o critério de escolha será o seguinte: aquela que melhor satisfizer as exigências
de prevenção especial ou de socialização.
-Este critério é coadjuvado por uma certa hierarquia legal entre as penas de substituição: o
juiz deve preferir as penas de substituição não privativas da liberdade. (Tal decorre do art. 43º CP).

Dentro das penas privativas, também há uma hierarquia: (art. 18º/2 CRP)

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1) Regime de permanência na habitação;


2) Prisão por dias-livres;
3) Regime de semidetenção.

2. Regime das penas de substituição.

A medida concreta da pena de substituição é determinada de forma autónoma, a partir dos


critérios do art. 71º CP. Não há qualquer correspondência automática entre o tempo de prisão ou os
dias de multa e a medida da pena que a substitui. Isto decorre do art. 43º/1/2ª parte, 43º/3, 45º/2 e
60º CP.
Contrariando o regime imposto em 1995, o AC. STJ 8/2013 veio determinar que a pena de multa
que resulte da substituição a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano, deve ser
fixada de acordo com os critérios estabelecidos no art. 71º/1 e não necessariamente por tempo por
tempo proporcional ou igual ao estabelecido para a prisão substituída. Assim, a moldura é dada
para os dias de multa no art. 47º/1 e os critérios de escolha são os do art. 71º/1; para a quantia,
aplicamos o art. 47º/2.
Com as reformas de 2007, passámos porém a deixar de afirmar a regra de determinação, de
forma autónoma, da medida concreta da pena de substituição, a partir dos critérios estabelecidos no
art. 71º CP. A suspensão da execução da pena de prisão e a prestação de trabalho a favor da
comunidade passaram a ter a duração que resultar da regra da correspondência legalmente
estabelecida. (art. 50º/5 e 58º/3 CP)
Não se entende a razão de ser deste regime diferenciado. Além de poder significar uma quebra
na autonomia das penas se substituição, a derrogação da regra de determinação autónoma da
medida concreta destas penas potencia um indesejável “desvio do sistema”: em alternativa à não
aplicação da pena de substituição, determina-se a medida concreta da pena principal já em função
da duração adequada daquela pena, com consequências indesejáveis em caso de revogação da pena
de substituição.
Dadas as suas especificidades, já é aceitável que a duração do regime de permanência na
habitação e do regime da semidetenção correspondam à duração da pena de prisão cuja aplicação e
execução substituem.

Outra nota característica do regime das penas de substituição é a do cumprimento da pena de


prisão determinada na sentença como consequência do seu incumprimento. (art. 43º/2 e 56º/2 CP)
Porém, com as alterações introduzidas em 2007 ao CP deixou de se poder afirmar a regra do
cumprimento da pena de prisão determinada na sentença como consequência do incumprimento
das penas de substituição, sem que se entenda a razão de ser de um regime diferenciado. A
revogação da pena de proibição do exercício de profissão, função ou actividade e a revogação a
pena de prestação de trabalho a favor da comunidade levam ao cumprimento da pena de prisão
que pretendiam substituir, descontado o tempo da proibição já cumprido (art. 43º/7/8 CP) ou os
dias de trabalho já prestados (art. 59º/4 CP).
Dadas as especificidades do regime de permanência na habitação, em caso de revogação é
cumprida a pena de prisão fixada na sentença, descontando-se por inteiro a pena já cumprida em
regime de permanência na habitação. (art. 44º/4 CP) Dadas as especificidades do regime de prisão

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

por dias livres e semidetenção, a pena de prisão passa a ser cumprida em regime contínuo pelo
tempo que faltar. (art. 125º/4 CE)
Relativamente ao incumprimento das penas de substituição aplicadas em processo sumaríssimo
(art. 393º a 398º CPP), há que atentar ao art. 353º CP. É de aplaudir que a lacuna existente até aqui
tenha sido colmatada pela lei, apesar de que, por um lado, tenha representado um entorse
injustificado à regra de que o incumprimento da pena de substituição determina o cumprimento da
pena principal; e trata-se de uma criminalização totalmente injustificada quando se aplique em
processo sumaríssimo pena de multa principal, considerando o que dispõem no art. 49º.

Na opinião de Maria João Antunes, no que toca às penas de substituição detentivas, aí pode
perceber-se porque é que o legislador procede ao desconto. Estas penas de substituição privativas
de liberdade, no fundo acabam por ser formas de cumprimento da pena de prisão. Porém, no que
toca às penas de substituição não detentivas - como a suspensão da execução da pena - muitos
problemas práticos da sua aplicação surgem porque há doutrina que não a considera uma pena de
substituição, mas sim uma suspensão da execução da pena (pena de prisão suspensa na sua
execução). Esta é uma forma errada de a ver. O Ac. STJ 13/2016 de fixação da jurisprudência, veio
fixar que "para efeitos da lei de identificação criminal, a suspensão de execução da pena de prisão é
uma pena não privativa da liberdade".

EXCURSO: Porque é que o juiz, na primeira operação de escolha da pena, pode optar por pena de
prisão em detrimento de pena de multa principal, e depois na 2ª operação de escolha da pena
pode optar por substituir a pena de prisão por pena de multa de substituição?

Nos casos em que o juiz opte por pena principal de prisão em detrimento da pena principal
de multa pode suceder que após a determinação dessa pena de prisão a mesma admita substituição,
o que exige a realização de uma nova operação de escolha da pena desta vez destinada à escolha da
pena de substituição. O critério de escolha será o mesmo, ou seja, exigências da prevenção (art. 70º
CP e 40º/1 CP). Contudo, o juízo que se faz nesta última operação de escolha é muito mais exigente
do que o que está pressuposto na primeira operação. Na primeira operação está em causa o critério
de conveniência e /ou de maior ou menor adequação. Já na última operação o que está em causa é
um critério de necessidade: o juiz tem que mostrar que a aplicação da pena de prisão é necessária
para que naquele caso se cumpram as exigências da prevenção. Além disso, a escolha da pena de
prisão, na primeira operação, oferece ao juiz uma possibilidade mais ampla de escolha da pena de
substituição, uma vez que há várias penas de substituição da pena de prisão e só uma pena de
substituição da pena de multa.

Tema 5 – Execução das penas principais aplicáveis ás pessoas singulares.

1. Execução da pena de prisão.

Determinada a pena de prisão que o agente da prática do crime vai cumprir, segue-se a fase da
execução, que é determinante para apurar o tempo em que o condenado vai efectivamente ficar
privado de liberdade, nomeadamente por via do instituto da liberdade condicional.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

Em caso de pena relativamente indeterminada é já mesmo em fase de execução que é


determinado o tempo da duração da pena de prisão. O tribunal competente para a execução é o
Tribunal de Execução de Penas (art. 470º/1 e 477º CPP e 138º CEP)

1.1. Legislação.

O art. 42º CP remete para legislação própria, na qual se incluem:


1) Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela lei
115/2009.
a. Estabelece que só as penas e medidas de segurança privativas da liberdade é que
são executadas sobre a tutela do tribunal de execução de penas (Porto, Lisboa e
Évora); a execução de todas as outras penas é acompanhada pelo tribunal de
condenação.)
2) Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais, aprovado pelo decreto-lei nº
51/2011.
3) Art. 30º/5 CRP
4) Arts. 467º a 470º, 473º a 475º e 477º a 479º CPP

1.2. Prazos.

O art. 41º/4 CP remete para os critérios de contagem do CPP e, na sua falta, para o art. 279º
CC. O CPP dispõe, no seu art. 479º a maneira como é contado o tempo de prisão, consoante esta seja
fixada em anos, em meses ou em dias, estabelecendo o art. 24º CEP as regras sobre o momento da
libertação.
Relativamente ao mandado de libertação, prevê-se agora no art. 23º/3 CEP que, quando
considerar que a libertação do recluso pode criar perigo para o ofendido, o tribunal informa-o da
data da libertação e reporta tal libertação à entidade policial da área de residência do ofendido. (ver
art. 114º/3/t LOSJ). Esta norma significa a admissão da vigilância policial, fundada num juízo de
perigo para o ofendido da prática do crime, que não é enquadrável do ponto de vista dogmático,
arrastando consigo várias questões quanto à sua legitimidade – trata-se de um direito policial ou
securitário.

