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Direito Penal III

Maria Madalena Cavaleiro

DIREITO PENAL III


INTRODUÇÃO

1. O objeto da unidade curricular de Direito Penal III é integrado pelas consequências jurídicas do crime:
 As penas (principais, acessórias e de substituição), aplicáveis a pessoas singulares e a pessoas coletivas
e equiparadas;
 E as medidas de segurança (privativas e não privativas da liberdade).

A discussão sobre a natureza jurídica de institutos de natureza especial como os da queixa e da acusação
particular, da prescrição do procedimento criminal, da prescrição da pena e da medida de segurança, da
amnistia, do perdão e do indulto torna questionável a inclusão dos pressupostos positivos (art. 113º e ss CP) e
negativos da punição (art. 118º e ss, 122º e ss e 127º e ss do CP) no objeto das consequências jurídicas do
crime.

Se, por um lado, a tais institutos é apontada quer uma natureza jurídico-substantiva, quer uma natureza
jurídico-processual quer, ainda, uma natureza dupla (posição maioritária em Portugal), por outro, é também
discutível o que é que ainda pertence à doutrina geral do crime e o que é que já integra a doutrina das
consequências jurídicas do crime.

Relativamente ao instituto da queixa e da acusação particular: há crimes cujo procedimento criminal depende de
queixa. Há crimes (semipúblicos) relativamente aos quais é necessário que o ofendido, ou outras pessoas, apresentem
uma queixa para que se inicie o processo. Em regra, os crimes são púbicos, ou seja, o Ministério Público dá início ao
processo penal independentemente de queixa.

A. Indemnização de perdas e danos emergentes da prática de um crime

Quanto à indemnização de perdas e danos emergentes da prática de um crime (art. 129º e 130º CP) trata-se,
inquestionavelmente, de matéria atinente ao direito civil (não obstante o princípio de adesão que o CPP
consagra no art. 71º e ss), atendendo quer ao que se dispõe no art. 129º - a indemnização de perdas e danos
emergentes de crime é regulada pela lei civil – quer à regulamentação processual da matéria, nomeadamente
no que se refere ao carácter não oficioso do arbitramento da indemnização (art. 71º a 82º, art. 83º a 84º e art.
400º/3 CPP).

a) A Lei nº 59/98 introduziu o art. 82º- A, nos termos do qual o tribunal pode atribuir, em caso de
condenação, uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, quando particulares exigências de
proteção da vítima o imponham, ainda que não tenha sido deduzido pedido de indemnização civil no
processo penal ou em separado.

E com as alterações introduzidas pela Lei nº48/2007, este artigo passou mesmo a poder ter aplicação em
processo sumaríssimo, onde não é permitida a intervenção das partes civis (art. 393º e 394º CPP).

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b) Por outro lado:


 O art. 21º/2 da Lei 112/2009 (diploma que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da
violência doméstica, à proteção e assistência de suas vítimas) dispõe que, para efeito desta lei, há
sempre lugar à aplicação do disposto no art. 82º-A do CPP, exceto nos casos em que a vítima a tal
expressamente se opuser;
 O art. 16º/2 da Lei 130/2015 (diploma que prova o estatuto da vítima), estatui que há sempre lugar
à aplicação do disposto no art. 82º-A do CPP em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto
nos casos em que a vítima a tal se opuser.

Ainda assim, apesar do disposto nestas normas, estamos perante uma indemnização que, excecionalmente, é
arbitrada oficiosamente.

Em matéria civilística vale o princípio do pedido. Se o demandante não avançar com um pedido de
indemnização, o tribunal não pode oficiosamente arbitrar uma indemnização. Em direito penal não vale esse
princípio: se o Ministério Público comunicar ao Tribunal que o crime deve ser punido com pena de multa, o juiz
não está impelido a condenar com pena diferente.

Pode questionar-se: então porque é que a indemnização de perdas e danos emergentes da prática de um
crime, em regra, tem de ser pedida pelo demandante? Porque a indemnização é matéria de direto civil e não
de direito penal.

Portanto, estamos perante uma indemnização que excecionalmente é arbitrada oficiosamente e não face de
um efeito penal da condenação, o que exclui a sua integração no objeto da doutrina das consequências
jurídicas do crime. Só a reparação enquanto efeito penal da condenação ou como terceira espécie de sanção
criminal integrará o objeto da doutrina das consequências jurídicas do crime.

Há quem defenda que o direito penal deve ter 3 sanções: (1) penas, (2) medidas de segurança e (3) reparação.

Para alguns justifica-se que a reparação possa ser uma outra sanção criminal ao lado da pena e da medida de
segurança, o que se enquadra num discurso político-criminal atento aos interesses da vítima, onde esta poderá
mesmo ocupar lugar numa relação triangular (Estado/gente da prática do crime/vítima). É, de resto, cada vez
mais frequente o apelo a uma ideia de reparação em disposições dispersas da parte geral e da parte especial
do CP

 Arts. 51º/1, art. 71º/2/e), art. 72º/2/c), art. 74º/1/b), art. 206º, art. 209º/3, art. 212º/4, art. 213º/3/4, art.
216º/3, art. 217º/3, art. 218º/3/4, art. 219º/5, art. 220º/3, art. 221º/6, art. 222º, art. 224º/4, art. 225º/6, art.
231º/3/a) do CP.

E deve notar-se que a reparação integral dos prejuízos causados passou a ser mesmo uma causa de extinção da
responsabilidade criminal em matéria de crimes contra o património depois da Lei nº48/2007.

B. Registo criminal

Não obstante o Decreto-lei nº48/95 ter eliminado a redação primitiva dos art. 70º e art. 130º do CP, continua
a merecer uma referência a matéria relativa ao registo criminal, a qual deve ter-se como atinente ao objeto da
doutrina das consequências jurídicas do crime, considerando o objeto e o âmbito do registo criminal, quem
pode aceder à informação sobre identificação criminal, as regras de cancelamento (art. 2º/1, 6º, 8º, 11º, 12º
da Lei nº12/2015 – lei de identificação criminal – e art. 4º da Lei nº113/2009) e os efeitos de natureza criminal
deste registo.

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Nomeadamente no que se refere à determinação da medida da pena, à atenuação especial da pena, à


agravação da pena com fundamento em reincidência e à condenação em pena relativamente indeterminada
(art. 71º, 72º, 75º 83º e ss e 274º-A/4 do CP).

Continua a ser neste âmbito que se jogam efeitos estigmatizantes da pena de prisão. Toda a construção do
direito penal foi no sentido de despir a pena de efeitos estigmatizantes. Porquê?

 Porque quanto menos efeitos estigmatizantes, maiores serão os efeitos de ressocialização e reinserção. O
nosso direito penal é um direito penal do facto e não do autor. O que punimos não são as pessoas pelo
que são, mas pelo que fazem. O que está em causa é o comportamento, o facto ilícito e culposo. Estamos
numa fase de direito penal com algumas derivas no sentido do direito penal do autor.

Por exemplo:

 O art. 4º da Lei nº113/2009 – diploma que estabelece medidas de proteção de menores, em


cumprimento do art. 5º da Convenção do Conselho da Europa contra a Exploração Sexual e o Abuso
Sexual de crianças, de 2007 -, demarcando-se da Lei de Identificação de crime contra a liberdade e a
autodeterminação sexual, dispõe que o cancelamento definitivo no registo criminal ocorre 25 anos
sobre a extinção da pena principal ou de substituição, ou da medida de segurança, e desde que,
entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime.

 Sendo o prazo máximo regra de 10 anos (por exemplo, condenação em pena de prisão de 25 anos por
prática de homicídio qualificado), daquele preceito só pode mesmo dizer-se que o legislador apostou
decididamente em marcar o agente daquele tipo de crimes com um ferrete tal que é seu propósito
político estigmatizar sem limites um determinado tipo de autor (o condenado pela prática de crimes
contra a liberdade e a autodeterminação sexual).

C. Dados de perfis de ADN

É de considerar também a matéria relativa àquele objeto a base de dados de perfis de ADN, para fins de
investigação, onde é inserida informação relativa a amostra recolhida em arguido condenado, por decisão
judicial transitada em julgado, por crime doloso em pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda
que esta tenha sido substituída; e em arguido declarado inimputável, por decisão transitada em julgado, a
quem seja aplicada medida de segurança de internamento, nos termos do art. 91º/2 CP, ainda que suspensa
nos termos do art. 98º do mesmo Código (art. 8º/2/3 e 15º/1/e) da Lei nº5/2008).

D. Registo de identificação criminal de condenados por crimes contra autodeterminação e liberdade


sexual do menor

Deve ainda ter-se como atinente ao objeto da doutrina das consequências jurídicas do crime o registo de
identificação criminal de condenados pela prática de crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade
sexual do menor, criado pelo art. 4º da Lei nº103/2015, atendendo ao âmbito do registo, às suas finalidades,
aos deveres que impende sobre o agente inscrito, às regras de cancelamento e a quem pode aceder à
informação do registo (art. 2º, art. 3º, art. 11º, art. 13º, art. 14º, art. 16º do anexo constante daquela lei).

A criação deste registo – para todos quantos tenham antecedentes criminais relativamente aos crimes contra a
liberdade e autodeterminação sexual de menor e, portanto, ainda que as condenações por estes crimes já
tenham ocorrido e a pena esteja cumprida (art. 2º/1 e art. 8º/2) – põe até, em bom rigor, a questão da
natureza jurídica da inscrição. Nomeadamente, a de saber se estamos perante um efeito necessário da pena,
uma medida segurança (pós-delitual ou pré-delitual) ou antes em face de uma medida administrativa.

O que acontece é que o nome das pessoas fica inscrito no registo durante
25 anos e o registo é acessível pelo Ministério Público, pela polícia e
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também podem pedir informações os pais de menores de 16 anos.
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De acordo com o princípio da legalidade criminal, a lei penal aplica-se aos factos praticados no âmbito da sua
vigência. A regra, em direito penal, é a aplicação da lei vigente no momento da prática do facto. Esta lei (do registo
dos pedófilos) aplica-se a factos praticados anteriormente à entrada em vigor da lei e aplica-se inclusivamente aos
que cumpriram integralmente a pena.

Podemos questionar: é considerada uma pena quando, após cumprir a pena de prisão, tenho o meu nome neste
registo? É uma pena? Ou uma medida segurança? Ou uma medida administrativa?

A pertinência desta matéria mostra-se num regime legal que está orientado:

a) Para a censura de certo tipo de crimes – crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual;

b) Para a estigmatização de certo tipo de autores – os abusadores sexuais que se tornarão visíveis numa
lógica de reintegração por via da humilhação;

c) E para a proteção de certo tipo de vítimas – crianças e jovens, numa lógica de maximização da
segurança que só aparentemente deixa espaço para uma ideia de reinserção social, contrariamente ao
apregoado pelo legislador no art. 3º.

Foi decisivo para a autonomização da matéria das consequências jurídicas do crime, enquanto objeto de
cadeira ou de unidade curricular, ultrapassar o entendimento de que a doutrina das consequências jurídicas do
crime se inscreveria no âmbito da política criminal e até da criminologia, por contraposição à doutrina geral do
crime, cujo âmbito coincidiria com o da dogmática jurídico-penal.

O que tem a ver com o abandono de uma visão da política criminal e da criminologia como meras “ciências
auxiliares” do direito penal no universo da “ciência global do direito penal” e da doutrina das consequências
jurídicas do crime como domínio privilegiado de revelação da arte de julgar do juiz. E com a dogmatização
consequente da matéria da doutrina das consequências jurídicas do crime, `qual passou a ser reconhecido o
revelo científico até então privativo da doutrina geral do crime

É particularmente significativa desta evolução a exigência de que na sentença sejam expressamente referidos:

1. Os fundamentos da medida da pena (art. 71º/3 do CP e art. 374º/2, 375º/1 e art. 379º/1/a) CPP);

2. A perícia sobre a personalidade para efeito de avaliação da personalidade e perigosidade do agente,


tendo em vista a determinação da sanção (art. 160º CPP);

3. O relatório ou informação social necessários à determinação da sanção que eventualmente possa vir a
ser aplicada (art. 370º CPP);

4. A cisão entre questão da culpabilidade e questão da determinação d sanção no momento em que,


encerrada a discussão, se inicia a deliberação e votação conducente à elaboração da sentença ou
acórdão (art. 365º, art. 368º, art. 369º e 372º CPP), sendo até possível a reabertura da audiência
quando se torne necessária a produção de prova suplementar para determinação da espécie e da
medida da sanção a aplicar (art. 371º do CPP);

5. E a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que
este seja apena de revista.

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CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA SANCIONATÓRIO PORTUGUÊS

1. Princípios orientadores do programa político-criminal de emanação jurídico-constitucional

A CRP contém um conjunto de princípios orientadores do programa político-criminal em matéria de


consequências jurídicas do crime.

Além de conter regras às quais o programa deve obediência:

a) Em caso algum haverá pena de morte (art. 24º/2);


 Portugal já festejou os 150 anos da abolição da pena de morte. Foi, aliás, o primeiro país a aboli-
la

b) Ninguém pode ser submetido a penas cruéis, degradantes ou desumanas (art. 25º/2 parte final);

c) Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter
perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida (art. 30º/1 com a ressalva constante do nº2).

 Portugal é também o primeiro no âmbito desta matéria (desde 1884).

 Espanha reintroduziu a pena de prisão perpétua em 2015, apelidando-a de pena de prisão


permanente.

 Segundo as estatísticas, Portugal tem uma duração média de pena de prisão superior à da
Alemanha, por exemplo. Na Alemanha, os agentes podem ficar em liberdade condicional ao fim
de 15 anos (em Portugal podem ficar em liberdade condicional ao fim do cumprimento de 5/6
da pena). Apesar de na Alemanha existir pena de prisão perpétua, não é por isso que a pena de
prisão tem uma duração média superior à de Portugal.

«Há soluções que não decorrem do princípio democrático mas de determinados liberais» – a opção
de Portugal em 1867 no sentido da abolição da pena de morte não resultou do funcionamento da
democracia, no sentido de ser uma opção do povo, mas antes dos ideais liberais que na altura
Portugal abraçou.

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PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ORIENTADORES DO PROGRAMA POLÍTICO-CRIMINAL:

1. Um dos princípios constitucionais orientadores do programa político-criminal é o princípio da legalidade,


segundo o qual não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente
cominadas em lei anterior da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo; ninguém pode
sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente
conduta ou da verificação os respetivos pressupostos (art. 29º/3/4 e art. 165º/1/c) da CRP).

2. Um outro princípio (avançado por FIGUEIREDO DIAS) é o da congruência ou da analogia substancial entre a
ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal (art.
18º/2 da CRP e Acórdão do Tribunal Constitucional nº377/2015). Daqui resultando a exigência de que os
bens jurídicos jurídico-penais (bens jurídicos dignos de tutela penal) sejam necessitados (carentes) de
tutela penal e o entendimento de que só finalidades de prevenção, geral e/ou especial, podem justificar a
aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança.

A posição do curso vai no sentido de que as penas e medidas de segurança têm finalidades preventivas.

O art. 18º/2 da CRP dispõe que as restrições aos direitos fundamentais só são legítimas para a salvaguarda
de outros direitos ou interesses legalmente protegidos. Quando aplicamos uma pena (por exemplo, a pena
de prisão) a alguém que cometeu um crime, há um direito que é restringido: a liberdade. Quando alguém é
confinado ao espaço de uma prisão, a sua liberdade é restringida, há um direito restringido. E esta
restrição é apenas legítima quando é necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
legalmente protegidos.

 Por exemplo, é necessário para a proteção do bem jurídico vida a restrição da liberdade de um
individuo.

Se apenas posso restringir a liberdade de alguém para proteger direitos e interesses legalmente
protegidos, não há espaço para as teorias da retribuição. As penas têm uma finalidade preventiva. Eu puno
para que o agente não possa pecar e para que a generalidade dos indivíduos não pequem. Só aplico a pena
se for necessária para um fim preventivo: geral e especial.

Nota: o art. 40º CP diz expressamente que as penas e medidas de segurança têm finalidades preventivas.

3. Um dos princípios é também o da proibição do excesso que podemos concretizar em 3 princípios


fundamentais:

3.1. No princípio da culpa em matéria de penas.

Este é um princípio jurídico-constitucional implícito, que não está expressamente previsto, mas que a
doutrina e a jurisprudência constitucional (Tribunal Constitucional) fazem decorrer dos arts. 1º, 13º e
25º/1 da CRP, enquanto consagram o princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal e do art. 2º,
enquanto consagra o modelo do Estado de direito democrático.

O princípio da culpa diz-nos que não há pena sem culpa, nem a pena é superior à culpa. A culpa é
sempre limite da pena que vou aplicar. A culpa é pressuposto e limite da pena, mas não é
fundamento. O fundamento da pena são as finalidades de prevenção. O princípio da culpa garante
que não há excesso na punição. O princípio da proibição do excesso materializa-se no princípio da
culpa.

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3.2. No princípio da proporcionalidade em matéria de medidas de segurança (art. 18º/2 da CRP)

Em matéria de medidas de segurança não vale o princípio da culpa mas sim o princípio perigosidade
criminal. Qual é o limite da pena? A culpa. Qual o limite da medida de segurança? Princípio da
proporcionalidade (art. 18º).

3.3. E em geral, no princípio da proporcionalidade das sanções penais, um outro princípio que a
jurisprudência constitucional tem feito decorrer do art. 18º/2 da CRP e do art. 2º, enquanto consagra
o modelo do Estado de direito democrático. É, no entanto, reiterado e uniforme o entendimento de
que o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que contenham sanções que sejam manifesta
e claramente excessivas.

4. É ainda um princípio constitucional (implícito, deduzido pela doutrina e pela jurisprudência dos arts. 2º, 9º
e 30º) orientador do programa político-criminal o princípio da socialidade ou socialização, segundo o qual
incumbe ao Estado um dever de ajuda e de solidariedade para com o condenado, proporcionando-lhe as
condições necessárias para a reintegração na sociedade.

Num Estado de Direito Democrático e Social não é legítimo impor programas de socialização, o Estado
oferece. Deve oferecer e criar condições para que a pessoa adira a esses programas.

Este princípio é deduzido a partir do:

a) Art. 2º da CRP, na medida em que caracteriza a República Portuguesa como um Estado de direito
democrático que visa a realização da democracia social;

b) Do art. 9º/d) da CRP, por especificar como tarefa fundamental do Estado a promoção do bem-estar
e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses;

c) Do art. 26º/1 da CRP, na parte em que prevê o direito ao desenvolvimento da personalidade;

d) E do art. 30º/1 da CRP porque proíbe penas e medidas de segurança privativas ou restritivas da
liberdade com carácter perpétuo.

Diferentemente de ordens jurídicas como a de Espanha ou a de Itália, o princípio não decorre de


disposição constitucional expressa, o que não tem obstado a que a jurisprudência constitucional faça
apelo ao princípio.

EDUARDO CORREIA : o direito penal não é para fazer dos homens santos ou heróis. O que se pretende é que
alguém que cometa o crime, não o volte a cometer. Não queremos modificar as pessoas

5. O princípio da preferência pelas reações criminais não privativas da liberdade em face das privativas,
como decorrência da exigência de necessidade/subsidiariedade da intervenção penal e de
proporcionalidade das sanções penais (art. 18º/2 CRP), é também um princípio constitucional orientador
do programa político-criminal em matérias de consequência jurídicas do crime

Por exemplo: se para se proteger um direito ou interesse legalmente protegido bastar uma pena de multa,
não é necessário aplicar uma pena de prisão. Se conseguir proteger através de meios menos privativos da
liberdade, devo preferi-los.

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6. Um outro princípio de emanação jurídico-constitucional é o da aplicação da lei penal mais favorável (art.
29º/4 parte final CRP). Trata-se de um princípio ao qual a doutrina e a jurisprudência constitucional têm
reconhecido autonomia relativamente ao princípio da legalidade em matéria criminal (embora alguns
autores os confundam), justificando-o à luz do princípio da necessidade das sanções penais.

 Porque é que eu aplico a lei penal mais favorável? Não pelas mesmas razões que aplico a lei penal
vigente no momento da prática do crime. Porque devo aplicar a lei mais favorável? Porque o
legislador considerou, a determinado momento, que bastava uma moldura penal mais reduzida.
Este é um princípio que decorre do princípio da necessidade da intervenção penal

Nota: o legislador convocou este princípio, expressamente, para justificar alterações legislativas relevantes
ocorridas em 2007 que culminaram numa outra redação do art. 2º/4 do CP e na introdução do art. 371º-A
do CPP.

7. O princípio da insusceptibilidade de transmissão da responsabilidade penal (art. 30º/3 CRP) é um outro


princípio orientador do programa político-criminal. Uma das refrações deste princípio da pessoalidade da
responsabilidade penal é, seguramente:

a. A extinção do procedimento criminal, bem como da pena ou da medida de segurança, em caso de


morte do agente da prática do crime (art. 128º CP);
b. A não transmissão a outrem da responsabilidade criminal, em caso de morte do agente da prática
do crime (art. 127º CP);
c. E a impossibilidade de sub-rogação no cumprimento da pena ou de medida de segurança (art.
367º/2 CP)

(1) A questão é particularmente difícil em relação às penas de multa: alguém pode ajudar outrem a pagar
uma pena multa. Contudo, tal é constitucionalmente proibido: tal seria atentar contra o princípio da
insusceptibilidade de transmissão da responsabilidade penal

(2) E se alguém morrer hoje, mas ontem foi condenada a uma pena de multa? Os herdeiros são
condenados a pagar a multa? Não.

(3) Com a crise económico-financeira, as empresas/pessoas coletivas viveram períodos de grande


dificuldade económica. Aconteceu um caso em que o dono de uma empresa/pessoa coletiva com
dificuldades não pagava à segurança social os descontos obrigatórios dos seus trabalhadores. Cometeu um
crime fiscal e foi condenado a pagar uma multa. Ele não tinha dinheiro para pagar a multa. Neste caso,
quem paga a multa é a pessoa individual: o gerente. Isto viola o princípio da intransmissibilidade da
responsabilidade penal.

8. Um outro princípio de emanação jurídico-constitucional é o da não automaticidade dos efeitos da pena


(art. 30º/4 CRP).

A exigência de que nenhuma pena envolva como efeito necessário da perda de quaisquer direitos civis
profissionais ou políticos dá realização à ideia político-criminal de que importa retirar às penas efeito
estigmatizante (sendo de notar que quando foi declarada com força obrigatória geral a
inconstitucionalidade de normas que estabeleciam a incapacidade eleitoral ativa dos definitivamente
condenados a pena de prisão por crime doloso ou crime doloso infamante, enquanto não houvessem
expiado a respetiva pena, ainda não tinha sido introduzido o atual art. 30º/5 CRP)

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No Ordenamento Jurídico Português existia uma disposição segundo a qual se alguém fosse condenado a
uma pena de prisão, não teria direito ao voto. Essa lei eleitoral dizia na altura que se alguém estivesse a
cumprir pena de prisão não tinha capacidade eleitoral.

 O Tribunal Constitucional julgou esta norma inconstitucional com este parâmetro: à pena não podem
associar-se automaticamente determinados efeitos. Foi com fundamento neste parâmetro da não
automaticidade dos efeitos das penas que o Tribunal Constitucional considerou esta norma
inconstitucional.

9. É ainda um princípio orientador do programa político-criminal de emanação jurídico-constitucional, o


princípio segundo o qual os condenados em pena ou medida de segurança privativas da liberdade
mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da
condenação e às exigências próprias da respetiva execução (art. 30º/5 CRP).

Em direito penal acabou-se com as relações especiais de poder: os presos não estão mais numa relação
especial de poder perante a administração prisional. Em determinado momento histórico, os direitos não
valiam para todos os cidadãos (não existia o princípio da universalidade), havendo cidadãos que não eram
titulares de direitos por estarem numa relação especial de poder. Atualmente, já não é assim: os direitos
fundamentais valem para todos os cidadãos

É por referência a este princípio que, a propósito do estatuto jurídico do recluso, o Código de Execução
dispõe que «o recluso mantém a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao
sentido da sentença condenatória ou da decisão de aplicação de medida de segurança privativa da
liberdade e as impostas por razões de ordem e de segurança do estabelecimento prisional » (art. 6º e 7º).

Este princípio seria o parâmetro pertinente ao direito de voto: alguém que é condenado a pena de prisão
mantém a titularidade do direito eleitoral (art. 7º/1 CE)

CASO QUE FOI AO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO: a determinada altura, um cidadão alemão que
estava preso levou ao Tribunal Constitucional uma questão, que era a de saber se violava a lei fundamental
alemã retirar da sua cela o seu canário. O Tribunal Constitucional considerou que sim, que o preso poderia
ter o canário. Porquê? Porque a liberdade que ele tem de ter um canário é a mesma que qualquer cidadão
tem, e ter o canário na cela não iria prejudicar o sentido da sanção.

VIEIRA DE ANDRADE afirmou que outra seria a decisão do Tribunal Constitucional Alemão se em vez do
canário, o preso tivesse um elefante de estimação.

Foi também por referência a este princípio que o Tribunal Constitucional cotejou o direito de acesso a
cargos públicos de natureza eletiva com a situação dos indivíduos condenados em pena de prisão efetiva
em cumprimento de pena prevista no art. 30º/5. (Acórdão 550/2013).

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Em 2013 foi ao plenário uma questão, na altura, nova. O Tribunal Constitucional, para além das suas
funções de Tribunal Constitucional propriamente dito, exerce funções como tribunal eleitoral. Estavam a
decorrer as eleições autárquicas de 2013. Um dos candidatos era Isaltino Morais, que na altura estava
preso, a cumprir pena de prisão.

 Pode ser candidato alguém que está preso? As pessoas têm capacidade eleitoral ativa (capacidade
para votar) e passiva (para serem eleitos). Esta última capacidade mantém-se quando estão a cumprir
pena de prisão?

 O Tribunal Constitucional respondeu no enquadramento do art. 30º/5, sem unanimidade, que


Isaltino não poderia ser candidato, pois não poderia ser candidato alguém que estivesse preso. As
pessoas eleitas têm que tomar posse num determinado período de tempo. Tendo em atenção que a
pessoa estava presa, ela não teria liberdade para assumir o lugar/cargo

EXCERTOS DO ACÓRDÃO

1. «Com efeito, a situação de reclusão, por tudo o que implica em termos de limitação de liberdade pessoal, em especial de comunicação e
de deslocação, não se mostra compatível com a apresentação de candidatura a membro de uma assembleia municipal (referindo-se a
uma incapacidade eleitoral passiva dos condenados a quem seja aplicada pena ou medida privativa da liberdade»;
2. «Importa, na verdade, considerar que o recluso está ab initio impedido de fazer campanha eleitoral em condições idênticas às dos
demais candidatos e de aceder ao local de instalação do órgão de modo a ocupar o seu lugar e assumir funções como membro do
mesmo»
3. «Facilmente se vê como a impossibilidade jurídica de um dado candidato nela participar atenta não apenas contra a liberdade do
próprio, mas também contra o direito ao esclarecimento por parte dos eleitores e contra a própria lógica e sentido do «jogo
democrático».
4. «Admitir candidatos que à partida se sabe que estão impedidos de participar em tal campanha seria manifestamente contraditório.»
5. «Mais grave ainda: admitir candidatos que à partida se sabe que estão impedidos de comparecer ao ato de instalação do órgão a que se
candidatam não pode deixar de pôr em causa a própria seriedade da candidatura e, consequentemente, também a transparência do
processo eleitoral. Com efeito, tratar-se-ia, em tal hipótese de uma «candidatura de fantasia», sem viabilidade, suscetível de confundir os
eleitores »
6. «Em suma, a candidatura a cargo eletivo encontra-se funcionalizada à participação na campanha eleitoral e à possibilidade de, uma vez
eleito, ocupar o cargo.
7. «Uma vez que tal diferenciação, tratando-se da candidatura de um cidadão a cumprir pena privativa da liberdade, é uma consequência
inelutável das limitações, sobretudo em termos de liberdade de expressão e de liberdade de deslocação, decorrentes da própria situação
de reclusão num estabelecimento prisional, verifica-se que a impossibilidade de concorrer à eleição para cargos públicos releva como
limitação inerente à execução da pena de prisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 30.º, n.º 5, da Constituição.»

O Tribunal Constitucional entendeu que havia uma limitação à capacidade eleitoral passiva; havia uma
limitação jurídico-constitucionalmente legítima.

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2. Características gerais do sistema sancionatório português

(1) A primeira nota a destacar, quando caracterizamos o sistema sancionatório português, é a recusa da pena de
morte e das sanções de natureza perpétua (art. 24º/2 e 30º/1 CRP), o que é revelação clara de um princípio
de humanidade, com raízes honrosas em 1852 e 1867, relativamente à pena de morte (primeiro para crimes
políticos e depois para crimes civis) e em 1884, no que se refere à pena de prisão perpétua.

Constitui uma exceção a possibilidade de prorrogação sucessiva de medidas de segurança privativas ou


restritivas da liberdade, em caso de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica e na impossibilidade
de terapêutica em meio aberto, mediante decisão judicial enquanto tal estado se mantiver (art. 30º/2 CRP e
92º/2 CP).

(2) Em segundo lugar, há que sublinhar que o sistema sancionatório assenta na conceção básica de que as
sanções privativas da liberdade constituem a ultima ratio da política criminal, dando cumprimento ao
princípio político-criminal da necessidade/subsidiariedade da intervenção penal e da proporcionalidade das
sanções penais (art. 18º/2 CRP e, entre outros, arts. 70º e 98º CP)

(3) Uma terceira nota tem a ver com a opção por um sistema tendencialmente monista ou de via única de
reações criminais. Ou seja, um sistema que, tendencialmente, não aplica ao agente, pelo mesmo facto, uma
pena e uma medida de segurança privativas da liberdade.

Há duas grandes possibilidades de sistemas: (1) os sistemas monistas ou (2) os sistemas dualistas.

O problema convocado prende-se com o problema de saber se posso aplicar ao mesmo agente, pela prática
do mesmo facto, cumulativamente, uma pena e uma medida de segurança.

 Em Portugal isto não é possível: não posso aplicar cumulativamente uma pena e uma medida de
segurança, por isso se diz que o nosso sistema é monista.

 Não é assim na Alemanha e noutros países: a um agente imputável pode aplicar uma pena e
cumulativamente uma medida de segurança, em nome da sua perigosidade criminal.

As soluções dualistas estão pensadas para:


a. Delinquentes de imputabilidade diminuída, que tenham uma anomalia psíquica no momento da prática
do crime (por exemplo, a Alemanha aplica a pena e depois uma medida de segurança, decorrente da
anomalia psíquica);
b. Para delinquentes alcoólicos ou toxicodependentes
c. E para delinquentes especialmente perigosos, relativamente aos quais se sabe que a pena é insuficiente.

O Direito Português foi sempre avesso ao dualismo. E por isso, hoje, aplicamos penas aos imputáveis e
medidas de segurança aos inimputáveis. Não aplicamos é ao imputável uma pena e uma medida de
segurança cumulativamente, pela prática do mesmo facto.

Isto tem um passado significativo. BELEZA DOS SANTOS , quando fez a reforma prisional, teve logo a perceção
muito clara de que a solução dualista era uma má solução (o primeiro Código dualista é um Código
Norueguês de 1902). As soluções dualistas não são boas soluções. Quando alguém é condenado a uma pena
e uma medida, aplicamos primeiro qual? Se estivermos perante alguém que tem uma anomalia psíquica,
vamos prendê-la primeiro e depois é que a tratamos? Ou depois de estar tratada, vamos prendê-la,
colocando em causa o tratamento feito?

BELEZA DOS SANTOS : «nas soluções dualistas perde-se a unidade da execução».

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Direito Penal III
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BELEZA DOS SANTOS consagrou um monismo prático: as pessoas eram condenadas a uma pena (eram
considerados agentes perigosos) e no fim da pena havia uma avaliação para saber se se justificava a aplicação
de uma medida de segurança, em virtude da sua eventual perigosidade.

O Código Penal de EDUARDO CORREIA também não previu a solução dualista. O que temos é um sistema
tendencialmente monista. É monista porque ao agente da prática do facto não aplicamos cumulativamente
uma pena e uma medida de segurança privativa da liberdade, mas é tendencialmente monista porque temos,
entre nós, a pena relativamente determinada.

Portanto, esta caracterização do sistema sancionatório pressupõe que seja tido em conta:

a. O regime da pena relativamente indeterminada (art. 83º e ss CP), do qual decorre a natureza mista
desta sanção.

A pena relativamente indeterminada é aplicada a delinquentes por tendência: (1) alcoólicos, (2)
toxicodependentes e (3) a gentes da prática de crime de incêndio florestal.

b. A declaração de inimputabilidade, nos termos do art. 20º/2 CP, como resposta à especial perigosidade
dos delinquentes de inimputabilidade diminuída;

Art. 21º/2 CP: este artigo permite ao juiz, em relação aos agentes de imputabilidade diminuída,
decidir se os declara imputáveis ou inimputáveis.
 Se os declarar imputáveis, aplica uma pena;
 Se os declarar inimputáveis, aplica uma medida de segurança.

c. E o regime de execução da pena e da medida de segurança privativas da liberdade, previsto no art.


99º do CP, para os casos em que o agente é condenado nas duas sanções pela prática de factos
distintos.

Em 1936 a solução político-criminal por um sistema monista teve que ver com a avaliação negativa que
BELEZA DOS SANTOS fazia dos sistemas dualistas. As críticas aos sistemas dualistas, por BELEZA DOS SANTOS , nos
anos 30, começam a ser feitas na Alemanha apenas em 1970. Portugal foi o país pioneiro a fazer esta
avaliação negativa dos sistemas dualistas.

O que motivou EDUARDO CORREIA no seu projeto de 60 a não promover soluções dualistas? Obviamente que
partilhava das críticas de BELEZA DOS SANTOS , mas EDUARDO CORREIA fez uma opção política (em sentido
estrito), porque as medidas de segurança, que são uma sanção relativamente nova no direito, surgindo em
finais do séc. XVIII, inícios do séc. XIX por via do positivismo Italiano, são sanções muito perigosas. As medidas
de segurança são sanções que têm como pressuposto a perigosidade criminal, o que é perigoso.

Os regimes políticos sempre usaram as medidas de segurança. Em Portugal, no Estado Novo, desde 1926, as
medidas de segurança eram as sanções que o regime político da ditadura aplicava aos presos políticos. Crime
político: enquanto a pessoa pensasse de maneira diferente, era perigosa. As medidas de segurança foram
sempre uma arma dos regimes ditatoriais.

As penas são determinadas pelo juiz. A medida de segurança, pela sua natureza, não tem limite de duração
(não tinha, aliás, agora vai tendo). Ela persistia enquanto persistisse a perigosidade criminal. Era uma medida
muito usada pelo Estado Novo, no âmbito da criminal político.
 Portanto, a opção de EDUARDO CORREIA nos anos 60, quando fez o projeto do CP, foi a de não dar
armas ao governo, e por isso optou pela solução monista.

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Qual foi o custo disto? O projeto de EDUARDO CORREIA serviu o regime democrático, ficou fechado na gaveta e
só viu luz depois de 1974 (entrando em vigor em 1983)

(4) Numa quarta nota, é de sublinhar que a pena tem como finalidade primordial a proteção de bens jurídicos e,
sempre que possível, a reintegração do agente na sociedade, atuando a defesa da ordem jurídica e da paz
social (conteúdo mínimo da prevenção geral positiva) como limite à atuação das exigências de prevenção
especial de socialização e a culpa como limite da pena (art. 40º/1/2 CP).

Art. 40º/1: «A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a
reintegração do agente na sociedade»
a. Primeira parte – encontramos uma clara alusão à prevenção geral positiva. Com a aplicação da pena
pretendemos reafirmar a validade da norma que foi violada pela prática do crime. O que é que
queremos fazer com a aplicação da pena? Pretendemos dizer à comunidade jurídica que, não obstante
ter sido violada uma norma do CP, ela continua a ser uma norma válida. Esta é a finalidade principal da
pena.
b. Segunda parte – saímos do âmbito da prevenção geral e entramos no âmbito da prevenção especial
positiva.

Art. 40º/2 «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» - A culpa é apenas limite e
pressuposto da pena. Não é o seu fundamento o fundamento da pena são as finalidades preventivas

O que é exemplificável com:


 O modelo de determinação da medida concreta da pena (art. 71º CP);
 Com os critérios de escolha da pena (art. 70º CP);
 Com as finalidades da execução da pena de prisão (art. 42º CP e 2º CE);
 Com os critérios de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com
fiscalização por meios técnicos de controlo à distância (art. 43º CP);
 E com os critérios de concessão da liberdade condicional (art. 61º CP).

Mal ou bem, a opção do legislador foi pela prevenção geral positiva e, sempre que possível, a reintegração
do agente.

Há pessoas que cometem crimes e não precisam de ser ressocializadas: a prática do crime nem sempre se
verifica num défice de socialização. Quando falamos de prevenção especial podemos falar em 3 aceções:

 Podemos estar perante alguém carente de socialização, e então o juiz aplica a pena para o reinserir na
sociedade;
 Podemos estar perante alguém que não é ressocializável;
 Podemos estar perante um agente que apesar de ter cometido um crime, pode não precisar de ser
ressocializável. Basta pensarmos, por exemplo, nos crimes passionais ou situacionais. Há contextos
que são irrepetíveis.

Uma mulher mata marido porque descobre que este a traiu: há contextos irrepetíveis.

Os nazis nunca foram condenados. Tal é uma prova de que a pena não se justificava por razões de ressocialização. Mas
a pena pode justificar-se por razões de prevenção geral e não especial.

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Quanto à determinação da medida concreta da pena:

O tribunal pode convencer-se que, quem tenha praticado um crime com uma moldura penal 8 a 12 anos, o
mínimo de 8 anos é excessivo do ponto de vista da prevenção especial.

Contudo, o juiz terá de cumprir aquela moldura, é necessário para que a comunidade jurídica refirme a
validade da norma que foi violada (prevenção geral). As expectativas comunitárias quanto à validade e vigência
da norma só se cumprem se o tribunal decidir em pena de prisão no mínimo de 8 anos.

Quanto à escolha da pena – temos um leque rico de penas de substituição:

a) A pena de prisão até 5 anos pode ser substituída por uma pena não privativa da liberdade; o tribunal
pode concluir que, do ponto de vista da prevenção especial, não é necessário condenar o agente a
uma pena de prisão; mas se concluir que pela prevenção geral é necessária a pena de prisão, então
deverá prevalecer esta finalidade.

b) Todas as penas de prisão concretas até 2 anos podem ser cumpridas em casa, com recurso à pulseira
eletrónica.

c) O instituto da liberdade condicional tem como pressuposto que ao agente tenha cumprido pelo
menos metade da pena; por outro lado, o tribunal tem de avaliar se ele voltará a praticar o crime e
terá de avaliar se é compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social (prevenção geral). Mais
uma vez, prevalece a prevenção geral.

As mesmas finalidades preventivas estendem-se, em geral, às medidas de segurança, com as limitações


impostas pelo princípio da proporcionalidade (art. 40º/1/3 CP) e pelas especificidades da medida de
segurança aplicável a inimputável por anomalia psíquica.

(5) Uma última característica, fruto das alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007, prende-se com a
aplicação/autonomização de sanções a pessoas coletivas e equiparadas, que agora estão expressamente
previstas no CP (art. 11 e 90º-A a 90º-M).

Segundo o art. 22º do CP de 1852, somente podiam ser criminosos os indivíduos que tivessem a necessária
inteligência e liberdade. Entendimento que o Decreto de 16 de setembro de 1886 manteve, quando aprovou
a nova publicação oficial do Código Penal:

 Somente podiam ser criminosos os indivíduos que tivessem a necessária inteligência e liberdade (art.
26º - Imputabilidade) recaindo a responsabilidade criminal única e individualmente nos agentes de
crimes ou de contravenções (art. 28º - Individualidade da responsabilidade criminal).

No CP de 1982, na versão primitiva e depois na do Decreto-lei de 48/95, de 15 de março, o carácter pessoal


da responsabilidade foi mantido, estabelecendo o art. 11º que, salvo disposição em contrário, só as pessoas
singulares eram suscetíveis de responsabilidade criminal. De acordo com a Exposição de motivos do diploma
que aprovou este Código, com esta regra, a par do consagrado no art. 12º, ficava já sob alçada do direito
penal grande parte da criminalidade que alberga e se serve das pessoas coletivas. As exceções abertas pela lei
foram-se sucedendo a partir de um discurso político-criminal progressivamente mais aberta
responsabilização das pessoas coletivas

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Com as alterações introduzidas pela Lei nº59/2007, a regra de que só as pessoas singulares são suscetíveis de DÚVIDAS:
responsabilidade criminal, que continua a ser afirmada, não obstante a epígrafe do art. 11º (responsabilidade
Crime de
das pessoas singulares e coletivas) admite agora mais desvios. violação-
Continuam a ser ressalvados os casos especialmente previstos na lei, os quais passaram a abranger crimes como é
previstos no diploma sobre tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, na lei sobre que as
procriação medicamente assistida, no Código de Trabalho, no regime jurídico das armas e das suas munições pessoas
e na lei sobre responsabildiade penal por comportamentos antidesportivos. coletivas
violam?
Por outro lado, o art. 11º/1 do CP ressalva também o que se dispõe no nº2 do mesmo artigo, de acordo com
o qual, as pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de pessoas coletivas no
exercício de prerrogativas de poder público e de organização de direito internacional público, são
responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152º-A e 152º-V, nos artigos 159º e 160º, nos artigos 163º-
166º sendo a vitima menos e nos artigos 168º, 169º, 171º a 176º, 217º a 222º, 240º, 256º, 258º, 262º a 283º,
285º, 299º, 335º, 348º, 353º, 363º, 367º, 368º-A e 372 a 376º, quando cometidos em seu nome e no interesse
coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou quando cometidos por quem aja sob a
autoridade destas pessoas em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes
incumbem.

Portanto, a pessoa coletiva pode ser condenada a uma pena principal, acessória e de substituição.

Um reparo em relação às penas principais: as pessoas coletivas, ao contrário das pessoas singulares, não
podem ir para a prisão. A pena prisão é a dissolução ou a multa.

3. Tipos de penas

Numa primeira aproximação às penas previstas no CP, estas sanções são agrupáveis em três tipos:

a. Penas principais;
b. Penas acessórias;
c. Penas de substituição.

3.1. Delimitação conceptual

3.1.1. Penas principais

São penas principais as que, encontrando-se expressamente previstas para o sancionamento dos tipos de
crime, podem ser fixadas pelo juiz na sentença independentemente de quaisquer outras.

A esta caracterização correspondem a pena de prisão e a pena de multa, no que se refere às pessoas singulares
(art. 131º e ss CP e legislação extravagante); a pena de multa e a de dissolução, no que toca às pessoas
coletivas e equiparadas (art. 90º-A nº1, 90º-B a 90º-F).

Em legislação extravagante não encontramos penas diferentes.

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3.1.2. Penas acessórias

São penas acessórias as penas cuja aplicação pressupõe a fixação na sentença condenatória de uma pena
principal ou de substituição, estando previstas quer na parte geral quer na parte especial do CP.

 No que se refere às pessoas singulares, correspondem a esta caracterização as penas previstas no CP


nos arts. 66º (proibição do exercício de função, 67º (suspensão exercício de função), 69º (proibição
conduzir veículos com motor), 69º-B (proibição de exercício de funções por crime contra
autodeterminação sexual), 69º-C (proibição de confiança de menores e inibição responsabilidades
parentais), 152º/4 (proibição contacto com a vítima, proibição de uso e porte de arma, obrigação de
frequência de programas específicos de prevenção violência doméstica), 152º/6 (inibição poder
paternal, tutela ou curatela), 154º-A nº 3 e 4 (proibição contacto com a vítima), 246º (incapacidade
eleitoral), 346º (incapacidade eleitoral) e 388º-A (penas acessórias pela prática de crimes contra
animais de companhia).

 No que toca às pessoas coletivas e equiparadas (art.90º-A nº 2 CP) correspondem àquela


caracterização as penas previstas no CP nos arts. 90º-G (injunção judiciária), 90º-J (interdição
exercício de atividades), 90º-H (proibição de celebrar certos contratos), 90º-I (privação do direito a
subsídios, subvenções ou incentivos), 90º-L (encerramento estabelecimento) e 90º-M (publicidade de
decisão condenatória).

Na legislação extravagante constituem exemplos de penas acessórias as previstas no art. 8º do Decreto-lei


nº28/84 de 20 de janeiro (…) muitos exemplos no livro.

3.1.3. Penas de substituição

São penas de substituição as que são aplicadas em vez de uma pena principal.

As penas de substituição surgiram historicamente para fazer face às criticas que então se faziam à pena de
prisão. A pena de prisão pode ter efeitos perigosos, o que fez co que surgisse um movimento no sentido de
evitar tanto quanto possível as penas de prisão.

 A esta caracterização correspondem as penas previstas nos artigos 45º (multa), 46º (proibição do
exercício de profissão), 50º, 51º, 52º e 53º (suspensão da execução da pena de prisão), 58º (prestação
de trabalho a favor da comunidade e 60º (admoestação) do CP, no que se refere às pessoas singulares.

 No que toca às pessoas coletivas e equiparadas correspondem a tal caracterização as penas previstas
nos artigos 90º-C (admoestação), 90º-D (caução de boa conduta) e 90º-E (vigilância judiciária)

Estas penas dizem-se de substituição porque o juiz determina a medida concreta da pena de prisão e a seguir
vai decidir se substitui aquela pena de prisão por uma pena não privativa da liberdade.

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3.2. Penas principais aplicáveis às pessoas singulares

No ordenamento jurídico português as penas principais aplicáveis às pessoas singulares continuam a ser a pena
de prisão e a pena de multa, o que contrasta com a introdução de novas penas acessórias e de substituição,
nomeadamente em 2007 e 2015.

É, porém, pertinente a questão de saber se esta exiguidade de penas principais é político-criminalmente


adequada. E, nomeadamente, a de saber se há que converter em penas principais penas acessórias e de
substituição já existentes.

Não obstante este tópico estar praticamente ausente dos debates em matéria de política criminal, já houve
uma proposta que transformava a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade em pena principal.

3.2.1. Pena de prisão: única e simples e de duração limitada e definida

Antes do Código de 1982 a pena não era única: havia a pena de prisão maior e a correcional. A pena de prisão
maior era mais grave que a correcional, mas isso tinha que ver com os efeitos que se associavam a essas penas.

A pena de prisão maior levava à proibição do exercício de profissão, enquanto que a correcional levava apenas
a uma suspensão. Porque em 1982 o legislador apostou em retirar efeitos estigmatizantes à pena, foi deixada
esta diferenciação. [Tal não significa que não haja espaço para fazermos diferenciações quanto à duração da
pena de prisão]

Toda a pena de prisão é uma pena única e simples e de duração limitada e definida, constituindo a prevenção
especial de socialização e o propósito que lhe é inerente de não lhe associar efeitos estigmatizantes o
denominador comum de todas estas características.

A pena de prisão é única, por não haver formas diversificadas da prisão – tal sucedeu entre nós, até à entrada
em vigor do CP de 1982, através da diferenciação entre a pena de prisão maior (que era a mais grave) e pena
de prisão correcional, fazendo corresponder a tal diferenciação a produção de efeitos automáticos.

 Tal diferenciação tinha que ver com os efeitos que associavam a essas penas. Porque em 1982 o
legislador apostou em retirar efeitos estigmatizantes à pena, foi deixada esta diferenciação

A pena de prisão é simples, por à condenação em pena de prisão se não ligarem, por força da sua natureza,
efeitos jurídicos necessários ou automáticos que vão além da sua execução. Aliás, tal é constitucionalmente
proibido.

Circunstância de a pena de prisão ser única não significa que não faça sentido distinguir vários graus da pena de
prisão, consoante a sua maior ou menor duração. Atendendo ao direito vigente justifica-se distinguir as penas
de prisão de curta, média e longa duração:

c. As primeiras não são superiores a 1 ano;


d. As segundas não são superiores a 5 anos;
e. As últimas, são superiores a 5 anos.

Devendo assinalar-se, por comparação com o direito anterior, que se foi firmando a tendência no sentido de
alargar o âmbito das penas de prisão de curta e média duração:

a. Nas primeiras, largou-se o limite de 6 meses para 1 ano:


b. Nas segundas o limite passou a ser 5 em vez de 3 anos.

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A distinção entre penas de prisão de curta, média e longa duração existe no direito vigente para diversos
efeitos.

 Ao limite até 1 ano de pena de prisão liga-se a aplicabilidade de penas de substituição como a multa
(art. 45º CP) e a possibilidade de dispensa da pena (art. 74º CP); bem como, no plano adjetivo, por
referência aos casos em que é aplicável a este instituto, a possibilidade de arquivamento do processo
em caso de dispensa da pena (art. 280º CPP).

 O limite até 5 anos liga-se a aplicabilidade de penas de substituição como a proibição do exercício de
profissão, função ou atividade, públicas ou privadas, a prestação de trabalho a favor da comunidade e
a suspensão de execução da pena de prisão (art. 46º, 58º e 50º CP); a execução da pena de prisão em
regime de permanência na habitação (art. 43º CP); bem como, ainda, no plano adjetivo, por referencia
à pena aplicável, a competência do tribunal singular, a possibilidade de suspensão provisória do
processo, os efeitos da confissão na audiência de julgamento e a tramitação segundo a forma dos
processos especiais (art. 16º/2/b)/3/4, 281º, 344º, 381º, 391º-A e 392º CPP))

Toda a pena de prisão é de duração limitada ou definida (art. 30º/1 CRP). Os limites gerais ou normais da
duração da pena de prisão estão previstos no art. 41º/1 CP – limite mínimo de 1 mês e limite máximo de 20
anos.

O projeto inicial de EDUARDO CORREIA previa como limite máximo para a pena de prisão 10 anos.

FIGUEIREDO DIAS contava uma história: um dia EDUARDO CORREIA chegou nervoso a uma reunião e quis
aumentar as penas todas do Código e todos os presentes estranharam. Tinham-lhe roubado laranjas.

Isto serve só para dizer que este processo de escolha dos limites da pena não é fácil. Há opções político-
criminais que não podem ser deixadas nas mãos do povo. O que temos hoje é o limite 20 anos. Mas
reparemos: isto não é pacífico. Há Ordenamentos Jurídicos que ainda têm uma pena de prisão perpétua ou
pena fixada no limite máximo de 30 anos.

CDP-PP na campanha eleitoral de 95 defendia que a pena de prisão deveria ser elevada para 35 anos.

O processo de escolha dos limites da pena não é fácil. FERNANDO NOGUEIRA defendia, durante um debate
televisivo, aquilo que MARIA JOÃO ANTUNES defende: a questão não está nas penas elevadas, mas na
efetividade da condenação. De que servem 30 anos de prisão se demoro 10 anos a condenar ou não condeno
sequer? A solução não deverá ser aumentar a duração da pena, mas é tornar a justiça penal mais efetiva e que
de facto as penas se apliquem.

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A lei, por vezes, prevê a pena de prisão de 25 como pena de prisão máxima aplicada a determinados crimes:

1. É permitido um limite máximo, especial ou excecional, de 25 anos, nos casos previstos na lei (art. 41º/2
CP):

1.1. Na parte geral do CP:

a) Em caso de concurso de infrações (art. 77º/2 CP): a pena aplicável em caso de concurso de
crimes tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários
crimes, não podendo ultrapassar os 25 anos No Brasil ou em

Espanha não é assim em concurso de crimes: somam-se as penas. Depois há uma regra que
diz “A pena na sua execução não pode ser superior a 30 anos”. 30 anos é a pena máxima em
termos de execução.

b) De pena relativamente indeterminada (art. 83º/2, 84º/2 e 86º/2):

1.2. Na parte especial, em caso de homicídio qualificado e de incêndio florestal (art. 132º/1 e 274º-A
nº 4 e 5).

2. Na legislação extravagante, aquele limite especial ou excecional está previsto para crimes que constituem
violações do direito internacional humanitário (art. 8º, 9º, 10º, 11º, 12º e 14º da Lei nº31/2004 de 22 de
julho) e para o crime de associação criminosa previsto no art. 28º do Decreto-lei nº15/93 de 22 de janeiro
(Tráfico e consumo de estupefacientes e substancias psicotrópicas).

3. O limite máximo geral ou normal de 20 anos poderá também ser excedido, até ao limite de 25 anos, em
caso de terrorismo ou terrorismo internacional (art. 4º e 5º da Lei nº 52/2003 de 22 de agosto) e de crimes
praticadas a bordo de aeronave civil em voo comercial (art. 4º do Decreto-lei nº254/2003 de 18 de
outubro).

O limite máximo de 25 anos não pode ser excedido em caso algum, de acordo com o art. 41º/3 CP.

Este limite de 25 anos aplica-se a cada pena de prisão (singular ou resultante de cúmulo jurídico) e não a uma
pluralidade de penas sofridas pelo mesmo agente, o que afasta a ideia de o nº3 ser expressão de um qualquer
“direito” da pessoa a não permanecer mais do que 25 nos da sua vida privado da liberdade. O nº3 significa
somente que cada condenação não pode ser em pena superior a 25 anos. Isto não significa que os cidadãos
tenham o direito de não serem nunca condenados por mais de 25 anos na vida. Isto é por condenação.

É recorrente a questão de saber se é adequado o limite máximo da pena de prisão (em regra 20 anos,
excecionalmente 25 anos).

E, concretamente, se é adequado o limite máximo de 25 anos em caso de concurso de infrações, limite que era
de 20 anos na versão primitiva do CP. O que é sempre uma oportunidade para nos interrogarmos sobre se a
finalidade de prevenção geral positiva depende da severidade das penas ou antes, em muito maior medida, do
grau de probabilidade da punição e do lapso de tempo dentro do qual ela venha a efetivar-se.

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Já relativamente ao limite mínimo não há, em bom rigor, um desvio à regra do limite mínimo de 1 mês da pena
de prisão. Não deve ser considerado um desvio à regra da duração mínima de 1 mês o estabelecido no nº1 do
art. 49º do CP, por tal contender, estritamente, com a execução da pena de ulta.

Está em causa o regime do não pagamento da pena de multa principal, não devendo ser vista como pena de
prisão a prisão subsidiária em que é convertida, quando não seja paga voluntária ou coercivamente.

 A prisão subsidiária não é uma pena de prisão; é uma sanção que visa constranger o agente a pagar a
pena de multa. Nesse caso, pode ir preso por um período inferior a 1 mês, mas uma exceção, pois não
é uma pena.

3.2.2. Pena de multa

O alargamento do âmbito de aplicação da pena de multa, ligado à ideia de que deve ter preferência em face da
pena privativa da liberdade (art. 70º CP), constituiu um dos objetivos mis marcantes da reforma penal
português de 1982.

Historicamente, a pena de multa surge num momento em que se entendeu que esta seria uma pena adequada
para que os agentes da prática do crime não voltassem a cometer crimes.

 Todos sabemos que quando falamos de penas, falamos num mal. A pena é um mal para quem é
condenado.

A pena de prisão é algo que tem muito a ver com o direito penal iluminista. Como sabemos, iniciou-se
um período na história da humanidade, com a Revolução Francesa, em que eram 3 as palavras de
ordem: igualdade, liberdade e fraternidade. O direito penal surge nesta altura (e ainda hoje possui
essas mesmas características) como um ramo do direito que pressupunha a liberdade dos homens.

É nesta altura também, por força do surgimento da psiquiatria, que surge a inimputabilidade em razão
de anomalia psíquica. Consolidou-se o entendimento de que quem comete um crime em estado de
loucura não podia ser condenado, pois a pessoa era livre. O direito penal pressupunha a liberdade dos
homens.

Se a liberdade é um bem tão essencial nesta altura, o que se entendeu? Que a forma de polir as
pessoas, de fazer sentir às pessoas o mal, era privar essas pessoas, retirar-lhes liberdade.

Note-se também que a pena de prisão não é assim tão antiga. Em tempos idos, existia a pena corporal.

 A pena de multa surge posteriormente, num contexto diferente. Em face de uma sociedade
consumista, começou a entender-se que a pena de multa é uma pena eficaz do ponto de vista
preventivo. Se tem de pagar uma multa, tal pressupõe que a pessoa vai sentir falta das coisas que vai
deixar de comprar por ter de pagar a multa. Portanto, a pena de multa podia ser eficaz do ponto de
vista preventivo.

Portanto, o Código Penal de 1982 apostou na superioridade político-criminal da pena de multa relativamente à
pena de prisão no tratamento da pequena e da média criminalidade, como resposta à crise que atingiu as
penas de prisão de curta duração, a partir dos fins do século XIX. As reformas que se sucederam, em 1995 e em
2007, prosseguiram aquela aposta, através da eliminação de desarmonias da regulamentação legal e do
alargamento do âmbito da aplicação da pena de multa.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

As vantagens da pena de multa sobre a pena de prisão são indiscutíveis:

1. Não quebra a ligação do condenado aos seus meios familiares e profissional;


2. Permite uma execução mais elástica, por via do pagamento diferido ou a prestações (art. 47º/3/4 CP);
3. Reduz-se os custos administrativos e financeiros do sistema de justiça penal, podendo o produto das
multas ser canalizado para a indemnização dos lesados com a prática do crime (art. 130º/3).

À diminuição dos casos de aplicação de penas de prisão efetiva corresponderá, ainda, uma melhoria
significativa do sistema penitenciário.

Inconvenientes:

1. O maior inconveniente que se aponta à pena de multa é o peso desigual que apresenta para os
pobres e ricos. Só que tal inconveniente pode ser diminuído através da operação de determinação da
pena que visa adequar o quantitativo diário à situação económico-financeira do condenado e aos seus
encargos pessoais (art. 47º/2 CP).

2. Assinalam-se, também, consequências familiares desfavoráveis, pelo reflexo que a alteração da


situação económico-financeira do condenado terá sobre a família.

Há aqui, de facto, efeitos laterais da aplicação da pena de multa, mas eles existem relativamente a qualquer
pena, sendo consideravelmente inferiores aos que resultariam da aplicação de uma pena de prisão.

Destaca-se, ainda, a possibilidade de um efeito secundário criminógeno, por a alteração da situação


económico-financeira poder estimular o condenado à prática de crimes que compensem esta alteração e uma
eficácia preventiva de grau menor por comparação com a pena de prisão, podendo mesmo não ter qualquer
eficácia para certo tipo de criminalidade ou para certo tipo de agentes.

Estes e outros inconvenientes poderão ser enfrentados com êxito com uma conformação legal que permita
uma determinação concreta da pena de multa adequada à diversidade de situações que podem justificar,
conferindo-lhe eficácia político-criminal.

Note-se que o que esteve na mira dos defensores de penas curtas de prisão, para certo tipo de agente (crimes
no âmbito do direito penal económico ou crimes de “colarinho branco”), foi em grande medida a ineficácia
político-criminal da pena de multa.

 Entendia-se que em relação aos crimes “colarinho branco”, as penas de multa não surtiam efeito.
defendia-se que a pena de prisão deveria ser curta e de choque.

A defesa do efeito shap short shock da pena curta de prisão fica, porém, irremediavelmente abalada quando a
pena de multa ganha eficácia político-criminal, designadamente mediante a opção por um sistema de dias de
multa.

3.2.2.1. Caracterização dogmática e político-criminal geral

A pena de multa, enquanto instrumento privilegiado da política-criminal, pressupõe que seja configurada como
autêntica pena criminal e não como “mero direito de crédito do Estado” contra o condenado.

Assim, a pena de multa é, como toda a pena criminal, um efeito de natureza pessoalíssima: não podem ser por
ela responsáveis as forças da herança (art. 127º/1 CP); não pode ser paga por terceiro; o seu pagamento não
pode ter lugar por via de doação ou negócio afim, não pode, de igual modo, fazer um contrato de seguro
relativamente a ela.

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Direito Penal III
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A violação destas proibições pode mesmo acarretar a responsabilização pela prática do crime de
favorecimento pessoal, quando o comportamento se traduza em prestar auxílio a outra pessoa com a intenção
ou com a consciência de, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir a execução da pena de multa
aplicada (art. 367º/2 CP).

Em face do assinalado efeito de natureza pessoalíssima, conatural à pena de multa e ao que se dispõe no art.
30º/3 – a responsabilidade criminal é insuscetível de transmissão – são questionáveis disposições legais que
consagram a responsabilidade solidária de terceiros (de pessoas singulares ou de pessoas coletivas ou
equiparadas) pelo pagamento de penas de multa.

 Ainda que tal ocorra no domínio da responsabilidade criminal de pessoas coletivas e equiparadas,
onde vale a norma segundo a qual no caso de extinção de pessoa coletiva ou entidade equiparada, o
respetivo património responde pelas multas em que aquela for condenada (art. 127º/2)

No sentido de tal responsabilidade solidária, dispõem, por exemplo, os arts. 2º/3 e 3º/3 do diploma sobre
Infrações contra a economia e contra a saúde pública (Decreto-lei nº 28/84), o art. 182º/2 do Regime jurídico
de entrada, permanência saída e afastamento de estrangeiros do território nacional (Lei 23/2007) e o art.
11º/11 do CP.

O Tribunal Constitucional já declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, na parte em que se
refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado
dolosamente na prática de infração pelas multas aplicadas à sociedade, por violação do art. 30º/3 da CRP
(Acórdão 171/2004 e ainda o Acórdão de fixação de jurisprudência 11/2014).

O princípio da insusceptibilidade de transmissão da responsabilidade criminal tem vindo a ser invocado


também para aferir da conformidade constitucional das normas que preveem a responsabilidade subsidiária
de terceiros (de pessoas singulares ou de pessoas coletivas ou equiparadas) pelo pagamento de penas de
multa (por exemplo, art. 8º/1/3 do Regime geral das infrações e art. 11º/9 CP).

O Tribunal Constitucional tem entendido, porém, relativamente a alguns casos de previsão legal da
responsabilidade subsidiária de pessoas singulares, que não há aqui qualquer transmissão da responsabilidade
penal originariamente imputável à sociedade ou pessoa coletiva, estando antes em causa uma
responsabilidade de natureza civil.

Em última instância, normas que consagrem a responsabilidade solidária ou subsidiária dos gerentes e
administradores pelo pagamento da multa em que haja sido condenada a pessoa coletiva ou equiparada
lançam pertinentemente a questão de saber quais são as finalidades das penas aplicadas a estas pessoas.

Não será, certamente, indiferente a opção por um determinado modelo de imputação da responsabilidade
criminal a estas entidades (modelo da autorresponsabilidade o da heterorresponsabilidade). De forma mais
ampla, tais normas não deixam de nos interrogar sobre a adequação da sanção criminal “pena” para punir
pessoas coletivas e equiparadas.

O efeito de natureza pessoalíssima que é conatural à pena de multa mostra como é particularmente necessário
que esta seja legalmente conformada e concretamente aplicada de forma a permitir a plena realização das
finalidades das penas (art. 40º/1 CP).

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O que acarreta, desde logo, o estabelecimento de limites mínimos e máximos suficientemente afastados para
que a determinação concreta da pena possa fazer dela uma pena com eficácia político-criminal e a consagração
de mecanismos que permitam reportar a situação económica e financeira do condenado e os seus encargos
pessoas ao momento em que este haja de cumprir a pena (por exemplo, isentando da proibição da reformatio
in pejus a gravação da quantia fixada para cada díade multa, se a situação económica e financeira do arguido
tiver entretanto melhorado (art. 490º/2 CPP).

3.2.2.2. Âmbito de aplicação

O âmbito de aplicação da pena de multa analisa-se a partir das diversas formas sob as quais surge no direito
vigente, importando considerar, desde logo, que surge quer como pena principal (por exemplo, no art. 137º)
quer como pena de substituição (art. 45º).

Enquanto pena principal, a pena de multa aparece na veste de pena autónoma e de pena alternativa.

a. A multa autónoma, a que se encontra expressamente prevista para o sancionamento dos tipos de
crime como única espécie de pena, é um fenómeno raro na parte especial do CP, surgindo nos artigos
250º/1, 268º/3/4 e 366º/2.

b. A multa alternativa é a forma, por excelência, de previsão desta pena, surgindo em diversos tipos
legais de crime como alternativa à pena de prisão até 5 anos (entre outros, arts. 139º, 143º, 154º-A,
180º, 203º, 247º, 348º- e 387º).

Em matéria de crimes contra a autodeterminação sexual é de notar que a Lei 103/2015 foi no sentido de
eliminar a pena de multa como alternativa à pena de prisão nos arts. 172º/3, 173º, 174º e 176º/5.

É de estabelecer, tendencialmente, a seguinte correspondência:

 60 dias de multa em alternativa a 6 meses de pena de prisão (por exemplo, arts. 156º/3, 216º/1,
220º…)
 120 dias de multa em alternativa a 1 ano de pena de prisão (por exemplo, arts. 148º/1, 153º, 170º)
 240 dias de multa em alternativa a 2 anos de pena de prisão (por exemplo, arts. 139º, 148º/3, 193º/1)
 360 dias de multa em alternativa a 3 anos de prisão (por exemplo, arts. 137º/1, 143º/1, 190º/3)
 600 dias de multa em alternativa a 5 anos de pena de prisão (por exemplo, arts. 204º, 205º/4/a),
218º/1)

Com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº48/95, o Código Penal deixou de prever a pena de multa
complementar, a que sancionava os tipos de crime juntamente com a pena de prisão. Tratava-se de uma
solução político-criminalmente indefensável.

Em 19995 a pena de multa complementar deixou de ser prevista no Código Penal por duas ordens de razões:

a. Além de ser revelador de desconfiança quanto à eficácia político-criminal da pena de multa (a pena de
multa complementar minimizava a própria pena de multa);
b. Exigia o pagamento a alguém que deixava de estar em condições de angariar os rendimentos necessários
para a pagar.

Esta opção repercutiu-se também nas regras de punição do concurso, quando as penas aplicadas aos vários
crimes são de prisão e de multa. Até então (1995), o legislador permitia que a pena de prisão e a pena de multa
fossem cumpridas cumulativamente. Também neste caso, como vamos ver, se aplica uma única pena.

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3.2.2.3. Limites

Nota: Sempre que o tipo legal de crime não diga qual é e concreto o limite mínimo ou máximo ou ambos da pena de
multa, temos de nos socorrer do art. 47º

O direito português consagra o denominado “sistema de dias de multa”, o que supõe a determinação de duas
operações essenciais:

a. A determinação do número de dias de multa – art. 47º/1


b. A determinação do quantitativo diário (art. 47º/2).

O juiz, numa primeira operação, determina os dias de multa e numa segunda operação vai ver quanto é que o
agente tem de pagar por dia pela multa, atendendo à sua situação económica.

Relativamente aos dias, a regra é a de que o limite mínimo da pena de multa é de 10 dias e o máximo de 360
dias (art. 47º)

O limite máximo de dias de multa pode ser, excecionalmente, superior:

a. Há tipos legais de crime que preveem um limite máximo de 600 dias (por exemplo, art. 204º/1,
205º/4/a), 218º/1, 235º/1,279º-A, 295º/2, 372º/1);
b. O art. 77º/2 prevê o limite máximo de 900 dias em caso de concurso de infrações.
c. No que se refere às pessoas coletivas e equiparadas, o art. 90º-B/2, ao fazer corresponder a 10 dias de
multa 1 mês de prisão permite até que o limite máximo de 900 possa ser ultrapassado.

No que diz respeito ao quantitativo diário, o art. 47º/2, dispõe que cada dia de multa corresponde a uma
quantia entre 5€ e 500€.

Em 1995 os limites máximos do quantitativo diário da pena foram aumentados:

 Na sequência das alterações introduzidas, primeiro pelo Decreto-Lei 48/95 e depois pelo Decreto-Lei
323/2001 cada dia de multa passou a corresponder a um montante máximo de 498,80€.
 Por comparação com a versão primitiva do CP na qual se previa o montante máximo de 10.000$00
(aproximadamente 50€), tratou-se de um aumento significativo, justificado pelo princípio da igualdade
de ónus e sacrifícios e pela eficácia político-criminal da pena de multa.

Em 2007 os limites mínimos do quantitativo diário da pena também sofreram um aumento:

 Relativamente ao aumento ocorrido quanto ao limite mínimo do quantitativo diário da pena de


multa – 1€ na redução anterior à Lei 59/2007 e 5€ na redação posterior.

É questionável a bondade da solução que tem por base a ideia de que é através do aumento do limite
mínimo do quantitativo diário que se aumenta a eficácia político-criminal da pena de multa. Foi este o
pensamento que motivou este aumento.

 No que se refere às pessoas coletivas e equiparadas, o art. 90º-B/5 estabelece que cada dia de multa
corresponde a uma quantia entre 100€ e 10.000€.

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Um dos grandes inconvenientes apontados à pena de multa é tratar de forma diferenciada os pobres e os ricos.
Só que tal inconveniente pode ser diminuído através do sistema das penas de multa e através da operação de
determinação da pena que visa adequar o quantitativo diário à situação económico-financeira do condenado e
aos seus encargos pessoais.

Ao estreitar os limites dentro dos quais deve ser apurado o quantitativo diário, em função da situação
económico-financeira do condenado e dos encargos pessoais, o art. 47º/2 não permite a aplicação efetiva da
pena de multa nas situações em que o condenado até poderia suportar um quantitativo entre 1€ e 5€ (o
condenado poderia suportar, por exemplo, 2€).

Nestas situações restará, apenas, a suspensão da execução da prisão subsidiária, nos termos previstos no art.
49º/3, o que poderá afetar a própria eficácia político-criminal da pena de multa, além de nos remeter par a
problemática de um tratamento diferenciado dos condenados em função da sua situação económica. !

 Na prática, o que acontece é que o juiz determina a pena de multa, condena o agente em 5 dias num
montante diário de 5€ (limites mínimos) e depois determina a suspensão da execução da pena.

Isto, apesar de, à partida, aquele nº3 existir precisamente para que a pena de multa não deixe de ser aplicada
ao condenado que não a pode pagar por razões que não lhe são imputáveis.

Por outro lado, a solução poderá promover um indesejável “desvio do sistema”, com tradução na fixação de
um número de dias de multa que já tenha em conta o montante global da multa. !

3.3. Penas de substituição aplicáveis às pessoas singulares

O tema das penas de substituição reconduz-se, do ponto de vista histórico e político-criminal, ao movimento
de luta contra a pena de prisão, contra os efeitos criminógenos que lhe foram sendo reconhecidos, num tempo
em que à descrença na ressocialização do condenado se foi juntando a diluição da ideia de liberdade que fez
dela a pena por excelência no século XVIII.

Esta evolução não oferece, contudo, alternativas às penas de prisão de longa duração e, segundo uns, não
exclui totalmente que, relativamente a certos crimes e contra determinados agentes, possa até haver penas
curtas de prisão “de choque” (sharp, short shock).

Entendimento que fica, porém, irremediavelmente abalado se a pena de multa tiver eficácia político-criminal e
se houver um catálogo amplo e diversificado de penas de substituição, às quais poderão sempre acrescer
penas acessórias em nome de exigências preventivas.

Em Portugal, o marco decisivo é a versão original do Código Penal de 1982, sem prejuízo de uma linha
evolutiva posterior, ao nível legislativo e ao nível jurisprudencial, de luta contra a pena de prisão de curta e
média duração.

As alterações introduzidas pela Lei 59/2007 traduziram-se:

 Por um lado, na previsão de novas penas de substituição (art. 43º/3, 44º/1/a) CP na redação dada por
este diploma);

 E, por outro, no alargamento do âmbito de aplicação das já existentes (arts. 43º/1, 45º, 46º, 50º, 58º,
60º CP na redação dada por aquele diploma).

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No direito vigente, atendendo às suas especificidades, as penas de substituição podem ser agrupadas em 2
tipos:

(1) Penas de substituição em sentido próprio;


(2) Penas de admoestação.

As penas de substituição em sentido próprio respondem a um duplo requisito:

(1) Têm, por um lado, carácter não institucional ou não detentivo, sendo cumpridas em liberdade;
(2) E pressupõem, por outro, a determinação prévia da medida da pena de prisão, sendo aplicadas (e
executadas) em vez desta.

Este duplo requisito responde os propósitos político-criminais do movimento de luta contra a pena de prisão.

Preenchem este duplo requisito – exemplos de penas de substituição:

1. A pena de multa (art. 45º CP e 489-491º-A CPP). A pena de multa é, entre nós, uma pena principal
mas também uma pena de substituição.

 Substitui penas de prisão em medida não superior a 1 ano

2. A proibição do exercício de profissão, função ou atividade, públicas ou privadas (art. 46º CP);
 Substitui penas de prisão em medida não superior a 3 anos

3. E a prestação de trabalho a favor da comunidade (arts. 58º e 59º CP e 496º e 498º CPP e Decreto-lei
375/97)

 Substitui penas de prisão em medida não superior a 2 anos

4. A suspensão de execução da pena de prisão (art. 50º-57 CP e 492º-495º CPP), nas suas diversas
modalidades – suspensão da execução da pena de prisão simples, com imposição de deveres, com
imposição de regras de conduta ou com regime da prova;

Esta é aquela que permite substituir um leque maior de penas. Porquê? Porque ela é a única que pode
substituir penas de prisão concretas até 5 anos. Esta suspensão da execução da pena de prisão existe
em várias modalidades e adequa-se a muitos casos de condenação.

Esta pena de substituição pode ter uma eficácia político-criminal maior que a pena de prisão e não
tem efeitos criminógenos.

MARIA JOÃO crê que isto serve para dizer que as penas de substituição fazem uma aposta forte na prevenção
especial da ressocialização.

De acordo com as alterações introduzidas mais recentemente, por via da Lei 94/2017:

 A suspensão da execução da pena de prisão dos condenados pela prática de crime de incêndio florestal,
pode ser subordinada à obrigação de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de
controlo à distância (art. 274º-A/1 CP e 1º/f) da Lei 33/2010);
 A suspensão da execução com regime de prova deixou de ser obrigatória quando a pena de prisão seja
aplicada em medida superior a 3 anos (art. 53º/3 CP);
 Na substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade deve ser ponderada
a idade do condenado (art. 58º/1)

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Temos, também, uma pena de substituição, que não é uma pena de substituição em sentido próprio, estrito.
Ela é uma pena não privativa da liberdade, mas não é substitutiva da pena de prisão.

Com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº48/95, passou a autonomizar-se uma pena de substituição
da pena de multa – admoestação (art. 60º CP).

Esta pena não pressupõe o requisito da determinação prévia da medida da pena de prisão, mas sim o da
determinação prévia da medida da pena de multa (principal), afastando-se, assim, das raízes históricas e
político-criminais das penas de substituição.

Além de a admoestação ter deixado de ser uma pena de substituição em sentido próprio, está hoje esclarecido
no CPP (art. 497º) que a admoestação é proferida após o trânsito em julgado da decisão que a aplicar, sendo
proferida de imediato (art. 60º/4) apenas quando o MP, o arguido e o assistente declarem para a ata que
renunciam a interposição do recurso.

Isto porquê?

Antes de 1995, o agente era condenado na admoestação e imediatamente era executada essa pena. O que
levava a uma situação complicada: se o agente quisesse recorrer, e se o tribunal alterasse a pena aplicada, a
pena já tinha sido executada. E ainda poderia acontecer que o tribunal ao qual foi interposto recurso
condenasse o agente noutra pena.

Esta explicitação, ao nível processual, obsta à violação do disposto no art. 29º/5, segundo o qual ninguém pode
ser julgado mais do que um vez pela prática do mesmo crime. Na falta daquela norma, se fosse interposto
recurso e se o tribunal alterasse a pena aplicada pelo tribunal recorrido (admoestação) haveria violação desta
disposição constitucional, haveria a violação do princípio ne bis in idem. !!!

O juiz não é obrigado a substituir a pena principal; mas quando decida não substituir, terá de
fundamentar a sua decisão: dever de fundamentação/justificação negativa

3.3.1. Eliminação das penas de substituição detentivas

Até à entrada em vigor da Lei 94/2017, havia um terceiro tipo de penas de substituição: as penas de
substituição detentivas.

Estas penas preenchiam apenas o requisito da determinação prévia da medida concreta da pena de prisão,
sendo aplicadas (e executadas) em vez desta. Estas eram penas privativas da liberdade. Referimo-nos:

1. Ao regime de permanência na habitação, introduzido em 2007 (arts. 44º/a) CP, 487º CPP e Lei 33/2010,
na redação então vigente)
 Em caso de condenação a pena de prisão não superior a 2 anos, o juiz podia aplicar este regime

2. À prisão por dias livres (arts. 45º CP, 287º CPP e 125º e 138º/4/l) CE na redação então vigente)

Consistia em substituir uma pena de prisão contínua, por uma pena de prisão durante o fim-de-semana.
O que acontecia era que à sexta-feira o agente ia para a prisão e passava lá o fim-de-semana. Esta pena é
de facto uma pena. A prisão por dias livres ao início só substituía penas de prisão até 6 meses e depois
substituía penas de prisão até 1 ano.

Muitos estudos concluem que a pena de prisão por dias livres tem grandes efeitos criminógenos.

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3. Ao regime de semidetenção (arts. 46º CP, 487º CPP e 125º e 138/4/l) CE na redação então vigente).

O regime de semidetenção consistia em viver na prisão, mas o condenado poderia cumprir as suas
obrigações estudantis, profissionais, etc.

Referimo-nos a estas penas, independentemente da questão de saber se as penas de prisão que eram aplicadas em medida
não superior a 1 ano e executadas em regime de semidetenção e em regime de permanência na habitação, obtido o
consentimento do condenado, ainda eram enquadráveis nas penas de substituição detentivas ou se se traduziam antes
numa forma de execução da pena de prisão, decretada pelo juiz da condenação em cumprimento da opção político-
criminal, segundo a qual a privação da liberdade deve ser a ultima ratio da política criminal.

Com a entrada em vigor da Lei 94/2017 – 90 dias após a sua publicação – foram extintas as penas de
substituição detentivas.

 Considerando que a prisão por dias livres e o regime de semidetenção eram executados em meio
prisional, a extinção destas penas privativas da liberdade responde aos propósitos político-criminais do
movimento de luta contra a pena curta de prisão e, muito concretamente, ao aperfeiçoamento do
conceito de pena de substituição.

Atendendo à Exposição de motivos da Proposta de Lei 90/XIII, que esteve na base daquela Lei, o legislador
decidiu seguir a via já trilhada em outros países, como por exemplo em Espanha, em 2003.

 Podemos ler: “as informações dos serviços prisionais dão conta de uma elevada taxa do seu
incumprimento e da falta de condições logísticas e humanas dos estabelecimentos prisionais para que
possam alcançar algum efeito ressocializador.

 Este quadro adverso permite a conclusão de que a subsistência das penas de prisão por dias livres e da
semidetenção produz poucos ou nenhuns benefícios em matéria de reintegração social dos condenados”.

O que levou o legislador a rejeitar a pena de prisão por dias livres foi não só o facto de (1) esta pena ter
grandes efeitos criminógenos, mas também o facto (2) implicar uma grande organização dos sistemas
prisionais. A pena de prisão por dias livres durante anos não era aplicada.

Os dados estatísticos disponíveis, se, por um lado, dão conta de um aumento significativo da pena de prisão
por dias livres, mostram, por outro, que o regime da semidetenção continuou a ter uma taxa de aplicação
baixíssima.

Dados da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais de 2016 apontam para cerca de 500 condenados (a
grande maioria eram condenados por condução sem carta) em pena de prisão por dias lives, a partir de 2013,
mercê da alteração legislativa de 2007, mediante a qual esta pena passou a poder substituir penas de prisão
em medida não superior a um ano, dados estes que contrastam com a falta de expressão estatística do regime
de semidetenção.

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Relativamente ao regime de permanência na habituação, a opção do legislador foi a de fazer dele uma forma,
um meio, de execução da pena de prisão não superior a 2 anos e não uma pena de substituição da pena de
prisão (redação vigente dos arts. 43º e 44º CP)
Não lecionado
na aula teórica

Com o objetivo de os condenados em pena de prisão por dias livres ou em regime de semidetenção, por
sentença transitada em julgado, não continuarem a cumprir estas penas após a sua extinção, a Lei 94/2017,
prevê uma disposição transitória, a par das normas gerais sobre aplicação da lei penal no tempo (art. 2º CP).

De acordo com o art. 12º/1 deste diploma tais condenados poderão requerer ao tribunal a abertura da
audiência para que a prisão pelo tempo que faltar seja substituída por pena não privativa da liberdade, sempre
que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; ou para que a prisão passe a ser
cumprida, pelo tempo que faltar, no regime de permanência na habitação introduzido pela Lei 94/2017.

 Para este efeito, cada período correspondente a um fim-de-semana equivale a 5 dias de prisão contínua,
segundo o preceituado no nº3 daquele artigo.

Como a condenação em pena de prisão por dias livres ou em regime de semidetenção significou, no caso, que
o tribunal entendeu que as penas de substituição não privativas da liberdade não eram adequadas e suficientes
do ponto de vista preventivo, de harmonia com os critérios de escolha da pena estabelecidos nos arts. 70º e
40º/1, o que se substitui não é a pena principal aplicada na sentença condenatória.

 Tal representaria a revisão do já decidido, sem a cobertura do princípio constitucional da aplicação


retroativa da lei penal mais favorável.

O que é substituível é a pena de prisão pelo tempo que faltar, de cordo com os critérios gerais de escolha da
pena revistos nos arts. 70º e 40º, por multa, por prestação de trabalho a favor da comunidade, por proibição
do exercício de profissão, função ou atividade ou por suspensão da execução da pena de prisão.

De acordo com o disposto nos arts. 43º CP e 12º/1/b) da Lei 94/2017 é também a prisão pelo tempo que faltar
que passará a ser executada em regime de permanência na habitação, se o tribunal concluir que a substituição
por pena não privativa da liberdade não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da
pena de prisão.

Caberá sempre ao condenado requerer ao tribunal da condenação a reabertura da audiência para substituição
da prisão pelo tempo que faltar por pena não privativa da liberdade ou para cumprimento da prisão pelo
tempo que faltar no regime de permanência na habitação, em termos paralelos ao requerimento de abertura
da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável, previsto no art. 372º-A CPP.

Como a Lei 94/2017 dá cumprimento ao propósito político-criminal da preferência pela execução das penas de
prisão até 2 anos em regime de permanência na habitação – a execução em estabelecimento prisional da pena
de prisão até 2 anos é um meio de execução a adotar em última instância – o nº2 do art. 12º dispõe,
transitoriamente, que à prisão em regime contínuo que resulte do incumprimento das obrigações de
apresentação decorrentes da prisão por dias livres ou em regime de semidetenção (cfr. art. 125º/4 parte final
do CE, revogado pela alínea c) do art. 13º daquele diploma) pode aplicar-se o regime de permanência na
habitação introduzido por aquela Lei.

 Para este efeito, cada período correspondente a um fim-de-semana equivale a 5 dias de prisão contínua,
segundo o preceituado no nº3 daquele artigo.

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Direito Penal III
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Em face do preceituado no art. 114º/1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013) e no art.
138º/2 CE, é da competência do tribunal de execução das penas decidir se a prisão em regime contínuo pelo
tempo que faltar é executada em regime de permanência na habitação, tento o preceituado no art. 43º do CP.

Desde logo, por ser deste tribunal a competência para ordenar o cumprimento da prisão em regime contínuo
em caso de faltas de entrada no estabelecimento prisional, não consideradas justificadas, por parte do
condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção (arts. 114º/1/k) da LOSJ e 138º/4/l) CE,
na redação anterior à dada pela Lei 94/2017)

3.4. Penas acessórias aplicáveis às pessoas singulares

Tal como o nome sugere, a pena acessória é uma pena aplicada conjuntamente com uma pena principal ou de
substituição.

Porque é que nós além da pena principal ou da pena de substituição aplicamos ainda uma pena acessória?
Entende-se que há situações que, do ponto de vista preventivo, justificam a aplicação de uma outra pena.
Portanto: é para garantir a proteção dos bens jurídicos e para garantir reintegração do agente na sociedade,
que aplicamos, conjuntamente com pena principal ou de substituição, uma pena acessória.

As penas acessórias, previstas na parte geral e especial do CP e em legislação extravagante, são verdadeiras
penas:

a. Ligam-se, necessariamente, à culpa do agente;


b. Justificam-se de um ponto preventivo;
c. São determinadas concretamente em função dos critérios gerais de determinação da pena previstos
no art. 71º CP, a partir de uma moldura que estabelece os seus limites (mínimo e máximo) de
duração.

Em desvio à regra, as penas acessórias previstas para quem cometa um crime contra animais de
companhia (arts. 387º e 388º CP) têm apenas um limite máximo de duração (art. 388º-A),
contrariando a proibição constitucional de penas indefinidas quando à sua duração (art. 30º/1 CRP)

Uma pena acessória tem como pressuposto a culpa do agente.

A pena acessória serve também finalidades preventivas (prevenção geral e especial) e é uma pena porque uma
pena acessória nunca é uma pena previamente determinada, definida.

A pena acessória tem uma duração e é ao juiz que cabe, dentro de uma moldura, determinar a duração da
pena (segundo critérios gerais de determinação da pena). Em função destas 3 características, podemos dizer
que uma pena acessória é verdadeiramente uma pena

Quando falamos de uma pena acessória, falamos verdadeiramente de uma pena e não de um efeito
automático da pena. Isto, em respeito ao princípio da não automaticidade dos efeitos da pena.

Em matéria de execução das penas acessórias vale o disposto os arts. 499º e 500º CPP, devendo assinalar-se
que estas disposições não abrangem todas as penas legalmente previstas. Por exemplo:

a. A de proibição de contacto com a vítima,


b. A de proibição de uso e porte de arma,
c. A de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica
d. Ou de condutas típicas da perseguição
e. Ou a de privação do direito de detenção de animais de companhia (arts. 152º/4, 154º-A/3 e 388º-
A/1/a) do CP – penas introduzidas pelas Leis nº 7/2000, 59/2007, 69/2014 e 83/2015)

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Também vale em matéria de execução o que se dispõe especificamente em legislação extravagante,


nomeadamente:

a. Nos arts. 35º da Lei 112/2009 e art. 1º/e) da Lei 33/2010: a primeira estabelece o regime jurídico aplicável à
prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e a segunda regula a vigilância
eletrónica;
b. No art. 90º/3, da Lei 5/2006: regime jurídico das armas e suas munições;
c. Nos arts. 151º/4/5 e 159º-162º da Lei 23/2007: regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de
estrangeiro do território nacional;
d. Além do estatuído nos arts. 138º/4/e) e 188º-A e 188º-C do CE, relativamente à pena acessória de expulsão.

É o artigo 353º do CP a disposição que criminaliza o comportamento de quem violar imposições e proibições
impostas por sentença criminal a título de pena acessória, fazendo-lhe corresponder pena de prisão até 2 anos
ou pena de multa até 240 dias.

A evolução legislativa recente revela a introdução de novas penas acessórias e a modificação de algumas já
existentes, com quebras sistemáticas censuráveis e injustificadas.

Em 2015 o direito penal populista levou a que se introduzisse no Código Penal, na Parte Geral, penas
acessórias.

Foi o que se verificou quanto às penas agora previstas nos arts. 69º-B e 69º-C do CP, que deram origem à
revogação do art. 179º, cujo lugar deveria ser na Parte Especial do código, já que se referem exclusivamente a
crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual.

Algumas penas acessórias como a proibição do exercício de funções por crimes contra a autodeterminação
sexual e a liberdade sexual (art. 69º-B), a proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades
parentais (art. 152º/6) passaram a ter limites mínimos e máximos muito elevados.

 É de recear que tais limites sejam significativos de uma utilização destas sanções que já não se
enquadre propriamente na sua justificação político-criminal, parecendo resvalar antes para o âmbito
dos indesejáveis efeitos estigmatizantes da pena.

O legislador parece querer dar alguma automaticidade à proibição do exercício de funções por crimes contra a
autodeterminação sexual e a liberdade sexual e à proibição de confiança de menores e inibição de
responsabilidades parentais, quando a vítima seja menor, quando o crime seja o de abuso sexual da pessoa
internada ou quando a vítima seja descendente do agente, do seu cônjuge ou de pessoa com quem o agente
mantenha relação análoga à dos cônjuges (arts. 69º-B/2/3 e 69º-C/2/3 CP).

Será este o sentido da expressão “é condenado” em vez de “pode ser condenado” e da eliminação da
ponderação da “concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente”.

 Tal automaticidade esbarrará sempre contra a norma inconstitucional segundo a qual nenhuma pena
envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos (art. 30º/4
CRP).
 Além de contrariar o princípio político-criminal de luta contra o efeito estigmatizante das penas.

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Ainda no âmbito das alterações legislativas recentes, a caracterização das penas acessórias como verdadeiras
penas faz-nos duvidar que esteja prevista no art. 69º-A do CP (declaração de indignidade sucessória) uma pena
acessória pela prática de crime de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor da sucessão ou
contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adotante ou adotado.

A declaração de indignidade sucessória, nos termos e para os efeitos previstos no art. 2034º/a) e no art. 2037º,
será antes um efeito não automático da condenação pela prática daquele crime.

Não se trata de uma pena acessória!

Atendendo aos trabalhos preparatórios, designadamente ao que esteve na origem do aditamento deste novo
artigo (Projeto de lei 653/XII e respetiva Exposição de motivos), é de concluir que a intenção do legislador é a
de permitir que a indignidade sucessória possa ser logo declarada na sentença penal, sem prejuízo de ainda
poder vir a ser intentada ação civil para obtenção da declaração (art. 2036º CC).

O que acontecia antes de 2015 era que se o marido matasse a mulher, depois da condenação por homicídio
do cônjuge, tinha de se dar início a uma ação cível que declarasse que o autor do homicídio do cônjuge não
poderia ser herdeiro. Teria de haver uma ação posteriormente à condenação penal. O que este artigo
permite é que o juiz, logo na sentença, declare que é que o condenado é indigno de suceder na herança do
de cujos. Portanto, a indignidade sucessória é logo declarada na sentença condenatória.

Até então, a declaração de indignidade sucessória, ocorria exclusivamente no âmbito de uma ação civil
destinada a obter tal declaração. Sendo o sentido da norma agora introduzida no CP poder haver logo na
sentença penal condenatória.

Melhor seria que a alteração legislativa tivesse ocorrido nas disposições do Código Civil sobre a matéria. Esta
norma não deveria constar no Código Penal, mas foi aqui colocada porque o populismo assim considerou.

Tirando estas duas novidades, as penas têm-se mantido mais ou menos estáveis.

Questão que se pode colocar/pergunta que se coloca: poder-se-ia alterar o elenco das penas principais?

Por exemplo, a inibição da faculdade de conduzir: pior do que uma pena de multa é ficar inibido de conduzir. Portanto,
há sanções acessórias que são mais eficazes preventivamente do que sanções principais.

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4. Tipos de medidas de segurança

É um erro considerar que as penas são para os imputáveis e as medidas de segurança são para os inimputáveis!!! É
verdade que a um inimputável não podemos aplicar uma pena, mas a um imputável podemos aplicar pena e
medida de segurança.

A opção por um sistema de reações criminais tendencialmente monista não invalida:

a. A previsão de medidas de segurança não privativas da liberdade aplicáveis a delinquentes imputáveis


e a delinquentes inimputáveis,

b. Bem como a previsão da medida de segurança de internamento (medida de segurança privativa de


liberdade) de delinquente inimputável em razão de anomalia psíquica.

Como o nosso sistema é de base monista, em Portugal, a um mesmo agente imputável não aplicamos uma
pena e uma medida de segurança, privativas de liberdade (internamento)! Mas podemos aplicar aos agentes
imputáveis, cumulativamente com uma pena, uma medida de segurança não privativa da liberdade.

O CP prevê como medidas de segurança não privativas da liberdade:

a. A interdição de atividades (art. 100º CP e 508º/1/4/5 CPP)

b. A cassação do título e interdição de concessão de título de condição de veículo com motor (art. 101º
CP e 508º/2/3/5 CPP)

c. E aplicação de regras de conduta (art. 102º CP e 508º/6 CPP)

Esta última foi introduzida pela Lei nº65/98, gerando até hoje uma série de reflexões sobre a sua
justificação e eficácia político-criminal, além de suscitar de imediato a questão de saber como é que se
verificam os pressupostos de que depende em caso de declaração de inimputabilidade, já que o
instituto da reincidência radica na culpa agravada do agente.