1.3. Finalidades e opções político-criminais fundamentais.

Em matéria de execução da pena de prisão, o art. 42º CP e 2º CEP dizem quais são as
finalidades de execução da pena de prisão - reinserção do agente na sociedade, protecção de bens
jurídicos e defesa da sociedade.
O que se evidencia nestas disposições legais é a finalidade preventivo-especial de
ressocialização do agente na sociedade, sem prejuízo de a execução da pena de prisão dever
satisfazer também exigências de prevenção geral positiva, em sintonia com o disposto no art. 40º
CP. E afirme-se relativamente àquela finalidade, por mais paradoxal que seja, que o objectivo
primeiro da execução da pena é a não-dessocialização do recluso, o tem duas implicações
fundamentais:

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

1) O condenado mantém a titularidade de DLG’s, ressalvadas as limitações inerentes ao


sentido da condenação e às exigências da respectiva execução. (art. 30º,/5 CRP, artº
3/2/6/7 CEP)
2) A redução ao mínimo dos efeitos criminógenos que estão ligados à reclusão,
aproximando as condições de vida numa prisão das que caracterizam a vida em
liberdade. (art. 3º/5 e 7º/1/d/i, 30º/1 e 59º/3 CEP)

São detectáveis três opções político-criminais fundamentais em matéria de execução da pena


de prisão:
1) A execução desta pena privativa da liberdade deve ser jurisdicionalizada. Já passou o tempo em
que era a administração que estava exclusivamente encarregue pela execução da pena de prisão
(isto aconteceu até 1936). Como se entendia que quem cumpre pena de prisão continua a ser
titular de DLG's, acabando as chamadas relações especiais de poder, a execução da pena de
prisão passou a ser jurisdicionalizada, aparecendo o juiz como «juiz das liberdades»,
assegurando o respeito pelos DLG's durante a execução da pena. Tal abriu a questão de saber o
que é que deve estar afinal incluído na reserva do juiz, devendo ser consequentemente subtraído
da competência da administração prisional.

Exemplo: Em 2009, o TC analisou o Código de Execução das Penas em sede de fiscalização preventiva - o
Presidente da República fez o pedido porque teve dúvidas se competia ao director geral dos serviços prisionais
e não ao juiz de execução das penas colocar os condenados em regime aberto para o exterior. O TC disse que tal
não era competência reservada do juiz e que podia ser o director geral dos serviços prisionais a colocar os
reclusos em regime aberto no exterior (Ac. TC 427/2009). Apesar disso, o CEP foi alterado no sentido de isto
ser da competência reservada do juiz.

Esta questão é importante graças ao recente fenómeno da privatização das prisões (p.e. EUA,
ou com as chamadas APAC’s no Brasil) - pode a segurança das prisões ser entregue a entidades
privadas? Pode a imposição de sanções disciplinares, alimentação ser entregue a privados?

2) A execução da pena de prisão deve estar orientada para a socialização do condenado,


prosseguindo o Estado a tarefa que lhe está constitucionalmente cometida que é a de oferecer ao
condenado as condições necessárias para no futuro possa conduzir a sua vida de modo
socialmente responsável sem cometer crimes, devendo a socialização obedecer a uma dinâmica
progressiva de preparação para a liberdade. Por exemplo, através de medidas de flexibilização
da execução da pena de prisão (art. 14º e 76º CEP) ou mediante a concessão da liberdade
condicional (art. 61º, 63 e 64º CP)
3) Devemos ver a privação da liberdade como a ultima ratio da política criminal. Enquanto
decorrência do princípio constitucional da proporcionalidade das restrições dos direitos, deve ser
assegurada a passagem do recluso para regimes de execução cada vez menos restritivos do
direito à liberdade. Sendo assim, só continuamos a execução da pena de prisão se continuar a ser
necessária do ponto de vista do cumprimento das finalidades das penas. Aqui enquadram-se as
medidas de flexibilização da pena de prisão, instituto da liberdade condicional, formas
diversificadas de execução da pena de prisão. (art. 44º/1/b/2 CP, 118º CEP, 62º CP)

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

1.4. Formas diversificadas de execução da pena de prisão – regime de permanência na


habitação.

Com as alterações em 2007, de acordo com o art. 44º/1/b/2 CP e 1º/b da lei 33/2010, o
remanescente não superior a um ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da
liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de
permanência na habitação (remete para o art. 80º CP), ou, excepcionalmente, o remanescente não
superior a dois anos, quando se verifiquem circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do
condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional é executado
em regime de permanência na habitação, se o condenado consentir, sempre que o tribunal concluir
que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
(art. 70º CP).
Importa relembrar que neste artigo 44º CP, na alínea a) o que está em causa é substituir a
pena de prisão por uma outra pena; já na alínea b), está em causa não a substituição da pena de
prisão, mas sim uma forma de execução da pena de prisão que é da competência do tribunal da
condenação.
Questão pertinente é a de saber se a competência do tribunal de julgamentos e esgota no
momento em que profere a decisão condenatória ou apenas quando esta decisão se torna definitiva,
isto é, imediatamente antes de ter força executiva. A resposta deve ser a segunda, porque só desta
forma se garante uma decisão actualizada por referência ao momento da execução da pena de
prisão, já que pode mediar um período de tempo significativo entre o momento em que a decisão é
proferida em 1ª instância e aquele em que já não é passível de impugnação; só desta forma se evita
que a execução da pena se inicie desnecessariamente dentro dos muros de uma prisão. Resulta isto
do art. 118º e ss. e 138º/4/j CEP e art. 1º/d da lei 33/2010.
Deve notar-se que esta modalidade de execução da pena de prisão pode agora fundar-se
num leque mais amplo de razões, às quais correspondem duas modalidades distintas:
1) O regime de permanência na habitação ou o internamento do condenado em
estabelecimento de saúde ou de acolhimento adequados. (art. 120º CEP)
2) O tribunal da condenação pode ainda decidir pela imediata aplicação da modificação
da execução da pena. Também aqui será decisivo o momento em que decisão
condenatória se torna definitiva, isto é, imediatamente antes de ter força executiva.
(art. 122º CEP)
Estas formas de execução da pena de prisão podem ser vistas como exigências de um
princípio de razoabilidade, enquanto subprincípio do princípio da proporcionalidade em sentido
amplo (art. 27º/1 CRP)
As alterações de 2007 passaram ainda a prever o art. 62º CP. (Cfr. Com art. 188º CEP, art.
1º/c Lei 33/2010 e Ac. STJ 14/2009) Verificados os pressupostos previstos no art. 61º CP, o período
de adaptação à liberdade condicional pode ser concedido, a partir de um ano antes de o condenado
perfazer metade, dois terços ou cinco-sextos da pena, com o limite de cumprimento efectivo de um
mínimo de 6 meses de prisão.
Com a introdução da adaptação à liberdade condicional houve o propósito de atenuar a
rigidez de um regime que deixou de prever a renovação anual da instância em matéria de concessão
da liberdade condicional, perdendo sentido a partir do momento em que volta a haver essa tal
renovação anual da instância.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

Trata-se ainda de uma forma de execução da pena de prisão e não de um incidente da


execução desta pena. Coloca-se, pois, a questão e saber se é constitucionalmente admissível uma
norma que estatua a irrecorribilidade da decisão judicial que não coloque antecipadamente o
condenado em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de
controlo à distância. (Ac. TC 150/2013, decisão em sentido negativo)
Esta forma de execução a pena de prisão inscreve-se no propósito de estender o regime
jurídico da vigilância electrónica à execução das sanções privativas de liberdade. (estendendo a
vigilância electrónica à execução das penas – art. 1º da Lei 33/2010)

1.5. Liberdade condicional

Surge no séc. XIX, estando associada a uma ideia de prevenção especial positiva -
reintegração do sujeito na sociedade. Quem está em liberdade condicional está a cumprir a sua pena
de prisão, mas em liberdade. Hoje tentamos cumprir a reintegração do sujeito, devido aos efeitos
criminógenos da pena, desde que ele entra na penitenciária - P.e. Técnicos de reeducação social,
Relatórios periódicos sobre a vida do recluso, potencia-se a formação profissional, actividades
lúdicas, acompanhamento médico e clínico de toxicodependência, trabalho, etc...
O DL nº 48/95 afirmou a liberdade condicional como incidente de execução da pena de
prisão, uma vez que a aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do
condenado (art. 61º/1 CP) e a sua duração não pode ultrapassar o tempo de pena que ainda falta
cumprir. (art. 61º/5 CP). É um incidente que se justifica politico-criminalmente à luz da finalidade
preventivo-especial de reintegração do agente na sociedade e do princípio da necessidade de tutela
dos bens jurídicos. (art. 40º/1 CP).
A natureza jurídica do instituto e a sua justificação politico-criminal repercutem-se em
vários aspectos:
1) O período em que o condenado está em liberdade condiciona conta como tempo de
cumprimento da pena de prisão.
2) O período em que o condenado está el liberdade condicional suspende a contagem do
prazo de 5 anos para o efeito de dar como verificado um dos pressupostos da
reincidência e da pena relativamente indeterminada. (art. 75º/2 e 83º/3 CP).
3) Excluem a liberdade condicional do regime de permanência na habitação que tenha
lugar ao abrigo do disposto no art. 44º CP, quer se veja neste regime uma pena de
substituição detentiva, quer se inclua nas formas de execução da pena de prisão. Isto já
não vale quando haja uma modificação da execução a pena de prisão ao abrigo do art.
118º e ss. CEP. Neste caso, o regime de permanência na habitação não esgota o tempo de
execução da pena de prisão, devendo a duração deste regime ser considerado tempo de
execução da pena, nomeadamente para efeitos de liberdade condicional. (art. 120º/3
CEP)