Estas 3 medidas de segurança não privativas da liberdade são aplicáveis quer a imputáveis como a
inimputáveis. Qual o pressuposto da sua aplicação? A perigosidade criminal do agente. É necessário que haja
probabilidade de que o agente pratique factos da mesma espécie. Portanto, se existir essa probabilidade, o
agente é criminalmente perigoso e o tribunal pode aplicar, juntamente com uma pena (a um agente
imputável), uma medida de segurança.

Prevê-se, ainda, sendo embora aplicável exclusivamente a delinquentes inimputáveis por anomalia psíquica, a
medida de segurança de suspensão da execução do internamento (art. 98º CP)

Na legislação extravagante e de acordo com a respetiva epígrafe, constitui um exemplo de medida de


segurança não privativa da liberdade a prevista no art. 93º da Lei 5/2006 (regime jurídico de armas e das suas
munições) – cassação de licença de detenção, uso e porte de armas ou de alvará.

 No nº1 distingue-se a aplicação a delinquente imputável – a alínea a) – da aplicação a delinquente


inimputável – alínea b) –, especificando-se somente quanto a este último o pressuposto da
perigosidade criminal, como se o primeiro pudesse ser condenado também em medida de segurança
criminal sem haver o receio do cometimento de novos crimes.

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Para os delinquentes inimputáveis por anomalia psíquica o CP prevê a medida de segurança de internamento
em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança (art. 91º) e como medida de segurança de substituição
a suspensão da execução de internamento (art. 98º).

No art. 97º prevê-se, ainda que, sem prejuízo do disposto em tratado ou convenção internacional, a medida de
segurança de internamento de inimputável estrangeiro pode ser substituída por expulsão do território
nacional, em termos regulados por legislação especial. Não se trata, porém, de uma medida de segurança de
substituição. Esta expulsão do território nacional parece ser absolutamente alheia a considerações atinentes às
finalidades das medidas e segurança, louvando-se antes em determinada compreensão da intervenção médico-
psiquiátrica, já ultrapassada, e da relação política do estado com os estrangeiros.

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CAPÍTULO II – DETERMINAÇÃO DA PENA APLICÁVEL A PESSOAS SINGULARES

Nota: quando falamos em


1. Determinação da pena em sentido amplo pena aplicável falamos em
moldura. Qual a pena
A determinação da pena, em sentido amplo, comporta três operações distintas: aplicável a agente que
praticou crime de homicídio
(1) A determinação da moldura da pena (pena aplicável); simples? A pena aplicável é de
(2) A determinação concreta da pena (pena aplicada); 8 a 16 anos.
(3) E a escolha da pena.

Esta última é uma operação eventual, podendo ocorrer logo ao nível da determinação da pena aplicável, se a
pena de multa estiver prevista no tipo legal de crime como pena alternativa à pena de prisão.

Ultrapassada a época das penas fixas e das penas variadas ou variáveis, o procedimento tendente à
determinação da pena pressupõe uma estrita cooperação – mas também, por outro lado, uma separação de
tarefas e de responsabilidades – entre o legislador e juiz.

 Ao legislador cabe:

1. Estatuir as molduras penais cabidas a cada tipo de factos que descreve na parte especial do CP
e na legislação extravagante, valorando a gravidade máxima e mínima que cada um daqueles
tipos de factos pode presumivelmente assumir e optando entre a pena de prisão e a pena de
multa ou por ambas as sanções em alternativa;

2. Prever as circunstâncias (modificativas) que, em casos especiais, podem agravar ou atenuar os


limites (mínimo e máximo) previamente ficados;

3. E, ainda, fornecer (ao juiz) os critérios de determinação concreta e de escolha da pena.

 Ao juiz cabe:

1. Determinar a moldura penal cabida aos factos dados como provados no processo, escolhendo
entre a pena de prisão e a pena de multa quando se lhe puser essa alternativa; encontrar aí a
pena concreta em que o agente da prática do crime deve ser condenado;

2. Escolher a espécie o tipo de pena a aplicar concretamente, sempre que o legislador tenha
expressado a sua preferência por penas não privativas da liberdade e previsto mais do que uma;

3. E, ainda, determinar, já em sede de execução da pena, aquela que é efetivamente cumprida, o


que ocorrerá, nomeadamente por via do instituto da liberdade condicional e das regras de
execução da pena relativamente indeterminada.

Em relação à pena relativamente indeterminada: a pessoa tem de cumprir um mínimo de pena e


não pode cumprir mais do que o máximo da pena. Cabe, depois, ao juiz de execução determinar
quanto tempo cumpre

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2. Determinação da moldura da pena

Num primeiro momento cabe ao juiz determinar a pena aplicável ao agente da prática do crime, por via da
determinação do tipo legal de crime e da averiguação de circunstâncias modificativas, o que pode envolver
também a escolha entre uma pena de prisão ou uma pena de multa, se estas duas penas principais estiverem
previstas enquanto penas alternativas.

2.1. Determinação do tipo legal de crime

A investigação da moldura penal tem o seu ponto de partida no tipo legal de crime contido na parte especial do
CP ou na legislação penal extravagante, cabendo ao juiz subsumir os factos dados como provados no processo
em determinado tipo legal de crime (e por isso esta operação pode não ser assim tão simples.

Devemos, aqui, chamar a atenção para o facto de que temos aquilo que se pode dizer um tipo legal de crime
fundamental e depois podemos ter os tipos qualificados e privilegiados

O tipo preenchido pela conduta do agente pode não ser, porém, um tipo fundamental, como por exemplo,
homicídio (simples) (art. 131º CP)

 Mas antes um tipo qualificado, como por exemplo, o homicídio qualificado (art. 132º CP)

 Ou, mesmo, um tipo privilegiado, como por exemplo, o homicídio privilegiado (art. 133º), caso em que
a pena aplicável é a indicada no tipo legal de crime efetivamente preenchido.

OUTRO EXEMPLO: o crime de coação sexual (art. 173º e 164º). O que distingue a coação sexual da violação é a
natureza dos atos de sexuais de relevo. Os atos sexuais de relevo da violação são de certo tipo: cópula, coito
anal ou coito oral.

 Só a partir de 1995 é que a violação «deixou de ter sexo»: a violação já foi exclusivamente um crime
que tinha como vítima a mulher. Se formos ver o CP que esteve em vigor até 1983, vemos que se
falava em viúva honesta, por exemplo.
 Os crimes sexuais estiveram sempre ligados à moralidade sexual. O legislador punia mais gravemente
atos sexuais homossexuais do que heterossexuais, por exemplo.

Nestas hipóteses às alterações ao nível da moldura penal, por referência ao tipo fundamental, correspondem
modificações a nível do tipo ou dos elementos típicos, seja ao nível do tipo-de-ilícito seja ao do tipo-de-culpa

Se a moldura penal encontrada indicar apenas o limite máximo (por exemplo, o art. 134º e 250º) ou somente o
limite mínimo ou se não indicar qualquer limite (por exemplo, o art. 143º) valem os limites previstos nos arts.
41º e 47º.

Esta operação, portanto, é desde logo decisiva

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Há ainda aqui uma outra questão com que o juiz se confronta: a pena de multa é também principal, e por
vezes, quase sempre, surge na modalidade de pena alternativa. Portanto, o juiz, logo na primeira operação de
determinação da pena, pode ter de optar pela pena de prisão ou de multa.

Vamos supor que o juiz subsume os factos ao art. 143º que diz que quem ofender o corpo ou a saúde de outra
pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

 O juiz, logo nesta operação, tem de saber se vai aplicar no caso uma pena de prisão até 3 anos (já
sabemos que será entre 1 mês e 3 anos) ou de multa (10 a 360 dias). Os critérios desta escolha, vamos
estudá-los depois noutra operação

2.2. Circunstâncias modificativas agravantes e atenuantes

A moldura penal resultante do preenchimento de determinado tipo legal de crime, pode vir a ser modificada,
por efeito das chamadas circunstâncias modificativas, agravantes ou atenuantes.

Circunstâncias são, nesta aceção, segundo FIGUEIREDO DIAS , “pressupostos ou conjunto de pressupostos que,
não dizendo diretamente respeito nem ao tipo-de-ilícito (objetivo ou subjetivo), nem ao tipo-de-culpa, nem
mesmo à punibilidade em sentido próprio, todavia contendem com a maior ou menor gravidade do crime como
um todo e revelam por isso diretamente para a doutrina da determinação da pena”

Distinção:

 Quando falamos de tipo fundamental, privilegiado ou qualificado, temos de entender que estamos
perante distintos tipos de culpa e distintos tipos-de-ilícito.

 Quanto falamos de circunstâncias modificativas atenuantes ou agravantes, o tipo de ilícito e culpa,


são os mesmos, mas há circunstâncias que nos levam a concluir que o crime é mais grave ou menos
grave. Atendemos à maior ou menor censurabilidade do comportamento (o comportamento do
agente é mais censurável porque tirou a vida a alguém com quem tinha relação de parentesco)

As circunstâncias dividem-se em:

a. Agravantes: alternam a moldura penal elevando-a num dos limites ou nos limites mínimo e máximo

b. E atenuantes: alteram a moldura penal baixando-a num dos limites ou nos limites mínimo e máximo.

c. Em comuns ou gerais: aplicam-se qualquer que seja o crime em causa, estando previstas, em princípio,
na Parte Geral do CP (por exemplo, a tentativa, cumplicidade, a atenuação especial da pena e a
reincidência – art. 23º/1/2, 27º/2, 72º e 75º)

d. E especiais ou específicas: aplicam-se somente relativamente a certo ou certos tipos legais de crime,
sendo, por isso, reguladas na parte especial do CP (por exemplo, a tentativa da prática de crimes contra a
autodeterminação sexual – art. 171º/3/5, 172º/2/4, 173º, 174º, 176º/4/5/6 - ou as hipóteses previstas
no art. 286º).

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Tentativa e comparticipação
“especialmente atenuada” – como é
que atenuamos? Art. 73º/1 Direito Penal III
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Na legislação extravagante é identificável uma circunstância modificativa atenuante comum ou geral


relativamente a jovens adultos (jovens que já tenham completado 16 anos sem terem ainda atingido 21) que
tenham cometido um facto qualificado como crime.

 De acordo com o art. 4º do DL 401/82, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar
especialmente a pena, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para
a reinserção social do jovem condenado.
 Pode dizer-se que atendendo à idade não se justifica a pena prevista no tipo legal de crime.

A cumplicidade, tal como a tentativa, levam a uma atenuação da moldura penal; há uma circunstância
modificativa atenuante.

Quando se trate de reincidência, deverá funcionar primeiro a circunstância modificativa atenuante, atendendo
às especificidades constantes do art. 76º CP. Só fazendo funcionar primeiro a circunstancia modificativa
atenuante é que é possível determinar a medida da pena independentemente da reincidência e determinar
assim se a agravação da pena se mantém nos limites legalmente admissíveis.

Em caso de concorrência de circunstâncias modificativas, (1) ou só agravantes, ou só atenuantes, ou (2)


agravantes e atenuantes, o juiz deverá fazer funcionar todas as circunstâncias modificativas que no caso
concorram.

(1) Nos dois primeiros casos, o juiz deverá fazê-las funcionar sucessivamente, desde que cada circunstância
modificativa possua um fundamento autónomo (art. 72º/3).

(2) Em caso de concorrência de circunstâncias modificativas agravantes e atenuantes, o procedimento


deverá ser, em regra o de fazer funcionar primeiro as agravantes e depois, relativamente à moldura
penal assim provisoriamente determinada, as atenuantes.

(1) Imaginemos que temos uma pena aplicável de 1 a 15 anos. Quando haja uma circunstância atenuante, é
reduzido 1/3 (um terço). Quanto é 1/3 de 15? é 5.

Imaginemos que alguém atuou como cúmplice. Então, reduzimos e então a pena aplicável passa a ter como
limite máximo 10. E se o homicídio foi apenas na forma tentada e se ele fosse jovem adulto? Ora, se
aplicássemos cumulativamente estas circunstâncias, o limite máximo seria 0 (zero).

Não é assim que se fazem as contas: fazemos as contas de forma sucessiva: retiramos 1/3 de 15 porque ele era
cúmplice, retiramos a 1/3 de 10 e retiramos outro 1/3 àquele valor.

Saber se a moldura penal aplicável resulta imediatamente do tipo legal de crime (fundamental, qualificado ou
privilegiado), no qual se enquadra a conduta do agente, ou se resulta antes do funcionamento de
circunstâncias modificativas (agravantes ou atenuantes) tem grande relevo prático, nomeadamente para o
efeito do disposto no nº1 do art. 118º do CP (nº2 deste artigo), não sendo sempre evidente a razão de ser da
agravação ou da atenuação da pena (por exemplo, art. 177º/1 CP)

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Direito Penal III
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3. Determinação concreta da pena (pena aplicada) – culpa e prevenção

Determinada a moldura da pena, há que determinar, em concreto, a pena, dispondo o art. 71º/1 CP, que a
determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e
das exigências de prevenção.

A culpa e a prevenção são os critérios gerais legalmente estabelecidos para medir, em concreto, a pena.

 Assim sendo, e atendendo ao disposto no art. 40º, o modelo que mais se adequa à nossa lei, é o modelo
de prevenção [explicado infra]

Em aberto ficam, no entanto, as seguintes questões: qual o conceito de culpa e de prevenção para efeitos de
medida de pena? Como se relacionam entre si culpa e prevenção? E como se relacionam entre si a prevenção
especial e a prevenção geral?

A resposta a estas questões deve ser encontrada a partir do que se dispõe nos nº 1 e 2 do art. 40º

 Nº1 A aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos (prevenção geral positiva) e a reintegração
do agente na sociedade (prevenção geral positiva)
 Nº2 Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa

Já que,

Como refere FIGUEIREDO DIAS , “o processo de determinação da pena é (só pode ser) um puro derivado da
posição tomada pelo ordenamento jurídico-penal em matéria de sentido, limites e finalidades da aplicação das
penas”.

Na determinação da medida da pena, o requisito legal de que sejam levadas em conta as exigências de
prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades
da pena.

O requisito legal de que seja considerada a culpa do agente, satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do
crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limite as exigências de
prevenção.

Quando se fala de prevenção como critério geral ou princípio regulativo da medida da pena, tem-se em vista o
sentido que é dado à expressão em matéria de finalidades das penas. Prevenção significa, pois, prevenção geral
e prevenção especial, no preciso sentido que assumem na discussão sobre as finalidades da punição.

Quando se fala na culpa trata-se da culpa que releva quer ao nível do princípio da culpa, quer ao nível do
conceito de crime.

A prevenção e a culpa devem manter-se distintas na função que cada uma desempenha na determinação
concreta da pena.

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A distinção dos princípios regulativos da culpa e da prevenção não significa, porém, que cada um dos diversos
fatores de medida da pena (art. 71º/2 CP) deva ser imputado só a uma ou a outra. Pelo contrário, há que
aceitar a ambivalência de muitos destes fatores, numa dupla aceção: há fatores que podem revelar quer para a
culpa quer para a prevenção; o mesmo fator pode mesmo relevar de forma antinómica, diminuindo
(atenuando) a culpa e aumentando (agravando) as exigências de prevenção, ou vice-versa.

3.1. Relacionamento dos princípios da culpa e da prevenção e “modelo” de medida de pena

No processo de medida da pena há que esclarecer o modo como se relacionam entre si a prevenção e a culpa e
como se relacionam entre si a prevenção especial e geral.

(1) Teoria do valor de posição ou de emprego

Segundo a denominada “teoria do valor de posição ou de emprego”, a culpa e a prevenção têm âmbitos de
atuação diferentes no processo geral de determinação da pena: (1) na escolha da pena devem valer
integralmente e apenas considerações de prevenção; (2) na determinação concreta da pena devem valer
exclusivamente considerações de culpa.

Críticas;

a. Esta teoria elimina qualquer conflito entre culpa e prevenção e obsta a uma dupla valoração da prevenção
(na escolha e na determinação concreta da pena), mas não é compatível com o que se dispõe no nº1 do
art. 71º do CP, na parte em que explicita o critério das exigências de prevenção.

b. Por outro lado, uma pena determinada exclusivamente em função da culpa poderia ser uma pena justa,
mas não necessariamente uma pena necessária do ponto de vista da proteção do bem jurídico em causa e
da reintegração do agente na sociedade (cfr. art. 40º/1)

(2) Teoria da pena e da culpa exata

De acordo com uma outra teoria –“a teoria da pena e da culpa exata” – a medida da pena é fornecida pela
medida da culpa, à qual corresponde uma medida exata, podendo as exigências preventivas ser tomadas em
conta, quando muito, na parte em que relevem dentro do conceito de culpa.

Esta teoria é de rejeitar:

a. A culpa não é suscetível de se traduzir em uma medida exata;


b. Concede demasiado à culpa e menos do que é devido à prevenção;
c. Não é compatível com o que se dispõe nos arts 71º/1 e 40º/1/2 do CP.

Estas disposições legais pressupõem uma consideração distinta da culpa e da prevenção.

Ao dispor que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da pena, o art. 40º/2 assinala à culpa o papel
de mero limite da pena, no âmbito da determinação da medida concreta da pena.

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(3) Teoria do espaço de liberdade ou da moldura da pena - Roxin

Para uma outra teoria – a teoria do “espaço de liberdade” ou da “moldura da pena” - a medida da pena deve
ser dada essencialmente através da medida da culpa que se oferece ao aplicador como uma moldura de culpa:

 Como um limite mínimo em que a pena já se revela adequada à culpa;


 Com um limite máximo em que a pena ainda se revela adequada à culpa.

Qualquer pena dentro destes limites realiza a finalidade de prevenção geral positiva ou de integração (a pena
será sempre uma pena justa), cabendo à prevenção especial de socialização ditar, em última instância, a pena a
aplicar ao agente.

Por exemplo: temos um crime com uma moldura penal de 8 a 16 anos. Vamos supor que 10 anos é adequado à
culpa do agente, e 15 anos também ainda é adequado.

 De acordo com este modelo a culpa, determina-se, em primeiro lugar, a culpa do agente, mas
analisando a culpa, não chegamos à medida concreta; chegamos, sim, a uma moldura penal.

Roxin diz que como qualquer pena entre 10 e 15 é adequada à culpa, então, qualquer pena entre 10 e 15 anos,
porque adequada, vai também prosseguir a finalidade de prevenção geral positiva.

Em casos especiais, em situações excecionais, as considerações de prevenção especial de socialização poderão


conduzir a uma pena inferior ao limite mínimo da culpa, sem que, no entanto, possa ser quebrado o limite
mínimo da moldura legal, que corresponde às exigências mínimas de prevenção geral sob a forma de tutela do
ordenamento jurídico  Haverá necessariamente reafirmação da validade da norma violada pela prática do
crime, porque a comunidade vai sempre sentir que uma pena dentro daquele valor é uma pena adequada à
culpa do agente.

Cabe então à prevenção especial de socialização ditar, em última instância, a pena a aplicar ao agente.

 Esta teoria relega para segundo plano as considerações de prevenção, diferentemente do que decorre
do art. 40º/1;

 Contraria a ideia de que a culpa é apenas pressuposto e limite da pena, relacionando-se com esta de
forma unívoca (art. 40º/2);

 Não faz relevar de forma principal as razões de prevenção geral positiva; não admite que o limite
mínimo da prevenção geral possa ser superior ao mínimo da moldura legal, em função das
especificidades do caso concreto.

Se a finalidade da pena é a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e se a pena
não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (art. 40º/1/2), então a medida da pena há de ser dada
pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, sem ultrapassar a medida da culpa, atuando os
pontos de vista de prevenção especial de socialização entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente
suportável de tutela de tais bens.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

(4) Teoria da moldura de prevenção

Este conteúdo reconduz-se à teoria da “moldura de prevenção”, defendida, entre nós, por Figueiredo Dias e
Anabela Rodrigues.

A medida da pena tem de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, em face do caso
concreto, num sentido prospetivo de tutela das expectativas da comunidade em manutenção (ou mesmo no
reforço) da vigência da norma infringida.

Um critério de necessidade da pena não fornece, contudo, um quantum exato da pena.

 Fornece somente a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e o
ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr
irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico.

Ponto que não tem de coincidir com o limite mínimo da moldura legal, podendo situar-se acima dele.

Neste sentido, é a prevenção geral positiva (e não a culpa) que fornece uma moldura dentro da qual vão
atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que, em última instância, vão
determinar a medida da pena.

Este modelo é tributário da ideia segundo a qual a finalidade primordial é a tutela de bens jurídicos e de
prevenção geral positiva.

Portanto, se assim é, quando estamos perante a moldura do homicídio de 8 a 16 anos, a pergunta que
devemos fazer é: qual a pena necessária para haver tutela do bem jurídico que foi violado? É um critério de
necessidade de tutela de bens jurídicos que nos dá uma moldura dentro da moldura legal, não é uma
moldura de culpa.

 Os 10 anos seriam o mínimo de pena sem os quais não haveria uma reafirmação da validade da
norma pela prática do crime.
 Os 15 anos seria o ponto ótimo da tutela do bem jurídico violado pela prática do crime.

A culpa atua como limite máximo: a pena aplicada ao agente não pode ser superior à culpa do agente.
Imaginemos que o juiz entendeu que o ponto ótimo da tutela estava 15, mas quanto à culpa do agente não
posso aplicar mais do que 14. A culpa cumpre o destinado no nº2 do art. 40º.

Neste modelo da prevenção, a culpa não dá nunca o mínimo de pena, mas apenas o limite máximo da pena.
À culpa cabe apenas ser limite (máximo) da pena.

Constituindo a culpa o limite inultrapassável de quaisquer considerações preventivas – em caso algum a pena
pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º/2) –, a culpa fornece somente o limite máximo da pena. O que é
coerente com a possibilidade de dispensar o agente de pena, não obstante a culpa deste (art. 74º) e com o
entendimento de que a pena e a culpa não se relacionam de forna biunívoca.

A culpa entre nós é apenas limite. O princípio da culpa é o princípio da culpa na sua dimensão unilateral: não
há pena sem culpa nem pena superior à culpa (e isso verifica-se no modelo). Se for necessário baixamos o
quantum: mas pode haver culpa e não haver aplicação da pena.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

3.2. Critérios de aquisição e de valoração dos fatores de medida da pena e fatores de medida da pena

Estabelecida a forma como a culpa e a prevenção se relacionam no processo de determinação concreta da


pena e determinada qual a exata função que uma e outra cumprem, importa eleger a totalidade das
circunstâncias do complexo integral do facto que revelam para a culpa e para a prevenção, ou seja, determinar
o substrato da medida da pena.

Distinção fundamental:

 Uma coisa são fatores de medida da pena, que atuam dentro da moldura legal para chegarmos a uma
medida concreta;
 Outra, são as circunstâncias modificativas agravantes ou atenuantes.

Dispõe o nº2 do art. 71º CP que, na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as
circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele,
procedendo depois a uma exemplificação. O elenco não é fechado.

Decorre aqui que o substrato da medida da pena não pode bastar-se com as categorias do tipo-de-ilícito e do
tipo-de-culpa, mesmo quando a elas se acrescente a categoria da punibilidade do facto. Tem que abarcar
também, forçosamente, a categoria da punição, integrada pelo princípio regulativa da carência punitiva.

(!) Os fatores de medida da pena são aquilo a que o juiz atende para efeitos de culpa e prevenção para chegar à
pena concreta que vai aplicar ao agente. (!)

De acordo com ao art. 71º/2, não devem ser tomadas em consideração, na medida da pena, as circunstâncias
que façam já parte do tipo de crime. Assim se enuncia o princípio da proibição da dupla valoração, segundo o
qual o juiz não deve utilizar para determinar a medida da concreta da pena as circunstancias que o legislador já
tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto.

(!) O juiz não pode valorar algo que já tenha sido valorado previamente pelo legislador (!)

 Quando o legislador valora determinado comportamento constrói determinada moldura. A moldura


resulta de um juízo que o legislador faz. A ofensa à integridade física e grave (art. 144º) é punida com
pena de prisão de 2 a 10 anos. E a ofensa à integridade física grave acontece se provocar na vítima perigo
para a sua vida. Uma coisa que distingue ofensa simples da ofensa grave, é provocar perigo para a vida da
vítima. E portanto o legislador considerou que como a ofensa à integridade física causou perigo para a
vida, o comportamento tem de ser punido com 2 a 10 anos.

Não pode o juiz quando está a determinar a medida concreta da pena dizer que deverá ser relevado o
facto de que as ofensas colocaram em risco a vida da vítima, porque tal foi valorado pelo legislador.

 Quando estamos perante um homicídio tentado, o juiz não pode dizer que a pena deve ser atenuada
porque foi uma tentativa. Isso já foi valorado pelo legislador.

 Em matéria de crimes sexuais: na violação os atos sexuais de relevo praticado são de determinado tipo ou
natureza (copula, coito anal ou oral). E o legislador pune mais gravemente a violação do que a coação
sexual. E aqui vale a mesma lógica: o juiz não pode valorar negativamente algo que já foi valorado pelo
legislador.

Isto sem prejuízo de a medida concreta da pena poder variar em função da intensidade ou dos efeitos do
preenchimento de um elemento típico.

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Ou seja: a circunstância de valer este princípio não inviabiliza o tribunal de verificar a intensidade do fator
que levou à agravação da moldura penal!

 Ofensa à integridade física grave – art. 144º - quem ofender o corpo ou saúde de outra pessoa de
forma a privá-lo de importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e permanentemente, é
punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.

Vamos supor que alguém me corta um dedo da mão. Porque me cortou, a ofensa deixa de ser ofensa
à integridade física simples para ser grave. O juiz não pode dizer que tem de determinar uma medida
concreta da pena mais grave porque me cortou o dedo, porque tal já foi valorado pelo legislador.

Mas o juiz pode dizer: a pena deve ser grave porque foi um dedo da mão direita, a pessoa escreve da
mão direita, e ao tirar-lhe o dedo impediu que este voltasse a escrever

Estas coisas têm de ser ponderadas no caso concreto.

O juiz aqui pode ponderar a perda de um dedo que é fundamental.

 Ou imaginemos que além de 1 dedo foram 4 dedos. O juiz pode valorar a circunstância de ter perdido
4 dedos e portanto será mais grave perder 4 dedos do que 1. E isto não viola o principio.

É mais grave a medida concreta da pena se comprarmos uma mão a alguém que tenha uma carreira
de pianista.

1) Os fatores de medida da pena que deponha a favor ou contra o agente têm de começar a ser identificados
como revelantes para a culpa ou para a prevenção ou para ambas, sendo neste caso fatores ambivalentes.

Os fatores de medida da pena são aquilo a que o juiz atende para efeitos de culpa e prevenção para chegar à
pena concreta que vai aplicar. Estes fatores são fatores ambivalentes, porque podem ser considerados para
efeitos de culpa ou para efeitos de prevenção

 Exemplo: a alínea e) dispõe que também é fator de medida pena a conduta anterior ao facto.
Portanto, o comportamento anterior ao facto também releva para efeitos de determinação da medida
concreta.

 O comportamento anterior do agente é um fator claramente ambivalente: considerando o


comportamento anterior do agente, podemos fazer relevar esse comportamento para efeitos de culpa
ou de prevenção. Um agente que até ao momento não tenha delinquido é menos culpado do que um
que já tenha anteriormente praticado crimes.

2) Em seguida, cada um dos fatores tem de ser pesado em função do seu concreto significado à luz daqueles
critérios, podendo ser duplamente ambivalentes, no sentido de poderem ter um peso distinto consoante
sejam ponderados para a culpa ou para a prevenção.

 Ou seja, os fatores de medida da pena podem ser duplamente ambivalentes, pois um mesmo fator
pode ter efeitos positivos para a culpa mas negativos do ponto de vista da prevenção.

3) Para, finalmente, serem eles reciprocamente avaliados em função da quantificação da espécie de pena que
se decidiu aplicar.

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Os fatores de medida da pena, nomeadamente os exemplificados no art. 71º/2 podem ser agrupados em
fatores relativos à execução do facto (alínea a), b), c) e e) parte final); fatores relativos à personalidade do
agente (alíneas d) e f)); e ainda, fatores relativos à conduta do agente, anterior e posterior ao facto (alínea e)).

Quando falamos de dolo ou negligência, a consideração do dolo ou da negligência, em princípio, será um fator
não ambivalente. Mas tudo depende: se o comportamento é doloso podem existir exigências do ponto de vista
da prevenção

Mas há um fator que obrigatoriamente é um fator não ambivalente e está na alínea e), quando diz que o
tribunal pode atender à conduta posterior ao facto. Quando o juiz determina a medida concreta da pena, o juiz
vai considerar também o comportamento do agente posterior ao facto. O comportamento posterior ao facto é
claramente não ambivalente, porque só relevará para efeitos da prevenção, isto porque a culpa do agente se
fixa no momento da prática do crime.

 Exemplo: o agente da prática do crime confessa os factos na audiência do julgamento. Temos um


comportamento processual, posterior ao facto, que pode ter relevo positivo na determinação da
medida concreta da pena, mas só para efeitos de prevenção, não para efeitos da culpa. A confissão é
um exemplo paradigmático.

É por referência a este fator que deve ser valorado o comportamento processual do arguido que deponha a
seu favor, como, por exemplo, a confissão dos factos que lhe tenham sido imputados. Em face do direito à
não autoincriminação, haverá uma proibição de valoração do comportamento processual do arguido que se
traduza no exercício do direito ao silêncio quanto aos factos que lhe tenham sido imputados e sobre o
conteúdo das declarações que sobre eles prestar e quanto aos seus antecedentes criminais.

Ele pode entrar mudo e sair calado quanto aos factos que lhe são imputados. Se em vez de confessar os factos
o arguido se cala, e não presta declarações sobre esses factos, aí já não pode o tribunal valorar este
comportamento processual do arguido porque se trata aqui de um exercício ao silêncio.

Há por aí algumas decisões que valoram negativamente quem exerce este direito. Como se trata do exercício
de um direito, não pode haver uma valoração negativa. Não vale aqui o “quem cala, consente”.

E também não podemos entender que é mais carecido de ressocialização porque se calou. Não é exigível ao
arguido que colabora com a Administração da Justiça Penal.

Esta proibição de valoração abrange, consequentemente, o comportamento processual do arguido que se


considere revelador de falta de arrependimento deste (cf. art. 61º/1/d), art. 343º/1, art. 345º/1 CCP e art.
32º/1/2 CRP).

Entendendo FIGUEIREDO DIAS, que se deve recusar “em via de princípio uma valoração contra o arguido do seu
comportamento, dada a situação de pressão física e (ou) espiritual a que ele, em regra, está submetido”. Só
assim não devendo ser “quando o seu comportamento for iniludivelmente de imputar à intenção de prejudicar
o decurso normal de processo”

Corre entre os tribunais este entendimento (errado) de se valorizar negativamente o comportamento do


arguido quando ele não mostra arrependimento. Isto é uma barbaridade.

Isto não tem relevo absolutamente nenhum para a determinação da medida concreta da pena!

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Uma forma de confessar é mostrar que está arrependido e o arguido não tem dever de colaboração com a
justiça penal. Se ele se mostrar arrependido isto releva para efeitos de prevenção, nomeadamente especial,
porque há menos exigências da sua ressocialização. Pode haver este relevo positivo do arrependimento, mas o
arrependimento não anula o seu ato. Pode haver um relevo positivo do arrependimento, mas não pode haver
um relevo negativo de quem não se arrepende.

 Todos concordaremos que se houver um arrependimento sincero, isto releva para efeitos de
prevenção e para efeitos de prevenção especial. Se estamos perante alguém arrependido pelos factos,
há menos necessidade de ressocialização. E pode haver então este relevo positivo.

 O que não pode haver é um relevo negativo de quem não se arrepende! Esta questão, vamos falar
dela mais à frente.

Este entendimento começou com o caso do Carlos Cruz: a liberdade condicional foi recusada muitas vezes
porque o tribunal entendeu que durante a execução da pena ele nunca se mostrou arrependido. Isto não pode
acontecer: ele não pode mostrar-se arrependido se ele sempre se considerou inocente.

Portanto: há fatores da pena ambivalentes, duplamente ambivalentes, e fatores que pela sua natureza não
podem ser ambivalentes.

Quando ladeia muito tempo entre o momento da prática do crime e da condenação, a circunstância de entre o
momento da prática do crime e a condenação ter mediado muito tempo sem o agente praticar crimes deve ser
valorado na determinação da medida concreta da pena.

 Se estou a determinar a medida concreta da pena de alguém que cometeu um crime há 10 anos e
entretanto não cometeu crime, esse comportamento tem de ser valorado para efeitos de prevenção
especial e geral.

4. Determinação concreta da pena de multa

A pena de multa está legalmente consagrada segundo o sistema de dias de multa (art. 47º CP).

Primeira O sistema da soma global é um outro sistema possível, seja sob a forma de quantia a determinar entre um
modalidade
mínimo e um máximo fixados na lei, seja sob forma de multa em quantia certa fixada pela lei.

Nesta última modalidade não há qualquer procedimento de determinação concreta da pena a observar pelo
juiz, tratando-se de uma pena fixa que não pode adequar-se nem à gravidade do ilícito e da culpa, nem à
condição económico-financeira do agente.

 Independentemente da culpa do agente, aplicaríamos sempre a mesma multa, e por vezes ela nem poderia ser
suportada pelo agente.
 A multa em quantia fixa não atenderia à situação económico-financeira do agente. Estaríamos a tratar da mesma
forma ricos e pobres. No limite, isto faria que a multa fosse desproporcionada e poderia ser absolutamente
desadequada.
 Isto levaria a uma diminuição da eficácia político-criminal.

A aplicação de uma pena de multa em quantia certa viola princípios jurídico-constitucionais – o princípio da
culpa, o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade –, prejudicando o agente de mais fraca
situação económico-financeira por absoluta impossibilidade de a tomar em conta no momento da
determinação concreta (art. 13º/2 CRP).

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Segunda Na outra modalidade, a individualização da pena em função da culpa e da situação económico-financeira do


modalidade agente não é impossível, uma vez que a multa é determinada entre um mínimo e um máximo.

 Este sistema não é satisfatório do ponto de vista político-funcional e do princípio da culpa. Este sistema
teria sempre de considerar, numa única operação, a culpa e a situação económico-financeira do agente,
que são critérios profundamente diferentes. E portanto, no limite, este sistema também poderia redundar
em problemas jurídico-constitucionais.

Perante estas modalidades do sistema da soma global e à crítica que lhe associamos, o sistema dos dias de
multa é o único que permite a integral realização das intenções político-criminais e dos referentes jurídico-
constitucionais que convergem na aplicação da multa, uma vez que pressupõe dois atos autónomos de
determinação da pena, nos quais se consideram em separado e sucessivamente, os fatores relevantes para a
culpa e para a prevenção e os relevantes para a situação económico-financeira.

4.1. Determinação dos dias de multa

No procedimento para determinação concreta da pena segundo o sistema dos dias de multa, o primeiro ato do
juiz consiste em fixar, dentro dos limites legais o número de dias de multa, de acordo com os critérios
estabelecidos no art. 71º (art. 47º/1), ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Ofensa à integridade física simples: (…) será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. Vale aqui
subsidiariamente o art. 47º e neste caso temos uma pena de multa entre 10 dias e 360 dias. Portanto, o juiz vai
determinar a medida concreta da pena de multa, dos dias de multa, como o próprio art. 47º. O juiz determina a pena
de multa como se estivesse a determinar uma pena de prisão. Mas em vez de funcionar com anos, funciona com dias.

4.2. Determinação do quantitativo diário

O segundo ato do juiz para determinação concreta da pena segundo o sistema dos dias de multa consiste em
fixar, dentro dos limites previstos no art. 47º/2 – entre 5€ e 500€ - o quantitativo de cada dia de multa, em
função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

Deste modo, dá-se realização ao princípio da igualdade de ónus e de sacrifícios, promovendo,


consequentemente, a eficácia preventiva da multa.

É nesta operação que se joga a eficácia político-criminal: a pena de multa é tão mais eficaz quanto melhor for
determinada em função da situação económico-financeira do condenado.

No silêncio da lei sobre os critérios que devem ser tomados em conta para determinar a situação económica e
financeira do condenado, considerado também os seus encargos pessoais, é seguro que deverá atender-se à
totalidade dos rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte (do trabalho, capital,
pensões), como é também seguro que àqueles rendimentos devem ser deduzidos os gastos com impostos, com
contribuições para a segurança social, com prémios de seguro, com o cumprimento de deveres jurídicos de
assistência (por exemplo, prestação de alimentos) ou com obrigações voluntariamente assumidas que pesem
de forma duradoura sobre os rendimentos do condenado (por exemplo, prestação bancária para aquisição de
casa própria).

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Difícil e duvidoso é saber em que medida deve ser tomado em consideração o património (a riqueza) do
condenado.

 A resposta será não. Não vamos obrigar alguém a vender quadros ou carros valiosos para pagar pena de
multa.

Mas já não o rendimento do património, o qual deve ser considerado. Vamos ter em conta rendimentos do
condenado. Imaginemos que é professor mas tem 3 casas arrendadas. Claro que também devemos atender a
estes rendimentos.

É claro que não interessa apenas rendimentos, mas também encargos: rendas de casa, empréstimo ao banco.

Surgem questões especiais quando a pena de multa é aplicada a pessoas carentes de rendimentos próprios
(por exemplo, a um estudante ou a um desempregado), ou a pessoa que viva no mínio existencial ou abaixo
dele.

 Quanto às primeiras, há que considerar aquilo de que dispõe para proveito pessoal (por exemplo, a
mesada, ou o subsidio de emprego).

 Relativamente a condenado que viva no mínimo existencial ou abaixo dele e relativamente ao qual não
possam ter aplicação os critérios de determinação do quantitativo diário da pena de multa (art. 47º/2 CP),
deve ser fixado o quantitativo mínimo legal (5€), ter lugar a conversão da multa em prisão subsidiária e
haver suspensão da execução desta com subordinação ao cumprimento de deveres ou regras de conduta
de conteúdo não económico ou financeiro – art. 49º/1/3

Esta é a solução atualmente prevista, em substituição da suspensão da execução da pena de multa,


prevista na versão primitiva do CP (art. 48º/1), para os casos de não pagamento da pena de multa por
razão não imputável ao condenado, contemporânea da condenação.

Tendo em conta o art. 13º/2 CRP - ninguém pode ser prejudicado em razão da situação económica –, o que
não é admissível é deixar de aplicar a pena de multa, porque se conclua que o condenado não pode suportar o
pagamento do quantitativo mínimo diário legalmente estabelecido.

Esta operação não é fácil e é onde se joga a eficácia político-criminal. Só a correta fixação do quantitativo diário
vai permitir uma igualdade de repartição entre ónus e sacrifícios

A pena de multa pretende ser e é uma pena, como diz F IGUEIREDO DIAS, de natureza pessoalíssima. Quando
consideramos os rendimentos do condenado, e estou a determinar o quantitativo diário, o que é importante é
que a multa afete o condenado e só o condenado.

E isto tem várias consequências:

a. Não vamos considerar os rendimentos da mulher ou pais do condenado. Temos de considerar aquilo
que vai fazer falta ao condenado.

b. Não é possível fazer contrato seguro para pagar as multas em que viesse a ser condenado. [Médico -
tem de ser o próprio condenado, o médico, a sofrer a pena de multa. Não há seguro para pagamento de penas de
multa]

c. Aliás, se a multa for paga por um terceiro, esse terceiro comete um crime de favorecimento pessoal. O
condenado é que tem de sofrer a sanção.

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Temos aqui uma exceção ao princípio da proibição da reformatio in pejus

Em matéria de recursos vale este principio consagrado no art. 409ºCPP: quando o arguido recorre de uma
decisão condenatória (ou quando recorre o MP no interesse do arguido), o tribunal não pode agravar a sanção
na sua espécie ou medida. Isto é para não desmotivar as pessoas a interpor recurso

 Se hoje for condenada em pena de multa e recorrer, e daqui a meio ano a Relação volta a julgar, e se
entretanto eu ganhei o Euromilhões, o tribunal só pode alterar quantitativo diário e não os dias de
multa.

4.3. Prazo e condições de pagamento

Às duas operações já referidas, pode seguir-se ainda uma outra – uma operação, eventual, que consiste em
diferir o prazo ou as condições de pagamento da pena de multa, nos termos e com os limites fixados no art.
47º/3/4/5, sempre que a situação económica e financeira do condenado o justifique e não haja prejuízo para a
eficácia preventiva da sanção imposta.

 Esta é uma terceira operação que faz da execução da pena de multa, uma execução com alguma
elasticidade.

Excecionalmente, o tribunal pode autorizar o pagamento da pena de multa dentro de um prazo que não
exceda 1 ano ou permitir o pagamento em prestações, sem que a última possa ir além dos 2 anos
subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação, em desvio à regra estabelecida no art. 489º/2 CPP
– o prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.

Esta elasticidade quanto à forma de pagamento da pena de multa visa permitir que, até ao limite do possível,
esta seja cumprida, sem que, no entanto, a pena de multa deixe de ser uma verdadeira pena, doada de eficácia
político-criminal, o que justifica os limites temporais estabelecidos no art. 47º/3.

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CAPÍTULO III – CASOS ESPECIAIS DE DETERMINAÇÃO DA PENA APLICÁVEL ÀS PESSOAS


SINGULARES

1. Reincidência

Segundo o disposto no art. 75º/1 primeira parte, é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer
forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a 6
meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a 6
meses por outro crime doloso.

E acrescenta o nº2, primeira parte que: o crime anterior que o agente tenha sido condenado não releva para a
reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos.

A agravação da pena em caso de reincidência justifica-se por apelo a uma maior culpa do agente, por este
haver desconsiderado a solene advertência contra o crime contida na condenação anterior, sem prejuízo de se
fazerem sentir também exigências acrescidas de prevenção por haver indícios de maior perigosidade do
agente.

É uma circunstância modificativa agravante, a única que está prevista na parte geral do CP.

1.1. Pressupostos formais e material

1.1.1. A reincidência opera somente entre crimes dolosos, não entre crimes negligentes e entre um crime
doloso e um crime negligente.

Esta exigência encontra justificação na ideia de que só relativamente a crimes que tenham sido
previstos e queridos pelo agente e que se fundamentem numa atitude pessoal contrária ou
indiferente às normas jurídico-penais ganha sentido o pressuposto material desta circunstância
modificativa agravante.

Este pressuposto formal encontrará também justificação na exigência de proporcionalidade, uma vez
que está em causa a agravação da moldura penal prevista para o crime.

Porque é que a lei considera que o reincidente deve ser mais punido? Entende-se que o que justifica a
maior punição é a sua maior culpa.

Não quer dizer que um agente reincidente não precise de um processo de ressocialização, claro. É
óbvio que se um agente reincidir na prática de um crime, isso mostra que a pena anterior não foi
suficiente do ponto de vista da prevenção especial. Mas o que justifica, a título principal, que o
reincidente seja mais unido é a sua culpa.

Há casos em que existe coincidência entre os pressupostos da reincidência e da pena relativamente


indeterminada.

Nesse caso, dispõe o art. 76º, que o agente é punido com pena relativamente indeterminada. O que
as distingue é:
 O que justifica a reincidência, a título principal, é a culpa;
 O que justifica a pena relativamente indeterminada, a título principal, são exigências acrescidas
de prevenção especial

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Direito Penal III
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A parte final do nº 1, pode induzir a pensar que o que está em causa a prevenção especial: mas o que
está em causa não é prevenção é culpa. O reincidente é mais culpado porque foi condenado por
sentença transitada em julgado e não cumpriu a solene advertência contida na sentença.

1.1.2. A reincidência ocorre apenas entre crimes que sejam e tenham sido punidos com pena de prisão
efetiva superior a 6 meses.

Estão aqui abrangidas somente as penas que tenham sido diretamente impostas, por só estas serem
penas de prisão efetiva, o que exclui os casos em que o agente cumpriu pena de prisão na sequência
da revogação de pena de substituição.

Por via deste pressuposto também ficam excluídos os casos, ainda subsistentes, em que o agente foi
punido com pena de substituição privativa da liberdade (regime de permanência na habitação, prisão
por dias libres, ou regime de semidetenção).

Já quanto ao regime de permanência na habitação, tal como regulado no art. 43º CP, é de concluir que
é preenchido este pressuposto formal, quando o agente seja e tenha sido punido com pena de prisão
efetiva superior a 6 meses e não superior a 2 anos, independentemente de ser ou de ter sido
executada em regime de permanência na habitação com fiscalização de meios técnicos de controlo à
distância.

 É assim quando este regime é uma forma de execução da pena de prisão efetiva não superior
a dois anos, aplicada a título principal na sentença condenatória, enquanto pena diretamente
imposta (alíneas a) e b) do art. 43º).

 Já assim não será se o regime de permanência na habitação for uma forma de execução da
pena de prisão resultante da revogação de pena não privativa da liberdade ou do não
pagamento da multa de substituição (art. 43º/1/c)). Nesta hipótese, a pena diretamente
imposta foi a pena de substituição não privativa da liberdade.

Não é pressuposto formal da reincidência o cumprimento, ainda que só de forma parcial, da pena de
prisão que foi objeto da sentença transitada em julgado.

 A desnecessidade desse cumprimento vai ser ao encontro quer do fundamento da agravação


da pena na reincidência – a desatenção do agente pela advertência contida na condenação
anterior – quer do preceituado no art. 75º/4, segundo o qual a prescrição da pena, a
amnistia, o perdão genérico e o indulto não obstam à verificação da reincidência.

 Não obsta, por isso, à verificação deste pressuposto a circunstância de, feito o desconto
previsto no art. 80º/1, já não haver pena de prisão para cumprir.

Basta a condenação em pena de prisão transitada em julgado, mesmo


que o agente não tenha cumprido um único dia de pena de prisão

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Questão que se pode levantar: imaginemos que se pretende punir alguém como reincidente; essa
pessoa anteriormente cometeu um crime doloso e o juiz condenou o agente com pena de prisão, mas
substituiu-a com suspensão da execução da pena. O agente não cumpriu os deveres impostos, não
cumpriu regras de confuta e a suspensão foi revogada. Portanto, deve cumprir pena de prisão. Neste
caso, há reincidência?

 MARIA JOÃO ANTUNES entende que só há reincidência se a pena aplicada na sentença


condenatória for pena de prisão efetiva superior a 6 meses. Não há reincidência se a pena de
prisão se vier a verificar no não cumprimento de deveres impostos a quem se encontra numa
situação de suspensão da execução da pena.

1.1.3. Em terceiro lugar, exige-se que a condenação pelo crime anterior tenha já transitado em julgado
quando o novo crime é cometido, sendo que, nos termos do art. 75º/3 as condenações proferidas por
tribunais estrangeiros contam para a reincidência, desde que o facto constitua crime segundo a lei
portuguesa.

A exigência de que a condenação já tenha transitado em julgado, uma decorrência do pressuposto


material da reincidência, separa este caso especial de determinação da pena do concurso de crimes

1.1.4. Necessário é ainda, que entre a prática do crime anterior e a prática do novo crime, não tenham
decorrido mais de 5 anos, “prescrevendo” a reincidência se for ultrapassado este tempo.

O decurso deste tempo não permitirá o estabelecimento da conexão material entre um e outro crime,
de forma a poder ser dado como verificado o pressuposto material da reincidência.

Mas se assim é, o melhor fora então que o momento relevante fosse o da condenação transitada em
julgado, por ser este o momento em que o agente é advertido contra o crime.

No prazo de prescrição não é computado, porém, o tempo durante o qual o agente tenha cumprido
medida processual, pena ou medida de segurança privativa da liberdade (art. 75º/2/2ªparte).

 Durante a privação da liberdade, seja ela em meio prisional ou em regime de permanência na


habitação, não se pode afirmar propriamente que o condenado está a respeitar a advertência
contra o crime contida na condenação.

 E o mesmo deve valer para a o período em que o condenado esteja em liberdade condicional
ou em liberdade para prova. O tempo de duração destas não deve ser computado no “prazo de
prescrição”, na medida em que estamos perante 2 incidentes de execução.

O Tribunal Constitucional já respondeu à questão de saber se a norma do nº2 do art. 75º, no


segmento em que determina que o prazo de 5 anos nela previsto não é computado o tempo durante o
qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da
liberdade, viola ou não o princípio da igualdade, julgando-a não inconstitucional (Acórdão 8/2014).

52
Direito Penal III
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1.1.5. Além destes pressupostos formais, é preciso que se verifique também um pressuposto material.

Nos termos do art. 75º/1/2ª parte, é pressuposto (material) da reincidência que, de acordo com as
circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não
lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

 Ou seja, só podemos considerar que a pessoa é reincidente se pudermos fazer sobre ela um
juízo maior de culpa. Quando é que podemos fazê-lo? Quando podemos dizer que o agente
foi solenemente advertido e, não obstante a advertência, voltou a cometer o crime.

Formulação que é significativa da culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente e,
consequentemente, do fundamento desta circunstância modificativa agravante, relativamente à qual
a perigosidade do agente só releva de forma mediata.

A censura do agente por não ter respeitado a condenação ou as condenações anteriores exige o
estabelecimento de uma conexão íntima entre o crime (ou crimes) anterior (ou anteriores) e o
reiterado, que deva considerar-se relevante do ponto de vista da culpa. Sem que seja retomada a
distinção anterior entre reincidência específica, homogénea ou homótropa e reincidência genérica,
heterogénea ou polítropa.

Mas não significa que entre o crime anterior e o reiterado exista uma coincidência de bem jurídico!

 Por exemplo, se cometer hoje um crime de furto e depois um crime de abuso de confiança, isso não
impede que o agente seja reincidente! No furto aproprio-me de uma coisa alheia; no abuso de
confiança também, mas com um pormenor: no abuso de confiança aproprio-me de algo que me foi
confiado, aproprio-me de algo que anteriormente me foi entregue sem título translativo da
propriedade.

Neste caso, apesar de estarmos perante crimes diferentes, podemos considerar, de um ponto de
vista material, que há reincidência.

 Se pensarmos em roubo e integridade física também podemos considerar o agente reincidente. O


roubo pressupõe uma to de violência, e a sentença já o terá advertido que teria de respeitar o bem
jurídico integridade física.

1.2. Operações de determinação da pena

Dispõe o art. 76º que, em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de 1/3 e o
limite máximo permanece inalterado, não podendo a agravação exceder a medida da pena mais grave aplicada
nas condenações anteriores.

O que supõe a autonomização de 4 operações.

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Direito Penal III
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Em primeiro lugar, o tribunal tem de determinar a pena que concretamente deveria caber ao agente se ele não
fosse reincidente seguindo o procedimento normal de determinação da pena (art. 70º e 71º).

Trata-se de uma operação duplamente instrumental:

a. Serve, por um lado, para verificar um dos pressupostos formais da reincidência – o crime reiterado
tem de ser punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses;
b. E, por outro, tornar possível a última operação, a qual é imposta pela 2ª parte do art. 76º/1.

O carácter instrumental desta operação afasta qualquer possibilidade de violação do princípio da proibição da
dupla valoração.

Em segundo lugar, o tribunal vai construir a moldura penal da reincidência, a qual tem como limite máximo o
limite máximo previsto pela lei para o respetivo crime e como limite mínimo o limite mínimo legalmente
previsto para o tipo elevado de 1/3, em razão do desrespeito pela advertência contida na condenação ou nas
condenações anteriores.

Em terceiro lugar, o tribunal determina a medida concreta da pena cabida ao facto dentro da moldura penal da
reincidência, observando os critérios gerais previstos no art. 71º CP.

Deve assinalar-se, por um lado, que o limite máximo da pena concreta consentido pela culpa será, em
princípio, mais elevado; e, por outro, que as exigências de prevenção se encontrarão, provavelmente,
acrescidas.

O fator que, verdadeiramente, ganha relevo autónomo nesta operação de determinação da pena, por
referência aos que já revelara na primeira operação é o que tem a ver com o grau de desrespeito pela
condenação ou condenações anteriores.

Sem que com isso se desrespeite o princípio da proibição da dupla valoração, já que este é compatível com a
valoração, para o efeito de medir a pena, do grau de intensidade da violação de um dever determinante da
moldura penal encontrada.

Em último lugar, o tribunal tem de comparar a medida da pena a que chegou sem entrar em linha de conta
com a reincidência – a medida da pena a que chegou na primeira operação – com aquela que encontramos
dentro da moldura da reincidência – a medida da pena que encontrou na terceira operação.

Isto, porque a agravação determinada pela reincidência não pode exceder a medida da pena mais grave
aplicada nas condenações anteriores (art. 76º/1/2ª parte), em nome de uma ideia de proporcionalidade. Trata-
se, aqui, em bom rigor, de um limite absoluto e externo e não, exatamente de uma regra de determinação da
pena, que pode levar aa que a medida concreta da pena do reincidente fique aquém do limite mínimo da
moldura penal da reincidência.

Por exemplo, se o crime corresponder a uma moldura penal com um limite mínimo de 3 anos, se a pena
concreta encontrada na primeira operação ficar neste limite e se ao crime anterior tiver correspondido uma
condenação inferior a 1 ano.

Esta última operação, na medida em que exige a comparação entre a pena que seria aplicada ao agente, caso
não fosse reincidente, com a que lhe é aplicada, porque é reincidente, tem como consequência que, na
hipótese de esta circunstância modificativa agravante concorrer com uma circunstância modificativa
atenuante, funcionar esta em primeiro lugar. Por exemplo, se o facto praticado pelo reincidente não tiver
passado da tentativa da prática do crime.

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RECORDAR: em caso de concurso entre circunstâncias modificativas agravantes e atenuantes, a regra é


funcionar primeiro as agravantes e só depois as atenuantes. Exceto se a agravante for a reincidência. Nesse
caso, temos e fazer funcionar primeiro as atenuantes, porque na reincidência temos sempre de comparar, por
força do art. 76º/1 segunda parte, a pena que se aplica se ele não for reincidente com a pena que aplicamos
porque é reincidente. Só assim encontramos a medida da agravação.

1.3. Considerações finais

Considerando que o limite máximo da pena aplicável ao crime permanece inalterado (art. 76º/1), que na
operação de determinação concreta da pena a culpa desempenha função de limite da pena (art. 40º/2) e que
são fatores de medida da pena a conduta anterior ao facto e a falta de preparação para manter uma conduta
lícita, manifestada no facto (art. 71º/2/e)/f)), é questionável se é estritamente necessário prever neste caso
especial de determinação da pena.

É de perguntar se não se alcançaria já um quantum de pena correspondente à maior culpa do agente


reincidente, através do procedimento normal de determinação concreta da pena.

Em Portugal, este instituto não tem sido questionado quer do ponto de vista político-criminal, quer do ponto
de vista da sua conformidade constitucional, diferentemente do que já sucedeu em outros países (cf. §48 do CP
alemão que foi entretanto revogado e o Acórdão do TC espanhol 150/91)

2. Concurso de crimes

De acordo com o disposto no art. 77º/1/1ª parte, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de
transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena.

2.1. Pressuposto

Pressuposto da aplicação do regime de punição do concurso de crimes é que o agente tenha praticado vários
crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, segundo uma regra de equiparação do
concurso ideal ao concurso real.

O direito português não distingue o concurso efetivo ideal e real. A Alemanha distingue. Entre nós não faz
sentido distinguir, porque punimos da mesma maneira o concurso efetivo ideal ou real.

 Ideal: o agente, com a mesma ação, comete efetivamente vários crime. Por exemplo, o agente coloca
uma bomba num avião, provocando uma série de mortes e danos no avião
 Real: mata um a um os passageiros que vão saindo do avião.

Os alemães punem mais gravemente o concurso efetivo real

Exige-se, por um lado, que o agente tenha cometido efetivamente mais do que um tipo de crime ou que com a
sua conduta tenha preenchido mais do que uma vez o mesmo tipo de crime (art. 30º/1), o que abrange o
concurso efetivo e exclui o concurso legal, onde, verdadeiramente, o que existe é uma unidade criminosa; e,
por outro, que a prática dos crimes tenha tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer
deles, o que traça a fronteira entre este caso especial de determinação da pena e a reincidência.

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2.2. Possibilidades de tratamento do concurso de crimes

Segundo o sistema de acumulação material, determina-se a pena correspondente a cada crime em concurso e
aplicam-se as penas na sua totalidade, as quais são depois sucessivamente cumpridas se tiverem a mesma
natureza ou simultaneamente cumpridas se tal for materialmente possível.

Um tal sistema pode levar à modificação real da espécie de pena, podendo transformar penas temporárias de
prisão em pena de prisão perpétua; pode acarretar o desrespeito do princípio da culpa; e não é compaginável
com a finalidade preventiva da reintegração do agente, dada a execução fracionada das penas.

Inconveniente que poderão ser contrariados através da unificação das várias penas para efeitos e execução
penal e do estabelecimento de um limite máximo de duração desta. É o que sucede, nomeadamente, no direito
espanhol (art. 76º) e no direito brasileiro (art. 75º).

De acordo com o sistema de pena única, aos crimes em concurso corresponde uma pena: uma pena unitária
ou uma pena conjunta.

1. O sistema é de pena unitária quando a punição do concurso ocorra sem considerar o número de
crimes concorrentes e independentemente da forma como poderiam combinar-se as penas que a
cada um caberiam.

2. O sistema é de pena conjunta sempre que as molduras penais previstas, ou as penas concretamente
determinadas, para cada um dos crimes em concurso sejam depois transformadas segundo um
princípio de absorção ou um princípio da exasperação.

No primeiro caso, a punição do concurso é levada a cabo através da pena concretamente determinada e cabida
ao crime mais grave, com a consequência da impunidade dos outros crimes de igual ou menos gravidade.

No segundo caso, a punição do concurso ocorre em função da moldura penal prevista para o crime mais grave,
devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes, com a consequência de o efeito
agravante ser tanto menor quanto maior for o número de crimes praticados pelo agente

Temos um sistema de pena única conjunta mas a pena única conjunta, entre nós, é determinada segundo um
princípio que é o cúmulo jurídico.

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2.3. Determinação da pena no direito vigente

De acordo com o art. 77º/1, quando alguém tiver praticado vários crimes, é condenado numa única pena,
sendo considerados na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Segundo o art. 77º/2, a pena aplicável tem como limita a soma das penas concretamente aplicadas aos vários
crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de
multa (cfr. art. 41º/2).

O direito português adota um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico.

(1) Segundo este sistema, o tribunal começa por determinar a pena (de prisão ou de multa) que
concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, seguindo o procedimento normal de
determinação até à operação de escolha da pena, uma vez que é relativamente à pena conjunta que faz
sentido pôr a questão da substituição.

(2) Em seguida, o tribunal constrói a moldura penal do concurso:

 O limite máximo é dado pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, com os
limites previsos no art. 77º/2 (25 anos para a pena de prisão e 900 dias para a pena de multa);

 O limite mínimo corresponde à mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

(3) Em terceiro lugar, o tribunal determina a medida da pena conjunta do concurso, seguindo:

 Os critérios gerais da culpa e da prevenção (art. 71º);

 E o critério especial segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos
e a personalidade do agente (art. 77º/1, segunda parte; cfr. Acórdãos STJ 14-10-2009, 27-02-
2013…).

É este critério especial, porque os factos e a personalidade do agente são considerados em conjunto, que
garante a observância do princípio da proibição da dupla valoração: o juiz quando está dentro da moldura,
não pode voltar a valorar o que valorou na primeira operação. O juiz tem de fazer juízos diferentes. Para o
juiz é completamente diferente concluir que está perante um delinquente ocasional ou perante um
delinquente que segue uma carreira criminosa.

Nota: não dizer que o critério especial é fazer uma avaliação dos factos e personalidade. Não! Isso é o que
fazemos na determinação da pena concreta. Aqui, a novidade está em que os factos e a personalidade são
considerados em conjunto.

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(4) Por último:

 O tribunal tem o poder-dever de substituir a pena única conjunta encontrada por uma pena de
substituição, em função dos critérios gerais de escolha da pena, estabelecidos no art. 70º;

 Bem como o poder-dever de decidir se a pena de prisão efetiva até 2 anos é executada em
regime de permanência na habitação, de acordo com o disposto no art. 43º.

A condenação em pena única conjunta não prejudica a possibilidade de impor também as penas acessórias ou
medidas de segurança não privativas de liberdade (art. 77º/4).

Ainda que tal ocorra por referência a um dos crimes ou a alguns dos crimes cometidos pelo agente, a
necessidade de imposição de uma destas sanções afere-se em função da pena única aplicada, tendo em vista
as finalidades preventivas da punição.

Ou seja, imaginemos que a pena concreta que o juiz determinou para um dos crimes em concurso é de 4 anos:
estes 4 anos são substituíveis por uma medida não privativa da liberdade. Mas em caso de concurso de crimes,
a questão da substituição da pena só se põe relativamente à pena única encontrada. A substituição não se
coloca relativamente a cada uma das penas em concurso mas sim em relação à pena única do concurso, no
momento final. E é nesse momento final em que o juiz decide se deve substituí-la

 Tal é imposto pela justificação político-criminal de tais penas e medidas de segurança, apontando
neste sentido o disposto do art. 78º/3.

No silêncio da lei, é pertinente indagar se há a determinação de uma pena única acessória quando o agente
seja condenado em mais do que uma pena deste tipo, sendo certo que tal determinação porá questões
distintas consoante as penas acessórias sejam ou não da mesma espécie (duas ou mais penas acessórias de
proibição de conduzir veículos co motor ou pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor e pena
acessória de inibição do exercício do poder parental).

As operações acabadas de descrever valem para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares
da mesma espécie – ou só penas de prisão ou só penas de multa.

Se as penas parcelas forem de espécie diferente – umas de prisão e outras de multa -, dispõe o art. 77º/3 que
a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos
números anteriores.

Só para a
Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem de prisão e de multa (pena de multa principal!),
pena de
converte-se a multa em prisão subsidiária, nos termos previstos no art. 49º/1, para desta forma poder ser multa
determinada a pena única do concurso, segundo o procedimento que vale para as penas da mesma natureza. principal!

 É este o sentido do inciso “pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números
anteriores”.

A expressão “a diferente natureza destas mantém-se” significa que o condenado poderá sempre optar por
pagar a multa, caso em que esta pena deixa de entrar no procedimento de determinação da pena única
conjunta (cfr. Acórdão STJ 17-05-2012 e 10-01-2013)

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Direito Penal III
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Com efeito, o art. 77º/1 não consagra o sistema da acumulação material quando as penas aplicadas aos crimes
em concurso forem a prisão e a multa.

Consagra antes o sistema da pena única conjunta, a determinar segundo um princípio de cúmulo jurídico, nos
termos do qual há:

a. A determinação em concreto da pena de prisão e da pena de multa principal, nos termos dos arts. 71º e
47º/1;
b. A conversão dos dias de multa em prisão subsidiária, segundo as regras do art. 49º/1;
c. A construção da moldura penal do concurso, com um limite máximo correspondente à soma do tempo
de pena de prisão concretamente aplicada a um dos crimes com o tempo de prisão subsidiária relativo
ao outro crime e um limite mínimo correspondente ao tempo de privação da liberdade que for mais
grave (art. 77º/2);
d. A determinação, dentro desta moldura, da pena única do concurso, considerando, em conjunto, os
factos e a personalidade do agente (art. 71º e 77º/1);
e. E a eventual substituição da pena de prisão encontrada, de acordo com o critério geral dos arts 70º e 40º
do CP, se esta pena não for em medida superior a 5 anos.
M ARIA JOÃO
Este entendimento tem por si, além da letra e da história do preceito, a opção político-criminal feita em 1995 A NTUNES
no sentido do abandono da pena de multa complementar (pena de prisão e pena e multa). participou
nos
Trabalhos de
Revisão do
Até 1995, o Código Penal previa que quanto estivéssemos perante crimes punidos com pena de prisão e outos Código de
com pena de multa, valia o sistema de cumulação material: o agente era punido com pena de prisão e com 1995
pena de multa.

Foram dois os motivos que levaram a acabar com a pena de multa principal cumulativa:

1- Queria parecer que o legislador duvidava da sua eficácia político-criminal;


2- Por outro lado, esta não fazia sentido, pois quando o juiz determina uma pena de multa, determina-a
tendo em conta a situação económico financeira do agente e ela alterar-se-á quando o agente for para a
prisão.

O legislador, também em 1995, coerentemente, abandonou o sistema de cumulação material em matéria de


concurso de crimes.

 O sistema da acumulação material tem contra si, nomeadamente, uma possível violação do princípio da
culpa e uma não avaliação, em conjunto, dos factos e da personalidade de um mesmo agente.

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Direito Penal III
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Na redação proposta pela Comissão Revisora presidida por FIGUEIREDO DIAS, podia ler-se que, em caso de dupla
natureza, o juiz tem de transformar a pena de multa em pena ed prisão e proceder normalmente.

Por exemplo, se o agente, pelo crime A fosse condenado a uma pena de prisão concreta de 3 anos e pelo crime
B fosse condenado a 120 dias de pena de multa, o que se dizia no texto da comissão revisora é que os 120 dias
eram convertidos em prisão subsidiária nos termos do art. 49º.

 Ainda não estudámos a prisão subsidiária, mas, quando o condenado em pena de multa principal a
não pague, essa pena de multa é convertida em prisão subsidiária pelo tempo correspondente
reduzido a 2/3.
 A prisão subsidiária correspondente aos 120 dias de multa são 80 dias (2/3). Ora, porquê reduzir 2/3?
Custa mais 1 dia na prisão do que 1 dia de multa…
 Neste caso, a moldura de concurso será entre 3 anos e 3 anos e 80 dias.

Isto não está dito de forma tão expressa como estava no texto da comissão revisora

O que sucedeu depois do texto da comissão revisora já na Assembleia da República? Em sede parlamentar,
houve rejeições a esta solução.

Qual a grande objeção feita a esta solução? Vamos estar perante pessoas que em princípio poderiam cumprir
uma pena de multa e que acabam por ter de ir para a prisão por causa deste mecanismo de conversão.

 No limite, a pessoa pode ser condenada em 3 anos e 80 dias de prisão, quando poderia pagar a multa
para evitar estar mais do que 3 anos. Um dia de prisão é um dia de prisão!

Para salvaguardar isto, o legislador usou esta formulação “a diferente natureza destas mantém-se na pena
única”

A formulação até parece contraditória… O que quererá ter dito o legislador? Que o tribunal converte a multa
em prisão subsidiária, determina uma pena única privativa da liberdade, mas o condenado pode sempre dizer
que não quer a conversão e que prefere pagar a pena de multa!

O que acontece na prática: nenhum juiz iria punir o agente, neste caso, com 3 anos e 80 dias. O juiz ficaria
pelos 3 anos. A pena de multa acaba por diluir-se, por perder autonomia.

 O condenado só diz que quer pagar a pena de multa, depois de perceber, depois de todas as
operações de determinação da pena, que a multa o fez ficar em prisão mais tempo.

Nota: ainda temos juízes a aplicar o sistema de cumulação material!

Acrescento: não se argumente que a interpretação que fazemos do art. 70º/3 tem o inconveniente de a pena
única ter de ser refeita, na hipótese de o condenado decidir pagar a multa.

Além de este argumento, desacompanhado de outros, nada valer, note-se que a pena única conjunta relativa a
crimes em concurso aos quais correspondam penas da mesma espécie também poderá vir a ser refeita, mercê
de um sistema de pena conjunta onde cada crime não perde a sua individualidade e especificidades.

Por outro lado, este inconveniente poderá ser facilmente contornado se da decisão condenatória constar logo
qual é a pena a cumprir, na hipótese de a multa ser paga, sobrando apenas os casos em que a multa principal é
paga só parcialmente (art. 47º/3 e art. 49º/2).

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O que distingue a reincidência e o concurso de crimes?

O que os distingue é a circunstância de ser pressuposto da reincidência que haja uma condenação transitada
em julgado pela prática de um crime doloso com pena de prisão efetiva superior a 6 meses. No concurso de
crimes, não há ainda uma decisão transitada em julgado pela prática dos crimes em concurso.

2.4. Determinação superveniente da pena do concurso

O art. 78º/1 («Conhecimento superveniente do concurso») dispõe que se, depois de uma condenação
transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros
crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no
cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

Acrescentando-se no nº 2 dispõe que tais regras são aplicáveis relativamente aos crimes cuja condenação
transitou em julgado.

O disposto neste artigo não colide com a situação de reincidência – porquê? Porque na reincidência temos
alguém que praticou um crime doloso e que foi condenado por decisão transitada em julgado com pena de
prisão efetiva superior a 6 meses. Aqui, estamos perante aquele casos e que se vem a descobrir, já depois de o
agente ter sido condenado por decisão transitada em julgado, que ele anteriormente à condenação cometeu
outro crime.

Não obstante a epígrafe do artigo, trata-se, em bom rigor, de um caso de determinação superveniente da pena
do concurso, que ocorrerá, por haver (1) um funcionamento deficiente do sistema de administração da justiça
penal e (2) limites à conexão de processos

 Em relação aos limites à conexão de processos (2)

Por exemplo, o agente praticou o crime A e o crime B. Mas um desses crimes ainda está na fase de
inquérito… Os processos estão em fases distintas. Como estão em fases distintas, não há conexão. Só
há conexão quando os processos estão a mesma fase.

Nessas situações o que acontece é: já depois do trânsito em julgado da sentença é que é determinada
a pena única do concurso

Tal deficiência não reverte contra o agente da prática do crime, relativamente ao qual não é de afirmar
qualquer dever de colaboração com a administração da justiça penal.

2.4.1. Pressupostos

Para ter lugar esta extensão do regime de punição do concurso de crimes é necessário que o crime de que haja
só agora conhecimento tenha sido praticado antes da condenação anteriormente proferida, de tal forma que o
tribunal tê-la-ia tomado em conta para o efeito de determinar uma pena conjunta, se dele tivesse tido
conhecimento.

O momento temporal decisivo para a questão de saber se o crime agora conhecido foi ou não anterior à
condenação é o momento em que esta foi proferida e não o do seu trânsito em julgado, o que exclui os crimes
praticados entre a condenação e o trânsito em julgado da mesma.

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Direito Penal III
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Quando o art. 78º/1 refere o outro crime ou os outros crimes praticados pelo agente, anteriormente àquela
condenação, do que se trata é da condenação em si e não da condenação transitada em julgado.

 Não é este, porém, o entendimento do STJ. Através do Acórdão nº 9/2016 foi fixada jurisprudência no
sentido de que “o momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de
crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por
qualquer dos crimes em concurso”.

MARIA JOÃO ANTUNES não concorda. (1) Pela teleologia da norma, (2) pela razão de ser da determinação
superveniente da pena em caso de concurso e (3) porque a solução do STJ pode levar a situações de
impunidade, MARIA JOÃO A NTUNES sempre entendeu que a condenação era a condenação em primeira
instância e não a condenação transitada em julgado.

Na prática, entram para o concurso de crimes, para a determinação da pena única, todos os crimes praticados,
inclusivamente os praticados entre a condenação e o trânsito em julgado da sentença.

Quanto aos crimes praticados depois do trânsito em julgado, tem lugar a execução sucessiva de várias penas,
segundo as regras estabelecidas no art. 63º, de acordo com as quais acaba por haver uma certa unificação das
várias penas, na medida em que o tribunal decide sobre a liberdade condicional só no momento em que o
possa fazer, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas, com todas as consequências que daí
advêm.

A jurisprudência portuguesa já abandonou o denominado “cúmulo por arrastamento”, tendo a pena única
conjunta deixado de abranger os crimes cometidos já depois de ter transitado em julgado a decisão que a
aplica (cfr. Acórdão 0904-2008, 14-03-2013, 15-05-2013, 07-05-2014).

 Efetivamente durante alguns anos, os nossos tribunais aplicaram esta figura: entravam para a
determinação da pena única todos os crimes praticados, inclusivamente os praticados durante a
execução da pena de prisão

A jurisprudência portuguesa pronunciou-se sobre a ilegalidade do cúmulo por arrastamento não só pela
questão de impunidade mas também pela razão de ser da determinação superveniente da pena em caso de
concurso: o sistema não funcionou porque quando o juiz determinou a pena não conhecia ou não podia
conhecer os outros crimes praticados.

O Tribunal Constitucional já julgou não inconstitucional a «interpretação normativa atribuída pelo STJ ao artigo
77º/1 do Código Penal, nos termos da qual se considera como momento decisivo para a aplicabilidade da figura
do cúmulo jurídico (e da consequente unificação de penas) o trânsito em julgado da decisão condenatória». –
Acórdão 212/2012

Por outro lado, para esta extensão do regime da punição do concurso de crimes ter lugar, preciso é que as
condenações pelos crimes já tenham transitado em julgado, o que pressupõe, portanto, que os crimes já
tenham sido objeto de condenação transitadas em julgado.

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Direito Penal III
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A redação vigente foi introduzida pela Lei nº 59/2007, sem que se perceba muito bem a razão da alteração.

A redação dada pelo DL nº 48/95 ao art. 78º/2 – o disposto do número anterior é ainda aplicável no caso de
todos os crimes terem sido objeto separadamente de condenações transitadas em julgado – pretendeu
estender a determinação superveniente da pena única aos casos em que, por o tribunal desconhecer a
condenação transitada em julgado, também transitava em julgado a condenação pelo crime praticado
anteriormente àquela condenação.

A letra atual do art. 78º/2, num percurso inverso, estabelece que a determinação superveniente da pena só
tem lugar se as condenações já tiverem transitado em julgado.

Ou seja, considerando o que se dispõe no art. 472º CPP cuja redação se manteve, é de concluir que, em caso
de conhecimento superveniente do concurso, é sempre designado dia para realização de audiência, com o
objetivo exclusivo de determinar a pena única correspondente.

A determinação superveniente da pena deixou de ser feita pelo tribunal que julga o crime praticado
anteriormente à condenação que já teve lugar, ainda que este segundo tribunal conheça a condenação
anterior já transitada em julgado.

Com as alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007 foi eliminado o pressuposto de a pena anterior não estar
cumprida, prescrita ou extinta (art. 78º/1, na redação que antecedeu o vigente).

Esta eliminação leva, à partida, a uma extensão dos casos de determinação superveniente da pena, sem que
deva admitir-se, no entanto, uma tal determinação quando a pena anterior já esteja prescrita, de acordo com o
disposto no art. 122º, ou extinta nos termos do art. 128º.

É também político-criminalmente questionável que se tenha pretendido alargar a determinação superveniente


da pena única conjunta a pena já totalmente cumprida e a pena anterior já extinta, por ter já decorrido o seu
período de duração (art. 57º/1 e art. 64º/1 CP e art. 475º CPP).

Se se entender que a parte final do art. 78º/1 não é meramente redundante em face do disposto do art.
81º/1/2, tal significará que entrarão na determinação da pena única as penas já cumpridas (por exemplo, uma
pena de multa), mas já não penas entretanto extintas (arts. 57º, 43º/6, 59º/3 e 64º/1) ou prescritas (cfr.
Acórdão STJ 29-04-2010).

Não se divisando, porém, qualquer razão justificativa para um tratamento diferenciado das diversas penas,
consoante estejam cumpridas ou extintas (a prescrição da pena ou a extinção da mesma por via do perdão ou
do indulto já é algo distinto), entendemos que não entram para a formação da pena única as penas que já
tiverem sido cumpridas ou que já estejam extintas ou em condições de serem declaradas extintas (assim, para
a pena de multa, cf. Acórdão STJ de 12-06-2014)

A parte final do art. 78º/1 valerá, então, estritamente para os casos em que a pena ainda esteja a ser
cumprida.

É a parte já cumprida que é depois descontada no cumprimento da pena única do concurso, determinada de
forma superveniente.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Não é suficientemente esclarecedora para contrariar este entendimento o que é dito na Exposição de motivos
da Proposta de Lei nº 98/X, que esteve na origem da alteração legislativa.

O que daqui resulta de forma clara é tao só que deve proceder-se ao desconto de pena anteriormente
determinada quando esta entre na determinação da pena única do concurso, para assim assegurar “o máximo
respeito pelo princípio ne bis in idem consagrado no art. 29º/5 da Constituição”.

Ao Tribunal Constitucional já foi requerida a apreciação de norma por referência à nova redação do art. 78º/1,
tenha decidido «não julgar inconstitucional a norma contida nos arts. 77º, 78º e 81º, quando interpretada no
sentido de, em sede de cúmulo jurídico superveniente, se dever considerar no cômputo da pena única as penas
parcelares, desconsiderando-se uma pena única já julgada cumprida e extinta, resultante da realização de
cúmulo jurídico anterior» (Acórdão 112/2011)

2.4.2. Regime

 Se a condenação anterior tiver tido lugar por um crime singular, o tribunal, em função desta condenação
e da pena correspondente ao crime praticado antes desta, determina a pena única conjunta;

 Se a condenação anterior tiver sido já em pena única conjunta, o tribunal anula-a e determina uma nova
pena conjunta, em função das penas parcelares concretamente determinadas que integram a primeira
condenação e da pena constante da segunda condenação.

E deve entender-se que «a pena conjunta do primitivo concurso não tem qualquer efeito bloqueador da fixação
de uma pena conjunta nova inferior à interior pena conjunta pois o tribunal é chamado a fazer uma nova
valoração dos factos e da personalidade do agente, podendo concluir pela adequação de uma pena conjunta
inferior à anterior pena conjunta desde que, evidentemente, seja determinada no quadro da moldura abstrata
do concurso, isto é, quanto ao limite mínimo, desde que não seja inferior à pena singular mais grave» (Acórdão
do STJ 29-01-2015).

Em qualquer caso, a pena que já tiver sido cumprida é descontada no cumprimento da pena única agora
aplicada.

Esta regra foi agora expressamente consagrada no art. 78º/1, parte final, do CP, muito embora já decorresse
do art. 81º/1.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Se à condenação anterior, que tenha tido lugar por prática de crime singular ou por prática de crimes em
concurso, corresponder uma pena de substituição, deverá, ainda aqui, ser determinada uma pena única
conjunta, a partir da pena de prisão substituída ou das penas parcelares de prisão que integram a primeira
condenação (cfr. Acórdão do STJ de 21-03-2013, Acórdão STJ 04-03-2015…).

 O tribunal substituíra ou não a pena única conjunta encontrada, em função dos critérios gerais de
escolha da pena (art. 70º CP), procedendo depois ao desconto da pena anterior (art. 78º/1 parte final e
art. 81º/1/2 CP).

Ao Tribunal Constitucional tem vindo a ser requerida a apreciação da norma aqui em causa: o Acórdão 3/2006
decidiu «não julgar inconstitucionais as normas dos arts. 77º, 78º e 56º/1 do Código Penal, interpretados no
sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infrações, na pena
única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de
anteriores condenações»

E, mais recentemente, reiterou o juízo de não inconstitucionalidade relativamente à «norma constante dos
arts. 77º, 78º e 56º/1 do Código Penal, quando interpretados no sentido de ser possível, num concurso de
crimes de conhecimento superveniente, proceder à acumulação de penas de prisão efetivas com penas de
prisão suspensas na sua execução, ainda que a suspensão não se mostre revogada, sendo o resultado de uma
pena de prisão efetiva» (Acórdão nº 341/2013)

Portanto, imaginemos ainda que temos A condenado em 4 anos de prisão e o juiz decidiu suspender execução
da pena. Veio-se a descobrir que praticou um crime punido com 12 anos.

a. Mantemos suspensão? Não. Maria João Antunes entende que neste caso o juiz também deve refazer
operações de determinação da pena. Neste caso ele tem de esquecer a suspensão e fazer as contas.
Temos uma moldura de 12 a 16 anos e determina pena de prisão de 15 anos, por exemplo

b. Nuno Brandão entende que quando a pena anterior é não privativa da liberdade não se deve anular a
pena anteriormente determinada

O regime de permanência na habitação, introduzido pela Lei 94/2017, em nada alterna o regime acabado de
expor. Se, por condenação anterior, a pena de prisão, única ou singular, estiver a ser executada em regime de
permanência na habitação, esta forma de execução continuará ou não, depois de determinada a pena única
conjunta ou a nova pena única conjunta, em função da medida concreta desta nova pena e do pressuposto
material estabelecido no art. 43º/1 CP

Um outro pressuposto do conhecimento superveniente do concurso é que a pena anterior em que o agente
foi condenado ainda (!) esteja a ser cumprida:

Por exemplo, se hoje fui condenada a uma pena de multa e não interponho recurso, sou condenada, notificada
para pagar a multa e pago-a. A multa está paga!

Mas imaginemos que depois de ter pago a multa, veio-se a descobrir que antes da condenação em pena de
multa tinha comido outro crime. Neste caso, já não se determina supervenientemente a pena em caso de
concurso. Como entretanto paguei a pena de multa, não faz sentido haver aqui determinação superveniente da
pena única de concurso.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

2.5. Punição do crime continuado

O art. 30º trata do concurso de crimes e do crime continuado.

O concurso de crimes pode ser verdadeiro ou aparente.

 Nestas temáticas, a punição do concurso não está integrado no aparente concurso de crimes. Se é
aparente é aparente: não se cometeram vários crimes, mas 1.

 Se o concurso for um concurso verdadeiro ou efetivo, isso significa que o agente cometeu mais do que
um crime, efetivamente. Isto porque preencheu com o seu comportamento mais do que um tipo legal
de crime ou porque preencheu mais do que uma vez o mesmo tipo legal de crime

Art. 30º/2: vem dizer que há situações de concurso efetivo ou verdadeiro que vamos tratar como se houvesse
um único crime: o crime continuado.

«Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou ed vários tipos de crime que
fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no
quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente»

O crime continuado é uma ficção: tem sempre por trás um concurso efetivo ou verdadeiro de infrações. Não há
um só crime: há mais do que um crime efetivamente cometidos pelo agente, mas por razões várias, nós vamos
tratar a pluralidade dos crimes efetivamente cometidos como se se tratasse de um único crime.

E como é que se determina a pena?

O art. 79º/1 estabelece que o crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que
integra a continuação.

Este preceito é expressão de um princípio de exasperação: o tribunal determina a medida concreta da pena do
crime continuado dentro da moldura penal mais grave cabida aos diversos crimes que integram a continuação,
valorando dentro dessa moldura a pluralidade dos atos praticados.

O art. 79º/2, introduzido pela Lei 59/2007, acrescenta agora que se, depois de uma condenação transitada em
julgado, for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicável
substitui a anterior.

Este preceito não faz sentido nenhum…

Vamos supor que A pratica 10 crimes de furto simples e se considera que há crime continuado de furto simples.
Ele é punido dentro da moldura penal mais grave que é igual a todos os crimes. Já depois de ter sido
condenado por este crime continuado, descobre-se que anteriormente cometeu furto qualificado. O legislador
vem permitir que se faça uma substituição através de moldura penal mais grave que se veio a descobrir
posteriormente.

Ou seja, permite-se, contra o trânsito em julgado da decisão, uma nova determinação da pena do crime
continuado a partir de uma moldura penal mais grave.

 Hipótese em que a pena anteriormente imposta é descontada na pena que a substitui, na medida em
que já estiver cumprida (art. 81º)

Esta solução começou a ser defendida pela jurisprudência em matéria fiscal

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

A solução é criticável porque vai contra aquilo que sempre foi a figura do crime continuado. Uma das razões
porque existe é porque há situações da vida em que é difícil o tribunal julgar e condenar agente por todos os
crimes que cometeu anteriormente. Uma das suas vantagens processuais é o efeito de caso julgado estender-
se a todos os casos que integram continuação criminosa, ainda que o juiz não conheça todos os crimes que
praticou

Esta solução envolve a problemática do objeto do processo e do correspondente efeito de vinculação temática
do tribunal, no que se refere ao princípio da consunção, na medida em que o efeito do caso julgado deixa de se
estender a todos os factos que integram a continuação criminosa.

Estende-se apenas aos factos aos quais não corresponda uma moldura penal mais grave, factos que o
legislador considerou irrelevantes para o efeito de determinar uma nova pena do crime continuado, dentro da
moldura penal já encontrada.

Atendendo ao procedimento de determinação da pena em caso de concurso de crimes, é de duvidar que tenha
justificação a autonomização da punição do crime continuado, segundo um princípio de exasperação.

Na sequência da reforma de 2007 MANUEL DA COSTA ANDRADE escreveu “BRUSCAMENTE NO VERÃO PASSADO” onde
concluiu que tínhamos um Direito Penal e Processual Penal cheio de asneiras. Uma das coisas que diz é que em
2007 parece que houve uma cruzada contra o caso julgado.

O caso julgado é um valor a preservar que tem a ver com a segurança jurídica. Também é constitucionalmente
tutelável o valor de definitividade das decisões e da segurança jurídica.

Aqui, no fundo, temos alguém condenado por trânsito julgado que depois vê a pena refeita porque se
descobriu que o crime que integra a continuação tem uma moldura penal mais grave.

O limite máximo da pena do concurso corresponde à soma das penas concretamente aplicadas aos vários
crimes, repercutindo-se aí, necessariamente, a menor culpa do agente; a pena única é determinada
considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que aponta, obrigatoriamente, para a
consideração dos pressupostos que justificam a hipóteses de unidade jurídica criminosa consagrada no art.
30º/2 CP (cf. Acórdão do STJ 14-03-2010).

No limite, esta questão contenderá com a necessidade e de autonomizar a figura do crime continuado de um
ponto de vista dogmático e político-criminal, o que não dispensa, porém, uma discussão do ponto de vista
processual penal.

MARIA JOÃO ANTUNES tem dúvidas que seja necessário o art. 79º quando em causa esteja um crime continuado.
Parece-lhe que se não tivéssemos este art. 79º que as situações de concurso efetivo de crimes seriam punidas
de igual forma.

Uma das razões por que existe uma regra própria de crime continuado é porque se entende que há situações
da vida que justificam uma menor pena. Uma pena segundo um princípio de exasperação é, em princípio,
menor do que uma pena segundo um princípio de cúmulo jurídico.

Um dos pressupostos do crime continuado é que haja um circunstancialismo externo que diminua a culpa do
agente.

Por exemplo: A arranja chave para assaltar um aparamento. Mas decide experimentar essa chave nos restantes
apartamentos do prédio. Há aqui uma situação exterior (ter a chave) que como que arrasta para a prática do 2º
e/ou 3º crime. Isto é diferente do caso em que o agente decide, de forma autónoma, proceder a dois assaltos.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Ora, o art. 71º prevê que é critério de determinação da pena a culpa do agente. No crime continuado, por força
do circunstancialismo externo, há uma menor culpa do agente. Então, parece, para MARIA JOÃO ANTUNES que
poderíamos sempre chegar a uma pena menor considerando a medida da culpa.

A menor culpa do agente levaria a penas menos graves. E quando consideramos a 3ª operação, considerando
em conjunto os factos e a personalidade, se calhar, essa avaliação em conjunto, também nos levaria a uma
pena menor.

Portanto, poderíamos viver bem sem este art. 79º que pretende punir menos quem pratique um crime
continuado. Maria João Antunes viveria bem sem este artigo.

A questão é que nós não podemos prescindir da figura do crime continuado, não do ponto de vista substantivo
mas do ponto de vista processual.

A figura do crime continuado, do ponto de vista processual, é importante.

Se concluirmos que agente praticou um crime continuado, a decisão que vai ser tomada abrange todos os
factos que integram a continuação criminosa, ainda que o juiz não tenha conhecido todos os factos que
integram essa continuação

Vamos pensar num exemplo: há um ano, em Coimbra, foi julgado um indivíduo por mais de 26.000 crimes de
pornografia infantil. O que se passava? Era um jovem que visualizava filmes de pornografia infantil. Foi acusado
de duas coisas: de deter filmes de pornografia no seu computador e de partilhar esses filmes.

Ora, uma coisa é pegar em miúdos e fazer filmes pornográficos (estou a ter relação direta com eles, estou a
atentar contra a autodeterminação sexual das crianças, são comportamentos que deixam marcas no seu
desenvolvimento da personalidade); Outra é alguém receber vídeos, fazer download e partilhar os vídeos.

Dois problemas ao nível da punição: vamos punir alguém por 26000 crimes segundo concurso de crimes? Ele
arriscava seguramente uma pena de prisão de 25 anos.

Este caso mostra como a figura do crime continuado por ser útil: porque se ao invés de concurso de crimes for
condenado por crime continuado, a punição estaria dentro da moldura penal mais grave.

Mas este caso tinha um problema! Estávamos a falar de um jovem que foi apanhado numa fase de
desenvolvimento da sua personalidade (ele não era pedófilo). Ele tinha namorada, tinha uma vida normal.
Quando se apercebeu que estava a gostar daqueles filmes procurou ajuda psiquiátrica e fez psicoterapia. Mas
um dia a polícia pediu-lhe o computador…

Aqui, como sairíamos da acusação de 26.000? O que aconteceu? Este jovem devia ter sido condenado por um
crime continuado de pornografia infantil. Seria a solução do caso. Depois, determinada a pena, poderia haver
suspensão da execução da pena (pois a prisão criaria a não inserção social do agente).

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

O art. 30º/3 diz “O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente
pessoais.”

O Código Penal de 1992 não previa este nº3.

E qual era o entendimento da doutrina e da jurisprudência? Entendiam que não havia possibilidade de fazer
uso da figura do crime continuado quando os crimes atentassem contra bens jurídicos pessoais.

A figura do crime continuado cessava se em causa estivesse um bem jurídico pessoal, mas a doutrina e
jurisprudência e doutrina ressalvavam os casos em que a atingisse a mesma vítima.

Em 2007, a doutrina e a jurisprudência eram unânimes e decidiram colocar este critério no art. 30º.

Mas vieram os populistas dizer que isto era inacreditável: se alguém abusar durante anos uma criança não vai
ser punido por todas essas vezes porque se trata da mesma criança?

Mas a jurisprudência não aplicava esta disposição sem critério! Muitas vezes, em situações em que havia abuso
de sexual de criança, a jurisprudência não dizia que havia crime continuado apenas porque a criança era a
mesma. A jurisprudência não entendia que estavam preenchidos os pressupostos para crime continuado: não
há um circunstancialismo externo! Claro que há circunstancialismo externo, que é viverem na mesma casa, mas
ele não tem menos culpa: tem mais culpa! Logo, nestas situações não havia crime continuado.

Em 2010, três anos depois da reforma, o nº3 passou a prever que “o disposto no número anterior não abrange
os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”

 Não há crime continuado quando crimes atingirem bens pessoais!

Tendo em conta esta disposição, o jovem jamais poderia ser condenado por crime continuado.

Mas os tribunais deram uma cambalhota: o legislador criou a figura que é uma figura que nos faz lembrar
direitos reais: crimes de trato sucessivo.

E no fundo o que é que a jurisprudência faz? Quando não pode ir pela figura do crime continuado, vai pela
figura dos crimes de trato sucessivo (!!!)

 Foi assim que este jovem conseguiu ser condenado numa suspensão da execução da pena de prisão e não
em 25 anos de pena de prisão efetiva.

No caso deste jovem, tínhamos outro problema: verdadeiramente, qual é o bem jurídico protegido quando
criminalizo o comportamento daquele que vê ou partilha pornografia?

Nestas circunstâncias, quando estamos a visualizar, atentamos contra o quê?

 MARIA JOÃO ANTUNES tem certeza que não se está a violar bem jurídico eminentemente pessoal! Não há
um bem jurídico pessoal violado nestas situações.

Portanto, poderia unir-se o agente pela figura do crime continuado porque o bem jurídico não seria pessoal. A
haver bem jurídico (MARIA JOÃO ANTUNES ainda tem dúvidas se em causa está um bem jurídico) é um bem
jurídico supra-individual.

MARIA JOÃO ANTUNES se fosse juíza do caso aplicava a figura do crime continuado, pois quanto muito o bem
jurídico é supra-individual. O tribunal não seguiu esta posição, mas chegou a uma solução boa através do trato
sucessivo.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

3. Desconto

O instituto do desconto está regulado nos arts. 80º, 81º e 82º do CP, justificando-se do ponto de vista político-
criminal por imperativos de justiça material, ainda que com eventual prejuízo para a prossecução das
finalidades preventivas das sanções (por exemplo, se feito o desconto já não houver tempo de pena para
cumprir ou este for reduzido).

Este aspeto nem sempre é devidamente ponderado no momento de sujeitar o arguido a prisão preventiva ou a
obrigação de permanência na habitação.