1.5.1. Pressupostos.
o O consentimento do condenado. (art. 61º/1 CP e 176º/1 CEP) A ideia que está aqui
subjacente é que a socialização não pode ser coactivamente imposta.
o Cumprimento mínimo de seis meses de pena de prisão. (art. 61º/2/ultima parte CP) Só
exigindo um cumprimento mínimo é possível atribuir seriamente à execução da pena de

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

prisão uma finalidade resocializadora e emitir o juízo de prognose favorável sobre o


comportamento futuro do condenado em liberdade, legalmente exigido. (art. 61º/2/a CP)
o E isto ainda que, por efeito do desconto da prisão preventiva ou da obrigação de
permanência na habitação (art. 80º/1 CP) esteja perfeita metade da pena, uma vez
que estas medidas de coacção são impostas a arguido presumido inocente, em função
de exigências processuais de natureza cautelar, sem qualquer finalidade
ressocializadora que possibilite a formulação do aludido juízo de prognose.
o Cumprimento de metade da pena de prisão (art. 61º/2 CP). Em 2007, a concessão
desta passou a ser possível em qualquer caso a metade da pena de prisão, deixando
de haver pressupostos diferenciados em função da natureza e gravidade do crime.

Maria João Antunes alerta para o facto de se dever descontar na metade da pena em que o
agente foi condenado o tempo em que esteve detido, preso preventivamente ou em obrigação de
permanência na habitação. (art. 80º/1 CP). Solução distinta levaria a tratamentos diferenciados sem
justificação. Ora veja-se o porquê:

O desconto de uma medida processual privativa da liberdade na pena não pode fazer-se antes da
consideração do momento de concessão da liberdade condicional. Assim, numa pena de 10 anos de prisão, em
que o agente esteve em prisão preventiva dois anos não pode atender-se ao remanescente dos 8 anos e depois
considerar a liberdade condicional ao fim de quatro. Porque assim, este condenado teria estado privado da
liberdade ao todo seis anos, enquanto um condenado que não cumpriu prisão preventiva veria avaliada a
liberdade condicional passados apenas cinco anos de privação de liberdade. Para tratar igualmente ambas as
situações, a solução passa por fazer o desconto devido já na metade da pena, ou seja, metade da pena são 5 anos
e descontados os 2 anos da prisão preventiva, o condenado só terá que cumprir mais 3 até que seja, pela
primeira vez, avaliada a concessão da liberdade condicional.

O art 61º/2/a CP prevê um pressuposto material da liberdade condicional. No fundo, o


tribunal deve concluir que aquele indivíduo, uma vez posto em liberdade condicional, conduzirá a
sua vida de forma responsável sem cometer crimes. O juízo de prognose favorável sobre o
comportamento futuro do condenado em liberdade é feito com base nos elementos previstos no art.
173º/1 CEP, que funcionam como índice de ressocialização e de um comportamento futuro sem o
cometimento de crimes, sendo de notar a substituição do critério do bom comportamento prisional
pelo elemento “evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão”.
O art. 61º/2/b CP é também pressuposto material, tendo a libertação de ser compatível com
a defesa da OJ e da paz social. A averiguação das exigências de prevenção geral positiva foi
introduzida em 1995 em coerência com o art. 40º/1 CP, funcionando como limite à actuação das
exigências de prevenção especial de socialização. O quantum de pena que é necessário cumprir para
que a libertação seja compatível com a defesa da OJ e paz social, é a do limite mínimo da moldura
da prevenção que o juiz da condenação chegou na operação de determinação da medida concreta
da pena. Também é referência o próprio mínimo legal.
Ex: A é condenado a 12 anos de prisão por um homicídio qualificado. Em nome da prevenção geral
positiva, não pode ser colocado em liberdade condicional a meio da pena (6 anos), porque 6+5=11, que é
inferior ao limite mínimo de 12 anos do homicídio qualificado.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

Em suma: a concessão da liberdade condicional, com o consentimento do condenado, a


metade do cumprimento da pena, depende da satisfação de exigência de prevenção especial
positiva e prevenção geral positiva. Uma vez verificados os pressupostos, tem o tribunal da
execução de penas o poder-dever de colocar o condenado em liberdade condicional.

Quando se encontrarem cumpridos 2/3 da pena, basta que se verifique cumprido o requisito
do art. 61º/3 CP. Aqui é de presumir, atento o tempo de pena já decorrido que libertação é
compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
A liberdade condicional a meio da pena e a dois terços é facultativa, porque depende sempre
de um juízo do tribunal de execução de penas.

Tal permite-nos distinguir estas da liberdade condicional concedida a 5/6 de cumprimento


da pena de prisão superior a 6 anos, sendo, neste caso, o condenado colocado em liberdade
condicional, desde que com isso consinta (art. 61º/1 CP), sem que se tenha que verificar qualquer
requisito material (art. 61º/4 CP). Como está em causa uma pena de prisão de longa duração,
pretende-se assegurar um período de transição entre a vida na prisão e a vida em liberdade. É uma
liberdade condicional obrigatória. O juiz não tem aqui que fazer qualquer juízo, dependendo
apenas do consentimento do condenado. Pretende-se promover a socialização do condenado.

Desde 2009, que se estabeleceu (novamente) a renovação anual da instância nos casos em
que a liberdade condicional não tenha sido concedida e a prisão haja de prosseguir por mais de um
ano (art. 180º/1 CEP). Sem prejuízo do disposto no art. 61º CP, o que significa que até serem
atingidos dois terços de cumprimento da pena de prisão, a reapreciação far-se-á à luz dos critérios
da concessão da liberdade condicional a metade da pena. (art. 61º/2 CP; cumpridos 2/3 da pena, a
reapreciação terá lugar de acordo com o critério da libertação condicional a dois terços da pena (art.
61º/3 CP), excepto se se tratar de uma pena superior a 6 anos, caso em que este critério valerá
somente até serem perfeitos 5/6 da mesma. A partir desse momento, a liberdade condicional é
obrigatória, dependendo só do consentimento do condenado.

1.5.2. Duração.

A liberdade condicional - art 61º/5 - em qualquer das modalidades, tem uma duração igual
ao tempo de prisão que falte cumprir (respeitando-se o conteúdo da sentença condenatória e a
natureza do instituto como incidente da execução da pena de prisão) até a um máximo de 5 anos.
Cinco anos é o tempo suficiente para se poder afirmar que o condenado conduzirá a sua vida de
forma socialmente responsável e sem cometer crimes. Uma vez atingido o período de 5 anos,
considera-se extinto o excedente da pena – o que é redundante, já que não se admite qualquer outra
consequência. Tal é bem demonstrativo que a pena aplicada ao condenado é também determinada
na fase de execução da pena de prisão.

1.5.3. Regime.

O seu regime está no art. 64º CP que remete para artigos que são os relativos à suspensão de
execução da pena de prisão. (52º/1/2, 53º, 54º, 55º/a/b/c, 56º e 57º CP)

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

Assim, a liberdade condicional pode ficar sujeita à imposição de cumprimento de regras de


conduta e a um plano individual de reinserção social do condenado – acompanhamento de regime
de prova.
Esta remissão (art. 55º/a/b/c CP) vale também para os casos de incumprimento culposo do
que foi imposto na liberdade condicional, seja por incumprimento das regras de conduta ou do
plano de reinserção social. Tal pode resultar na revogação da liberdade condicional (art. 64º/1, que
remete para o 56º/1 CP). A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de
prisão ainda não cumprida, podendo ter lugar relativamente à pena de prisão que vier a ser
cumprida a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61º CP. (art. 64/2/3 CP)

Afinal qual a pena que se cumpre em caso de revogação da liberdade condicional?