(1) A está em prisão preventiva durante 2 anos. E o juiz de julgamento aplica uma pena de prisão de 4 anos. Feito o
desconto, só cumpre 2 anos de pena de prisão, quando o juiz achou que, do ponto de vista preventivo, era necessária
uma pena de prisão de 4 anos. Ele esteve 2 anos privado de liberdade, preventivamente, presumindo-se que era
inocente. A situação de haver desconto das medidas processuais pode brigar com as finalidades preventivas da pena.

(2) Imaginemos que o juiz em vez de lhe aplicar uma pena de prisão de 4 anos, aplica 2 anos. Tem 0 tempo de pena de
prisão.

(3) E imaginemos que ele esteve não em prisão preventiva, mas em permanência na habitação – ele não tem de ir
tempo para a prisão, ficando apenas 2 anos em casa.

Vale de Azevedo esteve preso preventivamente tanto tempo que disse que não poeria ir para a prisão, mas
ficam em liberdade condicional, porque o tempo em que esteve preso era suficiente para ficar em liberdade
condicional.

A justificação abrange as privações da liberdade de natureza processual que o agente tenha sofrido, as quais
devem ser descontadas na pena em que o agente venha a ser condenado, bem como a pena imposta por
decisão transitada em julgado, a qual deve ser descontada na pena que posteriormente a substitua.

Devemos ver estas medidas processuais como medidas excecionais.

3.1. Medidas Processuais

Dispõe o art. 80º do CP que a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação
sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão ou da pena de multa,
ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto
por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as
medidas foram aplicadas.

Com este limite, o desconto das medidas processuais nas penas em que o agente venha a ser efetivamente
condenado tem lugar ainda que estas medidas tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que
vier a ser condenado.

E deve ser “sem aguardar que, no processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas, seja proferida
decisão final ou esta se torne definitiva” (Acórdão do STJ nº9/2011).

É agora assim, diferentemente do que decorria da versão anterior deste artigo, tratando-se de uma alteração
suportada pela justificação político-criminal do instituto.

Entretanto, o Tribunal Constitucional já julgo não inconstitucional a norma do art. 80º/1 CP interpretada no
sentido de que o desconto de pena aí previsto só opera em relação a penas de prisão em que o arguido seja
condenado, quando o facto que originou a condenação tenha sido praticado anteriormente à decisão final do
processo no qual a medida de prisão preventiva foi aplicada (Acórdão 218/212)

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

(1) Se a medida processual – detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação – for
descontada em pena de prisão, o desconto é feito por inteiro (art. 80º/1 CP);

(2) Se for descontada na pena de multa, o desconto é feito à razão de um dia de privação da liberdade por, pelo
menos, um dia de multa (art. 80º/2), já que não pode ser estabelecida uma qualquer equivalência de princípio
entre um dia de multa e um dia de privação da liberdade (um dia de privação da liberdade acarretará,
certamente, um maior sofrimento do que um dia de multa).

(3) Algumas coisas não constam expressamente do artigo: as medidas processuais devem ser também
descontadas no período mínimo de duração da medida de segurança de internamento, previsto no art. 91º/2,
aplicando-se, por analogia, o disposto no art 80º/1.

No Projeto da Comissão de Revisão do CP de 1991 estabelecia-se, de forma expressa, que nesta duração fosse
descontado o período pelo qual o agente tenha sofrido privação da liberdade em razão do mesmo facto, não
havendo razões para não o fazer, apesar do silêncio da lei, atenta a razão de ser aquele período mínimo (cf.
Acórdão STJ 2-10-2003)

As medidas processuais devem, ainda, ser descontadas nas penas de substituição que venham a ser impostas,
por inteiro ou fazendo o desconto que parecer equitativo, consoante os casos:

a. Se a pena for, por exemplo, a de suspensão da execução da pena de prisão, far-se-á o que parecer
equitativo, em face do disposto do art. 50º/5;

b. Se a pena for, por exemplo, a de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, públicas ou
privadas, far-se-á o que parecer equitativo, perante o que dispõe o art. 46º/1;

c. Se a pena for a de multa, deverá seguir-se o que a lei dispõe para a multa principal.

Portanto, do ponto de vista de MARIA JOÃO ANTUNES , o desconto deve fazer-se do seguinte modo: deve incidir
sobre a pena que efetivamente venha a ser aplicada ao condenado: seja pena de prisão, multa, ou substituição.

A lei afasta, referindo-se expressamente ao desconto das medidas processuais no cumprimento da pena de
prisão (da pena efetivamente aplicada), que seja feito o desconto na pena principal antes de ter lugar a
operação de escolha da pena, afastando-se com isso a possibilidade de esta operação se tornar possível só
porque teve lugar o desconto (quando, por exemplo, haja o desconto de um ano e seis meses numa pena de
prisão de seis anos).

Uma pena de prisão de 6 anos não é substituível, e portanto, o juiz não pode substituí-la por pena não privativa
da liberdade. Mas imaginemos que o agente este preso preventivamente durante 2 anos. Logo, em vez de 6
anos terá de cumprir apenas mais 4.

O juiz pode substituir os 4 anos? Maria João Antunes entende que não. O desconto não serve par isto. Se
admitíssemos que isto pudesse acontecer, trataríamos de forma diferente os condenados. Para garantir a
igualdade dos cidadãos, a aplicação igual da lei para todos, temos de defender que o desconto atua na pena
final a que o juiz chegue.

Outra questão: se e for condenada a pena de prisão de 10 anos e estive presa preventivamente 2 anos, sou
condenada a 8 anos de prisão efetiva. Posso ficar em liberdade condicional a metade da pena. A metade dos 10
ou dos 8 anos? Deixemos a questão em aberto para vermos mais tarde…

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Conforme jurisprudência fixada pelo STJ, “tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos
do art. 281º CPP, com a injunção da proibição da condução do veículo automóvel prevista no nº3 do preceito,
caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do nº4 do art. 282º do mesmo Código, o
tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena
acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar”
(Acórdão nº4/2017).

Se, por um lado, a lei prevê apenas o desconto de determinadas medidas processuais – a detenção, a prisão
preventiva e a obrigação de permanência na habituação -, por outro, não há qualquer justificação político-
criminal para admitir o instituto do desconto em relação a penas acessórias.

3.2. Pena anterior

Dispõe o art. 81º/1 que se a pena por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, é
descontada nesta a ena anterior, na medida em que já estiver cumprida.

Isto acontecerá, por exemplo:

a. Em casos de conhecimento superveniente do concurso ou de conhecimento superveniente de uma


conduta mais grave que integre a continuação criminosa;

b. No contexto de um processo de revisão (art. 449º e ss CPP);

c. Ou na sequência da reabertura da audiência para aplicação de lei penal mais favorável (arts. 2º/4 CP e
371º-A CPP).

(1) Se a pena anterior for descontada numa outra pena da mesma natureza, o desconto é feito por inteiro (art.
81º/1);

(2) Se apena anterior e a posterior forem ed diferente natureza, é feito o desconto que parecer equitativo (art.
81º/2).

O tribunal determinara o quantum da nova pena que, por razões de tutela dos bens jurídicos e de reintegração
do agente na sociedade (art. 40º/1), se torna ainda indispensável aplicar, tendo em atenção o quantum de
pena já anteriormente cumprido.

3.3. Regime de permanência na habitação

Dispõe agora o art. 43º/1/b) do CP que sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma
adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, é executada
em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a pena de
prisão efetiva não superior a 2 anos resultante do desconto previsto nos arts. 80º a 82º.

Esta solução tinha lugar paralelo na redação anterior do art. 44º/1/b) ainda que circunscrita aos casos de
desconto da medida processual.

O regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, é uma
forma de execução da pena de prisão, decidida na sentença condenatória, depois de obtido o consentimento
do condenado.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Justifica-se, por isso, numa leitura à luz do propósito político-criminal da preferência pela não execução de
penas de prisão até 2 anos em meio prisional, que, estando em causa a execução de pena de prisão com esta
duração, esta também possa ser executada em regime de permanência na habitação, ainda que o tempo de
pena de prisão resulte do desconto de medida processual ou de pena anterior.

Estamos perante uma solução legal congruente com a natureza do desconto – caso especial de determinação
da pena – e que acautela as finalidades preventivas da punição, uma vez que a pena resultante do desconto só
é executada no regime de permanência na habitação se o tribunal concluir que por este meio se realizam de
forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão. Trata-se, porém, de solução que
não é imposta pela justificação político-criminal do instituto e que acaba por poder pôr a descoberto um
tratamento diferenciado de determinados condenados.

Por exemplo, do que foi sujeito a medida processual privativa da liberdade ou daquele a quem foi aplicada uma
nova pena por via de regras em matéria de conhecimento superveniente do concurso ou de aplicação da lei
penal no tempo.

4. Atenuação especial da pena

Dispõe o art. 72º/1 CP que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente
previstos (tentativa, omissão, erro,…), quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores do crime, ou
contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a
necessidade de pena.

Exemplificando depois, no nº2, tais circunstâncias.

O que se prevê aqui? Quando o legislador determina a pena aplicável a um determinado comportamento que considere
crime, o julgador está a pressupor uma determinada ilicitude, uma determinada culpa e consequentemente também um
quantum de pena que satisfaça exigências preventivas.

Podem existir situações em que as circunstâncias concretas do caso fiquem aquém da pena que o legislador tinha
considerado, atendendo à ilicitude normal do caso, culpa do agente e exigências preventivas. E então o que o legislador
vem permitir é uma atenuação especial da pena.

O legislador utiliza uma técnica designada de “técnica dos exemplos padrão”.

No nº1 o legislador estabelece um critério geral de atenuação especial da pena “quando existirem
circunstâncias anteriores ou posteriores do crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada
a ilicitude do facto, culpa do agente ou a necessidade da pena”

No nº2 o legislador diz-nos exemplificativamente as circunstâncias que podem levar à atenuação especial.

Porque tem esta designação? Porque não basta que se verifique uma daquelas circunstâncias previstas a título
de exemplo no nº2. É preciso que a circunstância diminua de forma acentuada a ilicitude, culpa e exigências
preventivas. Por outro lado, pode haver circunstâncias que atenuem de forma acentuada a culpa, ilicitude e
exigências preventivas mas que não estejam exemplificadas no nº2

Pela alínea b) percebemos o que significa uma atenuação especial da pena. Se o julgador julgar
hoje um agente que cometeu um crime há 15 anos, é notório que as exigências preventivas são
menores se a prática do crime aconteceu há muito tempo e nesse lapso temporal o agente não
voltou a praticar crimes

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

4.1. Justificação político-criminal

Admitindo que os casos expressamente previstos na lei (por exemplo, o art. 10º/3, 17º/2, 23º/1/2, 27º/2,
35º/2, 206º/2/3, 286º e 299º/4 CP) não sejam suficientes para evitar, em todos os casos, a determinação de
uma pena superior à que seria permitida pela culpa e imposta pelas exigências de prevenção, o legislador
formula no art. 72º uma cláusula geral de atenuação especial da pena.

Esta disposição legal determina, ainda, o critério da atenuação especial para aqueles casos que estão
expressamente previstos na lei, mas que dependem ainda de uma valoração autónoma do julgador.

 O que sucederá, por exemplo, para os casos previstos no art. 10º/2 e 33º/1 em que a pena pode ser
especialmente atenuada.
 Diferentemente do que sucede nos casos de tentativa e de cumplicidade, por exemplo, em que a pena é
obrigatoriamente atenuada (art. 23º e 27º).

O regime a que toda a atenuação especial deve sujeitar-se é, depois, regulado no art. 73º CP.

4.2. Termos da atenuação

(1) Tratando-se de pena de prisão, o limite máximo é reduzido de 1/3, dependendo a redução do limite mínimo
do montante deste: se for igual ou superior a 3 anos é reduzido a 1/5; se for inferior a 3 anos é reduzido ao
mínimo legal (1 mês, segundo o art. 41º/1) – art. 73º/1/a)/b).

(2) Tratando-se de pena de multa, o limite máximo é reduzido de 1/3 e o limite mínimo reduzido ao mínimo
legal (10 dias, segundo o art. 47º/1) – art. 73º/1/c)

Para os casos em que o limite máximo da pena de prisão não seja superior a 3 anos admite-se mesmo que a
substituição desta pena por multa, dentro dos limites gerais previstos no art. 47º CP, o que deverá ser
equacionado à luz do critério de escolha do art. 70º.

 A pena de multa surgirá então na veste de pena principal alternativa, ainda no âmbito da primeira
operação de determinação da pena.

A pena que for concretamente determinada dentro da moldura penal especialmente atenuada, em função dos
critérios da culpa e da prevenção e com observância do princípio da proibição da dupla valoração (art. 73º/2 e
70º), pode ainda vir a ser substituída nos termos gerais (art. 73º/2 e art. 70º).

Tratando-se, como se trata, de uma pena de substituição não privativa da liberdade igual às restantes, não era
compreensível que a parte final do art. 73º/2 especificasse a suspensão da execução da pena de prisão (a
propósito, Acórdão TC 353/2010 e Acórdão STJ nº13/2016).

O erro comum dos tribunais é não considerarem a suspensão da execução da pena verdadeiramente como pena de substituição.

Antigamente, o art. 73º/2 previa o seguinte: “a pena especialmente atenuada que tiver sido em concreto fixada
é passível de substituição, incluída a suspensão, nos termos gerais”. Ora, esta redação induzia a ideia (errada)
de que a suspensão da execução da pena não era uma pena de substituição.

Faz, por isso, todo o sentido que a redação vigente do art. 73º/3, de 2017, se limite ao seguinte: “a pena
especialmente atenuada que tiver sido em concreto fixada é passível de substituição, nos termos gerais”.

De acordo com a Exposição de Motivos da Lei nº90/XIII, que está na origem desta alteração, a expressão
“incluída a suspensão” era redundante, “uma vez que a suspensão da execução da pena de prisão é, também
ela, uma pena de substituição”

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5. Dispensa da Pena

O art. 74º/1 CP permite ao tribunal, quando o crime for punível com pena de prisão não superior a 6 meses, ou
só com a multa não superior a 120 dias, declarar o réu (arguido!) culpado mas não aplicar qualquer pena, se a
ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas, se o dano tiver sido reparado e se à dispensa de pena se
não opuserem razões de prevenção.

O que é que nós temos aqui neste instituto da dispensa de pena? Desde logo, temos aqui uma nota que é o
facto de esta ser a única norma que continua a falar em “réu”.

História: antes do Código Penal de 1987, os arguidos eram réus. E em 1987 substituiu-se a palavra réu pela
palavra arguido, porque esta palavra tinha uma carga estigmatizante (“banco dos réus”). Mas ainda ninguém
substituiu réu por arguido nesta disposição.

5.1. Justificação político-criminal

O tribunal declara o arguido culpado, mas dispensa-o de pena.

Há da parte do arguido um comportamento típico, ilícito, culposo (e punível) que, no entanto, não determina a
aplicação de uma qualquer pena – só a declaração de que é culpado –, em virtude do carácter bagatelar
daquele comportamento e da circunstância de a pena não ser necessária, perante as finalidades que deveria
cumprir (art. 40º/1).

Trata-se de um caso especial de determinação da pena, em que a sentença que decreta a dispensa da pena é
uma sentença condenatória (arts. 375º e 521º CPP e art. 6º/c) da Lei nº37/2015 – Lei da Identificação
criminal).

IMPORTANTE

Do ponto de vista dogmático, este instituto é um instituto atinente às consequências jurídicas do facto.
Todo o tipo legal de crime tem duas partes (a primeira, prevê o comportamento e a segunda prevê a
consequência jurídica). A dispensa de pena tem que ver com a segunda parte: não com o crime em si, mas
com a consequência jurídica do crime

Isto é importante até para distinguirmos as figuras da (1) dispensa de pena e da (2) isenção da pena.

O CP na Parte especial fala, por vezes, em isenção da pena: esta última já terá a ver com o crime, com o
comportamento!

Para haver crime é necessário que haja ação, típica, ilícita e culposa. FIGUEIREDO DIAS, além destes,
autonomiza uma outra categoria: a punibilidade.

Para FIGUEIREDO DIAS o instituto da isenção da pena releva para a categoria da punibilidade. Se houver
isenção, não há crime!

No caso da dispensa de pena, como o próprio nome indica, o que temos? Temos uma ação, típica, ilícita,
culposa e punível, e não obstante a pessoa ter praticado um crime, não lhe vamos aplicar uma pena. (!)

É isso que significa a dispensa de pena.

E porque assim é, a decisão judicial que dispensa o agente de pena é, para efeitos de pagamento de custas,
uma decisão condenatória. A pessoa é condenada, há crime, mas é depois dispensada de pena. Mas para
todos os efeitos há uma decisão condenatória.

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5.2. Pressupostos

Segundo o art. 74º, a dispensa de pena depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

1. Que o crime seja punível com pena de prisão não superior a 6 meses ou só com pena de multa não
superior a 120 dias;
2. Que a ilicitude do facto e a culpa do agente sejam diminutas – alínea a)
3. Que o dano tenha sido reparado (alínea b)) ou esteja em vias de reparação, caso em que o juiz pode adiar
a sentença para reapreciação do caso dentro de um ano (nº2)
4. E que à dispensa não se oponham razões de prevenção (alínea c) do art. 40º/1)

Os requisitos constantes destas alíneas têm de ser observados quando uma outra norma admitir, com carácter
facultativo, a dispensa de pena (art. 74º/3) – por exemplo, os arts. 143º/3, 148º/2, 186º e 286º

5.3. Relevo Dogmático

Os requisitos de que depende o instituto da dispensa admitem um relacionamento unilateral ou inequívoco


entre pena e culpa, de harmonia com o preceituado no art. 40º/1/2, o que permite a asserção de que a culpa é
pressuposto e limite da pena, mas não o seu fundamento.

 Ou seja, (de outra forma): este instituto é uma consagração do carácter unilateral do princípio da culpa:
há dispensa de pena não obstante o crime praticado; e não obstante a culpa, é dispensado da pena.
 Não há pena sem culpa nem há pena superior à culpa, mas pode haver culpa e não haver aplicação de
uma pena.

Por outro lado, esta é uma outra concretização do princípio político-criminal da necessidade da intervenção
penal, com expressão também ao nível do processo penal, por via da previsão do arquivamento do processo
sem caso de dispensa de pena – mecanismo de diversão sem intervenção enquanto alternativa à dedução da
acusação (art. 280º e 283º CPP)

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Primeira e terceira operação de
determinação da pena
Direito Penal III
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CAPÍTULO IV – ESCOLHA DA PENA E PENAS DE SUBSTITUIÇÃO

A determinação da pena (em sentido amplo) completa-se com a operação (eventual) de escolha de pena, o que
abrange quer a hipótese de a escolha ocorrer logo ao nível da determinação da pena aplicável, quer aos casos
em que esta tem lugar já depois da determinação da medida concreta da pena.

 Na primeira hipótese a escolha é entre pena de prisão e a pena de multa;

 Na segunda, a escolha é entre:


 A pena de prisão e as penas de multa, de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, de
suspensão da execução da pena de prisão ou de prestação de trabalho a favor da comunidade
 Ou entre a pena de multa e a pena de admoestação.

1. Critério de escolha das penas de substituição

Depois das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº48/95, podemos identificar um critério geral de escolha
da pena a partir dos arts. 70º, 50º/1, 58º/1 e 60º/2, segundo o qual o tribunal dá preferência à pena não
privativa da liberdade, verificados os pressupostos formais de aplicação desta pena, sempre que esta realize de
forma adequada e suficiente as finalidades da punição – finalidades preventivas segundo o disposto nos arts.
40º/1/2 e 46º/1.

REFORÇAR IDEIAS

O art. 70º prevê o critério geral de escolha da pena: “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, a pena privativa e
pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e
suficiente as finalidades da punição”.

Quais são as finalidades da punição? São as finalidades preventivas! A culpa não é critério de escolha da pena. Mas isso
não significa que afastamos a culpa: ela intervém na determinação da medida concreta da pena. Só não é critério para a
operação que consiste em escolher entre penas privativas e não privativas da liberdade.

O art. 70º tem uma vertente político-criminal com reflexo constitucional no sentido de que a privação da
liberdade é a ultima ratio da política criminal.

Muito embora o art. 45º/1 aponte exclusivamente para um critério preventivo-especial – a pena de prisão não
superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade, exceto se a
execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o acometimento de futuros crimes – deve
entender-se que o critério da substituição por multa é o critério geral fixado no art. 70º.

 A falta de rendimentos do condenado é que não poderá ser critério de não substituição da pena de prisão
por pena de multa. ´
 Nesta hipóteses, é correspondentemente aplicável o disposto no art. 49º/3 CP.

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Direito Penal III
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Que finalidades é que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade?

São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial (art. 70º e 40º/1), que
justifiquem e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade (pena alternativa ou pena de
substituição).

Não é, por conseguinte, uma qualquer finalidade de compensação da culpa.

 Se a culpa é limite da pena (art. 40º/2), desempenha esta função estritamente ao nível da determinação
da medida concreta da pena principal ou da pena de substituição que venha a ser aplicada (art. 71º/1).
 A culpa intervém na determinação da medida concreta da pena; não é critério para a operação que
consiste em escolher entre penas privativas e não privativas da liberdade.

A afirmação de que são finalidades exclusivamente preventivas as que justificam e impõem a preferência por
uma pena não privativa da liberdade, não invalida que a finalidade preventiva primordial seja a de proteção de
bens jurídicos.

A defesa da ordem jurídica e da praz social – o conteúdo mínimo da prevenção geral positiva – atua como
limite às exigências de prevenção especial.

Em caso de conflito, prevalecerá o conteúdo mínimo da prevenção geral positiva.

Ainda que a escolha da pena não privativa da liberdade seja compatível com a reintegração do agente na
sociedade, o tribunal dará preferência a tal pena, se esta não realizar de forma adequada e suficiente a
finalidade de proteção do bem jurídico violado com a prática do crime.

Nos termos do art. 40º à pena cabe a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. É
à luz destes parâmetros que o juiz tem de avaliar se opta por sanção não privativa da liberdade.

E isto pode levar-nos a uma situação de conflito: o juiz pode concluir que do ponto de vista prevenção não
se justifica pena privativa, mas a isso obsta à prevenção geral positiva.

Ou seja, sabe-se à partida que se o agente for condenado a pena de prestação de trabalho a favor da
comunidade, é provável que não volte a cometer crimes (a pena é suficiente e adequada para que ele não
volte a cometer crimes); mas pode entender-se que as expectativas comunitárias quanto à validade e
vigência da norma não serão satisfeitas se não se aplicar uma pena privativa da liberdade.

A preferência vai para a prevenção geral positiva: é preciso que a pena não privativa da liberdade seja uma
pena que possa satisfazer a defesa da Ordem Jurídica e da Paz Social.

Portanto: é preciso dar como verificadas exigências mínimas da prevenção geral positiva.

Porém, já atuarão, exclusivamente, considerações de prevenção especial na hipótese de haver, no caso, mais
do que uma pena de substituição adequada e suficiente a realizar as finalidades de prevenção. O tribunal
aplicará então a que melhor satisfizer a finalidade de reintegração do agente na sociedade.

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Direito Penal III
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O critério de escolha da pena apontado vale:

a. Quer na terceira operação de determinação da pena – se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena
privativa e pena não privativa da liberdade o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar
de forma adequada e suficiente das finalidades da punição (art. 70º);

b. Quer logo na primeira operação, quando o tipo de crime é punido com pena de prisão ou com pena de
multa (pena de multa alternativa) – se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena
não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma
adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 70º).

Trata-se, em qualquer caso, de um poder-dever para o tribunal, com a consequência de também dever
fundamentar a não aplicação da pena não privativa da liberdade, quando dê preferência à pena privativa da
liberdade.

 Neste caso, o tribunal deve fundamentar, positivamente, a aplicação desta pena e fundamentar a não
aplicação da pena privativa da liberdade (fundamentação negativa).
 Quando o juiz não aplique uma pena não privativa da liberdade, que em abstrato seja aplicável, ele
tem o dever de fundamentar a sua decisão.
 Isto porquê? Porque o legislador prefere a aplicação de penas não privativas da liberdade.

O Tribunal Constitucional já julgou «inconstitucionais, por violação do art. 205º/1 CRP, as normas dos arts.
50º/1 CP e art. 374º/2 e 375º/1 CPP, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de
não suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos» - Acórdão 61/2006.

Distinção entre a pena de multa principal e pena de multa de substituição

São distintos os critérios que conduzem à preferência pela pena de multa principal e os que levam à escolha da
pena de multa de substituição.

No primeiro caso, o critério é o da conveniência ou da maior ou menos adequação da pena.

Assim se compreendendo que o tribunal possa, numa primeira operação, escolher a pena de prisão em
detrimento da pena de multa (principal) e acabe por escolher a pena de multa (de substituição na última
operação).

 Por outras palavras: pode o juiz entender (na primeira operação) que a pena adequada é a pena de prisão
em alternativa à pena de multa e na terceira operação optar por uma pena de multa como pena de
substituição.

Há diferenças entre as duas espécies de pena!

Por outro lado, a opção pela pena de prisão, em detrimento da multa alternativa (pena principal), pode
revelar-se mais vantajosa do ponto de vista preventivo-especial, uma vez que fazendo esta opção o tribunal
poderá ter depois, em sede de substituição da pena de prisão não superior 5 anos, um leque alargado de
penas não privativas da liberdade.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Além de que é distinto o regime de execução da pena de multa principal e da pena de multa de substituição:

 A prisão subsidiária corresponde aos dias de multa reduzidos a 2/3 (art. 49º/1 CP), enquanto à multa de
substituição não paga corresponde o cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença (art. 45º/2 1ª
parte);

 O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária (art.
49º/2 CP e art. 491º-A CPP), mas não a execução da pena de prisão aplicada na sentença;

Se for condenada a uma multa principal e não pagar a respetiva quantia, sou condenada a prisão subsidiária. Mas
antes de ir para a prisão vou ao multibanco e pago a multa. Ou então até vou para a prisão mas começo a ver que não
gosto de estar na prisão e pago a dívida. Isto não acontece se a pena de multa for de substituição

 A multa parcialmente paga repercute-se no tempo de prisão subsidiária (art. 49º/2), mas já não se
repercute na pena de prisão aplicada na sentença;

Se eu pagar parcialmente a multa principal, tal montante é descontado no cumprimento da prisão subsidiária. Se tiver
pago parte da multa de substituição, essa parte não é descontada na pena de prisão que tenha de vir a cumprir.

 A pena de prisão pode ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios
técnicos de controlo à distância, em caso de não pagamento da multa de substituição diferentemente da
prisão subsidiária em caso de não pagamento da multa principal (art. 43º/c));

 O segundo que cumpra prisão subsidiária não pode ser libertado condicionalmente, mas já o pode ser
condenado que cumpra a pena de prisão que se intentou substituir por pena de multa.

Diz-se que o critério da primeira operação (quando o juiz está a avaliar se aplica a pena de prisão ou, em
alternativa, a pena de multa) é menos exigente do que o critério da última operação.

 O juiz, numa primeira operação, à luz das exigências de prevenção, está a pronunciar-se apenas sobre
a maior ou menor conveniência da pena de prisão ou da pena de multa.
 Na terceira operação, quando decide, o juiz já tem, de forma mais exigente, de concluir se
efetivamente é necessária a aplicação de uma pena privativa da liberdade.

O juiz sabe, desde a primeira operação, que na terceira operação pode substituir a pena de prisão até 5
anos, tendo um leque alargado de penas de substituição.

Anteriormente à Lei nº94/2017, e depois das alterações em 1995, era de afirmar uma certa “hierarquia legal
das penas de substituição” entre penas de substituição não privadas da liberdade e penas de substituição
detentivas.

O art. 43º/1 estabelecia o critério de preferência pelas penas de substituição não detentivas, quando dispunha
que a pena de prisão aplicada em medida superior a um ano de prisão é substituída por pena de multa ou por
outra pena não privativa de liberdade aplicável.

Os arts. 45º/1 e art. 46º estabeleciam o mesmo critério, dispondo que a pena de prisão aplicada em medida
não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres ou
executada em regime de semidetenção.

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Direito Penal III
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Por outro lado, na sequência do já anteriormente consagrado (o art. 45º/1 na versão primitiva), enunciava-se
um critério de preferência, no âmbito das penas de substituição detentivas: a prisão por dias livres aplica-se, se
a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano não dever ser substituída por pena de outra espécie
(art. 45º/1); o regime de semidetenção aplica-se, se a pena de prisão aplicada em medida não superior a 2 ano
não dever ser substituída por pena de outra espécie, nem cumprida em dias livres (art. 46º/1).

Havia uma preferência legal pelo regime de permanência na habitação (art. 44º/1/a)) em relação à prisão por
dias livres e a regime de semidetenção; e uma preferência pela prisão por das livres em relação a este regime.
Isto no pressuposto de que estávamos aqui perante verdadeiras penas de substituição.

Ora, desde novembro de 2017 que não é identificável nenhuma hierarquia. O critério é sempre o critério das
finalidades preventivas. Se todas as penas de substituição satisfizerem as finalidades da prevenção, o juiz deve
optar pela pena de substituição que satisfizer melhor as finalidades da prevenção geral positiva.

2. Regime geral das penas de substituição

Não obstante as especificidades de cada uma das penas de substituição em sentido próprio, há um regime que
lhes é comum em dois aspetos fundamentais – o da concreta medida da pena que substitui a pena de prisão e
o incumprimento da pena de substituição.

Estes aspetos já não têm qualquer autonomia relativamente à admoestação, prevista no art. 60º, em face do
conteúdo desta pena de substituição da pena de multa.

2.1. Medida concreta da pena de substituição

A medida concreta da pena de substituição é determinada de forma autónoma, a partir dos critérios
estabelecidos no art. 71º CP.

Não há qualquer correspondência automática entre o tempo de prisão ou os dias de multa e a medida da pena
que a substitui.

 Isto mesmo decorre do disposto nos arts. 45º/1 segunda parte, art. 46º/1, art. 50º/5 e at. 60º.

Com as alterações introduzidas pelo DL 48/95 deixou de valer a regra segundo a qual a pena de prisão não
superior a 6 meses era substituída pelo número de dias de multa correspondente (art. 43º/1 da versão
primitiva do CP).

A determinação da medida da pena de multa da substituição é agora levada a cabo de forma autónoma, sendo
este o sentido da remissão da segunda parte do art. 45º/1 faz para o art. 47º.

Através do Acórdão nº8/2013, o STJ fixou jurisprudência no sentido de “a pena de multa que resulte, nos
termos dos atuais arts. 43º/1 e 47º, da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um
ano, deve ser ficada de acordo com os critérios estabelecidos no art. 71º/1 e não, necessariamente, por tempo
igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída” (ainda, Acórdão STJ 21-07-2009).

Assim sendo, os dias de multa de substituição são determinados dentro da moldura dada pelo art. 47º/1 –
limite mínimo de 10 dias e máximo de 360 –, de acordo com os critérios estabelecidos no art. 71º/1,
correspondendo a cada dia uma quantia entre 5€ e 500€, fixada em função da situação económica financeira
do condenado e dos seus encargos pessoais (art. 47º/2).

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Direito Penal III
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Através do Acórdão 63/2017, o Tribunal Constitucional entendeu que “não viola a Constituição a aplicação e
determinação da medida da pena de multa em substituição da pena principal de prisão com autonomia e sem
relação com a pena de multa prevista como pena principal alternativa, nem com os seus limites, obedecendo
aos critérios gerais de determinação da medida da pena, no âmbito de uma moldura legal certa, previamente
fixada por lei e em si mesma não desproporcional”.

Com as alterações introduzidas em 2007 deixou de se poder afirmar a regra de determinação, de forma
autónoma, da medida concreta da pena de substituição, a partir dos critérios estabelecidos no art. 71º.

(1) A prestação de trabalho a favor da comunidade passou a ter duração que resultar da regra de
correspondência legalmente estabelecida: cada da de prisão é substituído por uma hora de trabalho, no
máximo de 480 horas, de acordo com o que se dispõe no art. 58º/3.

(2) A partir de 2007, a suspensão da execução da pena de prisão também passou a ter duração que resultasse
da regra de correspondência então legalmente estabelecida no art. 50º/5: o período de suspensão da
execução da pena de prisão tem duração igual à pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a
1 ano.

Com a Lei nº94/2017, o art. 50º/5 voltou a dispor que o período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos.

Foi reintroduzida a regra de que a medida concreta da suspensão da execução da pena de prisão é
determinada de forma autónoma, segundo os critérios do art. 71º/1 CP (Exposição de motivos da Proposta de
Lei nº 90/XIII).

 A determinação autónoma da medida concreta da suspensão da execução da pena de prisão é, de resto,


mais consentânea com a sua natureza de pena de substituição em sentido próprio (Acórdão STJ
13/2016).

Não se alcança a razão de ser de um regime diferenciado, que ainda subsiste relativamente à pena de
prestação de trabalho a favor da comunidade.

Em relação à prestação de trabalho a favor da comunidade ainda subsiste a regra de correspondência (ao
contrário da suspensão da execução da pena e da pena de multa, que são determinadas de forma autónoma!):
a um dia de prisão corresponde 1 hora de trabalho.

Mas subsiste no Direito Português erradamente!

Além de poder significar uma quebra na autonomia das penas de substituição, a derrogação da regra de
determinação autónoma da medida concreta destas penas potencia um indesejável “desvio do sistema”: em
alternativa à não aplicação da pena de substituição, determina-se a medida concreta da pena principal já em
função da duração adequada daquela pena, com consequências indesejáveis em caso de revogação da pena de
substituição.

Relativamente às penas de substituição detentivas anteriormente previstas, justificava-se, dadas as suas


especificidades, que a duração do regime de permanência na habitação e do regime de semidetenção
correspondesse à duração da pena de prisão cuja aplicação e execução substituíam.

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Direito Penal III
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2.3. Incumprimento da pena de substituição

Outra nota característica do regime das penas de substituição é a do cumprimento da pena de prisão
determinada na sentença como consequência do incumprimento da pena de substituição.

Tal decorre dos arts. 45º/2 e 56º/2, devendo salientar-se quanto à multa não paga, que foi com as alterações
introduzidas pelo DL 48/95 que deixou de valer a regra segundo a qual o condenado cumpria a prisão
correspondente aos dias de multa em que havia sido condenado reduzidos a 2/3 (art. 46º/3 e 47º/3 CP)

 Quanto à pena de multa, a regra é o cumprimento integral.


 Imaginemos que fui condenada ao pagamento de uma pena de multa em prestações. Se já cumpri uma ou
algumas das prestações, tal não conta para efeito da pena de prisão: terei de cumprir integralmente a
pena de prisão que foi substituída.

Com as alterações introduzidas em 2007, ao Código Penal deixou de se poder afirmar a regra do cumprimento
da pena de prisão determinada na sentença como consequência do incumprimento da pena de substituição.

Não se percebe, mais uma vez, a razão de ser de um regime diferenciado.

(1) A revogação da pena de proibição do exercício de profissão, função ou atividade e (2) a revogação da pena
de prestação de trabalho a favor da comunidade levam ao cumprimento da pena de prisão que pretendiam
substituir, descontado o tempo de proibição já cumprido (art. 46º/5) ou os dias de trabalho já prestados (art.
59º/4).

 Segundo o art. 46º/6, cada dia de prisão equivale ao número de dias de proibição do exercício de
profissão, função ou atividade que lhe corresponder proporcionalmente nos termos da sentença,
procedendo-se, sempre que necessário, ao arredondamento por defeito do número de dias por
cumprir;
 De acordo com o art. 59º/4 a cada hora de trabalho prestado, corresponderá um dia de prisão.

Não
lecionado
A aplicação de penas de substituição em processo sumaríssimo (art. 392º a 398 CPP) coloca questões em aula
específicas em matéria de incumprimento, uma vez que estamos perante penas em relação às quais não há teórica
determinação prévia da medida concreta da pena principal.

Em vez de prever que o incumprimento destas penas teria como consequência a determinação da pena
principal cavida ao crime, em solução paralela à que existiu outrora para o regime de prova, o legislador
criminalizou o comportamento.

O art. 353º do CP dispõe que quem violar imposições determinadas por sentença criminal, a título de pena
aplicada em processo sumaríssimo, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240
dias.

É de aplaudir que a lacuna subsistente até 2007 tenha sido colmatada por via de lei, mas é de anotar, por um
lado, que representa uma entorse, injustificada, à regra de que o incumprimento da pena de substituição
determina o cumprimento da pena principal; e, por outro, que se trata de criminalização totalmente
injustificada quando se aplique em processo sumaríssimo pena ed multa principal, considerando o que se
dispõe no art. 49º do CP quanto à prisão subsidiária.

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Dadas as especificidades do regime de permanência na habitação, da prisão por dias livres e do regime de
semidetenção já se justificava, porém, que a pena de prisão fixada na sentença fosse cumprida descontando-se
por inteiro a pena já cumprida em regime de permanência na habitação (art. 44º/4 na versão então em vigor);
e que a pena de prisão passasse a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltasse (art. 125º/4 CE na
versão anterior à vigente)

EM SUMA:

(1) A pena de substituição deve ser determinada de forma autónoma.

Desvio: prestação de trabalho a favor da comunidade.

(2) Quando haja revogação da pena de substituição, a regra é a do cumprimento da pena de prisão

2 Desvios: (1) a prestação de trabalho a favor da comunidade e (2) proibição de exercício de profissão,
função ou atividade.

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CAPÍTULO V – EXECUÇÃO DAS PENAS PRINCIPAIS APLICÁVEIS ÀS PESSOAS SINGULARES

1. Execução da pena de prisão

Determinada a pena de prisão em que o agente da prática do crime é condenado, segue-se a fase da execução,
a qual é determinante para apurar o tempo em que o condenado vai ficar efetivamente privado da liberdade,
nomeadamente por via do instituto da liberdade condicional.

Em caso de pena relativamente indeterminada, é já mesmo na fase de execução que é apurado o tempo de
duração da pena de prisão.

O tribunal competente para a execução é o tribunal de execução das penas, de acordo com o disposto no art.
470º/1 e art. 477º/1 CPP, art. 138º CE e art. 114º e 115 da LOSJ, sem prejuízo da competência que o art. 43º
CP defere ao tribunal da condenação quanto à execução a pena de prisão não superior a dois anos em regime
de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

1.1. Direito Interno

O art. 30º/5 da CRP dispõe que os condenados a que sejam aplicadas penas privativas da liberdade mantêm a
titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências
próprias da respetiva execução.

 Esta é uma norma fundamentalíssima.


 Tem uma intenção político-criminal muito precisa: pretende acabar com o entendimento segundo o
qual as pessoas que estão a cumprir pena de prisão estão numa relação de especial poder em relação à
administração prisional.
 Quando a pessoa está privada de liberdade, ela mantém a titularidade de todos os direitos
fundamentais: capacidade eleitoral ativa, por exemplo. Quanto à capacidade eleitoral passiva, ela acaba
por estar limitada (não podemos eleger alguém como PR que se encontra preso, privado de liberdade).
Esta limitação à capacidade eleitoral passiva é inerente ao sentido da condenação.

O art. 42º/2 estatui que a execução da pena de prisão é regulada em legislação própria, na qual são fixados os
deveres e os direitos dos reclusos.

(1) Nesta legislação inclui-se, a título principal, o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da
Liberdade, aprovado pela Lei 115/2009, de 12 de outubro, que entrou em vigor 180 dias após essa data.

Esta lei revogou: o DL 783/76 (Lei Orgânica dos Tribunais de Execução de Penas) e o DL 265/79 (Reforma
prisional), diplomas que até então regulavam, no essencial, a execução da pena de prisão.

(2) Inclui-se também o Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais, aprovado pelo art. 1º do DL
51/2011.

(3) Além do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e deste Regulamento Geral há
que considerar ainda que o Código de Processo Penal contém também normas em matéria de execução da
pena de prisão (art. 467º-470º, 473º-475º e 477º-479º), não obstante o CE ter absorvido normas
anteriormente constantes do CPP (art. 8º/2 da Lei 115/2009) e os arts 23º, 24º, 97º, 169º e 173ºe ss CE).

(4) No plano da legislação complementar há um conjunto de diplomas relevantes na matéria da execução da


pena de prisão, como, por exemplo, a Lei 170/99, que adota medidas de combate à propagação de doenças
infetocontagiosas em meio prisional, a Lei 33/2010 que regula a utilização de meios técnicos de controlo à
distância e o DL 215/2012 que aprova a Lei orgânica da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

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1.2. Prazos

De acordo com o art. 41º/4 a contagem dos prazos da pena de prisão é feita segundo os critérios estabelecidos
na lei processual penal e, na sua falta, na lei civil (art. 479º CC).

O art. 479º do CPP dispõe sobre a forma como é contado o tempo de prisão, consoante esta seja fixada em
anos, meses ou dias, estabelecendo o art. 24º CE as regras sobre o momento da libertação.

Relativamente ao mandado de libertação prevê-se, agora no art. 23º CE as regras sobre o momento da
libertação.

Relativamente ao mandado de libertação prevê-se agora no art. 23º/3 CE que, quando considerar a libertação
do recluso pode criar perigo para o ofendido, o tribunal informa-o da data da libertação e reporta tal libertação
à entidade policial da área da residência do ofendido (cfr ainda o art. 114º/3/t) LOSJ).

Esta norma significa, em bom rigor, a admissibilidade de vigilância policial após o cumprimento da pena de
prisão. Esta funda-se num juízo de perigo para o ofendido da prática do crime, o que levante uma série de
questões centradas na sua legitimidade.

O legislador prevê estes critérios como forma de garantir a igualdade entre os cidadãos.

1.3. Finalidades e opções político-criminais fundamentais

EDUARDO CORREIA: a prisão serve para preparar os agentes de modo a conduzirem a sua vida de forma
socialmente responsável, sem cometer crimes.

O objetivo do Direito Penal é modesto: pretende dar condições a quem cometeu um crime para que não volte
a ser condenado.

EDUARDO CORREIA chamava a atenção que o direito penal não pretende transformar ninguém num santo ou
num herói. O objetivo é muito mais modesto. O importante é chamar a atenção para que não voltem a
cometer crimes.

De acordo com o art. 42º do CP a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a
prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a
sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Dispondo agora o art. 2º CE a execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a
reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável,
sem cometer crimes, a proteção de bens jurídicos e a defesa da sociedade.

O que se evidencia nestas disposições legais é a finalidade preventivo-especial de reintegração do agente na


sociedade, sem prejuízo de a execução da pena de prisão dever satisfazer também exigências de prevenção
geral positiva, em sintonia com o disposto no art. 40º CP.

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(!!!) Deve afirmar-se relativamente àquela finalidade, por mais paradoxal que o seja, que o objetivo primeiro da
execução da pena de prisão é a não-dessocialização do recluso, o que tem duas implicações fundamentais:

(1) O condenado mantém a titularidade dos direitos fundamentais, ressalvadas as limitações inerentes ao
sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução (art. 30º/5 CRP e 3º/2, 6º e 7º
CE);

(2) A redução ao mínimo dos efeitos criminógenos que estão associados à reclusão, aproximando as
condições de vida na prisão das que caracterizam a vida em liberdade (em especial, art. 3º/5, 7º/1/d)/i)
e art. 30º/1, art. 59º/3 CE)

São detetáveis 3 opções político-criminais fundamentais em matéria de execução da pena de prisão:

2. Primeira: a execução desta pena privativa da liberdade deve ser jurisdicionalizada, tendo sido dado o
primeiro passo pela Lei nº2000, de 16 de maio de 1944, e pelo DL 34.553, de 30 de abril de 1945,
deferindo aos tribunais de execução das penas as “decisões destinadas a modificar ou substituir as
penas ou as medidas de segurança” (nº1 da Base I daquela Lei).

Antes deste modelo, que só começou em 1936 com Beleza dos Santos, a execução da pena de prisão
corria sem juiz, sendo integralmente entregue à administração prisional.

Como surgem os juízes de execução? Surgem em nome da tutela dos direitos fundamentais dos
condenados em pena de prisão.

A jurisdicionalização começou como forma de garantir que na execução das penas não há restrições
injustificadas aos direitos fundamentais (que continuam na titularidade dos condenados!)

O que abriu a questão de saber o que é que deve estar, afinal, incluído na reserva de juiz, devendo ser
consequentemente subtraído da competência da administração judicial (Acórdão TC 427/2009).

Maria João Antunes foi relatora de um Acórdão do Tribunal Constitucional. Em agosto de 2009, Cavaco
Silva colocou ao Tribunal Constitucional a questão de saber se devia ser da competência do juiz de
execução de penas ou se devia ser da competência do diretor geral da administração prisional se um
prisioneiro ode sair para o exterior para prestar trabalho. O Código/norma levado ao Tribunal
Constitucional diferia a competência para autorizar um regime aberto para a administração prisional

Maria João Antunes concluiu que não havia inconstitucionalidade e que esta medida poderia ser da
competência da administração prisional. Mas está, atualmente, na competência do juiz de execução
(desnecessariamente….). Não se coloca no exterior qualquer preso nem em qualquer momento da
execução da pena.

Hoje há uma outra grande questão que se coloca quanto à reserva da administração judicial: fenómeno
das privatizações das prisões.

Maria João Antunes entende que há aspetos da prisão que podem ser entregues a privados: por
exemplo, a confeção da comida. Mas será que faz sentido um corpo privado de guardas prisionais? Que
quem determine as sanções disciplinares não seja a administração pública?

Outra questão: parcerias público-privadas. Há prisões, no Brasil, que seguem este modelo. Maria João
Antunes confia mais no Estado. A pena de prisão tem uma função estadual.

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No Brasil, além destas parcerias, existem as designadas APAC, que são associações privadas. Em certas
prisões do Brasil, a execução da pena está totalmente entregue aos privados. E quando dizemos
“entregue aos privados” é também dizer entregue às várias religiões no Brasil…
 Hoje, a APAC é mais laico.
 Há um lema “aqui entra o homem; lá fora fica o crime”.

Maria João Antunes é totalmente contra este modelo.

A taxa de reincidência é um êxito: quem vai para lá, nunca mais comete um crime. Mas a verdade é que
a APAC escolhe bem quem são os seus prisioneiros: só os que tiverem um excelente diagnóstico de
ressocialização…

3. Segunda: a execução da pena de prisão deve estar orientada para a socialização do condenado,
prosseguindo o Estado a tarefa que lhe está constitucionalmente cometia de proporcionar ao
condenado as condições necessárias para que conduza a sua vida de modo socialmente responsável,
sem cometer crimes, devendo a socialização obedecer a uma dinâmica progressiva de preparação para a
liberdade.