P.e. 20 anos de pena de prisão


Liberdade condicional aos 10
Pode estar em liberdade condicional no máximo 5 anos.
Comete crime ao fim de 4 anos da liberdade condicional (revogação da liberdade condicional)
Que pena falta cumprir?
6 anos. Porque a liberdade condicional é um incidente da execução da pena de prisão e portanto daqui
decorre que quando o condenado está em liberdade condicional está a cumprir a pena de prisão, mas se
entendeu que não é necessária cumpri-la na prisão. Entendimento diverso tem como consequência que ao
período em que o condenado esteve em liberdade condicional corresponda uma outra sanção, substitutiva da
pena de prisão, que não tem qualquer previsão legal.
Apesar disso, os tribunais têm entendido que o tempo de pena que tem que ser cumprido é o tempo que
faltava quando foi concedida a liberdade condicional. Neste caso, 10 anos.

Decorrido o período da liberdade condicional, a pena é declarada extinta se não houver


motivos que possam conduzir à revogação, por remissão do art. 64º/1 CP para o art. 57º/2 CP.

1.5.4. Liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas.

Está regulado no art. 63º CP relativo à concessão da liberdade condicional em caso de


execução sucessiva de várias penas. Dos nº 1 e 2 do preceito resulta que a execução da pena que
deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida ao meio da pena, sucedendo-lhe a execução
da pena que deva ser executada a seguir; e que o tribunal decide sobre a liberdade condicional no
momento em que o possa fazer, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas. Esta
solução obsta que o condenado esteja simultaneamente em liberdade condicional e em
cumprimento de uma outra pena de prisão.
A interrupção da primeira pena a meio está prevista no art. 63º/1, prevendo-se no nº2 que a
concessão da liberdade condicional seja decidida somente quando o tribunal o possa fazer, de forma
simultânea, relativamente à totalidade das penas. Só depois de decorrido o prazo de que depende a
concessão da liberdade condicional das várias penas é que tem lugar o juízo sobre os pressupostos
materiais desta concessão. (art. 61º/2/a/b CP)
Se o condenado não tiver beneficiado de liberdade condicional e se a soma das penas que
devam ser consideradas cumpridas sucessivamente exceder os 6 anos de prisão, o tribunal coloca o

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

condenado em liberdade condicional, desde que este consinta, logo que se encontrarem cumpridos
5/6 da soma das penas (art. 63º/3 CP) – liberdade condicional obrigatória.
Por força do art. 63º/4 CP, este regime de concessão de liberdade condicional em caso de
execução sucessiva das várias penas não é aplicável quando a execução da pena de prisão resultar
na revogação da liberdade condicional (art. 64º/2/3 CP).

Exemplo:
Crime A - 20 anos
Crime B - 10 anos

A metade da pena do crime A (10 anos) interrompe-se o cumprimento desta pena na sua execução e começa a
ser cumprida a pena do crime B, que ao fim de metade (5 anos), quando se verificarem os pressupostos
materiais da Liberdade Condicional a propósito de ambas as penas, é que permite que o juiz decrete a liberdade
condicional – que será, portanto, decretada ao fim de 15 anos de prisão.

1.5.5. Aspectos processuais.

O processo de concessão e revogação da liberdade condicional é da competência do tribunal


de execução de penas (art. 470º, 477º/1 CPP, 138º/4/c CEP, 114º/3/c LOSJ). Neste âmbito, discute-
se qual o juiz que está em melhores condições para conceder a liberdade condicional ao agente:
como o condenado só é colocado em liberdade condicional se não se colocar em causa a ordem
jurídica e a paz social, alguns autores consideram que quem está em melhores condições de o fazer
é o juiz que o condenou e não o do tribunal de execução
Até ao Código de Execução das Penas de Prisão, as decisões que concedessem ou negassem
a liberdade condicional não eram recorríveis (graças ás reminiscências do sentido da execução da pena de
prisão não estar jurisdicionalizada e a liberdade condicional era vista como acto de graça, algo dado ao
condenado). Hoje são susceptíveis de recurso das decisões de concessão ou recusa da liberdade
condicional, bem como as de revogação ou de não revogação da mesma.
A norma que anteriormente ditava a irrecorribilidade da decisão judicial que negasse a
liberdade condicional foi julgada inconstitucional pelo Ac. Nº 638/2006, por violação do princípio
do estado de direito do art. 2º, 21º, 27º/1 e 32º CRP.
Outras normas de natureza processual visam evitar que a execução se torne
dessocializadora, nomeadamente quando os condenados são pessoas não carecidas de socialização
(exemplos de outras medidas que podem ajudar na socialização ou que ajudam à não
dessocialização: condenados poderem andar com a sua própria roupa, chamar os reclusos pelo
nome e não pelo número) Nunca se pode perder de vista que o recluso é titular de direitos
fundamentais, não sendo pois um mero objecto da execução.

2. Execução da pena de multa. Não pagamento e suas consequências.

Determinada a pena de multa principal que o agente da prática do crime vai cumprir, segue-se a
fase da execução, a qual corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1ª instância
em que o processo tiver corrido. (art. 470º/1 CPP). Há diferenças na execução da pena de multa
principal e na pena de multa de substituição.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

2.1. Execução da pena de multa.

Por força das alterações introduzidas em 1995, a execução da pena de multa pode ocorrer
por duas formas:
1) Pagamento voluntário – art. 489º CPP
2) Prestação de dias de trabalho – art. 48º CP e 490º CPP; art. 15º do DL nº 375/97.
A prestação de trabalho deixou de ser uma sanção, para passar a ser uma forma de
cumprimento da pena de multa, a requerimento do condenado, quando for de concluir que realiza
de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art. 40º/1 CP. O art. 48º/2 remete para o
art. 58º/3/4 CP. (ver Ac. STJ nº13/2013, de 18 de Setembro)
Não esqueçamos ainda que uma das vantagens da pena de multa é que ela tem execução
elástica, podendo ser paga a prestações ou pode ser diferido o seu pagamento, consoante os casos.

2.2. Não pagamento e suas consequências.

O CP prevê ainda as consequências para o não pagamento voluntário da multa. Se a multa,


que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntariamente tem lugar o pagamento
coercivo (art. 49º/1 CP), por via da execução patrimonial, nos termos do disposto no art. 491º CPP.
Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho não for paga voluntária ou
coercivamente é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços,
ainda que crime não fosse punível com prisão (art. 49º CP) Isto porque não é defensável que um dia
de prisão seja equiparável a um dia de multa, analisando-se o sofrimento para o condenado que um
e outro trazem. Esta sanção não é uma pena, senão que uma medida de constrangimento, visando,
em último termo, constranger o condenado a pagar a multa. Na medida em que se trata de uma
mera sanção pelo não pagamento da multa principal, tendo em vista constranger o condenado ao
seu pagamento, não é admissível a concessão de liberdade condicional (art. 61º CP).
O pagamento total ou parcial da multa, a todo o tempo, evita a execução da prisão
subsidiária. (art. 49º/2 CP e 49º-A CPP) Esta situação deve ser alargada aos casos em que o
condenado pagou parcialmente a multa antes da conversão. Este pagamento parcial deve reflectir-
se, de forma proporcional, no tempo da prisão subsidiária.
O art. 49º/3 prevê a suspensão da execução da prisão subsidiária, subordinada ao
cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, se se
provar que a razão do não pagamento não é imputável ao condenado. Mais estabelecendo que se os
deveres ou regras de conduta não forem cumpridos é executada a prisão subsidiária e que sendo
cumpridas é declarada extinta a pena de multa. Quer a impossibilidade de pagamento
contemporânea da condenação, quer a superveniente levam à suspensão da execução da prisão
subsidiária, nos termos do art. 49º/3 CP, quando a razão não seja imputável ao condenado, em
observância a princípio da igualdade. Mesmo em relação aos casos de impossibilidade de
pagamento contemporânea da condenação, não imputável ao condenado, é de concluir que a
suspensão da execução da prisão subsidiária contende já com a execução da pena de multa
principal em que o agente é condenado. Não tem, pois, a ver com qualquer operação de escolha de
pena.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

3. Execução da pena de multa de substituição. Não pagamento e suas consequências.

A execução da pena de multa de substituição pode ocorrer de duas formas:


1) Pagamento voluntário – art. 489º CPP
2) Prestação de dias de trabalho – art. 48º CP e 490º CPP e art. 14º DL nº 375/97. Veja-se o Ac.
7/2016 STJ - "Em caso de condenação em multa de substituição, nos termos do art. 43º/1, pode o
condenado após o trânsito em julgado daquela decisão requerer o seu cumprimento em dias de
trabalho, observados os art. 489º e 490º do CPP."

Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntariamente tem lugar
o pagamento coercivo, por via da execução patrimonial, nos termos do art. 491º CPP. Se a multa,
que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntaria ou coercivamente é cumprida
a pena de prisão aplicada na sentença (art. 43º/2/1ª parte CP), não sendo aplicável o disposto no
art. 49º/2 do CP, de tal modo que, tal como fixou o Ac. STJ 12/2013, “transitado em julgado o despacho
que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi
substituída, nos termos do art. 43º/1/2 CP, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o
cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do art. 49º/2 CP”.
Na medida em que é ordenado o cumprimento da pena de prisão, já é admissível a
libertação condicional do condenado, verificados os pressupostos do art. 61º CP.
A remissão para o art. 49º/3 significa que há suspensão da execução da pena de prisão
subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou
financeiro, se se provar que a razão do não pagamento não é imputável ao condenado. Mais
estabelecendo que se os deveres ou regras de conduta não forem cumpridos é executada a pena de
prisão e que sendo cumpridas é declarada extinta a pena de multa.
Quer a impossibilidade de pagamento contemporânea da condenação, quer a superveniente
levam à suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art. 49º/3 CP, quando a razão não
seja imputável ao condenado, em observância a princípio da igualdade. Mesmo em relação aos
casos de impossibilidade de pagamento contemporânea da condenação, não imputável ao
condenado, é de concluir que a suspensão da execução da pena de prisão contende já com a
execução da pena de multa de substituição em que o agente é condenado. Não tem, pois, a ver com
qualquer operação de escolha de pena.

Tema 6 – Medidas se Segurança.

1. Evolução e justificação politico-criminal geral.

Como consequência óbvia do sistema tendencialmente monista6 de reacções criminais, a medida


de segurança de internamento de inimputável em razão de anomalia psíquica é a que mais se
destaca no sistema sancionatório. A medida de segurança surge como resposta à especial
perigosidade de delinquentes imputáveis especialmente perigosos e de delinquentes de

6
O nosso sistema é monista, de tal maneira que, ao invés de aplicarmos uma pena e uma medida de
segurança aos sujeitos inimputáveis, aplicamos: (1) aos sujeitos inimputáveis – só uma medida de segurança;
(2) aos sujeitos de imputabilidade diminuída – ficciona-se a imputabilidade e aplica-se uma pena ou ficciona-
se a inimputabilidade e aplica-se uma medida de segurança; (3) aos delinquentes por tendência – aplica-se a
pena relativamente indeterminada.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

imputabilidade diminuída, relativamente aos quais a pena é tida como insuficiente do ponto de
vista preventivo-especial; e como resposta à especial perigosidade de delinquentes inimputáveis,
em razão de anomalia psíquica, em relação os quais a pena é inadequada.
Ultrapassada a discussão em torno da sua natureza jurídica (sanção de natureza administrativa
ou sanção de natureza penal), esta sanção é, a par da pena, uma reacção criminal7. Justificar-se-á
sempre a discussão da subsistência no direito penal das medidas de segurança, tanto mais quanto a
integração destas neste ramo de direito não deixa de ser resultado do conflito das escolas clássica e
positivista e por se considerar que na época a justiça penal garantia melhor os DLG’s que a justiça
administrativa.

2. Pressuposto, fundamento e limite.

O pressuposto da sua aplicação é a perigosidade criminal do agente, o que justificou, por


referência ao princípio da actualidade do estado perigoso:
1) Que se excluísse o efeito de caso julgado da decisão sobre a imposição de uma medida de
segurança. À pessoa considerada perigosa, aplicava-se uma medida de segurança, mas se se
verificasse que existia uma mais adequada, podia posteriormente aplicar-se outra medida de
segurança;
2) Que as medidas de segurança fossem imprescritíveis;
3) Que não se lhes estendesse o princípio da legalidade criminal;
4) Que fossem aceites medidas de segurança pré-delituais;
5) Que as medidas de segurança não estavam delimitadas por qualquer princípio da proibição
do excesso. Tal conduzia a uma indeterminação temporal quanto à duração das medidas de
segurança - a medida de segurança duraria enquanto durasse o estado de perigosidade
criminal.

Não obstante, continua este a ser o pressuposto de aplicação de uma medida de segurança.
Surgidas para fazer face a exigências preventivo-especiais, é hoje discutível se hoje as medidas de
segurança prosseguem também uma finalidade de prevenção geral positiva, designadamente a
medida do art. 91º CP. Esta questão é relevante porque o art. 40º/1 CP não distingue os fins das
penas dos fins das medidas de segurança; o art. 91º/2 CP passou a dispor que, quando o facto
praticado pelo inimputável corresponder a crime contra pessoas ou a crime de perigo comum
puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, o internamento tem a duração mínima de 3 anos,
salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
Porém, só aparentemente é que de tais preceitos resulta uma total identidade entre penas e
medidas de segurança, no que toca às finalidades das mesmas. No primeiro artigo, contém-se uma
norma geral sobre as finalidades das medidas de segurança (não privativas de liberdade), incluída,
as aplicáveis a delinquentes imputáveis (art. 20/2º, 100º, 101º e 102º CP), relativamente aos quais
ainda é defensável que tais medidas prossigam também, de forma autónoma, a finalidade de tutela
de bens jurídicos; no segundo artigo, trata-se de uma disposição legal cuja aplicação se deve
restringir aos casos em que há uma declaração de inimputabilidade nos termos do art. 20º/2/3 CP,
casos em que a medida de segurança participa de forma autónoma na protecção de bens jurídicos, já

7
Estas medidas começaram como medidas meramente Administrativas. Por exemplo, em França, sendo o
sujeito inimputável, aplicava-se o Código da Saúde Pública, deixando-se o círculo do Direito Penal.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

que é aplicada a delinquentes imputáveis, ainda que de imputabilidade diminuída. E em relação


aos quais não se justifica a execução da de medida de segurança privativa de liberdade vise as
mesmas finalidades que a da pena privativa de liberdade. (art. 2º/1 CEP) Por exemplo, veja-se que a
medida de segurança só é aplicável se o agente for perigoso, sendo que esta perigosidade afere-se
no momento da condenação. Ora, pode acontecer que o sujeito fosse inimputável quando o crime
foi cometido e depois já não ser inimputável no momento da condenação. Devemos aplicar uma
medida de segurança em nome da prevenção geral neste caso? Maria João Antunes entende que
não.
A aplicação das medidas de segurança está subordinada ao princípio da proibição do excesso,
ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo que vale em matéria de restrição de DLG’s, o
qual desempenha funções análogas ao princípio da culpa em matéria de penas. (art. 40º/3 –
Exigência da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito)

3. Princípios gerais do direito das medidas de segurança.

Para além do princípio da proporcionalidade, estão consagrados outros preceitos que


aproximam as medidas de segurança das penas, com a intenção de fazer valer no âmbito das
primeiras os princípios e garantias do Estado de Direito. Essa aproximação chega, em certos casos, a
descaracterizar, em boa medida, das medidas de segurança. Referimo-nos ao:
1) Princípio da legalidade (art. 29º CRP e 1º e 2º CP)
2) Princípio do ilícito-típico (art. 29º CRP e 91º/1 CP)
3) Princípio da proporcionalidade (art. 18º/2 CRP e 40º/3 e 91º/1, 93º, 94º e 98º CP)
4) Princípio da prescritibilidade das medidas de segurança (art. 124º CP)
5) Princípio da proibição das medidas de segurança com carácter perpétuo ou de duração
ilimitada ou indefinida (art. 30º/1 CRP e 92º/2 CP)

4. Medida de segurança de internamento.

Está prevista no art. 91º CP. Os seus pressupostos traçam a distinção entre a sanção penal
privativa da liberdade e o internamento compulsivo de portadores de anomalia psíquica (art.
27º/3/h CRP e Lei nº36/98). Esta privação da liberdade, que não se integra nas fronteiras do direito
penal, tem lugar segundo um modelo misto de decisão médica e decisão judicial, quando o
portador por anomalia psíquica grave crie, por força dela, uma situação de perigo para bens
jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e recuse
submeter-se ao necessário tratamento médico; ou quando a ausência de tratamento deteriore de
forma acentuado o estado do portador de anomalia psíquica grave que não possua o discernimento
necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento. (art. 7º/a, 8º, 12º, 25º, 33º, da referida
lei.)