Por exemplo, através de medidas de flexibilização da execução da pena de prisão (art.14º CE – regime
aberto ao exterior – e art. 76º CE – licenças de saída do estabelecimento prisional), mediante a
concessão da liberdade condicional (arts. 61º, 63º e 64º CP) ou por via da execução da pena de prisão
em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distancia
(arts. 43º e 44º).

4. Terceira: a privação da liberdade deve ser a ultima ratio da politica criminal, enquanto decorrência do
princípio constitucional da proporcionalidade das restrições dos direitos, devendo ser assegurado que o
regime de execução seja o menos restritivo possível do direito à liberdade. Por exemplo, através de
medidas de flexibilização da execução da pena de prisão (art. 14º CE – regime aberto no interior e no
exterior), mediante a concessão da liberdade condicional (arts. 61º, 63º e 64º) ou por via de formas
diversificadas de execução desta sanção privativa da liberdade, nomeadamente, por via do regime de
permanência na habitação (art. 43º e 44º CP), da modificação da execução da pena de prisão (art. 118º
e ss CE) ou da adaptação à liberdade condicional (art. 62º CP).

1.4. Regime de permanência na habitação

A permanência na habitação foi introduzida no ordenamento jurídico português, enquanto medida de coação,
no art. 201º CPP de 1987. (!)

Por via da Lei 59/98, passou a admitir-se que, para fiscalização do cumprimento da obrigação de permanecer
na habitação, pudessem ser utilizados meios técnicos de controlo à distância (art. 201º/2 redação de 1998).

A regulamentação da utilização destes meios técnicos ocorreu exclusivamente sobre a medida de coação de
obrigação de permanência na habitação.

A fiscalização por meios técnicos de controlo à distância foi progredindo no sentido da afirmação do propósito
político-criminal de estender o regime jurídico da vigilância eletrónica à execução das sanções privativas da
liberdade.

ATENÇÃO: fez dia 21 de novembro 1 ano o novo regime de permanência na habitação. As estatísticas
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são extraordinárias: contra o que é costume, os juízes interiorizaram esta problemática. E estes artigos
que entraram em vigor há um ano estão a ser aplicados e genericamente bem aplicados
Direito Penal III
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O ponto 3., alínea b), da Resolução do Conselho de Ministros nº 144/2004, refere aquele regime quer como
alternativa à execução de penas de prisão efetivas de curta duração quer como condição de antecipação da
liberdade condicional.

As alterações ao CP introduzidas em 2007 dão cumprimento a este desiderato e a um alargamento


consequente do âmbito da utilização dos meios técnicos de controlo à distância.

De acordo com o art. 1º da Lei 33/2010, na versão primitiva, tais meios passaram a poder ser utilizados para a
fiscalização do cumprimento da medida de coação obrigação de permanência na habitação, prevista no art.
201º CPP, da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, prevista no art. 44º CP, da
execução da adaptação à liberdade condicional, prevista no art. 62º CP, da modificação da execução da pena
de prisão, prevista no art. 120º CE e da aplicação das medidas e penas previstas no art. 35º da Lei 112/2009
(diploma que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à
assistência das suas vítimas).

Segundo os arts. 44º/1/b)/2 do CP, na versão de 2007, e art. 1º/b) da Lei 33/2010, na versão primitiva, o
remanescente não superior a 1 ano de pena de prisão efetiva que excedesse o tempo de privação da liberdade
que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na
habitação, ou, excecionalmente, o remanescente não superior a 2 anos, quando se verificassem circunstâncias
de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento
prisional – nomeadamente gravidez, idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos, doença ou deficiências
graves, existência de menor a seu cargo, existência de familiar exclusivamente a seu cuidado – era executado
em regime de permanência na habitação, se o condenado consentisse, sempre que o tribunal concluísse que
esta forma de cumprimento realizava de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção.

Tratava-se, aqui, verdadeiramente, de uma forma de execução da pena de prisão que era, ainda, da
competência do tribunal de condenação.

 Por um lado, tratava-se da execução em regime de permanência na habitação do remanescente não


superior a 1 ano da pena de prisão efetiva que excedesse o tempo de privação da liberdade a que o
arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na
habitação (cfr. art. 80º);

 Por outro lado, as circunstâncias que o art. 44º previa, de forma exemplificativa, eram circunstâncias
que só podiam relevar, de forma autónoma, ao nível da execução da pena de prisão, não em sede de
escolha da pena (art. 70º CP).

Desconsiderando a circunstância de ser competente o tribunal da condenação, o então disposto no art. 44º/2
CP só aparentemente era totalmente invocador, se atentarmos na Lei nº36/96, diploma sobre os condenados
afetados por doença grave e irreversível, entretanto revogado pelo art. 8º/1/c) da Lei 115/2009 (cf. Acórdão
do TC 493/99 que julgou inconstitucional a norma do art. 1º/1 daquela lei).

Este antecedente tem agora correspondência nos arts. 118º e ss e art. 138º/4/j) do CE e art. 1º/d) da Lei
33/2010 – modificação da execução da pena de prisão de reclusos portadores de doença grave, evolutiva e
irreversível ou de deficiência grave e permanente ou de idade avançada.

Deve notar-se que esta modificação da execução da pena de prisão pode agora fundar-se num leque mais
amplo de razões, às quais correspondem duas modalidades distintas: o regime de permanência na habitação
ou o internamento do condenado em estabelecimento de saúde ou de acolhimento adequados (art. 120º CE).

Por outro lado, prevê-se expressamente no art. 122º CE uma extensão do regime, no sentido de também o
tribunal da condenação se poder decidir pela imediata aplicação da modificação da execução da pena.

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Direito Penal III
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Deverá ser decisivo o momento em que a decisão condenatória se torna definitiva, isto é, imediatamente antes
de ter força executiva.

Esta forma de execução da pena de prisão (art. 118º e ss CE) poderá ser vista como exigência do princípio da
razoabilidade, enquanto subprincípio do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, em matéria de
restrição do direito à liberdade (art. 27º/1 CRP).

Caso em que a privação da liberdade em meio prisional é adequada, necessária e proporcionada, mas
desrazoável “do ponto de cista de quem a sofre e por razões essencialmente atinente à sua subjetividade”
(Jorge Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição,
Coimbra Editora, 2003, pág. 765º e ss)

Com as alterações de 2007, passou também a prever-se, no art. 62º CP que, para efeito de adaptação à
liberdade condicional, verificados os pressupostos previstos no artigo anterior, a colocação em liberdade
condicional pode ser antecipada pelo tribunal, por um período máximo de um ano, ficando o condenado
obrigado durante o período da antecipação, para além do cumprimento das demais condições impostas, ao
regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. (cf. ainda,
art. 188º do CE, art. 1º/c) da Lei nº33/2010 e Acórdão STJ 14/2009).

Verificados os pressupostos previstos no art. 61º, o período de adaptação à liberdade condicional pode ser
concedido, a partir de 1 ano antes de o condenado perfazer metade, 2/3 ou 5/6 da pena, com o limite de
cumprimento efetivo de um mínimo de 6 meses de prisão.

Com a introdução da adaptação à liberdade condicional houve o propósito de atenuar a rigidez de um regime
que deixou de prever, em 1995, a renovação anual da instância em matéria de concessão da liberdade
condicional.

É, por isso, duvidoso que o art. 62º deva substituir a partir do momento em que voltou a haver tal renovação
anual da instância.

Trata-se aqui de uma mera forma de execução da pena de prisão e não de um verdadeiro incidente da
execução desta pena, o que se repercute, nomeadamente, na questão de saber se é constitucionalmente
conforme norma que estatua a irrecorribilidade da decisão judicial que não coloque antecipadamente o
condenado em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à
distancia, para o efeito de adaptação à liberdade condicional (Acórdão TC 150/2013, mediante o qual se
decidiu no sentido da não inconstitucionalidade).

A fiscalização por meios técnicos de controlo à distância foi progredindo também no sentido de estender o
regime jurídico da vigilância eletrónica à execução de sanções não privativas da liberdade.

A Lei 59/2007 alterou o CP no sentido de tais meios serem utilizados para fiscalização do cumprimento da pena
acessória de proibição de contacto com a vítima, incluído o afastamento da residência ou do local de trabalho
desta, pela prática do crime de violência doméstica (art. 152º/5).

Estes meios são agora igualmente utilizados para fiscalização do cumprimento de regras de conduta impostas a
condenado em pena de suspensão da execução da pena de prisão (art. 35º/1 da Lei 112/2009), à utilização
destes meios não se liga a permanência na habitação.

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Direito Penal III
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É neste enquadramento que surge a nova redação dos arts. 43º e 44º do CP, introduzida pela Lei 94/2017,
lendo-se na Exposição de Motivos da Proposta de Lei 90/XIII, que lhe deu origem, que se pretendeu “clarificar,
estender e aprofundar a permanência na habitação, conferindo-lhe um papel político-criminal de relevo Vinca-
se, por um lado, a sua natureza de regime não carcerário de cumprimento da pena curta de prisão e alarga -se,
por outro lado, a possibilidade da sua aplicação”.

Introduz-se o regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância,
enquanto forma de execução de penas de prisão não superiores a dois anos (art. 43º CP), com a eliminação
concomitante das dúvidas que a redação anterior do art. 44º suscitava quanto à natureza jurídica do regime de
permanência na habitação então previsto.

É no mesmo enquadramento que surge também o disposto no art. 274º-A/1/3, aditado pela Lei 94/2017,
relativamente ao regime sancionatório do crime de incêndio florestal (cf. art. 1º/f) da Lei 33/2010), quando
esteja em causa este crime, a suspensão da execução da pena de prisão e a liberdade condicional podem ser
subordinadas à obrigação de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à
distancia, no período coincidente com os meses de maior risco de ocorrência de fogos; bem como a suspensão
da execução do internamento e a liberdade para prova, relativamente a agentes inimputáveis.

A redação vigente dos arts. 43º, 44º e 274º-A/1/2/3 CP enquadra-se também na Recomendação do Conselho
da Europa de 19 de fevereiro de 2014 sobre vigilância eletrónica no âmbito da justiça criminal –
CM/Rec(2014)4

MAIS NOTAS:

(1) Qual a grande vantagem do regime de permanência na habitação?

 Evitamos o contágio prisional e não desinserimos a pessoa do seu meio social.

(2) Há o erro de os tribunais considerarem que esta é uma pena de substituição em sentido impróprio: mas não
é! É uma forma de executar a pena de prisão!

Há consequências práticas para essa qualificação: só pode ser considerado reincidente quem for condenado a
uma pena de prisão efetiva superior a 6 meses. Se eu disse que o regime de permanência na habitação é uma
pena de substituição em sentido impróprio, não pode haver reincidência.

Maria João Antunes considera que sim, que pode haver reincidência, porque não se trata de uma pena de
substituição, mas de uma outra forma de cumprir a pena de prisão.

(3) Qual foi um dos grandes objetivos da reforma?

 Retirar das prisões penas curtas.

E então existem aqui vantagens quer do ponto de vista da reinserção social dos condenados como do ponto de
vista da administração prisional. Com esta reforma. Conseguiu-se aquilo que era pretendido há muito: afastar o
fenómeno da sobrelotação prisional.

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1.4.1. Pressupostos e regime geral

O regime de permanência na habitação é um meio de execução da pena de prisão que consiste na obrigação de
o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, segundo a
regulação da Lei da vigilância eletrónica (arts. 43º/1/2 CP e art. 1º/b) da Lei 33/2010)

Pressupostos formais:

(1) O regime de permanência na habitação tem como pressuposto formal que o condenado consinta (art.
43º/1 CP e art. 4º/1/7 da Lei 33/2010).

Como está em causa a permanência na habitação e a utilização de vigilância eletrónica é também necessário o
consentimento das pessoas maiores de 16 anos que coabitem com o condenado (art. 4º/2 da Lei 33/2010)

(2) O regime de permanência na habitação tem ainda como pressuposto formal a condenação em pena de
prisão efetiva não superior a 2 anos ou em pena de prisão efetiva não superior a 2 anos resultante do desconto
previsto nos arts. 80º-82º do CP (art. 43º/1/a)/b) CP).

Em ambas as hipóteses o que se abrange é a pena de prisão efetiva que o condenado tenha que cumprir ou
tenha ainda que cumprir, em resultado das operações de determinação da pena cabidas no caso. A execução
da pena de prisão em regime de permanência na habitação é decidida depois de ter sido ultrapassada a
questão da determinação da pena.

O regime é decidido depois de ter sido determinada a medida da sanção – pena de prisão não superior a 2 anos
– e de ter sido escolhida a espécie da pena – pena de prisão. É decidido tendo já em vista a execução da pena
de prisão.

Especificamente no que diz respeito à alínea a) do art. 43º/1, o regime de permanência na habitação é
aplicável depois de o tribunal ter concluído, fundamentadamente, pela não substituição da pena de prisão
determinada – pena de prisão não superior a 2 anos – por pena não privativa da liberdade, de acordo com os
critérios do art. 70º.

Lê-se na Exposição de Motivos da proposta que deu origem à Lei 94/2017 que o juiz procederá a uma dupla
operação. “Verificando que tem perante si um crime provado e concretamente punido com pena de prisão até 2
anos, começará por determinar se é adequada e suficiente às finalidades a punição alguma pena de
substituição ou se é necessário aplicar a pena de prisão. Nesta última hipótese, ficam à sua disposição duas
possibilidades de execução, pela ordem seguinte: ou em regime de permanência na habitação, ou dentro dos
muros da prisão, em regime contínuo”,

Em relação à alínea b), MARIA JOÃO ANTUNES tem muitas dúvidas. Para MARIA JOÃO ANTUNES , esta alínea não
constava do código.

 Pode ler-se que “são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios
técnicos à distância, b) a pena de prisão efetiva, não superior a 2 anos resultante do desconto previsto
nos artigos 80º a 82º ”

Esta norma viola o princípio da igualdade! Porquê? Porque quem não tenha estado preso preventivamente não
pode beneficiar desse instituto.

Imaginemos que estive 2 anos em prisão preventiva e o juiz me condena a uma pena de prisão de 3 anos e
meio. Procedemos ao desconto: tenho de cumprir apenas mais 1 ano e meio. Mas se o agente B não esteve em
prisão preventiva, já não poderá beneficiar deste regime de permanência na habitação porque foi condenado
em 3 anos e meio e não houve desconto!

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Quando o tribunal substitua a pena de prisão não superior a 2 anos por pena não privativa da liberdade –
multa, proibição de exercício de profissão, função ou atividade, suspensão da execução da pena de prisão ou
prestação de trabalho a favor da comunidade – o regime de permanência na habitação é ainda aplicável
quando a multa não seja paga ou sejam revogadas as outras penas não privativas da liberdade (art. 43º/1/c),
art. 45º/2 primeira parte, art. 46º/3/5, art. 56º/2 e art. 59º/2/4 CP).

Não é aplicável quando o tribunal condene em pena de multa principal e esta não seja paga (art. 49º), uma vez
que está aqui a prisão subsidiária enquanto sanção que visa constranger o condenado ao pagamento da multa.

Alínea c) – quais as situações aqui previstas?

 As alíneas a) e b) têm aplicação na fase da audiência de julgamento, já no momento em que está a ser
elaborada a sentença. É na fase de julgamento, quando o tribunal decide a questão da determinação
da sanção que o tribunal de julgamento decide a questão do local do cumprimento da pena de prisão
efetiva.

 A alínea c) tem hipótese distinta: é para as questões em que o juiz de julgamento condena em pena
de prisão efetiva não superior a 2 anos, é substituída por uma pena de substituição, e vem a verificar-
se, posteriormente, já em fase da execução da pena de substituição, que o condenado não cumpre a
pena de substituição. ´

Por exemplo, foi condenado a prestação de trabalho a favor da comunidade e não cumpre o trabalho.

Uma característica das penas de substituição é que, em caso de revogação, os condenados cumpram a pena de
prisão que se pretendeu substituir.

Nessa altura, ainda o juiz de julgamento (não nos podemos esquecer que a execução das penas é da
competência do juiz de julgamento) revoga a pena de substituição e revogada, tem de ordenar o cumprimento
da pena de prisão efetiva.

Neste momento, o juiz, nos termos da alínea c) pode decidir-se pelo cumprimento da pena de prisão na
habitação.

Talvez bastaria a primeira parte da alínea c) do art. 43º: o que se quer abranger na última parte da alínea é a
pena de substituição da multa. Se ela não for paga e se o condenado tiver de cumprir a pena de prisão efetiva
que se quis substituir, também neste caso pode haver lugar ao regime de permanência na habitação.

Porque é que a comissão reguladora quis especificar casos do art. 43º/2?

Porque ainda há muita jurisprudência em que os juízes continuam a falar em pena de prisão subsidiária, ainda
existem muitos juízes que confundem o regime da pena de multa principal e de substituição. Para não fazerem
asneiras, esclareceu-se aqui que o regime de permanência só é possível se a pena de multa for de substituição!

Há diferenças entre a pena de multa principal e de substituição. Esta é claramente uma das diferenças!

Se não se tivesse colocado aquele inciso, teríamos casos de pena de multa principal que, não cumprida, levaria
ao regime de permanência na habitação.

No fundo, a alínea c) apenas diz “sempre que houver renovação de pena de substituição, a pena de prisão pode
ser cumprida em regime de permanência na habitação”. Portanto, para que fique claro, este regime apenas
vale para a pena de multa de substituição.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

E porque é que quando a pena de multa principal, o não pagamento da pena de multa principal, a
consequência não é pena de prisão? O que se cumpre é uma prisão subsidiária; não é uma pena!

(3) É pressuposto material do regime de permanência na habitação que por meio deste regime se realizem de
forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão (art. 43º/1).

 As finalidades são as finalidades que lhe são apontadas nos arts. 42º/1, art. 2º/1 CE.

Se o condenado consentir e se as finalidades preventivas da execução da pena de prisão não superior a 2 anos
se realizarem de forma adequada e suficiente por meio do regime de permanência na habitação, com
fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, o tribunal ordena a execução da pena neste regime.

Trata-se de um poder-dever para o tribunal, com a consequência de dever fundamentar a decisão que dê
preferência à execução da pena de prisão em meio prisional, em estabelecimento prisional, em detrimento da
execução em regime de permanência na habitação.

 Só desta forma é dado cumprimento ao propósito político-criminal da preferência pela execução das
penas de prisão até 2 anos em regime de permanência na habitação.

Não obstante a execução da pena de prisão ser executada em regime de permanência na habitação, pelo
tempo de duração da pena, o tribunal pode autorizar que o condenado se ausente da habitação (art. 43º/2).

 Estão em causa as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para


atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado, bem como outras que o
decurso da execução mostre pertinentes (art. 43º/3, 44º/1 CP, art. 222º-B e art. 222º-C do CE e art.
11º da Lei 33/2010).

Por outro lado, o regime de permanência na habitação pode ficar subordinado ao cumprimento de regras de
conduta, que poderão ser modificadas posteriormente, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção
social, destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações
cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir.

 Por exemplo, frequentar certos programas ou atividades ou não ter em seu poder objetos
especialmente aptos à prática de crimes (art. 43º/4, art. 44º/1 CP, art. 222º-C CE).

No âmbito dos programas, destaquem-se, nomeadamente, os relativos à segurança e responsabilidade


rodoviária, à prevenção da violência doméstica, à motivação para o tratamento de comportamentos aditivos
ou à problemática do alcoolismo.

As autorizações de ausência da habitação e a sujeição do regime de permanência na habitação ao


cumprimento daquelas regras de conduta evidencia que “o regime de permanência na habitação não se limita
à mera descarcerização do condenado, ao seu confinamento à habitação e á sua vigilância através de
tecnologias de controlo à distância, mas visa sobremaneira a prossecução, de um modo próprio das finalidades
cometidas às penas, designadamente a finalidade ressocializadora” (Exposição de motivos da Proposta de Lei
nº 90/XIII; art. 13º/a) Lei nº 96/2017, de 23 de agosto, diploma que define os objetivos, prioridades e
orientações de política criminal para o biénio 2017-2019).

Por tudo isto, podemos concluir que este regime não significa pura e simplesmente que a pessoa em vez de
estar na prisão, está em casa!

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Evidencia-se em outros aspetos da regulamentação que o regime de permanência na habitação não se limita à
mera colocação do condenado na habitação.

 Por exemplo, na afirmação do princípio da individualização da execução, na elaboração de um plano


de reinserção social e no apoio social económico que é devido aos condenados em pena de prisão
executada neste regime (art. 20º e 20º-A Lei nº 33/2010 e 222º-A CE).

O tribunal revoga o regime de permanência na habitação se o condenado infringir grosseira ou repetidamente


as regras de conduta, o disposto no plano de reinserção social ou os deveres decorrentes do regime de
execução da pena de prisão, se cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades
que estiveram na base do regime de permanência habitação não puderam, por meio dele, ser alcançadas ou se
for sujeito a medida de coação de prisão preventiva (art. 44º/2 CP e 222º-V CE).

A revogação determina a execução da pena prisão ainda não cumprida em estabelecimento prisional, podendo
ser concedida a liberdade condicional relativamente ao tempo de pena a cumprir.

NOTA: já há jurisprudência sobre esta matéria, um ano depois da entrada em vigor da lei. Num ano de
aplicação, os atos são surpreendentes. Antes, tínhamos um regime de permanência na habitação de forma
limitada. Neste ano que passou, o aumento foi de 600%. Com esta lei, conseguiram que não houvesse
sobrelotação prisional.

Por via do art. 2º/4 do CP, quem estivesse a cumprir pena de prisão efetiva por menos de 2 anos, à entrada em
vigor da lei, poderia sempre pedir a reabertura da audiência para averiguar se o novo regime era ou não mais
favorável.

 Portanto, pela aplicação deste artigo, verificando-se que havia condições para aplicar este regime mais
favorável, tal levou a que muitos presos cumprissem o resto da pena na sua habitação.

MARIA JOÃO ANTUNES encontrou apenas um caso curioso. É o caso do tribunal da relação de Évora em que se
verificou algo que não se deveria ter verificado.

Estavam reunidas todas as condições para o condenado cumprir a pena de prisão na habitação, mas (1) ele não
tinha eletricidade e (2) ele não tinha título que lhe permitisse celebrar contrato com distribuidora de energia.

 A solução foi condená-lo em prisão por dias livres.


 A prisão por dias livres acabou em 2017, mas obviamente que continua a ser aplicável aos crimes
praticados antes da sua extinção.
 Neste caso como não havia condições para cumprir a pena de prisão na habitação, aplicar a lei antiga
(prisão por dias livres) era mais favorável do que se o agente cumprisse a pena de prisão no
estabelecimento prisional.

Este caso confronta-nos com esta possibilidade de ocorrência. Como é que ultrapassamos esta situação? A
resposta a dar não é uma resposta do Direito Penal mas de um Estado de Direito Social (!!!)

 É a nota de socialidade que tem de intervir.


 Nestas situações tem de ser o Estado a fornecer condições para que não seja negada esta
possibilidade de cumprimento da pena de prisão.

O art. 13º/2 CRP diz que as pessoas não podem ser descriminadas em função da sua situação económico-
social. Este é um caso de descriminação. Talvez a lei terá de ser revista, alterada.

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Maria Madalena Cavaleiro

Há uma situação, já vamos ver, em que a lei tem uma solução alternativa. Vamos ver que mesmo que o
condenado não possa pagar a pena de multa, o juiz julgamento pode concluir que o agente vive abaixo do
mínimo existencial, e o juiz não pode decidir não o condenar em pena de multa. O que faz é substituir a pena
de multa.

O melhor será que a lei preveja o que é que nestas situações se deve fazer, sob o risco de estas situações se
multiplicarem.

1.4.2. Natureza jurídica

O regime de permanência na habitação é um meio de execução da pena de prisão não superior a dois anos.

Em vez de ser executada em estabelecimento prisional, de harmonia com o disposto nos arts. 478º CPP e 1º
CE, a pena de prisão não superior a dois anos é executada em regime de permanência na habitação, verificados
os pressupostos de que depende esta forma de execução.

 O regime de permanência na habitação, tal como regulado nos arts. 43º e 44º CP, é um incidente (ou
uma medida) da execução da pena de prisão. !!!

É decisivo para esta caracterização:

1- O pressuposto do consentimento do condenado,

2- A duração pelo tempo de duração da pena de prisão,

3- O juízo de que por meio do regime de permanência na habitação, se realizam de forma adequada e
suficiente as finalidades da punição (art. 43º/1/2)

4- E a recorribilidade decisão que mantenha ou revogue a execução da pena em tal regime (art. 222º-D/5
CE).

1.4.3. Aspetos processuais

O regime de permanência na habitação é um incidente (uma medida) da execução da pena de prisão não
superior a dois anos que é ainda da competência do tribunal de julgamento.

Cabe a este tribunal decidir se tal pena é executada em estabelecimento prisional ou no regime de
permanência na habitação, na sentença condenatória (art. 43º/1/a)/b) CP) ou na decisão que determine o
cumprimento da pena de prisão fixada na sentença condenatória, em caso de revogação de pena não privativa
da liberdade ou de não pagamento da pena de multa (art. 43º/1/c) CP e 470º CPP).

 Em qualquer caso, a decisão tem como suporte a informação prévia que é solicitada aos serviços de
reinserção sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido ou condenado e a sua
compatibilidade com as exigências da vigilância eletrónica (art. 370º CPP e 7º/2, e 19º Lei nº 33/2010).

A decisão judicial especifica os locais e os períodos de tempo em que a vigilância eletrónica é exercida e o
modo como é efetuada, levando em conta, nomeadamente, o tempo de permanência na habitação e as
autorizações de ausência estabelecidas na decisão de aplicação da pena (art. 7º/4 Lei 33/2010).

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De acordo com o art. 138º CE e 114º LOSJ, já é da competência do tribunal da execução das penas decidir:

1. Sobre a homologação do plano de reinserção social e das respetivas alterações, segundo o previsto
nos arts. 209º Lei nº 33/2010 e 222º-A CE;

2. Sobre as autorizações de ausência no decurso da execução da pena em regime de permanência na


habitação, nos termos do disposto nos arts. 11º Lei nº 33/2010 e 222º-B CE;

3. Sobre a modificação das autorizações de ausência e das regras de conduta constantes da decisão
condenatória, de acordo com o disposto nos arts. 44º/1 CP e 222º-C CE;

Nos termos do art. 44º pode haver, durante a execução, uma modificação das regras que foram
impostas, programas impostos inicialmente. É uma medida flexível na sua execução.

4. E sobre a revogação do regime de permanência na habitação, nos termos previstos nos arts. 44º/2 CP
e 222º-V CE.

O art. 222º-V/5 estabelece que a decisão do tribunal de execução das penas que mantenha ou revogue a
execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação é recorrível, aplicando-se,
correspondentemente, o art. 186º CE, que dispõe sobre o recurso de decisão relativa à concessão da liberdade
condicional, exceto quanto ao efeito suspensivo do recurso.

É competente para a execução da vigilância eletrónica a Direção-Geral de Reinserção Social, cabendo ao


tribunal notificar os serviços de reinserção social da sentença transitada em julgado que decida a execução da
pena em regime de permanência na habitação e devendo estes serviços proceder à instalação dos
equipamentos de vigilância eletrónica no prazo máximo de quarenta e oito horas (art. 9º a 13º e 19º/2 Lei nº
33/2010).

1.5. Liberdade condicional

Com DL nº 48/95 dissiparam-se as dúvidas, até aí existentes, sobre a natureza jurídica do instituto da liberdade
condicional.

É um incidente (ou uma medida) de execução da pena de prisão, uma vez que:

 A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado (art. 61º/1);


 E a sua duração não pode ultrapassar o tempo de pena que ainda falta cumprir (art. 61º/5).

[isto só depois de 1995, reforce-se!]

É um incidente que se justifica político-criminalmente à luz da finalidade preventivo-especial de reintegração


do agente na sociedade e da finalidade preventivo-geral de tutela de bens jurídicos (art. 40º/1).

 Estas finalidades justificam que no decurso da execução da pena de prisão seja ponderada a
necessidade de continuar a executar esta sanção em meio prisional.

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Maria Madalena Cavaleiro

A natureza jurídica do instituto (o facto de ser um incidente da execução da pena de prisão) e a justificação
político-criminal do mesmo repercutem-se em aspetos muito concretos:

 O período em que o condenado está em liberdade condicional conta como tempo de cumprimento da
pena de prisão;

 O período em que o condenado está em liberdade condicional suspende a contagem do prazo de


cinco anos, para o efeito de dar como verificado um dos pressupostos da reincidência e da pena
relativamente indeterminada (art. 75º/2 e 83º/3, respetivamente).

Prescrição da reincidência: é preciso que entre a prática do crime anterior e o crime que está em julgamento não decorram
mais de 5 anos. Se passarem 5 anos, então não há reincidência. Mas nestes 5 anos não contamos o tempo em que esteve
em pena de prisão. E contamos liberdade condicional nesses 5 anos? Dizemos também que o tempo não conta.

Isto são consequências práticas da caracterização do instituto como um incidente da execução da pena de
prisão.

A justificação político-criminal do instituto não é compatível regime de permanência na habitação que tenha
lugar ao abrigo do disposto no art. 43º.

 Quando a pena de prisão não superior a dois anos seja executada neste regime não é aplicável o
instituto da liberdade condicional, por determinação expressa do nº 5 do art. 43º, uma vez que a
execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação se traduz num mero
confinamento do condenado à habitação.

A concessão da liberdade condicional já poderá ter lugar se o regime de permanência na habitação for
revogado, relativamente ao tempo de pena que venha a ser cumprido em estabelecimento prisional, segundo
o art. 44º/4.

 Isto já não vale, porém, quando haja uma modificação da execução da pena de prisão ao abrigo do art.
118º e ss. do CE.

 Neste caso, atentas as razões que justificam a modificação da execução, a duração do regime de
permanência na habitação (ou do internamento do condenado em estabelecimento de saúde ou de
acolhimento adequados) é considerado tempo de execução da pena, nomeadamente para efeitos de
liberdade condicional (art. 120º/3).

NOTA – Normalmente há ideias erradas quanto a este instituto.

Muitas pessoas vêm neste instituto uma benesse.

Se formos à história do instituto, ele nasceu para combater a reincidência.

Considera-se que colocando pessoas em liberdade condicional, estamos a facilitar a prática de crimes: nada é
mais errado!

Este instituto surge para combater reincidência.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Em determinado momento, em França, concluiu-se que o cumprimento das penas de prisão em


estabelecimento prisional leva à reiteração da prática de crimes, porque temos o condenado que é posto de
repente em liberdade, sem qualquer preparação, e portanto era meio caminho andado para reiterarem na
prática de crimes.

Não nos podemos esquecer que este instituto é preocupado com a ressocialização e para que o agente não
volte a cometer crimes. O instituto da liberdade condicional pretende ser sempre meio de transição entre a
vida na prisão e em liberdade, e por isso é que fica sujeito a uma série de regras de conduta

1.5.1. Pressupostos

(1) A colocação em liberdade condicional tem como pressuposto o consentimento do condenado (art. 61º/1 e
176º/1 CE).

 Antes de 1995 a liberdade condicional não dependia do consentimento do condenado

Estamos em face de um instituto preocupado com a ressocialização do condenado. Não há ressocialização


contra a vontade dos condenados.

O Estado pretende oferecer condições para que não cometam crimes e não pode impor coativamente
programas de ressocialização.

Numa outra linha de argumentação, pode dizer-se que cada condenado tem o direito de cumprir a sua própria
pena. Além de tudo isto, o consentimento do condenado é relevante.

Podemos dizer “só um tolo é que prefere permanecer no estabelecimento prisional”. Mas tal não significa para
o condenado que fique em liberdade: ele está em liberdade condicional.

 A liberdade condicional pressupõe sempre imposição de deveres e obrigações, a ter frequência de


determinados programas. E ele tem o direito de preferir não fazer nada no estabelecimento prisional,
ao invés de estar em liberdade condicional, a cumprir deveres e programas. Cada um sabe de si.

 Por outro lado, há situações da vida que o preso diz que não à liberdade condicional para acabar o
programa que está a cumprir na pena de prisão.

(2) Tem também como pressuposto o cumprimento mínimo de seis meses de pena de prisão.

 Diferentemente da versão primitiva do CP, o art. 61º/ 2, última parte, exige o cumprimento mínimo de
seis meses de pena de prisão.

Só exigindo um cumprimento mínimo efetivo

(1) É possível atribuir seriamente à execução da pena de prisão uma finalidade ressocializadora e

(2) Emitir o juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado em liberdade, juízo
que é legalmente exigido (art. 61º/2/a)).

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Ainda que esteja perfeita metade da pena, por efeito do desconto da prisão preventiva ou da obrigação de
permanência na habitação (art. 80º/1), é de exigir o cumprimento mínimo destes seis meses de pena de prisão,
uma vez que estas medidas de coação são impostas a arguido presumido inocente, em função de exigência
processuais de natureza cautelar (art. 32º/2 CRP e 191º/1 e 204º CPP), sem qualquer finalidade
ressocializadora que possibilite a formulação do aludido juízo de prognose.

Imaginemos que o condenado é condenado em 4 anos de pena de prisão. Feito o desconto, esteve 2 anos
em prisão preventiva: ele tem 2 anos de pena de prisão por cumprir.

Pode ser logo concedida liberdade condicional? MARIA JOÃO ANTUNES entende que não, porque ele deverá
cumprir, apesar de estar a metade da pena, os 6 meses de pena de prisão efetiva.

História: antes não eram 6 meses de pena de prisão. Antigamente o que estava na lei é que podia haver
liberdade condicional desde que a pena de prisão fosse superior a 6 meses. Tinha de ser uma pena de
prisão superior a 6 meses. Era frequente os condenados pedirem aos tribunais para os condenarem em 7
porque podiam, aos 3 meses e meio, ficar em liberdade condicional.

(3) Tem, ainda, como pressuposto formal o cumprimento de metade da pena de prisão (art. 61º/2).

Na sequência das alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007, a concessão da liberdade condicional passou,
em qualquer caso, a ser possível a metade do cumprimento da pena de prisão, deixando de haver pressupostos
diferenciados em função (1) da natureza e (2) gravidade do crime (art. 61º/2, 1ª parte e nº 4 na versão
anterior).

 Alguns crimes (os mais graves) só permitiam a concessão da liberdade condicional aos 2/3 da pena.

Caso particular do desconto - Para o efeito de ser concedida a liberdade condicional deve descontar-se na
metade da pena em que o agente foi condenado o tempo em que esteve detido, preso preventivamente ou em
obrigação de permanência na habitação (art. 809º/1).

Solução diferente levaria a tratamentos diferenciados sem justificação.

 Por exemplo, tratando-se de pena de prisão de 10 anos e de privação da liberdade (prisão preventiva) por
2 anos, se o agente só pudesse ser posto em liberdade condicional cumpridos que fossem 4 anos de pena
de prisão (metade de 8 anos de pena de prisão), daí resultaria uma privação da liberdade durante 6 anos (4
anos cumprimento de pena de prisão mais 2 anos de sujeição a prisão preventiva),

… diferentemente do que sucederia ao condenado em 10 anos de prisão que não tivesse sido objeto de
qualquer privação da liberdade de natureza processual.

 A solução de descontar na metade da pena em que o agente foi condenado o tempo em que esteve
detido, preso preventivamente ou em obrigação de permanência na habitação, leva a que a liberdade
condicional seja apreciada, naquele caso, quando estejam cumpridos 3 anos de pena de prisão, com a
vantagem de a duração da privação da liberdade (5 anos – 3 anos de cumprimento de pena de prisão mais
2 anos de sujeição a prisão preventiva) ser igual à que foi sujeito o outro condenado em 10 anos de pena
de prisão.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

 Sem prejuízo de, descontada a privação da liberdade, dever ficar salvaguardado o cumprimento mínimo de
seis meses de prisão, para o efeito de poder ser concedida a liberdade condicional.

De outra forma: quando estivermos perante o instituto do desconto e liberdade condicional, devemos
proceder ao desconto na metade da pena. Ou seja, o correto nestes caso é que se for condenado a 10 anos,
pode ser concedida liberdade condicional aos 5 anos. Como esteve 2 anos em prisão preventiva, pode ser
posto em liberdade condicional exatamente ao fim do mesmo tempo de pena: 5 anos.

De acordo como disposto no art. 61º/2/a), é pressuposto material da concessão da liberdade condicional ser
fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a
evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a
sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

 O juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado em liberdade faz-se a partir
dos elementos aqui enumerados (art. 173º/1 CE), os quais funcionam como índice de (re)socialização e de
um comportamento futuro sem o cometimento de crimes, sendo de notar a substituição do critério do
“bom comportamento prisional” (art. 61º/1, na redação primitiva) pelo elemento “evolução da
personalidade durante a execução da pena de prisão”.

Segundo o disposto no art. 61º/2/b), é também pressuposto material da concessão da liberdade condicional
que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

 Note-se que é ordem jurídica. É uma gralha que vem desde 1995 e que nunca foi corrigida.

A averiguação autónoma das exigências de prevenção geral positiva, sob a forma de tutela ordenamento
jurídico, foi introduzida pelo DL nº 48/95, em coerência com o que passou a dispor no art. 40º/1 - a aplicação
de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade -, funcionando como limite
à atuação das exigências de prevenção especial de socialização.

O quantum de pena que é necessário cumprir, para que a libertação se revele compatível com a defesa da
ordem jurídica e da paz social, deverá ter como referência o limite mínimo da moldura da prevenção a que o
juiz da condenação chegou na operação de determinação da medida concreta da pena.

 Por outro lado, é também uma referência o próprio limite mínimo legal.

Se, por exemplo, alguém for condenado numa pena de prisão de doze anos pela prática de um crime de
homicídio qualificado (art. 132º), não será compatível com as exigências mínimas de prevenção geral positiva
uma libertação do condenado a metade da pena, isto é, aos seis anos de cumprimento.

Atendendo ao tempo máximo de duração da liberdade condicional (cinco anos segundo o art. 61º/5), a
duração da pena (6+5 anos) ficam aquém daquele limite mínimo.

Em suma: a concessão da liberdade condicional, com o consentimento do condenado, a metade do


cumprimento da pena, depende da satisfação de exigências de prevenção especial de socialização e de
prevenção geral positiva, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico.

O que significa que não depende do arrependimento do condenado e da interiorização da sua culpa (assim, p.
ex., corretamente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de outubro de 2012).

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Uma vez verificados os pressupostos – formais e materiais – de que depende, o tribunal de execução das
penas tem o poder-dever de colocar o condenado em liberdade condicional.

Quando se encontrarem cumpridos 2/3 da pena basta concluir que se revela preenchido o requisito de ser
fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a
evolução desta durante a execução da pena de prisão que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua
vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (art. 61º/3).

 É de presumir, atento o tempo de pena já decorrido, que a libertação é compatível com a defesa da
ordem jurídica e da paz social.

Estes casos de liberdade condicional costumam designar-se, erradamente, como casos de liberdade
condicional facultativa»

 É errada porque a concessão, verificados pressupostos materiais e formais, é facultativa para o


condenado e não para tribunal.
 O tribunal tem o poder-dever de colocar o condenado em liberdade uma vez verificados pressupostos.
 O que está implícito na concessão da liberdade condicional é o mandamento político-constitucional
segundo o qual a restrição da liberdade deve ser em última instancia. Devemos adotar sempre as
soluções que forem o menos restritivas possíveis, até porque a isso manda o art. 18º/2 da CRP

Quando se encontrarem cumpridos 5/6 de pena de prisão superior a 6 anos, o condenado é colocado em
liberdade condicional, desde que nisso consinta (art. 61º/1), sem que haja a verificação de qualquer
pressuposto material (art. 61º/4).

 Como está em causa uma pena de prisão de longa duração – superior a seis anos - pretende-se assegurar
um período de transição entre a vida na prisão e a vida em liberdade. !

 Certamente que seria desastroso do ponto de vista da reincidência se ao fim do último dia da pena de prisão
colocássemos alguém em liberdade. Pretende-se garantir que há um período de transição. Seria atirar para o mundo,
de forma abruta, alguém que esteve durante vários anos a cumprir pena de prisão.

Por contraposição ao disposto no art. 61º/2/3, a liberdade condicional aos 5/6 de cumprimento de pena de
prisão superior a seis anos é denominada «liberdade condicional obrigatória».

 O que encontra justificação na circunstância de não depender da verificação de um qualquer


pressuposto material de concessão.
 A denominação não contende, porém, com o pressuposto do consentimento do condenado.

Na sequência das alterações introduzidas pelo DL nº 48/95, deixou de haver renovação anual da instância (arts.
484º/1 e 486º/1 CPP, revogados pela Lei nº 115/2009), quando a liberdade condicional não fosse concedida
por não se poderem ter como verificados os respetivos pressupostos materiais.

Assim, se a liberdade condicional fosse negada a metade da pena, havia renovação da instância apenas quando
estivessem cumpridos dois terços da pena de prisão, nos termos do disposto no artigo 61º/3, momento em
que o critério da concessão da liberdade condicional, de um ponto de vista material, se fundava apenas em
exigências de prevenção especial de socialização.

102
Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Negada aos dois terços do cumprimento da pena de prisão (art. 61º/3), a liberdade condicional era depois
concedida, “obrigatoriamente”, quando estivessem cumpridos 5/6 da pena de prisão, tratando-se de pena
superior a seis anos e havendo consentimento do condenado, segundo o consagrado no art. 61º/1/4.

Com as alterações introduzidas pela Lei nº 115/2009 voltou a haver renovação anual da instância – a instância
renova-se de doze em doze meses a contar da data em que foi proferida a anterior decisão – nos casos em que
a liberdade condicional não tenha sido concedida e a prisão haja de prosseguir por mais de um ano (art. 180º/1
CE).

Para Maria João Antunes tal renovação não faz sentido: cria instabilidade. De um ponto de vista do
funcionamento da administração e do funcionamento do programa de ressocialização não faz sentido estarmos
a reabrir o dossier da liberdade condicional…

Voltou a haver renovação anual da instância, sem prejuízo do disposto no art. 61º, o que significa que:

 Até serem atingidos dois terços de cumprimento da pena de prisão, a reapreciação far-se-á à luz dos
critérios de concessão da liberdade condicional a metade da pena (art. 61º/2);
 E que, cumpridos dois terços da pena, a reapreciação terá lugar de acordo com o critério estabelecido
para a libertação condicional a dois terços da pena (art. 61º/3), exceto se se tratar de pena de prisão
superior a seis anos, caso em que este critério valerá somente até serem perfeitos cinco sextos da
mesma.

A partir deste momento o condenado é “obrigatoriamente” libertado, desde que nisso consinta (art. 61º/1/3).

1.5.2. Duração

Dispõe o art. 61º/5 CP que em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao
tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a cinco anos.

 Diferentemente do que sucedia no direito anterior a 1995, o período de liberdade condicional não pode
exceder o tempo de prisão que ao condenado ainda falte cumprir, respeitando-se o conteúdo da
sentença condenatória e a natureza do instituto (incidente da execução da pena de prisão).

 Por outro lado, cinco anos correspondem ao tempo considerado suficiente para se poder afirmar que o
condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Na atual redação daquele nº5 acrescentou-se que, atingido o período de cinco anos, considera-se extinto o
excedente da pena, o que se revela absolutamente redundante, já que não é admissível qualquer consequência
diferente desta, prevista, de resto, no art. 57º, por força da remissão que o art. 64º/1 CP faz para este artigo.

O estabelecimento do prazo de duração máxima da liberdade condicional, com a consequência de se


considerar extinto o excedente da pena, é bem demonstrativo de que a pena “aplicada” ao condenado é
também “determinada” na fase da execução da pena de prisão.

103
Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Por via do instituto da liberdade condicional, a medida da pena de prisão determinada na decisão condenatória
poderá ser superior à duração da pena que é efetivamente cumprida em meio prisional e fora dele.

 Assim será, por exemplo, se ao condenado em vinte anos de pena de prisão for concedida a liberdade
condicional a metade da pena.

 Nesta hipótese, o condenado cumpre somente 15 anos de pena de prisão – 10 anos em meio prisional
e 5 anos fora dele, no regime de liberdade condicional.

Quando começámos a estudar a determinação da medida concreta da pena, dissemos que esta matéria é
de cooperação entre o juiz e o legislador.

Logo nessa altura chamamos atenção que, na determinação da pena, o juiz tem um papel determinante
(determina a pena aplicável, a pena aplicada, decide se substitui ou não pena de prisão, é ele que decide
onde é executada pena de prisão até 2 anos…) e há aqui um papel importante do juiz durante execução da
pena.

A medida concreta da pena é algo que chegamos apenas durante a execução da pena.

Vejamos a importância da fase da execução da pena do ponto de vista da medida concreta da pena.

A medida concreta da pena é apurada na fase de execução da pena por via do instituto da liberdade
condicional.

Como ela nunca pode exceder 5 anos, pode haver casos em que ficamos aquém da pena que foi
determinada.

1.5.3. Regime

O regime a que a nossa lei submete o instituto da liberdade condicional é o indicado no art. 64º, por remissão
para o disposto no art. 52º do art. 53º/1/2, no art. 54º, no art. 55º/a) a c), no art. 56º/1 e no art. 57º.

A remissão para os primeiros três artigos significa que a liberdade condicional pode ficar condicionada pela
imposição do cumprimento de regras de conduta, que o art. 52º/1 exemplifica, ou pelo acompanhamento de
regime de prova (art. 53º), assente no plano individual de reinserção social previsto no art. 54º.

No caso específico dos condenados pela prática de crime de incêndio florestal, a liberdade condicional pode ser
subordinada à obrigação de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à
distância (art. 274º-A/1 CP e 1º/f) Lei nº 33/2010).

A remissão para o art. 55º/a)/b)/c), significa que se, durante o período da liberdade condicional, o libertado,
culposamente, deixar de cumprir as regras de conduta impostas ou não corresponder ao plano de reinserção
social, pode o tribunal fazer uma solene advertência, exigir garantias de cumprimento das obrigações que
condicionam a liberdade condicional ou impor novas regras de conduta ou introduzir exigências acrescidas no
plano de reinserção.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Se o condenado infringir grosseira ou repetidamente as regras de conduta impostas ou o plano individual de


reinserção social, pode mesmo ter lugar a revogação da liberdade condicional, por remissão do art. 64º/1 para
o art. 56º/1.