Breve referência à Revolução Psico-Farmacológica

Hoje a anomalia psíquica e o crime não têm uma ligação tão automática. O art 20º do CP não diz que é
inimputável quem tiver uma anomalia psíquica, mas sim a imputabilidade afere-se em relação ao facto

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

concreto praticado. Num mesmo contexto temporal o sujeito pode ser imputável face a um facto e inimputável
face a outro. Os principais desafios do direito penal nesta matéria são os seguintes:
1) Conceito de perigosidade criminal - É difícil dizer que uma pessoa é criminalmente perigosa por via de
uma anomalia psíquica.
2) Os internamentos antigamente eram longos; hoje são curtos. O tempo médio de internamento
compulsivo eram 21 dias. (Antigamente a média era de 15 anos) Pode mesmo acontecer que o sujeito cometa
um crime e seja declarado inimputável relativamente a ele no dia do julgamento já não seja considerado
inimputável porque cessou a causa da inimputabilidade.

4.1. Pressupostos.

1) Prática de facto ilícito e típico;


2) Declaração de inimputabilidade, nos termos do art. 20º CP.
3) Juízo de prognose desfavorável quanto à perigosidade criminal do agente.
4) A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e
à perigosidade do agente. (art. 40º/3 CP)

4.2. Finalidade.

Ao pressuposto irrenunciável da perigosidade criminal do agente, que há-de persistir no


momento da condenação e durante a execução da sanção, liga-se a finalidade preventivo-especial
da medida de segurança de internamento, sem prejuízo de esta sanção participar, ainda que de
forma não autónoma, na protecção de bens jurídicos. Assim se explicando que não é imposta
qualquer medida de segurança ao agente inimputável relativamente ao qual, no momento da
condenação, não possa ser afirmado o fundado receio de que venha a cometer outros factos da
mesma espécie. Por aquela razão se explica a o disposto no art. 274º/9 e 91º CP e a sua relação.
Não há, verdadeiramente, a violação de uma norma, não havendo, consequentemente, a
necessidade de reafirmar a validade da mesma, quando o facto ilícito típico é praticado por quem é
depois considerado inimputável por anomalia psíquica, com fundamento no art. 20º/1 CP. O que já
não acontece com os que são declarados inimputáveis, sendo embora delinquentes de
imputabilidade diminuída (art. 20º/2 CP) relativamente aos quais pode concluir-se pela violação de
uma norma, cuja validade importa reafirmar, aplicando-se-lhes o disposto no art. 91º/2 CP.
O caso em que o internamento do agente declarado inimputável por anomalia psíquica,
porque é declarado nos termos do art. 20º/2/3 CP prossegue também de forma autónoma a
finalidade de protecção dos bens jurídicos. E isto a par da finalidade preventivo-especial, uma vez
que a aplicação do art. 91º/2 pressupõe a subsistência da perigosidade criminal no momento da
condenação.

4.3. Duração.

Enquanto que na pena podemos determinar em concreto a sua duração, a medida de


segurança, pela sua natureza, porque assenta na perigosidade criminal, não aceita determinação
concreta da duração da medida. Portanto, a regra é que a medida dura enquanto durar a
perigosidade criminal. (Art. 92º CP)

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

Hoje a medida de segurança de internamento tem duração máxima definida: a medida de


segurança não pode durar mais do que o limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime
cometido pelo inimputável, mesmo que a perigosidade não tenha cessado. (art. 92º/2 CP e 501º/1
CPP. Vide ainda Ac. STJ 28/05/2008 e Ac STJ 16/10/2013, o internamento não excederá o limite
máximo da pena correspondente ao crime mais grave, em caso de concurso de crimes.)
Sem distinguir os casos de primeiro internamento dos outros, estabelece-se ainda que pode
haver prorrogação judicial da medida de segurança de internamento em certos casos. (art. 30º/2
CRP, 92º/3 CP e 162º CEP) Esta norma seria facilmente inconstitucional se aquela norma da CRP
não existisse, porque, no fundo, legitima uma medida de segurança para toda a vida. A sua
explicação é a seguinte: vale aqui o entendimento de que estes internamentos psiquiátricos podem
prorrogar-se porque são sempre para o bem da pessoa que tem a anomalia psíquica - ideia de
paternalismo médico, que se contrapõe ao modelo actual do consentimento informado. Note-se,
porém, que não basta que haja fundado receio de que o internado venha a cometer outros factos da
mesma espécie (art. 91º/1 CP), exigindo-se antes que o perigo de novos factos da mesma espécie
seja de tal modo grave que desaconselhe a libertação.
Há limite mínimo para as medidas de segurança? O art. 91º/2 CP diz que quando o crime
praticado for um crime de certa natureza - contra as pessoas ou de perigo comum puníveis com
pena de prisão superior a 5 anos - o internamento tem a duração mínima de 3 anos, salvo se a
libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social. Este limite mínimo
deve constar da decisão que decreta o internamento (art. 501º/1 CPP) e nunca pode o tribunal fixar
um período mínimo superior a este. (Ac. STJ 10/10/2002) Como vimos, porém, a duração mínima já
poderá ficar aquém deste limite se, cessado o estado de perigosidade, a libertação se revelar
compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
MARIA JOÃO ANTUNES, na esteira da ROXIN, defende que a finalidade da medida de
segurança é meramente uma finalidade preventivo-especial, a título principal, já que não se sente a
necessidade de reafirmar a validade e vigência da norma violada, porque nestes casos não houve
violação da norma pelo facto de o sujeito ser inimputável – nesse caso, a maioria dos membros da
sociedade não se revê nesse comportamento do inimputável. Já FIGUEIREDO DIAS defende que as
medidas de segurança, embora a titulo secundário, também prosseguem de forma autónoma uma
finalidade de prevenção geral positiva, alicerçando este entendimento no disposto no art. 91º/2 e
também no art. 40º/1 CP. FIGUEIREDO DIAS e todos os autores que defendam que a prevenção
geral positiva é uma finalidade autónoma da aplicação de uma medida de segurança terão de
resolver a questão de saber se, não sendo o sujeito inimputável perigoso no momento da
condenação, mesmo assim se lhe deve aplicar uma medida de segurança em nome da prevenção
geral positiva. Esta norma já chegou a ser analisada pelo TEDH que defendeu estar “dentro da
liberdade de legislar do Estado Português”.
Assim sendo, MARIA JOÃO ANTUNES entende que o 91º/2 deve ser de aplicação
circunscrita aos casos do art. 20º/2 CP, que prevê os casos de imputabilidade diminuída: nos quais,
se ficciona a sua imputabilidade e aplica-se uma pena; ou sem ficciona a inimputabilidade e aplica-
se uma medida de segurança; neste último caso, é que deve haver limite mínimo da medida de
segurança, porque se pode falar de expectativas comunitárias que devem ser preservadas.
O desconto do art. 80º CP tanto vale para a pena como para a medida de segurança de
internamento, devendo, portanto ser descontada no período mínimo a duração da medida
processual que o internado tenha sofrido anteriormente.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

Com a previsão do instituto da liberdade para prova (art. 94º e 95º CP), passou a poder
afirmar-se que, salvaguardados os casos do art. 91º/2 CP, o internamento finda quando o tribunal
verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem. Veja-se ainda a
possibilidade de revisão da situação do internado nos termos do art. 93º CP e 158º e 159º CEP)
O internamento findará ainda pelo decurso do tempo, atingida que seja duração máxima do
internamento (art. 479º CPP, por remissão do art. 506º CPP), salvaguardados os casos do art. 92º/3
CP, como vimos acima.

4.4. Execução da medida de segurança de internamento (reexame, revisão e liberdade para


prova)

A decisão penal que ordena a medida de segurança de internamento é, para todos os efeitos,
uma decisão penal condenatória (art. 376º/3 CPP), não obstante de ser uma decisão absolutória. A
condenação consiste na sujeição daquele agente à medida de segurança de internamento. A
execução da medida de segurança de internamento vem regulada nos artigos: 469º, 475º, 502º, 504º,
506º CPP e 126º e ss. e 156º e ss. CEP) – correndo a mesma perante o Tribunal de Execução de Penas
(LOSJ).
O reexame da medida de internamento está previsto no art. 96º CP, encontrando
fundamento na perigosidade criminal (cujo juízo é actual). Pode o tribunal tomar três decisões:
1) Confirmar a medida decretada, se se mantiver o estado de perigosidade e não for caso de
suspensão de execução do internamento;
2) Suspender a execução da medida decretada se for razoavelmente de esperar que com a
suspensão se alcança a finalidade da medida (art. 98º CP)
3) Revogar a medida decretada se tiver cessado o estado de perigosidade criminal que lhe deu
origem (art. 92º/1 CP)
Pode ainda verificar-se a prescrição da medida de segurança prevista no art. 124º/1 CP. Se
alguém for condenado a um internamento, e não for executada a medida dentro de dois anos ou
mais, não pode começar a ser executada sem uma apreciação quanto ao estado psicológico do
sujeito e sua perigosidade criminal. Os prazos deste instituto são demasiado longos, porque hoje a
resposta psiquiátrica é muito mais rápida.