A liberdade condicional é também revogada se o libertado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e
revelar que as finalidades que estavam na base da libertação não puderam, por meio dela, ser alcançadas, por
força da remissão do art. 64º/1 para o art. 56º/1.

A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida, podendo
ter lugar relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida a concessão de nova liberdade condicional
termos do art. 61º (art. 64º/2/3).

A pena de prisão que o condenado ainda tenha que cumprir não poderá, porém, ser em executada em
regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

 O legislador não previu tal possibilidade no art. 43º/1, uma vez que, para todos os efeitos, a prisão a ser
cumprida resulta da revogação da liberdade condicional.

O tempo em que o agente esteve em liberdade condicional conta como cumprimento da pena de prisão?

Para determinar a pena de prisão ainda não cumprida deve deduzir-se ao quantum da condenação (1) o tempo
de pena já cumprido na prisão (2) e o período em que o condenado esteve em liberdade condicional.

 A dedução deste período é imposta pela natureza jurídica do instituto da liberdade condicional - um
incidente da execução da pena de prisão.
 Como a liberdade condicional é um incidente de execução da pena de prisão, então, claro que o tempo em
que a pessoa esteve em liberdade condicional deve ser deduzido.

Entendimento diverso (de que não deve ser deduzido o período em que esteve em liberdade condicional), que
é o entendimento da maioria dos tribunais de execução de penas, tem como consequência que ao período em
que o condenado esteve liberdade condicional corresponda uma outra sanção, substitutiva da pena de prisão,
que não tem, enquanto tal, qualquer previsão legal.

O Tribunal Constitucional já julgou, porém, não «inconstitucional a norma do nº 2 do artigo 64º do Código
Penal, interpretada no sentido de que o tempo que o condenado passou em liberdade condicional, sem cometer
qualquer crime, não deve ser considerado tempo de prisão e, como tal, deduzido no tempo de prisão que lhe
falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional (Ac. nº 181/2010).

MARIA JOÃO ANTUNES entende que esta interpretação toca no plano constitucional.

 Se o tempo da liberdade condicional não contar como tempo de cumprimento da pena de prisão
conta a que título?
 A que título é que temos alguém em liberdade condicional?
 A liberdade condicional não está legalmente prevista como pena de substituição.
 A liberdade constitucional está prevista como incidente da execução da pena de prisão.

MARIA JOÃO ANTUNES entende que há nesta interpretação uma violação flagrante do princípio da legalidade:
temos a privação da liberdade sem que seja legalmente credenciada.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Decorrido o período de liberdade condicional, a pena é declarada extinta se não houver motivos que possam
conduzir à revogação, por remissão do art. 64º/1 para o art. 57º.

Nos termos do nº 2 deste artigo, se, findo o período da liberdade condicional, se encontrar pendente processo
por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento das regras de conduta
ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não
houver lugar à revogação.

Com este preceito deixaram de subsistir as críticas que eram dirigidas à disposição anterior correspondente
(art. 64º na versão primitiva), nos termos da qual se considerava a pena inteiramente cumprida e extinta, se a
liberdade condicional não fosse revogada, logo que expirasse o período da duração desta.

A interpretação do disposto neste art. 64º, com esta redação, «no sentido de que é possível revogar a
liberdade condicional mesmo depois de se ter esgotado o prazo estabelecido para a sua duração», foi
apreciada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 477/2007, tendo sido julgada não inconstitucional.

1.5.4. Liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas

O regime da concessão da liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas encontra-se
regulado no art. 63º, introduzido pelo DL nº 48/95 para preencher a lacuna até então existente. ~

Situação que justifica uma previsão especial, comparativamente com a de condenação em pena única em caso
de concurso de concurso de crimes, para a qual vaiem todos os pressupostos gerais de concessão da liberdade
condicional.

Antes de lermos este artigo: porque é que ele existe? Qual a razão de ser deste artigo?

 Este artigo pretende evitar que alguém seja posto em liberdade condicional na prisão.

 Imaginemos que fui condenada a uma pena de prisão de 10 anos e depois do trânsito em julgado da decisão cometi
outro crime e fui condenada a uma pena de prisão de 8 anos.
 Se este artigo não existisse, que risco correríamos? Que A começasse por cumprir a pena de 10 anos e aos 5 anos
fosse posta em liberdade condicional. Imaginemos que A deu consentimento, cumpriu metade da pena e o tribunal
dá um juízo positivo: faz sentido eu cumprir liberdade condicional para a prisão? Não faz sentido quando tenho outra
pena para cumprir… mas também não faz sentido cumprir liberdade condicional porque se vai iniciar novo
cumprimento da pena.

Então o que vai permitir este artigo?

Dos nº1 e 2 daquela disposição resulta que: (!!!)

 A execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida ao meio da pena,
sucedendo-lhe a execução da pena que deva ser executada a seguir;

 E que o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que o possa o fazer, de forma
simultânea, relativamente à totalidade das penas.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Esta solução obsta a que o condenado esteja, ao mesmo tempo, em liberdade condicional e em
cumprimento de uma outra pena de prisão.

Esta situação, político-criminalmente indesejável, verificar-se-ia se a execução da pena que deva ser cumprida
em primeiro lugar não fosse interrompida.

Esta interrupção está expressamente prevista no art. 63º/1, prevendo-se no nº2 que a concessão da liberdade
condicional seja decidida somente quando o tribunal o possa fazer, de forma simultânea, relativamente à
totalidade das penas.

Só depois de decorrido o prazo de que depende a concessão da liberdade condicional das várias penas é que
tem lugar o juízo sobre os pressupostos materiais desta concessão (art. 61º/2/a)/b)).

Se o condenado não tiver beneficiado da liberdade condicional e se a soma das penas que devam ser
cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade
condicional, desde que este consinta, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas (art.
63º/3) tendo lugar a denominada “liberdade condicional obrigatória”. (!)

 O que acontece neste caso?

Aos 9 anos poderíamos colocar a questão da liberdade condicional. Senão fosse posto a liberdade
condicional nem a metade nem a 2/3, ou no entretanto (por causa da renovação anual), diz o artigo
que o condenado é posto obrigatoriamente em liberdade quando a pena é superior a 6 anos e tenha
cumprido aos 5/6.

Também aqui, por força deste instituto, vemos claramente a prevalência da prevenção especial sobre a
prevenção geral.

NOTA

Os tribunais portugueses cometiam erro crasso: cúmulo por arrastamento.

 Antigamente os tribunais diziam que nestes casos se determinava uma pena única, o que é errado,
porque estamos fora dos quadros do concurso de crimes.
 STJ proferiu mesmo acórdão acerca da ilegalidade do cúmulo por arrastamento!
 É errado usarmos regras do concurso quando os crimes sejam cometidos após ao trânsito em julgado
da condenação.

No fundo, temos aqui uma «execução por arrastamento».

 Para efeitos da execução, vamos tratar a execução sucessiva de penas como se tivéssemos 1 só pena.
 Temos uma certa ideia de arrastamento.
 Temos uma pena de 10 e 8. Na execução os 10 e 8 perdem autonomia. Procedemos como se
tivéssemos uma pena de 18 anos!

Vamos fazê-lo tendo em conta o interesse da prevenção especial. É o que prevalece. Se fossemos a considerar
de forma autónoma a prevenção geral a solução não seria esta.
Esta solução ainda tem outra vantagem: continuidade da execução. Temos várias penas mas para efeitos da
execução é como se tivéssemos uma só pena.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Por força do disposto no art. 63º/4, este regime de concessão da liberdade condicional em caso de execução
sucessiva de várias penas não é aplicável quando a execução da pena de prisão resultar de revogação da
liberdade condicional (art. 64º/2/3), o que poderá encontrar justificação precisamente na circunstância de ter
havido revogação da liberdade condicional.

A concessão da liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas, nos termos descritos, é
significativa da intenção do legislador em evitar uma solução de acumulação material de penas de prisão na
fase de execução.

Cada uma das penas é cumprida até ao tribunal poder decidir, de forma simultânea, relativamente à totalidade
das penas, mas caso haja razões para colocar o condenado em liberdade condicional, esta é concedida
relativamente à totalidade das penas em execução, num único juízo.

É concedida pelo período correspondente ao tempo das penas que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos,
com a consequência de se considerarem extintos os excedentes de todas as penas, decorrido que seja este
período máximo de duração.

1.5.5. Aspetos processuais

O processo de concessão e de revogação da liberdade condicional é da competência do tribunal de execução


das penas (art. 470º/1 e art. 477º/1 CPP, art. 138º/4/c) CE e art. 114º/3/) LOSJ), encontrando-se regulado nos
arts. 173º e ss. CE.

A correção e a conveniência político-criminal da solução de deferir a competência ao tribunal de execução das


penas – e não ao tribunal da condenação – é discutível, atendendo, nomeadamente, a que são
autonomamente consideradas exigências de prevenção geral positiva (art. 61º/2/b)).

Segundo o disposto no art. 127º DL nº 783/76, não era admitido recurso das decisões que negassem a
liberdade condicional, o que era questionável, inclusivamente do ponto de vista jurídico-constitucional.

De acordo com os arts. 179º e 186º CE são agora suscetíveis de recurso as decisões de concessão ou recusa da
liberdade condicional, bem como as de revogação ou não revogação da mesma. (!)

Devendo notar-se que já a Lei nº 48/2007 tinha alterado o CPP no sentido da recorribilidade do despacho de
negação e de revogação da liberdade condicional (art. 485º/6 e 486º/4 CPP, entretanto revogados pela Lei
nº 115/2009).

A norma que ditava a irrecorribilidade da decisão judicial que negasse a liberdade condicional foi apreciada
pelo Tribunal Constitucional em dois momentos temporalmente distintos:

 No Acórdão Nº 321/93 mediante o qual foi julgada não inconstitucional;

 E no Acórdão nº 638/2006, através do qual foi julgada inconstitucional, «por violação do princípio do
Estado de Direito consagrado no artigo 2º, dos artigos 20º/1 e 27º/1, e do artigo 32º/1 CRP, a norma do
artigo 127º DL nº 783/76, de 29 de outubro, na parte em que não admite o recurso das decisões que
neguem a liberdade condicional».

Nota: O CP, no art. 101º e ss, diz que o internamento de um imputável no estabelecimento de imputável
porque lhe sobrevêm anomalia, não prejudica a concessão da liberdade condicional.

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2. Execução da pena de multa. Não pagamento e suas consequências

Determinada a pena de multa principal que o agente da prática do crime vai cumprir, segue-se a fase da
execução, a qual corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1ª instância em que o processo
tiver corrido (art. 470º/ CPP).

2.1. Execução da pena de multa

Por força das alterações introduzidas pelo DL nº 48/95, a execução da pena de multa pode ocorrer por duas
formas:

(1) Por pagamento voluntário, nos termos do disposto no art. 489º do CPP ou

Nota: nos termos do art. 47º, o pagamento da pena de multa pode ser diferida no tempo e pode ser feito em
várias prestações.

(2) Por prestação de dias de trabalho, nos termos previstos nos arts. 48º CP e 490º CPP e no DL nº
375/97, por força do art. 15º deste diploma.

A prestação de trabalho deixou de ser uma sanção, para passar a ser uma forma de cumprimento da pena de
multa, a requerimento do condenado, quando for de concluir que realiza de forma adequada e suficiente as
finalidades da punição - as previstas no art. 40º/1.

Na medida em que é uma forma alternativa de cumprimento voluntário da multa, a substituição da multa por
prestação de dias de trabalho não depende, obviamente, da impossibilidade de pagamento do quantitativo
fixado na sentença condenatória, por motivo não imputável ao condenado.

 Na versão primitiva do CP, em 1982, a pena de multa não paga, voluntária ou coercivamente, era
substituída por dias de trabalho, equivalendo este sucedâneo à imposição de uma sanção pelo não
pagamento, voluntário ou coercivo, da pena de multa.

 Ou seja, o trabalho não era uma forma de pagamento, tinha já a ver com o não pagamento… (ao contrário
do que se passa nos dias de hoje, em que o trabalho tem a ver com o pagamento)

 Depois de 1995, os dias de trabalho prestados passaram a constituir uma forma de execução da pena de
multa. Esta sanção executa-se através do pagamento voluntário do quantitativo fixado ou da prestação de
dias de trabalho, a requerimento do condenado.

A substituição da pena de multa por trabalho está dependente do requerimento do condenado.

O requerimento para substituição da multa por trabalho é apresentado no prazo de 15 dias a contar da
notificação para pagamento da multa, no prazo estabelecido para o pagamento diferido do quantitativo fixado
ou no prazo determinado para o pagamento da multa em prestações (art. 47º/3, por remissão do art. 45º/1, e
art. 489º/2/3 CPP, por remissão do art. 490º/1).

É, por isso, extemporâneo o requerimento que seja apresentado além do prazo previsto no art. 490º/1.

Entender que o requerimento além deste limite ainda é tempestativo colide com (1) a letra da lei, por um lado,
e com (2) a natureza da prestação de dias de trabalho, por outro.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Sendo esta prestação uma forma de execução da pena de multa, uma forma de pagamento voluntário
alternativa ao pagamento do quantitativo fixado, não deve ser requerida já em fase de incumprimento da pena
aplicada na decisão condenatória.

Por remissão do art. 48º/2 para o art. 58º/3/4, cada dia de multa corresponde a uma hora de trabalho,
podendo ser prestado em dias úteis, aos sábados, domingos e feriados, sem que a duração dos períodos de
trabalho possa prejudicar a jornada normal de trabalho ou exceder, por dia, o permitido segundo o regime de
horas extraordinárias aplicável (Acórdão do STJ Jº 13/2013).

2.2. Não pagamento e suas consequências

Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntariamente, tem lugar o pagamento
coercivo (art. 49º/1), por via da execução patrimonial, nos termos do disposto no art. 491º CPP.

Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente é cumprida
prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com
prisão (art. 49º/1).

 O tempo correspondente é reduzido a dois terços, por não ser defensável a equivalência entre um dia
de multa e um dia prisão, em face do que esta representa de sofrimento para o condenado.

 Se o condenado já tiver pago uma parte da pena de multa, a multa que ele já pagou é descontada nos
dias de prisão subsidiária.

E note-se: o condenado cumpre uma pena subsidiária, que não é uma pena. Falamos de uma sanção de
constrangimento.

Esta privação da liberdade tem, tal como tinha na versão primitiva do CP, a prisão fixada em alternativa na
sentença, a natureza de sanção de constrangimento, visando, de facto, em último termo, constranger o
condenado a pagar a multa.

A vida mostra-nos que não haverá muitos condenados a cumprir prisão subsidiária. Na eminência de cumprir a
prisão subsidiaria, o condenado acaba sempre por pagar a multa. É apenas uma forma de o constranger a
pagar a pena de multa.

Por isso, na medida em que se trata de uma mera sanção pelo não pagamento da pena de multa principal,
tendo em vista constranger o condenado ao seu pagamento, não é admissível quer a concessão da liberdade
condicional (art. 61º) quer a execução da prisão subsidiária em regime de permanência na habitação (art.
43º/1/c)).

Com a previsão da prisão subsidiária pretende-se alcançar o efeito do pagamento da multa, pelo que o
pagamento, total ou parcial, desta, a todo o tempo, evita a execução da prisão subsidiária (art. 49º/2 CP e
art. 491º-A CPP).

 Solução expressamente prevista para os casos em que há já conversão dos dias de multa em prisão
subsidiária, que deve ser alargada às situações em que o condenado pagou parcialmente a multa
antes da conversão.

 Este pagamento parcial deve refletir-se, de forma proporcional, no tempo de prisão subsidiária.

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Maria Madalena Cavaleiro

Em substituição da previsão anterior de redução ou de isenção da prisão fixada em alternativa na sentença


(art. 47º/4, na versão primitiva), o art. 49º/3 prevê a suspensão da execução da prisão subsidiária,
subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, se
se provar que a razão do não pagamento não é imputável ao condenado.

 Mais estabelecendo que se os deveres ou regras de conduta não forem cumpridos é executada a prisão
subsidiária;
 Sendo cumpridos, é declarada extinta a pena de multa.

Depois das alterações introduzidas pelo DL nº 48/95, quer a impossibilidade de pagamento contemporânea da
condenação, quer a superveniente, levam à suspensão da execução da prisão subsidiária, nos termos do art.
49º/3, quando a razão não seja imputável ao condenado, em observância do princípio da igualdade (art. 13º/2
CRP).

Mesmo em relação aos casos de impossibilidade de pagamento contemporâneo da condenação não imputável
ao condenado, é de concluir que a suspensão da execução da prisão subsidiária contende já com a execução da
pena de multa principal em que o agente é condenado. Não tem que ver, ainda, com uma qualquer a operação
de escolha da pena, caso em à suspensão corresponderia a aplicação de uma outra pena.

Portanto:

1) Não pagamento imputável ao condenado: cumprimento da prisão subsidiária


2) Não pagamento não imputável ao condenado: suspensão da execução da prisão subsidiária. Vale para
as situações em que a impossibilidade é contemporânea à condenação e para quando é superveniente.

Uma das vantagens do sistema de dias de multa é adequar-se à situação socioeconómica do condenado!

3. Execução da pena de multa de substituição. Não pagamento e suas consequências

Determinada a pena de multa de substituição que o agente da prática do crime vai cumprir, segue-se a fase da
execução, a qual corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1ª instância em que o processo
tiver corrido (art. 470º/1 CPP).

Há diferenças que importa ter presente quando a execução seja a de uma pena de multa de substituição.

3.1. Execução da pena de multa de substituição

Por força das alterações introduzidas pelo DL 48/95, a execução da pena de multa de substituição pode ocorrer
por duas formas:

1. Por pagamento voluntário, nos termos do disposto no art. 489º CPP;

2. Ou por prestação de dias de trabalho, nos termos previstos nos arts. 48º CP e 490º CPP e no DL nº
375/97, de 24 de dezembro, por força do artigo 15º deste diploma.

111
Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

O STJ fixou jurisprudência no sentido de que “em caso de condenação em pena de multa de substituição, nos
termos do artigo 43º/1, pode o condenado, após o trânsito em julgado daquela decisão, requerer, ao abrigo do
disposto no artigo 48º, o seu cumprimento em dias de trabalho, observados os requisitos dos artigos 489º e
490º CPP (Acórdão 7/2016).

Com efeito, também o condenado em pena de multa de substituição pode requerer ao tribunal que a multa
fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho, ao abrigo do disposto no art. 48º, após o
trânsito em julgado da decisão, no prazo previsto no art. 490º/1 CPP.

É indiscutível que o regime da pena de multa principal é distinto do regime da pena de multa de substituição.

Tal diferenciação não obsta, porém, a que o condenado em pena de multa de substituição requeira depois a
sua substituição por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas
coletivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social.

E não é, certamente, um obstáculo a este requerimento a circunstância de o art. 45º não remeter para o art.
48º.

Não foi intenção do legislador reservar para a pena de multa principal a substituição por dias de trabalho.

De resto, não abonariam nesse sentido razões político-criminais.

Pelo contrário, tudo aponta antes para que se conclua, como se faz naquele Acórdão de fixação de
jurisprudência, que só o incumprimento destas penas justifica diferenciações. Não o seu cumprimento!

Além de que quer o art. 48º quer o art. 490º CPP não distinguem a pena de multa principal da pena de multa
de substituição.

O que está quase sempre subjacente à posição de quem nega a possibilidade de ser prestado trabalho em
alternativa ao pagamento do quantitativo fixado é o entendimento de que se substituiria uma pena de
substituição por outra pena de substituição.

 De facto, aplicar em vez de uma pena de substituição uma outra pena de substituição seria sempre
incongruente com as opções básicas do sistema sancionatório português, que não acolhe a
possibilidade de substituir penas de substituição depois do trânsito em julgado da sentença
condenatória.

 Mas seria também incongruente, no pressuposto de que a prestação de trabalho é uma pena de
substituição, aplicar esta pena em vez da multa principal, uma vez que aquelas opções básicas não
comportam a possibilidade de substituição de pena principal depois do trânsito em julgado da decisão
condenatória.

A afirmação de que a admissibilidade da prestação de trabalho significaria a substituição de uma pena de


substituição por outra, assenta no pressuposto errado de haver uma total equivalência entre a pena de
prestação a favor da comunidade, consagrada no art. 58º, e os dias de trabalho previstos no art. 48º.

112
Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Ora, a prestação de trabalho a favor da comunidade é, de um ponto de vista dogmático, uma pena de
substituição, ao passo que os dias de trabalho prestados constituem uma forma de execução da pena de
multa.

E tão só isso!

Sem prejuízo de o conteúdo destes dias ser inteiramente análogo ao conteúdo daquela pena, o que justifica
que seja correspondentemente aplicável o disposto no art. 58º/3/4 e no art. 59º/1, a prestação de dias de
trabalho é uma “forma de cumprimento” da multa, o que decorre expressamente da letra do art. 48º/1.

Foi este o sentido das alterações introduzidas pelo DL nº 48/95.

Em suma:

1. O condenado em pena de multa de substituição pode cumpri-la pagando o quantitativo fixado na decisão
condenatória, de forma imediata e integral numa só prestação, no prazo de quinze dias contados partir da
notificação para o efeito;

2. Pagando integralmente o quantitativo fixado na decisão condenatória, em prestações, depois de o tribunal


dar permissão para o efeito;

3. Pagando integralmente o quantitativo fixado decisão na condenatória dentro do prazo autorizado pelo
tribunal;

4. Prestando dias de trabalho, a seu requerimento, depois de o tribunal ordenar a substituição da multa por
estes.

3.2. Não pagamento da multa de substituição e suas consequências

Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntariamente tem lugar o pagamento
coercivo, por via da execução patrimonial, nos termos do disposto no art. 491º CPP.

Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente é cumprida
a pena de prisão aplicada na sentença (art. 45º/2, primeira parte), não sendo correspondentemente aplicável
o disposto no art. 49º/2.

Além de não haver remissão expressa para esta disposição, tal como existe para o nº 3 deste artigo, a solução
encontra justificação na circunstância de estar em causa uma pena de multa de substituição.

De acordo com a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ nº 12/2013, “transitado em julgado o despacho que
ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi
substituída, nos termos do artigo 43º/1/2 do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por
forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no nº 2 do
artigo 49º do Código Penal”.

Na medida em que é ordenado o cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença, já é admissível a


libertação condicional do condenado, verificados os pressupostos do art. 61º, bem como a execução da pena
em regime de permanência na habitação, nos termos do disposto no art. 43º/1/c), parte final.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

ATENÇÃO!: quando o condenado cumpre prisão subsidiária, ela não pode ser cumprida em regime de
permanência na habitação nem é admissível a libertação condicional do condenado, pois não estamos perante
uma pena mas perante uma sanção de constrangimento!

A remissão que a segunda parte do nº 2 do art. 45º faz para o nº3 do art. 49º significa que há a suspensão da
execução da pena de prisão, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não
económico ou financeiro, se se provar que a razão do não pagamento não é imputável ao condenado.

 E mais significa que se os deveres ou regras de conduta não forem cumpridos é executada a pena de
prisão
 E que sendo cumpridos é declarada extinta a pena de multa.

Depois das alterações introduzidas pelo DL nº 48/95, quer a impossibilidade de pagamento contemporânea da
condenação quer a superveniente levam à suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo
49º/3 (art. 45º/2), quando a razão não seja imputável ao condenado, em observância do princípio da
igualdade (art. 13º/2 CRP).

Mesmo em relação aos casos de impossibilidade de pagamento contemporânea da condenação, não imputável
ao condenado, é de concluir que a suspensão da execução da pena de prisão contende já com a execução da
pena de multa de substituição em que o agente é condenado.

Não tem que ver, ainda, com uma qualquer operação de escolha da pena, caso em que àquela suspensão
corresponderia a aplicação de uma outra pena.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

CAPÍTULO VI – MEDIDAS DE SEGURANÇA

1. Evolução e justificação político-criminal

Como consequência óbvia do sistema tendencialmente monista de reações criminais, a medida de segurança
de internamento de inimputável em razão de anomalia psíquica é a que mais se destaca no sistema
sancionatório, sem prejuízo da relevância que também deve merecer a suspensão da execução do
internamento e o regime de vicariato na execução.

Nota: As medidas de segurança são sanções relativamente recentes. Têm que ver com todo o labor da escola
positivista italiana.

As medidas de segurança podem ser:

1) Medidas de segurança não privativas da liberdade (a partir do art. 100º CP): estas medidas têm como
pressuposto de aplicação a perigosidade do agente e são medidas de segurança aplicáveis a
imputáveis e inimputáveis.

Não estamos com isto a pôr em causa a caracterização do sistema sancionatório como sistema
monista.

2) Medidas de segurança privativas da liberdade – internamento de inimputável por anomalia psíquica


(art. 91º CP).

Esta medida de segurança faz do sistema sancionatório português monista ou de via única.

A medida de segurança, em geral, surge:

(1) Como resposta à especial perigosidade de delinquentes imputáveis especialmente perigosos e de


delinquentes de imputabilidade diminuída, relativamente aos quais a pena é tida como insuficiente do
ponto de vista preventivo-especial;

(2) E como resposta, ainda, à especial perigosidade de delinquentes inimputáveis, em razão de anomalia
psíquica, em relação aos quais a pena é inadequada.

Portanto: as medidas de segurança pretender dar uma resposta à insuficiência ou inadequação da pena.

 Houve até posições que defenderam a substituição das penas pelas medidas de segurança em face da
insuficiência preventiva das penas.

Ultrapassada a discussão sobre a natureza jurídica da medida de segurança – (1) sanção de natureza
administrativa ou (2) sanção de natureza penal - esta sanção é hoje, a par da pena, uma outra reação criminal.

Sem prejuízo de não se poder dar como definitiva a inclusão de tal sanção no âmbito do direito penal.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Justificar-se-á sempre discutir a subsistência do direito penal de medidas de segurança, tanto mais quanto a
integração destas neste ramo do direito não deixa de ser historicamente explicável como forma de resolução
de um conflito entre Escolas – a clássica e a positivista - e por se considerar, na época, que a justiça penal
garantia, melhor os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, quando comparada com a justiça
administrativa.

NOTAS AULA TEÓRICA:

A inimputabilidade dos agentes é algo que apenas surge nos finais do séc. XVIII e em princípios do séc. XIX.

É só com o iluminismo que começamos a afirmar que o Direito Penal é um direito de homens livres e não
abrange aqueles a quem a liberdade seja retirada, em virtude de sofrerem uma anomalia psíquica.

Quando falamos do surgimento da psiquiatria associamos o surgimento da inimputabilidade também. Até ao


surgimento da inimputabilidade, os “loucos” eram condenados a penas.

A condenação a penas dos homens livres ocorre por via da afirmação dos valores da igualdade, fraternidade e
liberdade.

Nesta altura, afirma-se a pena de prisão como a melhor solução para respondermos a quem comete um crime:
vamos privar alguém da sua liberdade (o seu bem mais importante). Aplicávamos a pena de prisão a quem era
livre; quem não era livre, não podia ter a aplicação de uma pena.

Relativamente aos inimputáveis, há grandes conflitos.

 Não foi sempre comunitariamente bem aceite que um louco fosse declarado irresponsável e ponto
final.
 Isto porque inicialmente não havia resposta sancionatória para lhes dar, as medidas de segurança só
surgem depois.

O Alferes Marinho da Cruz tinha uma patologia psiquiátrica e foi absolvido. Foi uma grande confusão na altura
e uma revolta muito grande, pois ele tinha morto, em Lisboa, o seu camarada e depois veio a ser declarado
irresponsável porque tinha uma doença mental. O senhor chegou a ser submetido a um novo julgamento e aí
foi condenado a uma pena de prisão.

Portanto, as medidas de segurança surgem para responder a esta necessidade de aplicar uma sanção aos
inimputáveis.

Tínhamos duas insuficiências a que as medidas de segurança quiseram dar resposta: a imputabilidade
diminuída e os delinquentes por tendência.

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CASO DA COMARCA DE CANTANHEDE DE 1993: o senhor x foi acusado de 3 crimes de homicídio qualificado (avó,
irmão e tio) e 1 crime de ofensas corporais com dolo de perigo (mãe).

Se formos ver a decisão do tribunal de julgamento, confirmada na Relação e no STJ, o tribunal decidiu absolver o
arguido (absolveu porque não há culpa e não há crime) e aplicar-lhe a medida de internamento no hospital do Sobral
Cid de Coimbra.

A seguir, o tribunal suspendeu a medida de internamento aplicada pelo período de 5 anos sob certas condições.

O tribunal relativamente a este indivíduo não condenou em nenhuma sanção privativa da liberdade: substituiu a
medida de segurança.

Isto foi uma decisão que o populismo penal não aceitou bem. A própria família dizia que passaram a dormir em casa de
porta trancada.

Maria João Antunes concorda com a decisão deste tribunal: achou que não era necessário o internamento.

2. Pressuposto, fundamento e limite

 O pressuposto da aplicação de uma pena é a culpa do agente.


 O pressuposto de aplicação da medida de segurança é a perigosidade criminal do agente.

O que o tribunal faz é um juízo no sentido de ver se há probabilidade de aquele agente voltar a cometer crimes,
factos da mesma espécie.

Mas note-se: não podemos falar de uma mera possibilidade, porque todos podemos cometer um crime.

Há realmente de fazer um juízo de prognose: de que no futuro aquele agente volte a cometer crimes!

Isto mostra desde logo a dificuldade do conceito de perigosidade criminal, pois implica este juízo prognóstico.
Enquanto que a culpa é um juízo sobre o passado, este é um juízo para o futuro.

O pressuposto de aplicação da medida de segurança é realmente a perigosidade criminal do agente, o que


justificou, no passado, por referência ao princípio da atualidade do estado perigoso, que:

(1) Se excluísse o efeito de caso julgado da decisão sobre a imposição de uma medida de segurança;

(2) Que as medidas de segurança fossem imprescritíveis;

(3) Que não se lhes estendesse o princípio da legalidade criminal;

(4) Que fossem admissíveis medidas de segurança pré-delituais;

Antigamente, e no tempo da ditadura especialmente, havia medidas de segurança pré-delituais por


contraposição às medidas de segurança pós-delituais. Aplicavam-se medidas de segurança sempre que
houvesse razões para crer que aquela pessoa fosse cometer um crime.

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Qual é a diferença fundamental? Se a perigosidade do agente já se concretizou na prática do crime é


um juízo mais consistente.

 Isto hoje é um dado adquirido e não há medida de segurança sem previamente o agente ter
cometido um facto ilícito típico.

O que se acaba de dizer não é contrariado por aquele internamento compulsivo previsto na Lei da
Saúde Mental (faz 20 anos de aplicação em Janeiro). O internamento compulsivo não é uma medida
de segurança, é uma medida administrativa, não é uma medida penal.

Esta medida administrativa existe naquelas situações em que pessoas com anomalia psíquica grave
recusam o tratamento médico que lhes está indicado e a falta desse tratamento faz com que essas
pessoas ponham em perigo bens jurídicos de relevante valor deles próprios ou de terceiros. Esta
medida evita que as pessoas com patologias psiquiátricas cheguem ao Direito Penal.

O Direito Penal não intervém relativamente àquelas situações em que violamos bens jurídicos
próprios, mas apenas quando violamos bens jurídicos de terceiros.

 Se eu destruir o meu carro, eu não cometo nenhum crime de dano.


 Se eu me tentar suicidar eu não sou punido por tentativa de homicídio;
 Mas se um dos meus amigos me ajudem a suicidar, eu não morri, eu não sou punida, mas
esse meu amigo é punido por auxilio ao suicídio.

Havia antigamente em Portugal um crime de automutilação que ia contra isto. Isto porque
havia muitos jovens portugueses que o faziam para evitar morrer na Guerra Colonial.

(5) Que não houvesse limites fundados no princípio da proibição de excesso;

(6) E que se aceitasse a indeterminação da duração das medidas de segurança.

Recusando, embora, este regime, o pressuposto de aplicação de uma medida de segurança continua a ser a
perigosidade criminal do agente.

Surgidas, indiscutivelmente, para fazer face a exigências preventivo-especiais, é hoje discutível se as medidas
de segurança prosseguem também uma finalidade de prevenção geral positiva, designadamente a de
internamento de agente inimputável em razão de anomalia psíquica (art. 91º).

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Discussão que é particularmente pertinente no direito português, depois das alterações introduzidas pelo
Decreto-lei nº 48/95.

(1) Por um lado, o art. 40º/1 não distingue, do ponto de vista das finalidades, as penas das medidas de
segurança;

(2) Por outro, o art. 91º/2 passou a dispor que, quando o facto praticado pelo inimputável corresponder a
crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a cinco
anos, o internamento tem a duração mínima de três anos, salvo se a libertação se revelar compatível
com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

Porém, só aparentemente é que de tais preceitos resulta uma total identidade entre penas e medidas de
segurança, no que toca às finalidades das mesmas.

 O primeiro artigo contém uma norma geral sobre as finalidades das medidas de segurança, incluídas,
portanto, as aplicáveis a delinquentes imputáveis (art. 20º/2, 100º, 101º e 102º), relativamente aos
quais ainda é defensável que tais medidas prossigam também, de forma autónoma, a finalidade de
tutela de bens jurídicos;

 O segundo artigo prevê uma norma cuja aplicação se deve restringir aos casos em que há declaração
de inimputabilidade nos termos do disposto no art. 20º/2/3, casos em que a medida de segurança
participa de forma autónoma na proteção de bens jurídicos, já que é aplicada a delinquentes
imputáveis, ainda que de imputabilidade diminuída. E em relação aos quais se justifica que a execução
da medida de segurança privativa da liberdade vise as mesmas finalidades que a da pena privativa da
liberdade (art. 2º/1 CE).

O fundamento da aplicação da pena é preventivo: cumprem finalidades preventivas de acordo com o que
está no art. 40º CP.

Do art. 40º/1 CP chegamos à conclusão que o legislador não distingue entre penas e medidas de segurança.

(!) MARIA JOÃO ANTUNES pode aceitar que se diga que também as medidas de segurança seguem finalidades
preventivas, mas crê, porém, que não ser assim quando a medida de segurança for a medida de segurança
privativa da liberdade (!)

O art. 40º/1 CP aponta para as medidas de segurança as mesmas finalidades preventivas que aponta para a
pena.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

LIMITES DA MEDIDA DE SEGURANÇA:

O limite da pena é a culpa – art. 40º/2

A aplicação das medidas de segurança está subordinada ao princípio jurídico-constitucional da proibição de


excesso, ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo (art. 40º/3) que vale em matéria de restrições
de direitos fundamentais, o qual desempenha papel e função análogos aos que são desempenhados pelo
princípio da culpa em matéria de penas.

A restrição do direito à liberdade que a aplicação de uma medida de segurança envolve deve ser (1) adequada, 3 Vertentes
do princípio
(2) necessária e (3) proporcionada.

Dispõe, expressamente, o art. 40º/3 que a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à
gravidade do facto e à perigosidade do agente.

Por exemplo: se um débil mental andar na rua e por força disso insultar alguém, temos um crime de injúria,
alguém que vai ser declarado inimputável e vai ser desproporcionada a medida de segurança de internamento.

3. Princípios gerais do direito das medidas de segurança

Para além do princípio da proporcionalidade, no direito penal português estão consagrados outros, reveladores
de todo um percurso de aproximação das medidas de segurança às penas, com a intenção de fazer valer no
âmbito das primeiras os princípios e as garantias do Estado de direito, próprios do direito das penas.

Aproximação que, em face do conteúdo assumindo por tais princípios, por via do relevo dado ao facto
praticado pelo agente, chega mesmo a descaracterizar, em boa parte, as medidas de segurança.

Referimo-nos aos princípios:

1. Da legalidade e da aplicação da lei penal mais favorável (art. 29º CRP e 1º e 2º CP);
2. Do ilícito-típico (art. 29º CRP e 91º/1 CP);
3. Da proporcionalidade, já mencionado (art. 18º/2 CRP e art. 40º/3, art. 91º/1, art. 93º, art. 94º e art. 98º);
4. Da prescritibilidade das medidas de segurança (art. 124º);
5. E da proibição de medidas de segurança com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida (art.
30º/1 CRP e 92º/2).

4. Medida de segurança de internamento

O art. 91º/1 dispõe que quem tiver praticado um facto ilícito e for considerado inimputável, nos termos do art.
20º, é mandado internar pelo tribunal estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por
virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado houver fundado receio de que venha a cometer
outros factos da mesma espécie.

Estes pressupostos traçam a distinção entre esta sanção penal privada da liberdade e o internamento
compulsivo de portadores de anomalia psíquica (art. 27º/3/b) CRP e Lei nº 36/98).

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Esta privação da liberdade, que não se integra nas fronteiras do direito penal, tem lugar segundo um modelo
misto de decisão médica e decisão judicial:

(1) Quando o portador de anomalia psíquica grave crie, por força dela, uma situação de perigo para bens
jurídicos, relevante valor próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e recuse submeter-
se ao necessário tratamento médico;

(2) Ou quando a ausência de tratamento deteriore de forma acentuada o estado do portador de anomalia
psíquica grave que não possua o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do
consentimento (art. 7º/a), 8º, 12º, 25º e 33º daquela Lei).

4.1. Pressupostos

Em face do teor do art. 91º/1, os pressupostos da medida de segurança privativa da liberdade aí prevista são
os seguintes:

(1) A prática de um “facto ilícito típico”

Por um lado, concluímos que não há no nosso sistema medidas de segurança pré-delituais.

Por outro lado, vamos imaginar a seguinte hipótese:

 Alguém com esquizofrenia que tem um delírio de perseguição: acha que o vizinho o anda perseguir, ouviu
umas vozes que lhe disseram que o vizinho o ia matar e por isso vai matar o vizinho (isto tudo por via da
sua anomalia psíquica);
 Quando está a sair de casa há um assalto à mão armada e, então, para se defender dos assaltantes, dispara
a arma que tinha no bolso para matar o vizinho – temos uma situação de legitima defesa;

Temos um facto típico mas não é ilícito.

A sua anomalia psíquica não condicionou todo o comportamento do agente e por isso temos que o tratar como
qualquer outra pessoa. Neste caso, não teríamos aqui uma declaração de inimputabilidade.

A pessoa não é inimputável ab initio: a questão da inimputabilidade só se coloca depois de passarmos os


outros degraus da doutrina geral do crime.

Vimos que o art. 20º do CP supõe sempre uma ligação entre a anomalia psíquica e o facto concreto realizado. A
inimputabilidade não é um estado. A pessoa pode ser inimputável para uns atos e para outros não. Considerar
que a inimputabilidade é um estado era só no início da psiquiatria.

Portanto, não é porque temos um esquizofrénico descompensado que o tribunal o vai tratar desde o início
como tal. Temos que ver no final se foi a anomalia psíquica que condicionou o crime cometido pelo agente.

(2) A declaração de inimputabilidade, nos termos do art. 20º;

(3) E o juízo de prognose desfavorável quanto à perigosidade criminal do agente, no sentido de que, por
virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, há “fundado receio de que venha a
cometer outros factos da mesma espécie”.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

É ainda necessário observar o princípio da proporcionalidade, na medida em há que ponderar a gravidade do


facto ilícito típico e porque a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do
facto e à perigosidade do agente (art. 40º/3).

4.2. Finalidade

Pressuposto irrenunciável da perigosidade criminal do agente, que de tem persistir no momento da


condenação e durante a execução da sanção, liga-se a finalidade preventivo-especial da medida de segurança
de internamento, sem prejuízo de esta sanção participar também, ainda que de forma não autónoma, na
função de proteção de bens jurídicos.

 Assim se explicando que não seja imposta qualquer medida de segurança ao agente inimputável
relativamente ao qual, no momento da condenação, não possa ser afirmado o fundado receio de que
venha a cometer outros factos da mesma espécie.

 Ainda que se trate de crime contra as pessoas ou de crime de perigo comum, puníveis com pena de
prisão superior a cinco anos.

Não há, verdadeiramente, a violação de uma norma, não havendo, consequentemente, a necessidade de
reafirmar a validade da mesma, quando o facto ilícito típico é praticado por quem é depois considerado
inimputável por anomalia psíquica, com fundamento no art. 20º/1.

O que já não acontece com os que são declarados inimputáveis sendo embora delinquentes de imputabilidade
diminuída (art. 20º/2).

 Relativamente a estes delinquentes já pode concluir-se pela violação de uma norma, cuja validade importa
reafirmar, aplicando-se-lhes o art. 91º/2, nos termos do qual o internamento poderá ter a duração mínima
de três anos, salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social.

 Caso em que o internamento do agente declarado inimputável por anomalia psíquica, porque é declarado
nos termos do art. 20º/2/3, prossegue também, de forma autónoma, a finalidade de proteção de bens
jurídicos, a par da finalidade preventivo-especial, uma vez que a aplicação do art. 91º/2 pressupõe a
subsistência da perigosidade criminal no momento da condenação.

Até 1995, o Código Penal previa que, nestes casos, a medida de segurança durava 3 anos e ponto final. A
comissão revisora de 1995, presidida por Figueiredo Dias, dizia que a privação da liberdade anterior era
descontada nos 3 anos. Mas isso não chegou a ir para a frente.

No entanto, nós entendemos que se deve fazer aqui o desconto por analogia. MARIA JOÃO ANTUNES sempre
foi contra os 3 anos.

Este art. 91º/2 CP inculca a ideia de que esta medida de segurança também prossegue de forma autónoma
exigências de prevenção geral positiva e isto tem a ver com os limites da medida de segurança de
internamento.

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Maria Madalena Cavaleiro

4.3. Duração

Diferentemente do que se sucede com as penas, as medidas de segurança não são previamente determinadas
pelo juiz. O internamento cessa quando cessar a perigosidade criminal.

Qual o limite máximo?

As alterações introduzidas pelo DL nº 48/95 levaram à consagração da regra segundo a qual o internamento
não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo inimputável (art.
92º/2 CP, 501º/1 CPP; Acórdão do STJ de 28-05-2008, Proc. 1402/08 e, ainda, Acórdão Do STJ de 16-10-2013,
Proc. 300/10, onde se defende que o internamento não excederá o limite máximo da pena correspondente ao
crime mais grave, em caso de concurso de crimes).

 O que significa que só há um limite máximo de duração. Quando alguém ´condenado nesta medida de
segurança, não sabe concretamente a sua duração, porque a medida cessará logo que cesse a sua
perigosidade criminal.

Por outro lado e sem distinguir os casos de primeiro internamento dos outros, estabeleceu-se que se o facto
praticado pelo inimputável corresponder a crime punível com pena superior a oito anos e o perigo de novos
factos da mesma espécie for de tal modo grave que desaconselhe a libertação, o internamento pode ser
prorrogado por períodos sucessivos de dois anos até se verificar a situação de cessação do estado de
perigosidade (art. 30º/2 CRP, 92º/3 CP e 162º CE).

(!) Não basta, pois, que haja o fundado receio de que o internado venha a cometer outros factos da mesma
espécie (art. 91º/1), exigindo-se antes que o perigo de novos factos da mesma espécie seja de tal modo grave
que desaconselhe a libertação.

E em relação ao limite mínimo?

Do art. 91º/2 CP resulta que há casos em que o internamento tem um limite mínimo de duração de três anos,
devendo este limite constar da decisão que decreta o internamento (art. 501º/1 CPP).

 Esta previsão excecional abrange apenas os crimes (1) contra as pessoas e (2) de perigo comum (3)
puníveis com pena de prisão superior a cinco anos.

O tribunal não pode fixar um período mínimo superior (Acórdão do STJ de 10-10-2002, Proc. 2789/02), nem
tão pouco um qualquer outro limite mínimo dos casos previstos nesta disposição legal.

Se não se tratar de crime contra as pessoas ou de crime de perigo comum, puníveis com pena de prisão
superior a cinco anos, não há o estabelecimento de qualquer limite mínimo de duração.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Porquê este limite mínimo de 3 anos para estes casos?

As medidas de segurança de internamento também cumprem exigências preventivo-gerais de forma


autónoma?

Relativamente àquele caso de Cantanhede, o tribunal deveria ter decretado o internamento de pelo menos 3
anos. Esta decisão foi juridicamente polémica porque os tribunais desrespeitaram a exigência legal do
internamento de 3 anos.

Deveria ter sido internado pelo menos 3 anos para prosseguir finalidades preventivo-gerais?

 MARIA JOÃO ANTUNES acha que não: acha que a finalidade única que se prossegue de forma autónoma é
uma finalidade preventivo-especial.

 Discorda, por isso, de FIGUEIREDO DIAS, que acha que prosseguem de forma autónoma a prevenção geral.

Para MARIA JOÃO ANTUNES há aqui duas coisas decisivas: nos termos da lei, só se manda internar estes
inimputáveis se eles forem perigosos no momento do julgamento.

Imaginemos que quando é decretada a prisão preventiva, o agente vai para um estabelecimento adequado e é
tratado da sua anomalia psíquica e então, no momento em que está a decidir se é ou não perigoso, conclui que
já não é perigoso: é absolvido e não se aplica a medida de segurança.

MARIA JOÃO ANTUNES segue o entendimento de ROXIN: quando alguém é internado por anomalia psíquica
podemos concluir que não houve violação de qualquer norma e por isso não precisamos que a medida de
segurança se aplique para que se reafirme a validade da norma que foi violada pela prática do crime. A
comunidade não sente a violação da norma, verdadeiramente como tal. Por isso é que Maria João Antunes
acha bem que no caso de Cantanhede os tribunais tenham esquecido o que dizia a lei.

 A duração do internamento já poderá ficar aquém dos três anos se, cessado o estado de perigosidade, a
libertação se revelar compatível com a defesa ordem jurídica e da paz social, o que afasta,
inquestionavelmente, qualquer entendimento no sentido de se ter estabelecido aqui uma presunção legal de
duração da perigosidade, que a redação primitiva da norma comportava.

Por outro lado, dada a finalidade preventivo-especial da medida de segurança de internamento aplicada a
agente inimputável em razão de anomalia psíquica, assim declarado nos termos do art. 20º/1, o art. 91º/2 é
aplicável somente quando o agente tenha sido declarado inimputável nos termos do art. 20º/2/3, por nesta
hipótese de inimputabilidade jurídica se fazerem sentir de forma autónoma as exigências de prevenção geral
positiva.