A revisão da situação do internado está prevista no art. 93º CP (Cfr. Com arts. 94º/1 CP e
158º e 159º CEP). Encontra a sua justificação no facto de que finda a medida de segurança logo que a
perigosidade criminal cesse, não tendo duração pré-determinada; e ainda no principio da
proporcionalidade, na medida em que não consente privações da liberdade que se tornaram
excessivas face a alterações do estado de perigosidade do internado.
Para as situações em que há alterações do estado de perigosidade do internado, durante a
execução da sanção, vale precisamente o instituto da liberdade para prova, um verdadeiro incidente
da execução da medida de segurança de internamento. Depende de um requisito material: que a
perigosidade criminal se mantenha, mas o tribunal conclua que há razões para esperar que a
finalidade da medida de segurança pode ser alcançada em meio aberto. Desta forma, dá-se
concretização ao princípio da proporcionalidade, com ganhos evidentes para o processo de
reintegração do agente na sociedade.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

Quanto aos limites da liberdade para prova veja-se o art. 94º/2. Como se trata de um
incidente na execução da uma medida de segurança de internamento, a liberdade para prova
poderá cessar a todo o tempo se o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal,
por aplicação do disposto no art. 92º/1, 93º/1/2 CP.
Por remissão do art. 94º/3 para o art. 98º/3/4 CP, a decisão de colocar o internado em
liberdade para prova impõe ao agente regras de conduta necessárias à prevenção da perigosidade,
bem como o dever de se submeter a tratamentos e regimes de cura ambulatórios apropriados e de
se prestar a exames e observações nos lugares que lhe forem indicados, sendo colocado sob
vigilância tutelar dos serviços de reinserção social. Veja-se ainda o 94º/4 CP.
O art. 95º prevê duas causas de revogação da liberdade para prova. A consequência é o
reinternamento do agente, sendo aplicável o disposto no art. 92º CP, segundo o estabelecido no art.
95º/2 CP. Tratando-se de um incidente na execução da medida de segurança de internamento,
deverá contar, nomeadamente o prazo previsto daquele art. 92º/2 CP, o tempo que o agente esteve
em liberdade para prova.

4.5. Vicariato na execução.

O juízo de inimputabilidade do art 20º CP é reportado ao momento concreto da realização


do facto. O agente pode ser inimputável frente a um facto ou imputável face a outro. Como o juízo
de inimputabilidade é feito em abstracto, mas sim em concreto, então pode acontecer que um
agente tenha para cumprir uma pena e uma medida de segurança.
Ora, quando se aplicar uma pena e uma medida de segurança privativas da liberdade,
aplicadas ao agente por factos distintos, de acordo com o principio de vicariato na execução – art.
99º CP, 169º e ss. CEP – a medida de segurança de internamento é executada antes da pena de
prisão a que o agente tiver sido condenado (nº1, 1ª parte); a duração da medida de segurança é
descontada na duração da pena de prisão (nº1, parte final); o agente é colocado em liberdade
condicional , uma vez verificados certos pressupostos nos termos do nº2; ver ainda o nº3, cuja opção
é tomada em nome do êxito do tratamento alcançado durante a execução da medida de segurança.
O vicariato de execução tem como razão de ser não prejudicar ou inviabilizar os resultados
alcançados com o tratamento durante a execução da pena. Há uma preocupação preventivo-
especial muito clara.

5. Suspensão da execução do internamento.

O art. 98º CP no fundo é uma medida de segurança de substituição que é da competência do juiz
do tribunal da condenação. Distingue-se do instituto da liberdade para prova que é um incidente na
execução da medida de segurança, que é da competência do tribunal de execução de penas. Veja-se
o art. 98º/1 e 5. Excepcionalmente, quando seja aplicado o art. 91º/2 CP, exige-se também que a
medida de segurança não privativa da liberdade seja compatível com a defesa da ordem jurídica e
paz social (art. 98º/2 CP).
A previsão desta medida de segurança não privativa da liberdade dá expressão ao princípio da
proporcionalidade, com ganhos evidentes para o processo de reintegração do agente na sociedade.
A decisão de suspensão impõe ao agente regras de conduta, em termos correspondentes aos
referidos no art. 52º CP, necessárias à prevenção da perigosidade – ver art. 98º/3/4 CP.

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Eduardo Figueiredo 2016/2017

A suspensão do internamento tem, em regra, a duração máxima correspondente à da medida de


segurança de internamento, devendo findar quando o tribunal verificar que cessou o estado de
perigosidade criminal que lhe deu origem, no quadro de revisão periódica da situação do agente
(art. 92º, 93º/1/2 CP, por remissão do nº6/a do art. 98º).
A suspensão da execução do internamento é revogada se o comportamento do agente revelar
que o internamento é indispensável ou se o agente for condenado em pena privativa da liberdade e
não se verifiquem os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, com a
consequência de ter, então, lugar o internamento do agente (art. 95º CP, por remissão do art.
98º/6/b CP).
6. Considerações finais.

MARIA JOÃO ANTUNES alerta para a necessidade de repensar as disposições legais nesta
matéria, ao ponto de questionar se faz sentido manter a intervenção penal nesta área. Hoje a
resposta psiquiátrica está centrada na necessidade (ou não) de tratamento do agente declarado
inimputável em razão de anomalia psíquica, sendo que a sua intervenção – farmacológica,
psicoterapêutica e psicossocial – permite, cada vez mais, internamentos menos prolongados e
modalidades de tratamento que não passam pelo internamento.
Devemos ainda interrogar-nos sobre a subsistência do pressuposto da perigosidade criminal,
nomeadamente no que toca à questão dos limites de duração da medida de segurança de
internamento. Estes parecem surgir numa linha de paternalismo médico desajustada da realidade
actual.

Tema 7 – Pena relativamente indeterminada.

1. Justificação politico-criminal e natureza mista da sanção.

A pena relativamente indeterminada (PRI), prevista do art. 83º a 90º CP, pretende ser uma
resposta à delinquência especialmente perigosa – delinquência por tendência e à delinquência
ligada ao abuso de álcool e estupefacientes. Encontra justificação politico-criminal numa acentuada
inclinação para o crime por parte do agente, sem que se confunda com a pena aplicada ao agente
reincidente, apesar dos pontos de coincidência, porque na PRI releva de forma imediata o
pressuposto da perigosidade criminal. O agente é condenado numa pena relativamente à qual só
conhece o limite mínimo e o limite máximo de duração. O TC, no seu Ac. 43/86, considerou não
inconstitucionais as normas da PRI. .
Por força do art. 90º CP devemos afirmar que esta sanção é uma sanção mista: executada como pena
até ao momento em que se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime; é
executada como medida de segurança a partir deste momento e até ao seu limite máximo. E são
pressupostos da sua aplicação quer a culpa, quer a perigosidade criminal do agente. Além da culpa,
é pressuposto autónomo da aplicação da PRI que a avaliação conjunta dos factos e da personalidade
do agente revele uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda
persista (art. 83º/1 e 84º/1 CP), ou que os crimes tenham sido praticados em estado de embriaguez
ou estejam relacionados com o alcoolismo ou com a tendência do agente. (art. 86º/1 CP). A sua
existência no sistema sancionatório revela-se decisiva para a classificação do sistema como
tendencialmente monista ou de monismo prático.

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O art. 76º/2, em matéria de reincidência, diz que as disposições respeitantes à PRI podem
prevalecer, quando aplicáveis, às regras da reincidência - o que leva a concluir que o legislador
admite coincidência dos dois institutos. Mas, em termos gerais, para além dos pressupostos formais
serem distintos, o que distingue os institutos é que a razão de ser da maior punição do agente
reincidente, tem que ver com a ideia de maior culpa (o agente considera-se mais culpado); na PRI, o
que justifica a sua aplicação não é uma maior culpa do agente, mas sim a perigosidade criminal do
agente. Dito isto, há que acrescentar que as razões de prevenção especial valem só de forma
secundária, sendo essencialmente razões atinentes à culpa que conduzem a condenação como
reincidente; na PRI, o sujeito é provavelmente mais culpado, mas não é por esta culpa que o vamos
condenar na PRI, mas sim tendo em conta as exigências de prevenção especial.

2. Pressupostos.

Há que distinguir:
 Delinquentes por tendência grave: art. 83º/1 CP. Ver ainda 83º/4 CP.
o Crime doloso.
o A que devesse aplicar-se prisão efectiva por mais de 2 anos.
o Tiver cometido anteriormente dois ou mais crimes dolosos, a cada um dos quais
tenha sido ou seja aplicada prisão efectiva por mais de 2 anos.
 Delinquentes por tendência menos graves: art. 84º/1 CP e 84º/4 CP.
o Crime doloso.
o A que devesse aplicar-se prisão efectiva.
o Tiver cometido anteriormente quatro ou mais crimes dolosos, a cada um dos
quais tenha sido ou seja aplicada prisão efectiva.

Com as alterações em 1995, ficou esclarecido que se não exige que o agente tenha de ser
condenado em pena de prisão efectiva por certo tempo ou em pena de prisão efectiva, o que afasta
condenações em pena de substituição e os casos em que a pena foi cumprida na sequência de
revogação da pena de substituição. Além disso, passou a resultar claro que a aplicação da pena
relativamente indeterminada não exige a condenação pelos crimes anteriormente praticados,
bastando-se com a sua prática: é pressuposto que a cada um dos crimes anteriores tenha sido ou
seja aplicada pena de prisão por certo tempo ou pena de prisão efectiva. (não é necessário que a
condenação tenha transitado em julgado.)

Assim sendo, podemos aplicar uma PRI num contexto de concurso efetivo de infracções.

Ex: Crime A: 5 anos; Crime B: 7 anos; Crime C: 10 anos.

Relativamente ao crime C, o juiz pode concluir que a pena deve ser uma pena relativamente
indeterminada, porque não é necessário o trânsito em julgado da condenação das demais. Porém, está errado
determinar a pena única dos 3 crimes e depois transforma-la em PRI, porque estaríamos a aplicar a PRI a
crimes relativamente aos quais não se verificam os pressupostos necessários para sua aplicação. Mas como
executar duas penas quando uma é uma PRI?É uma questão ainda hoje discutida.

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Prevê-se um prazo de prescrição da tendência no art. 83º/3 e 84º/3 CP, o que também abrange o
período em que o condenado esteve em liberdade condicional ou em liberdade para prova. O seu
tempo de duração não deve ser computado no prazo de prescrição, na medida em que estamos
perante dois incidentes de execução.
Além dos pressupostos formais, é ainda necessário o pressuposto material acima indicado,
previsto na parte final do art. 83º/1 e 84º/1 CP. Dada a natureza mista da sanção, é de respeitar o
principio da proporcionalidade hoje expressamente consagrado no art. 40º/3 CP, no momento de
dar como verificado, ou não, o pressuposto material.

3. Limites de duração.

Para os casos de delinquência por tendência, aplica-se o art. 83º/2 CP; para os casos de
delinquência por tendência menos grave, aplicamos o art. 84º/2 CP.
Para a determinação dos limites, máximo e mínimo, de duração da PRI é necessário determinar
a medida da pena que concretamente caberia ao crime cometido, de acordo com os critérios gerais
de determinação da medida da pena (art. 71º CP). É a partir deste quantum de pena que depois se
estabelecem os limites, mínimo e máximo, de duração desta sanção. (Ac. STJ 28/02/2013)

4. Agentes com menos de 25 anos de idade.

Em razão da idade do agente, há uma atenuação do regime da PRI no art. 85º CP. Traduz-se no
seguinte:
 O disposto no art. 83º e 84º só é aplicável se o agente tiver cumprido prisão no mínimo
de um ano.
 Nestas hipóteses o limite máximo da PRI corresponde a um acréscimo de quatro ou de
dois anos à prisão que concretamente caberia do crime cometido.
 O prazo de prescrição da tendência é de três anos nos casos de delinquência grave.

5. Alcoólicos e equiparados.

Aplica-se o disposto no art. 86º/1 e 88º CP. Quanto à sua duração, veja-se o art. 86º/2 CP e 88º.

6. Execução.

A execução é feita de acordo com o art. 89º/1/2 CP, com conexão ainda com o nº3 e o art. 21º
CEP. Tratando-se de alcoólicos ou agentes que abusem de estupefacientes, aplica-se o art. 87º e 88º
CP.
O tempo de pena que o condenado em PRI deve cumprir não é determinado na decisão
condenatória. É determinado já na fase de execução, uma vez cumprido o limite mínimo que é
legalmente fixado por referência à medida da pena que concretamente caberia ao crime segundo
dos critérios estabelecidos no art. 71º/1 CP. Ora, o tempo de pena efectivamente cumprido é
determinado quer a partir de regras de execução da pena de prisão, que funcionarão até ao
momento em que se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime cometido, quer

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segundo regras de execução da medida de segurança de internamento, a partir deste momento e até
ao limite máximo da PRI. (art. 90º CP, 164º/2, 165º/4 e 180º/2 CEP). Vejamos.

6.1. Regras até se mostrar cumprida a pena que caberia ao crime.

 Até ao momento em que se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime
cometido, pode ser concedida liberdade condicional. (Art. 90º/1 CP e 173º CEP)
 O primeiro momento em que a liberdade condicional é avaliada é aos 2/3 da pena concreta
que coincide com o limite mínimo da PRI :os pressupostos do consentimento (art. 61º/1 CP) e os
pressupostos previstos no art. 61º/3 CP.
 Se a liberdade condicional não for concedida neste momento, haverá renovação anual da
instância até se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime. (Art. 180º/2/a CEP)
 Não há concessão de liberdade condicional aos 5/6, ou liberdade condicional obrigatória em
caso algum, desde logo porque o art. 90º/1 não remete para o disposto no art. 61º/4 CP.
 Duração da liberdade condicional: até ao limite máximo da PRI, mas não mais do que 5
anos. (Art. 90º/2 CP) - consequência: pode ser ultrapassada a pena que concretamente caberia ao
crime e a PRI continua a ser executada como pena de prisão. Isto equivale a um desvio à regra
segundo a qual a PRI é executada como medida de segurança a partir do cumprimento da pena
concreta cabida ao crime. E sem que isso signifique a execução de uma pena não suportada pela
culpa, uma vez que a pena que concretamente caberia ao crime cometido pode ter ficado aquém da
pena máxima consentida pela culpa do agente.
 Sendo concedida a liberdade condicional é possível impor deveres e regras de conduta ou
mesmo um plano de readaptação social porque o art. 90º/1 remete para o art. 64º, que regula
também a hipótese de revogação da liberdade condicional. Em caso de revogação e até se mostrar
cumprida a pena que concretamente caberia ao crime cometido, a liberdade condicional pode ser
concedida de novo passados dois anos sobre o início da continuação do cumprimento da pena e,
caso não seja concedida, decorrido cada período ulterior de um ano.

6.2. Regras depois de se mostrar cumprida a pena que caberia ao crime.

 Quando se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime cometido, o


condenado poderá ser libertado por aplicação das regras de execução da medida de segurança, de
internamento ou porque foi atingido, entretanto, o limite máximo da PRI. (art. 90º/3 CP; 164º/2 CEP)
 O condenado pode ser libertado mal cesse a sua perigosidade (art. 90º/3 CP que remete para
o art. 92º/1 CP.) o que resultará de uma revisão da situação do condenado feita ao abrigo do art.
93º/1/2 CP.
 Por força do art. 90º/3 CP, mantendo-se perigoso, pode o condenado ainda assim sair em
liberdade para prova (art. 94º e 94º CP) que é um incidente de execução próprio da medida de
segurança de internamento para os casos em que a finalidade preventiva da sanção possa ser atingida
em meio aberto.
 Mesmo mantendo a perigosidade o agente será sempre libertado quando atingir o limite
máximo da PRI, uma vez que o art. 90º/3 não remete para o disposto no art. 92º/3 que admite a
prorrogação (Ver ainda art. 479º CPP e 23º e 24º CEP). Esta norma nunca poderia aplicar-se à PRI sob
pena de inconstitucionalidade porque a norma constitucional que permite a prorrogação sucessiva

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(art. 30º/2 CRP) é exclusivamente aplicável aos casos de anomalia psíquica grave, o que não se
verifica no caso de um agente em PRI.

7. Considerações finais.

A PRI convoca uma reflexão sobre a opção político-criminal por um sistema sancionatório
tendencialmente monista. A PRI é raramente aplicada, sendo que os tribunais quase não fazem uso
do art. 20º/2 CP. Sendo certo que o destino de soluções legislativas politico-criminalmente
adequadas não pode estar, pura e simplesmente, na mão dos “não aplicadores do direito”.

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