 Nesta hipótese, deve ser descontada no período mínimo de duração a medida processual (detenção,
prisão preventiva ou internamento preventivo e obrigação de permanência na habitação) que o
internado tenha sofrido anteriormente.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

POSIÇÃO DE MARIA JOÃO ANTUNES

Uma coisa é aquilo que nós pensamos, outra coisa é o que a lei diz.

Maria João Antunes defende que este artigo só se aplica quando estivermos perante um inimputável assim
declarado nos termos do art. 20º/2 CP.

O direito português não optou por uma solução dualista. Em alguns países são tratados através da aplicação de
uma pena e de uma medida de segurança.

O agente, por força da sua anomalia psíquica não está privado da sua capacidade, mas a sua capacidade está
diminuída.

 Nessa situação, o tribunal faz um juízo alternativo.

O tribunal (1) pode entender que o agente é imputável e aplica-lhe uma pena; (2) ou pode entender que apesar
de ser um agente de imputabilidade diminuída, lhe aplica uma medida de segurança declarando-o inimputável.

 Estou a declarar inimputável quem é imputável – há aqui uma ficção.

Os nossos tribunais ignoram desde 1983 este art. 20º/2 CP.

Maria João Antunes entende que só quando há declaração imputabilidade com fundamento neste artigo é que
se aplica o artigo 91º/2 CP – só aí faz sentido o internamento de 3 anos porque tenho um agente imputável e
há expectativas comunitárias a satisfazer porque houve para a comunidade a violação de uma norma cuja
validade é preciso reafirmar.

Fora esta situação, a medida de segurança só tem o limite máximo de duração. A medida de segurança não
tem sempre um limite mínimo: só nos casos do artigo 91º/2 CP.

Alguém escreveu numa parede o Salazar é um filho da puta e esteve 40 anos internado.

Com a eliminação dos institutos da libertação a título de ensaio e da liberdade experimental (art. 94º e 95º da
versão primitiva do CP) e a previsão do instituto da liberdade para prova (art. 94º e 95º) passou a poder
afirmar-se que, salvaguardados os casos aos quais é aplicável o art. 91º/2, o internamento finda quando o
tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem (art. 92º/1).

Por via do instituto da revisão da situação do internado, esta causa justificativa da cessação do internamento
pode ser apreciada a todo o tempo, se for invocada, sendo obrigatoriamente revista a situação do internado,
independentemente de requerimento, decorridos dois anos sobre o início do internamento ou sobre a decisão
que o tiver mantido (art. 93º/1/2 CP e 158º e 159º CE).

O internamento findará, ainda, pelo decurso do tempo, atingida que seja a duração máxima do internamento
(art. 479º CPP, por remissão do artigo 506º CPP), salvaguardados os casos previstos no art. 92º/3 CP.

 Esta disposição, ainda que esteja de acordo com o se dispõe no art. 30º/2 CRP, é questionável, por
permitir, na prática, que o internamento possa ser perpétuo…

 Para MARIA JOÃO ANTUNES isto só tem um nome: “paternalismo”

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Poderá ser, no entanto, apenas mais um caso de desfasamento entre o que é hoje a intervenção médico-
psiquiátrica e a normação de natureza penal.

A necessidade de tratamento é que deveria ser pressuposto das medidas de segurança, e não a perigosidade
criminal, na opinião de MARIA JOÃO ANTUNES .

E tirava as medidas de segurança de inimputáveis do Código penal: deve sair da alçada da justiça e ir para a
alçada da saúde e da segurança social.

4.4. Execução da medida de segurança de internamento (reexame, revisão e liberdade para prova)

A decisão judicial que sujeita o agente inimputável a medida de segurança de internamento vale como decisão
penal condenatória para os efeitos previstos no art. 376º/3 CPP, não obstante a decisão ser absolutória.

O CPP e o CE dedicam, especificamente, várias disposições à execução da medida de segurança de


internamento – art. 469º, 475º, 501º, 502º, 504º e 506º CPP e 126º e ss. e 156º e ss. CE -, correndo a mesma
perante o tribunal de execução das penas (art. 470º/1 e 502º/1 CPP, 138º/4/c)/m)/s) CE e art. 114º/3/c)/l)/r)
LOSJ).

O art. 96º (reexame da medida de internamento) dispõe que não pode iniciar-se a execução da medida de
segurança de internamento, decorridos dois anos ou mais sobre a decisão que a tiver decretado, sem que seja
apreciada a subsistência dos pressupostos que fundamentaram a sua aplicação (art. 504º CPP), o que encontra
justificação, óbvia, no pressuposto da perigosidade criminal.

 Se eu hoje condenar alguém numa medida de segurança e só começar a cumprir a medida de segurança
daqui a 5 anos, há que reexaminar para ver se o agente continua perigoso.

Em 1995, além de se ter encurtado o período de tempo (de três para dois anos), eliminou-se, e bem, a ressalva
que constava da versão primitiva do art. 102º/1 CP – salvo se o delinquente esteve sujeito durante esse tempo
a outra medida privativa de liberdade.

Na sequência do reexame, o tribunal poderá confirmar a medida decretada, se se mantiver o estado de


perigosidade e não for caso de suspensão da execução do internamento, suspender a execução da medida
decretada, se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcança a finalidade da medida (art. 98º),
ou revogar a medida decretada se, entretanto, tiver cessado o estado de perigosidade criminal que lhe deu
origem (art. 92º/1).

Ao lado do instituto do reexame não pode deixar de ser considerada a hipótese de prescrição da medida de
segurança, prevista no art. 124º/1 CP, na sequência das alterações introduzidas pelo DL nº 48/95.

Por seu turno, o art. 93º do CP (revisão da situação do internado) estabelece que se for invocada a existência
de causa justificativa da cessação do internamento, o tribunal aprecia a questão a todo o tempo, tendo lugar
uma apreciação obrigatória, decorridos dois anos sobre o início do internamento ou da decisão que o tiver
mantido, ressalvado sempre o prazo mínimo fixado no art. 91º/2 (cf., ainda, arts. 94º/1 CP e 158º e 159º CE).

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Ou seja, periodicamente, de 2 em 2 anos, tem de ser revista a situação do internado: há que verificar se o
condenado ainda é perigoso. Se não se mantiver perigoso, nos termos deste artigo, a medida de segurança
cessa.

 Este instituto encontra justificação na característica que é conatural a qualquer medida de segurança –
finda logo que cesse o pressuposto que a justifica (a perigosidade criminal), não tendo qualquer duração
predeterminada;

 E no princípio da proporcionalidade, na medida em que não consente privações da liberdade que se


tornaram excessivas perante alterações do estado de perigosidade do internado.

Há aqui três hipóteses:

(1) Tribunal acha que é de manter o internamento;


(2) Cessa a medida de segurança, porque cessa a perigosidade criminal do agente;
(3) Conclui que a perigosidade criminal ainda se mantém, mas as finalidades da medida de segurança
podem ser prosseguidas aplicando o instituto do art. 94º CP: a liberdade para prova.

Isto é algo equivalente à liberdade condicional no âmbito das penas. A liberdade para prova supõe
que o agente ainda seja criminalmente perigoso, mas o tribunal de execução de penas entende
que é suficiente o tratamento em meio aberto.

Para as situações em que há alterações do estado de perigosidade do internado, durante a execução da


sanção, vale precisamente o instituto da liberdade para prova, um verdadeiro incidente da execução da
medida de segurança de internamento.

Se da revisão da situação do internado resultar que há razões para esperar que a finalidade da medida de
segurança possa ser alcançada em meio aberto, o internado é aí colocado pelo tribunal.

Pressuposto material da colocação em liberdade para prova é, por conseguinte, a subsistência do estado de
perigosidade criminal que deu origem à medida de segurança, podendo, no entanto, a finalidade preventivo-
especial da sanção ser alcançada em meio aberto.

 Desta forma dá-se concretização ao princípio da proporcionalidade, com ganhos evidentes para o
processo de reintegrarão do agente na sociedade.

Segundo o estabelecido no art. 94º/2, o período de liberdade para prova é fixado entre um mínimo de dois
anos e um máximo de cinco, não podendo ultrapassar, todavia, o tempo que faltar para o limite máximo de
duração do internamento.

Como se trata de um incidente de execução da medida de segurança de internamento, a liberdade para prova
poderá cessar a todo o tempo se o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal, por
aplicação do disposto nos arts. 92º/1 e 93º/1/2.

Por remissão do art. 94º/3 para o art. 98º, a decisão de colocar o internado em liberdade para prova impõe ao
agente regras de conduta necessárias à prevenção da perigosidade, bem como o dever de se submeter a
tratamentos e regimes de cura ambulatórios apropriados e de se prestar a exames e observações nos lugares
que lhe forem indicados, sendo colocado sob vigilância tutelar dos serviços de reinserção social.

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

De acordo com o consagrado no art. 94º/4, a medida de internamento é declarada extinta, se não houver
motivos que conduzam à revogação da liberdade para prova, findo o tempo de duração desta.

Mais salvaguardando que se, findo o período de liberdade para prova, se encontrar pendente processo ou
incidente que possa conduzir à revogação, a medida é declarada extinta quando o processo ou o incidente
findarem e não houver lugar à revogação.

O artigo 95º prevê duas causas de revogação da liberdade para prova:

1. O comportamento do agente revela que o internamento é indispensável (nº 1/a));


2. O agente foi condenado em pena privativa da liberdade e não se verificam os pressupostos da
suspensão da execução da pena de prisão (nº 1/b)).

A consequência da revogação é o reinternamento do agente, sendo correspondentemente aplicável o disposto


no art. 92º, segundo o estabelecido no art. 95º/2.

Tratando-se de um incidente da execução da medida de segurança de internamento, deverá contar,


nomeadamente para o prazo previsto no artigo 92º/2, o tempo que o agente esteve em liberdade para prova.

4.5. Internamento de inimputável pela prática de crime de incêndio florestal

Segundo o art. 274º-A/2, aditado pela Lei nº 94/2017 quando o crime cometido pelo agente inimputável seja
um qualquer dos crimes previstos no artigo 274º (Incêndio florestal) a medida de segurança prevista no art.
91º pode ser aplicada sob a forma de internamento coincidente com os meses de maior risco de ocorrência de
fogos.

Esta possibilidade é claramente significativa da finalidade preventivo-especial da medida de segurança de


internamento.

Na redação anteriormente vigente deste art. 274º já se previa, nº9, uma solução diferenciada para o crime de
incêndio florestal.

Estatuía-se que quando qualquer dos crimes aí previstos fosse cometido por inimputável era aplicável a medida
de segurança prevista no art. 91º, sob a forma de internamento intermitente e coincidente com os meses de
maior risco de ocorrência de fogos.

A formulação atual – a medida de segurança de internamento pode ser aplicada sob a forma de internamento
coincidente com os meses de maior risco de ocorrência de fogos em vez de é aplicável a medida de segurança
de internamento sob a forma de internamento intermitente e coincidente com os meses de maior risco de
ocorrência de fogos – torna claro que a aplicação da medida de segurança de internamento sob a forma de
internamento coincidente com os meses de maior risco de ocorrência de fogos é apenas uma possibilidade.
Caberá ao tribunal decide se assim é ou segue o regime geral da medida de segurança de internamento
(privação da liberdade ao longo de todos os meses do ano).

Nas palavras da Exposição de motivos da Proposta de Lei nº 90/XIII, “continua a prever-se a medida de
segurança de internamento de inimputável por período coincidente com os meses de maior risco de ocorrência
de fogos, mas agora sob a forma de alternativa à medida de segurança prevista no artigo 91º do Código
Penal”.

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Maria Madalena Cavaleiro

Desta forma, obvia-se à crítica de que a sanção então aplicável era sempre sob a forma de internamento
intermitente e coincidente com os meses de maior risco de ocorrência de fogos, havendo uma desvalorização
consequente da finalidade de tratamento do inimputável.

Sobrevalorizava-se a finalidade de segurança, em detrimento do tratamento, já que este acabava por não ser
levado a cabo ou prosseguido em virtude da intermitência do internamento.

No regime sancionatório introduzido em matéria de crime de incêndio florestal prevê-se, de forma inovadora,
que a liberdade para prova possa ser subordinada à obrigação de permanência na habitação, com fiscalização
por meios técnicos de controlo à distância, no período coincidente com os meses de maior risco de ocorrência
de fogos (art. 274º-A/3 CP, e nº 1/f), e, concretamente, 28º-B Lei nº 33/2010).

4.6. Vicariato na execução

As alterações de 1995 vieram colmatar a lacuna existente em matéria de execução de pena e de medida de
segurança privativas da liberdade, aplicadas ao agente pela prática de factos distintos, através da adoção de
um princípio de vicariato na execução – art. 99º CP, 169º ss. CE e DL nº 375/97.

Por factos diferentes a pessoa pode ser condenada numa pena de prisão e numa medida de segurança de
internamento. Como é que isto se executa?

 A medida de segurança de internamento é executada antes da pena prisão a que o agente tiver sido
condenado (nº 1, 1ª parte);
 A duração da medida de segurança é descontada na duração da pena de prisão (nº 1, parte final);
 O agente é colocado em liberdade condicional se, efetuado o desconto, se encontrar cumprido o
tempo correspondente a metade a metade da pena e a libertação se revelar compatível com a defesa
da ordem jurídica e da paz social (nº 2).

Porque é assim? porque se o puséssemos na prisão, corríamos o risco de todo o tratamento “ir por água
abaixo”.

Prevê-se, ainda, sempre em nome do êxito do tratamento alcançado durante a execução da medida de
segurança, que se a medida de segurança dever cessar, mas não tiver ainda decorrido o tempo correspondente
a metade da pena, o tribunal pode, a requerimento do condenado, substituir o tempo de prisão que faltar para
metade da pena, até ao máximo de um ano, por prestação de trabalho a favor da comunidade, se tal se revelar
compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (nº 3).

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

A propósito da liberdade condicional, bem vistas as coisas, na execução, o nosso direito dá prevalência à
prevenção especial.

O art. 99º CP é mais um exemplo acabado disto.

Este artigo diz que se eu tiver uma pena e uma medida de segurança, porque se privilegia o tratamento,
devemos começar pela medida de segurança e o tempo de execução da medida de segurança conta como
tempo de cumprimento da pena (não se somam as duas).

Facilita-se, assim, a concessão da liberdade condicional: finda a medida de segurança, considerando o


tempo da medida de segurança como tempo de pena, se eu ainda não estiver a metade da pena, posso ser
posta em liberdade condicional antes da metade da pena ou dos 2/3, consoante os casos.

Perdeu-se aqui a prevenção geral e ganhou-se um homem, diz Maria João Antunes.

Este vicariato existe para privilegiar o êxito do tratamento em nome de uma finalidade preventivo-especial.
É este vicariato que os alemães têm para a solução dualista.

5. Suspensão da execução do internamento

De acordo com o art. 98º/1, o tribunal que ordenar o internamento determina, em vez dele, a suspensão da
sua execução se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida.

No entanto, não pode ser decretada se o agente for simultaneamente condenado em pena privativa da
liberdade e não se verificarem os pressupostos da suspensão da execução desta (art. 98º/5).

Excecionalmente, quando seja aplicado o art. 91º/2, exige-se também que a medida de segurança não
privativa da liberdade seja compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (art. 98º/2).

A previsão desta medida de segurança não privativa da liberdade, da competência do juiz de julgamento, dá
expressão ao princípio da proporcionalidade, com ganhos evidentes para o processo de reintegração do agente
na sociedade.

A decisão de suspensão impõe ao agente regras de conduta, em termos correspondentes aos referidos no art.
52º, necessárias à prevenção da perigosidade, bem como o dever de se submeter a tratamentos e regimes de
cura ambulatórios apropriados e de se prestar a exames e observações nos lugares que lhe forem indicados,
sendo colocado sob vigilância tutelar dos serviços de reinserção social (art. 98º/3/4).

A suspensão da execução do internamento tem, em regra, a duração máxima correspondente à da medida de


segurança de internamento, devendo findar quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade
criminal que lhe deu origem, no quadro de revisão periódica da situação do agente (art. 92º e 93º/1/2, por
remissão do artigo 98º/6/a)).

A suspensão da execução do internamento é revogada se o comportamento do agente revelar que o


internamento é indispensável ou se agente for condenado em pena privativa da liberdade e não se verifiquem
os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, com a consequência de ter, então, lugar o
internamento do agente (art. 95º, por do art. 98º/6/b)).

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No regime sancionatório introduzido em matéria de crime de incêndio florestal prevê-se, de forma inovadora,
que a suspensão da execução do internamento possa ser subordinada à obrigação de permanência na
habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, no período coincidente com os meses
de maior risco de ocorrência de fogos (art. 274º-A/3 CP e 1º/1/f), e, concretamente, art. 28º-B Lei nº
33/2010).

6. Considerações Finais

A medida de segurança de internamento de inimputável por anomalia psíquica interroga-nos sobre a


necessidade de repensar as disposições legais que a conformam, ao ponto de questionar se faz sentido manter
a intervenção penal nesta érea.

A queda das certezas da psiquiatria biológica e positivista enredou os juristas em dificuldades, praticamente
inultrapassáveis, no que diz respeito ao pressuposto desta medida de segurança – a perigosidade criminal do
agente.

Às certezas da psiquiatria biológica e positivista passada, numa associação linear entre anomalia psíquica e
crime – certezas que facilitaram a reintegração do agente portador de anomalia psíquica nas fronteiras do
direito penal, por via da imposição da medida de segurança de internamento –, contrapõe-se hoje uma
resposta médico-psiquiátrica centrada na necessidade (ou não) de tratamento do agente declarado
inimputável razão de anomalia psíquica.

Ao que acresce que a intervenção médico-psiquiátrica atual – psicofarmacológica, psicoterapêutica e


psicossocial – permite, cada vez mais, internamentos menos prolongados e modalidades de tratamento que
não passam pelo internamento.

Além de nos devermos interrogar sobre a subsistência do pressuposto da perigosidade criminal e,


concretamente, sobre a sua substituição pelo pressuposto da necessidade de tratamento, é inevitável
questionarmo-nos sobre os limites legalmente estabelecidos quanto à duração da medida de segurança de
internamento.

Sobre o sentido dos limites legalmente estabelecidos, quanto à duração desta sanção (art. 92º/2/3 CP e 30º/2
CRP), perante a duração média dos internamentos psiquiátricos e em face de uma intervenção que já não é
enquadrável no modelo do paternalismo médico.

É certo que a estatística relativa à duração média da medida de segurança de internamento de inimputável
contraria a necessidade de nos questionarmos, mas tal resultará, certamente, de privações da liberdade que
subsistirão à margem do pressuposto da perigosidade criminal.

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Maria Madalena Cavaleiro

CAPÍTULO VII – PENA RELATIVAMENTE INDETERMINADA

1. Justificação político-criminal e natureza mista da sanção

A pena relativamente indeterminada, prevista nos arts. 83º a 90º, pretende ser uma resposta à delinquência
especialmente perigosa – à delinquência por tendência e à delinquência ligada ao abuso de álcool e de
estupefacientes - jogando-se aqui a caracterização do sistema de reações criminais. Quando EDUARDO CORREIA
pensou a pena relativamente indeterminada, só havia alcoólicos.

Encontra justificação político-criminal numa acentuada inclinação para o crime por parte do agente, sem que
se confunda com a pena aplicada ao agente reincidente, apesar dos pontos de coincidência (art. 76º/2), uma
vez que na pena relativamente indeterminada releva de forma imediata o pressuposto da perigosidade
criminal.

Porque se chama de pena relativamente indeterminada? Porque, tal como o próprio nome sugere, o agente
da prática do crime é condenado numa pena em relação à qual conhece apenas o mínimo e o máximo de
duração, o que já levou a pedidos de apreciação da conformidade constitucional das normas que preveem a
pena relativamente indeterminada, em face do disposto no art. 30º/1 CRP:

Logo no Acórdão 43/86, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucionais as normas contidas nos
arts. 83º e 84º do Código Penal, reiterando este juízo no Acórdão 549/94, quanto à «norma constante do
artigo 88º do Código Penal de 1982, enquanto torna aplicável, com as devidas adaptações, aos delinquentes
que abusem de estupefacientes o disposto para os alcoólicos no artigo 86º do mesmo Código, isto é, a punição
com pena relativamente indeterminada (com um mínimo correspondente a metade da pena de prisão que
concretamente caberia ao crime cometido e um máximo correspondente a esta pena, acrescida de quatro anos)
do delinquente que abuse de estupefacientes e, relacionado com este abuso, pratique um crime a que devesse
aplicar-se concretamente prisão».

A Lei nº 94/2017 introduziu um regime sancionatório específico para os agentes da prática do crime de
incêndio florestai, previsto no artigo 274º, aditando um novo artigo – o artigo 274º-A.

 Segundo a Exposição de motivos da Proposta de Lei nº 90/XIII, “as alterações têm em vista uma resposta
sancionatória de natureza penal que seja simultaneamente mais adequada à tutela dos bens jurídicos
protegidos pela incriminação e à reintegração do condenado na sociedade”.

 Uma das inovações consiste em punir com pena relativamente indeterminada agentes da prática de crime
de incêndio florestal (art. 274º-A/4).

 Alargou-se o âmbito de aplicação da pena relativamente indeterminada à delinquência especialmente


perigosa ligada à prática deste crime.

 Lê naquela Exposição de motivos que “em relação a certos agentes imputáveis com acentuada inclinação
para a prática de crime de incêndio florestal, a pena aplicada tem vindo a revelar-se insuficiente do ponto
de vista preventivo. Propõe-se, por isso, que lhes possa ser aplicada a pena relativamente indeterminada,
sanção orientada, na sua execução, no sentido de eliminar essa acentuada inclinação, atendendo não
apenas à culpa, mas também à perigosidade criminal do agente. Com a vantagem de se manter intocada a
opção politico-criminal por um sistema tendencialmente monista” (art. 2º/m), 12º e 13º/c), e fundamentos
das prioridades e orientações da política criminal, da Lei nº 96/2017).

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Com as alterações introduzidas pelo DL nº 48/95, é de concluir, por força do consagrado no artigo 90º, que a
pena relativamente indeterminada é uma sanção de natureza mista:

(1) É executada como pena até ao momento em que se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia
ao crime;
(2) É executada como medida de segurança a partir deste momento e até ao seu limite máximo.

Portanto, a pena relativamente indeterminada é executada, em parte, como uma pena, e noutra parte, como
uma medida de segurança!

E são pressupostos da sua aplicação quer a (1) culpa quer (2) a perigosidade criminal do agente.

Além da culpa, é pressuposto autónomo da aplicação da pena relativamente indeterminada que a avaliação
conjunta dos factos e da personalidade do agente revele uma acentuada inclinação para o crime ou para
determinado tipo de crime, que no momento da condenação ainda persista (art. 83º/1, 84º/1 e 274º-A/4), ou
que os crimes tenham sido praticados em estado de embriaguez ou estejam relacionados com o alcoolismo ou
com a tendência do agente (art. 86º/1).

Notas:

a) Não há condenações em PRI. O que é que os futuros vão dizer de nós? Que éramos um país de brandos
costumes. Em Portugal não há delinquentes por tendência, não há delinquentes alcoólicos nem
toxicodependentes: é isto o que dizem as estatísticas. Há meia dúzia de casos de pena relativamente
indeterminada desde que o CP está em vigor.

b) Para reforçar: desde Novembro do ano passou, passou a poder ser aplicada a PRI a quem seja condenado
pela prática de um crime por incêndio florestal.

2. Delinquentes por tendência - pressupostos e limites de duração

Relativamente à delinquência especialmente perigosa por tendência, o legislador distingue a “delinquência por
tendência grave” (art. 83º) da “delinquência por tendência menos grave” (art. 84º).

2.1. Pressupostos

No âmbito da denominada “delinquência por tendência grave” são pressupostos de aplicação de uma pena
relativamente indeterminada, segundo o artigo 83º/1,

(1) Que o agente pratique um crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão efetiva por mais de
dois anos;
(2) Tendo cometido anteriormente dois ou mais crimes dolosos;
(3) A cada um dos quais tenha sido ou seja aplicada prisão efetiva também por mais de dois anos;
(4) Sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revele uma
acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista.

Sendo tomados em conta os factos julgados em país estrangeiro que tiverem conduzido à aplicação de uma
pena de prisão efetiva por mais de dois anos, desde que a eles seja aplicável, segundo a lei portuguesa, pena de
prisão superior a dois anos (art. 83º/4).

133
Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Em relação aos crimes anteriores (2): só há reincidência quando o novo crime for praticado depois do trânsito
em julgado da condenação anterior.

 Isto não se exige na pena relativamente indeterminada: não é necessário o transito em julgado da
sentença; não é um pressuposto formal da PRI.

Já relativamente à denominada “delinquência por tendência menos grave” são pressupostos de aplicação de
uma pena relativamente indeterminada, de acordo com o art. 84º/1:

(1) Que o agente pratique um crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão efetiva;
(2) Tendo cometido anteriormente quatro ou mais crimes dolosos;
(3) A cada um dos quais tenha sido ou seja aplicada pena de prisão efetiva;
(4) Sempre que se verificarem os restantes pressupostos fixados no nº 1 do artigo anterior.

Sendo tomados em conta os factos julgados em país estrangeiro que tiverem conduzido à aplicação de uma
pena de prisão efetiva, desde que a eles seja aplicável, segundo a lei portuguesa, pena de prisão (art. 84º/4).

Com as alterações introduzidas pelo DL nº 48/95 ficou esclarecido que se exige que o agente tenha sido ou seja
condenado em pena de prisão efetiva por certo tempo ou em pena de prisão efetiva, o que afasta condenações
em pena de substituição e os casos em que a pena de prisão foi cumprida na sequência de revogação da pena
de substituição.

Já estão, porém, incluídas as condenações em pena de prisão efetiva que seja executada no regime de
permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do disposto
no art. 43º/1/a)/b).

Passou também a resultar claro, com as alterações de 1995, que a aplicação da pena relativamente
indeterminada não exige a condenação pelos crimes anteriormente praticados, bastando-se com a sua prática:
é pressuposto que a cada um dos crimes anteriores tenha sido ou seja aplicada pena de prisão por certo tempo
ou pena de prisão efetiva.

Prevê-se um prazo de “prescrição” da tendência, na medida em que qualquer crime deixa de ser tomado em
conta, quando entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos, não sendo
computado neste prazo o período durante o qual o agente cumpriu medida processual, pena de prisão ou
medida de segurança (art. 83º/3 e 84º/3).

 O que também abrange o período em que o condenado esteve em liberdade condicional ou em


liberdade para prova

 O tempo de duração de uma e de outra não deve ser computado no prazo de prescrição, na medida em
que estamos perante dois incidentes da execução.

Além dos pressupostos formais, é pressuposto material de aplicação da pena relativamente indeterminada
que, a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revele uma acentuada inclinação
para o crime, que no momento da condenação ainda persista (art. 83º/1, parte final, e art. 84º1, parte final).

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Direito Penal III
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Além da culpa, a pena relativamente indeterminada tem como pressuposto de aplicação a perigosidade
criminal do agente. Dada a natureza mista da pena relativamente indeterminada é de exigir o respeito pelo
princípio da proporcionalidade, hoje expressamente consagrado nº 3 do artigo 40º, no momento de dar como
verificado, ou não, o pressuposto material.

2.2. Limites de duração

Nos termos do disposto no nº2 do art. 83º do CP, aos delinquentes por tendência grave aplica-se uma pena
relativamente indeterminada que tem um mínimo correspondente a 2/3 da pena de prisão que concretamente
caberia ao crime cometido e um máximo correspondente a esta pena acrescida de seis anos, sem exceder vinte
e cinco anos no total.

Para os casos de delinquência por tendência menos grave, dispõe o nº2 do art. 84º que a pena relativamente
indeterminada tem um mínimo correspondente a 2/3 da pena de prisão que concretamente caberia ao crime
cometido e um máximo correspondente a esta pena acrescida de quatro anos, sem exceder vinte e cinco anos
no total.

Para a determinação dos limites, mínimo e máximo, de duração da pena relativamente indeterminada é
necessário determinar a medida da pena que concretamente caberia ao crime cometido, de acordo com os
critérios gerais de determinação da medida da pena (art. 71º).

É a partir deste quantum de pena que se estabelecem depois os limites, mínimo e máximo, de duração desta
sanção (Acórdão do STJ de 28-02-2013. Proc. 372/12).

3. Agentes com menos de 25 anos de idade

Em razão da idade do agente há uma atenuação do regime da pena relativamente indeterminada (art. 85º) que
se concretiza no seguinte:

 O disposto nos arts. 83º e 84º só é aplicável se o agente tiver cumprido prisão no mínimo de um ano;

 Nestas hipóteses o limite máximo da pena relativamente indeterminada corresponde a um acréscimo de


quatro ou de dois anos à prisão que concretamente caberia ao crime cometido; o prazo de “prescrição da
tendência” é de três anos nos casos de delinquência grave.

4. Alcoólicos e equiparados

Segundo os arts. 86º/1, e 88º do CP, se um alcoólico, pessoa com tendência para abusar de bebidas alcoólicas
ou pessoa que abuse de estupefacientes praticar crime a que devesse aplicar-se concretamente prisão efetiva
e tiver cometido anteriormente crime a que tenha sido aplicada também prisão efetiva, é punido com uma
pena relativamente indeterminada sempre que os crimes tiverem sido praticados em estado de embriaguez,
estiverem relacionados com o alcoolismo ou com o abuso de estupefacientes ou com a tendência do agente.

Nestes casos, a pena tem um mínimo correspondente a dois terços da pena de prisão que concretamente
caberia ao crime cometido e um máximo correspondente a esta pena acrescida de dois anos na primeira
condenação e de quatro nas restantes, sem exceder vinte e cinco anos (art. 86º/2 e art. 88º CP).

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

5. Agentes da prática de crime de incêndio florestal

De acordo com o artigo 274º-A/4, quem praticar crime doloso de incêndio florestal a que devesse aplicar-se
concretamente prisão efetiva e tiver cometido anteriormente crime doloso de incêndio florestal a que tenha
sido ou seja aplicada pena de prisão efetiva, é punido com uma pena relativamente indeterminada sempre que
a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar acentuada inclinação para a
prática deste crime, que persista no momento da condenação.

Nestes casos, a pena tem um mínimo correspondente a dois terços da pena de prisão que concretamente
caberia ao crime cometido e um máximo correspondente a esta pena acrescida de dois anos na primeira
condenação e de quatro nas restantes, sem exceder vinte e cinco anos (art. 86º/2, e 274º-A/5 CP).

6. Execução

Dispõe o art. 89º/1/2, do CP que, em caso de aplicação de pena relativamente indeterminada, é elaborado,
com a brevidade possível, um plano individual de readaptação do delinquente com base nos conhecimentos
que sobre ele houver e, sempre que possível, com a sua concordância, o qual poderá sofrer, no decurso do
cumprimento da pena, as modificações exigidas pelo progresso do delinquente outras circunstancias
relevantes (cf. art. 89º/3 CP e 21º CE).

Tratando-se de alcoólicos e de agentes que abusem de estupefacientes, a execução da pena é orientada no


sentido de eliminar o alcoolismo ou a toxicodependência do agente ou combater a sua tendência para abusar
de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes (art. 87º e 88º).

Tratando-se de agente da prática do crime de incêndio florestal, a execução da pena relativamente


indeterminada é orientada no sentido combater a tendência para a prática deste tipo de crime (art. 274º-A/5 e
87º).

O tempo de pena que o condenado em pena relativamente indeterminada deve cumprir não é determinado
na decisão condenatória.

 É determinado já na fase de execução, uma vez cumprido o limite mínimo que é legalmente fixado por
referência à medida da pena que ao crime caberia segundo os critérios estabelecidos no art. 71º.

Com as alterações introduzidas pelo DL nº 48/95, o tempo de pena efetivamente cumprido é determinado
quer a partir de regras de execução da pena de prisão, que funcionarão até ao momento em que se mostrar
cumprida a pena que concretamente caberia ao crime cometido, quer segundo regras de execução da medida
de segurança de internamento, a partir deste momento e até ao limite máximo da pena relativamente
indeterminada (art. 90º CP e, em especial, art. 164º/2, 165º/4, 180º/2 CE).

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Direito Penal III
Maria Madalena Cavaleiro

Como é que se determina a pena relativamente indeterminada? Quais são as operações de determinação
da pena relativamente indeterminada?

(1) Determina-se a pena concreta que se aplicaria se não se condenasse o agente em pena relativamente
indeterminada;

(2) A partir da pena concreta que lhe aplicaria se ele fosse um delinquente normal, ela é transformada
numa pena relativamente indeterminada, nos termos do art. 83º/2 CP.

Se o juiz lhe aplicasse, como se fosse um delinquente normal, uma pena de 9 anos, então seria entre 6
(2/3 de 9) e 15 anos (6+9).

Nos termos do art. 84º CP, acrescentam-se apenas 4 anos e não 6 à pena concreta, porque são
delinquências menos graves.

6.1. Regras até se mostrar cumprida a pena que caberia ao crime

Até ao momento em que se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime cometido, pode ser
concedida a liberdade condicional ao condenado (art. 90º/1/3 CP e 173º e ss. CE).

O condenado é colocado em liberdade condicional quando se encontrar cumprido o limite mínimo da pena
relativamente indeterminada (2/3 da pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido), se nisso
consentir, se se encontrarem cumpridos no mínimo 6 meses de prisão e se se revelar preenchido o requisito
constante da alínea a) do nº 2 do art. 61º CP – se for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do
caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão,
que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer
crimes (art. 61º/1/3, por remissão do art. 90º/1).

De acordo com o disposto no nº 2 do art. 90º, a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo que
faltar para atingir o limite máximo da pena, mas não será nunca superior a 5 anos.

Na prática, desta regra de duração – idêntica à que está prevista no nº 5 do art. 61º – poderá resultar que seja
ultrapassada a pena que concretamente caberia ao crime cometido, caso em que a pena relativamente
indeterminada continuará a ser executada como pena.

Desta disposição legal poderá, pois, decorrer um desvio à regra segundo a qual a pena relativamente
indeterminada é executada como medida de segurança a partir do momento em que se mostrar cumprida a
pena que concretamente caberia ao crime cometido.

Sem que isso signifique, necessariamente, a execução de uma pena não suportada pela culpa, uma vez que a
pena que concretamente caberia ao crime cometido pode ter ficado aquém da pena máxima consentida pela
culpa do agente.

Se a liberdade condicional não for concedida, atingido o limite mínimo da pena relativamente indeterminada,
há renovação anual da instância até se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime
cometido (art. 180º/2/a) CE).

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Maria Madalena Cavaleiro

Disposição sintomática de que é durante a execução que é determinado o tempo de prisão efetivamente
cumprido pelo condenado.

Por remissão do nº 1 do artigo 90º do CP, aplica-se o regime da liberdade condicional previsto no art. 64º
deste Código, valendo aqui, inteiramente, as normas sobre a imposição de regras de conduta, sobre a falta de
cumprimento destas regras ou do plano de readaptação social e sobre os motivos da revogação da liberdade
condicional.

Em caso de revogação e até se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime cometido, a
liberdade condicional pode ser concedida de novo passados 2 anos sobre o início da continuação do
cumprimento da pena e, caso não seja concedida, decorrido cada período ulterior de 1 ano (art. 180º/2/b) CE).

Por força do disposto no artigo 274º-A/5, primeira parte, do CP, a concessão da liberdade condicional a quem
seja condenado em pena relativamente indeterminada pela prática de crime de incêndio florestal pode ser
subordinada à obrigação de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à
distância, no período coincidente com os meses de maior risco de ocorrência de fogos (art. 1º/1/f) Lei nº
33/2010).

6.2. Regras depois de se mostrar cumprida a pena que caberia ao crime

Depois de se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime cometido, a pena relativamente
indeterminada passa a ser executada segundo as regras de execução da medida de segurança de internamento
de inimputável. São-lhe aplicáveis, correspondentemente, tais regras.

Por força do disposto no art. 274º-A/5, primeira parte, do CP, o condenado em pena relativamente
indeterminada pela prática de crime de incêndio florestal pode cumprir a pena, a partir daquele momento, sob
a forma de privação da liberdade coincidente com os meses de maior risco de ocorrência de fogos (cf. art.
1º/1/f), da Lei nº 33/2010).

Quando se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime cometido, o condenado poderá ser
libertado por aplicação de regras de execução da medida de segurança de internamento ou porque foi
atingido, entretanto, o limite máximo da pena relativamente indeterminada (art. 90º/3 CP e art. 164º/2 CE).

Por remissão do nº3 do artigo 90º CP é aplicável o disposto no nº1 do artigo 92º CP, de onde decorre que a
pena relativamente indeterminada finda, libertando-se o condenado, quando o tribunal verificar que cessou o
estado de perigosidade criminal que deu origem à aplicação da sanção e que, por outro lado, justificou a
continuação da execução da mesma, para além da pena que concretamente caberia ao crime.

A causa justificativa da libertação do condenado pode ser apreciada a todo o tempo, havendo apreciação
obrigatória, independentemente de requerimento, decorridos 2 anos sobre o momento em que se mostrar
cumprida a pena que concretamente caberia ao crime cometido ou sobre a decisão que tiver mantido a
execução da sanção (art. 93º/1/2, por remissão do art. 90º/3).

Por remissão do nº3 do artigo 90º do CP, o condenado é colocado em liberdade para prova, sendo aplicáveis as
regras gerais deste incidente de execução da medida de segurança de internamento (art. 94º e 95º), se da
revisão da situação do condenado nos termos dos nº 1 e 2 do artigo 93º, resultar que há razões para esperar
que a finalidade da sanção possa ser alcançada em meio aberto.

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Por força do disposto no artigo 274º-A/5, primeira parte, a concessão da liberdade para prova a quem seja
condenado em pena relativamente indeterminada pela prática de crime de incêndio florestal pode ser
subordinada à obrigação de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à
distância, no período coincidente com os meses de maior risco de ocorrência de fogos (cf. art. 1º/1/f) Lei nº
33/2010).

Se o condenado em pena relativamente indeterminada atingir o limite máximo da sanção – não foi colocado
em liberdade condicional ou em liberdade para prova ou, tendo sido, houve revogação -, é libertado logo que
atinja tal limite ainda que subsista a perigosidade criminal (cf. art. 479º CPP e 23º e 24º CE).

Diferentemente do que sucede em matéria de medida de segurança de internamento, não há lugar à


prorrogação da sanção, nomeadamente nos termos do disposto no nº 3 do artigo 92º CP.

MAIS NOTAS – Aula teórica

O agente tem de cumprir pelo menos 2/3 da pena concreta que caberia ao crime. Quando alguém é condenado
em pena relativamente indeterminada, a liberdade condicional só se coloca ao fim do cumprimento mínimo:
significa sempre o cumprimento de 2/3 da pena que lhe seria aplicada se o agente não fosse condenado em
pena relativamente indeterminada.

A pena relativamente indeterminada surge para colmatar as insuficiências da pena. Se o agente não fosse
condenado em pena relativamente indeterminada, ao fim de 5/6 de 9 anos era obrigatoriamente posto em
liberdade condicional (recordando o exemplo atrás mencionado).

 Assim, com a pena relativamente indeterminada, vai poder estar privado da liberdade 15 anos.

Acredita-se que esta é uma forma de colmatar a insuficiência da pena indeterminada para os casos de
delinquência por tendência grave: conseguimos uma privação da liberdade para além daquela que ocorreria se
a pena não fosse relativamente indeterminada.

Quando o caso for de pena relativamente indeterminada há uma preocupação particular com a execução –
art. 89º CP: é elaborado um plano individual de readaptação do agente.

A execução da pena relativamente indeterminada é uma execução mais próxima da execução da pena do que
acontece nos casos normais.

No caso dos alcoólicos, a execução da pena é feita com o objetivo de acabar com o alcoolismo.

Relativamente ao crime de incêndio florestal, MARIA JOÃO ANTUNES diz que o problema não está no fogo posto,
mas sim na nossa negligência. É a negligência e não o dolo que está muitas vezes aqui presente, segundo
MARIA JOÃO ANTUNES .

Aqui não podemos achar que os incendiários são sempre pessoas com perturbações psíquicas. Há incendiários
com anomalia psíquica e a esses aplica-se uma medida de segurança de internamento.

Para mostrar que a medida de segurança de internamento visa finalidades preventivo-especiais: tivemos
sempre no direito português a possibilidade de internar um incendiário inimputável apenas nos meses do
verão, coincidentes com a época normal de fogos.

Se o objetivo da medida de segurança é só preventivo-especial então só o preciso de ter internado na época


normal de fogos.

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Até 2017, o sistema era muito rígido. Sempre que houvesse um incendiário inimputável havia um internamento
intermitente. Para MARIA JOÃO ANTUNES diz que não faz muito sentido porque pode ser desadequado tirá-lo do
internamento em outubro só porque deixa de ser altura de fogos e ele estava a meio de um internamento.

Atenção que os incendiários não são todos pirómanos. (!)

Portanto, a pena relativamente indeterminada serve para suprir as insuficiências da pena.

Esta foi uma forma que EDUARDO CORREIA congeminou para fugir às soluções dualistas.

Por via do art. 90º CP, temos que dizer que a pena relativamente indeterminada é uma sanção que na sua
execução é executada em parte como uma pena e noutra como uma medida de segurança.

E por isso é que nós dizemos que o sistema sancionatório português é tendencialmente monista.

 Não é monista puro porque temos a pena relativamente indeterminada.

Pode muito bem acontecer que a partir dos 9 anos, voltando ao exemplo anterior, já estejamos a executar uma
sanção que a culpa não justifica e o que justifica a continuação da execução daquela sanção é autonomamente
a perigosidade criminal do agente.

A pena relativamente indeterminada é uma sanção de natureza mista na sua execução.

Em princípio, relativamente a esta pena de 9 anos, desde que se inicia e até aos 9 anos, estamos a executar
uma pena. Dos 9 aos 15 anos já estamos a executar em bom rigor uma medida de segurança.

Ou seja, até aos 9 anos, tudo se passa como se estivéssemos a executar uma pena. Vale aqui o instituto da
liberdade condicional, portanto, o indivíduo condenado em pena relativamente indeterminada sabe que no
mínimo vai ter que cumprir 6 anos; mas até aos 9 anos pode ser colocado em liberdade condicional – art. 90º/1
CP.

Ou seja, o tribunal de execução de penas, atingido o limite mínimo da pena relativamente indeterminada que
coincide com 2/3 da pena que corresponde ao crime, pode colocar o condenado em liberdade condicional (os
pressupostos são os do nº1 e nº3 do art. 61º CP – já não se avalia de forma autónoma as exigências de
prevenção geral, valem apenas o requisitos da prevenção especial).

Por quanto tempo pode ser posto em liberdade condicional? No máximo, durante 5 anos, ou seja, até aos 11
anos. Temos aqui um caso em que ultrapassamos os 9 anos e continua a ser executada uma pena porque está
em liberdade condicional.

 Este indivíduo afinal acabou cumprir uma pena de prisão de 11 anos.

Se ele não for posto em liberdade condicional, no mínimo pode ser posto em liberdade condicional ao fim de 1
ano (aos 7 anos), depois aos 8 anos outra vez.

A partir do momento em que ultrapasse os 9 anos, a pena relativamente indeterminada passa a ser executada
de acordo com as medidas de segurança – art. 90º/2 CP.

A partir dos 9 anos, seguimos as regras das medidas de segurança e pode ser posto em liberdade se o tribunal
concluir que cessou a perigosidade (instituo da revisão) ou pode ser posto em liberdade para prova.

Se não terminar a pena relativamente indeterminada porque cessou a perigosidade, se não foi posto em
liberdade para prova então é obrigatoriamente posto em liberdade ao fim de 15 anos.

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Quando alguém é condenado numa pena relativamente indeterminada, nós sabemos o momento em que o
agente é posto em liberdade, através de vários institutos: liberdade condicional, reexame, liberdade para
prova. Na pior das hipóteses, é posto em liberdade no fim do limite máximo.

MARIA JOÃO ANTUNES diz que podemos estar aqui a exceder a culpa...

Não é por a pena relativamente indeterminada não ser aplicada que devemos acabar com ela, MARIA JOÃO
ANTUNES diz que devemos é repensar o nosso sistema sancionatório.

7. Considerações finais

A pena relativamente indeterminada convoca uma reflexão sobre a opção politico-criminal por um sistema
sancionatório tendencialmente monista, por referência à opção alternativa pelo monismo ou pelo dualismo e
ao debate mais amplo sobre a subsistência da medida de segurança enquanto reação criminal e por referência,
ainda, a um certo ressurgimento da medida de segurança privativa da liberdade aplicável a agente imputável
perigoso.

Com efeito, quando se pensava aberto o debate sobre o retorno a um “direito penal de penas” foram surgindo
leis que o adiaram.

 Por exemplo, as leis alemãs sobre os delitos sexuais e outros delitos perigosos de 26 de janeiro de 1998, a
introdução da medida de segurança sob reserva de 21 de agosto de 2002 e a introdução da medida de
segurança a posteriori de 23 de julho de 2004;

 E a lei francesa que introduziu a prisão de segurança de 25 de fevereiro de 2008.

A consequência foi a abertura de um outro debate sobre o novo direito penal da perigosidade de que são
exemplo a decisão do Conselho Constitucional francês de 21 de fevereiro de 2008 (2008-562 DC), a do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 17 de dezembro de 2009 (Case of M. c. Germany, nº
19359/09) e a do Tribunal Constitucional alemão de 4 de maio de 2011.

Sem esquecer que neste debate se inscreve também a (re) introdução em 2015, da pena de prisão
perpétua no artigo 33º/2/a), do CP espanhol, sob o nome de pena de prisão permanente revisível.

É sabido que o sistema sancionatório ainda hoje em vigor terá sido ditado também por razões políticas, em
sentido estrito.

Em 1963, ao autor do Projeto da Parte Geral do Código Penal, Eduardo Correia, não terá sido indiferente o
momento de ditadura que Portugal então vivia e a experiência nacional e estrangeira de utilização das medidas
de segurança como arma política.

É sabido também que a pena relativamente indeterminada é raramente aplicada e que os tribunais quase não
fazem uso do artigo 20º/2 CP.

É certo, porém, que o destino de soluções legislativas político-criminalmente adequadas não pode estar, pura e
simplesmente, na mão dos “não aplicadores do direito.

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